CULTURA.SUL 56 - ABR 2013

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Mensalmente com o POSTAL em conjunto com o PÚBLICO

ABRIL 2013 | n.º 56 8.772 EXEMPLARES

www.issuu.com/postaldoalgarve ricardo claro

Espaço CRIA: d.r.

Miúdo(a), podes ser o que quiseres

p. 2

Grande ecrã: d.r.

O 25 de Abril em filmes

p. 3

Na senda da Cultura: d.r.

João Pessoa:

O luthier autodidacta p. 5

bruno portela

Consultório do Museu de Portimão é pioneiro nacional p. 10

Espaço AGECAL:

Astros, antigos ciclos e celebrações actuais p. 3

Especial Lídia Jorge

A magia do feminino

em

O Dia dos Prodígios

p. 6


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05.04.2013

Cultura.Sul

Editorial

Espaço CRIA

Um dia, todos os dias

Miúdo(a), podes ser o que quiseres

Ricardo Claro

Editor ricardoc.postal@gmail.com

A 18 de Abril comemora-se o Dia Internacional dos Monumentos e Sítios. A data, como tantas outras, é simbólica de um dia que celebramos mas que deveria ser motivo de celebração todos os dias. A intenção do Conselho Internacional dos Monumentos e Sítios com a criação da data internacional é a de dar maior visibilidade, pelo menos durante um dia por ano, aos monumentos e sítios espalhados pelo mundo, memória material colectiva dum passado que importar preservar. Mas mais do que a preservação e defesa deste traço da identidade da humanidade importa viver os monumentos e os sítios arqueológicos, longe das pessoas o seu potencial vê-se diminuído e, por seu turno, as pessoas longe de conhecerem os monumentos são certamente mais pobres. Já pensámos, todos, há quanto tempo não visitamos um monumento ou sítio arqueológico? Muito em particular, já pensámos há quanto tempo não visitamos um destes testemunhos de outros tempos e viveres no Algarve? Muito para ver e aprender, compreender e enriquecer o eu nosso de cada um está nas nossas aldeias, vilas e cidades e não estamos a falar necessariamente de grandes ícones da monumentalidade nacional. Ao virar da esquina espera-nos a história de um Algarve que é nosso e que importa que conheçamos como poucos e melhor do que a generalidade, esta é, afinal, a nossa identidade. Conheça o legado material dos nossos antepassados e sinta-se um pouco mais algarvio e mais pleno no seu eu. Entretanto, a Direcção Regional de Cultura da região desenvolve entre 18 e 21 deste mês muitas actividades planead as em torno desta data. A não perder!

Luís Rodrigues Divisão de Empreendedorismo e Transferência de Tecnologia da Universidade do Algarve

Tenho a felicidade de ter muitos amigos. Mas não tenho muitos amigos que se apresentem no Facebook como sendo sonhadores na empresa Y ou Z. Suspeito que se trate de caso isolado. Embora se intitule um sonhador, este meu amigo, tem os pés bem assentes na terra. Sabe reconhecer oportunidades. Nos projetos que abraça corre riscos. Calculados. Lidera pelo exemplo. Não desiste perante as dificuldades. Um problema tem sempre solução. É ponderado. Esforça-se por chegar a horas. Cumpre com aquilo a que se comprometeu. Sacrifica-se. Deita-se tarde, levanta-se cedo. Sonha de noite e acordado. Por vezes em voz alta. Concretiza. Centra-se nos resultados. Ouve, com atenção, os que o rodeiam. É curioso. Orientado para o cliente. Conhece as suas limitações. Procura aconselhamento. Delega e responsabiliza. Erra. É de carne e osso. Aprende. Este meu amigo não é imaginário. Não saiu de um

Ficha Técnica:

livro de BD. Não é um super-homem embora às vezes pareça. Não é perfeito. Tem dias maus, como nós. Fez um percurso semelhante ao de muitos jovens em Portugal. Frequentou a escola pública, praticou desporto, tirou um curso superior. Ainda na universidade – é aqui que

privado. Sempre com entusiamo. Casou e constituiu família. Continua a envolver-se em inúmeras atividades. Demais, queixa-se por vezes ele e claro a sua mulher. Descobre tempo para ajudar outros que estão a começar. Gostava de ter mais amigos assim! d.r.

a história muda – acordou com alguns colegas de curso que iriam criar a sua própria empresa. E assim fizeram. O início foi difícil. Manteve várias atividades para pagar as contas e financiar a sua parte do investimento inicial. Trabalhou no público e no

Diz-nos a experiência que os empreendedores que, beneficiando de algum tipo de apoio do CRIA, avançaram para a criação de empresas possuem o seguinte perfil: idade 30-40 anos, altamente qualificados, experiência profissional relevante, prove-

nientes de áreas científicas/ tecnológicas, boas redes de contactos. Ainda são poucos os alunos que depois de finalizarem a licenciatura, estão decididos a criarem o seu próprio emprego. Nada de estranho. Durante anos fomos formatados para tirar um curso superior e conseguir um emprego por conta d’outrem. Mudar esta cultura vai requerer tempo. Ainda hoje, os programas escolares (básico e secundário) não abordam o tema empreendedorismo. O mundo mudou. Muito e rapidamente. Passámos de uma economia global baseada na indústria, para uma baseada na informação, tecnologia e conhecimento. A educação não está a acompanhar esta mudança. Noutros países há muito que se percebeu que é urgente criar uma cultura de empreendedorismo na educação. Veja-se o Reino Unido onde se desenvolvem programas (4-19 anos) e campanhas de educação para o empreendedorismo - www.areyouready. org.uk - que integram os standards de ensino. Os quadros mentais, personalidade, aspirações, atitudes, moldam-se muito cedo. É de pequenino que… Por cá, é preciso agir! Precisamos de uma nova escola. Uma escola que forme sonhadores! Pessoas normais que fazem coisas extraordinárias.

Juventude, artes e ideias

Carlos Campaniço

Programador artístico / Escritor

Não há muito, estive numa das principais salas de teatro do País. A peça era um clássico, levada à cena por duas grandes companhias de teatro em Portugal. O encenador e os actores eram de excelsa qualidade. O público, por seu turno, não faltou e a sala esgotou. Pensar-se-á que, com estas premissas, é fácil que se en-

Editor: Ricardo Claro Paginação: Postal do Algarve Responsáveis secções: • Contos da Ria Formosa: Pedro Jubilot • Espaço ALFA: Raúl Grade Coelho • Espaço AGECAL: Jorge Queiroz • Espaço CRIA: Hugo Barros • Espaço Educação: Direcção Regional de Educação do Algarve • Espaço Cultura: Direcção Regional de Cultura do Algarve • Grande ecrã: Cineclube de Faro Cineclube de Tavira • Juventude, artes e ideias: Jady Batista • Da minha biblioteca: Adriana Nogueira • Momento: Vítor Correia • Panorâmica: Ricardo Claro • Património: Isabel Soares • Sala de leitura: Paulo Pires Colaboradores desta edição: Carlos Campaniço Catarina Oliveira Conceição Agostinho Joaquim Guerreiro Luís Rodrigues Paulo Serra Pedro Branco Parceiros: Direcção Regional de Cultura do Algarve, Direcção Regional de Educação do Algarve, Postal do Algarve

Os Jovens e a Cultura cham salas. Concordo em absoluto. Porém, trago este tema porque ainda não revelei um pormenor: 40 a 50% dos espectadores eram jovens entre os quinze e os vinte e cinco anos de idade. Reparei que não foram em visita escolar (até porque era sábado à noite), nem com os pais. Organizados em grupos de amigos, decidiram ir ao teatro. Alguns, possivelmente, foram dali para bares e discotecas, mas passaram antes pelo teatro. Fiquei com imensa inveja de poder ver em Olhão um cenário próximo deste. Neste momento, o trabalho que a Casa da Juventude está a fazer em prol do teatro, con-

Direcção: GORDA Associação Sócio-Cultural

d.r.

Teatro infantil cretamente, é de grande utilidade. Está a formar jovens que fazem teatro, incrementando-lhes o gosto pela arte. O Au-

ditório Municipal com peças de teatro/musical infantil tem o intuito de gerar esse gosto desde muito cedo. O teatro é apenas um exemplo. Mas não chega! Há neste momento muito boas condições no Concelho para que os jovens desfrutem da Cultura. Porém, falta dar um passo: a adesão voluntária dos mesmos. Falta aos jovens deste Concelho perceber a utilidade da arte, a mais-valia do seu usufruto, o prazer que a mesma nos oferece e até os homens e mulheres mais capazes que se poderão tornar, tendo a Cultura como um dos suportes dos seus conhecimentos.

e-mail redacção: geralcultura.sul@gmail.com e-mail publicidade: anabelagoncalves3@gmail.com

on-line em: www.issuu.com/postaldoalgarve

Tiragem: 8.772 exemplares


Cultura.Sul

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Grande ecrã Cineclube de Faro

Programação: cineclubefaro.blogspot.pt IPJ | às terças-feiras | 21.30 horas | entrada paga 9 ABR | CARTAS DE ANGOLA, Dulce Fernandes, Portugal, 2011, 63’ 16 ABR | LINHA VERMELHA, José Filipe Costa, Portugal, 2011, 80’ 23 ABR | Ó MARQUÊS, ANDA CÁ ABAIXO OUTRA VEZ, João Viana, Portugal, 2012, 60’ 30 ABR | ALVORADA VERMELHA, João Pedro Rodrigues, João Rui Guerra da Mata, Portugal, 2011, 20’ 30 ABR | A ÚLTIMA VEZ QUE VI MACAU, João Pedro Rodrigues, João Rui Guerra da Mata, Portugal/França, 2012, 85’ 57º Aniversário CCF:

12 ABR | IPJ | 18.30 horas | entrada livre NOVAS PERSPECTIVAS - 1980, pb, 45’22 Solveig Nordlund 12 ABR | IPJ | 21.30 horas | entrada livre VIAGEM PARA A FELICIDADE - 1978, cor, 37’16 Solveig Nordlund MÚSICA PARA SI - 1978, pb, 54’44 Solveig Nordlund 13 ABR | Artistas | 22 horas | ent. livre E NÃO SE PODE EXTERMINÁ-LO? -1979, cor, 135’ Jorge Silva Melo, Solveig Nordlund

Abril com destaques em Português Neste mês de Abril apresentamos dois filmes nacionais, Operação Outono trata um acontecimento ficcionado pré-25 de Abril 1974 e Linha Vermelha documenta uma época pós-25 de Abril 1974. Este será, talvez, o mês com mais filmes politicamente inspirados da nossa história, pois há mais um, trata-se de uma estreia nacional: um filme sobre o conflito actual na Síria chamado Quando os Elefantes Lutam, os Pastos Sofrem. Foi a realizadora Iara Lee que disponibilizou o filme para exibição no nosso país, fomos nós que o traduzimos. A não perder! Já estamos à espera desde há algum tempo do quarto filme deste mês: O Substituto. Do realizador de American History X, Tony Kaye. Resumindo: um mês de cinema repleto de temas humanitários, que poderão ajudar-nos a reflectir e a lidar com as dificuldades inerentes à nossa própria vida. Não será isso que procuramos e esperamos de um filme, um livro, da música, duma exposição? Que nos ensinem algo sobre nós próprios, que nós dêem uma “dica”? Somos chatos, sim, mas continuamos a repetir: a maneira mais simples, mais agradável, mais enriquecedora e menos dispendiosa de ajudarem a evitar o colapso que continua a

Cineclube de Tavira

Programação: www.cineclubetavira.com 281 971 546 | 965 209 198 | 934 485 440 cinetavira@gmail.com d.r.

SESSÕES REGULARES | Cine-Teatro António Pinheiro | 21.30h d.r.

Operação Outono foi exibido dia 4 ameaçar o Cineclube de Tavira (no dia 8 de Abril de 2013 a nossa associação cumprirá 14 anos) é apenas uma: disfrutem das nossas sessões de cinema enquanto cá estamos. Exibimos filmes de qualidade superior e o valor da entrada continua baixinho: quatro euros para o público em geral e apenas dois para os sócios e para qualquer portador de cartão de estudante ou de sócio de Inatel. Até muito em breve! Cineclube de Tavira

Cena do filme Detachment 11 ABR | Detachment - O Substituto, Tony Kaye - E.U.A. 2012 (97’) M/12 18 ABR | The Suffering Grasses: When Elephants Fight it is the Grass that Suffers - Quando os Elefantes Lutam, os Pastos Sofrem, Iara Lee - E.U.A./Turquia/Síria 2012 (52’) M/12 26 ABR | Linha Vermelha, José Filipe Costa - Portugal 2012 (80’) M/6

Espaço AGECAL

Astros, antigos ciclos e celebrações actuais

Catarina Oliveira

Arqueóloga e investigadora de arqueoastronomia Sócia da AGECAL

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Muitos monumentos megalíticos estão orientados na direcção do nascimento da Lua Cheia que se segue ao Equinócio da Primavera. Sabia que aí na pré-história, se celebraria este momento do calendário ritual associado à renovação da natureza? Sabia que a Páscoa, marcada no domingo seguinte à Lua Cheia da Primavera, vem na continuidade destas antigas celebrações do equi-

nócio da Primavera? Os astros, e especialmente a Lua, foram nas primitivas sociedades humanas, fundamentais para a percepção e medição do tempo. Os caçadores-recolectores, mais tarde os primeiros agricultores, determinavam o tempo e orientavam a actividade ao longo do ano pela observação dos movimentos astrais. Começa na pré-história a estruturar-se um calendário, com base no conceito de ciclo e na regularidade do curso dos astros. Novas investigações na área da arqueoastronomia apontam para a importância da Lua da Primavera na orientação das antas e recintos megalíticos, assinalando a chegada da Primavera num contexto mágico-religioso de renascimento da natureza e da vida, após a dureza dos meses de Inverno. Os monumentos megalíticos, ar-

quitecturas sagradas relacionando pontos relevantes na paisagem e direcções astrais, são a materialização de uma acumulação de conhecimentos das primeiras comunidades de agricultores e pastores sobre o movimento dos astros. Equinócios e solstícios, momentos de transição e mudança, estruturavam o calendário ritual e eram assinalados nos megalíticos com celebrações ligadas à renovação da natureza e do cosmos com vista à manutenção do ciclo vida-morte-renascimento e harmonização das actividades comunitárias com os ritmos naturais. Estas festividades perpetuaram-se até aos nossos dias, integradas na liturgia cristã. Ao equinócio da Primavera – que comemoramos hoje com a Páscoa – continuam a associar-se saídas colectivas aos campos floridos para comer o borrego na segunda-feira

“ÍNTIMO” 12 ABR | 21.30 | Teatro das Figuras - Faro Jorge Palma, acompanhado pelo seu filho Vicente, cria um ambiente de interactividade e proximidade com o público e viaja por mais de 40 anos de carreira, revisitando temas conhecidos de todos

pascal, as bênçãos de ramos (com alecrim, rosmaninho, palma, oliveira,…) no Domingo de Ramos; coelhos e ovos, símbolos da fertilidade; e já em Maio os “maios-moços” e as “maias”, personagens florais interpretadas por crianças e jovens. São tradições que reencontram o sentido primeiro das antigas celebrações do equinócio que em muitas culturas assinalavam o início do ano. A religiosidade popular e tradições festivas mergulham as suas raízes na pré-história, numa antiquíssima relação mágico-simbólica entre homem, astros e natureza. Nalguns sítios arqueológicos pré-históricos tem-se promovido este conhecimento e diversificado a oferta cultural com celebrações de equinócios e solstícios. Em Abril de 2012 no Túmulo Megalítico de Santa Rita, situado no

concelho de Vila Real de Santo António, assinalou-se o nascimento da Lua Cheia da Primavera com registo fotográfico do nascer da Lua e do pôr-do-sol e com conversas sobre a Lua, o megalitismo e a paisagem. Também no Conjunto Megalítico de Alcalar se assinalou o passado equinócio de Outono com a iniciativa «Uma Noite na Pré-História», pretexto para conversas sobre orientações astrais dos megálitos e culto dos mortos. No Conjunto Arqueológico Dólmenes de Antequera, na vizinha Andaluzia, são já tradição as Celebrações do Sol nos equinócios e solstícios. Retomam a relação entre ciclos astrais, ritmos da vida e os rituais da morte, convidando os visitantes a observar a entrada da luz do Sol ou da Lua, no interior dos grandes dólmenes que constituem o conjunto.

“DRÁCULA” 20 ABR | 21.30 | TEMPO - Teatro Municipal de Portimão A Vortice Dance Company apresenta uma peça em que acontece uma desmultiplicação da personagem Drácula, que assume diferentes formas, caras, animais e corpos, explorarando o lado sombrio do ser humano


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Cultura.Sul

Aqui há espectáculo

Políticas culturais de um concelho que não é só “sol e praia”

Joaquim Guerreiro Vereador da Cultura da Câmara Municipal de Loulé

A política cultural municipal de Loulé tem vindo a apostar fortemente na criação e experimentação artística. O espaço CECAL – Centro de Experimentação e Criação Artística

Teatro Municipal de Faro Programação: www.teatromunicipaldefaro.pt

Destaque

e valorização dos banhos islâmicos, se tem procurado a afirmação de um destino cultural distinto, integrando a Rota Ibérica do Al-Mutamid. A recente remodelação do Cineteatro Louletano, equipado com os melhores meios técnicos, veio trazer a Loulé uma sala de espectáculos com uma programação eclética, que privilegia o cinema português, e é complementada por momentos quinzenais de debate e reflexão através das Conversas à 5ª e dá oportunidade a artistas menos conhecidos nos Impro-

10 ABR | Visitas Encenadas – Atrás do Pano III, Os Cantos Confidenciais, 10, 11.15 e 14.30 horas, duração 1h, preço: 3 € 12 ABR | Jorge Palma – Íntimo (música), 21.30 horas, duração: 1h20, preço: 14 € 14 ABR | Concerto Promenade – O Quebra-Nozes, 12 horas, duração: 1h, preço: entre 5 e 10 € 19 ABR | Deolinda – Mundo Pequenino (música), 21.30 horas, duração: 1h20, preço: 15 e 20 € 30 ABR | Branca de Neve – Companhia de Dança do Algarve, 21.30 horas, duração: 1h30, preço: 10 € 12 ABR | Jorge Palma – Íntimo (música), 21.30 horas, duração: 1h20, preço: 14 € Jorge Palma acompanhado pelo filho, Vicente Palma, apresenta esta tour acústica, criada especificamente para espaços que permitam um maior intimismo. Aquele que é considerado o melhor cantautor português, cria um ambiente de interactividade e proximidade com o público e viaja por mais de 40 anos de carreira, revisitando

Cine-Teatro Louletano Programação: http://cineteatro.cm-loule.pt 5 ABR | Dino D’Santiago – Destino d’um Criolo, 21.30 horas, duração: 1h10, preço: 7.50 € 6 ABR | A Revolução das Mulheres (teatro), 21.30 horas, duração: 1h15, preço: 5 € 7 ABR | Orquestra do Algarve, 17.30 horas, duração: 1h15, preço: 8 € 11 ABR | Quarta Divisão, de Joaquim Leitão (cinema), 21 horas, duração: 1h56, preço: 3€ 18 ABR | “Improvisos à 5.ª”, com José Alegre e José Francisco, 21 horas, entrada livre De 19 a 21 ABR | Festa do Cinema Italiano 24 ABR | Reconstituição (documentário), 21 horas, preço: 3 € 26 a 28 ABR | Absolute Hell (teatro), 20 horas (dia 28, às 17 horas), duração: 3h, preço: 12 € 30 ABR | La Portena Tango (música), 21.30 horas, duração: 1h10, preço: 10 €

Destaque

d.r.

Espaço do CECAL em Loulé visos à 5ª. Um bom exemplo de estímulo à criação na região foi também a rede Movimenta-te, fruto da colaboração dos cinco municípios do Algarve Central, que comprovou que planear em rede só pode trazer vantagens, possibilitando uma excelente programação com menos recursos. Acredito que o turismo criativo e de experiências pode ser um factor galvanizador para um país que atravessa uma crise financeira com cortes na cultura cada vez maiores. Penso que a criação e experimentação artísticas podem, cada vez mais, ocupar um espaço importante num concelho como o de Loulé, que outrora só foi conhecido pelo “sol e praia”. Uma aposta numa política de inovação e criatividade e numa linha programática mais contemporânea podem aumentar a diferenciação de um destino turístico, tornando-o mais competitivo, através da valorização dos seus factores diferenciadores.

30 ABR | La Portena Tango (música), 21.30 horas, duração: 1h10, preço: 10 € O guitarrista Alejandro Picciano dirige este espectáculo que relata o nascimento e desenvolvimento de uma música que transpôs fronteiras passando de um fenómeno local a uma profusa difusão internacional, tendo

sido declarado em 2009 pela Unesco Património Cultural Imaterial da Humanidade. A música que um dia foi considerada proibida brilha com todo o seu esplendor neste espectáculo acompanhado por baile.

AMO - Auditório Municipal de Olhão Programação: www.cm-olhao.pt/auditorio Até 30 ABR | Exposição de Henrique Dentinho – Formosa Ria (escultura) 13 ABR | Capuchinho Encarnado – Nem todos os lobos são maus (teatro infantil), 16 horas, duração: 1h, preço: 5 € 20 ABR | Inês Graça (fado), 21.30 horas, duração: 1h30, preço: 5 € 24 ABR | Adiafa (música), 21.30 horas, duração: 2h, preço: 5 €

Destaque

de Loulé, situado no coração do Parque Municipal, que recebe anualmente artistas em residência, dando-lhes depois a oportunidade de exporem as suas criações, é um bom exemplo disso. Também ao nível das Galerias de Arte, o facto de se ter definido uma linha expositiva programática contemporânea coerente, que tem acolhido nomes de projeção internacional, tem contribuído para formar o espírito crítico daqueles que nos visitam. Por outro lado, a promoção e afirmação do município como destino cultural com grandes eventos como o Festival Med, a Noite Branca, o Festival Internacional de Jazz ou o Encontro de Música Antiga tem permitido proporcionar aos cidadãos experiências diferentes, atraindo visitantes, precisamente pela sua oferta de qualidade, tanto ao nível artístico como cultural. Também na reabilitação do património, mais especificamente do centro histórico, através da recente descoberta

temas que todos conhecemos. Umas vezes sussurrados ao piano, outras em plenos pulmões à guitarra mas sempre com o excêntrico génio que se lhe reconhece. Este é um concerto especial, um evento único, uma noite mágica que seguramente proporcionará momentos inesquecíveis para quem é fã de Jorge Palma e não só.

24 ABR | Adiafa (música), 21.30 horas, duração: 2h, preço: 5 € Inserido nas comemorações concelhias do 25 de Abril, o AMO recebe os Adiafa, um grupo musical de referência do cantar alentejano contemporâneo. O melhor da música tradicional, numa

noite a não perder em que serão revisitados muitos dos temas mais conhecidos dos baixo-alentejanos que fazem as delícias dos espectadores em Portugal e no estrangeiro.

TEMPO - Teatro Municipal de Portimão Programação: www.teatromunicipaldeportimao.pt 12 ABR | “Cinemas às 6.ªsS – Cosmopolis”, de David Cronenberg, 21.30 horas, duração: 1h48, preço: 3 € 13 ABR | Filminhos Infantis, 16 horas, duração: 1h, preço: 3€ 20 ABR | Drácula (dança), 21.30 horas, duração: 1h15, preço: 10 e 12 € 24 ABR | Ensemble Suest’ Arte (música), 21.30 horas, duração: 1h, preço: 6 € 26 ABR | “Cinemas às 6.ªsS – Operação Outono”, de Bruno de Almeida, 21.30 horas, duração: 1h55, preço: 3 € 27 ABR | Lar, Doce Lar (teatro), 21.30 horas, duração: 1h45, preço: 15 €


Cultura.Sul

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Panorâmica

João Pessoa, um luthier autodidacta O trinar duma guitarra portuguesa, o dedilhado de uma guitarra clássica ou os arranques fulgurantes de uma guitarra eléctrica quando feitos com domínio e mestria são arte pura, capaz de entre notas e acordes nos levarem às extremas sensações que a música nos reserva na sua insondável beleza e emoção. Das mãos, da alma e do espírito artístico dos músicos nascem os sons, mas nada disto seria possível se as mãos de um guitarrista não se entregassem a um instrumento também ele feito de arte e mestria, saber e dedicação. Num país que tem no seu palmarés um infindável número de cordofones autóctones, não há escolas de luteria, arte e ofício de fabricação de instrumentos musicais de corda, mas há-os luthiers de primeira água como João Pessoa. Nascido há 42 anos em Moçambique, na antiga Lourenço Marques (actual Maputo), e chegado ao Algarve aos 18 anos, depois de passar pela África do Sul e pelo Brasil, foi em terras algarvias que iniciou a sua arte. “Queria ter uma guitarra para tocar e como não tinha dinheiro e tinha jeito para a carpintaria, comecei a tentar fazer guitarras”, diz, simples, quem hoje é um nome incontornável da produção de guitarras costumizadas.

fotos: ricardo claro

João Pessoa no atelier em Olhão Um mestre autodidacta O designer, formado na Universidade do Algarve, é um autodidacta

e nos quase 20 anos a fazer guitarras tem instrumentos espalhados um pouco por todo o mundo,

com clientes que cobrem os mais variados géneros musicais. Ao Cultura.Sul, que recebeu no seu atelier em Olhão, espaço sagrado da JP Costume Guitars, o artista que da madeira faz nascer verdadeiros ferraris dos cordofones, deu esta entrevista em pleno trabalho. Nas mãos de João Pessoa um instrumento do músico José Alegre que une uma guitarra de doze cordas com um bandolim. A

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A guitarra bandolim de José Alegre “ONE HER(MAN) SHOW” 5 e 6 ABR | 21.30 | Centro Cultural de Lagos Espectáculo de Herman José baseia-se em mais de 30 anos de carreira, na recuperação de muitas histórias hilariantes e verídicas (que passam pela imitação de muitos colegas e cantores com quem privou)

obra, o restauro desta peça, estava quase no fim e a minucia do trabalho é notória. O luthier fez-se artista através de “tentativas e erros”, depois de terminado o curso de design, “porque já tinha muitos clientes e sempre pensei que era esta a profissão que queria ter”, aprendendo apenas com o ver outros mestres trabalharem. A licenciatura valeu-lhe em particular nas áreas da ergonomia e da tecnologia e anatomia dos materiais, “ferramentas que foram uma mais-valia”, a que se somou o facto dos professores, conhecedores dos seus objectivos, lhe terem facilitado a aprendizagem dedicada aos seus desejos profissionais futuros. João Pessoa é claro, “fabricar uma guitarra não deixa de ser pura carpintaria, na criação e desenvolvimento do projecto inicial e na ergonomia é que estão as grandes diferenças” face à secular profissão de carpinteiro. “A criação obedece às regras de construção dos cordofones e a ergonomia garante o conforto do músico, preservando a função do instrumento musical”, diz. “A guitarra tem de ser passível de, cumprindo a sua função de instrumento, ser tocada durante um concerto de duas horas sem martirizar o músico”, conclui.

“No resto quem manda é o músico”, diz João Pessoa. Que madeiras utilizar, qual o tamanho do braço, que decorações e acabamentos o instrumento vai ter e que sonoridade se pretende atingir são ditames determinados pelo artista. Ao mestre luthier cabe associar a vontade do músico à realidade das madeiras mais duras ou mais macias e aos sons que cada material é capaz de produzir. A arte faz-se matéria depois de longas conversas que permitem a João Pessoa entender o que cada músico pretende do instrumento a construir. “Os músicos que me procuram são profissionais e os instrumentos o seu ganha pão”, sublinha. Nestes termos, a conversa não é frívola e incidental, tudo é visto ao pormenor para que o produto final seja a perfeição feita cordofone. Nas mãos de João Pessoa continua o instrumento de José Alegre, a que dá retoques com uma lâmina afiada. No tampo está a história que o músico quis gravada na sua arma de trabalho “um eremita que vive da pesca e do que esta lhe oferece, que segue o seu caminho - representado pela rosa-dos-ventos - orientando o pão nosso de cada dia”, conta João Pessoa. O futuro do mister No que respeita a seguidores da arte da luteria, o mestre que colocou Olhão no mapa deste ofício afirma que há muitos interessados, mas adianta que a formação é sempre um processo difícil e que requer muito de autodicta. “O atelier é um lugar sagrado e a luteria requer muito de um estado ‘zen’, pouco compaginável com o ensino”, diz João Pessoa. Há um estado de alma e uma inspiração e concentração indispensáveis em muitas das fazes do processo de criação que dificultam a disponibilidade para o ensino, refere o mestre que se afirma incapaz de se confessar mais apaixonado pela criação de um novo instrumento ou pelo restauro de uma peça. Da mesma forma, para João Pessoa não há um seu trabalho que o marque mais do que outro. “Seria muito injusto distinguir entre os instrumentos que fiz e faço, são todos meus filhos”, sublinha. Ricardo Claro

“MUNDO PEQUENINO” 19 ABR | 21.30 | Teatro das Figuras - Faro Após lançarem “Canção ao Lado” e “Dois Selos e Um Carimbo”, os Deolinda apresentam agora o seu último trabalho de originais, disco gravado no Porto no Boomstudios, produzido pelo britânico Jerry Boys e pela própria banda


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Cultura.Sul

Especial Lídia Jorge

A magia do feminino em O Dia dos Prodígios

Paulo Serra

Investigador da UAlg associado ao CLEPUL

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d.r.

O Dia dos Prodígios foi o romance de estreia de Lídia Jorge, publicado em 1980, e nele perpassa um forte sentido de autobiografia, escrito com base na memória da terra de Boliqueime, onde nasceu, e em que reflecte o imaginário e o modo de vida de um ambiente rural. O registo linguístico remete para o regional e popular, com recurso a diversos termos algarvios, mas existe igualmente uma forte dimensão mítica, que se constrói a partir do realismo mágico. Logo quando publicado, este romance foi apontado como uma obra inaugural desse género de ficção, caracterizado pelo uso do maravilhoso, aproximando-se de escritores como Gabriel García Márquez ou William Faulkner (um dos seus escritores preferidos). Mesmo que já se tenha escrito so-

bre esta obra antes e, ainda em 2010, se tenham realizado, na Câmara Municipal de Loulé, diversas iniciativas em comemoração do 30º. aniversário da obra, é impossível deixar de voltar a este livro com um sentimento de novidade, trabalhando-a como um cristal multifacetado, onde se descobrem sempre novas facetas consoante a perspectiva que se adopte. Foi também no ano de 2010 que se publicou uma edição comemorativa da obra, pela Dom Quixote, o que coincidiu ainda com a sua adaptação e para teatro por Cucha Carvalheiro, ex-directora do Teatro da Trindade, em Lisboa, estreando em 23 de Setembro de 2010, com um elenco onde constavam diversos actores como Maria Emília Correia, Cristina Cavalinhos, Diogo Morgado e Filomena Cautela. Esta peça foi inclusivamente trazida a Loulé em Março de 2011. Na intriga existem diversos elementos que atestam a ocorrência do mágico: uma comunidade que acredita numa cobra que depois de morta ganha asas e voa; um rio que secou há cem anos sem razão aparente; crenças e superstições locais que se referenciam, «Só havia ali na curva do rio um moinho velho, onde, de noite, apareciam medos» (p. 31); Pássaro Volante

pedro loureiro

que julga que a sua mula se riu dele e lhe fugiu; as insolações lunares de Macário que o fazem dormir durante catorze dias do mês. Mas é em Branca que o mágico se concentra mais fortemente, à semelhança de outras personagens femininas com poderes sobrenaturais, como a Blimunda de Saramago. Branca, cujo nome próprio está imbuído de uma ideia de luminosidade que remete para o celestial, insinuando uma magia que provém dos céus, possui capacidades de adivinhação que lhe permitem atravessar as distâncias do tempo não-acontecido: «Assim Branca, com dezassete anos vira a Pássaro. De rosto tão quadrangular e olho tão assestado sobre a sua carnação mal coberta por um vestido de popelina, que fora forçada a dizer. (...) Vai ser aquele, porque tem cara de me querer bater toda a vida. Já então se supunha com um alcance que ia mais além do presente até agarrar o futuro, com uma vidência feita de sobressaltos e chamada por palavras.» (p. 66). Branca vive retida em casa, controlada pelo marido através da bordadura de uma colcha branca, onde figura um dragão, tarefa que ele impôs como forma de controlar o seu tempo livre, enquanto ele, como o próprio nome de Pássaro Volante indica, anda por aí em liberdade, com as suas mulas, à semelhança de um cavaleiro andante

“ARTE PÁSCOA 2013” Até 14 ABR | Ruas do Centro Histórico e Barão de S. João - Lagos Exposição temática alusiva à comemoração pascal, em que são utilizadas peças pintadas em tecido, respeitantes ao retrato figurativo de Jesus Cristo - Paixão de Cristo, e que estão penduradas em janelas e varandas

que deixa a sua donzela na torre, guardada por um dragão: «Tinha dito uma vez em frente de pessoas de fora, que a bondade mandava que se fornecesse à mulher o entretém para os dedos, de outra. Oh, de outra forma. Branca Volante passaria as tardes com o espírito além das parreiras. E o que se passasse no espírito nunca se poderia medir nem calcular. O dragão, pelo contrário, era um indicativo precioso. Note-se. Não só do tempo que tinha ficado disponível, como ainda da justiça usada na distribuição das tarefas. Porque se alguma coisa faltasse fazer, e as escamas do dragão crescessem. Ah dedinhos. Branca estaria a esquecer-se dos seus deveres, e forçoso seria fazê-la lembrar. Cinco dedos estampados na pele. Não era para doer. Era mais a marca e a lembrança.» (p. 36). No entanto, após um casamento submisso de dez anos, Branca passa a viajar em pensamento graças aos seus poderes mágicos, e pode inclusivamente perscrutar a distância física, através da visão e audição: «A mão sobre a orelha. Havia tempo que ouvia os sons à distância. (...) Consigo ouvir animais, pessoas, rumorejo de folhas. Chego a ouvir as ondas. Este tam tam que vem e vai.» (pp. 48-49). Branca passará até a dormir, estranhamente, com os olhos abertos: «Branca fechou os olhos porque acordou.» (p. 51). Esta personagem

feminina, enquanto detentora de capacidades mágicas, pode inclusivamente ser considerada como a responsável pela aparição da tal cobra voadora. Ao bordar o dragão na colcha, empreita que dura há dez anos, produto das tardes e que se arrasta pelo chão da casa, Branca começa a recear a sua própria criação, pois sente-a mover-se pela casa como um monstro, uma assombração. Como se todo o tempo e energia que a mulher consumiu na sua feitura lhe tivessem conferido algum poder vital: «Agora o dragão começa a ter uma forma de verdadeiro animal réptil voante. Porque o contorno da asa cinza vivo se abre em leque no meio do pano e o corpo do bicho de escamas miúdas. (...) Sendo potente e metalizado enrosca pelo tecido, e as patas abertas parecem agarrar seres vivos.» (p. 88). É curioso atentar como o elemento do dragão invoca os contos de fada em que as jovens donzelas indefesas estavam presas numa torre e guardadas por um dragão, mas é também a própria Branca que cria a criatura que será também o seu carrasco... Essa colcha é, afinal, como uma criação artística com o poder de uma obra literária, investindo Branca de um poder que vai além das suas capacidades visionárias, imbuíndo-a de uma nova força. A colcha simboliza assim, enquanto artefacto ou objecto estético, artístico, criado pelas suas próprias mãos, um processo de recuperação de poder e de apropriação da palavra como forma de libertação. O leitor depara-se ainda com um crescendo da personagem que não só vai conseguir rebelar-se contra o marido, defendendo-se com um facalhão quando ele a ataca. Esta mulher vive ainda o presente concentrada nos seus pressentimentos de um futuro que ela prevê melhor: «em breve as camionetas vão começar a chegar abarrotadas de gente que há-de vir para me consultar. Sobre as suas vidas. Além de outras viaturas motorizadas, animais ferrados e gente de pé.» (p. 199). Essa previsão de Branca é, aliás, o único horizonte positivo que o romance deixa e permite antecipar o que está para lá do final do livro. Esta fé no porvir retrata ainda o sentir do povo português e retrata essa vivência particular que é uma espera sebastianista, pois apesar da Revolução do 25 de Abril continua-se a aguardar o cumprir de uma profecia que salve o país, simbolizada por essa cobra que depois de espezinhada levanta voo.

“PREOCUPO-ME, LOGO EXISTO” 5 ABR | 21.30 | Auditório Pedro Ruivo - Faro Ao longo de mais de uma hora, Diogo Infante vai-se metamorfoseando em oito personagens distintas, que podemos encontrar actualmente em muitas cidades ocidentais, onde tabus e o absurdo de uma certa modernidade são expostos


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Momento

Manif Nacional 2 de Março Foto de Vítor Correia

Espaço ALFA

Faro, a cidade das pedras falantes

Conceição Agostinho Colaboradora da ALFA

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Ali, na cidade velha, há uma história viva e imprecisa de um tempo presente. Em cada esquina, fantasmas de um imaginário fabricado por livros e filmes surgem-nos nas brisas, na cal desmaiada dos muros, nos recortes de luz e no cheiro mágico das árvores serenamente vigilantes. Há um certo imperialismo do tempo, ali, na cidade velha. Também uma certa bonomia, tal como existe em tudo quanto parece ter perdido a idade. O que se procura quando se fotografa na cidade velha? Nunca soube, e talvez por isso, um fascínio intraduzível me obrigue a regressar continu-

amente ao que ainda está por ver. É como se tudo fosse outra coisa para além da História. Ou como se a História estivesse toda por preencher, por ganhar uma outra vida humana, um outro movimento, um outro cheiro. Ali, tudo diz e seduz uma câmara: que é como quem diz: um olhar, uma alma, um momento. Ali, eu sou mais daqui. Os grandes muros brancos esperam personagens. Os vértices dos muros são de pedras falantes – numa língua que já ninguém diz. A terra que ladeia os canteiros das árvores está viva e cheia de tesouros dos anos. As árvores não se importam com as fotografias e de tudo isto parecem troçar as cegonhas no seu firme bater de bico lá no topo da Sé. Dizer que há uma magia indescritível na cidade velha, é demasiado pouco. Regresso frequentemente às ruas cujas pedras receberam pés, sangue, rodas de ferro, ranhos, sapatos e mãos. Ali, naquelas pedras, estão todos os que não constam da Histó-

d.r.

ria. E outros, como o Remexido, e as tropas e as meninas engalanadas e os rapazes sonhadores, poetas e açougueiros, mercadores e parteiras, liberais, freiras, crianças vazias e velhos de olhos grandes. E o Zeca Afonso, o Carlos Porfírio, o Lyster Franco e a Matildinha “curiosa”. E risos que se escondem. E a estátua de D. Afonso III que ainda manda na fé. Regresso. Levo tripé. Ensaio distâncias focais, ajusto sensores: até onde eu quero ver a vida mais íntima das ruas velhas? Landscape (paisagem) ou portrait (retrato)? Acabo sempre por inverter, pois toda a paisagem na cidade velha é alta e magnânime, e toda a marca de tempo humano é um retrato com fuga para o passado e para o presente. Há uma disparidade luminosa constante na cidade velha: seduzem-me as exposições desequilibradas. Acho que algo fugiu há centenas de anos desta parte de Faro – e nem no futuro conseguiremos agarrar. Talvez a objectiva me leve lá. Ou quase.

“LAR, DOCE LAR” 27 ABR | 21.30 | TEMPO - Teatro Municipal de Portimão Maria Rueff e Joaquim Monchique, juntos pela primeira vez em palco, dão corpo às diferentes personagens da comédia que revela o dia-a-dia da residência Antúrios Dourados para Seniores de Qualidade

“ADIAFA” 24 ABR | 21.30 | Auditório Municipal de Olhão O grupo Adiafa foi criado pelos músicos José Emídio e Paulo Colaço, por volta de 1998, e na sua génese está a divulgação e interpretação do cante campaniço baixo-alentejano, e a recuperação do seu instrumento tradicional, a viola campaniça


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Cultura.Sul

Contos de Primavera na Ria Formosa

Hotel Abril

Pedro Jubilot

pjubilot@hotmail.com canalsonora.blogs.sapo.pt

O Portugal de 1973 era um país já demasiado triste e cansado, à espera de algo que acontecesse. Nos estádios de futebol, o Pantera Negra, que já dera o seu melhor, continuava exilado num país de que há muito o obrigaram a ser. Não podia sair da Luz, mas já começava a entrar no túnel da inevitável decadência. A Diva, de tanto lhe doer a voz e a alma, incluía já no seu repertório, canções de vários géneros e línguas, que se desviavam da essência do seu fado, indirectamente afastando-se da forçada colagem ao destino do seu país. No entanto, essa perda de identidade criativa, é que a mantinha ainda livre. Na televisão, ainda a preto e branco, N. Sª de Fátima continuava a proteger semestralmente a nação de todos os males com a bênção de um estado que continuava a chamar-se novo, ao fim de 48 anos. E… havia uma juventude, que tinha de tornar-se adulta por força das circunstâncias da guerra ultramarina, da falta de estudos, da pouco estimulante vida cultural, e de ter de arranjar um trabalho, pois que nesses anos os pais não ganhavam o suficiente para se poderem manter os filhos no sonho etéreo da adolescência por muito tempo. ‘Trrrriiiiin... trrrriiiiin…’ tocavam assim os telefones num som grave, orgânico, terrestre, subterrâneo e utilizavam-se para se dizerem coisas realmente importantes. Boas ou más. Por isso Augusto sentia um arrepio de cada vez que o ouvia. Tremia só de pensar, que lhe iam comunicar o dia e a hora de embarque para as colónias portuguesas do Ultramar. Decidiu-se por levantar o pesado auscultador do telefone mas descansou ao ouvir a voz do seu amigo Jorge. Sentiu-se reconfortado. Esta chamada era das boas. O conjunto que recentemente tinham formado ia abrilhantar a passagem de ano num hotel do Algarve e acaba por ser contratado para banda residente da época baixa. Durante Abril, mesmo sem receber há quase um mês, teimam em honrar o contrato. Num final de noite os músicos ficaram a conversar e ouvir rádio no quarto virado para a doca que os albergava a todos, quando passou a canção concorrente ao Festival Eurovisão da Canção. ‘O Paulo de Carvalho tem uma grande voz, não acham?!’, disse Rui.

‘Disseram-me que ele pertence ao PC…’sussurrou Mário. ‘Então pá, eu sou o vosso agente, arranjei-vos este emprego, dou-vos comida, cama lavada e whisky todos os dias, vamos mudar de assunto, sim?! ’ Nisto batem à porta do quarto. ‘Porra! Não vos disse para se calarem…Quem é?’, perguntou Rui. ‘Uma chamada de Lisboa para o

e decide começar as aulas de piano e composição. Por exigência da profissão que abarcara passava cada vez mais temporadas fora, entre Madrid, Paris e Berlim, dedicando-se a uma bem sucedida carreira a solo. Podia agora passar as fronteiras do país, e não só para África. Durante muito tempo apenas visitava Portugal para fazer fé-

tempo para se sentar em casa a ler o jornal e ligou a televisão, era o dia do jogo da final do campeonato, que celebrava aquele que consideravam ser o maior evento desportivo jamais realizado no país. Nos estádios de futebol, o Menino de Ouro, que ainda viria a dar o seu melhor, regressaria de novo à ilha, não uma do país que o viu nascer, d.r.

Sr. Lacerda’. Augusto dirigiu-se à recepção. ‘Calem-se lá por favor, deixem ouvir isto’, pediu o Jorge. ‘Isto não é possível, isto… não é possível… o Zeca Afonso na Rádio Renascença? Passa-se algo estranho, isso é o «Grândola», pensava que isto estava censurado.’ Augusto reentra, deita-se na cama, calado mas sereno. Parecia mais feliz do que quando saíra. ‘Está tudo bem?’ ‘Sim. Está tudo bem! Mas não desliguem a telefonia… oxalá as coisas mudem esta noite… eu não queria mesmo ir para a guerra’, disse Augusto. ‘Porque é que estás a dizer isso? Porquê esta noite? Quem é que te ligou? O que é que se está a passar, Augusto?’ ‘…é que hoje faço anos e o meu irmão, que estava de serviço no quartel…’ Os amigos começaram a cantar ‘Parabéns a Você’, só silenciado quando se ouviu a voz que anunciava: “Aqui posto de comando do Movimento das Forças Armadas, que desencadearam esta madrugada uma série de acções com vista à libertação do país do regime que há longo tempo o domina”. Na ressaca desses revolucionários dias, regressam à capital com a bagagem cheia de recordações do Algarve. Augusto vai para a casa dos pais

rias e rever a família e os amigos. Depois de muitos anos de discos, gravações e longas digressões, sentiu uma estranha vontade de regressar à sua terra, e à casa onde crescera. O Portugal que Augusto encontra em 2004, é um país já a ficar deprimido, onde pouco poderia ainda acontecer, a não ser tudo o que a globalização e a comunidade europeia nos dava para nos entretermos. Quando, no dia em que Augusto teve outra vez

mas onde nasceu o desporto do qual diziam ser ele o melhor. Não podia sair de Old Trafford, mas já começava a entrar na esfera da inevitável e exagerada exposição pública da sua vida privada. E nessa tarde de Junho, mesmo estando no relvado, foi apenas mais um entre os milhões de portugueses vestidos de camisola grená e calções verdes, que não conseguiu festejar um único golo, apesar de tantas bandeiras penduradas nas janelas d.r.

por esse país fora. A Cantora de ascendência crioula que fora promovida ao estrelato meteoricamente, desejava ir instalar-se em Nova Iorque para indirectamente se ir afastando do forçado rótulo de nova diva da canção de Lisboa, e do destino do seu país. Enfim, da essência do nosso fado. No entanto, essa abertura de identidade criativa, é que a poderia manter ainda famosa e independente por mais algum tempo. Na televisão plasma por cabo, o nosso senhor Primeiro-Ministro anunciava a sua partida para Bruxelas como se de um dever patriótico se tratasse, lançando o país numa crise política e social que estaria para durar. Através dessa caixa que o mundo transformou num painel estreito de alta definição, os políticos vindouros continuaram a mentir semanalmente ao povo de uma nação cheia de altas taxas de desemprego, fome e corrupção, apesar de todos nós quereremos ainda acreditar num estado que continua a dizer-se de direito democrático, mesmo depois do que fomos assistindo ao longo destas últimas décadas. E… uma juventude, que tem de demorar-se a ficar adulta por força das circunstâncias da crise, por o curso não ter saída no mercado, tendo de arranjar trabalhos precários, pois enquanto não conseguem nada melhor os pais lá fazem por manter os filhos no sonho visionário da adolescência por mais algum tempo. ‘Tchalalalalaúuuu… Tchalalalalaúuuu….’, tocam assim os telefones num som agudo, digital, sem fios, demasiado estridentes e utilizam-se para se dizerem coisas realmente normais. Boas ou más. Por isso Augusto sente um arrepio de cada vez que os ouve. Treme só de pensar, que lhe vão perguntar onde está e o que está a fazer ou a estafada senão paradoxal pergunta sobre que projectos tem para o futuro - esse tempo que cada vez se sabe ser mais incerto. Decidiu-se finalmente a apanhar o leve telefone móvel. Esta chamada era das más. Sentiu-se devastado. A voz profunda e triste do Rui num som nítido como se estivesse ali mesmo a seu lado, dizia que já tinha descansado o seu amigo Jorge. Da janela da sala, podia ver o pequeno jardim e relembrar quando ali se sentava com o amigo a falar das pequenas grandes coisas da vida. Passaram mais de trinta anos em alguns minutos. Terminou nessa madrugada a peça em que tinha estado a trabalhar nas últimas semanas, dedicando-a ao seu velho amigo Jorge. Chamava-se ‘Uma Espécie de Regresso a Casa’ e ia estreá-la no concerto que daria em breve para o lançamento do cd retrospectiva dos seus 25 anos de carreira. Exausto, adormeceu no sofá ao lado do piano.


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Espaço ao Património

Sala de leitura

“Do Património? Isso é para pagar alguma taxa?”

Perigo de Criatividade! d.r.

Paulo Pires

Programador do Departamento Sociocultural do Município de Silves esteoficiodepoeta@gmail.com

A região tem visto surgir exemplos de boas práticas na área patrimonial

Pedro Branco

Técnico Superior de História

Desde já agradecendo a oportunidade para escrever neste espaço, confesso que o artigo escrito pela minha amiga Vera Teixeira de Freitas na última edição do Cultura.Sul, provocou em mim um sentimento de reciprocidade. Isto no sentido de que os técnicos de história e de património são confrontados com os mesmos acolhimentos de contentamento superficial, mas que, no fundo, acabam por revelar um completo desconhecimento do âmbito do seu trabalho. Exploremos algumas das “auras” que nos envolvem: O síndroma José Hermano Saraiva: O falecido comunicador sempre foi o que a maioria da população associou como sendo um historiador. O problema reside no facto de, para maximizar a força comunicativa, algumas vezes Saraiva dava-se ao luxo de “dourar a pílula” com grandes eventos e feitos heróicos. O que acontece? Quando vamos falar com alguém sobre determinado sítio e/ou acontecimento histórico, querem logo que tal tenha uma forte carga importante. Quando depois referimos que não foi bem assim, que não há fontes que sustentem tal argumentação, aparecem expressões “mas já diziam que era assim” e, em locais que tenham sido visitados pelo extinto orador, “então mas se o Saraiva esteve cá e disse que era assim…”. Fora outros delírios que não precisaram de inspiração televisiva… A sobranceria política: Felizmente, no meu percurso profissional, nunca tive que lidar com tal problema, mas confesso que me arrepiei, quando há

uns meses atrás, vi Macário Correia a ser entrevistado na RTP devido à condenação jurídica que colocava em causa o seu mandato em Faro, devido a práticas irregulares quando era autarca em Tavira. Dizia ele que tinha tomado as decisões que causaram todo aquele imbróglio pois também ele é engenheiro e arquitecto, conhecedor da legislação norteante e com o poder de decisão e responsabilidade. Ora esse suposto conhecimento acabou por o “tramar”, ao ir contra o parecer dos técnicos… A vontade de muitos políticos em quererem assumir decisões e/ou protagonismo leva muitas vezes a que o património nas suas mais diversas variantes possa vir a ser afetado. Felizmente para nós, num Algarve em que o tempo da grande pressão urbanizadora e consequente descaracterização já lá vai indo e em que começa a haver uma maior simbiose das populações com a história e memória das suas terras, o “quero, posso e mando” seja mais escrutinado e com menos possibilidade de acontecer, tanto mais que muitos entretanto se aperceberam que o que foi substituído pelo betão armado lhes dizia muito mais. O estigma do funcionário público: Quando se vê os últimos governos a usarem a função pública como bode expiatório para o desequilíbrio orçamental central e parte da comunicação social a alardear tais manobras, é natural que, seja a nível local, seja a nível central, o servidor do Estado ou de uma autarquia seja como que “visto de lado” pelos seus interlocutores. O que acontece a nós técnicos do património quando partimos para o campo? Assim que nos identificamos junto de cidadãos que estão na envolvente a abordar e que poderão ser de apoio à investigação no terreno, somos confrontados com os useiros e vezeiros “ai são da Câmara? Pois, belas vidas a passear…”, “já viram isto, quer dizer, você que é da câmara aponte lá que esta casa está a cair, é uma vergonha, e vêm os turistas tiram fotografias e vêm os drogados” ou “isso não interessa, está

velho”. Ou seja, muitas vezes somos é alvo de “tiros” atirados contra os nossos colegas do planeamento, dos jardins ou da ação social. Da forma mais clara possível deve-se informar esses transeuntes que o trabalho ali realizado servirá para se conhecer melhor a sua área de residência, contribuindo para a sua preservação e valorização, não só na vertente patrimonial pura e dura, mas também na relação que os habitantes têm com o local abordado. E já que se falou noutros departamentos autárquicos, referir também que a interligação entre setores é cada vez mais potenciada com o bom exemplo neste caso a ser o contributo dos levantamentos patrimoniais para a elaboração dos novos Planos Diretores Municipais. Estes são três dos chavões em que atividades desenvolvidas em prol do património facilmente caem. O tempo fará com que se vão esbatendo. Afinal de contas a nossa região tem visto surgir exemplos de boas práticas na área patrimonial como a criação da Rede de Museus do Algarve (um bom exemplo da coordenação de esforços conjuntos na área da museologia) ou a gestão partilhada dos Monumentos Megalíticos de Alcalar entre a Direcção Regional de Cultura do Algarve e o Museu de Portimão, conseguindo uma resposta mais eficaz em termos de gestão no terreno, além de ter proporcionado uma maior dinâmica na atratividade daquele Monumento Nacional. Por isso, caso me encontrem a mim ou um colega meu numa rua de uma localidade qualquer, munido de uma máquina fotográfica, de cartografia, uma caneta e até um GPS, nada receiem, não somos pessoal da Autoridade Tributária a avaliar eventuais aumentos do IMI na vossa zona ou agentes da Judiciária à procura de traficantes de droga. Somos sim pessoas cuja missão é ajudar a investigar, valorizar e promover o território de todos nós.

Sobre ele a escritora Hélia Correia afirmou que “não há morte que chegue para tantos que respiram o ar que ele respirou”. Chamava-se Zeca Afonso e revisito-o aqui não para citar nenhuma das suas canções mas para falar de Criatividade, recordando duas ideias fundamentais desse andarilho maior: “Mas o que é preciso

do, onde podemos parar o “piloto-automático” para ouvir gritar baixinho e para ler nas entrelinhas das palavras (e até da vida/pele), onde se tomam (úteis) banhos de humildade, onde se promove a inquietação criativa… Isto para não acabarmos como a nêspera do poema “Rifão quotidiano”, de Mário-Henrique Leiria, a qual estava na cama deitada e muito calada à espera a ver o que acontecia, aparecendo então uma velha que disse “olha uma nêspera” e, “zás”, comeu-a. O texto-metáfora remata com uma moral bem ilustrativa: “[isto] é o que acontece às nêsperas que ficam deitadas, caladas, a esperar o que acontece”. Gosto de pensar nas bibliotecas como uma sardanisca verde que não consegue parar de rabiar (mesmo depois de morta) ou como uma “pequed.r.

Palavra que inspira... criatividade é criar desassossego. Quando começamos a procurar álibis para justificar o nosso conformismo então está tudo lixado.”; “Quanto mais pessimista é a visão que eu tenho do mundo, das coisas, mais vontade tenho de me envolver nelas”. Em suma: entusiasmo contagiante e disponibilidade na adversidade. O gérmen da criatividade é indissociável destes e doutros ingredientes, como originalidade, reinvenção, imprevisibilidade e ousadia. Ser criativo também é, de facto, não ter receio de arriscar/falhar (como as crianças tão bem fazem), pois quem não está preparado para errar dificilmente terá uma ideia inovadora. A imprevisibilidade do futuro – encarada tantas vezes como uma ideia assustadora e pessimista – não é algo extraordinário enquanto estímulo à criatividade? É aqui que entram as bibliotecas (do desassossego). Falo de lugares onde alguém disse um dia caberem todas as imagens e sonhos do mun-

nina luz bruxuleante” que insiste em brilhar “aqui no meio de nós”, como diria Jorge de Sena. A Biblioteca Municipal de Silves, junto com outros setores do Município e em articulação com vários parceiros externos, gizou, para os meses de março e abril, um programa pluridisciplinar para comemorar o Dia Europeu da Criatividade Artística (21 de março), cruzando-o com a celebração do Dia Mundial da Poesia. A ideia de criar no espaço europeu uma efeméride em torno da promoção da Criatividade foi lançada pelo projecto Creart e está a decorrer nas cidades que integram a Rede de Cidades para a Criação Artística (em Portugal unicamente no Porto, Aveiro e Silves). Os trabalhos interdisciplinares já desenvolvidos em Silves, explorando vídeo, leitura encenada, fotografia, performance, teatro, dança, música e artes plásticas, estão disponíveis em www.cm-silves.pt e na plataforma colectiva www.europeandayofartisticcreativity.eu


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Cultura.Sul

Na senda da Cultura

Consultório do Museu de Portimão é pioneiro no país O Museu de Portimão, reconhecido pelo espólio que oferece aos visitantes, como pelo serviço cultural que presta à comunidade, abriu portas a uma nova iniciativa que pretende apoiar todos quantos queiram restaurar peças mais ou menos deterioradas que tenham em casa. O Consultório do Museu de Portimão teve início em Fevereiro e conta com sessões de esclarecimento mensais sobre conservação e restauro de peças de particulares que necessitem ser intervencionadas. O objectivo não passa por prestar o serviço de recuperar, mas esclarecer dúvidas, analisar patologias e elaborar um plano de intervenção para que cada um dos proprietários possa recuperar as suas próprias peças. No primeiro sábado de cada mês e mediante inscrição, a oficina de conservação e restauro do Museu de Portimão serve então o propósito de consultório aberto ao público, com a presença de uma equipa de conservação e restauro, que pretende dar todas as explicações sobre como cada um pode recuperar as suas peças, sejam elas de mobiliário, cerâmica, pinturas ou quaisquer outras. José Gameiro, director do Museu de Portimão, explicou ao POSTAL o porquê desta nova iniciativa e mostrou-se bastante agradado com os primeiros passos de um serviço que já tem repercussões a nível nacional. Segundo o director, a ideia de criar o Consultório do Museu surgiu na medida em que “já havia contactos cada vez mais frequentes para este tipo de aconselhamento e tomou-se a decisão de avançar com o projecto”. “Aproveitando as mais-valias inequívocas de uma equipa especializada de técnicos de conservação e restauro que o museu tem e com o intuito sempre presente de considerar a comunidade local enquanto participantes activos do museu, esta é mais uma medida para apoiar quem nos visita e ajudar na resolução de determinados problemas, alargando, assim, o conceito de serviço público do Museu de Portimão”, refere José Gameiro. O papel de responsabilidade social do museu é aqui, segundo o director, “uma forma de sensibilizar as pessoas para os próprios bens”, não esquecendo que o museu “tem beneficiado da ajuda de pessoas que, quer através de doações, quer de cedência de peças, têm ajudado a enriquecer o [nosso] espólio”, sublinhando que esta iniciativa é também “uma forma do museu retribuir à sociedade, ao mesmo tempo que assume, uma vez mais, um papel na defesa do património local”. Técnicos especializados O POSTAL ouviu ainda Andreia Ma-

d.r.

causa”, garante. Andreia Machado esclarece que esta é também uma oportunidade para os técnicos de conservação e restauro poderem dar a conhecer o trabalho que executam e “sair dos bastidores, sensibilizando o público para a nossa actividade profissional”. Portimão lança bases de rede nacional de consultórios

Peça restaurada durante o segundo consultório que decorreu no museu chado, técnica superior em conservação e restauro do Museu de Portimão, que lidera a equipa que, mensalmente, coloca ao serviço da população conhecimentos especializados para ajudar a esclarecer e resolver problemas que os participantes colocam. Andreia Machado esclarece que o papel da equipa de técnicos não é o de intervencionar, mas dar as ferramentas para que os participantes o possam fazer. “Aqui a ideia é analisarmos as patologias e sugerirmos uma proposta de intervenção”, sublinhando a “total disponibilidade no esclarecimento de dúvidas e ensinando como intervir em determinada peça”. “Seja uma limpeza sumária, tratamento de rasgões ou lacunas, tentamos sempre exemplificar e dar início, nós mesmos, à intervenção necessária”, sublinha. Sobre o tipo de materiais já analisados no consultório, a técnica diz ter recebido “muitas madeiras, metais e menos cerâmicas do que seria de esperar”, contudo, revela já ter contactado com uma grande diversidade de peças, das quais destaca um teodolito. Para Andreia Machado, o Consultório do Museu de Portimão pode ser considerado “um centro de saúde da

conservação e restauro”, na medida em que é possível atender a uma multilplicidade de materiais sem apontar

num único universo, “trabalhamos o melhor que sabemos independentemente da tipologia dos materiais em d.r.

Esta iniciativa, segundo nos foi possível apurar, é de facto inovadora no universo museológico nacional, sendo o Museu de Portimão o percussor de uma rede de consultórios que cresce um pouco por todo o país. Segundo José Gameiro, não importa o facto de ter sido o primeiro, contudo, tinha já “a percepção de que não havia muitas iniciativas deste tipo e mesmo no estrangeiro não tenho visto exemplos deste género”, assumindo a “enorme satisfação que, sendo esta uma experiência pioneira, tenha provocado uma onda de adesão tanto no Museu de Portimão por parte de quem tem assistido às consultas, como em outros museus do país que doravante também vão ter os seus próprios consultórios”. A iniciativa seguinte de tomar este exemplo local e alargá-lo à escala nacional cabe ao portal www.pportodosmuseus.pt que, segundo José Gameiro, “reconheceu mais-valias no projecto e contactou-nos no sentido de lançar o desafio a diversos museus que, neste momento ou no futuro próximo, também já têm ou vão ter disponível o mesmo tipo de serviço que proporcionamos em Portimão”. O Museu Nacional do Traje, em Lisboa, o Mosteiro de Santa Clara-a-Velha, em Coimbra, o Mosteiro de São Martinho de Tibães ou o Museu de Lamego são alguns dos exemplos de núcleos museológicos que já aderiram à Rede Nacional de Consultórios em Museus. Como participar

A técnica superior de conservação e restauro Andreia Machado

Se tem em casa alguma peça que necessite de restauro pode e deve contactar o Museu de Portimão através do número telefónico 282 405 230 ou pelo endereço electrónico: museu@cm-portimao.pt e fazer a inscrição, onde é necessária a descrição da (s) peça (s) a apresentar a consulta. Amanhã, dia 6, a partir das 14.30 horas, decorre a terceira sessão do Consultório do Museu de Portimão, limitada a oito inscrições, bastando que faça a pré-inscrição e a aquisição de um bilhete de entrada, no valor de três euros. Pedro Ruas / Ricardo Claro


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Da minha biblioteca

O Papa Pecador ou o Édipo Cristão

Adriana Nogueira

Classicista Professora da Univ. do Algarve adriana.nogueira.cultura.sul@gmail.com

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Em 1972, foi publicada a tradução de O Eleito, de 1951, um dos últimos livros de Thomas Mann (18751955). Era o nº 27 da coleção «Livros de Bolso Europa-América» (em colaboração com a Portugália Editora). Em 2010, a Editorial Vega (ou Nova Vega, como agora se chama) republica-o, numa edição bem mais agradável (letra maior, capítulos bem demarcados). O livro estava há uns dois anos numa das estantes da minha biblioteca, à espera (como acontece com alguns outros) do momento de ser lido. Já o tinha começado várias vezes, mas o prólogo, confesso, não me cativou para continuar. Porém, como era de Thomas Mann (e nestas coisas sou muito influenciada pelo – bom – nome do autor), fiz questão de insistir… até que há dias decidi avançar e foi uma agradável surpresa. Um dos aspetos que me surpreendeu foi o humor. Julgo que quem me costuma ler nestas páginas já se terá apercebido de que sou muito sensível a esta característica, principalmente quando não estou à espera de a encontrar. Foi o que aconteceu com O Eleito. Narrada pelo monge Clemente, o Irlandês, que se autointitula «o espírito da Tradição», a história é trágica, no sentido grego da palavra, mas, nos momentos mais inesperados, o narrador desarma-nos com um subtil toque de humor. Dou dois exemplos: Quando fala de uma dama «piedosa e crente», afirma

que a sua paixão era dar à luz, e que, depois de deixar de poder conceber, «fervorosamente toda se devotava à fecundidade alheia; mal se apercebia de que uma outra mulher ia ser mãe, enchiam-se-lhe de ardente fulgor os olhos de um azul líquido (era oriunda da Suábia) e as faces, recobertas de penugem, incendiavam-se num rubor feliz» (p. 42). Num outro capítulo, em que o abade de um mosteiro pede ao frade tesoureiro (ironicamente chamado Chrysogonus, um nome latinizado do grego chrysogonos, que se poderia traduzir como «nascido do ouro») que ponha a render uma moedas, adverte-o que, depois de entregar o dinheiro a um usurário, «farás bem em te dirigires à sala das disciplinas e aplicares a ti próprio um bom castigo como penitência. – Isso é que não – respondeu o irmão. – Já tenho sessenta anos e não aguento a flage-

d.r.

E assim, da infâmia dos pais, nasceu… Gregorius

Thomas Mann lação, embora aplicada por mim com todo o cuidado. O senhor abade tem dez anos

menos do que eu e o dinheiro pertence-lhe. Se realmente lhe parece necessário um castigo, será bom dirigir-se à sala e aplicar o corretivo necessário. – Vai com Deus! – disse o abade. E continuou a ler na tábua, segura nas mãos» (p. 69). Estes episódios salpicam a narração do monge Clemente, como momentos descompressores da tragédia que ali se vive. De facto, o filósofo grego Aristóteles, na obra intitulada Poética, define tragédia como a imitação de ações que suscitam a compaixão e nos fazem arrepiar de temor e que as suas personagens devem ser boas e, se possível, melhores do que nós, e que a tragédia se dá quer quando essas personagens praticam ações terríveis com consciência quer quando o fazem na ignorância. Ora, tudo isto sentimos e encontramos ao ler esta história. O crime dos pais: «Era uma vez um duque…»

A capa de O Eleito “FORMOSA RIA” Até 30 ABR | Auditório Municipal de Olhão Henrique Dentinho, autodidacta na área da escultura, recria o imaginário nas suas obras, que agora mostra aos olhanenses. As suas peças estão representadas em diversas colecções particulares, tendo realizado um número considerável de exposições

Se escrevesse em verso, o

narrador disse que começaria assim: Era uma vez um duque, chamado Grimaldo./ Deixou dois filhos, dois filhos lindos./Ah! Que par de grandes pecadores! Acompanhamos, então, estes dois filhos, gémeos, um menino e uma menina, que perderam a mãe ao nascer. Educados com todo o carinho e atenção pelo pai, cresceram lindos, dedicados um ao outro, tornando-se, nos seus corpos delicados, «adolescentes deliciosamente belos, com faces pálidas, pestanas sedosas, olhos vivos, finas narinas sensitivas, lábio superior um tanto arqueado na boca grave e fina» (p. 21). Mas a arrogância (a que os gregos chamavam hýbris) foi a sua perdição. Diz Willigis a sua irmã Sibilla: «Só tenho olhos para ti, minha igual sobre a Terra. Todas as outras são estranhas para mim. Só tu nasceste comigo e és de categoria idêntica à minha. […] muitas damas começam a derreter-se, de olhos fitos em mim. Em troca trato-as com a maior frieza, porque só a ti quero ver» (p. 24).

Tal como Édipo, a criança é abandonada e espera-se que Deus saiba «se há-de viver ou morrer, só Ele pode decidir». E decidiu a favor da vida, ou não haveria história para contar. Tal como Édipo, cresceu a pensar que era filho do casal que o criou, mas um dia descobre que é fruto de um pecado inominável. Saindo em busca dos verdadeiros pais, para lhes perdoar, chega a um reino (um ducado) distante, que há dezassete anos (a sua idade, precisamente) é assolado por um pretendente da duquesa, que se recusa a casar. Armado cavaleiro, vence o invasor (sempre piedoso, não o mata) e a recompensa é casar com Sibilla, a duquesa, mais velha, mas aparentando menos idade, de beleza semelhante à sua. Quando ela o vê, vestido com os tecidos com que o filho tinha sido abandonado, não vê nele esse filho, mas antes alguém proveniente de uma família igualmente rica (p. 126), esquecida que estava do sonho que tivera antes do parto, em que «Sonhou que dava à luz um dragão que, ao nascer, lhe rasgava cruelmente o seio. Em seguida elevara-se num voo, deixando-a trémula de dor; mas voltara e, por entre dores horríveis, introduzira-se de novo no seio lacerado.» (p. 42) O Deus dos pecadores Algo que nos fica desta lenda feita romance é que sem pecadores não há necessidade de Deus nem de Paixão de Cristo para os redimir. Baseando-se numa lenda medieval sobre S. Gregório, Papa da Igreja Católica, Thomas Mann cria uma sua versão de Édipo e desafia-nos a descobrir o que preza e o que despreza neste mundo tão cheio de vaidades e ilusões.

“CONCERTO DE MÁRIO FARACO” 12 ABR | 22.30 | Casa do Povo de Santo Estevão - Tavira Márcio Faraco conta com colaborações de peso desde o início da sua carreira, como com Chico Buarque, Milton Nascimento e mais recentemente como compositor de três temas de sucesso do cantor António Zambujo


12 05.04.2013

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Espaço cultura

PALATO: um cruzamento de saberes e sabores Em 2010, a DRCAlg convidou o artista visual Jorge Rocha (Lagos, 1979) para uma ação performativa nas ruínas de Milreu. Membro da Xerem (www.xerem.org) e artista residente no LAC / Laboratório de Atividades Criativas (www. lac.org.pt ), o nosso convidado vinha já desenvolvendo projetos que cruzavam Arte e Gastronomia. Pareceu-nos interessante colocar essa pesquisa transdisciplinar na interseção com o Património cultural e com os resultados de pesquisas, arqueológicas e históricas, que permitissem abordar os comportamentos de aprovisionamento, conservação, confeção e consumo dos recursos alimentares e da dieta ao longo do tempo. Desta forma se realizou em Milreu, sob os auspícios da DRCAlgarve e no âmbito das JEP / Jornadas Europeias do Património 2010, a ação Na boca do Império Romano. Assim nasceu Broadcasting: cozinhando na paisagem, que consiste numa série de ações performativas em monumentos onde a envolvência do seu território se traduz na recolha de informação sobre a dieta de época, fazendo um cruzamento com os hábitos alimentares e comportamentos de consumo e distribuição da sociedade contemporânea. A fórmula é inovadora e procura aproximar a comunidade, de uma forma crítica, às vivências de cada lugar de memória, passadas e presentes: em cada sítio histórico, é montada uma infraestrutura improvisada, onde o artista, em conjunto com os investigadores dos monumentos, desenvolve uma acção performativa num formato ‘talk show’, onde se cozinha ao vivo, transmitindo em directo na internet e colocando os públicos, físicos e virtuais, em sinestesia. Partindo de um menu estipulado a partir das referências encontradas nas entrelinhas da arqueologia e tendo em conta as características únicas de cada lugar, procura-se valorizar fatores paisagísticos e patrimoniais, fazendo anteceder cada sessão por uma visita comentada no local, desenvolvida com as entidades responsáveis por cada sítio histórico. Esta perspetiva inclusiva,

d.r.

PALATO é um projeto que cruza pesquisas

no domínio das Artes visuais com os conhecimentos da dieta tradicional e da inovação em Gastronomia, e com a investigação ligada ao Património cultural, material e imaterial. Parte de uma proposta do artista visual Jorge Rocha, e ambiciona estabelecer uma plataforma temática ligada à cultura e criação artística, que procura também, em última análise, promover uma maior coesão social a sua transversalidade, com cruzamento das pesquisas no domínio das Artes visuais, os conhecimentos da dieta tradicional e da inovação gastronómica, e a investigação ligada ao património cultural (material e imaterial), permite um conhecimento das estratégias, produtos e técnicas exploradas. Este conhecimento possibilita identificar potencialidades até aqui desconhecidas ou em franco desaparecimento e, com novas abordagens, (in)formar as comunidades, ao incentivar a cultura científica e estimular o desenvolvimento de produtos culturais e criativos. É esta perspetiva que está na base do projeto PALATO (www.palato.org), uma «casa» que surge desse encontro de pessoas que partilham do interesse no diálogo entre Arte, Gastronomia e Património material e imaterial. Nesta casa mantemos a porta aberta e quem se quiser sentar à mesa traz consigo o seu saber, partilhando-o e remisturando-o com o dos outros. Centrados num olhar criati-

vo sobre o território, interessa ao projeto analisar a cultura portuguesa, tentando perceber em que medida muito do nosso património nos conduz a cruzamentos gastronómicos, reflexo da influência de quem por cá passou ou com quem nos cruzámos noutras paragens. A criação artística surge aqui ancorada não apenas numa necessidade de, horizontalmente, investigar os territórios e as fronteiras entre as artes e as ciências, mas também na compilação dos «saberes das avós», no momento em que o artista recolhe e trabalha com o seu olhar, as referências científicas de cada processo de abordagem arqueológica dos lugares e das paisagens, no estabelecimento de uma plataforma temática ligada à cultura e criação artística, que procura também, em última análise, promover uma maior coesão social. A próxima ação está já prevista para este 20 de abril, nos Monumentos Megalíticos de Alcalar (Portimão): uma Viagem aos Sabores da Pré-História, no âmbito das comemorações do Dia Internacional dos Monumentos e Sítios. Direção Regional de Cultura do Algarve

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