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CONTATO PARA RESERVA e-mail: larbelem@luteranos.com.br Site: www.luteranos.com.br/larbelem Campinas-SP Tel: (19) 3252 5458 Novolhar_59_JulSet_2015.indd 2
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Luz: Vida Energia Tecnologia
essência sustentabilidade energia solar
tecnologias ritmos somos luz?
8 a 21 ÍNDICE
Ano 13 –> Número 59 –> JULHO A SETEMBRO DE 2015
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24
26
Boff fala sobre a Encíclica Laudato Si’
De iconoclastas a iconólatras?
Abefi: uma referência humanitária
ENTREVISTA
simbologia
assistência
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vida nova Depois da droga
SEÇÕES
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paternidade
30
parceria
Desafios comuns para duas igrejas
Imagem de pai
36
cidade
Culto para transeuntes
palavras cruzadas > 6 MOSAICO BÍBLICO > 6 NOTAS ECUMÊNICAS > 7 O REFORMADOR > 32 consultório da fé > 35 de olho na educação > 37 REFLEXÃO > 38 ESPIRITUALIDADE > 40 PENÚLTIMA PALAVRA > 42 NOVOLHAR.COM.BR –> Jul/Set 2015
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AO LEITOR Revista bimestral da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil-IECLB, editada e distribuída pela Editora Sinodal CNPJ 09278990/0002-80 ISSN 1679-9052
Diretor Nestor Paulo Friedrich Coordenador Eloy Teckemeier Redator João Artur Müller da Silva Editor Clovis Horst Lindner Jornalista responsável Eloy Teckemeier (Reg. Prof. 11.408) Conselho editorial Clovis Horst Lindner, Denise Pinto, Eloy Teckemeier, Jaime Jung, João Artur Müller da Silva, Marli Lutz, Robson Luis Neu e Werner Kiefer. Arte e diagramação Clovis Horst Lindner Criação e tratamento de imagens Mythos Comunicação - Blumenau/SC Capa Arte: Cristiano Zambiasi Jr. Impressão Gráfica e Editora Pallotti Colaboradores desta edição Carine Fernandes, Carlos A. Dreher, Cláudio Kupka, Donário Bencke, Elisabeth Victória Haas, Emílio Voigt, Guilherme Lieven, Irineu Valmor Wolf, Johannes Gerlach, Leandro Hofstaetter, Leonardo Francisco Stahnke, Maria Roseli Rossi Ávila, Monica Kupka, Natacha Teske, Osvino Toillier, Renato Creutzberg, Renato Luiz Becker, Rui Bender, Thomas Kang, Valdemar Gaede e Werner Kiefer.
Publicidade Editora Sinodal Fone/Fax: (51) 3037.2366 E-mail: editora@editorasinodal.com.br Assinaturas Editora Sinodal Fone/Fax: (51) 3037.2366 E-mail: novolhar@editorasinodal.com.br www.novolhar.com.br Assinatura anual: R$ 33,00 Correspondência E-mail: novolhar@editorasinodal.com.br Rua Amadeo Rossi, 467 93030-220 São Leopoldo/RS
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A luz é tudo
N
ão há exagero algum neste título. Antes de começar qualquer outro ato de sua obra na primeira página da Bíblia, o Criador ordenou: “Fiat Lux!”. A Criação só pôde seguir seu ritmo natural depois de iluminar o universo em formação. Entretanto, após muita discordância, séculos de relutância, execuções – como a de Giordano Bruno em 1600, por exemplo – e várias excomunhões, a igreja cristã finalmente compreendeu que, além de estar na origem de todas as coisas, a luz é a mesma explosão inicial de que fala a ciência na teoria do Big Bang. Ainda assim, há um largo espectro de cristãos que não concordam com isso. Mas todos estão de pleno acordo acerca do fato de que a humanidade não pode viver sem luz e que isso tem realmente pouquíssimo a ver com o medo de ficar no escuro. A luz tornou-se sinônimo de civilização humana. Seu estudo científico completa mil anos, e a ONU declarou 2015 o Ano Internacional da Luz. A luz está em tudo. Na iluminação e na transmissão de dados, nas pesquisas mais avançadas em todas as áreas, bem como no corriqueiro conforto de mover um interruptor qualquer ou no simples tocar das digitais em uma tela touch screen. Diante das ainda intocadas múltiplas portas que a fotônica vem abrindo ao futuro humano, é incompreensível que não avancem decisões inadiáveis na área da infraestrutura energética. O Brasil é o país-sol, por definição. Ainda assim, a exploração da energia solar não chega sequer a arranhar a superfície da produção de energia entre nós. Sequer há estudos consistentes ou expectativas mencionáveis na área no Brasil. Ainda se insiste em abusar da cansada natureza, agredindo o delicado equilíbrio ambiental com a construção de hidrelétricas, por exemplo. Enquanto a energia eólica engatinha, o uso da energia solar chega a ser um ato heroico entre nós, como é o caso da experiência que o alemão Johannes Gerlach relata para nossos leitores e leitoras. No mais, esta Novolhar está repleta de luz para você. Seu brilho transparece em exemplos como o da Cruz Azul Internacional ou do excepcional trabalho da Abefi. Sua claridade envolve-nos na força do perdão e no gracioso amor divino revelado em Cristo. Deixe-se iluminar e torne-se luz também. Há muitas oportunidades para isso num mundo que, vira e mexe, mergulha na mais densa escuridão. Equipe da Novolhar
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NOTAS
Falando às paredes Pastores sinodais da diáspora A pastora e os pastores sinodais dos sínodos Amazônia (Dimuth Bauchspies), Mato Grosso (Nilo Christmann), Brasil Central (Dalcido Gaulke), Espírito Santo a Belém (Joaninho Borchardt), Sudeste (Geraldo Graf) e Rio Paraná (Lauri Becker) estiveram reunidos nos dias 26 a 28 de maio em Foz do Iguaçu/ PR. A reunião, que é anual, junta os sínodos que abrangem 80% do território brasileiro, mas abrigam menos de 20% dos membros da IECLB. Em comum, o grande desafio missionário e a situação de diáspora desses sínodos.
Luteranos japoneses A Comunidade Nipo-Brasileira de São Paulo prepara-se para celebrar seus 50 anos de fundação em 2015. Entre as atividades esteve uma visita à igreja luterana japonesa no mês de maio. Diversas comunidades da JELC (sigla em inglês) são parceiras da Paróquia Nipo-Brasileira de São Paulo, ligada à IECLB. “A viagem da delegação paulista permitiu aprender mais sobre a caminhada do luteranismo no Japão e na Ásia, além de conhecer a cultura japonesa e a diversidade religiosa”, avalia Kazuo Suga, presidente da paróquia nipo-brasileira.
Visite nosso site Os conteúdos de todas as edições da NOVOLHAR estão à sua disposição no site. Visite, consulte, faça uso: www.novolhar. com.br
Tema da próxima edição A edição no 60, de outubro a dezembro de 2015, terá como tema de capa A CRIANÇA, A FAMÍLIA E A ESCOLA. Pais e filhos em casa e na escola estará em debate.
por Guilherme Lieven Falo mais e de forma espontânea com quem eu gosto e me ouve. Essa é uma seleção natural. As mães e os pais insistem em falar com as suas filhas e filhos porque os amam. Da mesma forma, quando namoramos, falamos muito, e não só através das palavras e da voz. Falamos muito também até mesmo o que não deveria, quando brigamos, quando estamos em crise. Nessa situação, um não ouve o outro e todas e todos falam às paredes. Nossa sorte é que Deus, por bondade e amor, fala para nós e tem o poder de nos tocar, de abrir os nossos olhos e ouvidos, a ponto de enxergarmos imagens e horizontes novos e de ouvirmos a palavra que salva. Dessa ação maravilhosa de Deus nasce um diálogo transformador. Então Jesus perguntou: Sobre o que vocês estão conversando pelo caminho (Lc 24.17)? Podemos ouvir e responder a Jesus. Temos muitas coisas para falar. Tanto que às vezes pensamos falar às paredes. Ele nos ouve e nos fala. Aprendemos dos textos bíblicos que Jesus fala com as pessoas, comunidades e multidões, mesmo que elas não o ouçam, ou não consigam identificar a sua presença. A Palavra nos ensina que precisamos partilhar nossas alegrias, medos, angústias e sofrimentos com Jesus e uns com os outros, falar e ouvir. Assim seremos enriquecidos e preparados para viver os sinais da festa da vida, que já iniciou entre nós. Já falamos às N paredes o suficiente. GUILHERME LIEVEN é teólogo e coordenador do Centro de Eventos Rodeio 12 em Rodeio (SC) NOVOLHAR.COM.BR –> Jul/Set 2015
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PALAVRAS CRUZADAS
mosaico bíblico
Ano da Luz ANO DA LUZ 2015
Amigo (Francês) Suportável; Defensável
Curso de Água Doce
Grito da Torcida Colóquio; Período de Diálogo 12 meses
Existir; Ficar Bairro do Rio de Jan.
por Emílio Voigt Lista
Transpirar
Sobre (Inglês Pedra de Moinho Rigidez; Dureza
Unir; Amarrar
Tipo de Gramínea
Tecido Fino Ordem Tes. Nacional Ele é a Luz (bibl.)
Tonalidade
Atava; Ligava
Não cozido Enxerga
Livro do AT (bibl.)
Ciência; Técnica
Irmão de Instrução; Moisés Civilidade Extremo Progresso; Evolução da mão
Dígrafo de Telha
Vazio
Consoantes de Telha Vão; Espaço Senhora (abrev.)
Vigor; Vitalidade Organization of African Union Cidade Turística da Flórida (EUA)
Existência; Vivência
Obstinado; Torquês
Estuda Ave migratória do Norte da Europa
Serviço de Atendimento Móvel de Urgência
Produto apícola Primeira parte da viagem
Deus (Italiano) Rio Grande do Norte
A primeira vogal
Norte
Planta típica dos brejos
Metro
Iluminação Estudo da Luz BANCO: 2. JO, ON; 3. DIO; 4. GROU; 5. MIAMI, TABOA.
Resposta do Palavras Cruzadas da edição anterior. Elaborado pelo pastor Irineu Valmor Wolf, que reside em Indaial (SC).
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Acende a luz, por favor! Um pequeno toque ou movimento no interruptor é suficiente para iluminar um ambiente. Nem sempre foi tão fácil. No tempo do lampião a gás e da lamparina a querosene, acender a luz dava um pouquinho mais de trabalho. E como as pessoas da Bíblia iluminavam seus ambientes e caminhos? Em tempos bíblicos, o método básico de iluminação eram lamparinas ou candeeiros alimentados com óleo de oliva. Os candeeiros, geralmente feitos de barro e com pavio de linho, eram colocados em um suporte de madeira ou metal. Isso está pressuposto em Lucas 8.16: “Ninguém acende uma lamparina e depois a coloca debaixo de um cesto ou de uma cama. Pelo contrário, a lamparina é colocada no lugar próprio para que todos os que entram vejam a luz”. As casas não tinham janelas ou eram muito pequenas para proporcionar claridade razoável. Por esse motivo, a maioria das atividades domésticas era realizada no pátio. A escuridão no interior das casas explica por que a mulher precisa acender a lamparina para procurar uma moeda (Lucas 15.8). A lamparina não produz ampla luminosidade e pode apagar com um sopro ou com o vento. Não era, portanto, adequada para grandes ambientes e para o exterior, onde se usavam tochas. A tocha era, basicamente, uma vara na qual se enrolava um pano ensopado com resina ou piche. Mas havia tochas mais aperfeiçoadas, constituídas por um recipiente de metal preso a um bastão. Nesse recipiente eram colocados trapos ensopados com resina ou piche. Esse é provavelmente o caso em Mateus 25.1 e Atos 20.8 (tradução de Almeida: lâmpada; Nova Tradução na Linguagem de Hoje: lamparina). Especialmente no caso de Mateus 25, dificilmente se trata de uma lamparina. Além de não iluminar suficientemente o caminho, ela seria facilmente apagada pelo vento. O fogo era a base para a luz. Isso significa que a lamparina precisava ficar acesa a noite toda para que se tivesse fogo no dia seguinte? Como fazer ou manter o fogo? Essa já é outra história. Em todo caso, você não precisa deixar a luz acesa. Hoje, para o bem do planeta, é preciso apagar a luz! N EMILIO VOIGT é teólogo e assessor de formação do Sínodo Vale do Itajaí da IECLB em Blumenau (SC)
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Notas ecumênicas
Invisíveis “A Argentina sofre as consequências de um modelo econômico não sustentÁvel (…). Viemos dos nossos territórios ancestrais para manifestar que continuamos vivos como povos e culturas indígenas.” Este é o desabafo dos representantes indígenas argentinos durante a Cumbre indígena “Qopiwini” (povos Qom, Pilagá, Wichí, Nivaclé), que reuniu em Buenos Aires mais de cem delegados de 17 províncias. Durante três dias, os representantes debateram sua situação de abandono e formularam um documento. No final do encontro, fizeram uma marcha aos três poderes, no dia 10 de março, mas não foram recebidos por nenhum funcionário governamental. Adolfo Pérez Esquivel, Prêmio Nobel da Paz argentino, classificou assim a indiferença das autoridades portenhas: “Covardes!”.
SURPRESA E COMOÇÃO causou a visita do Papa Francisco à Igreja Valdense de Roma em 22 de junho. Com uma extensa caminhada ecumênica com os valdenses argentinos, nos tempos de arcebispo de Buenos Aires, o Papa visitou um dos templos valdenses da cidade e pediu perdão pela perseguição que lhes foi imposta pela Igreja Romana no passado.
“Nesse contexto, pelo qual passa o nosso país, de perceptível aumento de intolerâncias das mais diversas, precisamos parar para refletir sobre nossas próprias posturas. Não condenar, não motivar agressões por preconceitos ou falta de abertura para a aceitação do outro. É necessário ter abertura para ouvir a perspectiva do outro. É necessário também o saudável exercício da autocrítica. Ser Igreja que caminha em esperança solidária – eis o nosso desafio pastoral.” CONSELHO NACIONAL DE IGREJAS CRISTÃS-CONIC, em nota pastoral sobre as audiências públicas municipais e estaduais sobre o Plano Nacional de Educação em junho.
João Artur Müller da Silva e seu Lutero da Playmobil
Lutero Playmobil
João Artur Müller da Silva, redator da Novolhar, recebeu de um amigo o boneco Lutero na versão Playmobil pelo aniversário. O brinquedo foi encomendado por empresas de turismo em Nuremberg e pela Igreja Evangélica Luterana da Baviera, que, juntamente com o governo alemão, estão organizando eventos para comemorar, em 2017, os 500 anos da Reforma Luterana. Poucas horas após o lançamento em 2014, já haviam sido vendidos 34 mil exemplares do simpático Luterinho, que veste boina e capa e traz em uma das mãos uma miniatura da Bíblia e na outra uma pena de escrever.
Laudato Si’ Este é o nome da encíclica do Papa Francisco sobre nossa responsabilidade ambiental. O nome vem de um texto escrito por Francisco de Assis em 1224, conhecido como “Cântico das Criaturas”. Foi o primeiro texto publicado em italiano, forma popular de falar que se desenvolvia em lugar do velho Latim clássico, que foi caindo em desuso. É uma oração de louvor, agradecendo a Deus por sua criação, que chama o Sol, a Lua e a Água de “irmãos”. A canção é um antigo sucesso de encontros de jovens desde os anos 1970 (notas musicais ao lado). Se você nunca a ouviu, baixe em https://www.youtube.com/ watch?v=68cG6gVaDwY. NOVOLHAR.COM.BR –> Jul/Set 2015
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CAPA
Luz: Essência da vida a ser preservada
“No princípio criou Deus os céus e a terra. A terra, porém, estava sem forma e vazia; havia trevas sobre a face do abismo, e o Espírito de Deus pairava por sobre as águas. Disse Deus: Haja luz; e houve luz. E viu Deus que a luz era boa” Gênesis 1.1-4
por Carine Fernandes colaboraram Elisabeth Victória Haas e Leonardo Francisco Stahnke
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A
famosa passagem bíblica sobre a criação do mundo mostra que a luz está presente desde a origem. A ciência concorda que ela é a origem de tudo. O fundo dessas duas páginas representa a origem do Universo, dois segundos após o Big Bang. A luz é um recurso natural criado por Deus para garantir a vida de todos os seres na Terra. Na visão das ciências, luz é uma forma de energia eletromagnética radiante que pode ser percebida pelo olho humano sem qualquer problema. É um recurso tão natural e inerente à vida de todos, como o ar que respiramos, que dificilmente paramos para pensar sobre sua real importância. Para mostrar ao mundo a importância do assunto, a Organização das Nações Unidas (ONU) declarou que 2015 é o Ano Internacional da Luz. A ideia é apresentar como as tecnologias baseadas na luz promovem o desenvolvimento sustentável e fornecem soluções para os desafios mundiais nas áreas de energia, educação, agricultura, comunicação e saúde. Outro foco da ONU é chamar a atenção para a importância
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Em 2013, a 68ª Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou o ano de 2015 como o Ano Internacional da Luz e das Tecnologias baseadas em Luz (International Year of Light and Light-based Technologies – IYL 2015). O Ano Internacional da Luz é uma iniciativa mundial para destacar a importância da luz e das tecnologias ópticas na vida dos cidadãos em todo o mundo. Ao proclamar um Ano Internacional com foco na ciência óptica e em suas aplicações, as Nações Unidas reconhecem a importância da conscientização mundial sobre como as tecnologias baseadas na luz promovem o desenvolvimento sustentável e fornecem soluções para os desafios mundiais nas áreas de energia, educação, agricultura, comunicação e saúde. A luz exerce um papel essencial em nosso cotidiano e é uma disciplina científica transversal obrigatória para o século 21. Ela vem revolucionando a medicina, abrindo a comunicação internacional por meio da internet e continua a ser primordial para vincular aspectos culturais, econômicos e políticos da sociedade mundial. “Um Ano Internacional da Luz é uma grande oportunidade para garantir que gestores de políticas internacionais e partes interessadas se conscientizem sobre o potencial de solução de problemas que a tecnologia óptica apresenta. Nós temos agora uma oportunidade única para promover essa conscientização em âmbito mundial” (John Dudley, presidente do Comitê de Promoção do IYL 2015).
das tecnologias ópticas no cotidiano da população, bem como seu papel no desenvolvimento e no futuro da humanidade. O mestre em Física e professor de Física e Biofísica da Feevale César Eduardo Schmitt afirma que a tecnologia óptica poderá ser uma alternativa capaz de aposentar a eletrônica, assim como a conhecemos hoje. “A tecnologia óptica trabalha com a interação das ondas eletromagnéticas luminosas com a matéria, ou seja, a interação dos fótons com os elétrons. Nessa interação, podemos utilizar as propriedades da luz, principalmente a sua velocidade (300.000 km/s no vácuo), para transportar informação, em
vez de sinais elétricos, que sofrem resistência por parte dos condutores. Aumenta-se a performance em até um milhão de vezes em relação à tecnologia atual de nossos sistemas de informação convencionais. As ondas luminosas são como qualquer outra onda eletromagnética – de rádio ou TV, por exemplo –, mas tem como característica a frequência muito mais alta”, explica. Para o biólogo, especialista em Educação Ambiental e professor do Colégio Sinodal de São Leopoldo e Portão, Leonardo Francisco Stahnke, abrir o debate para discutir o papel da luz na sociedade contemporânea é instigar um olhar sustentável para o planeta, de modo a percebê-lo
como detentor de recursos finitos. “É chamar a atenção de todos para a única fonte original de energia da qual se originam todas as demais: o Sol. É também instigar para um uso mais consciente dessa energia, que é abundante, gratuita e, sobretudo, limpa.” Quando se fala em recurso finito, devemos pensar na possibilidade de um dia não ter mais o Sol? Se isso realmente acontecer, temos chances de sobreviver? Para o professor César, essa é uma possibilidade remota. “O Sol que conhecemos ainda tem disponibilidade de produção de energia por mais 4,5 bilhões de anos. Ele poderia desaparecer apenas em caso de uma guerra nuclear ou que-
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Divulgação Novolhar
MATRIZ ENERGÉTICA ultrapassada, o Brasil precisa buscar seu potencial energético de energia limpa
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da de um asteroide de proporções iguais ou superiores ao que aniquilou boa parte da vida no planeta há 65 milhões de anos.” Mas se isso ocorrer algum dia, não haverá chances de vida na Terra, porque sem a luz solar não há realização de fotossíntese e sem essa os vegetais morrem, explica a professora de Ciências da Natureza e Biologia do Colégio Sinodal de São Leopoldo Elisabeth Victória Haas. “Somos inteiramente dependentes dos vegetais pela função
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O ano de 2015 marca o milésimo aniversário de surgimento de Kitab al-Manazir, o notável tratado de sete volumes sobre óptica, escrito pelo grande cientista árabe Ibn al-Haytham.
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da fotossíntese, que produz duas coisas fundamentais, sem as quais não sobrevivemos: a energia (obtida através dos alimentos) e o oxigênio, também de origem vegetal”, completa. Antes de pensarmos em uma catástrofe dessas, que, ainda bem, está longe de acontecer, devemos concentrar esforços para preservar a luz natural e pensar em formas de garantir energias mais sustentáveis e que possam atender todos. Segundo o Ministério de Minas e Energia, o Brasil terá que
965-1040 A influência de Ibn al-Haytham nos experimentos e nas teorias da óptica é realmente notável, e ele é considerado o pai da óptica moderna, da oftalmologia, da física experimental e da metodologia científica.
dobrar seu sistema elétrico nos próximos 15 a 20 anos para atender as necessidades de energia do país. Para o engenheiro ambiental e mestre em Avaliação de Impactos Ambientais Tiago José Pereira Neto, as chances de que a sociedade fique no escuro são reais e devem ser encaradas pelos líderes governamentais como um risco a ser minimizado. “O Rio Grande do Sul gera apenas 30% da energia que é consumida, ou seja, não somos um estado autossuficiente em energia”, ressalta o especialista, que também é analista técnico sênior do Conselho de Meio Ambiente da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (FIERGS) e professor do Centro Universitário La Salle (Unilasalle). Para Tiago, o governo deve investir em um bom planejamento energético. “É preciso conhecer o potencial de geração de energia das regiões, realizar investimentos para a ampliação da geração, transmissão e distribuição de energia, buscando a diversificação da matriz energética, principalmente abrindo espaço para a geração de energia elétrica pela luz solar”, afirma. Para o biólogo Leonardo Stahnke, o país tem um potencial energético muito vasto e pouco explorado, especialmente no desenvolvimento de energia limpa. “Ainda teimamos em manter nossa matriz energética baseada na construção de hidrelétricas – que
1915 Há 100 anos, ALBERT EINSTEIN publicou a sua Teoria Geral da Relatividade. Dez anos antes, já havia divulgado a chamada Teoria Específica da Relatividade, demonstrando a relação entre o tempo, a gravidade e a luz.
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descaracterizam paisagens naturais, causam a perda da biodiversidade, do patrimônio cultural e sérios conflitos sociais. Poderíamos apostar em uma matriz mista, utilizando as diferentes correntes de vento, que sopram em mais de sete mil quilômetros de litoral, ou as correntes marinhas, que já promovem ativamente, em outros países, a geração de energia por meio das ondas. Vale ainda lembrar a energia do Sol, cuja radiação fica – neste país tropical, de privilegiada localização e extensão territorial – na ordem de 1.013 MWh (megawatts hora) anuais, o que corresponde a cerca de 50 mil vezes o seu consumo anual de eletricidade”, sugere Leonardo. Enquanto se espera por um investimento maior do governo em fontes renováveis de energia, é importante que o cidadão faça a sua parte. Com o aumento do poder de compra dos brasileiros, cresceu a utilização de equipamentos elétricos e eletrônicos e, com isso, o aumento no uso de energia. Se esse uso não for consciente, teremos problemas num futuro próximo. “Conforme as projeções realizadas, se o mercado elétrico brasileiro crescer na média esperada de 4,5 por cento nos próximos 15 anos, a oferta de eletricidade terá que dobrar em relação aos atuais 140 mil megawatts de energia elétrica”, aponta o engenheiro ambiental Tiago Neto. Para ele, a única saída é despertar o
1923
Vladimir Zworykin registra a patente do tubo iconoscópico para câmeras de televisão, o que tornou possível a televisão. O primeiro sistema semimecânico de televisão analógica foi demonstrado em fevereiro de 1924 em Londres, e imagens em movimento em outubro de 1925.
consumo consciente: “É necessário que, antes de qualquer ação, venhamos a pensar: realmente preciso usar esse equipamento elétrico para isso? Meu equipamento eletrônico precisa ficar ligado por esse período? Essa mudança de postura é fundamental para avançarmos na utilização da energia de forma sustentável”. A professora do Sinodal Elisa beth Victória Haas também vê como fundamental a conscientização dos cidadãos. “Ser responsável pelo nosso planeta é dever de cada um que vive nele e dele extrai aquilo que lhe é fundamental para a manutenção de sua vida”, acredita. Já o biólogo Leonardo Stahnke defende que, além de uma postura de consumo consciente, as pessoas devem entender mais sobre o assunto e lutar contra projetos políticos que têm na destruição a única alternativa para sua execução. “Devemos aprender cada vez mais sobre o mundo e suas diferenças a ponto de poder avaliar e mensurar prós e contras”, ensina Leonardo. Para essa avaliação, ele cita os princípios básicos preconizados pelo Relatório Brundtland para o Desenvolvimento Sustentável – apresentado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1987: 1) Princípio da Precaução: não esperar o irreparável para agir; 2) Princípio da Prevenção: é melhor prevenir do que remediar; 3) Princípio da Economia e da Boa Gestão: sabendo
1956
O termo Fibra Óptica foi empregado pela primeira vez pelo Dr. Narinder Kapany (esq.), que fazia parte de uma equipe do Laboratório Bell (USA).
usar, não vai faltar; 4) Princípio da Responsabilidade: quem degrada deve recuperar; 5) Princípio da Participação: todos estamos envolvidos, todos decidimos, todos somos protagonistas; 6) Princípio da Solidariedade: legar um mundo viável às gerações futuras. Para Leonardo, as consequências de atos que parecem simples e corriqueiros no dia a dia devem ser avaliadas sob um ângulo maior. “Por exemplo, deixar um televisor ligado em uma sala vazia pode estar provocando a morte de um tamanduá-bandeira no Cerrado; um notebook carregando a noite toda pode estar provocando conflitos por terra entre indígenas da Amazônia; assim como um banho quente e demorado pode ser o motivo pelo qual muitos cardumes de peixes não conseguirão migrar rio acima para reproduzir-se – causando sua extinção futura e a fome de muitos ribeirinhos”. Embora a ciência avance e chegue a descobertas ainda inimagináveis, sempre dependeremos da única fonte natural de energia, da qual se originam todas as demais: o Sol. Cabe a cada um fazer a sua parte para garantir o bom uso dessa luz não só para nós, mas para que as futuras gerações, daqui a milhares de anos, não se precisem preocupar com o N risco desse recurso acabar. CARINE FERNANDES é jornalista em Porto Alegre (RS)
1975 Foi instalado para a Polícia de Dorset, na Inglaterra, o primeiro link de Fibra Óptica, operando comercialmente. A escolha de um link de Fibra Óptica deveu-se ao fato de que um raio tinha danificado todo o sistema de telecomunicações do departamento policial e pesou na escolha desse sistema o fato de que a Fibra Óptica é imune a descargas elétricas e interferências elétricas. Nesse mesmo ano, o governo americano interligou com Fibras Ópticas a Rede Local do Sistema NORAD (Sistema de Defesa), localizado no interior da Montanha Cheyenne. NOVOLHAR.COM.BR –> Jul/Set 2015
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CAPA
Em busca da sustentabilidade por Leonardo Francisco Stahnke
O
Sol é a fonte primordial de energia que dá origem a todos os demais processos naturais presentes em nosso planeta. Como não pode ser criada nem destruída, essa energia estrelar – que chega a nós na forma de luz e calor – é transformada aqui na Terra em outros tantos modos, como a sonora, elétrica e de movimento. É a energia térmica do Sol que aquece o solo e faz evaporar a água; que movimenta as massas de ar e faz surgir o vento; que sopra e condensa as nuvens, fazendo-as precipitar na forma de chuva e tempestades elétricas. É a energia luminosa do Sol que possibilita a nutrição dos vegetais e, consequentemente, de toda a cadeia trófica que segue a partir desses, com consumidores e decompositores disputando seus recursos pela manutenção da vida que está presente em cada espécie. O consumo desordenado mudou o clima do planeta. Os gases antes seguros no interior da Terra agora
voltam à atmosfera, intensificando o efeito estufa e ameaçando a vida de todos. Mudanças globais exigem modificações na matriz energética, identificando seus pontos positivos e negativos e refletindo sobre seu caráter renovável ou não. Entre as fontes de caráter não renovável temos o carvão mineral, o gás natural e o petróleo – todos usados em usinas termelétricas. No caso dessas usinas, os combustíveis fósseis são queimados para aquecer certa quantidade de água, cujo vapor move enormes pás de turbinas, que convertem a energia do movimento em energia elétrica por meio de um gerador. Apesar de garantirem boa capacidade de geração, liberam grandes concentrações de gases poluentes à atmosfera. Além das termelétricas, a energia nuclear também não é renovável, mas faz parte da matriz brasileira. O urânio, mineral usado como matéria-prima, é de difícil extração, e seu caráter radiativo é extremamente nocivo aos
1980
Fibra óptica é um filamento flexível e transparente fabricado a partir de vidro ou plástico extrudido e que é utilizado como condutor de elevado rendimento de luz, imagens ou impulsos codificados. Tem diâmetro de alguns micrômetros, pouco mais que um cabelo humano.
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1990
1991 Em 24 de abril de 1990 foi lançado o telescópio Hubble. Desde então, milhares de imagens do universo profundo revolucionaram o conhecimento sobre a luz e o universo.
O feliz casamento entre a luz e a relatividade geral é importante sempre que usamos o GPS. Efeitos da relatividade geral são cruciais para determinar nossa posição exata.
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Foto NASA
1992 Todas as espetaculares descobertas da ciência sobre o espaço somente foram possíveis a partir dos estudos da luz que vem de eventos astrofísicos distantes, possíveis a partir do conceito da relatividade geral.
1993 Os anos 1990 foram o início da fase portátil das touchscreen. O primeiro foi o comunicador portátil Simon Personal Communicator, criado a partir de uma parceria entre a BellSouth e a IBM e que trazia funções de pager, envio e recebimento de e-mails, agenda, bloco de notas e calculadora. MessagePad Apple
seres vivos no caso de uma catástrofe ou quando do mau funcionamento da usina. Seu custo de geração é alto, apesar de produzir grande quantidade de energia a partir de uma quantidade pequena de matéria-prima. Entre as formas de energia ditas renováveis destacam-se a geotérmica, hidrelétrica, ondomotriz, eólica e fotovoltaica. A primeira não é utilizada no Brasil porque depende de regiões com atividade tectônica. Nessa matriz energética, o vapor de água aquecido pelo magma contido no interior da Terra (gêiser) move as pás das turbinas. A energia hidrelétrica, embora renovável, não pode ser chamada de sustentável pelos inúmeros danos socioambientais que promove. Nessa forma de geração, a água dos rios é barrada e forçada a passar por canos em que se localizam as pás de turbinas, convertendo a energia em elétrica por meio de um gerador. Para construir essas grandes barragens, áreas de terra muito grandes são perdidas para a construção dos reservatórios, inundando solos agriculturáveis, grandes extensões vegetais, uma vasta biodiversidade de espécies animais, além de promover a expulsão e frequentes conflitos com agricultores e indígenas. A energia ondomotriz, em testes no litoral nordestino, usa a força das ondas para mover verticalmente flutuadores que funcionam como pistões sobre uma haste de cimento.
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2015 Tecnologias baseadas na luz são a base para o desenvolvimento sustentável, promovendo mudanças globais na descoberta de novas energias, na educação, na agricultura e na saúde. NOVOLHAR.COM.BR –> Jul/Set 2015
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CAPA Nesse modo de geração de energia, as desvantagens estão relacionadas ao impacto visual sobre a paisagem, a possíveis conflitos com pescadores e à influência dos equipamentos sobre a cadeia alimentar. Investe-se no Brasil também em iniciativas voltadas à energia eólica, que usam a força dos ventos para gerar energia. Esse modelo, que também promove um impacto visual considerável, põe em risco a sobrevivência de aves e morcegos. Apesar disso, permite o uso simultâneo do solo para outras atividades, sendo passível de ser instalado também em áreas campestres, como no Pampa e no Cerrado. A energia fotovoltaica apresenta-se como uma forma de obtenção de energia totalmente diferente das demais, pois não precisa converter a energia mecânica em elétrica, mas sim usar os painéis solares para converter a energia luminosa em elétrica pela diferença de potencial (como ocorre nos terminais de uma pilha). Esse modo de energia limpa tem a desvantagem de ainda ser cara e depender da incidência do sol para ter um melhor aproveitamento, embora esse fator não seja um grande problema num país majoritariamente tropical. Enfim, percebe-se que a matriz elétrica brasileira deve buscar uma sustentabilidade maior, de modo a reduzir o uso de energias não renováveis, fiscalizá-las e continuar incentivando os avanços às novas tecnologias – sempre respeitando as características e limitações dos diferentes ecossistemas que compõem esse vasto território, de modo que os processos energéticos fundamentais à vida possam continuar ocorrendo N sempre a cada novo amanhecer. LEONARDO FRANCISCO STAHNKE é biólogo, especialista em educação ambiental e professor em São Leopoldo (RS)
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Em sintonia com o Sol por Johannes Gerlach
A
luz solar é a base de nossa vida. Para os físicos, a luz é uma radiação eletromagnética visível e, portanto, uma forma de energia. A primeira luz que os seres humanos aproveitaram como energia foi o fogo, que desceu do céu através de raios. Já há 2.200 anos, Arquimedes de Siracusa teria feito experiências de concentração de luz por meio de espelhos. Hoje encontramos tais espelhos solares em grandes usinas de abastecimento de energia ou em formato pequeno, como fogão solar, por exemplo. Em 1839, Alexandre Edmond Becquerel observou, pela primeira vez,
o efeito fotoelétrico. Em 1905, Albert Einstein explicou-o e recebeu o Prêmio Nobel por isso em 1921. Desde então, quase um século passou até que a humanidade fosse tecnicamente capaz de explorar essa descoberta para o abastecimento de energia, hoje conhecida como energia fotovoltaica. Todos sabemos que atualmente a humanidade queima a energia fóssil que a terra armazenou ao longo de centenas de milhões de anos nas plantas, que se transformaram em carvão, petróleo e gás natural. Muitos esquecem que gasolina e diesel também são quantidades enormes de energia consumida para o transporte
CONTROLE: Os medidores controlam a quantidade de energia produzida pelas placas fotovoltaicas
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CEM POR CENTO SOLAR: Johannes e sua esposa Maria diante da residência com as placas fotovoltaicas; sem conexão com a rede pública de energia
diário. Tudo isso perturba o equilíbrio de nossa casa comum: a Terra. Hoje temos a alternativa técnica para nosso consumo de energia: a energia que vem da luz, mais conhecida como energia solar. No entanto, apenas um por cento do consumo de energia elétrica em todo o mundo vem diretamente da energia solar. O Brasil, com bem menos de 0,1 por cento, é um dos retardatários, enquanto a Alemanha, com sete por cento, está na vanguarda. Mas por que essa energia ainda é tão pouco usada? Porque nós, na maioria (ainda), não queremos. E porque em nenhuma outra esfera social se podem ouvir tantas mentiras como no setor da energia: tudo não seria tão ruim; a mudança climática seria uma fraude gigantesca de alguns cientistas; a mudança para energia solar não seria acessível; não deveríamos sobrecarregar nossa economia; no Brasil já seria gerado energia renovável suficiente pelas hidrelétricas etc. Em 2011, minha esposa Maria e eu começamos uma experiência em Santa Catarina, a saber, num lugar que
realmente tem a menor radiação solar de todo o Brasil. Sem qualquer ligação com a rede pública de energia elétrica, a nossa casa solar é de 220 Volts. Como todas as casas da região, ela tem geladeira, máquina de lavar, TV e electrodomésticos de cozinha. E tudo obtém sua energia exclusivamente do sol via sistema fotovoltaico. Vivemos em sintonia com o sol. Nossa agenda está sempre cheia, mas, ao acordar pela manhã, olhamos primeiro para o céu e depois decidimos o que vamos fazer durante aquele dia. Se o sol está brilhando, fazemos tudo o que demanda muita energia. Se o dia tem pouca claridade, optamos pelas tarefas de baixo ou nenhum consumo de energia. Para emergências reais, temos um gerador a diesel. Mas, em quatro anos, utilizamos esse no máximo dez vezes, em situações muito pontuais. Os investimentos no início não são baratos. Nosso sistema de água quente pagou-se após quatro anos – agora já temos água quente sem nenhum custo. Energia voltaica é muito cara
no Brasil, e são necessários (ainda) de 15 a 20 anos até que se torne rentável. O tempo da rentabilidade depende do estado (por conta da variação de preços e de impostos), do consumo e do estilo de vida. Com vontade política, o governo poderia reorientar os custos das grandes hidrelétricas, investindo em sistemas fotovoltaicos para a população. Com isso não seria necessário inundar grandes áreas, aumentaria a produção de sistemas fotovoltaicos, o preço da produção cairia e em conjunto aliviaríamos o meio ambiente. Significaria uma economia real para todos. Entretanto, sem a pressão das massas, a política apenas se move lentamente. E a pressão das massas é criada por meio da informação e da educação. Essa também é nossa tarefa como cristãos nessa sociedade. Aqui não devemos colocar nossa luz N debaixo do alqueire! JOHANNES GERLACH é físico aposentado e reside em Paulo Lopes (SC) NOVOLHAR.COM.BR –> Jul/Set 2015
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CAPA
Luz, tecnologias e lembranças
dão importância a esse fenômeno tão magnífico”, explica Carlos Steinmetz, licenciado em Física. Ele acrescenta que “a diferença entre a luz e o calor que você sente emanar de uma lareira ou churrasqueira, por exemplo, é a frequência. A energia pode estar sob diferentes frequências”. Já a energia elétrica pode ser transformada em energia na forma de luz numa lâmpada ou em calor num forno elétrico ou aquecedor. Com o passar dos séculos, a energia, inerente à frequência, foi importante para o desenvolvimento da humanidade. “Tente imaginar-se sem geladeira, televisão e todos os aparelhos elétricos”, afirma Steinmetz. Para ele, o aprimoramento e o uso racional da energia proporcionaram uma melhora significativa na qualidade e na expectativa de vida.
por Natacha Teske
C
om a chegada da noite, velas e lampiões clareavam cômodos dentro das casas. Ou então fogueiras revelavam momentos de descontração entre famílias e amigos. Para aproveitar todas as horas do dia, o ser humano desenvolveu instrumentos e equipamentos que emitem e captam luz, mantendo
ambientes iluminados mesmo após o pôr do sol ou em locais fechados. A luz nada mais é do que energia, que consegue sensibilizar nossa visão. O olho capta a luz e transforma-a em sinal elétrico para ser interpretado pelo cérebro que o converte em imagem. “Parece genial, mas é tão simples e corriqueiro, que as pessoas nem
ENERGIA: A luz nada mais é do que energia capaz de sensibilizar nossa visão.
Jackelini Kil
FOTÔNICA – Você pode até não imaginar, mas as ondas de rádio, de televisão, do celular e até a internet sem fio são luzes, assim como os raios ultravioleta e infravermelho. A fotônica é a área que estuda a emissão e detecção de todo tipo de luz, seja ela visível ou não. O professor de Física Renato Cótica explica que os instrumentos fotônicos são capazes de emitir ou captar luzes, e apenas alguns fazem as duas coisas. “O olho humano é um instrumento fotônico que apenas capta a luz, enquanto o telefone celular capta diversas frequências de luz, como sinais de telefonia, internet, rádio e televisão, além de emitir a luz visível da tela, o sinal para a torre e, dependendo do modelo, pode transformar-se em modem de wi-fi.”
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IMPACTO DAS TECNOLOGIAS – É difícil pensar em uma casa sem eletrodomésticos ou um escritório sem aparelhos eletrônicos. Tão comuns
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Cálculo sobre uso do chuveiro
Jackelini Kil
Fazendo um cálculo rápido, considere uma residência com quatro pessoas, onde o banho de cada uma dura em média 15 minutos (4 x15min = 1h). Se a potência do chuveiro for de 6.000 W (6 kW), então em um dia de uso teremos: E = P.T E = 6 kW.1h E = 6 kWh Em 30 dias (1 mês): E = 6 kWh.30 E = 180 kWh Se o valor do kWh for de R$ 0,70, então nesse mês o valor gasto só com banho será de: 180 kWh x R$ 0,70 = R$ 126,00.
no cotidiano de milhões de pessoas, celulares, computadores, geladeiras e tantas outras inovações tecnológicas necessitam de energia elétrica. Nas residências, os aparelhos que mais consomem energia são aqueles que funcionam por resistência, como o chuveiro, o forno elétrico, a estufa e o ferro de passar roupas. “Por ser usado todo dia, o chuveiro é, sem dúvida, o maior vilão da conta de energia”, explica Steinmetz (ver box). A atenção continua para os produtos na função stand-by, como a televisão e também para carregadores de celular e baterias que ficam conectados à tomada. “Antes de se desejar uma redução, deve-se repensar a rotina”, aconselha Izabele Colusso, doutora em Arquitetura e Urbanismo. A orientação solar também interfere no consumo de energia de uma edificação. É importante que os compartimentos estejam bem orientados; caso contrário, podem surgir problemas que exigirão alternativas
para corrigir o conforto ambiental, como utilização de ar-condicionado para refrigerar um ambiente que aquece demais no verão ou um dormitório orientado para o sul, que terá problemas de umidade. “Isso significa que a falta de planejamento de um projeto e sua orientação solar levam a consequentes aumentos de custos energéticos com soluções posteriores e de grande impacto ambiental”, explica Izabele. MUNDO SEM LEMBRANÇAS – Muitas profissões sequer existiriam com a escuridão. A luz é a matéria-prima essencial da fotografia. A partir da captura de imagens, pode-se dizer que muita coisa mudou no mundo, desde registros históricos até pesquisas científicas. Através das fotos é possível conhecer e viajar no tempo e no espaço, indo das profundezas do oceano até outros países e planetas. O sensor fotográfico é como o olho humano: “Conseguimos enxergar algo
com pouca luz, mas é uma visão sem qualidade, sem emoção e sem atrativo para nossa memória visual”, comenta a fotógrafa Jackelini Kil. As novas tecnologias e alguns instrumentos ampliam as possibilidades fotográficas e já permitem registros com baixa quantidade de luz. “Mas sem ela é impossível”, explica Kil. Para ela, é difícil imaginar um mundo sem lembranças: “Como envelhecer sem saber que teremos nossos rostos jovens congelados em um papel para sempre? Como ver nossos filhos crescerem sem podermos guardar em algum lugar, além da nossa falha memória, o rosto da sua infância? Eu não consigo imaginar um mundo sem recordações dos momentos marcantes de nossas vidas”. E a fotografia torna-se uma extensão da memória. N
NATACHA TESKE é jornalista e assessora de imprensa da Editora Sinodal em São Leopoldo (RS) NOVOLHAR.COM.BR –> Jul/Set 2015
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CAPA
Os ritmos circadianos por Elisabeth Victória Haas
O
s organismos vivos de nosso planeta estão, em sua maioria, diretamente submetidos à ação do período de rotação da Terra, que é de cerca de 24 horas, o que estabelece a origem dos ritmos de luz e escuridão. Esses são responsáveis por um comportamento cíclico denominado de ritmos circadianos, ou seja, ritmos de aproximadamente 24 horas, uma vez que o termo circadian tem como significado “cerca de um dia”. Os ritmos circadianos são decorrentes de um sistema endógeno que estabelece comportamentos temporais nos seres vivos e que estão relacionados diretamente a eventos de ordem psicológica e comportamental. Esses ritmos identificam um relógio biológico interno, o qual sinaliza o tempo ou o momento adequado para exercermos nossas atividades e nosso descanso. Trabalham como um marca-passo que sincroniza o organismo com as mudanças do meio ambiente, mantendo uma interação organizacional temporal entre os períodos de iluminação e de escuridão. É certo que os seres vivos necessitam, durante esse período, de sono e de descanso, o que se pode dar de formas variadas, e para isso os mesmos passam a sofrer adaptações que garantam sua sobrevivência. Pode-se citar, como exemplo, alguns golfinhos e baleias que “adormecem” apenas um hemisfério cerebral enquanto o outro
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permanece alerta para que o animal não se afogue. Há aves migratórias que passam dias voando sem parar e dormem enquanto voam. Contudo a espécie humana é, em particular, diurna, havendo preferências, de certos indivíduos, por determinados períodos do dia para exercer suas atividades. Alguns são preferencialmente matutinos, outros vespertinos, e há também aqueles indiferentes em relação ao melhor período do dia para a execução de suas atividades. Entretanto é notório que, especialmente nos mamíferos superiores, esses períodos temporais diários são claramente definidos pelo sistema circadiano, ou seja, seu período de sono e de vigília. Cientificamente, sabe-se que grande parte dessas preferências é estabelecida por fatores de ordem genética, mas também pode ser de ordem externa, como as relacionadas às necessidades de trabalho, viagens (jetlag), entre outros. Contudo, muitos indivíduos, contrariando seus ritmos biológicos, estão acordados quando seus relógios biológicos estão dizendo que é hora de dormir ou vice-versa, o que pode resultar em problemas sérios dessa combinação restritiva. Os ritmos biológicos humanos não são os mesmos durante sua vida, mas certo é que necessitamos de um número mínimo de sono diariamente. Sabe-se que o período usado para descansar é normalmente a noite; o
Os ritmos circadianos são decorrentes de um sistema endógeno que estabelece comportamentos temporais nos seres vivos, que identificam um relógio biológico interno, o qual sinaliza o tempo adequado para exercer atividades e para descansar. mesmo varia desde a infância até a velhice. Nos recém-nascidos, que não apresentam um ritmo circadiano de sono organizado, esse período varia de 17 a 18 horas (não contínuas) por dia, mas a partir dos três meses de idade começa a organização dos mesmos e, então, aos cinco anos, o período de sono será de 10 a 12 horas por dia, decrescendo à medida que se chega à idade adulta.
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Muitas alterações podem ser observadas nesse período de ajuste do sono da infância até a adolescência, em que esses ritmos sofrem significativas modificações até o ajuste na idade adulta. O sono dos adolescentes passa por grandes transformações. Essas mudanças são decorrentes de alterações hormonais
características dessa fase, fazendo com que haja um sensível atraso nos ritmos biológicos, especialmente no de vigília-sono, em que a principal manifestação é a tendência a dormir mais tarde e acordar, por sua vez, mais tarde. Esse fenômeno é conhecido por síndrome da fase atrasada do sono ou simplesmente
atraso de fase, em que ele se torna mais vespertino. Como fatores externos que agem sobre o ciclo vigília-sono, intensificando esse atraso para dormir nos adolescentes, cita-se o tempo de exposição à luz, motivado por hábitos como a utilização de televisão, jogos de videogames, uso da internet à noite, comparecimento a baladas. Lembremos que os nossos jovens têm quase tudo do que precisam no quarto, como televisão, computador, aparelhos de DVD, celulares, videogames e aparelhos de som. Isso descaracteriza o quarto como o local de dormir. Essas interferências externas nos ritmos biológicos individuais, os “ladrões de sono”, com certeza gerarão consequências negativas para o ritmo e a regulação do sono tanto nos jovens como nos adultos submetidos à privação do mesmo. Essas manifestações negativas, desordens circadianas, refletem-se na performance e no humor dos indivíduos, gerando consequências negativas de ordem N individual e social. ELISABETH VICTÓRIA HAAS é professora de Ciências da Natureza e Biologia no Colégio Sinodal em São Leopoldo (RS)
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sem aO MENOS UM FÓSFORO PARA RISCAR NA ESCURIDÃO, VOCÊ PODE FAZER UMA IDEIA DO QUE DEVE TER SIDO UMA TERRA VAZIA E SEM FORMA, EM QUE HAVIA TREVAS SOBRE O ABISMO...
Somos luz? por Carlos A. Dreher
N
uma noite sem luar e, de preferência, sem lua, experimente mover-se, ainda que pouco, em uma sala que, de preferência, você não conhece. Se a noite propícia demorar a acontecer, imagine a situação. Tropeções aqui, esbarrões ali. Um tombo, um estiramento na coxa por não perceber um degrau. Batida da cabeça em
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alguma porta ou em algum móvel. Enfim, um caos! Finalmente, você acha o interruptor de luz, clica nele e... nada! Está faltando energia! Se ao menos você tivesse uma vela! Mas não há vela. Quem sabe uma caixinha de fósforos, daquelas da tradicional marca “Fiat lux”, sueca na origem, mas fabricada
desde 1904 no Brasil. Mas não há fósforo. Imaginada a cena, é agora possível fazer uma ideia do que deve ter sido aquela situação em que “a terra estava sem forma e vazia; havia trevas sobre a face do abismo, e o Espírito de Deus pairava por sobre as águas. Disse Deus: Haja luz (Fiat lux, em latim); e houve luz” (Gênesis 1.2-3). Sem interruptor, sem vela, sem fósforos, sem mesmo o sol, que será criado só no quarto dia da criação, Deus faz a luz acontecer e ilumina o mundo. Sob essa luz, o caos se desfaz, e se faz a criação, bela, exuberante, propícia a todas as formas de vida, inclusive a humana. É certamente nisso que o salmista pensa ao exclamar: “Lâmpada para os meus pés é a tua palavra, e luz para o meu caminho” (Salmo 119.115). A Palavra de Deus cria luz. Por isso mesmo, a Palavra é luz, luz para o mundo, luz para o meu caminho. Essa Palavra é o que ilumina nossos passos, que nos faz enxergar o caminho que devemos seguir em nossas vidas. É a luz que nos faz distinguir entre o bem e o mal, entre o certo e o errado. É também essa luz de Deus que nos dá esperança. Numa situação desesperadora, quando as tribos do norte de Israel, Zebulom e Naftali, haviam sido invadidas e ocupadas pelo cruel exército assírio em 732 a. C., ecoa a palavra: “O povo que andava em trevas viu grande luz, e aos que viviam na região da sombra da morte resplandeceu-lhes a luz” (Isaías 9.2). Na escuridão da opressão imposta pelos invasores, o profeta antevê uma luz no fundo do túnel. A luz parece estar relacionada a um novo rei que, a partir de Jerusalém, no sul, libertará as tribos do norte: “Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu; o governo está sobre os seus ombros; e o seu nome será: Maravilhoso Conse-
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lheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz” (Isaías 9.6). A palavra proferida por Isaías será retomada em outro contexto pelo evangelista Mateus. Menciona que, após a prisão de João Batista, Jesus retirou-se para a Galileia, indo morar em Cafarnaum. Mateus cita Isaías 9.1-2, atribuindo a palavra de Isaías a Jesus. Esse é a grande luz vista pelo povo que andava em trevas; Ele é a luz que resplandece aos que viviam na região da sombra da morte (Mateus 4.15-16). Assim também o evangelista João sabe anunciar Jesus como a Luz do mundo, colocando na boca do próprio Jesus as palavras: “Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará nas trevas; pelo contrário, terá luz da vida” (João 8.12). E, sem dúvida, para os que nele creem, Jesus, com sua Palavra e sua entrega na Cruz por nós, torna-se lâmpada para nossos pés e luz para o nosso caminho de vida. A luz de
Deus que ilumina a terra sem forma e vazia, evocada por sua Palavra, vem ao mundo. Palavra e Luz tornam-se carne e passam a habitar no meio de nós (João 1.1-14). Ao proferir as bem-aventuranças, como descrito em Mateus 5.1ss, Jesus conclama seus discípulos e suas discípulas – os pobres de espírito, os que choram, os mansos, os que têm fome e sede de justiça, os misericordiosos, os limpos de coração, os pacificadores, os perseguidos por causa da justiça, os injuriados e perseguidos por sua causa – a ser sal da terra e luz do mundo. “Vós sois a luz do mundo. (...) Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus” (Mateus 5.14 e 16). Em Pentecostes, o Espírito Santo, prometido por Jesus, encorajou seus discípulos e suas discípulas a ser luz para o mundo. O mesmo Espírito encoraja-nos para a mesma missão.
Deus Pai, Filho e Espírito Santo criam a luz, são a Luz, encorajam-nos e nos enviam para ser, em seu nome, luz do mundo. Agora volte a imaginar aquela noite sem luar e sem lua em uma sala que, de preferência, você não conhece. Imagine os tropeções, os esbarrões, um estiramento na coxa por causa de um degrau, as batidas de cabeça. Não há luz. O interruptor não funciona por falta de energia. Você está sem uma vela e mesmo sem uma caixinha de fósforos “Fiat lux”. Apesar de não conhecer o mundo, apesar de esse mundo ser para você muitas vezes sem forma e vazio, um verdadeiro caos, você conhece a Luz de Deus, a Luz do mundo. E sabe que, pela força do Espírito Santo, é chamado a ser luz para o mundo. N O que você está esperando? CARLOS A. DREHER é teólogo e professor de Teologia na Faculdades EST em São Leopoldo (RS)
Foto: Oldtime Wallpapers
no mundo sem forma e vazio, você é chamado a ser luz, porque você conhece a luz de deus, a luz do mundo.
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Entrevista entrevista
Criação é um ato de amor
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e compor o quadro real das questões mais relevantes. No julgar, processam-se dois movimentos: um científico-analítico e outro teológico. Nisso o Papa foi mestre: desmascara as explicações ilusórias de certo tipo de ciência intrassistêmica, em que aparece seu caráter ideológico, geralmente em benefício do mercado e dos grupos dominantes que consideram as contradições No dia 18 de junho, o Papa Francisco publicou de ordem social e ecológica como a Carta Encíclica Laudato Si’ sobre o cuidado externalidades que não entram na da casa comum. NOVOLHAR REPRODUZ Trechos contabilidade dos negócios. É nesse ponto em que se revelam os impasses da entrevista DE Leonardo Boff ao Instituto da atual situação e sua incapacidade Humanitas da UNISINOS, de São Leopoldo (RS). de apresentar qualquer solução. A parte do julgar teológico é mais fácil, porque aí se manejam as categorias já conhecidas pela teologia. Qual é a novidade da encíclica realidades concretas, dos desafios Mesmo nessa parte faz as correções Laudato si’? reais, e não de doutrinas a partir das necessárias aos reducionismos feitos Leonardo Boff – A absoluta no- quais se fazem deduções, geralmente na leitura da posição do ser humano vidade consiste em que a encíclica abstratas e pouco mordentes quando dentro da criação, não como dominaassume o novo paradigma con- referidas aos temas suscitados. O mé- dor, mas como cuidador e guardador temporâneo, segundo o qual tudo todo obriga-nos a ver a incorporação da herança recebida de Deus. Explora forma um grande todo com todas as dos dados mais seguros das ciências os momentos bíblicos positivos ligarealidades interconectadas, dos à criação e oferece de influenciando-se umas às forma bela o exemplo de LEONARDO BOFF: Nem a ONU produziu um texto dessa natureza outras. Isso faz superar a Jesus em relação com os váfragmentação dos saberes rios momentos da natureza, e confere grande coerência dos pássaros, das flores, dos e unidade ao texto. Nem a campos, das colheitas. ONU produziu um texto Na parte do agir, cobra dessa natureza. dos Estados políticas globais, já que o problema é Qual é a estrutura lógica global. Para ele, não vale o da Laudato si’? Quais são as moto norte-americano: um teses que o Papa defende nessó mundo – um só império. sa encíclica e em que consiste Mas um só mundo e um só sua argumentação central? projeto comum. Enfatiza os Leonardo Boff – O Papa pequenos passos que vêm assume a metodologia que de baixo, mas que trazem ele mesmo fez incluir exas sementes do novo. plicitamente no documento Na parte do celebrar, de Aparecida: ver, julgar, estende-se sobre a conagir e celebrar. Esse méversão ecológica e sobre a todo tem a vantagem de espiritualidade. Essa não se partir sempre de baixo, das deriva tanto de doutrinas,
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PEDAGÓGICO: O Papa Francisco nunca dá proeminência ao aspecto sombrio da realidade, mas enfatiza a capacidade humana de encontrar soluções
mas das mensagens e inspirações que os caminhos espirituais apresentam para uma adequada relação com a criação, mais que com a natureza. É de se notar a pedagogia desenvolvida pelo Papa: nunca dá proeminência ao aspecto sombrio da realidade, mas enfatiza a capacidade humana de superar dificuldades e encontrar soluções benfazejas. Em todas as questões, os pobres estão presentes, e ele sabe associar o grito da Terra com o grito dos pobres, coisa que se acentua muito na reflexão latino-americana. Quais os principais conceitos teológicos da Laudato si’ e como eles se relacionam com a teologia mais geral do Papa Francisco? Leonardo Boff – O principal conceito teológico é ver não tanto a natureza, mas a criação. Ela remete ao Criador e é expressão de um ato de amor. Cita a bela frase do livro da Sabedoria de que “Deus é o soberano
amante da Vida” (11.26). Depois o conceito de encarnação pela qual o Filho não assumiu simplesmente a natureza humana, mas a matéria do mundo e o próprio mundo, referindo-se a Teilhard de Chardin, que desenvolveu essa visão cósmica. Insere Cristo no mistério da criação, citando as epístolas de Efésios e Colossenses. A ressurreição representa a transfiguração de todo o universo. Vê o mundo não como algo a se resolver, mas a se admirar e louvar. Deus-Trindade é relação eterna, por isso todas as coisas são sua ressonância e vivem sempre relacionadas. A que visão de mundo o Papa está, de certo modo, se opondo? E que visão de mundo ele sugere aos leitores da Laudato si’? Leonardo Boff – Coerente com sua ecologia integral, vê o mundo como ordens abertas umas às outras, todas
interconectadas, o que supõe uma visão evolucionista do universo, sem dizer o nome e entrar nessa questão. Realça, sim, a singularidade do ser humano, portador de sinais da divindade com uma missão ética de se responsabilizar pela criação. Vê o mundo como casa comum, o que sugere um sentido de familiaridade. Inspira-se em São Francisco para relembrar a irmandade entre homens e mulheres, entre todos os seres, também o irmão sol, a irmã lua, o irmão rio e todos os demais seres. Aqui alça seu voo poético-místico. A visão do Papa é sempre positiva e tenta resgatar o que existe de bom. Mas é rigoroso na crítica às agressões que infligimos à casa comum, aos milhões de pobres que são desatendidos e é contra a cultura do consumo. Propõe a sobriedade N compartida. Fonte: www.ihu.unisinos.br – Entrevista realizada por e-mail por Patricia Fachin e João Vitor Santos NOVOLHAR.COM.BR –> Jul/Set 2015
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Montagem com fotos / Reprodução Novolhar
SIMBOLOGIA
De iconoclastas a iconólatras? por Renato Creutzberg
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ecentemente, tornou-se popular nas redes sociais a imagem de uma transexual “crucificada”, levantando muita polêmica e dividindo opiniões. Uma confusão de múltiplos sentimentos extremos, da ofensa à liberdade, da homofobia à cristofobia. Chamou-me atenção como uma única imagem tem
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o poder de levantar tantas emoções controversas. Obviamente (não sejamos ingênuos), a discussão tem um pano de fundo político. Não obstante, vamos tentar analisar a questão fora do contexto político atual. A discussão original não é de hoje. Na história da igreja, já tivemos muitos momentos em que se discutiu
sobre o uso da imagem da cruz ou do crucificado, bem como sobre o uso de imagens diversas. Houve tempos em que cristãos reformados se tornaram iconoclastas veementes. A palavra vem do grego eikon (ícone) e klastein (quebrar), significando literalmente “quebradores de imagens”. A ação iconoclasta era um extremo oposto da iconolatria (adoração de imagens). O reformador Martim Lutero repreendeu os iconoclastas, acusando-os de destruir obras de arte. Mas ainda não tinha argumentação teórica sobre o uso ou não de imagens. Na sequência da história, simplesmente por identificação confessional, durante séculos os evangélicos reformados eram conhecidos como iconoclastas e, ao lado, os luteranos eram os que “toleravam” as imagens por ser obras de arte.
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Somente no início do século 20, o estudioso psiquiatra Carl Gustav Jung desenvolveu sua Teoria dos Símbolos, base para a compreensão moderna e pós-moderna que define símbolo e significado. Até hoje, as teo rias de Jung ajudam a compreender a necessidade da expressão simbólica humana, desde a mais tenra infância até as mais refinadas expressões nas artes, na liturgia, no marketing e na comunicação em geral. O que isso importa para a igreja? – Importa que não precisamos mais ser iconoclastas e nem iconólatras. Porque sabemos que há uma diferença abismal entre símbolo e significado. Em outras palavras: o símbolo apenas representa e/ou lembra um significado, mas não é! O significado é visto por trás do símbolo, mas não está preso nele. Um ícone, por exemplo, apenas faz um atalho para algo maior, mas esse “algo maior” não depende do ícone. Voltando à questão da imagem do crucificado: Uma cruz, portanto não é A cruz de Cristo, apenas a lembra e/ou representa! Ou seja, o conteúdo da cruz para a minha fé não depende do ícone. Este, o ícone, apenas quer lembrar-me de seu conteúdo. Porque
o link é feito pelos olhos da fé. Por conseguinte, quando não há conteúdo, quando não há significado e nem fé, o ícone não passa de um objeto ou imagem. Por isso não precisamos temer e sequer nos ofender quando alguém quer usar de outra forma a imagem da cruz. Se fosse assim, deveríamos nos escandalizar diariamente com todos os usos “indevidos”, como nos exemplos da imagem abaixo: a cruz sendo usada na moda, nas fantasias de padre para festa junina, em capas de revistas e discos, nas histórias de “vampiros” etc. Mas a fé no Crucificado é muito maior que isso! Pela fé, o que importa não é a cruz enquanto objeto, mas sim, a ação salvífica de nosso Senhor Jesus Cristo. Talvez alguém diga: “Ah, mas aquela transformista quis provocar!”. Claro que ela quis provocar! Especialmente “evangélicos” fundamentalistas que, sem perceber (e sem refletir), tornaram-se iconólatras ao escandalizar-se com o ato. Interessante que durante séculos cruzes têm sido usadas de outras formas, mas esse ato, especialmente por ter sido na Parada Gay, deixou-os furiosos. Por outro lado, que bom que o ato oportunizou
tanta discussão e/ou reflexão. Mas cristãos aceitam provocação? Até onde eu saiba, uma videira, quando atacada com paus e pedras, não pode devolver paus e pedras. Ela só devolve uvas. Assim também a igreja: Ao ser acusada, ela tem oportunidade para reflexão e para devolver fé, esperança e amor. Sendo assim, reafirmando a fé no Crucificado e lembrando que, na época do Império Romano, a cruz era, de fato, a pior e mais vergonhosa pena de morte aos inimigos do Império, cuidemos para não cair na tentação da iconolatria. Não permitamos que moralismos rasos e hipócritas, carregados de linguagem pseudocristã, nos levem às margens da intolerância e da “caça às bruxas”. Por outro lado, expressemos com liberdade e criatividade a nossa fé na música, na liturgia, nas artes visíveis, na oração, mas sobretudo na defesa da vida. Certamente, a palavra da cruz é loucura para os que se perdem, mas para nós, que somos salvos, poder de Deus (1 Coríntios 1.18). N
RENATO CREUTZBERG é teólogo e ministro da IECLB em Blumenau (SC)
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Arquivo Abefi
assistência
FOCO: Em suas unidades, a Abefi atende 1.200 crianças e adolescentes. Aos 16 anos, começam a preparar-se para o primeiro emprego
Abefi: uma referência humanitária por Rui Bender
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a década de 1960, a cidade de Novo Hamburgo (RS) passava por uma profunda transformação. A indústria do calçado prosperava rapidamente, atraindo para a cidade a mão de obra excedente nas colônias alemãs. A chegada numerosa de mi-
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grantes encontrou então uma cidade desestruturada para receber todos os que vinham em busca de trabalho, saúde e educação para os filhos. Com sensibilidade diaconal, o saudoso pastor Sebaldo Nörnberg percebeu naquela época a falta de condições dos colonos para tornar-se in-
dustriários em Novo Hamburgo. Para ajudar a resolver os problemas sociais em decorrência da forte migração, ele fundou em agosto de 1968, juntamente com a comunidade luterana, a Associação Beneficente Evangélica da Floresta Imperial (ABEFI). Quase meio século depois, um dos focos da Abefi centra-se na criança e no adolescente em risco social. Esse público recebe educação, assistência e alimentação gratuitamente em três casas de acolhimento em Novo Hamburgo/RS e duas em Taquara/RS. É um trabalho de alta complexidade, que conta com uma equipe técnica (assistentes sociais e psicólogos) que trabalha com o objetivo da reinserção familiar. A associação também auxilia os atendidos a fazer seus documentos, promove a inclusão escolar, encaminha para cursos profissiona-
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CARLOS BOCK: “A Abefi contribui muito para minimizar a realidade cruel que vitimiza crianças e adolescentes em nosso país”
Colabore
Precisamos de ajuda para fazer mais pelas crianças e adolescentes em vulnerabilidade social. Atualmente, o custo mais elevado do trabalho que oferecemos são os salários das pessoas que cuidam das crianças e adolescentes todos os dias e noites do ano. Em 24 horas, de acordo com a lei, precisamos ter seis cuidadores para cada grupo de cinco crianças ou dez adolescentes. Para isso necessitamos de doações em dinheiro, que somente são aceitas nas contas da instituição: Banco do Brasil – Agência: 2987-4, ContaCorrente: 8168-x Banrisul – Agência: 0607, Conta-Corrente: 0600177600 Caixa Econômica Federal – Agência: 3140, Conta-Corrente: 00371-4.
tado social. Como instituição social, zelamos pela credibilidade, que é parte fundamental da nossa existência e sustentabilidade”, esclarece. “Temos a absoluta certeza de que a Abefi contribui muito para minimizar a realidade cruel que vitimiza crianças e adolescentes em nosso país. Somente não conseguimos preencher a falta do colo da mãe e da presença de um pai”, lastima o pastor. O futuro das crianças das periferias de nossas cidades é preocupante. Na disputa territorial e pela riqueza gerada pelo tráfico de drogas geralmente morrem os meninos pobres. “E quando um menino morre na guerra, muitos cristãos que se reúnem nos cultos, missas, igrejas celulares, midiáticas e outras tantas religiões que pregam o amor contam menos um. Isso é triste”, deplora Carlos Bock. “Não há muita escolha para eles quando o Estado e a sociedade se omitem na responsabilidade de criar condições iguais para N todos”, arremata. RUI BENDER é jornalista em São Leopoldo (RS)
A entidade preocupa-se com o futuro de crianças e adolescentes da periferia da cidade
Arquivo Abefi
lizantes, além de ajudar na busca do primeiro emprego. Em todas as suas unidades, a Abefi atende cerca de 1.200 crianças e adolescentes. A maioria são meninos, observa a jornalista Viviane Custodio Machado, responsável pela mobilização de recursos da Abefi. Ao completarem 16 anos, os adolescentes começam a fazer cursos preparatórios para o primeiro emprego. A grande maioria busca apoio entre parentes de sua família, pois é feito um trabalho de reinserção familiar. Recentemente, dois adolescentes procedentes de uma casa de acolhimento foram beneficiados com uma casa no programa Minha Casa Minha Vida. A ideia inédita de concorrer a uma casa partiu da direção e da equipe técnica da casa de acolhimento Lar do Menino, pois os jovens não tinham uma família para retornar. Dessa forma, buscou-se uma alternativa possível através desse programa do governo. O fato gerou discussão e preconceito por serem jovens de uma casa de acolhimento. Esses jovens continuam sendo acompanhados pela equipe técnica e direção do Lar do Menino até que consigam alcançar sua autonomia. Atualmente, os dois já estão trabalhando e seguem estudando. Para Carlos Eduardo Müller Bock, pastor luterano e atual diretor-geral da Abefi, a crise financeira também não poupa a associação. “Quando as pessoas, as empresas e até mesmo os setores do governo sentem-se ameaçados por uma crise, um dos primeiros cortes a serem feitos nos orçamentos é nas doações e no investimento social. Quando a crise passa, o setor social é o último a receber recursos”, comenta. Mesmo assim, ele se alegra que a Abefi seja reconhecida como fonte e referência nessa área. “Trabalhamos com poucos recursos, mas fazemos o maior esforço para que se produza com o que recebemos o melhor resul-
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VIDA NOVA
Depois da droga
por Maria Roseli Rossi Ávila
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elatos de violência, mortes e crimes cometidos por usuários de substâncias psicoativas (SPA) são comuns e rotineiros nos meios de comunicação. A forma de lidar com a questão expressa preconceito e desconhecimento do que vem a ser dependência química e de quem é o dependente. Como ser humano, esse se torna invisível sob a carapuça de “drogado, bandido, vagabundo”, que, muitas vezes, lhe é imputada.
A escassez de informações corretas sobre a dependência da droga é notável. E o outro lado – daqueles que vivenciaram o problema, buscaram ajuda e venceram a dependência química – raramente é divulgado. Também pouco se ouve falar nos meios de comunicação sobre os locais onde encontrar ajuda caso necessário. Essa ajuda pode ser encontrada na Cruz Azul no Brasil, entidade sem fins lucrativos que existe em mais de 40 países; no Brasil, ela tem sede em
Fotos: Arquivo Cruz Azul
por meio do trabalho da cruz azul muitas pessoas encontraram ajuda para parar com as drogas e o álcool, além de uma nova razão para viver.
Blumenau (SC). Essa entidade tem como missão “promover a vida sem drogas, visando à saúde física, psicológica e espiritual para o bem-estar individual, familiar e social, sendo um movimento de inclusão, mútua ajuda e abstinência, mediante ações de prevenção, acolhimento, tratamento, reinserção social, apoio e educação continuada, fundamentado no poder salvífico e transformador de Jesus Cristo e acreditando na capacidade de mudança do ser humano”.
“faz nove anos que o pai parou de beber. E é outra família, é totalmente diferente, graças a essa ajuda que nós tivemos lá no início”. (Júlia) 28
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GRUPOS DE APOIO: A Cruz Azul tem 112 grupos de apoio e mútua ajuda em atividade, que ajudam usuários a parar com as drogas e o álcool. Na foto, encontro do grupo de Oxford, em São Bento do Sul (SC)
SERVIÇO
Em caso de necessidade, não lute sozinho. Procure ajuda! Entre em contato pelo telefone: (47) 3337.4200 ou pelo e-mail: cruzazul@cruzazul.org.br. Nós podemos ajudar! Contribua com o trabalho da Cruz Azul, doando mensalmente na conta de energia elétrica (CELESC).
A Cruz Azul possui doze Comunidades Terapêuticas (centros de acolhimento a dependentes químicos) filiadas e 112 Grupos de Apoio/Mútua Ajuda. Por meio do trabalho da Cruz Azul muitas pessoas encontraram ajuda para parar com as drogas e o álcool, além de uma nova razão para viver. Júlia Dolla vivenciou a depen-
dência de álcool do pai e relatou que, no Grupo de Apoio da Cruz Azul, ela, a mãe e a irmã encontraram a ajuda de que precisavam para viver. “Nós vimos que [...] o pai tinha o problema, mas que nós também precisávamos de ajuda. Ali nós aprendemos a lidar com o problema do pai, e também [...] ele [..] reconheceu o problema dele. E aí começou [..] o processo de mudança na família. [...] Hoje faz nove anos que ele parou de beber. E é outra família [...], é totalmente diferente, graças a essa ajuda que nós tivemos lá no início”. Júlia reconhece que a Cruz Azul vê o homem de forma integral. Para ela, a Cruz Azul “[...] acolhe o dependente, mas também a família”, testemunha Júlia. Um pai de dependente químico que encontrou acolhimento na Cruz Azul disse: “Não encontrei na universidade, não encontrei nos livros jurídicos e nem na roda de amigos o conhecimento e as condições para enfrentar o problema da dependência química com meu filho. Só no Grupo de Apoio da Cruz Azul é que encontrei o apoio e a coragem para enfrentar o problema.
Por isso eu posso afirmar que a Cruz Azul foi a coisa mais importante que aconteceu em minha vida”. Muitos que encontraram amparo auxiliam hoje outros a deixar a droga. Como Valmir, que lidera um Grupo Cruz Azul no Rio Grande do Sul: “Na adolescência, eu achava que, para curtir, tinha que estar doidão. Tudo o que eu ia fazer tinha que ter drogas e bebida na parada. Gostava muito de acampar, não curtia muito nem contemplava as coisas lindas que estavam ao meu redor, pois estava ‘ligadão’ [...]. Eu só girava em torno disso, como um carrossel. Achava que não vivia sem drogas [...] não conseguia largar, até que me ofereceram ajuda e, aos 45 anos, aceitei o tratamento que mudou minha vida”. Muitos encontraram auxílio, mas outros ainda clamam por ajuda, e seu grito ecoa dolorido e desesperado: “Ajudem-me, pois estou morrendo, mas não quero morrer!” (frase ouvida por um facilitador de Grupo Cruz N Azul no Paraná). MARIA ROSELI ROSSI ÁVILA é assistente social e mestranda em Desenvolvimento Regional; professora; membro da Cruz Azul no Brasil e reside em Blumenau (SC)
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PARCERIA
Desafios comuns para duas igrejas O CASAL CLÁUDIO E MONICA KUPKA RELATA SUA PARTICIPAÇÃO NO DEBATE SOBRE A MISSÃO DAS IGREJAS LUTERANAS NO BRASIL E NA ALEMANHA NO ESPAÇO DAS CIDADES E SEUS DESAFIOS. por Cláudio e Monica Kupka
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ivemos tempos de maturidade em nossa relação com a igreja da Alemanha. Não a vemos mais como provedora num contexto de carência e até dependência como no passado. Compartilha-se hoje uma relação de apoio mútuo, diálogo e reflexão diante de desafios comuns de nosso ser igreja no mundo contemporâneo. A Mission EineWelt (MEW), Centro para Parceria, Desenvolvimento e
CULTURA E FÉ: Mesa com comidas e bandeiras preparada para o
Missão da Igreja Evangélica Luterana da Baviera, articula o que chamamos de missão global a partir daquela igreja. Essa organização mantém relações com igrejas luteranas da América Latina, África, Ásia e Oceania por meio de projetos de desenvolvimento e parcerias com comunidades. A relação da MEW com a IECLB é antiga. Remonta ao século XIX, quando a organização que a antecedia enviava pastores para atuar em nos-
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TROCA DE SABERES: O pastor Cláudio Kupka (à direita) durante palestra no Teaching & Preaching
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sas comunidades brasileiras. Hoje, a MEW mantém relações de parceria com a IECLB em diferentes áreas. Recursos financeiros são direcionados a vários projetos de missão, desenvolvimento, formação e diaconia. Além disso, cinco pastoras e pastores brasileiros atuam hoje na igreja da Baviera, compartilhando a experiência pastoral da IECLB. O Departamento da América Latina e o de Parcerias e Comunidades da MEW convidaram-nos para participar de dois programas, desenvolvidos entre os dias 15 de abril e 13 de maio: o Brasilientag (Dia do Brasil), ocorrido no dia 18 de abril, e o Teaching & Preaching, composto de palestras e encontros com comunidades e instituições da Igreja da Baviera, em especial com aquelas que possuem parcerias com comunidades e instituições brasileiras. O Dia do Brasil tem como objetivo congregar justamente essas comunidades da Igreja da Baviera que vivem essas parcerias. Também são convidados pastores e pastoras alemães que atuaram no Brasil e brasileiros e brasileiras que trabalham ou estudam
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parada para o Brasilientag 2015 em Nürnberg
em paróquias ou estudam em instituições da igreja alemã. O Dia do Brasil de 2015 aconteceu nas dependências da Johanneskirche em Nürnberg. Nesse dia, voluntários brasileiros e alemães, homens e mulheres, uniram-se para decorar o espaço do encontro e demonstrar suas habilidades culinárias, preparando o cardápio do dia. Ingredientes para receitas típicas brasileiras foram encomendados. Um grupo de músicos brasileiros que vivem na Alemanha
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foi inclusive convidado para o encerramento festivo dessa atividade. O tema do Dia do Brasil foi “Pastoral da Cidade – A igreja nas grandes cidades, entre a tradição e a modernidade”. Esse foi o tema da palestra que Cláudio apresentou. Em sua abordagem, falou do desafio de compreender o complexo fenômeno que é a cidade. Falou que nossa relação com ela é marcada, muitas vezes, pelo sofrimento, pois essa obedece a lógicas que nem sempre prestigiam a vida
digna. A igreja luterana, em tempo, é chamada a tomar parte nessa reflexão. Ao viver comunidade cristã no contexto urbano, torna-se um espaço para acolher as pessoas que “sofrem a cidade”. Através do evangelho pode elaborar uma atitude positiva e de esperança para a cidade. Na sequência, o pastor local Jochen Ackermann fez ainda um contraponto ao tema. Após o almoço, seguiram-se vários grupos de trabalho. Monica assumiu o tema “Desafios atuais da missão da IECLB no Brasil”, trazendo uma visão da missão a partir do Sínodo Rio dos Sinos. No final, cada grupo apresentou um resumo de sua oficina. Coube a Cláudio trazer suas conclusões gerais sobre o tema. O encerramento foi com comida e muita música brasileira. Para nós, foi muito significativo ver comunidades envolvidas ativamente em parcerias com outras comunidades e instituições no Brasil. Mais do que a ajuda financeira em si valem o envolvimento, o diálogo e a comunhão que é alimentada e nutre a vida de ambas as igrejas. N CLÁUDIO KUPKA é teólogo e ministro da IECLB em Porto Alegre e MONICA KUPKA é secretária do Sínodo Rio dos Sinos em São Leopoldo (RS)
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o reformador
Não perder a esperança LUTERO AJUDA-nos PARA QUE O AMOR DO DISCURSO CRISTÃO SEJA COERENTE COM NOSSAS AÇÕES, TRANSFORMANDO-AS ANTE AS CRUZES QUE ENCONTRAMOS PELO CAMINHO.
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crise humana pela qual passamos não vem de hoje e não acabará tão cedo. A tal da crise econômica é apenas uma ínfima parte dos problemas que enfrentamos, mas essa sociedade da ganância e do lucro, que também cria e coloca mais fogo na fogueira das “crises”, põe a economia no centro de nossas atenções. Enquanto isso, ainda temos coronelismo e escravidão neste país, onde meninas negras sucumbem e são literalmente crucificadas por homens brancos que atentam contra a vida humana e ainda estão impunes (refiro-me a uma reportagem de 15/06/15 na TV Record sobre escravidão e exploração sexual em Cavalcante, no interior de Goiás). E perguntamos, atônitos, como aqueles que perguntaram a Saramago: É possível homens bons sem Deus? Ao que ele retrucou: É possível Deus com homens tão maus? Onde está Deus diante do sofrimento? Onde está Deus na confusão, onde ninguém mais parece saber o que é certo? O que fazer diante da prosperidade e impunidade dos maus? A resposta do nosso Reformador é
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que Deus está no mesmo lugar como há dois mil anos, enviando seu Filho Jesus Cristo, o qual constantemente crucificamos nas cruzes erigidas pelo poder! O seu conselho: voltar à palavra de Deus, Salmo 73, ter clareza e não perder a esperança! Mas isso não parece tão pouco diante da maldade humana, que parece ser tão grande diante da impotência de Deus, que aparece crucificado junto às meninas negras em Cavalcante (GO)? A pergunta de Saramago ecoa profundamente dentro deste mundo justamente para aqueles que acreditam em Deus, pai de Jesus Cristo! Onde está o poder estatal que negligenciou esses crimes? Onde estão os cristãos que se reúnem em suas igrejas para gritar glória a Deus e passam desapercebidamente pela crucificação? Sobre o que esses cristãos estão conversando no caminho? Como falar de um Deus de amor e de ressurreição em meio à cruz? Dessa pergunta nós não podemos escapar. E não me venham com fórmulas teológicas prontas! O fato é que não temos outra saída senão assumir um mea culpa por nosso
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por Leandro Hofstaetter
POVO KALUNGA: Meninas da comunidade Kalunga, em Cavalc
silêncio e por não estar justamente naquele interstício entre a cruz e a ressurreição, fazendo um gesto de amor, como as mulheres que foram visitar Jesus no túmulo. Sim, diante das cruzes já ocorridas nos resta um gesto de amor e de fé. Estão os cristãos assumindo sua fé e o amor de Deus neste momento perante as famílias dessas jovens negras? Nós não somos os culpados pela exploração sexual em Cavalcante, mas somos os responsáveis por que tamanha maldade ainda esteja ocorrendo em terra brasileira. Se diante das cruzes já ocorridas nada mais nos resta senão gritar por nossa culpa e estar aos pés da cruz junto aos que sofrem, depois da realidade das cruzes e de nossa consciência delas, como cristãos somos responsáveis para que elas não mais se repitam, ou seja: temos muito trabalho a fazer.
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ga, em Cavalcante (GO), vitimadas por escravidão e exploração sexual. Os cristãos estão assumindo a sua fé e o amor de Deus perante as famílias dessas jovens negras?
Não para ganhar glória junto a Deus, mas para que o amor que nós falamos que vem de Deus seja coerente com nossas ações! O nosso reformador sabia muito o que significava isso em meio ao turbilhão que virou sua vida desde a publicação das 95 teses. Ele já havia sido excomungado, raptado e literalmente enfiado no Castelo de Wartburg, não poderia ver sua família, tampouco os seus amigos e, isolado, estava deprimido. Quando resolveu sair de seu cativeiro, o mundo que ele conhecia já não era o mesmo, estava dividido e havia ainda a violência que tomava conta de Wittenberg. Voltar à palavra de Deus, ter clareza e não se desesperar não significava fugir do mundo e esconder-se dentro da igreja! Um exemplo: naquela época, falar de justificação por graça e fé significava acolher todos os pobres
da cidade, pois a “profissão pobreza” já não agradava mais a Deus. Não é dando aos pobres que tu alcanças a salvação, não é mesmo! No entanto, o que fazer com esses irmãos que estão nas ruas, maltrapilhos e sem comida, casa e emprego? Isso sim diz respeito a todos os cristãos. Viver como se a justificação nada tivesse a ver com esses pobres seria o mesmo que descobrir as cruzes em Cavalcante (GO) e continuar vivendo como se nada tivesse acontecido. A cidade de Wittenberg sabia que a justificação por graça e fé transforma nossa vida, e não há como simplesmente ignorar aqueles que foram colocados em situação de pobreza para garantir o poder da igreja que pregava um acesso a Deus apenas pela barganha, por um negócio, por uma migalha que eu der ao pobre, deixando-o, no entanto, na mesma si-
tuação. Eles conseguiram mudar essa realidade através de um caixa comum para, primeiramente, tirar essas pessoas das ruas e garantir uma primeira assistência. Depois, educação para ler a Bíblia, o ensino de uma profissão e, finalmente, depois de um certo tempo, tinham não apenas o direito, mas a realidade de ser chamados cidadãos da cidade de Wittenberg. Obviamente, isso se espalhou para os países que aderiram à Reforma, como Holanda, Dinamarca, Noruega, Suécia etc. Saber-se amado por Deus transforma a nossa atitude diante das cruzes pelo caminho, principalmente entre a cruz e a ressurreição. Como as igrejas da Reforma falarão de um Deus amoroso diante das cruzes de Cavalcante (GO)? A nossa resposta N ecoará até a eternidade! LEANDRO HOFSTAETTER é teólogo e doutor em Filosofia em Joinville (SC)
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paternidade
Imagem de pai por Donário Bencke
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ue imagem de pai você carrega? Como você sente seu pai? O que você espera de seu pai? Isso para quem tem seu pai ainda. E para quem já não o tem mais? Você leva uma imagem saudosa?
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Ninguém nasce sem um pai. Refiro-me ao pai biológico. Mesmo uma fecundação de óvulo materno em laboratório exige uma célula masculina, de doador conhecido ou não, para uma gravidez. Deus criou o homem e a mulher, que, além de se completarem na união conjugal, têm a missão de criar a prole com a presença de ambos. Seguidamente ouvimos de mulheres: Eu preciso ser mãe e pai. Isso não é possível pelas características de gênero e não promove uma educação psicologicamente sadia. Traz problemas de identificação. Para o menino, o pai é o referencial masculino. Sabemos que a família está passando por uma transformação de
ordem afetiva, social e econômica. Estatísticas apontam que aproximadamente 30% dos lares não têm pai presente física ou afetivamente, quer por omissão, indiferença ou ausência total. Também há mães que propositadamente ou premidas pelas circunstâncias criam seus filhos sem o pai. E quando o filho um dia perguntar: Quem é meu pai e onde ele está? Não quero ser retrógrado nem fora de contexto quando afirmo que a ausência física ou afetiva do pai traz consequências na educação dos filhos. E geralmente deixa marcas. Está certo, quando o clima no lar se torna insuportável, por vezes a separação é inevitável. Lembro casos em que o pai é alcoólatra, não cumpre
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consultório da fé seus compromissos financeiros, tem outra mulher, maltrata a esposa e os filhos. Não sou a favor da separação intempestiva, marcada pela imaturidade emocional de uma ou de ambas as partes. Há recursos para promover uma reconciliação, mesmo com a ajuda de profissionais na área do aconselhamento, por exemplo, uma terapia conjugal ou familiar. E se o pai se afastar, um avô, um padrinho, um tio ou outra figura masculina adulta têm como suprir a falta dele. Uma criança ou um jovem podem encontrar um “pai” em alguém, mesmo que não seja consanguíneo, e formar um vínculo afetivo. Nunca me esqueço daquele menino no asilo que me perguntou: Você quer ser meu pai? Ainda tem o pai espiritual, que não precisa ser pastor ou padre, mas um adulto amigo, em quem a criança confia e que corresponda a essa confiança. Felizmente, foi-se o tempo em que um pai tinha poder absoluto sobre o filho. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê penalidades severas para um pai que abusa de sua autoridade (incluindo o abuso sexual). O papel da figura paterna é uma presença firme, segura, sem ser autoritária. Fala-se hoje de uma autoridade afetiva e efetiva. Jesus valorizou o termo “pai”. Assim ele se dirigia a Deus e assim nos ensinou a orar: Meu pai, nosso pai. “Meu pai me conhece, e eu conheço o meu pai” (João 10.15). E nosso Senhor aprofunda ainda mais o vínculo com o Pai, quando diz: “Eu e o Pai somos um” (João 10.30). Não conseguimos separar a experiência de reciprocidade entre a gente e o pai terreno da vivência da N fé no Pai eterno. DONÁRIO BENCKE é teólogo e psicólogo em Ivoti (RS)
O suicídio é a vitória da depressão? por Renato Luiz Becker Outro dia, numa festa, sentei ao lado de uma pessoa da minha idade. Nossa conversa não fluiu por causa do volume da música. No final do evento, o meu interlocutor sinalizou que gostaria de conversar. Marcamos um horário. No caminho de casa, relembrei sua fisionomia: olhos tristes e ombros caídos. Na semana seguinte, sentamo-nos frente a frente. Disse estar desesperado. Compartilhou que sua vida era sem sentido; já tinha caminhado várias vezes sobre a ponte de ferro da nossa cidade com a intenção de acabar com a depressão que o oprimia durante anos. Eu sei que, nesses casos, o suicídio pode ser visto como uma saída digna. Tal atitude pode ser um último pedido de ajuda para a diminuição da dor. O humor depressivo pode ter origem na perda de um emprego, numa doença, na morte de uma pessoa querida, no fracasso de um relacionamento etc. Nessas horas, as pessoas depressivas mergulham em vales emocionais profundos. Ali estava uma pessoa sensível, que, para sobreviver, aprendera a usar os cotovelos; percebia as injustiças articuladas por seus chefes, mas não conseguia remar contra a maré; caminhava a esmo pelas ruas. Sim, ali estava uma pessoa que experimentava o isolamento, a desesperança, a falta de perspectivas, a tensão e a incapacidade de aproximar-se de seus pares. Para que seguir vivendo? Oramos juntos e marcamos outro encontro. Li sobre o “vale dos ossos secos” em Ezequiel 37. Aquele indivíduo necessitava ser amado com amor-ação. Ele não tinha depressão, mas a depressão o tinha. Ficou claro para mim que o velho ditado “quem quer tirar sua vida não fala desse assunto com ninguém” era conversa fiada. Aquele homem precisava ser internado num hospital especializado, uma vez que noite acontecia em sua vida. Eu precisava me apressar. A melancolia somada a seu estado de desesperança podia tomar posse dos seus impulsos centrais, e isso significaria o fim da perspectiva de cura. A pressão psicológica, a falta de perspectivas e a carga demasiada que pesava sobre os seus ombros eram tão grandes, que ele só via uma “solução”: acabar com sua vida! Resolvi ligar para seu telefone celular para antecipar o nosso encontro. Chamei uma, duas, três vezes, mas não fui atendido... N RENATO LUIZ BECKER é teólogo e ministro da IECLB na Paróquia Itoupava Central em Blumenau (SC) NOVOLHAR.COM.BR –> Jul/Set 2015
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CIDADE
Culto para transeuntes por Werner Kiefer
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idade é um lugar de muitas possibilidades. É nela que estão as ofertas de trabalho e de consumo, todo tipo de lazer, movimento intenso, lugar sonhado e desejado. Ao mesmo tempo, é comum ouvir: Ah, se eu pudesse fugir da agitação da cidade! Cidade, lugar que tanto admiramos, ao mesmo tempo cheia de contradições, precariedades. Contemplando a cidade, presenciamos diariamente uma multidão a caminho. E para onde vão todos esses transeuntes? Donde vêm? Encontraremos muitas respostas: trabalho, passeio, consultório, mercado etc.
Todos estão em busca de algo. Estão a caminho. Uns mais apressados, outros nem tanto. Aconchego certamente é o que desejamos em meio à multidão de anônimos que circulam pelas ruas. Lugar para o descanso no qual não haverá cobrança, mas aceitação pelo que somos. Este é o tema que desafia a igreja na cidade: traduzir o amor de Deus junto àqueles que circulam nos espaços de trabalho, na lida com doenças ou independentemente de suas razões. Possibilidades para a missão de Deus à vista: conjugar o amor de Deus em meio à jornada diária; anunciar que a cidade também é lugar
onde Deus habita e deseja estar junto de seus filhos e filhas. Para tanto, faz-se necessário vencer compreensões de que o culto não pode estar restrito aos finais de semana. Igreja é o povo de Deus disperso pelo mundo, que se organiza a partir de comunidades em todos os lugares e todos os dias. Como tal, cada comunidade está incumbida de realizar a missão de Deus no mundo. A esperança cristã fala da nova Jerusalém que está a caminho através dos sinais do amor de Deus no mundo. A cidade faz parte dessa busca pela nova Jerusalém. Nela já encontramos sinais da presença do cuidado de Deus. Encontraremos espaços nas comunidades cristãs onde existem capelas com as portas sempre abertas. Ali há lugar para o descanso, tempo para meditar. Em algumas dessas acontece a Oração do Meio-Dia. Durante a jornada do dia, transeuntes encontram tempo para o culto. Além desse horário, também acontece a Oração da Tarde. Esse é o relato da comunidade matriz de Porto Alegre. Todas as quintas-feiras, às 12h30, acontece
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CULTO: Todas as quintas-feiras às 12h30min acontece uma celebração de vinte minutos pensada para os transeuntes, aqueles que circulam pela cidade. O momento pretende ser espaço para alimentar a esperança.
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DE OLHO NA EDUCAÇÃO uma celebração de 20 minutos pensada para os transeuntes. Nas terças, às 17h, oração ao cair da tarde. Espaços que durante o cotidiano da vida alimentam esperança. O testemunho é que Deus ama a cidade e caminha com os transeuntes, quer tê-los em sua companhia. Intercedemos pela cidade, pela jornada dessa gente, que seja amparada em seu ir e vir. A experiência tem mostrado que também trabalhadores buscam abrigo em meio aos conflitos decorrentes da jornada de trabalho. Os governantes também são lembrados para que administrem e cuidem bem de nossa cidade. Haverá momentos em que a vida oferece desafios: O que faço então? É preciso encontrar um tempo e um lugar apropriados para aquietar-se e orar para não ser atropelado pelas próprias pernas. Recolher-se em meio à cidade em momento de oração é um tempo em que Deus pode estar nos orientando para que não sejamos vítimas de nossa ansiedade, inclusive. Essa prática revela a necessidade de que o culto não poderá ser restrito apenas ao dia de descanso. Deus está contigo todos os dias. A igreja é um espaço de oração que vem dar significado à vida, orientando e relembrando: o amor de Deus revelado em Jesus Cristo nos acompanha. Celebrar com os transeuntes é estar como numa estação. Essa existe em função da viagem que está sendo realizada. A estação reorganiza a vida, promove serenidade em nossa jornada. Haverá encruzilhadas. Diante delas nem sempre sabemos o caminho a tomar. Orar em meio à jornada fortalece a nossa esperança cristã. Essa esperança alimentada diariamente ilumina a nossa caminhada para a N nova Jerusalém. WERNER KIEFER é teólogo e ministro da IECLB em Porto Alegre (RS)
Sonhos e fantasias por Osvino Toillier Estamos literalmente mergulhados no mundo da tecnologia, a tal ponto que não conseguimos mais viver sem estar conectados. Começar o dia sem verificar as mensagens que nos foram enviadas faz parte do ritual. As pessoas cobram de nós falta de retorno a mensagens postadas há pouco, como se tivéssemos de estar plugados permanentemente. O que preocupa nesse cenário é o depoimento de jovens que afirmam não desligar o smartphone nunca, a ponto de dormir conectados. Isso significa o quê? Que no meio do sono uma mensagem pode despertá-los e interromper o sono. Já se tem notícias de reflexos desse novo modus vivendi na saúde, despertando preocupações dos profissionais da área, que alertam para os riscos. Um pensamento do físico e romancista inglês Charles Percy Snow faz um alerta preocupante: “A tecnologia traz-nos grandes presentes com uma mão e apunhala-nos pelas costas com a outra”. É muito sério isso, porque realizamos um esforço gigantesco para acompanhar a revolução tecnológica, e verifica-se que as famílias com menor poder aquisitivo e mesmo no interior estão fazendo um esforço em seu orçamento para ter computador em casa e gradativamente acesso à internet. Os pais estão muito orgulhosos com o fato de que os filhos têm acesso ao mundo digital, realizam pesquisas via internet, enfim, têm acesso a um mundo fantástico, sem limites e distâncias. É preciso, porém, alertá-los de que o risco é maior do que entregar a chave da casa a um estranho, porque os filhos podem tornar-se vítimas inocentes de inescrupulosos, que se aproveitam da inocência para praticar atos infames e disseminar violência. É preciso muita prudência com os avanços tecnológicos, porque não são inconsequentes, mas de alto risco. Computador plugado na internet deve ficar à vista de todos e não num quarto dos filhos, aonde pais não tenham acesso. Não existe ambiente inviolável e inacessível aos pais em casa, o que não significa que se possa bisbilhotar materiais privados dos filhos, como diários, mochilas etc. A privacidade deve se respeitada, mas o ambiente virtual da casa deve ser usado com regras definidas pelos pais em diálogo com os filhos, para que as mais fantásticas conquistas não se transformem em pesadelo e sofrimento. Lutamos pela consagração da liberdade individual, mas não podemos fantasiar com a ideia de que não há limite no mundo virtual. É preciso sobretudo ter consciência de que não nos podemos expor inocentemente, revelando nossa intimidade ingenuamente. A vida impõe limites! N OSVINO TOILLIER é professor, escritor e mestre em Educação em Porto Alegre (RS) NOVOLHAR.COM.BR –> Jul/Set 2015
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REFLEXÃO
Astúcia e bondade lado a lado sede prUdentes como as serpentes e símplices como as pombas. MATEUS 10.16
por VALDEMAR GAEDE
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u somos serpente, ou somos pomba. Não é possível ficar em cima do muro. Ou somos contra, ou somos a favor. Ou quente, ou frio. Não é aconselhável ser morno, não se pode ficar acordado e dormir ao mesmo tempo. Não existem meios-termos. Não convém ter duas caras. Mas Jesus surpreendentemente propõe: ser como serpentes e ser como pombas. Dá para conciliar duas coisas claramente antagônicas? Essa poderia ser uma primeira reação nossa diante dessa proposta de Jesus. Ser astuto e sem malícia ao mesmo tempo? É claro que precisamos levar em conta o contexto em que Jesus fez essa recomendação. “Sede prudentes como as serpentes e símplices como as pombas” faz parte das orientações que Jesus deu aos apóstolos quando os enviou para a missão de Deus que acontece em meio aos lobos: “Eis que vos envio como ovelhas para o meio de lobos”. Isto é, a igreja cristã não é do mundo, mas está no mundo, é enviada ao mundo. O reino de Jesus não é deste mundo, mas acontece neste mundo, é anunciado e edificado neste mundo. E os
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poderes deste mundo, como lobos, opõem-se e devoram sinais do reino de Deus. É interessante observar que Jesus coloca, em seu conselho aos apóstolos, o “ser como serpente” antes do “ser como pomba”. No contexto da oposição do mundo em relação ao reino de Deus, é necessário, acima de tudo, agir com prudência, inteligência e consciência. Pois o próprio Jesus teve que ser como serpente em muitas situações. Diante das armadilhas que pessoas, poderes e situações lhe colocavam, ele reagiu como serpente. Quando lhe perguntaram com que autoridade fazia e ensinava, respondeu: “Eu também vos faço uma pergunta; se me responderdes, também eu vos direi com que autoridade faço essas coisas” (Mateus 21.23-27). Quando fariseus e herodianos lhe perguntaram, com malícia, se era ou não lícito pagar tributo a César, Jesus respondeu com sabedoria e prudência: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (Mateus 22.15-22). Quando o sumo sacerdote e Pilatos, com maldosa astúcia, lhe perguntaram se era o Cristo, Jesus respondeu primeiramente com um sábio silêncio
A prudência e a simplicade devem livrar-nos da ingenuidade, para qu
e depois com um “Tu o dizes” e com um “Tu o disseste” (Mateus 26.57-68; 27.11ss). Quando em várias situações percebeu malícia, incredulidade e oposição, simplesmente se retirou dos locais em que se encontrava (Mateus 13.58; 16.14; 21.17). Mas o jeito de “ser como serpente” de Jesus não o impediu de “ser como pomba”. Jesus foi a encarnação da simplicidade, do amor que serve e se entrega, da humildade, da mansidão, do compromisso que assume riscos e não foge do sacrifício, mas o assume como vontade do Pai. Ele foi apontado por João, que lembrou palavras do profeta Isaías, como cordeiro manso e inocente que vai ao matadouro (João 1.29; Is 53.7), ou seja, como pomba símplice que se doa e não foge do compromisso. Nos tempos de hoje, urge que, além de assumirmos o compromisso que não foge da cruz, na simplicidade e na inocência da pomba e do cordeiro, sejamos prudentes e sagazes como
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uidade, para que não caiamos nas ciladas maliciosas do mundo em que vivemos
a serpente. Pois muitas são as armadilhas engenhadas com malícia pelos poderes que se opõem e resistem ao reino de Deus. Lutero já cantava que “o rei infernal das trevas, do mal, com todo o poder e astúcia quer vencer” (Hinário HPD, 97, vol.1). Grande é a astúcia maldosa deste mundo.
Diante das falsas informações e das mentiras camufladas de “verdade” que adentram nossas casas por meio de uma mídia interesseira e obscura, não é possível ser ingênuo como “cordeirinho manso” ou como “pombinha inocente e vulnerável”. Diante de expressões e mensagens agressivas e violentas que nos
são apresentadas com vestimentas traiçoeiras de “legalidade” e de “ética” e que parecem ter virado moda nos dias atuais, não dá para engolir e digerir tudo como se fosse verdade. É preciso ser serpente, ser prudente, ser inteligente. Repassar ou incorporar tudo o que certos poderosos meios de comunicação querem fazer chegar a nós significaria ser simples como a pomba sem ser prudente como a serpente. Mais do que nunca é preciso checar a procedência e a veracidade das informações e das mensagens que recebemos, decifrando a malícia, os interesses obscuros, a injustiça, a mentira e a violência nelas contidas. Nesse sentido, é preciso ser, antes de mais nada, prudente como a serpente. É claro que, para ser serpente, não abrimos mão do ser pomba, assim como Jesus foi. Bondade, mansidão, simplicidade, humildade e disposição para o sacrifício continuam sendo valores legitimamente cristãos. Mas isso não nos torna ingênuos a ponto de cair nas ciladas que o mundo nos prepara maliciosamente. N VALDEMAR GAEDE é teólogo e ministro da IECLB em Santa Maria de Jetibá (ES
As salas do Centro de Retiros, junto com a capela da Casa Matriz, oferecem um espaço ideal para retiros, encontros e eventos. As instalações da hospedagem contam com quartos com banheiro, refeitório e local para estacionamento. Em meio a abundante natureza, o ambiente tranquilo e acolhedor favorece a reflexão, a integração e o lazer. Dispomos de serviço de hospedagem, individual ou em grupos, ideal para realização de retiros, eventos ou para aqueles que desejam apenas hospedar-se aqui. Av. Wilhelm Rotermund, 395 - Morro do Espelho - São Leopoldo Fone: (51) 3037-0037 | retiros@diaconisas.com.br | www.diaconisas.com.br NOVOLHAR.COM.BR –> Out/Dez 2014
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ESPIRITUALIDADE
O perdão é fundamental
aprendem que a sua própria prática do perdão e o perdão de Deus não os retiram da realidade, da condição humana frágil e imperfeita. Ao contrário, comprometem-nos com a missão de incidir na realidade, interagindo com
Para os cristãos, o perdão é fundamental. Ele integra a vida de fé, a relação de comunhão com Deus e com os outros. por Guilherme Lieven
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odos praticam o perdão no dia a dia. As relações humanas construídas com os valores da dignidade, respeito e amor incluem a prática do perdão. A vida sem o perdão é limitada e doente. O perdão cria uma dinâmica de vida movida por relações humanas que acontecem entre semelhantes imperfeitos. A violência, as injustiças, as desigualdades e boa parte do sofrimento humano têm origem na imperfeição, nos comportamentos do ser humano que dependem de superação. Para os cristãos, o perdão é fundamental. Ele integra a vida de fé, a relação de comunhão com Deus e com os outros. Quando conversamos sobre o perdão com as pessoas que partilham do nosso cotidiano, percebemos as diversas facetas dessa prática e do seu valor. Alguns dizem que diariamente necessitam ser perdoados. Outros respondem que já estão no limite e não conseguem mais perdoar. E há aquelas pessoas que já duvidam do perdão devido a seu desgaste, por se ter tornado uma prática corriqueira, a ponto de não gerar arrependimento
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ou mudanças no comportamento e na vida das pessoas. Os cristãos incorporaram, com a prática comunitária da fé, o entendimento de que ainda vivem numa condição de imperfeitos e, na linguagem da fé, na condição de pecadores. Creem que dependem do perdão de Deus, de sua ação salvadora, pois não conseguem salvar a si mesmos. Conforme Romanos 7.15: “Fazem o mal que não querem e deixam de fazer o bem que tanto almejam”. Estão certos de que o perdão de Deus resulta em liberdade para viver e em capacitação para servir e fazer o bem que advogam. É assim que o perdão adquire esse valor especial. Ele passa a ser a porta de entrada para uma dinâmica de vida livre de culpa, de condenação e de indiferença. Torna-se a porta que se abre para o caminho da ação solidária, transformadora, acolhedora, em que os valores da dignidade, da justiça e da paz assumem o lugar de sinais, de luzes que apontam para horizontes novos, onde a vida se renova e torna-se eterna. As pessoas que integram as comunidades de fé em Jesus Cristo
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sentido, abre horizontes, vence medos e cura angústias. A vida fica mais bela. Aguça o discernimento e dificulta o assédio do mal. Sabemos, no entanto, que nem todos e todas que se dizem cristãos têm
Rembrandt Harmensz van Rijn, O Retorno do Filho Pródigo, por volta de 1666/1669. Óleo sobre Tela, St. Petersburg.
as iniciativas comunitárias e civis que transformam vidas, que resgatam condições justas para viver. Além disso, descobrem que a liberdade que surge da comunhão com o Deus da reconciliação e perdão facilita a vida, dá
medo da separação vivencial de Deus. Não sentem a necessidade de salvação. Não se sentem perdidos. É comum nas igrejas modernas, por exemplo, a omissão da confissão de pecados. Toda a revelação na Bíblia da imperfeição humana e da dependência da ação salvadora de Deus é substituída por uma interpretação que destaca a busca humana das dádivas e benefícios de Deus. A ação protagonista de Deus é transferida para a dimensão humana. Certamente essa mudança resultou da paulatina sistematização das reações das novas gerações contra o uso da situação de dependência do ser humano de Deus como meio para oprimir, manipular, julgar, excluir e criminalizar. Uma vez, a transferência da ação salvadora para o ser humano, sem a participação reconciliadora de Deus. Outra vez, a reação contra a violenta apropriação da ação de Deus para justificar atrocidades. São dois extremos que dificultam, nos dias de hoje, a leitura do lugar do perdão na vida de fé e seu valor para a liberdade do ser humano. Esse é um desafio enorme, depositado no colo das comunidades cristãs. O Espírito Santo sopra o clamor para que o valor do perdão seja resgatado. A sua prática liberta e cria caminhos de paz. Jesus incluiu o perdão em sua oração, denominada por nós de Pai-Nosso. O pedido de perdão – “perdoe as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores” – foi incluído entre as poucas petições. A oração que Jesus ensinou continua despertando os cristãos para a prática do perdão. E associa a sua prática no cotidiano com o recebimento do perdão por parte de Deus, a dádiva da liberdade. N GUILHERME LIEVEN é teólogo e coordenador do Centro de Eventos Rodeio 12 em Rodeio (SC) NOVOLHAR.COM.BR –> Jul/Set 2015
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penúltima palavra
No centro, a vida das pessoas por Thomas Kang
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Green Cartoon
m tempos de crise, é difícil não ser contaminado pelo pessimismo diante das perspectivas da economia do país. Não é para menos. Recessões econômicas, caracterizadas pela queda do Produto Interno Bruto (PIB), afetam toda a sociedade, com evidentes reflexos políticos e sociais. As consequências de uma crise econômica costumam ser ainda mais dramáticas nas vidas daqueles que não têm como se proteger do aumento do desemprego e da queda dos salários. De fato, é difícil negar a importância do crescimento econômico. Por outro lado, avaliar uma sociedade somente pelo aumento do PIB parece ser insuficiente e, no mínimo, excessivamente materialista. Mas o que a ética (e quem sabe a ética cristã) teria a dizer sobre a prioridade dada ao crescimento do PIB? Filósofos e economistas, seculares e religiosos, têm se dedicado a essa questão. O economista indiano Amartya Sen, vencedor do Nobel de Economia em 1998, tem apresentado argumentos persuasivos. Ele não nega a importância do crescimento do PIB para a melhoria do padrão de vida
das pessoas, mas pontua que não se podem confundir meios com fins. O crescimento deveria ser um meio para alcançar certos objetivos e não propriamente o fim das políticas. Nesse ponto, a ética cristã teria muito a contribuir. Afinal, quais são os fins das políticas econômicas em última análise? A vida em abundância ou a dignidade humana, incorporando a questão dos limites físicos da criação, poderiam estar nesse horizonte. O debate é longo, mas Sen parece estar correto ao dizer que o crescimento do PIB tem apenas um papel instrumental.
Por esse motivo, Sen ajudou na formulação do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) das Nações Unidas. Lançado em 1990, o IDH é uma tentativa de não se prender somente ao PIB, apontando para outros aspectos importantes na vida das pessoas, tais como a longevidade e a educação. O IDH já tem significativa popularidade depois de 25 anos. Mas há quem vá mais além: a economista e reverenda anglicana Sabina Alkire, da Universidade de Oxford, tem assessorado o governo do Butão, um pequeno país asiático, na definição da Felicidade Nacional Bruta (ou Gross National Happiness – GNH). A proposta não é tão radical quanto parece em princípio: o indicador não é meramente um termômetro da felicidade subjetiva. De qualquer forma, essas iniciativas tentam colocar a vida das pessoas no centro da análise e são avanços em relação ao excessivo materialismo do PIB. O PIB continua tendo papel importante, mas o crescimento econômico não pode ser sinônimo de desenvolvimento. Em termos éticos, a vida das pessoas deve ser o principal objetivo. Esse aspecto parece estar muito distante dos conflitos entre “desenvolvimentistas” e “liberais” no Brasil: ambas as correntes teimam há décadas em endeusar o crescimento dentro de uma perspectiva ética limitada. Mas se o que está faltando é uma discussão ética no desenvolvimento, a igreja pode certamente trazer um novo olhar para esse debate. N THOMAS KANG é pesquisador da Fundação de Economia e Estatística, professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing e membro da IECLB em Porto Alegre (RS)
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APLIQUE no seu cotidiano os ensinamentos das ESCRITURAS
PROPAGANDO A VERDADE ATRAVÉS DO ENSINO Clancy Hayes Esta obra apresenta oito figuras bíblicas com situações que podem ser aplicadas no seu cotidiano, além de mostrar as verdades de Deus e ensinar como continuar a anunciar os ensinamentos encontrados nas Escrituras. Em cada capítulo, você obterá informações da vida de cada um dos personagens bíblicos e colherá importantes princípios. Também encontrará aplicações práticas e exemplos de fé que podem ser aplicadas nos dias atuais. Cód.: 245740 / 14,5 x 22,5 cm / 160 páginas
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