Reforma. Ontem e hoje - Revista Novolhar, Ano 11, Número 53, Setembro e Outubro, 2013

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Reforma sempre

Nova igreja ou reforma da igreja? Pilares da Reforma Vocação para a ecumene Prosperidade ou justificação? Mística em Lutero As mulheres na Reforma Onde estão os luteranos hoje?

ÍNDICE

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ASSEMBLEIA DO CMI Por unidade, paz e justiça

Ano 11 –> Número 53 –> Setembro/Outubro de 2013

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Implicações para hoje e o futuro

Entrevista com Leonardo Boff sobre o papa

REFORMA

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CATOLICISMO

PENSAMENTOS Consoladoras mensagens cotidianas

SEÇÕES OLHAR COM HUMOR > 6 MOSAICO BÍBLICO > 6 NOTAS ECUMÊNICAS > 7

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COMPORTAMENTO A criança que mora dentro da gente

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PARCERIAS Ricardo Gondim: Penitência sem carolices

TESTEMUNHOS > 33 O REFORMADOR > 34 REFLEXÃO > 38 ESPIRITUALIDADE > 40 PENÚLTIMA PALAVRA > 42 NOVOLHAR.COM.BR –> Set/Out 2013

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AO LEITOR Revista bimestral da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil-IECLB, editada e distribuída pela Editora Sinodal CNPJ 09278990/0002-80 ISSN 1679-9052

Diretor Nestor Paulo Friedrich Coordenador Eloy Teckemeier Redator João Artur Müller da Silva Editor Clovis Horst Lindner Jornalista responsável Eloy Teckemeier (Reg. Prof. 11.408) Conselho editorial Clovis Horst Lindner, Doris Helena Schaun Gerber, Eloy Teckemeier, Ingelore Starke Koch, João Artur Müller da Silva, Marcelo Schneider, Nestor Paulo Friedrich, Olga Farina e Vera Regina Waskow. Arte e diagramação Clovis Horst Lindner Criação e tratamento de imagens Mythos Comunicação - Blumenau/SC Capa Arte: Cristiano Zambiasi Jr. Impressão Gráfica e Editora Pallotti Colaboradores desta edição Astrid Prange, Claudio Böning, Donário Bencke, Leandro Hofstaetter, Leonardo Boff, Luciana Berner, Luciana Reichert, Marcelo Schneider, Ricardo Gondim, Ricardo Willy Rieth, Robson Luis Neu, Romi Márcia Bencke, Rui Bender, Ruthild Brakemeier, Soraya Heinrich Eberle e Walter Altmann.

Publicidade Editora Sinodal Fone/Fax: (51) 3037.2366 E-mail: editora@editorasinodal.com.br Assinaturas Editora Sinodal Fone/Fax: (51) 3037.2366 E-mail: novolhar@editorasinodal.com.br www.novolhar.com.br Assinatura anual: R$ 30,00 Correspondência E-mail: novolhar@editorasinodal.com.br Rua Amadeo Rossi, 467 93030-220 São Leopoldo/RS

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Decisão necessária

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m fins de 2003, a Editora Sinodal assinou um memorando com a Presidência da IECLB para a edição e a distribuição da revista Novolhar, no qual ficou estabelecido, entre outros, que caberiam à Editora Sinodal todos os bônus e ônus advindos dessa publicação. A Editora Sinodal, nestes dez anos de publicação da Novolhar, nunca teve um bônus. No máximo, houve empate financeiro em um ou outro ano. Especialmente nos últimos quatro anos, com a diminuição no número das assinaturas e dos anunciantes, a dificuldade na sustentação financeira equilibrada da revista aumentou demasiadamente. Tentativas de aumentar o número de assinantes foram feitas, mas sem êxito, e a Editora Sinodal teve que arcar com os déficits da revista no período. Considerando que a Editora Sinodal se mantém através da edição e da venda dos seus produtos (que somam ao redor de 30 anualmente) e não pode comprometer a produção dos mesmos em detrimento de um produto altamente deficitário, no caso a Novolhar, decidimos terminar a edição bimestral da revista com o número 54, de novembro/dezembro de 2013. Lamentamos profundamente ter que tomar essa decisão, que é necessária. Mas lamentamos muito mais a falta de acolhida desta publicação periódica por parte de ministros, ministras, comunidades e sínodos da IECLB, acolhida essa que poderia ter resultado no aumento de assinaturas e consequente manutenção da publicação. Temos a certeza de que sempre honramos os objetivos propostos desde a concepção da revista. No período de uma década de trabalho, do qual nos orgulhamos por sua qualidade e profundidade, foram publicados 54 números da revista. Estiveram envolvidos nesta caminhada o editor, pastor Clovis Horst Lindner; o redator, pastor João Artur Müller da Silva; e um apaixonado e dedicado Conselho Editorial, ao qual agradecemos todo o envolvimento. Mas também a uma extensa equipe de colaboradores e colaboradoras, que construíram os textos, as imagens e a reputação da Novolhar. Nosso sincero agradecimento a todos e todas que acreditaram, apoiaram e divulgaram a revista Novolhar nestes dez anos de sua existência. Eloy Teckemeier Diretor da Editora Sinodal e Coordenador da Novolhar

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opinião

IECLB

Liberdade é tema no mês da Reforma

a caminhada rumo ao Jubileu da Reforma em 2017, haverá estações intermediárias. O convite feito pela Comissão do Jubileu da IECLB é que uma dessas estações em 2013 seja o mês de outubro, para abordar o assunto “Liberdade à luz da Reforma”. O objetivo é promover o tema em estudos, pregações, cantos, textos e outros meios na Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil-IECLB. “Nos grupos em que se refletiu sobre essa sugestão, viu-se que outubro é tempo oportuno para colocar no foco um dos temas centrais da Reforma”, conclama o pastor presidente Nestor Friedrich. Para subsidiar as atividades a serem desenvolvidas sobre o tema liberdade, há uma rica opção de subsídios no Portal Luteranos (www.luteranos. com.br). Basta inserir a palavra liber-

FRIEDRICH: O tema liberdade é um aspecto central da teologia luterana. Ele está estampado no rosto da IECLB

Rui Bender

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“Para a liberdade foi que Cristo nos libertou. Permanecei, pois, firmes e não vos submetais, de novo, a jugo de escravidão” (Gálatas 5.1).

dade na Busca Avançada e a lista de textos aparecerá. “Envie sua sugestão de reflexão para presidencia@ieclb. org.br e nós disponibilizaremos pelo Portal Luteranos”, desafia Friedrich. “O tema liberdade é um aspecto central da teologia luterana. Antes disso, está no coração da teologia paulina. Por conseguinte, está no alicerce da nossa Teologia; está estampado no rosto da IECLB. Por isso será relevante se conseguirmos repercutir esse tema em outubro”, pondera o pastor presidente.

Visite nosso site Os conteúdos de todas as edições da NOVOLHAR estão à sua disposição no site. Visite, consulte, faça uso: www.novolhar.com.br

Tema da próxima edição

A edição nº 54, de Novembro/Dezembro de 2013, abordará a AGRICULTURA FAMILIAR. A produção de alimentos sem agrotóxicos. Dificuldades e desafios para as famílias que optam pela agricultura alternativa. Agroecologia nos dias de hoje. Estes e outros assuntos estarão nas páginas da Novolhar.

Nome bem lembrado Cumprimento todos os que produzem a Novolhar pela seriedade e qualidade que imprimem à publicação rotineiramente. A celebração dos 35 anos do CAPA (nº 52) proporcionou-me algumas recordações. Algumas, por um dever de justiça, trago a público. O tema da edição é a inclusão, mas a prática mais comum na IECLB é a exclusão dos nomes daqueles que dedicaram muitos anos de suas vidas ao trabalho na igreja. E não se trata de culto ao personalismo, apenas de um justo reconhecimento. No caso específico, alguém que, sozinho, foi na prática o mentor e realizador do trabalho do CAPA em “74 municípios no RS e 38 em SC” (dá para imaginar isso?), esse merece ter seu nome citado e sempre lembrado. Por isso me manifesto. Não por ser meu irmão, mas porque foi quem “tocou” o CAPA, e ainda hoje muitos agricultores preservam seus ensinamentos, práticas e motivações. Helio L. Musskopf, eu e muitos outros reconhecemos tua luta e dedicação à causa dos pequenos agricultores e tua fidelidade às bandeiras da agricultura familiar e do respeito à natureza. E se um dia a nossa igreja fizer a “inclusão” para o reconhecimento dos obreiros leigos, talvez a colheita se torne mais farta. Aos que seguem o trabalho no CAPA, coragem e fé. A ideia é justa, os beneficiários são merecedores e o trabalho vale a pena. Parabéns a todos pelos 35 anos de insistência técnica. Egon Hilario Musskopf Por e-mail – Novo Hamburgo (RS)

Matérias interessantes Olá e bom dia, amigos(as) da revista Novolhar! Leio muito as suas edições, sempre com matérias muito interessantes e de muito bom gosto. Tenho muitas revistas de vocês em minha casa... Um abração e fiquem com Deus ! José Paulo Bock Pelo Facebook NOVOLHAR.COM.BR –> Set/Out 2013

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olhar com humor

MOSAICO BÍBLICO

Jakob Jordaens: Die vier Evangelisten (em torno de 1620)

Por que quatro evangelhos?

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Da mesma maneira que os vários tipos de mídia oferecem diferentes pontos de vista acerca de um mesmo acontecimento, assim também cada evangelho oferece sua própria visão. Mateus, Marcos e Lucas foram escritos a partir do mesmo viés e por essa razão são chamados de evangelhos “sinóticos”, palavra derivada de um termo grego que significa “a partir do mesmo ponto de vista”. O conteúdo, a linguagem e a ordem dos acontecimentos nesses três evangelhos são muito semelhantes. Em contrapartida, João escreve a partir de um ponto de vista diferente dos demais. A maioria dos estudiosos entende que Marcos foi o primeiro evangelho escrito, tendo sido posteriormente utilizado como material de referência para Mateus e Lucas, que também acrescentaram seus próprios conteúdos. Nos dias de hoje, isso poderia ser considerado “plágio”, mas, naqueles dias, era uma maneira de honrar e conferir autenticidade ao material. João, entretanto, escreveu seu relato de modo independente dos outros evangelhos. N Fonte: Guia Prático da Bíblia, Mike Beaumont – Sociedade Bíblica do Brasil

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Notas ecumênicas

Cristotecas: A Pastoral de Evangelização Noturna da Igreja Católica conta com 78 DJs no Rio e em São Paulo, responsáveis pelas “cristotecas” ou “baladas santas”. Em meio à fumaça branca, Bíblia na mão, o DJ faz uma breve oração e dá início à balada, normalmente abrigada em salão paroquial anexo ao templo.

Pastor evangélico

PESQUISAS Deus trabalha no coração das pessoas. Se somos transformados interiormente, é essa experiência que tem seguido nas instituições educativas que seguem transformando a experiência humana. ADOLFO NICOLAS é superior-geral da Companhia de Jesus (Jesuítas)

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Tornar-se um pastor evangélico é o sonho de muitos jovens pelo país e uma possível carreira para um ex-jogador de futebol. O neopentecostalismo oferece aos jogadores de futebol, de modo especial aos que vivem a experiência da solidão quando no exterior, uma nova cosmologia capaz de integrar suas novas experiências de vida, além de possibilitar aos jogadores-celebridades ‘viverem como milionários sem culpa’.

Juventudes

CARMEN SILVIA RIAL é antropóloga e professora da Universidade Federal de Santa Catarina-UFSC

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O abuso contra mulheres é uma contradição frontal à Declaração dos Direitos Humanos, assinada por praticamente todos os países do mundo. Alguns líderes religiosos abusaram da religião ao ler textos sagrados para justificar a dominação dos homens e a inferioridade das mulheres, o que é incompatível com as crenças religiosas. JIMMY CARTER, ex-presidente dos EUA, no Fórum de Defensores dos Direitos Humanos, no Centro Carter, em Atlanta-Geórgia, em junho, sobre o tema “Mobilizando a fé pelas mulheres”.

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Mulheres

“cristo bota fé nos jovens!” PAPA FRANCISCO, durante discurso no Rio de Janeiro. NOVOLHAR.COM.BR –> Mai/Jun 2013

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CAPA

ATUALIDADE A Reforma iniciada por Martim Lutero em Wittenberg, em 1517, transformou a Europa e o mundo. Sua força transformadora atinge milhões de pessoas no século 21. Esta foto é parte do material da Igreja Evangélica da Alemanha para debater o tema “Reforma e Tolerância”

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Nova igreja ou reforma da igreja? por Luciana Reichert

O MONGE MARTIM LUTERO, PROFESSOR DE TEOLOGIA EM WITTENBERG, NUNCA BUSCOU UMA OUTRA IGREJA. AQUELA ERA A SUA IGREJA, QUE PRECISAVA APENAS DE UM ACERTO NA ROTA. A ASSOCIAÇÃO DO MOVIMENTO A SEU NOME E O SEU USO PARA DESIGNAR UM NOVO MOVIMENTO RELIGIOSO IAm CONTRA A SUA VONTADE. O SEU MOVIMENTO, NO ENTANTO, TRANSFORMOU A EUROPA E O MUNDO.

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m 1483, em Eisleben na Alemanha, nascia o reformador da igreja cristã. Martin Luther ou Martim Lutero foi monge da Ordem dos Agostinianos e ordenado para o sacerdócio. Ele se doutorou em Teologia em 1512, quando passou a atuar como professor na área de Bíblia até o final de sua vida em 1546. Foi em 1517 que seus questionamentos sobre práticas da igreja deram início ao movimento reformista, chamado protestante. Lutero enviou aos bispos, aos quais devia obediência, 95 teses a respeito do valor das indulgências. Conforme o doutor em Teologia Martin N. Dreher, em seu livro “História do Povo Luterano”, as teses foram críticas justificadas a abusos na prática das indulgências e uma contribuição acadêmica para a sua superação. “Com a publicação das 95 teses, Lutero nada mais pretendia do que o esclarecimento teológico de uma questão que o envolvia como cura d’almas e que tinha implicações para a piedade de seus paroquianos: a indulgência. A indulgência está relacionada ao sacramento da Penitência. Na Penitência, esperavam-se o arrependimento do pecador, a confissão na presença de um sacerdote, a absolvição e a satisfação imposta.

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Na satisfação, o pecador deveria fazer uma reparação ou expiação por causa do castigo que o pecado acarretava. Era opinião corrente de que o pecado não só acarretava culpa, mas também castigo. Esse castigo deveria ser assumido na terra ou expiado no purgatório”, diz Dreher em seu livro. As indulgências tinham uma grande importância sob o aspecto financeiro. Tanto a Cúria como o Estado papal beneficiavam-se com a venda delas. Lutero zelava pela correta doutrina e pregação da igreja e era contra a doutrina do “tesouro da igreja”. Para o monge, o verdadeiro tesouro da igreja era o santíssimo evangelho da glória e da graça de Deus. Conforme o teólogo e professor de História da Igreja Osmar Luiz Witt, ao divulgar as

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95 teses, Lutero queria promover uma discussão sobre a prática da venda de cartas de indulgência, as quais eram oferecidas ao povo como forma de merecimento para diminuir as penas no purgatório. “Estavam sendo cometidos abusos, constatados por Lutero também no confessionário, aonde as pessoas não vinham arrependidas de seus pecados, mas apenas com medo da perdição”, destacou. Com as teses, traduzidas e impressas, ganhando popularidade e amea­ çando o negócio das indulgências, Lutero foi denunciado em Roma. “Daí em diante, o movimento da Reforma produziu antagonismos sempre maiores. Em 1520, Lutero escreveu três livros que se tornaram muito famosos. Neles, o reformador apresentou o que julgava ser importante para que pudesse acontecer uma reforma da igreja: À nobreza cristã da nação alemã, Do cativeiro babilônico da Igreja e Da liberdade cristã”, acrescentou Witt. Lutero foi excomungado em abril de 1521 e também perdeu seus direitos de cidadão. Com o auxílio de muitas pessoas, levou adiante o movimento da Reforma. Segundo Witt, Lutero traduziu a Bíblia para INDULGÊNCIAS: Segundo o professor Osmar Witt, estavam sendo cometidos abusos, constatados por Lutero também no confessionário, aonde as pessoas não vinham arrependidas de seus pecados, mas apenas com medo da perdição.

o alemão, pois não podia conceber vida cristã sem leitura bíblica, e voltou a Wittenberg quando soube que alguns entusiastas pretendiam impor a Reforma com outros meios que não unicamente o anúncio da palavra de Deus. “Lutero estava convencido de que a Palavra traz reforma, como ele mesmo experimentou quando, no estudo da Bíblia, fez a descoberta que modificou sua vida. Ela se tornou libertadora para Lutero. Essa descoberta é resumida em ‘O justo viverá por fé’ (Romanos 1.17).”

Obra do pintor Lucas Cranach

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PROTESTANTE - Witt disse que não havia uma relação direta entre os movimentos da Reforma do século 16 e os pré-reformadores. Esses denunciavam que algo não estava bem no seio da igreja havia muito tempo. “Além disso, Lutero, no debate com um representante papal, sustentou que João Hus (morto no Concílio de Constança em 1416) tinha defendido verdades do evangelho.” Conforme o doutor em Teologia, pastor e professor Wilhelm Wachholz, quatro importantes eventos marcaram

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o surgimento do conceito protestante. O primeiro ocorreu em 1521 com a Dieta de Worms. A dieta era uma assembleia em que príncipes e outras autoridades do Sacro Império Romano da Nação Germânica e da igreja, com a presença do imperador ou seu representante, tratavam de assuntos do império. Nessa assembleia, Lutero acabou perdendo as suas garantias de vida como cidadão do império e seus escritos foram condenados como heréticos por meio do Edito de Worms. Com isso o monge foi viver exilado

uma decisão definitiva fosse tomada. Em outras palavras, cada governante poderia decidir se ele e seus súditos permaneceriam católico-romanos ou passariam a ser protestantes”, explicou o doutor. Em 1529, ano do terceiro evento, ocorreria uma nova dieta, também em Espira. Essa dieta revogou a decisão de 1526, que, na prática, impediria o avanço de mudanças na igreja e não mais se podiam destituir bispos ou padres católicos. As determinações dessa assembleia foram que os cultos

Witt, a Dieta de Speyer (ou Espira, em algumas traduções) foi o lugar onde surgiu o nome “protestante” para o movimento da Reforma. “Os príncipes que tinham aderido à Reforma protestaram contra a tentativa do imperador de fazer com que todos voltassem a submeter-se à autoridade de Roma”, frisou. O quarto evento ocorreu em 1530, quando o imperador Carlos V preparava uma nova dieta para Augsburgo. “O imperador solicitou que os evangélicos explicassem e justificassem as

PREGADOR: O ponto de partida da iniciativa reformadora de Martim Lutero estava na intensa leitura da Bíblia, que modificou a sua vida. Ele estava convencido de que a Palavra de Deus traz reforma. Ouvindo o povo de sua comunidade no confessionário, decidiu agir acerca dos abusos da igreja

no Castelo de Wartburg entre maio de 1521 e março de 1522. A proibição ao movimento liderado por Lutero acabou fracassando, e a Reforma continuou avançando. “No ano de 1526, data do segundo evento, uma nova Dieta Imperial ocorreu, dessa vez em Espira. Essa assembleia decidiu por conceder liberdade aos governantes para introduzir, cada qual em seu respectivo território, a Reforma protestante. Cada governante poderia decidir se e como aplicaria o Edito de Worms, até que

católicos fossem permitidos e deveriam eliminar os adeptos de uma Reforma mais radical. “Diante disso, a minoria evangélica, composta de seis príncipes e 14 cidades do sul da Alemanha, protestou solenemente contra essa revogação da liberdade imposta pela assembleia de 1529. Os líderes evangélicos apresentaram um documento formal, a saber, uma ‘Protestatio’. Esse documento deu origem ao nome do movimento reformatório de protestantes”, disse Wachholz. Conforme o professor Osmar L.

mudanças que introduziram em seus territórios e oferecessem uma base doutrinária básica para rechaçar a acusação de que eram hereges. Disso surgiu a Confissão de Augsburgo, que se tornou um dos símbolos da identidade confessional do movimento luterano até a atualidade”, explicou o doutor em Teologia. NOME EQUIVOCADO - Segundo Wilhelm Wachholz, Martim Lutero sabia apreciar a importância das autoridades civis e sua visão não era

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CAPA

Pilares da Reforma

WACHHOLZ: Lutero não aceitava que a igreja ou o reino de Deus fossem bons e o governo secular ruim. Ambos são dependentes de Deus, já que Deus reina nos dois tipos de governo.

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maniqueísta. Ele não concebia que igreja ou reino de Deus fossem bons e governo secular ruim. “Ambos precisam ser distinguidos e considerados independentes um do outro, mas ambos são dependentes de Deus, pois em ambos os governos Deus reina”, enfatizou. Para ele, Lutero foi reformador da igreja e rejeitava a associação de seu nome ao nome de igreja. “Ele chegou a dizer expressamente assim: ‘Como poderia então eu, mísero e fedorento saco de vermes, estar à altura de que se chamassem os crentes em Cristo pelo meu nome, que não tem nenhum valor? Vamos apagar os nomes partidários e denominar-nos cristãos, segundo Cristo, cujo ensino possuímos. Não sou e não quero ser mestre de ninguém. Possuo, juntamente com a comunidade, o ensino único, geral, de Cristo, o nosso único Mestre (Mateus 23.8)’”, contou. Lutero foi um líder de um movimento que pretendia mudanças na igreja da época. Ele advogou que a igreja somente é santa, apostólica e católica, ou seja, universal, se tem Jesus Cristo como fundamento e autoridade. “A autoridade não pode estar ou ser buscada em outro lugar. Por essa razão, Lutero denunciou a igreja em sua época e pleiteou pela reforma”, disse Wachholz. Conforme o pastor, Lutero pleiteou por reforma e não por mais fé. “Isso me parece importante também para a atualidade, onde se ouve muito ‘você precisa ter mais fé’”, ressaltou.

por Rui Bender

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O professor citou o exemplo de Inácio de Loyola, fundador da Ordem Jesuíta e que viveu à época de Lutero e também pleiteou por mudanças na igreja. Mas, no geral, o pleito era diferente do de Lutero. Segundo ele, Loyola defendia que as pessoas da igreja precisavam aprofundar mais sua vida de fé, enquanto Lutero pleiteava a reforma da teologia. “Não basta mais fé, mas era preciso questionar o ‘tipo de fé’. Para Lutero, assim como fé não é obra humana, mas dádiva de Deus, também a igreja verdadeira não é obra humana, mas obra de Deus em Cristo e que pelo Espírito Santo cria, recria, mantém una e fortalece na santidade a igreja”, frisou. Lutero sempre enfatizou que a salvação é pela graça, não por obras. Como explicou Witt, os luteranos são herdeiros de um movimento que começou no século 16 no interior da una, santa, apostólica e universal igreja cristã. “Lutero não é fundador de nossa igreja, pois a pedra fundamental da N igreja é uma só: Jesus Cristo.”

EM ENTREVISTA, O PASTOR PRESIDENTE NESTOR PAULO FRIEDRICH FALA SOBRE os 500 anos da Reforma Luterana EM 2017, A IECLB, suas relações com a IELB, as recentes manifestações populares e a Campanha Vai e Vem.

LUCIANA REICHERT é jornalista em São Leopoldo (RS)

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dos pilares significaria a renúncia aos fundamentos da fé cristã. Como igreja nacional, procuramos animar-nos e apoiar-nos mutuamente no caminho da fé em Deus, tendo sempre como referência o seu amor e a sua graça, revelados em Jesus Cristo. Igreja luterana é igreja protestante? Nestor Friedrich – O apelido “protestante” surge num contexto e numa circunstância bem determinados: o testemunho público afirmativo de adeptos do movimento da Reforma em defesa da fé evangélica. Se entendermos o apelido na perspectiva do “princípio protestante”, cunhado pelo teólogo Paul Tillich, denotando um senso de inconformidade e crítica a todas as formas de injustiça e de pecado na sociedade, então igreja luterana é protestante. Ela afirma a justiça, a paz e a dignidade da criação e está sempre na defesa da pessoa humana, amada e dignificada por Deus. Com base nessa compreensão do termo “protestante”, no diálogo com a sociedade e em sintonia com as suas demandas, a IECLB assumiu o ministério feminino, empenha-se pela superação da

Rui Bender

Os pilares da Reforma continuam sendo observados ainda hoje na IECLB? Nestor Friedrich – Falar dos pilares da Reforma é lembrar os quatro “somente” (graça, fé, Escritura, Cristo). É destacar a doutrina da justificação por graça e fé somente. A relevância e a centralidade da Escritura. Reconhecer Cristo como critério último no falar e agir da igreja. O caminho da redescoberta do evangelho da graça de Deus inspirou e marcou profundamente a cristandade nos séculos posteriores. Assim, os pilares tornam-se imperativos na busca e na afirmação da Reforma por todos os que se identificam com a causa evangélica. Isso vale para as comunidades que têm vínculo confessional com a IECLB. Os pilares são constitutivos para elas, e sua vocação e seu compromisso permanentes passam pelo testemunho na perspectiva da confissão luterana. Um distanciamento

FRIEDRICH: A constituição de lobbies eclesiásticos contradiz o espírito protestante, e sua atuação presta um desserviço à consciência política

violência contra a mulher e engaja-se por uma justiça socioambiental. Cabe, no entanto, às igrejas luteranas o resgate mais contundente de algumas bandeiras históricas protestantes: a defesa clara da liberdade e do Estado laico, a valorização da educação e da política como exercício da cidadania na sociedade. Quantos membros e quantos ministros tem a IECLB hoje? E desde quando existe o ministério feminino? Nestor Friedrich – Somos 712.817 membros e 1.224 ministros e ministras. Desses, 900 estão atuando em campos de atividade da IECLB. São 425 ministras – dessas, 323 estão atuando, 38 estão inativas, 47 em outras situações e 17 afastadas. Desde 1975, há mulheres atuando no ministério. A primeira pastora enviada foi Maria Luíza Schwanke em 1975. Ela deixou o ministério em 1991. A primeira pastora a ser enviada para uma comunidade (Candelária/RS) foi Rita Panke em 1º de agosto de 1976. Foi ordenada no dia 20 de abril de 1983. A primeira pastora ordenada foi Edna Moga Ramminger no dia 13 de novembro de 1982. Como está atualmente o relacionamento com a coirmã IELB? Nestor Friedrich – A presidência da IECLB aposta no diálogo como caminho para a construção de relações de confiança e respeito. Ao lado desse movimento, temos duas comissões muito importantes: Comissão Interluterana de Diálogo (CID), que é o principal veículo de diálogo entre as duas igrejas, e a Comissão Interluterana de Literatura (CIL). Minha expectativa em relação à caminhada com a IELB é que temas como hermenêutica bíblica, ordenação de mulheres, que já ocorrem na IECLB, e celebração da Ceia possam ser pautas de diálogo que

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objetivem o reconhecimento das diferenças que há entre ambas as igrejas e não motivo para proselitismo. A bancada evangélica no Congresso Nacional representa os interesses da IECLB? Nestor Friedrich – A IECLB defende o Estado laico e que a política tenha como espaço privilegiado as instâncias estabelecidas pela sociedade brasileira. Os canais de participação existentes, sejam eles os partidos políticos, sejam eles os conselhos municipais, estaduais e nacionais, permitem que os cidadãos se envolvam com as causas sociais e políticas. A IECLB anima seus membros a participar e ocupar esses espaços institucionais, de modo que ela, como tal, não faz a defesa de interesses corporativos ou segmentos especificamente religiosos. A assim chamada “bancada evangélica” não entra no foco de sua atuação pública. A IECLB não tem interesses próprios a defender. A sua causa é o evangelho e sua vivência nos mais diversos contextos do país. Essa vivência suscita demandas diversas, e para seu atendimento sempre há de se encontrar caminhos nos espaços institucionais existentes. Como instituição da sociedade civil, ela se une a outras igrejas, a entidades e a organizações para a defesa de direitos e para a denúncia da injustiça. A constituição de lobbies eclesiásticos contradiz o espírito protestante, e sua atuação presta um desserviço à consciência política à medida que interesses institucionais colocam em segundo plano o bem comum e o bem-estar da população. Como a IECLB se posiciona em relação às manifestações populares ocorridas recentemente? Nestor Friedrich – Posiciona­mo-nos de forma favorável. Expressa-

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mos isso numa carta pastoral. Nessa carta, destacamos que, em nosso país, houve melhorias na condição de vida de milhões de pessoas. A lista desses avanços é representativa, o que é motivo para comemoração. Mas também é verdade que há pleitos da população que não encontram eco junto a quem tem o poder e o dever de tomar a decisão política correta, o que é deplorável. Entendemos que as vozes da inconformidade devem ser ouvidas com atenção e respeito. Consequências precisam ser destiladas e mudanças devem acontecer. A agenda está dada pelas pessoas que foram às ruas. Mas também para nós, membros da IECLB, esse movimento das ruas deve inspirar uma participação e um testemunho evangélico. Viver comunidade é estar envolvido na luta por justiça, que produz paz. É sinal da vida que brota da cruz de Cristo, que leva ao encontro de outras pessoas, fortalece a esperança e revela que as coisas não precisam ser como são. O pastor presidente está satisfeito com o resultado da Campanha Vai e Vem? Nestor Friedrich – Temos recebido uma resposta muito gratificante. A campanha tem crescido gradativamente a cada ano. Além do repasse para apoio a projetos nacionais, ela prevê o retorno de recursos para projetos nos sínodos. Isso aumenta significativamente o volume de projetos apoiados. A campanha dá suporte não somente a projetos nacionais, mas a vários projetos cujo apoio é definido pelos sínodos. Além dos 13 projetos apoiados nacionalmente em 2013, em 2012 a Campanha apoiou pelo menos outros 30 projetos e iniciativas nos sínodos, boa parte dos quais continuam N sendo apoiados em 2013. RUI BENDER é jornalista em São Leopoldo (RS)

Vocação para a ecumene por Romi Márcia Bencke

Alarga o espaço da tua tenda, estende as cortinas de tuas moradas, não te detenhas, alonga as cordas, reforça as estacas.

Isaías 54.2

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o contexto da comemoração dos 500 anos da Reforma, é importante destacar a dimensão ecumênica do luteranismo, bem como sua contribuição para a formação do movimento ecumênico internacional e nacional. Ainda que a resistência ao movimento ecumênico não seja algo plenamente superado nas comunidades de confissão luterana. No ano de 1950, a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) foi acolhida como membro da Federação Luterana Mundial (FLM). Foi também uma das poucas igrejas brasileiras presentes na assembleia de constituição do Conselho Mundial de Igrejas (CMI) no ano de 1948. Tornou-se membro desse conselho em 1951.

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Em 1959, a IECLB tornou-se membro da Confederação Evangélica do Brasil (CEB), organização interdenominacional que tinha como um dos focos desafiar as igrejas protestantes a assumir a sua responsabilidade social. Com o golpe militar, essa organização encerrou suas atividades. Em seu lugar surgiram outros organismos comprometidos com a luta pelo processo de democratização do país, com a superação da pobreza e a promoção do diálogo entre as igrejas. A IECLB atuou ativamente na constituição de todos esses organismos e, ainda hoje, compromete-se ativamente com a continuidade dessas organizações, com destaque para a Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE), Diaconia, Conselho Latino-Americano de Igrejas (CLAI), Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC). Por meio de militantes ecumênicos, a IECLB tem papel ativo junto a outros organismos que promovem o ecumenismo, como o Centro de Estudos Bíblicos (CEBI), Centro Ecumênico de Serviço (CESEEP), além dos inúmeros grupos ecumênicos

regionais, espalhados por diferentes regiões do país. No entanto, o compromisso da IECLB com o ecumenismo transcende o simples fato de integrar esse ou aquele organismo ou grupo ecumênico. A vocação ecumênica da IECLB permite que ela contribua tanto para as formulações bíblico-teológicas do movimento ecumênico como disponibilizando pessoas de seu quadro de ministros, ministras, leigos e leigas. A pergunta que surge é de onde vem essa vocação ecumênica da IECLB? Mais do que promover o ecumenismo de maneira formal e burocrática, a IECLB como igreja oriunda da Reforma procura viver o ecumenismo como uma das dimensões da fé em Jesus Cristo. Uma expressão desse compromisso é que, em pelo menos dois de seus documentos, define-se como de “natureza ecumênica”. No Guia para a Vida Comunitária “Nossa Fé, Nossa Vida” e no Estatuto da Igreja, a IECLB afirma que não está isolada dos outros cristãos e cristãs, mas participa da ecumene, isto é, está vinculada em fé e ação a todas as igrejas no mundo. A unidade entre

as igrejas é vivida confessando Jesus Cristo como Senhor e Salvador. O século 16 foi marcado pelo início da era moderna, e a teologia elaborada a partir de Lutero desempenhou um papel decisivo nessa nova era. Com a crítica à Idade Média, a teologia luterana contribuiu para o surgimento de sujeitos que se tornaram conscientes de sua dimensão histórica. As pessoas reconheceram-se como protagonistas de suas vidas, e isso contribuiu para a pluralização da sociedade bem como para a permanente necessidade de diálogo para o convívio em uma sociedade moderna e democrática. Foi necessário interpretar a revelação de Deus na história a partir das transformações experimentadas pela humanidade. Esse exercício é constitutivo da Reforma, sendo impossível separar o luteranismo da experiência de diálogo com uma sociedade em transformação. Um luteranismo fechado em si mesmo seria uma incoerência. Mas se, por um lado, o luteranismo nutre o movimento ecumênico, pode-se dizer que também o movimento ecumênico nutre o luteranismo a partir do momento em que o desafia a atualizar-se e avaliar-se constantemente, a fim de que não se distancie de sua vocação de ser igreja sempre em Reforma. Lembrando Hegel, talvez o mais célebre teólogo e filósofo luterano, a era moderna abriu a possibilidade de superar a infância e a adolescência religiosas nas quais o ser humano é dominado por um Deus senhorio, que reproduz a relação de senhor e escravo. Nesse sentido, pode-se dizer que o ecumenismo contribui para substituir a relação de temor e de dominação pelo diálogo e pela compreensão. N ROMI MÁRCIA BENCKE é teóloga e ministra da IECLB e secretária-geral do CONIC em Brasília (DF) NOVOLHAR.COM.BR –> Set/Out 2013

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Prosperidade ou justificação? Na mensagem da Reforma, é fundamental a compreensão de que Deus faz tudo. OS PREGADORES DA TEOLOGIA DA PROSPERIDADE ACENTUAM QUE É PRECISO DESEJAR AS BÊNÇÃOS DE DEUS DE MODO RADIAL, ATÉ MESMO FAZENDO DOAÇÕES IRRESPONSÁVEIS E ABSURDAS À IGREJA.

A

partir das duas últimas décadas do século 20, um modo diferenciado de vivenciar a relação com Deus, com o dinheiro e os bens tem causado impacto e desafiado em especial o povo evangélico no Brasil. São noções variadas, divulgadas especialmente por pregadores neopentecostais e reunidas sob a expressão “teologia da prosperidade”. A exemplo de outras correntes protestantes, sua origem está nos Estados Unidos a partir do movimento da “confissão positiva”, uma espécie de adaptação da literatura de autoajuda ao pensamento positivo. Ressalvadas as diferenças observadas entre pregadores ou denominações neopentecostais, a teologia da prosperidade baseia-se, em linhas gerais, na crença de que os cristãos possuem o poder de trazer à existência o que

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declaram, determinam ou confessam em voz alta. Palavras proferidas com fé têm o poder de criar realidades. As principais bênçãos obtidas dessa forma são felicidade, bem-estar material, saúde perfeita, compreendidos como direitos do cristão verdadeiro e garantidos pela Bíblia. Em nome de Jesus, quem crê verdadeiramente toma posse das bênçãos a que tem direito. Miséria, sofrimento e enfermidade são sempre responsabilidade da pessoa por sua falta de fé, do diabo e seus demônios. Os pregadores da teologia da prosperidade acentuam que o crente precisa demonstrar com radicalidade que deseja as bênçãos de Deus. Precisa fazer doações corajosas, que o mundo considere absurdas, irresponsáveis e destituídas de bom senso. Deve até mesmo doar bens e recursos imprescindíveis à sua família, na certeza de

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por Ricardo Willy Rieth

que terá retorno muitas vezes superior às ofertas. Aqui não há espaço para a dúvida, identificada como de origem diabólica. O crente é convocado a desafiar Deus. Torna-se uma espécie de credor de Deus: paga primeiro para receber em seguida. O grau de sacrifício demonstrado faz com que Deus fique obrigado a dar bênçãos mais generosas. A confiança absoluta no que é anunciado pelos pregadores faz com que o fiel não perceba perigo nos desafios propostos a Deus, pois Deus é obrigado a honrar o prometido. Naturalmente, todas as ideias e argumentos presentes na pregação da prosperidade são apresentados ao lado de passagens e exemplos bíblicos.

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PEDIDO: Para os críticos da teologia da prosperidade, é inadmissível dar dinheiro para receber bênçãos em troca, pois se trata de uma inversão na compreensão evangélica acerca do ofertar motivado pela fé. A pregação do bem-estar físico e material negligenciaria a realidade de dor e sofrimento, muitas vezes presente na vida dos cristãos

Bem menos efetiva junto à opinião pública tem sido a crítica à teologia da prosperidade por parte das denominações cristãs tradicionais. Essa crítica acusa a pregação da prosperidade de relativizar a soberania de Deus. Em relação a Deus, o fiel deve suplicar, pedir e não exigir, determinar e decretar. Também é inadmissível, segundo essa crítica, dar dinheiro para receber bênçãos em troca, pois se trata de uma inversão na compreensão evangélica acerca do ofertar motivado pela fé. A pregação do bem-estar físico e material negligenciaria a realidade de dor e sofrimento, muitas vezes presente na vida dos cristãos. De que forma evangélico-luteranos podem contribuir nesse debate?

Antes de tudo, fazendo uma autocrítica consistente. Se os pregadores da prosperidade estão sendo ouvidos por milhões, que seguem seus princípios, então é porque estão abordando questões que afligem as pessoas. Nossa pregação do evangelho, pautada pelo ensino da justificação por graça e fé, já não traz mais às pessoas hoje o consolo, a liberdade e a esperança, a exemplo do que ocorria em outros tempos? Em seguida, precisamos ter clareza de que justificação por graça e fé é algo que se vive, que permeia por completo a existência. O que chamamos justificação por graça e fé tem em sua base o seguinte conhecimento: Deus faz todas as coisas. E

o faz de forma ampla. Deus começa criando de forma continuada. Prossegue agindo na obra salvífica de Jesus Cristo e continua atuante por meio da obra do Espírito Santo. Na mensagem da Reforma, é fundamental a compreensão de que Deus faz tudo. Por isso: “Devemos temer, amar e confiar em Deus acima de todas as coisas”. Que salvação é essa que o Deus que justifica dá gratuitamente às pessoas? A salvação está presente já agora, em todos os momentos, através do Espírito Santo, que torna as pes­soas santas. A salvação de Deus começa já, aqui e agora. O Espírito Santo que faz nascer a fé leva-a a produzir frutos, consola a pessoa em meio ao sofrimento e ao risco da morte iminente. A santificação tem um grande significado para cada grupo de pessoas, para cada comunidade humana. Isso porque o Espírito Santo mata no crente o egoísmo, a inveja, o desejo de vingança e a ânsia pelo poder. Justamente a pessoa crente pode ser alguém correta no mundo, ou seja, conduzida pelo Espírito Santo, pode agir na esfera pública, resistindo a seu interesse próprio, sem querer vantagem para si. A salvação da pessoa, que Deus produz pelo Espírito Santo, está direcionada para sua plena realização na eternidade, mas ao mesmo tempo já é salvação nesta vida, para cristãos e não N cristãos, através de Cristo. RICARDO WILLY RIETH é teólogo e pró-reitor Acadêmico da ULBRA em Canoas (RS)

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A mística de Lutero é encarnacional. ela se expressa como seguimento, como discipulado do Cristo morto e ressurreto. Portanto não procura Deus nas alturas, mas o encontra presente no imanente. por Claudio Böning

A

s origens etimológicas e metafóricas da palavra “mística” fornecem bases importantes para “de-finir” os seus limites conceituais. As palavras “mística”, “místico” e “misticismo” são derivadas do verbo grego myein, que significa fechar (olhos ou lábios), emudecer, ficar quieto. A palavra “mística” aponta, portanto, para o mistério desse encontro, dessa união com Deus, e para a impossibilidade de descrever a experiência mística com a linguagem discursiva. A linguagem mística arde pelas imagens, transgride as regras semânticas, inflama os leitores e leitoras com sua beleza e profundidade. É, obviamente, intenção

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Mística e Lutero

A compreensão mística de Lutero humaniza a pessoa que crê

dos textos conduzirem à experiência e não descrevê-la. Linguagem mística é simbólica e desafia a teologia a ir às profundezas do oceano, a sugerir mais do que argumentar. Lutero também entrou em contato com textos místicos e conferiu-lhes grande valor. A centralidade de Cristo é o que Lutero apreciava nos textos místicos com os quais se deparava. Essa é, para ele, a essência dos escritos. Em uma carta datada de 1518, destinada a seu confessor, Johannes von Staupitz, Lutero revela que considera esses escritos válidos, pois neles reconheceu que “(...) o ser humano não deve confiar em outra coisa senão em Jesus Cristo, nem em suas orações, méritos ou obras. Pois não é pelo nosso esforço que somos salvos, mas pela misericórdia de Deus”. Ele enxergou no cerne desses textos uma experiência de profunda intimidade com Deus. Assim afirma o reformador: “Assim,

todo esse sermão procede da teologia mística, que é sabedoria experiencial, e não a sabedoria doutrinária”. A emergência da dimensão mística na teologia é ponto importante, destacado na pesquisa atual. Essa dimensão nos interpela, como afirmam os autores João Batista Libânio e Afonso Murad: “O cansaço diante da razão instrumental, tão redutora da dimensão humana, pede uma teologia mais sapiencial, que envolva a totalidade da pessoa no mistério de Deus”. Mesmo sendo tão importante, por trás do desejo de mais mística pode esconder-se nossa humanidade encurvada em si mesma. É importante discernir os espíritos, avaliar o que está por trás dessa sede por mais mística. O traço forte dessa busca, em muitos casos, é individualista e pode levar a uma mística descomprometida com a realidade, que busca Deus nas alturas dos céus e,

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DOENÇAS RARAS

por conseguinte, acaba gestando um inferno de marasmo. A mística que podemos contemplar na teologia de Lutero tem seu eixo na vida de Cristo, portanto em sua morte e ressurreição. É preciso passar pela cruz, passar pela tentatio, ou seja, pelas provações, pela saudade de Deus, pelo abandono. Lutero é categórico: “Ninguém creia ser um teólogo místico por haver lido ou compreendido e ensinado essas coisas ou tenha visto a si próprio como quem entenda e ensine. Pelo viver, mais ainda, pelo morrer e ser condenado faz-se um teólogo, não pelo compreender, ler ou especular”. Passar pelas provações, pela tentatio, significa encarnar o movimento de Cristo e saber-se acompanhado por ele. A mística de Lutero é encarnacional; ela se expressa como seguimento, como discipulado do Cristo morto e ressurreto. Portanto não procura Deus

nas alturas, mas o encontra presente no imanente. A compreensão mística de Lutero humaniza a pessoa que crê. Ela conduz ao amor, como ele o descreve em seu Tratado sobre a Liberdade Cristã: “Sem dúvida, temos este nome de Cristo, não do Cristo ausente, mas do Cristo que habita em nós, isto é, quando cremos nele e, por outro lado, somos mutuamente um Cristo um para o outro, fazendo aos próximos o mesmo que Cristo fez por nós”. Adiante, ele o aprofunda dizendo: “A pessoa cristã não vive em si mesma, mas em Cristo e em seu próximo, ou então não é cristã”. O mesmo aparece em sua compreensão da Eucaristia como “sacramento do amor”: “Teu coração deve, pois, entregar-se ao amor e aprender que esse sacramento é um sacramento do amor e que, assim como tu recebes amor e assistência, deves, por tua vez, demonstrar

amor e assistência a Cristo na pessoa de seus necessitados. Pois deve magoar-te toda desonra infligida a Cristo em sua santa palavra, toda miséria da cristandade, toda injustiça sofrida pelos inocentes; todas essas coisas existem em abundância em todas as partes do mundo. Em relação a elas, precisas opor resistência, agir e interceder e, quando não puderes fazer mais, deves ter compaixão sincera”. Destaca-se a identificação que Lutero estabelece entre Cristo e “seus necessitados”. Dessa forma, a Eucaristia recebe um caráter poimênico e diaconal. Ela não é um momento de lenitivo pessoal. Ao unir a comunidade com Cristo, a Eucaristia não só conforta, consola, mas também engaja para uma comunhão transformadora. Desse modo, a santificação do ser humano na união com o Cristo pelo Espírito Santo não pode conduzir a outra coisa senão à diaconia. A restauração de uma relação de amor com Deus, por obra do próprio Deus, concedida a nós como dádiva, liberta-nos para servir no amor radical. Onde, pois, encontraremos Deus? Onde lhe serviremos? Lutero não deixa dúvidas: “O mundo está cheio de Deus. Em todos os becos, bem à frente de tua porta encontras Cristo. Não fique olhando para o céu, dizendo: ‘Ah, se eu só conseguisse enxergar o Senhor nosso Deus uma vez, como eu não estaria disposto a servir-lhe!’ Mentes! João afirma em sua epístola: Dizes que amas a Deus e odeias o próximo que vês passar necessidade bem à tua frente”. A santificação do ser humano na união com Cristo compromete com uma prática de amor que não mascara a realidade e mesmo diante do absurdo N e do nada mantém a esperança. CLAUDIO BÖNING é teólogo e reside em São Leopoldo (RS)

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As mulheres na Reforma por Ruthild Brakemeier

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enhuma Reforma sem o apoio das mulheres” – Essa afirmação do historiador Martin H. Jung pode parecer exagerada, mas, quanto mais a pesquisa histórica avança contemplando também as mulheres, mais ela convence. As poucas mulheres que aqui podemos mencionar mostram o quanto foram importantes na divulgação da teologia da Reforma. Elas deram um testemunho corajoso, não só porque leram escritos de Martim Lutero e outros reformadores, mas também a própria Bíblia. Um exemplo é Árgula von Grumbach, que, aos 10 anos de idade, recebeu de seu pai uma Bíblia alemã. Isso foi em 1502, e Martim Lutero ainda não havia traduzido a Bíblia para o dialeto que se tornou a língua oficial na Alemanha. Mas já havia traduções para outros dialetos.

Árgula lia com muita dedicação sua Bíblia. Assim pôde argumentar a partir dela ao escrever uma carta aos professores da Universidade de Ingolstadt para defender um jovem professor que fora expulso por transmitir doutrinas de Filipe Melanchthon. No início da carta, ela citava Mateus 10.32: “Todo aquele que me confessar diante dos homens, também eu o confessarei diante de meu Pai, que está nos céus”. Para ela, não havia

dúvida de que também as mulheres estavam aqui incluídas. Em sua carta, propôs um diálogo com os professores, príncipes governantes e quem quisesse participar, pedindo que justificassem com argumentos bíblicos a condenação do jovem professor. Ciente de que os professores não se sentiriam livres para discutir com uma mulher, lembrava aos professores na carta que também Jesus falara com mulheres. Ousada, escreveu: “Caso acontecesse que Lutero se retratasse, o que Deus queira impedir, isso não me deverá afetar. Pois não me firmo na sua, nem na minha inteligência, nem na de outra pessoa, mas unicamente na rocha verdadeira, o próprio Cristo”. Os professores não lhe responderam. Mas a sua carta foi impressa pelos adeptos da Reforma. Em dois meses, ela foi editada treze vezes. Na capa do folheto encontrava-se uma figura mostrando como ela, sozinha, enfrentara um grande número de pes-

ÁRGULA VON GRUMBACH: Leitora dedicada da Bíblia que recebera do pai aos dez anos de idade, ousou escrever uma carta à universidade em defesa de um professor num tempo em que não se debatia esse tipo de assunto com mulheres. “Jesus também falava com mulheres”, argumentou. Sua façanha veio a público, e a imagem ao lado mostra-a debatendo com diversos intelectuais com o dedo no texto bíblico.

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soas eruditas com o dedo nas Sagradas Escrituras. A carta aos professores não foi a única publicação de Árgula. Em 1523 e 1524, foram editados mais sete de seus escritos, alcançando um total de 30.000 exemplares. O perigo de ser mulher – Quem se manifestava a favor das ideias da Reforma corria o risco de ser punido por autoridades eclesiásticas e civis, visto que Estado e Igreja formavam uma unidade. Era até proibido ler escritos dos reformadores. Se isso já valia para os homens, muito mais para as mulheres. Jesus havia rompido com conceitos que discriminavam e desvalorizavam a mulher. Porém eram fortes demais certas concepções, como as do filósofo Aristóteles, que havia afirmado: “A mulher é o homem incompleto, um ser passivo e receptor, cuja única função é a reprodução”. A isso se acrescentava a crendice de que a mulher é facilmente dominada pelo diabo. Um resultado foi a perseguição às bruxas, que ganhou força depois que a

AUTISMO E DEFICIÊNCIA

CAÇA ÀS BRUXAS: Após a publicação de uma bula papal em 1484, muitas mulheres foram vítimas de perseguição e caça às bruxas. Em dois séculos, cerca de um milhão de mulheres foram mortas por causa da acusação de bruxaria. A maioria foi torturada e queimada viva em praça pública.

prática foi reconhecida por uma bula papal em 1484. Acredita-se que, durante aproximadamente 200 anos, o total de mulheres mortas, acusadas de bruxaria, chegou a um milhão. A maioria delas foi torturada e queimada viva em praça pública. A libertação da mulher pela Reforma – A teologia da Reforma protestante deu mais uma vez às mulheres a possibilidade de se sentir livres para manifestar-se em público. Lutero acentuava o “sacerdócio geral de todos os crentes” e recomendava a leitura da Bíblia. Mulheres como Árgula von Grumbach, Catarina Zell e muitas outras liam a Bíblia e os escritos de Lutero sentindo-se aliviadas e encorajadas a manifestar-se também.

SER INFERIOR: Desde Aristóteles, a mulher era considerada um homem incompleto, com a única função de gerar filhos. Além disso, considerava-se a mulher um ser facilmente dominado por demônios.

Catarina Zell, casada com um sacerdote de Estrasburgo que com ela aderiu ao movimento da Reforma, expressou esse alívio assim: “Senti-me como se alguém me puxasse da terra, do inferno atroz e amargo para o lindo e doce reino dos céus”. Uma passagem bíblica que lhes dava força era Joel 2.28, citado no livro de Atos 2.17, onde o profeta diz que chegará o dia em que também as filhas receberão o Espírito de Deus e profetizarão. Catarina Zell viveu concretamente a sua fé. Na hora do sepultamento de seu marido, sentiu-se motivada a pregar. Vendo que isso gerou polêmica, justificou-se escrevendo que não pretendia o ministério do pregador ou do apóstolo. Mas, “assim como a querida Maria Madalena, sem intenção premeditada, tornou-se uma apóstola, por ter sido impelida pelo próprio Senhor a comunicar aos discípulos que Cristo ressuscitou, assim eu fiz”. N RUTHILD BRAKEMEIER é diaconisa em São Leopoldo (RS)

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LUTERO POR LUTERO I

Viver pela fé Eu odiava a expressão “justiça de Deus”, de Romanos 1.17, pois aprendi a entendê-la filosoficamente como a justiça segundo a qual Deus é justo e castiga os pecadores injustos. Eu não amava o Deus justo, que pune os pecadores; ao contrário, eu o odiava. Mesmo quando, como monge, eu vivia de forma irrepreensível, perante Deus eu me sentia pecador, e minha consciência me torturava muito. Eu andava furioso e de consciência confusa. Não obstante, teimava impertinentemente em bater à porta dessa passagem; desejava com ardor saber o que Paulo queria dizer com ela. Aí Deus teve pena de mim. Dia e noite eu andava meditativo, até que, por fim, observei a relação entre as palavras: “A justiça de Deus é nele revelada, como está escrito: o justo vive por fé”. Aí passei a compreender a justiça de Deus como sendo uma justiça pela qual o justo vive através da dádiva de Deus, ou seja, da fé. Comecei a entender que o sentido é o seguinte: Através do evangelho é revelada a justiça de Deus, isto é, a justiça através da qual o Deus misericordioso nos justifica pela fé, como está escrito: “O justo vive por fé”. Então me senti como renascido e entrei pelos portões abertos do próprio paraíso. Aí toda a Escritura me mostrou uma face completamente diferente. Fui passando em revista a Escritura à medida que a conhecia de memória e também em outras palavras encontrei as coisas de forma semelhante: “Obra de Deus” significa a obra que Deus opera em nós; “virtude de Deus” – pela qual ele nos faz poderoso; “sabedoria de Deus” — pela qual ele nos torna sábios. Assim como antes eu havia odiado violentamente a expressão “justiça de Deus”, com igual intensidade de amor eu agora a estimava como a mais querida. Fonte: Pelo Evangelho de Cristo – p. 30

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Onde estão os lu por Clovis Horst Lindner

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ma interessante amostra do que representa hoje o mundo luterano está neste mapa da Federação Luterana Mundial-FLM. Com sede em Genebra-Suíça, a FLM agrupa 142 igrejas e instituições luteranas presentes em 79 países ao redor do globo. São filiadas à entidade igrejas luteranas tão distintas quanto a nossa Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, a Igreja Evangélica Luterana da Baviera ou a Igreja Luterana da Namíbia, na África. Quem vê a lista de igrejas filiadas tem a impressão de que os cristãos

luteranos estão mais concentrados na Europa e que em realidades como a América do Sul e a Ásia eles vivem em situação de diáspora. Contrasta com essa impressão, entretanto, o fato de que a maioria da população da Namíbia é de confissão luterana. A África, aliás, é hoje um fenômeno luterano. Há 31 igrejas luteranas ligadas à FLM em solo africano, que congregam 19,3 milhões de fiéis em 20 países. Assim, atualmente há mais luteranos na África do que na Europa Ocidental. A África só perde para as igrejas luteranas nos países nórdicos, onde seis igrejas luteranas em cinco países somam 19,5 milhões de fiéis. Aliás, já faz algum tempo que é em

LUTERANOS PELO MUNDO LIGADOS À FEDERAÇÃO LUTERANA MUNDIAL

PAÍSES NÓRDICOS 6 igrejas em 5 países 19,5 milhões de luteranos

EUROPA OCIDENTAL 23 igrejas em 8 países 15,2 milhões de luteranos

AMÉRICA DO NORTE 2 igrejas em 2 países 4,4 milhões de luteranos

AMÉRICA LATINA E CARIBE 24 igrejas em 16 países 846 mil luteranos

Arte do Mapa: Mythos Comunicação Fonte dos dados: www.lutheranworld.org

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LUTERO POR LUTERO II

s luteranos hoje? solo africano que as igrejas luteranas mais crescem. Até a IECLB tem uma parceria sólida com a Igreja Evangélica Luterana de Moçambique. De cunho mais pentecostal, as igrejas luteranas africanas concorrem no afã missionário com igrejas como a Universal de Edir Macedo, por exemplo. Na Ásia, há 49 igrejas membros em 17 países, que reúnem 8,6 milhões de luteranos. Já na Europa Central e Oriental, que esteve por décadas sob a influência do comunismo soviético, há 15 igrejas membros da FLM, reunindo 1,4 milhão de cristãos em nove países. Já na Europa Ocidental, berço da Reforma do século 16, há 23 igrejas

em oito países filiadas à FLM, com 15,2 milhões de luteranos. A diáspora apresenta-se evidente na América Latina, onde há 24 igrejas membros em 16 países, com um total de 846 mil cristãos luteranos. Nessa conta está incluída a IECLB. A conta passa um pouco de um milhão de luteranos quando juntamos a IELB à nossa relação, mas ela não está filiada à FLM. Essa realidade não é muito diferente na América do Norte, onde há duas igrejas filiadas em dois países (EUA e Canadá), que somam 4,4 milhões de cristãos luteranos. Essa lista, também nos EUA, não inclui os luteranos ligados à Igreja Luterana Missouri, que deu origem à IELB no Brasil.

SES NÓRDICOS ejas em 5 países lhões de luteranos

EUROPA ORIENTAL 15 igrejas em 9 países 1,4 milhão de luteranos

ÁSIA 49 igrejas em 17 países 8,6 milhões de luteranos

ÁFRICA 31 igrejas em 20 países 19,5 milhões de luteranos

FEDERAÇÃO LUTERANA MUNDIAL reúne 142 igrejas em 79 países * Parciais segundo as regiões da FLM

Boas obras, sim Para que ninguém torne a me acusar de estar proibindo boas obras, digo que devemos, com toda a seriedade, sentir contrição e pesar, fazer confissão e boas obras. Porém insisto tanto quanto posso que deixemos que a fé no sacramento seja a coisa principal e a herança pela qual alcançamos a graça de Deus. Depois então façamos muitas coisas boas, tão somente para a honra de Deus e para o bem do próximo e não para que confiemos nelas como suficientes para pagar pelo pecado. Pois Deus dá sua graça gratuita e livremente; assim, de nossa parte, devemos servi-lo também gratuita e livremente. Fonte: Obras Selecionadas de Martinho Lutero, volume 1 – p. 408

Justificação por graça e fé Não há obras que justificam ou fazem justo, senão somente a fé. No entanto, o justificado faz obras. O sentido da Escritura é este: a justificação é anterior às obras, e as obras são praticadas pelos justificados. Pois não somos justificados praticando obras justas, mas, justificados, praticamos obras justas, assim como ninguém se torna bispo realizando as obras de um bispo, mas, depois de se ter tornado bispo, realiza as obras de um bispo. De igual modo, não são as obras da fé que fazem a fé, mas a fé faz as obras da fé. Não são as obras da graça que fazem a graça, mas a graça faz as obras da graça. É por isso que Deus olha primeiro para Abel (no qual se compraz) e só depois para suas obras. É isso que o apóstolo quer: somos justificados somente pela fé, não pelas obras, ainda que, como pessoas já justificadas, não omitamos as obras. E por isso ousa continuar dizendo que não há lei para o justo (1 Timóteo 1.9), pois quem já é justo pela fé não necessita de lei, mas faz obras espontaneamente. Fonte: Obras Selecionadas de Martinho Lutero, volume 1 – p. 372 NOVOLHAR.COM.BR –> Set/Out 2013

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ASSEMBLEIA DO CMI

Por unidade, paz e justiça

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ristãs e cristãos de mais de 350 denominações irão se reunir em Busan, República da Coreia, entre 30 de outubro e 8 de novembro deste ano, para a X Assembleia do Conselho Mundial de Igrejas (CMI). Fundado em 1948, o CMI é considerado o maior espaço de convivência, comunhão e ação conjunta de igrejas do mundo inteiro. Sua diversidade revela-se na ampla agenda de temas sobre os quais desenvolve o seu trabalho, como as questões ligadas à doutrina, temas de ética social ou critérios para o diálogo e a cooperação inter-religiosos. Tradicionalmente, as assembleias do CMI, que acontecem a cada sete anos, representam mais do que a mais alta instância normativa da organização. Elas são também um espaço privilegiado de (re)encontro, troca de experiências e, na opinião de muitos, um autêntico festival ecumênico. Em 2006, a cidade de Porto Alegre acolheu a IX Assembleia. O processo de preparação reuniu esforços de centenas de pessoas de igrejas e organismos, reforçando elos históricos e criando novas dinâmicas de cooperação. A expectativa em relação a Busan é grande. Na pauta, novos impulsos e ênfases em torno do tema da

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missão, o encontro com o peculiar cenário religioso coreano e asiático, as eleições para cargos de liderança e comissões de trabalho do CMI e reflexões sobre o impacto das ações diaconais ecumênicas ao redor do mundo. Sobre esse último tema, é interessante considerar que, no espaço entre a IX e a X Assembleias, surgiu a ACT Aliança, uma rede de mais de 100 organizações confessionais e ecumênicas de ajuda humanitária, que, juntas, movimentam mais de USD 1.3 bilhão em recursos diretos para auxílio em emergências, projetos de desenvolvimento e defesa de causas. Qual o impacto e a efetividade desse novo espaço? Essa e outras perguntas aparecerão nas “conversas ecumênicas”, um curto ciclo de debates sobre diversos assuntos do movimento ecumênico, que fará parte do “madang”, um espaço de exposição, oficinas e convivência. O nome remete ao pátio dos fundos dos antigos lares coreanos, que serviam de espaço de convivência entre vizinhos. Em Porto Alegre, essa parte do evento se chamou de “mutirão”. O tema da assembleia serve como guarda-chuva conceitual para a vida espiritual e reflexiva de uma assembleia. Em Busan, o tema será “Deus da vida, conduze-nos à justiça e à paz”, o que vem oferecendo intensa

Arquivo CMI

por Marcelo Schneider

DECISÃO: Em reunião do Comitê Central do CMI em 2009,

inspiração para a produção de material litúrgico e pautando a preparação das sessões plenárias. A divisão das duas Coreias será um tema presente na X Assembleia. Para os dias 2 e 3 de novembro, por exemplo, está prevista a “Peregrinação Ecumênica pela Paz”. Junto com membros das igrejas locais, os delegados da assembleia viajarão à capital Seul e à fronteira com a Coreia do Norte para ações de incidência em favor da paz e da reconciliação.

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em Genebra-Suíça, Busan foi escolhida para sediar a Assembleia Geral da entidade no final de outubro deste ano

Cabe lembrar que os conceitos de justiça e paz são inerentes a toda a história do CMI, mas, ao longo da última década, o debate ganhou novas nuances graças a uma iniciativa chamada “Década de Superação da Violência” (2001-2011), que culminou na Convocatória Ecumênica Internacional pela Paz em Kingston, Jamaica, em 2011. O processo gerou uma série de reflexões e ações de incidência coletiva em torno do conceito de “paz justa”, que, espera-se, desem-

bocarão na Assembleia de Busan e ajudarão a remeter o CMI a uma agenda de ações concretas junto a governos e à sociedade civil na defesa dos direitos humanos e ambientais. A América Latina, uma das menores regiões do CMI em termos de membresia, levará à assembleia delegações de igrejas-membro formadas, em grande parte, por uma nova geração de ecumênicos. Além de ter a maior delegação da região (cinco

pessoas), a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) tem colaborado em diversas frentes de trabalho no CMI e estará presente na organização do evento. Busan também marca o final do mandato do ex-Pastor Presidente da IECLB, Walter Altmann, como moderador do Comitê Central do CMI. N MARCELO SCHNEIDER é teólogo e trabalha para o Conselho Mundial de Igrejas (CMI) em Porto Alegre (RS)

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REFORMA 500 ANOS

Implicações para hoje e o futuro

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proximam-se os 500 anos da Reforma. Segundo a tradição, foi em 31 de outubro de 1517 que Martim Lutero afixou suas famosas 95 teses na porta da igreja do castelo de Wittenberg. As teses espalharam-se como um rastilho de pólvora e, em poucas semanas, com todas as dificuldades de comunicação da época, eram conhecidas e discutidas por toda a Europa. O movimento da Reforma tornou-se popular e em seus desdobramentos mudou o cenário religioso e político da Europa e, por consequência, do mundo. Surgiu o protestantismo, especificamente o luteranismo, algo que Lutero jamais pretendeu, pois só queria renovar a igreja universal, propugnando seu retorno às fontes das Escrituras e dos pais da igreja. O núcleo de sua teologia consiste na doutrina de que somos justificados pela graça de Deus, por meio da fé. Disso, segundo ele, tudo o mais depende. Portanto a reforma da igreja em si é secundária. Ela tem valor apenas enquanto esteja a serviço da proclamação dessa boa-nova por ele redescoberta em Paulo. Essa redescoberta não apenas trouxe a liberdade cristã para as consciências atribuladas de quem temia o juízo de Deus. Indiretamente, produziu também profundas transformações culturais, sociais, políticas e eclesiásticas. Justifica-se, pois, a comemoração

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de uma data tão significativa. Comemorações ocorrerão particularmente na Alemanha, que já se encontra em meio a uma década de preparativos, concentrando-se a cada ano em um tema importante da Reforma. O ponto culminante, com uma gama de atividades, ocorrerá em Wittenberg no Dia da Reforma em 2017, devendo reunir muitas milhares de pessoas da Alemanha e do mundo inteiro. Também as demais igrejas luteranas do mundo preparam-se para a efeméride. A Federação Luterana Mundial (FLM), como expressão da comunhão luterana no mundo, instituiu um comitê especial representativo de todas as regiões do mundo, que tive a honra de presidir, com a finalidade de fazer propostas para a comemoração por parte da comunhão luterana. Essas foram aprovadas pelo conselho em junho passado. Como comemorar adequadamente os 500 anos e como não? A comunhão luterana é grata pelo legado da Reforma, a boa-nova redescoberta e proclamada. Mas ela não o comemora num tom ufanista. Ela o faz também com um sentido autocrítico quanto aos aspectos problemáticos no próprio Lutero e na história do luteranismo. A comunhão luterana não pretende simplesmente olhar para o passado, mas comemorar a data como uma nova oportunidade de

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por Walter Altmann

se perguntar quanto às implicações da Reforma para os dias de hoje e para o futuro. A comunhão luterana não voltará seus olhos apenas para a Alemanha, Wittenberg em particular, mas levará em conta o desdobramento da mensagem da Reforma ao longo dos séculos nos mais diferentes contextos em todo o mundo. A comunhão luterana aprofundará seu compromisso para com uma igreja estruturada a partir das comunidades e a serviço da palavra de Deus. Mas não comemorará a divisão da igreja, que Lutero nunca pretendeu. A igreja luterana, em verdade, não surgiu em 1517, mas em Pentecostes. Por isso as relações ecumênicas deverão ser levadas em devida conta e reafirmadas. A FLM estará fomentando redes sociais, por exemplo de jovens e mulheres, para reflexão e compartilhamento quanto ao significado da Reforma ontem e hoje. Consultas teológicas serão organizadas. Diálogos ecumênicos e inter-religiosos terão lugar. A FLM também produzirá materiais para publicações impressas e de imagem. Subsídios litúrgicos ajudarão as

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NAMÍBIA: A próxima assembleia da FLM, a ser celebrada em maio de 1517 na África, em Namíbia, um país com maioria da população luterana, será ponto focal para a celebração dos 500 anos. Tematizará a libertação que temos pela graça de Deus e afirmará que nem a salvação tampouco o ser humano ou a criação são artigos de venda, mas presentes de Deus.

igrejas em suas celebrações. Será publicada uma seleção de textos de Lutero e dos reformadores para reflexão diária ao longo de 2017. Histórias, eventos e experiências das igrejas luteranas serão compartilhados globalmente. A próxima assembleia da FLM, a ser celebrada em maio de 1517 na África, na Namíbia, um país com maioria da população luterana, será ponto focal para a celebração dos

500 anos. Tematizará a libertação que temos pela graça de Deus e afirmará que nem a salvação tampouco o ser humano ou a criação são artigos de venda, mas presentes de Deus. Por fim, no dia 31 de outubro de 2017, haverá cultos comemorativos ao redor do globo num mesmo horário local. Durante as 24 horas, esses cultos, com alguns elementos litúrgicos usados globalmente e outros como

expressões de cada contexto, serão transmitidos via internet, começando pelo Leste e seguindo para o Oeste, conforme os fusos horários. Tudo para realçar a gratidão e o compromisso da comunhão luterana global com o evangelho da graça e da N liberdade cristã. WALTER ALTMANN é teólogo e moderador do Comitê Central do Conselho Mundial de Igrejas (CMI em São Leopoldo (RS)

Aqui nós cuidamos de suas contas. Para que você aproveite a vida tranquilo. Av. Alberto Bins, 392 - Conj. 1003 Centro Histórico - Porto Alegre/RS - CEP 90.030-140 contato@ludwigelocatelli.com.br

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CATOLICISMO

O papa da ruptura Em entrevista à rádio e TV alemãs (DW Brasil), um dos principais críticos do conservadorismo católico elogia Francisco, afirmando que ele começou uma reforma do papado e pode dar início a uma dinastia de papas de países do Terceiro Mundo. O papa Francisco vai inaugurar uma nova era para a Igreja Católica. Essa é a convicção do teólogo Leonardo Boff, que em 1992 deixou todos os cargos na igreja após ser censurado pelo Vaticano. O teólogo elogiou Francisco, afirmando que ele é o papa da ruptura. “Essa é a palavra que Bento XVI e João Paulo II mais temiam. Eles acreditavam que a igreja tinha que ter continuidade”, avalia Boff.

por Astrid Prange/DW

não poderia significar ruptura com o Vaticano I. Mas não; agora há uma ruptura. A figura do papa não é mais a clássica. É outra. Francisco não começou com a reforma da cúria; começou com a reforma do papado. O que você quer dizer com “reforma do papado”? Leonardo Boff – Na Europa, vivem só 24% dos católicos. Na América Latina, são 62%, e o restante está na África e na Ásia. Então hoje o cristianismo é uma religião do Terceiro Mundo. Acho que o papa Francisco vai criar uma dinastia de papas do Terceiro Mundo. Além disso, as nossas igrejas já não são mais igrejas de espelho, imitando as europeias. São igrejas-fonte, criaram suas tradições, têm seus mártires, seus mestres, suas formas de celebrar, têm suas teologias e profetas e figuras importantes, como dom Hélder Câmara e Oscar Romero. Essas igrejas estão dando vitalidade ao cristianismo.

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No século 21, o cristianismo ainda Então esse papa chegou para precisa da figura de um papa? mudar? Por que o senhor está tão otimisLeonardo Boff – FundamentalLeonardo Boff – Esse é o papa mente, não precisaria de um papa. A da ruptura, palavra que Bento XVI ta? Os problemas da Igreja Católica igreja poderia organizar-se numa vasta e João Paulo II mais temiam. Eles continuam: a exclusão dos divorciados, rede de comunidades. Mas, à medida acreditavam que a igreja tinha que a discriminação dos homossexuais, a que a igreja foi se transformando ter continuidade, portanto o Concílio proibição de mulheres-sacerdotes... Leonardo Boff – O numa instituição e asLEONARDO BOFF: O papa Francisco começou com a reforma do papado papa deu um exemplo sumindo uma função claro. Ele soube que um política no Império pároco de Roma negou Romano, ela assumiu o batismo ao filho de também os símbolos uma mulher solteira. E do poder: o próprio o papa disse: “Esse panome “papa”, que era dre está errado, porque exclusivo dos impenão existe mãe solteira. radores, e aquela caExistem mãe e filho. E pinha cheia de ouro, ela tem o direito de ver que só os imperadores o filho batizado, porque podiam usar, mas que a igreja tem que ter as todos os papas usaportas abertas, pouvam. Quando lhe ofeco importa a condição receram aquela capimoral da pessoa”. E nha, Francisco disse: ele foi mais fundo ao “O carnaval acabou, dizer que não se pode não quero isso”.

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PAPA FRANCISCO: Para Boff, “hoje o cristianismo é uma religião do Terceiro Mundo. Acho que o papa Francisco vai criar uma dinastia de papas do Terceiro Mundo. Além disso, as nossas igrejas já não são mais igrejas de espelho, imitando as europeias. São igrejas-fonte, criaram suas tradições, têm seus mártires, seus mestres, suas formas de celebrar, têm suas teologias e profetas e figuras importantes, como dom Hélder Câmara e Oscar Romero. Essas igrejas estão dando vitalidade ao cristianismo”.

inventar um oitavo sacramento, proibindo os fiéis que não se enquadram na disciplina eclesiástica de participar da vida da igreja e dos sacramentos. Até agora, os temas de moral sexual, de moral familiar, de celibato e de homossexualidade eram proibidos de ser discutidos. Se um teólogo ou um padre discutisse esse assunto, era logo censurado. Agora ele vai permitir a discussão. No Brasil, milhares de jovens foram às ruas protestar... Leonardo Boff – Ele fez uma declaração corajosa em Roma, dizendo que os políticos têm que escutar os jovens na rua e que a causa dos jo-

vens é legítima, justa e que estaria em conformidade com o evangelho. Eu acho que ele vai fazer uma convocação crítica aos políticos, para que eles não sejam mais corruptos e passem a servir mais ao povo. E vai fazer um desafio aos jovens de continuar a transformação da sociedade, mas sem violência. E aí exclui todos esses vândalos que nos últimos dias mostraram uma violência absolutamente injustificável e estúpida. A Igreja Católica perdeu poder e influência? Leonardo Boff – Institucionalmente, a igreja no Brasil está numa profunda crise. Pelo número de cató-

licos, deveríamos ter 100 mil padres. Temos 17 mil. Criou-se um vazio, pelo qual entraram as igrejas pentecostais. E com razão. Como o povo é religioso, ele adere a quem vem falar de Deus, porque, indo para Deus, podemos somar sempre. Para batismo, casamento e enterro, é a Igreja Católica. Para saber o outro lado do mundo, ele vai ao espiritismo. Para as questões de sorte e amor, ele vai a um centro de macumba. O povo não tem uma visão doutrinária; tem uma visão prática. É um supermercado religioso com muitos produtos, e o povo vai se servindo. N Fonte: www.dw.de

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PENSAMENTOS

Consoladoras mensagens cotidianas

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or mais que estudemos e pesquisemos, buscando decifrar os mistérios da vida e vislumbrar os desígnios do Criador, na verdade somos guiados por poucas mensagens que costumamos colocar sob o vidro de nossa escrivaninha ou dependuramos à frente de nossa mesa de trabalho. Elas são sempre lidas e relidas e possuem uma força secreta de nos tirar da opacidade natural do dia a dia. Outras vezes, são fotografias de entes queridos, de pais, filhos e filhas que amamos e que nos aliviam no trabalho geralmente fastidioso e até penoso. Assim vi há dias na mesa do diretor de um banco uma frase que ele tirou da “Imitação de Cristo”, um livro que há mais de 800 anos ilumina tantas pessoas: “Ó Luz eterna, superior a toda luz criada, lançai do alto um raio que penetre o íntimo de meu coração. Purificai, alegrai, iluminai e vivificai o meu espírito com todas as suas potências para que a Vós se una em transportes de pura alegria”. Disse-me que, durante o dia, reza com frequên­ cia essa oração entre negociações, cálculos de taxas e de percentagens de juros nos empréstimos. Eu, de minha parte, possuo dependuradas à frente de minha escri-

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vaninha, onde passo muitas horas pesquisando e escrevendo, vários cartões com mensagens que nunca deixam de me consolar e inspirar. Em primeiro lugar, uma imagem tirada da famosa Sagrada Face de Jesus, mas retrabalhada com traços fortes. O rosto é desfigurado, com sangue escorrendo pela testa e os cabelos desgrenhados pela tortura. Os olhos são profundos, cheios de enternecimento e com uma força tal que nos obriga a desviar o olhar. Parece que nos penetra na alma e nos faz sentir todos os padecimentos da humanidade sofredora na qual Ele está encarnado e sofrendo conosco, como diria Pascal, até o fim do mundo. Ao lado, uma foto de uma irmã querida, segurando ao colo, num gesto da Magna Mater, o filhinho pequeno, irmã arrancada da vida, aos trinta e três anos, por um enfarte fulminante. Aí há tanta ternura e serenidade, que custa conter as lágrimas. Por que uma flor foi quebrada quando ainda não acabara de desabrochar? Por quê? A resposta não vem de nenhum lugar. Apenas uma fé que crê para além de todas as razoabilidades sustenta o tormento dessa pergunta.

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por Leonardo Boff

Logo acima, presa ao braço da lâmpada, uma mensagem em alemão, que encontrei quando ainda fazia meus estudos no estrangeiro e que me inspira durante toda essa fatigante existência: “Eu passarei uma única vez por esta vida. Se eu puder mostrar alguma gentileza ou proporcionar alguma coisa boa a quem está ao meu lado, então quero fazê-lo já, não quero nem protelá-lo nem negligenciá-lo, pois eu nunca mais passarei novamente por este caminho”. Aqui se diz uma verdade pura, simples e sábia. Viajo muito por muitos meios e por muitos caminhos. Nunca se está livre de riscos. Quantos não são aqueles que partem e nunca chegam. E aí leio num cartão à minha frente a frase tirada do Salmo 91.11: “Deus ordenou a seus anjos que te protejam pelos caminhos que

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Mensagens pelo caminho são sempre lidas e relidas e possuem uma força secreta de nos tirar da opacidade natural do dia a dia. Elas nos aliviam no trabalho geralmente fastidioso e até penoso

tomares”. Não é consolador poder ler essa mensagem como se tivesse sido escrita diretamente para você um pouco antes de partir para uma viagem qualquer, sem poder saber se voltará são e salvo?

Mais consolador ainda é este outro cartão, colocado num vaso cheio de canetas, no qual Deus pelo profeta Isaías me sussurra ao ouvido: “Não temas; eu te chamei pelo nome; tu és meu” (43.1). Como temer? Já não me

pertenço. Pertenço a Alguém maior, que conhece meu nome e me chama e me diz: “Tu és meu”. A alma serena, as angústias da humana existência acalmam-se; apenas ressoa a palavra bem-aventurada: “Tu és meu”. Aqui há algo que antecipa a eternidade quando Deus nos revela nosso verdadeiro nome. Segundo o Apocalipse, somente Deus e a pessoa conhecem esse nome e ninguém mais. Aí seguramente Deus repetirá: “Tu és meu” – e a pessoa retrucará: “Eu sou teu”. Essa comunhão do eu e do tu vai prolongar-se pela eternidade afora, numa fusão sem distância nem limites pelos séculos dos séculos, sem fim. Não serão, por acaso, coisas singelas como essas que orientam nossa vida e nos trazem alguma luz no meio de tanta penumbra e de questões sem N resposta? LEONARDO BOFF é teólogo e escritor, autor de “Experimentar Deus: a transparência de todas as coisas” (Vozes), reside em Patrópolis (RJ)

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COMPORTAMENTO

A criança que mora na gente

Penso nas crianças que não tiveram um lar, nascidas para dentro de um ambiente conflitado, pais separados, pai ausente ou omisso. Quero ser otimista ao dizer que você e eu não passamos por essas privações. Graças a Deus. Sentimo-nos aceitos e amados. Com nossos pais, avós, aprendemos a confiar, desenvolvemos a confiança básica – básica, porque é a base para a confiança em Deus, nos outros e na gente mesmo. Ainda hoje, nos caminhos da vida, alimentamo-nos dessa confiança e seguimos nas etapas, superamos adversidades, vencemos desafios. As vivências infantis incubam personalidades sadias ou perturbadas. Os profissionais em saúde mental avaliam isso na anamnese e na terapia. No aconselhamento pastoral, buscamos primeiro o vínculo da criança com seus pais para entender o vínculo com Deus. Confiança básica ausente obstrui o caminho para a fé. A criança que mora na gente vive a fé como viveu primeiro a aproximação ou a distância das pessoas, a cujo cuidado ela foi confiada. E se esse cuidado falhou ou fracassou, Deus tem caminhos e chama pessoas para reconstruir essa etapa fracassada por meio de seu amor, que é maior do que as necessidades humanas. N

por Donário Bencke

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em uma criança morando na gente. Não é dentro da casa da gente, mas dentro da gente mesmo. Como entender isso? Um dia, fomos crianças. E é nos primeiros anos de vida que se lançam as sementes para desabrochar uma personalidade sadia. Assim como na construção de uma casa, quanto mais sólida for a base, mais probabilidade

de sustentar tudo o que vem depois. Imagino uma criança rejeitada ou desprezada. Nos primeiros anos de vida ou até na gestação. Não foram supridas suas necessidades psicológicas básicas: afeto e amparo. Leva para a vida uma experiência de abandono. Essa experiência marca, mesmo que mais tarde se procure recuperar o que ficou para trás.

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DONÁRIO BENCKE é teólogo e psicólogo em Ivoti (RS)

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As vivências infantis incubam personalidades sadias ou perturbadas. Os profissionais em saúde mental avaliam isso na anamnese e na terapia

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testemunhos

Assaf, o orador de Tiro Sobre as palavras de Jesus seu rebanho e notou que faltava uma delas...”. Essas palavras transportavam os ouvintes para seu próprio contexto conhecido e para os bons tempos de seus antepassados.

Em minha juventude, ouvi os grandes oradores de Roma, Atenas e Alexandria. O jovem nazareno era diferente de todos eles. As palavras daqueles deleitavam os ouvidos. Ouvindo Jesus, por sua vez, tinha-se a impressão de que o coração saía do peito para perambular por lugares até então desconhecidos. Contava uma história ou uma parábola de maneira que nunca tinha sido ouvida antes na Síria. Era como se ele as tecesse a partir das estações do ano, assim como o tempo tece anos e gerações.

Ele conhecia a fonte de nosso passado e os fios imutáveis dos quais somos tecidos. Os oradores gregos e romanos falavam da vida assim como ela se apresentava à razão. O nazareno, ao contrário, falava de um anseio que habita o coração da pessoa.

Arte: Roberto Soares

O que eu poderia dizer dos pronunciamentos de Jesus? Talvez houvesse algo em sua pessoa que dava autoridade às suas palavras e encantava as pessoas, pois ele era bonito, e o brilho do dia refletia em seu rosto. Eu desconfio que os homens e as mulheres ficavam mais impressionados com sua presença do que com seus argumentos. Muitas vezes, contudo, falava com o poder de persuasão de um espírito que legitimava sua autoridade.

Ele começava suas histórias da seguinte maneira: “Um colono foi ao campo para semear...” ou: “Era uma vez um homem rico que possuía muitos vinhedos...” ou: “No entardecer de um certo dia, um pastor contou as ovelhas de

No fundo, todos nós somos colonos e gostamos de vinhedos; o pastor, o rebanho e a ovelha perdida vivem nos campos de nossa memória, assim como o arado, o lagar e a eira.

Aqueles viam a vida com os olhos, que eram um pouco mais sagazes do que os meus ou os seus, enquanto Jesus via a vida à luz de Deus. Muitas vezes, pensei que ele falava à multidão assim como uma montanha falaria à planície. Suas palavras possuíam um poder que faltava aos oradores de Roma e Atenas. Fonte: KHALIL GIBRAN – autor do livro “Jesus – Filho do Homem” – Editora Sinodal

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o reformador

Lutero no mosteiro por Leandro Hofstaetter

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ma das histórias mais conhecidas da vida do reformador Martim Lutero diz respeito ao motivo que o levou a tornar-se monge. A determinação veio por conta do famoso Gewitter, a tempestade perto de Stotternheim, quando voltava da Universidade de Erfurt para casa. Uma curiosidade: no dia em que Lutero ia entrar no mosteiro, ele fez uma festa para seus amigos, que o levaram chorando até seu novo lar. Devemos ter em mente que, na época, entrar em um mosteiro significava “morrer” para o mundo. A partir do momento em que se entrasse pela pesada porta do convento, a vida seria apenas de serviço a Deus e aos irmãos da ordem. O seu pai chegou até a dizer que ele não era mais seu filho, pois Lutero não lhe obedeceu quando ele tentou dissuadi-lo a se tornar monge. O que o fez decidir-se pela ordem dos agostinianos foi, segundo ele mesmo, a rigidez tanto acadêmica como das regras da ordem. Em uma carta, Lutero afirmava que os beneditinos eram muito soberbos; já os franciscanos eram preguiçosos para o estudo, pois achavam que um monge não necessitava disso. Já no mosteiro, o jovem Lutero interessava-se muito pelos estudos. O problema era que nem todos os seus colegas eram assim tão rígidos

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MONGE: Representação de Lucas Cranach de Martim Lutero como monge agostiniano. A obra é de 1546 e encontra-se no Museu Germânico Nacional em Nuremberg-Alemanha. A foto é de Wolfgang Sauber

quanto ele. Isso lhe causou alguns problemas de relacionamento. Ele mesmo conta que alguns de seus colegas o achavam muito “nariz empinado” por conta de ele ser, como diríamos hoje, um “CDF” em relação aos estudos. Não podemos esquecer que nem todos os seus colegas tiveram os estudos que Lutero teve. Ele já estava cursando Direito quando entrou no monastério. Mesmo assim, ter estudado e ser estudioso não era uma condição

para se tornar monge. Alguns até eram analfabetos. O importante era repetir a cartilha e seguir as ordens dos superiores. Justamente isso incomodava o nosso monge Lutero. E não só. Além das repetições das cartilhas, os trabalhos constantes em todas as horas do dia mal davam tempo para que Lutero se debruçasse sobre os livros de teologia e, principalmente, o livro que ele mais queria ler: a Bíblia. Toda essa situação começou a transformar o jovem monge, que aos

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MOSTEIRO: A palavra mosteiro deriva de monasterion do grego, que significa lugar onde se vive sozinho, pois os primeiros monges cristãos no Egito viviam como eremitas. Isso mudou e os monastérios ou mosteiros (são sinônimos) foram lugares onde, mesmo se vivendo sozinho, havia uma comunidade de monges para dar apoio. Essa ideia tomou forma dando lugar ao que se chama de comunidade de monges ou monjas, deixando a vida eremita apenas para monges “em um estágio mais elevado”. Na verdade, as regras escritas e o jeito do ocidente entender o monasticismo são devidos a São Benedito de Nursia, pois foi ele a criar o primeiro monastério na Itália, o qual seria o modelo para todos os outros. Cada ordem então, depois de devidamente reconhecida, adaptava as regras e criava algumas próprias. TEMPESTADE: Uma tempestade com muitos raios teria levado Lutero a ir para um mosteiro

poucos ia construindo um jeito bem peculiar de se relacionar com Deus no monastério. Mesmo com todas as tarefas, ele queria ler a fonte onde Deus está presente, coisa que não era compartilhada por todos os monges. Em segundo lugar, vinha a oração. Outra curiosidade: Certa feita, ele reclama em uma carta aos seus amigos que ele quase não tinha tempo para dedicar-se à oração. Entretanto, a sua vida era repleta de oração. Quando chegava o domingo, por exemplo, ele

se recolhia e não saía dos seus aposentos nem para comer, dedicando-se inteiramente à oração. Essas duas características irão acompanhar o reformador pelo resto da vida e serão importantíssimas para a Reforma e para os luteranos: ler a Bíblia e não os comentários sobre ela; e orar sem cessar. Por essa razão, Lutero sempre afirmou que o que faz um bom teólogo é, primeiramente, o Espírito Santo (e esse só vem pelo ouvir a Palavra);

depois, a oração e, em seguida, as tribulações, pois sem essas não há aprendizado e nem humildade. O nosso monge está se dirigindo, com sua originalidade, em direção a algo que nem ele mesmo sabe o que é, mas que com certeza irá transformar não apenas a sua vida, mas a vida de toda a Alemanha, a Europa e, inclusive, o mundo. N LEANDRO HOFSTAETTER é teólogo e doutor em Filosofia em Joinville (SC)

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PARCERIAS

Penitência sem carolice por Ricardo Gondim

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traficantes aterrorizando. Semelhante ao profeta, pergunto: “Tu, Senhor, reinas para sempre; teu trono permanece de geração em geração. Por que motivo, então, te esquecerias de nós? Por que haverias de desamparar-nos por tanto tempo?” (Lamentações 5.19-20). Sou atraído pela história de Oseias. Divido sua indignação contra sacerdotes que mercadejam esperança. Da medula dos ossos vem uma revolta contra a instrumentalização do sagrado em projetos pessoais. Não consigo admitir o subterfúgio de engrandecer Deus como alavanca para tornar a instituição mais poderosa. Não partilho da euforia de grupos religiosos que celebram um vertiginoso crescimento numérico. Será que não se indagam: “Vale a pena?”; inflam estatísticas e pouco se importam com o inferno existencial que aflige o mundo que dizem socorrer. Igrejas obcecadas com números multiplicam a neurose religiosa. “Quanto mais aumentaram os sacerdotes, mais eles pecaram contra mim; trocaram a glória deles por algo vergonhoso. Eles se alimentam dos pecados do meu povo…” (Lamentações 4.7- 8). Com Miqueias sou dramático. O desejo de copiá-lo talvez nasça de meu desespero de exorcizar o torpor que a mediocridade produz: “…Chorarei e lamentarei; andarei descalço e nu. Uivarei como chacal e gemerei como

REVOLTA: A fortuna de alguns deixa-me com uma pulga atrás da orelha. Não me conformo com o riso cínico da corrupção. Por que pessoas íntegras se desgastam por anos com testemunhos diminutos de seus avanços na prática do bem? Escroques alcançam notoriedade com desembaraço. A virtude parece tão difícil, e o engodo, tão leve

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into-me companheiro de certos personagens da Bíblia; suas características atormentadas me atraem. Pensei em mencionar alguns notórios pessimistas não religiosos: Arthur Schopenhauer, Friedrich Nietzsche, Emil Cioran, Albert Camus, mas pressinto celeuma. Além do mais, não seria honesto conformar-me tão estreitamente a gente da estirpe de Fernando Pessoa, Carlos Drummond de Andrade e outros; fora a náusea universal que mulheres e homens partilham, ando razoavelmente bem resolvido em diversas áreas. Sou irmão de Asafe, o bardo que quase se perdeu ao mirar a prosperidade de gente ruim (Salmo 73). Não invejo nenhum rico. Contudo, a fortuna de alguns deixa-me com uma pulga atrás da orelha. Não me conformo com o riso cínico da corrupção. Por que pessoas íntegras se desgastam por anos com testemunhos diminutos de seus avanços na prática do bem? Escroques alcançam notoriedade com desembaraço. A virtude parece tão difícil, e o engodo, tão leve. Igual a Asafe, sou tomado por cansaço e fastio diante da injustiça. Vejo-me parceiro nas lamentações de Jeremias. Todos os dias, colocado cara a cara com a violência, não posso aceitar mulheres apanhando, negros ganhando salário menor, crianças morrendo em ambulatórios precários,

um filhote de coruja. Pois a ferida de Samaria é incurável e chegou a Judá” (Miqueias 1.8-9). Já não estranho as circunstâncias em que Jesus falou com contundência. Identifico-me em sua exasperação. Tenho vontade de desabafar, depois de constatar que não fui ouvido: “Ó tardos e néscios de coração para crer…” (Lucas 24.25). Semelhante a ele, ao perceber o encurtamento das pessoas, dou-me a liberdade de dizer: “Ó geração incrédula e perversa, até quando estarei com vocês”? (Mateus 17.17). Jesus considerou insuportá-

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vel ver a casa de Deus apequenada, transformada em covil de ladrões – “O zelo da tua casa me devorará” (João 2.17). Não me culpo por denunciar; as mesas dos cambistas do templo são asquerosas. Ao esticar um dedo na direção dos outros, reconheço, três apontam para mim. Não posso evitar Paulo: “Miserável homem que eu sou! Quem me livrará deste corpo de morte?” (Romanos 7.24). Admito minha inadequação sem carolice. “Eu sou o principal pecador” (1Timóteo 1.15). Ensino, e quem ensina

precisa saber que se candidata a “ser julgado com maior rigor” (Tiago 3.1); daí a necessidade de ser honesto comigo mesmo. De espírito quebrantado e contrito, dou as mãos aos monges e reitero a prece do rito bizantino: Kyrie eleison; Christe eleison; Kyrie eleison – “Senhor, tende piedade de nós; Cristo, tende piedade de nós; Senhor, tende piedade de nós”. N Soli Deo Gloria RICARDO GONDIM é teólogo e presidente da Assembleia de Deus Betesda em São Paulo (SP)

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REFLEXÃO

Sacrifícios agradáveis não negligencieis, igualmente, a prática do bem e a mútua cooperação. pois, com tais sacrifícios, deus se compraz. por Robson Luís Neu

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ste é o lema bíblico do mês de outubro. Numa primeira leitura dessa pequena parte de Hebreus, algumas palavras logo ganham destaque: negligenciar, bem, cooperação, sacrifícios e Deus. É um versículo denso de conteúdo. E para entendermos melhor, precisamos olhar atentamente o contexto em que essa palavra foi vivida e escrita. Embora seja chamada de carta, Hebreus é, na verdade, uma grande reflexão teológico-pastoral. É um escrito de lideranças da era pós-apostólica, ou seja, em torno do ano 100 d.C., carregado de forte influência do apóstolo Paulo. Todo escrito tem um objetivo, e o de Hebreus é fortalecer as comunidades cristãs frente à perseguição do Império Romano. Mas, pelo que transparece no versículo acima, não somente a perseguição ameaçava a fé das comunidades cristãs. Essas comunidades eram formadas por cristãos procedentes do judaísmo ou por pessoas que se haviam convertido, com origem em outras crenças. O judaísmo oficial tinha como fundamento a observância da

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lei e do templo. Esses eram os dois caminhos para ter comunhão com Deus. E esse pensamento estava presente nas comunidades às quais esse escrito se dirige. A rigorosa observância da lei (dos mandamentos) tinha como consequên­ cia a exclusão. Muitas vezes, Jesus criticava a observância exagerada das leis, especialmente quando a vida precisava ser preservada e a lei impedia. Assim, Jesus permitiu aos discípulos que colhessem algumas espigas de milho durante o sábado, dia sagrado de descanso (Marcos 2.23-28). O templo, por sua vez, revelava um sistema religioso e financeiro excludente. Suas lideranças, como o sumo sacerdote, declaravam a palavra de Deus através de ritos e sacrifícios. Esses garantiam o sistema financeiro-religioso do templo. No Antigo Testamento, o profeta Oseias invocava o nome de Deus para alertar sobre o perigo da prática de sacrifícios: “Porque eu quero misericórdia e não sacrifício; e o conhecimento de Deus, mais do que holocaustos” (Oseias 6.6). No Novo Testamento, Hebreus novamente lembra aquela

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Hebreus 13.16

AMOR: Praticar o bem e promover a comunhão colocam

palavra profética ao anunciar que Deus se compraz apenas com os sacrifícios da prática do bem e da mútua cooperação. Se formos fiéis à tradução de Hebreus na língua grega, trocamos a expressão “mútua cooperação” por “comunhão”. Ou seja, os sacrifícios agradáveis a Deus são a prática do bem e a comunhão. Nesse sentido, Hebreus apresenta um novo sumo sacerdote, o único e verdadeiro mediador entre Deus e os seres humanos: Jesus, o Cristo. Jesus não se tornou sumo sacerdote por meio dos rituais de sacrifício de animais, que eram oferecidos para garantir o perdão dos pecados. Desses sacrifícios Deus não necessita e, portanto, não se compraz. Jesus é o próprio sacrifício vivo. Quando Hebreus traz a afirmação de que a prática do bem e a comunhão são sacrifícios agradáveis aos olhos de Deus, faz isso na certeza de que Jesus foi o exemplo vivo tanto de fazer o bem como de promover a comunhão,

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pequenos sinais do reino de Deus no mundo em que vivemos e agradam a Deus

até mesmo entre diferentes. Ao curar, exortar, ensinar, ouvir, repartir, Jesus mostrou o que é o bem, em outras palavras, o que é o amor. Ao acolher e abençoar crianças, ao confrontar-se com os necessitados, ao dar vista aos cegos, ouvido aos surdos, fala aos mudos, ao perdoar pecados sem a exigência de oferecer sacrifício no templo,

Jesus promoveu a comunhão da maneira mais plena e livre possível. Seguindo o pensamento dos redatores de Hebreus, podemos dizer que, quando praticamos o bem e promovemos a comunhão, além de ajudar o próximo, estamos oferecendo-os como sacrifícios a Jesus. Ele, o sumo sacerdote, nosso único mediador, oferece

tais sacrifícios a Deus. Certo é que há muita gente precisando de comunhão. São vítimas de opressão, exclusão, violência à dignidade de vida. A prática do bem não tem dia nem hora marcada. Ela se faz necessária em toda parte. Fazer o bem e promover a comunhão exigem uma fé comprometida e ativa – e não egoísta e passiva. Por outro lado, aqueles que preferem viver da rigorosa observância da lei, fazendo dessa um sacrifício a Deus, na verdade promovem somente a si. É na relação com o outro que mostramos quem realmente somos. Por isso Hebreus sinaliza para uma fé comprometida com a promoção do bem e da comunhão, necessária para o bem viver. Hebreus 13.16 é um convite para sermos exemplo de Jesus, que, ao praticar o bem e promover a comunhão, ofereceu a Deus o verdadeiro sacrifício. Se quisermos agradar a Deus, precisamos necessariamente olhar para as nossas relações. É através de tais exemplos que pequenos sinais do reino de Deus são semeados no mundo. Que sacrifícios agradáveis N Deus nos confiou! ROBSON LUÍS NEU é teólogo e ministro da IECLB em Dois Irmãos (RS)

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ESPIRITUALIDADE

Abraços e brincadeiras A IGREJA NÃO PRECISA COMPETIR COM O MUNDO MODERNO PARA ATRAIR AS PESSoAS. OLHANDO O QUE ATRAI MINHA FILHA À IGREJA, ACHO QUE NOSSO “NICHO” ESTÁ NO BRINCAR.

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manhã, e a comunidade chega para o culto. O burburinho de cumprimentos e conversas ecoa alegremente. Crianças andam pelos corredores, abraçam amigos e avós ou padrinhos. Ao repicar dos sinos, a comunidade assenta-se, e as crianças caminham decididamente para o primeiro banco. Ali, os responsáveis pelo culto infantil já as aguardam. O som do órgão preenche o ar. O pastor levanta-se e dá as boas-vindas à comunidade. A calma, enfim, sobrepõe-se à alegria do reencontro, e a comunidade canta: “Vinde a mim, disse o bom Jesus...” Ao primeiro acorde, o grupo no primeiro banco levanta-se. Pelos corredores vêm outros pequeninos juntar-se ao bolinho de meninos e meninas no altar. O pastor dirige-se às crianças; elas o olham nos olhos ou, se encabuladas, consultam os sapatos. Ele ergue as mãos e deseja a elas um bom culto infantil sob a bênção de Deus. Olhando lá do altar, por entre as crianças, observo a comunidade nos bancos. Alguns sorrisos se abrem, al-

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gumas cabeças dobram-se em oração; é uma comunidade inteira que respira junto com seus filhos, abraça-os. As crianças então seguem para as salas do culto infantil. Elas estão em casa. Tentando entender o que faz as crianças sentirem-se em casa, perguntei à minha filha por que ela gosta de ir à igreja. Ela listou: professoras, atividades, música, cantar e dançar, artes, amigos. E completou: “A gente pode brincar”. Será que é assim tão simples? Há três anos, dei um curso numa comunidade em que recém tinham adquirido aparelhos de DVD na intenção de conquistar as novas gerações digitais. E sempre de novo a pergunta surgia: “Como a igreja vai concorrer com o mundo moderno?” Talvez não seja uma questão de competir com o mundo moderno. Sim, a tecnologia é válida, e a igreja pode e deve valer-se de microfones, multimídia... Mas, olhando o que atrai minha filha à igreja, acho que nosso “nicho” está no brincar. Anos atrás, morando na Inglaterra, participei de uma oficina sobre o

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por Luciana Berner

trabalho do americano J. Berryman: Godly Play (brincadeira de Deus ou divina, numa tradução livre). Ele desenvolveu uma técnica, baseada no método Montessori, para trabalhar as histórias da Bíblia e refletir sobre fé. O método em si é interessante, talvez um pouco rigoroso na utilização e formatação. São usadas miniaturas, objetos naturais, simples e lúdicos. As crianças são envolvidas e podem manipular os materiais. E muito do que ele sugere vem ao encontro do que minha filha me disse: Podemos brincar. Revi o último domingo em que estive com as crianças. Nós brincamos? Do ponto de vista do adulto, talvez só no final. Mas, da perspectiva das crianças, desde o momento da chegada brincamos: as músicas eram alegres, aprendemos uma nova, cantamos as favoritas, dançamos. Conversamos e partilhamos os eventos da semana e ri-

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mos. Oramos juntos e pedimos a Deus por coisas importantes: as provas, as brigas, os aniversários. Ouvimos uma história já bem conhecida: A ovelha perdida, que faz parte do Tema do Ano da IECLB. Totalmente não tecnológico: um pano verde e outro azul, pedaços de algodão. Depois usamos etiquetas adesivas, que recortamos em forma de ovelha para colar no cartaz do tema: somos ovelhas de Deus. Por fim, sentamos no chão e tiramos dos armários brinquedos de segunda mão: panelinhas, carrinhos, blocos. Enfim, divertimo-nos juntos.

Quando, em nossa correria diária, temos oportunidade de sentar juntos, ouvir histórias, valorizar aquilo que nos interessa, explorar o mundo ao nosso redor, estar com os amigos em carne e osso?

Voltando à conversa com minha filha, ela também me perguntou sobre o que eu mais gosto na igreja. E eu respondi: “Os abraços”. Ela me abraçou: “O meu continua o melhor de todos, né?”. É, o dela é o melhor. Mas cada um dos abraços comunitários renova em mim a fagulha de Deus. Lembro das palavras de Gênesis 2.7: “O Senhor Deus ... soprou em suas narinas o fôlego da vida, e o homem foi ser vivente” e de 1 Coríntios 6.19: “… vosso corpo é o templo do Espírito Santo, que habita em vós”. Deus fez-nos vivos e habita em nós. Por isso o abraço me renova. É como o cumprimento usado pelos hindus, namastê, que se origina do antigo sânscrito e significa: “O Deus que habita no meu coração saúda o Deus que habita no seu coração”. Que as nossas comunidades possam ser um abraço divino e um espaço seguro para brincar. Um lugar onde Deus possa soprar em nossas narinas e vivificar-nos. Não só para as crianças, mas para cada individuo que carrega dentro de si a fagulha de Deus; cada indivíduo N que é criança nos braços do Pai. LUCIANA BERNER é professora e reside em Petrópolis (RJ)

Deus fez-nos vivos e habita em nós. Por isso o abraço me renova. É como o cumprimento usado pelos hindus, namastê, que se origina do antigo sânscrito e significa: “O Deus que habita no meu coração saúda o Deus que habita no seu coração”. NOVOLHAR.COM.BR –> Nov/Dez 2012

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penúltima palavra

Tempo de cantar por Soraya Heinrich Eberle

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Billy Alexander

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empre é tempo de cantar! – dizem pessoas que facilmente encontram palavras cabais, colocando pontos finais nas conversas e reflexões. Mas, às vezes, uma canção é mais do que precisamos e podemos suportar. A voz é parte da identidade. Ela nos desnuda e expõe diante das outras pessoas. E por isso é tão difícil encontrar pessoas dispostas a cantar em alto e bom som uma canção. Ou a falar em público. A voz é uma graça, um presente gratuito que a maioria das pessoas tem disponível. Por uma série de razões, ocorre um atrofiamento da capacidade de expressar-se vocalmente. Como na época de Lutero, vozes que deveriam soar para cantar a glória de Deus estão caladas. Motivos? Existem muitos, desde a precariedade da educação musical até a ausência do canto (e da devoção) nos lares, além dos padrões midiáticos, nos quais alguns iluminados brilham, enquanto os mortais assistem. Da mesma maneira que Lutero devolveu o canto ao povo, dando-lhe assim a possibilidade de proclamar sua fé de modo contundente, nós podemos resgatar em nosso meio a perspectiva libertadora do canto. A partir de Paulo Freire, é hora de “cantar a nossa Palavra”... Alçar a voz, de forma livre, porque ninguém deveria ter poder regulatório sobre o canto alheio.

Mas, às vezes, não é hora de cantar. No Salmo 137, os exilados expõem a sua incapacidade de cantar uma canção em meio a seu grande pranto; isso não é estranho a muitas e muitos de nós! Quantas vezes o canto alheio não é inoportuno, inconveniente? Quantas vezes esse canto não ressalta a miséria de quem não consegue, não pode cantar – e soa arrogante? Tem que haver, para poder cantar com propriedade, também um tempo para ouvir o outro, o seu canto – não impondo preponderantemente o próprio – ou o seu silêncio e, quiçá, acompanhá-lo. Tempo de empatia, porque a tua dor me dói! É sempre bom lembrar que aprende melhor a música quem melhor aprende a ouvir. Empatia exercita-se ouvindo, e só depois propondo. Há canções que conseguem expressar o lamento de alguém; mas é preciso sensibilidade para encontrá-las. É preciso sentir com o outro para escrevê-las.

E há o tempo do silêncio profundo. Tempo de não dizer nada, não opinar sobre nada, não ouvir nada... tempo de esvaziar, deixar que o suave sussurro de Deus para dentro da alma traga uma nova canção. Fiz calar e sossegar a minha alma, diz o salmista no Salmo 131. É nesse silêncio profundo que grandes coisas acontecem. Como diz Cláudio Kupka em sua canção (461 de Hinos do Povo de Deus): “No calar, no lembrar que viemos do pó, que o Autor do que somos é o Deus Criador, é possível reconhecer que somos fruto do seu grande amor”. Grandes descobertas ocorrem no silêncio e impulsionam ao cantar livre, pleno e sensível. Não é à toa que o autor de Eclesiastes escreve que há tempo para tudo, inclusive tempo de falar (cantar) e tempo de calar. Que tenhamos a sabedoria para entoar a canção certa N no momento adequado! SORAYA HEINRICH EBERLE é musicista e professora em Canoas (RS)

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