Família, laços e enredos

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FAMÍLIA, LAÇOS E ENREDOS Observa o teu culto a família e cumpre teus deveres para com teu pai, tua mãe e todos os teus parentes. Educa as crianças e não precisarás castigar os homens. Pitágoras O Brasil, em seu atual momento, tem vivenciado discussões importantes e ricas sobre políticas públicas, uma vez que a realidade social brasileira não mais pode ser negligenciada, não apenas em termos de reflexões críticas, mas de ações emergenciais que possam amenizar as abissais diferenças sociais que tantas preocupações e problemas causam a todos. A tendência reconhecida é de se pensar intervenções menos voltadas para o indivíduo, mas para a família enquanto meio focal para se estudar, entender e repensar modos de intervenções mais eficazes e promissoras. Tal orientação, contudo, depara-se com outra realidade, bastante complexa, que precisa ser devidamente compreendida com maior profundidade, pois a família não é uma “entidade” estática, que acolhe e apenas comporta. A dinamicidade e a intensidade com que as transformações ocorrem em sua estrutura e funcionamento constituem fator relevante a ser considerado para quaisquer movimentos pretendidos. Do mesmo modo, a dificuldade para se identificar com clareza o modo como se delineia, se arranja e se organiza. A incursão do pensamento crítico-reflexivo sobre o tema família nos remete a uma gama imensa de interveniências subjetivas, pois além de sermos “produto” deste meio, somos protagonistas desta história em nosso tempo. Estamos inseridos neste contexto, de uma forma ou de outra. Não há isenção, pois, o engendramento da vida humana passa, inegavelmente, pela história construída por seus ancestrais e isto faz parte da inscrição simbólica do sujeito no mundo. A concepção do ser é muito mais que cromossomos somados/divididos, porque é também desejo, inteiro ou não, de dois seres cujas histórias se juntaram. Em termos de psicanálise, se houve uma vontade determinada, ou planos, provavelmente houve registro do desejo paterno sobre o ser/sujeito, mesmo ainda antes de seu nascimento. Há uma expectativa sob a qual o sujeito nasce, e que não é a própria, mas a do Outro, representado pelo social que o abarca, pela cultura e ou civilização. Os laços que se formam a partir deste, assumem extrema importância para a subjetividade de cada indivíduo. O desejo do filho está marcado pelo desejo paterno, entendendo-se aí o que pai e mãe não apenas quiseram, mas desejaram para seu filho. Deste modo fica delineadas a trajetória de vida do sujeito, sua vontade, sua identidade. O que realizará, a partir de sua capacidade de aprender e apreender-se no mundo está diretamente vinculado a esta fase, a este momento. Na mesma linha podemos pensar a qualidade deste ninho que se forma o lugar físico/psíquico que o sujeito passa a ocupar. A estrutura familiar, na concepção psicanalítica, está para além dos laços sanguíneos, é uma estrutura psíquica, ou seja, cada um de seus membros ocupa um lugar, independente da consanguinidade ou do que socialmente está reconhecido como família. O pai biológico, por exemplo, pode ocupar o lugar de filho na estrutura psíquica. Vale lembrar, pois, que quaisquer pensamentos sobre família, a partir de Freud e a Psicanálise, passaram a agregar a existência do inconsciente enquanto real reflexo na vida do sujeito e suas inter-relações. Assim, a delimitação ou definição dos contornos da família em pleno século XXI constitui grande desafio a ser vencido. Os padrões de relacionamentos que se estabelecem são difusos, com muitos desdobramentos e difícil identificação. Houve um esgarçamento dos valores sociais e culturais que, como se sabe, permeabilizam tais relações em todos os níveis, impactando sobre a formação de laços e demais movimentos, internos e externos, que sustentam o ser/estar no mundo.


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