Ler faz crescer - Revista Novolhar, Ano 9, Número 37, Janeiro e Fevereiro, 2011

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CPAD


10 a 23 capa

Ler faz crescer

Passaporte para o conhecimento. Mais livros, menos silicone. Compromisso com a cultura. Um livro em cada parada. Leitura e internet. Contação de histórias. Por um Brasil leitor.

ÍNDICE

36 PAUL McCARTNEY

Um super-herói de carne e osso

Ano 9 –> Número 37 –> Janeiro/Fevereiro 2011

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A versão americana do Bolsa Família

O site Wikileaks e os telhados de vidro

Onde estão os homens?

AÇÃO SOCIAL

COMUNICAÇÃO

aborto

SEÇÕES

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SAÚDE

Os comedores de luz

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OLHAR COM ARTE El Gran Predador Flávio Scholles

ÚLTIMA HORA > 6 NOvolhar sobre > 6 notas ecumênicas > 8 REflexão > 26 REtratos > 28 nós e aids > 30 fábulas de esopo > 32 ESPIRITUALIDADE > 40 PENÚLTIMA PALAVRA > 42 NOVOLHAR.COM.BR –> Jan/Fev 2011

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AO LEITOR Revista bimestral da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil-IECLB, editada e distribuída pela Editora Sinodal CNPJ 09278990/0002-80 ISSN 1679-9052

Diretor Walter Altmann Coordenador Eloy Teckemeier Redator João Artur Müller da Silva Editor Clovis Horst Lindner Jornalista responsável Eloy Teckemeier (Reg. Prof. 11.408) Conselho editorial Clovis Horst Lindner, Doris Helena Schaun Gerber, Eloy Teckemeier, João Artur Müller da Silva, Marcelo Schneider, Olga Farina, Vera Regina Waskow e Walter Altmann. Arte e diagramação Clovis Horst Lindner Criação e tratamento de imagens Mythos Comunicação - Blumenau/SC Capa Arte: Roberto Soares Impressão Gráfica e Editora Pallotti Colaboradores desta edição Angela Lenke, Carine Fernandes, Edson Ponick, Eduardo Campaña, Luciana Thomé, Marcelo Schneider, Nana Toledo, Nelson Kilpp, Paula Oliveira, Rose Helena Miliszewski, Rui Bender, Silvana Isabel Francisco, Silvio Iung e Tânia Cristina Weimer. Publicidade Editora Sinodal Fone/Fax: (51) 3037.2366 E-mail: editora@editorasinodal.com.br Assinaturas Editora Sinodal Fone/Fax: (51) 3037.2366 E-mail: novolhar@editorasinodal.com.br www.novolhar.com.br Assinatura anual: R$ 27,00 Correspondência E-mail: novolhar@editorasinodal.com.br Rua Amadeo Rossi, 467 93030-220 São Leopoldo/RS

É tempo de ler

A

importância da leitura é indiscutível. Os benefícios deste hábito milenar não suscitam discussão. Mas existe um grupo considerável de gente que não pratica a leitura e nem lhe dá o devido valor. Não se beneficiam do contato com outros pensamentos, com informações confiáveis, não crescem profissionalmente e nem mesmo têm prazer em viajar pelas páginas de um romance ou de um relato fascinante de um viajante. A Novolhar, comprometida com o hábito de leitura, apresenta nesta edição reflexões e informações sobre o valor e a importância da presença deste hábito na vida das pessoas desde pequenas até seus últimos dias de vida. Contar histórias às pequenas crianças, ouvir histórias em sala de aula, ler em voz alta para quem já não pode mais ler são formas consagradas de leitura. “Por meio da leitura, a criança desenvolve a criatividade, a imaginação e adquire cultura, conhecimentos e valores”, diz Márcia Tim, professora de literatura do Colégio Augusto Laranja, de São Paulo (SP). Faltam palavras para definir o ato de ler, pois ele vai além dos conceitos descritos por palavras. Cada leitor tem sua definição de leitura. Por exemplo, para Marô Barbieri, professora, escritora e leitora, “ler é olhar pra fora, é compreender o humano que existe no dia a dia ou no mundo da fantasia. É compartilhar conhecimento, sensibilidade, expectativas. Em qualquer suporte, o ato de ler é uma extensão do pensar. Por isso a leitura é tão importante na minha vida. Porque pensar a vida e pensar-se na vida me ajuda a ser e a viver melhor”. Em 2011, há novidades nas páginas da Novolhar. Duas novas seções – Nós e AIDS e Fábulas de Esopo – querem cativar sua atenção. A pandemia da AIDS preocupa, e todos nós precisamos estar bem-informados e construir redes de apoio às pessoas soropositivas. As fábulas de Esopo integram o patrimônio cultural da nossa civilização. As suas lições não possuem prazo de validade. As novas gerações de leitores precisam aprender com elas valores e sentidos para o seu viver. Equipe da Novolhar

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DESTAQUE

LIVROS DA SINODAL

Nova presidência na IECLB

Pastor Nestor Friedrich (C) foi investido na Presidência da IECLB, junto dos vice-presidentes Carlos Moeller (E) e Silvia Genz Tiago Trindade

por Angela Lenke

Coerência e solidez teológica, missão, gestão de cuidado e contato com ministros, ministras e campos de trabalho são as três ênfases que o novo pastor presidente da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), Nestor Friedrich, pretende imprimir nos quatro anos em que estará à frente da denominação. Friedrich foi investido no cargo em culto solene, na noite de 19 de dezembro em Porto Alegre. O prefeito da capital gaúcha, José Fortunati, o arcebispo metropolitano, dom Dadeus Grings, e líderes e representantes de igrejas e

organismos ecumênicos presenciaram o ato de investidura. Junto com o novo pastor presidente também foram investidos nos cargos os demais ocupantes da nova Presidência da IECLB. Eleita no Concílio de outubro, a presidência da IECLB está integrada também pelo pastor primeiro vicepresidente, Carlos Augusto Moeller, e a pastora Silvia Genz, segunda vicepresidente. Primeira mulher a ocupar cargo na direção superior da igreja, Sílvia foi homenageada e recebeu mensagens de apoio de grupos de mulheres de diversas regiões do país.

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Espaço do leitor Sua opinião é muito importante para nós aqui na redação da Novolhar. Por isso escreva-nos e diga o que pensa sobre os artigos e as temáticas abordadas. Mande-nos um e-mail para novolhar@editorasinodal. com.br ou entre em contato através de nossas redes sociais, buscando a Editora Sinodal no

Tema da próxima edição

A edição nº 38, de Março/Abril de 2011, terá como tema de capa INTERNET e a sua influência sobre a família, a escola e a sociedade.

Existem muitas formas de adquirir lições de vida, mas somente nos deixamos convencer quando ouvimos mensagens sábias, profundamente ligadas à fé e ao contexto onde vivemos. Após ler o livro, novas ideias surgiram, grupos puderam ser contemplados com histórias magníficas e eu também fui alvo de reflexões pessoais, mudança de conceitos e valores. Este livro foi escrito por muitas pessoas, resultando em diversidade de temas e pontos de vista da análise da realidade. “Um olhar para o vale” pode ser companheiro de reflexões para quem exerce cargo de liderança, mas também para quem deseja aprender mais. Nada melhor do que ter um bom livro que nos acompanha quando queremos relaxar, mergulhar num mundo cheio de encanto e sabedoria; um livro que nos leve de volta para o caminho certo e nos faça lembrar que, enquanto sentimos medo e insegurança, Deus nos salva, protege e está sempre por perto. Destaco duas mensagens: “Asas de amor” – fala da águia e seu filhote e a maneira como ela o educa para a autonomia; “Sempre por perto” – relato sobre o menino índio, levado à mata ao anoitecer e, com os olhos vendados, enfrenta a escuridão da noite até o sol nascer para então perceber que, na verdade, ele não estava sozinho, mas seu pai estava por perto. Vale a pena conferir! ANGELA LENKE é teóloga e ministra da IECLB em Novo Hamburgo (RS) NOVOLHAR.COM.BR –> Jan/Fev 2011

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AMA e Unimed firmam parceria

Assembleia de Deus da Bahia contrata Luterprev

A Associação de Mútuo Auxílio (AMA) e a Unimed Federação assinaram o convênio AMA-Auxílio Fraternal, em Porto Alegre, no dia 9 de dezembro. No encontro, a AMA estava representada pelo presidente, pastor Rui Bernhard, pelo pastor presidente eleito da IECLB, Nestor Friedrich, e pelo pastor Anildo Wilbert. Pela Unimed estavam presentes Dr. Nilso Zaffari, vice-presidente estadual (RS), Dr. Belmir Bruno Barizon, diretor financeiro, e Dr. Norton Tadeu Goulart, diretor de mercado. Para Dr. Nilso, firmar esse convênio com uma associação que dará auxílio e proteção aos ministros e colaboradores da IECLB é uma grande satisfação. O pastor Bernhard salientou que o objetivo da Associação é que as duas entidades se tornem parceiras em outros projetos.

A Luterprev assinou um acordo de planos de previdência privada – aposentadoria e pecúlio – com a Convenção das Igrejas Evangélicas Assembleia de Deus no Estado da Bahia (CEADEB), representando a inclusão de mais de mil segurados em uma só operação. Organização independente, não ligada a bancos, a Luterprev teve sua criação patrocinada pela Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), o que fez do mercado luterano seu foco inicial, posteriormente alcançando representatividade também na área corporativa. Com a assinatura do acordo, a Luterprev assume a previdência privada dos 1.046 ministros da entidade baiana, sendo 768 pastores e 278 evangelistas. Até agora, a questão era gerida internamente pela CeadebPrev, que permanece ativa, porém atuando como parceira da Luterprev. A Ceadeb optou por adquirir planos de forma 100% instituída, modalidade na qual se responsabiliza pela totalidade dos pagamentos para seus segurados. O acordo foi assinado em Salvador, na Bahia, pelo diretor-geral da Luterprev, Everson Oppermann, e pelo presidente da CeadebPrev, pastor Mario Benedito da Silva.

Divulgação Novolhar

por Rose Helena Miliszewski

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Diretor geral da Luterprev, Everson Oppermann (E), assinou o acordo de aposentadoria e pecúlio com Mário Benedito da Silva, presidente da Ceadebprev

Alergia ao sol

novolhar sobre

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Samuel Júnior

última hora

O sol é a fonte de energia fundamental que permite a existência da vida na Terra. Quase todos os ciclos biológicos dependem da luz visível, radiação infravermelha e radiação ultravioleta. O progressivo aumento das atividades ao ar livre, as constantes migrações (pessoas claras vivendo nos trópicos) e a cultura (bronzeamento) facilitaram o surgimento do envelhecimento da pele, do câncer de pele e da alergia ao sol. A queimadura solar constitui uma resposta inflamatória aguda da pele, que se desenvolve depois da exposição à radiação ultravioleta emitida pela luz solar. A queimadura caracteriza-se por eritema (vermelhidão), edema (inchaço), dor e, nos casos graves, bolhas. Com o tempo, as exposições repetidas e crônicas à luz solar provocam alterações cutâneas degenerativas. A fotoalergia (alergia ao sol) consiste no aumento da reatividade cutânea à luz ultravioleta. Pode ocorrer em indivíduos previamente sensibilizados por drogas (medicamentos em uso) e radiação, podendo persistir a sensibilidade ao sol por toda a vida, desde eritema até eczema com bolhas. As medidas profiláticas contra o eritema solar incluem a necessidade de exposição gradual ao sol, evitando horários das 10h às 16h (maior incidência de radiação ultravioleta-UVB) e o uso de tópicos físicos (roupas, bonés, chapéu) e químicos (protetores solares), que absorvem a radiação solar (UVA e UVB). Seja creme, loção ou gel indicado para seu tipo de pele, o uso diário de protetor solar é fundamental para a prevenção de doenças de pele derivadas da exposição cumulativa ao sol. ROSE HELENA MILISZEWSKI é dermatologista em São Leopoldo (RS)


está na agenda

Fórum Social Senegalês

O Fórum Social Mundial realiza-se em Dacar, Senegal, de 6 a 11 de fevereiro de 2011, com a participação de dezenas de milhares de ativistas antiglobalização da África e de todo o mundo. Com enfoque na história de resistência e luta dos povos africanos, o FSM 2011 deve encontrar a interface necessária com as lutas e as estratégias globais comuns à África, ao Sul e ao resto do mundo. Para os organizadores, o retorno do FSM à África expressa a solidariedade ativa do movimento social internacional, apoio bem-vindo já que “a África corre o risco de pagar pela crise atual do capitalismo, já estando enfraquecida pelos programas de ajustes estruturais da década de 1980 e 1990”. Visite o site oficial: http://fsm2011.org/br

Curso de Pastoral e Gênero

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Gênero: justiça, paz e integridade da criação é o tema do Curso de Pastoral e Relações de Gênero, promovido pelo Centro Ecumênico de Serviços à Evan­ge­li­za­ção e Educação Popular (CESEP), que acontece de 23 de janeiro a 12 de fevereiro de 2011 em São Paulo (SP). Informções: www.cesep.org.br

Oficina de software

O curso técnico em Composição e Arranjo da Faculdades EST oferece a Oficina de Software de Editoração de Partituras, com início das aulas agendado para 28 de fevereiro. A proposta da oficina, que conta com carga horária de 36 horas, é capacitar o estudante para a elaboração e transcrição de projetos gráficos através dos softwares de editoração Finale e Encore. Inscrições: www.est.edu.br – até o dia 18 de fevereiro. Informações pelo fone: (51) 2111-1486

olhar com humor

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Notas ecumênicas

Divulgação Novolhar

Tema para 2011

Fotos: Divulgação

Solidariedade “Ainda hoje, os haitianos dormem sob lonas de campanha. Nossos pensamentos e orações vão para os irmãos haitianos em sua situação de tanta vulnerabilidade.” José Luis Escobar, arcebispo da Igreja Católica de San Salvador, capital de El Salvador

Alerta

O fechamento ao diálogo dá abertura para fundamentalismos – declaração do teólogo Marcelo Schneider, da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, em recente Seminário sobre Ecumenismo e Diálogo Inter-Religioso, promovido pelo Conselho Nacional de Igrejas Cristãs em São Paulo.

Esperança A consulta internacional sobre as relações islamitas-cristãs, realizada em Genebra, propõe a formação de um grupo de trabalho misto que possa mobilizar-se com rapidez em casos de ameaça ou crise que possam provocar conflito entre as duas religiões. O Conselho Mundial de Igrejas (CMI), a Associação Mundial da Dawa Islâmica e o Real Instituto Aal al-Bayt coordenarão o projeto conjunto com o objetivo de promover o intercâmbio de experiências, de “viver juntos de forma construtiva em sociedades plurais” e de compartilhar as melhores práticas sobre a construção de “uma cultura de diálogo e cooperação inter-religiosos”.

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“Paz na Criação de Deus – Esperança e Compromisso” é o tema do ano de 2011 da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).

Ajuda humanitária A Igreja Evangélica Luterana na América destinou 50 mil dólares (cerca de 85 mil reais) de ajuda aos haitianos depois da passagem do furacão Tomás. Os recursos foram remetidos ao fundo para desastres internacionais da Federação Luterana Mundial. Cerca de 1,3 milhão de haitianos vivem sob lonas de plástico. Esse é o contingente de desalojados pelo terremoto de janeiro de 2010, que destruiu comunidades inteiras na parte ocidental do país e ceifou 230 mil vidas.

Comunicadores luteranos

A assembleia do Fórum Luterano de Comunicadores (FLC), realizada em novembro de 2010, elegeu para o biênio 2011-2012 o pastor Rony Ricardo Marquardt como coordenador, Artur Sanfelice Nunes como vice-coordenador, Tatiana Sodré como secretária e Heitor Meurer como tesoureiro. Rony é o representante do FLC no consórcio mantenedor da Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação (ALC), com sede em Buenos Aires, Argentina.


Dimensão espiritual

“À medida que trabalhamos para promover e proteger os direitos humanos das pessoas com HIV ou afetadas pela pandemia ou dos que são vulneráveis à infecção, devemos também reconhecer a dimensão espiritual que nos chama a trabalhar pela justiça e tratar todas as pessoas como irmãs e irmãos e a atuar partindo dessa dimensão.” Comunicado da Aliança Ecumênica de Ação Mundial (AEAM)

Dignidade “O trabalho por um mundo melhor constitui uma parte intrínseca do culto da igreja a Deus. Quando levamos a cabo ações de justiça, de paz e de dar de comer aos famintos, estamos realizando atos que engrandecem a Deus, porque eles engrandecem a dignidade de cada ser humano.” Pastor Olav Fykse Tveit, secretário-geral do Conselho Mundial de Iglesias (CMI) em Genebra, Suíça.

“Reafirmamos que as diversas formas de vida não necessitam de organismos geneticamente modificados e agrotóxicos para a garantia de segurança, soberania e suficiência alimentar e nutricional.” Trecho da carta do Seminário Soberania e Segurança Alimentar às comunidades luteranas no Brasil

dica cultural

Os bastidores da imigração alemã A história da imigração alemã no Brasil e a história do luteranismo começaram a ser escritas quando os descendentes desses imigrantes haviam alcançado bem-estar econômico. Passou-se então a destacar seu empreen­de­do­rismo, criando um senso comum acerca de sua operosidade, excelência em cultura, forte religiosidade... Esse tipo de senso comum cria silêncios e silenciamentos. Assim, boa parte dos primeiros imigrantes luteranos foi silenciada. Em seu esforço para conseguir soldados para os batalhões de estrangeiros de D. Pedro I e povoadores para o Rio Grande do Sul, no entanto, o major Jorge Antônio von Schaeffer contratou populações pobres nos estados e cidades alemãs, incluindo sentenciados de casas de trabalho e penitenciárias, quase sempre omitidas pela historiografia tradicional. Nessa obra, a história da imigração encontra-se consigo mesma ao recuperar a trajetória dos primeiros imigrantes conduzidos ao Brasil e lhes faz justiça. Sua memória é documentada ao colocá-los no cenário dos interesses internacionais. Ao afrontar silêncios, dá voz aos silenciados.

Degredados de Mecklenburg-Schwerin e os Primórdios da Imigração Alemã no Brasil – Sträflinge aus Mecklenburg-Schwerin und die Anfänge deutscher Einwanderung in Brasilien. São Leopoldo: Oikos, 2010 – Martin N. Dreher NOVOLHAR.COM.BR –> Jan/Fev 2011

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CAPA

Passaporte para o conhecimento

Piotr Lewandowski

Ler é uma paixão que começa dentro de casa e abre portas para o conhecimento e uma vida melhor. Os primeiros passos para criar o hábito da leitura podem ser dados ainda na infância. Mas sempre é tempo de começar a ler.

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Ler, e aqui incluo qualquer suporte que contenha palavras, me ensinou a escrever e a pensar; a desenvolver o raciocínio e a argumentação; fez-me entender que ninguém é dono da verdade, uma vez que a verdade absoluta não existe; deu-me a suficiente visão crítica para descobrir o mundo, e tudo o que ele contém, e nele perceber o que pode ser feito acerca do que nos envolve. Ler foi o melhor dos presentes. Resta encontrar a melhor forma de agradecer.

Sergio Napp – escritor, letrista e leitor

por Luciana Thomé

O

ato de compreender a reunião de letras que formam palavras, que, por sua vez, criam frases, compostas de parágrafos que constroem textos e mais textos, deve ultrapassar o conceito de leitura. Ler é mais do que isso. Ler é, acima de tudo, obter conhecimento, estudar, aprender sobre um tema, desenvolver uma opinião, situar seu papel no mundo, conhecer novas histórias. A partir da tradição oral, o homem passou a usar a escrita e criou meios como o livro para transmitir suas mensagens. Mas vamos além das bibliotecas: para os apaixonados pela leitura vale tudo. Até bula de remédio. Porque ler é ter um passaporte automático diante dos olhos, que nos leva a outros mundos e nos faz melhores. Ler é uma paixão que começa dentro de casa e apresenta-nos ideias em livros, revistas, manuscritos, panfletos,

tela do computador, e-book... E você: o que está lendo ultimamente? No Brasil, o Instituto Pró-Livro (IPL) organiza uma pesquisa para avaliar os hábitos de leitura e indicar como e por que a população lê. Com coordenação do Observatório do Livro e da Leitura e execução do Ibope Inteligência, o objetivo é contribuir no estudo do impacto das políticas de leitura, identificando as que trazem resultado, indicando tendências para orientar o mercado, mensurando o valor social que os cidadãos brasileiros atribuem à leitura e ao livro e descobrindo quem é esse leitor e como ele acessa o livro. A pesquisa, intitulada “Retratos da Leitura no Brasil”, foi publicada e distribuída pela primeira vez em 2001, realizada pela Câmara Brasileira do Livro (CBL). Em 2008, a segunda edição trouxe dados que ajudaram a construir ainda mais o perfil do leitor. Para o levantamento das informações, foram

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realizadas mais de cinco mil entrevistas domiciliares em todos os estados. Há uma grande parcela da população que desconhece os materiais de leitura, pois ainda existe um claro problema de acesso, especialmente ao livro. A pesquisa destaca que, mesmo tendo o livro por perto, a ligação com o leitor é vazia. Em seu tempo livre, os

entrevistados destacaram que gostam de ver televisão, ouvir música e ouvir rádio, deixando os livros em quarto lugar no quesito lazer. Além disso, as dificuldades de leitura declaradas configuram um quadro de má-formação escolar, decorrente da fragilidade do processo educacional: 17% dos entrevistados

A leitura é importante porque ela me tira do meu lugar de conforto, isto é, do meu ponto de vista, e me força goela abaixo a visão de mundo de um outro narrador. Devemos sempre ser gratos às coisas que nos tiram de nós, como os livros. Antônio Xerxenesky – mestrando em Literatura, escritor e leitor

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leem muito devagar, 17% não compreendem o que leem, 7% não têm paciência para ler e 7% não têm concentração. Os não-leitores são mais velhos e têm baixa ou nenhuma escolaridade. Mais de 20 milhões das pessoas que não leem são analfabetas. E 27 milhões apenas cursaram até a 4ª série do ensino fundamental. Um levantamento da revista britânica The Economist destaca o Brasil como “um país de não-leitores”. Segundo a publicação, o brasileiro médio lê 1,8 livros não-acadêmicos por ano – menos da metade do que se lê nos Estados Unidos ou na Europa. O texto também sinaliza que, numa recente pesquisa sobre hábitos de leitura, ficamos em 27º lugar em um ranking de 30 países, gastando 5,2 horas por semana com um livro. Os nossos vizinhos argentinos ficaram na 18ª colocação.


Na falta de crença mais formal, atribuo à literatura uma espécie de poder restaurador do melhor que há em mim. Mesmo que esse melhor não seja grande coisa, quando estou em dia com a leitura, vivo também mais pleno. Gustavo Machado – jornalista, escritor e leitor

como leitor quem declarou ter lido pelo menos um livro nos três meses anteriores. Do universo pes­qui­sa­do, 55% foram considerados leitores e, entre esses, um terço afirmou ler frequentemente. Entre o grupo de leitores, algumas informações levantadas esboçam as características principais do leitor brasileiro: 79% têm formação superior; 50% são estudantes; 55% são mulheres; 7% indicaram que estavam lendo a Bíblia.

A pesquisa “Retratos da Leitura” apontou que a maior frequência de leitores está na Região Sul do Brasil. E que as preferências de leitura estão em revistas (52%), livros (50%), jornais (48%) e livros indicados pelas escolas (34%). Entre os gêneros mais citados estão Bíblia (45%), livros didáticos (34%), romances (32%) e literatura infantil (31%).

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Valorização da leitura – Mesmo com o quadro inicial desanimador, muitas ações governamentais ou privadas trabalham para incentivar a leitura. O retorno potencial pode e deve encontrar eco nos atuais ou futuros leitores: na pesquisa “Retratos da Leitura”, três em cada quatro pessoas destacaram que a leitura tem um significado positivo. Para 26%, ela significa conhecimento, para 8% é algo importante, para outros 8% é crescimento profissional e 5% classificaram a leitura como sinônimo de sabedoria. Também é importante ressaltar: um em cada três brasileiros conhece alguém que venceu na vida graças à leitura. Quase metade dos entrevistados afirma sem titubear: a leitura é uma fonte de conhecimento para a vida. E quem pode ser considerado efetivamente um leitor? A pesquisa identificou

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A minha vida é o resultado dos livros que li, das viagens que fiz e das mulheres que amei. Nessa ordem. Com a vantagem extra de que os livros nunca me fizeram perder o rumo. Nem me deixaram andando em círculos.

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Airton Ortiz – jornalista, escritor e leitor

Influenciadores – A escola cumpre um papel importante no desenvolvimento do gosto pessoal pela leitura e, principalmente, na tarefa de reverter o índice de não-leitores no Brasil. No entanto, muitos entrevistados citaram a mãe ou responsável mulher dentro do domicílio como a principal influenciadora e incen­ti­va­do­ra do hábito da leitura (49%). Em segundo lugar, é citada a professora e, em terceiro, o pai ou responsável homem. As estatísticas também apontam que três de cada quatro brasileiros não frequentam bibliotecas. Cerca de 85% da população estudada afirmaram possuir pelo menos um livro em casa. A média nacional é de 25 livros por residência. E as formas de acesso mais citadas são o empréstimo e a compra. Entre os compradores, a

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média foi de 5,4 livros adquiridos por ano. A média nacional fica com 1,2 livros por habitante por ano. A pesquisa completa está em www. prolivro.org.br. Bem-estar – A leitura, quando de­s envolvida como hábito, pode gerar uma série de benefícios, que, além do aumento do vocabulário e do aprimoramento das expressões oral e escrita, representa também melhoria na saúde. Além disso, incentivar o gosto pela leitura ainda na infância passa pelo estabelecimento de uma relação agradável entre as crianças e os livros. E os adultos podem cumprir esse papel. Para quem é leitor e leitora, os benefícios são a ampliação do vocabulário; maior facilidade para argumentar e debater assuntos; maior poder de

Como criar o hábito da leitura Leia assuntos e histórias de seu interesse. Procure livros com temas que o interessam. Crie um ambiente adequado, sem barulho e com luz apropriada. Para a criança: Promova visitas à biblioteca e leve-a para escolher e comprar livros. Respeite as indicações de faixa etária nos livros. Não obrigue a criança a ler. Ela deve descobrir e desenvolver o prazer da leitura. Dê o exemplo: leia junto para incentivar o hábito na criança.

concentração; sensação de relaxamento com a leitura; mais habilidade na expressão escrita. A leitura, independente do meio, irá acompanhar a pessoa por muito tempo. Seja nos impressos, como livros e manuais, seja nos digitais, como e-readers ou internet. E termino com uma saudação a você, leitor, que me acompanhou até aqui: Obrigada! Esta matéria foi intercalada com depoimentos de profissionais que trabalham com a palavra e com os livros, fornecendo depoimentos apaixonados de suas relações com a leitura. Espero que isso possa incentivá-lo a incrementar ainda mais suas leituras. Boas viagens nos livros e nos textos! N LUCIANA THOMÉ é jornalista em Porto Alegre (RS)


CAPA

Mais livros, menos silicone por Silvana Isabel Francisco

E

m 2011, mais de vinte milhões de estudantes serão beneficiados pelo Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) do Ministério da Educação (MEC): sete milhões de livros de literatura serão enviados para escolas públicas de ensino fundamental (49.799 unidades de ensino do 6º ao 9º ano) e de ensino médio (17.830 escolas), segundo o MEC. Desde que foi criado em 1997, esse programa avalia e seleciona anualmente obras de literatura para a composi-

ção de acervos que são distribuídos a todas as escolas públicas do país. As ações desse programa contam com o apoio logístico das próprias escolas públicas, prefeituras, secretarias estaduais e municipais de educação. Em 2010, cerca de 24 milhões de alunos foram beneficiados com livros distribuídos pelo PNBE. Foram 10,7 milhões de livros para todas as escolas públicas da educação infantil (86.379 escolas), do ensino fundamental (122.742 escolas do 1º ao 5º ano) e da educação de jovens e adultos (39.696

escolas), segundo dados do Ministério. Os acervos são compostos por títulos de poemas, contos, crônicas, teatro, textos de tradição popular, romances, memórias, biografias, ensaios, histórias em quadrinhos e obras clássicas. Roseli Montero, professora da rede pública de São Paulo, comenta que os livros enviados pelo MEC são muito bem selecionados e bonitos. Acabam fazendo parte do processo de cultivo do hábito de leitura dos estudantes. “Eu e alguns professores adotamos o hábito de fazer uma leitura em voz alta para a classe antes de começar a aula. Trata-se de uma leitura de fruição, sem nenhum objetivo de cobrança. Funciona, eles gostam e cobram quando a gente não faz”, conta Roseli. Além disso, os alunos de sua escola também costumam fazer rodas de leitura, momentos de trocas de opinião e empréstimo de livros. Ana Luísa Vieira, estudante de uma escola pública de Brasília, tem por hábito

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Silvana Francisco

RODAS DE LEITURA: Os alunos costumam fazer trocas de opinião e empréstimo de livros

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utilizar os livros da biblioteca de sua instituição por orientação de sua professora. Ela afirma: “Toda semana pego mais de um para ler. Adoro fazer isso!” Outra ação do MEC referente ao incentivo do hábito da leitura em escolas públicas, além do PNBE, é o encaminhamento às escolas, junto com os acervos, de publicações de apoio que apresentam resenhas das obras e sugestões de como desenvolver estratégias de leitura que envolvam e cativem os alunos. Também são elaboradas e enviadas às escolas estudos e pesquisas sobre as bibliotecas escolares da rede pública, além de obras teórico-metodológicas sobre leitura, literatura e biblioteca. “A partir de 2011, serão im­ple­ men­ta­dos cursos de Mediadores de Leitura em parceria com universidades públicas, que têm por objetivo formar professores em exercício (formação continuada) interessados em desenvolver em seus alunos o interesse pela leitura, não só literária, mas também de textos informativos, entre outros”, informa Cecília Sobreira de Sampaio, da Coordenação Geral de Materiais Didáticos da Secretaria de Educação Básica do MEC. A professora Roseli dá algumas sugestões ao MEC para reforçar ainda mais o cultivo do hábito da leitura junto aos estudantes: “Acho que deveriam financiar as emissoras de TV para dar livros de presente em programas de prêmios. Deveria haver uma verba específica também para inserir merchandising em novelas e programas de grande audiência, nos quais os denominados saradões e barbie girls lessem também, para tentar lançar a ‘moda da leitura’ em vez da moda do silicone nos peitos”. N SILVANA ISABEL FRANCISCO é jornalista em Brasília (DF)

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Fotos: Rui Bender

CAPA

MORRO REUTER: Obelisco de livros simboliza comprometimento com a leitura

Compromisso com a cultura por Rui Bender

A

beleza exuberante da “rota romântica” na encosta da serra gaúcha compara-se ao espetáculo da mo­bi­li­ za­ção em prol da leitura nessa região que inspira romantismo. Há vários anos, dois pequenos municípios – Morro Reuter e Picada Café – investem esforços e recursos em projetos de promoção da leitura. E os resultados estão aparecendo. Confirma-se

naquela região uma verdadeira vocação para a leitura. Não é à toa que Morro Reuter é considerado o município mais alfabetizado do Rio Grande do Sul. A importância que se dá ali à leitura está materializada no monumento que fica na entrada da cidade, às margens da BR-116: um obelisco formado por uma pilha de 72 livros, que atinge uma altura de 11 metros. “Esse obe­


lis­co simboliza um compromisso com a leitura por parte da comunidade”, salienta a professora Cristiane Hinterholz, que já foi secretária de Educação e Cultura do município. Cristiane reconhece que “a escola precisa promover a leitura todos os dias”. Nesse esforço, o professor assume um papel importante. Ele tem que servir de exemplo para vender a ideia da leitura. A professora reconhece que se está colhendo os frutos desse investimento nos últimos anos: os jovens questionam mais. “Pois a leitura liberta”, entende Cristiane. “Respirar leitura faz parte do processo de crescimento humano”, acrescenta. Morro Reuter não está sozinho. Picada Café trilha o mesmo caminho. Hoje é o único município gaúcho que paga uma profissional para trabalhar com políticas de leitura: Noia Kern é assessora da secretária de Educação, Cultura, Desporto e Turismo de Picada Café, Carla Chamorro. Carla reconhece que, através da leitura, se pode alcançar uma qualidade de vida melhor. “Pois isso dá condições de compreender as mudanças na sociedade e refletir sobre elas”, descreve. Mas o professor precisa entrar nesse processo. Por isso Noia pensa em parceria com os professores o desenvolvimento do hábito da leitura. O livro é lúdico, mas não deixa de ser importante no processo de ensino. Por outro lado, a secretaria também busca formar uma comunidade leitora. Como resultado de seu investimento na leitura, Picada Café já saboreou algumas recompensas. Por exemplo, conquistou o Fato Literário de 2007 com o Projeto Ler em Casa. O Fato Literário tem como objetivo reconhecer a entidade, pessoa, obra ou evento que contribuiu para a projeção da literatura no Rio Grande do Sul. O Ler em Casa foi inspirado naquelas capelinhas religiosas que circulam

entre as famílias católicas. Assim, cada família interessada recebe uma sacola que contém diversas obras e contempla leitores de diferentes idades. O rodízio da sacola é feito entre famílias do mesmo bairro. São 25 sacolas com 30 livros cada uma; cada sacola fica dois dias com uma família. Também há um projeto que busca levar as pessoas para visitas à biblioteca municipal: é o Expresso da Leitura. Uma vez por semana, um micro-ônibus passa pela cidade e recolhe crianças e leitores de todas as idades para uma visita à biblioteca. Os passageiros são guiados por um “mor­do­mo da leitura”, que provoca o apetite pela leitura com divertidas notas literárias. A propósito, a biblioteca municipal de Picada Café foi beneficiada com recursos do Ministério da Cultura através do edital “Mais Cultura de Modernização de Bibliotecas Públicas Municipais”. A iniciativa é um prêmio a projetos das bibliotecas municipais. Do Rio Grande do Sul, o município de Picada Café teve o melhor desempenho no ranking nacional. Como prê-

NOIA: ÚNICA PROFISSIONAL QUE TRABALHA EM POLÍTICAS DE LEITURA NO RIO GRANDE DO SUL.

mio recebeu mil livros, móveis e um telecentro digital com dez microcomputadores conectados à internet. Descendo a serra para a metrópole, comprova-se a mesma preocupação com a leitura. Por exemplo em Porto Alegre, a organização não-governamental Cirandar nasceu justamente a partir do desejo de contribuir para uma cidade mais leitora. Por seu esforço na promoção da leitura recebeu o prêmio Fato Literário de 2010. Entre os projetos que a ONG desenvolve está “Redes de Leitura”, criado em 2008 com a intenção de promover a leitura e o prazer em ler através do fortalecimento de bibliotecas comunitárias situadas em instituições sociais de Porto Alegre. Cinco bibliotecas comunitárias em diferentes comunidades porto-alegrenses participam do projeto. A literatura é encarada como um elemento tangenciador nas ações da ONG Cirandar, porque essa compreende a leitura “como um direito de todos e todas” e percebe nela “um grande potencial transformador das pessoas”. “Quando somos tocados por um belo poema, somos alimentados de um desejo de fazer o bem e construir um mundo melhor”, admite Márcia Cavalcante, uma das coordenadoras da ONG. Ela acrescenta: “Assim acreditamos que podemos fazer a nossa parte, sem um compromisso didático com a leitura, mas pelo simples prazer de ler, imaginar e sonhar”. Enfim, pesquisas apontam que o povo gaúcho é o que mais lê no país. Márcia acredita que há aspectos culturais que possibilitam que o gaúcho seja um povo leitor. “Isso não quer dizer que somos melhores do que os outros, mas que talvez tivemos mais oportunidades de diálogo com o livro e a literatura”, conclui. N RUI BENDER é jornalista em São Leopoldo (RS)

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CAPA

Um livro em cada parada por Silvana Isabel Francisco

A

ideia parece bem maluca: livros à disposição em paradas de ônibus para quem quiser lê-los ali ou até mes­ mo levá-los para casa. Esse projeto brotou de uma outra ideia também fora dos padrões: um açougue-biblioteca. Ambas são de autoria de Luiz Amorim, que aprendeu a ler e escrever somente aos 18 anos e, desde então, virou um leitor apaixonado. Tão apaixonado, que em seu açougue, chamado T-Bone, começou a montar uma pequena biblioteca.

Muita gente começou a colaborar com o projeto e começou a levar livros e mais livros para lá. Por questões sanitárias e de espaço, a maioria dos livros foi “transbordada” para cerca de 70 paradas de ônibus na Asa Norte de Brasília no intuito de ajudar a difundir sua paixão pela leitura. “Uma vez eu estava tão entretido lendo um livro de crônicas, que perdi meu ônibus, mas nem esquentei com isso”, conta, rindo, Antonio dos Santos Neto, aposentado, que chega a passar em vários pontos para buscar exemplares de livros que ainda não leu. “Essa ideia é genial. Deveria ser copiada no Brasil inteiro, pois como

nem todo mundo tem uma biblioteca perto de casa ou do trabalho, os livros deixados nas paradas acabam suprindo um pouco essa demanda da população”, analisa Renata Alves, estudante de ensino médio, que diz às vezes estudar um pouco para o vestibular lendo alguns livros das paradas enquanto espera o ônibus para casa. O projeto da Parada Cultural já existe há três anos. O acervo é bem diversificado e conta com livros de várias áreas do conhecimento, inclusive direcionados também a concursos públicos. Muitos exemplares em outras línguas também são encontrados. A equipe do açougue T-Bone já não tem mais ideia de quantos livros existem nos pontos de ônibus, pois as doações passaram a aumentar muito, não só de pessoas, mas também de entidades. O projeto já recebeu centenas de exemplares até mesmo de órgãos da Organização das Nações Unidas (ONU).

MINIBIBLIOTECAS: Enquanto esperam por seu ônibus, passageiros dão uma olhada nos livros da estante, que está no detalhe na página ao lado

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CAPA

Leitura na era da internet

O sistema de empréstimo funciona de maneira muito simples: qualquer pessoa chega, pega o livro que deseja, lê um pouco ali na parada mesmo ou pode levar para casa, se quiser, e devolver depois. Segundo Luiz Amorim, criador do projeto, o índice de não-devolução de livros é quase nulo. O que começou a acontecer recentemente foi o roubo de alguns livros para venda. A fim de tentar coibir isso, a equipe do T-Bone vem carimbando todos os livros que recebe como doação para o projeto e colocando cartazes nas paradas avisando sobre o que vem ocorrendo. Como os livros estão, na maioria das paradas, em estantes de ferro ou simplesmente depositados na própria estrutura de cimento de algumas delas, uma fundação deverá ajudar a Parada Cultural, financiando a colocação de estantes com portas para protegê-los das intempéries. N

por Carine Fernandes

SILVANA ISABEL FRANCISCO é jornalista em Brasília (DF)

Fotos: Silvana Francisco

N

ão é mais novidade dizer que a internet está mudando a vida das pessoas. Através da web encurtamse distâncias e se tem acesso a um universo de informação antes ini­ma­ gi­nável. É como se tivéssemos todas as bibliotecas do mundo ao nosso alcance em poucos cliques. Mas será que a ampliação do acesso à informação resulta em mais conhecimento e aprendizagem? Em recente entrevista para a revista Galileu, o neurocientista Michael Merzenich afirmou que a web está treinando o cérebro dos usuários a tentar fazer várias coisas si­multa­ nea­men­te, porém ignora os circuitos neurais responsáveis pela reflexão e pelo pensamento aprofundado. Além disso, enquanto facilita o acesso à informação, reduz a necessidade de

raciocínio do internauta, deixando ele de exercitar várias habilidades cognitivas. Por outro lado, a internet tem ampliado o acesso à cultura, em especial num país onde ainda se lê pouco. Segundo pesquisa do Instituto PróLivro, de 2007, 45% da população não leram nenhum livro nos últimos três meses, e três em cada quatro brasileiros não vão a bibliotecas. Mas a rede não é a garantia de que iremos formar um número maior de amantes dos livros. É o que pensa o escritor e presidente do Sindicato do Ensino Privado (SINEPE/RS), Osvino Toillier. Para Toillier, a internet contribui para que as pessoas leiam menos livros, uma vez que se desejam informações rápidas. Ele acredita que a nova linguagem da web pode contribuir para despertar o interesse pela leitura em geral, mas não se pode abrir mão de textos literários. “Não se tem acesso à cultura sem leitura. E isso inclui também o texto

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CONVÍVIO: Embora cada vez mais comum, a leitura on-line não substituirá os livros

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clássico. Um texto mais primoroso nasce da capacidade de leitura e do exercício de escrever. Faz-se necessário observar bons textos, abordagens inteligentes, com boa sintaxe”, ressalta. O escritor acredita que, no futuro, os livros e as novas

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plataformas de leitura pela internet conviverão juntos. A opinião é corroborada por uma especialista em Estudos de Linguagem, Márcia Regina Santos de Souza. Para ela, a leitura on-line é mais uma ferramenta de trabalho, diversão,

informação, mas não substituirá o material de papel. Porém Márcia lembra que o acesso à informação pela internet abriu um canal quase infinito entre o usuário da tecnologia e as linguagens. “Hoje uma criança confere pelo computador imagens, sons, falas, histórias, enfim, uma série de formas de letramento sem ter que se preocupar com a distância e o preço, por exemplo. Ela está inserida num mundo virtual, que é infinito no que diz respeito às possibilidades”, ressalta. Esse universo de informação apresentado pela internet atrai, principalmente, os mais jovens. Na hora de estudar para uma prova ou fazer um trabalho, a maioria prefere a rede aos livros. É o que mostrou uma pesquisa realizada pela Rede de Bibliotecas Lassalistas. “Eles preferem a web porque acham tudo o que precisam”, afirma a coordenadora das bibliotecas, Cris­tia­ ne Pozzebom. Ela conta que os alunos que mais leem livros são os menores até a 4ª série. Quando a leitura passa a ser obrigatória, a partir da 5ª série, percebe-se que os estudantes buscam os livros muito mais por cobrança do que por prazer. “O estímulo à leitura de livros deve vir primeiramente dos pais, e depois na escola os professores devem desenvolver atividades que desafiem o estudante, envolvendo diversas artes, como, por exemplo, música, teatro e vídeo”, acredita. Para essa nova juventude, o desafio é unir a paixão pela internet ao sabor de ler um bom livro. Isso porque, como lembra o historiador francês Roger Chartier, as mídias estão presentes na vida de muitas pessoas, mas o prazer de manusear um livro e percebê-lo como algo vivo em nossas mãos jamais acabará. N CARINE FERNANDES é jornalista em Porto Alegre (RS)


CAPA

Era uma vez... por Nana Toledo

C

contos, resolveu registrar as histórias que ouvia nos salões parisienses e os contados por sua mãe. Ele deu aos contos um acabamento literário e suavizou algumas temáticas para, em 1697, publicar seu primeiro livro chamado “Contos da Mamãe Gansa”. A partir daí surgiu um novo gênero literário: os contos de fadas, e por isso Charles Perrault é considerado o pai da literatura infantil. Tempos depois, surgiram os irmãos Grimm, que, no ano de 1786, compilaram e publicaram vários con-

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ARTE ANTIGA: A contação de histórias originou-se na antiguidade e hoje virou profissão

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ontar histórias é uma das artes mais antigas ligadas ao ser humano. Há muitos séculos, quem contava histórias era uma espécie de depositário de conhecimento, experiência e sabedoria. Mais tarde, essa arte acabou se tornando um rito familiar em que a figura do avô ou da avó era o símbolo do faz de conta. Por meio de brincadeiras, cantigas e contos tradicionais, gerações de famílias entravam em contato com o universo mágico e imaginativo criado através de um clima mais íntimo e aconchegante. Muitos dos contos que até hoje são recontados e conhecidos por crianças e adultos expressavam verdades profundas da vida, que questionavam valores morais e virtudes, bem como o lado iluminado e sombrio do ser humano. Esses contos foram repassados oralmente por contadores e poetas que recitavam histórias cons­t ruí­ das e fundamentadas na identidade cultural de seu povo. Portanto, no transcurso do tempo, suas histórias eram transformadas a cada geração que adaptava os contos conforme o contexto vivenciado. No início, os contos de fada, por exemplo, eram destinados a adultos e se faziam presentes nos salões da aristocracia, seduzindo os ouvintes devido a uma série de personagens estereotipados, como madrastas e lobos. Esse conceito só começou a mudar quando o francês Charles Perrault, já famoso na época por narrar diversos

tos em diversos idiomas. Quem não conhece a história de Chapeuzinho Vermelho ou Cinderela? As crianças gostam muito desses contos tradicionais e querem ouvir o mesmo conto muitas vezes para poder elaborar todos os seus detalhes e assim compreender e viver internamente todas as batalhas enfrentadas pelos heróis e heroínas com quem mais se identificam e tocam seu coração. Aí está a importância de contar e ouvir histórias, pois cada um vincula o conto com a virtude que está desenvolvendo na formação de sua personalidade. Platão, em seu livro “A República”, na parte em que se refere à educação, já chamava a infância de “a idade dos contos” e colocava que a educação, na faixa etária de 0 a 7 anos, deveria acontecer através dos contos. Uma história pode levar o pequeno ouvinte

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CAPA Duas obras de Nana: O CD infantil “Língua Enlinguarada”, e o livro infantil “Casa dos Sentimentos”, lançado em 2010.

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Por um Brasil leitor

NANA TOLEDO: Todos temos em nossa essência um contador de histórias que pode ser despertado

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a uma mudança interior, porque os contos têm o poder de despertar as qualidades latentes de nossa alma. A criança, quando ouve uma história, não a entende através do intelecto, mas a vive interiormente. Além de tudo, ela ainda contribui para que algumas ações educativas sejam desenvolvidas. A criança expande sua linguagem, enriquece seu vocabulário, amplia sua visão do mundo, adquire novos conhecimentos, desenvolve sua criatividade, alimenta sua imaginação, cultiva sua sensibilidade e desperta o interesse pela leitura. Atualmente, contar histórias já virou profissão com a multiplicação de cursos de formação e espetáculos. Existem encontros internacionais de contadores de histórias que no Brasil

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acontecem em São Paulo, e o SESC é uma das instituições que apoia e valoriza essa prática. Todos nós temos em nossa essência um contador que pode ser despertado. Contar histórias para os filhos, amigos ou viver dessa prática pode ser um caminho para humanizar mais o mundo, que está vivendo um excesso de informação e uma carência nas relações. Como já disse Lewis Carrol, criador de “Alice no País das Maravilhas”: “Contar uma história é dar um presente de amor”. Então, vamos presentear as pessoas com boas histórias? N NANA TOLEDO é cantora, compositora, escritora e contadora de histórias em Blumenau (SC)

O Brasil é o oitavo produtor de livros no mundo. Apesar disso, ainda está longe de ser um país de muitos leitores. É o que revela a pesquisa Retratos do Brasil, realizada pelo Instituto Pró-Livro. por Paula Oliveira

E

sse diagnóstico faz parte do maior estudo já realizado no país sobre o hábito da leitura entre os brasileiros. A pesquisa foi aplicada em mais de 5 mil pessoas moradoras de 311 municípios. É uma amostra representativa de 92% da população. O coordenador da pesquisa, jornalista e escritor Galeno Amorim, que também é diretor do Observatório do Livro e da Leitura, esclarece que, embora o número de brasileiros leitores tenha dobrado em dez anos, os índices de leitura ainda não são dos mais expressivos, comparados aos de outros países.


advento da internet veio para se somar aos outros esforços que já existiam, mas a livraria física, que é aquele lugar prazeroso onde as pessoas se aproximam dos livros, existe em poucas cidades. “Isso tem feito o Estado investir mais”, explica o escritor. Em 2003, Galeno Amorim ajudou o governo federal na criação do Plano Nacional do Livro e da Leitura (PNLL), que atua a nível nacional desde 2006. A finalidade básica do plano é assegurar, através de projetos, ações continuadas e eventos empreendidos pelo Estado e pela sociedade, a democratização do acesso ao livro, o fomento e a valorização da leitura como fator relevante para o incremento da produção intelectual e o desenvolvimento da economia nacional. “Em três anos, conseguimos abrir 80 bibliotecas, uma para cada 5 mil

habitantes. Bibliotecas em escolas de samba, em igrejas evangélicas e católicas, nos museus, em associações de bairro, nos postos de saúde, nos presídios”, comemora o escritor. Nesses anos, doando livros atualizados, com qualidade, e fazendo outras ações ao mesmo tempo, o índice de leitura cresceu. “Isso mostra que é barato investir em leitura e que os resultados são muito rápidos”, afirma. É essencial que bibliotecários, editores, livreiros e mediadores de leitura em geral se unam para ampliar a presença do livro e a leitura na vida nacional. Avanços importantes foram obtidos nesta década. “Agora, é preciso avançar mais.” Para saber sobre o Plano Nacional do Livro e da Leitura acesse o site www.pnll.gov.br/ N PAULA OLIVEIRA é jornalista em São Paulo (SP)

GALENO AMORIM: Ao investir em políticas públicas de longo prazo, os resultados aparecem.

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Atualmente no Brasil são lidos 4,7 livros por ano. Desse total, 3,4 foram indicados pela escola e apenas 1,3 foram lidos pela população em geral. “Quando se investe em políticas públicas de longo prazo, com permanência, os resultados aparecem. É por isso que os índices de leitura aumentaram tanto entre os alunos das escolas brasileiras, que chega a ser duas vezes mais do que entre aqueles que já estão fora da escola”, explica Galeno. Mas a boa notícia ainda não é motivo para comemorar, já que as escolas não estão conseguindo formar leitores que mantenham o hábito da leitura quando terminam os estudos. Outro dado da pesquisa que chama a atenção é o alto índice de não-leitores. O país tem 77 milhões de não-leitores, com um índice baixo de acesso à leitura, principalmente nas classes sociais baixas. Em algumas regiões do país, como o Norte e Nordeste, faltam ações, principalmente para aqueles leitores que já estão fora das escolas. No norte do país, no interior do Maranhão, existem escolas que, em determinados dias, vão atrás dos donos de jegues para transportar os livros em um lençol e convidar a população para ler e interagir sobre temas diversos naquele dia. “Esse cenário mostra que a sociedade tem mais consciência de que a leitura amplia nosso próprio mundinho interno e, no momento seguinte, nosso mundo ao redor. Por outro lado, fica claro que a dificuldade de acesso ainda é grande”, esclarece o jornalista. Os dados da pesquisa também revelam que o Brasil tem em torno de 6 mil bibliotecas municipais, 12 mil bibliotecas comunitárias, 60 mil escolares e um pouco mais de mil bibliotecas universitárias. Já as livrarias estão presentes em menos de mil cidades, sendo que o Brasil tem quase 6 mil municípios. O

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ano novo

Apenas um ritual por João Artur Müller da Silva

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enxurrada de e-mails, torpedos e cartões virtuais neste começo de ano novo é algo nunca visto. Quando vivíamos em tempos de escrever cartas, de enviar fonogramas, telegramas, cartões impressos, nossas vidas não eram inundadas por tantas mensagens como hoje. Basta você ter uma conta de email, e um mar de mensagens de

amigos, de familiares, de lojas que você nem lembra, de sites comerciais inundam sua caixa de entrada, inundam sua vida. São votos e mais votos de um ano novo cheio de felicidade, dinheiro no bolso, realizações profissionais e tantos outros desejos para você. E vamos combinar: são mensagens bastante impessoais! Muitas vezes, tão banais! E que servem

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AUTENTICIDADE: Na contramão da internet, telefone e leve suas próprias palavras a quem você ama

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para você reenviar aos amigos, aos familiares ou até para guardar numa pasta para reenviar na passagem de 2011 para 2012. Recentemente, fiz uma pesquisa na internet e descobri muitas frases que são sugeridas para ser enviadas a quem você quiser nesta época do ano. Nessa pesquisa, descobri que a maioria dessas frases já foi enviada em 2007, 2008, 2009 e que certamente foram enviadas em 2010. São frases pré-moldadas e que servem para qualquer pessoa enviar para qualquer amigo. Eis algumas dessas frases que talvez tenham entrado em sua caixa de entrada: “Que a chuva da paz, da esperança, da felicidade e do amor te pegue com o guarda-chuva quebrado e molhe todos os que estejam ao teu redor. Feliz Ano Novo!” “Encontrei a felicidade, e ela me disse que ia para sua casa. Pedi que ela levasse também a saúde e o amor. Trate eles bem, vão em meu nome. Feliz Ano Novo.” “Hoje eu te depositei 365 dias de boa sorte, alegria e felicidade em sua conta. Administra bem, porque não tem mais. Feliz Ano Novo.” São pensamentos interessantes, mas servem apenas para cumprir o ritual da passagem de ano. Por isso não são sinceros e nem autênticos. Copiar e colar da internet é uma atitude cômoda e que inibe a elaboração sincera de nossos desejos e pensamentos. Na contramão dessa prática, por que não escrever, telefonar e desejar com suas próprias palavras os bons votos para 2011? Estamos no co­me­ci­nho de 2011, e você ainda pode levar esperança e ânimo com suas palavras a algum amigo, algum familiar. Seja autêntico! N JOÃO ARTUR MÜLLER DA SILVA é teólogo, editor da Editora Sinodal e redator da Novolhar em São Leopoldo (RS)


CLAI

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reflexão

Dignidade e respeito Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou.

Gênesis 1.27

O

que significa ser criado à imagem de Deus? Com frequência se faz asso­ciação entre a imagem e o espelho. O espelho mostra a imagem de quem está diante dele. O que se vê é um reflexo da pessoa, mas não a pessoa em si. Existem semelhanças entre a imagem do espelho e a pessoa que está diante dele. Porém a pessoa tem peso, tem cheiro, tem vida; enquanto que a imagem é fina como uma lâmina de vidro. A pessoa é semelhante, em parte, à sua imagem do espelho, mas também diferente em outros aspectos. Ser criado à imagem e semelhança de Deus implica que o ser humano esteja relacionado com Deus, com semelhanças e também diferenças. Sempre me causou um certo arrepio ouvir que “Deus criou o ser humano, homem e mulher, à sua imagem e semelhança”. Essa descoberta revelada nas primeiras páginas da Sagrada Escritura tem um impacto muito grande sobre toda a criação, especialmente sobre o ser humano. Tudo o que Deus criou é bom. À medida que o Criador realiza sua obra, ele mesmo se alegra com o mundo criado.

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por Tânia Cristina Weimer

O Criador fala e as coisas acontecem! Com a palavra Deus botou ordem num mundo caó­tico. Depois de cada ordem, Deus olha com admiração o que foi criado e conclui: “E viu Deus que isso era bom” (Gênesis 1.31). Essa afirmação revela que há um valor intrínseco no mundo criado, independente do ser humano. Todo cuidado de Deus na criação aponta a grandeza de seu amor e de seu poder. A criação de Deus tem sua própria dignidade. Se Deus cria, cuida e zela, nós que fazemos parte de sua criação precisamos cuidá-la e administrá-la com responsabilidade. Aliás, responsabilidade não é bem aquilo que as pessoas gostam de ouvir, de ser lembradas. Mas essa palavra nos remete ao versículo bíblico indicado para o primeiro mês deste novo ano. Talvez não é por acaso que inicia-

mos um novo ano e somos confrontados com essa lembrança de como fomos criados e com que finalidade estamos colocados na Terra. Termina um ano, inicia outro, e o que vemos é muito desgastante. Preocupa-nos o que está acontecendo em nossa volta. Sempre me lembro de um daqueles vídeos que circulam na internet em que a pessoa descarrega um montão de lixo dentro do rio, volta para casa, vai tomar um banho e todo lixo volta com a água e é despejado sobre sua cabeça. A natureza devolve-nos aquilo que lançamos nela. A natureza reage à agressão sofrida. Algumas pessoas relacionam as mudanças climáticas à ausência de Deus, como se Deus tivesse saído de cena. Mas, para as pessoas de fé, as mudanças climáticas precisam ser vistas em relação ao nosso compro-


metimento com o meio ambiente em que vivemos. Dentro da criação o ser humano tem um lugar de destaque. Recebeu uma dignidade especial. Foi criado à imagem do Criador. Isso significa que pode raciocinar e fazer escolhas. É um reflexo do intelecto e da liberdade, do livre-arbítrio que Deus lhe concedeu. Significa que foi criado em justiça, dignidade e igualdade. E não menos importante: o ser humano foi criado para a comunhão. Deus colocou animais e plantas sob o domínio humano. Esse domínio, portanto, deve ser respeitoso e cuidadoso. Não cabe ao ser humano usar e explorar a criação para servir unicamente a seus objetivos. A criação de Deus tem em si uma dignidade e um propósito que vão além dos propósitos humanos. Somos corresponsáveis com o Criador por sua criação. Somos os mordomos de Deus neste mundo.

Sabemos que as coisas, os bens do mundo, estão a serviço da humanidade e que precisamos delas, mas o maior bem é o amor a Deus e ao próximo. Respeitando a Deus e ao próximo, estamos respeitando a nós mesmos. Sim, é preciso lembrar que a vida é benefício que vem de Deus. E essa vida foi confiada à responsabilidade humana. Lembremo-nos, pois, que o propósito de Deus ao criar o homem e a mulher à sua imagem e semelhança foi estabelecer amizade e com­pa­nhei­ris­ mo entre Criador, criatura e criação. Preservar e cuidar a criação de Deus – esse é o mandato dado a quem foi criado à imagem e semelhança de Deus. Porque somos livres, podemos escolher cuidar daquilo que nos foi confiado. N TÂNIA CRISTINA WEIMER é teóloga, ministra da IECLB e vice-pastora sinodal do Sínodo Nordeste Gaúcho em Nova Hartz (RS)

olhar com arte

El Gran Predador “Um verme formado pelas sete grandes potências devora o planeta e defeca moedinhas. Onde vai parar isso?”

EL GRAN PREDADOR Flávio Scholles, 1992 120 x 200 cm

Reprodução Novolhar

www.fscholles.com.br

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RETRATOS

A discípula de Magdala A fidelidade de Maria Madalena estendese além da morte de Jesus. Os evangelhos concordam que ela, ou sozinha ou junto com outras mulheres, foi a primeira testemunha da ressurreição. por Nelson Kilpp

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João Soares

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uito se especula hoje sobre o papel da mulher mais conhecida e importante do círculo de discípulos de Jesus: Maria Mada­l ena. Alguns atribuem a ela um papel especial na vida de Jesus. Conforme o livro O Código da Vinci, de Dan Brown, ela foi esposa de Jesus e com ele teve filhos. Essa lenda se baseia, por um lado, em diversas observações espalhadas em livros apócrifos dos séculos II e III d. C. Esses livros referem-se ocasionalmente a Maria como “companheira de Jesus” ou “discípula amada” (Evangelho de Felipe) ou intérprete e interlocutora privilegiada de Jesus (Pistis Sofia). Por outro lado, apoiam-se numa tradição da Idade Média, de acordo com a qual Maria teria ido, após a ressurreição de

Jesus, ao sul da França, onde um de seus filhos se tornara o fundador da dinastia dos merovíngios (go­ver­ nan­t es da França). A partir do papa Gregório I (590 d.C.), Maria Madalena foi, além disso, identificada com a “pecadora” que lavou os pés de Jesus (Lucas 7.3650) e considerada uma prostituta. Essa pecadora anônima havia sido já anteriormente (João 11) identificada com Maria, irmã de Marta e Lázaro.

Assim, Maria Madalena atraiu, com o tempo, as características de três mulheres distintas da Bíblia, tornando-se, por fim, erroneamente o símbolo da pecadora arrependida. O Novo Testamento menciona Maria Madalena, geralmente junto com outras mulheres, em momentos decisivos da vida de Jesus: na crucificação, no sepultamento (Marcos 15.40-47) e na ressurreição (Marcos 16.1; conforme João 20.1, ela é a


única que vai ao sepulcro no domingo de manhã). Sem dúvida, Maria Madalena era, ao lado de Pedro, a grande líder dentro do círculo menor de discípulos. Em João 20 e alguns livros apócrifos, ainda encontramos sinais de uma certa concorrência entre Pedro e Maria. Esse seu papel de liderança e respeito Maria Madalena conquistou por sua atuação e postura dentro do círculo de aprendizes de Jesus. Ela o chama de “raboni”, ou seja, “mestre” (João 20.16)). Natural da cidade de Magdala, à margem do lago de Genesaré, Maria tornou-se seguidora de Jesus por gratidão: Jesus a havia curado de seus males (“dela saíram sete demônios”, conforme Lucas 8.2). Juntamente com outras mulheres, ela o acompanhava e, com seus bens, até sustentava o grupo em suas andanças pela Galileia até Jerusalém (Lucas 8.3). Por ocasião da crucificação de Jesus, Maria Madalena e as outras mulheres observavam de “longe” o que acontecia (Marcos 15.40). Isso representou um ato de coragem, ainda que comedida, já que uma demonstração de solidariedade podia facilmente ser confundida com

um apoio ao movimento contra os romanos, que executaram Jesus. Os discípulos homens aparentemente haviam fugido (João 19.26 menciona apenas o discípulo amado). A fidelidade de Maria Madalena estende-se além da morte de Jesus. Os evangelhos concordam que ela, ou sozinha ou junto com outras mulheres, foi a primeira testemunha da ressurreição. Por ter anunciado a boa-nova aos outros discípulos (João 20.18), ela pode ser chamada de “apóstola dos apóstolos”. Mas, infelizmente, a autoridade de que Maria Madalena gozava nas primeiras comunidades cristãs foi se diluindo aos poucos com a criação de uma igreja hierárquica. Nos grupos gnósticos, ela se tornou companheira e esposa de Jesus e, em diversos Pais da Igreja, transformou-se no símbolo da pecadora penitente. Para as comunidades de hoje, Maria Madalena deve ser vista como uma discípula corajosa, uma líder dinâmica e uma fiel seguidora de Jesus, que vivia de forma coerente a sua fé. N

MEUC

JOSE CAMPOS

NELSON KILPP é especialista em Antigo Testamento, ministro da IECLB, residindo em Kassel, na Alemanha

GRÁFICA PALLOTTI

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NÓS E AIDS

Cara a cara com o HIV e a AIDS O estigma e a discriminação que se manifestam nos âmbitos laborais, educativos, nos serviços públicos e também na igreja são os fatores que impedem a prevenção, o diagnóstico e o tratamento da AIDS. por Eduardo Campaña

H

á quase 30 anos desde o reconhecimento “oficial” da presença do HIV (vírus) e da AIDS (Síndrome de Imunodeficiência Adquirida) no mundo, os esforços desenvolvidos até hoje têm sido insuficientes para controlar o crescimento da pan­de­ mia e suas graves conse­quên­cias. Os elementos que incorrem nessa resposta insufi­cien­te são múltiplos e muito complexos. A chegada do HIV, mais do que qualquer outra epidemia na história da humanidade, colocou em evidência uma série de falhas

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e carências das estruturas sociais, políticas e econômicas que caracterizam a maioria das sociedades, governos e instituições do planeta. Essas falhas e carências também são evidentes nos aspectos culturais e religiosos. O HIV e a AIDS expõem a incapacidade dos sistemas públicos e privados de saúde da maioria dos paí­ ses do mundo, bem como uma série de elementos que concorrem para o crescimento da pandemia e a resposta insuficiente, relacionados com as leis, os interesses econômicos, a justiça, os direitos humanos, as desigualdades de gênero, a educação, os preconceitos construídos a partir da cultura e da religião etc. O estigma e a discriminação que se manifestam nos âmbitos laborais, educativos, nos serviços públicos e também na igreja são os principais fatores que impedem a prevenção, o diagnóstico e o tratamento das pes­ soas com HIV e AIDS e, portanto, um avanço real diante da problemática. A esse panorama acrescenta-se a falta de cumprimento dos compromissos dos países que manifestaram seu apoio aos acordos globais, o que coloca em risco ainda mais essa frágil resposta.


Divulgação Novolhar

Desde 1981, mais de 70 milhões de pessoas foram infectadas com o HIV e mais de 25 milhões já morreram; em consequência, há mais de 15 milhões de órfãos no mundo. Estima-se que mais 33 milhões de pessoas vivem com HIV, entre elas 2,5 milhões menores de 15 anos. A cada hora são infectadas 370 pessoas; 50% são jovens entre 15 e 24 anos de idade. Cada dia morrem 6.300 pessoas por causa da AIDS. No Brasil, aproximadamente 630 mil pessoas vivem com o HIV. Cada ano são anunciados entre 33 e 35 mil novos casos de AIDS. No ano de 1986, a proporção homem/mulher era de 15 por 1. A partir de 2003, de 1,5 por 1. Desde 1998, o número de casos de AIDS em jovens é maior em mulheres do que em homens numa proporção de 10 por 8. O HIV e a AIDS são atualmente um dos temas-chave que definirá o futuro da humanidade, ao lado dos problemas da pobreza massiva, do terrorismo e da mudança climática. Ante a impossibilidade de fabricar uma vacina ou medicamentos curativos, apenas o esforço conjunto e sustentável de todos os setores da sociedade tornará possível o controle da pandemia.

SENSIBILIZAÇÃO: Todas as pessoas devem envolver-se no compromisso de inibir sua propagação

Para isso é indispensável que todos e todas nós sejamos sensibilizados sobre os múltiplos rostos através dos quais o HIV se manifesta e que assumamos um compromisso pessoal, comunitário e institucional para trabalhar contra sua propagação, através da educação e do tratamento digno e humano dos afetados, o que inclui o respeito, o direito ao trabalho, à educação e o acesso universal a tratamentos e serviços de saúde. É preciso colocar sobre a mesa e debater temas como a sexualidade,

os preconceitos, as desigualdades de gênero, o papel da igreja, entre outros, se realmente queremos enfrentar o HIV e a AIDS. O HIV e a AIDS constituem uma crise excepcional sob todos os critérios; portanto só podem ser combatidos com uma resposta excep­cional. N EDUARDO CAMPAÑA é médico e coordenador do Programa HIV e AIDS do Conselho de Igrejas Evangélicas Metodistas da América Latina e Caribe, trabalhando há mais de 20 anos com o tema; reside em Quito, Equador

casa matriz

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fábulas de esopo

O fazendeiro, seu filho e o burro

ESOPO: O local de seu nascimento é incerto. Eventualmente morreu em Delfos. Na verdade, todos os dados referentes a ele são discutíveis e trata-se mais de um personagem lendário do que histórico. Certo é que as fábulas a ele atribuídas foram reunidas pela primeira vez em 325 a.C. por Demétrio de Falero. Esopo teria sido um escravo que foi libertado por seu dono por ficar encantado com as suas fábulas. Essas serviram de base para recriações de outros escritores ao longo dos séculos. (Wikipedia) Imagem: Esopo, de Diego Velásquez

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Arte: Roberto Soares

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m fazendeiro e seu filho viajavam para o mercado, levando consigo um burro. Na estrada, encontraram algumas moças salientes, que riram e zombaram deles: – Já viram que bobos? Andando a pé, quando deveriam montar no burro! O fazendeiro então ordenou ao filho: – Monte no burro, pois não devemos parecer ridículos. O filho assim o fez. Daí a pouco, passaram por uma aldeia. À porta de uma estalagem estavam alguns velhos, que comentaram: – Ali vai um exemplo da geração moderna: o rapaz muito bem refestelado no animal, enquanto o velho pai caminha com suas pernas fatigadas. – Talvez eles tenham razão, meu filho, disse o pai. Ficaria melhor se eu montasse e você fosse a pé. Trocaram então as posições. Alguns quilômetros adiante, encontraram camponesas passeando, as quais disseram: – A crueldade de alguns pais para com os filhos é tremenda! Aquele preguiçoso, muito bem instalado no burro, enquanto o pobre filho gasta as pernas.

– Suba na garupa, meu filho. Não quero parecer cruel, observou o pai. Assim, ambos, montados no burro, entraram no mercado da cidade. – Oh!, gritaram outros fazendeiros, que se encontravam lá. – Pobre burro, maltratado, carregando uma dupla carga! Não se trata um animal dessa maneira. Os dois precisariam ser presos. Deveriam carregar o burro nas costas em vez dele carregá-los. O fazendeiro e o filho saltaram do animal e carregaram-no. Quando atravessavam uma ponte, o burro, que não estava se sentindo confortável, começou a coicear com tanta energia, assim que os dois caíram na água.

Moral: Quem quer agradar todo mundo não agrada ninguém. ESOPO foi um fabulista grego do século 6 a.C., famoso por suas pequenas histórias de animais com um sentido e um ensinamento


AÇÃO SOCIAL

Versão americana do Bolsa Família “Texto dedicado àqueles que acham chiques os programas sociais na França, na Alemanha e nos Estados Unidos, mas criticam os programas sociais brasileiros.” Luiz Carlos Azenha, no www.viomundo.com.br

por Sara Murray

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m grande número de domicílios americanos ainda depende da assistência do governo para comprar comida no momento em que a recessão continua a castigar famílias. O número dos que recebem o cupom de comida (food stamps, a versão americana do Bolsa Família) cresceu em agosto de 2010. As crianças tiveram acesso a milhões de almoços gratuitos, e quase cinco milhões de mães de baixa renda pediram ajuda ao programa de nutrição governamental para mulheres e crianças. Foram 42.389.619 os americanos que receberam food stamps em agosto, um aumento de 17% em relação a um ano atrás, de acordo com o Departamento de Agricultura, que acompanha as estatísticas. O número cresceu 58,5% desde agosto de 2007, antes do início da recessão. Em números proporcionais, Washington DC, a capital dos Estados Unidos, tem o maior número de residentes recebendo food stamps: mais de um quinto, 21,1%, coletaram assistência em agosto. Washington foi seguida pelo Mississipi, onde 20,1%

Setembro: 190 milhões de almoços servidos

dos moradores receberam food stamps, e pelo Tennessee, onde 20% dos residentes buscaram ajuda do programa de nutrição. Idaho teve o maior aumento no número de beneficiados no ano passado. O número de pessoas que

receberam food stamps no estado subiu 38,8%, mas o número absoluto ainda é pequeno. Apenas 211.883 residentes de Idaho coletaram os cupons em agosto. O benefício nacional médio por pessoa foi de 133 dólares e 90 centavos em agosto. Por domicílio, foi de 287 dólares e 82 centavos. Os cupons tornaram-se um refúgio para os trabalhadores que perderam o emprego, particularmente entre os estadunidenses que já exauriram os benefícios do seguro-desemprego. Filas nos supermercados à meia-noite do primeiro dia do mês demonstram que, em muitos casos, o benefício não está cobrindo a necessidade das famílias, e elas correm antes da chegada do próximo cheque. Mesmo durante as férias de verão, as crianças retornaram às escolas para tirar proveito da merenda, onde ela estava disponível. Cerca de 195 milhões de almoços foram servidos em agosto, e 58,9% deles foram de graça. Outros 8,4% foram a preço reduzido. Esse número vai aumentar quando os dados do outono forem divulgados, já que as crianças estarão de volta às escolas. Em setembro passado, por exemplo, mais de 590 milhões de almoços foram servidos, quase 64% de graça ou com preço reduzido. Crianças cujas famílias têm renda igual ou até 130% acima da linha da pobreza – 28 mil e 665 dólares por ano para uma família de quatro pessoas – podem ter acesso a almoços gratuitos. As famílias que têm renda entre 130% a 185% acima da linha da pobreza – 40 mil e 793 dólares para uma família de quatro – podem receber refeições a preço reduzido, não mais do que 40 centavos de dólar de desconto. N SARA MURRAY é jornalista do The Wall Street Journal, um jornal de Nova Iorque, Estados Unidos – Artigo extraído do www.viomundo.com.br

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COMUNICAÇÃO

O Wikileaks e os telhados de vidro PARA O COMUNICADOR AUSTRÍACO HORST PIRKER, SOMENTE SOBREVIVERÃO À NOVA ERA DA TOTAL TRANSPARÊNCIA AS INSTITUIÇÕES QUE FOREM PROATIVAS EM RELAÇÃO À SUA VULNERABILIDADE. por Clovis Horst Lindner

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m recente artigo para o jornal semanal cristão Die Furche (O Sulco), o ex-diretor da rede de comunicação austríaca “Styria”, jornalista Horst Pirker, prevê tempos difíceis para a

já conturbada relação entre a igreja e os meios de comunicação por conta de fenômenos midiáticos como o site Wikileaks. “A igreja e instituições similares, como o próprio Estado, terão que acostumar-se à in­con­tro­

lá­vel mobilidade de informações e conteúdos digitais”, escreveu Pirker. Segundo ele, chegamos a uma nova era de transparência irrestrita. Aliás, cada pessoa “terá que aprender a conviver com o fato de que tudo o que fazemos terá que suportar as por vezes ofuscantes luzes da exposição pública”. Essa nova tendência “não irá contribuir para melhorar as relações entre a igreja e a mídia, a mídia e a igreja; muito ao contrário”, vaticina Pirker. O principal problema está no fato de que, no passado, muitas informações foram tratadas como secretas ou de uso restrito a um pequeno círculo de lideranças. Segundo o especialista em comunicação, as grandes instituições da sociedade somente poderão sobreviver a essa “inevitável disputa” por publicidade indesejada caso “se portem de modo proativo em relação ao fato de viver numa verdadeira casa com telhado de vidro”. Não dá mais para aguardar até que a sua confiabilidade e

JULIAN ASSANGE, fundador do site Wikileaks, que revelou milhares de documentos secretos da diplomacia norteamericana em dezembro

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É fascinante ver os tentáculos da elite norteamericana corrupta.


É uma ironia que, nesTe novo mundo da transparência, terão mais sucesso aqueles que mais se ativeram aos mandamentos da igreja.

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Horst Pirker

a reputação “sejam destruídas pedaço a pedaço, revelação a revelação”. Quem acredita poder proteger-se de tais ações invasivas por meio da “falta de transparência ou de desmentidos posteriores” irá “despertar dolorosamente quando já for muito tarde”. Pirker descreveu como “ironia” o fato de que terão mais sucesso neste “novo mundo da transparência” aqueles que “mais se ativeram aos mandamentos da igreja”. Bem no estilo do ditado brasileiro “quem não deve não teme”. O site Wikileaks, fundado pelo australiano Julian Assange, tem pu-

blicado nos últimos meses de 2010 milhares de documentos secretos que revelaram os bastidores da diplomacia norte-americana. Nem mesmo a igreja tem escapado da verborragia indiscreta dos comunicados e e-mails emitidos pelos diplomatas. Os vazamentos dessas indiscrições soaram como sucessivos escândalos, que acabaram colocando a Interpol no encalço de Assange, que está sendo acusado de abuso sexual na Suécia e vive em liberdade condicional no Reino Unido. Para proteger seu telhado de vidro, as “vítimas” das revelações do

site Wikileaks estão movendo uma campanha sórdida de desmoralização de Julian Assange. Teria sido mais prudente se tivessem sido proativos no passado, evitando a circulação de dados constrangedores para os pretensos “países amigos” e parceiros de negócios. Agora é tarde demais. As opi­niões indiscretas e secretas da diplomacia americana sobre os outros podem prejudicar as próprias relações diplomáticas internacionais. N CLOVIS HORST LINDNER é teólogo e comunicador, editor da Novolhar em Blumenau (SC)

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COMPORTAMENTO

Paul McCartney – um super-

MULTIDÃO: Vista panorâmica do Estádio Beira-Rio em Porto Alegre, na noite do show de Paul McCartney, assistido por mais de 70 mil pessoas

por Marcelo Schneider

que ele estava cantando no ouvido de cada pessoa. Horas antes, as longas horas de fila, que atravessaram a tarde quente de domingo, foram um espaço de intensas expressões de como cada pessoa sentia a música dos Beatles. Camisetas, tatuagens, rodas de canto e lenços na cabeça multiplicavam-se em toda a parte. Nas conversas informais, fervia o debate sobre o melhor disco da carreira solo ou do tempo em que Paul compunha com John Lennon,

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PAUL e sua banda proporcionaram uma viagem no tempo nas memórias de alegrias e tristezas

Fotos: Fabio Codevilla/Novolhar

epois das primeiras duas músicas, ele encarou todas as pessoas presentes e disse: “Boa noite, Porto Alegre!”. Foi então que tivemos a certeza de que era real, de que ele estava ali, em carne e osso. Paul McCartney não tem super­ poderes. Ele é uma pessoa normal, é gente como a gente, feito de carne, osso, sangue e impostos para pagar. Ou melhor, Paul é quase como a gente: ele é um beatle. O significado desse título, por si só, já diferencia este relato de qualquer descrição fria de qualquer outro concerto de rock de três horas de duração. Ele é um beatle e nos disse “boa noite!”. Nós, milhares de pessoas que vivem longe dos grandes centros urbanos mundiais, que estão acostumados a esses mega­concertos. Aquela saudação inicial acordounos para o fato de que muitas músicas que cortaram nossas vidas ao meio (e voltaram a remendá-las depois) seriam cantadas ao vivo, ali na nossa frente, e que aquele homem ali no palco teria a capacidade de fazer com que todos nós tivéssemos a certeza de

George Harrison e Ringo Starr. Os mais aficionados enfileiravam informações sobre gravações raras e faixas menos valorizadas de discos dos Beat­ les aos fãs mais moderados. Para muitas pessoas, a passagem de Paul McCartney por Porto Alegre foi o maior espetáculo que já assistiram. Para outras, uma viagem no tempo nas memórias de alegrias e tristezas. Em alguns momentos, não sabíamos se a senhora a poucos metros da gente chorava de alegria ou


-herói de carne e osso

de saudade dos tempos em que tinha a idade da neta que agora cantava, à sua frente e aos brados, trechos de “Ob-la-di, Ob-la-da”. McCartney sequer parou para tomar um gole d’água nas três horas em que esteve em cena. Emendava uma música atrás da outra e, de vez em quando, mandava alguns recados. Era como se uma simples ida às coxias fosse quebrar a mágica que todos faziam tanta força para viver intensamente. Ele sabia disso. Por isso falou nossa língua, mesmo que em frases encardidas e com sotaque gringo. Com gestos assim nos trouxe

para mais perto dos Beatles. E os Beatles, a quem confessamos tantos segredos durante tantos anos, de quem sempre nos alimentamos com versos que parecem encaixar em tantas situações só nossas, permaneciam, mesmo assim, para nós brasileiros, uma banda de rock do outro lado do mundo. Naquela noite perfeita de novembro, Paul foi ele mesmo, mas também foi John, George e Ringo e soube respeitar os limites desse teatro de saudades. O último verso da última música do show veio da penúltima faixa de

“Abbey Road”: “No final, o amor que levamos é igual ao amor que fazemos” (O verso final de ‘The End’ diz: “In the end, the love you make is equal to the love you take”). Foi sua última mensagem. Ele tem razão. Nisso todos concordamos. Mas não sabemos se Paul veio semear ou colher tanto amor. Talvez as duas coisas. E talvez, num mundo com tanta mágoa, angústia e desamor, esse seja um super­ poder, afinal. N MARCELO SCHNEIDER é teólogo e assessor do Moderador do Conselho Mundial de Igrejas, em Porto Alegre (RS)

FACULDADES EST

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aborto

Onde estão os homens?

filho – muitas vezes ignorado por quem o fez –, a mulher que está com raiva do companheiro que a forçou, a mulher que está à beira de se matar porque está no limite das forças. Essas fazem aborto, sim. Se têm dinheiro para pagar, fazem isso nas clínicas aborteiras: há uma clínica em cada bairro do Rio de Janeiro. (Algum legislador toma providências para fechá-las? Não, porque não interessa: as mulheres, filhas, netas e sobrinhas deles são clientes.) As que não têm como pagar o aborto arriscam-se, estrepam-se (e vão sobrecarregar os hospitais públicos) ou morrem mesmo. E ainda são consideradas criminosas! Enquanto isso, os homens ficam numa boa: não são criminalizados, parece que não têm nada a ver com a gravidez das mulheres com quem dormiram. É revoltante para nós, mulheres, vermos essa discriminação: parece que estamos no tempo do Antigo Testamento, como os fundamentalistas muçulmanos, que apedrejam mulheres adúlteras. Mas é bom, católicos e evangélicos, lembrarmos a Boa-nova (o evangelho). Quando o pessoal queria apedrejar a adúltera, Cristo disse: “Quem não tiver pecados atire a primeira pedra”. E todos se afastaram, os mais velhos em primeiro lugar. E Jesus perguntou: “Alguém te condenou? Eu também não te condeno”. E Cristo disse à adúltera: “Vai e não peques mais” (João 8.3-11). Infelizmente, parece que o Brasil ainda está no Antigo Testamento: Jogue a pedra na mulher! N

por Irene Silva Telles

C

ausa espanto e revolta a polêmica que se fez sobre o aborto, atribuindo à can­di­da­ta Dilma Rousseff uma declaração de que é a favor do mesmo. Uma mentira deslavada porque não conheço UMA MULHER que seja a favor do aborto. Imagine-se! Homens, sim! Aqueles que obrigam as mulheres em quem fizeram filhos a fazer aborto. Claro que não

dizem. Pelo contrário, com a cara mais hipócrita do mundo, declaram, se têm algum poder – senadores, deputados, vereadores, ministros do judiciário, padres, pastores etc –, que são contra a descriminalização do aborto. E as mulheres: alguém conhece alguma que seja a favor? Que fazem aborto, podem fazer: a mulher que não aguenta mais, que sabe que não vai poder sustentar o

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HOMENS não são criminalizados; parece que não têm nada a ver com as mulheres que engravidaram

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IRENE SILVA TELLES tem 82 anos, é professora aposentada do estado do Rio de Janeiro e da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É católica, casada, mãe de dez filhos e avó de 14 netos. Fonte: www.alcnoticias.net


SAÚDE

Prahlad Jani afirma só se alimentar de luz desde os sete anos de idade

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No princípio era a luz... e basta? Certas pessoas afirmam poder viver sem qualquer forma de alimentação além da luz solar. Jornalista austríaco realizou documentário explorando o fenômeno do ponto de vista científico.

Os comedores de luz por Renate Heilmeier e Augusto Valente

É

possível viver sem qualquer alimento? Esta pergunta é capaz de abalar as concepções vigentes do mundo, despertar a cólera de céticos e levar até os limites da ciência. Não apenas iogues afirmam ser capazes de subsistir sem comida nem bebida; também no Ocidente, há pessoas que afirmam ser capazes de renunciar permanentemente à alimentação. O jornalista austríaco Peter-Arthur Straubinger ficou fascinado pelo fenômeno. E, ao mesmo tempo, surpreso

que houvesse tão pouca informação sobre esse assunto ao iniciar as pesquisas que levaram ao do­cu­men­tá­rio “Am Anfang war das Licht” (No princípio era a luz). Em busca de uma resposta sobre a existência ou não dos comedores de luz, ele deu a volta ao mundo e gravou entrevistas com as mais diversas personagens, munido de uma pequena câmera. Straubinger falou com cientistas e pessoas que tiveram experiências com a inédia – a renúncia total a qualquer tipo de alimento convencional. Temor da publicidade – Após ocupar-se com o tema durante dez anos, Peter-Arthur Straubinger está

agora firmemente convencido de que existem mesmo seres humanos capazes de manter o jejum, sem sucumbir à inanição e à desidratação. E também descobriu por que ninguém antes dele se aprofundara no assunto: “A maior parte das pessoas que pratica a inédia evita a projeção pública, temendo ser rotulada como enganadores ou charlatães”. Como, a rigor, elas não têm a menor necessidade de convencer ninguém de nada, não fazem grande alarde a respeito. Uma exceção é Jasmuheen, considerada guru dos comedores de luz e que ganha uma pequena fortuna com seus livros e seminários.

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ESPIRITUALIDADE

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Energia organizada – O do­cu­ men­tá­rio de Straubinger dá a palavra a biólogos e físicos quânticos, médicos e nutricionistas. Contudo, a questão “como funciona a inédia” é menos premente para os próprios “co­me­do­ res de luz” do que para o mundo em sua volta. Straubinger falou com a própria Jasmuheen, que descreve em seus livros um processo de 21 dias como caminho para a inédia. No princípio era a luz, adverte para os perigos de autoexperimentos ambiciosos, que podem ter um fim fatal. Pois geralmente a renúncia ao alimento se instaura como efeito colateral de um estado de consciência alcançado através da meditação sistemática. Essa noção conecta-se com a teo­ ria de Dean Radin, pesquisador de fenômenos da consciência, que se ocupa com parapsicologia e telepatia: “A consciência é, aparentemente, um princípio organizador. Energia organizada parece ser aquilo de que precisamos para sobreviver. Nós a consumimos normalmente com a comida, nas plantas e, indiretamente na alimentação animal, com a energia solar lá armazenada”. Os limites do científico – O fenômeno da nutrição através da luz permanece um enigma. Porém o documentário de Straubinger também tematiza a reação dos cientistas quando pesquisas confirmam o aparentemente impossível. A intenção do jornalista é chamar a atenção para a dificuldade em admitir novos modelos conceituais sem abalar a credibilidade da ciência. Na realidade, seu filme não trata apenas do sensacional tema dos comedores de luz, mas também de questionar a visão materialista de mundo. N Fonte: www.dw-world.de

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Paz na criação de Deus Assumir a radical in­ter­de­pen­dên­cia de todas as formas de vida é um desafio essencial para a nossa sociedade e até para a sobrevivência de todo o planeta. por Edson Ponick

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o último Concílio da Igreja Evan­gé­li­ca de Confissão Lu­t e­r a­n a no Brasil (IECLB), no mês de outubro de 2010, em Foz do Iguaçu (PR), a palestra principal abordou o tema “Paz na criação de Deus – esperança e compromisso”. Não foi por acaso. A partir de março de 2011, essa temática será pauta de reflexão e ação em todas as comunidades, paróquias, sínodos e demais instâncias que formam a IECLB. O tema vem acompanhado de um lema, que diz: “Glória a Deus e paz na terra”. Desde o final da década de 1970, a direção da IECLB propõe um tema anual que perpassa as reflexões e as ações nas comunidades. O objetivo é estabelecer um vínculo de unidade em torno de uma temática que gere reflexão e produza ações que testemunham a fé de confissão luterana na sociedade. Nessa perspectiva, já foram abordados temas como terra, educação, inclusão, missão, entre outros. Segundo um texto motivador disponibilizado pela presidência da IECLB, com esse tema se pretende

“realçar o horizonte mais amplo de nossa responsabilidade cristã, a saber, a própria criação de Deus e nosso cuidado por ela”. O tema é atual e urgente, tanto que outras denominações também o abordarão, ainda que com outras ênfases. É o caso da Igreja Católica Apostólica Romana, por exemplo. Outra motivação para a escolha do tema deste ano é a Convocação Ecumênica Internacional para a Paz, que se realizará em Kingston, Jamaica, de 17 a 25 de maio de 2011. A paz almejada com esse tema está relacionada com a justiça, a partilha, a comunhão, o bem-estar e a alegria de viver. É uma paz integral, que vai além da ausência de guerras e outras formas de violência. É paz que garante vida em abundância para todas as pessoas, conforme expressa Jesus em João 10.10. Nesse sentido, entendese que a paz depende de reflexões e ações que relacionem a criação com a economia, com questões de gênero e com a diversidade étnica. Buscar a paz é, então, promover a inclusão, sentir-se parte integrante e responsável pela vida em todas as suas formas e manifestações.


No primeiro artigo do Credo Apostólico, confessamos crer em Deus, Criador do céu e da terra. Essa confissão nos compromete com a criação de Deus. Ela também nos identifica como pessoas que creem que toda a forma de vida depende do amor e da ação de Deus para existir. Confessar que Deus é o criador e man­te­ne­dor da vida também nos lembra que somos parte – e não algo à parte – dessa criação. A maravilhosa criação de Deus tem como uma de suas características o

fato de ser, toda ela, interdependente. Nenhum ser pode prescindir de outro ser para sobreviver. Assumir a radical in­ter­de­pen­dên­cia de todas as formas de vida é um desafio essencial para a nossa sociedade e até para a sobrevivência de todo o planeta. Felizmente, o mesmo Deus que confessamos ser o criador do céu e da terra é também o que nos enche de esperança. Por ser ele o mantenedor da vida, também é nele que encontramos a salvação. E Deus vem ao nosso encontro

Reprodução Novolhar

CARTAZ: A temática quer levar as comunidades a refletir sobre nossa relação com a criação

e nos oferece a salvação na pessoa de seu filho Jesus Cristo. Com o nascimento, a vida, a morte e a ressurreição de Jesus, Deus instaurou o seu reino entre nós. Em Jesus há paz e salvação. Essa continua sendo a nossa esperança. Nossa esperança, no entanto, não é passiva. Daí decorre nosso compromisso. Somos chamados e chamadas a promover sinais do reino de Deus no lugar onde vivemos. Isso implica tomar atitudes e fazer escolhas que preservem a criação. Podemos optar por consumir alimentos industrializados, dupla ou triplamente embalados, produzidos com o uso de agrotóxicos ou comprar produtos em feiras da agricultura familiar. Podemos optar entre andar sempre de carro ou usar transporte coletivo, ir a pé ou de bicicleta. Podemos optar por assistir passivamente a destruição da natureza ou nos aliar a organizações sérias e responsáveis com o meio ambiente, exigindo de empresas e do poder público mais cuidado com a natureza. Buscando preservar a criação de Deus em ações individuais e comunitárias, daremos glória a Deus e contribuiremos para a paz na Terra. Seremos assim humildes pastores e pastoras que ouvem a mensagem da boa-nova cantada pelos anjos no campo e que se colocam a caminho para adorar o menino Jesus. A sobrehumana canção dos anjos motivou os pastores a visitar a sub-humana maternidade do filho de Deus: um curral de animais. Dar glórias a Deus é estar disposto a ir ao encontro da vida em sua simplicidade essencial. É a partir dali que vamos construir a paz; é ali que está a nossa esperança e de onde brota a energia para assumirmos nosso compromisso como parte da criação de Deus. N EDSON PONICK é catequista e coordenador do Departamento de Educação Cristã da IECLB em Porto Alegre (RS)

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penúltima palavra

Os jovens têm tempo para estudar, mas o modelo educacional brasileiro deixa o aluno aprender pouco, maquia a horaaula e desperdiça tempo em sala. por Silvio Iung

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educação básica possui, segundo a Lei de Diretrizes e Bases, como finalidades: “desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores”. Lacunas deixadas na formação que termina no ensino médio serão preenchidas com muitas dificuldades e prejudicam o exercício da cidadania e a evolução no trabalho. Recentemente, alguns diretores da Rede Sinodal de Educação fizeram visitas técnicas a escolas com pontuação destacada no Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM. Os projetos pedagógicos analisados são bastante distintos, mas um ponto é comum: o aluno que estiver exposto a pelo menos 35 horas-aula semanais é aquele que, em condição de normalidade, atinge os índices sa­t is­f a­t ó­r ios de a­pren­di­za­gem. Isso equivale a cerca de 30 horas-relógio na sala de aula. A escola normal possui cerca de 25 aulas de 50 minutos. Algo como 21 horas-relógio por semana durante

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Necessidade de mais aulas

200 dias letivos. São cerca de nove horas por semana a menos do que comprovam as escolas com melhor desempenho acadêmico. Perto de 1.100 horas a menos só nos três anos do ensino médio. Em geral, as escolas ainda têm o problema do aproveitamento do tempo. A aula de cinquenta minutos tem quarenta. Isso representa mais 20% de perda. Os jovens têm tempo para estudar, entretanto o modelo educacional brasileiro deixa o aluno aprender pouco. O tempo utilizado é para quem chega primeiro e não para aqueles que demoram mais. A escola não ensina a estudar. Os jovens que têm predisposição para aprender ou que têm apoio familiar avançam; os outros ficam pelo caminho. Com pouco tempo, a escola não recupera os alunos atrasados. Os longos períodos de recesso para os alunos também prejudicam. Afastar-se por mais de trinta dias, ao invés de levar à consolidação de conhecimentos, leva ao esquecimento. A educação no Rio Grande do Sul, historicamente destacada nos índices de educação no país, vê-se ultrapassada por outros estados. Não por acaso, é o estado na federação que tem o maior período de “férias de verão”. O debate

conceitual é longo, mas, fundamentalmente, o problema se resume a expor o aluno à aprendizagem. Experiências demonstram como tornar mais proveitosa a fase de aprendizagem. O Colégio Juarez Wanderley, em São José dos Campos (SP), seleciona alunos de escolas públicas com renda familiar baixa. O projeto é mantido pela EMBRAER, e os alunos não pagam. As turmas do ensino médio têm 44 horas semanais e ainda seis horas com professores à disposição para ajudá-los a entender os conteúdos. Temas clássicos de indisciplina parecem estranhos a esses alunos, e é de 80% a aprovação em universidades públicas. Avaliações externas, como a do ENEM, têm comprovado o óbvio: sabe mais quem estuda mais. Ou quem está mais tempo exposto ao estudo. Melhorar o país requer começar a tornar mais efetivos os direitos constitucionais implícitos. A sociedade deve exigir e colaborar na qualificação da educação. Ou vamos continuar excluindo muitas pessoas por aquele que deveria ser o N processo inclusivo genuíno. SILVIO IUNG é professor, mestre em teologia e diretor executivo da Rede Sinodal de Educação em São Leopoldo (RS)


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