Prevenção e Saúde - Revista Novolhar, Ano 8, Número 34, Julho e Agosto, 2010

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10 a 25 capa

Prevenção e saúde

Hábitos que encurtam a vida. Sexo e saúde. A história da prevenção. Cuidado das mãos. Vacinação. Saúde bucal. Drogas. Longevidade.

ÍNDICE

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RELIGIÃO

Avatar: Vivência religiosa em 3 D

Ano 8 –> Número 34 –> Julho/Agosto de 2010

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JOVENS

OGA

COMUNICAÇÃO

Congresso quer saber da paixão dos jovens

Trilha da Solidariedade passa pela Bolívia

Congresso de Comunicação Religiosa

SEÇÕES

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CULTURA

Bibliotecas disponibilizam livros nas estações do metrô da maior cidade do Brasil

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AS MULHERES NO MINISTÉRIO

Valorização e reconhecimento estão entre os desafios enfrentados

ÚLTIMA HORA > 6 NOvolhar sobre > 6 notas ecumênicas > 8 REflexão > 26 REtratos > 28 conto > 29 ecumenismo > 38 ESPIRITUALIDADE > 40 PENÚLTIMA PALAVRA > 42 NOVOLHAR.COM.BR –> Jul/Ago 2010

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AO LEITOR Revista bimestral da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil-IECLB, editada e distribuída pela Editora Sinodal CNPJ 09278990/0002-80 ISSN 1679-9052

Diretor Walter Altmann Coordenador Eloy Teckemeier Redator João Artur Müller da Silva Editor Clovis Horst Lindner Jornalista responsável Eloy Teckemeier (Reg. Prof. 11.408) Conselho editorial Clovis Horst Lindner, Doris Helena Schaun Gerber, Eloy Teckemeier, João Artur Müller da Silva, Marcelo Schneider, Olga Farina, Vera Regina Waskow e Walter Altmann. Arte e diagramação Clovis Horst Lindner Criação e tratamento de imagens Mythos Comunicação - Blumenau/SC Capa Arte: Roberto Soares Impressão Gráfica e Editora Pallotti Colaboradores desta edição Aline Gehm Koller Albrecht, Antonio Fernando Boing, Brunilde Arendt Tornquist, Débora Drehmer, Dorothea Wulfhorst, Eliana Rolemberg, Ingelore Starke Koch, Jéssica Fontoura, Juliana Ruaro Zachow, Júlio Cézar Adam, Ligiane Taiza Fernan­ des, Louraini Christmann, Luciana Thomé, Márcia Gori, Marguit Carmem Goldmeyer, Nelson Kilpp, Paula Oliveira, Ricardo Siegle, Rogério Lessa Horta, Rui Bender, Sandra Helena Fanzlau, Santiago, Vera Cristina Weissheimer, Vera Nunes e Zadi Francisco Manoel. Publicidade Editora Sinodal Fone/Fax: (51) 3037.2366 E-mail: editora@editorasinodal.com.br Assinaturas Editora Sinodal Fone/Fax: (51) 3037.2366 E-mail: novolhar@editorasinodal.com.br www.novolhar.com.br Assinatura anual: R$ 27,00 Correspondência E-mail: novolhar@editorasinodal.com.br Rua Amadeo Rossi, 467 93030-220 São Leopoldo/RS

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Prevenção ou remédio?

P

revenir é melhor do que remediar, diz o velho ditado. E ele é especialmente válido quando a falta de prevenção nos obriga ao uso de remédios – os famosos medicamentos – para re­cuperar a saúde que se foi. Na maioria das vezes, tais medicamentos são bem caros e quase sempre vêm acompanhados dos indesejados efeitos colaterais, que atrapalham de verdade. O resultado da falta de prevenção pode ser bem complicado, às vezes. Por isso é melhor seguir a sabedoria do ditado popular, ainda mais quando se trata de cuidar da saúde. Foi pensando nisso que a equipe da Novolhar convidou o infectologista Ricardo Siegle para sua reunião editorial, buscando fundamentação e conteúdo para esta edição. Quem espera receitas milagrosas que ajudem no cuidado do equilíbrio das condições favoráveis para a nossa vida é confrontado com uma dica bem simples e barata: lavar as mãos. “Parece inacreditável, mas vocês não imaginam o quanto a disseminação do álcool-gel durante o pânico com a gripe suína reduziu as infecções, inclusive no ambiente hospitalar”, comemora Siegle. Certamente há vários cuidados indispensáveis, mas o hábito de lavar as mãos evita a ação da maioria dos micro-organismos causadores de doenças, que não voam nem andam, mas “viajam” de mão em mão. Os cuidados básicos com a higiene, aliados à sensatez de desfazer-se de hábitos típicos de nossa cultura, que prejudicam a saúde e reduzem a expectativa de vida – como o fumo, os alimentos industrializados e o estresse –, completam uma lista simples, porém eficaz. Diversos artigos abordando a religiosidade embutida no filme Avatar, as mulheres no ministério da igreja, as bibliotecas do metrô de São Paulo ou o que faz bater o coração dos jovens luteranos completam a lista de textos da presente edição. Na seção “Espiritualidade”, Vera Cristina Weissheimer reflete sobre a oração como o desejo de conversa de quem está com saudade de Deus. Segundo ela, esse é um encontro numa espécie de solidão acompanhada, em que é possível sentir “a eternidade acarinhando o nosso tempo regido por tantos ponteiros”.  Equipe da Novolhar


opinião do leitor Agradecimento

Não sabia que os artigos eram remunerados. Não tenho interesse em receber por ele, pois é a minha contribuição para a divulgação do evangelho e do nome de nossa igreja. Agradeço se me enviarem um exemplar de cortesia; assim posso presenteá-lo e consequentemente divulgar a revista. Sou assinante e ansiosamente espero pela publicação da revista, pois, para mim, Novolhar é o que de melhor já se fez na igreja. Sandra Helena Fanzlau Guarapuava (PR)

Ser assinante

Como luterana que sou, adorei muito ter efetuado a assinatura há dois anos. As reportagens e informações são de cunho teológico/religioso, sem, contudo, obrigar o assinante a ser lute­ rano ou fazer propaganda de nossa igreja. Estão todos de parabéns! Adélia Hollerbach Guimarães Teófilo Otoni (MG)

Artigo publicado

Foi com grande alegria que recebi a edição de maio e junho da revista Novolhar. Ela está muito legal. Mais contente ainda fiquei com a publicação de meu artigo sobre as mudanças climáticas. Continuo à disposição para futuras colaborações. Arno Kayser Por e-mail

LIVROS DA SINODAL Pessoa com deficiência

Agradeço os exemplares da revista Novolhar que me foram enviados e o espaço concedido nas páginas 20 e 21 para falarmos do Programa Diaconia Inclusão da IECLB, que está a serviço da igreja e da sociedade para ajudar a construir comunidades inclusivas, onde todas as pessoas com e sem deficiência vivam dignamente com suas diferenças. Ao ler a matéria, constatei a utilização de duas terminologias que não são mais usadas: portadores de deficiência e deficientes físicos. Como programa, temos nos empenhado para informar que hoje, após muita reflexão de grupos e entidades de e para pessoas com deficiência, a terminologia atual é “pessoa com deficiência”. Acreditamos que o processo de inclusão dá-se também no momento em que utilizamos a terminologia que as próprias pessoas com deficiência defendem. Segundo Romeu Sassaki, “no Brasil, tornou-se bastante popular, acentuadamente entre 1986 e 1996, o uso do termo portador de deficiência. Pessoas com deficiência vêm ponderando que elas não portam deficiência; que a deficiência que elas têm não é como coisas que às vezes portamos e às vezes não portamos (por exemplo, um documento de identidade, um guarda-chuva). O termo preferido passou a ser pessoa com deficiência”. Diác. Carla Vilma Jandrey Porto Alegre (RS)

Visite nosso site

Os conteúdos de todas as edições da NOVOLHAR estão à sua disposição no site. Visite, consulte, faça uso: www.novolhar.com.br

Diga o que pensa Sua opinião é muito importante para nós aqui na redação da Novolhar. Por isso escreva-nos e diga o que pensa sobre os artigos e as temáticas abordadas. Mande-nos um e-mail para novolhar@editorasinodal.com.br

Tema da próxima edição A edição nº 35, de Setembro/Outubro de 2010, terá como tema de capa FAMÍLIA. Resgatar o sentido da família; laços familiares; sentido, valores, inclusão familiar; família de Jesus; tempo em família.

por Marguit Carmem Goldmeyer Quem já não participou de uma roda de conversa em que, intencionalmente ou não, chegou-se ao tema relações amorosas e internet? O assunto provoca diferentes reações nas pessoas: aprovação, ques­tio­na­men­to, indiferença e sobretudo discussão. Para que as conversas não permaneçam apenas no “achismo”, no “eu ouvi dizer que” ou, ainda, “um conhecido de um amigo contou que...”. Enfim, para que a conversa flua e contribua na sua reflexão e do grupo, a sugestão é ler o livro Relações amorosas & Internet, da Editora Sinodal. De uma forma envolvente, os autores apresentam e desenvolvem os seguintes temas: as relações e os fios que as compõem (frágeis ou firmes?), espaço da internet em nossas vidas, qualidade das relações e as relações amo­rosas na internet são interligados, apresentados e analisados dentro de um contexto maior. São fios temáticos que se interligam, formando uma rede de significações que compreendidas e, de certa forma, apre(e)ndidas criam sentidos para o leitor e a leitora. O livro não traz respostas, mas nos faz pensar no porquê de nossa busca, de nossa (in)satisfação, no anonimato proporcionado e admirado, em muitos casos, pelos usuários da internet para o estabelecimento de relações. Faz refletir sobre o significado de conexões, relações e o tecer dos vínculos entre as pessoas.

MARGUIT CARMEM GOLDMEYER é professora e pedagoga em São Leopoldo (RS) NOVOLHAR.COM.BR –> Jul/Ago 2010

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Nova comunhão mundial de igrejas No dia 18 de junho, a Aliança Reformada Mundial (ARM) uniu-se ao Conselho Ecumênico Reformado (CER), constituindo a Comunhão Mundial de Igrejas Reformadas (CMIR). Esse novo organismo ecumênico agrupa 227 igrejas-membro, que representam 80 milhões de cristãos em 108 países. A assembleia de unificação das duas maiores redes de igrejas protestantes de tradição reformada aconteceu em Grand Rapids, Estados Unidos, de 18 a 26 de junho, reunindo 475 delegados e outro tanto de observadores, convidados, visitantes e voluntários. As duas organizações fundadoras inspiram-se em tradições distintas, mas que se complementam. Embora ambas compartilhem do compromiso da Reforma com a tradição bíblica, o CER é conhecido por sua insistência no desenvolvimento espiritual e por sua fidelidade às “Confissões” (declarações de fé) da igreja, enquanto a ARM é conhecida por suas tomadas de posição em questões como a justiça racial e de gênero, a proteção ambiental e o estabelecimento de uma ordem econômica mundial justa e equitativa. “Nestes tempos de divisão em tantas esferas de nossas vidas – incluída a vida eclesial –, é muito significativo que dois grupos mundiais de igrejas […] desejem estabelecer um nível de união maior do que nunca antes”, observou o secretério-geral do CER, pastor Dr. Richard van Houten. A nova Comunhão Mundial de Igrejas Reformadas deverá concentrar seus esforços em questões relacionadas com a unidade da igreja e em programas sociais. A equipe da CMIR estará baseada no Centro Ecumênico em Genebra, Suíça, que também abriga o Conselho Mundial de Igrejas, com o qual manterá uma relação de cooperação.

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última hora

Bíblia à prova d’água Impressa 100% em material plástico, essa edição do Novo Testamento lançada pela Sociedade Bíblica do Brasil é à prova d’água e à prova de intempéries. Totalmente impermeável, permite que a palavra de Deus seja lida em qualquer lugar que o leitor esteja – na praia, à beira da piscina, na chuva e, até mesmo, durante a prática de mergulho –, sem que ocorra qualquer tipo de dano à publicação. Inédita no mercado nacional, a Bíblia à Prova D’água foi desenvolvida com tecnologia que permite fazer anotações em suas páginas com canetas esferográficas e lápis. Altamente resistente, é indicada especialmente para praticantes de esportes, em particular os aquáticos. Com texto bíblico na Nova Tradução na Linguagem de Hoje (NTLH), está adaptada à reforma ortográfica da língua portuguesa.

Eneagrama

novolhar sobre

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por Dorothea Wulfhorst O eneagrama é um “mapa humano”, concebido didaticamente na forma de uma estrela de nove pontas, indicando nove tipos de personalidades distintas, desenvolvidas a partir de certas “estratégias de sobrevivência” adquiridas na infância. Ele surgiu há mais de dois mil anos e tem sua origem na sabedoria dos mestres sufis. Os monges na Idade Média valiam-se desse instrumento para aconselhar pessoas. No início do século 20, o cientista russo Gurdieff falou a seus alunos de um sistema de personalidade de nove pontos: o perfeccionista, o prestativo, o empreendedor, o individualista, o observador, o questionador, o aventureiro epicurista, o confrontador e o harmonizador. Deve-se ao boliviano Óscar Ichazo o conhecimento do eneagrama tal como o temos hoje. A partir de 1960, surgiram diversas escolas de eneagrama em todo o mundo. A proposta cristã libertadora que ensinamos tem como base as escolas alemã e americana, orientadas pelo pastor Andreas Ebert, da Alemanha, e pelo jesuíta Richard Rohr, dos EUA. O eneagrama é um convite de crescimento pessoal para conhecer-se mais profundamente, entender e interagir melhor com outras pessoas, ensaiar mudanças necessárias, reconhecendo sua “armadilha” e exercitando seu “dom”, adquirir um “instrumento de misericórdia” para entender melhor jeitos diferentes de ser. Nos últimos anos, o estudo do eneagrama ganhou um espaço significativo em nossas comunidades e instituições e tem auxiliado pessoas na busca de mudanças, especialmente a partir de crises existenciais e encruzilhadas na vida. DOROTHEA WULFHORST é psicóloga, psicoterapeuta e orientadora em Cursos de Eneagrama em São Leopoldo (RS)

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está na agenda

Seminário sobre neopedagogia

Jovens em congresso

O Instituto Pró-Universidade de Canoas (RS) realiza nos dias 29 e 30 de julho o VII Seminário sobre a Neopedagogia da Gramática, novo processo pedagógico formalizado após mais de 30 anos de pesquisas, debates e testes, que simplifica radicalmente o ensino da língua portuguesa. A Neopedagogia da Gramática propõe 18 teses inéditas no país para levar o estudante a perceber o porquê da aplicação de certas regras gramaticais, principalmente no que diz respeito à acentuação gráfica e ao uso da crase, que passam a ser explicados por somente uma regra cada. Participam desse seminário professores e graduandos do curso de Letras, profissionais e estudantes de Comunicação Social, advogados ou bacharéis e estudantes de Direito e público em geral.

Realiza-se em Maripá (PR), nos dias 18 a 22 de julho, o 20º CONGRENAJE (Congresso Nacional da Juventude Evangélica) e a 6ª Fest’Art sob o tema: “Juventudes, pelo que bate o nosso coração?”. O lema desses dois eventos da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) é: Por que as pessoas veem as aparências, mas Eu vejo o coração (1 Sa­muel 16.7b). Jovens de todo o Brasil reúnem-se em Maripá para refletir, debater e confraternizar. Cada Sínodo da IECLB participa do 20° CONGRENAJE, apresentando seu relatório de atividades com juventudes através de uma exposição de fotos, relatos, cartazes e outros materiais. Informações: www.dnaj.org.br

olhar com humor

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Notas ecumênicas Respeito

Ecumenismo

O Conselho Amazônico de Igrejas Cristãs (Caic) encaminhou à Assembleia Legislativa do Pará uma proposta de criação do Dia Esta­dual do Ecumenismo. O dia escolhido para a homenagem será 23 de setembro, data em que foi oficiado o primeiro culto ecumênico no Pará em 1981 no contexto de luta do Movimento de Libertação dos Presos do Araguaia.

“Neste ano, não pedimos que os crentes e particularmente os responsáveis religiosos aprovem a homossexualidade, mas algo bem diferente: que desaprovem a homofobia, de modo particular quando se trata de violências cometidas em nome de um Deus, qualquer que seja.” Louis-Georges, porta-voz do Conselho Representativo das Associações Negras (Cran) da França, durante a sexta edição da Jornada Mundial contra a Homofobia, em Brasília, no dia 17 de maio.

Convicção “Não cabe a nós decidirmos a respeito do ecumenismo. Deus nos chama a viver ecumenicamente.” Dorothea Sattler – teóloga católica romana no II Kirchentag Ecumênico em Munique, Alemanha, em maio.

Edimburgo 2010

A comemoração dos festejos de um século da Conferência Mundial de Missão, realizada em 1910, aconteceu em junho na Universidade de Edimburgo, Escócia. O tema foi “Testemunhar Cristo hoje”. A reflexão sobre missão percorreu os cinco continentes durante esse século: Edimburgo/Escócia, 1910; Jerusalém/Palestina, 1928; Tambaram/Índia, 1938; Whitby/Canadá, 1947; Willingen/Alemanha, 1952; Achimota/Gana, 1958; Nova Déli/Índia, 1961; Cidade do México/México, 1963; Bangcoc/Tailândia, 1972-73; Melbourne/Austrália, 1980; San Antonio/EUA, 1989; Salvador/Brasil, 1996; e Atenas/Grécia, 2005.

“A cadeia foi feita exclusivamente para os pobres. Os que têm recursos financeiros sempre conseguem os ‘benefícios da lei’, enquanto os pobres, presos sem ter qualquer acusação formal, permanecem anos e anos encarcerados sem ter acesso a qualquer julgamento. A impunidade continua alimentando a violência.” Comissão Pastoral da Terra em nota protestando contra a soltura do fazendeiro Regivaldo Pereira Galvão, condenado no dia 1° de maio a 30 anos de prisão sob a acusação de ter sido um dos mandantes da morte da irmã Dorothy Stang, morta a tiros em 12.02.2005 em Anapu, Pará.

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Protesto

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A Universidade de Hamburgo inaugurou a Academia das Religiões do Mundo no dia 23 de junho. A instituição pioneira na Alemanha se ocupará de questões teológicas e fomentará a convivência inter-religiosa.


Solidariedade “A igreja não deve encarar uma pessoa vivendo com o HIV/ Aids como um pecador, mas como alguém que merece todo o apoio e solidariedade, evitando, desse modo, o estigma e a discriminação.” Extraído do comunicado do seminário sobre HIV/Aids, que contou com a participação de 67 pastores, leigos e agentes de pastoral da Igreja Evangélica Reformada de Angola.

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Perda Faleceu em maio, aos 78 anos de idade, o pastor e professor Dr. Helmar Junghans, que esteve no Brasil em 1985, quando ministrou cursos de pós-graduação a pastores no Seminário Concórdia, em São Leopoldo, e visitou congregações da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB). Mesmo à distância, foi consultor informal da Comissão Editorial Obras de Lutero da Comissão Interluterana de Literatura (IECLB e IELB). Ele visitou o Brasil mais uma vez em 1997. De sua vasta obra literária foi publicado em português: “Temas da teologia de Lutero” (São Leopoldo, Ed. Sinodal, 2001).

Aborto

Mais de cinco milhões de mulheres até 40 anos já fizeram aborto. A proporção é de uma para cada sete brasileiras. Dos 35 aos 39 anos de idade, esse número sobe para uma em cada cinco. Os dados são da pesquisa do Instituto Brasileiro de Opinião e Pesquisa (Ibope), financiada pelo Ministério da Saúde:

“A pesquisa mostra a cara da mulher que aborta. Não é uma outra, é uma de nós. É a nossa colega, a nossa vizinha, a nossa irmã, a nossa mãe. Geralmente, tem companheiro e segue uma religião.” Débora Diniz – antropóloga e professora da Universidade de Brasília (UnB) e uma das coordenadoras da pesquisa.

dica cultural

A tenda vermelha Com mais de 3 milhões de exemplares vendidos no mundo, o livro escrito pela norte-americana Anita Diamant desvenda ambientes e temas pertinentes ao Antigo Testamento. A narrativa é ficcional, mas os conhecimentos históricos e bíblicos formam o pano de fundo da trama apresentada pela autora. O livro é uma fascinante viagem à época em que nossa civilização e nossos valores começaram a ser delineados. Já no prólogo, quando a personagem Dinah, filha de Jacó e Lia, se apresenta e oferece pistas para o desenrolar das histórias que irá narrar, o leitor é despertado a ler sem cessar as páginas seguintes. Ela é a condutora das muitas referências ao ambiente, ao cotidiano, às provações e às paixões das mulheres do povo de Israel no tempo bíblico. “A outra razão por que as mulheres queriam ter filhas era manter vivas as suas lembranças. Os meninos, depois de desmamados, não ouviam as histórias de suas mães. Assim, fui eu quem as ouvi. Minha mãe e minhas mães-tias contaram-me histórias intermináveis sobre suas vidas. (…) elas enchiam meus ouvidos de histórias.” E assim, Dinah, a contadora de histórias, vai revelando o significado da tenda vermelha e o que tudo acontecia lá dentro. Aliás, era proibida a entrada dos homens nessa tenda. Mas, pela narrativa de Dinah, podemos, homens e mulheres do século 21, entrar na tenda vermelha e emocionar-nos com suas histórias. NOVOLHAR.COM.BR –> Jul/Ago 2010

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CAPA

Saúde começa com prevenção LIMPEZA POLÊMICA: Alguns hábitos são tão comuns e fundamentais no cotidiano, que mal nos damos conta de que os executamos todos os dias. Tarefas primárias como tomar banho, escovar os dentes e utilizar o vaso sanitário são tão simples e vitais, que nem é possível imaginar como seria não realizá-las diariamente. Mas, até que fosse inventada por alguém, a higiene pessoal já foi algo completamente desconhecido e demorou a ser incorporada à rotina das pessoas. Até a evolução dos hábitos atuais, atos simples como utilizar o papel higiênico já foram motivo de grande discórdia e considerados um desperdício.

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CASA REAL BRASILEIRA: Não há memória na casa real de que Dom João VI tenha tomado um único banho de corpo inteiro com água e sabão. O príncipe regente sofria de várias erupções e doenças de pele e coçava-se constantemente – na frente de todos – com a mesma mão que depois dava a beijar na cerimônia diária realizada na Quinta da Boa Vista.


É possível determinar a saúde que você terá no futuro. Não existe fórmula secreta, mas você pode começar agora, cortando hábitos ruins e adotando uma rotina de exercícios e uma alimentação balanceada. por Luciana Thomé

O

s avanços históricos e tec­no­ló­gi­cos da medicina permitiram o tratamento de doenças e casos clínicos, aumen­ tando a longevidade do ser humano moderno. No entanto, médicos e especialistas em saúde são unânimes em afirmar que bem-estar e qualidade de vida começam muito antes do diagnóstico e tratamento de alguma enfermidade. Não existe uma fórmula pronta e eficaz para a prevenção de doenças, mas tudo inicia com dois princípios essenciais: educação e hábito. Uma das referências brasileiras e pioneiras de prevenção em saúde é o Serviço de Enfermagem em Saúde Pública (SESP), do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. As atividades do setor iniciaram em 1972 com a criação da Unidade de Enfermagem Ambulatorial. O crescimento da população e o aumento da expectativa de vida atual provocaram a expansão dos

atendimentos na área, evidenciando a necessidade de atendimento ambulatorial. “Toda a prevenção passa pela definição de qualidade de vida e, como tratamos de pessoas diferentes, um dos primeiros pontos deve ser a individua­ lidade”, explica a professora Elizeth Heldt, chefe do SESP. De acordo com ela, prevenir é evitar que algum problema se estabeleça, mas, muitas vezes, isso é uma missão difícil. “Determinadas situações de saúde não dependem da gente. A partir da bagagem genética, é possível nascer com alguma vulnerabilidade”, ressalta. Para isso, a prevenção passa por dois pontos essenciais: 1) avaliação criteriosa e acompanhamento contínuo. Desde o nascimento, o indivíduo pode adotar práticas preventivas e consultar, regularmente, o médico. Assim, é possível descobrir e avaliar predisposições ou histórico familiar de doenças; 2) adotar um conjunto de hábitos saudáveis, que devem ser

PAPEL E VASO: Antes da invenção do papel higiênico em 1857, a higiene era feita com palha de milho e folha de bananeira. Em países muçulmanos, a própria mão (esquerda) ainda é utilizada. Já o vaso sanitário foi inventado em 1597 por John Harringston para uso exclusivo de sua madrinha, a rainha Elizabeth I. A invenção foi aprimorada por Alexander Cummings em 1775. Só em 1884, depois de George Jennings criar o “vaso pedestal” com descarga conectada aos encanamentos, que o uso do vaso sanitário se disseminou.

cultivados rotineiramente. Exercícios físicos, uma alimentação saudável e higiene formam a base da prevenção. “As pessoas conhecem muito teoricamente sobre regime alimentar e exercícios. No entanto, a adesão é colocar na prática o que se sabe na teoria. Não existe mágica, mas hábitos saudáveis são as regras básicas para toda a prevenção”, diz Elizeth. Mãos limpas sempre – Lavar as mãos é considerada a primeira prática de prevenção. É um dos hábitos difundidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em locais onde o risco de doenças é maior. “As pan­de­mias prestaram esse serviço à população”, enfatiza Elizeth, fazendo referência ao surto de Gripe A (H1N1), que divulgou amplamente o hábito de lavar as mãos com sabão ou limpar com álcool-gel. “O medo tem um papel importante em nossa vida. Inclusive ele nos ajuda a mudar o comportamento, protegendo-nos de algumas coisas”, afirma. Atualmente, o SESP tem suas ações direcionadas para os níveis primário, secundário e terciário de atenção à saúde, seguindo os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) do governo federal. Todo o atendimento é classificado a partir dos níveis de complexidade, e a atenção primária é a maior de todas e a que tem ação mais rápida. “Quando se fica doente,

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LAVAR AS MÃOS: Muitas doenças que insistem em reaparecer vêm da falta de higiene. Ainda hoje, maus hábitos relacionados à falta de limpeza das mãos e ao consumo de água inadequada resultam na disseminação da hepatite A, leptospirose, micoses e pediculose, o popular piolho. A melhor maneira de se prevenir é manter o mais simples dos hábitos: lavar as mãos com água e sabão antes das refeições, entre procedimentos hospitalares e antes de cada contato com crianças, como a troca de fraldas, de roupas, alimentação e banho. NOVOLHAR.COM.BR –> Jul/Ago 2010

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Atividade física regular, cuidados de higiene bucal e corporal e convivência com familiares e amigos são práticas gerais que visam à preservação da saúde e são muito importantes no sentido da prevenção de doenças. Luciana Thomé

Dr. Antonio Weston

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a primeira coisa que se pensa é ir ao hospital, mas não deve ser assim. As emergências superlotam porque as pessoas que precisariam estar ali são uma minoria. Se a pessoa não está bem, a primeira opção deve ser procurar a unidade básica de saúde”, enfatiza Elizeth. As unidades e postos de saúde estão situados nos bairros e próximos da comunidade. Mais do que tratar doenças, suas metas estão focadas na prevenção e na disseminação de hábitos saudáveis. Os postos fazem o acolhimento, o atendimento e a orientação ao paciente, encaminhando para os hospitais somente os casos de urgência. A prevenção secundária é feita em pessoas que têm um histórico familiar de determinadas doenças, que podem se manifestar ou ser

transmitidas. Nesse caso, a prevenção é mais focada e atua nas predisposições hereditárias, como hipertensão e diabetes. Na prevenção terciária, já existem sintomas da doença e o tratamento se direciona para o problema específico. “Os três tipos de prevenção devem existir como uma pirâmide: a primária na base, a secundária no meio e a terciária no topo. Assim, o paciente vai da base ao topo, e vice-versa, sempre garantindo um atendimento preventivo eficiente”, completa Elizeth. Saúde na prática – De acordo com o médico especializado em gastroenterologia e cirurgia on­col­ó­gi­ca e diretor científico da Associação Médica do Rio Grande do Sul (Amrigs), Antonio Weston, a primeira prática de prevenção é justamente cuidar da saúde, envolvendo a manutenção do bem-estar físico e mental. “Atividade física regular, cuidados de higiene

1700 a.C.: No palácio de Knossos, na ilha de Creta, foi encontrada a mais antiga banheira já descoberta. Foi feita em terracota. 500 a.C. Os gregos já usavam chuveiros e banheiras primitivas em banhos públicos. Eles se lavavam num pedestal com um sumidouro (um ralo).

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bucal e corporal e convivência com familiares e amigos são práticas gerais que visam à preservação da saúde e são muito importantes no sentido da prevenção de doenças”, explica Weston. Existem outras práticas mais específicas, como, por exemplo, uma adequada hidratação, ingerindo uma média de dois litros de líquidos como água e sucos por dia. A preservação da exposição do corpo ao frio e ao calor excessivo, evitando contrastes muito grandes de temperatura, também é uma prática importante. De acordo com Weston, um dos principais inimigos da saúde é o estresse. “Ritmo de vida acelerado, sobrecarga de trabalho, trânsito nas grandes cidades e poluição do ar e sonora são fatores prejudiciais que podem levar ao desenvolvimento de determinadas doenças”, sinaliza. Ao mesmo tempo, qualquer problema de saúde que seja detectado

100 d.C. Os romanos transformaram o banho diário em um grande interlúdio social. Criaram um elaborado sistema de abastecimento de água para as cidades, e os banhos podiam ser frios, mornos ou quentes. Foi o apogeu dos banhos como atividade social. Veja uma relação de antigas Termas Romanas.


precocemente pode ser resolvido com mais facilidade. Existem práticas preventivas recomendadas a partir do nascimento. Acompanhe as principais: – entre o nascimento e os 10 anos de vida: realizar puericultura nas unidades básicas de saúde, fazer o teste do pezinho, vacinação, visitas periódicas ao dentista, higiene pessoal e cuidados com acidentes em casa e no trânsito;

– entre os 11 e os 24 anos de vida: controle da pressão arterial, preventivo de câncer de colo de útero anual, prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, vacinação, acon­se­lha­mento para prevenção de uso de drogas lícitas e ilícitas, visitas periódicas ao dentista, uso de cinto de segurança e capacete no trânsito e higiene pessoal; – entre os 24 e os 64 anos de vida: controle da pressão arterial e do peso,

SANTA CASA: Banimento total do cigarro é uma das metas na prevenção de doenças

controle dos níveis de colesterol e triglicerídeos, autoexame de mamas mensal, mamografia para mulheres de 40 a 69 anos a cada dois anos, preventivo de câncer de colo de útero anual, prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, pesquisa de sangue oculto nas fezes para maiores de 50 anos, exames de próstata, cuidados no trânsito e higiene pessoal; – maiores de 65 anos de vida: controle da pressão arterial e do peso, controle dos níveis de colesterol e triglicerídeos, pesquisa de sangue oculto nas fezes para maiores de 50 anos, prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, vacinação, aconselhamento para prevenção de uso de drogas lícitas e ilícitas, cuidado com acidentes em casa e no trânsito, visitas periódicas ao dentista, controle da acuidade visual e auditiva, mamografia bianual nas mulheres maiores de 69 anos e atenção à prevenção de acidentes.

Luciana Thomé

corte do cigarro – Nos últimos cinco anos, a Santa Casa de Porto Alegre definiu como uma de suas principais metas o investimento na prevenção de doenças. Assim, elegeu três pontos de atuação: incentivar atividades físicas, divulgar hábitos saudáveis de alimentação e evitar o tabagismo ativo e passivo. “Atuamos muito com o próprio trabalhador da Santa Casa, e hoje esse é um ambiente 100% livre de tabaco”, explica o

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537: A queda do Império Romano, após as invasões dos bárbaros, fez com que os banhos entrassem em declínio. Apenas no Império Bizantino se manteve a tradição dos banhos, que de romanos se transformaram em banhos turcos com o passar do tempo. 1000 Os cruzados voltaram do Oriente contando maravilhas, inclusive que por lá, além de infiéis, também havia o banho turco. A moda pegou, e diversos balneários foram construídos por toda a Europa. Fonte: The Dirty Secrets of Bathtime

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CAPA

Luciana Thomé

Saúde pelas mãos Atualmente, cada um escolhe a saúde futura que terá. Naturalmente, é o que está ao alcance, mas as pessoas podem planejar sua saúde. E esses itens de prevenção são fundamentais e devem ser incluídos na rotina. Dr. Luiz Carlos Corrêa da Silva

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médico pneumologista Luiz Carlos Corrêa da Silva, que é coordenador do programa Fumo Zero da Amrigs e do Programa de Controle do Tabagismo na Santa Casa. Cartazes que avisam sobre a cam­ pa­n ha e solicitam que as pes­s oas não fumem estão espalhados por diferentes locais do complexo, como nos acessos aos hospitais e nas salas de espera. A organização já atendeu, através do programa, cerca de 100 funcionários. Desses, 65 pararam de fumar e passaram a cultivar hábitos mais saudáveis. “Também temos um programa para pacientes do SUS inscritos aqui, tratando doenças do coração e do pulmão e que precisam parar de fumar”, completa. Segundo Silva, mesmo com a predisposição genética, a pessoa que fuma fica mais vulnerável a doenças, como câncer de pulmão.

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“Existe uma frase que caracteriza muito essa situação: a genética carrega a arma, e as questões ambientes e do convívio puxam ou não o gatilho”, explica. O tripé formado por exercícios físicos, alimentação balanceada e práticas preventivas está à disposição de todos. Muitas vezes, é difícil aceitar um diagnóstico sem perder a esperança ou ter a consciência de que uma predisposição genética pode, algum dia, se concretizar. Mas sempre é o momento de mudar o dia-a-dia e dar mais atenção à saúde. “Atualmente, cada um escolhe a saúde futura que terá. Naturalmente, é o que está ao alcance, mas as pessoas podem planejar sua saúde. E esses itens de prevenção são fundamentais e devem ser incluídos na rotina”, conclui Silva. N LUCIANA THOMÉ é jornalista em Porto Alegre (RS)

por Ricardo Siegle

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erta vez, um amigo confessou que se deu conta recentemente de que não cobra de seus filhos, quando chegam em casa, a lavagem das mãos ao se sentarem à mesa. Lembrou também que, quando ainda era “guri”, seus pais cobravam com certa insistência a necessidade de lavar as mãos com frequência, principalmente após ir ao banheiro e antes das refeições. Percebo um certo sentimento de culpa nessa confissão, mas também que, em se tratando de prevenção à saúde, esse é um item bastante menosprezado. Foi através da descoberta realizada a partir de estudos, ainda hoje aceitos como bem conduzidos, que o húngaro Ignaz Philipp Semmelweis comprovou, em 1846, a íntima relação da febre puerperal com os cuidados médicos. Semmelweis pressupôs que a febre puerperal, que afetava tantas parturientes, fosse causada por “partículas

DESCOBERTA: A descoberta da importância do hábito de lavar as mãos em ambiente hospitalar é do médico Ignaz Philipp Semmelweis (1818-1865). Em Viena, capital do Império AustroHúngaro, ele trabalhava num hospital com alto índice de mortan­dade de parturientes e buscou pelas razões disso.


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REGRA: Os estudos de Semmelweis ainda hoje são observados nos procedimentos médicos

cadavéricas” transmitidas das salas de autópsia para a ala obstétrica por meio das mãos dos estudantes e médicos. Ao insistir que, após as autópsias e antes de examinar as pacientes da clínica obstétrica, as mãos fossem higienizadas, percebeu que a taxa de mortalidade caiu de 12,2% para 1,2%. Ele constatou que a lavagem das mãos podia de forma eficiente evitar mortes maternas. Na época das descobertas de Semmelweis, o microscópio ainda não existia e, portanto, a existência de micro-organismos era ignorada.

Vários registros na literatura científica mostram a importância da transmissão de infecções a partir de mãos contaminadas/colonizadas por vírus (inclusive da gripe), bactérias e fungos. Considerando que esses agentes causadores de infecção não voam, é claro que as mãos contaminadas servem como veículo de transporte e são responsáveis pela disseminação de infecções e surtos, principalmente em hospitais, mas também na comunidade. Através da técnica de tipagem mo­le­cular, reali-

zada em um estudo numa unidade de cuidados intensivos neonatais de um hospital brasileiro, foi provado que a cepa bacteriana isolada como causadora de infecção em vários recém-nascidos era a mesma que foi isolada nas mãos de vários funcionários dessa unidade. Reconhecidamente, a higienização das mãos reduz significativamente a transmissão de micro-organismos pela mão. Diversos antissépticos são eficazes para higienizar as mãos, e as técnicas de maior assepsia são necessárias apenas em determinadas situações no ambiente hospitalar. Em geral, a higienização com sabonete (líquido ou em barra) é suficiente para remover a microbiota transitória, tornando as mãos limpas. Esse nível de descontaminação é suficiente para os contatos sociais em geral e para a maioria das práticas no atendimento nos serviços de saúde. Um gesto tão simples e tão cheio de importância na prevenção da transmissão de doenças não pode merecer nosso desprezo, e a prática de lavar as mãos com frequência, principalmente antes e após as refeições ou quando usamos o banheiro, deverá ser ensinada desde a infância. E ao amigo a quem me referi no início deste texto eu diria que não hesite em mudar de hábito. N RICARDO SIEGLE é médico infectologista do Serviço de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Regina em Novo Hamburgo (RS)

OPOSIÇÃO E DESCOBERTA: Depois de perseguir diversas teorias que não explicavam o aumento das mortes e de ser afastado de suas funções, Semmelweis foi informado de que um colega e amigo seu havia morrido depois de ser ferido por um bisturi durante a dissecação de cadáveres. Com isso ele concluiu que o motivo da morte das parturientes era a transmissão de partículas cadavéricas inoculadas durante os exames ginecológicos e os partos. Ele percebeu que a falta de cuidados médicos causava a infecção.

HIGIENE E ISOLAMENTO: O tratamento que propôs era composto de vários passos: isolamento dos casos, lavagem das mãos e ferver o instrumental e os utensílios. Ao descobrir que a transmissão também acontecia no atendimento de um paciente a outro, entre os vivos portanto, determinou também a lavagem de mãos e instrumentos entre os atendimentos médicos. NOVOLHAR.COM.BR –> Jul/Ago 2010

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Vida saudável: conquista diária

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úcia de Oliveira Raota era, até pouco tempo atrás, uma mulher igual a tantas outras de sua faixa etária. Pouco mais de 40 anos, casada, três filhos, vida sedentária, sem horário para nada, além da casa e do trabalho. Hoje, aos 49 anos, a secretária executiva encontrou tempo para bem mais do que isso: praticar esportes e cuidar-se mais. Três vezes por semana, ao meio-dia, ela pega a mochila, a garrafinha de água e o par de tênis, desce alguns andares no prédio onde trabalha e entra na academia, quase um “templo sagrado” para quem decidiu levar esse compromisso a sério. “Não tem almoço com amigas ou trabalho atrasado que me tire des-

sa rotina. É um espaço que dedico a mim, sem pensar se tem alguém me aguardando”, afirma, lembrando que não consegue se imaginar sem essa adrenalina. “Todo ser humano precisa de uma válvula de escape. Eu escolhi essa”, resume. Para o professor de Educação Física Marcelo Kunzler, o comportamento de Lúcia é uma tendência atual. Ele lembra que, há 20 anos, a expectativa de vida se aproximava dos 60 anos. Após algumas medidas que levaram a mudanças de comportamento, essa expectativa chega quase aos 80 anos. A conscientização da necessidade de buscar mais bem-estar levou a atitudes como a

Vera Nunes

por Vera Nunes

LUCIA: Nada me tira dessa rotina

mudança nos hábitos alimentares e a diminuição no consumo de fumo e álcool. “Mas acredito que a maior alteração seja no conceito físico. Um pensamento que começou pela estética, que fez com que o indivíduo cultuasse o corpo, foi se modificando até chegar ao estágio atual, em que prevalece o objetivo maior, que

1347 E IDADE MÉDIA A peste ceifou milhões de vidas – uma em cada três pessoas morreu em decorrência da peste – em apenas quatro anos. Os banhos e balneários foram fechados, pois se acreditava que a água quente, ao abrir os poros, permitia a entrada da peste no corpo. Durante os 400 anos seguintes, os europeus evitaram os banhos e a água de uma forma que não fosse para matar a sede. Havia até um ditado: Saepe manus, raro pedes, nunquam caput (Mãos às vezes, raramente os pés, a cabeça nunca). Lavar o corpo por completo era quase um pedido para receber a visita de um representante do tribunal da Santa Inquisição.

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“Um organismo habituado à prática de atividade física com certeza responde melhor às pressões diárias, pois já está acostumado a lidar com situações de desgaste”, atesta. O comportamento adotado ao longo da vida, alerta, será fundamental nessa caminhada. “São escolhas que as pessoas fazem e que trazem consequências. Se eu beber a minha vida inteira, provavelmente terei uma cirrose ou, se fumar, estarei me expondo com mais facilidade a um enfisema”, adverte. Também de nada adianta procurar um médico apenas quando se tem um problema. “Muitos acreditam que basta tomar um remédio e pronto, mas a medicação não dá conta da vida. É preciso ter uma consciência maior”, alerta, lembrando, por exemplo, que uma pessoa depressiva pode gripar com mais facilidade. “O corpo não está dissociado do sujeito que o habita. Mente e corpo caminham juntos”, diz a médica. Renata, que também é psiquiatra, observa que essa consciência sobre o próprio corpo independe da idade, mas do autoconhecimento. Em geral, as pessoas que estão buscando mais qualidade de vida também estão conscientes da importância de exames preventivos, especialmente acima dos 40 anos. “É quando se chega à metade da vida, e começa o processo de envelhecimento”, afirma. Mas também não é preciso submeter-se a uma lista infindável de exames. “Muitos só devem ser feitos

1762 Em Emílio, ou Da Educação, um livro de Rousseau, fez-se a água fria entrar na moda, celebrando-a como uma forma de limpeza. O Romantismo glorifica a natureza do banho, que gradativamente volta a ser um ato saudável.

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é o cuidado da saúde como um todo”, observa. Na opinião de Kunzler, o bem-estar e a busca de uma nova autoimagem reformaram o homem atual. “A atividade física deixou, em alguns casos, de ser uma tortura, e o prazer de realizar uma atividade tornou-se mais benéfico e compensador”, avalia. A opção de treinar com certa frequência fez com que a atividade física se tornasse um hábito. O personal trainer garante que é um hábito fácil de ser adquirido. “Praticando três vezes por semana uma atividade proporcional à condição física, tem-se uma resposta estética compatível, uma relação de saúde melhor e um indivíduo mais seguro e preparado para o dia-a-dia, tanto na resistência física como na disposição mental”, garante. A médica homeopata Renata Conte de Almeida concorda com os benefícios da prática de exercícios físicos, especialmente para enfrentar a passagem do tempo, que é inevitável.

DRA. RENATA: O corpo não está dissociado do sujeito que o habita. Mente e corpo caminham juntos

quando existe uma suspeita de que algo não vai bem”, esclarece. Alguns exames, sim, são obrigatórios, como a mamografia para as mulheres acima dos 40 anos e o de toque para os homens. “Muitos homens, por medo e preconceito, afirmam que o chamado PSA (uma proteína chamada Antígeno Prostático Específico) substitui o exame de toque, mas não substitui”, adverte. Exames cardíacos também são aconselháveis nessa faixa e acima dela, além dos rotineiros exames de sangue e urina, para controle de colesterol, tri­gli­ce­ rí­deos e outras taxas. “Mas talvez o mais importante é ter um médico em quem se confia e com quem se pode esclarecer as dúvidas que surgem ao longo do tempo”, acredita. N VERA NUNES é jornalista em Porto Alegre (RS)

1837 Não tem banheiro no palácio de Buckingham quando da coroação da Rainha Vitória. Havia uma banheirinha (bidê?) portátil em seus aposentos. Na verdade, ela tomava banho tcheco. Aquele em que a palma da mão leva a água até determinados lugares do corpo e… tchéco…tchéco… O seu vestido tinha uma abertura especial para facilitar o “banho”. Fonte: The Dirty Secrets of Bathtime

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Saúde inicia pela boca por Débora Drehmer

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A cárie é a doença bucal mais conhecida. Causada por ácidos produzidos por bactérias acumuladas sobre os dentes (a placa bacteriana) durante algum tempo e associada a uma dieta dita “cariogênica” (rica principalmente em sacarose – o açúcar), ela tem sua primeira manifestação a partir de uma mancha branca, que, se não tratada, se transforma em uma cavidade que vai crescendo até comprometer grande parte do dente, causando mau hálito, sensibilidade, dor e perda dentária. Além dela, a gengivite também atinge um grande número de pessoas. Ela é causada pelo acúmulo de placa bac­te­riana, mesmo sem o consumo de açúcar, e manifesta-se através do san­gra­men­to gengival; na falta de tratamento, ela evolui para uma pe­ rio­don­ti­te – doença que afeta as estruturas de sustentação do dente (a parte óssea que recobre as raízes dentárias), fazendo com que ele adquira mobilidade e, em casos extremos, caia.

“Depois do Banho”, Edgar Degas (1890)

om certeza todos já ouviram esta frase: “A saúde começa pela boca”. Refletindo sobre ela, logo pensamos na questão da alimentação – se mantivermos uma dieta equilibrada, com certeza estaremos contribuindo para nos manter longe de doenças como diabetes, hipertensão, obesidade e outras tão faladas nos dias de hoje. Mas se tentarmos nos a­pro­fun­ dar no seu significado, podemos ir muito além. A boca, além da entrada para os alimentos, também pode tornar-se uma porta aberta para uma série de doenças – não só orais, mas sistêmicas – e afetar nossa saúde como um todo.

1865 Durante a Guerra Civil, os norte-americanos, para se sentirem mais norte-americanos ainda, foram convencidos de que a limpeza é progressista, democrática e era a quintessência do americanismo. 1878 A empresa Procter & Gamble lança o sabonete Ivory (marfim – branco em sinal de limpeza). Isso fez com que se tornasse uma das maiores anunciantes até o fim do século 19, justamente por propagandear um sabonete. Fonte: The Dirty Secrets of Bathtime, do Times Online, de 26/03/2009

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As perdas dentárias causam vários transtornos, que não podem ser esquecidos. Sem dentes, não se consegue mastigar os alimentos adequadamente, com consequente má digestão e dores abdominais; mesmo com o uso de próteses (principalmente as próteses totais ou dentaduras), o gosto da comida torna-se alterado e perde-se o prazer com o alimento. Além disso, os transtornos emocionais também são grandes; muitas pessoas afastam-se do convívio social por vergonha de sorrir e de falar. O que muitos não sabem é que a saúde bucal, ou a falta dela, também está diretamente associada a algumas doenças sistêmicas. Já há algum tempo, estudos comprovam que pessoas diabéticas desenvolvem doença periodontal com muita facilidade por ser mais suscetíveis a infecções bacterianas e ter uma diminuição na capacidade de combater as bactérias que invadem o tecido gengival. Mas pesquisas recentes têm demonstrado que essa condição pode ser uma “via de mão dupla”: a doença periodontal em progressão, sem um tratamento adequado, tem o potencial de afetar o controle glicêmico (taxa de açúcar no sangue) e contribuir para a progressão da diabetes. Ou seja, uma doença “alimenta” a outra. Além disso, algumas doenças cardíacas também podem ser agravadas de forma significativa por bactérias existentes na cavidade oral. Portado-


res de determinadas cardiopatias (principalmente as relacionadas às válvulas do coração) tornam-se suscetíveis à endocardite infecciosa (EI), uma doença grave, com alta taxa de morbidade e mortalidade. Um número significativo de EI tem como agente causador um grupo de bactérias da cavidade bucal que entram na circulação sanguínea durante episódios de gengivites, periodontites e lesões de cáries profundas (principalmente as endodônticas, que afetam o canal do dente). Dessa forma, é fundamental que essas pessoas realizem uma higiene bucal adequada, acompanhamento periódico com o dentista e intervenção imediata sobre qualquer foco de infecção odontológica. Por todos esses motivos, pode-se dizer que a higiene bucal é fundamental para manter corpo e mente saudáveis. Escovações com creme dental fluoretado, uso diário de fio dental e visitas regulares ao dentista podem prevenir uma série de problemas orais e sistêmicos. Afinal, não existe saúde sem saúde na boca. N

Divulgação Novolhar

DÉBORA DREHMER é dentista em São Leopoldo (RS)

HIGIENE BUCAL A mais antiga referência conhecida a uma pasta de dentes está em um manuscrito do Egito no século IV a.C., que citava uma mistura de sal, pimenta, folhas de menta e flores de íris. Na Roma antiga, usavam pedras-pomes em pó, cascas de ovos torradas, chifres de veado, camundongos e lagartos, entre outros ingredientes utilizados na época, como frutas, cascas de frutas queimadas e moídas, talco, mel e flores secas, enquanto os menos apetitosos incluíam rato, cabeça de lebre, fígado de lagarto e urina.

ESCOVA DE OSSO: A limpeza dos dentes com escovas está documentada em manuscritos budistas, judaicos e muçulmanos. Mas somente em 1770 foi que se iniciou a produção de escovas dentais em massa, e seu inventor foi William Addis de Clerkenwell. Preso em Londres, William guardou um osso da carne do almoço e fez pequenos furos nele. Em seguida, conseguiu cerdas duras com o carcereiro, cortou-as e as colou em tufos nos furos do osso. Pronto! Temos o design da escova de dentes que conhecemos até hoje.

Fonte: www.bitufo.com.br

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Destaque mundial em vacinação

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swaldo Cruz foi um dos mais proeminentes sanitaristas brasileiros. Há pouco mais de um século, quando o Rio de Janeiro era internacionalmente conhecido pelas muitas pestilências e epidemias que dizimavam sua população, ele propôs a obri­ ga­to­rie­da­de da vacinação em massa das pessoas. Pela forma autoritária como o governo procurou desempenhar a ação, pela falta de conhecimento po­pu­la­cio­nal sobre a medida e por motivos políticos, a população empunhou armas e rebelou-se contra a aplicação compulsória das vacinas, e o governo teve de recuar da obri­ ga­to­rie­da­de legal da vacinação. Isso ocorreu no início do século 20. Muito mudou desde então. O conhecimento sobre esse procedimento foi disseminado entre as pessoas, seus efeitos benéficos foram comprovados à exaustão e hoje se tem claro que os programas de vacinação em massa foram (e continuam sendo) muito importantes no aumento da expectativa de vida da população. Hoje, crianças, adultos e idosos beneficiam-se das diversas vacinas já desenvolvidas pela humanidade. As vacinas são aplicadas mundialmente e seguem um princípio muito simples: é melhor prevenir

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do que depois ter de se tratar com medicamentos, ser internado ou, eventualmente, morrer. Estima-se que a imunização evita a morte de 2,5 milhões de crianças a cada ano, sendo uma medida de saúde pública absolutamente segura, barata e eficaz. Não há mais dúvidas no meio científico quanto a isso. Através de estratégias diversas, com destaque à vacinação, o Brasil erradicou a febre amarela urbana em 1942, a varíola em 1973 e a poliomielite em 1989. Além disso, foi possível o controle do sarampo, da coqueluche e do tétano neonatal. Outro exemplo de sucesso é a vacinação contra a gripe entre idosos. Iniciada no final da década de 1990, as estatísticas são cristalinas ao constatar a queda no número de idosos internados e mortos por gripe e pneumonia. Alguns estudos também mostram que os mais beneficiados foram os mais pobres, exatamente aqueles que dispõem de menos recursos financeiros para se tratar caso fiquem doentes. Neste ano, também recebemos a vacina para o H1N1 (gripe A). Já aplicada com sucesso no último inverno do hemisfério norte, agora somos nós a recebê-la e a nos proteger com segurança comprovada. No que diz respeito à vacinação, o nosso país é destaque mundial. O

Daniel Nunes

por Antonio Fernando Boing

IMUNIZAÇÃO: Eficiência comprovada

programa nacional de imunização é referência para diversos países e tido como exemplar pela Organização Pan-Americana de Saúde. Em nossas campanhas de imunização, operam mais de 130 mil postos de vacinação e centenas de milhares de profissionais treinados. E temos um setor público bastante atuante na produção e aplicação das vacinas através do nosso Sistema Único de Saúde (SUS). Em que pese todas as evidências científicas sobre a importância das vacinas para a saúde das populações, com alguma frequência correntes de e-mail ou a mídia sensacionalista criam falsos alarmes e histeria. Histórias fantasiosas sobre graves reações às vacinas, complô das indústrias


OSWALDO GONÇALVES CRUZ foi cientista, médico, bacteriologista, epidemiologista e sanitarista brasileiro. Foi o pioneiro no estudo das moléstias tropicais e da medicina experimental no Brasil. Fundou em 1900 o Instituto Soroterápico Nacional no bairro de Manguinhos, no Rio de Janeiro, transformado em Instituto Oswaldo Cruz, respeitado internacionalmente. Nomeado diretor-geral da Saúde Pública (1903), coordenou as campanhas de erradicação da febre amarela e da varíola no Rio de Janeiro. A nomeação foi uma surpresa geral. Organizou os batalhões de “matamosquitos”, encarregados de eliminar os focos dos Oswaldo Cruz (1872-1917) insetos transmissores. Convenceu o presidente Rodrigues Alves a decretar a vacinação obrigatória, o que provocou a rebelião de populares e da Escola Militar (1904) contra o que consideravam uma invasão de suas casas e uma vacinação forçada, o que ficou conhecido como Revolta da Vacina. A cidade era uma das mais sujas do mundo, pois dos boletins sanitários da época se lê que a Saúde Pública em um mês vistoriou 14.772 prédios, extinguiu 2.328 focos de larvas, limpou 2.091 calhas e telhados, 17.744 ralos e 28.200 tinas. Lavou 11.550 caixas automáticas e registos, 3.370 caixas d’água, 173 sarjetas, retirando 6.559 baldes de lixo e dos quintais de casas e terrenos 36 carroças de lixo, gastando 1.901 litros de petróleo. Houve um momento em que foi apontado como inimigo do povo nos jornais, nos discursos da Câmara e do Senado, nas caricaturas e nas modinhas de carnaval. Houve uma revolta, tristemente célebre como a revolta do quebra-lampião, em que todos foram quebrados pela fúria popular, alimentada criminosamente durante meses pela demagogia de fanáticos e ignorantes. Premiado no Congresso Internacional de Higiene e Demografia em Berlim (1907), deixou a Saúde Pública (1909). (Fonte: Wikipedia)

farmacêuticas, entre outras, disseminam-se rapidamente e afastam algumas pessoas de algo que pode salvar suas vidas. O mais comum é lermos sobre casos de pessoas que tomaram a vacina e por causa dela morreram. Como já mencionado, hoje as vacinas são bastante seguras, e os eventos pós-vacinação, quando ocorrem, costumam ser bastante leves e breves. Os casos mais graves são muito raros. O que precisa ficar claro é que o risco de ter problemas por não tomar vacinas é imensamente maior do que se você tomar a vacina. Além de perigosas para os indivíduos que não tomam as vacinas e, con­s e­q uen­t e­m en­t e, não estão protegidas, tais mensagens alarmistas são perigosas porque uma população (um município, um estado, um país) estará mais protegida quanto mais pessoas tomarem a vacina. Caso poucos tomem, poderá haver grande circulação do vírus e potencialmente maior risco. Assim, vale destacar que uma decisão individual tem sério impacto na coletividade. Caso haja dúvidas sobre alguma vacina, não se deve confiar em e-mails duvidosos: é melhor conversar com um profissional de saúde. Certamente desafios ainda existem no campo das imunizações, como solidificar o acompanhamento pósvacinal para verificar possíveis efeitos adversos e enfrentar o oligopólio que poucas empresas privadas têm sobre a comercialização das vacinas, sobretudo as de nova geração. Temos o compromisso social de levar as vacinas a todos os que podem se beneficiar delas, colocando o interesse coletivo acima de ganhos comerciais e as evidências científicas acima do alar­mis­mo infundado. N ANTONIO FERNANDO BOING é professor adjunto do Departamento de Saúde Pública do Centro de Ciências da Saúde da UFSC em Florianópolis (SC) NOVOLHAR.COM.BR –> Jul/Ago 2010

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Drogas: Reinventar os limites

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humanidade é inventora, e inventar é descobrir formas de superar limites. Não foi difícil para o ser humano ancestral inventar uma forma de modificar sua condição psíquica. Todas as civilizações conhecidas conviveram com o consumo de substâncias psicoativas e com problemas dele decorrentes. A razão de tanta perenidade é o fato do seu consumo trazer prazer ou alívio de sofrimentos diversos. Aprendemos com as experiências do barato (prazer) ou do alívio e tendemos a repetir as experiências. Algumas bebidas alcoólicas, por exemplo, são comuns em círculos sociais em momentos de comemoração ou em cerimônias. A repetição de experiências satisfatórias reforça a possibilidade de recorrermos mais vezes às mesmas vivências, levando à persistência nesse comportamento. Podemos simplificar a compreensão dos principais mecanismos cerebrais envolvidos nos desdobramentos do consumo de drogas pensando em dois sistemas concorrentes, como duas manivelas ligadas a bobinas geradoras de energia, por sua vez ligadas a diferentes sistemas no conjunto mais amplo. De um lado, a manivela do medo ligada a todos os sistemas de alerta e vigilância que nos habilitam a lutar ou fugir diante de situações perigosas. Várias memórias ou situações do cotidiano acionam essa manivela.

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por Rogério Lessa Horta

Quando há algum perigo, ela nos faz ligar o alerta, sentir ansiedade ou até angústia, aumentar o tônus muscular, intensificar a acui­da­de dos sentidos e buscar o domínio do contexto até nos certificarmos de que nada nos causará dano. Isso também acontece sem identificarmos um perigo específico. A atividade demasiada ou inconveniente da manivela do medo pode tornar-nos incompetentes para atos da vida. Uma pessoa que sai à noite e busca conhecer alguém e estabelecer um relacionamento tem o temor à crítica ou à rejeição, que pode atrapalhar. Substâncias psicoativas são eventualmente buscadas para desligar essa manivela. Por isso o álcool e as drogas são tão comuns na balada. A outra manivela gera energia que produz sensações de bem-estar, surgindo o que apelidamos de “barato”. Essa atividade costuma ser chamada de excitação. Por exemplo, alguém que se prepara para receber um presente ou na preparação para relações sexuais. A inibição de um sistema torna o outro mais evidente.

As substâncias psicoativas são reservas bioquímicas que permitem intervir nessas condições. Ativam diretamente as áreas ligadas ao sistema do prazer ou inativam parcial ou totalmente as áreas ligadas ao medo. É como se puséssemos um freio na manivela do medo, e um gigante passasse a acionar a manivela do “barato”. O ser humano não atinge, por vias naturais, a intensidade das sensações produzidas pelas drogas. Os seres humanos são organismos que vivem em equilíbrio dinâmico num dado patamar. Por isso tendemos a reduzir a resposta à presença das substâncias. Aí vamos precisando mais da mesma droga ou mais drogas para ter a mesma sensação. A necessidade de mais vai gerar uma excitação para buscar droga, que é a fissura, a necessidade intensa de ter a droga. Às vezes, logo que a substância deixa de ser ingerida, o organismo explode em reações desagradáveis, quase sempre junto com muita fissura, e esse conjunto é chamado de síndrome de abstinência. A busca para superar a redução de resposta ou resolver a síndrome de abstinência, com esforços muito grandes e específicos para obter a droga, abandonando outras atividades, e a dificuldade séria de ficar sem a substância vão montar o quadro clínico conhecido como dependência. Muitas pessoas, quando desenvolvem dependência, tentam interromper o consumo, mas se percebem incapazes. Alguns descrevem fazer uso da substância, mesmo desejando não usar ou pensando que seria melhor não fazê-lo. A grande saída para tudo isso é reinventar os limites. A discussão sobre legalizar ou não só tem contribuído para nos paralisar diante da tarefa de inventar, ensinar e aprender a ter limites no mercado dessa invenção humana, que virou produtos que, lícitos ou ilícitos, são comercializados todos os dias por todos os cantos. N ROGÉRIO LESSA HORTA é médico psiquiatra e psicoterapeuta em Porto Alegre (RS)


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Prevenção na intimidade por Zadi Francisco Manoel

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camisinha pode barrar entre 70 a 80% das transmissões, e os jovens sabem disso. No início, a maioria costuma usar, mas uma pesquisa recente em Porto Alegre constatou que, após três meses, a mulher se sente mais segura com o companheiro e abandona o uso do preservativo. Hoje, com a liberalidade sexual e o relacionamento descompromissado, a gravidez indesejada na adolescência é comum e causa grande sofrimento. Ao darem vazão à sua energia sexual, não se cuidam, embora os métodos de anticoncepção sejam bastante acessíveis. Mas a adolescente tem certeza de que a gravidez nunca ocorrerá com ela, o que é fruto do confronto do pensamento mágico da criança com o lógico que a adolescente está construindo. Quando ela ocorre, gera uma

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sexo é uma das necessidades básicas do ser humano. Porém há muita desinformação e tabus a respeito em todas as idades e ambos os sexos. Esse desconhecimento gera um des­com­pas­so na vida dos casais, dando motivo para conflitos, separações e sofrimento. Entre os jovens, há aumento de gravidez na adolescência e um aumento das doenças sexualmente trans­m is­s í­v eis (DSTs), apesar das informações cada vez mais acessíveis na atual geração de jovens já nascidos na era da informática. Em relação às DSTs, em todas as idades ocorre uma verdadeira epidemia. No Brasil, 40 milhões de pessoas são infectadas todo ano. As mulheres são mais suscetíveis após exposição única. Cerca de 40 diferentes agentes micro­bianos podem ser transmitidos sexualmente, embora só a minoria tenha na transmissão sexual o mecanismo único de disseminação. As principais são a infecção pelo HIV, gonorreia, sífilis, HPV (papiloma vírus humano), hepatites, herpes geni­tal, infecção por clamídia e mi­co­plas­ma. O HPV é a DST mais frequente do mundo. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima em torno de 30 milhões de novos casos todo ano, 30 a 40% dos casos em pacientes menores de 20 anos. O grande risco do HPV é o câncer de colo uterino, o que é preo­ cu­pan­te, pois sua incidência em mulheres jovens tem crescido muito. A mudança do comportamento sexual dos jovens contribui para isso. A

série de transtornos, adia sonhos e cria problemas sociais, como abandono da escola, rejeição familiar e aborto. Com o envelhecer, mudanças hormonais levam a alterações e dificuldades na área sexual. Na mulher, há diminuição da lubrificação vaginal e alteração no desejo. No homem, pode haver dificuldade de ereção e também alteração do desejo. Desconhecer as alterações fisiológicas próprias da idade pode levar a problemas conjugais graves, como conflitos e separações. Pelo menos na área sexual, as dificuldades podem ser resolvidas com ajuda médica. Hoje há uma série de medicações que ajudam a viver melhor a sexualidade, como o Viagra, por exemplo. Com a sobrevida aumentada do ser humano – hoje em torno dos 75 anos – cresce o número de idosos com excelente saúde. E a idade não des­ sexua­liza o indivíduo. Em qualquer idade, o homem tem capacidade de ereção e a mulher atinge lubrificação adequada e orgasmo. É evidente, porém, que a resposta sexual do idoso sofre alterações. Por exemplo, perde em quantidade, mas melhora na qualidade. Há muitos preconceitos, particularmente sexuais, contra os idosos. Muitas pessoas na terceira idade – mais frequentemente o homem, mas também a mulher – com problemas no casamento acabam buscando experiências sexuais fora. Nisso arriscamse a contrair DSTs, transmitindo-as ao cônjuge, gerando desarmonias imensas, com sofrimento para ambos e para a família. Muitos casais poderiam – e deveriam – ser mais felizes sexualmente nessa idade, pois sua vida já está estabilizada, os filhos criados e o risco de gravidez se foi. Por isso deveriam apro­veitar melhor sua vida juntos. Mas falta orientação adequada, e tal desconhecimento é gerador de angúsN tia e infelicidade. ZADI FRANCISCO MANOEL é médico em Blumenau (SC) NOVOLHAR.COM.BR –> Jul/Ago 2010

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SUS – privilégio do povo brasileiro

Um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo é o que temos à disposição no Brasil: o Sistema Único de Saúde (SUS). Ele é um dos maiores não só pelo tamanho da população brasileira, mas também por sua completa abrangência de serviços, que vão desde um simples atendimento ambulatorial até transplantes de órgãos. Tudo isso gratuito para toda a população do país. Criado em 1988 pela Constituição Federal, o SUS é estruturado por um conceito abrangente e complexo em assistência em saúde, financiado em maior parte pelo governo federal, seguido das administrações estaduais e municipais. O sistema é constituído por uma ampla rede de serviços, formada por unidades básicas, serviços especializados (exames e consultas) e serviços hospitalares, todos próprios ou contratados. “A rede de serviços deve ser organizada com a lógica de interligar uma ponta à outra; a porta de entrada deve ser a atenção básica, na qual a equipe de profissionais fará o diagnóstico, encaminhando para serviços especializados de referência ou maior complexidade; depois, o paciente retornará para continuar sendo cuidado, acompanhado pela equipe local de saúde”, destaca Márcia Ramison, enfermeira em saúde coletiva. Apesar do SUS ser um sistema exemplar e possuir em sua essência uma proposta completa para a saúde da população, há ainda muito preconceito em relação à sua utilização e dúvidas quanto à sua eficiência. “A ideia concebida ao longo da história é de que os serviços de saúde utilizam péssima ou pouca tecnologia, com materiais e equipamentos de baixa qualidade e recursos humanos despreparados. A falta de divulgação das experiências positivas com resultados concretos após 15 anos de investimento leva as pessoas a lamentar que não possuem o convênio e necessitam utilizar o SUS”, informa Márcia, lembrando que o SUS pode, por vezes e em casos isolados, não funcionar como deveria por conta da falta de vontade política local ou falta de investimentos e comprometimento com a proposta do sistema. Claro que o SUS, assim como qualquer outro sistema, inclusive da iniciativa privada, tem pontos a melhorar, e sua evolução é constante. Mas é fundamental reconhecer que seu funcionamento é indispensável para a saúde do Brasil, e sua eficiência é um privilégio para mais de 180 milhões de pessoas que podem fazer uso dele para consultas, exames, procedimentos e N internações. JÉSSICA FONTOURA é jornalista em Novo Hamburgo (RS)

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Rui Bender

por Jéssica Fontoura

Eugênia: Do frio siberiano para o calor brasileiro

Um século de vida 11.422 pessoas passam dos cem anos no Brasil: 7.950 mulheres e 3.472 homens. Novolhar conversou COM uma mulher de 104 e outra de 101 anos. por Rui Bender

M

uito trabalho e pouca folga – assim foi a longa vida de Rosa Valesca Grin, de 104 anos, que em dezembro próximo vai completar 105. Quando era nonagenária, ela ainda trabalhava. Valesca sempre atuou como florista em Dois Irmãos (RS). Fazia coroas de flores naturais e também cultivava flores. Hoje ela está entrevada numa cadeira de rodas no Lar Santa


Ana, em Novo Hamburgo (RS), por conta de uma artrose. Está ali desde 2005. Mesmo assim, Valesca tem boas recordações de seu passado. Admite que a vida foi muito boa, mas agora ela já não sabe mais “por que ainda está aqui”. Está chateada por que não consegue mais ser independente. Apesar de sua idade avançada, ela quase não toma remédios. Apenas quando sente dores por causa da artrose. Mesmo assim ela não gosta, conta a irmã Celina, religiosa que trabalha no lar e acompanha Valesca de perto. A irmã observou que, fora a artrose, a idosa não tem nenhuma outra doença importante. Ela apenas apresenta a fraqueza normal da velhice e uma severa dificuldade auditiva. Mesmo assim, ainda tem uma pele bonita para quem já passou dos cem anos. Ela come de tudo. Não dispensa um churrasco que seus familiares trazem nas visitas dos finais de semana. Ela gosta de alimentos mais temperados. Ao longo da vida, ela sempre consumia o que normalmente faz parte do cardápio do pessoal interiorano: feijão, arroz, aipim, batata, massa, carne e banha de porco, verduras, legumes e frutas. Valesca sempre foi uma pessoa muito religiosa. Ia à missa todos os domingos. Mesmo sendo devota de Santo Antonio, um santo ca­sa­men­tei­ro, ela jamais casou. Embora não tivesse casado, ela tem uma filha de criação. Por isso ela se orgulha de ter netos e até bisnetos. Valesca também é uma pessoa muito observadora. Sempre está muito atenta a tudo o que acontece em sua volta, comenta a irmã Celina.

anos uma pequena frota de três táxis em Porto Alegre. Enfim, ela era capaz de encarar qualquer trabalho. Hoje, às vésperas de completar 102 anos em setembro, obviamente ela não tem mais a mesma disposição. Especialmente desde a morte de um de seus filhos no ano passado, sua saúde fraquejou. Em sua recuperação contou com a solidariedade de uma sobrinha: a septuagenária Olga Prieb. “Agora é difícil ficar sozinha”, admite Eugênia. Aliás, há 47 anos ela já mora sozinha. Atualmente ocupa um apartamento em Esteio, na região metropolitana de Porto Alegre (RS). E como ela passa seu tempo? Eugênia adora fazer tricô e crochê. Aos 100 anos, ela ainda confeccionou uma bonita peça de tricô. Ela também sempre se envolveu muito nas atividades da Ordem Auxiliadora de Senhoras Evangélicas (OASE). Agora isso talvez fique um pouco mais complicado. “Mas Deus vai dar um jeito”, confia ela. N RUI BENDER é jornalista em São Leopoldo (RS)

Valesca: Toda a vida no meio das flores

Rui Bender

sibéria – Fazia 40 graus negativos no inverno, lembra a centenária Eugênia Prieb Pedde, que nasceu em 1908 na Sibéria e viveu até os 20 anos naquelas terras geladas. A vida era muito dura nas estepes siberianas. Havia seis

meses de frio intenso e neve, e seis meses de tempo bom para trabalhar no campo. Com a implantação do comunismo na Rússia, as famílias de teuto-russos resolveram emigrar. A família de Eugênia saiu em 1928 da Sibéria, atravessou a Europa e assentou-se no município de Riqueza, no oeste catarinense. Aqui ela casou com um teuto-russo de nome Evaldo Pedde. Mas cedo enviuvou, em 1939, quando tinha dois filhos pequenos: Oscar e Rudolfo, sua “maior alegria”. Nunca mais casou. Mas passou a trabalhar muito para criar os filhos. Como faxineira em hotéis de Iraí (RS), Cruz Alta (RS) e Panambi (RS). Trabalhar muito jamais intimidou Eugênia. “Quando se pode trabalhar, a vida é maravilhosa”, reconhece ela. Quem sabe por isso tenha experimentado diferentes atividades em sua vida. Numa determinada época, ela até foi ajudante de caminhoneiro. Ao lado de seu filho varava o sul do Brasil na boleia de um caminhão. Depois, adquiriu e administrou durante quinze

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olhar com poesia

O tempo é ouro por Lola (Louraini Christmann) O tempo é ouro Se o ouro For tempo passado Passado na varanda Em ciranda de iguais (Não tem varanda?

reflexão

O poder que se baseia no serviço o exercício diário no ministério é reconhecer e confessar que o poder vem de Deus e necessita ser exercido através do serviço. a autoridade máxima sempre é Jesus Cristo.

Que seja no corredor Se for com amor É tempo ouro) O tempo é ouro Se o ouro For tempo presente Presente na mesa do café... De sobremesa uma flor Flor presente Presente de aniversário? Presente seja do que for Presente de amor Presença O tempo é ouro Se o ouro For tempo futuro Futuro planejado Na conversa que não acaba mais Futuro sonhado Nos planos entre iguais Futuro de iguais Futuro!!! Sim O tempo é ouro

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por Sandra Helena Fanzlau

N

o centro de toda a atuação de Jesus encontra-se a questão do poder e da autoridade. Jesus compreende o poder como dom divino – “Deus me deu todo poder no céu e na terra” (Mateus 28.18) – e que cada pessoa tocada pelo Espírito Santo recebe poder – “... mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo...”(Atos 1.8a). A problemática de Jesus com o poder concentra-se quando esse assume formas de dominação, opressão e escravização. Por isso ele diz aos discípulos: “Entre vocês não deve ser assim”(Mateus 20.26a). Essa palavra não tem como objetivo apenas combater o poder secular de sua época, mas também o desejo de superioridade, que está profundamente arraigado entre os discípulos. Certamente a busca pelo poder estava tão presente entre os discípulos de Jesus como está entre nós hoje. Jesus rejeita veementemente o pedido de Tiago e João para fazer parte do governo divino no mundo. “Se alguém quiser ser o primeiro, então deverá ser servo de todos” (Mateus 20.27) – essa é a proposta revolucionária de Jesus à sua comunidade.

Jesus ensina e anuncia um poder que se baseia no serviço. No entanto, não há como negar que também as comunidades de Jesus Cristo necessitam de pessoas que as liderem e exerçam poder e autoridade. Creio que, muitas vezes, incorremos no equívoco de pensar que poder e serviço são formas antagônicas, esquecendo que o poder é bom na sua essência, pois ele mantém a ordem e a proteção das pessoas de bem. Percebe-se que os luteranos têm dificuldades para falar e refletir sobre poder e autoridade. Na teologia tradicional católica, a frase de Jesus a Pedro – “Tu és Pedro, e sobre essa pedra edificarei a minha igreja” (Mateus 16.18a) – elucida grande parte da problemática sobre autoridade e poder, uma vez que fundamenta a estrutura hierárquica, autoritária e patriarcal. Na Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), assim como em toda a teologia luterana, não se reproduz a estrutura hierárquica do episcopado. Na IECLB, há uma estrutura sinodal que já em sua terminologia traz um modelo diferente. Sínodo significa caminhar juntos. Poder-se-ia


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O modelo sinodal implantado na IECLB prioriza o “caminhar junto” em detrimento de maior hierarquia dentro dos ministérios

então advogar o direito de dizer que esse é o modelo perfeito – caminhar juntos –, ou como diz o apóstolo Paulo: “carregando as cargas uns dos outros” (cf. Gálatas 6.2). Mas existe plena consciência de que não é assim. Viver o modelo si­ no­dal traz desafios, conflitos, ques­tio­ na­men­tos. E, assim como foi entre os discípulos de Jesus, também entre nós há busca por superioridade e poder. Na realidade de nossas comunidades e paróquias, tornam-se cada vez mais frequentes conflitos entre ministros ordenados e membros de presbitérios e comunidades. Muitos desses conflitos decorrem da perda da autoridade ministerial e, paralelamente, do crescimento exacerbado do poder das lideranças e presbitérios. Percebe-se que há dificuldade para equilibrar a autoridade do ministério ordenado e o sacerdócio geral. Esperase que todas as pessoas que formam a comunidade exerçam o poder e o serviço com responsabilidade, fidelidade

e compromisso com o evangelho. No universo de poder e autoridade na igreja, apesar dos avanços, ainda se enfrenta a problemática do an­d ro­c en­t ris­m o e patriarcalismo. Infelizmente, as mulheres ainda sofrem com a autoridade patriarcal, que tenta oprimi-las e diminuí-las. Existem leis e estatutos que ordenam e reconhecem o ministério feminino, mas, na prática, a realidade é por vezes de desvalorização. A desvalorização ocorre, principalmente, quando a autoridade do ministério é questionada pelo fato de ser exercida por uma mulher. Esquece-se, na prática, que homens e mulheres recebem o dom do Espírito Santo para ser testemunhas e confessar: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” (Ma­teus 16.16b), que veio para servir, que veio para quebrar a opressão. A realidade de discriminação e mar­gi­na­li­za­ção das mulheres traz à tona estruturas patriarcais na construção de nossa identidade como igreja.

Creio que o exercício diário em nossas comunidades e em nossos ministérios é reconhecer, é confessar que o poder vem de Deus e necessita ser exercido através do serviço. E que a autoridade máxima sempre é Jesus Cristo. N SANDRA HELENA FANZLAU é teóloga e obreira da IECLB em Guarapuava (PR)


RETRATOS

Baruque, o bendito Arte João Soares

por Nelson Kilpp

S

eu nome, “bendito”, prenunciava uma vida feliz e plena de realizações. Nascido no seio de uma família respeitada e de grande projeção social e influência política na antiga Jerusalém, capital do Reino de Judá, Baruque podia, de fato, ser considerado uma pessoa aben­çoa­da: recebera estudos aprimorados, reservados aos filhos da nobreza, e tornara-se um escriba, uma profissão muito respeitada e lucrativa naqueles tempos em que pou­quís­si­mos sabiam ler e escrever. Em suma, tinha conhecimentos, ascendência e relações suficientes para galgar os mais altos postos do governo de Judá, tal qual seu irmão Seraías, pessoa da máxima confiança do rei Zedequias (cf. Jeremias 51.59). Mas os tempos politicamente incertos e conturbados, e particularmente sua amizade com um personagem bastante controvertido na época – o profeta Jeremias –, mudaram radicalmente a história desse escriba. Baruque é mencionado, pela primeira vez, em Jeremias 36. Ali se diz que ele escreveu num rolo de papiro uma mensagem ditada pelo profeta e depois a leu ao povo reunido no templo. Isso porque o próprio profeta estava impedido de transmitir pes­soal­ men­te a mensagem. Essa mensagem causou um impacto tão grande, que o texto foi confiscado pelas autoridades e o escriba interrogado por altos funcionários da corte. O texto foi queimado pelo rei ostensivamente

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no fogo, e Baruque foi aconselhado a esconder-se, juntamente com o profeta Jere­m ias, porque haviam provocado a ira do rei. A influência do escriba junto aos funcionários da corte certamente contribuiu, naquele momento, para evitar que Jeremias fosse encontrado e morto. Treze anos depois, quando Jere­ mias estava preso por causa de suas profecias e o exército babilônico cercava a cidade de Jerusalém, o profeta novamente chama Baruque e dá-lhe a incumbência de lavrar a escritura de um campo que Jeremias adquirira de seu primo (Jeremias 32). A compra do campo simbolizava, naquele momento em que tudo indicava que a cidade seria destruída e o povo disperso, a esperança de uma vida nova e abençoada em Judá para a época após a destruição de Jerusalém. Baruque ficou incumbido de guardar a escritura como prova de que Deus proporcionaria dias melhores a seu povo no futuro. Assim, o escriba torna-se o guardião da mensagem de esperança do profeta. Também por causa desse seu vínculo com Jeremias, um homem perseguido e ameaçado, Baruque teve que abdicar de uma carreira promissora.

Em Jeremias 45, o escriba lamenta: “Ai de mim! Estou cansado do meu gemer e não acho descanso” (v. 3). Também o profeta Jeremias não vê um futuro brilhante para seu amigo ao vaticinar: “Diz o Senhor: A ti, porém, te darei a tua vida como despojo onde quer que fores” (v. 5). Baruque somente conseguirá salvar sua vida. Nada mais. Depois da destruição de Jerusalém pelos babilônios, Jeremias e Baruque são arrastados contra a sua vontade para o Egito. Nada sabemos sobre os últimos dias de vida de Baruque. Presume-se, no entanto, que ele tenha sido responsável por escrever grande parte do atual livro de Jeremias, em especial as partes biográficas sobre o profeta. As anotações de Baruque sobre os acontecimentos em torno da atuação do profeta representam seu maior legado. Graças a esse “abençoado” escriba, sabemos preciosos detalhes da vida de um profeta de Israel. Baruque desistiu de usar sua pena em seu próprio benefício para preservar a mensagem e os momentos importantes da vida de um homem de Deus. N NELSON KILPP é especialista em Antigo Testamento, obreiro da IECLB, residindo em Kassel, na Alemanha


conto

Os filhos do catador por Brunilde Arendt Tornquist

À

s margens da metrópole, barracos abrigam famílias carentes: de comida, saúde, educação, esperança. E, às vezes, a noção de certo e errado fica turva. João e Maria moram num desses barracos, com o pai e a madrasta – catadores de lixo. Certa noite, o pai compartilha sua preocupação com a esposa: – Mulher, o que será de nós? Vamos morrer de fome. – Há uma solução... – disse a esposa. – Amanhã vamos até a cidade e deixamos as crianças lá. O pai fica chocado, mas ela sabe como convencê-lo de que isso é melhor para todos. João e Maria não estão dormindo e escutam tudo. – Mano, eles vão nos largar na rua. Nós vamos morrer. – Vai ficar tudo bem – diz João. – Eu tenho uma ideia. Depois que todos dormem, pega o único lápis de cor

que há na casa, recolhido do lixo, e volta para a cama. No dia seguinte, o pai diz que vão todos juntos para a cidade. João segue o plano: faz desenhos nas paredes com o lápis de cor. Na cidade, as crianças brincam na praça enquanto os pais catam lixo e vão se distanciando. Anoitecia, e nada dos pais. João e Maria seguem então os desenhos e voltam para casa. Ao vê-los, o casal fica espantado. O pai, no fundo, está contente, mas a mulher não. O tempo passa. As crianças até já tinham esquecido a história. Então novamente o pai convoca todos para ir catar lixo na cidade. E de novo as crianças ficam brincando numa praça enquanto os pais trabalham. Escurece e nem sinal dos pais. Então as crianças se dão conta do que está acontecendo. Resolvem voltar para casa. Como havia chovido muito, os desenhos foram apagados. Assustados, tristes e com fome, procuram abrigo embaixo de um viaduto. Há muita gente lá. Deles recebem pão e um pano velho para se proteger do frio.

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RELIGIÃO

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No outro dia, vagueiam pelas ruas, sem saber o quê ou quem procurar. E numa rua qualquer, uma senhora, encostada no portão da casa, pergunta às crianças o que fazem sozinhas na rua, e elas contam sua história. Ela os convida para entrar. As crianças nunca tinham comido guloseimas tão saborosas nem deitado em camas tão macias. E adormecem felizes, sem imaginar que a bondosa senhora não era tão bondosa assim. – Vou ganhar uma grana preta com eles, mas estão maltratados. Preciso cuidar bem deles para melhorar a aparência – matutava a senhora. As crianças eram bem tratadas, tinham boa comida, doces, roupas limpas, cama boa, mas tinham que ficar dentro de casa. E todo dia a mulher dizia: – Falta pouco e vocês estarão do jeito que eles gostam. Eles quem? Um dia, a senhora fala ao telefone: – Amanhã você pode vir aqui e ver a mercadoria: dois anjinhos! João e Maria ouvem isso e lembram de conversas sobre adultos que gostam de se divertir com crianças, que fazem maldades com elas. Teriam que dar um jeito de fugir. No dia seguinte, a senhora chama as crianças na sala. – Não falei que são anjos?! Pode verificar... O homem se aproxima, acaricia o rosto de Maria, mexe no cabelo de João. – É, tem razão; eles valem o que você está pedindo. Aqui está a metade do combinado. Amanhã trago o resto e levo as crianças. – Levar para onde? – pergunta João. – Crianças, não se preocupem. O tio vai cuidar bem de vocês. A mulher leva o homem até o portão. As crianças veem o envelope com o dinheiro em cima da mesa. João pega o envelope e esconde. A mulher, por sorte, entra e diz que vai descansar. João e Maria esperam a mulher dormir, entram no quarto e amarram suas pernas, depois pegam as chaves e saem correndo, pedindo ajuda. Poucos dão atenção; só uma mulher se comove e ouve o que as crianças contam. Ela leva João e Maria para o Conselho Tutelar. A “senhora bondosa” é presa, e uma rede de exploração sexual de crianças é desmantelada. João e Maria são entregues ao pai. Emocionado e arrependido, ele promete aos filhos que, mesmo pobres, eles nunca mais vão se separar. Acompanhados por conselheiros e assistentes sociais, voltam a ser uma família: o pai, João e Maria. Passado algum tempo, sentados no colo do pai, um em cada perna, matando a saudade, João e Maria entregam ao pai o envelope. N BRUNILDE ARENDT TORNQUIST é teóloga e assistente editorial em São Leopoldo (RS)

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Vivência religiosa em 3 D por Júlio Cézar Adam

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vatar é mais do que apenas um filme. Tem a ver com religião. Por isso tantas pessoas foram assisti-lo. Porque a religião migrou das esferas religiosas institucionais e também habita na cultura popular. Avatar é um filme de ficção científica. A trama acontece num planeta chamado Pandora no ano 2154 d.C. Há um conflito entre colonizadores humanos e nativos, chamados de na’vis. Os humanos querem explorar um preciosíssimo mineral do planeta, o unobtanium. Para isso, ex-soldados são recrutados como mercenários para a exploração e também para combater os nativos resistentes. Ao lado da exploração, cientistas desenvolvem um programa de integração com os nativos, o Programa Avatar. Através de um cruzamento genético in vitro, criam os avatares, corpos híbridos humanona’vi. Com alta tecnologia, os corpos avatares são controlados à distância pelos corpos humanos. Interessante é que, de todos os lugares fascinantes de Pandora, um é especial para a vida do povo: a Árvore das Almas, Eywa. Eywa é praticamente uma divindade à qual tudo e todos estão conectados. Os humanos pretendem atacar e destruir a Árvore das Almas, pois justamente sob essa se encontram as maiores concentrações de unobtanium. Os seres de Pandora unem-se em defesa de Eywa e de seu planeta. Combatem com determinação e com suas armas rudimentares o poderio tecnológico, vencendo e expulsando os humanos. E a religião... Avatar não é um filme religioso, mas traz elementos religiosos implícitos. Não há nenhum indício de que James Cameron tenha escolhido


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elementos religiosos a partir de um re­fe­ren­cial religioso amplo ou específico. O referencial religioso, no caso judaico-cristão, já faz parte da cultura. É esse referencial que acaba ganhando força e destaque no cinema. Vejamos alguns desses elementos. Pandora faz-nos lembrar o Éden do livro de Gênesis, o paraí­ so que perdemos. Além da beleza pa­r a­d i­s ía­c a, há uma indescritível harmonia de tudo com todos, pessoas, plantas, animais. Também a grande árvore, localizada num lugar central de Pandora, remetenos à árvore do conhecimento do bem e do mal no centro do Éden (Gênesis 2.17). Essa árvore os humanos querem destruir e por

isso são expulsos – novamente – do jardim Pandora. Outro aspecto religioso é a ligação de tudo com todos. Através de terminações nervosas na ponta dos cabelos, os na’vis conectam-se com os animais do planeta, as plantas e a divindade Eywa. Ao redor de Eywa, conectados a suas raízes, os na’vis reúnem-se em ritos próprios, como a cura de doenças. Eywa mantém o equilíbrio da vida. A destruição desse espaço, como pretendem os humanos, do espaço de culto, de cura, espaço do rito religioso, acabaria com o elo vital do povo, seu passado e seu futuro e, con­se­quen­te­men­te, acabaria com a identidade na’vi. Seria o fim do povo. O fim do espaço de culto significaria o fim de sua razão de existir.

No evangelho, encontramos uma outra árvore: “Eu sou a videira, vocês são os ramos, e quem não fica unido à videira não pode dar fruto”, diz Jesus Cristo (João 15.5). Temos aqui mais um paralelo interessantíssimo entre Eywa e a videira do evangelho. Compreendo que é também tarefa da teologia e da igreja buscarem entender esses elementos “religiosos” presentes na cultura, nos filmes e que, também ou justamente por isso, arrastaram milhões de pessoas de diferentes culturas e religiões. Estaria o cinema, através de filmes como Avatar, suprindo a sede religiosa do ser humano? Estou convencido de que sim. Teologia e cultura podem irrigar-se mutuamente. O cinema, assim como outros elementos da cultura popular, pode ajudar a teologia e a igreja a se repensar e redizer dentro da cultura. Faremos parecido com Paulo no Areó­ pago: para falar aos atenienses se vale do que eles já têm, o altar ao Deus desconhecido (Atos 17.22ss). O cinema pode ser, sim, o “Deus desconhecido” a partir do qual podemos celebrar, pregar e fazer teologia. N JÚLIO CÉZAR ADAM é doutor em Teologia, professor na Faculdades EST em São Leopoldo (RS)


jovens

E

Bate, coração!

Imagem: Fundo de um dos cartazes do CONGRENAJE

por Juliana Ruaro Zachow

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les são tão diferentes. Os jovens têm vários rostos, tribos, escolhas, aparências... Podemos distinguir jovens pela roupa que usam, pela música que ouvem, pelo grupo em que convivem, pelas ideias... São as aparências que distinguem alguns grupos de jovens de outros. Mas temos certeza sobre o que realmente bate no coração do jovem pela sua aparência? Davi, personagem bíblico (1 Samuel 16-17), foi escolhido por Deus para ser o rei do povo judeu. A história de sua escolha foi muito impressionante para sua família. Davi não tinha aparência de um rei, conforme o imaginário do povo. Um rei “precisa ser”: forte, guerreiro e vencedor de muitas batalhas. Samuel, ministro fiel de Deus, vai visitar a família de Davi. O pai de Davi apresenta-lhe todos os seus oito filhos, menos o caçula, que está no campo cuidando das ovelhas. O jovem Davi era desprezado pelos irmãos. Ele era pequeno, de aparência bonita, era músico, habilidoso, criativo e inteligente. Samuel não escolhe nenhum dos irmãos de Davi e pede a seu pai que busque o filho caçula. Esse Davi foi escolhido por Deus e ungido rei através de Samuel. Também Samuel fica assustado com a escolha de Deus, mas Deus o alerta: “Não se impressione com a aparência, porque as pessoas veem as aparências, mas eu vejo o coração” (1 Samuel 16.7). Quantas vezes vemos os jovens com roupas diferentes do nosso ponto de vista; vemos jovens pelas ruas sem destino; vemos jovens plugados no computador; jovens lutando para ter um corpo perfeito musculoso ou de uma manequim modelo fotográfico... A juventude é mais do que uma “carinha bonita”. A juventude quer mais do que ter um corpo conforme os padrões internacionais; ela pode fazer mais com suas ideias, sua inteligência e habilidades. As juventudes criam e recriam a todo instante, têm talentos e reflexões infindáveis em diversas áreas da ciência, da tecnologia, das relações humanas. As juventudes querem contribuir com seus talentos para fazer a diferença no mundo. A Juventude Evangélica da IECLB está mobilizada para refletir sobre a essência do ser jovem. Estará reunida no 20° Congresso Nacional da Juventude Evangélica, movida pelo tema “Juventudes, pelo que bate o nosso coração?”. Acreditamos na riqueza de ideias, sonhos e talentos das juventudes no Brasil. As juventudes têm um coração alegre, disposto, amoroso. Elas pulsam em ajudar as pessoas, em fazer a diferença nessa sociedade tão desigual. Juntos, jovens de todo o Brasil, vamos descobrir pelo que bate o meu, o seu, o nosso coração. N JULIANA RUARO ZACHOW é catequista da IECLB em Cascavel (PR)


CENTENÁRIO DA OGA

Solidariedade sem fronteiras no ano do centenário, a obra gustavo adolfo faz sua primeira campanha entre os confirmandos para um projeto no exterior. a TRILHA da solidariedade desta vez passa pela bolívia. por Ingelore Starke Koch

Divulgação OGA

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Bolívia é o destino da Trilha da Solidariedade de 2010 da Obra Gustavo Adolfo (OGA), da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB). É a primeira vez que essa trilha atravessa a fronteira brasileira e marca história no ano do centenário da OGA. A Trilha da Solidariedade é um projeto iniciado em 2005 e movimenta a Ação Confirmandos (AC). A motivação para essa ação solidária é o direito que todas as crianças e jovens têm de ser felizes. Para auxiliar nessa tarefa, os confirmandos da IECLB de todo o Brasil são convidados a participar desse grande mutirão de arrecadar fundos para ajudar crianças e jovens prejudicados em suas perspectivas de vida. Até 2009, a AC já beneficiou quinze projetos no Brasil. A trilha de 2010 levará ajuda financeira ao Centro de Acolhida para Meninas e Adolescentes “Verena Wells”, um projeto da Igreja Evangélica Lu­te­ra­na Boliviana em Caranavi, próximo à capital boliviana, La Paz. O lar-escola vai beneficiar filhas dos migrantes Aymaras do altiplano e dos

A capa do folheto Ação Confirmandos 2010 mostra uma paisagem típica da Bolívia

vales do Departamento de La Paz. A Obra Gustavo Adolfo deriva do nome do rei da Suécia que socorreu as minorias confessionais protestantes durante a “Guerra dos 30 anos” (1618-1648) na Europa Central. Em favor dessa causa, o rei tombou mortalmente ferido no dia 6 de novembro de 1632 em Lützen, próximo à cidade alemã de Leipzig. Em 1832, surgiu na Alemanha a primeira célula da OGA. Hoje existem mais de cinquenta grupos na Europa, apoiados por centenas de subgrupos. No Brasil, a OGA foi criada em 16 de janeiro de 1910 em Hamburgo Velho, Novo Hamburgo (RS), pelo

pastor Johann Friedrich Pech­mann, vindo da Alemanha em 1882. Hoje a instituição atua em todos os estados brasileiros. O presidente da OGA-IECLB, pastor emérito Rolf Droste, resume a atuação da OGA como missionária e diaconal, através do binômio escolacomunidade. Nesse contexto, ela foi um fator de integração e unificação, pois os caminhos da instituição transpassavam as diferenças que havia entre os pastores alemães da época no Brasil. Pechmann tinha “trânsito livre em todos os acampamentos”, lembra Droste.

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COMUNICAÇÃO

Novas mídias e a fé ISKoch

por Aline Gehm Koller Albrecht

HOMENAGEM: Placa comemorativa no túmulo do pastor Pechmann, fundador da OGA-Brasil

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A OGA é conhecida em todas as comunidades da IECLB por sua disposição de ajudar nas necessidades, aponta o secretário executivo, pastor Rui Bernhard. A OGA não movimenta grandes somas em termos financeiros, mas movimenta muitas pessoas que colaboram com pequenos valores. Se antes a ajuda da OGA era mais solicitada para a construção de igrejas, hoje há mais pedidos para auxiliar as comunidades da IECLB a erguer centros comunitários. Esses, segundo Droste, em muitas cidades, também são usados por outras instituições e até mesmo pelas prefeituras municipais, evidenciando a inserção religiosa na comunidade civil. Essa é, na visão de Droste, uma das formas das comunidades da IECLB de “plantar pequenas plantas do evangelho, para que aconteça, na prática, o testemunho para a vida”. As fontes de recursos em favor da OGA são, entre outras, bazares e chás beneficentes de grupos em comunidades, doações de pessoas físicas, coleta especial em cultos, venda de

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cartões, bótons, adesivos, canetas, chaveiros, camisetas. Embora muito significativos, os valores arrecadados não são suficientes para atender todos os pedidos de ajuda. Por essa razão, a OGA lançou o programa jubilar “Parceiros de Ouro”. Os parceiros comprometem-se, espontaneamente, a contribuir com um valor por eles determinado. Dois eventos do centenário ocorreram já em 2009: em 15 de julho, a inauguração da primeira sede própria, em São Leopoldo; e, em 22 de outubro, o lançamento do livro dos 100 anos: “Uma obra de muitas mãos”. Um ato litúrgico em 16 de janeiro, junto à sepultura do pastor Pechmann e de sua esposa Emma Lydia, no cemitério de Hamburgo Velho (Novo Hamburgo/RS), deu início às celebrações em 2010. Pechmann faleceu em 8 de março de 1925 e sua esposa, em 24 de fe­vereiro de 1931. O culto comemorativo acontece no dia 18 de julho na igreja “Três Reis Magos”, de Hamburgo Velho. N INGELORE STARKE KOCH é jornalista em São Leopoldo (RS)

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prender mais sobre como comunicar a fé no mundo de hoje foi a proposta do 10° Congresso de Comunicação Religiosa (RCCongress), realizado em Chicago, EUA, de 7 a 12 de abril deste ano. Entre os 600 congressistas estavam dez Global Partners – jovens profissionais da área da comunicação de diversas partes do mundo e que ganharam de presente a oportunidade de participar do evento. Graças a meu trabalho como jornalista na Igreja Evangélica Luterana do Brasil e minha participação no Fórum Lute­rano de Co­mu­ni­ca­do­ res, que reúne profissionais das duas igrejas lute­ra­nas, ganhei a bolsa para representar o Brasil. A comunicação móvel e as mídias sociais ocuparam a maior parte das palestras e workshops do congresso, que destacou o tema “Agregando mudanças”. Os co­m u­ ni­c adores religiosos já se deram conta de que ninguém pode ficar distante das novas ferramentas. Com a velocidade das mudanças, os comunicadores presentes falaram sobre a importância de aprender o máximo possível sobre esses novos meios e entender como as pessoas estão usando os mesmos.


No painel “Examinando o futuro digital”, o especialista Jeffrey Cole anunciou o fim dos jornais impressos em cinco anos. “O mundo continuará se comunicando, mas em tempo real”, enfatizou Cole. Porém, ao mesmo tempo em que, nos EUA e até mesmo no Brasil, o desafio é aprender como

compartilhar a fé através do twitter, facebook ou orkut, em outros lugares existem barreiras anteriores a serem ultrapassadas. “Em alguns países, o acesso à internet é muito difícil; então o trabalho com as novas mídias ainda não é realidade”, destacou o secretário-geral da WACC (As-

ALINE GEHM KOLLER ALBRECHT é jornalista em Macapá (AP)

Informações e materiais sobre o Congresso de Comunicação Religiosa: www.rccongress2010.org

Fotos Divulgação Novolhar

Entre os 600 congressistas estavam dez Global Partners (na foto acima), que são jovens profissionais da área da comunicação de diversas partes do mundo que tiveram a oportunidade de participar do evento. A autora esteve entre eles. Abaixo, ela está com o editor das revistas protestantes na China, Wang Rong-Wei, e sua esposa

sociação Mundial para a Comunicação Cristã), rev. Randy Naylor. Para o Global Partner Wang RongWei, editor da revista das Igrejas Protestantes da China, o trabalho mais efetivo com a internet ainda vai demorar devido à censura no país, onde até mesmo a mídia religiosa impressa sofre controle, fazendo com que cada uma das cinco igrejas da China só possa ter uma revista oficial. O congresso trouxe esperança a Wang de que, no futuro, ele poderá ajudar a Igreja Protestante na China a espalhar o evangelho de Jesus de outras formas. O RCCongress, que se reúne a cada dez anos, depara-se, a cada encontro, com novos desafios na comunicação, tamanha a velocidade com que as transformações, mudanças e novidades acontecem na área. Para o próximo evento cogita-se até a possibilidade de que o congresso seja virtual, reduzindo-se, assim, custos e tempo com deslocamentos. N

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IGREJA

As mulheres no ministério SÃO MUITOS OS DESAFIOS ENFRENTADOS PELAS MULHERES ORDENADAS NO EXERCÍCIO DO MINISTÉRIO ORDENADO DENTRO DA IGREJA; RECONHECIMENTO E VALORIZAÇÃO SÃO ALGUNS. por Ligiane Taiza M. Fernandes

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tinha feito um estranho pedido. Ela “queria ser chamada de pastora”. Pensemos um pouco sobre esse “estranho” pedido. Qual não seria o histórico que essa obreira do ministério pastoral traz consigo para ter que pedir para ser chamada de pastora, e ainda quais as dificuldades encontradas por algumas comunidades em reconhecer e nominar o trabalho de uma mulher como obreira ordenada?

Divulgação Novolhar

s mulheres estiveram presentes no serviço ao reino de Deus desde os primeiros relatos da criação. No entanto, esse serviço foi sendo limitado ao longo da história cristã. Hoje muitas igrejas ainda não dão às mulheres acesso ao ministério ordenado. Não é o caso da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB). Na IECLB, as mulheres podem ser ordenadas há quase trinta anos, o que não representa o término das disparidades entre homens e mulheres que se dispõem a servir no reino de Deus através do ministério ordenado. São muitos os desafios encontrados diariamente pelas mulheres ordenadas no exercício de seu ministério. O reconhecimento e a valorização das mulheres que buscam o ministério ordenado como opção de vida e de trabalho são conquistados dia a dia. Para elucidar um pouco o que digo, conto a vocês o que ouvi há poucos dias. Estávamos em um pequeno círculo no intervalo da aula, quando uma colega nos contou, com certa indignação, que a pastora que chegara recentemente em sua comunidade

Esse estranho pedido soa trivial em nossos ouvidos, pois sabemos que ela é a pastora. Pode parecer até engraçado, mas não é, uma mulher ter que reivindicar que a reconheçam na função que ela está exercendo, capacitada para tal. É sinal de que nem tudo está claro. Nem tudo está pronto. Ainda temos muitas conquistas a buscar, apesar de termos mulheres no estudo da teologia na IECLB há quase sessenta anos e de termos muitas mulheres ordenadas. A pesquisa “Mulheres no Ministério Ordenado: história, experiência, testemunho” (disponível em http:// www.est.edu.br/images/pdfs/versaoportugues_novembro2009.pdf) trouxe dados interessantes para a discussão. A partir da fala das próprias obreiras, percebemos que os desafios em termos do trabalho das mulheres ordenadas reconhecido e valorizado ainda encontra muita resistência, embora isso apareça de forma bastante sutil e velada. Temos como tarefa: perceber as disparidades que ainda persistem no trabalho das mulheres no ministério ordenado, buscar elucidar as contribuições que as mulheres trazem ao ministério como forma de testemunho, para que aquelas comunidades que ainda não conhecem o trabalho de uma mulher na liderança possam tomar ciência de que é possível e que dá certo sim. Exercer o ministério ordenado de um jeito próprio, sem meramente reproduzir o modelo normativo masculino, inserir-se cada vez mais na estrutura eclesiástica, exercendo o poder partilhado, trabalhando em prol do reino de Deus cada vez mais justo e igualitário. Eis alguns dos desafios para pensar quando falamos em mulheres e ministério ordenado. N LIGIANE TAIZA M. FERNANDES é teóloga, mestranda em Teologia pelo PPG – EST em São Leopoldo (RS)


Paula Oliveira

cultura

CARLA BARBOSA: É ótimo emprestar livros sem ter que comprar

Embarque na leitura por Paula Oliveira

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s bibliotecas Embarque na Leitura, instaladas no Metrô de São Paulo, integram o projeto “Ler é Saber” do Instituto Brasil Leitor (IBL). A parceria do Metrô com o IBL – entidade que administra as bibliotecas – oferece acervos completos para empréstimo gratuito. Em nosso cotidiano, abrimos mão de alguma coisa por conta da

correria, e invariavelmente é da leitura não-obrigatória, aquela que não está na lista do vestibular ou não faz parte de nossos compromissos imediatos. Ora, se não conseguimos um tempo para ler aquele livro que tanto queremos – e detalhe: por ser mais fácil, assistimos à adaptação dele no cinema –, que dirá mudar o nosso itinerário para ir a uma biblioteca!

Por esse motivo, o Instituto Brasil Leitor (IBL) instalou as bibliotecas dentro das estações do Metrô de São Paulo. Os paulistanos que passam muitas horas do dia no caminho entre o trabalho e a casa, dentro do metrô, têm a oportunidade de emprestar livros e até ler durante o percurso. São livros de todos os tipos, sempre atualizadas com o mercado editorial. O objetivo é conquistar e criar o hábito da leitura entre aqueles que não leem por falta de tempo ou de motivação. “Para isso colocamos o livro no caminho das pessoas em terminais de ônibus e nas estações de metrô de São Paulo”, diz William Nacked, diretor-geral do Instituto Brasil Leitor. O projeto teve início em 2004 com a primeira biblioteca na Estação Paraíso e conquistou muitos adeptos desde então. A pedagoga Carla Barbosa conta que aderiu ao Embarque na Leitura pela agilidade no atendimento e por ser um serviço gratuito. “É ótimo emprestar os livros sem ter que comprar os títulos que preciso para me qualificar”, afirma. O Instituto Brasil Leitor conta a­tual­mente com seis unidades Embarque na Leitura em São Paulo, localizadas nas estações Luz, Tatuapé, Paraíso, Largo Treze e Santa Cecília do Metrô, além da estação Brás da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). Somente as bibliotecas do sistema metroferroviário de São Paulo somam 44.514 associados, que já emprestaram 461.133 livros. As mulheres são as que mais embarcam nessa leitura. Do total de usuários das bibliotecas, 30.194 são mulheres e 14.230 homens. A faixa etária predominante é dos 21 aos 30 anos. Na opinião da usuária Carla Barbosa, o projeto realmente facilita o acesso aos livros, disponibiliza um acervo diversificado e era o que fal-

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ECUMENISMO tava para incentivar a leitura em um mundo moderno e tão apressado. “Incentivar a leitura é fundamental para formar cidadãos. O projeto é excelente”, comenta. As bibliotecas contam com acervos de livros dos mais diversos estilos: literatura brasileira, autoajuda, bestseller, infanto-juvenil, filosofia, ciências, linguística, arte e história, além de livros em braile e audiobooks para deficientes visuais. “Fortaleza Digital”, “Anjos e Demônios” e “Mar­ley e Eu” são os títulos mais retirados. O horário de funcionamento é de segunda a sexta-feira, das 11h às 20h. Para se inscrever, os interessados devem apresentar documento de identidade e CPF (cópia e original), juntamente com uma foto 3x4. Também é necessário levar o comprovante de residência. Menores de 18 anos devem estar acompanhados dos pais. Os leitores cadastrados recebem uma carteirinha de identificação com foto e código de barra para fazer os empréstimos. “Quem aluga pode ficar com o livro até dez dias ou renovar o empréstimo, mas, se perder prazo, pode ter a carteirinha suspensa por um mês”, conta William Nacked. “É importante

Solidarie valor esse

devolver o livro na mesma unidade onde o volume foi retirado”, completa. Embarque na Leitura não é exclusividade dos paulistanos e está presente em várias cidades do Brasil. “As bibliotecas provam que o brasileiro quer e gosta de ler. Devido ao sucesso do projeto em São Paulo, no Rio de Janeiro, Recife, Porto Alegre e Belo Horizonte, há a possibilidade da expansão de novas bibliotecas na rede metroferroviária e em terminais de ônibus de outras cidades do Brasil”, afirma o diretor-geral. Saiba mais sobre o projeto no site www.brasilleitor.org.br. N PAULA OLIVEIRA é jornalista em São Paulo (SP)

Marcos Bonn/Sesa

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AFIRMAÇÃO: A construção da paz e a superação da violên

Biblioteca na Estação Santa Cecília William Nacked (centro): Quem aluga pode ficar com o livro por até dez dias e, se perder, pode ter a carteirinha suspensa por um mês

Uma metáfora dos Direitos Humanos na América Latina. por Eliana Rolemberg

Fotos: Paula Oliveira

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movimento ecumênico tem um acúmulo significativo em sua trajetória na busca e construção da justiça, exercida a partir de uma dia­conia libertadora e de uma voz profética das igrejas. Esse caminho foi trilhado desde a década de 1970, tanto nos tempos críticos das ditaduras militares na América do Sul como nos processos de paz na América Central – e também nas democracias atuais na região.


dade: ncial

cia, preconceitos e desigualdades históricas na América Latina passam pela afirmação de relações solidárias

Neste ano, encerra-se a Década Ecu­mênica pela Superação da Violência. Nesse período, reafirmou-se que a construção da paz e a superação da violência, preconceitos e desigualdades históricas que marcam negativamente a região latino-americana passam, necessariamente, pela afirmação de relações justas e solidárias, pela conquista, garantia e afirmação de direitos em suas várias dimensões. Nesse sentido, o movimento ecu­ mê­nico latino-americano, inspirado na disciplina do compartir ecumênico de recursos, tem sido criativo e inovador. O apoio a pequenos projetos populares, sementes de esperança que aproximam igrejas e movimentos sociais, é um exemplo que merece destaque entre as estratégias do ecu­me­nis­mo de serviço nessa região. A solidariedade também foi e continua sendo um dos valores essenciais

para impulsionar a cooperação ecumênica. Processos de articulação entre as diversas igrejas, organismos ecumênicos, organizações e movimentos sociais concretizaram-se tanto nas relações Norte-Sul como Sul-Sul, baseados numa compreensão ampla do ecumenismo e tornando mais efetivo o alcance da justiça social, econômica, ambiental e de gênero. Fóruns nacionais foram criados para empreender ações conjuntas de maior impacto. No caso do Brasil e de outros países latino-americanos, esses fóruns têm uma trajetória de quase 20 anos, assim como o Fórum E­cu­mê­ni­co Brasil (FE Brasil), constituído por igrejas cristãs, incluindo a católica romana, e organizações e­cu­mê­ni­cas. Uma das mais relevantes iniciativas do FE Brasil foram as Jornadas Ecumênicas. Esse evento mobiliza

e congrega cerca de 500 pessoas de diferentes expressões religiosas e movimentos sociais do país, sendo expressiva a presença de jovens e mulheres. A 3ª Jornada, realizada em 2006, teve uma dimensão continental, com participantes da América Latina e do Caribe. Essa atividade foi decisiva para a constituição do Fórum Ecu­mê­nico Sul-Americano (FESUL), fundado em meados de 2008 com a participação de organizações de quase todos os países da América do Sul. Atualmente, o FESUL é um espaço referencial para a cooperação ecu­mê­ ni­ca internacional, especialmente para a nova Aliança ACT (sigla em inglês: Action by Churches Together/Ação Conjunta de Igrejas). Essa aliança foi constituída a partir de janeiro de 2010, integrada por mais de cem igrejas, agências de cooperação e organizações ecumênicas, tanto do Norte como do Sul, e também pela Federação Luterana Mundial e pelo Conselho Mundial de Igrejas. A América Latina e o Caribe representam 20% da membresia desse novo organismo internacional, dedicado à ajuda humanitária, ao desenvolvimento e à incidência política. Para o FESUL, e no marco dessa nova aliança, novamente se coloca o desafio de aumentar o compromisso ecumênico em favor da justiça e da paz. Os esforços serão redobrados para que a próxima Jornada Ecu­mê­ ni­ca, a realizar-se em novembro deste ano no Brasil, em Itaici (SP), tendo como tema “O desafio dos direitos humanos e a promoção de um desenvolvimento transformador”, seja mais um passo importante para que outra região latino-americana e caribenha seja possível. N ELIANA ROLEMBERG é diretora executiva da Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE) em Salvador (BA)

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ESPIRITUALIDADE

Nos braços de Deus BENDITO SEJA DEUS, QUE NÃO ME REJEITA A ORAÇÃO, NEM APARTA DE MIM A SUA GRAÇA. SALMO 66.20

por Vera Cristina Weissheimer

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uando sentimos vontade de orar, é porque estamos com saudades de Deus. Isso explica por que saímos tão mais leves depois que nos permitimos entrar no silêncio da meditação e da oração. É quando estamos sós sem estar. É pena que nós ocidentais, como escreve Frei Betto, tenhamos tanta “dificuldade de orar devido ao nosso racionalismo. Em geral, ficamos na soleira da porta, entregues à oração que se apoia nos sentidos (música, dança, mirar vitrais ou paisagens etc.) ou na razão (fórmulas, leituras, reflexões etc.). Orar é entrar em relação de amor”. Temos fome e sede de Deus, necessitamos alimentar a nossa alma. Todos os dias, alimentamos nosso corpo e para isso não comemos qualquer coisa. Assim também não é um pão duro e seco que satisfaz nossa alma. O começo do dia é o momento de sentir a eternidade acarinhando nosso tempo regido por tantos ponteiros. Pode ser um bom começo de dia reservar alguns minutos para meditar pela manhã. Porque esse é o único momento do dia que verdadeiramente depende da gente. Esse começo podemos fazê-lo nosso. O resto do dia já não depende da gente; depende muito mais dos outros, do ônibus que atrasa, do congestionamento ou do médico que não atendeu no horário previsto... Orar é silêncio muito antes do que falar. Estamos inundados por barulhos e falações sem sentido. Deus não é surdo. “Como ocorre entre um casal, há níveis de aprofundamento entre o fiel e Deus. Uns oram como o namorado que fala demais no ouvido da namorada. Como se Deus fosse surdo e burro. Parece aquela tia que liga e fala tanto, tanto, que minha mãe deixa o fone, mexe a comida nas panelas e retorna sem que sua ausência seja percebida. Jesus sugeriu não multiplicar as


palavras. Deus conhece os nossos anseios e necessidades”, lembra Frei Betto. É preciso aquietar, Deus fala em nosso silêncio. Sabemos falar muito e eloquentemente sobre Deus, mas temos uma profunda dificuldade, talvez pelo nosso racionalismo ocidental, de deixar Deus falar em nós. Quando decidir orar, prepare o corpo. Tome um assento cômodo, observe a sua respiração. É ela que liga você à vida e é com ela que você está ligado com todos os seres vivos. Olhe com sobriedade os pedidos que costuma fazer dia após dia e verá que não necessita tudo o que pede. Experimente rir de suas reclamações e pedidos. Orar é deixar se transformar. O principal obstáculo para um caminho de oração é você mesmo. Você deve estar pronto para se deixar transformar, para desacelerar e deixar-se tocar. Quando você se sentir sozinho e não conseguir controlar seus pensamentos, quando não conseguir nem concentração para orar, diga a Deus: “Agora não consigo orar, perdoa-me e ajuda-me a encontrar sossego e tempo”. Isso já é um passo importante. Até mesmo os discípulos – que eram os discípulos – pediram a Jesus que os ensinasse a orar (Lucas 11.1). Por que nós não poderíamos admitir nossa falta de jeito?

O começo do dia é o momento de sentir a eternidade acarinhando nosso tempo regido por tantos ponteiros.

A gente dificilmente convence o outro de que a oração faz algum efeito na vida se não experimentar ele mesmo os efeitos. Então ore por essa pessoa. Orar é também interceder, é fazer-se instrumento diante de Deus em prol da vida de outras pessoas, algumas vezes de pessoas que não conhecemos. Interceder ajuda-nos a não centralizar nossas orações em nós mesmos. Afinal, não somos o umbigo do mundo. Numa pesquisa divul­gada pela revista Época em 1° de novembro de 1999, um hospital americano concluiu que as orações ajudam na recuperação de pessoas doentes. O hospital Saint Luke, de Kansas City, convocou grupos evangélicos para rezar por alguns de seus pacientes. Cerca de 990 pessoas internadas na unidade car­dio­lógica participaram da experiência. O grupo brindado pelas preces teve 10% menos complicações em relação aos demais pacientes. O médico William Harris admite que a sondagem é limitada, porque não é possível computar, por exemplo, a prece de amigos e parentes. Nós, no entanto, não precisamos de comprovação científica. Simplesmente cremos, sentimos e sabemos que a oração é um importante alimento não só para alma, mas também para o corpo. Somos filhos e filhas necessitados do abraço amoroso do Pai, que, apesar de todos os nossos caminhos tortos, acolhe-nos em sua profunda misericórdia e amor. Afinal, “Deus é amor” (1 João 4.8). Eu entendo que o tempo é corrido. Mas não é o mundo que está correndo. Esse continua com o mesmo movimento de rotação e translação de sempre. Talvez a pressa esteja em você. Permita que esse Deus, materno pai, tome você nos braços. N VERA CRISTINA WEISSHEIMER é teóloga, obreira da IECLB e capelã do Hospital Alemão Oswaldo Cruz em São Paulo (SP) NOVOLHAR.COM.BR –> Jul/Ago 2010

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penúltima palavra

E por falar em amor... UMA PESSOA, PARA SER INCLUÍDA NEStE MUNDO, PRECISA SENTIR-SE SEGURA E AMADA NO ÚTERO MATERNO, PORQUE TAL PROTEÇÃO É O PRIMEIRO SINAL DE QUE A SOCIEDADE IRÁ RECEBÊ-La. por Márcia Gori

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uando tocamos nos delicados assuntos inclusão, diversidade, direitos, de­pa­ramo-nos com algo que chama a atenção: o quanto estamos distantes do modelo ideal de uma sociedade justa para todos. Sempre estou às voltas com todo tipo de histórias de pessoas com deficiências, momentos únicos vividos por mim, que me trazem impressões e reflexões profundas sobre o ser humano, seu modo de pensar e ver a vida, e deparo-me então com várias circunstâncias que me fazem refletir sobre o valor dessas. A deficiência vem mais como uma situação na vida do indivíduo, uma forma de desafio para experimentar sua resistência e resiliência diante de situações que são impostas para a sua sobrevivência. Sempre digo que uma pessoa, para ser incluída neste mundo, precisa sen-

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tir-se segura e amada no útero materno, porque essa proteção é o primeiro sinal de que a sociedade lhe acena para sua chegada como ser humano completo e absoluto. Quando ocorre essa “aceitação”, tudo se torna mais fácil e tranquilo para suas conquistas e sonhos, pois já sentiu o calor, o amor e o afeto da segurança, trazendo a auto­es­ti­ma de que tanto necessita para sair fortalecido diante dos obstáculos. Um dia desses, perguntaram-me se era difícil ser deficiente, ter uma vida tão limitada. Respondi com toda a simplicidade: Não! Difícil é lutar contra o preconceito, sentir o olhar de desdém porque não nos acham merecedores de nada... Nessas horas, sinto o peso de cada dificuldade pela qual passamos para superar as adversidades. Mas vamos em frente, para não parecer piegas diante do mundo... porque a pieguice não faz parte de nosso mundo interior, pois se trata de algo

ruim que destrói qualquer pessoa, com fraturas imensas em sua autoestima e muitas vezes irreparáveis. A novela “Viver a vida”, da TV Globo, acabou trazendo-nos novamente à realidade. E agora o tema da pessoa com deficiência continuará nas rodas de conversa? Será que todas nós somos iguais à princesinha Lu (como todos a chamavam carinhosamente)? Espero que sim... Que continuemos nas rodas de conversa e que cada uma de nós tenha uma Lu dentro de si mesma, com vontade de viver, de vencer os obstáculos para crescer e tornar-se digna da felicidade plena. O amor é algo sublime, que impulsiona o ser humano para frente, que traz a melhoria de seus pensamentos e de seus atos. O amor é renúncia em várias ocasiões de si mesmo para beneficiar o outro. Ter um filho ou uma filha com deficiência é a expressão desse amor celestial e divino, pois sempre e eter­namente haverá a renúncia de si mesmo para trazer o bem-estar do seu rebento. É nesse momento que teremos asas e seremos anjos aos olhos de Deus, porque entenderemos na essência o significado da palavra “amor”. N Márcia Gori é bacharel em Direito e professora, Conselheira Estadual do CEAPcD/SP, presidente do Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência e funcionária pública da Secretaria Municipal da Assistência Social em São José do Rio Preto (SP)



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