Psicanálise de transtornos alimentares - Ana Paula Gonzaga e Cybelle Weinberg (1º capítulo)

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Psicanรกlise de

Transtornos

Alimentares



Psicanálise de

Transtornos

Alimentares

Ana Paula Gonzaga Cybelle Weinberg

Organização



Alicia Weisz Cobelo Aline Camargo Gurfinkel Ana Paula Gonzaga Camila Peixoto Farias Cybelle Weinberg Eric Bidaud Fernanda Kalil Gabriela Malzyner Jaqueline Pinto Cardoso Manoel Tosta Berlinck Maria Helena Fernandes Marina Fibe De Cicco Marina Ribeiro Marina Ramalho Miranda Marta Rezende Cardoso Talita Azambuja Nacif Thais Fonseca de Andrade


Sumário

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Apresentação

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REflexions sur la clinique des saignements provoques Eric Bidaud

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Reflexões sobre a clínica dos sangramentos provocados Eric Bidaud

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O corpo recusado na Anorexia e o corpo estranho na Bulimia Maria Helena Fernandes

71

Depressividade e manejo clínico no tratamento das problemáticas alimentares Aline Camargo Gurfinkel

87

“Se esse corpo fosse meu...” Considerações sobre o estranhamento na anorexia Ana Paula Gonzaga

102

A hiperatividade das anoréxicas: uma defesa maníaca? Cybelle Weinberg e Manoel Tosta Berlinck

121

Transtornos Alimentares e a função do analista na clínica do não-representado Marina Fibe De Cicco

142

Incorporação e expulsão do “outro” na bulimia Camila Peixoto Farias e Marta Rezende Cardoso


157

A ilusão simbiótica e a cilada narcísica entre mãe e filha: um caso de bulimia Marina Ribeiro

167

A compulsão alimentar e suas implicações na clínica psicanalítica Fernanda Kalil

187

O diagnóstico diferencial na anorexia Jaqueline Pinto Cardoso

199

A representação simbólica nas perturbações alimentares à luz da complexidade da relação mãe-filha Marina Ramalho Miranda

219

Cenários do inconsciente: anorexia e bulimia em adolescentes do sexo masculino Thais Fonseca de Andrade

241

Considerações sobre a contratransferência em pacientes de difícil acesso Talita Azambuja Nacif

253

A clínica do vazio: a relação entre masoquismo e Transtornos Alimentares Gabriela Malzyner

263

Contribuições da Psicanálise para o tratamento dos Transtornos Alimentares Alicia Weisz Cobelo, Ana Paula Gonzaga e Cybelle Weinberg


Apresentação

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Compreender e definir um referencial teórico-clínico que alicerce a prática da Psicanálise nos Transtornos Alimentares tem sido, ao longo dos dez últimos anos, o maior objetivo da CEPPAN – Clínica de Estudos e Pesquisas em Psicanálise da Anorexia e Bulimia. A CEPPAN começou a formar-se no final da década de 1990, como um grupo de estudos no Departamento Formação em Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae. Tomava corpo, então, a discussão sobre o aumento do número de casos de Transtornos Alimentares, fenômeno que levava ao modismo despropositado de se valorizar um corpo descarnado, quase etéreo. Esse primeiro grupo de estudos entendeu que se deveria buscar, na literatura psicanalítica, reflexões que pudessem lançar luz e compreensão sobre um transtorno tão grave. Em 2000 constituiu-se o projeto de pesquisa que, desde então, vem realizando, por meio do exercício clínico da psicanálise e do estudo sistematizado, seus objetivos iniciais: compreender o funcionamento metapsicológico de pacientes com anorexia e bulimia nervosas, pesquisar o papel da subjetivação da feminilidade nesses transtornos e difundir os conhecimentos adquiridos. A relação entre anorexia e feminilidade é uma questão que nos ocupa desde o início, quando começamos a pesquisar, na bibliografia psicana-


lítica, textos que abordassem o tema e neles encontramos a referência constante a esses transtornos como uma patologia da mulher. De um modo geral, os estudos psicanalíticos apontam dificuldades nos laços mais arcaicos da relação materna e seus desdobramentos, especialmente na época da adolescência, como fatores importantes no desencadeamento da anorexia. Alguns autores sobre os quais nos debruçamos — Hilde Bruch, Phillipe Jeammet, Bernard Brusset, Eric Bidaud, Marcelo Hekier, Maria Helena Fernandes, Marina Miranda, Marina Ribeiro ­— apresentam uma linha de investigação comum: a relação mãe-filha, com enfoque pré-edípico. A partir dessas leituras, dois enigmas nos foram apresentados. O primeiro diz respeito ao conflito que a anorexia encerra e o segundo, às relações de objeto que se estabelecem a partir desse conflito. Dentre esses autores, Eric Bidaud é quem melhor trata desses enigmas, ao ligar a conduta anoréxica à noção de tentação, entendida como uma relação mortífera com o objeto da necessidade, e promovida na relação de domínio entre mãe e filha. O espaço de tentação, por sua vez, representaria o laço entre a mãe e a filha anoréxica, sob o domínio do desejo incestuoso da mãe: impossibilitada de ser “tocada” pelo desejo do pai, a sedução paterna – entendida como uma fantasia organizadora que introduz ao complexo de Édipo –, estaria inacessível à menina. É este fracasso que será então encenado por ocasião de sua entrada na adolescência, momento em que, “traumatizada” pela puberdade e pela exigência de tornar-se mulher, terá de ressignificar a conflitiva e o enlace materno. As colocações de Bidaud nos reportam, inevitavelmente, aos aspectos pré-edípicos do desenvolvimento, já postulados por Freud nos textos de 1931 (Sexualidade feminina) e de 1933 (Feminilidade). Ali, Freud aborda pontos interessantes para nossa pesquisa, desde o reconhecimento da mãe como primeiro objeto amoroso para meninos e meninas, a duração da ligação amorosa consagrando o período pré-edípico e sua importância na elaboração edípica, até a discussão etiológica na histeria e paranoia, pautada na teoria da sedução materna. Ao discutir esses conceitos presentes na obra freudiana sobre o feminino, lançamos-nos à questão do papel dessa vivência como

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constitutiva da subjetivação, e não mais como privilégio da constituição feminina, ou seja, da mulher. Parece-nos que aí se encerra um outro enigma: o da feminilidade enquanto um “complexo” a ser vivido e superado na evolução psíquica e que deva ser ressignificado na diferenciação sexual. Freud, em 1912, afirmou que “pesquisa e tratamento coincidem em sua execução”, e que aqueles interessados em pesquisar durante o tratamento devem precaver-se para que o material apreendido na clínica não fique viciado pela pesquisa. Para o desenvolvimento de nosso projeto de pesquisa, portanto, levamos em conta essa ponderação e concebemos um modelo que possibilitasse a utilização de um mesmo método (o psicanalítico) em uma situação específica (com pacientes anoréxicas e bulímicas), por diferentes psicanalistas, a fim de verificar a validade desse método – referendados pela transferência – e a possibilidade de discutir o conceito de feminilidade na constituição da subjetividade. O projeto tem percorrido, portanto, duas vertentes. Uma que se ocupa em estudar e compreender os transtornos alimentares do ponto de vista da relação arcaica entre mãe e filha e seus desdobramentos na estruturação da feminilidade, e outra que diz respeito ao uso do método analítico no tratamento de uma patologia em que normalmente o seu uso não é recomendado. Com isso, pretendemos identificar dificuldades e possibilidades encontradas no método psicanalítico como prática psicoterapêutica no tratamento da anorexia. Citando Klimowsky (1997): “É certo que cada psicanalista tem sua propriedade privada a respeito de seus próprios dados. No entanto, cada psicanalista é um “acumulador” de fatos, se distintos psicanalistas observam o mesmo fato, o mesmo tipo de acontecimento, finalmente obter-se-á algo assim como uma base empírica intersubjetiva para se tratar a psicanálise.”1

1- Klimowsky. Aspectos epistemológicos da interpretação psicanalítica. In Revista Brasileira de Psicanálise. Vol.31, n. 4; p. 923-942; 1997.


Assim sendo, propomo-nos a realizar essa pesquisa com um número significativo de intérpretes e pacientes, a fim de que possamos consolidar uma compreensão dotada de suficiente base empírica. E que, por meio da referência transferencial, seja possível validarmos o método psicanalítico – e a discussão do conceito de feminilidade.

Evolução da pesquisa Desde o início de nossos atendimentos, recebemos 150 pacientes – 146 mulheres e 04 homens –, com idade média de 35,5 anos, a maioria proveniente de instituições hospitalares – como Hospital das Clínicas, Hospital Universitário e Servidor Público Estadual –, de consultas ao nosso site e de indicações particulares. Desses pacientes, 67 permanecem em terapia por pelo menos seis meses, em atendimento de caráter predominantemente social. O que temos observado, em decorrência deste número significativo de casos acompanhados, é que, ainda que atendidos por diferentes analistas, esses pacientes mantêm um padrão transferencial próprio da vertente patológica que apresentam: anorexia ou bulimia. Nas sessões iniciais as bulímicas falam muito, seu discurso ocupando muito espaço e pouco sobrando para as intervenções do analista. A transferência dá notícias do modo como se estabelecem as relações entre essas pacientes e seu mundo de objetos, pois parecem apropriar-se mais de seus analistas do que da análise propriamente dita. Porém, à medida que a análise evolui e que suas necessidades de continência e de ajuda no processo de discriminação são atendidas, elas começam a refletir e elaborar suas próprias sensações e pensamentos. No relacionamento com suas mães, observa-se uma indiscriminação de papéis e lugares. Relatam angústias significativas, decorrentes da frustração pelo fracasso diante das altas expectativas que atribuem aos outros. As anoréxicas, em relação ao analista, apresentam uma transferência polarizada: de um lado muita desconfiança e expressiva resistência, de outro o medo do abandono. A relação mãe-filha mostra uma inver-

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são de papéis, com mães infantilizadas e filhas “mães de suas mães”. O vínculo de dependência entre elas é muito forte, e a relação bastante tumultuada. Impõem-se ideais impossíveis de serem alcançados, bem traduzidos em sua sintomatologia. Assim, nossas observações vêm coincidindo com a literatura. No quadro da Bulimia Nervosa, Brusset aponta para o horror diante da sensação de ser invadida pela mãe – o olhar, a recriminação, as ideias –, e para a prevalência da vergonha sobre a culpa. E no caso da Anorexia Nervosa, a clínica confirma as postulações de Bidaud de que essas pacientes, “intocadas pelo desejo do pai”, permaneceram aprisionadas e dominadas pela sedução materna. E que, no momento da adolescência, quando há uma convocação à ressignificação das escolhas objetais, a conflitiva se impõe e esse fracasso abre espaço para a instalação de um transtorno dessa ordem. A CEPPAN tem mantido seus objetivos iniciais: o atendimento clínico, o estudo sistemático e o propósito da divulgação de conhecimentos sobre os Transtornos Alimentares. Conta, atualmente, com aproximadamente 20 profissionais, que atendem em seus consultórios, promovem cursos e palestras, oferecem supervisões clínicas e grupos de estudos. Desde 2007 um grupo psicoeducativo para familiares e cuidadores de pacientes vem sendo oferecido, com o objetivo de orientar e esclarecer sobre os riscos do quadro. E, a partir de 2008, os Cadernos da CEPPAN, publicação semestral, consolidaram e deram novo impulso ao objetivo de divulgar o conhecimento adquirido ao longo desses anos e abriram um espaço de interlocução com profissionais envolvidos com a temática dos Transtornos Alimentares. Seguindo o nosso compromisso com a clínica e com a pesquisa, reunimos, neste livro, psicanalistas que compartilham conosco esses ideais. Contamos assim com a colaboração tanto de autores membros da CEPPAN, que têm nos acompanhado ao longo destes anos, como com autores convidados, que têm contribuído para a compreensão e sustentação da Psicanálise no campo dos Transtornos Alimentares. Os artigos contemplam construções metapsicológicas e teórico-clínicas, preocupações atuais como o aumento da procura por tratamento


por homens, os desafios da técnica, a posição do analista nos casos de difícil acesso e manejo, as questões transferenciais e contratransferenciais que, acreditamos, oferecerão referências àqueles que, como nós, vêm se dedicando ao estudo dos Transtornos Alimentares, e portanto, consolidando o método psicanalítico como abordagem de tratamento para essas patologias. São Paulo, novembro de 2010 Ana Paula Gonzaga e Cybelle Weinberg Coordenadoras da CEPPAN

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