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Saúde

Responsabilidade na Saúde mental: Deixando os olhos ver e o coração sentir

Na dicotomia saúde física/mental, a primeira ocupa o lugar de excelência na preocupação das pessoas. Mas como podemos responsabilizar-nos pela nossa saúde mental quando o coração sente, mas os olhos não vêem? Por Francisco Oliveira

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Desde pequenos somos ensinados a cuidar da nossa

saúde. Somos instruídos sobre como

o corpo funciona, uma aparente máquina em equilíbrio. É-nos incutida a responsabilidade que existe para com a manutenção deste funcionamento saudável. Sabemos,

com poucos anos de idade, que “os doces fazem mal” ou que quando caímos e “fazemos dói-dói” temos

de desinfetar e colocar um penso na ferida, cuidando-a e deixando sarar.

A nossa saúde ocupa uma posição privilegiada na pirâmide das nossas responsabilidades diárias. Pelo menos a saúde física, o visível… mas o que acontece quando a ferida não se vê e só se sente? O que acontece quando, referindo o ditado popular, os olhos não vêem mas, neste caso, o

coração sente?

Ainda em tenra idade, corremos para os braços da nossa mãe, ou figura cuidadora, que nos resolve muitas “dores” com um gesto tão simples como um carinho ou um aconchego emocional. O típico “beijinho na ferida” é das “curas” mais eficazes

na infância. O amor e a segurança que acompanham este gesto são reparadores. Ao longo da vida, existe uma metamorfose e uma maturação deste processo, mas mantém-se a procura de emoções reparadoras e de experiências emocionais corretivas que nos ajudem a lidar com estas feridas invisíveis.

Quando falamos de saúde mental,

a responsabilidade adquire uma força ainda maior. Atualmente, ainda existe na nossa sociedade uma grande discrepância entre o cuidado e atenção que somos ensinados a dirigir à nossa saúde física e à nossa saúde mental, que, muitas das vezes, fica para segundo plano. Recupero o ditado popular “Olhos que não vêem, coração que não sente” ou até “longe da vista, longe do coração”. Aqui se vê uma fatia da sabedoria popular e como a mesma prolonga, neste caso, a ideia de que muitas vezes podemos esquecer os nossos sentimentos se apenas não “os virmos”, se não pensarmos neles. Porém, tal como com as feridas físicas, a mente também

precisa de atenção e cuidados, e um dos primeiros passos para curar uma dor é perceber onde é que ela tem origem.

A responsabilidade pelo bem-estar mental da pessoa adulta começa com (e maioritariamente recai sobre)

ela própria. Só a própria pessoa tem acesso total e genuíno aos seus sentimentos e às suas “dores”. Tal

como não se coloca a mão no fogo porque é sabido que vai queimar, também existe certo movimento de

resistência em confrontar, ou sequer aperceber-se de sentimentos e dores

mentais. Se estão “debaixo do tapete” e “longe da vista” por algum motivo será… e normalmente esse motivo é

paralelo ao que surge na ferida física: uma dor, um mal-estar. Um mal-estar

naturalmente mais elaborado, mais

anestesiado para não ser sentido… talvez uma perda, um trauma… um mal-estar que pode esconderse debaixo de diversas camadas de

pensamentos e de negações porque fundamentalmente é sentido como

“fogo que queima” e demasiado para ser vivido.

Naturalmente, para podermos recuperar a nossa saúde psicológica temos de nos debruçar sobre estas intranquilidades, e sobre as resistências que surgem ao fazer exatamente isso. É este o primeiro passo: deixar os olhos ver que existe um problema, que por muito que uma pessoa queira acreditar que o que está a passar e a sentir “é normal” (ou até “tolerável, porque há quem esteja a passar por pior!”) talvez não o seja. O garante de normalidade é o sofrimento mental, se a pessoa está a sofrer então não “é normal” e não está não estamos bem, responsabilidade para procurar ajuda, embora não seja fácil. Responsabilidade para deixar o coração sentir e caminhar na direção do nosso bem-estar.

A mente e os sentimentos que nela habitam podem ser assustadores, mas a pessoa não tem de lidar com eles a sós. É aqui que a responsabilidade colhe os seus frutos, pois quando nos responsabilizamos por perceber que precisamos de ajuda e partimos em busca de quem a possa providenciar já estamos a caminhar a jornada

em direção ao nosso bem-estar. E embora tenhamos chegado aqui por processos que dependiam exclusivamente de nós, agora já não caminhamos sozinhos.

Sem dúvida que esta responsabilidade pelo autoconhecimento e manutenção do equilíbrio e da saúde e bem-estar mental é uma tarefa

muito exigente. Embora esteja a ser feito um maior movimento a

nível social no que diz respeito à consideração por estes aspetos, ainda há um longo caminho a percorrer. Levanta-se também a questão da responsabilidade pela saúde mental do outro. A responsabilidade empática de conseguir entender que o outro também sofre, também passa por este processo de resistência e que embora possa ser claro que precisa de ajuda de nada serve o confronto quando a pessoa ainda não deixou os olhos verem, e o coração ainda não sente. Junto a este dilema poder-seiam enunciar outros tantos.

Nesta linha, sublinha-se a importância do reconhecimento pela saúde mental. A responsabilidade recai sobre cada pessoa ao nível de tolerância, empatia e comunicação, não só a nível próprio e pessoal mas também pelo e para com o outro. O caminho para a cura começa com o primeiro passo. Começa com a compreensão de que somos responsáveis pela nossa saúde na sua totalidade e que isto engloba, também, o nosso mundo mental.

A saúde ocupa uma posição privilegiada na pirâmide das nossas responsabilidades diárias... mas o que acontece quando a ferida não se vê e só se sente?

FRANCISCO OLIVEIRA

PSICÓLOGO CLÍNICO www.franciscopsi.weebly.com fo.francisco.s.oliveira@gmail.com

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