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Vida ética, uma questão de escolhas
Tu me predestinaste para ser filho teu, para ser teu herdeiro, com os santos, no céu. Como posso pagar-te essa grande mercê?! Pois em mim colocaste a esperança e a fé.
P. Cláudio S. Schefer Brusque/SC
VIDA ÉTICA, UMA QUESTÃO DE ESCOLHAS
Arquivo pessoal
Escrever sobre ética não é tarefa fácil. Muito se fala no cotidiano e na vida profissional sobre ética, mas infelizmente o conhecimento sobre esse tema é superficial, confuso e até mesmo caótico. Diante da diversidade de opções da vida, como decidir pelo que é eticamente correto? Quais referências temos como base para conseguir o que queremos, mas que, ao mesmo tempo, esteja em harmonia com todo o resto que nos cerca? Quais os valores que contribuem para o exercício ético?
Verifica-se que há posturas antiéticas e, às vezes, sem ética nenhuma. Uma das grandes questões Edeltraud F. Nering do ser humano deste século é a falta de parâmetros Arteterapeuta, membra do éticos. Diante da complexidade da vida humana, perdeu-se o conceito sobre o que é ou não é ética. conselho redatorial do Roteiro da OASE
A história da ética entrelaça-se com a história da filosofia e nela busca fundamentos para regular o desenvolvimento histórico-cultural da humanidade. Ética: do latim ethica, moral natural, uma das divisões da filosofia. Sua origem é o grego ethikós. O latim aproveitou o neutro plural tà éthicá, tratado de moral, derivado de êthos, modo de ser, caráter, costume. Mas quando os romanos dominaram a Grécia, já tinham preceitos éticos, embora sob a denominação
de mores, normas de conduta, hábitos, costumes, impostos ao indivíduo pela comunidade desde que o ser humano se organizou para viver em sociedade.
Vários foram os pensadores que estudaram como a ética foi inserida no contexto histórico-cultural da humanidade, revendo e ampliando seus conceitos, provocando transformações, que servem até hoje como linha mestra para tomada de decisões diante das mais diversas situações. Pode-se resumir a ética dos antigos, ou ética essencialista, em três aspectos: o agir em conformidade com a razão; o agir em conformidade com a natureza e com o caráter natural de cada indivíduo; a união permanente entre ética (a conduta do indivíduo) e política (valores da sociedade). A ética era uma maneira de educar o sujeito moral (seu caráter) no intuito de propiciar a harmonia entre o mesmo e os valores coletivos, sendo ambos virtuosos. As profundas transformações que o mundo sofre a partir do século 16 e 17 com as revoluções religiosas como a Reforma Protestante, por intermédio de Lutero, científica com Copérnico e filosófica com Descartes imprimem um novo pensamento na Era Moderna, caracterizada pelo racionalismo cartesiano – a razão é o caminho para a verdade, e para chegar a ela é preciso um discernimento, um método. Em oposição à fé relacionada à ética cristã, surge agora o poder exclusivo da razão de discernir, distinguir e comparar. Pensava-se que a razão pura traria felicidade, no entanto, o mundo continuou oscilando entre guerras e lutas de classes. A ética moderna traz à tona o conceito de que os seres humanos devem ser tratados sempre como fim da ação e nunca como meio para alcançar seus interesses. Immanuel Kant, um dos principais filósofos da Modernidade, afirmava que por natureza o ser humano era egoísta, ambicioso, destrutivo, agressivo, cruel, ávido de prazer, que nunca se sacia e pelo qual se mata, mente, rouba (cf. N. Abbagnano, em seu livro Dicionário de Filosofia, de 1998).
No século 19, o filósofo Friedrich Hegel sugere que a ética deve ser determinada pelas relações sociais. Como sujeitos históricos culturais, nossa vontade subjetiva deve ser submetida à vontade social, das instituições da sociedade.
Na contemporaneidade, o filósofo alemão Friedrich Nietzsche atribui a origem dos valores éticos não à razão, mas à emoção. Ser humano forte é aquele que não reprime seus impulsos e desejos, que não se submete à moral demagógica e repressora. Para coroar essa mudança radical de conceitos, surge o médico neurologista Sigmund Freud com a descoberta do inconsciente: instância psíquica que controla o ser humano, burlando sua consciência para trazer à tona a sexualidade
represada e que o neurotiza. Para Freud, o ser humano deve tentar equilibrar a paixão e a razão. Erich Neumann, psicólogo e escritor alemão, em sua obra Psicologia profunda e nova ética, de 1991, vai além e afirma que longe de projetar nos outros as tendências desordenadas da sua sombra (conteúdos não revelados), o novo ser moral reconhece-as em si, assume a responsabilidade por elas e depois integra-as numa vida moral coerente. A experiência ética reúne caráter e costume: comportamento adquirido ou conquistado, hábito, durante o desenvolvimento da psique humana. É um conjunto de valores morais e princípios que norteiam a conduta humana na sociedade. Para Mario Sérgio Cortella, em seu livro Qual é a tua obra?: Inquietações propositivas sobre gestão, liderança e ética, de 2011, “a ética é um conjunto de valores que você usa para responder as três grandes perguntas da vida humana: Quero? Devo? Posso?”. Ética envolve escolha, ou seja, está ligada à liberdade, à possibilidade de se escolher o que se quer, aquilo que se acredita ser o melhor. Ética também é usar a inteligência partilhada para encontrar a melhor maneira de viver em sociedade. Escolha é a palavra-chave para entender o que é ética no dia a dia. Para o teólogo brasileiro Leonardo Boff (cf. seu livro Ética e moral – a busca dos fundamentos, de 2003): “A ética é parte da filosofia. Considera concepções de fundo acerca da vida, do universo, do ser humano e de seu destino, institui princípios e valores que orientam pessoas e sociedades. Uma pessoa é ética quando se orienta por princípios e convicções. Dizemos, então, que tem caráter e boa índole”. Há decisões que nem sempre são fáceis de serem tomadas, surgindo então os chamados dilemas éticos. Cortella, em seu livro acima citado, lembra que: “Há coisas que eu quero, mas não devo. Há coisas que eu devo, mas não posso. Há coisas que eu posso, mas não quero. Quando você tem paz de espírito? Quando você tem um pouco de felicidade? Quando aquilo que você quer é o que você deve e o que você pode”. Toda escolha envolve a responsabilidade sobre o que foi escolhido! Não se faz distinção entre ética e moral na vida diária. É nos relacionamentos pessoais e interpessoais do cotidiano que surgem os problemas e as indagações morais: o que fazer? Por quê? Como? É quando o sujeito precisa refletir sobre um determinado assunto e tomar providências ou não a respeito do mesmo. Fato é que normalmente não se pensa sobre as ações diárias, que são espontâneas, impulsivas, habituais. Age-se, na maioria das vezes, por força do hábito, dos costumes. Não se faza crítica nem se busca compreender e explicar
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nossa realidade moral. Cortella alerta para o fato de que “hoje a ética de proteção da vida, a ética de coletividade, que é um das formas mais fortes para a elevação de nossa condição, vem sofrendo vários abalos. Cresceu muito a ética fingida, exibida apenas como fachada, na qual se prega o que não se pratica”. A ética da conveniência perpassa todas as áreas e atinge a maioria das pessoas, é o famoso “jeitinho”, para o qual se apela para se conseguir determinados “favores” por ser esta ou aquela pessoa! Além dos princípios gerais que norteiam o bom funcionamento social, existe também a ética de determinados grupos ou locais específicos. Neste sentido, podemos citar: ética médica, ética de trabalho, ética empresarial, ética educacional, ética nos esportes, ética jornalística, ética na política, a bioética etc. Cortella, em seu livro Educação, convivência e Ética: audácia e esperança!, de 2015, cita o filósofo francês Paul Ricouer, que lembra: “Ética é vida boa, para todos e todas, em instituições justas”. É reverenciar os valores morais que sustentam o bom andamento da sociedade. O ser humano é um ser consciente porque possui sentimento de sua existência, da existência dos outros e do mundo. A consciência psicológica e a consciência moral formam a personalidade humana e, juntas, são responsáveis pela situação do ser humano dentro do contexto em que vive. A psicóloga S. M. B. Tommasi, em seu livro de 2005, Revisitando a ética com múltiplos olhares, afirma que, “para desenvolver a personalidade o indivíduo deve escolher o seu próprio caminho, que considera melhor para si, de maneira consciente e com decisão moral”. A consciência conduz o ser humano à reflexão, possibilita a liberdade de escolha. Não há liberdade sem consciência. Enquanto a consciência psicológica permite ao ser humano escolher, a consciência moral com seus valores, normas e prescrições orienta a escolha humana. Logo, os três fundamentos da moral são: consciência – liberdade – responsabilidade. Para Cortella (cf. seu livro Qual é a tua obra?: Inquietações propositivas sobre gestão, liderança e ética, de 2011), “nós temos autonomia, porém não temos soberania. Não agimos por instinto. Agimos por reflexão, por decisão, por juízo”. Sem a ética não sobreviveríamos como humanidade. Normas são importantes para amparar a conduta diária seja em âmbito pessoal ou profissional. No entanto, essas mesmas normas precisam estar adequadas, para tanto precisam por vezes ser reelaboradas visando ao bem-estar de todos e todas, gerando qualidade de vida, estimulando a convivência saudável, que conduz a um mundo, que é casa comum (ethos), bem cuidado e sustentável.
O apóstolo Paulo, em sua Primeira Carta aos Coríntios, no capítulo 6, versículo 12, traz uma excelente definição sobre o que seja ética: “Tudo me é lícito, mas nem tudo convém”, ou seja, não faça à outra pessoa aquilo que você não quer que façam para você!
Dinâmica: O que você faria se...
Objetivo: Refletir sobre situações que envolvem escolhas e comportamento ético. Material: Preparar tiras de papel com as seguintes perguntas (podem ser acrescentadas perguntas sobre outros assuntos que não estão citados abaixo): Ø O que você faria se encontrasse um envelope perdido na rua com os dizeres:
“Informações sigilosas do Governo Federal”? Ø Se você pudesse descobrir a cura de uma doença, qual seria? Ø O que você faria se ganhasse um beijo de um desconhecido? Ø O que você faria se ganhasse 50 mil reais? Ø O que você faria se não tivesse como alimentar seus filhos e filhas? Ø O que você faria se seu melhor amigo lhe pedisse muito dinheiro emprestado e não pagasse o empréstimo? Ø O que você faria se pudesse ficar invisível? Ø Se você pudesse viajar no tempo, para onde iria? Ø O que você faria se soubesse que sua melhor amiga sofreu agressão do marido? Ø O que você faria se voltasse a ser criança? Ø O que você faria se visse uma pessoa conhecida roubando algo? Ø Se você encontrasse Deus e tivesse o direito de lhe fazer uma única pergunta, qual seria? Ø O que você faria se descobrisse que seu filho ou sua filha foi trocado na maternidade? Ø O que você faria se tivesse que deixar sua herança para uma única pessoa da família, embora sua família seja grande? Ø O que você faria se soubesse que tem apenas um mês de vida? Ø O que você faria se tivesse que escolher entre ganhar uma viagem ou uma linda casa? Ø O que você faria se encontrasse a carteira com os documentos de uma pessoa com quem você teve um desentendimento e nunca mais falou com ela?
Desenvolvimento: 1. Dividir em grupos de quatro pessoas. 2. Entregar uma pergunta para cada pessoa, que deverá ler e refletir sobre a questão. 3. Partilha: pedir que cada pessoa leia sua pergunta, e o grupo dialoga sobre cada uma das questões, ampliando assim a reflexão. 4. Cada grupo escolhe a questão que achou mais difícil de responder para apresentar ao grande grupo (plenária). 5. Encerramento: a pessoa que coordena solicita que algumas pessoas se manifestem dizendo sobre como se sentiram durante o trabalho em grupo e como foi refletir sobre as perguntas distribuídas.
Edeltraud F. Nering Rio Negrinho/SC