O pão nosso de cada dia - Revista Novolhar, Ano 6, Número 24, Novembro e Dezembro, 2008

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Ao leitor

Revista bimestral da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil-IECLB, editada e distribuída pela Editora Sinodal CNPJ 09278990/0002-80 ISSN 1679-9052

Diretor Walter Altmann Coordenador Eloy Teckemeier Redator João Artur Müller da Silva Editor Clovis Horst Lindner Jornalista responsável Eloy Teckemeier (Reg. Prof. 11.408) Conselho editorial Clovis Horst Lindner, Eloy Teckemeier, João Artur Müller da Silva, Leslie Dietrich, Marcelo Schneider, Marguit Goldmeyer, Ricardo Fiegenbaum, Vera Regina Waskow e Walter Altmann. Arte e diagramação Clovis Horst Lindner Criação e tratamento de imagens Mythos Comunicação - Blumenau/SC Capa Arte: Roberto Soares Impressão Gráfica e Editora Pallotti Colaboradores desta edição Carine Fernandes, Carlos Artur Dreher, Carlos Walter Winterle, Claus Schwambach, Edelberto Behs, Frei Betto, Hélio Musskopf, Irene Margarete Höhn, Karen Bergesch, Lídia Winterle, Maria Salette Kreutz, Martin Norberto Dreher, Orlando Eller, Paula Oliveira, Paulo André Klarmann, Rui Bender, Sharlene Leber, Tânia Cristina Weimer e Werner Ewald.

Publicidade Editora Sinodal Fone/Fax: (51) 3037.2366 E-mail: editora@editorasinodal.com.br Assinaturas Editora Sinodal Fone/Fax: (51) 3037.2366 E-mail: novolhar@editorasinodal.com.br www.novolhar.com.br Assinatura anual: R$ 25,00 Correspondência E-mail: novolhar@editorasinodal.com.br Rua Amadeo Rossi, 467 93030-220 São Leopoldo/RS

Pães e bocas

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M BREVE, SEREMOS SETE BILHÕES DE BOCAS

humanas no planeta Terra. Pelo menos uma vez ao dia, cada uma delas vai se abrir em busca dum naco de um dos alimentos mais antigos da humanidade: o pão. É um dos mais ricos e diversificados também. O pão é tão versátil, que aceita qualquer mistura; “até com serragem ele fica gostoso”, disse alguém durante a reunião de pauta da revista. Pena que haja mais bocas do que pães. Não que faltem os ingredientes. O que falta nessa mistura são a solidariedade, o respeito pelo outro e o amor; acima de tudo, o amor. A fome em meio à fartura planetária é uma chaga e uma vergonha para todos nós. Ainda me lembro com saudades do tratamento amoroso dispensado por minha mãe à massa do pão, que ela deixava passar entre seus dedos centenas de vezes, antes de colocá-la para descansar. O inconfundível aroma que saía do pão fresquinho, quando era retirado quentinho do forno a lenha, é uma das lembranças olfativas mais fortemente gravadas em minhas lembranças. Os autores e as autoras empenharam-se em passar a você, leitor, o imenso prazer que envolve o saudável hábito de comer o pão nosso de cada dia. O resultado é uma revista saborosa, mas que também nos faz refletir sobre a amplitude do tema em seus aspectos nutricional, social e teológico.

Neste período de Advento, que já traz consigo as luzes do Natal, a Novolhar também oferece uma reflexão sobre a importância desta época para a cristandade. Nas palavras de Frei Betto, é um tempo em que recebemos o humilde Nazareno, que, em sua simplicidade, é o próprio filho de Deus e que não nos permite passar ao largo dos incontáveis nazarenos que encontramos pelo caminho, de mãos estendidas e semblante que implora, muitas vezes simplesmente esperando o gesto solidário de quem é capaz de repartir um pedaço de pão... só um pedaço de pão. Equipe da Novolhar


ANO 6 - NÚMERO 24 - NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2008

CAPA 12 O PÃO NOSSO DE CADA DIA Esse alimento, que se mistura à história da humanidade, é símbolo de confraternização e partilha 15 Uma das principais fontes calóricas Um dos alimentos mais consumidos do mundo, o pão é fonte rica em energia, revigorando corpo e espírito

18 Algumas receitas de pão Pão de queijo, pão de inhame, pão de milho, pão de aipim...

19 Milhabrout pomerano O Brote é uma receita de pão muito particular, transmitida de geração em geração pelos pomeranos capixabas. Ele é produzido segundo um ritual passado de mãe para filha

20 O português e o pão francês Em São Paulo, onde se come um dos melhores pães franceses produzidos no Brasil, a tradição é um negócio de português... de pai para filho

22 Atalho para derrotar a fome

O pinião do leitor Presente para jovens A Paróquia de Schroeder (SC) resolveu presentear os confirmandos deste ano com a assinatura da revista Novolhar. São 31 jovens. A paróquia já tem algumas assinaturas com data de renovação no início do ano. Para facilitar a renovação, existe a possibilidade de fazer as 31 assinaturas terem sua renovação junto com as outras? Norival Mueller – por e-mail Schroeder (SC)

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A fome ainda é um dos maiores flagelos da humanidade. A desnutrição crônica provoca a maior parte das mortes entre os mais pobres no mundo inteiro

24 Incomparável pão partilhado Uma interpretação da Eucaristia a partir da canção “Por um pedaço de pão”, do padre Zezinho

25 Vida digna Segundo Lutero, pão é uma metáfora para todas as necessidades da vida digna

26 Fonte de renda e cidadania A Oficina do Pão, em Porto Alegre, prepara jovens carentes para o mercado de trabalho, ensinando-lhes a profissão de padeiro e confeiteiro NOVOLHAR – Novembro/Dezembro 2008


OUTROS ASSUNTOS

37 Cultura A língua de Cristo, o aramaico, está em extinção

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Espelhos Na academia celeste: Joachim Fischer, um historiador entre os sábios

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Reflexão Pão abrange todas as dádivas necessárias para manter as pessoas e o mundo

10 Notas ecumênicas Muçulmanos e cristãos têm história comum A missão é o carro-chefe da IECLB Kobia pede fim de ataques na Índia

28 Diário de viagem

38 Conto Haveria um Salvador para as “pastoras da noite”?

40 Espiritualidade Basta olhar em volta e perguntar que importância damos aos atuais nazarenos

42 Penúltima palavra Os princípios do desenvolvimento sustentável são três R’s: reduzir, reutilizar e reciclar

PRÓXIMA EDIÇÃO

Uma arriscada atividade em meio à violência na fronteira agrícola do Pará

30 Profissões Um ferreiro que exerce sua atividade há cinco décadas

31 Comportamento

A DANÇA E A MÚSICA A influência da música e da dança na vida das pessoas é o tema da próxima NOVOLHAR. Algumas temáticas a ser refletidas são dança litúrgica, dança sênior, dança de salão, música na igreja e fora dela.

Vitória depende da magnitude das contribuições

32 Depoimento A luta para que pelo menos alguns tenham o “ugali” nosso de cada dia

34 Inclusão social Prática inclusiva pode acontecer na vivência cotidiana

36 Cultura A bossa nova chega aos 50 anos WWW.NOVOLHAR.COM.BR

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Espelhos

O professor e teólogo Joachim Fischer dedicou sua vida a evidenciar a presença da palavra de Deus na história, ensinando e vivendo. Martin Norberto Dreher

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ANSADO DAS MUITAS DISCUSSÕES

teológicas, Felipe Melanchthon, o colaborador de Lutero, disse certa vez que ansiava pelo dia em que, na academia celeste, pudesse assentar-se com Platão, Aristóteles e todos os outros sábios para, sem ofensas, dedicar-se aos grandes temas que nos preocupam. Desde 5 de julho de 2008, Joachim Herbert Fischer também faz parte da academia celeste, na qual Deus reúne seus sábios. Joachim Fischer foi meu professor e colega. Mais do que isso, foi exemplo de vida, de impressionante simplicidade. Na primeira lembrança que tenho dele, vejo-o com um ramalhete de flores na rodoviária de minha cidade natal. Estava a caminho de Maratá para visitar a família Graustein. Pouco depois, casou com Ingrid, com a qual teve duas filhas. Joachim nasceu em Falkenau, na Saxônia, em 8 de abril de 1930. Os saxões sempre foram gente decidida. Carlos Magno teve que executar três mil deles até que se curvassem para aceitar o cristianismo. Feitos cristãos, viveram a fé de forma muito sincera. Meu professor e colega teve uma adolescência marcada pelos horrores da guerra e por falta de comida. Por isso não deixava comida no prato; se sobrasse alguma coisa, era guardada para o jantar. Era simples. Estudou Teologia em Erlangen e doutorou-se em Göttingen. Tinha em boa

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Arquivo da Família

Na academia celeste HOMENAGEM: Dr. Fischer ao lado de seu neto ao receber o Honoris Causa na EST

memória seu orientador Ernst Wolf, discípulo de Karl Barth. Do estudo das discussões da Igreja Luterana com o nazismo resultou sua tese de doutorado, mas também a decidida defesa da Declaração Teológica de Barmen (1934), na qual cristãos da Alemanha de Hitler voltaram-se contra a tentativa dos detentores do poder de colocar outro Senhor (Führer) no lugar de Jesus Cristo. O melhor resumo de Barmen está no hino da oposição a Hitler: “Jesus Cristo é Rei e Senhor, seu é o reino e o louvor. É Senhor somente, hoje e eternamente”. Desde 1960 no Brasil, onde atuou na Faculdade de Teologia da Igreja Evangélica de Confissão Luterana (IECLB), Fischer dedicou suas primeiras conferências e publicações exatamente a essa temática. Essa era importante para a igreja em que passou a atuar como missionário: no passado, muitas vezes, ela acentuara mais suas características étnicas do que o evangelho. Pouco depois, viuse confrontada com uma ideologia que acentuava ser a segurança nacional mais importante do que o evangelho da misericórdia e do amor de Deus. De Ernst Wolf e dos estudos em Erlangen, Fischer recebeu importantes impulsos para a pesquisa da obra de Martim Lutero. Lia, inicialmente, os textos do reformador com seus alunos no original latino e alemão. Depois, dedicou-se a traduzir excertos de sua obra. Fischer aprendeu o português lendo o jornal Correio do

Povo, auxiliado pelo dicionário. Os sete primeiros volumes da edição brasileira das obras de Lutero têm sua marca. Logo ele descobriu que tinha que dar outra contribuição especial à igreja que adotara como sua e também a seus alunos. Em 1960, a produção sobre a história do cristianismo no Brasil era inexistente. Os poucos textos à disposição não passavam da listagem de bispos e dioceses ou dedicavam-se a prestar louvores a alguns “heróis da fé”. Preparou, então, seus primeiros manuscritos sobre a história do cristianismo no Brasil e começou a publicar fontes para a história do luteranismo brasileiro. Em tudo era extremamente criterioso e exato. Quando se aposentou, além de continuar com a edição das obras de Lutero, dedicou-se à montagem do Arquivo Histórico da IECLB. Em uma de nossas aulas, Joachim disse certa vez: “O objetivo da ciência da História Eclesiástica é a palavra de Deus na história. A palavra de Deus se expressa e se reflete na resposta das pessoas por ela atingidas”. Ele dedicou-se a evidenciar a presença da palavra de Deus na história, ensinando e vivendo. Quando eu estive no hospital, recuperando-me de uma cirurgia cardíaca, conversamos em sonho. Eu lhe disse que havia sobrevivido. Respondeu-me dizendo que havia superado. O autor é teólogo e professor de História na Unisinos em São Leopoldo (RS) NOVOLHAR – Novembro/Dezembro 2008


D ica cultural

Olhar com humor

Felicidade só é real quando partilhada

E stá na agenda Natal das etnias

ro de 2008, No dia 14 de dezemb comemoraCuritiba será palco da Na tal da s e u çã o de Sã o Nic ola Memorial no erá tec Etnias, que acon a, no Bosque da Imigração Polones evento é uma João Paulo II. Esse vos eslavos, po s do tradição milenar en de nte s da rev ivi da pe los de sc embram São etnia polonesa, que rel pobres, das s do Nicolau, o patrono ralelamenPa s. ça an cri noivas e das ões natalinas te, ocorrem apresentaç ica da s no rad em qu e as etn ias ra através ltu cu a su m Paraná revela clóricas e exde manifestações fol Mais informaposições temáticas. -7194. 13 33 ções: fone: (41)

Sonho de Natal

Engana-se quem pensa que, ao revelar essa máxima do protagonista de “Na Natureza Selvagem” (EUA, 2007), se está entregando o final do enredo. Entre tantas lições, o filme mostra que a riqueza da história real de Christopher McCandless, transformada em best-seller por John Krakauer e levada às telas pelo diretor Sean Penn, está no processo da caminhada da vida, ou seja, no “durante”, e não no “finalmente”. Christopher, jovem de classe média (que mais tarde adota o pseudônimo de Alexander Supertramp), abandona tudo e parte para uma aventura que muda sua vida e a dos outros que encontra. Num filme magistral e com paisagens exuberantes, Supertramp acerta em cheio o maior esconderijo de todos nós: nossa sede de liberdade. O filme de Penn conta com atuação cuidadosa e dedicada de Emile Hirsch no papel principal e arrebatou prêmios por onde passou, ainda que tenha chegado discretamente aos cinemas e locadoras do Brasil. É impossível passar pelos caminhos de Alex e permanecer o mesmo. Destaque para a ótima trilha sonora composta exclusivamente para o filme por Eddie Vedder.

ha, promoCanela, na serra gaúc ição do Sonho ve este ano a 21ª ed turística com de Natal, uma atração e encanta qu l na repercussão nacio nciam. O se pre a e qu todos aqueles novemde 14 evento acontecerá de 2009. de o eir jan bro de 2008 a 6 de nho So do o içã ed ta es O projeto para batra de ao de Natal dá continuida do do en faz , lho realizado em 2007 aatr a um e qu do is evento muito ma l é ipa nc pri ivo jet ob O . ção turística mais diversas mobilizar pessoas das nidade, enmu co classes sociais da em aç õe s ão ad cid da vo lve nd o ca ac uc ion ais e so cia is, cu ltu rai s, ed anizadores org ecológicas. Assim, os to-estima au a r ve mo pretendem pro entivar a partida comunidade e inc pessoas com cipação solidária das a sua cidade.

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Reflexão

Jesus Cristo -

Pão da vida Pão é um dos muitos símbolos que Jesus usa para descrever o que ele é e traz – a própria salvação, no presente e no futuro. Não é apenas alimento no sentido restrito, mas abrange todas as dádivas necessárias para manter as pessoas e o mundo.

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CRISTO NOS É APRESENTADO DE muitas maneiras no Novo Testamento. Entre as mais marcantes encontramos esta: “E Jesus lhes disse: Eu sou o pão da vida; aquele que vem a mim não terá fome, e quem crê em mim nunca terá sede” (João 6.35). Sempre quando Jesus se apresenta como “Eu sou...”, ele o faz do mesmo modo como Deus mesmo se apresentou a Moisés (Êxodo 2.14), a saber, na autoridade de quem é Deus e como aquele que intervém na história do seu povo. A simbologia do “pão da vida” possui diversos significados. Primeiro, lembra-nos que em Jesus temos o próprio senhor da “vida”, que quer dar vida abundante para a humanidade e toda a sua criação. Junto com a pessoa de Deus, o Pai, ele criou e mantém toda a sua criação (João 1.1s). Faz parte de sua obra zelar para que ela tenha “pão”, ou seja, tudo aquilo que é necessário para a manutenção da vida. “Pão” não simboliza apenas tudo o que é alimento em sentido restrito, mas abrange todas as dádivas que são necessárias para a manutenção das pessoas e dos demais seres vivos no mundo. A expressão “pão da vida” possui também uma dimensão mais profunda. Através dela Jesus declara com uma clareza inequívoca que, ao lado do cuidado que ele ESUS

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tem conosco, ELE mesmo veio a este mundo com o propósito de ser o “pão vivo que desceu do céu” (João 6.51). Ele mesmo é o que mais necessitamos. Para viver de forma plena, precisamos da comunhão com ele tanto quanto precisamos do alimento. Sem essa comunhão com ele, nossa vida torna-se árida, sem sentido, triste e vazia – como se uma necessidade básica nunca estivesse sendo saciada. “Pão” é um dos muitos símbolos que Jesus usa para descrever o que ele é e traz – a própria salvação, no presente e no futuro. “Pão” aqui é perdão de pecados, comunhão com Deus e pessoas, reconciliação, restauração do corpo e da alma, libertação, vida eterna. Tudo isso encontramos exclusivamente em Jesus Cristo. E assim como o alimento precisa ser ingerido para que nosso corpo absorva a energia que necessita para a vida, da mesma forma é necessário que nós recebamos Jesus através da fé na sua pessoa e na sua obra. Fé é aquela confiança profunda em Cristo e em tudo o que ele fez gratuitamente por nós. Essa confiança é gerada em nós por Deus mesmo, quando ouvimos sua palavra. A expressão “pão” é encontrada ainda em outro contexto: na Santa Ceia. Lá Jesus afirma que aquele pão que nos é dado

Martin Boulanger

Claus Schwambach

na Ceia – no sentido mais literal e real possível – é meu corpo, dado por vós. De forma incompreensível para a razão humana, o pão da Ceia é o próprio Jesus – sua pessoa e sua obra. Quando ele é comido e recebido em fé, sacia, fortalece, restaura e revigora corpo e alma – todo o nosso ser, com todas as suas necessidades, sejam físicas, emocionais, espirituais etc. No pão da Ceia, sentimos sua proximidade amorosa e o gosto de sua presença. Ele está em nós e nós nele, de maneira a formarmos um só corpo com ele e com todos os outros crentes. Tudo isso é realidade quando comemos o pão da Ceia e tomamos o vinho – sangue de Jesus. Onde Jesus é recebido pela fé, o próprio reino de Deus já chegou a nós hoje. Pessoas que vivem com Jesus são pessoas realmente saciadas e felizes, têm vida abundante e cheia de sentido. Quem crê nele tem a vida eterna; mas quem não crê nele permanecerá com fome em todos os sentidos descritos acima e, por fim, perecerá sem Deus. Se o que precisamos nos é dado em Jesus, o pão da vida, o que dizer do fenôNOVOLHAR – Novembro/Dezembro 2008


Ú ltima hora Biblioteca Digital O lançamento da Biblioteca Digital Esperança aconteceu na Primeira Igreja Batista de Curitiba

Editora Esperança

A Biblioteca Digital Esperança foi lançada no dia 30 de setembro em solenidade com um café da manhã na Primeira Igreja Batista de Curitiba. O projeto é uma parceria entre a Editora Esperança e a Sociedade Bíblica do Brasil (SBB). A Biblioteca Digital Esperança contém a coleção completa dos Comentários Esperança do Novo Testamento, diversas versões da Bíblia em português, em outros idiomas e originais, Bíblias de Estudo, léxicos, concordâncias e dicionário bíblico. Os Comentários Esperança digitais utilizam a plataforma gratuita Libronix, uma poderosa ferramenta que permite ao usuário localizar e organizar as informações rapidamente, além de montar sua biblioteca pessoal com um número infinito de títulos. O evento contou com a presença de grande número de pastores e líderes, que puderam conhecer todos os detalhes e tirar suas dúvidas técnicas e de conteúdo.

MISTÉRIO: De forma incompreensível para a razão humana, o pão da Eucaristia é o próprio Jesus – sua pessoa e sua obra. Quando ele é comido e recebido em fé, sacia, fortalece, restaura e revigora todo o ser, com todas as suas necessidades físicas, emocionais e espirituais

O autor é doutor em Teologia, professor e diretor da Faculdade Luterana de Teologia (FLT) em São Bento do Sul (SC) WWW.NOVOLHAR.COM.BR

Conic

meno mundial da fome? O que pensar diante dos milhares que morrem de fome nas periferias deste vasto planeta? O que dizer a muitos de nossos irmãos mais pobres que oram o Pai-Nosso e ainda assim passam fome? E o que falar aos que creram e receberam Jesus como o pão da vida, mas têm de lidar com dores, sofrimentos, doenças, angústias ou acontecimentos trágicos e inexplicáveis? Não teremos respostas prontas. Mas, sofrendo com os que sofrem, rogaremos para que o reino de Deus – o pão e a salvação que nos alcançaram em Jesus – também crie e mantenha vivas a fé e a esperança dos que sofrem e alcance logo todos os que deles carecem. E estenderemos as mãos como bons cooperadores de Deus, entregando aos outros em palavras e muitas ações tudo o que recebemos de Deus em Cristo: pão e salvação, alimento e evangelho.

Economia e Vida será o tema da Campanha da Fraternidade Ecumênica O Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC), que tem sua sede em Brasília (DF), já está trabalhando nos preparativos da Campanha da Fraternidade 2010, que tem como tema: Economia e Vida; seu lema é baseado em Mateus 6.24c: “Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro”. O objetivo da campanha é unir igrejas cristãs e pessoas de boa vontade na promoParticipantes da 1ª Oficina da Campanha da ção de uma economia a serviço Fraternidade Ecumênica, que será em 2010 da vida, sem exclusões, construindo uma cultura de solidariedade e paz. No seminário em preparação à Campanha da Fraternidade Ecumênica 2010, realizado em agosto em Brasília, 54 representantes das igrejas-membro do CONIC e de entidades da sociedade civil organizada apresentaram subsídios para o texto-base da campanha e formularam estratégias para a animação da mesma já a partir de 2009. A Campanha da Fraternidade Ecumênica 2010 pretende denunciar a perversidade de um modelo econômico que visa, em primeiro lugar, o lucro, aumenta a desigualdade e gera miséria, fome e morte; educar para a prática de uma economia de solidariedade, de cuidado com a criação e de valorização da vida; conclamar as igrejas, as religiões e toda a sociedade para a implantação de um modelo econômico de solidariedade e justiça para todas as pessoas.

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Notas ecumênicas

conceitos de laicismo, o pluralismo, a cidadania, o uso dos símbolos religiosos, das ideologias políticas e da violência por motivos religiosos. Os participantes também recomendaram que se dê continuidade à colaboração cristão-muçulmana sobre questões como a justiça social e econômica, mudança climática e paz. Organizada pelo CMI em parceria com um número de Comunhões Cristãs, com a Aliança Evangélica Mundial e a Igreja Católica Romana, a consulta de Genebra deu continuidade ao processo ecumênico iniciado pelo CMI em resposta a “uma palavra comum”, carta assinada por 138 estudiosos muçulmanos e dirigida a líderes cristãos de todo o mundo em outubro de 2007. Em vez de produzir uma resposta por escrito à carta dos eruditos muçulmanos, o objetivo da consulta foi proporcionar um espaço para que as igrejas e comunhões das igrejas pudessem compartilhar iniciativas e recursos teológicos para a participação com os muçulmanos, bem como identificar questões de fundo para a teologia cristã na relação de cristãos e muçulmanos.

Muçulmanos e cristãos

têm história comum

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STA É A CONCLUSÃO DE UMA CON-

sulta ecumênica realizada em Genebra. Um grupo internacional de líderes de igreja e especialistas no diálogo entre cristãos e muçulmanos, reunidos nessa cidade da Suíça de 18 a 20 de outubro, enfatizou que as comunidades cristãs devem melhorar seu conhecimento sobre o islã, ser bons vizinhos dos muçulmanos e oferecer testemunho de sua fé de forma adequada. Convocada pelo Conselho Mundial de Igreja (CMI), a consulta destinada a desenvolver uma teologia cristã ecumênica de entendimento e diálogo com o islã reuniu 50 líderes de igreja e especialistas no diálogo inter-religioso. Os participantes reconheceram uma história “mista” de relações entre cristãos

e muçulmanos, com conseqüências positivas e negativas. Cristãos vêem os muçulmanos como amigos e rivais, como vizinhos e forasteiros. Os participantes concordaram com a prerrogativa de que o cristianismo ensina a amar o próximo, independentemente de raça, sexo ou religião. Para que o diálogo entre as duas religiões seja produtivo, ele precisa estar pautado pela sensibilidade, incluindo um cuidadoso uso da linguagem tradicional cristã que utiliza palavras como missão, testemunho e conversão. A consulta identificou questões que devem ser trabalhadas para a continuação do diálogo com os muçulmanos, entre outros: os direitos humanos, a conversão, os

Kobia pede fim de ataques na Índia Em encontro com o secretário-geral do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), Samuel Kobia, o primeiro-ministro da Índia, Manmohan Singh, disse que “o cristianismo é parte de nosso patrimônio nacional”. O encontro ocorreu no dia 18 de outubro, em Nova Deli, com o objetivo de pedir que o governo indiano restaure a normalidade no estado de Orissa, onde cristãos estão sendo vítmas de violência. Singh prometeu que o governo federal destinará ajuda financeira para a reconstrução das igrejas destruídas e danificadas e apoiará as famílias cristãs que perderam suas moradias e outros bens em decorrência dos atos de violência. Pelo menos 54 cristãos foram assassinados, cinco mil casas, 142 igrejas e dezenas de instituições foram saqueadas e incendiadas por fundamentalistas indianos em Kandhamal, onde os cristãos representam 20% do total de 500 mil habitantes.

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A missão é marca fundante da comunidade que, por sua vez, é o carro-chefe na missão da igreja, disse o pastor segundo vice-presidente Carlos Augusto Möller no culto de encerramento do 26º Concílio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), em Estrela (RS), de 15 a 19 de outubro. Pela primeira vez um concílio evangélico-luterano foi transmitido ao vivo pela internet. Reunido sob o tema “Missão de Deus – Nossa paixão”, o concílio aprovou proposta de continuidade do Plano de Ação Missionária (Pami) para os próximos anos e recomendou a comunidades e instâncias da igreja cultivarem “com maior perseverança a missão com a prática de planejamento estratégico e participação”. Todos são chamados a participar dessa paixão que se traduz na missão de Deus. Assim, “transformam-se coração e mente, em decorrência, transformam-se também as relações e, com elas, a própria realidade é transformada”, afirmou o pastor presidente da IECLB e do Conselho

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A missão é o carro-chefe da igreja

A mesa diretora do Concílio, Altmann à frente

Mundial de Igrejas, Walter Altmann, no culto que abriu o Concílio. O Concílio de Estrela reuniu representantes de departamentos, instituições e dos 18 Sínodos que constituem a IECLB, além de convidados de outras igrejas do Brasil e do exterior.

Matérias compiladas pelo jornalista Edelber to Behs a partir de repor tagens publicadas pela Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação (ALC). Site: www.alcnoticias.org

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Capa

O pão nosso

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de cada dia O pão é um alimento que se mistura à história da humanidade. Esse alimento, presente na mesa de todos os povos, é um símbolo de confraternização e partilha desde os tempos em que o homem começou a viver em grupos. Rui Bender

Kriss Szkurlatowski

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ILHARES DE ANOS ANTES DE CRISTO JÁ SE UTILIZA-

va o pão como alimento. Presume-se que o homem inventou o pão ainda na Idade da Pedra, há cerca de 8.000 anos, provavelmente na região do rio Nilo (Egito). Ao triturar grãos de trigo selvagem encontrados na natureza, misturá-los à água e colocálos sobre pedras quentes ou sob cinzas, o homem primitivo conseguiu produzir uma espécie de massa cozida. Apesar de ainda não ser chamada de pão, ajudava a saciar a fome em dias de caça fraca e pouca fruta. O uso de fornos de barro para o cozimento de pães remonta provavelmente ao 7° milênio antes de Cristo pelos egípcios. 13


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fornos e moinhos, o sistema feudal permitia seu uso somente para o consumo próprio. Apenas os castelos e os conventos ainda possuíam padarias. No século 17, a França destacou-se mundialmente na fabricação de pães, desenvolvendo técnicas aprimoradas de panificação. Mais recentemente, no século 20, depois de muitas pesquisas, surgiu o fermento biológico. A industrialização marcou um novo ciclo. As mudanças introduzidas no campo – cultivo de outros grãos – e o desenvolvimento de equi-

versos: “Debulhar o trigo / Recolher cada bago do trigo / Forjar no trigo o milagre do pão / E se fartar de pão”. O pão é um alimento que se mistura à história da humanidade. Esse alimento, presente na mesa de todos os povos, é um símbolo de confraternização e partilha desde os tempos em que o homem começou a viver em grupos. Segundo a tradição cristã, o pão nutre não apenas o corpo, mas também o espírito. No Novo Testamento, Jesus Cristo compartilhou em sua última ceia com os apóstolos pão e vinho, simbolizando seu corpo e sangue. Outra importante passagem bíblica – a multiplicação dos pães – estabelece a relação do pão com a partilha e a fartura: Jesus alimentou uma multidão com cinco pães e dois peixes. Enfim, o pão é parte de uma combinação de nutrientes que permite o desenvolvimento de uma vida saudável. Nutricionistas concordam que todo esportista que pratica atividade física de duração superior a uma hora deve dar preferência à ingestão de carboidratos antes, durante e depois dos exercícios. O pão, saudável fonte de energia, é rico em carboidratos complexos, de digestão mais lenta. Com isso o corpo experimenta uma maior sensação de saciedade. Considerando o valor nutricional do pão, a Organização Mundial da Saúde recomenda que as pessoas comam 50 quilos de pão por ano. Cereais e tubérculos usados na panificação, como trigo, milho, cevada, batata e mandioca, contêm fibras, proteínas e vitaminas, arrematam os nutricionistas. Vjeran Lisjak

Sabe-se que o segredo do pão é a fermentação. O fermento foi descoberto por acaso. Um pedaço de massa esquecida por alguém por mais tempo do que o necessário, exposto ao calor e à umidade, foi o bastante. A farinha umedecida entrou em processo de fermentação espontânea: ganhou volume, ficou mais macia, mudou seu sabor. Foi assim que se descobriu o princípio básico do pão. Esse episódio teria acontecido no Egito, precisamente às margens do rio Nilo, por volta de 2600 a.C. Foram os egípcios que ensinaram mais tarde aos gregos a arte de fazer pão. Graças aos gregos, o pão tornou-se um elemento importante na história da gastronomia. Eles foram considerados os mestres na arte de fazer pão. Foram também eles que ensinaram a panificação aos romanos. A princípio, o pão era feito em casa pelas mulheres romanas para o consumo da família. Depois passou a ser fabricado em padarias públicas, dando origem assim aos primeiros padeiros. O pão virou o principal alimento da civilização romana, preparado em padarias públicas. No ano 100 a.C., havia mais ou menos 200 padarias em Roma. Criou-se então a primeira associação oficial de panificadores: seus associados gozavam de um estatuto muito privilegiado, inclusive com isenção de impostos. Pode-se dizer que, com a expansão do Império Romano, o hábito de consumir pão espalhou-se por grande parte da Europa. Mas com a queda do Império Romano, as padarias desapareceram. Voltou-se à prática antiga de fazer pão em casa. No início da Idade Média, por volta do ano 476 d.C., a produção de pão voltou a ser caseira, pois as padarias haviam fechado. Embora houvesse

pamentos – congeladores, moinhos, fornos elétricos e microondas – acrescentaram novos elementos. Segundo o antropólogo Gilberto Freyre, o Brasil só conheceu o pão no século 19. A atividade de panificação expandiu-se com a chegada dos imigrantes italianos. Como fonte inesgotável de inspiração artística, o pão chegou até a música popular brasileira. Entre outros clássicos, é citado na canção “Cio da terra”, de Milton Nascimento. Ficaram famosos estes

O autor é jornalista em São Leopoldo (RS) NOVOLHAR – Novembro/Dezembro 2008


Sanja Gjenero

Uma das principais

fontes calóricas O pão é um dos alimentos mais consumidos e uma das principais fontes calóricas da dieta de muitos povos. Por esse motivo vem sendo alvo de muitos estudos de enriquecimento. Maria Salette Kreutz

A

PARTIR DE UMA MISTURA DE CEREAIS

e água descansando sobre uma pedra quente nasceu como fruto do acaso o pão, que está na mesa do brasileiro há mais de 200 anos. Por definição, pão é o produto obtido pela cocção, em condições tecnologicamente adequadas, de uma massa, fermentada ou não, preparada com farinha de trigo e/ou outras farinhas que contenham naturalmente proteínas formadoras de glúten, ou adicionadas das mesmas, e água. Pode conter outros WWW.NOVOLHAR.COM.BR

ingredientes. Já o pão integral é definido como produto preparado, obrigatoriamente, com farinha de trigo e farinha de trigo integral e/ou fibra de trigo. O que mais encanta no pão é que se podem agregar vários ingredientes, que por si só, isolados, não são agradáveis ao paladar. Mas, quando misturados na medida certa, transformam-se num alimento saudável e apreciado por todos os povos. Ao fazermos isso, transformamos o pão num alimento enriquecido, que é todo aquele ao qual foram

adicionados nutrientes com o objetivo de reforçar seu valor nutritivo, seja repondo quantitativamente os nutrientes destruídos durante o processamento do alimento, seja suplementando-o com nutrientes em nível superior a seu conteúdo normal. O pão é um dos alimentos mais consumidos e uma das principais fontes calóricas da dieta de muitos povos. Por esse motivo vem sendo alvo de muitos estudos de enriquecimento. Como exemplo de alimento fortificado e funcional podemos citar o Prokorn, um pão escuro com baixas calorias, feito de trigo com cereais e sementes, rico em cálcio, ferro e fibras. Os pães mais antigos e mais simples são os pães ázimos (sem fermento), feitos a partir da mistura de farinha fina ou grossa com água. Podem ser assados, fritos ou cozidos no vapor. A adição de fermento à mistura de farinha e água faz a massa do pão crescer, dando-lhe uma textura mais leve e mais fina do que a dos tipos sem fermento. Os produtos panificados comprometem, em média, 12 por cento do orçamento familiar do brasileiro para alimentação. Isso demanda a criação de novas plantas, maquinário, formulações e aditivos alimentícios seguros (Ciênc.Tecnol. Aliment., Campinas/06). 15


Curiosidades sobre o pão No Egito, o pão também servia para pagar salários: um dia de trabalho valia três pães e dois cântaros de cerveja. Na Europa, passou a ser costume as mães darem para as filhas que se casavam um pouco de sua massa de pão porque achavam que, assim, elas fariam um pão tão gostoso quanto o delas. Ao longo da história, a posição social de uma pessoa podia ser discernida pela cor do pão que ela consumia. Pão escuro representava baixa posição social, enquanto pão branco, alta posição social. É porque o processo de refino da farinha branca era muito mais caro. Atualmente, ocorre o contrário: pães escuros são mais caros e, por vezes, mais apreciados por causa de seu valor nutricional. O país em que mais se come pão é o Marrocos. Em média, cada marroquino consome 100 quilos de pão anualmente. A União Internacional dos Padeiros instituiu oficialmente o dia 16 de outubro como o Dia Internacional do Pão. Essa iniciativa tem como objetivo valorizar o produto mais antigo e mais popular nas mesas de todo o mundo. No dia 8 de julho, comemora-se no Brasil o Dia do Padeiro, data em que também se homenageia santa Isabel, rainha de Portugal que tinha o hábito de distribuir pão aos pobres, escondida do rei.

Principais tipos de pão INTEGRAL (71 kcal/fatia): Feito com os cereais mais nutritivos; é o campeão em fibras, indicado para o bom funcionamento dos intestinos. GLÚTEN (73 kcal/fatia): 0 principal ingrediente é a proteína do trigo, e o baixo valor calórico é o maior atrativo desse pão. Mas a baixa quantidade de fibras é desfavorável. CENTEIO (73 kcal/fatia): Feito com farinhas enriquecidas com ferro. Na comparação com o anterior, nutricionalmente leva a melhor. Além disso, é rico em fibras e não contém a gliadina, uma parte do trigo causadora de intolerâncias alimentares. MILHO (84 kcal/fatia): Feito com farinha de milho, dá um gosto especial ao pão e uma textura crocante, como a das broas. Em termos nutricionais, o pão de aveia é mais completo. Ambos são indicados para quem tem doença celíaca, com intolerância ao glúten. ÁRABE (82 kcal/fatia): Como é um pão maior do que a média, proporcionalmente leva menos gordura na composição e soma menos calorias ao sanduíche. FRANCÊS (136 kcal/fatia): Feito essencialmente de farinha de trigo com sal, é leve e, em termos nutricionais, não contém muita gordura. ITALIANO (151 kcal/fatia): Mantém uma boa média entre quantidade de fibras, proteínas e gorduras. Mas as calorias sobem. CROISSANT (180 kcal/fatia): 0 principal ingrediente que vai na mistura farinha e fermento é a manteiga, que resulta em um pão mais úmido, saboroso e calórico.

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O pão é um alimento de uso universal, fazendo parte do desjejum, lanches ou acompanhando as refeições principais. A única restrição que se faz ao consumo do pão é para pessoas que têm intolerância ao glúten, proteína encontrada no trigo, centeio e aveia. Ambos os pães, integral ou branco, apresentam vitaminas e outros compostos importantes para a dieta humana, tais como amido, que funciona como “combustível” para o organismo; vitamina B1, importante para a nutrição celular, os músculos e o sistema nervoso; vitamina B2, vital para o crescimento e o metabolismo; vitamina E, que previne as oxidações e o envelhecimento. Também são ricos em fibras, que são reguladores intestinais, em magnésio, cálcio, potássio, fósforo e ferro. Entretanto, no pão integral, as quantidades são mais significativas, já que esses nutrientes se encontram no farelo e no gérmen de trigo, partes que são retiradas durante a moagem da farinha branca. A vantagem do pão integral, por causa de sua riqueza em fibras, é também o seu baixo índice glicêmico (IG), ou seja, a sua capacidade de liberar açúcar no sangue de forma mais lenta, contribuindo assim para uma menor biodisponibilidade dos açúcares e gorduras consumidos. Dessa forma, o corpo consegue metabolizar a glicose mais devagar, favorecendo a prevenção da diabete. O IG mais baixo também dá maior saciedade, o que faz das opções integrais a escolha ideal para quem quer controlar ou perder peso. Numa pesquisa realizada pela Faculdade de Minas, que avaliou o pão branco x pão integral, concluiu-se que a composição nutricional dos dois pães em relação a Ingestão Diária Recomendada (IDR) aponta que todos os nutrientes analisados se encontram em maior quantidade no pão integral, mostrando-se referenciais e sendo importantes para suprir ou mesmo colaborar com a ingestão diária, nesse caso baseando-se na IDR como fonte da pesquisa de recomendação.

A autora é nutricionista em São Leopoldo (RS) NOVOLHAR – Novembro/Dezembro 2008


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Algumas receitas de pão Pão de queijo com gorgonzola Ingredientes: 3/4 de xícara (180 ml) de água; 3/4 de xícara (180 ml) de óleo; 2 xícaras (265 g) de polvilho doce; 1 e 1/2 xícara (285 g) de polvilho azedo; 2 xícaras (200 g) de queijode-minas meia-cura; 1/3 de xícara (50 g) de queijo gorgonzola; 2 colheres (chá) de sal; 3 ovos; óleo para untar. Modo de preparo: Coloque a água, o óleo e o sal numa panela, leve ao fogo alto e deixe ferver. Coloque os dois tipos de polvilho numa tigela e misture. Tire a água do fogo e despeje sobre o polvilho, misturando com uma colher de pau. Deixe amornar e amasse com as mãos. Junte os ovos e o queijo meia-cura e continue amassando até obter uma massa homogênea, densa e um pouco grudenta. Preaqueça o forno em temperatura alta (200ºC). Unte as mãos com óleo, retire pequenas porções da massa, recheie cada uma com um pedacinho de queijo gorgonzola, faça bolinhas e coloque em uma assadeira grande sem untar, deixando um espaço de 1,5 cm entre elas. Leve ao forno preaquecido e asse por cerca de 35 minutos ou até os pães ficarem dourados. Sirva quente.

Pão de inhame com frutas secas Ingredientes: 2 tabletes de fermento biológico (30 g); 2 xícaras de chá de açúcar cristal; 2 xícaras de chá de leite em temperatura ambiente; 1 kg de inhame cozido e amassado; 1 xícara de chá de óleo; 5 ovos; 2 colheres de casca de laranja ralada; 1 kg de farinha de trigo; 1 colher de sal; 1 xícara de chá de passas; 1 xícara de chá de frutas cristalizadas. Para pincelar: Gema de ovos misturada com um pouco de óleo; pedaços de manteiga. Preparo: Desmanchar o fermento no açúcar, juntar ½ xícara de chá de leite e reservar; em uma tigela juntar ao inhame amassado, o restante do leite, o óleo, os ovos, a casca de laranja ralada e o fermento dissolvido. Misturar até obter uma massa uniforme; vá acrescentando a farinha temperada com o sal até obter uma massa não muito dura; deixar a massa descansar por aproximadamente 40 minutos em um local abafado; abrir a massa na mesa. Espalhar as passas e as frutas cristalizadas e enrolar; distribuir a massa em formas para pão

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(ou panetone), pincelar com a mistura da gema, polvilhar pedaços de manteiga e deixar repousar por mais 30 minutos em local fechado; assar em forno preaquecido.

Pão de piquenique recheio de 4 queijos Para a massa: 500 g de farinha; 250 ml leite; 60 g de manteiga; 1 tablete de fermento (42 g); 1 colher de açúcar; 1 colher de sal; 2 colheres de sementes de girassol trituradas. Para o recheio: 150 g de queijo parmesão ralado; 200 g de queijo lanche (45% gordura); 125 g de queijo gorgonzola; 150 g de queijo provolone; 1 ovo. Preparo: Aquecer o leite e nele derreter a manteiga. Colocar a farinha numa vasilha, abrindo no meio uma “bacia”, colocando ali o leite e a manteiga amornados. Desmanchar o fermento, juntando o açúcar e o sal. Amassar tudo sovando com gosto até formar uma massa consistente. Deixar crescer durante uma hora. Para o recheio ralar o queijo, triturar os dois queijos seguintes, acrescentando, por fim, o último queijo e o ovo. Misturar tudo formando um creme. Deixe repousar. Sovar novamente a massa, abrindo-a num formato de 40x40 cm. Sobre essa massa espalhar o creme, dobrando as 4 pontas em direção ao meio, formando 4 triângulos. Pincelar com água e sobre essa massa espalhar as sementes de girassol, apertando levemente as sementes trituradas. Forrar uma forma, colocando em forno frio. Regular o forno a uma temperatura de 175°C e assar durante uma hora, aproximadamente. Deixar esfriar, cortar e servir.

Pão de milho (Receita dos primeiros imigrantes italianos que se estabeleceram na serra gaúcha) Ingredientes: 1 1/2 xícara (chá) de farinha de milho; 2 1/2 xícaras (chá) de farinha de trigo (um pouco mais, se necessário); 2 colheres (sopa) de fermento granulado; 3 colheres (sopa) de açúcar; 1 ovo; 1 colher (sopa) bem cheia de banha ou gordura vegetal; 1 colher (chá) de sal; água o suficiente; manteiga para untar a assadeira. Preparo: Dissolva o fermento em uma xícara de água morna, com o açúcar, misture e deixe descansar por uns 10 minutos, até começar a levedar. Coloque a farinha de milho em uma vasilha e, mexendo sempre, misture-lhe uma xícara de água fervente, ou um pouco mais,

até molhá-la. Deixe esfriar por 10 minutos. Junte o fermento levedado à farinha de milho, misture a farinha de trigo, o sal, o ovo e a banha ou gordura. Amasse bem com as mãos até obter uma massa homogênea, lisa e macia. Se necessário, acrescente um pouco de farinha de trigo. Dê ao pão o formato desejado e coloque-o em uma assadeira untada com manteiga. Cubra com um pano e deixe crescer até o dobro do tamanho. Faça um corte longitudinal em cima do pão e leve-o ao forno alto, preaquecido, por 45 minutos, aproximadamente. Quando começar a dourar, baixe o fogo para brando.

Pão doce com ricota Ingredientes: 1 xícara de leite; 1 kg de farinha de trigo; 20 g de fermento ativo seco; 5 colheres (sopa) de açúcar; 1 colher (sopa) de sal; raspa de um limão; 2 colheres (sopa) de manteiga; 2 ovos. Recheio: 60 g de ricota; 1 colher (sopa) de manteiga; 150 g de passas de uva; 1 ovo; 1 xícara de açúcar Modo de fazer: Misture todos os ingredientes da massa. Sove até desgrudar das mãos. Deixe crescer até dobrar de volume. Abra a massa na espessura de 1 cm. Misture todos os ingredientes do recheio. Recheie e molde. Pincele com gema e polvilhe com açúcar. Deixe crescer novamente. Leve ao forno preaquecido a 200º até dourar.

Pão de aipim Ingredientes: 1 kg de farinha de trigo; 400 g de aipim cozido e amassado; 3 ovos; 1 colher (sopa) de banha; 2 colheres (sopa) de fermento seco; 1 colher (sopa) de sal; 1 colher (chá) de açúcar; 300 ml de água ou até dar ponto. Preparo: Misture a farinha, o fermento, o sal, os ovos batidos, o açúcar passado no liquidificador com pouca água, formando um creme. Coloque a água aos poucos até conseguir uma massa lisa e uniforme, mais para mole. Cubra a massa e deixe descansar até dobrar de volume. Modele os pães, coloque na forma e deixe-os descansar novamente até dobrar o volume. Asse em forno de 200 a 230 graus por 45 minutos. Colaboração de Hélio Musskopf, Sapucaia do Sul (RS) NOVOLHAR – Novembro/Dezembro 2008


A produção do brote requer um ritual passado de mãe para filha por gerações. Orlando Eller

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UANDO ALCANÇARAM AS TERRAS

capixabas na segunda metade do século 19, os imigrantes pomeranos perceberam que o trigo, insumo vital, porém raro e caro no Brasil, estaria ausente da mesa deles. De onde então obter o pão de cada dia, alimento especialmente essencial ao desjejum? Vítimas da pobreza que os estimulou a abandonar a Europa, usaram a criatividade. Substituíram o trigo pelo fubá de milho, agregaram-lhe outros ingredientes também de inegável valor nutritivo, como a batata-doce, o inhame e a mandioca, e reinventaram o pão. Chamaram-no de milhabrout, que, no dialeto deles, significa pão de milho.

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Eloy Teckemeier

Milhabrout pomerano

Ingredientes: 3 litros de fubá ; 2 quilos de batata-doce ralada; 1 quilo e meio de inhame ralado e escaldado; 2 colheres (sopa) de fermento, biológico de preferência; 2 colheres (sopa) de sal de cozinha; 1 litro de água morna. Modo de preparar: Acenda o forno. Misture os ingredientes em bacia ou gamela e amasse até obter uma massa homogênea e consistente. Molde os pães em formas revestidas de folha de bananeira (ou untadas). Deixe crescer por cerca de uma hora. Então unteos com mistura de uma colher de polvilho, diluído em um pouco de água fria, ao que se acrescenta a seguir um copo pequeno de água bem quente. E asse de preferência em forno de tijolos preaquecido a fogo de lenha a 180º, fechando-lhe boca e demais orifícios para evitar perda de calor. Assados, deposite-os sobre mesa forrada, cobrindo-os com uma toalha para que esfriem.

Muito apreciado pelos nativos, que passaram a chamá-lo de brôti ou brote, em analogia a Brot, sua produção requer um ritual passado de mãe para filha, sem o que podem ficar comprometidos consistência e sabor. O fubá, não importa se de milho amarelo ou branco, tem que ser produzido em moinho de pedra e não pode ser excessivamente fino. Podem ocorrer pequenas variações nos ingredientes, de acordo com o bom gosto de cada família, mas é necessário seguir uma receita que seja padrão. Então utilize a receita ao lado para fazer cinco unidades médias do milhabrout pomerano. O autor é jornalista em Vitória (ES)

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Paula Oliveira

Paula Oliveira

FERNANDO: A família está no ramo da panificação desde seu pai, um português que adorava a profissão. Tal pai, tal filho

O português e o pão francês

ANTERO: O primeiro comércio dos novos bairros é a padaria. Depois vêm os outros. É ná padaria que se discutem as últimas notícias

Paula Oliveira

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UEM NÃO GOSTA DE UM PÃO

quentinho no café da manhã? No Brasil, os responsáveis pelo desenvolvimento da panificação foram os imigrantes italianos. Graças a eles, no início do século 20, a atividade de panificação expandiu-se e o produto passou a ser essencial na mesa do brasileiro. E para quem pensa que o pão é uma tradição exclusiva dos italianos, engana-se. Afinal, em São Paulo, quem põe a mão na massa são os portugueses. Cerca de 90% das padarias são de portugueses ou de filhos e netos de imigrantes da terra de Camões. São quatro mil estabelecimentos na capital paulista e oito mil donos de padarias e confeitarias. 27% dos donos são portugueses, 40% são filhos de portugueses e 33% são indivíduos de outras nacionalidades. Para comprovar as estatísticas, Fernando Gomes da Silva Júnior, um dos donos da Padaria Delfim, em São Paulo, diz com orgulho que especializar-se no ramo da panificação é uma tradição de família. Seu pai era português e gostava da profissão. Tal pai, tal filho. O feliz herdeiro também admira a profissão e faz questão de ressaltar que o padeiro antigamente era bem mais valorizado do que hoje. “Em outras épocas, eles eram compara-

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dos com artistas, arquitetos, intelectuais e até celebridades. Saber fazer pão era sagrado”, diz. Se hoje o padeiro não é tão reconhecido como antigamente, ele é valorizado pelos donos dos estabelecimentos e colegas de trabalho. “Para ser padeiro, são fundamentais a doação e o amor pelo trabalho. Com uma jornada de oito horas por dia, enquanto milhões de pessoas estão dormindo, o panificador está literalmente com a mão na massa para garantir o pão fresquinho na mesa de toda a família” , diz Fernando. E não só de pão fresco vive o homem. Afinal, o que se faz com a sobra do pão? O dono da padaria sorri e diz: “Farinha de rosca”. Quanto ao pão preferido dos clientes, não existe a menor dúvida, apesar da diversidade da produção, de que o preferido de todos é o pão francês. Segundo Antero Pereira, presidente do Sindicato das Indústrias de Panificação e Confeitaria de São Paulo (SINDIPAN), a importância da panificação vai muito além da nossa percepção. Ali onde iniciam os bairros, primeiro vem a padaria, depois as residências e mais tarde outros centros comerciais. “É o primeiro comércio que abre e o último que fecha. Logo no café da

manhã, ao redor de um balcão de padaria é que se discutem as últimas notícias da noite anterior. Pode ser de uma novela famosa, jogos de futebol, baixa da bolsa, elevação do dólar ou até os acontecimentos da vizinhança”, afirma Antero. Atualmente, o SINDIPAN desenvolve projetos de responsabilidade ambiental. “Um deles está em fase de implantação. A idéia é recolher o óleo das frituras das padarias, que geralmente é jogado nos esgotos e degrada o meio ambiente. Podemos reutilizá-lo para fazer sabão e óleo combustível”, propõe o presidente do Sindicato. Pensar no padeiro, no pão e em toda essa tradição é motivo para celebrar. No dia 8 de julho, comemora-se o Dia do Padeiro, data em que também se homenageia Santa Isabel, a rainha de Portugal que tinha o hábito de distribuir pães aos pobres. Certo dia, ela foi flagrada pelos guardas do rei quando escondia pães no avental para dar aos pobres. Indagada sobre o que portava no avental, ela respondeu assustada: São pétalas de rosas! Ao abrir o avental, só caíram pétalas. A autora é jornalista em São Paulo (SP) NOVOLHAR – Novembro/Dezembro 2008


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a fome A maior parte das mortes por fome é provocada pela desnutrição crônica. Enquanto isso, o livre mercado monopoliza a comercialização de sementes. Marcelo Schneider

A

3,6 SEGUNDOS, UMA PESSOA morre de fome. 75% dessas mortes são de crianças. Fome é um buraco, um vazio, um silêncio quebrado por um ronco. Pão é o atalho mais curto para a fome ir embora. Pão é algo simples e complexo ao mesmo tempo, assim como o mundo em que vivemos, como as sociedades que criamos e as estruturas que colocam tantos e tantas iguais cada vez mais longe do mesmo... pão. A escassez de alimentos e as guerras são responsáveis por apenas 10% das mortes devido à fome, embora sejam essas as causas mais freqüentemente apontadas. A maior parte das mortes por fome é provocada pela desnutrição crônica, a saber, o ronco silencioso que não encontra eco em prato algum. Ou seja, as famílias simplesmente não conseguem obter comida suficiente. Essa é uma das faces mais agressivas da pobreza extrema. Muitas vezes, são necessários apenas alguns recursos simples para que os povos empobrecidos tenham capacidade de produzir alimentos para tornar-se auto-suficientes. Esses recursos incluem sementes de boa qualidade, ferramentas adequadas e o acesso à água. Pequenas melhorias nas técnicas de cultivo e nos

Finbarr O’Reilly/Reuters (World Press Photo of the Year 2005)

Atalho para derrotar

CADA

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PÃO MULTIPLICADO: Em qualquer lugar do mundo existe neste momento alguém com fome. Muita fome. Assegurar que essas pessoas famintas tenham, pelo menos, acesso ao mínimo que lhes garanta uma sobrevivência digna passa por nosso entendimento de pão

métodos de armazenamento de alimentos também são úteis. Nesse quesito, chegamos a um dos mecanismos mais característicos da economia de nossos tempos: os grandes monopólios. O mercado de alimentos, e mais especificamente o mercado de sementes, é um gritante exemplo dessa dinâmica. No Brasil, por exemplo, com as aquisições feitas no final dos anos 1990, o mercado interno de sementes de milho deixou de ser

disputado por diversas sementeiras para ser comandado pela Monsanto. A transnacional engoliu quase todas as empresas que vendiam sementes no país, passando a distribuir, já em 1999, 60% das sementes de milho no Brasil. Até mesmo a subsidiária da também monopolista norte-americana Cargill para a América Latina foi incorporada à sanha da Monsanto. A Agroceres, que dividia o mercado com 26%, e a Braskalb, que tinha NOVOLHAR – Novembro/Dezembro 2008


8% do mercado, estão entre as empresas nacionais vítimas da monopolização. Como podemos esperar melhorias em prol do coletivo, do social, se aqueles que têm tanto (em poucas mãos e em toda a parte) visam somente ao crescimento de suas divisas? Em muitos lugares, ensinase que os monopólios são necessários hoje em dia, para que se possa oferecer o mesmo produto com a mesma qualidade para mais consumidores que exigem a mesma WWW.NOVOLHAR.COM.BR

coisa ao mesmo tempo. Mas e quanto aos nossos pequenos esforços comunitários, nossos belos exemplos de agricultura familiar? Será que eles têm, afinal, a capacidade operacional de romper o romantismo e gerar resultados para um mundo cuja única lei é a liberdade de mercado? O que se pode adiantar, em todo caso, é que nunca conseguirão competir num jogo de regras e medidas desiguais ou questionáveis.

O escândalo da fome anda de mãos dadas com a emergência. No Brasil, um dos primeiros novos grandes programas anunciados pelo recém-eleito presidente Luís Inácio da Silva, em 2002, foi o polêmico Fome Zero, que tinha em seu bojo a intenção de ser uma estratégia impulsionada pelo governo federal, ou seja, com recursos públicos, para assegurar o direito humano à alimentação adequada às pessoas com dificuldades de acesso aos alimentos. Imagine uma cidade que sofreu uma catástrofe natural, como um furacão ou uma enchente extrema. Há casas sem energia elétrica e outras totalmente destruídas. Eticamente, sob o ponto de vista do trabalho de auxílio em situações de emergência, os desabrigados sempre terão prioridade em relação àqueles que estão sem energia elétrica. Essa analogia serve para que possamos estabelecer as balizas éticas de nossa abordagem construtiva e coletiva no que tange à emergência que é hoje o acesso ao pão por parte de milhões de pessoas. Por conta desses limites e imperativos é que se fala hoje em segurança alimentar. Segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO – sigla em inglês)), segurança alimentar é o estado em que todas as pessoas, em todos os momentos, têm acesso físico e econômico a uma alimentação que seja suficiente, segura, nutritiva e que atenda a necessidades nutricionais e preferências alimentares, de modo a propiciar vida ativa e saudável. É como imaginar que nenhuma barriga ronque mais sem ser ouvida e calada. É o (utópico) silêncio da justiça, em outras palavras. Em qualquer lugar do mundo existe neste momento alguém com fome. Muita fome. Assegurar que essas pessoas famintas tenham, pelo menos, acesso ao mínimo que lhes garanta uma sobrevivência digna passa por nosso entendimento de pão. Pão é uma palavra singular que, para ser sinônimo de justiça, precisa ser entendida no plural. O autor é teólogo e assessor do Moderador do CMI em Porto Alegre (RS)

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Arquivo Novolhar

Incomparável pão partilhado Tânia Cristina Weimer

E

M TORNO DA MESA SE REÚNEM DIFE-

rentes pessoas. O que as une é a oferta que vem em forma de pão. Na última ceia, Jesus de Nazaré ofereceu sua vida em favor da humanidade, quando em torno da mesa ofereceu a seus discípulos o pão, dizendo: “Tomai e comei: Isto é o meu corpo” (Mateus 26.26; Marcos 14.22). Esse gesto eucarístico é a expressão máxima da vida de Jesus, uma entrega radical de amor na mais plena gratuidade. Toda vida de Jesus foi eucarística: partilhou o pão com a multidão faminta (Marcos 8.1-10), teve compaixão, identificouse com os pobres, com os pequenos, encontrou-se com uma variedade de pessoas e “amou a todas até o fim” (João 13.1). Ao longo das últimas décadas, a prática eucarística ganhou nova força entre as comunidades cristãs, principalmente por causa do movimento de renovação litúrgica, abraçado por muitas comunidades, que passaram a destacar a importância da Ceia do Senhor na vida dos cristãos. Inclusive há uma conhecida canção, da autoria do padre Zezinho, chamada

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“Por um pedaço de pão”, que reflete a grandeza desse elemento em torno do qual se celebra a vida, partilham-se alegrias, sofrimentos, em que se reforça o sentido de solidariedade. Dessa canção quero relembrar algumas frases que nos ajudam nesta reflexão: Por um pedaço de pão e por um pouco de vinho, eu já vi mais de um irmão se desviar do caminho. Já vi mais de um irmão desiludido da vida. E por não dar do seu pão e por não dar do seu vinho, vi quem dizia ser crente perder de repente os valores morais. Vi mais de um irmão tornar-se um homem mesquinho. Por um pedaço de pão e um pouquinho de vinho Deus se tornou refeição e se fez o Caminho. No Evangelho de João, lemos que Jesus se oferece como o pão da vida, o pão vivo que desceu do céu. Essas referências de Jesus nos despertam e ensinam que,

para partilhar, não é necessário ter muitas posses, muitos bens. É necessário sim ter disposição para repartir. Não é por causa de um pedaço de pão que, segundo Martim Lutero, quer expressar bem mais do que apenas comida, e sim tudo aquilo que o ser humano precisa para viver, que vamos esquecer nossos valores morais e éticos. Hoje, o amor de Deus volta-se também para as multidões sofridas, espalhadas pelo mundo. Por isso Jesus conta com cada cristão que se reúne em torno da mesa para partilhar o pão nas pequenas conversas, nos gestos que acolhem, promovem e incluem. Esse é o pão do amor que jamais faltará, porque é fabricado no coração de quem acredita naquele que disse: “Eu sou o pão da vida” (João 6. 35 ). O cântico a que nos referimos ainda diz: Por um pedaço de pão e por um pouco de vinho, eu também vi muita gente encontrar novamente o caminho do céu, voltar ao convívio de Deus. A autora é teóloga e obreira da IECLB em Nova Hartz (RS) NOVOLHAR – Novembro/Dezembro 2008


Pão é vida digna Mais do que o alimento diário na mesa das pessoas, segundo Lutero, a palavra pão é uma metáfora para todas as necessidades de vida digna dos seres humanos. Karen Bergesch

A

ORAÇÃO DO PAI-NOSSO PERTENCE à tradição cristã, sendo expressão de fé de inúmeras gerações ao longo da história. É através de suas petições que encontramos voz para abordar temas muitas vezes desafiadores em nosso cotidiano. É o caso do tema do sustento diário, citado na quarta petição. O pão diário é uma necessidade do corpo. Sem o alimento não é possível viver. Mas de que pão trata a oração? De acordo com a interpretação de Martim Lutero no Catecismo Menor, o pão de cada dia refere-se a tudo o que “pertence ao sustento e às necessidades da vida como: comida, bebida, vestes, casa, lar, campos, gado, dinheiro, bens, consorte piedosa, filhos piedosos, empregados

bons, superiores piedosos e fiéis, bom governo, bom tempo, paz, saúde, disciplina, honra, leais amigos, vizinhos fiéis e coisas semelhantes”. A intenção de Lutero ao escrever o Catecismo Menor era orientar o ensino e a educação na fé cristã. As explicações dos mandamentos, das orações e dos sacramentos são breves e refletem, através da linguagem, a época em que o reformador vivia. Reconhecemos esse contexto histórico na interpretação da quarta petição da oração do Pai-Nosso. É o período antes da industrialização, portanto uma sociedade agrária. Apesar da distância do tempo e da diferença de contextos, sua explicação desafia à reflexão sobre as necessidades humanas, independentemente do período histórico.

O pão diário refere-se ao alimento para o corpo e tudo o mais que a pessoa necessita para humanizar-se: afeto, respeito, trabalho, moradia, bom governo e paz. Portanto, ao pedir pelo pão diário, intercedemos por relações afetivas saudáveis e por uma vida socioeconômica digna, bem como por um governo bom, que promova a paz e a justiça. Percebemos, então, que a palavra “pão” é utilizada metaforicamente para representar as necessidades de uma vida digna. Assim, sede e fome devem ser saciadas diariamente. Não é possível extinguir a fome com promessas de um pão futuro. O cotidiano traz suas exigências prementes, e não é possível esperar. Por isso necessitamos hoje de um lar seguro, sem violência, que permita relações afetivas saudáveis, a fim de que possam se multiplicar nas diversas relações sociais. Hoje necessitamos de um trabalho digno, que possibilite a aquisição de bens materiais, lazer, estudo, esporte, cuidados com a saúde etc. Hoje necessitamos de bons governantes. Todos esses aspectos marcam a nossa história, sentimentos e corpo, seja por sua falta ou sua presença. Em nosso tempo, sociedade da tecnologia e da indústria, igualmente o pedido pelo pão de cada dia torna-se expressão da condição humana, espelhando nossas alegrias e preocupações. A relação direta

J.Dago / UNEP / Still Pictures

KOSOVO: Todos os aspectos que marcam a história, os sentimentos e o corpo do ser humano, por sua falta ou sua presença, estão presentes na metáfora do pão. Casa, comida, trabalho, dignidade, uma sociedade organizada e em paz... Todas essas características da vida digna estão ausentes num campo de refugiados, onde a simples distribuição de pão representa a pequena distância entre a vida e a morte

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com Deus através da oração ensinada por Jesus permite simplicidade e proximidade. Essa espiritualidade não é de aparência, mas de verdadeiro reconhecimento de Deus como ser absoluto e da pessoa como criatura que relativiza a auto-suficiência humana. Portanto é um convite à reflexão crítica sobre a realidade na qual estamos inseridos, ao autoconhecimento, ao compromisso com a ética cristã e a vivência da fé, a fim de que tenhamos vida em abundância. Então de que temos sede e fome hoje? Hoje, por exemplo, preocupa-nos a alta no preço dos alimentos. O desenvolvimento da tecnologia na agricultura e na indústria alimentar não garante preços baixos para todos os alimentos. Assim, muitas pessoas sentem ameaçado o sustento diário. Muitas famílias tiveram que rever sua lista de compras no supermercado e na feira. De acordo com os jornais, a fome no mundo aumentou. A acessibilidade aos bens essenciais também sofreu um impacto. A instabilidade do mercado econômico gerou insegurança diante da necessidade de realizar negócios ou planos de estudo e de viagens previamente traçados. Dessa forma, torna-se necessário distinguir com maior clareza o que é prioritário. Então, mesmo que seja necessário cortar gastos, não podemos deixar faltar afeto, respeito, justiça, educação, formação e paz. A integralidade da vida precisa ser mantida. Por isso permanece o reconhecimento de que o sustento diário é maior do que apenas o alimento. Permanece o reconhecimento de que é necessário agradecer por tudo o que temos, pois o recebemos gratuitamente através do amor de Deus por nós. Permanece o conhecimento de que Deus nos capacita para agir de acordo com a ética cristã. Assim concluímos que o pedido pelo pão diário permanece atual, pois enfoca a condição humana que necessita tanto de aspectos materiais para viver como do aspecto espiritual, no que se refere à vida digna. Nessa perspectiva, o tema do alimento cotidiano não se esgota. Pelo contrário, é um desafio contínuo para a vivência cristã nos dias de hoje.

Fonte de renda

e cidadania O projeto social Oficina do Pão, da comunidade luterana de Porto Alegre, ensina a fazer pão e prepara jovens carentes para atuar no mercado. Carine Fernandes

O

PÃO TEM SIDO O CAMINHO PARA

jovens em situação de vulnerabilidade social preparar-se para o mundo do trabalho e aprender lições para toda a vida. No bairro Partenon, em Porto Alegre, a oportunidade é oferecida há 15 anos pela Oficina do Pão, um projeto social da Comunidade Evangélica de Porto Alegre (Cepa), com sede na Paróquia São Marcos. A iniciativa, pioneira nessa modalidade, atende duas turmas de 15 jovens cada, durante quatro horas, três vezes por semana. Até agora, já passaram 250 adolescentes pelo projeto. Além de ensinar a colocar a mão na massa, o programa aborda, principalmente, conteúdos voltados para a educação e a

cidadania. “As aulas dividem-se em 50% de prática e 50% de dinâmicas, nas quais se ensina sobre respeito, limites, preservação ambiental, paternidade e maternidade responsáveis, entre outros temas”, explica a coordenadora da oficina, Lúbia Wartchow. Para sair do método tradicional de aula, ela conta que os participantes assistem a filmes, fazem teatro e apresentações musicais e produzem cartazes sobre os temas abordados. Além disso, há momentos de lazer e práticas esportivas. Para Bruna Silveira Miranda, de 15 anos, a oficina é uma ótima chance para entrar no mercado de trabalho. “Gosto muito de fazer pães e cucas, e essa é uma boa oportunidade para aprender e depois ar-

BRUNA: O curso é uma ótima chance para entrar no mercado de trabalho. Gosto muito de fazer pães e cucas, e essa é uma boa oportunidade de aprender

A autora é teóloga e atua no Pastorado Escolar do Colégio Cônsul Carlos Renaux em Brusque (SC)

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NOVOLHAR – Novembro/Dezembro 2008


Fotos Carine Fernandes

A chance de ter uma profissão também mobilizou moradores da Restinga, em Porto Alegre, a participar do curso de panificação. A iniciativa do Ministério do Desenvolvimento Social e do Combate à Fome é executada pela União Sul-Brasileira de Educação e Ensino (USBEE) há quatro anos. O objetivo é promover a geração de renda para unir as comunidades, reforçar a autonomia, a capacidade de iniciativa e a sustentabilidade individual e de associações populares. O programa, a exemplo da Oficina do Pão, não se resume apenas à cozinha. Entre as atividades complementares há oficinas sobre saúde, ervas condimentares, nutrição, palestras da Emater e dia de transformação e PIONEIRO: O trabalho de formação dos jovens na Oficina do Pão atinge duas turmas de 15 alunos atualmente embelezamento, promovido pela ONG Sempre Mulher. É rumar um emprego”, afirma. Já Maick to brigão, agora estou mais tranquilo”, diz. mais um exemplo de que a combinação de Rodrigues Machado entrou no projeto Para o pastor da Paróquia, Milton fermento, farinha e boas doses de cidadania com um único objetivo: abrir sua próWartchow, os jovens não saem prepara- pode trazer novas perspectivas de futuro e pria padaria. Porém, ao longo do curso, dos apenas para a panificação, mas sim para trabalho para quem precisa. descobriu que poderia aprender muito qualquer outro emprego. “Acontece muiA autora é estudante mais do que fazer pães. “O convívio com to de encontrarmos ex-alunos, depois de de Jornalismo e integrante o grupo e as aulas que temos com as alguns anos de conclusão do curso, e ver da equipe de Comunicação psicólogas fizeram com que eu mudasse que a maioria está trabalhando e conquisdo SINEPE/RS em Porto meu comportamento. Antes eu era muitando o seu espaço”, conta. Alegre (RS)

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Diário de viagem

“Vai sair no

Linha Direta?” Um emocionante relato do dia-a-dia de quem exerce a difícil e arriscada atividade de dar voz aos que não têm voz em meio à violência na fronteira agrícola do Pará.

S

OU ENFERMEIRA E, NAS HORAS VAGAS, tradutora e intérprete em Marabá, no Pará. Recentemente, acompanhei dois jornalistas ingleses durante suas reportagens aqui na região. O serviço de intérprete foi pesado, mas bom. Sarah Cuddon trabalha na BBC, em Londres, e Nick Maes é freelancer no The Guardian, um jornal londrino. Eles faziam perguntas até no carro; afinal, eram repórteres. Entrevistamos frei Henri, um francês de 78 anos, que também é advogado da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Ele está ameaçado de morte e mora em Xinguara. Fala português e francês. Diz ele que perdeu seu inglês há 40 anos. Em alguns momentos, misturava as duas línguas, mas esbanjava simpatia, paz e energia, além de ter muita fé e experiência acumuladas. As crianças no acampamento dos sem-terra João Canuto falaram que entendem tudo o que frei Henri fala. Falamos também com várias pessoas que sofreram trabalho escravo. São histórias reais que não deveriam existir mais no Brasil. Segundo frei Henri, os dois jornalistas ingleses eram analfabetos, pois não falavam português. Para ele, eu era alfabetizada, e isso criou uma certa cumplicidade entre nós dois e um laço de confiança com as entrevistadas. Também fizemos perguntas ao presidente do sindicato rural (dos fazendeiros), dono do hotel em que ficamos hospeda-

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dos. No início, ele não quis dar entrevista. Ligou para alguns fazendeiros, mas nenhum queria falar com os jornalistas ingleses. Então sobrou para ele mesmo ser entrevistado. Ele é goiano e foi empossado há pouco tempo como presidente do sindicato rural. Concorda com o trabalho do frei em prol dos pobres, mas o acha muito radical por apoiar invasões de terra, principalmente as produtivas, como as da fazenda Rio Vermelho. Ele disse: “O padre, como estrangeiro, deveria ter ficado no país dele, para cuidar dos pobres de lá”. É a favor de uma distribuição de terra legal, conforme a Constituição brasileira, que defende o direito à propriedade. Pistolagem, segundo ele, não existe mais na região. O papel do sindicato rural é capacitar jovens fazendeiros na doma de animais, curtição de couro, corte e costura. Foi muito diplomático. Afinal, é dono do hotel e não quer perder a freguesia do frei também. Entrevistamos dona Geraldina, 73 anos, viúva de João Canuto, ex-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Maria. Quatro anos depois da morte do marido, três de seus filhos foram amarrados e baleados a mando de fazendeiros da região. Dois morreram e um sobreviveu. É uma mulher frágil, um palito de fósforo, como ela mesma se denomina. Mas é uma mulher muito forte e quer ver justiça.

Irene Margarete Höhn

Irene Margarete Höhn

Ela falou que se sente prisioneira em sua própria casa. Já lhe ofereceram uma casa noutra cidade, mas ela não quer ir embora porque isso significaria esmorecer na frente de seus filhos e dos pistoleiros. “Eu consegui passar essa luta pros filhos e netos; não sei se vou conseguir passar pros bisnetos”, afirma dona Geraldina. “Tenho medo de que eu, com a idade e o tempo, vou esquecer o rosto dos pistoleiros e mandantes, mas eles podem não esquecer o meu e os dos meus filhos”, continua ela. Conversamos também com Luzia, filha de dona Geraldina, que ficou com os olhos brilhando e fixos quando contou do assassinato dos irmãos. Ela tinha 17 anos na ocasião. Hoje ela é professora em Rio Maria, pressionada politicamente em sua profissão. Depois entrevistamos dona Maria, viúva de Expedito, outro sindicalista assassinado. Era poeta, negro, pobre, católico do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Ela ficou viúva com nove filhos menores, o mais velho com 14 anos. A casa estava à luz de velas. O frei Henri perguntou: “Dona Maria, o que aconteceu com sua NOVOLHAR – Novembro/Dezembro 2008


NA PELE: O frei Henri (esq.) ao lado do repórter do The Guardian, Nick Maes, e Irene Höhn em bate-papo com algumas crianças do acampamento dos semterra João Canuto. Frei Henri, um francês de 78 anos, também é advogado da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Ele está ameaçado de morte e mora em Xinguara. No caminho de volta para Xinguara, os jornalistas perguntaram ao frei Henri qual o risco de ser assassinado nessa viagem. “Risco nenhum, porque estou com a mídia internacional no carro”, respondeu. Acho que ele deve ter cuidado, sim. Pois mesmo sendo uma personalidade conhecida internacionalmente, reconhecida pela Fundação Roberto Marinho em 2003 e ter guarda-costas de confiança 24 horas por dia, existe o risco, sim

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luz?”. Ela respondeu: “Cortaram, mas eu acho até bom, porque senão é uma barulheira só, o som ligado, a TV...” Dona Maria é uma pessoa muito tímida. Durante a entrevista, ela estava tremendo e esfregando as mãos suadas, mas olhando fixamente para o rosto do jornalista. No final da entrevista, Sarah tirou uma foto de todos os que estavam na casa. Um neto entrou correndo para sair na foto: “Vai sair no Linha Direta?” No caminho de volta a Xinguara, os jornalistas perguntaram ao frei Henri qual o risco de ser assassinado nessa viagem. “Risco nenhum, porque estou com a mídia internacional no carro”, respondeu. Acho que ele deve ter cuidado, sim. Pois mesmo sendo uma personalidade conhecida internacionalmente e reconhecida pela Fundação Roberto Marinho, em 2003, e ter guarda-costas de confiança 24 horas por dia, existe o risco, sim. Nick, o jornalista do The Guardian, perguntou-me por que eu tinha ficado emocionada na casa dos Canuto. Respondi que chorei pensando também em outros assassinatos, nas viúvas, nos filhos órfãos. Foi por isso, mas também pela força que senti em dona Geraldina, na dona Maria, Luzia e no frei ao enfrentar essa situação com coragem e bom humor. Às vezes, a gente desanima e fraqueja por tão pouco e acha tudo tão difícil... A autora é enfermeira, tradutora e intérprete em Marabá (PA)

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Profissões

Cinco décadas

na bigorna Rui Bender

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Rui Bender

E

NTRE BIGORNA, FOLE E BARRAS DE ferro ele forjou sua profissão. Desde os dez anos, Darci trabalhou ao lado de seu pai, Hugo Heinz, na ferraria montada na pequena vila de São José do Hortêncio (no vale do rio Caí, Rio Grande do Sul) no longínquo ano de 1948. Hoje, Hortêncio já virou município, mas Darci (58 anos) ainda continua a atividade no mesmo velho galpão em que seu pai começou há seis décadas. Este ano ele completa 48 anos no ofício. O ferreiro é um “dinossauro” das profissões, pois mantém seu ofício pela força da tradição. Afinal, a atividade de ferreiro está em franca extinção. Darci encaixa-se perfeitamente nesse perfil. Hoje ele é o único da região que ainda forja algumas ferramentas. Em São José do Hortêncio, já havia três ferreiros no passado, recorda Darci; e num raio de 20 quilômetros contavam-se mais de dez. O declínio das ferrarias começou “com a entrada dos tratores”, avalia Darci. Ele e seu pai modelavam ferragem para carroças, forjavam grades, arados, foices, enxadas e outras ferramentas agrícolas. “Fazíamos quatro carroças por mês nos bons tempos”, lembra. Na sua opinião, os melhores anos foram 1970 até 1985. O trabalho era mais fácil. “Antes era tudo a muque. A partir de 1970, entraram os aparelhos elétricos, como furadeiras e talhadeiras. Isso facilitou nosso trabalho”, observa Darci. O declínio veio na esteira dos tratores a partir de 1985. O trabalho de ferreiro é um “serviço sujo”, observa ele. Pois o processo de forjamento do ferro provoca muito pó. Além disso, é um “serviço pesado”, pois

1948: Desde os dez anos, Darci Heinz trabalha no mesmo galpão em que seu pai começou

o trabalho com martelo e talhadeiras para forjar ferramentas exige força física. Hugo e Darci também costumavam “ferrar cavalos”, quer dizer, colocar ferraduras nos cascos desses animais. A ferradura é a garantia de vida longa para os cascos. No passado, isso também fazia parte do trabalho dos ferreiros do interior. Dava muito trabalho, porque se tinha que lidar com o “temperamento” dos animais. Atualmente, Darci, aposentado desde 1997, ainda faz alguns tachos, conserta correntes e também faz carrinhos que seu filho usa na Ceasa em Porto Alegre. Ele não se encaixa naquele ditado popular que diz: “casa de ferreiro, espeto de pau”, que ele classifica de “uma brincadeira”. Porém, na sua opinião, hoje não adianta mais investir nesse ofício. Mesmo porque “ninguém mais conseguiria sobreviver com

uma ferraria atualmente”, reconhece ele. Certamente por isso nenhum de seus filhos seguiu sua profissão. Perceberam cedo que não haveria futuro nessa atividade. Então se dedicaram ao cultivo de hortigranjeiros, no qual se houveram bem. Entretanto, Darci não se arrepende da profissão que abraçou na vida. Ao contrário de seu pai Hugo, que tinha o sonho de ser ferreiro desde criança, Darci não escolheu esse ofício. Mas, por ser filho único, encaminhou-se naturalmente para ele. E assim recusou a proposta de trabalhar e estudar na cidade e até de ir para uma escola de formação de pastores. “Talvez se tivesse tomado outra decisão naquela época, hoje poderia estar melhor. Mas estou satisfeito assim mesmo”, admite. O autor é jornalista em São Leopoldo (RS) NOVOLHAR – Novembro/Dezembro 2008


Comportamento

Aluno nota dez,

pai orgulhoso Angela Marulanda

É

GRANDE A SATISFAÇÃO DE VER OS

filhos tendo sucesso em seus estudos. Por isso muitos de nossos esforços como pais e mães têm isso como meta. Contudo, mesmo que seja maravilhoso ver os filhos se destacando academicamente, é perigoso cair no erro de deixar que o reconhecimento público de seus êxitos se converta no objetivo primordial de nossas ações. Mais perigoso ainda é quando nós pais e mães vivemos as vitórias dos filhos como uma credencial de nossa idoneidade como tais ou como uma forma de sobressair através de seus êxitos. De forma que seja difícil distinguir se o que ambicionamos é para o bem dos filhos ou para o bem de nossos egos. A educação acadêmica dos filhos parece que não tem escapado da influência da busca desenfreada pela fama, que caracteriza uma cultura centrada no sucesso como va-

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lor supremo (entendido em termos de se destacar mais do que os demais). Por causa do “exitismo”, o objetivo de tudo o que se faz é ocupar um lugar de destaque ou alcançar a glorificação de nosso nome. Assim, não é raro que se dê mais importância ao status acadêmico e social dos colégios do que à formação de seus alunos e que as qualificações nos servem sobretudo para comparar a posição que nossos filhos ocupam em relação a seus colegas. Hoje, entretanto, os filhos já não se destacarão pelo que sabem nem pelo que ganham, mas pelo que fazem com o que sabem e têm. Nossos filhos terão mais êxito em sua vida se nos propormos a despertar neles o entusiasmo por saber para servir e se os animarmos a deixar de ser receptores passivos da informação ou espectadores indiferentes dos problemas para converter-se em protagonistas das

mudanças de que tanto necessitamos. O importante, então, será oferecer-lhes uma educação que os humanize e libere, oferecendo-lhes novos olhos para descobrir o mundo e novos instrumentos para construir uma existência plena, ajudandoos a ver tudo o que podem realizar com seus conhecimentos. Dessa forma se favorecerá a formação de homens e mulheres mais capazes de desenvolver seu potencial para contribuir ativamente na construção de um mundo melhor. O êxito não é um destino; é um caminho. Alcançaremos mais se nos centrarmos em alcançar o êxito como pais em lugar do êxito de nossos filhos como estudantes. Triunfamos como tais quando respeitamos a dignidade de nossos filhos e os animamos a desenvolver seus talentos e a alcançar seus sonhos, mesmo que eles não coincidam com nossos sonhos; quando conseguimos que sua vida se oriente pelo desejo de ser pessoas melhores e não pela ânsia de obter mais honras; quando têm claro que sua vitória não depende do alcance de sua fama nem da quantidade de seus bens, mas da magnitude de suas contribuições. E quando nos dedicarmos a cultivar neles as virtudes que enriquecem sua vida ao dedicar-se a contribuir em vez de se preocupar, antes de tudo, em sobressair. A autora é escritora colombiana e educadora familiar em Miami (EUA)

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Depoimento

O ugali Esse é o desafio que Deus colocou à nossa frente. E se nem todos têm um pedaço do “pão de cada dia”, estamos lutando para que pelo menos alguns mais tenham o “ugali nosso de cada dia”, dado por Deus através de nossas mãos e das mãos de muitos colaboradores.

Fotos: Arquivo pessoal do autor

de cada dia

Carlos Walter e Lídia Winterle

P

ARA QUEM TEM PÃO SOBRE A MESA

diariamente e até joga no lixo o pão mofo, pois tem pão fresco cada dia, é fácil orar: “O pão nosso de cada dia nos dá hoje”. Mas para aqueles que têm no máximo uma refeição diária – quando a têm! –, o que fazer? Minha experiência como pastor luterano trabalhando em Nairobi (Quênia/África) tem sido muito marcante em termos de solidariedade na prática do dia-a-dia. Após ter começado o meu ministério na periferia de São Paulo, entrando em muitas favelas e ajudando pessoas paupérrimas durante mais de 15 anos; após ter trabalhado durante dez anos numa congregação em Porto Alegre; após ter servido à Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB) como seu presidente durante oito anos, recebemos o desafio de servir como pastor em uma congregação na capital do Quênia. Minha esposa e eu aceitamos o desafio sem pestanejar e sem saber o que nos espera-

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va. Estamos lá desde outubro de 2006 e estamos renovando o nosso contrato até fins de 2010. Nairobi é uma grande e bela cidade, com mais de 3 milhões de habitantes. Mas é uma cidade de contrastes enormes! A opulência convive com a miséria extrema. A alta tecnologia vive lado a lado com o primitivismo de tribos milenares, que perambulam pela cidade com seus rebanhos de gado e de cabras e seus trajes típicos. Mais da metade da população vive em favelas; a maior favela da África, Kibera, fica no coração de Nairobi. O “tribalismo”, que mistura o orgulho de cada uma das mais de 50 tribos existentes no Quênia com o ódio a tribos rivais, é latente e manifestou-se em toda a sua força na violência pós-eleitoral que explodiu em janeiro de 2008. Esse é o mundo em que eu e minha esposa vivemos, servindo à congregação central e apoiando as congregações filiais de Kibera, Kawangware e Kiambu.

No Brasil, também temos muita pobreza e miséria, mas não há comparação. Além do mais, a igreja luterana aqui, com raras exceções, não atua nos bolsões de miséria, mas se contenta em dar atendimento aos que já são luteranos por gerações. Não é a realidade que enfrentamos em Nairobi, onde a igreja está inserida no meio do povo altamente carente. Ficamos chocados quando fomos visitar uma escola da periferia em Kawangware, ao ficar sabendo que muitas crianças órfãs da AIDS passam o dia na escola sem comer, porque os seus tutores não mandam lanche e a escola não tem condições de lhes dar nada. Foi dado início a um programa de alimentação para 30 crianças órfãs. Normalmente, o almoço consiste em um prato de ugali – uma polenta de milho branco – com um pouco de molho e uma verdura. Ugali é o prato mais popular e comum que encontrei. “O ugali nosso de cada dia nos dá hoje!” NOVOLHAR – Novembro/Dezembro 2008


AO LADO, o rev. Carlos Walter e Lidia Winterle diante da cruz queimada na igreja de Kibera. A igreja, o centro médico, a escola e a casa pastoral foram queimados por vândalos durante a violência pós-eleitoral ACIMA, os alunos na hora do lanche, comendo o ugali com as mãos, conforme costume local

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Um grupo de 40 meninos de rua também recebe apoio através da congregação. Jovens recuperados pelo programa e hoje membros ativos na igreja e retornados à escola coordenam esse trabalho, dando orientação e aconselhamento ao grupo. As mulheres soropositivas recebem uma atenção muito especial. Elas têm acesso a um microfinanciamento para iniciar um negócio próprio. Uma vez por semana, elas têm estudo da Palavra, aprendem a fazer artesanato e recebem orientação de como se cuidar com medicação e alimentação na situação em que vivem. Apesar dessa realidade miserável, todos são pessoas muito acessíveis, amáveis, alegres e confessam sua fé em Jesus com muita alegria. Esse é o desafio que Deus colocou à nossa frente. E se nem todos têm um pedaço do “pão de cada dia”, estamos lutando para que pelo menos alguns mais tenham o “ugali nosso de cada dia”, dado por Deus através de nossas mãos e das mãos de muitos colaboradores. Lembre desse povo sofrido quando comer o seu pão e orar “o pão nosso de cada dia”.

Os autores são missionários da Igreja Evangélica Luterana do Brasil em Nairobi, Quênia

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Novolhar sobre

Inclusão social

Maria Salette Kreutz

Cada vez mais, as pessoas se preocupeso pam com a saúde e a manutenção do , ideal. O consumo de adoçantes dietéticos étidiab os para idos nvolv dese inicialmente ados cos, aumentou muito. Também cham apre que ias tânc subs são , de edulcorantes rior sentam um poder adoçante muito supe isso, ao da sacarose (açúcar refinado) e, por osão utilizados em quantidades bem men a. mes de ar açúc ao do res, se compara O edulcorante pode ser utilizado como mas, aliado no tratamento da obesidade, ar para o resultado ser eficaz, é preciso mud indo ader s, rreto inco res enta os hábitos alim proa um plano alimentar equilibrado, que ável. saud e ual grad to imen move emagrec Pessoas diabéticas devem ter orientavez ção de nutricionista ou médico, uma ou que muitos adoçantes contêm lactose ias tânc subs das ulo veíc o sacarose com s edulcorantes. Devemos usar os adoçante senbom com ar açúc ao ão em substituiç ão. so, adoçando sempre com moderaç ) (IDA uada Adeq a Diári stão Existe uma Inge mo para cada edulcorante, assim que o mes esse não traga prejuízo à saúde. Para obter seu valor, multiplique o valor em mg pelo adodos ão ificaç class a veja e peso em kg (não çantes e sua IDA. Calóricos: frutose rio), usuá do rio crité (a itol sorb existe limite), e manitol (15mg). Não-calóricos: aspartam s ento alim em o usad ser deve (40mg – não rina quen tes) , cicla mato (11m g), saca alose (5mg), acessulfame-k (15mg), sucr (15mg) e esteovídeo (5,5mg). A autora é nutricionista em São Leopoldo (RS)

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Adoçantes

APRENDIZADO: Uma criança pode precisar de mais tempo para aprender

A difícil prática

do dia-a-dia Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade. Artigo 1° da Declaração Universal dos Direitos Humanos

Sharlene Leber

C

OMO REALIZAR A INCLUSÃO NA VIDA

diária é um desafio constante para nossa sociedade. Falar da inclusão de pessoas com deficiência é afirmar que todas têm seu lugar na sociedade e que a deficiência ou qualquer outra característica não podem ser impedimento para o exercício de uma vida plena de direitos e deveres. Falar de inclusão é promover uma consciência, e o aprendizado dessa consciência gera atitudes práticas.

Recentemente, entrou em vigor a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, promulgada pela Organização das Nações Unidas (ONU). Essa convenção foi desenvolvida sob o entendimento de que as próprias pessoas com deficiência são as que mais sabem o que é melhor para elas. Por isso, quando almejamos realizar a inclusão em nosso dia-a-dia, é impossível fazê-lo sem diálogo e convivência com as pessoas com deficiência. Quando NOVOLHAR – Novembro/Dezembro 2008


falamos de inclusão, falamos de ações que podem ser realizadas por todas as pessoas – a partir da vivência em comunhão, abrindo horizontes, dialogando e buscando conhecer as causas do preconceito e da discriminação. Somos desafiados a mudar nossos paradigmas, transformar o jeito de como enxergamos e nos relacionamos com o mundo e as pessoas. Vivemos num mundo diverso. Essa diversidade se manifesta de várias formas, como características corporais, de comportamentos e de crenças diferentes. O respeito pela diversidade e o entendimento de que todos fazem parte de um todo é o primeiro passo para realizar ações de inclusão. Respeitar e entender a outra pessoa gera uma consciência inclusiva e desperta para ações que visam o bem-estar de todos. Por exemplo, em um ambiente adaptado, não apenas pessoas com deficiência exercem o direito de ir e vir, mas também aquelas sem deficiência exercem esse direi-

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to com mais qualidade. Ou aceitar e compreender que cada pessoa aprende, desenvolve-se e interage socialmente de acordo com seu ritmo. Por exemplo, uma criança pode precisar de mais tempo para desenvolver o aprendizado, mas isso não significa que ela não seja capaz disso. A inclusão não acontece através de um único método, nem tem um tempo determinado para sua conclusão. Inclusão não é como um projeto com início e término, mas é um processo constante, é um novo jeito, urgente, de viver e entender a sociedade. É um processo do qual somos convidados a participar, revendo nossos medos e atitudes de exclusão. Cada pessoa tem um jeito diferente de servir. Cada pessoa tem um dom, cada pessoa sabe ou pode aprender de que forma pode contribuir para a inclusão e a construção de um mundo com igualdade de oportunidades, acessível, fraterno e que celebra a diversidade. Não existe uma única resposta pron-

ta para realizar ações de inclusão. O ponto de partida para agir é deixar-se desafiar e cada pessoa reconhecer-se peça fundamental na construção de uma sociedade consciente e inclusiva. Ações de inclusão não exigem um megaprojeto. Elas podem acontecer na vivência cotidiana, primordialmente desde a convivência com pessoas com deficiência, o respeito pelas necessidades individuais, o envolvimento com movimentos e iniciativas que planejam e constroem ações de inclusão. Assim como o entendimento e o interesse acerca das leis e políticas públicas na área da inclusão até as ações, por exemplo, de fiscalização ou cobrança para a efetivação das leis. “Que tudo o que vocês fizerem seja feito com amor” (1 Coríntios 16.14). Permita-se um novo olhar! Deixe-se envolver! A autora é teóloga e coordenadora do Projeto Inclusão e Deficiência na IECLB em Porto Alegre (RS)

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Divulgação Novolhar

Cultura

ANTOLÓGICA: Sylvia Koscina, João Gilberto, Tom Jobim e Mylène Demongeot cantando em Ipanema

Bossa nova 50 anos Werner Ewald

O

ANO DE 2008 MARCA O JUBILEU DE

ouro de um estilo musical que surgiu no final dos anos 1950. Um estilo que já foi chamado de samba das praias (e não dos morros) e dos barzinhos urbanos do Rio de Janeiro e que hoje é marca de Brasil no mundo todo. Mas essa música não agradou a todos quando nasceu e tampouco foi sucesso incontestável como se poderia pensar hoje, 50 anos depois. Críticas pipocaram por todos os lados, e adjetivos como turma de desafinados, antimusicais, antinacionais e uma lista de outros “defeitos” apareceram nas críticas da época. A resposta bem-humorada, mas ferina, como é típica da bossa nova, veio em duas famosas composições de Tom Jobim e Newton Mendonça: Desafinado, em que João Gilberto canta: “Se você disser que eu desafino amor ... isso é bossa nova, isso é muito natural”, e Samba de uma nota só, que diz: “Eis aqui este sambinha feito de uma nota só...”, um comentário gracioso e muito musical àqueles que debochavam da bossa nova como plana e sem variação musical. Na década de 1950, quando a bossa nascia, fervilhavam novidades. O Plano de

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Metas do presidente Juscelino Kubitschek prometia “50 anos em 5”. Em 1958, o Brasil conquistava sua primeira Copa do Mundo. Quem não se lembra de “a taça do mundo é nossa”? Estradas foram abertas, siderúrgicas construídas, empresas estrangeiras instaladas (Volkswagen e o Fusca, por exemplo), foi iniciada a construção de Brasília, a nova capital símbolo de urbanismo e modernismo. A arquitetura moderna e despojada de Niemeyer, a poesia concretista, o cinema novo, a pintura pós-abstracionista, a música erudita dodecafonista, todos esses movimentos artísticos de vanguarda através dos quais se queria afinar o Brasil com a modernidade. Nesse embalo desenvolvimentista de contemporaneidade e renovação surgia a bossa nova. E os novos jeitos da bossa nova eram notícia para a música popular da época: a voz meio cantada meio falada, suave e murmurada, ao invés do estilo grandioso da voz dos cantores do rádio, a poesia leve ao invés de tragédias amorosas, os acordes dissonantes e a nova batida rítmica do violão e a apresentação simples e despojada no palco (o banquinho e o violão) ao

invés de muitos instrumentos acompanhadores, figurino de gala e arroubos na gesticulação. Nesse sentido, diz-se que a bossa nova era um estilo de música mais para ser ouvido do que para ser dançado, o que também contrastava com estilos como o samba e o bolero. Essa atualização também utilizou elementos vindos de outros estilos musicais, como o jazz dos Estados Unidos e o bolero do México, principalmente do estilo camerístico do cantor de boleros Lucho Garcia (chileno radicado no México), que tornou famosos boleros como Solamente una vez e Bésame mucho. Combinações da música erudita impressionista de compositores como Debussy, Ravel e VillaLobos também fazem parte das influências que transitaram pela bossa nova. Como se vê, diferentes estilos musicais e vários elementos culturais concorreram para moldar, para dar bossa à originalíssima bossa nova. E agora aos 50 anos, continua nova a bossa nova? Dizem alguns que ela tem valor histórico, mas que é um estilo do passado que ficou no passado ou no gosto de poucos. Outros dizem que ela continua atual, moderna, como meio século atrás, influenciando e sendo inspiração para músicos e grupos musicais dos dias de hoje. Sem dúvida, a bossa nova foi muito além de ser uma novidade de época, uma “música de verão”. Mais do que ser um novo estilo musical, ela foi um movimento cultural de renovação, que afinou a música popular com o momento do país, contribuiu de forma decisiva para os rumos da música popular brasileira e lançou de forma indiscutível o nome do Brasil no cenário musical internacional. Sua atualidade é também atestada pelas muitas exposições, apresentações, reedição de gravações, retrospectivas, lançamento de livros, palestras e debates para comemorar o jubileu de ouro dessa que é um tributo à originalidade da música brasileira e que continuará, como cantou Tom Jobim, sendo sempre “... linda e cheia de graça” – a bossa nova. O autor é professor e doutor em Musicologia/ Etnomusicologia em São Leopoldo (RS) NOVOLHAR – Novembro/Dezembro 2008


Os rolos encontrados nas cavernas de Qumran eram feitos de pele de cabra e escritos em hebraico antigo e aramaico

A língua

de Cristo

A

LÍNGUA QUE JESUS CRISTO FALAVA

está em extinção. Os últimos povos do mundo que ainda falam aramaico vivem no norte da Síria. Aproxi-

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madamente 18 mil pessoas lutam para evitar que sua língua milenar caia no esquecimento. Idosos e crianças, cristãos e muçulmanos, os habitantes da aldeia nas montanhas de Maalula, 50 km ao norte de Damasco, estão orgulhosos de ser os únicos que sabem se expressar na língua de Cristo e não estão dispostos a permitir que ela desapareça. Ibla Jatita (as mesmas palavras usadas por Jesus Cristo para saudar seus apóstolos): é assim que as pessoas se cumprimentam nessa aldeia de casas de adobe e estradas estreitas, encravada entre duas montanhas, parecendo congelada no tempo. “O aramaico é um tesouro; se o perdermos aqui, desaparecerá do universo”, disse Georget al Jalabi, que trabalha na livraria do antigo mosteiro de São Sérgio e São Baco em Maalula. O templo católico é um dos poucos lugares do planeta onde se pode escutar o Pai-Nosso em aramaico. Contudo, é a única parte da liturgia em aramaico, pois o restante é falado em árabe.

Também as Bíblias usadas pelos paroquianos estão em árabe. A população de Maalula, entretanto, está feliz porque agora há uma escola pública que oferece cursos de aramaico, assim que crianças e adultos têm a oportunidade de estudar a língua aramaica num centro acadêmico. A escola, inaugurada no verão passado, “é apenas o início de um longo caminho para proteger a língua”, afirma Antón Taglub, vendedor de cruzes e imagens em um estande no mosteiro. Todavia, nesse e em outros estandes do mosteiro vizinho de Santa Tecla – também localizado entre as montanhas –, não se encontra nada em aramaico além de uma fita cassete com cantos para a Sexta-Feira Santa, mesmo que haja vários manuais básicos de autoaprendizagem do aramaico em espanhol, alemão, inglês e francês. Fonte: Jornal Nuevo Siglo, maio 2008, Quito, Equador

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Conto

Eo anjo Gostara do apelido que encontrou para si e para as outras: pastoras da noite. Melhor do que “ovelhas da noite”, cercadas por aqueles lobos vorazes. Carlos Artur Dreher

A

LI ESTAVAM ELAS, COMO TODAS AS

noites, à espera de algum freguês disposto a pagar o preço, servir-se e sumir na escuridão. Não seria diferente hoje. Ou seria? Já fazia algum tempo desde que caíra a noite. As luzes coloridas, pendentes em árvores ou em paredes de algumas casas, tinham agora um brilho mais intenso, apenas ofuscado quando algum automóvel passava. Nenhum parava, nenhum reduzia a velocidade ao vê-las. Talvez não houvesse mesmo fregueses naquela noite. Sim, ali estavam elas, as pastoras da noite. Não no campo, nem cercadas por ovelhas. Estavam na calçada, recostadas ao muro, rodeadas de luzes coloridas, desenhando papais-noéis, estrelas, anjos...

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Ildemar Kanitz

não veio...

“Não tenham medo”, lembrava ela, tinha dito o anjo. É claro que os pastores só podiam ter levado um susto! Imagine, sentados ali, no campo, noite após noite, guardando ovelhas por não ter outro trabalho, ganhando pouco, malvistos onde quer que fossem. E, agora, um anjo? Diante deles! É claro que levaram um susto danado e sentiram medo. Não tinha medo de ficar ali, na calçada, recostada ao muro, noite após noite. Não tinha nada a perder. E havia as outras, rivais e amigas. Rivais na disputa por fregueses, amigas na partilha da mesma sorte: pastoras da noite. Gostara do apelido que encontrou para si e para as outras: pastoras da noite. Melhor do que “ovelhas da noite”,

cercadas por aqueles lobos vorazes, que se refestelavam sobre seus corpos, de qualquer jeito, usufruindo a mercadoria que haviam comprado. O sorriso sumiu de seu rosto. Sentiu raiva. Depois tristeza. Olhou para a colega de muleta, aquela sem a perna direita, perdida num acidente estúpido, que não encontrara trabalho nem nos correios. Acabara ali, tendo o resto de seu corpo devorado pelos lobos com mais intensidade, porque custava menos. Olhou para si mesma e sentiu um nó na garganta. Queria voltar atrás, queria um colo de mãe, queria uma outra vida.... E chorou baixinho. “Não tenham medo”, voltou-lhe a lembrança. “Hoje vos nasceu o Salvador!” NOVOLHAR – Novembro/Dezembro 2008


Haveria um Salvador para as pastoras da noite? Um Salvador que as livrasse dos lobos, de seus corpos malcheirosos, de seu sarcasmo de donos da mercadoria pela qual pagaram o preço. Um Salvador para as pastoras da noite! Que talvez nem sequer as tirasse dali, mas que ao menos as tratasse como gente... As luzes intensas dos faróis de um carro feriram seus olhos e interromperam seu devaneio. Vinha andando mais lento. Estava quase parando. Eram duas pessoas: um homem e uma mulher. Olharam-na. Pareceu-lhe que com ternura, como se ela fosse gente. Seu coração pulsava intensamente. “Não tenham medo!” “Pastoras da noite.” Naquela noite, em meio às luzes coloridas, com papais-noéis, renas, trenós, estrelas, anjos... Anjos? Eram anjos naquele carro? Um último olhar carregado de bom sentimento chegou até seus olhos. E o automóvel afastou-se aos poucos.

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Não, pastora da noite, o anjo não veio. Não há glória a Deus nas alturas e paz na terra entre as prostitutas.

E

u já vira essas duas meninas várias vezes, altas horas, quando voltava do trabalho. Sim, um quê de masculino me fazia olhar de qualquer modo. Nos últimos tempos, porém, meu olhar era de compaixão, de vontade de dizer: “Queria algo de melhor para vocês”. Impressionava-me principalmente uma delas: a de muletas. Por que estava ali? Um acidente brutal lhe tirara todas as oportunidades, até a de trabalhar nos correios? E a outra, a de rosto dócil, menina ainda. Por quê? Comentei tais sensações com minha companheira. De início, ela estranhou meu interesse. Mas ficou impressionada quando lhe falei da de muletas e daquela de rosto dócil, menina ainda. Quando o Natal se aproximava, pensei em arriscar uma fantasia: parar o car-

ro e conversar com elas. Fazer papel de anunciador da boa-nova àquelas “pastoras da noite”, como eu começara a chamá-las, pensando nos lobos que as cercavam. Combinamos procurá-las na noite de Natal, juntos, eu e ela, levar-lhes um presente, mostrar-lhes que havia pessoas que pensavam nelas de outra maneira, com carinho e com ternura até. Fomos. Diminuí a marcha do automóvel ao chegar mais perto. Quase paramos. O coração batia mais forte. E como se estivéssemos tocando o fruto proibido, desisti da idéia. Medo e preconceito me derrotaram. Acelerei e dobrei a esquina. Voltamos para casa, frustrados. Definitivamente, não conseguimos ser anjos! O autor é téologo, professor na UNILASALLE, em Canoas (RS), e pastor voluntário da IECLB na Paróquia Imigrante, São Leopoldo (RS)

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Espiritualidade

A importância dos

desimportantes Estamos para entrar no Advento. Quem esperamos? Um jovem “maluco” oriundo de uma localidade insignificante ou o Deus Salvador? A resposta é simples: Basta olhar em volta e indagar-nos que importância damos aos atuais nazarenos.

E

M TEMPOS PRÉ-NATALINOS, EM QUE autores plagiam Voltaire e pregam que Deus não passa de um delírio de nossas mentes, vale recordar o que disse Dostoiévski no século XIX: “Ainda que me provassem que Jesus não estava com a verdade, eu ficaria com Jesus”. Jesus teve muito pouca importância para sua época, exceto para o pequeno grupo de seus discípulos. Era um homem destituído de valor agregado. Agrega-se valor a uma pessoa pela função que ela ocupa (vide os políticos), os bens que ela porta (vide os ricos), os títulos que ela ostenta (vide os nobres e os acadêmicos), o lugar de origem (nascer em Paris ou Nova Iorque soa melhor a certos ouvidos do que nascer em Santana do Capim Seco). Em tempos de outrora, o lugar de origem fazia as vezes de sobrenome. Os evangelhos referem-se a Jesus de Nazaré. Que valor tinha Nazaré, cidade ao sul da Galiléia? Era uma pequena aldeia camponesa com população em torno de 200 a 400 habitantes. Ali se cultivavam oliveiras, vinhas e grãos, como trigo e cevada. As casas eram de pedras brutas, empilhadas umas sobre as outras, revestidas de argila ou lama, e até mesmo esterco misturado com palha, para favorecer o isolamento térmico.

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A existência de Nazaré jamais foi mencionada pelos rabinos judaicos na Mixná ou no Talmude, embora eles listem 63 outras cidades da Galiléia. O historiador judeu Flávio Josefo, do século I, cita 45 localidades da Galiléia, e Nazaré não aparece. Assim como não aparece em todo o Antigo Testamento. O catálogo bíblico das tribos de Zebulon enumera 15 localidades da Baixa Galiléia, próxima a Nazaré, mas essa não é citada (Josué 19.10-15). Nazaré era um lugar tão insignificante, que Natanael, convidado a se tornar discípulo “daquele sobre quem escreveram Moisés, na Lei, e os profetas: Jesus, o filho de José, de Nazaré”, indaga com ironia: “De Nazaré pode sair algo de bom?” (João 1.45-46). Nazaré dista pouco menos de 7 km de Séforis, que foi capital da Galiléia antes de Herodes Antipas construir sua Brasília da época em homenagem ao imperador Tibério César: Tiberíades, à margem do lago da Galiléia. É provável que José e seu filho Jesus tenham trabalhado nas edificações de Séforis e Tiberíades. É curioso constatar que Jesus jamais pisou nessa última cidade, embora fosse visto com freqüência em outras localidades à beira do lago, como Cafarnaum. Talvez a ostentação da capital

Ildemar Kanitz

Frei Betto

da Galiléia lhe causasse repulsa. A própria família de Jesus não o via com bons olhos, assim como acontece em relação aos filhos que fogem das previsões paternas. Segundo Marcos (3.19-21), quando Jesus voltou para casa, “a multidão se apinhou, a ponto de não poder se alimentar. E quando os seus tomaram conhecimento disso, saíram para detê-lo, porque diziam: Enlouqueceu”. Na cultura da época, insanidade e possessão do demônio eram quase sinônimos. Marcos, o primeiro evangelista, prossegue: “Chegaram então a mãe e seus irmãos e, ficando do lado de fora, mandaram chamálo. Havia uma multidão sentada em torno dele. Disseram-lhe: A tua mãe, os teus irmãos e tuas irmãs estão lá fora e te procuram. Ele perguntou: Quem são minha mãe e meus irmãos? E percorrendo com o olhar os que estavam sentados a seu redor, disse: Quem fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão, irmã e mãe” (3.31-35). A tentativa de difamar Jesus é perene. Em fins do século II, Celso, filósofo grego, escreveu contra o cristianismo em defesa do paganismo: “Imaginemos o que NOVOLHAR – Novembro/Dezembro 2008


algum judeu – principalmente se filósofo – poderia perguntar a Jesus: Não é verdade, meu bom senhor, que você inventou a história de seu nascimento de uma virgem para abafar os rumores acerca das verdadeiras e desagradáveis circunstâncias de sua origem? Não é fato que, longe de ter nas-

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cido em Belém, cidade real de Davi, você nasceu num lugarejo pobre de uma mulher que ganhava a vida num tear? Não é verdade que, quando sua mentira foi descoberta, sabendo-se que fora engravidada por um soldado romano chamado Pantera, seu marido, um carpinteiro, abandonou-a sob a acusação de adultério? Não é verdade que, por causa disso, em sua desgraça perambulou para longe de seu lar e deu à luz um menino em silêncio e humilhação? Que mais? Não é também verdade que você se empregou no Egito, aprendeu feitiçaria e tornou-se conhecido a ponto de agora se exibir entre os seus conterrâneos?” Estamos para entrar no Advento. Quem esperamos? Um jovem “maluco” oriundo de uma localidade insignificante ou o Deus Salvador? A resposta é simples: Basta olhar em volta e indagar-nos que importância damos aos atuais “nazarenos” – os sem-terra e sem-teto, os oprimidos e encarcerados, os funcionários subalternos e pessoas destituídas de valor agregado. Segundo Mateus 25.31-46, é neles que Jesus quer ser reconhecido, servido e amado. É por eles que o Deus Salvador entra em nossas vidas. Frei Betto é escritor, autor de “A arte de semear estrelas” (Rocco), entre outros livros

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Penúltima palavra

Pela vida do

planeta Os princípios do desenvolvimento sustentável são três R’s R’s: Reduzir, Reutilizar e Reciclar. Paulo André Klarmann Michael Lorenzo

O

TEMA MEIO AMBIENTE E SUA RELA-

ção com o cotidiano das pessoas está cada vez mais presente na mídia, em escolas e universidades, no meio empresarial e nas diversas esferas dos poderes públicos e da sociedade organizada. Se no passado o assunto era alvo de discussões apenas nos meios acadêmicos, trazido a público pela imprensa quando se tratava de algo com grande repercussão, como a poluição de mananciais de água, desmatamentos e queimadas ou a mortandade de espécies de nossa flora e fauna, hoje em dia é motivo de preocupação e questionamento sobre o modo de vida das pessoas e sua relação com a própria sustentabilidade de nosso planeta. Tomando como base esse enfoque, devemos interrogar-nos sobre as mudanças comportamentais que estão de fato ocorrendo na sociedade, no sentido de usufruir com mais racionalidade dos recursos naturais existentes. Ou será que tudo não passa de “modismo“ ou jogo de cena para estar inserido no contexto do chamado “ecologicamente correto”? Um dos princípios do desenvolvimento sustentável é o uso dos três R’s: reduzir, reutilizar e reciclar. No entanto, numa sociedade capitalista com forte

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apelo ao consumo desenfreado de bens e serviços e que cada vez mais supervaloriza a praticidade e o conforto no seu dia-a-dia, como devemos agir para conciliar essa situação? Tomemos como exemplo o consumo de água pelas pessoas. Talvez porque pensa que se trata de um recurso natural ilimitado, uma grande parcela da população ainda a utiliza sem critério, seja na sua higiene pessoal, na lavação de automóveis e calçadas ou mesmo não corrigindo vazamentos em tubulações ou registros nas ruas e residências. Quem sabe é o momento de repensar nossas ações e mudar essa “cultura do desperdício”, criando novos hábitos pessoais e adequando nossas casas e empresas para captar as águas das chuvas para uso na manutenção e no embelezamento de nossos lares. Outro caso peculiar nessa linha de raciocínio é o consumo de material plástico. Estamos de tal modo habituados a seu uso diário, seja no consumo de alimentos e bebidas, ou no transporte de compras em lojas e supermercados, que fica até difícil pensar o que seria de nós sem a sua existência. Na verdade, a tecnologia da transformação da resina sintética em pet e sacolas plásticas, por exemplo, nem é de

um passado tão distante assim. Ocorre que, mais uma vez, por questões culturais e de “comodismo”, as pessoas passaram a consumir esse material de uma forma desmedida e até inconseqüente, a ponto de transformá-lo em grave problema ambiental em nossas cidades. Novamente devemos colocar a mão na consciência e questionar nossa atitude em relação aos três R’s. É necessária tamanha dependência desse material ou em muitas situações há produtos alternativos disponíveis? Como reutilizamos os diferentes tipos de plástico? Acredito que atitudes diárias de recusar o excesso de embalagens que nos ofertam nos pontos comerciais, a sua devida separação quando da coleta de lixo urbano e, acima de tudo, o apoio a iniciativas de reciclagem farão com que, aos poucos, o ambiente em que vivemos torne-se visualmente menos poluído. O autor é engenheiro agrônomo e professor da Sociedade Educacional Três de Maio (SETREM) em Três de Maio (RS) NOVOLHAR – Novembro/Dezembro 2008


EDITORA SINODAL


MALWEE


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