Cultura.Sul40Dezembro

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DEZEMBRO • Mensalmente com o POSTAL em conjunto com o PÚBLICO

8.923 EXEMPLARES

DEZ | 2011 • Nº 40 • Mensal • O Cultura.Sul faz parte integrante da edição do POSTAL do ALGARVE e não pode ser vendido separadamente

www.issuu.com/postaldoalgarve

António Lobo Antunes apresenta Comissão das Lágrimas

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EXCLUSIVO Cultura.Sul à conversa com o escritor O Cultura.Sul esteve à conversa com o escritor na sua visita ao Pátio de Letras em Faro. Fique a conhecer o homem maior das letras portuguesas e a sua visão do percurso literário e do país. A dificuldade que é a arte de escrever e a inquietude de uma figura singular com a as injustiças que existem em Portugal.


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Cultura.Sul 02.12. 2011

Um espaço que dá relevo a uma fonte de actividade literária que fervilha, muitas vezes, à margem dos circuitos convencionais.

blogosfera

Jady Batista

Cuidado com as MINÚSCULAS Henrique Dias Freire

Editor do CULTURA.SUL

Não há dinheiro para nada! Com o Orçamento de Estado para 2012, as actividades culturais vão passar a ser taxadas à taxa intermédia do IVA (13%), o que representa uma aumento de 7%. Se somarmos à nova redução para 2012, o corte feito no ano anterior, muita coisa vai ter que mudar na área cultural deste país. As áreas do teatro, dança, música, artes visuais e arquitectura vão ter uma diminuição até perto de 40% das comparticipações a conceder em 2012, em relação ao valor contratualizado em 2011. Segundo a Direcção Geral das Artes, alguns cortes poderão chegar a 90%, no caso dos “maus alunos” [entenda-se as entidades artísticas que não cumpram o contrato assinado], para assim poderem ser premiados os “bons alunos”. A verdade é que grande parte dessas verbas já não chegava ao Algarve. O orçamento da Cultura sempre foi muito centralista. Não fossem os orçamentos das autarquias locais e as actividades dos agentes e das empresas locais e o Algarve já teria parado no tempo. Da já velha expressão “Não há dinheiro!” passou-se agora para uma contundente afi rmação de “Não há dinheiro para nada!”. E para piorar ainda mais a situação económica de todos, os próprios prazos de pagamentos nunca foram tão desrespeitados como neste últimos meses. Mais do que nunca, os tempos actuais exigem uma grande dose de imaginação e de bom senso para não deitarmos quase tudo a perder. Esperamos que os nossos políticos eleitos saibam dar o exemplo e merecer a confiança, principalmente dos nossos agentes culturais. Nós estaremos cá para ver e para exigir o que é devido.

Ficha Técnica Direcção: GORDA Associação Sócio-Cultural Editor: Henrique Dias Freire

Cuidado com as minúsculas! Não é porque, segundo o AO, os nomes dos meses, das estações do ano e dos dias da semana se passam a escrever com minúscula, que o pessoal começa a usar as minúsculas a torto e a direito. Também fulano, sicrano e beltrano perdem o direito à Maiúscula, o que não quer dizer que agora se passe a tratar as pessoas de forma ofensiva, como por exemplo o tal senhor doutor juiz (opcionalmente com minúscula ou maiúscula, conforme o AO) que foi afastado compulsivamente de exercer as suas funções, porque terá, alegadamente (nunca esta palavra foi tão útil …), alegadamente, dizia, absolvido a ré fofinha. Ora a sua intenção era dizer “fofinha com maiúscula” e não “fofinha com minúscula”, como foi transcrito para a acta. Fofinha era a empresa que foi absolvida e não a representante da FOFINHA, que talvez fosse “fofinha”, com minúscula, mas nesse assunto o juiz nada tinha a dizer. O facto de ter mais de 200 processos em atraso é que não abonou a ser favor, apesar de ficar ilibado das fofices.

Espaço CRIA

Sofia Vairinho

Advogada/Colaboradora do CRIA - Divisão de Empreendedorismo e Transferência de Tecnologia da Universidade do Algarve

No atual espectro económicosocial poderá ser dada particular atenção à proteção dos direitos de propriedade industrial enquanto elementos necessários para o incremento das relações jurídico-comerciais.

Paginação: Postal do Algarve Responsáveis pelas secções: » blogosfera.S: Jady Batista » livro.S: Adriana Nogueira » momento.S: Vítor Correia » museu.S: Isabel Soares » panorâmica.S: Ricardo Claro

Diz o Boletim informativo do conselho de magistratura (agora com minúsculas, de acordo com o AO), que numa das sentenças, relativa a um processo de 2009 e terminado um ano

mais tarde, “consta uma nota da acta” que diz que “pelo M.mo Juiz foi dito oralmente “absolvida a ré fofinha””. Ai as minúsculas e as maiúsculas... que confusões trazem! Cuidado!

Blog: http://ascoisassaocomosao. blogspot.com/ Postagem: http://ascoisassaocomosao. blogspot.com/2011/11/cuidado-com-asminusculas.html

A protecção e valorização dos direitos intangíveis A identificação de uma marca apelativa para um negócio que possa conduzir a um processo de franchising, ou a identificação de uma solução nova para um problema técnico existente que conduza ao registo de uma patente são exemplos de posturas que logram ditar o compromisso que empresas, ou outras entidades, podem assumir como aposta numa eventual estratégia de internacionalização ou expansão comercial. As empresas e as universidades poderão estreitar laços em prol do desenvolvimento tecnológico, definindo estratégias, nacionais ou internacionais, de valorização dos direitos intangíveis, celebrando acordos de transferência de tecnologia que envolvam direitos de propriedade intelectual (DPI) . Em termos práticos os direitos de autor e direitos conexos,

os direitos de propriedade industrial, a proteção do know-how, a proteção do segredo industrial, ou a proteção do software, são alguns exemplos de direitos e questões “valorizáveis” que poderão ser enquadrados na formalização de contratos de transferência de tecnologia. Atenta a capacidade, individual ou coletiva, de maximização do investimento em DPI e considerando as capacidades competitivas exigidas no mercado global é este o momento oportuno para que empresas e entidades esclarecidas possam apresentar respostas credíveis e de excelência devidamente protegidas e aptas a ser comercializadas numa escala mundial. De salientar que a nível nacional existem várias entidades vocacionadas para prestar informações sobre a

proteção dos direitos de propriedade industrial (marcas, logótipos, desenho ou modelo industrial, patentes e modelos de utilidade, entre outros). Neste sentido, assume particular relevância realçar o papel dos Gabinetes de Apoio à Promoção da Propriedade Industrial (GAPI), dos Agentes Oficiais da Propriedade Industrial (AOPI) e Advogados com experiência no assunto, das Lojas de Empresa e do Próprio Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). É premente apostar na proteção dos DPI, mas tal proteção é apenas o início de uma caminhada que permite a valorização de um novo produto, serviço, processo ou estratégia comercial.

Colaboradores: AGECAL, ALFA, CRIA, Cineclube de Faro, Cineclube de Tavira, DRCAlg, DREAlg, António Pina, Pedro Jubilot. Nesta edição: Dália Paulo, João Serrão Martins, Malin Löfgren, Sofia Vairinho

Parceiros: Direcção Regional de Cultura do Algarve, Direcção Regional de Educação do Algarve, Postal do Algarve

on-line: www.issuu.com/postaldoalgarve

e-mail: geralcultura.sul@gmail.com

Texto elaborado ao abrigo do novo acordo ortográfico.

Tiragem: 8.923 exemplares


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cinema Cineclube de Faro

Solveig Nordlund no IPJ

Mais uma vez, a programação fala por si – na variedade (presença de realizadores, apresentação de livro, sessão infantil, colaboração com outras entidades, sessões de cinema pagas e grátis) e na diversidade de propostas. Destacar, sem dúvida, a presença de Solveig Nordlund para acompanhar a adaptação de “A Morte de Carlos Gardel”, romance de António Lobo Antunes. É sempre uma honra e um prazer poder debater com um autor a sua obra. Ainda para mais, tal presença deve-se à colaboração com a Biblioteca Municipal de Faro, onde a realizadora, na tarde do próximo dia 5, terá uma conversa com alunos do ensino secundário sobre ‘fazer cinema’. Ou a presença de alguns dos realizadores que entrevistaram outros realizadores – gente jovem a querer saber mais sobre o cinema que por cá se faz. Colaborando com o CIAC - Centro de Investigação em Artes e Comunicação, oferecemos assim uma prenda de Natal intitulada “Um Filme Português”. Outra prenda é a mini-retrospetiva de Edgar Pêra, cujo “O Barão” daremos em Janeiro - e desta maneira, na sede, o público poderá familiarizar-se com (ou recordar) alguns dos maravilhosos títulos deste tão

PROGRAMAÇÃO

www.cineclubefaro.com

Projecto LIVROS EM CADEIA Biblioteca da Universidade do Algarve

CICLO OS AMORES INCONDICIONAIS

(Gambelas) ¦ 18 horas ¦ entrada livre

IPJ ¦ 21.30 horas ¦ Entrada paga 9 Dez ¦ Fátima Rolo Duarte - O filme 5 Dez ¦ A Morte de Carlos Gardel, Sol-

da minha vida é o Johnny Guitar mas

veig Nordlund, Portugal, 2011, 85 , pre-

a Agnès Varda é quem me põe a falar

sença da realizadora

(muito)

12 Dez ¦ Pequenas Mentiras entre Ami-

Livro a apresentar: Agnès Varda; Le Ci-

gos, Guillaume Cantet, França, 2010,

néma et au-delà, de Antony Fiant

154 , M/12 SESSÃO INFANTIL Cine-teatro de Estoi ¦ 15 horas ¦ Entrada livre 17 Dez ¦ Um Gato Sem Nome e Outras Histórias, 7 curtas-metragens de animação infantil portuguesa - Colaboração com a Junta de Freguesia de Estoi SESSÃO TENDÊNCIAS DO CINEMA

único e peculiar realizador português. Prenda de Natal, por último, a oferecida a todas as crianças, e seus pais, seja da freguesia de Estoi, seja de qualquer outra do nosso concelho, numa primeira colaboração com a Junta de Freguesia local. Filmes de animação portugueses dirigidos ao público infantil no Cine-Tea-

tro de Estoi. Por fim, prenda que nos dão a nós: o livro sobre Agnès Varda foi-nos oferecido por Fátima Rolo Duarte, que o vem apresentar na Biblioteca da Universidade do Algarve, em Gambelas, e, de si mesma, a presença da palestrante é uma prenda - e especialmente colorida e valiosa!

CICLO PÊRAS DO EDGAR

PORTUGUÊS (coordenação João Ma-

Sede ¦ 21.30 horas ¦ Entrada livre

ria Mendes) IPJ ¦ 21.30 horas ¦ entrada livre

7 Dez ¦ Algumas Curtas-metragens, Edgar Pêra, Portugal, 78

19 Dez ¦ Um Filme Português, Levi Mar-

14 Dez ¦ A Janela, Edgar Pêra, Portugal,

tins, Vitor Alves, Miguel Cipriano, Jorge

2001, 104

Jácome, Vanessa Sousa Dias, Carlos Pe-

21 Dez ¦ Movimentos Perpétuos - Cine-

reira, Portugal, 2011, 104

tributo a Carlos Paredes, Edgar Pêra,

Presença dos realizadores

Portugal, 2006, 70

Colaboração com CIAC

Cineclube de Tavira

Jafar Panahi, cineasta preso

destaque

Há dias, estrearam em Portugal dois filmes do realizador iraniano Jafar Panahi, que desde Março de 2010 está preso e proibido de fazer filmes durante 20 anos. Iniciamos o nosso programa do mês de Dezembro com o seu último Isto Não é Um Filme, realizado já sob prisão e que talvez seja a sua obra mais interessante até hoje. O segundo, Offside (Fora de Jogo), realizado em 2006, passará em Tavira no início de Janeiro. Felizmente fomos contactados pela produtora de A Morte de Carlos Gardel, já têm uma cópia disponível (o filme apenas estreou nas salas em formato digital, inalcansável – por enquanto – pelos cineclubes...). Quem se lembra dos beat poets novaiorquinos dos anos ’60 (Ferlinghetti,

Burroughs, Kerouac, Ginsberg) certamente terá interesse em ver Howl, baseado no poema de Allen Ginsberg que, ao ser lançado, teve um efeito de bomba nos E.U.A. Em sessão extraordinária, no sábado, 17 de Dezembro, iremos exibir um documentário sobre a pesca do polvo em Santa Luzia, Tavira, realizado por José Meirelles e apoiado pelo Município de Tavira. Meirelles estará connosco para introduzir e falar sobre o seu filme. Mais um filme este mês com um tavirense, Vítor Correia, no Barão de Edgar Pêra. Esperamos Jafar Panahi poder contar com ele para que nos conte algo sobre a sua experiência. de sócio): Bartolomeu Cid dos Santos E, finalmente, na última sessão do - Por Terras Devastadas, no filme de ano, queremos fazer homenagem a Jorge Silva Melo... Boas entradas e um amigo de Tavira e sócio do Cine- que 2012 se torne um ano de muitas clube (a sua viúva continua com seu nº mudanças!

BELA ADORMECIDA 10 DEZ | 21.30 | Auditório Pedro Ruivo – Faro Bela Adormecida é um ballet com interpretação dos alunos do Conservatório Regional do Algarve e da Companhia de Dança Álgora - Companhia de Dança Regional do Algarve - da Fundação Pedro Ruivo

PROGRAMAÇÃO

www.cineclube-tavira.com 281 320 594 ¦ 965 209 198 ¦ cinetavira@gmail.com SESSÕES REGULARES

Tavira ¦ Na Presença do Realizador)

Cine-Teatro António Pinheiro ¦ 21.30h

José Meirelles, Portugal 2011 (55 ) M/12

2 Dez ¦ In Film Nist (Isto Não é

18 DEZ ¦ The Help (As Serviçais)

um Filme)

Tate Taylor, E.U.A./Índia/Emiratos Árabes

Mojtaba Mirtahmasb e Jafar Panahi, Irão

Unidos 2011 (146 ) M/12

2010 (75 ) M/12

22 DEZ ¦ O Barão

4 Dez ¦ Howl (Uivo)

Edgar Pêra, Portugal 2011 (105 ) M/12

Rob Epstein, Jeffrey Friedman, E.U.A. 2010

25 DEZ ¦ Não há sessão

(84 ) M/16

29 DEZ ¦ Bartolomeu Cid dos Santos

9 DEZ ¦ A Morte de Carlos Gardel

- Por Terras Devastadas

Solveig Nordlund, Portugal 2011 (87 )

Jorge Silva Melo, Portugal 2009 (61 )

M/12

M/12

11 DEZ ¦ 50/50 Jonathan Levine, E.U.A. 2011 (99 ) M/16 15 DEZ ¦ Rien à Déclarer (Nada a Declarar) Danny Boon, França 2010 (108 ) M/12 17 DEZ ¦ Na Teia do Polvo (documentário sobre a pesca do polvo em Santa Luzia,

FESTIVAL DO FADO Dias 9 e 10 DEZ | 18.00 às 02.00 | Portimão Arena Pela mão de Ana Moura, Carlos do Carmo, Carminho e Cuca Roseta, o fado vai sair de Lisboa e visitar Portimão. Quatro grandes artistas, quatro géneros diferentes de cantar e de sentir o fado


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panorâmica • ORQUESTRA DO ALGARVE

Depois da turbulência a bonança de Outubro a Agosto. “A grande vantagem desta opção assenta na anulação de potenciais e frequentes confl itos entre as escolhas artísticas e as disponibilidades fi nanceiras da instituição, ultrapassando ab initio questões que reconhecidamente constituem um dos problemas mais recorrentes nas orquestras”, refere Maria Cabral, presidente da OA. Os novos maestros

O maestro Pedro Neves à frente da orquestra de que é titular Criada em 2002, a Orquestra do Algarve (OA) trouxe à região uma das ferramentas culturais indispensáveis para que o naipe de oferta cultural de uma das mais prestigiadas regiões nacionais, dentro e fora de fronteiras, pudesse apresentar-se mais perto da completude.

Maestro John Avery Mas nada é tão fácil como à primeira vista possa parecer e ter uma orquestra decerto não o é. Importava colocar a OA num patamar de reconhecimento condicente com aquilo que se pretende de uma orquestra de referência a nível nacional, tornála digna da mesma credibilidade e reconhecimento a nível dos circuitos internacionais do meio, fazê-lo dentro de padrões de custos aceitáveis para a dimensão do país e da própria instituição, bem como, das

entidades que fazem parte dos seus corpos sociais. A juntar a todas estas exigências somavam-se as pedras de toque fundamentadoras da necessidade de uma orquestra no Algarve: a criação de um circuito de música erudita a nível regional e a promoção desta área de actividade cultural, assim como, dinamizar a formação de públicos, garantindo a presença da música clássica nas necessidades culturais dos algarvios, ao mesmo tempo que se garantia uma oferta turístico-cultural que passava a integrar este segmento do panorama cultural. Tudo assumido num trabalho que se fez com o tempo e que nunca decerto se esgotará, mas que - como todos - se fez de momentos e decisões, uns mais bem conseguidos do que outros. Depois de tempos carregados de conturbações, a bonança chega com a estabilidade que parece agora alcançada. Depois de resolvidas as questões financeiras e atingido o equilíbrio formal de contas, depois de solucionadas as questões laborais e, acima de tudo, depois da estabilização dos instrumentos regulamentares e funcionais, a OA vive hoje numa nova fase do seu percurso onde a coesão, o empenho e a sustentabilidade das relações das instituições se mostram asseguradas. Passo imprescindível para que se reforce a qualidade artística da orquestra.

Comissão de Programação Artística, uma inovação com provas dadas Ao contrário do que acontece na maioria das orquestras nacionais, em que a programação artística está dependente de uma única pessoa, o

Maestro Cesário Costa director artístico, a OA inova ao criar uma Comissão de Programação Artística integrada por todos os maestros com funções na orquestra - Pedro Neves, maestro titular, Cesário Costa, maestro convidado principal e John Avery, maestro associado - e dois elementos da direcção. A este órgão que foge aos cânones típicos do organigrama das orquestras nacionais cumpre a definição, negociada, de toda a programação da temporada da OA, que se prolonga

Novidades também ao nível dos maestros com responsabilidades efectivas na condução da OA. Pedro Neves assume a titularidade e trouxe à OA uma atitude e posicionamento compatíveis com a condição de um dos mais reconhecidos novos talentos no meio da direcção de orquestra a nível nacional, a que se alia a experiência de Cesário Costa e de John Avery, o primeiro, um nome incontornável do panorama nacional, e o segundo, traz à orquestra a experiência da direcção de orquestras em Inglaterra. Estes maestros garantem uma programação renovada e diversificada que proporciona uma heterogeneidade da oferta artística da OA. As novidades da temporada 2011-2012 Pela primeira vez fechada em Setembro, com manifestos ganhos, a programação da OA apresenta esta temporada novidades de peso. Os programas passam a estar organizados em ciclos, cuja coerência sai reforçada, de: Música para Famílias; Música do Século XX; Música de Câmara e Música Inglesa, a que se somam os ciclos Solistas da Orquestra do Algarve, Concertos Promenade e Concertos Pedagógicos. Destaque para o ciclo Música para Famílias que, pela primeira vez, integra os programas da orquestra. Uma iniciativa que pretende guiar as famílias na aproximação à música erudita e que teve estreia em Albufeira. O ciclo conta com uma cuidada apresentação e comentários pensados para dar a conhecer a música clássica às famílias, partindo da audição de um compositor como tema central de cada concerto. A condução do público através das obras interpretadas pela orquestra é da responsabilidade da reconhecida musicóloga Vanda de Sá. O futuro A Orquestra do Algarve apresen-

ta hoje uma acalmia que há muito lhe era desconhecida, o que, como a própria presidente reconheceu ao Cultura.Sul, cria todas as condições para o amadurecimento do projecto e para alcançar níveis de qualidade sempre crescentes. Nesse futuro antevisto como promissor, no entanto, Maria Cabral não sabe ainda se se integra. “Ainda não ponderei sobre se a haver um convite para continuar a presidir à OA o aceitaria”, diz Maria Cabral, “o meu mandato termina em 2012 e só quando a questão se colocar me debruçarei sobre a mesma”, conclui.

PRÓXIMAS ACTUAÇÕES DA OA: 10 Dez ¦ 17 horas Centro Cultural | Vila Real de Sto. António 11 Dez | 17 horas Aud itór io Mun icipa l | Albufeira Ciclo de Concertos para Famílias Compositores: Alexander Borodin; Anton Arensky; Sergei Rachmaninov; Sergei Prokofiev Maestro: Alim Shakh Comentadora: Vanda de Sá 14 Dez ¦ 21.30 horas Universidade do Algarve | Gambelas Aniversário da Universidade do Algarve Compositores: Edvard Grieg; Karl Jenkins; Franz Lehár; Leroy Anderson Maestro: John Avery 17 Dez ¦ 21.30 horas Teatro Municipal | Portimão 18 Dez ¦ 16.30 horas Igreja S. Pedro do Mar | Quarteira 21 Dez ¦ 21.30 horas Auditório Municipal | Lagoa Ciclo de Concertos de Natal Comp ositores: A nt o n ; Beethoven Maestro: Sérgio Alapont


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Ricardo Claro

• LITERATURA

António Lobo Antunes ouvido pelo Cultura.Sul cias são importantes, mas não consigo seriá-las. Foi importante na medida em que foi muito tempo da minha vida”. Mas da Angola de hoje e do seu futuro o escritor afirma conhecer pouco, “não sei… não conheço Angola neste momento. É um país imenso e o meu conhecimento é muito parcial nessa medida, a realidade que conheço de Angola é muito curta, é a realidade das companhias de combate, de estar sempre na fronteira… das cidades conheço pouco, só de passagem”. Não obstante, o pouco é sempre muito, quando é o nosso pouco, “nós a partir do nosso pequeno mundo construímos o mundo inteiro”, disse António Lobo Antunes, que a partir da sua visão “estreita” e “parcial” de Angola constrói em a Comissão das Lágrimas um mundo que lhe permite levar ao leitor os sentimentos e a paleta que se lhe propôs transmitir assentes na ficção.

África, mais precisamente Angola, marcam irredutíveis o universo da vida e da escrita de um dos nomes mais marcantes da literatura portuguesa, António Lobo Antunes, que se apresentou recentemente na livraria Pátio de Letras, em Faro, para apresentar o seu último livro. O momento perfeito para uma troca de palavras entre o escritor e o Cultura.Sul. Comissão das Lágrimas é o título da última obra do escritor e simultaneamente de uma verdadeira comissão criada em Angola e que protagonizou um dos momentos mais negros da história do país no pós independência de Portugal. A obra não é documental, nem retrata a realidade daqueles tempos que se seguiram ao que alguns consideram ter sido um golpe de Estado encabeçado por Nito Alves contra a presidência de Agostinho Neto. Como o próprio

Escritor ou pensador

destaque

António Lobo Antunes afirma: “nada é real, tudo se passa na cabeça dela (Elvira)”, a voz feminina que o homem da pena escolheu para protagonizar a narrativa simbólica e para ser o espaço onde a culpa e o perdão ganham expressão como ideias fundamentais do livro. Nada é real na obra, mas Angola é uma marca real em António Lobo Antunes. Ao Cultura.Sul diz-se distante de uma terra “onde nunca mais voltei”, mas sente-se o peso do que viveu ali. Como o próprio diz, Angola foi “importante… Todas as experiên-

ESPECTÁCULO DE DANÇA 16 DEZ | 19.00 | Centro Cultural de Lagos O espectáculo é constituído por diversas coreografias, algumas alusivas à época natalícia, interpretadas pelos alunos da Associação de Dança de Lagos

A sala apinhada em Faro ouviu longamente a eloquência do homem, do gigante de voz penetrante, do peso das frases que saem feitas por inteiro e acabadas de sentido na completude que exibem. Mas António Lobo Antunes enjeita a visão de si proposta pelo Cultura.Sul de pensador da realidade portuguesa e da humanidade em geral. “Não sou um pensador da realidade portuguesa ou da humanidade, isso faz, por exemplo, o Eduardo Lourenço”, afirma na recusa do papel proposto, substituindo a pele oferecida pela de alguém que “reage mais por instinto” a “situações que me parecem de injustiça em relação ao meu país e em relação ao povo do meu país”. Mesmo como escritor, António Lobo Antunes diz que escreve “o que pode, não o que quer” e por isso remata, “não tenho direito a esse título de pensador”. Um acto de protesto Mas da conversa com os leitores que enchiam a sala sai a voz de quem

pensa Portugal. Sobre o país numa das muitas considerações que teceu em Faro afirma que, “numa altura tão difícil e injusta, que os portugueses têm aguentado com uma paciência que eu considero inexcedível, em que vivemos num neofascismo capitalista, que afasta ainda mais as pessoas da cultura e dos livros, estar aqui hoje é, também, um acto de protesto”. António Lobo Antunes falou de muito e de tudo, mas, no fim, soube a pouco e quase nada, face à clarividência com que expõe o desenho que faz do país e a sua vida actual, fruto dum distanciamento, dum desapego na análise e duma frieza formal aparentes e raros. O escritor discorreu sobre Portugal e os portugueses, sobre a literatura nacional e a sua falta de qualidade em muitos casos, sobre o lixo televisivo e a falta de programas culturais, sempre fiel a uma frontalidade que se lhe reconhece e que corta de nua. Indignado com algumas das coisas a que assiste faz ouvir uma revolta rasante e certeira face à injustiça com que se depara. A escrita é um penar profundo No Pátio de Letras a figura maior da escrita portuguesa deu-se ao público num “acto de protesto”, mas também de entrega com a mesma força com que se entrega à escrita, com que a defronta, pois como afirmou ao Cultura.Sul “escrever é muito difícil”, é um penar profundo face ao qual não tenho o direito de revoltar-me… foi aquilo que escolhi ou que me escolheu”. Uma escolha em todo o caso acertada para os leitores do homem para quem a convivência com os livros que escreveu é pacífica. “Já estão esquecidos, foi outra pessoa que os escreveu… para mim seria impossível corrigi-los como fazem outros escritores, porque quem fez esses livros foi uma pessoa que não tem nada que ver com a pessoa que eu sou agora. Seria como estar a corrigir os livros de um outro e eu, esse direito não tenho”.

LAÇO DE SANGUE 7 DEZ | 21.30 | Teatro Lethes, em Faro Espectáculo, pela ACTA, que conta a história de dois irmãos, filhos da mesma mãe, um de pele clara e o outro de pele escura, que tentam aliviar o tédio da sua existência ao comprar um jornal para que Zach, de pele escura e analfabeto, possa obter uma correspondente


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Espaço Educação

UM OLHAR SOBRE BULLYING

destaque

Com alguma frequência, somos alertados pela comunicação social para situações de violência que ocorrem, nas nossas escolas, entre os jovens. Foi a publicação recente de uma notícia sobre Bullying que se constituiu como uma oportunidade para este olhar, tanto mais que a notícia foi publicada com perspectivas bem diferentes por dois jornais, um de tiragem nacional e outro local, este último muito mais preocupado com os efeitos sobre a vítima e com os efeitos sociais que tais situações acarretam. Não recusamos a existência do fenómeno. A confi rmar-se, o Bullying é um problema público e o hábito de intimidar os outros, de sujeitar alguém a este tipo de violência, deve ser condenado. Recusamos, isso sim, qualquer ideia de instrumentalização do facto; criticamos a exposição pública sensacionalista da situação sem antes se recorrer aos meios locais disponíveis com outra sensibilidade para abordar os problemas, no contexto local, interdependentes e relacionados com a comunidade. A escola, enquanto local de aprendizagem por excelência, organiza-se de modo a promover e garantir um ambiente harmonioso propiciador do desenvolvimento pessoal e integral das crianças e jovens, mobiliza-se no sentido de garantir segurança e de prevenir atos de violência. Sem querer minimizar ou supervalorizar, por generalização, os empurrões e insultos verbais que ocorrem nas escolas representam, algumas vezes, motivo de stress para os que ali trabalham. Cumprir e fazer cumprir os direitos e deveres constantes na lei, normas ou regulamentos, e manter a disciplina é tarefa assumida pela gestão, docentes e pessoal auxiliar, destacando-se aqui o papel do diretor de turma na gestão de confl itos, de indisciplina e de articulação com a família. As escolas estão atentas e desenvolvem mecanismos, processos e projectos que visam prevenir e resolver situações, precavendo a incidência e repetição de atos que, quando acumulados, possam gerar

ambientes potencialmente favoráveis ao crescendo de violência. A escola está consciente que o ato isolado pode ser mais ou menos grave, mas a sua repetição, a sensação de abandono que resulta no jovem vítima e o sentimento de impunidade que se desenvolve

nos que o praticam pode levar a que situações, inicialmente quase normais ou triviais se transformem, dando origem a que se instale a intimidação. O sujeito, vítima dessa intimidação, começará por baixar os níveis de auto-estima, acompanhado quase sempre por uma intro-

O SONHO DE ORPHEU 3 DEZ | 21.30 | Centro Cultural de Lagos Inspirado na obra poética de Sophia de Mello Breyner Andresen, trata-se de um espectáculo sobre a ambição da humanidade. Orpheu venera o mar, onde acredita que existe o reino de todas as artes

versão, o que dificultará qualquer ação individual ou coletiva para lidar com o problema. Esta intimidação pelos colegas (Bullying), implica “uma vitimização repetida ao longo do tempo, um abuso de poder agressivo e sistemático, que se prolonga no

tempo” (Olwens, 1993), “o desejo consciente e deliberado de maltratar uma outra pessoa e colocá-la sob tensão” (Tattum e Herbert, 1997). Os gestos ofensivos, a extorsão e exclusão de uma criança ou jovem de um grupo de amizades, a disseminação de boatos e a agressão física são formas de exercer poder e entroncam na dificuldade que a vítima tem de se defender. Mas também não se pense que todas as vítimas tenham predisposição para o ser. A violência, tanto para quem a comete como para quem é submetido a ela é, muitas vezes, fruto de violência repetida, por vezes ténue e pouco perceptível, mas que prolongada no tempo, acumulada, pode levar a traumas profundos e a danos físicos irreparáveis. O agressor/provocador/”buller” vai desenvolvendo um comportamento anti-social, não tem ou tem poucos amigos, desenvolve, com mais frequência, comportamentos de risco para a saúde (fumar, abusar de bebidas alcoólicas, etc), envolve-se mais em atos de violência. É, muitas vezes, oriundo de agregados familiares disfuncionais, sem afetos, negligentes ou de disciplina e regras inconsistentes (Matos, 2002). Percursos delinquentes são construídos, quase sempre, sobre atos repetitivos e sobre a falta de preocupação com o dia a dia e o mesmo acontece com o percurso das vítimas. Desvalorizar socialmente a violência com o argumento de que a sociedade ela própria é violenta ou tão pouco confundir ameaças à ordem estabelecida com a desordem excessiva e intolerável não é eticamente admissível. A responsabilidade social e o debate constituem oportunidade para o encontro de ideias e a formulação de estratégias de combate à violência, qualquer que seja o local onde esta ocorra. Não pode é o uso abusivo de Bullying e as suas conotações negativas junto do público, em geral, servir para estigmatizar uma qualquer escola ou comunidade inteira

CINDERELA 16 e 17 DE Z | 21. 3 0 | Te at ro das Figuras – Faro Trata-se da recriação do conto de fadas Cindelera, uma história intemporal que atravessa diversas gerações, apresentada pela Companhia de Dança do Algarve


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momento

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Vítor Correia

Rali Casinos do Algarve

Espaço ALFA

Um acordar. Uma força. Uma espécie de renascer.

Malin Löfgren

Vogal da Direcção da ALFA ‒ Associação Livre Fotógrafos do Algarve

Os sacos de produtos alimentares doados em nome da solidariedade chegam em massa, com um destino marcado: o armazém de Faro do Banco Alimentar Contra a Fome do Algarve. Mais tarde, estes bens alimentares serão entregues aos utentes desta instituição que luta por uma sociedade mais justa. O nosso dever cívico é contribuir. Todos. Nós clicámos, enquanto fotógrafos voluntários, registámos e documentámos, através das imagens, o trabalho em prol do outro. Acompanhámos o trabalho desenvolvido pelo Banco Alimentar Contra a Fome do Algarve durante o Ano Europeu do Voluntariado e da Cidadania Activa (2011), num trabalho contínuo, apontando a objectiva para dentro de um mundo

de generosidade e de fraternidade. É intenso. É contagiante. É para o bem de todos. São 48 horas quase ininterruptas de colaboração na recolha dos alimentos, que junta miúdos e graúdos que se empenham, lado a lado, do amanhecer até ao cair da noite, nos meses de Maio e de Novembro, para recolher géneros alimentares à entrada dos supermercados da região do Algarve. Objectivo: a entrega dos alimentos recolhidos aos menos afortunados para que estes possam ter comida em cima da mesa todos os dias e viver com mais dignidade. As actividades iniciam-se de manhã cedo, numa organização e coordenação invejável, que envolve desde escuteiros, catequistas e associações de solidariedade social, até pessoas anónimas, novos e idosos, estrategicamente espalhadas pelo território, preparados com os sacos do BA na mão, para apelar à importância de ajudar as pessoas necessitadas. Estende-se a mão para dar e para receber. Sempre com um sorriso. Trata-se de engajamento. De esforço. De entrega. Pessoas em uníssono. Juntas para atingir um objectivo. Num acto altruísta. Horas e horas de costas dobradas na triagem dos alimentos, a colocar tudo

em locais devidamente identificados, para que os alimentos básicos, como o arroz, a massa, o óleo alimentar, a farinha, o grão e o leite sejam empacotados, embalados, pesados e armazenados. A actividade no armazém faz lembrar um formigueiro numa actividade aparentemente sem fim. Uma verdadeira cadeia humana. Um movimento constante, um fluxo ininterrupto, num ambiente de camaradagem onde as fardas de Sr. Doutor e do cidadão anónimo são despidas à porta e onde todos estão em pé de igualdade. É com boa disposição e muito orgulho que posam para a câmara fotográfica de forma mais ou menos espontânea. É instantâneo. Acontece durante o rodopio da triagem dos alimentos, na entrega dos sacos aos clientes das lojas, no carregar das carrinhas. Num segundo voltam ao trabalho, concentrados na tarefa de ajudar, já se esquecendo totalmente do disparo do flash. Obrigado. É de longe a palavra mais utilizada neste apelo gigante à humanização da sociedade que é a intervenção das centenas de voluntários do Banco Alimentar Contra a Fome do Algarve. A luta contra a exclusão social e contra a pobreza prolonga-se

durante o ano todo. Ocorre todos os dias. Com a contribuição de todos.

Obrigado a todos por Alimentarem esta Ideia!


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Quotidianos poéticos

Paco de Lucia

Algures num espaço e tempo do Algarve, a vida e a ficção intrometeram-se na música de Paco de Lucia

Pedro Jubilot

pjubilot@hotmail.com canalsonora.blogs.sapo.pt

destaque

Quem se dignar a procurar e deixar levar pela música de Paco de Lucia, ou melhor dizendo, pela sua arte poética instrumental não deixará nunca de ouvir o som da poesia que sai dos dedos das mãos de Lucia ao percorrerem as cordas da guitarra, como quem agrupa sílabas em palavras num criativo desfile de um versejar sonoro. (Ouvir ‘Mi Inspiracion’; faixa 2 de «Recital de Guitarra» 1971, philips) De seu verdadeiro nome - Francisco Sanchez Gomez, teve pelo lado paterno o espanhol Don António Sanchez, homem de muitos ofícios, entre eles o de guitarrista - hereditariedade flamenca também irremediavelmente passada a outros filhos: o cantor Pepe de Lucia e o guitarrista Ramon de Algeciras. (Ouvir ‘Alma, Corazon y Vida’; faixa 7 de «En Hispanoamerica» 1969) Pelo lado materno, estava Luzia Gomes, portuguesa, natural da vila de Castro Marim, ali junto ao Guadiana, onde o grande rio do sul separa o Algarve da Andaluzia. Paco de Lucia nasceu a 21 de Dezembro de 1947, em Algeciras. Ali mesmo onde o mar estreita, para deixar ver de um lado o Mar Mediterrâneo e do outro o Oceano Atlântico; para avistar a sul o começo da terra de África e do outro encontrar a velha Europa. (Ouvir ‘Entre Dos Aguas’; faixa 1 de «Entre Dos Aguas» 1981, polygram) Todas estas dicotomias criaram a sua vincada personalidade humana e artística contagiada pelo ritmo nervoso e histérico do flamenco, mas que é no entanto uma expressão ao

mesmo tempo triste, representando como que o grito dos obstinados. É que, quando ouvimos flamenco, esta música ao contrário do que possa parecer, não é só fiesta, mas é também introspecção, é melancolia e fado, só que apresentada doutro modo. Há guitarra, e há canto com origens árabes. É também (para além de bem) mal de vida. (Ouvir ‘Con el Pensamiento’; faixa 1 de «El Mundo del Flamenco», 1971, polygram) Mas Paco (Francisco, fi lho) de Lucia, tinha pela sua progenitora um amor inabalável. Dedicou-lhe, pelo menos em título direto, dois dos seus trabalhos: - «Castro Marin»(1987,philips) e «Luzia» (polygram 1998). E assim em 1993 sentiu o chamamento dessa velha terra lusa dos antepassados maternos homenageando a origem da mãe num disco chamado precisamente ‘Castro Marin’. Aí Paco tocou através das recordações dos

olhos e das palavras da mãe, que há muito deixara a vila da infância. (Ouvir ‘La Villa Vieja’; faixa 2 de «Luzia», - 1998, polygram) Em 1998 Lúcia Gomes encontra-

A CASA DA FAMA 3 DEZ | 21.30 | Auditório Municipal de Olhão João Baião apresenta a peça de teatro. Trata-se de uma história hilariante que acompanha de perto a vida de três concorrentes de um reality show, e que faz um cruzamento entre a História de Portugal e os tempos modernos

va-se já hospitalizada. Então pôs-se a caminho de guitarra às costas. Mais uma vez… passou a fronteira para a margem direita da foz do Guadiana. Numa manhã de sol como serão

todas as da sua vida, procurou uma velha mas alva de cal casa térrea, sentando-se à soleira passando algumas horas a discorrer até encontrar as necessárias notas: com fresco a brisa de sudoeste (contrária ao levante do estreito), de cheiro a terra um pouco menos seca ou mesmo da humidade das salinas. (Ouvir ‘Monasterio de Sal’; faixa 1 de «Castro Marin» - 1987, philips) Depois, deixando atrás de si como paisagem de fundo a imponente fortificação raiana da idade média portuguesa partiu, levando de volta nos sons da guitarra memórias da sua origem, que a mãe precisava para fechar o seu ciclo de vida, tocadas como só ele sabe tocar, uma alma adivinhando-lhe o destino. As ‘mãos de prata’ que dedilham a guitarra movem-se dirigidas para quem tem um coração de ouro. Ela viria a falecer por altura das sessões de estúdio para a gravação de ‘Luzia’. Que outro nome podia dar à luminosa música trazida de oeste para a fazer descansar em paz. (Ouvir ‘Luzia’; faixa 5 de «Luzia», - 1998, polygram) De Lucia, que se tornou internacionalmente famoso através da sua participação com Ai Di Meola e John McLaughlin no célebre disco ao vivo «Friday Night In San Francisco» (1980, polygram) continua ainda a trabalhar na sua eterna tarefa de renovar o flamenco para ao mesmo tempo poder mantê-lo puro, através de uma sofisticação técnica sem descurar nunca o lado da emoção, essa que é afinal a essência da sua arte musical. Em agosto de 2005 fê-lo ao vivo perante uma entusiasmada plateia no estádio municipal de Castro Marim, sendo este o primeiro local no Algarve a receber um concerto do grande Mestre da Guitarra espanhola e do Flamenco. (Ouvir ‘Solo Quiero Caminar’; faixa 1 de «Solo Quiero Caminar» - 1981, philips) Discografia: http://www.pacodelucia.org/

HOMENAGEM AOS FADISTAS E FADO 17 DEZ | 21.30 | Centro Cultural de Lagos Espectáculo de respeitosa homenagem aos poetas, fadistas e músicos, que no presente e passado, entregam e entregaram ao fado, tudo o quanto faz desta canção a fonte de riqueza da cultura portuguesa


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museu

• MUSEUS - A VOZ E A VEZ DO VISITANTE

Isabel Soares

Museóloga/Arqueóloga

Junto da Ria Formosa, anexo ao Departamento Marítimo do Sul, fizemos uma visita a outro museu algarvio, desta vez procurámos conhecer o Museu Marítimo Almirante Ramalho Ortigão. Este museu surge no contexto do aparecimento de pequenos museus industriais no país, na segunda metade do séc. XIX, associados muitas vezes a escolas industriais e às actividades que existiam na região em que se inseriam. Nos finais do século XIX surge, assim, o Museu Industrial e Marítimo de Faro, mais precisamente em 1889, sendo realmente o primeiro museu algarvio. Foi inicialmente instalado na Escola Industrial Pedro Nunes. Este espaço funcionou como um ‘museu-escola’ que utilizava as suas colecções (modelos de barcos, modelos de construção naval, instrumentos de navegação, modelos de máquinas, artes de pesca, entre outros), como material necessário para ensinar e desenvolver a actividade piscatória e marítima, mas também serviam para reforçar e dar a conhecer as tradições locais. Na década de trinta Este museu foi considerado como “[…] o mais completo museu público dedicado às coisas do mar que existe em Portugal – o interesse das suas colecções: todos os modelos das embarcações de pesca de costa e rios do

Museu Marítimo Almirante Ramalho Ortigão, o primeiro museu algarvio

Museu Marítimo Almirante Ramalho Ortigão nosso país – modelos de arte da pesca - uma colecção riquíssima, sob o ponto de vista científico e artístico, das espécies piscatórias da costa portugueza – uma colecção de modelos de navios de guerra antigos – aparelhos náuticos, etc” (Bivar, J., Museus Algarvios, Algarve Pitoresco, nº 1, 1935).

Aspecto geral do Museu

As salas do Museu Este museu corresponde ao

actual Museu Marítimo Almirante Ramalho Ortigão, instalado na Capitania do Porto de Faro, e é composto pelas seguintes salas: “Baldaque da Silva”, “Lyster Franco” e “Manuel Bivar”. A sala Baldaque da Silva existe em homenagem ao oficial da marinha e engenheiro hidrógrafo que foi o autor do conhecido livro “Estado actual das pescas no Algarve”. A sala “Lyster Franco”, em homenagem ao pintor, e por fim, a sala

Sala Baldaque da Silva

“Manuel Bivar”, em homenagem ao engenheiro agrónomo farense que dado o seu interesse pela marinha construiu modelos interessantes depositados neste Museu. Nestes espaços figuram exposições permanentes constituídas por colecções maioritariamente ligadas às actividades marítimas e piscatórias. Não nos podemos esquecer que a pesca e o peixe tiveram, desde sempre, um papel im-

portante na economia das populações. Constatamos que na antiguidade, o estabelecimento de fábricas de peixe Cetariae possibilitou o tratamento de peixe salgado Piscis salsus e a produção de preparados de peixe salsamenta. Estes preparados de peixe eram transportados em ânforas piscícolas que funcionavam como um género de “latas de conserva” da época. Nesta mostra, para além de podermos apreciar esses enormes

Sala Lyster Franco

fragmentos de contentores que transportavam os tão apreciados preparados, deparamo-nos com um acervo muito diversificado ligado sobretudo à pesca e ao mar. Aqui podemos conhecer uma colecção extensa de artes de pesca, de instrumentos náuticos e outros objectos ligados ao mar, dos quais destacámos os aparelhos e modelos de embarcações, de redes e armações e os quadros a óleo representando peixes, moluscos e crustáceos da fauna marítima do nosso país. Com efeito, este museu por um lado representa o seu próprio percurso enquanto ‘museu escola’ que proporcionou através dos seus modelos formas de ensino e por outro lado dá a conhecer uma actividade que fomentou o desenvolvimento da região. Nesta exposição, destacamse alguns elementos que nos deixam “olhar o mar” como a história e as vivências das suas gentes, a fauna e a flora da costa portuguesa, as artes de pesca tradicional e também as embarcações usadas ao longo do tempo no nosso país. Finalizamos, assim, a rubrica Museus - A Voz e a Vez do Visitante, do caderno Cultura.Sul com aquele que foi o primeiro museu algarvio, esperando que estas viagens pelos museus algarvios tenham contribuído para dar a conhecer aqueles que são os ‘espaços’ que acolhem e comunicam a memória e a identidade da nossa região.


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Espaço AGECAL

João Serrão Martins Sócio da AGECAL*

Cultura em tempo de crise Ao longo dos últimos meses a palavra “crise” foi concerteza a palavra mais utilizada do vocabulário português. Basta estar atento aos noticiários, sejam eles emitidos na televisão ou no rádio, aos títulos dos jornais, ou às conversas do dia-a-dia entre os nossos amigos, conhe-

cidos ou colegas de trabalho. Fala-se dos cortes de salários e pensões, aumento de impostos e do adeus aos décimo terceiro e quarto meses. Habituados à fatia mais pequena do orçamento, à gestão de equipas e verbas cada vez mais reduzidas, bem como à apre-

sentação de cada vez melhores resultados com menos recursos, estão os agentes culturais públicos. Os independentes, sejam eles de cariz associativo ou profissional, não deverão viver uma realidade muito diferente, até porque de uma forma ou de outra (subsídio ou contratação), PUBLICIDADE

acabam por estar dependentes (em diferentes graus) da disponibilidade financeira do erário público para a cultura. E quando falamos de regiões como o Alentejo e o Algarve, que sofrem os resultados de profundas assimetrias (económicas, sociais e culturais), quer dentro do seu próprio território, quer relativamente aos grandes centros urbanos, esta realidade é ainda mais vincada. Aproveitando a crise e transformando um problema real numa potencial oportunidade, talvez seja esta a altura correcta para promover uma mudança de atitude e de funcionamento dos agentes culturais em territórios com estas características. Através da reavaliação e reposicionamento do papel da cultura e da actividade cultural poderá existir uma contribuição mais efectiva e palpável no desenvolvimento local e nacional, que permitirá, também, servir para que a cultura deixe de ser vista apenas como uma “muleta”, como um meio para atingir outros objectivos (sociais, económicos, etc.), para ser a própria cultura (em toda a sua abrangência e expressa das mais variadas formas e meios), um fim, um objectivo a atingir no processo de desenvolvimento. Para se pôr em prática um “projecto” deste tipo, de criação e promoção de mais-valias culturais, é essencial a existência de algumas condições fundamentais: 1) fortes parcerias locais, regionais e nacionais, públicas, associativas e privadas,

que tomem em consideração as características, necessidades e preferências das comunidades, bem como as infra-estruturas existentes, associações e artistas locais. 2) existência de articulação entre a formação, a criação e a programação cultural e artística. Se estes três domínios estiverem interligados e funcionais, poderá ser criada uma dinâmica que permitirá solidificar parcerias e promover diálogos entre os intervenientes (público, privado e associativo), bem como fazer uma efectiva sensibilização de públicos e criar oportunidades de acesso a uma experiência artístico-cultural, com efeitos sócio-educativos. 3) necessidade de sensibilização, por parte das comunidades. A sociedade deve sentir que este “projecto” é também seu porque caso esta situação não se verifique muito dificilmente os objectivos serão obtidos na sua plenitude. Tem de existir diálogo, estratégia, coordenação e complementaridade entre todas as entidades e agentes que em determinado território, trabalham na área cultural. A existência de um “projecto” cultural deste tipo, poderia contribuir para dar um novo fôlego à criação, programação e associativismo cultural e à sua relação com o público e o poder local, regional e nacional, como parceiros activos na construção e implementação de políticas culturais sustentáveis. * Associação de Gestores Culturais do Algarve

Castro Marim mostra histórias sem palavras A Biblioteca Municipal de Castro Marim promove, aos sábados de manhã, “Cem histórias sem palavras”, uma actividade dirigida às crianças com mais de três anos de idade, em que os mais pequenos desafiam pais, avós ou amigos, a participarem na construção de uma história. Ao contrário das histórias que conhecemos, no “Cem histórias sem palavras”, a escrita dá lugar aos materiais recicláveis, jornais e revistas, com os quais se vão construir histórias, dando

vida a personagens à medida da imaginação e criatividade. Para a Biblioteca Municipal, o “Cem histórias sem palavras”, que todos os sábados terá um tema diferente sobre a mesa, tem por finalidade proporcionar bons momentos de convívio e partilha de valores entre famílias e é ao mesmo tempo uma oportunidade para as crianças desenvolverem as suas competências no domínio da aprendizagem e na aquisição de novos conhecimentos à volta de uma história de encantar.


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livro

«Arquipélago» – o Algarve plural um azul celeste, umas pedras num chão desértico, ocre, suporiam manipulação. Afinal – nada disso. A explicação é trazida pelo texto, que elucida: «Nestas imagens de Jorge Graça, captadas em noites de lua cheia em vários lugares do território algarvio, com longos tempos de exposição e sem recurso a manipulações, mais do que a luz da escuridão é o limite da nossa visão que se revela. Interessa ao autor o processo alquímico e as possibilidades de transcender o real que a fotografia oferece. Em rigor, Jorge Graça não fotografa aquilo que vê, usa a fotografia para ver» (p.106). Gostei: palavras simples que retiram o véu que cobre o óbvio e que muitas vezes nos impede de ver: a fotografia mostra o que o olhar não vê. Se assim não fosse, seria quase uma redundância.

Adriana Nogueira

Classicista Professora da Universidade do Algarve adriana.nogueira.cultura.sul@gmail.com

Mais do que um catálogo das exposições realizadas no âmbito do programa de arte contemporânea do «Allgarve’10», este livro Arquipélago é um excelente exemplo em como se pode falar de arte contemporânea a um público não especializado, sem deixar de usar uma linguagem que comunica também com os artistas. A arte contemporânea nem sempre é fácil de entender (ou de se gostar, por consequência), mas este catálogo revela a mestria de quem o fez, pois consegue que qualquer um (que goste de arte, sem ser grande entendedor) perceba as explicações dos curadores e as perspetivas dos artistas. A cargo do programador Nuno Faria, também curador de muitas das exposições, a edição deste livro demonstra a preocupação em deixar um objeto que documente toda a atividade decorrida entre fevereiro de 2010 e fevereiro de 2011 no Algarve, atividade essa com uma dimensão internacional e com nomes de grande prestígio, menos ou mais conhecidos, alguns já fazendo parte da história da arte, como José de Guimarães ou Pancho Guedes. Arquipélago

destaque

Porquê este nome? No esclarecedor texto de abertura, Nuno Faria afirma: «O Algarve é um território plural, denso, rico, contraditório, radicalmente diverso e, como nenhum outro em Portugal continental, espartilhado. Um arquipélago, poder-se-ia resumir. Porque unido por uma forte e inefável identidade que lhe advém da extraordinária capacidade, ou potência, de se definir pela alteridade, do latim alteritas, isto é, o estado de ser outro ou diferente» (p.37). Mais de metade do livro é composta por fotografias de muitos dos

As ilhas

A capa do livro Arquipélago objetos artísticos que fizeram parte das diversas intervenções em espaços tão variados como a Ermida de Nossa Senhora de Guadalupe (Raposeira, concelho de Vila do Bispo), o Palácio da Fonte da Pipa (em Loulé) ou a Quinta de Marim (em Olhão), bem como em galerias de arte e museus. A outra parte é composta pelos textos, bilingues (Português e Inglês), de Nuno Faria (a maioria), por alguns dos próprios artistas, e outros por convidados, como os do arqueólogo Rui Parreira ou da antropóloga Eglantina Monteiro. Desta última, destaco a análise que faz, a propósito da intervenção do brasileiro Fernando Marques Penteado – «A Bancarrota» – no Museu Regional do Algarve, sobre a forma como é tratada, por museus e não só, a cultura popular: «apesar das influências decisivas do imaginário popular nas artes visuais modernistas, a cultura material tradicional ou pré-moderna tem um valor de

relíquia» (p.132), provocando, nos artefactos apresentados nesses locais, uma redução do seu campo semântico, uma «substração de significados, evidenciada pela ausência de informação sobre quem os fez, os processos de conceção e construção, os contextos de recolha, etc., cingindo-os a funcionalidades mais ou menos vazias ou simplesmente passadas» (p.136).

Vasco Célio, por seu lado, na série Ilhas, fotografa a Culatra e o Farol, realçando aquilo a que o curador chama «um território com dinâmicas muito próprias, cuja insularidade e isolamento ajudou a criar peculiares processos de acumulação, de disposição e de combinação que podem ser entendidas como práticas escultóricas espontâneas completamente singulares» (p.106). As fotografias, despojadas quase totalmente de objetos de intervenção humana, mostram formas, texturas e cores modeladas pela natureza. Série fotográfica bem diferente é a que se intitula Culatra, do alemão Joachim Brohm. Influenciado pela

«tradição da fotografia documental norte-americana, centra-se, desde o final da década de 70, no mapeamento intensivo de determinados contextos suburbanos periféricos e nas transformações neles ocorridas durante longos períodos de tempo» (p.144). As imagens mostram essa preocupação de registo de novas contextualizações, sublinhadas pelos títulos dados às obras, em que o significante (o que vemos) e o significado (a imagem conceptual) distam do geralmente aceite e conhecido. Este trabalho é o resultado de cerca de dois anos a «fotografar aquele singular “ecossistema” sociocultural, em que o tempo parece suspenso mas nada no seu espaço físico se mantém igual, mudando imperceptível e permanentemente» (p.144). Para além das 293 páginas numeradas, o livro culmina com 75 páginas (se as contei bem) da autoria de Francisco Palma Dias (que assina f.m.palma-dias). Este texto fi nal, adequadamente chamado in-extremis, demasiado plural e rico para permitir espartilhos ou traduções (é o único que assume a sua intraduzibilidade), pode ser visto como um longo excurso à volta da cultura portuguesa (mais propriamente a sulitana, como o autor gosta de lhe chamar), na sua mistura com outros saberes e sabores, de bizâncio (sempre com minúscula) aos açores, de istambul a portimão, ao som de muitas músicas e vozes entontecedoras e envolventes. Um catálogo que se lê como um livro. Um livro que se folheia como um catálogo.

A luz da escuridão A percetibilidade das análises leva o leitor a quase ter a sensação de ter visto aquelas exposições, mesmo que isso não tenha acontecido. Nesso caso, certamente irá lamentar. Foi o que me aconteceu ao ver as fotografias, em tamanho bem pequenino no livro, mas tão expressivas, de Vasco Célio e Jorge Graça (também autores de muitas fotografi as do catálogo). As imagens deste último fotógrafo, de uma luz feérica, com uma aura branca,

VALE 3 e 4 DEZ | 21.30 e 18.30 | Parque de Feiras e Exposições de Tavira Espectáculo de dança contemporânea que reúne oito bailarinos, seis músicos e um grupo de, aproximadamente, 50 pessoas, de todas as idades, num mesmo palco.

Joachim Brohm Culatra “Garden” 2008

PINTURA DE BRIGITTE HUMBOLDT Entre 3 e 24 DEZ | 10-13 e 14-18 | Edifício da ÚNICA em Lagoa A inspiração da artista vem sempre da natureza. Nas suas obras de grandes dimensões destaca-se a luz e as cores intensas


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Espaço Cultura

Da herança cultural à criação contemporânea As décadas de 1960 e 1970 corresponderam, em Portugal e num contexto de alteração social e política, a um período de mudanças na linguagem artística que conduziram à criação de uma gramática nova, que ainda hoje estabelece os parâmetros daquilo que se considera como «arte contemporânea». Nesse período, crucial para o desenvolvimento de práticas artísticas que redefiniram a natureza da arte e do seu lugar na vida, assistiu-se a uma profunda transformação na prática artística, quer na forma, quer no conteúdo. Foram duas décadas essenciais para a emergência de uma grande diversidade de conceitos, resultantes do meio social em que se desenvolve a prática criativa contemporânea, obrigando amplos aspectos da vida a introduzir-se na experiência artística (ver http://www. serralves.pt/actividades/detalhes. php?id=2009). ROOTS é o mais recente projeto de residência artística realizado pelo Laboratório de Actividades Criativas / LAC, associação cultural sediada na cidade de Lagos que se tem afirmado como uma interessante incubadora de criação artística no Algarve. O projeto aborda o tema da escravatura através de uma visão contemporânea (ver: http://www.lac.org.pt/projectos/roots/), inspirando-se numa descoberta arqueológica recente, no antigo Vale da Gafaria, no «anel verde», em Lagos. Nesse local, as escavações arqueológicas preventivas, que antecederam a construção de um dos parques de estacionamento sub-

LAC

Exposição ROOTS pode ser vista até 30 de dezembro terrâneo na cidade, possibilitaram a investigação metódica de um monturo de lixos acumulados entre os séculos

XV e XVII no exterior das muralhas da urbe. Durante mais de dois séculos, essa vasta lixeira acolheu os restos

mortais de escravos pretos, mais de uma centena e meia que, uma vez falecidos, ali foram sendo arrojados, testemunhando uma das facetas mais sombrias da história da cidade dos Descobrimentos, sobre a qual não existem testemunhos literários. Reclamando a memória da escravatura, o projeto ROOTS compaginase, simultaneamente, com duas linhas de orientação estratégica preconizadas pela Direção Regional de Cultura do Algarve: para o Património Cultural histórico-arqueológico da Região, criando pontes entre herança cultural e criação cultural contemporânea, potenciadoras de novas dinâmicas sociais e criativas, e para a internacionalização da capacidade criativa endógena, reforçando as relações em cadeia que estimulam o trabalho artístico e contribuem para a afirmação da Região no plano internacional. Para esse efeito, o LAC convidou cinco artistas de cinco países – Brasil, Cabo Verde, Reino Unido, Moçambique e Portugal –, para desenvolverem um trabalho criativo, com a sua diversidade cultural e miscigenação global e plural. A residência artística ocorreu num período entre 24 de outubro e 12 de novembro. Marcando o seu início, aconteceu o Conexões ROOTS, com participação presencial e virtual de diversos convidados – historiadores, gestores culturais, artistas – em conversas que giraram em torno da descoberta arqueológica e de projetos que estimulam intercâmbios abarcando processos

de produção colaborativos. Como escreveu Jorge Rocha, um dos «cuidadores» do projeto, no respetivo blogue, «pelo LAC passaram amigos, visitantes, curiosos… passaram todos e foram embora. Muitos dias juntos, muito trabalho. Ficou o lado material e terminaram as horas de convívio, a partilha de ideias e de visões sobre a arte e o mundo. O que dá sentido a tudo isto! Tivemos um espaço que durante 20 dias respirou de outra forma. Hoje voltamos às deambulações pelos vazios de uma cadeia. Mas há exposição e ainda cinema para vermos! Há sobretudo um espaço para ser vivido e experimentado. Há Arte!». Este projeto é um exemplo, entre outros, de que é possível e necessário que se multipliquem na Região este tipo de iniciativas de criação artística contemporânea. À Direção Regional de Cultura do Algarve cabe o papel, não menor, de incentivar esse cruzamento de experiências e percursos artísticos, os mais diversificados, com múltiplas áreas de produção de conhecimento. E tirando partido, em cada caso, do «espírito do lugar» que possibilita a afirmação de ambientes de criatividade. As obras desenvolvidas no processo criativo ROOTS ficarão em exposição até 30 de dezembro no LAC1. Direção Regional de Cultura do Algarve 1 O Laboratório de Actividades Criativas é uma estrutura financiada pela Direção-Geral das Artes, da Secretaria de Estado da Cultura.

António Pina Convida

Num momento de crise, fazer Cultura (no Algarve) é essencial?

“Eis o momento de agarrar o chão com as mãos, levantá-lo como um lençol de luz e passar por debaixo” Madalena Victorino

Dália Paulo

Directora Regional de Cultura do Algarve

Este é o tempo em que temos de agarrar o chão com as mãos e (re)centrar a nossa acção nas pessoas, nos valores e nas atitudes. É o tempo de voltar aos afectos, de fazer escolhas, de criar oportunidades para enfrentar a mudança, ousando trilhar novos caminhos. Não há formulas mágicas, não será fácil mas é possível! É possí-

vel envolvendo todos e partindo do trabalho que nas últimas décadas (quase) invisivelmente vem sendo desenvolvido por criadores, companhias, associações e equipamentos culturais. Um trabalho de envolvimento com as comunidades, de criação de hábitos e de formação. Hoje, quando os apoios públicos escasseiam e as programações se repensam é necessário perguntar: o que fazer com este capital humano? Como não defraudar as expectativas dos criadores, programadores e públicos? Que desenvolvimento cultural queremos para o Algarve? É a Cultura essencial no repensar um novo modelo de

desenvolvimento regional? Perguntas para ir reflectindo. Para nos inquietar. Mas, numa região onde o sector do Turismo é o motor que alavanca a economia regional, o mesmo que levou a um desrespeito pelo território e a um desligar da Identidade, a Cultura não pode ser pensada como um acessório para “turista ver” ou como “animação” mas sim como um bem essencial de per si. E assim ser olhada como um dos factores endógenos de desenvolvimento – um recurso finito, único e irrepetível – que, neste tempos de crise, deve contribuir como um dos alicerces da mudança.

Na Cultura, como nas outras áreas, o nosso ponto focal deve ser PRODUZIR, sim, produzir Cultura. Produzir alicerçado no território, na identidade mas criando futuro. Ganhando escala com a criação de projectos em rede, com o reforço dos projectos regionais, com o papel das universidades, com a valorização patrimonial e, simultaneamente, olhando as “franjas culturais emergentes” e as centenas largas de pessoas que fazem diariamente cultura nas associações, através de voluntariado. Neste contexto, o papel da Administração Pública – local, regional e central – deve ser, como nos recorda

António Pinto Ribeiro no seu artigo de 25 de Novembro no jornal “Público”, o de facilitador, não se demitindo e estando atento, delineando estratégias. No contexto regional, diria mesmo, o de facilitador para a complementaridade regional, para a internacionalização, para a fixação de criadores, para ganhar escala trabalhando em rede... Assim, retomo à pergunta inicial e afirmo que é essencial fazer Cultura no Algarve porque há pessoas, há ideias, há projectos, há rede, há valores mas é preciso ir mais longe e continuar trilhando o caminho do futuro!


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