CULTURA.SUL 101 - 10 MAR 2017

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d.r.

Missão Cultura:

Entrevista Richard Zimler:

d.r.

O Evangelho segundo Lázaro

Culturas de Escrita a Sul

ps. 6 e 7

p. 2

Na senda da Cultura:

d.r.

Ter o que ler sem sair de casa? Em São Brás é possível! p. 3 Artes visuais: inês d’orey

ivo neves

Exposição de Carlos de Oliveira Correia:

Tradições do Algarve em escultura

O Algarve apenas serve para fruir das Artes Visuais?

p. 9

p. 4

Os sentidos da vida a 37º N: d.r.

MARÇO 2017 n.º 101 Mensalmente com o POSTAL em conjunto com o PÚBLICO

Propostas para Março

5.087 EXEMPLARES p. 12

www.issuu.com/postaldoalgarve


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10.03.2017

Cultura.Sul

Editorial

Missão Cultura

Boas ideias precisam-se... E felizmente há-as em São Brás

Culturas de Escrita a Sul Direção Regional de Cultura do Algarve

Ricardo Claro

Editor ricardoc.postal@gmail.com

A cultura não faz sentido sem ser ao serviço - sem qualquer servilismo - das pessoas, sejam poucas ou muitas, elas são o destino da mensagem cultural. Isto é tão mais verdade quanto o agente promotor da actividade cultural seja uma entidade pública, mormente porquanto o desenvolvimento da actividade pública se faz com o dinheiro público, que é ele mesmo o dinheiro dos cidadãos para quem, como eu, entende que o Estado não tem qualquer riqueza e antes, como referia acertadamente Margaret Thatcher: "Nunca esqueçamos esta verdade fundamental: o Estado não tem qualquer fonte de dinheiro senão o dinheiro que as pessoas ganham com o seu trabalho (...) Não existe algo a que possamos chamar dinheiro público, só existe dinheiro dos contribuintes". Exactamente por isso boas ideias precisam-se para que a actividade cultural das autarquia, por exemplo, seja feita no estrito interesse das respectivas populações. A Câmara de São Brás deu há dias prova de ter estas mesmas boas ideias com o lançamento do programa 'Biblio Expresso', que entrega aos leitores da biblioteca municipal local em mãos e na sua casa livros pré-requisitados. É sobre este tema que nos debruçamos nesta edição na rubrica 'Na senda da Cultura', na página três. Fazêmo-lo porque há ideias que merecem destaque, esta, como tantas outras, e que tentamos trazer aos leitores do Cultura.Sul. Boas ideias, criadas à medida dos públicos e das capacidades existentes nas autarquias e que, sem devaneios eleitoralistas ou megalómanos, criam ligações à cultura a todos os títulos importantes. •

A revista Promontória Monográfica, uma edição do Centro de Estudos em Património, Paisagem e Construção (CEPAC) da Universidade do Algarve, apresentou o seu nº 3, dedicado ao tema “Apontamentos para a História - das culturas de escrita: da idade do ferro à era digital”, sob a coordenação científica de A. Paulo Oliveira, Cristina Fé Santos, José Gonçalo Duarte e Patrícia de Jesus Palma. São 14 artigos e 17 autores que num esforço conjunto dão um contributo profundo, rigoroso e cativante para a história da cultura escrita e imprensa no Algarve. Na sua nota introdutória A. Paulo Oliveira e Patrícia de Jesus Palma confessam que o seu objectivo foi: “Contribuir para uma reflexão, na longa duração, sobre as relações que os homens e as mulheres têm encetado com a escrita e as suas diferentes imaterialidades (suportes, tecnologias e estruturas) desde as mais vetustas manifestações conhecidas (…) até às mais recentes, como é o exemplo do digital”. Hoje estamos muito longe do dia em que foi inventada a escrita e por isso perdemos de vista a sua importância e o

seu valor para a Humanidade. Não esqueçamos que cultura escrita e literacia não são sinónimos. O desafio deste número da revista é levar-nos a descobrir e a perceber quem escreve, porque escreve e como escreve nestes lugares do Sul e ao longo dos tempos. Resgatando uma nota de uma investigadora da Universidade Federal de Minas Gerais, Ana Maria de Oliveira Galvão1 “Cultura escrita é o lugar – simbólico e material – que o escrito ocupa em/para determinado grupo social, comunidade ou sociedade. Essa definição baseia-se na acepção antropológica de cultura considerada toda e qualquer produção material e simbólica, criada a partir do contacto dos seres humanos com a natureza, com os outros seres humanos e com os próprios artefactos criados a partir dessas relações”. Uma introdução à história da cultura escrita na região Esta ideia antropológica de escrita torna-se muito adequada na medida em que nos transmite a ideia que a cultura escrita não é homogénea e justifica a emergência da designação de culturas do escrito, de culturas escritas e de culturas de escrita, assim como, nos chama a atenção para a evidência que, todos os dias os seres humanos produ-

MÓNICA MONTEIRO

Revista integra 14 artigos de 17 autores zem bens materiais e simbólicos que determinam e condicionam o papel assumido pela escrita/ escrito no seu grupo social ou na sua comunidade. As epigrafias desde a Idade do Ferro como as Estelas e a escrita do Sudoeste, a epigrafia romana e a epigrafia pública marcam o início da organização cronológica deste relevante trabalho. Seguem-se as actas da vereação de Loulé do séc. XV enquanto testemunho escrito principal e a bem conhecida edição de Faro do Pentateuco. A defesa da honra no século XVIII e a sua rela-

ção com o tema da escrita dão o mote para o texto seguinte. Por sua vez, D. Francisco Gomes de Avelar está na génese de revelações pouco conhecidas sobre o seu papel reformador humanista e é uma base para uma geografia e uma cartografia da arte tipográfica na região do Algarve. A personalidade seguinte é Francisco Pereira Salles, um barbeiro de Faro que no século XIX liderou um movimento anti-clerical. Outras formas de linguagem são introduzidas através da análise das cores e das imagens da indústria conserveira, mas

também através das imagens e vanguardas artísticas veiculadas através da imprensa algarvia. Entrados no século XX, a propaganda política e as publicações periódicas estabelecem um diálogo que nos faz reflectir, assim como a revelação sobre os desenvolvimentos e atrasos na formação de professores do ensino primário no Algarve, mas também os pressupostos ideológicos associados aos projectos construtivos do Estado novo para as escolas na região. Por fim, a história da edição do romanceiro no Algarve, as suas primeiras manifestações e a introdução do paradigma da edição digital, contributo importante para a sua ampla difusão numa actualidade em rápida transformação. Assim, este documento vai muito para além da reflexão a que se propunham e dá-nos um conhecimento transversal e profundo sobre a evolução das culturas de escrita no Algarve e que a meu ver passará a constituir-se como uma referência bibliográfica essencial a todos os que se queiram dedicar a esta área de investigação. Nota: 1 “Cultura escrita”, on line http://ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/verbetes/ cultura-escrita. Alexandra Gonçalves Directora regional de Cultura do Algarve •

Juventude, artes e ideias

Núcleo do Sporting Clube de Portugal de Olhão Jady Batista Coordenadora Editorial do J

O Núcleo Sportinguista 'Os Leões de Olhão', que passará a Núcleo do Sporting Clube de Portugal de Olhão, foi fundado a 12 de Abril de 1995, por uma Comissão Instaladora formada por dez elementos. Actualmente, presidido por Sebastião Coelho, é composto por

cerca de 400 sócios pagantes. Em 1995 foi inaugurada a primeira sede e em 11 de Julho de 2009 a actual sede do Núcleo, situada na Zona Industrial. O Núcleo possui três modalidades desportivas, BTT, Futsal e Ginástica e cede salas a outras actividades. A Secção de BTT foi fundada em 2009 e tem como objectivo a prática desportiva, o que não impede a participação em provas. Participa em percursos temáticos, como o Caminho dos Douros (2015/16/17), em eventos a favor de instituições como a MOJU (2012), UAlg (2014), Associação Oncológi-

ca do Algarve (2015/16/17), entre outras. Realiza também passeios lúdicos e maratonas. Participa nos Jogos de Quelfes (sendo os depositários da Tocha Olímpica) e na Mostra da Juventude de Olhão. Na Secção de Futsal encontra-se em segundo lugar entre 12 equipas no campeonato distrital de seniores do Inatel. A Secção de Ginástica (Federada) iniciou a sua actividade há cinco anos e integra 60 atletas. Na presente época o grupo conquistou o primeiro lugar por equipas - Trumbling - Escalão A1. No Torneio de Iniciação 2017, realizado em Quarteira, a

atleta Luana Gil conquistou o segundo lugar e a Leonor Estevens o terceiro. O grupo já participou no MOSTRA-TE (2015/16), com exibições no Auditório Municipal, na Festa de Natal da secção, com exibição gímnica, em provas federadas, torneiros de iniciação, distritais, qualificativos e campeonatos nacionais. Com classificações relevantes para além de diversos pódios a nível de iniciação e distritais, destacamos o décimo lugar no Campeonato Nacional de Duplo Mini Trampolim Infantis Masculino e o terceiro lugar nacional em Pares Mistos, Infantis, da Ginástica Acrobática.

Este ano, decorre a 6ª Edição do Gimnoleões - Festa da Ginástica do Clube. O Núcleo encontra-se aberto a toda a população com o desejo de, segundo o seu presidente, Sebastião Coelho, “aumentar o número de sócios do Núcleo, quer do Núcleo, quer do Sporting, continuar a desenvolver trabalhos de divulgação do ideal sportinguista e colaborar em todas as iniciativas que sejam possíveis na cidade de Olhão, estando aberto a parcerias”. Vale a pena visitar e conhecer o Núcleo Sportinguista de Olhão, aberto ao público de todas as faixas etárias. •


Cultura.Sul

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Na senda da Cultura

Ter o que ler sem sair de casa? Em São Brás é possível! D.R.

Como funciona o ‘Biblio Expresso’

Ricardo Claro

Jornalista / Editor ricardoc.postal@gmail.com

Já pensou em escolher o que deseja ler e receber os livros seleccionados no conforto de sua casa? Um verdadeiro luxo que em São Brás de Alportel é já uma realidade. Há muito que a Câmara de São Brás de Alportel nos habituou a propostas inovadoras e pensadas ‘out of the box’ e, uma vez mais, na área cultural, a autarquia não deixa os créditos por mãos alheias ao criar o serviço ‘Biblio Expresso’. Com o inovador serviço, único no Algarve e “provavelmente no país, tanto quanto conhecemos”, disse ao Cultura.Sul o presidente da Câmara Vítor Guerreiro, os leitores escolhem o livro que desejam e, até 24 horas depois, recebem em casa o pedido através do ‘Biblio Expresso’.

A requisição de uma entrega pelo Biblio Expresso funciona de forma muito simples: o leitor requisita o livro por telefone, correio electrónico ou pelo sítio da Biblioteca Municipal na internet e, no momento da requisição, fica logo acordado com o técnico da biblioteca o local onde será efectuada a entrega. Os livros chegam ao leitor nas 24 horas seguintes, devidamente acomodados em sacos personalizados. Assim já não há qualquer desculpa para dizer que não se lê, ao mesmo tempo que se fidelizam leitores e se chega, de forma prática para os leitores, a camadas da população menos dadas a frequentar a biblioteca no seu espaço físico na zona histórica do centro de São Brás. “Estreado no mês de Fevereiro, o projecto já fez nesta fase experimental mais de 30 atendimentos fora de portas, com entregas efectuadas no exterior”, refere a autarquia. Ao Cultura.Sul o autarca Vítor Guerreiro explicou que a ideia resultou de um processo natural de

A entrega de livros a um leitor pelo ‘Biblio Expresso’ evolução do serviço ‘Biblioteca sobre Rodas’ que já estava a ser efectuado. Neste serviço, a Biblioteca Municipal leva parte dos livros disponíveis para requisição a espaços públicos, como jardins e praças do concelho e aí os leitores têm acesso às obras literárias. Nas viagens da carrinha do ‘Livros sobre Rodas’, esclarece Vítor Guerreiro, “os funcionários do serviço

começaram a levar livros, a pedido de determinados leitores, de forma informal e a deixá-los em lugares pré-combinados no percurso até ao destino final da viagem, um espaço público do concelho”. “O que fizemos foi converter um serviço que estava a ser realizado de forma informal num serviço com características formais e de forma organizada”, remata o presidente da Câmara. O autarca recorda que “a estraté-

gia do município para a Biblioteca passa desde há já bastante tempo pelo projecto ‘Biblioteca fora da Si’, que tem sido um êxito e que contempla a disponibilização de livros em pastelarias e cafés da vila, bem como em equipamentos públicos da autarquia (piscinas, centro multiusos, etc.) em escaparates da Biblioteca onde os leitores podem aceder ao acervo da Biblioteca Municipal”. “A este projecto somámos o ‘Biblioteca sobre Rodas’ e, agora, o Biblio Expresso’, que demonstram um crescimento do serviço inicialmente idealizado e o sucesso total das várias iniciativas neste campo da acção cultural da Câmara”, conclui o autarca. Assim, a Biblioteca Municipal Dr. Estanco Louro redobra a cada passo o esforço de abrir as suas portas à comunidade são-brasense. Com resultados muito positivos, o Biblio Expresso permitiu concretizar mais de 30 entregas no primeiro mês em que foi lançado o projecto, contribuindo para reforçar laços e aproximar a Biblioteca Municipal dos leitores. •

Espaço AGECAL

Ferrovia, Pontes e Memória: as infra-estruturas musicais como motor de desenvolvimento da região

Daniela Tomaz Diretora artística da Academia de Lagos; Gestora Cultural

Agosto de 2012 - seguindo um convite da cravista Algarvia Elsa Mathei - parto da cidade de Utrecht nos Países Baixos, onde terminava então a minha licenciatura em Música Antiga, rumo à cidade de Lagos, para tocar num ciclo de música antiga que então iniciava, promovido pela Academia de Música de Lagos, e iniciar uma nova fase da minha vida, enquanto professora da instituição. Da ruralidade daquele comboio, daquela única linha ferroviária que ligava a cidade de Faro à cidade de Lagos, última paragem na costa oeste da região algarvia... Sente-se uma inquietante fragilidade, imagem que me fez impulsionar a escrita deste artigo.

O Algarve é uma força em potência, mas o que a impede de avançar para pleno período de consolidação? A região parece conspirar contra si mesma1, na construção sólida dos seus pilares culturais, quiçá reacção ao turismo desenfreado que domina a região. Não podemos receber e integrar o que vem de fora, se não construímos em parceria com os valores endógenos da região, de dentro para fora, e estabelecendo raízes profundas que germinem gerações que apreciem a arte, vão a concertos, critiquem a sua sociedade e a façam avançar. Ouvindo as palavras do secretário de Estado da Educação, João Costa, no Primeiro Congresso do Ensino Artístico Especializado - Teoria e Prática2, reforço as mesmas ideias: todas as revoluções foram humanistas, desenganem-se os economistas. E acima de tudo, nos tempos de hoje, há que reforçar a nossa humanidade, através da cultura, das artes, e particularmente do binómio artes-educação. Acredito que o futuro da cultura no Algarve, particularmente nas artes performativas e na Música - área

a que me dedico primordialmente - assenta na construção destas infraestruturas, destas linhas ferroviárias, para que nos solidifiquem a massa crítica e o nível educacional das nossas gentes. E como? • Alimentando o sistema artes-educação com projetos que valorizem o contacto precoce das crianças com a arte e solidificando a criação de novos públicos3; • Associando aos equipamentos culturais dos vários municípios, um serviço educativo que se dedique ao público infantil e às famílias4; • Cimentando redes supramunicipais que giram a programação cultural da região em uníssono, assumindo-a como uma conurbação única e não como o somatório de 16 partes5; • Criando projetos culturais de raiz, que provoquem a interação dos artistas regionais com artistas de outras regiões e países, estabelecendo pontes transnacionais e transformando o tecido musical existente6. E, finalmente, por outras palavras, mas emotivas: poderia o famoso pintor abstracto holandês

Piet Mondrian ter realizado a sua icónica obra, sem ter passado pela fase inicial figurativa? Conseguimos educar o nosso público, sem ouvir uma Paixão Segundo São Mateus de J. S. Bach nem a completa obra de Gil Vicente? Certo que a contemporaneidade deve e tem o seu lugar, pois é o que existe. Mas não deixemos que o nosso natural cronocentrismo nos retire a Ferrovia, as Pontes e a Memória. “A Música é o melhor Antídoto para a Amnésia Histórica” , Jordi Savall 29 Agosto de 2013 in Conferência Instituto de Cervantes / Festival Música Antiga de Utrecht

Notas: 1 “Great minds against thenmselves conspire and shun the cure they most desire” in Nahum Tate, livreto escrito para a ópera “Dido and Aeneas”, de Henry Purcell ,e citado pelo Encenador Carlos Meireles nas suas notas de programa: “Chega-nos de uma época longínqua o eco de uma rainha cartaginense morta pela própria intransigência com o amor. (...) Esta história é sobre a pior das intolerâncias: aquela que nos impede de amar (...)”;

2 Fevereiro de 2017 na Fundação Calouste Gulbenkian; 3 e.g. Programa “Pegada Cultural – Primeiros Passos”, programa operado pela Direção Geral das Artes, estrutura financiada pelo Mecanismo Financeiro do Espaço Económico Europeu – EEA Grants; 4 e.g. “A Companhia de Teatro do Algarve” (ACTA) no domínio das artes teatrais; 5 e.g. reforçando redes como a “Rede Azul – Rede de Teatros do Algarve”, e o papel da “AMAL Comunidade Intermunicipal do Algarve”; 6 a estreia da ópera Dido & Aeneas a 3 de Março no Auditório Municipal de Lagoa, projeto promovido pela Academia de Música de Lagos, inserido no Programa 365 Algarve com o apoio do Município de Lagoa, foi resultado de uma colaboração única entre a Algarve Camerata constituída por professores da instituição, com a escola de artes plásticas mais emblemática do país [Escola Artística Soares dos Reis do Porto] e o coro do Conservatório Real de Haia, referência Europeia no âmbito da Música Antiga. Para além do trabalho preparatório que antecedeu a estreia, reuniram-se durante quatro dias em residência artística, pondo em confrontação as diferentes linguagens, realidades culturais e níveis artísticos. •


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Cultura.Sul

Artes visuais

O Algarve apenas serve para fruir das Artes Visuais?

Saul Neves de Jesus

Professor catedrático da UAlg; Pós-doutorado em Artes Visuais pela Universidade de Évora

O Algarve comporta condições climatéricas excelentes para a prática e fruição artística! A luz dos dias no Algarve permite uma cor e um brilho especiais, para além de que o clima é gerador de energia para a produção artística, bem como para a fruição desses produtos. Numa intervenção recente, a escritora Lídia Jorge referia, de forma brilhante, que a cultura e as artes têm uma componente de conhecimento, de produção e de fruição, mas que em geral apenas se pensa no Algarve na perspetiva da fruição. Efetivamente muitas pessoas pensam que o Algarve tem um bom ambiente para a fruição de iniciativas artísticas, mas esquecem-se que poderão ser tanto mais e melhores essas iniciativas se a produção artística e o conhecimento sobre as artes visuais também forem desenvolvidos nesta região. A história mostra que no Algarve, e em Faro, em particular, têm desenvolvido a sua atividade artística vários nomes conceituados das artes visuais, nomeadamente da pintura, desde Carlos Porfírio a Manuel Batista. Além disso, aproveitando as condições climatéricas do Algarve e procurando associar a fruição à produção artística, vários artistas, nomeadamente estrangeiros, têm vindo residir para o Algarve nos últimos anos. Mas são também artistas portugueses com percurso internacional que têm escolhido o Algarve para residir e desenvolver a sua atividade, nomeadamente Costa Pinheiro e Pedro Cabrita Reis. Desta forma o Algarve tem sido não apenas local de fricção, mas também espaço e tempo de produção artística no âmbito das Artes Visuais.

Além disso, num projeto iniciado já no século XXI, no Algarve começou-se também a desenvolver o saber, conhecimento e investigação no domínio das Artes Visuais, tendo a Universidade do Algarve (UAlg) sido essencial para isso. Esta visão estratégica sobre a importância do desenvolvimento das artes visuais na UAlg iniciou-se há alguns anos, com a abertura da licenciatura em Artes Visuais, permitindo a existência no Algarve dum ambiente formal para aprendizagem no âmbito das artes visuais. A criação do Centro de Investigação em Artes e Comunicação (CIAC) foi também essencial neste processo, sobretudo do ponto de vista da investigação em Artes Visuais, permitindo a

neste domínio científico/artístico, em que a arte e a ciência se entrecruzam, tornando-se a arte ciência e a ciência arte. No âmbito da formação em Artes Visuais tem-se procurado contribuir para o desenvolvimento da percepção, da reflexão e do potencial criativo, dentro da especificidade do pensamento visual, num processo que requer um elevado grau de interdisciplinaridade e de integração entre os diversos meios de produção artística. Com um corpo docente constituído sobretudo por artistas, os alunos têm tido oportunidade de vivenciar de perto o mundo da arte na sua complexidade. Nomes de artistas como Xana, Fernando Amaro, Rui Sanchez, Pedro Cabral Santo e

FOTOS: D.R.

Foto de perspetiva de parte dos trabalhos expostos na exposição coletiva OCTAGONAL temente feitas mostras ou exposições do trabalho artístico produzido nas atividades letivas, em particular pelos próprios alunos.

proporcionado às Artes Visuais na UAlg. Tendo antes estado patente ao público uma exposição retrospetiva da obra de Costa

Foto do trabalho de Vilma Correia, colocado no chão da galeria construção do conhecimento neste domínio, mas estando este muito associado à própria formação dos alunos. Assim, o centro de investigação e o curso de Artes Visuais interligam-se quase como um laboratório de criação e aprendizagem

Tiago destacam-se neste processo, sendo a visão estratégica sobretudo da responsabilidade de Mirian Tavares. A relação com a comunidade é um dos aspetos muito valorizados por esta equipa de docentes, sendo constan-

Muitas das atividades de mostra do trabalho produzido, permitindo a fruição por parte dos “espetadores”, têm sido realizadas na Galeria Trem, em Faro, expressando o reconhecimento e o apoio que a Autarquia de Faro tem

Pinheiro, o qual também havia estado ligado ao início do curso de Artes Visuais na UAlg, a Galeria Trem está agora a acolher a exposição coletiva OCTAGONAL, com a apresentação de trabalhos dos alunos da Pós-graduação e do Mestrado

Cartaz da exposição coletiva OCTAGONAL, aberta ao público na Galeria Trem (Faro), até 23 de Abril

de Artes Visuais, a qual conta com o Apoio da Câmara Municipal de Faro e com a curadoria da Licenciatura em Artes Visuais. No texto que acompanha o folheto desta exposição, Mirian Tavares termina da seguinte forma: “Oito artistas, uma mesma escola. A escola que os ensinou a questionar os limites e os instigou a fazer da arte um ponto de interrogação e de novas descobertas. Como escreveu Quintana, “só com os poetas se pode aprender algo de novo”. Porque, ao contrário das enciclopédias, que dizem todas o mesmo, os artistas dizem todos o mesmo, mas de forma sempre diversa”. Os alunos Marum Nascimento, Ângelo Gonçalves, Marta Pedroso, Vilma Correia, Joana Sá, Sheila Semedo, Pedro Barros e Dina Dias são os oito protagonistas desta exposição, inaugurada no passado dia 2 de março e que estará patente até ao dia 23 de abril. Ainda em setembro de 2016 tinha sido realizada, no Convento de Santo António, em Loulé, a exposição “Antibióptico – ou o aprendizado da liberdade”, que incluiu trabalhos de pintura, escultura, vídeo-instalação, instalação e fotografia por parte dos alunos finalistas do Curso de Artes Visuais da Universidade do Algarve. Desta forma, a equipa de docentes das artes visuais tem contribuído para a articulação das três dimensões distinguidas por Lídia Jorge, permitindo que à fruição já existente no Algarve, se tenha começado a desenvolver a produção artística interligada com o conhecimento no domínio das artes visuais. É essencial melhorar cada vez mais as condições de funcionamento desta área de conhecimento (saber), de produção (fazer) e de fruição (mostrar), contribuindo para uma cada vez maior e melhor expressividade neste domínio e para o reconhecimento da excelência das artes visuais na UAlg! É importante destacar este aspeto, pois muitos não conseguiram ainda perceber a importância estratégica das artes visuais na UAlg, quer para a própria universidade, quer para a região. •


Cultura.Sul

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Espaço ALFA

Novos horizontes na Fotografia

Paulo Côrte-Real Presidente da ALFA

Actualmente, assiste-se a um crescente interesse pela fotografia. Quer se deva à proliferação e acesso relativamente fácil a máquinas fotográficas ou a dispositivos eletrónicos portadores de câmara fotográfica, nomeadamente telemóveis ou tablets, quer se deva ao fascínio que a imagem fotográfica exerce sobre as pessoas, com uma visibilidade quase viral através de aplicações e redes sociais, o facto é que nunca se assistiu a um tão intenso gosto pela arte fotográfica. A Alfa, Associação Livre Fotógrafos do Algarve, enquanto associação que visa a

promoção da fotografia, de acordo com o objecto da sua actividade, tem vindo a desenvolver um Plano de Atividade onde a formação, a par dos passeios fotográficos e exposições, tem assumido um forte papel social e cultural no campo fotográfico. Contando com fotógrafos profissionais como formadores, a Alfa tem dinamizado inúmeras formações de curta e média duração, onde os formandos podem optar por cursos de iniciação à fotografia, cursos de nível intermédio para aprofundamento de determinadas matérias ou ainda, cursos temáticos. Em todas as suas formações, a Alfa procura ir ao encontro das necessidades dos formandos, quer pela estruturação e rigor teórico dos assuntos abordados, quer pela disponibilização de uma forte componente prática, que confira aos mesmos a segurança na prática da arte fotográfica. •

Filosofia dia-a-dia

Razão ou Coração? Parte 1: a Razão de Platão

Maria João Neves Ph.D Consultora Filosófica

A questão sobre qual é a parte da alma que deve comandar a nossa vida, se a racional ou a emocional já existia nos tempos mais remotos. Os filósofos gregos Platão (427-347 a.C) e Aristoteles (384-322 a.C.) são figuras emblemáticas desta discussão razão/coração. O primeiro aloja a alma no cérebro, o segundo aloja-a no coração. Segundo consta, quem primeiro apontou o cérebro como sede da razão, da consciência e centro de todas as sensações foi o médico-filósofo Alcmeon de Crotona (aproximadamente 500-450 a.C). As suas observações clínicas e experimentais permi-

tiram-lhe estabelecer que o cérebro regia todo o corpo, considerando-o órgão central da actividade humana, tanto psíquica como corporal. O cérebro traria à consciência as sensações através dos canais de comunicação nervosos que provinham dos órgãos sensoriais. Foi esta posição cefalocentrista que prevaleceu, transmitida ao mundo árabe e para a Europa medieval e renascentista através do Timeu de Platão. As três partes da Alma Platão afirma no Timeu ser a alma composta por três partes. A mais elevada e imortal, proveniente da alma do próprio universo, reside no cérebro e controla o resto do corpo. Dá-lhe o nome de logos que geralmente se traduz por intelecto ou razão. A cabeça, como um castelo, protegeria a parte imortal da alma que se manteria separada mas em contacto com as partes mortais da alma atra-

vés do pescoço. A parte mortal da alma “tem em si processos terríveis mas necessários: em primeiro lugar o prazer, incitação ao mal maior, depois, as dores, fuga das boas acções, além disso a ousadia e o temor, dois conselheiros insensatos, o apetite, difícil de consolar, e a esperança, boa sedutora. Pela mistura de todos estes elementos com a sensibilidade irracional e o desejo que tudo tenta, se compôs a alma mortal” (Platão, Timeo, 69d). A alma mortal subdivide-se em duas: na região torácica, mais perto da cabeça, portanto, mais susceptível de por ela ser influenciado, encontra-se o coração, sede da coragem e dos sentimentos; na região abdominal, encontra-se a parte da alma “que sente apetite por comidas e bebidas e tudo o que necessita a natureza corporal”. Coração e região abdominal estariam separados pelo diafragma, músculo divisor do tronco em dois

D.R.

segmentos. Para aplacar os efeitos da cólera decorrente da ação do fogo sobre o coração, os deuses criaram os pulmões que possibilitariam o arrefecimento do coração. Propositadamente a sede dos desejos, “atada como uma fera” foi colocada o mais longe possível da alma imortal, para que esta não cedesse aos seus feitiços, e junto ao fígado, órgão protector: “denso, suave, brilhante possuidor de doçura e amargura, para que a força dos pensa-

mentos proveniente da inteligência, reflectida nele como num espelho, atemorize a alma apetitiva”. Quando a alma imortal fica ameaçada, “a amargura inata e irritada mistura-se no fígado e faz aparecer uma coloração amarelada; enrruga-o, torna-o áspero, dobra e contrai o seu lóbulo, obtura e fecha as suas cavidades e acessos, causa dores e náuseas” (Ibid. 71 bc). Aqui temos nós, uma perfeita descrição da hepatite, em pleno sec. IV a.C.! Quando atentamos contra a nossa alma o corpo adoece. Se intoxicamos a alma, o fígado, órgão depurador, sofre trabalhos forçados. Este modo de pensar encaixa perfeitamente no actual paradigma médico: psico-neuro-imuno-endocrino-fisiológico, que considera que a doença tem sempre uma origem psíquica, muito embora o Sistema Nacional de Saúde esteja orientado para a fisiologia. “Quando, por outro lado, alguma inspiração de suavi-

dade proveniente da inteligência desenha as imagens contrárias, a de um repouso da amargura, porque não quer nem movimentar nem entrar em contacto com a natureza que lhe é contrária, [difunde-se] no fígado a doçura que nele existe. [Esta inspiração de suavidade], endireita todo o órgão, suaviza-o e liberta-o, e torna agradável e de bom caráter a parte da alma que nele habita, e lhe autoria um estado aprazível durante a noite, e o dom da adivinhação durante o sono” (Ibid. 71 cd). Um fígado saudável, seria o espelho de uma alma bela e harmoniosa, com desejos e apetites pacificados, e um coração submetido a uma razão predominante. Veremos, no próximo texto, o que tem Aristoteles a dizer em defesa do coração. Estas reflexões continuam nos Cafés Filosóficos que se realizam em Tavira e Faro. filosofiamjn@gmail.com •


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Cultura.Sul

Letras e Leituras

O amigo amado de Jesus:

Entrevista a Richard Zimler sobre O Evangelho segundo Lázaro O Evangelho segundo Lázaro, de Richard Zimler, é o mais recente romance histórico deste autor com dupla nacionalidade, portuguesa e americana, a residir no Porto desde 1990. Este romance Cultura.Sul (CS) - Nas suas obras a infância aparece muito como espaço mítico. O que significa a infância para si? Richard Zimler (RZ) - É uma boa pergunta. Não sei exactamente porquê, mas talvez porque penso que a nossa paisagem interior é quase completamente determinada pela nossa infância. A nossa perspectiva sobre o mundo é uma consequência da nossa família, escola, amigos, das nossas dificuldades em criança, e na minha perspectiva isso tem uma grande influência em toda a nossa vida. Eu já tenho 61 anos, mas aquele mundo que criei no meu interior, a partir do mundo em que cresci, é o mundo em que ainda vivo a minha vida. Não estou a dizer que não tenha evoluído ao longo dos meus 50 e tal anos. Fiz muitas mudanças e modificações mas grande parte de quem eu sou, que é difícil definir, tem tudo a ver com as minhas primeiras experiências, de amor, paixão, traição, crueldade, sofrimento, injustiça, justiça. Penso que provavelmente não sou muito diferente das outras pessoas, pelo que a nossa infância é um factor determinante ao longo do nosso percurso em toda a vida. CS - As primeiras 50 páginas do Evangelho fazem lembrar outro livro, O testamento de Maria, de Cólm Tóibín, pois refere-se que a personagem ainda cheira a morte. Nesse outro livro, o Lázaro ressuscitado é uma alma atormentada, mas no Evangelho nunca sabemos exactamente como era a personagem de Lázaro antes da ressurreição... RZ - A minha intenção foi que ele acordasse no seu túmulo sem qualquer memória de uma vida após a morte e fica evidentemente muito fragilizado, desorientado, e vai ter de reconstruir a sua vida, ou seja, para utilizar uma metáfora, quando ele acorda ainda está numa ponte entre a morte e a vida e sente necessidade de falar com o seu amigo de infância, Jesus Cristo, que é Yeshua no livro, em parte porque ele tem a intuição de que só o seu grande amigo vai conseguir puxá-lo para o lado da vida. Ele só vai conseguir atravessar esta ponte entre a morte e a vida com apoio e ajuda de Yeshua. É verdade que não sabemos muito sobre a sua vida antes de morrer, antes de acordar no túmulo, e a minha intenção foi fazer pequenas referências

histórico, de escrita elaborada e aturada pesquisa, leva-nos pelo lirismo da sua prosa a entrar no domínio do mítico e a conhecer a vida de Lázaro, o amigo mais amado de Cristo, tão amado que foi

Paulo Serra

Investigador da UAlg; Associado ao CLEPUL

por si ressuscitado. Apesar de ainda escrever em inglês, Zimler é certamente um romancista querido dos leitores portugueses e incontornável no panorama cultural nacional e da cultura judaica. FOTOS: D.R.

Richard Zimler é um escritor com dupla nacionalidade, americana e portuguesa subtis à sua vida anterior. Para dar um exemplo, só a certo ponto é que percebemos ao longo do livro que ele ficou muito desapontado por não seguir a sua carreira como professor, pois a morte do pai obrigou-o a conseguir uma profissão demasiado jovem, em que ele utiliza as mãos, e ele fica envergonhado com o estado cru das suas mãos, porque tem calos, e esconde-as atrás das costas porque não era a vida que ele teria escolhido. Por isso, ao longo do livro, deixo pistas para o leitor perceber como é que era a sua vida antes deste trauma de morrer e de ser ressuscitado. «Eu faço imensa pesquisa» CS - Lázaro não foi professor, tornou-se um ladrilhador de mosaicos, mas, na minha leitura, à semelhança de um escritor ele tenta deixar uma marca com o seu trabalho. RZ - Sim, absolutamente, eu acho que a sua leitura está certa. Embora ele quisesse ter outra profissão ele aceita a sua nova profissão de ladrilhador de mosaicos, adora fazer isso, sente-se que há uma importância que ele pode colocar nas suas obras de arte, pois considera os seus mosaicos como arte e obras místicas em que pode colocar pistas para o espectador atento, onde ele coloca portas, para utilizar novamente uma metáfora. Não é propriamente uma in-

venção minha, é uma técnica utilizada no Oriente durante milénios e, curiosamente, embora a grande maioria dos judeus pense que não se pode criar figuras na sua arte, isso é uma compreensão errada das leis do Novo Testamento e da tradição judaica. Ao longo de toda a tradição judaica, os artistas judaicos criaram obras figurativas. A única coisa que eles não colocavam nos frescos e mosaicos era a figura de Deus. Sabemos isso da arqueologia que descobriu sinagogas da época romana em que há grandes obras da arte figurativa. Pensei que fosse interessante para mim e para o leitor explorar essa tradição pouco conhecida e mais uma vez dava-me a possibilidade de falar do misticismo judaico muito antigo que é uma coisa que poucos judeus estudam e compreendem. CS - Ao ler-se este livro percebe-se que há muita pesquisa, mas que entra ao mesmo tempo no domínio do mítico, até porque falamos da vida de Cristo. RZ - Eu faço imensa pesquisa. Neste caso específico, o que mais me interessava era a vida quotidiana dos judeus, romanos e gregos na Terra Prometida de há dois mil anos, pelo que encomendei muitos livros sobre isso. Relativamente à parte mais mitológica, diria que obviamente reli o Novo Testamento e já conheço o Antigo Testamento bastante

bem, reli algumas partes, e a mitologia romana e grega faz parte do livro. Porquê? Porque acho que a mitologia lida com as grandes questões da vida, lida frontalmente com a morte, o que acontece depois da morte, ou não acontece, com o significado de uma vida, porque é que estamos cá, qual é o nosso propósito e se não há um propósito porquê viver, porque não suicidar-mo-nos. Lida com todas as grandes questões, com crueldade, solidariedade, amor, paixão. Por isso acho que os meus livros enquanto romances históricos têm esse aspecto mítico porque as personagens insistem em lidar não só com as questões quotidianas da vida, comida, roupa, de estabelecer relações com os outros, mas insistem em lidar com as grandes questões filosóficas. Esse é o grande dilema de Lázaro depois de acordar no túmulo. Há uma vida depois da morte? Se não há uma vida após a morte o que significa todo o meu treino como judeu? É uma mentira? Qual é este talento, este dom espiritual que Yeshua tem? O que é que isso significa? É por estas questões que eu acho que muitos leitores dizem que os livros têm um aspecto mítico. A Tora e a Bíblia CS - Mas Lázaro, mesmo não tendo sido professor, fala muitas vezes como Jesus falaria, como um estudioso da

Tora. RZ - Isso tem a ver com a sua infância. Lázaro e Yeshua estudaram juntos durante muitos anos com os rabinos para aprender a tradição do Antigo Testamento. Ele conhece o Antigo Testamento muitíssimo bem e conhece outras tradições, porque fez o estágio em Alexandria que era uma grande cidade grega, a Nova Iorque da altura, com grandes avenidas, a biblioteca, o farol, muito mais sofisticada e cosmopolita do que Jerusalém, uma cidade provinciana. Lázaro conhece bem a tradição e a mitologia grega e judaica, e é isso que lhe interessa. Ele é um estudioso, embora seja um trabalhador manual. É um ser híbrido, em parte estudioso, em parte ladrilhador de mosaicos. Ele tem medo de revelar o seu lado de sábio e místico porque era uma tradição hermética. Jesus e todos os místicos falavam em metáforas e na altura só os iniciados podiam saber os ensinamentos mais profundos porque são também muito perigosos. Por exemplo, no mosaico que ele está a construir, ele não quer falar das portas escondidas no mosaico porque só os iniciados deviam ter acesso a elas. Essa é uma tradição milenar, quase universal, no mundo grego, romano, judaico: de que não devemos nunca falar sobre os aspectos mais profundos da espiritualidade com as pessoas não-iniciadas, pois para elas pode revelar um perigo. CS - O próprio Richard é um estudioso da Tora. RZ - Na universidade, segui um curso que nos Estados Unidos se chama Religião Comparada, e por isso estudei os livros sagrados do Judaísmo, que é o Antigo Testamento, mas há outros livros também. Estudei o Budismo, etc., e sobretudo a mitologia de outras tradições que me interessava muito. Não diria que sou um perito, não sou especialista, mas ainda leio muito, quase continuamente, sobre, por exemplo, o ramo místico do Judaísmo, que é a Cabala, um assunto que me fascina. CS - Há inclusive o cuidado de referir um certo ambiente fantástico ou certas superstições... RZ - Sim, houve imensa pesquisa. Naquele episódio em que Lázaro se disfarça como uma espécie de mago e entra no palácio para falar com o conselheiro espiritual, para escrever essa cena e criar 


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Letras e Leituras A a realidade do pensamento supersticioso da época li imenso sobre crenças da altura: havia pessoas que usavam o voo das aves para prever o futuro, outras olhavam nos olhos das pessoas para ver o futuro e saber segredos. Fiz imensa pesquisa sobre isso e curiosamente não é difícil encontrar informações. Adorei essa pesquisa, pois é sempre muito curioso descobrir essas crenças menos lógicas porque acho que revelam muito sobre o ser humano e o nosso desejo quase ilimitado de prever o futuro. Revela muito sobre a natureza humana: que não conseguimos viver bem com dúvidas sobre o que vai acontecer, queremos ter certezas. E é um aspecto de escrever romance histórico que eu adoro. Para outras pessoas ler 40 livros para criar um romance seria um sacrifício enorme mas eu adoro. «É uma luta minha de tentar conseguir alguma compreensão do judaísmo em Portugal» CS - Como se define em termos religiosos? RZ - Eu digo, às vezes, que sou um judeu culturalmente, ou seja, não sou uma pessoa religiosa, porque não acredito num Deus pessoal e não sigo as regras da doutrina - respeito mas não me interessa, pois para a minha vida não tem qualquer importância -, mas sou um judeu de cultura. Cresci em Nova Iorque com pais judeus e quando falo de cultura judaica as pessoas na Europa ficam um pouco confusas. Mas o judaísmo tem a sua própria literatura, culinária, sentido de humor, música, tem tudo o que uma cultura tem, além da sua religião. Sinto-me português, e culturalmente sinto-me português, americano e judeu, todas aquelas coisas misturadas. CS - Não sente que em Portugal os portugueses não compreendem o que é isso de ser judeu? RZ - Não, não compreendem. E quando eu faço sessões em escolas e em bibliotecas estas questões sobre o judaísmo surgem. Falo disso em parte para explicar o que é o judaísmo, porque há uma ignorância quase total e isso é transversal mesmo às pessoas mais instruídas (médicos, advogados, professores catedráticos) que sabem muito pouco do que é o judaísmo e existe uma fantasia na sua cabeça do que é ser judeu. Por exemplo, em Portugal fala-se muito dos cristãos novos só terem nomes de flores, plantas, árvores, o que é uma mentira total. Se a gente olhar para os registos da Inquisição, que nos dão os nomes originais hebraicos e os nomes portugueses que eles adoptaram, depois da conversão eles adoptaram os nomes mais comuns, como Soares, Fonseca, Dias. Essa coisa das plantas e árvores é simplesmente uma fantasia. Mas muita gente instruída fala-me disso, quando sabem que sou judeu fazem questão de me dizer “na minha família a minha bisavó era Oliveira então devemos ter antepassados judeus”. Se eu estiver numa posição desfarovável não

tegoria à linguagem. Estas categorias são invenções modernas. Sabemos isso muito claramente da poesia e da prosa grega, romana e judaica da época.

digo nada, mas se estiver um pouco irritado nesse dia, respondo “isso não tem nada a ver com a realidade”. É uma luta minha de tentar conseguir alguma compreensão do judaísmo em Portugal e pouco a pouco acho que estamos a conseguir mas é uma luta que vai continuar décadas.

«Um romance pode ser muito perigoso...»

Hino ao amor CS - Quando lemos sobre a amizade de Lázaro e Yeshua, Yeshua aparece quase sempre de forma secretiva, furtiva, sozinho. Quase parece um encontro de amantes. Isto é homossexualidade ou um amor incondicional como Cristo pregava? RZ - São as duas coisas na minha opinião. Yeshua tem a sua perspectiva, Lázaro tem a sua perspectiva, e o leitor tem a sua perspectiva. Temos aqui três pespectivas e talvez uma quarta, a minha. O que posso dizer é que na minha perspectiva nesta altura, há dois mil anos, a Terra Prometida era uma sociedade muito influenciada pela cultura grega e pela cultura romana. Havia centenas de milhares de judeus cuja primeira língua era o grego, em Alexandria e outros sítios, cuja tradição era grega. Havia também muitos outros que eram latinizados, isto é, falavam latim e que eram de cultura romana. Isto é só para dizer que nesta altura, e todos os peritos dizem isto, não havia categorias como homossexuais e heterossexuais. Na tradição grega a homossexualidade foi considerada uma fase totalmente natural e normal da vida pelo menos para os rapazes. É muito difícil conseguir mais informações sobre raparigas. E por isso, quando no Novo Testamento, S. João fala de Lázaro como o amigo «amado» de Jesus, é essa a palavra que se utiliza, eu pensei que pudesse usar este verbo «amar» em toda a sua plenitude, em todas as suas possibilidades. Da minha perspectiva, e Lázaro diz isso, numa pista, que Yeshua criou como que uma tempestade de areia na sua família em que as suas irmãs ficaram presas

O Evangelho segundo Lázaro é o novo romance de Zimler e que o neto, a quem Lázaro escreve, pode decidir por si próprio o que terá acontecido a Lázaro... Da minha perspectiva Lázaro ama Yeshua de todas as formas, espiritual, física, moralmente. É um amor incondicional que implica outra palavra muito importante para o livro, a de sacrifício. Lázaro está disposto a sacrificar a sua própria vida para salvar Jesus. Vários leitores já me escreveram a dizer que este romance representa um hino ao

Escritor está a terminar quinto romance sobre a família Zarco

CS - O Evangelho segundo Jesus Cristo, de Saramago, foi recebido com polémica mas não entra nem de perto naquilo que o Richard faz neste livro, em que subverte algo que as pessoas consideram princípios basilares do Cristianismo. Já ouviu alguma reacção mais negativa ao livro? RZ - Não. Provavelmente os leitores que não gostam do livro não me vão escrever. É pouco provável. Além disso é quase um milagre mas ninguém me escreveu qualquer crítica do ponto de vista religioso ou erótico. É curioso, pois pensei que houvesse mais reacção negativa. Provavelmente, porque qualquer pessoa que leia este livro percebe ao fim de 50 ou 100 páginas que é um livro sobre amor ou amizade, independentemente da questão do sexo. Provavelmente as pessoas que têm essa mentalidade mais fechada e retrógrada não vão pegar no livro e não o lêem, porque a grande maioria dessa gente não lê romances. Um romance pode ser muito perigoso para uma pessoa assim, porque um bom romance tem a tendência de abrir o seu cérebro e os seus pensamentos, e a última coisa que essa gente quer é ter outra perspectiva sobre o mundo.

amor. E eu acho que está certo, para mim é um amor que não conhece limites. Do ponto de vista de Yeshua, eu conheço menos, sei menos o que Lázaro significa para si mas, na minha óptica, Lázaro representa um refúgio. Toda a gente quer alguma coisa dele, querem saber da sua missão, valorizar-se, ajudá-lo, excepto Lázaro que não quer nada, excepto talvez a presença de Yeshua na sua vida. Não tem exigências, não tem expectativas, e por isso quando Lázaro e Yeshua dormem juntos isso é uma representação física de Lázaro como refúgio, uma casa, um abrigo, sem stress, sem tensão, sem expectativas, e eu penso que para uma grande figura popular, pública, como Yeshua, isso deve ser um alívio sem preço.

CS - No seu anterior romance, A Sentinela, escreveu sobre temas actuais, como a corrupção e a crise em Portugal. No Evangelho escreve sobre abuso de poder e apesar de distarem dois mil anos entre estes dois livros sinto-os muito próximos neste aspecto. RZ - Absolutamente. Não pensei nisso mas é verdade. Um dos aspectos mais importantes da missão de Jesus Cristo era a tentativa de ser um sistema político e cultural mais justo. Em muitas das citações que temos do Novo Testamento, Jesus Cristo fala abertamente ou metaforicamente da necessidade de criar mais justiça no mundo, pelo menos porque na altura quem controlava a vida dos judeus eram os sacerdotes do templo, o centro de tudo. Por isso, Jesus representava uma ameaça muito grande.

CS - Tem-se falado muito do hino à amizade, mas o aspecto central parece ser de facto o amor entre estes dois homens. RZ - Eu queria evitar uma linguagem de erotismo, mas há uma passagem muito importante no livro em que Lázaro passa a sua mão em cima do corpo de Yeshua para sentir essa urgência e tem essa necessidade de o abraçar e tocar. Eu não diria linguagem homoerótica, porque mais uma vez, há dois mil anos, não havia categorias, porque qualquer romano ou grego da altura leria esse parágrafo como algo erótico, sem dar outra ca-

CS - Já imagina o que vai escrever agora? RZ - Estou a terminar um novo romance, que é o quinto na série sobre a família Zarco, sobre um dos ramos de gerações diferentes da família de Berequias Zarco, o narrador de O último cabalista de Lisboa. Estou a escrever sobre dois sobreviventes ao Holocausto. Não falo dos campos nem dos guetos mas da vida destas duas pessoas depois de emigrarem, um para Montreal e outro para Nova Iorque, e de como a vida destes dois primos e de todas as pessoas que os conhecem mudou depois do Holocausto. •


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Espaço ao património Ficha Técnica:

Contramaré e Vencedora Portimonense: sinergias associativas com visão de futuro FOTOS: PAULO BAILHOTE

Marta Gonçalves

Ciências Musicais Presidente da Contramaré - Associação Cultural de Portimão

A CONTRAMARÉ - Associação Cultural de Portimão é uma entidade sem fins lucrativos, sediada em Portimão, que contribui para uma sólida formação cultural da comunidade, através de inúmeras actividades artísticas, culturais e lúdicas. Esta associação apela, acima de tudo, à criatividade e ao enriquecimento da comunidade onde se insere, tendo como base uma partilha multidisciplinar e uma visão de intercâmbio cultural. Durante toda a sua existência, a programação da Contramaré esteve dependente de parcerias com entidades locais, nomeadamente dos vários equipamentos municipais, com o do apoio da autarquia e também das sociedades recreativas, como o Boa Esperança Atlético Clube Portimonense ou o Clube União Portimonense, onde foram realizadas inúmeras acções culturais relacionadas com o Cinema, Música e formação artística, permitindo-lhe assim ganhar destaque na comunidade local. Neste momento, através da celebração de um protocolo com a Sociedade Vencedora Portimonense (SVP), a CONTRAMARÉ exerce a sua actividade principal na sede desta histórica sociedade recreativa, numa união de esforços com o objectivo de contribuir de forma positiva para o desenvolvimento social e cultural deste território e preencher uma necessidade bastante presente. A dinamização cultural do centro da cidade. Um “teto” faz tamanha diferença no desenvolvimento de uma estratégia associativa, que após vinte e dois anos de existência é-nos hoje possível dar um

Segundo aniversário da Sociedade Vencedora Portimonense, Novembro de 2016 maior contributo à sociedade, graças às condições que um espaço físico consegue proporcionar. Sentimos agora uma maior capacidade de atingirmos os nossos objectivos que desde sempre

nos propusemos a cumprir e isso foi-nos permitido através desta cooperação com a SVP, traduzindo-se num grande sentimento de conforto e segurança. Foi com um enorme entusiasmo que FOTOS: BRUNO LEITÃO

Vinyl Addiction - Feira de Vinil, Novembro de 2015 Parceria entre a SVP, Contramaré e LATA

nos entregámos à causa cada vez mais urgente de contribuir para a dinamização do centro da cidade. A nossa presença neste ponto da cidade é positiva e necessária e é com agrado que colaboramos neste propósito. Sabemos a importância do convívio geracional, por isso a adaptação ao espaço tem de ser feita de forma coerente, de modo a podermos conciliar o “antigo” e o actual. São promovidas tanto a continuidade das actividades culturais que sempre existiram na SVP, como a realização de novas ideias e possibilidades adaptadas às imensas carências sociais e culturais sentidas no quotidiano portimonense. Esta parceria nasce da necessidade de proporcionar aos utilizadores da cidade de Portimão uma resposta mais realista, de encontro às suas verdadeiras conveniências. Este processo de regeneração urbana deve ser apoiado por todos, de forma a que exista uma transformação coerente e gradual que preencha as necessidades das pessoas que aqui vivem, motivando-as assim a criar e a participar activamente no espaço que as rodeia. A reabilitação urbana vai além da reestruturação física de edifícios ou de espaços públicos utilizados por todos nós, passa também

por criar uma estratégia que expresse a preocupação com aspectos sociais, culturais, económicos, entre outros. Existe a responsabilidade de interligar todos estes elementos (e muitos mais), a fim de promover uma sociedade coesa e funcional, onde exista o interesse e as condições para desfrutar de um espaço vivo, dinâmico e acima de tudo aprazível e adorado por todos os Portimonenses, aqueles que aqui construíram a sua vida e os que esporadicamente nos visitam. É de realçar que esta regeneração deverá responder às necessidades sentidas neste território específico, exigindo uma resposta interactiva por parte de cada utilizador, que também é responsável pela transformação do território que habita. A Contramaré acredita que poderá ser um veículo que influencie, através da cooperação entre todos, positivamente neste processo evolutivo, potenciando a resposta aos novos paradigmas sociais, tendo como principal foco a programação cultural. Desta forma, esperamos obter como resultado um movimento construtivo que mexe directamente com o tecido social e cultural, fomentando o encontro social e recentrando a comunidade em novos valores e dinâmicas, que permitam uma nova caracterização da sociedade portimonense através de uma postura pró-activa, persistente e contemporânea. Em suma, temos presente que este esforço terá como consequência inevitável uma contribuição para um desenvolvimento social objectivo, traduzindo-se no reforço da identidade portimonense, assim como na formação cultural deste grupo, permitindo uma maior sociabilidade, factor que atrairá um maior interesse de todos os envolvidos, bem como inúmeros benefícios no que toca a uma relação cultural e intergeracional, aproveitando também os recursos existentes ao nível de infra-estruturas da localidade e colocando as pessoas no centro desta mudança social. •

Direcção: GORDA Associação Sócio-Cultural Editor: Ricardo Claro Paginação e gestão de conteúdos: Postal do Algarve Responsáveis pelas secções: • Artes visuais: Saul de Jesus • Da minha biblioteca: Adriana Nogueira • Espaço AGECAL: Jorge Queiroz • Espaço ALFA: Raúl Grade Coelho • Espaço ao Património: Isabel Soares • Filosofia dia-a-dia: Maria João Neves • Grande ecrã: Cineclube de Faro Cineclube de Tavira • Juventude, artes e ideias: Jady Batista • Letras e literatura: Paulo Serra • Missão Cultura: Direcção Regional de Cultura do Algarve • O(s) Sentido(s) da Vida a 37º N: Pedro Jubilot • Panorâmica: Ricardo Claro • Sala de leitura: Paulo Pires • Um olhar sobre o património: Alexandre Ferreira Colaboradores desta edição: Daniela Tomaz Marta Gonçalves Paulo Côrte-Real Parceiros: Direcção Regional de Cultura do Algarve, FNAC Forum Algarve e-mail redacção: geralcultura.sul@gmail.com e-mail publicidade: anabelag.postal@gmail.com on-line em: www.postal.pt e-paper em: www.issuu.com/postaldoalgarve

facebook: Cultura.Sul Tiragem: 5.087 exemplares


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Panorâmica

Carlos de Oliveira Correia expõe tradições algarvias em escultura FOTOS: IVO NEVES

Ivo Neves

Jornalista ivon.postal@gmail.com

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Algumas tradições do Algarve vão estar representadas em esculturas a partir do próximo dia 17 de Março, em Vila Real de Santo António (VRSA), através de uma exposição de perto de três dezenas de obras pensadas e criadas por Carlos de Oliveira Correia. Entre arame, ferro e madeira, o ‘Contrabandista’, o ‘Mocho’, a ‘Coruja’, o ‘Burro’, a ‘Cegonha’, o ‘Flamingo’, o ‘Cato’ e o ‘Camaleão’, em representação da zona de Monte Gordo, são apenas alguns dos trabalhos que vão poder ser vistos, gratuitamente, até depois do Verão, na Câmara de Vila Real de Santo António e na Praça Marquês de Pombal e ruas contíguas. O objectivo é, “para além de divulgar as obras que faço, dar a satisfação de observá-las a quem lá passa”, diz Carlos Correia, até porque, garante, “são peças que enchem o olho”. “São esculturas de uma leitura muito simples e isso vai ao encontro das pessoas, que têm solicitado muito estes trabalhos”, refere. Conhecido pela autoria de obras como o ‘Cavaleiro da Ordem’, na rotunda Sul de Castro Marim, ou ‘O Polvo’, em Quarteira, o artista leva, pelo segundo ano consecutivo e a convite da autarquia, alguns dos seus trabalhos à única cidade raiana algarvia, onde espera “que as pessoas se sintam representadas”, algo que “certamente” acontecerá com o ‘Contrabandista’, característico das zonas limítrofes de Espanha. “Muita gente em Vila Real de Santo António teve ou conhece alguém que teve na família um contrabandista”, exemplifica. “Até há muito pouco tempo, havia gente, nomeadamente na serra, que ia buscar água de burro”, continua o artista, fazendo alusão a uma das obras, que reproduz burros a carregar lenha.

pás", revela Carlos Correia. “Umas mais do que outras mas todas marcarão as pessoas”, garante. O autor da exposição regressa a Vila Real de Santo António depois de há cerca de um ano ter conquistado milhares de visitantes com o seu trabalho. “A exposição do ano passado permaneceu muito pouco tempo porque as peças tiveram de seguir para a ‘Algarve Nature Week’ e daí para Loulé”, explica. Contudo, “durante esse pouco tempo houve uma grande aceitação por parte das pessoas”. “Houve imensa gente a questionar por que a exposição tinha terminado e quando iria voltar e têm questionado a autarquia no sentido de voltar”, que agora fez a vontade. Obras de Carlos Correia continuam a cultivar o Algarve

Carlos Correia com o monumento dedicado à paz e à liberdade, inspirado no 25 de Abril Artista apresenta várias novidades Apesar de algumas das obras

serem já conhecidas do público, o escultor promete novidades, levantando a ponta do véu: “Vamos ter ainda um memorial à paz e à li-

berdade, o ‘Salineiro’, o ‘Mural dos Burros’, uma descascadora de amêndoas, três bidões, o ‘Agricultor’ e os carrinhos-de-mão e umas

O 'Contrabandista' e a 'Descascadora de amêndoas' serão algumas das grandes atracções “UMA VIAGEM À CHINA” Até 15 ABR | Galeria de Arte da Praça do Mar - Quarteira Doris Ogrin partilha, através de imagens, a sua viagem aos montes de Carso que circundam a cidade de Guilin, e que se estendem ao longo do rio Li

Depois de dia 17, Carlos de Oliveira Correia inaugura, no dia 30 de Março, a réplica do hidroavião que Gago Coutinho e Sacadura Cabral usaram na histórica travessia do Atlântico Sul em 1922, que ficará patente no jardim envolvente às Piscinas Municipais de São Brás de Alportel. A réplica do Fairey III D - o terceiro e último avião utilizado na viagem de oito mil quilómetros que ligou Lisboa ao Rio de Janeiro -, com 14,5 metros de entroncamento por 11,96 de comprimento, é o resultado de 20 toneladas de ferro trabalhadas pelo artista, na sua oficina em Campeiros, Castro Marim. “Não deve falhar aqui nada em relação ao original: o número de cilindros, o motor, que era um Rolls-Royce, o radiador, o manípulo que põe o motor a trabalhar, as saídas de ar, a cruz de Cristo, ou até a esfera armilar com o escudo lá introduzido”, dizia o escultor ao Cultura.Sul na fase final da obra, em Novembro último. Já no dia 1 de Maio a cerimónia de inauguração está marcada para Silves. Os ‘Corticeiros’ vão ser paisagem habitual no jardim e na rotunda em frente ao tribunal da cidade, com três peças em cada local.

“OS SEGREDOS DE LUCÍA” 10 MAR | 21.30 | Centro Cultural de Lagos O génio do flamneco é recordado e homenageado pelo trio Pedro Jóia, em concerto, com Pocket Shows


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Sala de leitura

Silêncio e tempo Paulo Pires

Programador cultural na C. M. de Loulé http://escrytos.blogspot.pt

Numa tocante crónica escrita em 1999 após o falecimento de sua mãe (Sophia de Mello Breyner) Miguel Sousa Tavares rematava assim o texto: “Prémios, condecorações, homenagens, são-lhe de tal forma alheios que ninguém mais o entende. Dêem-lhe, sim, silêncio e tempo, manhãs como a ‘manhã da praça de Lagos’ e noites com ‘jardins invadidos de luar’. E ela dançará. Ao longo das sílabas dos poemas, como dançava na minha infância.” (itálico nosso) Não vislumbro requisitos mais essenciais para reflectir sobre a nossa relação com os livros e com a leitura nos dias que correm: silêncio e tempo. Com o avanço da civilização urbana, industrial e tecnológica o nível de ruído conheceu um aumento exponencial, estando por vezes perto do limiar da loucura. Noutros tempos o silêncio era um bem acessível, cujo preço, como observa George Steiner, nunca mais parou de subir. Como se o silêncio se tivesse tornado uma espécie de luxo só ao dispor dos mais afortunados que ainda consigam escapar ao absorvente frenesim da sociedade contemporânea. A par dessa atrofia do silêncio, também o tempo acelerou espantosamente, a ponto de os vários momentos de tempo livre de que depende qualquer leitura séria, silenciosa e responsável se terem tornado apanágio quase exclusivo de universitários e investigadores. Como sublinha Steiner, “vamos matando o tempo em vez de nos sentirmos à vontade adentro dos seus limites”. Na verdade, a realidade dos nossos dias tende a empurrar o indivíduo para prosseguir num fluxo imparável, sempre em frente, numa continuidade sem interrupções ou suspensões (como “regra geral”), transitiva como a lógica comunicacional, até um ponto limite de automatismo (e quase alucinação) a que não se possa mais ofere-

cer resistência. Daí que a convocação do silêncio e a suspensão do tempo que os livros possibilitam/implicam sejam, pelo efeito de dissonância, descontinuidade e anomalia que introduzem no panorama acima esboçado, dois dos gestos mais revolucionários que podemos conceber. Falo também de uma literatura – e neste particular a poesia ocupa um lugar fundamental – que se instaura como uma espécie de máquina de guerra face às cristalizações e naturalizações mais correntes, como um laboratório avançado da linguagem contra lugares-comuns, retóricas, tagarelices e redundâncias generalizados. Michel Crépu afirma que o que nos falta é paciência e silêncio. No fundo, tempo, aborrecimento e solidão. Precisamos dessa experiência de “perder” tempo. E o acto de ler pode consubstanciar-se numa tripla relação com o tempo: suspender o tempo presente, fazendo-nos parar, quebrando o fluxo contínuo, para desfrutar da envolvente e hipnótica experiência da leitura; convocar o tempo pretérito, recuperando vivências, memórias de leituras passadas, conhecimentos já adquiridos, referências, visões e códigos; solicitar um tempo futuro, na medida em que convida a uma ulterior convivência e amadurecimento internos, mais ou menos longos, do que se leu – tal como o escritor precisou de tempo para rever, retocar, reformular ao longo do seu processo de criação –, bem como a eventuais releituras, novas reflexões e questionamentos; além de poder ser ainda um incitamento a outras leituras posteriores ou um motivo de partilha com outros leitores do prazer (ou do desencanto) experimentado. É também de tempo que se trata quando determinado livro nos surpreende e deixa em nós uma indelével impressão digital por estar como que à frente do seu tempo, por ser precursor ou por se demarcar, pela sua qualidade, das estéticas, estilos e formas mais enraizados/praticados em dado momento histórico-cultural. E também é (não só mas também) a capacidade de resistir à inexorável passagem do tempo, de não se esgotar em modas efémeras, que pode fa-

zer de um livro uma obra de arte, um farol seguro e inspirador a que se regressará com regularidade, que se citará, aconselhará, emprestará ou oferecerá a quem gostamos. O próprio livro enquanto objecto físico sofre o desgaste do tempo e do uso, visível no estado de conservação da sua

In memoriam Rui Cabrita bramos páginas, sublinhamos palavras ou frases, anotamos na margem, escrevemos uma dedicatória, cheiramos, fechamos (aquela pancada gratificante com que se pode encerrar o livro no final da leitura); ou quando sentimos fisicamente o peso do que se leu e do que se irá ainda

leitura das obras acumuladas (neste caso o que fala mais alto é a obsessão de encontrar os livros que ainda não se tem). Do outro – e não estamos perante categorias puramente estanques, mas também, por vezes, coincidentes –, surgem os leitores inveterados, que revelam inquietação, fome de leitura e FOTO: SANDRA BARÃO NOBRE

Ler: parar para ouvir gritar baixinho capa, na forma como esta ou as restantes páginas podem rasgar-se, na cor do papel, revelando assim todos os sinais do nosso apreço pelo mesmo. E depois, quando comparados com os e-books, existe uma convicção subjectivamente firme de que os livros impressos são diferentes, há um sentimento de orgulho em possuí-los, em olhar para eles, em arrumá-los nas estantes, em classificá-los, em cultivar determinadas bibliomanias como práticas de culto. De alguma forma, o livro físico é encarado ainda, idealística e romanticamente, como uma espécie de derradeiro sobrevivente de um outro tempo (pré-moderno) que nos foi roubado pelo turbilhão constante e arrebatador das novidades, como pérola que ainda resiste incólume à evolução tecnológica. A própria memória do que se leu em suporte de papel parece ter um significado diferente. Além do tempo e do silêncio, como esquecer a preciosa convivência sensorial com o livro? Num mundo de crescente desmaterialização (Gilles Lipovetsky), atraem-nos as sensações físicas que o livro nos provoca quando lhe tocamos, folheamos, do-

encontrar. Talvez por causa dessas qualidades físicas, Adam Sternbergh, editor da New York Magazine, acredite que os livros impressos serão atractivos por mais 500 anos. E depois há os dilemas do espaço (ainda) disponível para colocar os livros que se pretende guardar – eles avançam pela casa, silenciosos e inocentes –, fazendo os bibliómanos sentirem-se num estimulante limbo entre o embaraço da acumulação e o desafio, até criativo, de (ainda) encontrar novas e originais formas de arrumação física. Aliás, neste vasto universo de amantes dos livros impressos surgem diferentes perfis. De um lado os coleccionadores, que são motivados ora pela busca de tudo o que tenha a ver com um autor, época, género literário, tema ou outro aspecto distintivo (são os chamados “especialistas”, que contemplam orgulhosamente o livro pela sua raridade ou singularidade, patentes na capa, no número da edição, no tipo de encadernação, no facto de ser numerado e assinado pelo autor, etc.), ora pela acumulação de livros já sem noção de qualquer limite quantitativo e renunciando à

uma curiosidade abrangente, não implicando necessariamente uma acumulação livresca. Estes leitores cultivam particularmente o apego ao objecto e não apenas a leitura. Para este bibliómano leitor incomoda-lhe sim a ideia de perder os livros, pois há a necessidade vital de guardar o objecto, de mantê-lo à sua disposição. Sobre o papel que o livro tem perante este perfil de leitor, afirma Jacques Bonnet: “O livro é a materialização preciosa de uma emoção ou da possibilidade de vir a sentir uma mais tarde, e separar-se dele implica o risco de uma privação grave”. Nos planos civilizacional, sociológico e mental deparamos assim com um contexto, modus vivendi e ritmo actuais que, por diversas vias e ora mais visivelmente ora de forma mais subtil, nos vão subtraindo silêncio e tempo. Ter uma consciência crítica e proactiva perante esta realidade torna-se assim uma atitude vital, como travão de emergência, “fecho de segurança”, um modo de salvação até, não só em prol de mais e melhores leituras, mas sobretudo, numa visão mais lata, para a recuperação possível e utópica para as restantes dimensões da existência humana do “valor es-

pírito” de que falava Valéry. Recorde-se também que o corpo e o ser humano como um todo tendem a converter-se numa máquina de produção, que tem de funcionar sem falhas ou interrupções, e que deve maximizar a sua produtividade em função de timings constantemente pressionantes e pouco flexíveis. Mas esta obsessão produtiva leva ao enfarte da alma. Como relembra o filósofo Byung-Chul Han, “o cansaço da sociedade da produção é um cansaço individual, um cansaço que separa e isola”. É o cansaço mudo e alienante, violento, incapaz de ver, esgotante e que é refém da economia da eficiência e da aceleração. O escritor austríaco Peter Handke contrapõe a esse um outro: o cansaço eloquente e conciliador, um “cansaço fundamental” que inspira, que deixa brotar o espírito, que se reporta ao não-fazer. É um cansaço que desarma, que habilita o homem para uma serenidade especial, para uma clarividência que permite o acesso a um tipo completamente diferente de atenção, captando as formas lentas e morosas que a sociedade hiperactiva e fugaz sufoca. Byung-Chul Han recorda que o sabat originariamente significa “suspensão da actividade”, é um dia do não-fazer, um dia liberto de qualquer finalidade, um dia de interlúdio, em que é possível a utilidade do “inútil”. E os livros precisam desse cansaço sagrado, dessa paz redentora, desse intervalo lento que devolve o espanto (e o fôlego) ao indivíduo e ao mundo, dessa quebra renovadora no continuum temporal. Numa sociedade que, para Lipovetsky, está submersa por um saber instrumentalista/ utilitarista e por uma filosofia-consolo que enformam uma espécie de regime light do pensamento e uma civilização do ligeiro, instaura-se a questão mais lata: leveza superficial erigida em ideal de vida supremo ou leveza activa que, sendo também prazerosa, não descura silêncio e tempo para uma educação do espírito, para uma consciência social, para uma reflexão e questionamento críticos, para uma responsabilidade ética e política? Talvez esse seja, hoje, um dos nossos desafios mais inquietantes e exigentes. Shakespeare dizia que, em certos momentos, os homens são donos dos seus próprios destinos. •


10.03.2017 11

Cultura.Sul

Da minha biblioteca

A Caverna de Deus, de Fernando Esteves Pinto FOTOS: D.R.

Adriana Nogueira

Classicista Professora da Univ. do Algarve adriana.nogueira.cultura.sul@gmail.com

Apesar de a minha paixão literária recair sobre autores que nunca conheci (e que, na sua maioria, desapareceram há muitos séculos), gosto sempre de saber o que escrevem as pessoas que conheço. Foi, pois, com vontade que comprei e li este A Caverna de Deus (edição Book Builders), de Fernando Esteves Pinto, que lhe valeu o Prémio Literário Cidade de Almada 2016. Não é um livro revelação, não, pois o autor já publica há muitos anos (romance, poesia, conto, ensaio). Nem sequer um primeiro prémio, pois em 1990 recebeu o Prémio Inasset Revelação de Poesia, do Centro Nacional de Cultura, e em 1998 obteve uma bolsa de criação literária de um programa, entretanto extinto, do Ministério da Cultura, do qual resultou o romance Conversas Terminais. Este é um livro que não me surpreenda que se tenha destacado perante o júri: é um livro maduro, reflexivo, que sabe dosear a ternura e a crueza das cenas e dos temas. «O perigo do passado é negar a vida na sua relação com o presente»

AGENDAR

Há livros sobre os quais não se pode dizer qual é a história. E a história que dissermos que conta, provavelmente, é apenas a nossa história, pois fazemos, necessariamente, uma seleção. E o que selecionamos hoje não será igual ao que selecionaríamos amanhã, porque a nossa história também vai mudando. Li este livro há cerca de um mês, pelo que o que hoje es-

Obra valeu a Fernando Esteves Pinto o Prémio Literário Cidade de Almada 2016 crevo já é o resultado de um tempo que passou por mim e em que fiquei a pensar nele, no que li e no que mexeu comigo. Ficou-me na memória um livro de confissões: as do narrador e as de Constança, pelas quais passam muitas outras personagens que fizeram parte das suas vidas (Cecília, Harry, Céu, Vicente, Luciano…). Constança, a mulher que conta a sua vida numa viagem de comboio (que «Era o fim de todas as viagens para Constança», p. 216) e num livro chamado Identidade, que o narrador vai lendo e partilhando connosco algumas partes. Constança, que viveu intensamente uma relação de extremos, radical. Como ela diz, «carreguei a mala pesada com uma paixão inútil. Fui aos limites da minha resistência e da minha humilhação. O meu maior terror era não saber interpretar a verdade fundamental que as cenas

ardilosas do Luciano pretendiam expressar» (p.159). O narrador adianta que ela teve «a sua sensibilidade exposta durante catorze anos à loucura de um homem que sempre a desejou para dar forma às suas experiências artísticas, implicando-a nas mais escandalosas acções» (p.160). Constança, que fala dos pais, principalmente do pai e do irmão, e de como sabe que transporta «um monte de cacos passíveis de imperfeições (…) que só contribuem para te esvaziar e agravar o processo de autodestruição» (pp.72-73). Temos as confissões do narrador, nas várias fases da vida, da infância à idade adulta. Da infância, entre outras, recorda aquela vez em que cortou os sapatos de outro menino que o humilhara. O pai dissera-lhe: «Isso é vingança, filho. Mostraste perante todos eles a tua fraqueza». Mas, depois de distinguir remorso de

“MAR OCEANO” Até 17 MAR | Empresa Municipal de Águas e Resíduos de Portimão Sebastião Pernes anda sempre de binóculos e máquina fotográfica na mochila, partilhando agora, através das suas fotos, a sua paixão pelo mar

arrependimento («O remorso é a culpa interior, não é visível ao julgamento de ninguém senão à nossa própria consciência, enquanto o arrependimento procura testemunhar publicamente a desordem que sentimos.», p.45), conclui: «Na verdade, ainda hoje não consigo sentir remorsos por ter cortado com o meu canivete o sapato do rapaz, mas arrependo-me de não ter cortado os dois» (p.46). A entrar na adolescência, sente atração por uma tia ainda jovem, acabada de enviuvar. A circunstância parece bizarra, assim contada, mas a literatura tem as suas artes: «Eis a desfiguração do real, o modo absurdo e cínico e desvairado como o nosso comportamento renuncia à normalidade e persiste em provocar situações consideradas intoleráveis. Mesmo que sejamos capazes de refrear os nossos ímpetos e as acções resultem apenas no

interior do nosso pensamento, persuasivas e empenhadas em influenciar o comportamento dos outros, torna-se evidente para nós que a realidade também existe na intenção hedionda como a sentimos e a projectamos» (p. 104). «Há realidades pouco racionais que indisciplinam o sentido da vida» Há outras mulheres e outras situações que o narrador vive enquanto jovem (um jogo de sedução com uma professora) e adulto: mulheres que pintou e que amou (coincidentes ou não), mas a mulher que mais impressiona é a mãe: Se, por um lado, ela é o pilar («com ela, sentia-me aliviado e protegido, como se tivesse caído do ninho e esse mesmo ninho me amparasse na queda. Ela era dotada de um ventre universal que acolhia todos os meus erros. (…) a minha mãe era como a água que encontra sempre o seu ca-

minho, e em parte o meu – contornando as dificuldades que aparecem e abrindo fendas na vida infeliz –, por mais horríveis que fossem os obstáculos que ela encontrasse pela frente» p. 85), por outro, a doença transforma-a. Mesmo quem nunca acompanhou um doente terminal consegue entender os sentimentos de que aqui se fala: «E então deu-se a transformação. Uma transformação bruta da sua vida humana. A mulher sensata, de fraca natureza agressiva, crente e deslumbrada perante trivialidades quotidianas, rendera-se para dar lugar à expansão da morte, tornando-se numa criatura dantesca» (p. 152). «Mas quero que me percebam» Estas palavras (ditas na p.42) resumem um pouco este livro. O narrador vai interpelando o leitor, como se estivéssemos juntos a conversar, imaginando objeções da nossa parte («Eu sei, sei que», p.16, ou «Podem pensar que», p.17) ao que vai ser narrado: A Caverna de Deus, esse «espetáculo imoral, a destruição de uma vida, a exibição do grotesco», segundo Constança, ou a «interioridade? Seria um refúgio? Uma espécie de clausura existencial?», segundo as interrogações do narrador (p. 124). Este livro desafia-nos com as suas considerações sobre a vida nas suas mais diversas expressões, como a arte, o sexo, o amor, a ternura, a revolta, a aceitação, os limites, «não aceitando qualquer pacto com o destino» (p.214). Dará, certamente, assunto para várias discussões sobre o que percebemos. •

“O FILHO DA TRETA” 30 e 31 MAR | 21.30 | Centro Cultural de Lagos Zezé prossegue a sua luta contra o bom senso, a solidariedade, o trabalho e outros conceitos primeiro-mundistas, desta vez na companhia de Júnior que anda de bicicleta desmontável


Última O(s) Sentido(s) da Vida a 37º N

Março

Pedro Jubilot

pedromalves2014@hotmail.com canalsonora.blogs.sapo.pt

reunidos numa exposição colectiva, com curadoria da Licenciatura em Artes Visuais e com o Apoio da Câmara Municipal de Faro. Patente até dia 23 de abril. De terça-feira a sábado, entre as 12.30 e as 18 horas.

Sevilha. O texto que abre o livro é da autoria de Pedro Jubilot :

Poesia Tradicionalista

eu também não percebia muito bem o que significava ao certo turismo cultural, o que pode mesmo a terra natal de um escritor dizer assim tanto sobre ele? ninguém escolhe onde nasce, muito menos poderia um heterónimo

Março FOTOS: D.R.

Espera-se pela hora que muda a claridade tarde posta adentro as horas de antes noite, convidando a um passeio tardio, talvez por um terreno baldio, propício a ideias mais extravagantes que puxem os cheiros da primavera.

Octogonal

Na Galeria Trem, em Faro – a exposição coletiva, dos artistas Marum Nascimento, Ângelo Gonçalves, Marta Pedroso, Vilma Correia, Joana R. Sá, Sheila Semedo, Pedro Barros e Dina Dias, que são alunos da Pós-graduação e do Mestrado de Artes Visuais da Universidade do Algarve,

| tavira ~ algarve ~ portugal | 37° 7 0 N, 7° 39 0 W

na, Fuseta e Tavira, serão a galeria natural, a céu aberto e entrada livre, para a exposição ‘Retratos na Ria’, com fotografias de Jorge Jubilot e curadoria de Carlos Norton. A produção da Fungo Azul faz parte do programa «365 Algarve» e vai estar patente até 30 de abril. Esta iniciativa vem na sequência do anterior trabalho editado em conjunto pelo fotógrafo com banda OrBlua, um cd/livro, intitulado ‘Retratos Cinéticos’.

Massa Madre / Março Marçagão

não acreditava que era possível sentir a emoção que não dou a mim nem à minha vida, na estranha e doce melancolia da bipolaridade de álvaro de campos, sem ter passado a viver aqui, a viajar nos sentidos deste horizonte de quintal e praia

Ontem e Hoje – é um ciclo de oito conferências quinzenais que decorrerá desde o sábado, 11 de março até 17 junho, sempre às 18h, e que abre com J.J. Dias Marques, precisamente com o tema do título. Organizado pelo Centro de Estudos Ataíde Oliveira da Universidade do Algarve, terá as suas sessões na Casa Álvaro de Campos em Tavira (rua da Galeria, 9-C/ex-posto de turismo).

mas depois que vamos ficando, e ao vaguear por aí nos velhos cais resgatados ao salitre do tempo, pressente-se nos dias a poesia marítima, húmida e reticente… nas margens desta veneza de tédios, de um só canal, promíscuo fluído intersticial de águas doce, salgada e salobra

Retratos na Ria

Livros Abertos Sábado, 11 de março, pelas 15h30, a Biblioteca Municipal Sophia de Mello Breyner Andresen, em Loulé, recebe mais uma sessão de “Livros Abertos”, desta vez com a apresentação do livro bilingue ‘A Musa / La Musa’, de Fernando Pessanha, publicado pela editora CanalSonora. A apresentação vai estar a cargo de João Martins, vereador da Câmara Municipal de Loulé. No decorrer da sessão haverá um micro concerto de piano com as músicas que inspiraram a obra. A entrada é livre. Fernando Pessanha nasceu em Faro, em 1980. É licenciado em Património Cultural e mestre em História do Algarve, pela Universidade do Algarve, e doutorado em Património Histórico, pela Universidade de Huelva. No campo da ficção é autor de “Encontros Improváveis”, “Hotel Anaidaug”, “O Pianista e a Cantora”, “A Devota e a Devassa”.

Oficina dirigida por Luísa Teixeira sobre a Química do Pão com variações algarvias. Será no domingo, 12 de Março, entre as 10-12h30, em Santa Rita, nas instalações do Centro de Investigação e Informação do Património de Cacela. Sugere-se inscrição prévia. E quem quiser disfrutar dos ares do campo pode ensaiar um passeio e esperar até às 18h para no mesmo lugar assistir à sessão de música e poesia com o cantor Vitorino e Carlos Mota de Oliveira, que contam com a participação de Zé Francisco e Janaca. Os lugares são limitados.

Tavira

Março

Dá nome a mais um número (88) desta colecção do grupo Cuadernos de Roldán. Um livro que junta 62 pinturas e poemas dedicadas a esta cidade, mas curiosamente editado em

Os cais de embarque de Faro, Olhão, Fuseta, Santa Luzia e Tavira, bem como os das ilhas do Faro, Deserta, Farol, Culatra, Armo-

O mais desejado dos meses, mas o mais variável atmosfericamente, e que paradoxalmente deixa uma saudade (muito pequenina) do inverno a afastar-se para outros recantos da terra. •


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