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CRÓNICAS DE UM BEDUÍNO Contra os concursos literários só tenho uma caneta

Biografia de Cobramor

Cobramor é o pseudónimo de Hugo Filipe Lopes, escritor amaldiçoado, poeta contrariado, tradutor, editor e guerrilheiro e curador.

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Licenciado em sociologia, trabalha como copywriter publicitário criativo desde 2010, paralelamente à actividade literária. É tradutor e editor na Traça Edições e programador cultural na associação cultural CAL, tendo sido o criador do Clube dos Poetas Tortos que vai na sua quarta edição.

Foi premiado no concurso Lisboa à Letra em 2004 e em 2006 obteve uma menção honrosa no concurso Textos de Amor da Casa da Imprensa. Desde então tem escrito para diversas publicações, quer nacionais, quer internacionais, desde o suplemento do jornal Público até ao Bandcamp, passando pela revista DIF, Palavrar, Mapa, Umbigo, Gerador e Vice.

Fez também traduções literárias de nomes como John Zerzan, Robert Frost, Patti Smith ou Bill Wolak.

Conta com participações em diversos eventos literários, como a Feira do Livro de Lisboa ou o Festival Conexões Atlânticas.

COBRAMOR

Parte do problema será certamente meu. Medo de perder ou provavelmente de competir. Mas isso não é necessariamente mau numa sociedade assente no crescimento infinito e na competição incessante. Já houve um tempo em que concorri a vários concursos literários. Ganhei um e obtive uma menção honrosa noutro. Foi há décadas. Entretanto o mercado editorial mudou e não necessariamente para melhor. Grande parte devido às falsas editoras. Falsas na medida em que são um esquema de pirâmide em que o autor se compromete a adquirir dezenas de exemplares do seu livro no valor de várias centenas de euros, cujo ónus da venda fica depois nele. Entretanto, nem revisão nem promoção.

As redes sociais também vieram alterar as regras do jogo da forma que as redes sociais o fazem. Tornando tudo num concurso de popularidade. Como se mais seguidores implicassem mais vendas. Descontextualizando excertos de livros e poemas ou citações e tornando uma coisa em algo totalmente diferente. Podemos ver isso acontecer com Bukowski, em vias de passar de escritor maldito a guru de autoajuda. O mercado editorial mudou mas a lógica de funcionamento não. O que importa são as vendas. Portanto o que importa são as tendências do momento. Não verdadeiramente a relevância das temáticas ou a importância do que é escrito, mas se os ventos estão favoráveis. A indústria, seja ela de que espécie for, não tem estados de alma sobre nenhum assunto excepto o lucro. Fascistas ou anar- quistas são apenas nichos de mercado. Como o são a ecologia, a identidade de género ou étnica. O único valor que resiste é o ganho. Os concursos operam na mesma base. A do concurso de popularidade e das tendências.

Não é o único factor a considerar, obviamente. Frequentemente os júris são pessoas cujas competências literárias deixam muito a considerar. O que leva à questão da qualidade. A qualidade é mensurável?

E se sim, qual o instrumento de medição? Vendas? Fama? Seguidores? Reconhecimento dos pares? E quem está habilitado para o fazer? Se assim for, o que dizer de Pessoa, por exemplo? Será necessário morrer para ser um autor de referência?

Pessoa hoje em dia é mais uma comodidade do que um escritor. É também o salvo-conduto para as centenas de pessoas que pouco ou na- da lêem, algumas das quais que se afirmam escritores. É sempre possível fazer uma citação de Pessoa que se viu no Instagram qual ilusionista a tirar um coelho da cartola.

Finalmente, a forma como se tratam os participantes. O vencedor recebe alvíssaras, nos casos em que isso acontece. Já os restantes, recebem spam no email ou se tiverem sorte, são ignorados.

Tal como já fui premiado, já fui ignorado. Mas há muito que decidi deixar de participar em qualquer tipo de concurso literário. Talvez eu não saiba escrever. Talvez não tenha qualidade literária. Talvez não seja vendável. Talvez a minha atitude seja deplorável. Todas podem ser verdade. Não muda uma coisa: porque deveria alguém colocar-se na situação de ser avaliado por outros, excepto se houver algum tipo de interesse

É responsável pela curadoria do evento Casa dos Poetas em Silves, único festival anglo-lusitano de Portugal e colabora como o festival ConVento Levante.

Publicou o seu primeiro livro, “O Fim da Noite” em 2016 pelas Publicações Nabo e o seu mais recente trabalho, “Sol Invicto”, pela Traça Edições. Editou recentemente um livro infantil pela Toth, intitulado “O Atlas do Coração”.

Mais em www.cobramor.com material na equação? Colocando-se numa espécie de negociação, sujeitando-se a um juízo de valor subjectivo em troca da possibilidade de obter um prémio monetário ou um contrato.

Para depois, poder incluir o mesmo no currículo e dessa forma, talvez abrindo algumas portas. Porque operamos sempre numa impostura de meritocracia, onde, como é da sua natureza, as oportunidades não são iguais para todos. E portanto, os resultados também não.

O público não decide o que quer ler, até porque pouco lê e quando o faz, não procura activamente. Recebe sugestões validadas pelos júris e especialistas culturais da nossa praça, com o CV a acenar qual bandeira, as medalhas ao peito e os galões aos ombros. Que não haja ilusões, não é por serem com escritores que os concursos literários são diferentes do Ídolos ou do The Voice.

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