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Nossa igreja e as novas colonizações do Brasil Central e Norte [Segunda parte
NOSSA IGREJA E AS NOVAS COLONIZAÇÕES DO BRASIL CENTRAL E NORTE [Segunda parte]
Os colonos pioneiros que migraram para Mato Grosso, com poucas exceções, foram famílias que não encontraram espaço nas áreas onde viviam. As terras estavam ocupadas. Eram famílias com filhos pequenos ou casais sem filhos. Repetiu-se o que ocorreu com migrantes pobres europeus e, depois, com a migração interna no Brasil. Casais jovens foram em busca de território para viver. Eram, na maioria, pessoas com poucos recursos financeiros. As colonizadoras vendiam áreas afastadas dos centros de apoio, de logística e de infraestrutura. Faltavam estradas, meios de se comunicar, vender e comprar produtos. Não havia escolas para as crianças, assistência básica de saúde, energia elétrica, moradia digna, água somente dos córregos, sujeitos a doenças tropicais, como a malária, Leishmaniose e outras. Além dos acidentes na mata e na lavoura. Muitas pessoas foram a óbito por falta de tratamentos de saúde. O contexto da primeira geração de migrantes luteranos foi de muitas lutas pela vida e dignidade. Em relação à posse das terras e abertura de lavouras, eles tiveram problemas. Migraram com poucos recursos. Como os locais da colonização eram distantes das infraestruturas, a possibilidade de adquirir terras foi mais fácil. Tiveram financiamento bancário para abrir lavouras, mas os financiamentos bancários foram “armadilhas”. Os juros, no fim da década de 1970 e 1980, eram altos. A precariedade de produzir em terras desconhecidas por eles era significativamente negativa. A distância dos centros de consumo dos frutos da terra era de centenas de quilômetros, dificultando a venda dos produtos. Os migrantes ficaram sem recursos e sem suas terras. Sobreviveu quem não fez muitas dívidas. Os outros migraram para as vilas próximas ou para as cidades à procura de outros trabalhos e modos de vida. A solidariedade foi profundamente importante como expressão prática da fé e como forma de sobrevivência inclusive. No caminho a um território foram, historicamente, as trajetórias de sobrevivência de parte significativa de luteranos que migraram para as Novas Áreas de Colonização. Foi diferente do que a fala oficial. O povo veio para sobreviver. Muitos reconstruíram sua vida. Outros nem chegaram a tanto. Poucos enriqueceram financeiramente. E aí, também, houve ruptura da comunhão. Faltou solidariedade em algumas comunidades. Essa falta foi percebida e sentida entre os membros da própria comunidade e com o povo autóctone.
Nas ausências e nas presenças de lugares para solidariedade das comunidades de origem, os migrantes encontraram outros novos jeitos para criar vínculos. Cada comunidade foi construindo esses espaços de acordo com sua possibilidade e realidade local. As próprias comunidades foram espaços importantes para a prática da solidariedade. Os grupos das mulheres, da OASE, foram referenciais de sensibilidade com as dores alheias. Os grupos foram espaços de comunhão, de solidariedade, de acolhida, de poimênica. Criaram consciência e compromisso com as pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade. Seus cursos foram como escolas de mulheres. A metodologia dialógica e participativa e a pedagogia freireana da autonomia impulsionaram um processo educacional bíblico e ajudaram na conscientização sobre aspectos fundamentais da vida das mulheres em comunidade e em sociedade. Seus grupos se revelaram como espaços de solidariedade.
Os chás, jantares e almoços comunitários tiveram, num determinado período das NAC, quase o sentido de Santa Ceia, o sentido original da ágape na comunidade primitiva. Foram vivências de partilha e de solidariedade.
Encontro promovido pela OASE (grupo de mulheres) da Comunidade de Cuiabá, em novembro de 1982. O grupo de mulheres é um dos grupos mais engajados nas comunidades
Jesus disse: Felizes são as pessoas que promovem a paz, porque elas são filhas e filhos de Deus. (Mateus 5.9)
Os grupos comunitários de solidariedade social e pessoal, motivados pela fé, realizaram ações em favor de crianças, indígenas, de pessoas em privação de
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liberdade, mulheres, encontros bíblicos ecumênicos, em conselhos municipais de direitos humanos e outros. Nesses grupos, a juventude teve presença em manifestos públicos pela justiça, pela paz, por direitos humanos de todos e todas. A Comunidade de Cuiabá participou do momento histórico em que viveu sua cidade, o país e o mundo. A Bíblia ocupou seu lugar para a edificação da vida de fé, de comunhão e de ação. Os pactos e tratados de direitos humanos foram instrumentos significativos de defesa e promoção da vida, unindo igreja, comunidade ecumênica e secular num mesmo ideal para enfrentar as necessidades humanas.
Jesus disse: Felizes são as pessoas que têm fome e sede de justiça, porque serão saciadas. (Mateus 5.6)
A Comunidade de Canarana esteve presente e atuante na construção social por posto de saúde, cuidados com a educação na organização da escola e formação geral para agroecologia e escola família agrícola, com pedagogia da alternância. Em 1974, Canarana organizou um jardim de infância e, nele, acolheu, segundo informações contidas em cartas, 23 crianças. Considerando que, naquela época, a educação infantil era raridade do Brasil, em Mato Grosso, por exemplo, as políticas educacionais oficiais do estado não tinham esse horizonte. Nessa colonização com migrantes minifundiários e meeiros, o cuidado das crianças pequenas e a educação foi uma realidade prática da comunidade luterana.
Primeira escola comunitária construída pelos migrantes, em Canarana/MT, 1976. São filhos e filhas de migrantes que acompanharam seus pais, saindo do sul do Brasil, acampando em Canarana