Espelhos
Um casal de impressores Arquivo Rotermund
Entre seus feitos, uma casa publicadora, participação na fundação do Sínodo Riograndense, a base da atual Biblioteca da Faculdades EST; tudo para preservar a fé. Martin Norberto Dreher O casal Marie e Wiulhelm Rotermund com a filha Elsbeth
A
TRANSFERÊNCIA DA FAMÍLIA REAL
portuguesa para o Brasil em 1808 é, em muitos sentidos, um marco na história brasileira. Ela também significou o início de intensa produção intelectual através da imprensa. Desde o início, imigrantes luteranos estiveram envolvidos nela. Dentre eles, um casal de pastores – Marie e Wilhelm Rotermund – merece destaque. Quando ambos chegaram à estação ferroviária de São Leopoldo (RS) em dezembro de 1874, o mundo luterano passava por uma grave crise. Em agosto, um grupo de luteranos acuado e ridicularizado por causa de sua fé pietista, fora massacrado por tropas do exército imperial na localidade de Sapiranga. Eram os Mucker. Todo luterano era acusado de ser “muckerista”. Outros diziam que fé sempre termina em tragédia e que, por isso, a fé em Deus deveria ser totalmente deixada de lado. A auto-estima estava em baixa. Era necessário fazer frente à situação. Marie e Wilhelm arregaçaram as mangas. Ele era pastor de São Leopoldo e Lomba Grande. Lecionava na escola comunitária. Escrevia para revistas na Europa, contando o que acontecia no Brasil. Ela administrava o “Depósito de Livros”, que pertencia à Caixa de Aposentadoria e Pensões de Viúvas e Órfãos de Obreiros Evangélicos. Catecismos, hinários, livros de leitura vinham de Hamburgo e eram encaminhados às 6
comunidades luteranas. Não raro, era ela também quem fazia os lançamentos nos livros de registro de batismos, casamentos e óbitos. Em julho de 1875, Wilhelm assumiu a função de redator do jornal Bote (Mensageiro), de São Leopoldo. Duas semanas após, o Bote passava a ser atacado pelo Volksblatt dos padres jesuítas e pela Deutsche Zeitung do materialista Carlos von Koseritz. Rotermund advogava os direitos dos luteranos e exigia para eles os mesmos direitos que eram dados aos católicos. Foi classificado de perturbador da ordem pública. Em 53 edições do Bote, publicou 58 artigos. Mesmo entre luteranos havia medo de que pudessem acontecer revides. Certa manhã, ao abrir a porta da casa, Wilhelm quase foi esmagado por um tronco de árvore que havia sido encostado na porta da casa pastoral. O proprietário do jornal resolveu demiti-lo. O Bote continuou vegetando, até ter que encerrar suas atividades. Wilhelm adquiriu, então, a massa falida do jornal. Em 18 de dezembro de 1880, lançou a primeira edição da Deutsche Post (Correio Alemão), que persistiu até 1928, quando foi empastelado por lideranças republicanas. No início, foi publicado duas vezes por semana e a tiragem inicial era modesta: 300 exemplares. Em 1910 já eram 2.845 exemplares. Desde agosto de 1914, passou a ser um jornal diário. O
jornal também teve diversos cadernos. O mais permanente deles foi publicado desde 1888 e recebeu o nome Sonntagsblatt (Folha Dominical), mais tarde Sonntagsblatt der Riograndenser Synode (Folha Dominical do Sínodo Riograndense). Na década de 1970, a Folha Dominical foi fusionada com outras folhas luteranas, passando a adotar o nome Jornal Evangélico, atualmente Jornal Evangélico Luterano, uma publicação que alcança 120 anos de existência e é, por isso, um dos mais antigos veículos de comunicação do Brasil. O casal Marie e Wilhelm, que hoje repousa no cemitério de São Leopoldo, transformaria a antiga massa falida em casa publicadora, da qual sairia uma profusão de material didático, agendas, almanaques, livros de bolso. Mas não ficaria nisso. Em 1886, por iniciativa sua, ocorreu a fundação do Sínodo Riograndense, embrião da atual Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB). Na antiga Chácara Rotermund encontram-se hoje diversas instituições da IECLB. Sua biblioteca formou a base da atual Biblioteca da Faculdades EST. Marie criou o primeiro grupo de jovens na IECLB. Tudo começou com o intuito de preservar fé. Nela podemos nos mirar. O autor é teólogo e professor de História na Unisinos em São Leopoldo (RS) NOVOLHAR – Setembro/Outubro 2008
Olhar com humor
D ica cultural A linguagem de Deus
E stá na agenda Congresso de educação O Instituto Superior de Educação Ivoti (ISEI) promove o II Congresso Nacional de Educação nos dias 25 a 27 de setembro em Ivoti (RS), sob o tema “Reler e Reescrever a Escola”. O programa do Congresso prevê palestras, oficinas pedagógicas, comunicações de pesquisas, cinetour e relatos de projetos educativos desenvolvidos por professores. O congresso reúne educadores atuantes na educação básica, estudantes, pesquisadores e interessados na educação. Informações: www.isei.edu.br/congresso ou pelo fone (51) 3563.8600.
Concílio da IECLB O 26º Concílio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil-IECLB acontece em Estrela (RS), de 15 a 19 de outubro. O tema é “Missão de Deus – Nossa Paixão”. A principal tarefa dos cerca de 100 conciliares será aprovar o Plano de Ação Missionária da IECLB (PAMI) para os anos 2008-2012. Os conciliares deverão trabalhar em câmaras e deliberar sobre assuntos nas áreas de formação, documentos normativos e finanças. Para o encerramento na manhã do domingo, dia 19, espera-se a presença de aproximadamente 2.000 pessoas.
“Será que um evento impactante cono o Big Bang se encaixa na definição de um milagre?” “Assim, se a evolução for uma verdade, há algum espaço para Deus?” “Será Ele (Deus) diminuído ou ameaçado pelo que estamos descobrindo acerca de sua criação?” Estas são algumas perguntas instigantes que encontramos nas páginas do livro “A linguagem de Deus – Um cientista apresenta evidências de que Ele existe”. O autor é Francis S. Collins, diretor do Projeto Genoma, nos Estados Unidos. O livro foi publicado no Brasil pela Editora Gente e está na lista dos livros mais vendidos. Quando o assunto é ciência e fé cristã, o debate fica acirrado e em muitos ambientes surgem posições antagônicas. Esse livro de Francis S. Collins esclarece o dilema existente entre a fé em Deus e a fé na ciência. Sua leitura vai ajudar na conversa com pessoas que não aceitam relacionar religião com ciência. E vai ajudar os cristãos a terem mais admiração pelas obras de Deus. Fé cristã e eiência podem se dar as mãos para promover vida, respeito, cura, consolo e reverência por aquele que é o senhor da humanidade.
WWW.NOVOLHAR.COM.BR
7
Reflexão
Autoridade secular e compromisso cristão Com base em Romanos 13.1 e Tito 3.1, é possível concluir que a igreja deve não só reivindicar, mas também cooperar em toda boa obra. Na prática, isso significará que submissão poderá sempre de novo assumir a forma da resistência, dependendo do desempenho da autoridade secular.
E
M SUA CAMINHADA HISTÓRICA, A
igreja cristã teve que acomodar-se a muitos tipos de governo. Nascida em tempos do Império Romano, passou a conviver com regentes pagãos e cristãos, com monarquias absolutas e constitucionais, com ditaduras e democracias. O cristianismo demonstrou habilidade na adaptação política através dos tempos. Ao contrário do que se poderia suspeitar, tal flexibilidade não resulta do oportunismo de um grupo minoritário, fraco demais para se impor ao poder estatal. Ela é antes resultado de uma posição consciente, que tem na palavra “submissão” o princípio básico. É o que se observa tanto em Romanos 13.1 como em Tito 3.1: “Obedeçam às autoridades, todos vocês. Pois nenhuma autoridade existe sem a permissão de Deus, e as que existem foram colocadas nos seus lugares por ele” (Romanos 13.1); “Recomende aos irmãos que respeitem as ordens dos que governam e das autoridades, que sejam obedientes e estejam prontos a fazer tudo o que é bom” (Tito 3.1). O apóstolo Paulo insiste na obediência às autoridades humanas por essas cumprirem um mandato divino. A obrigação de sujeitar-se aos governantes, de respeitar a ordem civil e de honrar o rei (1 Pedro
8
2.17) é endossada pela cristandade em seu todo. A igreja de Jesus Cristo não se constituiu como concorrente às autoridades seculares, e sim como parceira. Para tanto, a submissão é fundamental. Ela é a premissa de integração social. Quem não souber subordinar-se e aceitar a condição de minoria vencida não presta para uma vida em comunhão. Brasileiro tem o dever de sujeitar-se aos termos da Constituição Federal e do Código Civil. Caso contrário, vai excluir-se da sociedade. Assim também a igreja. Ela se submete à legislação do respectivo país, reconhece suas autoridades e insere-se como um segmento na sociedade civil. Isso significa que o cristianismo rejeita a idéia da teocracia. Não necessita do “Estado cristão” para desempenhar sua missão. Distingue entre “reino” e “sacerdócio”, política e religião, entre Estado e Igreja. Segue, assim, a orientação do próprio Jesus, que não quis que fosse confundido “o que é de César” e “o que é de Deus” (Marcos 12.17). Somente sob tais condições será assegurada a liberdade religiosa. Pois um Estado religioso sempre será autoritário. Enquanto isso, o Estado secular deve administrar pluralidade. A exigência da submissão à autoridade civil é garantia do direito à opção religiosa.
Divulgação/Novolhar
Gottfried Brakemeier
Políticos em ato inaugural, em cena corriqueira entre as autori
Seria errôneo, porém, interpretar tal sujeição como carta branca aos órgãos estatais. O apóstolo Paulo tem em vista autoridades que cumprem sua função. Cabelhes a promoção do bem e a penalização do mal. Verdade é que elas podem corromper-se e trair seu legítimo mandato. Nesses casos, vão surgir conflitos entre a comunidade cristã e a autoridade secular. Pois “antes importa obedecer a Deus do que a seres humanos” (Atos 5.29). Se a autoridade secular obstruir a prática do bem e emprestar seu poder ao crime, pode transformar-se naquele animal satânico do qual fala o capítulo 13 do livro do Apocalipse. Sujeição reverte então em resistência, do que a primeira cristandade deu inúmeras provas. Não raro tem sido perseguida por causa da fidelidade a Deus. Eis por que Martim Lutero escreveu um livro com o título sugestivo “Da autoridade secular – até que ponto lhe é devida obediência?”. Sujeição cristã é absoluta somente em relação a Deus. NOVOLHAR – Setembro/Outubro 2008
Última hora
Divulgação/Novolhar
Edição 2007 do “Tribos” contou com a participação de 93 mil jovens, com pequenos de até 4 anos de idade.
Parceiros jovens voluntários
O
MAIOR MOVIMENTO DE VOLUNTA
dades seculares
Nem sempre a igreja tem se mostrado imune à tentação teocrática. Procurou dominar o poder estatal e atrelá-lo a seus interesses. Mas não é isso o que está na origem da fé cristã. Importa distinguir entre autoridade civil e religiosa. Da mesma forma, porém, é proibido divorciar. Tanto a política como a religião estão comprometidas com o bem da sociedade. Devem honrar a ética. Por isso a igreja cobra da autoridade secular o empenho pelo bem comum. É esse o compromisso político de toda pessoa que carrega o nome de Jesus Cristo. E mais: A igreja deve não só reivindicar, mas também cooperar em toda boa obra. Na prática, isso significará que submissão poderá sempre de novo assumir a forma da resistência, dependendo do desempenho da autoridade secular. O autor é teólogo e reside em Nova Petrópolis (RS) WWW.NOVOLHAR.COM.BR
riado jovem do país está a todo vapor este ano. A Ação Tribos nas Trilhas da Cidadania, organizada pela ONG Parceiros Voluntários, conta com a participação de 367 escolas, 41 a mais que em 2007. A meta para 2008 é que os pequenos grandes voluntários realizem mais de 1500 ações nas 55 cidades onde estão localizadas as tribos, em todo o Rio Grande do Sul. A Parceiros Voluntários, através do programa Parceiros Jovens Voluntários, desenvolve paralelamente à ação Tribos a capacitação Desenvolvendo Jovens Tribeiros, que já capacitou 600 jovens no primeiro semestre deste ano. Em encontros
periódicos, os alunos participam de palestras, jogos e oficinas, onde desenvolvem noções de liderança, empreendedorismo, planejamento e voluntariado organizado. O projeto proporciona espaços para reflexão, criação e construção do conhecimento, em que o aluno vivencia o aprender fazendo. A coordenadora do Programa em Porto Alegre, Cleci Marchioro, explica que a capacitação proporciona ao jovem compreender melhor o trabalho que realiza. “Buscamos despertar a responsabilidade social individual de cada aluno, fazendo com que ele perceba o quanto pode transformar a comunidade em que vive”, diz.
Alemães convocam Decada de Lutero A Década de Lutero (2008-2017) está sendo convocada no dia 21 de setembro em Wittenberg, na Alemanha, pela Igreja Evangélica da Alemanha (IEA). A Década será aberta com um culto festivo na cidade de Lutero. O ponto de partida da Década foi intencionalente fixado em setembro, mês em que Lutero chegou a Wittenberg pela primeira vez, em 1508, onde ele lecionava Filosofia na recém-fundada universidade local. O principal objetivo da Década de Lutero é a preparação dos festejos dos 500 anos da afixação das 95 teses do reformador. O fato agitou a igreja da época e marca o início da Reforma. A Década de Lutero está sob o lema “Lutero 2017 – 500 Anos de Reforma” e os preparativos estão sendo realizados em cooperação entre igreja, estado e sociedade civil. (epd)
9
Comunicação 200 ANOS DE IMPRENSA NO BRASIL IMPRENSA EM 200 ANOS 1808 - Três séculos e meio depois da invensão de Gutenberg, com a chegada da corte portuguesa, o Brasil teve acesso aos primeiros prelos de impressão. A Gazeta do Rio de Janeiro era uma publicação da corte, sob forte censura da coroa. Nada que criticasse o governo podia ser publicado.
12
As iniciativas para instalação da imprensa no Brasil apareceram de maneira isolada e pessoal. Todas foram erradicadas, até com uso de violência e exílio para alguns tipógrafos mais ousados, por Carta Régia.
NOVOLHAR – Setembro/Outubro 2008
Capa
C
Leo Drummond
REDORES DA COROA PORTUGUESA HAVIA EM TODA
Ainda em 1808, exilado em Londres, o perseguido político Hipólito José da Costa lançou o primeiro jornal brasileiro independente, o Correio Braziliense, para driblar a censura prévia da coroa instalada no Rio. Em 1809 a corte determinou a apreensão de todo material impresso no exterior que criticasse o governo.
WWW.NOVOLHAR.COM.BR
a Europa, no início dos anos de 1800. Mesmo assim, Dom João VI havia comprado todos os equipamentos necessários para instalar uma Imprensa Régia novinha em folha, em Lisboa. O implacável projeto expansionista de Napoleão, entretanto, obrigou o imperador a mudar radicalmente os seus planos. Na calada da noite e sob a proteção da marinha inglesa, ele embarcou tudo o que podia nas naus que lhe sobravam - inclusive as prensas novinhas que havia adquirido - e, em 1808, zarpou rumo ao Brasil. Assim, onde antes era proibido produzir qualquer impresso sob pena de extradição, agora havia imprensa. Censurada, mas havia. Oficial, mas havia. Por isso, em 2008 o Brasil pode comemorar 200 anos de imprensa. Entretanto, a impressão do primeiro número da Gazeta do Rio de Janeiro na tipografia imperial, em 10 de setembro de 1808, coincidia com comemoração dos 200 anos de imprensa no México e Gutenberg havia inventado os tipos móveis três séculos e meio antes. Felizmente, do outro lado do oceano, em Londres, era lançado o primeiro exemplar do Correio Braziliense, de oposição à imprensa régia. Nascia a imprensa brasileira longe da censura. Nas próximas páginas, uma análise dessa trajetória e do papel da imprensa na formação intelectual do povo brasileiro.
Para neutralizar o Correio Braziliense, a coroa estimulou o surgimento de periódicos vinculados ao império e censurados. Em 1811 surgiram Idade de Ouro no Brasil, As Variedades e Ensaios de Literatura e em 1813 O Patriota, jornal literário, político e mercantil do Rio. A partir dos anos 1820, as províncias passaram a montar tipografias e lançar seus próprios jornais, como o Diário de Pernambuco (1825) e o Jornal do Commércio (1827), ambos ainda existentes.
13
Um debate nacional sobre comunicação Divulgação Novolhar
Somente os mais otimistas dirão que a comunicação social no Brasil vai bem. Entretanto, há políticas públicas para quase todas as áreas, menos para a comunicação. Por isso, é urgente a realização de uma Conferência Nacional sobre o assunto. Pedro Luiz S. Osório
O
BRASIL ESTÁ COMEMORANDO 200 anos de imprensa. A forma como tudo começou, em 1808, diz muito do que esperar da comunicação social brasileira na atualidade. Por isso, e urgente a realização de uma Conferência Nacional de Comunicação para a sociedade debater o papel dos meios de comunicação e da imprensa, seus limites, responsabilidades e as decorrências sociais da convergência tecnológica, definindo políticas públicas para o setor. Como vai a comunicação social no Brasil? Somente os muito otimistas ou desin-
Profissionais jornalistas e comunicadores devem debater o pa
formados dirão que vai bem. Há políticas públicas para quase todas as áreas, menos para a comunicação. Em muitos casos, realizam-se conferências, em âmbito municipal, regional e nacional, de inegável importância para a democracia. Por isso é urgente a realização de uma Conferência Nacional de Comunicação. Sem orientações e limites estabelecidos nacionalmente, os meios de comunicação atuam praticamente sem controle – e isso não é bom. Não se pode dizer que a sociedade está (ou esteve) apática. São históricas as mobilizações para regular a comunicação e atri-
buir-lhe um papel social, antes do que exclusivamente mercadológico. Elas foram lideradas por sindicatos de trabalhadores, universitários, pesquisadores especialmente a partir de 1983, constituindo a Frente Nacional de Luta por Políticas Democráticas de Comunicação. Tais mobilizações convergiram de modo marcante para a Assembléia Nacional Constituinte nos anos l987-88. O resultado da disputa na elaboração da nova Constituição foi favorável aos empresários, que conseguiram refutar qualquer tipo de efetivo controle social sobre a mídia.
IMPRENSA EM 200 ANOS Em 1822, mesmo após a independência, poucos jornais aderiram à causa. A imprensa tinha dinheiro mas não liberdade, sob a força de Dom Pedro I, um monarca absolutista. Surgiram os pasquins que criticavam o governo com liguagem violenta. Denunciavam a devassidão da sociedade e sonhavam com uma nação íntegra e democrática. Exemplos são A Malagueta (1821) e A Sentinela.
14
Com a viagem de D. Pedro I a Minas Gerais em 1830, A Nova Luz Brasileira e O Repúblico começaram a pregar a federação. Seus artigos esquentaram o clima na Corte e precipitaram abdicação do imperador em favor do seu filho D. Pedro II. No longo segundo império, a liberdade de imprensa era bandeira pessoal do imperador, o que também o levou a renunciar, dando espaço à república.
NOVOLHAR – Setembro/Outubro 2008
pel social da Comunicação num país dominado pelas grandes empresas jornalísticas e de comunicação
Foi nesse contexto que, em 1991, surgiu o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC – www.fndc.org.br), reunindo entidades da sociedade civil. Em 1994, o FNDC publicou o documento Bases de um Programa para a Democratização da Comunicação no Brasil, uma das principais referências para a abordagem desse tema. Várias organizações e movimentos o sucederam, muitas vezes somando-se às linhas de ação do Fórum. Entre as principais conquistas na luta pela democratização da comunicação – geralmente lideradas ou catalisadas pelo FNDC –
1899 - Com a Proclamação da República há uma mudança lenta nos jornais, agora impressos por empresas jornalísticas com estrutura e equipamentos gráficos, tornando-se empresa capitalista. Surgem vários novos jornais.
WWW.NOVOLHAR.COM.BR
estão a implantação do Conselho de Comunicação Social (CCS), órgão consultivo do Congresso Nacional, a regulamentação da TV a cabo (com a criação dos canais legislativos, educativos, universitários e comunitários), a construção de um ambiente político favorável ao trânsito do conceito de radiodifusão comunitária, que redundou na criação da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço). Essas conquistas representaram avanços significativos, mas esses foram superados gradativamente. O CCS, que reúne representantes da sociedade civil e desem-
Lançado como Província de São Paulo em 1875, o mais antigo jornal paulista em circulação assumiu em 1890 sua atual denominação de O Estado de São Paulo.
penhou um papel importante nos debates sobre temas como o conteúdo e a regionalização dos programas de televisão e a renovação das concessões de rádio e televisão, por exemplo, está paralisado. A legislação sobre as rádios comunitárias acabou sendo distorcida, resultando em uma lei que inibe a legalização dessas emissoras. A legislação de TV a cabo também está fragilizada. Publicada em 1995, resultou de um diálogo inédito entre os movimentos pró-democratização, os empresários do setor e o governo. Entre outros méritos, criou “janelas eletrônicas”, abrin-
O Jornal do Brasil (1891) e O Globo (1925) surgiram na então Capital Federal em períodos distintos da República. O século 20 marca a formação dos primeiros impérios da comunicação no Brasil, com Irineu Marinho e Assis Chateaubriand.
15
Novolhar Reprodução
do o Congresso para a sociedade através dos canais legislativos – além dos canais referidos acima. Também instituiu o conceito de “rede pública e única”. Segundo esse conceito, a rede implantada faria parte do sistema nacional de telecomunicações, acessível a todas as concessionárias de TV a cabo, impedindo a prática do monopólio e ampliando a concorrência e o acesso do público a determinados serviços ofertados pelas empresas. E estabeleceu que o governo ouviria o Conselho de Comunicação antes de tomar qualquer decisão sobre o setor. O avançado conceito de “rede pública e única” foi ignorado. Esse fato se constata quando uma empresa de TV a cabo se recusa a disponibilizar o sinal de seus canais abertos para outras operadoras, por exemplo. As poucas conquistas foram esvaziadas. Restaram os canais criados pela Lei do Cabo, com destaque para os legislativos. E perdura a prática governamental de tomar decisões sem considerar a opinião dos movimentos sociais ligados à democratização da comunicação.
Está em vias de ser votado pelo Congresso Nacional o Projeto de Lei 29/2007, o PL 29. De autoria do deputado Jorge Bornhausen (DEM/SC) e relatado pelo deputado Jorge Bittar (PT/RJ), o projeto unifica a legislação de TV por assinatura – serviço que já não se limita ao cabo, como é sabido. A futura lei elimina o conceito de rede pública e única e anula o papel do Conselho de Comunicação Social, desobrigando o governo de ouvi-lo, eliminando a única possibilidade da sociedade de exercer algum controle público sobre o setor. Além disso, permite a entrada das empresas telefônicas no serviço de TV por assinatura. Falar em empresas telefônicas significa dizer “internet”, praticamente. Elas poderão veicular conteúdo pela internet. A comunicação social poderá deixar de existir. Pergunta-se: quem controlará o conteúdo dos programas divulgados pelas telefônicas via internet? E como fazê-lo, considerando as características da rede e a convergência tecnológica, que viabiliza a distribuição de conteúdos para os celulares, por exemplo? Qual será o caráter “social” desse novo tipo de comunicação?
No caso do rádio e da televisão, ainda que altamente limitados, alguns dispositivos legais permitem a manifestação da sociedade sobre os meios de comunicação. Com o ingresso das telefônicas na divulgação de conteúdos o descontrole reinará, conforme a legislação proposta. Registre-se que o Projeto de Lei 29 foi submetido a audiências públicas organizadas pelo Congresso. Mas tais encontros serviram para o enfrentamento dos representantes das telefônicas e das empresas de radiodifusão, agora ameaçadas pelos novos concorrentes. As posições da sociedade foram ignoradas, praticamente. Por isso, os movimentos sociais reivindicam a realização de uma Conferência Nacional de Comunicação. Estão organizados em uma Comissão Pró-Conferência, que se reúne em Brasília, mantida por centenas de entidades. E já preparam-se seminários regionais para debater a proposta. Essa é a principal bandeira do movimento. Uma conferência, para ser efetiva, deve reunir representantes dos movimentos sociais, das empresas e do governo – a quem caberá executar as políticas públicas de comunicação que resolver adotar, pois as conferências têm caráter consultivo. O leitor deve estar imaginando que dos três setores referidos são os empresários que resistem à conferência. Engana-se quem pensa assim: os representantes das empresas telefônicas e da radiodifusão estão dispostos e já se manifestaram a favor. Quem foge da discussão é o Executivo – pois até o Ministério das Comunicações concorda com o debate. Se o governo Lula não mudar sua posição, vai igualar-se, nesse aspecto, aos governos anteriores, que sempre impediram a população de opinar sobre a comunicação desejada para suas famílias e seu país. O autor é jornalista e secretário executivo do FNDC em São Leopoldo (RS)
IMPRENSA EM 200 ANOS A partir de 1812 outro gênero prosperou no Brasil, o de revistas, A Revista Ilustrada e a Revista do Brasil foram dois sucessos do gênero, e O Espelho Diamantino foi uma das primeiras publicações dirigidas ao público feminino.
16
NOVOLHAR – Setembro/Outubro 2008
Notícia não é mercadoria:
É bem social A competição pelo furo, num regime alucinado de pressa, resulta em amontoados de erros e distorções. Informar com exatidão parece já não ser a tônica, mas o negócio que se faz com a informação. Astomiro Romais
A
IMPRENSA FAZ O PRIMEIRO RASCUNHO DA
História. Sua importância foi percebida já em seus primórdios, quando o filósofo e político anglo-irlandês Edmund Burke chamou o jornal de “quarto poder”. Até Napoleão Bonaparte sentiu na carne a força da imprensa, levando-o a afirmar que “três jornais perigosos são mais temíveis do que mil baionetas”. E foi ainda na época napoleônica que surgiu o seguinte aforismo: “Se uma redação fosse composta só de corcundas, esse jornal
Com a introdução de novas tecnologias e recursos gráficos, as revistas começaram a abusar das cores em suas capas. Consideradas o “sorriso da sociedade”, muitas delas empenhavam-se na técnica visual, mas limitavam-se a temas superficiais.
WWW.NOVOLHAR.COM.BR
haveria de provar que o padrão de beleza era ser corcunda”. A importância da informação em nossas vidas está cada vez mais acentuada. Ela tornou-se a oração matinal do homem contemporâneo. Não é sem razão que se define a nossa época como sociedade da informação. “Nas democracias de hoje, são os meios de comunicação que desempenham o papel mais amplo e mais central na formação da opinião pública. Resumindo numa frase, diríamos que o
O Cruzeiro (1928 a 1983), de Assis Chateaubriand, alcançou a marca de 720 mil exemplares em 1954. Em 1952, Adolpho Bloch lançou Manchete, disputando mercado com a revista de Chatô. Hoje, as duas não existem mais. Ambas introduziram a reportagem fotográfica como nova forma de trabalhar a notícia.
Com jornalistas de renome e design gráfico esmerado, Senhor conquistou um público exigente, de 1959 a 1964. Seu vazio foi ocupado por Realidade, de 1966 a 1976, com grandes reportagens e primorosos ensaios.
17
mundo é – para o público em geral – a mensagem dos meios de comunicação”, afirma o cientista político italiano Giovanni Sartori. Gastamos grande parte de nossas vidas folheando jornais, de olhos grudados num noticiário televisivo ou atentos a uma informação radiofônica. E, além de zapeadores compulsivos, modernamente não são poucos os cibercompulsivos dependentes da tela de um computador. Estar informado é, cada vez mais, uma obrigação. Mas é preciso dizer que o jornalismo, encarregado de nos trazer as novidades diárias, enveredou por um caminho de espantosa superficialidade. Em vez de voltar-se para o esclarecimento de processos contraditórios, opta por pinçar seus fragmentos mais espetaculosos, praticando simplificações acríticas – muitas vezes de forma cínica e cênica. A mídia tornouse, também, invasiva nesse processo, atropelando limites e sobrepondo um suposto interesse público – que ela mesma estabelece – aos direitos individuais de privacidade e reputação. A competição pelo furo
(interesse em dar a notícia antes da concorrência), num regime alucinado de pressa, resulta em amontoados de erros e distorções. Informar com exatidão parece já não ser a tônica. A regra é o máximo de espetáculo, ainda que com o mínimo de verdade. Embora já se tenha dito em tom de brincadeira que o jornalismo separa o joio do trigo... e publica o joio, os meios de comunicação parecem ter perdido de vez a capacidade de separar o útil do fútil. É cada vez mais enganoso pensar na mídia como fator de esclarecimento e educação. É que mercado e jornalismo caminham de mãos dadas. Vivendo numa sociedade capitalista, sabemos todos que o mercado não tem coração. Danem-se, portanto, os valores que não contribuem para a construção desse sagrado bezerro chamado lucro. É preciso ter em vista que os meios de comunicação elaboram produtos para dois públicos: o anunciante, que é financiador do processo produtivo e que não deve ser desagradado de jeito nenhum, e a audiência, que garante o consumo do produto anunciado. Nesse redemoinho, a ética acaba arrastada para a voragem do nada. Como a mídia anda em círculos, fazendo a promoção de si mesma, há muitas coisas que não ficam claras para o grande público. Por exemplo, os meios de comunicação não são representações trans-
parentes, inocentes e éticas: são produtos de uma indústria de conteúdos, empresas defendendo os interesses econômicos de grupos que controlam o capital e cujo interesse se evidencia na manutenção dos próprios lucros. Outra coisa que pouco se discute – seria um esquecimento proposital? – é que a comunicação é um serviço público, assim como são os correios, os serviços de saúde, as estradas etc. Tem como função básica ser um serviço para toda a coletividade. É isso que diz a Constituição. Na prática e no pensamento da população, no entanto, os meios de comunicação parecem uma propriedade privada, uma festa da qual só participam os bacanas. As maiorias – excluídas – ficam na porta olhando. Temos no Brasil uma das mais escandalosas concentrações de meios de comunicação do mundo: sete famílias e grupos – Marinho, Abravanel, Civita, Frias, Saad, Mesquita e Igreja Universal – controlam 80% de todas as informações lidas em papel, assistidas na TV e ouvidas em rádios. Ao jornalismo de espetáculo, dominado pela obsessão mercadológica, é preciso opor um modelo que procure refletir a verdade objetiva, com base em sólidos princípios éticos. Talvez seja uma utopia. Mas os meios de comunicação representam uma ferramenta por demais valiosa em termos de emancipação e construção social para ser desperdiçada em banalidades, entretenimento e mero show. Não se pode arquivar uma de suas dimensões essenciais: serviço público. Porque informação não é mercadoria: é um bem social. O autor é jornalista, mestre em Comunicação e Informação (UFRGS) e professor do curso de Comunicação Social da Ulbra em Canoas/RS
IMPRENSA EM 200 ANOS A qualidade gráfica e de conteúdo editorial é encontrada em revistas de negócios e femininas. Automóveis, futebol, decoração e moda segmentam o mercado editorial de revistas no Brasil.
18
Três revistas semanais disputam a preferência dos leitores: Veja, lançada em 1968, IstoÉ, de 1976, e Época, de 1998. Veja é a de maior tiragem, que é superior a 1,2 milhão de exemplares a cada final de semana.
NOVOLHAR – Setembro/Outubro 2008
A luta pela paz e pela mente A globalização, ao permitir a superação das barreiras físicas, deixou claro uma vez mais a dificuldade que temos com os ambientes multiculturais e o convívio comoa diferente.
cos em Nova Iorque, Madri, Londres, Bali, entre outras localidades, além, evidentemente, das guerras no Iraque e no Afeganistão, do confronto político e ideológico que ora se desenvolve entre muitos países do Ocidente e o Irã e a dificuldade da Turquia, um país com população majoritariamente muçulmana, em ser aceita na Comunidade Européia. Cabe lembrar ainda que esse realce teórico sobre a dificuldade que os grupos humanos manifestam em conviver com etnias, nacionalidades, ideologias, religiões e culturas distintas não é novo. Na verdade, a experiência histórica tem sido rica nos exemplos de desencontros nacionais (vide o caso recente dos genocídios de Ruanda,
Jacques A. Wainberg
A
WWW.NOVOLHAR.COM.BR
garyvarvel.com
GLOBALIZAÇÃO TEM SIDO DEFINIDA
de várias formas. Algumas delas realçam seus aspectos positivos. Entre eles está a revolução tecnológica nos transportes e na comunicação, o que permitiu uma maior intensidade das relações humanas através das fronteiras. No entanto, é bastante freqüente também um discurso crítico sobre esse fenômeno. Neste artigo desejo realçar a ponderação que usualmente se faz em relação aos conflitos étnicos, religiosos e culturais que tal contração das distâncias do mundo intensificou. Ou seja, a globalização, ao permitir a superação das barreiras físicas, deixou claro uma vez mais a dificuldade que todos temos com os ambientes multiculturais. Inseridos nessas vizinhanças heterogêneas, não temos alternativas: somos obrigados a conviver com a diferença. Tal dificuldade tem se manifestado em ambientes que historicamente sempre foram tolerantes. A opinião pública de países como Holanda, Noruega, Dinamarca e França, por exemplo, não raro mostra-se inquieta e por vezes hostil a levas de imigrantes, muitos deles muçulmanos, que desafiam padrões culturais e religiosos estabelecidos. Esse confronto foi denominado de “choque de civilizações” pelo autor norteamericano Samuel P. Huntington. Desde o lançamento de seu livro com esse título,
A guerra e a paz têm sido o dilema central das relações internacionais desde o alvorecer da história.
o debate sobre nossa capacidade de tolerar a diferença aprofundou-se no mundo todo. Fatos objetivos impulsionaram a polêmica sobre essa tese. Entre eles estão a rebelião de jovens muçulmanos franceses em Paris, a controvérsia referente às charges dinamarqueses sobre Maomé, o assassinato de um cineasta holandês por um muçulmano irado com sua obra crítica ao Islã, a decisão francesa de impedir o uso do véu e outros símbolos religiosos ostensivos nas escolas laicas do país, os ataques terroristas de militantes islâmi-
Darfur e Kosovo), religiosos (vide o caso das guerras religiosas entre os próprios cristãos no passado e agora entre os próprios muçulmanos) e políticos. É possível dizer que a guerra e a paz têm sido o dilema central das relações internacionais desde o alvorecer da história. Cabe lembrar que, desde a Segunda Guerra Mundial até 1992, ocorreram 150 guerras e que nelas morreram aproximadamente 20 milhões de pessoas. Incluindo vários tipos de outros conflitos, pereceram desde 1945 entre 100 e 150 milhões 19
de pessoas. E ainda: nesse período tivemos somente 26 dias de paz, se considerarmos somente guerras entre nações. Se incluirmos outras categorias de conflitos, chegaríamos à conclusão de que não houve, na verdade, um único dia de paz no mundo. A estatística histórica fala em cerca de 3.500 grandes guerras e cerca de 10.500 conflitos menores desde 3600 a.C, totalizando cerca de um bilhão de mortes diretas. Isso nos leva a concluir que a guerra tem sido um estado natural de relações humanas em várias regiões do globo. Por tudo isso, a paz tem sido objeto de inúmeras disciplinas acadêmicas e iniciativas políticas, culturais e religiosas variadas. Fala-se hoje em educação para a paz, comunicação para a paz, resolução de conflitos, comunicação intercultural e em jornalismo da paz. São inúmeras as iniciativas promovidas pela Unesco, igrejas, ONGs, escolas e universidades sobre essa temática. O fundamento de todas elas é o mesmo: assim como a palavra pode incitar o ódio, também pode promover e estimular a tolerância. É com a palavra que construímos os mapas mentais. Tais estereótipos e preconceitos são a ante-sala do comportamento. Com palavras empunhadas, lançamo-nos ora na guerra que mata e ora na luta por uma cultura da paz e a solidariedade. Sabemos todos que cultura é um tipo de software da mente que nos condiciona a certas predisposições e atitudes. Fisicamente, a humanidade é idêntica nos seus atributos básicos. Mas o “programa” que roda em nossa mente é o que nos diferencia. Cultura por isso passa a ser fator de disputa geopolítica. As correntes variadas disputam entre si sobre o sentido e o significado das ocorrências, sobre o que é sagrado e o que é profano, sobre o que vale a pena lutar, vivenciar e morrer. Em suma, a palavra e as idéias são poderosas e com elas e em torno delas lutase como numa guerra de trincheira pela alma dos indivíduos. O autor é professor de Comunicação na PUCRS em Porto Alegre (RS)
20
Mídia alternativa: novo horizonte A comunicação no Brasil é controlada por poucas redes privadas que chegam a 97% dos lares. Enquanto isso, os meios de comunicação alternativos permitem que a sociedade crie identidade própria. Paula Oliveira
M
UITAS PESSOAS AINDA TÊM A COMpreensão de que os grandes meios de comunicação produzem uma única verdade sobre a sociedade. Criam conceitos e paradigmas dessa grande mídia como meio exclusivo de informação e conhecimentos. Segundo relatório produzido pelo Instituto de Estudos e Pesquisa sobre Comunicação (Epcom), a comunicação brasileira está centralizada nas mãos de poucos – um funil de comunicação –, pois é controlada por poucas redes privadas, que administram emissoras de rádio, TV, jornais diários e revistas, alcançando cerca de 97% dos lares brasileiros. Mas, enquanto a mídia tradicional pratica pedagogias e nos diz como as coisas não são e como elas devem ser, outras formas de comunicação surgiram naturalmente com a necessidade de falar com as comunidades, bairros, classes sociais marginalizadas, instituições ou até empresas com interesses e necessidades diferentes, que a grande mídia não abastece. Essas são as mídias alternativas, pequenos veículos de comunicação que oferecem mensagens como uma ferramenta de educação e cidadania. São mídias que não se encaixam dentro do padrão tradicional comum no mercado e falam com essa população, influenciando a opinião pública ali onde ela atua.
Voltando no tempo, a concentração da mídia teve origem nos anos 1960 (período da ditadura militar), quando os interesses comerciais, industriais e políticos sempre predominaram sobre os interesses das comunidades. Naquela época, já existia a mídia alternativa. O jornal O Pasquim marcou época. Em plena ditadura, foi um instrumento de combate à censura, utilizando o humor e a inteligência. Esse jornal tinha uma equipe de primeira: Paulo Francis, Tarso de Castro, Ziraldo, Millôr Fernandes, Henfil, Ivan Lessa, Ferreira Gullar, Flávio Rangel e muitos outros. Admiráveis tempos. Sim. Tempos admiráveis também na opinião do jornalista Fernando Amaral, que atualmente é apresentador da TVU em Natal (RN) e afirma que as revistas e jornais alternativos “nasceram” com o ideal de democratizar a informação e seu maior sonho era abrir espaço para os “excluídos” das páginas dos grandes veículos. “Nos momentos de crise e de repressão, a mídia alternativa tornou-se um foco de resistência. Suas publicações desnudaram autoridades, contestaram as informações oficiais e colocaram contra a parede os grandes jornais submissos e passivos”, afirma Fernando. A mídia alternativa continuou a crescer mesmo após o fim do período autoritáNOVOLHAR – Setembro/Outubro 2008
Fala o que a imprensa
cala José Nedir, Michele, Antonio Carlos, Jéferson André, Reinaldo e Gilmar JORNAL BOCA DE RUA NASCEU
O
no dia 12 de agosto de 2000 para lutar contra a discriminação da sociedade e também para que as pessoas saibam o que a imprensa não conta. Começou na Praça do Rosário, depois na Redenção, no Bandejão Popular e agora no Restaurante Popular. Em fevereiro de 2003 nasceu o Boquinha, editoria infanto-juvenil, cheia de arte, criatividade e imaginação. Nesses oito anos, quem é integrante do jornal sentiu como é ser tratado como ser humano. Porque quando lêem nossas histórias, as pessoas compreendem que não somos só drogados e ladrões; sabemos dizer muitas outras coisas além de desaforos e palavrões. Nós precisamos respeitar nossos clientes e todas as pessoas quando vendemos jornal na rua. Não é isso que queriam de nós? Nós também queremos a mesma coisa. Mas ainda sofremos agressões verbais e físicas por parte de algumas pessoas e, principalmente, da polícia. Muita, mas muita gente mesmo, já leu nosso jornal. São oito mil exemplares a cada três meses, e cada um deles é lido por umas quatro pessoas. De modo que são mais de 30 mil pessoas. E não é só aqui em Porto Alegre ou no Brasil. Tem gente do exterior: Argentina, Uruguai e vários países, que estiveram aqui nos Fóruns Sociais Mundiais. O Boca até faz parte de uma rede internacional de publicações de rua (International Network of Street Papers – INSP). Dos 48 veículos dessa rede – que existem em 28 países –, ele é o único feito inteiramente pelas próprias pessoas em situação de rua e de risco social. 22
Os integrantes adultos do Boca também comercializam o jornal (25 por semana ao preço de R$ 1,00, sendo toda a renda revertida para o vendedor). Isso ajuda no sustento. Mas não é só isso. No Boca, as pessoas vão aprendendo. Estimulam-se a leitura e a compreensão do mundo. Tem gente que voltou a estudar, parou ou diminuiu as drogas, e tem gente que conseguiu uma casa também. Fazendo e vendendo o Boca, a gente conversa com as pessoas, recebe atenção, é ouvido, pode expressar-se, dar opinião.
Não tem patrão nem cartão ponto. Cada um faz o seu horário, trabalha onde gosta mais. É um bom trabalho. “Eu vou fazer 33 anos e estou na rua desde os 17. Só quero que a sociedade não me trate com discriminação. Ninguém é bicho. Eu quero ser gente.” (Gilmar) “Eu nem sabia ler e só vivia à base de droga lá na Rodoviária. Um dia, o pessoal do Boca de Rua foi me entrevistar, e eu acabei entrando no projeto. Naquela época, o Boca ainda não era muito conhecido. Várias vezes, eu fui espancado e os seguranças me tomavam o jornal. Hoje não. Esses mesmos passam por mim, e uns até compram. Um deles foi segurança de um encontro (Fórum da Questão Social), onde nós fomos dar palestra, lá na Ulbra, em Canoas. Eu voltei a estudar.” (Ceco) “No Boca, eu recebi incentivo. Me formei na 8ª série e também participo do grupo de rap Realidade de Rua, que gravou um CD. A gente pode apresentar-se na sociedade, não fica de canto. Não precisa ter vergonha porque está em situação de rua.” (Michele) “O Boquinha ilumina as crianças.” (Taís, 13 anos). Os autores são integrantes do jornal Boca de Rua em Porto Alegre (RS)
O mais lembrado O Boca de Rua foi o nome mais lembrado pelos sem-teto da capital em uma pesquisa divulgada este ano pela Prefeitura de Porto Alegre e pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Também já inspirou mais de 30 trabalhos acadêmicos e recebeu, no último mês de junho, um prêmio da International Network of Street Papers (INSP). O projeto foi gestado pela Agência Livre para Informação, Cidadania e Educação (ALICE), organização não-governamental que desenvolve projetos focados no direito ao conhecimento e à comunicação. A proposta é focada na comunicação e não no assistencialismo. Para contribuir com o processo de resgate dos integrantes, a Alice trabalha em rede com os organismos públicos, entidades e Ongs. Atualmente, todos os menores de 16 anos estão vinculados às famílias, com moradias fixas e matriculados na escola. Eles não vendem o jornal. A equipe multidisciplinar conta com oito técnicos, 30 comunicadores adultos e 18 crianças e adolescentes. A sustentação econômica é garantida por meio de parcerias ou financiamentos firmados com fundações, instituições, empresas e doadores individuais. Além do jornal, os participantes participam de oficinas que trabalham com outras linguagens de comunicação, já tendo produzido dois documentários, a exposição fotográfica “Faces da Rua” e o livro “Histórias de Mim”. Apesar da longa caminhada, o Boca continua crescendo e se reinventando como um organismo vivo em busca de sobrevivência e evolução. NOVOLHAR – Setembro/Outubro 2008
O Jornal Evangélico assumiu importância básica no esforço pela unidade, superando regionalismos. Mesmo assim, ainda havia espaço para jornais regionais, que atendiam melhor as necessidades regionais. Em termos de “pequena imprensa”, a IECLB sempre foi muito rica. Segundo o atual pastor presidente da IECLB, P. Dr. Walter Altmann, “após a reestruturação da IECLB, houve uma multiplicação de veículos de imprensa escrita”. Todos os 18 Sínodos dispõem hoje de seu próprio veículo de comunicação. Um dos mais antigos em circulação é O Caminho, dos Sínodos Vale do Itajaí e Norte Catarinense. Como esses veículos foi incrementada a comunicação interna na igreja. Mas “permanece o desafio de maior coordenação entre esses jornais e o Jornal Evangélico Luterano”, reconhece Altmann. O pastor presidente lembra também que hoje “a IECLB dispõe de uma assessoria de imprensa, em tempo parcial, para a divulgação de notícias e posicionamentos ao público interno e externo da igreja”. Mas a IECLB “carece ainda, em boa medida por limitação de recursos, de uma política mais abrangente e integrada na área de comunicação, mas é grata pelas expressões de vitalidade e criatividade na comunicação existentes em seu meio”. Enfim, vários outros segmentos na IECLB já tinham ou ainda mantêm seus próprios veículos. Alguns mais sofisticados, outros mais modestos. Mas muitos desapareceram. Há um que resistiu ao tempo. É O Amigo das Crianças, editado pela Editora Sinodal e o único veículo infantil de circulação nacional, que este ano completa 71 anos. Uma publicação bem mais nova é a revista Novolhar. Produzida pela Editora Sinodal em convênio com a IECLB, Novolhar surgiu no final de 2003. Com sua criação “foi possível atender, com qualidade, uma antiga expectativa de que a IECLB dispusesse de uma revista ágil, informativa e crítica relacionada a temas candentes hoje”, frisa Altmann. O autor é jornalista em São Leopoldo (RS)
24
A vida dos outros Marcelo Schneider
P
ARTAMOS DO PRINCÍPIO DE QUE A IN-
formação é um fato que passa pelo filtro do interesse público e que se encaixa na intersecção entre o que de fato acontece e o que efetivamente interfere na vida da sociedade. Essa fórmula, no entanto, vem sendo desvirtuada por outro tipo de motivação, de dinâmica muito mais simples, baseada na especulação da vida daqueles que se convencionou chamar de celebridades, sejam elas de maior, menor ou nenhuma envergadura. Não raro, o simples fato de ser observados transforma anônimos em celebridades, como se a vara de condão do interesse público os tocasse e suas vidas passassem a ter sentido. Para começar a entender essa nova dinâmica, precisamos aproximar-nos dos faits divers: notícias diversas, catástrofes, acidentes ou casos de polícia. São, enfim, assuntos do cotidiano que despertam nossa curiosidade, mas que não necessariamente trazem consigo grande relevância. Apesar de seu caráter corriqueiro e de sua importância duvidosa, a partir do momento em que parte da imprensa percebeu o impacto que pode haver por trás do atropelo do interesse público em nome da curiosidade sobre a vida privada, os faits divers passaram a constituir um filão considerável do mercado de imprensa atual. A dinâmica da fofoca, no entanto, respeita algumas regras. É preciso uma articulação entre dois termos; o simples não é notável. Um acidente de trânsito, um banho de piscina ou uma bala perdida são ocorrências que não justificariam por si os faits divers. Mas se, por exemplo, o personagem envolvido no acidente for um cantor de relativo sucesso no passado, se o banho de piscina for o primeiro de uma atriz depois da cirurgia plástica ou se a bala perdida atingir um jogador de futebol, os faits divers estarão lá para cumprir seu papel, sempre com uma nota de espanto, ansiosos por uma boa repercussão. É interessante notar que o conteúdo noticia-
do pode ser bom, ruim ou carente de qualquer significado: “Ronaldo é flagrado com travestis”, “Gêmeos de Angelina Jolie nascem com saúde” ou “Mulher Melancia passeia de bicicleta em Copacabana”. Se existe a indústria da fofoca, é porque existem consumidores para os “produtos” por ela oferecidos. Mas, afinal de contas, qual seria, a rigor, esse tal “produto”, visto que, nesse filão jornalístico, o fato, que é uma das categorias essenciais na elaboração de uma notícia, sumiu? Se considerarmos o simples fato de que as celebridades são notícia em si, a explicação para o sucesso da indústria da fofoca residiria no aspecto psicológico que nós, simples anônimos, projetamos em relação à vida de riquezas e prazeres supostamente usufruídos pelas celebridades. Ter a possibilidade de ver sem ser visto, de observar a vida do maior número possível de pessoas sem ter que passar pela avaliação dos outros é uma tentação difícil de ser evitada. A fórmula de programas como Big Brother, por exemplo, obedece e nutre muitas das mesmas premissas e desejos que movimentam a indústria da fofoca. Há algo de instigante no exercício de acompanhar a rotina de um grupo de pessoas confinadas no mesmo ambiente. O fato de estar observado torna o confinado uma celebridade. Princípios éticos como o respeito à privacidade, à integridade moral e aos direitos fundamentais das pessoas deveriam permear também o trabalho da imprensa. Mas se, mesmo assim, estamos diante de uma oferta tão diversificada de informação, devemos distinguir o que agrega conhecimento, que tipo de informação é relevante para a compreensão de nosso papel na sociedade e qual o interesse por trás da divulgação de fatos tão banais da vida de indivíduos. O autor é teólogo e assessor do Moderador do Conselho Mundial de Igrejas em Porto Alegre (RS) NOVOLHAR – Setembro/Outubro 2008
Impresso ou virtual Attilio Ignacio Hartmann
S
ERÁ QUE A HUMANIDADE ESTÁ VIVENDO
uma nova época, uma nova era, uma nova hora? Há correntes que afirmam ser esta a hora do Armagedon, dos anjos do apocalipse, da catástrofe final. Há outras que dizem exatamente o contrário: a humanidade estaria entrando em sua mais esplêndida hora, com progressos jamais imaginados na medicina, na tecnologia, especialmente na área da informática, na economia, no conhecimento, na informação. Televisão e internet seriam o lugar onde essa nova hora da humanidade teria o seu habitat e carta de cidadania. Para conservar um mínimo de objetividade nessa hora, é preciso confiar, desconfiando. “Um olho no pastor, outro no culto... um olho no padre, outro na missa”, lembra jocoso dito popular. E a sabedoria popular ajuda-nos nesse comentário sobre o papel da imprensa nessa nova hora. Ou a imprensa já cumpriu o seu papel e passa para a história?
WWW.NOVOLHAR.COM.BR
Aqui cabem algumas perguntas: A informação impressa entra, naturalmente, em guerra de exclusão com os noticiosos da televisão? Ou são irmãos siameses que se necessitam e complementam naturalmente? E o rádio não entraria nessa “fraternidade complementar” também? O que acontece com quem exclui a imprensa, a televisão e o rádio como fontes de informação e busca alimentar e suprir suas necessidades informativas e de conhecimento somente na internet? Não tenho respostas, apenas intuições. E para conservar muita calma nesta hora, é útil, bom e salutar dar um pouco mais de credibilidade às intuições. Nosso velho e ainda confiável Marshall McLuhan classifica as mídias entre meios “quentes” e “frios”. Para ele, e desconfio que tenha razão, a mídia impressa é um meio “quente”, leva à introspecção, faz do leitor “sujeito” do diálogo comunicativo (P. Freire). Parece ter razão quem diz que quem lê viaja mais e para muito mais longe. A leitura conduz a pessoa para dentro de si, onde o desejo se torna infinito e alimenta os principais sonhos humanos. Para o mesmo McLuhan, as mídias eletrônicas em geral, especialmente a televisão, seriam meios “frios” porque transformariam a pessoa num consumidor estático e acrítico de informações. Essa atitude estática e acrítica seria uma das principais fontes da imbecilização individual e coletiva. Nesse sentido, estaria sendo gestada uma subcultura de imbecis do vídeo, para quem a tela, pequena, média ou grande, é
a única janela pela qual as pessoas vêem o mundo, próximo ou distante. Nessa subcultura, a dependência vai criando uma subespécie humana, os videopatas, que fazem a “felicidade econômica dos terapeutas da alma e do coração”. Muita calma nesta hora, para que a comunicação eletrônica e virtual, onde há pouco ou nenhum calor humano, possa construir uma espécie de cyborg, um misto de gente e máquina. Os muitos filmes de ficção, com público sempre garantido, não são mais tão ficção assim. O contato humano, as relações sociais, o celebrar presencial dos fatos que fazem nossa vida ainda parecem ser imprescindíveis para o amadurecimento da criança, do jovem e das pessoas de todas as idades. Muita calma, então, nesta nova hora humana: as mídias, todas elas magnífico invento da capacidade criativa do homem, exigem um público que saiba hierarquizar a informação que recebe. Os noticiosos de televisão oferecem pouca chance para a reflexão e, por isso, podem tornar-se alienantes e geradores de estresse e insegurança. A mídia impressa certamente propicia mais oportunidade e tranqüilidade para refletir sobre as informações que nos traz. Como meio “quente”, ela tem mais chances de humanizar relações. É isso o que, finalmente, todos queremos. Ou não?! O autor é jornalista, professor e comunicador em Porto Alegre (RS)
25
Internet: caminho de mobilização Jovens latino-americanos debatem a cidadania digital como nova forma de expressão. Segundo eles, a internet está se tornando cada vez mais uma ferramenta poderosa não só para o trabalho e o estudo, mas também para a mobilização social.
N
A MÍDIA E EM MESAS DE BAR, A
internet é apontada com freqüência como a grande vilã de crimes e fim de relacionamentos. Porém essa tecnologia, como tantas outras, pode ser usada de variadas formas. Em si mesma ela não é “boa” nem “má”. Afinal, quem manda nela é o ser humano. No Encontro de Jovens Comunicadores da Organização Católica Latinoamericana e Caribenha de Comunicação (OCLACC), realizado no Panamá em maio deste ano, o tema “Novas Expressões de Cidadania na Rede: Cidadania Digital” motivou comunicadores, pesquisadores e estudantes da área, de diferentes países, a analisar, refletir e intercambiar experiências a partir de sua prática e de seus conhecimentos. Nesse evento, percebeu-se que a internet está se tornando, cada vez mais, uma ferramenta poderosa não só para o trabalho e o estudo, mas também para a mobilização social. Atualmente, a tendência é que a grande rede se torne cada vez mais um espaço de interação, sociabilidade e produção do conhecimento. “Ser digital é mais do que uma mudança de interfaces; as comunidades digitais, seus membros, seus espaços físicos fora do tempo e de lugar têm violentado a estrutura planetária da comuni-
26
Panamafoto
Silvana Isabel Francisco
cação”, assinala Jorge Hidalgo, professor e pesquisador mexicano, animador de redes sociais e comunidades virtuais. Ele explica que o velho modelo de “um a muitos”, marcado pela comunicação predominantemente hierarquizada, pouco interativa e de autoridade predeterminada, tem sido substituído pelo modelo “um a um”, marcado pelo contato pessoal, de forma livre, na qual a conversação e a retroalimentação marcam o conteúdo. Eufrásio Abrego, comunicador panamenho especialista em novas tecnologias, destaca: “a internet na vida diária é algo indispensável, embora ainda não se apro-
Eufrásio Abrego, comunicador panamenho especialista em novas tecnologias.
A internet é indispensável, embora ainda não se aproveite todo o seu potencial como ferramenta de uso laboral ou de estudo.
participantes do Encontro de Jovens organizado por Organiza
veite todo o seu potencial como ferramenta de uso laboral ou de estudo”. Eufrásio destaca que a velocidade com a qual se desenvolve a tecnologia de comunicação faz com que tenhamos novas aplicações ou programas que permitam mais a interação com o usuário, entre usuários e, sobretudo, a criação de conteúdos para a rede. Ele afirma que uma das tendências dos cidadãos é a “busca de sites e comunidades nas quais se compartilham interesses, tais como Orkut, Facebook, Hi5, Myspaces, entre outros”. Catalina Mier, jornalista e professora da Universidade Politécnica Particular de Lojas, Equador, comenta: “Em nossa universidade, aproximadamente 20 mil docentes e estudantes usam as novas tecnologias por meio de blogs, canais no You Tube, canais ao vivo, podcasts, ambientes virtuais de aprendizagem, entre outros”. Justo López, secretário executivo da Comissão Centroamericana de Meios, em Honduras, aponta várias redes em seu país, entre elas a Red de Desarrollo Sostenible (RDS). “Esse é um dos fóruns em meu país que mais tem influenciado na formação de um pensamento crítico construtivo”, afirma NOVOLHAR – Setembro/Outubro 2008
Miguel Millar, jornalista e especialista em Comunicação Estratégica para a Mobilização Social
Trabalhos com rádios e líderes, reunindo as diversidades para abrir o diálogo, entre outras ações.
ção Católica Latinoamericana e Caribenha de Comunicação (OCLACC).
López. Foi idealizado por um grupo de jovens universitários que, em 2005, lançou uma convocação virtual a milhares de usuários em nível nacional para que opinassem e propusessem soluções para os grandes temas sociais que afetam o país, especialmente os jovens, como por exemplo a violência, a narcodelinqüência, o fortaleci-
WWW.NOVOLHAR.COM.BR
mento da identidade nacional, a pobreza, a participação política, entre outros, provocando impacto na tomada de decisões de muitos trabalhadores, sobretudo na área rural. Essa rede também veicula diariamente oportunidades de emprego e avisos classificados, nos quais se pode comprar e vender a bons preços.
Miguel Millar, jornalista e especialista em Comunicação Estratégica para a Mobilização Social, conta a experiência do site www.findemundo.cl, promovendo o protagonismo de atores sociais, tradicionalmente excluídos, envolvidos no desenvolvimento de suas próprias problemáticas, necessidades e aspirações coletivas. É um trabalho conjunto que se realiza com a colaboração da internet e de diversas rádios locais do Chile por meio de coordenação com outros países da região. “Realizam-se trabalhos não somente com rádios católicas, rádios comerciais e redes radiofônicas da América Latina, mas também com líderes em conflito, reunindo as diversidades para abrir o diálogo, entre outras ações”, conta ele. A autora é jornalista em Brasília (DF)
27
Memória
Passado, presente e futuro de Che Gevara
Fotos: Korrales/Korda
A reconstrução cada vez mais minuciosa das ações e idéias do Che o apresenta como alguém altamente contraditório. Mas sua abnegação não pode ser apagada pelos ataques tendenciosos que desprezam os aspectos positivos de sua vida e obra. Leopoldo Cervantes-Ortiz Ernesto “Che” Guevara, antes de sair de Cuba
A
PÓS 41 ANOS DA MORTE DE ERNESTO
Guevara de la Serna, o médico argentino que acreditava cegamente na revolução e na possibilidade de mudar as estruturas sociais nos contextos mais inimagináveis, ninguém discute que ele se transformou num dos maiores ícones da década de 1960. Sua figura, estampada nas roupas de jovens e nas bandeiras de movimentos reivindicatórios mundo afora, representa a força com que a idéia latinoamericanista se impôs em amplos setores sociais, dominados por uma profunda
insatisfação em relação à situação de nossos países. Há uma década, quando seus restos mortais foram levados da Bolívia para Cuba, reacendeu-se o debate se seu mito contribuía para manter vivas as esperanças numa transformação que continua sendo adiada indefinidamente, ao que parece. Os diversos setores que votaram a favor de regimes de centro-esquerda impacientamse com freqüência e tendem a radicalizar, vêem com bons olhos os governos de Hugo Chávez e Evo Morales, mas desa-
provam Lula. É como se algumas intuições do Che se cumprissem, mas apenas parcialmente, pois as novas lideranças não necessariamente aplicam receitas transformadoras devido à pressão dos centros financeiros internacionais. Os biógrafos de Guevara concordam que sua vida teria seguido um rumo bastante imprevisível se ele tivesse sobrevivido. Certo é que a reconstrução cada vez mais minuciosa de suas ações e idéias o apresenta como um ser humano altamente contraditório, que assumiu a violência,
FLASHES DO MITO “CHE” (Esq.) O embaixador, no Instituto para a Reforma Agrária (1959); (Dir.) Com sua filha Hilda (Havana, 1960), fumando seu cubano (1958), no palanque com Fidel discursando e na montanha.
34
NOVOLHAR – Julho/Agosto 2008
senão como uma forma de vida, certamente como um instrumento inevitável para a conquista mesmo parcial de seus objetivos. Mas, sua abnegação e a entrega de seu tempo à causa que o obcecava não podem ser apagadas pelos ataques tendenciosos que desprezam os aspectos mais positivos de sua vida e obra. O teólogo argentino José Míguez Bonino apontava que as figuras lendárias do continente (Villa, Zapata, Martí, Sandino) contêm um potencial mobilizador que foge aos planos e projetos dos burocratas ou das lideranças partidárias. O próprio Fidel Castro não sabia como lidar com a figura de Guevara. Ao ser “elevada aos altares” revolucionários, seu controle escapa das mãos daqueles que administram seu legado. Além disso, a postura violenta do Che sempre provocou um mal-estar entre os historiadores religiosos. Agora que se fala tanto do “declínio” das teologias libertadoras latino-americanas é o momento adequado para fazer uma autocrítica da forma como essas teologias conseguiram estar à altura das esperanças descumpridas dos povos do continente. As sociedades periféricas, cada vez mais secularizadas e invadidas pelo uso generalizado das novas tecnologias, exigem as mesmas respostas a perguntas formuladas há 30 ou 40 anos. A desigualdade e a submissão dos governos às regras dos bancos internacionais têm novas faces e expressões, que
WWW.NOVOLHAR.COM.BR
Havana, Cuba, 1960 – A fotografia era hobby de Che
ultrapassam as expectativas dos anos heróicos do passado e exigem que o aparente boom de governos progressistas responda conseqüentemente a suas transformações ideológicas e culturais. Há dez anos, o filósofo chileno Helio Gallardo criticava a forma como os inimigos de Che, da revolução cubana e de tudo o que cheira a socialismo estavam difundindo a figura de Guevara, com o objetivo de teleguiar as mentes dos diversos grupos sociais. Ante tais reações, as perspectivas emancipatórias exigem contingentes informados e atentos às reacomodações das classes políticas e à forma como canalizam as esperanças de grupos desprotegidos, aqueles por quem no final
das contas levantaram-se pessoas como Che. Os beneficiários de seu legado ideológico e cultural devem responder historicamente às exigências das pessoas que ainda não recebem os benefícios tão alardeados da globalização galopante. Algo que também esteve em jogo desde os dias de Che é o futuro das utopias e sua ressignificação para formar movimentos que efetivamente sejam capazes de transformar a opressão e a marginalização. O autor é presbiteriano, escritor e professor de teologia e editor no México (Fonte: Signos de vida, nº 46, dezembro de 2007)
35
Ernesto Jacob Keim
PRENSA: Preparada com xilogravuras de Cranach, a prensa da época multiplicou os textos da Reforma
Descobriu que isso se devia ao fato de seus habitantes serem alfabetizados e estarem em condições de debater e questionar o que lhes era dito por cléricos e autoridades. O fato levou o reformador a propor uma escola ao lado de cada igreja, para ensinar a ler e escrever e a interpretar os textos sagrados, que eram equivalentes ao código civil em vigor na época. Para afirmar sua autoridade, a Igreja de Roma iniciou a construção da basílica de São Pedro, financiada com a venda de indulgências. Ao buscar nas Escrituras o suporte que justificasse tal prática, Lutero se convenceu que a salvação era um bem estendido a todos e que não há instâncias intermediárias entre Deus e os homens. Tal certeza levou Lutero às 95 teses, condenando a prática de Roma. Lutero, que atuava como líder no enfrentamento das autoridades eclesiais, era professor na Universidade de Wittenberg, onde se uniu ao professor humanista Philipp Melanchthon, que deu suporte teórico a suas teses e reflexões. Em torno da Universidade de Wittenberg foi se aglutinando um núcleo de gente prenhe de novas idéias inspiradas no Humanismo, que tinha forte influência na vida cultural da cidade universitária. A nova universidade, fundada em 1502, atraiu também, em 1505, um terceiro membro para este grupo: o pintor e artista gráfico Lucas Cranach, que também era dono de uma prensa em Wittenberg. Cranach 40
deu suporte logístico à revolução que se iniciava ali. Ele já vinha influenciado pelo Humanismo a partir de suas ligações com o movimento na Universidade de Viena,
Os ideais da Reforma também foram trabalhados em xilogravuras de humor ferino, como esta que retrata o Papa. A arte de Cranach tem o título “O Burro Papal de Roma”.
onde produziu suas primeiras pinturas famosas. Lucas Cranach tornou-se amigo e tinha um relacionamento muito estreito com Lutero, a ponto de ter sido testemunha de casamento e padrinho do seu primeiro filho. Durante o ano de 1518, Cranach imprimiu um milhão de cópias das 95 Teses de Lutero, que foram distribuídas a todas as moradias alemãs, despertando nas pessoas o interesse e a motivação para se alfabetizarem. Ele tinha a intenção de ampliar as forças que poderiam promover a libertação do povo alemão da tirania a que estava submetido pelo poder de Roma. Mais conhecido por ter sido o único pintor autorizado a retratar Lutero, o artista e empresário atuou ativamente na propagação dos ideais da Reforma, com seus desenhos, caricaturas e quadros que denunciavam, de forma muito expressiva, os aspectos da Igreja Romana criticados pelos reformadores. As ilustrações de Cranach eram esperadas com muita curiosidade pela população ansiosa por mudanças. De crítica ácida e humor inspirado, muitas de suas xilogravuras podem ser comparadas às charges dos jornais dos nossos tempos. Outra ação revolucionária de Lutero, depois de condenado pelo papa e ter aceito a proteção no castelo de Wartburg, foi a tradução do Novo Testamento para o alemão e a escrita de diversos textos que fundamentavam suas posições teológicas e políticas, escritos entre maio de 1521 e março de 1522. Em setembro, com 21 xilogravuras de página inteira feitas por Cranach, foram impressos 100 mil exemplares do Novo Testamento, que em reedições até 1546 chegou a 200 mil exemplares. As cópias foram impressas por Cranach em suas oficinas e distribuídas às famílias em fascículos por capítulo, para serem lidos e debatidos com os vizinhos. Depois de 12 anos esses fascículos foram encadernados e entregues a grupos de famílias que compartilhavam os livros. Professor e doutor em Educação, coordenador do curso de Mestrado em Educação da FURB, em Blumenau (SC) NOVOLHAR – Julho/Agosto 2008
Espiritualidade
Sacerdócio geral, uma tarefa permanente Lutero salientava que “cada cristão tem a palavra de Deus e foi instruído e ungido por Deus para ser sacerdote”. Em outras palavras, todos os cristãos têm o direito e o dever de testemunhar sua fé na igreja e na sociedade. Mário Francisco Tessmann
A
PÓS TER CHEGADO À CONCLUSÃO
Nobreza Cristã da Nação Alemã”, como a igreja se protegia de qualquer forma de indagação, criando em torno de si três muros, em princípio considerados intransponíveis. Lutero apresenta neste texto suas idéias fundamentais do sacerdócio geral de todos os cristãos. Esta concepção do sacerdócio foi apresentada pelo reformador também em diversos outros textos. Mas o que vem a ser sacerdócio geral de todos os cristãos? A esta pergunta, Lutero dá uma resposta simples: Não há mais necessidade da figura de um sacerdote institucional para fazer a mediação entre Deus e os seres humanos. A condição sacerdotal e espiritual de todos os cristãos dispensa a presença de qualquer sacerdote institucional. Todos os que crêem têm livre acesso a Deus por intermédio de Jesus Cristo, possuem todos os bens do Evangelho, e podem agir perante os outros como sacerdotes, pronunciando o perdão dos pecados, quando for necessário.
Teólogo e professor da Faculdade de Teologia Evangélica FATEV em Curitiba (PR)
Steve Woods
que o ser humano é salvo exclusivamente pela fé, o reformador Martim Lutero começa a tirar desta descoberta as conseqüências para vários pontos de sua teologia. Entre as re-definições que ele realiza, entra a compreensão de Igreja, termo este que Lutero procura evitar o máximo em função das idéias equivocadas que esta palavra gerava em sua época. Lutero fala preferencialmente de comunidade, ao invés de igreja. Desde 1519, Lutero advoga a idéia de que a organização da igreja, no seu modelo hierárquico, é oriunda do direito humano, e não do divino. Esta visão carrega consigo um potencial crítico, que gradativamente põe em cheque o jeito de ser igreja até então. Além de questionar a origem divina da estrutura eclesiástica, o reformador mostra no ano seguinte, no livro “À
De que forma, no entanto, Lutero fundamenta a sua visão de sacerdócio geral? Ele afirma que através do batismo todos os cristãos são ordenados sacerdotes. Lutero pode, além disto, apelar apenas para a fé como o fundamento do sacerdócio geral, como aconteceu em mais de uma ocasião. Logo, não se pode dizer simplesmente que para Lutero apenas o batismo é a base do sacerdócio geral. A fé é tão, ou mais indispensável, que o batismo como fundamento do sacerdócio. Isto não deve gerar estranheza, pois o reformador passou a sua vida lutando contra o sacramentalismo mágico reinante em sua época. A partir desta concepção, Lutero salienta que “cada cristão tem a palavra de Deus e foi instruído e ungido por Deus para ser sacerdote”. Ele tinha aprendido isto das Escrituras. Em outras palavras, todos os cristãos têm o direito e o dever de testemunhar a sua fé, tanto na igreja como na sociedade. O desenrolar das concepções de igreja e ministério após a Reforma no século 16 não favoreceu a implementação do sacerdócio geral. É curioso observar que nos escritos confessionais luteranos e calvinistas o tema do sacerdócio geral praticamente inexiste. Isto mostra que o mesmo não se tornou um postulado indispensável para a organização da igreja, bem como impulso para o exercício da cidadania de todos os cristãos. Esta tarefa ainda está posta, em boa medida, diante de nós.
WWW.NOVOLHAR.COM.BR
41
Stephen Eastop
Penúltima palavra
Capital social versus
terceiro setor Maria Elena Pereira Johannpeter
M
UITO SE TEM FALADO EM CAPITAL
social, terceiro setor, voluntariado, responsabilidade social, marketing social e várias outras expressões. O que elas têm em comum e por que estão despertando tanto interesse? Nas últimas três décadas, fundações, universidades e consultorias têm se empenhado em pesquisá-las e estudá-las com mais profundidade. Por quê? Porque a humanidade está vivenciando uma nova realidade. As pessoas, mais do que as instituições, precisam encontrar novos caminhos para a solução de velhos problemas. Não serão apenas máquinas e tecnologias que solucionarão necessidades humanas. Serão os valores humanos que somarão para a solução dos problemas humanos. Estamos, por conseguinte, falando em capital social. O que é capital social? Robert D. Putman diz que o capital social refere-se aos aspectos da organização social, tais como
42
redes de comunicação, regras e confiança, que facilitam a coordenação e a cooperação para a obtenção de benefícios mútuos. Está falando em confiabilidade, evitando que as pessoas lesem umas as outras. O capital social aumenta os benefícios do investimento em capital material e humano. Esses valores do capital social são inerentes ao ser humano. Somente quando nos distanciamos deles, quando passamos a ver parte e não o todo, é que, como resultado, acontece um grande isolamento, já não existindo mais colaboração. Stephen R. Covey diz que nós seres humanos temos quatro necessidades: viver, amar, aprender e deixar um legado. Como legado, ele certamente não se refere a uma herança material. Deixar um legado está intimamente ligado a uma missão, a parte espiritual que todos nós temos e devemos cultivar, incluindo as empresas. As pessoas precisam sentir que fazem a diferença, desenvolvendo um trabalho voluntário, servindo uns aos outros, con-
tribuindo, aprendendo, compartilhando novas idéias e instruindo indivíduos. Um ambicioso projeto do professor Lester Salamon, realizado pelo Centro de Estudos da Sociedade Civil, da Universidade Johns Hopkins (EUA), orienta para melhorar o conhecimento básico sobre as dimensões do terceiro setor e ressaltar sua importância no contexto econômico. O projeto busca responder algumas perguntas a respeito do terceiro setor: (1) Quais são seu alcance, sua estrutura e fonte de ingressos e como varia de país para país? (2) Quais são os fatores que determinam as diferenças presentes em tamanho, estrutura e ingressos entre suas instituições em diversos países? Quais fatores parecem promover ou retardar seu desenvolvimento? (3) Que impacto têm essas entidades? Quais são suas contribuições especiais? Além das informações recebidas desse estudo, verifica-se que em todos os segmentos, desde o social, passando pelo econômico-financeiro e humano até o ensino, todos estão pesquisando com muita profundidade o que é esse novo ator que está se apresentando, o qual se chama de terceiro setor e que é, com muita certeza, um parceiro tanto do primeiro (governo) como do segundo setor (empresas-mercado). O terceiro setor, que é a sociedade civil organizada, mostra o grau de capital social que um país possui e o quanto os valores e princípios norteadores de uma comunidade conduzem a resultados de qualidade de vida para todos. As comunidades não se tornaram cívicas por serem ricas. A história mostra o oposto: elas enriqueceram por serem cívicas. O capital social é um recurso cujo estoque, quanto mais usado, mais aumenta. Portanto a abordagem do capital social pode ajudar-nos a formular novas estratégias de desenvolvimento. O capital social, incorporado a normas e redes de engajamento cívico, parece ser um pré-requisito para o desenvolvimento econômico, para um governo eficaz e especialmente o social. A autora é presidente executiva (voluntária) da ONG Parceiros Voluntários em Porto Alegre (RS) NOVOLHAR – Setembro/Outubro 2008