Clima - Revista Novolhar, Ano 7, Número 29, Setembro e Outubro, 2009

Page 1



Ao leitor

O clima na berlinda Revista bimestral da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil-IECLB, editada e distribuída pela Editora Sinodal CNPJ 09278990/0002-80 ISSN 1679-9052

Diretor Walter Altmann Coordenador Eloy Teckemeier Redator João Artur Müller da Silva Editor Clovis Horst Lindner Jornalista responsável Eloy Teckemeier (Reg. Prof. 11.408) Conselho editorial Clovis Horst Lindner, Doris Helena Schaun Gerber, Eloy Teckemeier, João Artur Müller da Silva, Marcelo Schneider, Olga Farina, Ricardo Fiegenbaum, Vera Regina Waskow e Walter Altmann. Arte e diagramação Clovis Horst Lindner Criação e tratamento de imagens Mythos Comunicação - Blumenau/SC Capa Arte: Cristiano Zambiasi Junior Impressão Gráfica e Editora Pallotti Colaboradores desta edição Antonio Carlos Ribeiro, Augusto Monterroso, Áurea Cavalcanti Santana, Carine Fernandes, Cézar Zillig, Chico Araújo, Cristiano Zambiasi Junior, Edelberto Behs, Ema Marta Dunck Cintra, Jari Rocha, Jéssica Fontoura, Lizely Roberta Borges, Martin Norberto Dreher, Micael Vier Behs, Nélio Schneider, Osmar Lessing, Paula Oliveira, Ricardo Siegle, Romeu Ruben Martini, Rui Bender, Sandro Della Mea Lima, Simone Mundstock Jahnke e Valdemar Gaede. Publicidade Editora Sinodal Fone/Fax: (51) 3037.2366 E-mail: editora@editorasinodal.com.br Assinaturas Editora Sinodal Fone/Fax: (51) 3037.2366 E-mail: novolhar@editorasinodal.com.br www.novolhar.com.br Assinatura anual: R$ 27,00 Correspondência E-mail: novolhar@editorasinodal.com.br Rua Amadeo Rossi, 467 93030-220 São Leopoldo/RS

C

LIMA E MUDANÇAS CLIMÁTICAS SÃO OS TEMAS

que NOVOLHAR disponibiliza nesta edição, trazendo informações reveladoras sobre como se comporta o clima na Terra e como os meteorologistas lidam com isso. O clima tem suas variantes, mas também sofre com a ação humana, predatória e imediatista. Entender os fenômenos naturais e a origem das mudanças climáticas demanda conhecimento, atitudes de preservação e estabelecimento de sistemas de alerta para ajudar as populações diante de fenômenos naturais que podem virar catástrofes. NOVOLHAR ouviu o meteorologista Eugênio Hackbarth e sua desmistificação do catastrofismo da mídia em torno do aquecimento global. Cada vez mais cientistas ouvem os seus argumentos e, francamente, ele tem razão quando afirma que é arrogância da humanidade julgar que pode afetar tão dramaticamente o equilíbrio climático do planeta Ele também fala a verdade no que diz respeito aos ciclos que regem o clima na Terra. A história do clima é mais importante do que se imagina. As vozes dos cientistas que vêem o futuro da vida na Terra com preocupação, pleiteando mais respeito à natureza e uma forma mais simples e contida de levar a vida também estão na edição. O aquecimento global deve levar-nos à reflexão como despenseiros da Criação de Deus. É hora de mudar a direção na qual estamos conduzindo nossa própria história. Com o artigo sobre o cristianismo encerramos a seção Religiões que se propôs a construir pontes entre as principais religiões no mundo e no Brasil. Tolerância e a promoção da paz seguem sendo os grandes desafios para as comunidades e líderes de todas as religiões. O surgimento de um novo e intrigante índice para medir a qualidade de vida dos povos também é um convite para um novo olhar sobre a avaliação do desenvolvimento econômico e social no mundo. Os atuais índices não medem o bem-estar, que é ignorado pelos economistas. O índice Felicidade Interna Bruta possibilita outra maneira de avaliar como vivem os povos. Você também encontra nesta edição uma reflexão muito significativa sobre a tradicional bênção do Antigo Testamento e que hoje ainda traz amparo e consolo para as pessoas. Equipe da Novolhar




Espelhos

HEINRICH HALLER

Imigrante, foi a pé atrás do seu sonho. Sem querer, tornou-se professor e pastor. Para seu sustento, trabalhava a terra. Martin Norberto Dreher

A

S COMUNIDADES LUTERANAS NO

Brasil surgiram a partir de 1824. Em núcleos iniciais como Nova Friburgo (RJ), São Leopoldo (RS), Santa Isabel (SC), Blumenau (SC), Joinville (SC) e Teófilo Otoni (MG) formaram-se comunidades em que pessoas buscavam apoio na palavra de Deus. Depois, esses núcleos receberam pastores que organizaram as comunidades e sínodos, dos quais surgiram duas igrejas luteranas. Nas áreas em que os pastores demoraram a chegar, o povo luterano escolhia o professor e o pregador entre os próprios moradores. Nisso, eles seguiam uma orientação de Martim Lutero. Em algumas localidades tais pregadores foram sendo substituídos por pastores formados em seminários na Alemanha ou nos Estados Unidos. Houve, porém, regiões em que as comunidades continuaram com o costume de escolher pastores do seu próprio meio e manter sua autonomia em relação às duas grandes igrejas luteranas. Assim, na metade sul do Rio Grande do Sul ainda hoje existem comunidades livres. Em 1992, conheci Heinrich Haller e sua esposa Lina, nascida Stift, em São Lourenço do Sul (RS). Heinrich Haller nascera em

6

Arquivo do autor

Professor e pastor

HEINRICH HALLER: Professor, pastor e agricultor

11 de dezembro de 1905 em Erlbach-Alemanha, e nada nele indicava que um dia viraria pastor. A falta de perspectiva de trabalho na Alemanha pós Primeira Guerra Mundial, o levou a migrar para o Brasil em 1924. Aos 19 anos na época, ele acompanhava um tio e a família deste. Enquanto o tio ficou em Blumenau, Heinrich fez a pé o trajeto de Blumenau a Porto Alegre. As finanças estavam tão ruins, que ele chegou a pernoitar na Delegacia de Polícia e a receber ajuda na Sociedade Auxiliar. Em Porto Alegre também não havia trabalho e ele continuou a viagem para Pelotas, onde não foi diferente. Por fim, foi parar na Santa Casa de Misericórdia, cujo porteiro, de nome Stoppe, era natural de Königsberg. Conseguiu serviços de pintura e ficou conhecendo um casal Borck, de São Lourenço do Sul. Já haviam passado dois anos desde sua chegada ao Brasil, quando os Borck o convidaram para ir com eles a Boa Vista, onde residiam e onde encontraria trabalho. “Aqui você pode tornar-se professor e até pastor”, disse-lhe Mutter Borck. Em Boa Vista conheceu Lina, a filha do pastor Hans Stift, sucessor do pastor Hermann Remde,

ambos eleitos pelo povo do seio do povo. Na casa do sogro, Heinrich manteve uma alfaiataria após o casamento. Em 1929, colonos de uma das comunidades do sogro convidaram-no para que se tornasse professor de seus filhos. Ofereceramlhe moradia, terra para plantar e salário anual de 800 mil-réis. Seus alunos não vinham para a escola por muito tempo. Os pais valiam-se da mão-de-obra dos filhos. Para essa sua comunidade escolar, a Weihnachtsschule (escola natalina), uma tradição trazida da Pomerânia, era importante. Durante o período que antecedia o Natal, o professor Haller contava a história do Natal e preparava as crianças para a apresentação natalina. Após a morte do sogro, Heinrich foi convidado a assumir as funções pastorais. Era professor e pastor. Como professor, só conseguiu atuar até 1942, quando o governo Vargas o proibiu de continuar lecionando. As crianças ficaram sem escola. Os cultos tiveram que ser dirigidos em português. A Bíblia, o Catecismo Menor de Lutero, um livro de pregações e textos de pregadores de boa cepa pietista o auxiliaram na pregação e no ensino. Com muito amor acompanhou seus paroquianos até 1977. Hoje suas comunidades estão integradas na IECLB. Perguntei-lhe quem o auxiliara no trabalho pastoral, e ele apontou para Deus em Jesus Cristo. Depois, com os olhos brilhando, disse: “... e a esposa do pastor. Sem a esposa, quase tudo teria sido impossível. Ela financiava meu ministério, conseguindo o sustento da lavoura. As comunidades contribuíam com pequenas espórtulas”. Agradeci a Deus pelos caminhos que usa para criar e manter comunidade. Lembreime de que história tem que ser contada a partir da vida e do testemunho que pessoas como Heinrich e Lina Haller souberam dar. Deus escreve de muitas maneiras. O autor é teólogo e professor de História na Unisinos em São Leopoldo (RS) NOVOLHAR – Setembro/Outubro 2009


Olhar com humor

E stá na agenda Gênero e religião

Álcool e outras drogas

Acontece em São Leopoldo, nos dias 17 e 18 de setembro, no auditório da Faculdades EST, o III Congresso Latino-americano de Gênero e Religião. Estão reunidos pesquisadoras, pesquisadores, estudantes e profissionais ligados a espaços socioeducativos, religiosos, movimentos sociais, grupos organizados da sociedade civil, ONGs e pessoas interessadas. O congresso pretende marcar a passagem dos dez anos do Núcleo de Pesquisa de Gênero da Faculdades EST, fomentar a socialização da pesquisa e de experiências entre a comunidade acadêmica e a sociedade civil, entre outros objetivos. Palestras e debates acontecem na parte da manhã, e simpósios temáticos com comunicações, oficinas e minicursos estão no programa da tarde. Maiores Informações: www.est.edu.br.

O Parque de Eventos e Desenvolvimento de Bento Gonçalves (RS) é a sede do 20° Congresso Brasileiro da Associação Brasileira de Estudo de Álcool e outras Drogas, que acontece nos dias 21 a 24 de outubro. Estão reunidos especialistas em álcool e drogas do Brasil e do exterior. Os temas principais do congresso são: simpósio cérebro, comportamento e emoções: integrando mente e cérebro nas dependências; fazendo a coisa certa: reexaminando a eficácia das psicoterapias e farmacoterapias; o mundo real: como a economia e a sociedade influenciam os comportamentos de dependência. Maiores informações: www.abead.com.br.

7


Reflexão

A bênção faz a diferença na vida A grande maioria das pessoas deseja uma vida abençoada, porém não reconhece que o simples fato de estar vivo já é uma bênção.

N

O ÚLTIMO DIA 11 DE JULHO, MINHA

esposa Nilza e eu recebemos a bênção de Deus para o nosso casamento. Agora ela faz parte de nossas vidas. Vejo muitas pessoas que ainda pedem a bênção e recebem como resposta um “Deus te abençoe”. Alguns cantos, como “Bênçãos virão” e “Chuvas de bênçãos”, expressam o desejo de receber a bênção. Recebemos a mesma no final de cada celebração em nossas igrejas. Conhecemos uma bênção muito antiga, que foi proferida ao povo de Israel quando esse havia sido libertado da escravidão no Egito e estava no deserto, a caminho da terra prometida. Trata-se da bênção araônica ou sacerdotal, que encontramos em Números 6.24-26: “O Senhor te abençoe e te guarde; o Senhor faça resplandecer o rosto sobre ti e tenha misericórdia de ti; o Senhor sobre ti levante o rosto e te dê a paz”. Essa bênção não é uma fórmula mágica. São palavras cheias de poder que manifestam um voto, um desejo, uma esperança, um pedido de coisas muito boas para a vida das pessoas que as ouvem. “O Senhor te abençoe.” Estar sob a bênção de Deus significa estar sob sua força, seu poder, sua bondade, sua presença, recebendo e desfrutando de tudo isso. Sob a bênção de Deus é possível vencer qualquer dificuldade que surge, assim como

8

também desfrutar de tudo de agradável que a vida tem a oferecer. Faz parte de uma vida abençoada reconhecer que Deus é a fonte das bênçãos e agradecer por isso. “O Senhor te guarde.” Ser guardado pelo Senhor é ter plena certeza de que Deus cuida do mesmo modo que um pai ou uma mãe cuidam de seus filhos. O salmista expressou de forma magistral o que é ser guardado por Deus, quando afirma: “O é quem te guarda; o Senhor é a tua sombra à tua direita. De dia não temolestará o sol, nem de noite a lua. O Senhor te guardará de todo mal; guardará a tua alma” (Salmo 121.5-7). Saber-se guardado e protegido pelo Senhor provoca uma sensação de profunda segurança em todas as circunstâncias da vida. “O Senhor faça resplandecer o rosto sobre ti.” Ter o rosto de Deus resplandecido sobre ti é saber que a luz de Deus pode entrar e iluminar a vida em todos os teus passos. Por meio da luz de Deus é possível iluminar toda a escuridão presente na vida. Com isso é possível saber que a luz de Deus pode guiar todos os caminhos de suas criaturas. Tudo isso faz com que toda a vida da pessoa seja mais iluminada. “O Senhor tenha misericórdia de ti.” Ter a misericórdia do Senhor é ter a consciência de que todas as pessoas pecam e afastam-se de seu caminho, porém podem receber o perdão por sua compaixão.

Novolhar/CMI

Simão Schreiber

NOVOLHAR – Setembro/Outubro 2009


D ica cultural

Saber-se abençoado por Deus faz toda a diferença na vida de uma pessoa. Com a bênção se pode ter a certeza de que Deus sempre está e estará presente, caminhando lado a lado com o seu povo.

Essa compaixão faz com que a pessoa se sinta perdoada e com a força necessária para redirecionar sua vida, também perdoar e, com isso, viver em harmonia com o Criador e toda a criação. Receber a misericórdia de Deus exige arrependimento e uma postura de um constante recomeço nos caminhos de Deus. “O Senhor sobre ti levante o rosto.” Só levanta e apresenta seu rosto quem está presente. É sentir próxima a presença, sabendo que Deus olha e enxerga a pessoa na situação na qual se encontra. Denota presença e proximidade de Deus com seu olhar amoroso, bondoso e compassivo. “O Senhor te dê a paz.” Paz é graça ofertada, dom de Deus, um dos frutos do Espírito Santo e consequência da prática da justiça; paz é bem-estar, reconciliação, harmonia; paz é estado de plenitude e realização que resulta da presença de Deus. Dessa forma, saber-se abençoado por Deus faz toda a diferença na vida de uma pessoa. Com a bênção se pode ter a certeza de que Deus sempre está e estará presente, caminhando lado a lado com seu povo. Sente-te também abençoado com a bênção irlandesa: “Deus te dê para cada tempestade um arco-íris, para cada lágrima um sorriso, para cada inquietação uma esperança, em cada dificuldade uma ajuda, em cada problema na vida um amigo para compartilhá-lo, para cada gemido uma cantiga e para cada oração uma resposta”. Que Deus te abençoe! O autor é teólogo, obreiro pastor da IECLB na Paróquia de Palmeira de Santa Joana, Itaguaçu (ES) WWW.NOVOLHAR.COM.BR

Museu da corrupção Você lembra daquele caso de corrupção ou daquela CPI que terminou em pizza? Não, não tente lembrar. São tantos os casos que é melhor ir direto ao site www.dcomercio .com.br/muco e ter tudo à sua disposição. O jornal Diário do Comércio, de São Paulo, inaugurou o Museu da Corrupção on-line para guardarmos na memória eletrônica as vergonhas que acontecem nos bastidores de todas as esferas de poder. Segundo o editor Luiz Otavio de Lima, a proposta é ter um espaço de exibição e reflexão sobre os escândalos que marcaram a história do país. Num primeiro momento, vamos tratar do período entre a década de 1970 e os dias atuais e depois recuar década a década, século a século até os tempos coloniais. Afinal, não seria exagero afirmar que a corrupção nasceu quase em seguida ao descobrimento, arremata o jornalista. O site é extremamente criativo e dinâmico e apresenta no saguão principal, por exemplo, as salas das CPIs, salões da PF, sala dos escândalos, hall de casos, dicionário da corrupção, agência de viagens, loja do museu e aquela que não poderia faltar: a pizzaria. Vale a pena conferir.

9


Ricardo Siegle

Para seu corpo funcionar adequadamente é necessária a presença de colesterol. Não se trata apenas de um vilão a ser combatido. Ele é fundamental para a produção de hormônios, ácidos biliares e vitamina D, além de fazer parte das nossas células. A sua produção se dá no próprio corpo (70%) e o restante vem da alimentação. O colesterol é encontrado no ovo, em derivados de leite, carnes, aves e peixes. Alimentos de origem vegetal não contêm colesterol. Colesterol em excesso pode depositar-se nos vasos sanguíneos. Esse processo é chamado de arteriosclerose. Se esse depósito ocorrer nas coronárias, pode levar à angina (dor no peito) e ao infarto. Se ocorrer em artérias cerebrais, pode provocar acidente vascular cerebral (derrame). Portanto, o colesterol alto é um fator de risco para doenças cardiovasculares. Existem dois tipos de colesterol: o LDL e o HDL. O LDL colesterol (Low Density Lipoprotein - Lipoproteína de Baixa Densidade), também conhecido como “mau” colesterol, promove o depósito de gordura em nossos vasos sanguíneos. Já o HDL colesterol (High Density Lipoprotein - Lipoproteína de Alta Densidade), conhecido como “bom” colesterol, transporta o colesterol até o fígado, onde é eliminado pela bile e fezes, diminuindo assim o risco de arteriosclerose. Alimentos ricos em gordura saturada, como carnes e derivados, e produtos industrializados, como chocolate, bolos, biscoitos, tortas e sorvetes, podem produzir aumento nos níveis de colesterol. As gorduras insaturadas ajudam a reduzir o colesterol, mas, por serem calóricas, podem engordar. O exercício físico regular é um poderoso aliado no controle do “mau” colesterol. O autor é médico de família e infectologista em São Leopoldo (RS)

10

Novolhar e Santiago no World Press Cartoon 2009 Nosso colaborador Santiago inscreveu seu cartum publicado na Novolhar n° 24 (novembro e dezembro de 2008) na exposição de 2009 da World Press Cartoon, na cidade de Cintra, em Portugal. Seu cartum foi selecionado para constar no catálogo dessa exposição, que reúne trabalhos de cartunistas de vários países. A publicação reproduz o cartum de Santiago na página 48, com menção à revista Novolhar. A exposição de Cintra tem como objetivo valorizar a qualidade dos desenhos de humor publicados pela imprensa, jornais e revistas do mundo inteiro. Caricaturas, cartuns e desenhos de humor são as categorias que querem mostrar as diversas culturas e diferentes realidades jornalísticas. Em 2009, o Grande Prêmio do World Press Cartoon foi concedido ao cartum “No mesmo barco”, do artista mexicano

Reprodução Novolhar

Colesterol e saúde

Última hora

Rogelio Naranja. A inclusão do cartum de Santiago nessa publicação é motivo de alegria para todos nós, editores, colaboradores e leitores da Novolhar. Mais informações no www.worldpresscartoon.com.

Estude no exterior A 17ª edição da Expo Estude no Exterior, que ocorre em setembro em cinco cidades brasileiras – Rio de Janeiro, Porto Alegre, Florianópolis, Santo André e São Paulo –, é gratuita e considerada a maior feira internacional de educação da América Latina, que deve receber cerca de 10 mil visitantes. As pessoas terão contato direto com diretores de escolas de idiomas e de ensino médio, cursos de graduação, mestrado, doutorado e MBAs de pelo menos dez países como Espanha, Canadá, Nova Zelândia, Estados Unidos e Itália. As inscrições podem ser feitas pelo site www.estudenoexterior.com/feira2009, e os participantes concorrem a bolsas de estudo no Canadá e na Argentina, com direito a hospedagem e passagens. Onde ocorre a Expo: Rio de Janeiro, 17 de setembro, das 16h às 21h – Hotel JW Marriott (Av. Atlântica, 2600); Porto Alegre, 20 de setembro, das 14h às 19h – Hotel

Divulgação Novolhar

N ovolhar sobre

Sheraton (Rua Olavo Barreto Viana, 18, Moinhos de Vento); Florianópolis, 22 de setembro, das 16h às 21h – Majestic Palace Hotel (Av. Jornalista Rubens de Arruda Ramos, 2746, Centro); Santo André, 24 de setembro, das 16h às 21h– Hotel Mercure (Av. Industrial, 885, Jardins); São Paulo, 26 e 27 de setembro, das 14h às 19h – Hotel InterContinental (Alameda Santos, 1.123 – Jardim Paulista). NOVOLHAR – Setembro/Outubro 2009




Estação meteorológica em São Francisco do Sul (RS)

Ingelore Starke Koch ONTRARIANDO O TOM ALARMIS-

C

ta e “apocalíptico” do relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC), divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2007, e adotado também pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o biólogo e meteorologista gaúcho Eugenio Jaeckel Hackbart, de São Leopoldo, não concorda que a ação humana tenha 90 por cento de responsabilidade sobre o aquecimento global e efeito estufa (aumento de temperatura que ocorre quando a radiação proveni-

COMO É GERADO O CALOR? – A temperatura é a medida da quantidade de calor através de uma escala, o termômetro, e indicada em graus Celsius. É importante saber que o calor não viaja, não é transferido do Sol para a Terra, o que é transferido do Sol até a Terra é a luz, a radiação. O calor é produzido pela matéria aqui na Terra, que aquece ao estímulo da radiação solar. WWW.NOVOLHAR.COM.BR

ente do sol entra na atmosfera, mas a saída da radiação térmica é bloqueada por ela). Segundo Hackbart, há duas questões a considerar: primeiro, a atmosfera não é um depósito, mas, sim, algo vivo; segundo, diante da imensidão dos mares, os continentes são apenas ilhas. Portanto, a pergunta que se faz é se o ser humano teria toda essa capacidade de manipular a energia do sol. Dar toda culpa ao ser humano é esquecer a força solar, reforça. O efeito estufa de fato pode ocorrer em algumas regiões, mas há mecanismos na atmosfera para sanar os problemas, afiança Hackbart. O aquecimento global não é um fenômeno irreversível, mas é cíclico e está diminuindo. Ele, porém, não minimiza a ação humana na degradação ambiental. “É suicídio” poluir os rios, as águas e o meio ambiente com todo tipo de lixo. As fontes de água, o solo, o ar estão poluídos ao extremo, alerta. Hackbart traz consigo desde a infância a paixão pela meteorologia (ciência que estuda os fenômenos da atmosfera). Quando era menino de oito anos, deitava-se no

gramado para observar as estrelas e o movimento das nuvens, em especial quando se armava um temporal. Biólogo formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, foi por 30 anos professor de Biologia do Colégio Sinodal de São Leopoldo, onde iniciou suas atividades em 1962. Em 1976, aulas sobre meteorologia passaram a fazer parte do currículo, e uma estação meteorológica foi instalada nas dependências no próprio colégio. Em 1985, a experiência foi “municipalizada”, com a aprovação da Câmara de Vereadores da cidade. “Foi o primeiro serviço municipal de meteorologia do Brasil”, orgulha-se Hackbart. Um curso no Ministério da Aeronáutica possibilitou-lhe o credenciamento de meteorologista registrado no Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Rio Grande do Sul (CREA-RS). Segundo Hackbart, é cada vez maior a percepção no Brasil e no mundo da importância estratégica do conhecimento antecipado das condições do tempo e do clima para o planejamento das atividades por parte de pessoas e empresas. Entre os clientes de sua empresa de meteorologia estão a Rádio Guaíba e o jornal Correio do Povo, de Porto Alegre, a Defesa Civil do Governo do Estado Rio Grande do Sul, a Defesa Civil de Porto Alegre, a Rádio Pop Rock de Canoas, a Gazeta Comunicações de Santa Cruz do Sul, jornais do Grupo Editorial Sinos de Novo Hamburgo, São Leopoldo e Canoas, mais 30 emissoras de rádio e TV e jornais no interior do Estado, mais de 20 empresas do agronegócio e empresas como a Petrobras-Refap, Renner, Springer-Carrier, Frigelar, Souza Cruz,

O QUE SÃO MASSAS DE AR TROPICAL E POLAR? – São duas realidades atmosféricas fundamentais da meteorologia, nas quais se desenvolve a maioria dos fenômenos. Na massa de ar polar a temperatura baixa (ar frio), a pressão atmosférica alta e a umidade baixa (ar seco). Símbolos (P) de polar ou (A) de alta pressão. Ela apresenta uma rotação anti-horária, divergente também denominado de anticiclone. No hemisfério sul, tem origem na Antártida e migra no sentido sudoeste para nordeste. A massa de ar tropical temperatura elevada (ar quente), pressão atmosférica baixa e umidade elevada (ar úmido). Símbolos (T) de tropical ou (B) de baixa pressão. Ela apresenta uma rotação no sentido horário, convergente também denominado de ciclone. No hemisfério sul, tem origem na região equatorial e migra de nordeste-norte para sudoeste-sul.

SISTEMA FRONTAL – Frente fria é a faixa de contato que se estabelece entre o ar polar e o ar tropical, quando a massa de ar polar avança sobre a de ar tropical. Frente quente é a faixa de contato que se estabelece entre o ar tropical e o ar polar, quando a massa de ar tropical segue na retaguarda da massa de ar polar, que se afasta para o oceano.

13


AES-SUL, entre outras, e as prefeituras de São Leopoldo e Porto Alegre. Afinal, o estado da atmosfera traduz-se em importante componente da atividade econômica nos mais diversos setores, aponta Hackbart. Ciclos – Analisando os ciclos climáticos, observa Hackbart, está comprovado cientificamente que cada ciclo é de 25 a 30 anos. O atual ciclo teve seu auge de calor na década de 1990 e agora já está havendo um resfriamento. Enquanto o Ártico (Pólo Norte) se encontra no processo de aumento das geleiras, no Antártico (Pólo Sul) se percebe mais e mais o degelo. E não é o ser humano que provoca esses fenômenos, mas é o sol que também tem ciclos de maior e menor atividade de irradiação, esclarece o meteorologista gaúcho. Os ciclos de aquecimento e esfriamento global são gerados pelo comportamento da atividade solar, resultado da irradiação solar sobre a matéria, ensina o professor Hackbart. “O calor não vem viajando pelo espaço”, acrescenta. É um equívoco a tese de que o aquecimento global é irreversível. E, conforme o meteorologista, estão se calando cada vez mais as vozes dos que defendem essa ideia. Se fosse irreversível, não haveria tanto frio neste inverno no Sul do Brasil, uma repetição do que ocorreu nas décadas de 1950 e 1960. Para Hackbarth e sua equipe, mais importante do que analisar o efeito do consumo destrutivo da humanidade sobre o clima é pesquisar a história climática do planeta. Com o clima da Terra

Prof. Eugenio Hackbart diante do computador, em sua sala de trabalho, na Metsul Meteorologia

é gerenciado basicamente por ciclos, informações do que aconteceu no passado, em termos climáticos, pode lançar uma melhor imagem do que deve nos esperar no futuro. É convicção da Metsul Meteorologia que o conhecimento do passado permite melhor compreensão do presente e uma projeção mais precisa do futuro. Assim, a equipe da Metsul realiza um trabalho exclusivo no setor privado brasileiro de resgate da história climática do país, com a busca de informações relaci-

onadas ao clima dos mais diversos estados brasileiros desde o século XIX. O trabalho se faz acompanhar ainda pelo conceito de que a observação meteorológica de décadas do comportamento climático de uma determinada região permite ao profissional uma maior margem de acerto em seus prognósticos e um diagnóstico mais preciso de eventos extremos. A autora é jornalista em São Leopoldo (RS)

EUGÊNIO HACKBARTH EXPLICA OS FENÔMENOS CLIMÁTICOS O AR EM MOVIMENTO

TEMPORAL – É um vento forte que brota de nuvens carregadas, corrente de ar descendente e que se espalha sobre a superfície para todos os lados, sempre associado com chuva; ventania é vento forte sem chuva.

14

CICLONE – Vento forte, com movimento de rotação de grande abrangência sobre o continente ou o mar, lembrando um grande disco espiral em movimento convergente. No hemisfério sul, o movimento é no sentido horário. Fenômeno associado ao ar tropical quente, úmido e de baixa pressão atmosférica. Tipos: ciclone tropical (furacões/tufões); ciclone subtropical, geralmente provoca chuva intensa; ciclone extratropical (sobre o oceano), em latitudes afastadas do equador e associado a uma frente fria.

FURACÃO – Vento muito forte de grande abrangência, que se forma a partir de um ciclone tropical sobre o oceano. É um ciclone de quilômetros de diâmetro. O rota é a partir da costa da África em direção ao Caribe, seguindo em direção aos Estados Unidos. Na Ásia é denominado de tufão. A velocidade do vento de um furacão segue a Escala Saffir-Simpson, que estabelece cinco categorias; a categoria 1 vai de 119 km/h a 153 km/h e a categoria 5 acima de 249 km/h. NOVOLHAR – Setembro/Outubro 2009



de Meteorologia, instalando um abrigo meteorológico com termômetros no pátio da escola. A partir daí, São Leopoldo criou o Serviço Municipal de Meteorologia na década de 1980, pioneiro no Brasil, estabelecendo convênio com o Departamento de Meteorologia da Associação dos Ex-Alunos do Colégio Sinodal (AEACS). O grupo ampliou suas atividades em 1989, criando a Rede de Estações de Climatologia Urbana, com unidades em dez municípios do Rio Grande do Sul. A partir daí, o crescimento da rede foi inevitável. Em 2006, surgiu a natureza jurídica da atividade com a criação da Metsul. Hoje, pode-se ouvir a voz dos meteorologistas da Metsul em rádios como Pop Rock, Guaíba e ABC 900, com previsões certeiras do tempo, além de boletins em jornais de g r a n d e c i r c u l a ç ã o. N o r a m o d o agronegócio, são emitidos prognósticos diários com previsão de chuvas e outras variantes importantes para a agricultura. O comprometimento com a população e o respeito com seus clientes, ouvintes e leitores completam os valores primordiais da Metsul. Essa fórmula de precisão, estudo e análise fez da empresa uma unanimidade sobre precisão e alertas que podem até minimizar efeitos graves de um fenômeno meteorológico.

Estação meteorológica no Morro do Espelho, em São Leopoldo (RS)

A autora é jornalista em Novo Hamburgo (RS)

Estação meteorológica na Praia da Joaquina, em Florianópolis: previsão do tempo é fundamental no surf

EUGÊNIO HACKBARTH EXPLICA OS FENÔMENOS CLIMÁTICOS GEADA – Não é orvalho congelado, mas finíssimos cristais de gelo que se formam diretamente a partir do vapor de água suspenso no ar em contato com superfície congelante, sem passar pelo estado líquido.

16

TROVOADA OU TORMENTA – Um raio, descarga elétrica, percorre de forma fulminante na atmosfera e provoca uma intensa vibração do ar, que se manifesta na forma de trovão; mapa isoceraunico é o mapa das trovoadas.

TEMPESTADE ELÉTRICA – Ocorre dentro de uma nuvem gigantesca, apresentando raios, relâmpagos, trovoadas de forma contínua e muito intensa, sem intervalos; normalmente essas nuvens provocam queda de granizo e chuva torrencial.

HALO SOLAR – É o círculo colorido que se forma ao redor do Sol. Trata-se da refração do luz solar (separação de todas as cores da luz aparentemente branca do Sol). As nuvens do tipo cirros-estratos (rabo de galo) são formadas por cristais de gelo, que, sob o efeito de correntes de vento forte em altitude, das correntes de jato, orientam esses cristais de gelo num mesmo sentido, adquirem a função de prisma, decompondo a luz branca do Sol em todas as cores na forma de um círculo colorido. NOVOLHAR – Setembro/Outubro 2009



Lacerda tem larga experiência nas reservas extrativistas de Carauari e é comprometido com a defesa dos povos indígenas da região, relata o pastor Walter Sass, obreiro do Comin no Amazonas. Conforme Sass, o curso evidenciou que um desenvolvimento sustentável tem que equilibrar três partes essenciais: O meio ambiente bom, uma renda boa e uma boa qualidade de vida da comunidade, representados oficialmente como sendo ecologicamente correto, socialmente justo e economicamente viável. Se alguma das três partes ficar ruim, não se pode falar em desenvolvimento sustentável. O manejo de lagos dentro desse desenvolvimento sustentável é a retirada organizada de um determinado recurso natural, no caso dos Deni, do pirarucu (peixe). O curso motivou o professor indígena Manoel Daora Kanamari a escrever uma carta “às irmãs e aos irmãos não-índios, para todas as gerações” com vistas às mudanças climáticas. “Meus amigos – apela Kanamari –, chega de fazer poluição e desmatar a floresta. Não destruam mais as árvores, a natureza, porque são elas que protegem a terra e armazenam a água. Se forem destruídas, não haverá mais água. Nós podemos desaparecer por falta de água, por isso, por favor, parem de poluir o ar, a atmosfera que não aguenta mais tanta poluição”. Além disso, aponta o professor, parece que quanto mais poluição, mais doenças diferentes surgem... “Nós indígenas podemos não conhecer muito de livros (ciência), mas sabemos respeitar a natureza, não poluímos ou destruímos a mata irresponsavelmente. Fazemos isso porque reconhecemos que as árvores também têm vida, como a gente”, diz a carta. Em sua carta, Kanamari define seus amigos não-indígenas como “homens da ciência e de leis”, mas que não aprenderam a respeitar o ar, a natureza; “muito inteligentes”, mas parecem não conhecer nada. “Pois eu sou índio e reconheço a natureza, o ar, a atmosfera, os rios, a mata”, conclui.

O indígena e as mudanças climáticas Ingelore Starke Koch

A

PREOCUPAÇÃO COM AS MUDANÇAS

climáticas levou o campo de trabalho do Conselho de Missão entre Índios (Comin) da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) de Carauari, Amazonas, a promover o 1º Curso de Introdução ao Manejo de Lago,

Desenvolvimento Sustentável e Mudanças Climáticas. O evento ocorreu de 21 a 25 de maio, reuniu 46 indígenas na Aldeia Deni Boiador, rio Xeruã, Itamarati (AM), com a assessoria do ex-secretário de Meio Ambiente de Carauari, Nelson José Batista Lacerda. Técnico em Química Ambiental,

Walter Sass

KANAMARI: Os não-indígenas são muito inteligentes, mas não aprenderam a respeitar a natureza

18

A autora é jornalista em São Leopoldo (RS) NOVOLHAR – Setembro/Outubro 2009



O clima e a psique Os fenômenos climáticos têm influência direta sobre o comportamento das pessoas e dos animais, o que se expressa em reações típicas, mensuráveis cientificamente.

A

BIOMETEOROLOGIA ESTUDA A INFLU-

ência dos fenômenos atmosféricos, do clima, sobre os seres vivos em nosso planeta em suas mais diversas formas, como os micro-organismos, as plantas, os animais e o próprio ser humano. Estuda o comportamento dos seres vivos sob a influência dos fatores meteorológicos e sua variação, como temperatura (frio e calor), pressão atmosférica (alta e baixa), umidade (seco e úmido), vento (calmo e forte), chuva (estiagem e enchente), insolação (horas de luz solar e radiação solar) e outros. Ao longo de milhares de anos, em sucessivas gerações, os seres vivos são submetidos à atuação de estímulos provocados pelos fatores meteorológicos e, graças à sua capacidade sensorial, respondem a esses estímulos, modificando o seu comportamento, desencadeando um processo de adaptação, ou seja, mudam para sobreviver. Assim, nas diferentes faixas climáticas da Terra, como no cinturão tropical, subtropical, temperado, frio e glacial, estabelecidos pela curvatura do planeta e pelo ângulo, perpendicular ou inclinado, de incidência da radiação solar, luz e geração de calor, ocorrem espécies de seres vivos diferentes, adaptadas ao correspondente clima. Através desse processo de adaptação, da capacidade de mudança sob a influência

20

dos fatores meteorológicos, os seres vivos, plantas, animais e o ser humano, incorporaram no seu DNA um “conhecimento”, uma “consciência” dos complexos mecanismos da atmosfera aos quais têm a capacidade de reagir, de se modificar e, portanto, de se comunicar, reconhecendo e identificando os fatores atuantes. A seguir, aspectos práticos em relação ao comportamento social, psicológico e na saúde da biometeorologia humana. Na criminalidade – O Efeito Foehn – nome dado ao efeito do vento que atordoa as pessoas – causa sérias perturbações psicológicas, depressão, acessos de histeria e de loucura e pode levar as pessoas ao suicídio. Uma pesquisa revelou um elevado índice de ocorrências dessas perturbações em populações que vivem nos vales da Suíça e da Áustria. Explicação: o vento denominado Foehn tem origem no deserto do Saara, na África, onde é denominado de Siroco. É um vento quente e seco, que sopra em direção ao norte, sobre o mar Mediterrâneo, em direção aos Alpes, na Europa. No percurso adquire umidade e alcança os picos elevados e gelados das montanhas. O frio em altitude condensa toda a umidade, provoca chuva e o vento segue seco, descendo no lado oposto das montanhas em direção aos vales. Nessa des-

Dan Shirley

Eugenio Jaeckel Hackbarth

INFLUENCIÁVEL: O compor tamento social, psicológico e na

cida, o vento estabelece atrito sobre as encostas, torna-se mais quente e adquire eletricidade, atingindo as populações nos vales, provocando forte desconforto, irritação e perturbações psicológicas. Por isso, o código penal nesses países abranda a pena quando o delito foi praticado sob o Efeito Foehn. O Efeito Foehn também ocorre nos Andes, na América do Sul, na região de Mendoza, na Argentina, provocado pelo vento Zonda; nos Estados Unidos e Canadá, nas Montanhas Rochosas, onde é provocado pelo vento Chinook; na Califórnia, nos Estados Unidos, pelo vento Santa Ana; o vento quente e seco também favorece o alastramento dos incêndios naquela região; no Rio Grande do Sul, o efeito é provocado, com menor intensidade, pelo vento Norte, como em Santa Maria e em Torres e na região dos vales no centro-leste do estado. Falsa labirintite – Pessoas portadoras da Síndrome de Ménière, popular e equivocadamente denominada de labirintite, pois não se trata de uma infecção do ouvido, em dias de vento forte podem apresentar tonturas, mal-estar, enjoo, vômiNOVOLHAR – Setembro/Outubro 2009



Desastre cancelado A grande mídia tem predileção por teorias catastrofistas, mas ignora que muitos dos eventos naturais que hoje atribui ao ser humano sempre ocorreram. Alexandre Aguiar

V

IVEMOS NA SOCIEDADE DA INFORMA-

ção em tempo real e das conclusões imediatas. Falta tempo para reflexão. No final de 2008, corpos ainda estavam sendo resgatados em Santa Catarina e já existiam reportagens vinculando o desastre das inundações ao aquecimento global, apesar do planeta ter res-

friado no ano passado. Sempre que há uma seca no Rio Grande do Sul, não faltam notícias em que a escassez de chuva é relacionada à ação humana, mesmo existindo registros de grandes secas no Estado há duzentos anos. Tornados passaram a ser vistos como um resultado da intervenção humana no

clima, apesar de sempre terem ocorrido e com violência até maior em vários episódios no passado. A grande mídia tem predileção por teorias catastrofistas, mas ignora que muitos dos eventos naturais que hoje atribui ao ser humano sempre ocorreram. Charles Darwin, em sua passagem pela América do Sul, já observava a alternância de períodos de seca e chuva intensa na Argentina, o que se repete ainda hoje. Não faltaram, porém, reportagens na imprensa de Buenos Aires neste ano atribuindo a seca do verão no país ao aquecimento global. O filme “Uma Verdade Inconveniente”, mostrado em salas de aula como se fosse uma verdade científica derradeira, é uma coleção de asneiras. Atribui o furacão Katrina de 2005 ao

Reprodução Novolhar

FURACÃO CATARINA: Divulgado como o primeiro furacão no Hemisfério Sul, o Catarina foi na verdade o primeiro a ser documentado por um satélite

22

NOVOLHAR – Setembro/Outubro 2009



Será que vai chover? No Brasil, uma das organizações responsáveis pela previsão do tempo é o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET). Paula Oliveira

D

ESDE A ANTIGUIDADE, A PREVISÃO

de tempo sempre preocupou o ser humano.Há milhões de anos, o ser primitivo já queria saber tudo sobre o tempo. Mais do que uma descoberta, era uma questão de sobrevivência. A partir desses conhecimentos, as pessoas podiam saber o melhor momento para atravessar longas distâncias ou caçar, entre outras atividades influenciadas pela variação do tempo. Também nos dias de hoje, as condições climáticas influenciam diretamente nossa rotina e podem causar problemas de toda ordem, sejam sociais, econômicos, ambientais ou ecológicos. Por isso a importância dos institutos meteorológicos que procuram prever o tempo. Muitos não sabem, mas Aristóteles pesquisou a meteorologia. Estudou o vento, a nuvem, a chuva e as categorias de tempo a ela associadas. O filósofo grego chegou a escrever um livro chamado “Meteorologia”, cujo significado é “coisas acima da Terra”. Mesmo sem instrumentos como termômetro e barômetro, tão utilizados atualmente, Aristóteles foi capaz de fazer previsões exatas sobre as chuvas. Lógico que cometeu alguns erros, mas também teve muitos acertos. Sua obra denominou-o “pai da meteorologia”.

24

Apesar do interesse e da preocupação com o tempo desde os primórdios, a previsão só começou a ser feita de forma sistemática na Europa no final do século 19. Só que naquela época, a meteorologia ainda era uma ciência observacional, as previsões apresentavam constantes margens de erros e eram feitas para um prazo máximo de um dia. Foi na Segunda Guerra Mundial que a meteorologia teve um avanço significativo devido à necessidade de determinar rotas de vôo, viagens por mar e definir táticas militares. Nesse período foram realizadas as primeiras sondagens atmosféricas, que permitiam descobrir como funcionava a atmosfera e de que modo ela influenciava o clima. A previsão era basicamente feita pela observação da atmosfera manualmente representada em mapas meteorológicos. A credibilidade dessas

previsões era baixa. De lá para cá, as previsões foram se aperfeiçoando, acompanhando a tecnologia e as necessidades do mundo globalizado. No Brasil, uma das organizações responsáveis pela previsão do tempo é o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET). Além da previsão do tempo e do clima, o INMET é responsável pela coleta e disseminação dos dados meteorológicos brasileiros. Também mantém uma rede de coleta dessas informações para elaborar pesquisas específicas nas áreas de tempo e clima e suas aplicações, especialmente na agricultura. Segundo Luiz Cavalcanti, chefe do Centro de Analise de Previsão do Tempo do instituto, a previsão do tempo hoje é muito confiável graças à tecnologia que permite realizar a coleta de dados de uma extensa rede de informações, desde estações convencionais e automáticas, navios, boias nos

MUDANÇA CLIMÁTICA EM FATOS Antes de podermos fazer uma avaliação ética ou considerar possíveis ações, é necessário que tenhamos uma visão clara sobre a magnitude e a complexidade da mudança que está à nossa frente. A mudança climática, no sentido mais profundo, precisa ser compreendida como um assunto ético que levanta questões sérias sobre como definimos nosso papel e nossas responsabilidades de um para com o outro, para com as futuras gerações e outras espécies. A mudança climática já está acontecendo: de 1906 a 2005, as temperaturas médias globais subiram 0,74°C. A taxa de aquecimento global teve um aumento maciço desde 1970 até hoje. Isso levou a um aumento dos níveis globais dos mares e a uma frequência mais alta de eventos climáticos extremos, como ondas de calor intenso, enchentes e furacões. Onze dos anos mais quentes registrados ocorreram durante os últimos doze anos; descobertas recentes indicam que o ano de 2007 foi o segundo ano mais quente em um século. O aquecimento global é causado pela atividade humana. Na comunidade científica mundial hoje, aceita-se, de forma inequívoca, que as atividades humanas intensificam o efeito estufa natural pela emissão de gases, como o dióxido de carbono (CO2), o metano (CH4) e o óxido nitroso (N2O). Entre 1970 e 2004, a emissão de gases causadores do efeito estufa aumentou em torno de 70% devido à atividade humana. Concentrações de CO2 e CH4 na atmosfera em 2005 excederam muito o limite natural dos últimos 650.000 anos. Em 2010, a temperatura global poderá aumentar de 1,1°C a 6,4°C, dependendo da habilidade e da disposição da comunidade internacional para efetivamente diminuir a emissão de gases de efeito estufa. Para comparar, a última era do gelo era quase cinco graus mais fria do que nosso clima atual. Nunca antes na história humana foi experimentada uma mudança de temperatura climática dessa magnitude. Extraído de: Media Development Journal of the WACC, n. 2, p. 8-9, 2009.

NOVOLHAR – Setembro/Outubro 2009



Mudança climática e ecumene E Deus viu que tudo o que havia feito era muito bom. (Gênesis 1.31) Elias Crisóstomo Abramides

S

troduzidos na atmosfera. A contaminação da atmosfera e a mudança climática que ela própria provoca é um dos maiores riscos que ameaçam a existência e a continuidade da vida no planeta. O expresso anteriormente é a base da participação do Conselho Mundial de Igrejas (CMI) nas reuniões em que são concluídas as negociações internacionais para diminuir as emissões de “gases de efeito estufa” (GEI). Esse processo é denominado de “moderação”, o qual é seguido por uma série de medidas de “adaptação” à mudança climática, uma vez que os efeitos do mesmo já causam impactos em diferentes regiões e comunidades vulneráveis de todo o planeta. Podemos mencionar os pequenos estados-ilhas do Pacífico, do Índico e do Caribe, alguns dos quais já estão sendo afetados pelo aumento do nível do mar, ocasionado pela mudança climática, que

representa um sério perigo para a sua existência. Outros casos são o avanço dos processos de desertificação, a cada vez maior escassez de fontes de água doce, a modificação dos regimes pluviais e ventos e o avanço de enfermidades, todas eles associadas à mudança climática. O papel das igrejas é fundamental nas sociedades modernas para a tomada de consciência sobre esse tema. Elas podem promover o cuidado da terra, estabelecendo uma linguagem do coração e do espírito, que seguramente terá grande influência durante as negociações internacionais. Cremos que podemos encontrar a solução para a ameaça da mudança climática começando com um profundo ato de contrição, uma sincera metanoia – conversão –, seguida de uma verdadeira metamorfose. Uma mudança de paradigma da sociedade em seu conjunto é imperativa. Uma

OMOS MEMBROS DE UMA ÚNICA CO-

munidade sobre a terra, uma família humana compartilhando sua existência com todas as outras criaturas vivas, também criadas por Deus. A vida em todas as suas formas é uma graça, um dom precioso que nos foi dado por nosso Criador. Reconhecemos a posição central do ser humano dentro da criação, mas compreendemos que o “domínio” sobre a boa e perfeita criação de Deus não significa que temos que atuar como seus donos, com direitos e autoridade ilimitados. Ao contrário, espera-se que atuemos com responsabilidade, cuidando e amando a criação. Temos a obrigação e ao mesmo tempo o privilégio de cuidar de toda a criação de Deus, sendo seus “administradores” – oikodómoi – não somente para nós, mas também para nossos filhos e os filhos de nossos filhos. Esse conceito é uma convicção compartilhada já por uma grande maioria de cristãos e igrejas no mundo. Sem dúvida, a humanidade abusou da boa criação de Deus, alterando assim o perfeito equilíbrio original, a harmonia e a beleza da mesma. Há duas décadas, as mudanças climáticas despertaram um profundo interesse e preocupação na comunidade ecumênica, pois essas mudanças são vistas como uma ameaça à criação, provocada por gases contaminados de origem antropogênica, in26

DICAS PARA REDUZIR A MUDANÇA CLIMÁTICA Substituir as lâmpadas tradicionais por lâmpadas de menor consumo (Lâmpada Compacta Fluorescente – CFL). As lâmpadas CFL consomem 60% menos eletricidade do que uma lâmpada tradicional. Essa simples substituição reduzirá a emissão de 140 quilos de dióxido de carbono por ano. Fixar o termostato em menos dois graus no inverno e dois graus a mais no verão. Ajustando a calefação e o ar-condicionado, pode-se economizar uns 900 quilos aproaximadamente de dióxido de carbono por ano. Usar menos água quente. Pode-se usar menos água quente, instalando uma duchatelefone de baixa pressão e lavando a roupa com água fria ou morna. Usar um varal ao invés da secadora de roupa. Se a roupa é secada ao ar livre durante um semestre, reduz-se em 320 quilos a emissão de dióxido de carbono por ano. Comprar produtos de papel reciclado. A fabricação de papel reciclado consome entre 70% e 90% menos energia e evita que continue o desmatamento mundial. Comprar alimentos frescos. Produzir comida congelada consome 10 vezes mais energia. Evitar de comprar produtos que venham com muita embalagem. Se reduzimos em 10% o lixo pessoal, podemos economizar 540 quilos de dióxido de carbono por ano. Reciclar. Pode-se economizar até 1.000 quilos de resíduos em um ano, reciclando a metade dos resíduos de uma família. Escolher um carro de menor consumo. Ao comprar um carro novo, podem-se economizar 1.360 quilos de dióxido de carbono por ano se esse rende dois quilômetros a mais por litro de gasolina do que outro. É preferível comprar um carro híbrido (totalflex) ou com biocombustível. Usar menos o carro. Prefira caminhar, andar de bicicleta, compartilhar o carro com seus vizinhos e usar o transporte coletivo. Reduzindo o uso do carro em 15 quilômetros por semana, evita-se emitir 230 quilos de dióxido de carbono por ano. Plantar árvores. Um hectare de árvores elimina, ao longo de um ano, a mesma quantidade de dióxido de carbono que produzem quatro famílias nesse mesmo tempo. Uma só árvore elimina uma tonelada de dióxido de carbono ao longo de sua vida. A sombra de uma árvore sobre uma casa economiza até 30% em custos de refrigeração. (Fonte: Media Development – Journal of the World Association for Christian Communication – 2/2009 – pp. 52-53) NOVOLHAR – Setembro/Outubro 2009


Tjeerd Doosje

volta a formas de vida mais simples, que não destroem o meio ambiente em consequência de um consumo desenfreado por parte de algumas minorias, dos recursos naturais com que o planeta nos alimenta. A separação entre ricos e pobres aumenta a cada dia, dando mais aos que já possuem em excesso e tirando dos que apenas sobrevivem. Para as igrejas, a ameaça da mudança climática é um tema profundamente espiritual, enraizado na Sagrada Escritura. Cremos que a solução do problema não será somente de ordem política, tecnológica ou econômica. Cremos que a ética e a justiça serão componentes essenciais sobre os quais as soluções se basearão. Assim vemos que nos encontramos diante de um caso de “justiça climática”, cuja consequência imediata deve ser a transição para sociedades mais justas, equitativas e sustentáveis. A mudança climática é um desafio para as igrejas e o movimento ecumênico para expressar em forma explícita nossa visão da oikoumene, entendendo-a como a totalidade da criação. Ainda estamos num ponto em que a raça humana pode produzir decisões que salvem a criação de uma inevitável dessacralização, causada pela mudança climática induzida pelo ser humano.

QUESTÃO DE FÉ: Para as igrejas, a ameaça da mudança climática é um tema profundamente espiritual

WWW.NOVOLHAR.COM.BR

O autor é integrante do Programa sobre Mudança Climática do Conselho Mundial de Igrejas, e reside em Buenos Aires, Argentina

27


Fotos: Divulgação Novolhar

Loja com objetos personalizados e obras de arte são diferenciais nos museus

Lançamento de exposição no Museu Santander

Cultura

Museu é cultura e modernidade no mesmo lugar Vera Nunes

V

OCÊ ESTÁ BUSCANDO OBJETOS MO-

dernos? Um programa para crianças? Lugar para compras? Já pensou em ir a um museu para fazer tudo isso? Sim, o conceito de que esses locais serviam apenas para reunir coisas antigas ficou para trás e hoje é possível encontrar todas essas opções em um museu. A capital gaúcha possui boas opções nessa área, que vão desde acervos de obras pessoais até experimentos interativos, mesclando inovação e tecnologia. E o mais importante é que, apesar de todo o pro-

28

cesso de modernização, os museus continuam exercendo um papel importante, voltado à reconstrução e ao entendimento da história e ao desenvolvimento de uma civilização. Um exemplo dessa preocupação é a exposição Arte na França 1860-1960: O Realismo, promovida pelo Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs), que trouxe a Porto Alegre mais de cem obras, criadas sob a influência do realismo francês. A mostra apresentou um percurso por um século de arte produzida na França e le-

vantou questões relacionadas às diversas e contraditórias manifestações da época. Apesar de tão distante no tempo, mostrou que o interesse popular é mais atual do que nunca. Segundo o diretor do Margs, Cézar Prestes, mais de 100 mil pessoas visitaram a mostra. Em sua opinião, o sucesso devese às obras-primas pontuais, que já desfrutam de certa intimidade com o público, acostumado a vê-las nos livros de arte e história. Fazer com que as pessoas conheçam, entendam e passem a apreciar a arte é um trabalho constante do diretor. “À medida que a pessoa conhece o significado de uma obra, ela entende o porquê de preservá-la e sabe o que fazer com esse patrimônio”, acredita, apostando num aprendizado desde a infância, que pode começar muito cedo na escola. Igualmente focado na construção do saber, o Museu de Ciências e Tecnologia da Pontifícia Universidade Católica (PUCRS) trabalha para ampliar seu público-alvo. Criado inicialmente para abrigar estudos e experimentos científicos da universidade, tornou-se um dos primeiros museus interativos de ciências naturais na América Latina. Após visita do ex-reitor Norberto Rauch ao Centro de Ciências Eureka, na Finlândia, o proNOVOLHAR – Setembro/Outubro 2009


O Museu de Ciência e Tecnologia da PUC-RS tornou-se um dos primeiros museus interativos de ciências naturais na América Latina

jeto criou forma e corpo e hoje figura entre as atrações culturais de destaque na cidade, segundo o Guia Quatro Rodas da Editora Abril. O diretor do MCT, Emilio A. JeckelNeto, garante que a visita é um programa para todas as idades. São mais de 800 experimentos interativos, cobrindo inúmeras áreas do conhecimento, sem falar no show Planetário, show em 3D e nas mostras especiais, como a de Charles Darwin, ou inovações como os programas “Uma Noite no Museu” e “Aniversário no Museu”. As parcerias com a iniciativa privada garantem a preservação da memória e da arte e também um programa de alto nível cultural. Instalado num prédio histórico no coração da capital gaúcha, a Praça da

WWW.NOVOLHAR.COM.BR

Alfândega, o Santander Cultural já apresentou, desde sua criação em 2001, 22 grandes mostras de artes visuais, milhares de exibições de filmes, festivais, seminários e cursos, além de centenas de shows musicais, workshops e masterclasses. Entre as exposições de artes visuais vale destacar a primeira grande exposição de arte contemporânea produzida nos últimos anos da coleção de Gilberto Chateaubriand (É Hoje na Arte Brasileira Contemporânea) e a mostra com 200 obras do artista catalão Joan Miró (! Mirabolante Miró!). Já a Fundação Iberê Camargo, instituição privada sem fins lucrativos, foi criada a partir do desejo de Iberê e de sua esposa, com apoio de amigos e lideranças empresariais. O prédio que mudou a paisagem da beira do rio Guaíba foi pro-

jetado por Álvaro Siza, um dos cinco arquitetos contemporâneos mais importantes da atualidade. O acervo é constituído de obras de Iberê, reunindo pinturas, guaches, desenhos e estudos. As exposições temporárias destinam-se a artistas modernos ou contemporâneos do Brasil ou do exterior. Sem dúvida um programa imperdível! Nos sites, confira preços, horário de funcionamento, área de estacionamento e outras informações: www.margs.rs.gov.br www.iberecamargo.org.br www.pucrs.br/mct www.santandercultural.com.br A autora é jornalista em Porto Alegre (RS)

29


Profissões

O tipógrafo, um jurássico O tipógrafo Paulo José Böhm exerce uma profissão cada vez mais rara. Ele sabe que a chance de ter alguém no seu lugar, na velha linotipo que opera, é mínima. A tipografia foi superada por novas tecnologias, embora ainda resista bravamente em tipografias de cidades do interior.

Rui Bender EM EXTINÇÃO: Paulo sabe que será o último a trabalhar na velha linotipo comprada há

“E

LE É UM JURÁSSICO”, BRINCA UM

colega de trabalho com o tipógrafo Paulo José Böhm (56), que há quatro décadas milita numa profissão que está desaparecendo gradualmente. Paulo confirma que “a profissão de tipógrafo está realmente em extinção”. Ele já está aposentado, mas continua em atividade como encarregado de uma pequena tipografia junto a uma gráfica. Pois ainda se podem fazer alguns trabalhos simples numa tipografia pequena: notas fiscais, recibos, envelopes, convites. Ele reconhece que “o patrão é corajoso” mantendo a pequena tipografia ao lado de uma gráfica mais moderna (offset). “As impressoras tipográficas são usadas como complemento do offset”, 30

afirma Amilton Lopes de Souza, diretor da Gráfica Souza em São Leopoldo (RS). “Ainda compensa porque se fazem notas fiscais, o que em offset sairia bem mais caro”, observa Paulo. Mas o serviço está cada vez mais escasso. Paulo e Amilton calculam que gastam apenas cerca de 500 quilos de papel por mês na velha tipografia. A velha companheira do tipógrafo Paulo é uma linotipo que ele avalia “ter uns sessenta anos”. Ela foi comprada muitos anos atrás do jornal Correio do Povo e continua servindo fielmente aos propósitos da gráfica. Faz vinte anos que Paulo opera com ela, mas é muito difícil sua manutenção. Não há mais peças de reposição, a não ser aquelas tiradas de outra linotipo já desmontada. Paulo não

conhece mais ninguém que opera com essa máquina. Quem trabalhava já está aposentado e parou por falta de trabalho, comenta ele. A linotipo, inventada em 1890 na Alemanha, é uma máquina enorme que funde em bloco cada linha de caracteres tipográficos, composta de um teclado, como o da máquina de escrever. Três partes distintas – composição, fundição e teclado – ficam unidas em uma mesma máquina. Ela é enorme, parecendo uma peça de museu. A tipografia resiste bravamente em pequenas gráficas, como essa de São Leopoldo, embora seja praticamente desconhecida pelos profissionais gráficos da atualidade. Cidades do interior mantêm até hoje gráficas em que se traNOVOLHAR – Setembro/Outubro 2009



Stephen J. Sullivan

Religiões

CRISTIANISMO: O gesto incompreensível de Deus, que sacrifica seu filho Jesus Cristo na cruz por amor e o ressuscita na Páscoa, é o evento central da fé cristã

A religião da força do amor A particularidade da fé cristã entre as demais religiões está no amor do Deus em cujo nome Jesus atua, que tem compaixão da criatura e a resgata da miséria Gottfried Brakemeier

“P

orque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu filho unigênito, para que todo o que nele crê, não pereça, mas tenha a vida eterna.” Essas palavras do Evangelho de João (3.16) explicam, melhor do que outras, a natureza da religião cristã. Ela tem na experiência do amor de Deus a sua origem. Foi o que os primeiros cristãos aprenderam com Jesus de Nazaré. Esse grande mestre não condenava as pessoas nem as ameaçava com castigos infernais. Pelo con32

trário! Ele acolhia os cansados e sobrecarregados, curava suas enfermidades, perdoava seus pecados. O Deus em cujo nome Jesus atua tem compaixão da criatura e estende a mão para resgatá-la da miséria. Reside nisso a particularidade da fé cristã entre as demais religiões. Certamente ela não é cega frente aos enigmas do universo e da vida humana. O amor de Deus é nenhuma evidência. E, no entanto, o que de fato carrega o mundo é Deus em seu amor. Sem esse, foge o sentido, e o mundo torna-se brutal. Pelo mesmo motivo não há como conformar-se com um Deus

tirano, que escraviza o ser humano mediante pesadas leis e exigências. Não! Deus é como um pastor que busca a ovelha perdida, como um pai que anseia pela volta de seu filho, como o dono de uma vinha que tem olhos para as necessidades de seus empregados. A esse Deus as pessoas podem dirigirse confiantes como “Pai Nosso”. O Deus de Jesus Cristo “humaniza” o mundo. Isso não significa que Deus também não possa castigar. Deus permanece sendo autoridade. Quer ver cumprida sua vontade. Quem a desrespeita sofre prejuízos. Mas antes do castigo está o amor que perdoa e acolhe e que achou sua expressão mais dramática na cruz de Jesus Cristo. Ela é o símbolo do amor de Deus por excelência. Jesus preferiu sofrer a morte a aniquilar seus inimigos. Morreu por amor a eles. Assim é Deus. A cruz de Cristo ilustra o amor divino que desiste da vingança. NOVOLHAR – Setembro/Outubro 2009



História

Inspirada em Lutero, a igreja luterana brasileira tem uma história de luta ecumênica e contra as injustiças, com sólida base de formação teológica. A IECLB se orgulha de participar com seus dons e recursos na transformação da sociedade brasileira.

FACULDADE DE TEOLOGIA: A seriedade com a qual a IECLB

Mauro Batista de Souza

A

HISTÓRIA DA IGREJA EVANGÉLICA DE

Confissão Luterana no BrasilIECLB é a história de suas lutas. São 185 anos de presença no Brasil e 60 desde sua constituição (então denominada de Federação Sinodal), ocorrida no Concílio de Santo Amaro (SP), em outubro de 1949. No início eram as dificuldades dos imigrantes europeus que, esquecidos pelas autoridades e proibidos de construir suas igrejas, puseram-se a erguer escolas nas quais também se reuniam em oração. Mais tarde vieram as guerras mundiais e a amarga experiência de desconfiança, isolamento e discriminação, quando hinários em língua alemã eram escondidos em caixas de abelha para não serem queimados. Depois foram os processos migratórios que empurraram as pessoas para as novas áreas de colonização, projetadas em sua maioria sobre terras indígenas. Mais recentemente trava-se uma luta por unidade e por um compromisso maior das comunidades para com a missão de Deus, ao mesmo tempo em que se tenta veementemente responder à pergunta sobre como ser igreja no contexto urbano. A história da IECLB é a história de suas lutas. Não é de todo equivocado o trocadilho de que “igreja luterana” é a “igreja que

34

Ingelore Starke Koch

Seis décadas de IECLB

luta”. Mas é claro que o adjetivo “luterana” que compõe o nome adotado oficialmente pela IECLB em 1968, deriva do reformador Martim Lutero. Em um de seus mais importantes ensinamentos Lutero afirma que, pela fé, a pessoa cristã é livre de tudo e se sujeita a ninguém. Mas que, por amor, ela é serva dedicada a tudo e sujeita a todos. Seguidora dos ensinamentos de Lutero, a IECLB entende que a pessoa cristã é chamada a dar testemunho público de sua fé com ética e responsabilidade, rejeitando e lutando contra as injustiças que a cercam. Formação bíblica e teológica, portanto, é essencial para um bom testemunho. A seriedade com a qual a IECLB encara a formação teológica tem sido uma de suas marcas mais profundas. Entende que sua voz e sua atuação na sociedade dependem em muito da qualificação de seus obreiros, obreiras, líderes e membros das comunidades. O artigo quinto da Constituição da IECLB define que sua natureza ecumênica “se expressa pelo vínculo de fé com as igrejas no mundo que confessam Jesus Cristo como único Senhor e Salvador.” Esta clareza normativa possibilitou que, ao longo dos anos, a IECLB tenha tido participação ativa

no movimento ecumênico, em todos os níveis. Atualmente pessoas da IECLB ocupam cargos importantes no Conselho Nacional de Igrejas Cristãs, no Conselho LatinoAmericano de Igrejas, tanto a nível continental quanto a nível de Brasil, na Federação Luterana Mundial, e no Conselho Mundial de Igrejas. A IECLB faz parte de comissões de diálogo com outras igrejas (Católica, Anglicana, Luterana do Brasil) e tem representantes nas diretorias de diversas entidades ecumênicas. Possui convênios e parcerias com igrejas da América Latina, Europa, Estados Unidos, África e Japão. Segundo Lutero, o evangelho se prega com a boca e com a mão. Isto significa que não é coerente crer que Deus nos salva em Jesus Cristo mediante a fé e ficar indiferentes diante do sofrimento ao qual está submetida grande parte da população. Conhecedora de seus limites, mas também de suas potencialidades, a IECLB se orgulha de participar com seus dons e seus recursos para a transformação das injustiças sociais e ecológicas. Ela se entende como um instrumento da missão de Deus no mundo. É impossível dar nome a todas as iniciativas diaconais e missionárias desenvolvidas no âmbito da IECLB e nas entidades NOVOLHAR – Setembro/Outubro 2009


promisso ainda não esteja traduzido, tanto quanto deveria, na ocupação de cargos e espaços importantes por mulheres. A busca pela superação da violência contra mulheres e crianças é um imperativo evangélico que a IELCB considera inegociável. Nestes 185 anos de história no Brasil, e 60 desde sua constituição, a IECLB tem se entendido como portadora de um tesouro de valor inestimável: a mensagem da salvação por graça mediante a fé em Jesus Cristo. Não quer nem pode guardar este tesouro somente para si. Antes, busca divulgá-lo, comunicá-lo, testemunhá-lo e praticá-lo, para que pessoas de todas as etnias, habilidades, gêneros, idades e condições sociais possam sentir-se convidadas. Assim, a IECLB vai reafirmando cada vez mais seu compromisso de ser igreja de confissão luterana em terra brasileira.

encara a formação teológica tem sido uma de suas marcas mais profundas (Prédio antigo da Faculdade de Teologia)

com as quais mantém convênios. Mas podemos citar o COMIN e a CAPA como exemplos dessas iniciativas. O Conselho de Missão entre Índios (COMIN) realiza um trabalho junto às populações indígenas na busca de seus direitos constitucionais. O Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor (CAPA) trabalha com famílias de pequenos agricultores, buscando alternativas de pro-

WWW.NOVOLHAR.COM.BR

O autor é teólogo e assessor da Presidência da IECLB em Porto Alegre (RS)

dução e renda para mantê-las trabalhando na terra. Através de projetos intermediados pela Fundação Luterana de Diaconia, um dos braços diaconais da IECLB, tem se buscado fortalecer também a luta das populações negras, remanescentes de quilombos. A valorização da mulher na igreja e na sociedade é um dos compromissos mais sublimes da IECLB, mesmo que este com-

35


Conto

Divulgação Novolhar

Algodão doce

Marli Blankenheim

Olho para a porta do trem e, praticamente, pulo para dentro. Desconfio de portas que abrem e fecham sozinhas. Conforta-me prever que, em 45 minutos, estarei na estação do Centro, livre do trânsito maluco da BR-116. Distraio-me, olhando as pessoas concentradas no celular, lendo, usando fones de ouvido. Busco por um rosto familiar, um olhar para compartilhar o sentimento comum a todos os que retornam para casa numa sexta-feira chuvosa e fria. Parece, no entanto, que todos somos cúmplices no mesmo propósito: fazer desse tempo um parêntese breve, chegar à casa logo. É isso. – Vais pra São Leo? – Olhei para o lado e, assim distraída, tive a impressão de que o algodão-doce falava comigo. Atrás da nuvem cor-de-rosa, a face curiosa do menino. – Vou. Moro lá, e tu? – Reparei que a mãe dele, espremida pelos outros passageiros, fez um sinal para que ele ficasse quieto e não me incomodasse. Mas ele, protegido pela circunstância e seduzido por tanta novidade, nem bola pra ela. – Eu também. Moro lá na Feitoria. Sabe que Porto Alegre dista trinta e três quilô36

metros de São Leo? – Dista? – É, significa que fica longe trinta e três quilômetros. – Nossa! Parece que tu gostas de aprender palavras novas. – Muito. Já sei ler um pouco. Minha “profi” é bem legal. Quer ver o que eu tenho na sacola? A mãe fez um sinal para que não ousasse fazer o que estava pensando. Mas ele já colocava no meu colo uma camiseta, uma bermuda, meias e uma cueca. – Bonito, né? Tudo novinho. Vou levar na escola e mostrar pra minha “profi”, mas só vou usar no dia vinte e três. – É teu aniversário? – Não. Já fiz aniversário. Tu tens pai? – Meu pai morreu... – Ele não me deixou completar a frase. – O meu tava morto, mas agora tá vivo. Entendeu? É assim: a minha avó, que cuida de mim, disse que ele tinha morrido. Depois, minha mãe disse que ele tava vivo, mas ele dizia que não era meu pai. Daí minha mãe dizia que ele era, mas ele não queria ser meu pai. Quando eu chorava, minha avó dizia pra eu fazer de

conta que ele tinha morrido. Mas eu não consegui. Nem quis fazer cartão no dia dos pais. Minha “profi” me perguntou por que e, depois disso, ela chamou minha mãe pra conversar. Ele se distraiu uns segundos, abocanhando o algodão-doce, admirando a porta que abria e fechava e o entra-e-sai dos passageiros, mas logo retomou sua preciosa narrativa. – Daí, a professora explicou que tinha um jeito de saber se ele era meu pai. Era só fazer um exame de letras; é DNA. E sabe o que aconteceu? – Me conta logo, por favor! – Exagerei na expressão, e ele riu de minha careta. – Curiosa! Então, ele é meu pai mesmo. No dia vinte e três, vou botar esta roupa e pentear meu cabelo pra trás, com gel. Vou ver o juiz. Quero ver agora ele dizer que não é meu pai. É pai e pronto. Recolheu, com cuidado, as roupas na sacola, aninhando-a de encontro ao peito e me ignorou, entregue à própria felicidade. Olhei para ele, ansiando por uma sacola onde guardar o que sentia. O menino colocou no meu colo, acomodou na minha alma sua fé nas pessoas. Ele me abençoou com a graça da convivência espontânea. Como ele, também me apaixonam as palavras. Confiança (cum fides). Ele confiou. Conviver com fé. Certeza de que nos importamos uns com os outros, de que a minha história se insere nas entrelinhas da tua e que não dá para brincar de faz-deconta quando se busca o pai. Já é noite. O recorte dos edifícios sob o céu tece um rendado familiar. O menino é estrela cadente, verso único, luminosa escritura que nos entrelaça. Visualizo o retalho colorido que preciso costurar com linha forte. Recreio de inocência, pardalzinho em poça d’água, acalanto breve e inesperado, ninando minha alma, dando colo para minha esperança. O trem para. A mãe toma-o pela mão. Não há despedida. Ele me estende a mãozinha com a sobra melada do algodão-doce e, sorrindo, me diz: – Fica pra ti. Não quero mais. Fonte: O Cotidiano Urbano – 2° Prêmio Literário Sérgio Farina de 2008 – Secretaria Municipal de Cultura de São Leopoldo (RS) NOVOLHAR – Setembro/Outubro 2009


Iniciativas de paz

O CLAI e a paz A formação de multiplicadores da paz está entre as prioridades do Conselho Latino-Americano de Igrejas Nilton Giese

O

CONSELHO LATINOAMERICANO DE Igrejas-CLAI é uma organização ecumênica fundada em 1978. Atualmente reúne 178 igrejas e organismos ecumênicos em 20 países da América Latina e do Caribe. O CLAI tem cinco objetivos superiores: Promover a unidade do povo de Deus naAmérica Latina e no Caribe, reconhecer a riqueza que representa a diversidade de tradições, confissões e expressões de fé, ajudar seus membros a descobrir sua identidade e compromisso diante da realidade nacional e latinoamericana, estimular e apoiar a tarefa evangelizadora das igrejas e promover a reflexão e o diálogo teológico em torno da missão de Deus nesse continente. Para promover esses objetivos o CLAI tem dez programas ou pastorais de serviço. Um desses programas chama-se Cultura de Paz. Seu objetivo específico é promover a construção de uma cultura de paz, com um trabalho integral e participativo com outros organismos sociais. Para as igrejas e organismos ecumênicos membros do CLAI é muito importante que todos superemos o espírito, a lógica e a prática da violência e renunciemos a todo tipo de justificação teológica da violência. Nesse sentido o CLAI vem oferecendo para as instituições de ensino materiais didáticos para capacitação de educadores em educação para a paz. Um elemento importante para a solução dos problemas da violência WWW.NOVOLHAR.COM.BR

HONDURAS: Manifestantes contra o golpe em confronto com os tanques do exército

está na criação de nucleos de paz, porque a paz necesita ser co-criada e construida cultural e pedagogicamente. A paz é fruto de um esforço intencional permanente que deve ser praticado diariamente. Desde o ano de 2006 o CLAI vem produzindo em português e espanhol vários materias didáticos a baixo custo para uso em escolas, igrejas e outros grupos sociais. Entre seus títulos estão: Busquemos a Paz: Manual para acampamentos infantis com crianças de 5 a 12 anos; Mãos ao bom trato: Material com vários exercícios práticos para a juventude (13 a 18 anos) ensina técnicas de como comportar-se em situações de confli-

O pastor brasileiro Nilton Giese (à direita) ao lado do prêmio nobel da paz Adolpho Perez Esquivel

to; e Aprender a educar para a Paz, que é um instrumental para capacitação de educadores em educação para a paz. Esse último material está sendo usado em cursos para professores e professoras da Província de Buenos Aires-Argentina e no municipio de Montevideo-Uruguai. O ecumenismo é uma oportunidade de reunir esforços e de compartilhar boas iniciativas. Nem sempre é preciso inventar os recursos. Como CLAI temos a possibilidade de compatilhar e fortalecer experiências como a editora Rede de Paz, do padre Marcelo Rezende Guimarães, de Goiás, ou do Programa CLAVES de Juventude para Cristo, do Uruguai. Nesse segundo semestre de 2009 o Programa Cultura de Paz foi chamado pelas igrejas e organismos ecumênicos de Honduras. O golpe militar do dia 28 de julho passado expulsou o presidente eleito e dividiu o país entre os favoráveis ao golpe e os favoráveis à institucionalidade democrática. Estaremos utilizando os materiais do CLAI na formação de mulitplicadores da paz de pastores, professores e o movimento juvenil das igrejas. Essa iniciativa do CLAI está vinculada ao movimento mundial da Década de Superação da Violência, promovida pelo Conselho Mundial de Igrejas. O autor é teólogo brasileiro e secretário-geral do Conselho Latinoamericano de Igrejas em Quito-Equador.

37


Qualidade de vida

Um índice para medir Felicidade Interna Bruta Segundo alguns economistas, o conceito por trás da índice do Produto Interno Bruto está ultrapassado porque não leva em conta a destruição ambiental e a injustiça social. É preciso medir a felicidade também. Edelberto Behs

tes”, declara a consultora inglesa Hazel Henderson em entrevista ao Instituto Humanitas (IHU), da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Henderson destaca que a globalização da pro-

38

Divulgação Novolhar

A

MEDIDA ECONÔMICA PROPORCIONAda pelo Produto Interno Bruto (PIB) é equivocada. Ela não leva em conta capitais sociais, nem mesmo os custos ambientais. Outras alternativas estão sendo buscadas em substituição ao PIB, como é o caso da Felicidade Interna Bruta (FIB). A FIB baseia-se no princípio de que o verdadeiro desenvolvimento de uma sociedade humana acontece quando ele se dá tanto no campo espiritual como no material. Assim, a FIB escora-se em quatro pilares: promoção de um desenvolvimento socioeconômico sustentável e igualitário, preservação e promoção dos valores culturais, conservação do meio ambiente e estabelecimento de uma boa governança. “Quando os manuais de economia forem corrigidos e todos os custos sociais e ambientais da produção forem incluídos nos preços aos consumidores, perceberemos que a produção e o comércio locais e regionais são mais eficien-

dução e do consumo acarretou muito desperdício de energia no transporte e muita destruição da biodiversidade. Ela defende que o comércio mundial deixe de transportar bens e passe a intercambiar serviços. Na avaliação do economista Ladislau Dowbor, o sistema econômico hoje vigente no mundo ocidental mostra-se destrutivo em termos ambientais e injusto em termos sociais. “Hoje os bancos estão falindo e dizemos ‘estamos em crise’. Mas quando morrem todos os anos dez milhões de crianças por causas ridículas, como por exemplo não ter acesso à água limpa, isso não é crise?” – questiona na entrevista concedida ao IHU. A conta de Dowbor é simples: ao dividir o PIB do mundo, que é de 60 trilhões de dólares, pela população mundial, que é de 6,7 bilhões de habitantes, chega-se a um resultado que dá cerca de 5 mil reais por família de quatro pessoas, por mês. “Isso é importante, porque significa que, se o que o planeta produz hoje fosse distribuído de maneira minimamente justa, daria para todo mundo viver de maneira digna e confortável”, garante. O economista francês Serge Latouche, também em entrevista ao IHU, tem outro cálculo. Ele lembra que o espaço disponível no planeta Terra é limitado, de 51 bilhões de hectares. Mas o espaço “bioprodutivo” – útil à produção – é mais restrito ainda: em torno de 12 bilhões de hectares. Dividido pela população mundial, chegar-se-ia a 1,8 hectares por pessoa. Latouche menciona ainda que cada americano consome em média cerca de 90 toneladas de materiais naturais diversos, um alemão, DOWBOR: 80, um italiano, 50. O sistema “Em outros termos, econômico hoje vigente a humanidade já conno mundo some perto de 40% ocidental mais do que a capacimostra-se dade de regeneração destrutivo da biosfera”, compaem termos ra. Os Estados Uniambientais e dos, que tem 4% da injusto em população mundial, termos sociais. consomem 25% da NOVOLHAR – Setembro/Outubro 2009



Oriente Médio

Tenda da resistência

N

9 QUILÔmetros a sudoeste de Belém (Cisjordânia) vive a família Nassar. É uma das últimas famílias palestinas cristãs que vive naquela área cercada por assentamentos judeus e encurralada por um extenso muro que separa o Estado de Israel da Cisjordânia. A propriedade da família Nassar, de 42 hectares, já está há quatro gerações em seu poder. Daher Nassar adquiriu aquela área em 1916. Mas hoje o governo israelense exige que a propriedade seja novamente registrada para pertencer legalmente à família Nassar. Para isso exige o pagamento de 15 mil dólares. Foi feito um pagamento inicial de 5 mil dólares, mas o processo será interrompido se não for quitado o restante dentro do prazo. O governo israelense oferece uma vultosa soma e trânsito livre fora da Palestina à família Nassar, mas ela permanece inflexível. UMA COLINA SITUADA A

Fotos Divulgação Novolhar

Rui Bender

“Essa terra é nossa mãe. E nossa mãe não está à venda”, argumentou Daoud Nassar, neto de Daher, a jornalistas estrangeiros recentemente. Ele acrescentou: “Sem terra não há futuro”. Entretanto, Daoud faz questão de defender sua propriedade sem violência. Para demonstrar seu compromisso com a paz e a coexistência pacífica, Nassar fundou a “Tenda das Nações”, um projeto que proporciona educação a crianças dos vilarejos e campos de refugiados da região. A missão da Tenda das Nações é construir pontes entre as pessoas e entre essas pessoas e a terra. Em busca dessa missão, a Tenda das Nações criou projetos para proteger a terra e desenvolver a agricultura orgânica e assim “construir pontes de fé e esperança”. Daoud Nassar, que é evangélico luterano e fala fluentemente o alemão, confirmou que somente nos meses de janeiro a março deste ano 876 pessoas visitaram a Tenda das Nações, na maioria estrangeiros: americanos, eu-

DAOUD NASSAR é o fundador da Tenda das Nações para educar crianças para um futuro de paz, com o lema “Nos recusamos a ser inimigos”, da pedra ao lado.

ropeus e até brasileiros (onze), além de israelenses e palestinos. “A presença internacional é uma garantia de sobrevivência”, admite Daoud. Afinal, os visitantes estrangeiros divulgam o trabalho e até ajudam a financiar o projeto. Esses visitantes estrangeiros e voluntários plantaram 600 árvores na propriedade nos últimos meses. O palestino Daoud reconheceu que foi estimulante ver toda essa gente plantar árvores sob o mote “Plantar pela paz”. Como a propriedade sofre com falta de água, foram construídas duas cisternas para armazenar 80 mil litros, e uma terceira está em processo de construção. “Assim estamos fazendo algo para a próxima geração”, entende Daoud. Ele emendou: “Não devemos assumir o papel de vítimas, mas construir nosso futuro”. “Queremos todos um futuro promissor para nossos filhos. Os israelenses também deveriam almejar isso”, comentou o palestino. Daoud lamenta que infelizmente os palestinos não são unidos. Não existe uma liderança palestina forte, na sua opinião. Para piorar, ele não tem nenhuma confiança nos políticos. Por isso ele aposta no fortalecimento da mobilização civil. “Cada um deve assumir um papel na construção da paz. Infelizmente nós palestinos sempre tivemos uma educação de subordinação”, lastima Daoud. O autor é jornalista em São Leopoldo (RS)

40

NOVOLHAR – Setembro/Outubro 2009


Sufi Nawaz

Espiritualidade

Em busca de serenidade Brunilde Arendt Tornquist

A

COMPANHA-ME SEMPRE UMA ORAÇÃO

que quase se tornou um lema, às vezes é um puxão de orelhas. É a chamada oração da serenidade, de Reinhold Niebuhr: “Senhor, dá-me serenidade para aceitar as coisas que não posso mudar; coragem para mudar as coisas que eu posso modificar e sabedoria para saber a diferença entre elas. Vivendo um dia de cada vez, aproveitando um momento de cada vez, aceitando as dificuldades como um caminho para a paz”. Essa oração também foi adotada pelos Alcoólicos Anônimos. Um livro de K. Roberts e G. Cunningham – Serenity: Concept analysis and measurement –, de 1990, enfatiza que serenidade não é passividade; é atitude, é estilo de vida. Veja algumas de suas dicas. Na busca por serenidade, é preciso criar distanciamento. Não se trata só da distância física dos deveres, mas também de livrar-se deles durante algum tempo. Há pessoas que tiram férias e não conseguem WWW.NOVOLHAR.COM.BR

deixar de pensar em seus negócios e tarefas. Uma maneira de afastar os pensamentos do trabalho e conseguir serenidade é a meditação: investir em momentos de repouso, fazer uma pausa para comunicar-se com Deus ou concentrar-se em pensamentos elevados, edificantes e de ajuda espiritual. Na busca por serenidade, é preciso valorizar o refúgio interior. Trata-se desses sítios, amenos e sossegados, de abrigo e relaxamento, onde podemos estar tranquilos, livres dos estímulos estressantes do meio e das exigências. Pode ser um lugar físico ou simplesmente um tempo de trégua. Para muitas pessoas, a boa música é um lugar de refúgio; para outras, pode ser a leitura, o contato com a natureza, um retiro espiritual ou uma oração. Na busca por serenidade, é preciso estimular a aceitação e a empatia. A aceitação de uma situação que escapa ao nosso controle é uma alternativa para dirigir as energias para as coisas que devemos mudar.

Mais do que insistir para que os outros mudem, devemos focar nas mudanças que nós mesmos podemos realizar. Reconhecer e assumir as próprias fraquezas e erros é um passo para viver sereno. Além disso, essa disposição de aceitação possibilita a empatia com as outras pessoas, tentando entendê-las, colocando-se em seu lugar. Na busca por serenidade, é preciso lidar com o perdão. A pessoa serena está em paz com seu passado, com os outros e consigo mesma. O perdão inclui pelo menos três questões práticas: (a) a libertação do ressentimento para com alguém; (b) a reparação do vínculo quebrado e dos sentimentos feridos; e (c) o abandono da ideia de vingança. O ressentimento é um veneno para a vida interior; o perdão é o antídoto que o neutraliza. O perdão também nos leva a reconhecer nossas agressões aos outros, oferecendo uma via de superação e restituição. Por isso diz-se que o perdão é um importante componente da saúde psicológica e interpessoal, como a via régia para alcançar a paz da alma. Na busca por serenidade, é preciso ter disposição para viver o presente. Trata-se de viver um dia de cada vez. É a capacidade de enfrentar as dificuldades e também de desfrutar dos momentos agradáveis, livres dos problemas do passado e das preocupações do futuro, sem medos nem ansiedades. Ter a aptidão para não se deixar dominar pelas emoções negativas é uma virtude da serenidade. O passado não pesa; deixa apenas saudades – memórias que aquecem a alma. Na busca por serenidade, é preciso adquirir confiança. É acreditar nos outros e que, aconteça o que acontecer, tudo estará bem ou, como dizia o apóstolo Paulo, “todas as coisas contribuem para o bem”. Baseia-se na crença da bondade de Deus ou de uma sabedoria universal benéfica. A desconfiança leva à suspeita, a ver maldade atrás de cada situação ou circunstância, o que suscita um estado de alerta contínuo e de inquietação permanente. A confiança, ao contrário, tranquiliza, relaxa e fomenta um sentido de conexão com as outras pessoas e com o mundo. A autora é teóloga e assistente editorial em São Leopoldo (RS)

41


Penúltima palavra

Fernando Gomes

O aviso nem sempre respeitado me levou a tomar uma decisão que comecei a praticar: em qualquer lugar em que eu estiver, vou coletar qualquer tipo de lixo não-degradável

Experimente para ver Egon Hilário Musskopf

F

ÁCIL É FICAR APONTANDO O DEDO

para quem joga toco de cigarro no chão como se não fosse lixo, joga lixo pela janela do carro como se estivesse dando comida aos passarinhos, faz cara feia com ar superior cada vez que tropeça numa latinha de cerveja ou numa garrafa pet ou qualquer outra coisa que demonstra que um ser humano andou por ali. Já me incomodei muito com isso. A falta de educação e a falta de consciência ambiental são reais, com todos os danos que podem causar. Provavelmente essas coisas continuarão a me aborrecer, mas concluí que não posso mais ficar me limitando a criticar os outros. Tomei uma decisão ecológica e já

comecei a colocá-la em prática. Em qualquer local público em que eu estiver – sendo público não é só meu, sempre será compartilhado com todos os que chegaram antes de mim e que chegarão depois que eu for embora –, vou coletar qualquer tipo de lixo não-degradável. Plásticos, latinhas, garrafas pet, vidros, arames e até mesmo bitucas de cigarro. Fiz umas continhas e dei-me conta de que, se uma única pessoa em cada cem ou duzentas fizer isso, toda a praça, toda a praia, toda a rua ficarão limpas. E com essa atitude o esgoto pluvial entupirá menos, teremos menos inundações e menos peixes e aves morrerão porque engoliram plásticos, confundindo-os com alimento.

Já fiz isso algumas vezes e não quero ser tomado pela vaidade ou pelo orgulho por estar fazendo a coisa certa. Não é nada demais, coisa simples, qualquer pessoa pode fazer o mesmo. Tomara que uma ou duas pessoas em cada cem ou duzentas faça algo parecido. Andando pela praia, cato o lixo que jogaram ali, num flagrante desrespeito ao espaço que é de todos... Certamente muitas pessoas reparam em minha ação. Algumas já debocharam e outras até me confundiram com um gari. Achei graça. Mas já constatei olhares aprovadores e até crianças se juntando a mim para catar também. Senti-me bem, e muito, fazendo isso. É bom fazer o bem! Ah, sim, não vou percorrer toda a praia catando lixo. Basta que eu faça isso em torno de meu espaço. Nem vou limpar toda a praça ou toda a rua, mas posso fazer isso muito bem na área que estou ocupando ou defronte à minha casa. É o suficiente. Ali adiante – eu sou otimista –, outro também fará isso. E como prega o ditado chinês: “Se cada um limpar a frente de sua casa, a rua toda ficará limpa”. Sei que mais pessoas fazem isso que também optei por fazer. Sei também que, lendo essas palavras, outros se sentirão motivados a repetir essa atitude. Todos ganharão com isso, até mesmo os que deixaram o lixo por ali. E se formos confundidos com garis, tudo bem. Os garis são pessoas muito dignas, que fazem o trabalho de manter limpa a cidade em que moramos. Podem orgulharse de seu trabalho. É quase tão importante quanto alguém que faz a assepsia de um hospital ou de um restaurante. Preciso confessar uma coisa. Talvez devesse me envergonhar disso, mas é mais forte do que eu. Ver a cara constrangida de alguém que acabou de jogar um lixo no chão e me vê recolhê-lo é a mais doce vingança por tantos anos em que fiquei apenas na crítica. E lá dentro, sem dar demonstração, fingindo não perceber, dou gargalhadas. Nunca poderia imaginar que algo pudesse ser tão bom e divertido. Experimente! O autor é jornalista em Balneário Camboriú (SC) NOVOLHAR – Setembro/Outubro 2009



Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.