Série Turisol de Metodologias
Turismo Comunitário
Semeando o Turismo Comunitário pelo Brasil Rede TuriSol
Realização:
Parceiros Financiadores da Série Turisol*:
Parceiros Institucionais:
Ministério do Turismo
*As organizações financiadoras da Série Turisol de Metodologias no Turismo Comunitário não são necessariamente parceiros financiadores de cada experiência relatada pela Série. A TAM, o Ministério do Turismo e a Fundação Kellogg financiaram a produção e redação dos livretos por meio de convênio ou termos de parceria firmados com o Projeto Bagagem.
2
Parceiro apoiador:
De onde estamos vindo Rede TuriSol A Rede Brasileira de Turismo Solidário e Comunitário – Rede Turisol, é composta por organizações que se uniram com a missão de fortalecer o turismo comunitário no Brasil. Atualmente a rede é composta por 23 iniciativas localizadas em 10 estados do Brasil e mais de 100 municípios, e encontra-se em fase de expansão. As principais linhas de atuação da Turisol são: 1) 2) 3) 4) 5) 6)
Comercialização Comunicação Impactos em Políticas Públicas Capacitação e intercâmbios Universidade e Turismo Comunitário Juventude e Turismo Comunitário
Em 2008, o Ministério do Turismo, por meio do Edital de Chamada Pública de Seleção de Projetos de Turismo de Base Comunitária, selecionou de forma inédita 50 projetos (entre mais de 500 projetos inscritos) de apoio ao turismo de base comunitária distribuídos em 19 estados brasileiros. Dentre os 50 aprovados, 5 são membros da Rede Turisol, que se inscreveram de forma articulada, viabilizando assim a implementação de
3
um plano de trabalho da rede, executado sob a liderança do Projeto Bagagem. Este plano de ação envolveu o fortalecimento dos destinos da rede por meio da criação de produtos promocionais e estratégias de comercialização conjuntas do turismo comunitário. As principais iniciativas deste plano incluem a expansão da rede através da inclusão de novos membros, a criação de um portal da rede, um catálogo promocional, a publicação da Série Turisol de Metodologias no Turismo Comunitário e a realização de encontros regionais e de um Encontro Nacional entre os membros da rede. A produção da Série Turisol de Metodologias no Turismo Comunitário contou com o financiamento para a redação e coordenação da TAM Linhas Aéreas, da Fundação Kellogg e do Ministério do Turismo. E com uma generosa parceria com o Museu da Pessoa, que possibilitou a realização de uma roda de histórias filmada, bem como de entrevistas de histórias de vida ou temáticas em seu estúdio em São Paulo. Assim, foram gravadas 9 entrevistas temáticas, de 5 lideranças comunitárias e 4 técnicos ou coordenadores de ONGs locais que atuam com essas comunidades, que incluíram elementos das histórias de vida de cada entrevistado, e também uma roda de histórias com 6 projetos membros da rede.
A Série Turisol de Metodologias no Turismo Comunitário é composta por 7 volumes que registram as histórias e metodologias das seguintes experiências: 1) Projeto Saúde e Alegria (Santarém, PA) 2) Associação de Agroturismo Acolhida na Colônia (SC)
Projeto Saúde e Alegria Pousada Aldeia Santarém dos Lagos Pousada Uacari RDS Mamirauá Silves Tefé
3) Pousada Uacari, Instituto Mamirauá (Tefé, AM)
Amazonas
Rede Tucum Litoral Cearense
Pará
Ceará Fundação Casa Grande Nova Olinda
4) Projeto Bagagem (São Paulo, SP) 5) Fundação Casa Grande (Nova Olinda, CE) 6) Rede Tucum (12 comunidades do litoral do Ceará) 7) Pousada Aldeia dos Lagos (Silves, AM)
São Paulo
Nos últimos 10 anos, estas experiências estão entre as iniciativas que mais se destacaram no Brasil, e diante de uma crescente demanda por informações sobre como iniciar e gerenciar o turismo comunitário em outras localidades, surgiu a idéia de uma sistematização que deu origem a esta Série. Com estes registros esperamos informar, compartilhar e inspirar o desenvolvimento de novas iniciativas voltadas ao turismo comunitário no Brasil e no mundo. Boa leitura!
Projeto Bagagem São Paulo
Santa Catarina Acolhida na Colônia Encostas da Serra Geral
São Paulo, 2010
4
Apresentação
“Sempre quis conhecer a Amazônia, mas a idéia de passar uma temporada em algum hotel de selva nunca me agradou muito. Mais do que simplesmente colocar os pés na floresta, eu queria entender como as pessoas vivem ali. Em janeiro de 2006, embarquei numa viagem com esse propósito. Passei nove dias num barco viajando pelos rios Tapajós e Arapiuns, no Pará, como participante do Projeto Bagagem. O Bagagem é um projeto de promoção do turismo comunitário. Funciona como uma espécie de agência de viagem social, levando grupos de turistas para conhecer regiões lindíssimas do Brasil ao mesmo tempo em que contribui para o desenvolvimento de pequenas comunidades. É um turismo diferente, com atividades e passeios organizados pela população local. A idéia é aproveitar a natureza e interagir com os moradores e com os outros “bagageiros” – gente vinda de todos os cantos do Brasil e do mundo.
O que eu fiz na Amazônia? Nadei no Tapajós (acredite, o rio tem algumas das praias mais maravilhosas do país), conheci uma sumaúma de 500 anos (a árvore é o ponto alto de uma trilha de mais de cinco horas floresta adentro, vale o suor) e aprendi a tecer com palha de tucumã, só para citar algumas coisas. E virei uma fã entusiasmada do Bagagem, daquelas que recomendam a viagem a qualquer um que se interesse pela Amazônia.” Cynthia Rosenburg, trecho publicado no site da Época Negócios, 10/07/2008 “Acredito que o grande diferencial do Projeto Bagagem é atuar no turismo de base comunitária em território nacional, dialogando e interagindo com diversas outras ONG's e comunidades que desenvolvem projetos localmente. A partir da relação com o Bagagem, que envolve muita dedicação, cuidado e respeito, essas ONG's e comunidades conseguem maior visibilidade para suas ações que, em geral, têm abrangência local e/ou regional; entram em contato com a realidade de outros comunitários que trabalham com esse tema no Brasil; e contam com apoio técnico em viagens e processos de formação, que são muito mais do que roteiros e cursos teóricos respectivamente. São, principalmente, vivências e oportunidades práticas de planejar o turismo a partir das comunidades.” Ana Gabriela da Cruz Fontoura Estação Gabiraba, Representante Regional do Projeto Bagagem na Amazônia
5
Índice
Artesanato em palha de tucumã, Comunidade de Urucureá, Santarém/PA
6
De onde estamos vindo
03
Apresentação
05
Introdução
07
Histórico
08
Metodologia
30
Conquistas e desafios
56
Considerações finais
67
Contatos/Créditos
70
Introdução
“Este volume é um registro da experiência do Projeto Bagagem desde sua criação em 2002 até 2010. Era uma necessidade e um compromisso. Uma necessidade que sentíamos de sistematizar, voltar no tempo e caminhar novamente pela trilha que deu origem ao projeto para chegarmos ao presente e nos lançarmos bem alicerçadas a uma nova e decisiva etapa. E um compromisso com todas as comunidades e ONGs que nos escreveram pedindo apoio sobre como começar a trabalhar com turismo comunitário. O livro conta a história do projeto e ao mesmo tempo revela parte das nossas próprias histórias de vida que foram transformadas com ele e por ele. Contamos a história e compartilhamos as principais ferramentas e estratégias que nos ajudaram. Tentamos não descrever apenas o que deu certo. Não é um relato de um caso de sucesso. Fizemos questão de deixar claros os desafios, porque foram nesses momentos que demos os maiores saltos. Também sentimos o desejo de dividir com os financiadores do Projeto Bagagem nossa caminhada e a importância que eles tiveram para que tudo isso acontecesse. Ashoka Empreendedores Sociais, Fundação Kellogg, Flores On Line, William Rozenbaum Trosman, Ministério do Turismo e TAM Linhas Aéreas deram suporte para que a instituição se estruturasse financeiramente e ampliasse sua atuação. Graças a essas parcerias fundamentais, que apostaram no Bagagem como instituição, avançamos muito e atingimos um novo patamar. E por último, escrevemos pensando em todos os estudantes que nos procuraram, se oferecendo para vagas de estágio que não existiam, ou pedindo informações para trabalhos de conclusão de curso ou mestrado. Com estes também nos sentimos comprometidas. Por isso dedicamos essas páginas às comunidades, ONGs parceiras, financiadores, viajantes, estudantes e entusiastas que acreditam no turismo comunitário e na valorização dos conhecimentos e do modo de vida de quem mora em lugares de mais difícil acesso, mas não menos brilhantes do nosso país.” Mônica e Cecilia
7
Este volume da Série Turisol de Metodologias no Turismo Comunitário começa com o relato de como duas amigas de faculdade conseguiram montar uma ONG para contribuir com o turismo comunitário no Brasil. Apresenta a história do projeto, um breve contexto das ONGs no Brasil, bem como os princípios e conceitos referentes ao turismo comunitário, em que se baseia. Em seguida, apresenta ferramentas que foram desenvolvidas ao longo da história do Projeto Bagagem com o objetivo de auxiliar quem está buscando criar projetos ou roteiros de turismo comunitário. As ferramentas aqui apresentadas estão voltadas para a criação de roteiro, sua gestão, comunicação e finalmente aborda as principais conquistas e desafios que fizeram parte da história da iniciativa desde que foi idealizada em 2002 até o lançamento da Série Turisol em 2010.
Histórico A Inspiração O Projeto Bagagem nasceu a partir do desejo de duas amigas de faculdade e colegas de trabalho de contribuir com iniciativas bem-sucedidas de organizações não-governamentais do Brasil, e que tinham o desafio de apoiar a geração de renda nas comunidades onde atuavam.
Foi assim que Mônica e Cecilia, começaram a desenhar e planejar uma ação que pudesse atingir esse objetivo. Ao longo da graduação em Administração de Empresas na Fundação Getulio Vargas de São Paulo conheceram o Terceiro Setor que crescia rapidamente durante a segunda metade da década de 1990. Trabalharam no comitê local da AIESEC/FGV, Cecilia passou pelo Centro de Estudos do Terceiro Setor (CETS-GV), Mônica pela Assessoria de Desenvolvimento Institucional da FGV, organizaram seminários e escreveram matérias para jornais na faculdade sobre o tema. E antes mesmo da formatura
Mônica e Cecilia
8
tinham clareza de que a opção não seria trabalhar em um banco ou em uma multinacional, mercado de trabalho mais comum e desejado para quem estuda Administração de Empresas, mas sim dedicar tempo e carreira ao trabalho de construção e busca de soluções para os problemas e desafios sociais, econômicos, culturais e ambientais do Brasil. Formadas em 1998, começaram a vida profissional no Instituto Ayrton Senna como participantes do primeiro programa de trainees da organização, e lá tiveram a oportunidade de conhecer de perto algumas iniciativas inovadoras que estavam tendo muito sucesso na área da educação não-formal apoiadas pelo Instituto. A Fundação Casa Grande, o Projeto Saúde e Alegria e o Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento – grandes fontes de inspiração para elas – faziam parte deste grupo. São ONGs localizadas em Nova Olinda (CE), em Santarém (PA) e no Vale do Jequitinhonha (MG), respectivamente.
A Fundação Casa Grande, por exemplo, com muita criatividade criou uma escola de comunicação para a meninada do sertão, onde uma rádio comunitária é liderada por crianças e jovens que ouvem, transmitem e fazem música de alta qualidade. Além disso, a Casa Grande em si é um espetáculo à parte. É um museu onde as crianças contam a história ancestral da região do Cariri, com seus mitos e lendas, trilhando o caminho dos índios e moradores pré-históricos até chegar na cultura sertaneja, identidade que significa valor e vínculo com as raízes da terra.
QUE LUGAR É ESSE ONDE O ARNALDO ANTUNES VAI TOCAR NA FESTA DA RENOVAÇÃO?
Visite a Fundação Casa Grande www.fundacaocasagrande.org.br
Fachada da Fundação Casa Grande, Nova Olinda/CE
9
Já o Saúde e Alegria criou um circo mambembe (O Gran Circo Mocorongo de Saúde e Alegria) onde os números apresentados por comunitários e arte educadores transmitem as mensagens dos conteúdos trabalhados junto a comunidades ribeirinhas dos Rios Tapajós, Arapiuns e Amazonas pela equipe multidisciplinar da ONG. Dentre as atividades desenvolvidas com muita alegria e seriedade estão um programa de comunicação popular que estimula a criação de sucursais comunitárias de rádio e jornal para a troca de informações. Isto sem falar nos programas de Saúde e Economia da Floresta, que de forma sempre inovadora estimulam o desenvolvimento sustentável e integrado destas comunidades. QUE LUGAR É ESSE ONDE UMA CANOA COM UM MEGAFONE PASSEIA PELO RIO CONVOCANDO A COMUNIDADE PARA UM CIRCO, NA LINGUAGEM DA BRINCADEIRA E DA MÚSICA, ONDE OS PALHAÇOS ANIMAM OS COMUNITÁRIOS A LIDERAREM OS ESPETÁCULOS, E COM TECNOLOGIAS SIMPLES E BARATAS E DE ALTO IMPACTO, COMO A PEDRA SANITÁRIA E O FILTRO DE BARRO, REDUZIRAM A MORTALIDADE INFANTIL A PRATICAMENTE ZERO? QUE LUGAR É ESSE ONDE EXISTE UM BARCO HOSPITAL?
Quer con hecer o S aúde e Ale e as com gria unidades ribeirinha Visite ww s? w.saudee alegria.or g.br
Farinhada tradicional em comunidade ribeirinha, Santarém/PA
10
E o CPCD nasceu do desejo de revolucionar o papel da escola e do educador no interior de Minas Gerais. A partir da conclusão de que a escola não estava ensinando como deveria, a ONG idealizou a 'Escola Debaixo do Pé de Manga' e desenvolveu uma metodologia de jogos e brincadeiras onde as crianças aprendem matemática, português e um monte de outras coisas brincando. Do Projeto Sementinha (espécie de jardim de infância vivencial, baseado na Educação Popular) surgiu o Ser Criança, um projeto de educação não-formal para crianças de 7 a 14 anos. E as Fabriquetas foram uma conseqüência, atendendo à demanda dos jovens acima de 14 anos que não queriam se desvincular da ONG e que buscavam seu espaço no mercado de trabalho. Tem também o Coral dos Meninos de Araçuaí, que com o seu sucesso doou um cinema à cidade de Araçuaí, o Centro de Permacultura do Vale do Jequitinhonha, e assim vai. QUE LUGAR É ESSE ONDE UMA ONG FOI ESCOLHIDA PARA ASSUMIR A SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO MUNICÍPIO?
Quer conhecer o CPCD? Visite www.cpcd.org.br
Que lugares são esses? Inspiradas e despertadas por estas e outras iniciativas, Mônica e Cecília queriam estar mais perto: das crianças, das comunidades, dos educadores, das escolas, do museu, da rádio, do pé de manga, do circo, do barco hospital. Queriam ver as cores, sentir os cheiros, ouvir os sons, viver a emoção de estar nesses lugares. E o melhor de tudo seria poder tornar esses lugares visíveis e acessíveis a qualquer pessoa. Para viver e se transformar. Para aprender, e com a própria viagem, contribuir com o desenvolvimento das comunidades e o fortalecimento das ONGs. Foi assim, movidas por essa grande admiração pelas próprias raízes que chegaram a esta resposta, resultado de um sonho de dois anos de criar alguma ação de sustentabilidade e geração de renda a essas iniciativas que pudesse colocar em prática o que viram e aprenderam na faculdade. Mas como chegaram a esta idéia? Durante o mestrado em Londres, Mônica teve contato com os conceitos do comércio justo e do turismo solidário. Primeiro pensaram em criar uma estratégia de comércio justo, mas não tinham capital para abrir uma loja, trabalhar com logística ou distribuição de produtos. Assim, elaborando melhor as idéias e com um pé na realidade
Horta orgânica do Projeto Ser Criança do CPCD, Curvelo/MG
11
chegaram à conclusão de que seria mais razoável trabalhar com um serviço justo, que não precisasse de capital inicial, seguindo os princípios do comércio justo. Mas ainda não estava claro que serviço seria esse.
Para conhecer mais sobre a Expedição Vaga Lume visite www.vagalume.org.br
Em 2001, a licença-maternidade de Cecilia coincidiu com a volta de Mônica para o Brasil após a conclusão do mestrado em Gestão de ONGs em Londres. E na tentativa de encontrar uma resposta, reunidas na casa de Cecilia em São Paulo, encontraram inspiração em uma matéria publicada na Folha de São Paulo sobre a Expedição Vaga Lume, iniciativa de três amigas que passaram um ano planejando uma expedição para implantar bibliotecas comunitárias em comunidades rurais na Amazônia. A matéria dizia que as três tinham se dividido, e durante um ano uma trabalhou no mapeamento das comunidades, a outra na elaboração das oficinas e seleção do acervo de livros infantis e a terceira na captação de recursos. Elas tinham tido sucesso e após essa fase de planejamento ativo, viajaram por dez meses pela Amazônia Legal, implantaram dezenas de bibliotecas comunitárias e capacitaram professores na mediação de leitura para crianças. Era a primeira Expedição Vaga Lume que acontecia e as inspirava ainda mais a criar algo concreto, que todo mundo entendesse e, acima de tudo, útil para as comunidades. Mediação de leitura na comunidade Nova Esperança, Médio Juruá, Carauari, AM. Acervo Vaga Lume
12
Para chegar à resposta que queriam, fizeram duas perguntas. A primeira foi: Do que mais gostamos na nossa vida profissional? E a resposta foi imediata: viajar para os projetos apoiados. Mas nesse tipo de viagem, quando se representa uma organização financiadora, normalmente não existe tanto tempo para ficar conversando com a parteira, pescar de madrugada ou nadar no igarapé. Os relatórios, reuniões, avaliações são mais urgentes e tomam uma importância que não permite uma convivência mais longa e relaxada, com modos de vida diferentes e cheios de encantamento para serem compartilhados. E foi assim, nessa tarde de 2001 que responderam à segunda pergunta:
mobilização comunitária e tantas outras. Todo brasileiro tem que conhecer esses lugares. Todo brasileiro tem que reconhecer o valor das soluções que a sociedade é capaz de criar. Todo brasileiro1 tem que conhecer tamanha riqueza e aprender mais sobre o universo das ONGs, compreender melhor a complexidade dos problemas sociais, econômicos, ambientais e políticos, as polêmicas e os atores envolvidos em um país que ainda tem tão grande concentração de renda e diferença social.
Como gerar renda para as comunidades? A idéia surgiu e veio como uma ação simples e concreta: a organização de viagens de férias, para qualquer pessoa, de qualquer área profissional, para esses lugares. Descobrir um Brasil diferente, criativo, que faz muito a partir de poucos recursos, que detém soluções que inspiram políticas públicas nas áreas de saúde, educação, meio ambiente, 1 No início focamos principalmente no público nacional pois tratava-se de uma idéia experimental. Aos poucos o público internacional foi se aproximando e hoje representa uma parcela significativa dos viajantes.
Reunião debaixo do pé de manga, CPCD, Curvelo/MG
13
O surgimento da ideia no contexto das ONGs no Brasil No Brasil, o universo das ONGs é complexo e diverso. Segundo Leilah Landim (ABONG 2002), até o final do século XIX o que havia em termos de educação, saúde e assistência social eram organizações criadas pela Igreja Católica com o mandato do Estado. Nas décadas de 30 e 40, o Estado passa a prestar diretamente esses serviços às camadas excluídas com políticas de bem-estar fragmentadas e excludentes que deram espaço para o surgimento de diversas organizações privadas sem fins lucrativos. Ainda eram entidades com vínculo grande de dependência com o Estado e que em sua maioria nasceram ligadas à Igreja Católica. Mais para frente, durante a ditadura militar na década de 70, um outro perfil de entidades começa a surgir. São entidades de ação coletiva, de luta em defesa de direitos humanos e promoção da cidadania e da democracia, que se mostram em conflito com o modelo político da época, e com ideais de liberdade e autonomia em relação ao Estado.
Ainda segundo Leilah Landim (ABONG 2002), no meio dos anos 80, encontros e convenções internacionais, que reuniram organizações de países da América Latina com a presença de agências internacionais, passaram a discutir o termo ONG pela primeira vez. Em seguida, vieram outros fatos que expandiram, estruturaram e divulgaram a atuação das ONGs no Brasil, tais como as conferências das Nações Unidas envolvendo a participação de ONGs, a fundação da ABONG em 1991, a organização da reunião paralela de ONGs durante a ECO 92 no Rio de Janeiro, bem como a crescente preocupação com a criação de um marco legal para o setor. Mais tarde, o surgimento da lei das OSCIPs e a criação de cursos de especialização, eventos acadêmicos e não acadêmicos sobre ONGs contribuíram para o crescimento do setor. Tudo isso consolidou e reconheceu o lugar das ONGs dentro da sociedade brasileira que não deixou de ser menos diverso. Essa diversidade pode ser vista hoje na convivência entre entidades filantrópicas, associações e fundações empresariais de responsabilidade social, e outras associações com as mais diversas finalidades. O processo de profissionalização do gerenciamento das ONGs seguindo modelos privados com
Vanessa Góes e outros visitantes em Urucureá, Santarém/PA
14
organogramas, ferramentas de planejamento, planos de comunicação e de negócios revela uma transformação mais recente no universo dessas instituições. Passando da história das ONGs para a história do Projeto Bagagem, Mônica e Cecília sabiam que para fazer uma análise mais profunda e marcante de tantos aspectos históricos, organizacionais, sociais, não bastava ler ou ouvir, era preciso também viver. Conviver. Conviver com organizações e comunidades que, com muita criatividade conseguem adaptar uma ferramenta do setor privado com uma criação própria da sua realidade para fazer sentido e ser de fato impulsionadora do seu legítimo crescimento. Transformar um Organograma em um Oréganograma como fazem os Doutores da Alegria, com sua genial equipe. Ou ainda ter uma estratégia de comunicação de conceitos de saúde baseados em um circo, como faz o Projeto Saúde e Alegria. Tudo isso só poderia ter nascido no Brasil, seja dentro dos hospitais públicos, seja nas comunidades ribeirinhas da Amazônia ou nas caminhadas pelo interior da Bahia.
esse outro lado do Brasil, recente, em transformação, cheio de desafios e que tem conseguido mostrar que as mudanças têm que surgir das bases, que a participação dos anos 70 continua como alicerce fundamental para a consistência de iniciativas, e que novas maneiras de trabalhar se agregaram a isso, gerando impactos interessantíssimos de serem reconhecidos.
O surgimento da idéia do Projeto Bagagem nasceu portanto como um convite e um desafio para re-conhecer
Grupo em Cachoeira do Aruã, Santarém/PA
15
O início do Projeto Bagagem e os princípios do turismo comunitário Para começar, foi eleito o Projeto Saúde e Alegria como o primeiro parceiro local. Mônica partiria em breve para um período de seis meses de voluntariado na ONG, durante o primeiro semestre de 2002, e poderia começar a articular essa possibilidade com a coordenação do PSA e com as lideranças comunitárias. Mas elas sabiam desde esse dia, que uma viagem para a Fundação Casa Grande, para o CPCD e para outras localidades onde a vida comunitária borbulhava, aconteceriam em algum momento. Dividiram as tarefas. Mônica cuidaria da articulação do roteiro com as comunidades e com o Saúde e Alegria e Cecilia ficaria responsável por criar um site, fazer um texto para a imprensa e divulgar a viagem para viabilizar uma primeira viagem-piloto. Planejaram no orçamento o mínimo de sete pessoas inscritas pagando R$ 600,00 fora a
passagem aérea, para que a viagem não desse prejuízo e ainda sobrassem R$ 300,00 para cada uma das três associações de moradores das comunidades visitadas. Chegando em Santarém, Mônica apresentou ao Saúde e Alegria a ideia das duas organizações2, em parceria, começarem a levar grupos de viajantes para as comunidades dentro dos princípios do turismo comunitário. O Saúde e Alegria se interessou e sugeriu que propusessem a idéia diretamente às comunidades. Assim, Cecília tirou uns dias de férias e se encontrou com Mônica na comunidade de Suruacá, no Rio Tapajós. Durante o percurso, que incluiu o vôo para Santarém e o trajeto de voadeira até a comunidade (pelas mãos do Seu Bigode, comandante que manejava a lancha no meio das ondas durante a travessia do Rio Tapajós), Rodrigo, marido de Cecília sugeriu o nome Projeto Bagagem, que foi incorporado aos documentos e falas. Foi um momento de grande emoção, seguido de inúmeros outros que marcaram a inesquecível primeira expedição que aconteceu em julho de 2002, durou 9 dias, e inaugurou o roteiro Amazônia Ribeirinha, em parceria com o Projeto Saúde e Alegria.
2 Nesta época o Projeto Bagagem era apenas uma iniciativa informal sendo iniciada.
Banho de igarapé na Comunidade de Jocojó, Gurupá/PA
16
Chegando lá acontecia uma das oficinas do Núcleo de Educomunicação do PSA. Com tubos de PVC largos e uma placa de compensado em cima, o palhaço Pimentinha ensinava as crianças a fazer malabarismo se equilibrando em cima do rola rola, o mais novo brinquedo construído lá mesmo. À noite, assistiram ao Gran Circo Mocorongo de Saúde e Alegria. Mocorongo é o nome de quem nasce em Santarém. Carioca no Rio, Mocorongo em Santarém. Quer nome melhor para o circo? Aprenderam sobre a farinha múltipla, sobre como colocar cloro na água, e durante o dia visitaram o sistema de abastecimento de água da comunidade, coisa simples para quem mora na cidade, mas uma estrutura pouco acessível para milhares de comunidades no Norte do país. Fizeram a trilha para o Igarapé de Santa Quitéria, passando pela obra abandonada de um hotel de um francês que fora embargado pelo Ibama. No meio da viagem, chega o momento de se encontrar com o então presidente da Associação dos Moradores da comunidade de Suruacá, para propor a idéia dos visitantes chegarem na comunidade e aprenderem sobre os projetos, a associação, participarem de um programa da rádio Japiim3 entre outros traços do modo de vida local.
3 Japiim é um passarinho preto que imita o canto de todos os outros pássaros, um grande comunicador amazônico.
17
Na hora ele foi cauteloso e respondeu: “Se for para os visitantes chegarem aqui, tirar um monte de fotos e vender em São Paulo, como já aconteceu uma vez, não queremos”. E foi explicado que seria justamente o contrário. A viagem seria criada para que os recursos ficassem na comunidade. Era essencialmente um projeto de geração de renda nas comunidades. Ele topou dizendo assim: “Para saber se dá certo, só tentando.” Cecilia voltou para São Paulo animada para construir o site enquanto Mônica tinha o desafio de articular com as demais comunidades uma proposta de roteiro, orçamento, programação com atividades de troca cultural sugeridas e lideradas por eles. Faltando 15 dias para o término do prazo de inscrições a sétima pessoa confirmou a inscrição. São Paulo, Jundiaí, Minas Gerais e Brasília, eram as localidades dos inscritos. Cecilia chegou em Santarém um dia antes do início da viagem. E no grande dia da chegada dos participantes, lá estavam elas no aeroporto de Santarém, assistindo ao pouso do avião pela janela de vidro. E quando viram os participantes desembarcarem olharam uma para a outra e disseram: - Meu Deus, eles vieram mesmo!!! O Projeto Bagagem existe.
18
Ana Borges descendo do Barco Saúde e Alegria
“Aprendi ainda mais que a vida vale a pena pelas coisas simples que ela oferece, pelas pessoas que passam no nosso caminho, cada uma com a sua riqueza. Aprendi um pouco mais sobre o meu país, as belezas naturais e as belezas humanas. Como fomos bem recebidos! Tanto carinho por parte de pessoas que são tão diferentes de nós, realidades tão diferentes, mas que nos receberam tão bem! E como somos privilegiados por ter a Região Amazônica em nosso país”.
“Além de estar começando a atuar na área ambiental, nisso a viagem foi o meu pontapé inicial, o que me impactou mais foi a questão do desenvolvimento comunitário. Como faz uma diferença na vida das pessoas, nas suas consciências e na luta pelos seus direitos. Ainda mais, é a busca pelo bem estar de todos e não o bem estar individual. Foi maravilhoso!” Carla Perdiz
“No aspecto financeiro teria de se tornar mais sustentável. Talvez seria interessante ter mais umas 2 ou 3 pessoas no grupo. De resto, acho que a direção tomada está certíssima e os resultados desta primeira viagem piloto demonstram isso.” Rodolfo Marino
“...a viagem foi uma iniciativa criativa, inovadora e surpreendente. Contribuir para uma ação comunitária nunca será mais realizador do que participar dela e esse projeto engloba as duas coisas com sucesso e com dignidade numa relação de igualdade e humanidade.” Camila Figueiredo
Desde o começo do projeto, o que dava segurança e um norte para a iniciativa foi ter listado os princípios do turismo comunitário com os quais Mônica e Cecilia se identificavam e queriam trabalhar. Com isso era mais fácil explicar a todo mundo o que era o Projeto Bagagem. Esses princípios foram estudados e sistematizados pelo Projeto Bagagem a partir de princípios comuns aos projetos de turismo comunitário do mundo todo.
19
O que é Turismo Comunitário para o Projeto Bagagem? Turismo comunitário é a atividade turística que apresenta gestão coletiva liderada pela comunidade, transparência no uso e destinação dos recursos e na qual a principal atração turística é o modo de vida da população local. Nesse tipo de turismo a comunidade é proprietária dos empreendimentos turísticos e há a preocupação em minimizar o impacto ambiental e fortalecer ações de conservação da natureza.
1 – Turismo da comunidade - participação A comunidade deve ser proprietária dos empreendimentos turísticos e gerenciar coletivamente a atividade. 2 – Turismo para a comunidade Comunidade deve ser a principal beneficiária da atividade turística, que existe para o desenvolvimento e fortalecimento da Associação Comunitária. 3 – Atração principal = modo de vida A principal atração turística é o modo de vida da comunidade, ou seja, sua forma de organização, os projetos sociais que faz parte, formas de mobilização comunitária, tradição cultural e atividades econômicas. 4 - Partilha cultural As atividades são criadas para proporcionar intercâmbio cultural e aprendizagem aos visitantes e aos anfitriões. 5 – Conservação ambiental Os roteiros respeitam as normas de conservação da região e procuram gerar o menor impacto possível no meio ambiente, contribuindo para o fortalecimento de projetos e ações de conservação ambiental na comunidade. 6 – Transparência no uso dos recursos Comunidades e visitantes participam da distribuição justa dos recursos financeiros. 7 – Parceria social com agências de turismo Busca por envolver todos os elos da cadeia do turismo no benefício das comunidades.
20
Com as respostas de o que fazer e como contribuir com as comunidades, princípios de turismo comunitário, um nome já escolhido, o interesse de uma ONG e três comunidades comprovado na parceria e a dedicação voluntária de duas colegas de faculdade com atuação no Terceiro Setor, nasce em 2002 o Projeto Bagagem.
Inicialmente o projeto foi definido da seguinte maneira: “O Projeto Bagagem é uma iniciativa sem fins lucrativos que promove o turismo comunitário em regiões do Brasil que apresentam um grau significativo de organização comunitária. Por meio de viagens, o projeto leva um grupo de pessoas interessadas em conhecer melhor o país, para conviverem de maneira direta com a população local. Mais do que visitar atrações turísticas, a idéia é dar aos visitantes a oportunidade de experimentarem a vida nas comunidades como ela realmente é, em um processo de aprendizagem e intercâmbio cultural, onde participantes e membros das comunidades saem ganhando. A viagem é também uma oportunidade de conhecer o trabalho da ONG parceira e fonte de renda para as comunidades.” Após a primeira viagem, foi feita uma avaliação com as comunidades, com os visitantes e com a ONG parceira. As comunidades elogiaram, mas deixaram claro que era preciso continuar, que apenas uma viagem não geraria o impacto necessário. Os participantes e o Saúde e Alegria incentivaram. Era tudo o que queriam ouvir.
21
O caminho da construção da metodologia
Com o roteiro Amazônia Ribeirinha se consolidando, começaram a planejar a expansão da idéia para outras regiões. Neste momento se lembraram de duas iniciativas no Ceará: a Prainha do Canto Verde (Beberibe) e a própria Fundação Casa Grande. Foi assim que bolaram o roteiro Ceará Mar e Sertão. Em 2005 foi realizada a primeira e única viagem a este roteiro pelo Projeto Bagagem, experiência que trouxe importantes lições sobre a verdadeira vocação do projeto em semear o turismo comunitário onde ele ainda não existia. Embora as experiências visitadas sejam realmente incríveis e bem-sucedidas, foi decidido investir esforços em localidades onde a semente ainda não havia sido plantada.
“Realmente o conceito de viagem solidária do Projeto Bagagem foi uma idéia inovadora, que gostei muito. A visita de pessoas solidárias e interessadas nos desafios das comunidades faz o diferencial de agências de viagens convencionais. O que eles trazem e levam na Bagagem é muito importante. ” René Schärer, Prainha do Canto Verde
Jangada tradicional na Prainha do Canto Verde, Beberibe/CE
22
Por isso, ainda em 2005 foi pensado começar um roteiro de turismo comunitário em uma localidade que já fosse turística, para analisar como seria a experiência e assim foram buscar indicações de projetos na Chapada Diamantina. Na época, a Ashoka Empreendedores Sociais4 indicou o Grãos de Luz e Griô, ONG vencedora do primeiro lugar do Prêmio Itaú Unicef em 2003, por ter criado uma pedagogia inovadora unindo ancestralidade, identidade, tradição oral e educação em Lençóis, na Bahia.
A visita de campo resultou na mudança de Cecilia para Lençóis, e com isso o Projeto Bagagem passou a ter uma atuação diária e próxima da comunidade, desejo antigo e necessidade sentida para que pudesse experimentar metodologias e processos de capacitação mais intensos. Da mesma forma com que Mônica esteve presente durante a criação do roteiro Amazônia Ribeirinha em Santarém, Cecilia passaria a estruturar um novo destino e a consolidar uma nova parceria pessoalmente. Assim foi criado em parceria com o Grãos de Luz e Griô, o Programa de Formação de Jovens em Turismo Comunitário, Educação e Cultura Oral, unindo o que havia de melhor nas duas organizações.
Durante dois anos o programa foi implementado em oficinas diárias de terça a sexta, durante quatro horas por dia. O resultado foi o envolvimento de três comunidades da zona rural de Lençóis, 18 jovens beneficiados com a renda gerada e 4 Trilhas Griôs criadas que geraram em dois anos mais de R$ 54.000,00 apenas para essa localidade. Foram mais de 170 visitantes. Além disso, 5 pousadas domiciliares foram estruturadas com apoio do Projeto Bagagem e do Grãos de Luz e Griô e com recursos da Fundação Kellogg. Em 2006, ao refletir sobre a atuação do Projeto Bagagem, chegaram a uma nova configuração da própria ação, com assessoria em avaliação e planejamento estratégico de Lillian Pacheco, coordenadora do Grãos de Luz e Griô. Neste momento se reconheceram como um exemplo que estava dando certo para incentivar políticas públicas de turismo comunitário e se integraram à Rede Turisol - Rede Brasileira de Turismo Comunitário e Solidário. Além disso, desenharam três programas, descritos a seguir, e revisaram a visão de futuro do Projeto Bagagem. A visão anterior “Tornar-se uma referência na criação de alternativas de desenvolvimento local por meio do turismo comunitário” mudou para “Tornar o Brasil um país referência no Turismo Comunitário”.
Primeira expedição de bagageiros do Rio de Janeiro, Minas Gerais, EUA e São Paulo ao roteiro Ceará Mar e Sertão Julho de 2005
23
Programas do Projeto Bagagem Rede de Destinos de Turismo Comunitário - apóia, em parceria com ONGs e associações de moradores, a criação de novos roteiros de turismo comunitário por meio de visitas de campo, encontros de formação e viagens piloto Rede de Comercialização – articula parcerias comerciais para a venda de roteiros
Em 2009, o Projeto Bagagem passou a empreender esforços de comercialização de roteiros já estruturados da Rede Turisol, como a Fundação Casa Grande, a Rede Tucum, a Pousada Aldeia dos Lagos e a Acolhida na Colônia, mas os investimentos em estruturação de destinos foram feitos em localidades iniciantes.
Rede de Saberes – sistematiza materiais e capacitações para disseminar metodologias que deram certo e busca fomentar políticas públicas de turismo comunitário. Em 2007, o Ministério do Turismo convidou o Projeto Bagagem, a Associação de Agroturismo Acolhida na Colônia e a Fundação Casa Grande para participarem de uma reunião com a UFRJ e os Ministérios do Turismo, Meio Ambiente e Desenvolvimento Agrário para discutir o primeiro apoio do Ministério para os projetos de turismo comunitário. Como resultado das discussões apresentadas durante a reunião, foi lançando o primeiro edital de fomento aos projetos de turismo comunitário do Brasil pelo Ministério do Turismo.
Rede de Destinos
Comercialização
Rede de Saberes
Grupo na Casa Familiar Rural de Gurupá
24
Resultados do Projeto Bagagem entre 2002 e 2009 Ano
Roteiros
Parceiros
2002 a 2005
1. Roteiro Amazônia Ribeirinha (PA)
Projeto Saúde e Alegria
2. Roteiro Ceará Mar e Sertão (CE)
Fundação Casa Grande e Prainha do Canto Verde
3. Gurupá Terra das Águas (PA)
Instituto Gurupá e Casa Familiar Rural de Gurupá
4. Trilhas Griôs (BA)
Grãos de Luz e Griô
2006 a 2009
5. Raízes de Paraty
6. Conexões Caiçaras
Número de grupos
Número de participantes
Receita
8 grupos
88
R$ 87.500,00
30% para as comunidades e ONGs parceiras 10% Projeto Bagagem 60% custos de terceiros (transporte, alimentação, outros)
25 grupos
227
R$ 163.000,00
33% para as comunidades e ONGs parceiras 9% Projeto Bagagem 58% custos de terceiros (transporte, alimentação, outros)
Associação de moradores da Ilha do Araújo, Campinho da Independência e Praia Grande da Cajaíba Cooperguará Ecotur
25
Destino da Receita
1. Rede de Destinos de Turismo de Comunitário Consiste em parcerias com ONGs de reconhecido impacto social. Implementa a criação de roteiros de turismo comunitário bem como projetos de formação, capacitação e investimentos nas comunidades.
“O Projeto Bagagem, ao valorizar a riqueza das culturas das comunidades, contribui para que comunitários concebam as práticas e saberes que fazem parte do seu cotidiano de forma diferenciada. Ao valorizarem sua cultura, percebi que gradativamente as pessoas passam a perceber o significado do turismo comunitário e mais do que isto, passam a se colocar e se organizar para gerir esta atividade. Na minha opinião, o Bagagem faz com que as pessoas descubram vocações, fortaleçam as relações comunitárias, aprimorem conhecimentos e habilidade para o turismo e cuidem do lugar onde vivem.” Beatriz Cabral, Representante Regional Sul do Projeto Bagagem
26
Roteiro
Parceiro
Cidade
Estado
Amazônia Ribeirinha
Projeto Saúde e Alegria
Santarém
PA
Gurupá Terra das Águas
Instituto Gurupá e Casa Familiar Rural de Gurupá
Gurupá
PA
Trilhas Griôs
Grãos de Luz e Griô
Lençois
BA
Lençois Maranhenses
Instituto Formação e CIP Jovem Cidadão
São Luiz e Barreirinha
MA
Guaraqueçaba
PR
Raízes de Paraty
Associações de moradores do Campinho da Independência, Ilha do Araújo e Praia Grande da Cajaíba
Paraty
RJ
Juréia
Instituto Elos Associação de Jovens da Juréia
Juréia
SP
Conexões Caiçaras
Cooperguará Ecotur
27
2. Rede de Comercialização Consiste em parcerias com agências de turismo e organizações de turismo sustentável nacionais e internacionais e busca eficiência e transparência na comercialização do turismo comunitário no Brasil, com o objetivo principal de gerar renda e fortalecer as comunidades visitadas. O desenvolvimento de um modelo específico de comercialização voltado para os roteiros criados pelo Projeto Bagagem e seus parceiros e para os demais membros da Rede Turisol – Rede Brasileira de Turismo Solidário e Comunitário, faz parte da estratégia dessa rede.
Uma missão técnica para identificar parceiros na Europa foi realizada em Fevereiro de 2008 em quatro países com apoio da ONG parceira Alter Nativas e REAS e parte do recurso foi proveniente do prêmio conquistado em 2007 SEED Awards, Supporting Entrepreneurs for Environment and Development (Apoiando o empreendedorismo para o meio ambiente e o desenvolvimento) das Nações Unidas.
Agência ou organização parceira
Cidade
Agência Biosfera Brasil
São Paulo
Associação Alter Nativas de Iniciativas Interculturais
Pamplona, Espanha
Natura Cosméticos S.A.
São Paulo
Ação realizada Promoção dos roteiros Promoção dos roteiros e convite para palestra nas Jornadas de Turismo Responsable em 2008 Organização de viagens de incentivo para as promotoras conhecerem comunidades fornecedoras de matéria prima Premiou um grupo de estudantes que participaram do Trote da Cidadania com uma viagem do Projeto Bagagem para as Trilhas Griôs Promoveu o prêmio Insight GV de Responsabilidade Social para alunos da Fundação Getúlio Vargas e como prêmio foi organizada uma viagem ao roteiro Trilhas Griôs
Instituto Votorantim
São Paulo
Associação dos Ex Alunos da FGV
São Paulo
Agência Gondwana
Paraná
Promoção dos roteiros
Agência Promobrás
Suiça
Promoção de roteiros do Projeto Bagagem na Suíça
Agência Araribá
São Paulo
Agência Matueté
São Paulo
Fundação Educar DPaschoal
São Paulo
Premiou o grupo de estudantes universitários do Trote da Cidadania com uma viagem para a Chapada Diamantina
Associação Mama Nature
França
Promove os roteiros do Projeto Bagagem junto a agências francesas de turismo solidário
Agência Aniyami Turismo
Rio Grande do Norte e Espanha
Fundada por um espanhol residente no Brasil inclui atividades nas comunidades em parte dos seusroteiros para estrangeiros no Brasil
Agência Turismo Consciente
São Paulo
Promove os roteiros do Projeto Bagagem junto a seu público
28
Promoção de roteiros do Projeto Bagagem combinados com roteiros de estudo do meio para escolas Inclui nas suas viagens customizadas atividades em comunidades em parceria com o Projeto Bagagem
3. Rede de Saberes Consiste na sistematização de metodologias dos projetos de formação da Rede de Destinos. Também compõem essa rede as ações junto às Secretarias e Ministérios para que o turismo comunitário se torne uma política pública nos municípios e estados brasileiros. • Participação na discussão que gerou o primeiro edital do Ministério do Turismo de apoio ao Turismo Comunitário • Coordenação do lançamento da Série Turisol de Metodologias em Turismo Comunitário.
Camila Appel e morador da Ilha de Santa Bárbara, Gurupá/PA
29
Metodologia
Orientações básicas para estruturar um roteiro
Com a divulgação dos resultados das viagens realizadas pelo Projeto Bagagem, a exposição na mídia e participação em eventos de turismo, ONGs e comunidades começaram a buscar o Projeto Bagagem com interesse em estabelecer parcerias buscando orientações para estruturar roteiros e comercializar seus próprios produtos turísticos. A fim de atender esta demanda, tornou-se necessário sistematizar as práticas de turismo comunitário do Projeto Bagagem que serão apresentadas a seguir. Os princípios que regem a criação de um roteiro são:
Partilha Cultural As atividades são criadas para proporcionar intercâmbio cultural e aprendizagem aos visitantes e aos membros das comunidades visitadas. Ou seja, há uma reciprocidade nas relações criadas.
Seu Baixinho pescando camarão na Ilha das Cinzas, Gurupá/PA
Atração Principal = Modo de Vida A principal atração turística é o modo de vida da comunidade, ou seja, sua forma de organização, os projetos sociais de que faz parte, formas de mobilização comunitária, tradição cultural e atividades econômicas. Ou seja, o turismo deve ter um papel complementar às demais atividades produtivas da comunidade. Rodrigo Vieira tocando a sanfona de Seu Aurino na Chapada Diamantina/BA
30
Pré-requisitos para um bom roteiro de turismo comunitário
Conservação ambiental Os roteiros respeitam as normas de conservação da região e procuram gerar o menor impacto possível no meio ambiente, contribuindo para o fortalecimento de projetos e ações de conservação ambiental na comunidade.
Um bom roteiro de turismo comunitário não é apenas um dia-a-dia descrito em um papel ou em um site na internet. O turismo comunitário deve fazer parte de um movimento social, deve ser uma etapa do processo de desenvolvimento de uma comunidade. Não é tampouco solução para qualquer comunidade. Não basta ser de baixa renda para começar a trabalhar com turismo comunitário e não é turismo na pobreza. Isso inclusive é um risco. Trata-se de comunidades organizadas, com histórico de mobilização social, com conquistas e caminhadas na luta pela posse da terra, no reconhecimento de sua identidade cultural, na criação de soluções de geração de energia, na implantação de projetos de manejo sustentável dos recursos naturais, exemplos de dedicação e luta que fazem da visita uma intensa oportunidade de aprendizagem para o turista. É turismo sem luxo, com simplicidade, mas turismo na riqueza de possibilidades criadas em locais onde, inicialmente, poderiam ser reconhecidos
31
apenas pelas adversidades. Depende do olhar de quem vê. O Projeto Bagagem sugere alguns pré-requisitos que facilitam o sucesso do roteiro: •A existência de uma organização (geralmente ONG) que seja referência na localidade e que tenha comprovado impacto positivo na comunidade em termos de legitimidade, gestão financeira estruturada e interesse em agregar o turismo comunitário às suas áreas de atuação; •Proximidade a Unidades de Conservação ou áreas de relevância socioambiental e consciência da questão ambiental; •Existência de comunidades organizadas, com histórico de mobilização, projetos, conquistas e processos de participação e tomada de decisão coletivos. É importante que as comunidades estejam formalizadas através de associações, cooperativas ou outras formas jurídicas que possilitem a formalização de parcerias institucionais; •Riquezas culturais a serem fortalecidas e compartilhadas com os visitantes; •Demanda identificada de viajantes para aquela região, ONG ou comunidade. Para criar um roteiro baseado nos princípios do turismo comunitário, é
importante observar o princípio da participação, onde as atividades são sugeridas e lideradas pela própria comunidade, e onde os traços do modo de vida são a atração principal do destino do viajante. A ONG e a comunidade devem listar em roda, com os membros da associação, jovens e adultos o que gostariam de apresentar aos visitantes que represente sua identidade e território. A culinária, o trabalho, a espiritualidade, a história da comunidade, as músicas, cantigas e danças, o histórico da posse da terra, a mobilização comunitária, os projetos e as formas de organização, as artes e o artesanato, as brincadeiras, as formas de cura, os meios de transporte, a geração de energia, o sistema de educação, o tratamento do lixo, as tecnologias, a relação do cotidiano da comunidade com a natureza, as habilidades e conhecimentos das pessoas mais antigas, tudo isso é fonte de conteúdo para a criação do roteiro.
experimentar. Por exemplo, incluindo os visitantes em atividades corriqueiras da comunidade tais como mutirões, pesca, ou promovendo oficinas de artesanato. Conviver com modos de vida diferentes proporcionam uma reflexão sobre a própria identidade e sobre a própria vida. Sob o ponto de vista dos viajantes, é nesse momento que acontecem as transformações pessoais que às vezes as viagens proporcionam. Além disso, o roteiro deve fortalecer as iniciativas de conservação ambiental e buscar causar o menor impacto possível no meio ambiente. Por exemplo, deve-se pensar no destino do lixo e nas instruções a serem passadas aos visitantes em relação ao consumo consciente de recursos escassos como a água.
Além disso, o processo de criação do roteiro deve prever a partilha cultural entre viajantes e comunidade, onde o primeiro também é ativo e não mero observador. Não se trata de organizar apresentações folclóricas da cultura local e sim de facilitar atividades que fazem parte do cotidiano que o turista vai
Grupo navegando no Rio Amazonas, Gurupá/PA
32
Por onde começar
Ana Borges e José Andrada com Dona Severina, Comunidade de Urucureá, Santarém/PA
“Outro dia, pesquisando a origem da palavra roteiro no dicionário, para uma das capacitações que o Projeto Bagagem iria realizar, descobri que roteiro vem do latim Rupta, que significa Via. Rupta vem do verbo romper, desbravar, abrir caminhos. Fiquei feliz de ver a relação. Nada mais adequado ao turismo comunitário e à idéia que inspirou o Projeto Bagagem, já que acreditamos que é preciso romper com o processo de segregação social para construir o país que queremos e isso só é possível por meio da convivência, conseguir olhar com os olhos uns dos outros, trabalhar juntos por objetivos comuns, pessoas de diferentes idades, renda e origem.” Cecilia Zanotti
O processo de criação e experimentação dos roteiros é uma forma de reconhecimento e valorização das comunidades e do trabalho da ONG parceira ou da associação local responsável. Como os roteiros criados pelo Projeto Bagagem acontecem em parceria com ONGs reconhecidas, em todas elas já havia um histórico de visitação. Não exatamente uma visitação de lazer e férias voltada para a geração de renda da comunidade, mas uma visitação de financiadores, jornalistas, pesquisadores, produtores culturais ou estudantes interessados em acompanhar as ações destas ONGs nas comunidades. No Grãos de Luz e Griô, por exemplo, já existia a caminhada do Velho Griô pelas comunidades da zona rural e nas escolas de Lençóis. O Saúde e Alegria também recebia com freqüência a visita de financiadores, voluntários, pesquisadores e jornalistas, e intuitivamente acabaram desenvolvendo uma seqüência de comunidades / atividades a serem mostradas a este público. Em Gurupá, também eram freqüentes as visitas de jornalistas e pesquisadores interessados em ver de perto o resultado
33
da ação de um forte movimento social que transformou a dinâmica de desigualdade herdada pelos ciclos econômicos opressores da história do desenvolvimento da Amazônia. O Projeto Bagagem chega para agregar a essas visitações um caráter de geração de riquezas a partir das viagens. E com as visitas recorrentes, apóia a estruturação de programas de turismo comunitário dentro das ONGs parceiras. Ou seja, o Projeto Bagagem tem como proposta transformar esta visitação espontânea em uma oportunidade de geração de renda para as comunidades e ONGs parceiras, atividade que muitas vezes representa um peso às organizações que já correm contra o tempo em suas atividades rotineiras. E ao mesmo tempo, a qualidade das visitas aumenta com a estruturação da atividade. Com isso, todos saem ganhando. Para montar o roteiro, a partir de uma grande lista, painel, desenho ou quadro com as possíveis atividades/atrações identificadas, organizar ao longo de um ou mais dias o que é possível ser feito cuidando do tempo e da quantidade de atividades. Muitas atividades deixam o roteiro corrido e pouco tempo para que as pessoas se vinculem mais espontaneamente. E poucas atividades podem deixar o ritmo do roteiro lento, dar
sono, desânimo e desinteressar o viajante. É importante refletir sobre a quantidade de dias do roteiro levando-se em conta a qualidade e quantidade de atividades que podem ser oferecidas como também se há viajantes interessados nessa quantidade de dias. Segue abaixo uma lista de perguntas orientadoras para auxiliar esta reflexão:
•Como será o transporte para a comunidade?
•De lá o grupo sai para onde e com quem será esse percurso?
•Onde o grupo encontra a comunidade, e como os visitantes serão recebidos? É possível receber o grupo com alguma música?
•Qual é a atividade da manhã?
•Quem são as lideranças que receberão os viajantes?
Beatrice Connan e Frederic Arenou da França no roteiro de 7 dias "Raízes de Paraty”
34
•Onde será o almoço? Que alimentos a comunidade produz que podem ser utilizados? Tem alimentos orgânicos? •Onde será o descanso depois do almoço?
•Qual será a primeira atividade da tarde?
•É possível pernoitar nas casas ou em algum espaço comunitário?
•Vai ser apenas uma ou podem ser duas? •Como será a despedida? •Qual será a merenda? O que a comunidade produz que pode ser utilizado? Onde será o jantar? Que alimentos a comunidade produz que podem ser utilizados? Tem alimentos orgânicos? •Que pode ser feito para criar oportunidade de partilha à noite, entre quem visita e quem é visitado?
A programação será necessária para toda comunicação. Para os participantes, jornalistas, parceiros e para a própria comunidade. Essa lista de perguntas criará a programação do roteiro, com horários, descrições curtas de cada atividade e o local. O roteiro deve ser identificado com
Grupo na várzea do Rio Amazonas, Comunidade de Bom Jesus, Santarém/PA
35
um nome que represente simbolicamente o seu conteúdo, como por exemplo o roteiro Amazônia Ribeirinha do Saúde e Alegria em parceria com as comunidades dos rios Tapajós e Arapiuns, as Trilhas Griôs do Grãos de Luz e Griô em parceria com as comunidades afro-descendentes de Lençóis, BA, o Conexões Caiçaras, nas comunidades de pescadores de Guaraqueçaba e o Gurupá Terra das Águas, em parceria com o Instituto Gurupá e a Casa Familiar Rural de Gurupá.
Exemplo de programação resumida: roteiro Raízes de Paraty Elaborado por Mariana Benchimol em parceria com Associação dos Moradores do Quilombo do Campinho e Associação de Moradores da Ilha do Araújo.
ITINERÁRIO
[C=Café da Manhã, A=Almoço; J=Jantar] Dia 1: Quilombo do Campinho Seremos recebidos por uma liderança da Associação de Moradores do Campinho AMOC no restaurante comunitário e teremos almoço com comidas típicas. O passeio segue em direção a Casa de Artesanato, onde participaremos de uma oficina de cestaria com uma artesã local. Ao final, roda de conversa com um casal de Griôs quilombolas. Pernoite nas pousadas domiciliares. (A,J) Dia 2: Quilombo do Campinho - Ilha do Araújo Depois do café da manhã, visitaremos o viveiro de mudas e a a agrofloresta, onde um agricultor nos auxiliará no plantio de mudas. Para refrescar, na volta da caminhada, banho no rio. Seguiremos de van até o Centro Histórico, onde embarcaremos em uma baleeira, rumo à Ilha do Araújo. A recepção na Praia do Pontal será feita pelo líder comunitário Almir Tã, que além de pescador, é artista plástico, escritor e grande figura paratiense. Acomodação nas pousadas domiciliares e jantar. (C, A, J) Dia 3: Ilha do Araújo Caminhada completa na ilha. Ao longo do passeio, há paradas em duas praias para banho de mar e descanso. No final da tarde, é possível acompanhar o processo produtivo da farinha de mandioca, do café e do caldo de cana. ã noite, nos reuniremos no Bar da Elaine para comer pastéis feitos na hora e dançar com música ao vivo. Pernoite nas pousadas domiciliares. (C, A, J) Dia 4: Ilha do Araújo Pela manhã, oficina de pintura caiçara. Para quem se animar, é possível participar de uma pescaria caiçara (opcional). Pela tarde, há uma roda de conversa com um Griô caiçara e para encerrar o dia, faremos um passeio de barco até o Centro Histórico de Paraty, onde visitaremos a exposição permanente da Casa da Cultura de Paraty. (C, A)
36
Exemplo de planilha de produção Para se trabalhar com esse tipo de atividade é preciso ter muita organização e planejamento. Uma listinha de itens escrita à mão para evitar que um item indispensável fosse esquecido nas primeiras viagens para o roteiro Amazônia Ribeirinha, transformou-se em uma planilha de produção durante a parceria com o Grãos de Luz e Griô. Listar horários, telefones de apoio, prazo para execução da tarefa, nome do responsável, recursos, materiais necessários para a preparação do ambiente, todos os detalhes devem entrar na planilha.
Horário
9h às 10h
Nome da Atividade
Recepção do grupo
Descrição
Responsável
Celular
Roda de apresentação com nome, de onde vem, porque decidiu fazer a viagem
Maria do Carmo
9999-9999
37
Materiais
Local
Custos
Preparar a Centro Pastinhas: sala com Comunitário R$ 10,00 centro de cada roda com Impressões: flores e xxR$ cada objetos que Remuneração representem do a responsável comunidade pela Entrega do atividade kit dos R$ xx particpantes: programação carta de boas vindas regrinhas de convivência
Indicadores de um bom roteiro Com a organização das viagens, foi elaborada uma lista de indicadores que devem ser observados e analisados ao se criar um roteiro de turismo comunitário: • Ritmo – as atividades tiveram bom ritmo ou foram corridas ou lentas demais? • Partilha – houve diálogo, troca, vínculo entre comunidade e visitantes?
• Limpeza e higiene – As normas de higinene foram seguidas para produzir as refeições? O local estava limpo?
prepara os participantes antes da chegada do grupo na comunidade e facilita a interação.
Além da sistematização das atividades do roteiro inicial, o Projeto Bagagem promoveu uma primeira viagem com data marcada, divulgado por meio do seu site, via parceiros comerciais ou pela mídia espontânea, e montou os primeiros grupos de visitantes, para teste e avaliação do roteiro. Essas viagens contaram com um representante do próprio Projeto Bagagem que informa e
Desde a primeira viagem o tripé formado pela comunidade, ONG parceira, que também disponibiliza um representante para acompanhar o grupo, e o Projeto Bagagem, forma a equipe que irá interagir com os visitantes com o objetivo de proporcionar uma experiência diferente, prazerosa, alegre, afetiva e cheia de aprendizagens sobre os projetos visitados.
• Conhecimento / Conteúdo – o que os visitantes aprendem na comunidade? O que a comunidade aprende com os visitantes? • Segurança – Quais são as medidas tomadas durante as atividades para assegurar que não há risco?
Projeto Bagagem
• Organização – Os materiais estavam preparados? Os horários foram respeitados? A comunicação foi clara?
ONG Local
Comunidade
• Liderança – Havia um ou mais líderes durante o roteiro que garantia a comunicação, organização, segurança, partilha, etc…? Quem assumiu essas responsabilidades?
38
Orientações básicas para construir um orçamento coletivamente As parcerias do Projeto Bagagem nasceram a partir do interesse da ONG local e das comunidades em integrar em suas atividades o turismo comunitário, transformando as visitações e atividades que aconteciam esporadicamente e a partir de demandas externas, em uma fonte concreta e freqüente de geração de renda. Os princípios que regem a elaboração do orçamento são: Transparência no uso dos recursos Comunidades e visitantes participam da distribuição justa dos recursos financeiros. Turismo da comunidade / Participação A comunidade deve ser proprietária dos empreendimentos turísticos e gerenciar coletivamente a atividade. Parceria social com agências de turismo Busca por envolver todos os elos da cadeia do turismo no benefício das comunidades.
Este princípio significa fazer parcerias com agências que compreendam o real propósito social das viagens, optando pelo respeito à frequencia máxima que a comunidade é capaz de recepcionar ao invés da maximização do lucro a qualquer preço, transparência na sua margem de lucro, tornando-se mais do que um intermediário, um parceiro das comunidades visitadas e comunicação adequada sem apelos sentimentais ou assistencialistas com foco na carência, necessidade ou pobreza e no lugar deste enfoque, evidenciar as belezas, riquezas e conquistas que fizeram com que aquela comunidade optasse por trabalhar com turismo comunitário. O respeito das agências pela não divulgação de fotos das comunidades para vender outros roteiros e pedidos de autorização para o uso de imagens e confecção de materiais também fazem parte deste princípio. O processo de definição dos custos, remunerações e divisão do lucro deve ser feito sempre coletivamente com regras claras definidas pelo grupo da comunidade. Desde o viajante que está pagando, representante das comunidades e das ONGs envolvidas, custos de terceiros e margem de lucro para cada organização devem estar claros e acordados entre todos os elos da cadeia. Além disso, o roteiro deve ser composto buscando cada vez mais tornar a maior
39
Ane Ramos tecendo palha de tucumã em Urucureá, Rio Arapiuns
parcela possível dos custos sendo fornecida diretamente para a comunidade. É recomendável lançar um roteiro que tenha uma previsão de um número mínimo de participantes para que não dê prejuízo e preferencialmente dê lucro. Mas para começar, é preferível fazer o grupo a lucro zero do que não fazer, porque segundo o princípio “turismo da comunidade” a maior parte dos custos devem ser pagos para a própria comunidade, o que significa impacto social positivo de geração de renda desde a primeira viagem realizada. Com o aperfeiçoamento do roteiro, a qualidade no atendimento, bons índices de avaliação nos questionários dos viajantes e demanda pelo produto, o preço pode ser aumentado prevendo lucro para os envolvidos. Esse lucro possibilitará inicialmente a compra de materiais para a realização das atividades e no futuro a formalização de empreendimentos como pousadas, restaurantes, agências de turismo receptivo ou outros negócios que estão sendo estruturados nas comunidades. É importante que os investimentos sejam planejados e implementados a partir de decisões coletivas.
Amanhecer na Ilha da Paz Amazônica, Comunidade de Jamaraquá, Santarém/PA
40
Passo a passo para construir o orçamento de um roteiro de turismo comunitário • Para construir uma planilha de orçamento busque na planilha de produção todas as despesas que serão realizadas. Faça o orçamento olhando a programação, atividade por atividade, listando quem será remunerado por diárias ou outras formas, que materiais são necessários para a atividade, quanto custa o transporte, alimentação, hospedagem, água e demais gastos;
• Discuta com todos os envolvidos na viagem os valores propostos ou sugeridos até definir o valor de cada item; • Separe os custos variáveis (que variam de acordo com o número de participantes, como pernoite, alimentação, outros) dos custos fixos (que não mudam, como frete de um transporte, diárias dos oficineiros) em colunas diferentes, isso facilitará a composição de um orçamento. Uma tabela com fórmulas para o cálculo automático do preço por pessoa de acordo com o número variável de participantes, evitará que você tenha que criar uma nova tabela para cada tamanho de grupo diferente; • Ao final, discuta se a viagem já terá prevista uma margem de sobra desde o início ou se será feita sem excedente
Chapada Diamantina/BA
41
como teste para começar. Caso seja decidido que sim, discuta com todos os envolvidos como esse excedente será destinado. • Insira ao final da soma de todos os custos, uma fórmula (como mostra o quadrinho) que calcula a margem de excedente. Lembre-se de que ele será uma porcentagem em cima do preço final e não da soma das despesas. 10% em cima de todos os custos é diferente do que 10% em cima de todas as receitas. • Decida se sua organização ou comunidade vai querer trabalhar com agências revendedoras e não se esqueça de inserir a taxa para as agências ao final como foi feito com a margem de excedente.
Exemplo de planilha de orçamento Dia
DIA 1
DIA 2
DIA 3
DIA 4
Taxas
Item Barco Condutor local Líder da atividade da manhã Pousada Almoço Jantar Líder da atividade da tarde Brinde Condutor local Líder da atividade da manhã Almoço Jantar Pousada Canoa Barco Roça Almoço Condutor local Líder da atividade da tarde Jantar Pousada Brinde Condutor local Líder da atividade da manhã Almoço Barco Seguro viagem Associação de moradores Pasta completa Subtotal Total de receitas X% impostos Comissão 10% Agência Parceira Preço por pessoa Número de Participantes
Valor por grupo
Valor por pessoa
70 50 15 25 15 10 15 10
50
15 15 15 25 10 30
15 50
15 50
15 15 25 10 15 15 30 12 40 10 402
285
Subtotal / (100 - comissão agência+impostos) *100
Total (valor por pessoa x número de participantes ou valor por grupo) 70 50 150 250 150 100 150 100 150 150 150 250 100 300 15 150 50 150 150 250 100 50 150 150 300 120 400 100 4.305,00 4783,33
(verificar os impostos exigidos para a sua organização) 478,33 (total de receitas / número de participantes) 10
42
478,33
Fundo comunitário Algumas ONGs parceiras e comunidades optaram por igualar as margens de lucro da ONG e do Projeto Bagagem ao que as comunidades lucravam além da prestação de serviços. Para isso criaram ao final do orçamento um item “Fundo Comunitário”. No caso do Saúde e Alegria isso aconteceu e em todas as viagens que o Saúde e Alegria organiza tem previstos 10% do preço pago pelo visitante para ser destinado ao fundo comunitário. Esse fundo foi aumentado a cada viagem até ter um valor que podia ser usado como um fundo de empréstimo rotativo para o investimento em empreendimentos de turismo comunitário por famílias e associações nas comunidades.
Furo dos Periquitos, Ilha das Cinzas, Gurupá/PA
43
Como dizer ao mundo que o roteiro existe? Comunicação e Turismo Comunitário Escrito com a colaboração da “Deletra – elaboração de conteúdos” dos jornalistas Rodrigo Squizato e Alessandro Greco.
A comunicação foi um fator decisivo na história do Projeto Bagagem. E provou que qualquer pessoa com Internet e uma idéia podem concretizar muitos sonhos. Nós nunca tínhamos criado um site antes. Na época, em 2002 o HPG era um dos sites gratuitos mais conhecidos e lá foi a Cecilia criar o site do Projeto Bagagem. Mexe aqui, clica ali e ela foi construindo 5 páginas muito simples, cada uma com uma cor de fundo, fonte arial 12, uma foto pequena no topo da página à esquerda e só texto, mais uma vez contrariamos as lições do marketing. O site não tinha nada de atrativo, era feio, as cores não combinavam, o tamanho das fotos na página não ficava bonito de olhar, mas cumpria seu papel principal: informava. O conteúdo era: O que é; Princípios; Como Participar; Parceiros; Fale conosco.
de sites e blogs, além de inúmeras redes sociais que facilitam a divulgação de iniciativas e contato entre as pessoas. Basta procurar. É possível, gratuito e simples de fazer.
Dicas para quem quer criar o site da comunidade ou do projeto
www.wordpress.com www.blogger.com
Redes sociais www.facebook.com www.twitter.com www.ning.com www.orkut.com.br
Com ele conseguimos fechar as duas primeiras viagens em 2002. Hoje há muitas outras ferramentas para a criação
44
Pascal, Günther e Seu Codó em Gurupá/PA
Transparência na comunicação Desde o início a postura do Projeto Bagagem em relação a citar ou comunicar qualquer coisa referente às ONGs parceiras e sobre as comunidades foi a de consultar e ouvir. Para qualquer linha escrita foi pedida uma autorização para ir ao ar. Isso é fundamental porque um projeto social cumpre com uma estratégia e propósitos que foram construídos ao longo de anos e discutidos intensamente e a maneira de comunicá-lo deve seguir à risca o desejo daqueles que o conduzem e de quem faz parte da iniciativa. Esta atitude transparente possibilitou a criação de uma relação de confiança com os parceiros e evitou desgastes por erros ou falsas expectativas geradas nos viajantes. Falar a verdade para atrair o público certo também sempre fez parte da atuação do Projeto Bagagem. Não supervalorizar o conforto ou minimizar a quantidade de mosquitos na promoção das viagens garantiu o sucesso das viagens realizadas. Além do site, outra ferramenta fundamental foi a elaboração de textos para a imprensa, os chamados “press releases”. Um texto desses, deve ser um texto curto, de no máximo uma página que explique com objetividade a idéia principal do que está sendo divulgado e de preferência contenha o LEAD – que vem da frase “To lead the way” ou “mostrar o caminho”, ou seja, um texto que abra o caminho da notícia, mostrando
45
o que há de principal, logo nas primeiras palavras, para despertar o interesse do leitor, normalmente um repórter/jornalista que lê muitos textos desses por dia. Por isso a importância de chamar a atenção objetivamente logo no começo do texto. O LEAD deve conter as informações principais: Quem, O que, Quando, Onde e Por quê? Se o texto começar com divagações, sua divulgação tem grande chance de acabar no lixo. Depois de escrever o texto para a imprensa, é preciso conseguir os contatos de jornalistas e cadernos em que você tem interesse em divulgar sua notícia e a coragem de ligar para eles perguntando se você pode enviar um “release”. Para conseguir os contatos, ou você entra no site do próprio jornal e encontra lá os emails e telefones, ou no “expediente” do jornal ou da revista. Expediente é uma seção que todo jornal ou revista tem, em geral nas primeiras páginas que diz quem é o jornalista responsável, os repórteres, o endereço do jornal, e outras informações. Lá pode estar o telefone geral do veículo para você fazer o primeiro teste. Quando ligar, procure saber com quem você quer falar, que editorias existem naquele veículo. Editorias são as áreas por assuntos que o jornal, revista ou o site abordam.
Primeiro leia o jornal onde você quer divulgar. Em seguida, descubra se há editoria de turismo, Terceiro Setor/Responsabilidade Social, economia, ou qual é o nome dado às editorias e por último decida qual seria a editoria mais indicada para divulgar o que você quer comunicar. Descobrindo o email ou o telefone, envie o “release” e no dia seguinte telefone para saber se será possível dar uma nota ou matéria. Não espere que o jornalista se interesse imediatamente pela sua história, pois em geral a rotina dos repórteres e editores é muito corrida. Seja breve, vá direto ao ponto perguntando se você pode enviar o “release” sobre … e em duas ou três palavras explique o tema do release. Aproveite para perguntar também qual é o dia do “fechamento” do jornal ou revista, que são os dias em que os jornalistas precisam finalizar tudo para o jornal ou revista ou site irem para a gráfica ou ao ar. Nesse dia eles não vão querer saber de conversar sobre nenhum release. Não vale a pena ligar em dia de fechamento.
46
: Passo-a-passo com a imprensae, Quando,
Quem, O qu uma página contendo: de ” se lea “re o re bo 1. Ela Onde e Por quê? de aparecer e que sites em que gostaria e as ist rev is, na jor 2. Leia os u produto/destino fazem sentido para se conhecidos, l, ou pesquisando com na jor o ra pa o nd na teres 3. Descubra, telefo dos editores ou repór s, emails e telefones me no os s, ria ou ito to ed oje as o seu pr dos de jornalistas para (crie um banco de da comunidade) itoria – não ligue fechamento daquela ed do dia o é do an qu ra 4. Descub nesse dia lease” 5. Envie por email o “re
ber se será ar o recebimento e sa rm nfi co ra pa e int gu 6. Telefone no dia se e se eles precisam de matéria sobre o assunto ou ta no a um r da l possíve mais informações.
Tenha sempre fotos em alta resolução para enviar aos jornalistas e escreva no “release” – fotos disponíveis. Por último, busque sempre a ajuda voluntária de um jornalista ou de um assessor de imprensa que seja conhecido de alguém que você conheça para assessorar em todo esse processo.
Quem faz parte de uma comunidade que está buscando soluções de sustentabilidade, cultura, educação ou saúde, deve munir a mídia de informações sobre suas conquistas. Os jornalistas querem saber o que está acontecendo. E os projetos precisam comunicar o que está sendo feito para mais gente encontrar soluções inspiradas no que está dando certo.
47
Muitas vezes há preconceito contra a televisão, ou medo e alguns jornais não são mesmo muito receptivos, mas não custa quebrar o medo com algumas tentativas e o resultado vai ser muito positivo. Não desanime. Em relação à participação em programas de televisão, caso tenha receio desta possibilidade, pense que a televisão está dentro da casa das pessoas e olhe para essa oportunidade como um convite de alguém que te chamou para entrar em sua casa. Se arrume, vá com uma roupa bonita, do seu jeito, mas não deixe de se preparar para isso. Você estará ali, dentro da sala da casa de muitas pessoas. Esse tipo de dica pode ser conhecido em cursos especializados que são chamados de Media Training, ou treinamento em mídia. O Instituto Patrícia Galvão é uma ONG que sabe fazer isso muito bem. www.patriciagalvao.org.br De 2002 a 2009, o Projeto Bagagem já saiu em mais de 50 notas e matérias no Brasil, na Itália, Suíça e Estados Unidos. Parece que ao longo do tempo fomos aprendendo a ter uma relação interessante com a mídia.
Identidade Visual Um componente muito importante da estratégia de comunicação de qualquer iniciativa é a identidade visual. Esta é a 'cara' do projeto, da pousada, do roteiro. Além de transmitir uma sensação de profissionalismo, a identidade visual torna-se a marca registrada daquele empreendimento. Assim, é importante que se desenvolva uma logomarca que estará presente em todos os materiais relacionados ao roteiro/destino e que reflita de forma clara o conceito da iniciativa.
Mais para frente, a logomarca evoluiu e Mariana Dreyfuss, designer e voluntária criou a segunda logomarca do projeto, mais bonita e expressando o que era o projeto:
O segundo site do Projeto Bagagem melhorou muito. Já não era mais gratuito, era pago, e seguia um formato padrão de alguns programadores que vendem o mesmo desenho gráfico para todos os clientes mudando apenas a cor ou a fonte. O web designer deu uma logomarca de brinde ao criar o site:
Somente em 2007, quando a designer voluntária Laura Correa se ofereceu para criar o lay out completo do site do Projeto Bagagem, é que foi criada a identidade visual que permaneceu no projeto até hoje:
48
Essa logomarca foi criada a partir de uma reunião em 2005 entre a coordenação do projeto e duas voluntárias Patricia Estéfano, que liderou a área de comunicação do Projeto Bagagem por um ano e Laura, onde foi passada a idéia de que a logomarca deveria transmitir a valorização da natureza, do componente humano e a mudança do olhar de quem viaja e de quem recebe o visitante, depois da expedição. Tudo isso remetendo à viagens. Foi assim que Laura conseguiu unir esteticamente no formato de um “selo de viagem”, com cores naturais da terra, das plantas, do céu e da água, uma árvore e uma mão, com a representação do olhar no centro.
Como acompanhar os resultados O orçamento deve ser criado antes das viagens para definição do preço. É a planilha de “Orçamento Previsto”. Depois de realizada a viagem, sempre há imprevistos, custos a mais realizados ou economias que foram possíveis fazer, portanto, registre absolutamente tudo em outra planilha, que será a planilha de “Orçamento Realizado”. Os orçamentos realizados são a maior fonte de informação dos resultados do impacto de geração de renda do turismo comunitário. É a partir dele que você conseguirá somar: • Número de turistas na comunidade por mês ou por ano
• Custo de terceiros – total destinado a produtos ou serviços de terceiros. Esse valor é importante para analisarmos como, aos poucos, é possível transferir esses produtos e serviços para a própria comunidade; ajudando-a a estruturar serviços ou fornecer produtos que hoje ainda não são possíveis Além dos dados financeiros, é importante que se avalie qualitativamente a iniciativa. Isto pode ser feito através de uma ficha de avaliação a ser preenchida por cada visitante ao final da viagem. Este é um indicador muito importante que ajuda a melhorar a qualidade do serviço e corrigir erros.
• Receitas - total de tudo o que foi pago pelos participantes nas viagens, ou soma do número de participantes multiplicado pelo preço pago por cada um por mês ou por ano • Impacto na comunidade – total destinado diretamente para a comunidade, tanto por meio de serviços contratados quanto de lucro destinado à Associação Comunitária
Barco do Projeto Saúde e Alegria, Cachoeira do Aruã, Santarém/PA
49
Possíveis modelos de gestão Cada comunidade deve discutir e definir coletivamente qual o modelo de gestão dos serviços de turismo que quer oferecer. No que diz respeito aos serviços de hospedagem, a comunidade pode começar com uma hospedagem comunitária, gerenciada pela associação, ou hospedagem nas casas das famílias, como nas comunidades do Remanso, em Lençóis na Bahia, na Fundação Casa Grande em Nova Olinda no Ceará e no modelo de sucesso da Acolhida na Colônia em Santa Catarina, com ou sem uma taxa a ser destinada ao coletivo. A comunidade pode optar por não oferecer serviços de hospedagem, dando a opção apenas de se passar um dia no local sem pernoite. Entretanto é bom lembrar que uma das maiores fontes de recursos vem dos serviços de hospedagem e alimentação no turismo comunitário. Em relação à alimentação, a comunidade deve discutir as diferentes possibilidades antes de optar pelas mais adequadas à sua realidade (exemplos: restaurante coletivo/cozinha comunitária, restaurantes familiares).
Como se trata de uma discussão coletiva, é muito importante que desde o início sejam definidos os critérios, regras e acordos que irão reger a atividade turística na comunidade e na região. É interessante que estas regras e acordos sejam sistematizados e registrados por escrito através de uma cartilha, por exemplo. Outra discussão crucial é sobre as formas de comercialização do roteiro, que envolve a discussão sobre o perfil e a quantidade de turistas que as comunidades desejam receber. Este equilíbrio entre quantidade, qualidade e sustentabilidade é um dos fatores críticos do sucesso da atividade. Quais as parcerias desejáveis? Durante esta discussão é importante levantar os atores já atuantes na região tais como ONGs, agências, empreendimentos turísticos locais já existentes (hotéis, barcos). A partir destas definições, o roteiro estará pronto para ser testado, primeiro com parceiros, para ser aperfeiçoado e futuramente lançado. Neste momento é importante o desenvolvimento de um material atraente para ser divulgado e de um plano de comunicação junto à mídia e aos parceiros, conforme sugerido anteriormente na discussão sobre a estratégia de comunicação.
50
ONG pode ou não pode vender serviços? Essa dúvida sempre acompanhou o Projeto Bagagem desde a sua criação. Segundo especialistas do Terceiro Setor, as ONGs podem sim vender serviços, desde que não representem concorrência desleal com as empresas e cumpram com as obrigações tributárias que devem ser analisadas com rigor. Além disso, devem investir todo o seu ganho na finalidade da instituição. Não é permitido que pessoas da diretoria ou do corpo de funcionários acumulem lucro a partir dessas vendas. A legislação não impede a prestação de serviços por parte das ONGs e há um grande movimento a favor de que as Organizações Não Governamentais sejam capazes de gerar sua própria riqueza para não dependerem de financiamentos externos ou de verbas públicas. Inclusive, uma ONG pode se cadastrar na prefeitura com os códigos referentes à sua atuação e emitir nota fiscal pela venda dos serviços que presta. Isso implicará na obrigatoriedade do pagamento dos tributos devidos referentes àquela atividade. A ONG não pagará o Imposto de Renda, porque é isenta, mas deverá pagar todos os demais
impostos municipais e federais exigidos por lei como Cofins e ISS por exemplo. Uma agência inscrita no modelo de tributação do Simples Nacional com faturamento de até R$ 120.000,00 no ano, pagava em 2010 6% ao todo de impostos, enquanto uma ONG, que não pode ser inscrita no Simples Nacional, pagaria 5% de ISS (varia conforme o município) e 7,6% de Cofins para serviços de organização de viagens, o que desmonta o mito de que as ONGs não pagam impostos. Apesar dos especialistas no Terceiro Setor defenderem a posição de que sim, uma ONG não apenas pode, como deve prestar serviços e receber por eles, a Lei Geral do Turismo define que compete às agências a venda de viagens, e a Rede Turisol batalha para que seja possível a prestação de serviços de agenciamento, hospedagem e alimentação por parte das associações. Portanto, um importante desafio das ONGs e Associações de Moradores que trabalham com turismo comunitário é batalhar pelo reconhecimento do Ministério do Turismo de uma modalidade específica da atividade turística que pode ser gerida e realizada por Associações, desde que respeitadas todas as normas de segurança, obrigações tributárias, exigências da vigilância sanitária, respeito à legislação ambiental.
51
Outro caminho é, ao se profissionalizar, buscar a abertura de uma agência de turismo receptivo na comunidade, dentro do conceito do Negócio Inclusivo. Os dois caminhos garantiriam a legalidade do desempenho da atividade de turismo comunitário no Brasil.
Negócio Inclusivo: Que negócio é esse? ONG ou Empresa, por onde começar? De acordo com a Avina (www.avina.net), os NEGÓCIOS INCLUSIVOS são iniciativas economicamente rentáveis, e ambiental/socialmente responsáveis, que utilizam os mecanismos do mercado para melhorar a qualidade de vida de pessoas de baixos ingressos, ao permitir: * sua participação na cadeia de valor como fornecedores de matéria prima, agentes que agregam valor a bens ou serviços, ou vendedores/distribuidores de bens ou serviços, e/ou * seu acesso a serviços básicos essenciais de melhor qualidade ou a menor preço, e/ou * seu acesso a produtos ou serviços
que lhes permita entrar em um “círculo virtuoso” de oportunidades de fazer negócios ou melhorar sua situação socioeconômica. Algumas ONGs nascem como um negócio inclusivo, como foi o caso do Projeto Bagagem. Outras estão criando seus negócios inclusivos, algumas se convertem em empresas, e outros negócios inclusivos já nascem como empresas com objetivos e estratégias englobando um ou mais dos três aspectos descritos anteriormente. O modelo de negócio inclusivo pode ser uma das soluções para o turismo comunitário, como a criação de agências de receptivo nas comunidades e cadeias de valor totalmente voltadas para o fortalecimento das comunidades. Apesar da prestação de serviços e geração de recurso próprios ser um tema não tão recente no meio das ONGs como pré requisito para a sustentabilidade, são poucas as iniciativas que conseguem não depender de recursos públicos ou de doações e avançar com autonomia na expansão da atuação por esse tipo de estratégia. No turismo comunitário podemos visualizar portanto os dois modelos como possibilidades de sucesso:
Seringueira, Comunidade de Maguari, Santarém/PA
52
1.ONG (associações) – Nasce a partir de um estatuto social com diretoria e conselho fiscal. Atua como mobilizadora da comunidade, faz assembléias para tomadas de decisão coletivas, se relaciona com o poder público e setor privado discutindo os investimentos e apoios necessários para a comunidade, questiona o modelo vigente e pelo seu trabalho busca transformar a sociedade, desenvolver soluções e batalhar pela criação de mudanças na legislação. Pode desenvolver linhas de prestação de serviços no turismo comunitário desde que respeite as normas tributárias locais, procurando a Secretaria Municipal da Fazenda, para a recepção de visitantes. Essa prestação de serviço pode futuramente se transformar em uma agência de receptivo local, uma pousada comunitária, pousadas domiciliares, restaurantes, ou outros empreendimentos. Fontes criativas de geração de renda própria de ONGs são a prestação de serviços de consultorias capacitando novas iniciativas dos setores públicos ou privados na metodologia que desenvolveu, a criação de linhas de produtos com grandes empresas ganhando royalties sobre as vendas, oferta de cursos entre outras. Vantagens: Pode ser apoiada por linhas de financiamento privadas e públicas. Desvantagens: Não pode remunerar a diretoria, a não ser que seja OSCIP e
53
neste caso deve remunerar de acordo com as leis da CLT. Embora possa estabelecer convênios com o poder público, é difícil o convênio considerar salários e encargos da equipe, o que acaba levando as ONGs a estabelecerem relações de trabalho por prestação de serviço, dificultando sua estruturação e incurtindo em riscos de processos trabalhistas. Corre o risco de se tornar dependente de doações e trabalhar por projetos, tendo que a cada ano lutar pela captação de novos recursos, encontrando desafios para a estruturação da organização e seus custos fixos e administrativos. 2.Empresa social – Nasce a partir de um contrato social com sócios e descrevendo o reinvestimento de parte do lucro na própria empresa no contrato. Tem finalidades claras sócio-ambientais, porém é uma empresa e não uma ONG. Ao longo da sua atuação gera a própria riqueza. Vantagens: nascem já considerando a geração de renda própria como um prérequisito do negócio. Desvantagens: ainda não são conhecidas a ponto de receberem financiamentos a fundo perdido por parte de empresas e governo na maioria dos editais. O modelo a ser escolhido dependerá de quem é o empreendedor, da sua trajetória pessoal até aquele momento ou da
história da organização e planos futuros. De qualquer maneira, qualquer modelo que for escolhido, é fundamental que a geração de receitas próprias seja considerada desde o início e que a combinação do tripé da sustentabilidade, desenvolvimento econômico, social e ambiental esteja equilibrado dentro da iniciativa.
Vale esclarecer o que são as ONGs
ONGs são Organizações Não Governamentais ou Organizações Sem Fins Lucrativos, que apesar do nome, podem gerar lucro e vender serviços. O que as ONGs não podem é distribuir o lucro. O lucro deve ser 100% reinvestido na própria organização, na sua finalidade. As ONGs podem ser Associações ou Fundações. Essas são as duas constituições jurídicas possíveis no mundo das ONGs. Todos os institutos são associações. A Associação nasce a partir de um grupo de pessoas com uma finalidade. O documento jurídico de constituição das associações é o estatuto social que descreverá a diretoria (presidente, vice e tesoureiro, por exemplo) e o conselho fiscal, descreverá a finalidade da associação e as regras de funcionamento. As fundações também são ONGs, porém nascem a partir de um patrimônio que pode ser um montante de
recursos financeiros ou um imóvel, um bem ou outro patrimônio qualquer. Também tem um estatuto como documento jurídico de constituição e não podem remunerar a diretoria. As ONGs podem solicitar os certificados de OSCIP, Utilidade Pública Federal e outros, que são conquistados perante processos junto ao Ministério da Justiça. Estes, são temporários e para serem mantidos e garantirem os benefícios, exigem prestações de contas específicas, publicação de balanço em jornal de grande circulação entre outras exigências. Estamos vivendo um período interessante de grande transformação nos modelos das organizações. Empresas buscando ter maior impacto sócio ambiental, não apenas como estratégia de marketing, mas como parte intrínseca do negócio e as ONGs buscando profissionalizar a geração de riqueza própria, criando negócios que adaptem algumas práticas do setor privado ao impacto sócio ambiental que desejam. Em um cenário onde as organizações não governamentais dependem em grande número do governo, as organizações sem fins lucrativos precisam ter lucro para terem mais chance de existirem no médio prazo e as empresas começam a ter atuação social, é comum a confusão de papéis e intenções.
54
A diferença entre agências, operadoras e agências de turismo receptivo Ainda há bastante confusão sobre a diferença entre agências e operadoras de viagem. As agências de turismo são empresas que vendem pacotes de viagem. Se a sua ONG ou comunidade criou um roteiro, uma opção é identificar agências que irão promover esse roteiro. Elas precisarão das informações como preço, itinerário, número mínimo e máximo de pessoas, datas, local, o que levar, como se preparar e fotos e em geral cobram uma comissão sobre o preço final de venda ao participante. Essa comissão pode variar em média de 10% a 25% no mercado nacional. A agência irá gastar com comunicação, materiais de promoção e tempo para a venda, além dos custos fixos de aluguel, luz, pessoal, por isso se paga a comissão por esse trabalho. As operadoras, por sua vez, são empresas que operam, ou seja, vão além de revender pacotes prontos. Elas criam um pacote, reunindo transporte local, pousadas, restaurantes, passeios, ou seja, operam toda a viagem que o participante irá fazer. A margem de lucro
das operadoras por pacote em geral é maior do que o lucro de uma agência e o trabalho é bem maior também. Para o turismo comunitário, é possível trabalhar de maneira independente, com a venda direta da comunidade para o público final ou em parceria com agências, bem como em parceria com operadoras. Se o seu projeto disponibilizar um pacote para agências promover e pagar a elas 10% do preço final, pode ser uma estratégia interessante para conseguir fechar grupos mais facilmente. Outra possibilidade é encontrar uma operadora e criar junto com ela um pacote que alie o turismo comunitário com outras modalidades de turismo sustentável, como turismo de natureza, de aventura, estudo do meio ou outras opções. Neste caso será necessário definir junto com ela qual é a taxa justa e viável para cada elo da cadeia: comunidades, operadora e ONG local. Havendo transparência e garantindo que as comunidades tenham espaço de participação na definição do preço final e ciência de quanto cada um está recebendo, não deveria ser um problema trabalhar com parceiros intermediários.
perfil e a intenção da agência que quer ser parceira. Mandar grupos a qualquer custo sem respeitar normas de comunicação, uso de fotos ou frequência máxima que a comunidade pode receber naquele momento da sua história podem gerar impactos negativos. Por isso, analisar o orçamento em detalhes e de forma transparente é muito importante.
O que deve ser evitado são cadeias longas onde a maior parte do recurso fica com os intermediários e não nas comunidades. Outro fator importante de se analisar é o
Lizza dos EUA aprendendo a confeccionar o matapi, armadilha para o manejo sustentável do camarão de água doce na comunidade da Ilha das Cinzas, Gurupá, PA
55
Conquistas e Desafios Vale a pena deixar claro que o Projeto Bagagem, mesmo com os avanços e conquistas, é uma associação sem fins lucrativos que enfrentou diversos desafios que fazem parte da realidade das ONGs. Equipe enxuta para a demanda de trabalho, equipe em diferentes localidades do Brasil, sem recursos para se reunir presencialmente mais de uma vez por ano, desafio de empreender um negócio inclusivo sem o princípio da maximização do lucro aos sócios, com o objetivo de gerar frequência de turistas nas comunidades, respeitando a capacidade de cada uma e ao mesmo tempo gerando lucro para que o negócio se mantenha, tempo da coordenação dedicado à captação de recursos, elaboração de projetos e prestação de contas, concorrendo com a dedicação à causa principal, pouca capacidade de resposta comparada aos inúmeros pedidos de apoio para a criação de novos roteiros no Brasil (fato que inspirou a criação da Rede de Saberes e a elaboração do Projeto de Expansão da Rede Turisol) enfim, uma série de dilemas que quem convive diariamente com a rotina de uma organização não governamental, conhece bem.
Bagageiros de São Paulo no roteiro Conexões Caiçaras, Paraná. Parada para lanche na propriedade agroecológica de Seu Francelino e Dona Marisa da Cooperguará Ecotur.
56
Conquistas Em seus oito anos de atividade até 2010, o Projeto Bagagem acumulou uma série de conquistas, motivo de muito orgulho e realização pessoal e profissional. Ao compartilhá-las através desta publicação, se espera inspirar iniciativas semelhantes e complementares e assim, ativar ainda mais a Rede Turisol. Uma importante conquista foi o reconhecimento e acolhimento do público viajante, ONGs parceiras, ativistas, mídia especializada entre outras partes interessadas. Desde o início da iniciativa foram recebidos e-mails diários com palavras de incentivo, agradecimento e reconhecimento pelo trabalho de todo o Brasil. Desta forma, o projeto acabou se tornando uma referência em sua área de atuação, o turismo de base comunitária. Parte deste reconhecimento se deve ao diferencial do modelo de atuação adotado, baseado em parcerias locais como estratégia de multiplicação. Ao invés de fixação em um território específico, optou-se por espalhar a semente do turismo comunitário de forma mais abrangente, interagindo tanto com as realidades locais quanto com o público viajante, tornando-se uma “ponte entre as pontas”.
comunitário em um período em que várias iniciativas começaram a surgir pelo Brasil afora, o que tornou o Projeto Bagagem um dos atores participantes da inserção do turismo comunitário na agenda do Ministério do Turismo, uma grande conquista. E por sua característica de trabalho em rede, o Projeto Bagagem também representou uma importante força na ativação e estruturação da Rede Turisol, assumindo a secretaria da rede de 2010 a 2012. O trabalho do Projeto Bagagem também foi reconhecido através da conquista de financiamentos e prêmios, conforme segue abaixo:
Este reconhecimento propiciou a divulgação da causa do turismo
57
• Vencedor do Prêmio SEED AWARDS 2007 que reconhece as 5 iniciativas mais inovadoras em empreendedorismo, sustentabilidade e desenvolvimento, realizado por United Nations Conservation Program, United Nations Development Program e pelo governo de países como Estados Unidos, Holanda, África do Sul e Alemanha. Para mais informações visite www.seedinit.org. Foram mais de 230 projetos inscritos de mais de 70 países. • Projeto Bagagem em 2006 foi um dos 6 finalistas do Prêmio The Most Innovative Initiatives da Global Development Network que analisa projetos inovadores em desenvolvimento social no mundo todo.
• Projeto Bagagem em abril de 2007 foi aprovado como projeto parceiro pela WKKF, Kellogg Foundation que financia projetos de desenvolvimento local a partir da juventude pelo seu modelo inovador de educação de jovens em turismo de base comunitária. • A Ashoka Empreendedores Sociais (www.ashoka.org.br) selecionou Cecilia Zanotti como fellow em abril de 2007. Além do apoio financeiro por 3 anos, a participação do Projeto Bagagem na Rede Ashoka traz muitas oportunidades como financiamento de projetos colaborativos entre organizações de fellows, assessorias estratégicas para expansão, entre outras inúmeras ações.
“'O Projeto Bagagem concretiza um dos principais desejos das comunidades: encontrar uma alternativa de renda que valorize os saberes, a cultura, e que ao mesmo tempo colabore para a conservação da natureza. O turismo de base comunitária, nos moldes adotados, fomenta a economia solidária, o desenvolvimento individual e coletivo dos comunitários, a gestão compartilhada e sobretudo, trata-se de uma estratégia de valorização e manutenção das práticas e saberes tradicionais. O Projeto Bagagem se destaca pela transparência e construção conjunta do saber.” Representante Regional do Projeto Bagagem em Paraty - Mariana Benchimol
• TAM Linhas Aéreas: parceria estabelecida em 2009 por meio de doações de passagens aéreas e a partir de 2010 por meio de doações de passagens aéreas e aporte financeiro.
58
Desafios Muitas das conquistas descritas acima vieram acompanhadas de desafios não menores. Por exemplo, ao se tornar uma organização referência no tema do turismo comunitário, o Projeto Bagagem se deparou com a necessidade de se estruturar para poder atender às expectativas geradas pelo próprio sucesso. Até hoje essa transição está sendo trabalhada, de uma organização pioneira para uma organização mais estruturada e profissionalizada. A própria forma de atuação da organização começou a ser questionada, uma vez que as pressões pelo crescimento se mostraram incompatíveis com algumas das práticas que haviam sido estabelecidas, como a organização e realização 'artesanal' das viagens. A principal questão era: “Como expandir a atuação do projeto para mais localidades, garantir a freqüência de visitação sem perder esta característica artesanal?” Para responder a esta e outras perguntas outros desafios foram descobertos, mas também aprendizados, e foi necessário aprender a lidar com renúncias.
59
Lições aprendidas 1-Turismo Comunitário não é solução para qualquer comunidade Não é à toa que os princípios existem, pois uma vez que um ou mais deles não são considerados na hora de empreender uma iniciativa de turismo comunitário, a experiência pode gerar frustrações. Por exemplo, não adianta montar um roteiro interessantíssimo sem que haja uma organização local legítima que assuma a operação.
2-Infra-estrutura e turismo Ao levantar as necessidades locais na hora de estruturar o turismo comunitário, os primeiros itens da lista costumam estar relacionados à infra-estrutura e equipamentos, tais como estruturas de hospedagem e alimentação. Apesar de sua importância, pela experiência do Projeto Bagagem não é pela infraestrutura que a iniciativa deve começar, pois de nada adianta uma bela pousada se o modelo de gestão não foi pensado e implementado coletivamente e se o grupo não está fortalecido. Ou seja, antes de mais nada é importante que se faça um trabalho de base em termos de
organização comunitária e conscientização sobre as potencialidades e desafios da atividade para a localidade. Comece aos poucos, com serviços e atividades que não precisam de investimento em infraestrutura. A partir desta base criada, e das primeiras atividades com turistas realizadas, a infra-estrutura virá como conseqüência e demanda natural no momento certo. No Projeto Bagagem, sempre optou-se por aprender fazendo, e com isso foi percebido que é possível começar uma iniciativa apenas com os recursos já existentes. 3-Trabalhar com turismo comunitário só estando na comunidade e falando a língua da comunidade Ao se estabelecer uma iniciativa de turismo comunitário, a demanda deve vir de dentro para fora, ou seja, a partir de um desejo da própria comunidade. Caso contrário, a atividade corre grande risco de não acontecer conforme os princípios do turismo comunitário, beneficiando poucos ou simplesmente pessoas de fora da comunidade, além de outros prejuízos que esta prática pode trazer. É por isso que o Projeto Bagagem estimula a introdução do turismo comunitário desde que isto seja um desejo da comunidade e que o processo seja conduzido de forma transparente e participativa.
60
4-Vida pessoal e o trabalho no universo das ONGs Pessoalmente, a dedicação ao Projeto Bagagem trouxe importantes lições que levou as sócias fundadoras a fazerem escolhas pessoais e profissionais. O projeto começou de forma apaixonada, em uma fase de vida que era permitido doar tempo e energia, viajar, sonhar sem precisar estar com os dois pés no chão. No entanto, conforme os anos foram passando, as responsabilidades familiares e financeiras aumentaram, e escolhas precisaram ser feitas. Este não é um desafio único e exclusivo do Projeto Bagagem, mas do universo das ONGs em geral. Para Mônica e Cecilia, viabilizar o projeto se tornou sinônimo de viabilizar suas próprias vidas pessoais, não apenas financeiramente, mas também do ponto de vista de outras escolhas ligadas à carreira, realização e amadurecimento profissional. A lição aprendida foi compreender e respeitar as diferentes fases de desenvolvimento de vida bem como do Projeto Bagagem, procurando não confundir estes dois movimentos paralelos. Ao mesmo tempo, para que a iniciativa deslanchasse, foi fundamental que algum risco pessoal tivesse que ser tomado. Tanto no Projeto Bagagem como em outras iniciativas de turismo comunitário não é raro notar que a dedicação pessoal sem garantias de
sucesso financeiro imediato por certo período de tempo, foram fundamentais para que elas dessem certo. Há sem dúvida uma dose de loucura em abrir mão de estabilidade, emprego e optar por caminhos que ainda precisam ser construídos, mas é preciso acreditar que novas soluções, inclusive de carreira e vida profissional, precisam ser criadas, prestando atenção para não prejudicar a própria saúde nem a família. 5- Sustentabilidade e ONGs Este é outro desafio que não se restringe ao Projeto Bagagem, mas a todas as ONGs. Estamos vivendo um momento de profunda transformação da sociedade. Para as ONGs, isto tem se traduzido em uma escassez crescente de recursos provenientes de doações, o que tem levado a uma reflexão coletiva sobre como garantir a sustentabilidade de iniciativas do Terceiro Setor. Neste volume passamos por alguns temas relacionados a este desafio, que para o Projeto Bagagem é muito real e atual. Viver de projetos com ciclos curtos, não é mais visto como opção pela instabilidade e dependência, e geração de renda própria através de prestações de serviço tem sido considerada uma das saídas possíveis. Assim, novos modelos de atuação e de negócios estão sendo pensados e construídos.
Juliana Borges com crianças da comunidade de Barbados, roteiro Conexões Caiçaras, Guaraqueçaba, PR
61
6- Não dependa só da renda do turismo comunitário para se manter, porque você corre um sério risco de quebrar O turismo comunitário tem como princípio norteador a não-exclusividade da atividade dentro de uma comunidade ou localidade. Isto porque caso as atividades tradicionais e complementares deixem de ser praticadas, a própria atração turística, que é justamente o modo de vida local, deixa de existir. Além disso, o turismo é uma atividade sazonal na maioria dos lugares e um destino leva um certo tempo para se tornar conhecido. Não é no primeiro ano que a renda será suficiente de cara para manter o empreendimento 7- Comercialização e turismo comunitário O grande desafio da maioria dos projetos de turismo comunitário enfrenta seu nó na comercialização. Com o Projeto Bagagem não foi diferente. O que foi aprendido foi começar assim que possível com um grupo piloto para avaliação. Foi justamente por isso que o Projeto Bagagem se destacou. As viagens com visitantes externos são os momentos de maior aprendizagem. Há parceiros e voluntários dispostos a participar de experiências piloto. Procure nas universidades, nos parceiros locais e monte o primeiro grupo assim que houver uma organização que possibilite a
realização do roteiro piloto. Em seguida invista em comunicação e procure parceiros para a comercialização. Desde o início procure vender os produtos, como parte do processo de formação. Não deixe como uma etapa final do projeto. Para fortalecer sua estratégia de comercialização, o Projeto Bagagem realizou esforços de três maneiras diferentes. A primeira, de 2002 a 2005, foi começar comercializando as próprias viagens organizadas em parceria com ONGs locais. A segunda, de 2006 a 2009 foi estabelecer as parcerias comerciais com pequenas agências parceiras a fim de expandir o número de viagens. Nessa etapa, continuou organizando e acompanhando algumas viagens e começou a promover e vender viagens operadas pelas ONGs locais, sem a participação do Projeto Bagagem. Porém a margem de sobra era muito pequena e não era viável economicamente para a organização manter seus custos e equipe. Com base nisso, foi iniciada a terceira estratégia, em 2008, com a tentativa de abrir uma agência de viagens dentro do Projeto Bagagem com a assessoria em planejamento da Ashoka Empreendedores Sociais e da consultoria McKinsey & Company. Foi realizada uma série de pesquisas junto aos bagageiros, agências parceiras, conselheiros e membros da Rede Turisol e uma análise de viabilidade das viagens criadas com apoio do Projeto
62
Bagagem. O processo foi realizado pela equipe do Bagagem sob orientação de 3 consultores voluntários da McKinsey & Company. Público-alvo – ao analisar o perfil de todos os viajantes que participaram das viagens do Projeto Bagagem de 2002 a 2008, identificamos as seguintes características predominantes: ·Idade: entre 25 e 35 anos, embora tenham participado bagageiros de 14 a 65 anos ·Renda: Alto poder aquisitivo ·Perfil de viagem: Pessoas que já viajaram várias vezes para o exterior e estão em busca de uma viagem diferente na qual sejam úteis e ao mesmo tempo aprendam algo com a comunidade e ONG parceira ·Gênero: Maioria mulheres ·Atuação profissional: executivos de empresas, estudantes, profissionais que trabalham em ONGs, jornalistas, profissionais que trabalham com educação ·Nacionalidade: 70% brasileiros e 30% estrangeiros ·Estado de origem: 95% não eram do estado onde acontece a viagem. A grande maioria vinha de São Paulo e outras capitais tais como Rio de Janeiro, Brasília, Curitiba e Belo Horizonte Ao entrevistar cada uma das agências parceiras foi notado: ·Demanda por produtos no estado de São Paulo para serem oferecidos
63
imediatamente (a maioria das agências parceiras do Projeto Bagagem fica em São Paulo) Ao analisar a margem e viabilidade financeira das viagens a serem oferecidas foi notado: ·Necessidade de aliar o turismo comunitário a outros produtos de turismo sustentável tais como hotéis certificados e projetos de conservação da natureza. Essa observação veio do fato de o público que deseja fazer uma viagem de turismo sustentável e aceita fazer alguns dias ou atividades de turismo comunitário integradas ao roteiro, ser maior do que o público que deseja fazer uma viagem exclusivamente de turismo comunitário. Após 7 meses de investimento, estudos e análises, a abertura da agência não deu certo dentro do Projeto Bagagem. Outros desafios estruturais tais como equipe dispersa no Brasil, falta de escritório central e falta de recursos para dedicação integral da equipe, dificultaram o processo de abertura que foi interrompido em maio de 2009. Em 2010, o processo de reestruturação da organização foi implantado, com abertura de escritório em Santos – SP, contratação de equipe com dedicação integral e exclusiva e elaboração de estratégias de comercialização em conjunto com as agências parceiras de São Paulo. Foram desenhadas viagens
específicas levando em conta o perfil do público-alvo das agências, bem como o destino ideal para compor o produto, aliando turismo comunitário com outras atividades de educação, conservação da natureza e desenvolvimento local. Além disso, houve a ampliação dos destinos estruturados com apoio do Projeto Bagagem, para articulação comercial de todos os destinos membros da Rede Turisol. O processo de aproximação com as agências visa criar um trabalho colaborativo, que potencialize os esforços de cada agência e gere sinergia para que cada vez mais pessoas saibam que existe essa nova maneira de viajar. As agências parceiras que em 2010 passaram a fazer parte dessa articulação são:
Agência Aoka http://www.aoka.com.br Agência Araribá http://www.arariba.com.br Agência Estação Gabiraba http://www.estacaogabiraba.com.br Agência Tory http://www.tory.com.br Agência Trip On Jeep http://www.triponjeep.com.br Agência Turismo Consciente http://www.turismoconsciente.com.br André e Dino de São Paulo no roteiro Conexões Caiçaras, PR. Foto Carlos Eduardo Godoy
64
O Projeto Bagagem daqui para frente Em 2010 o Projeto Bagagem foi contratado pelo Instituto Elos, outra organização muito especial que vale a pena ser conhecida, (visite www.institutoelos.org ) para participar do projeto Elos no Canteiro Mais Cultura, iniciativa do Instituto Elos com o Ministério da Cultura, de uma série de eventos de formação de líderes comunitários e representantes do poder público das 26 capitais do país. O Projeto Bagagem capacitou em 3 formações que aconteceram em Recife, Brasília e Florianópolis, mais de 120 líderes e gestores públicos de todas as capitais, na sua metodologia de criação de roteiros de turismo comunitário. Essa experiência mostrou que há demanda por parte das secretarias de cultura, meio ambiente, turismo e desenvolvimento social, por conhecimento para a implantação de projetos de turismo comunitário municipais. A Rede Cananéia e o Instituto Socioambiental também contrataram o Projeto Bagagem em 2010 para cursos e elaboração de materiais para eventos na área de turismo comunitário. A partir dessas prestações de serviço e da assessoria externa da Quintessa, empresa
que tem ajudado o Projeto Bagagem a desenvolver seu novo modelo de atuação, o Projeto Bagagem definiu como sua nova estrutura: 1. Projeto Bagagem atuação social São projetos sociais que o Projeto Bagagem desenvolve por meio de projetos e doações de parceiros financiadores. Dentro dessa unidade de negócio está a atuação como Secretário Executivo da Rede Turisol e a criação de estratégias de comercialização dos destinos membros da rede de forma lucrativa. São financiadores desta unidade de negócios a TAM, o Ministério do Turismo e a Fundação Kellogg. 2. Projeto Bagagem consultorias em turismo comunitário São prestações de serviço que o Projeto Bagagem realiza para empresas, outras associações e para o poder público. Os serviços oferecidos são: • Palestras sobre empreendedorismo social e turismo comunitário
65
• Capacitações presenciais para o turismo comunitário • Curso a distância sobre turismo comunitário (em elaboração) • Consultorias na implantação de projetos de turismo comunitário ou planejamento de prêmios e viagens para empresas • Formações para executivos e funcionários sobre o terceiro setor com viagens a comunidades incluídas como parte do processo 3. Projeto Bagagem articulação de viagens Está em fase de reconstrução. Foi o impulsionador da criação do Projeto Bagagem e neste momento está sendo revisto para ser relançado futuramente. Todas as unidades de negócio tem como meta se auto sustentarem financeiramente.
Grupo em frente à Sumaúma na Floresta Nacional do Tapajós, Santarém, PA
66
Considerações Finais Neste volume da Série Turisol de Metodologias no Turismo Comunitário foi revivida a história do Projeto Bagagem, na tentativa de compartilhar sua trajetória para inspirar e auxiliar iniciativas que estão começando a trilhar seus próprios caminhos, na busca pela construção de uma sociedade mais justa, trazendo cada vez mais luz para as riquezas do nosso país. Aproveitamos para agradecer a todos que escreveram esta história conosco, especialmente à equipe que compôs o Projeto Bagagem ao longo destes anos:
67
Equipe Beatriz Cabral Representante Regional Sul ”Trabalhar no Projeto Bagagem foi uma experiência especial para mim, tanto para meu crescimento profissional quanto pessoal. O Bagagem foi uma rica oportunidade para participar de uma proposta desafiadora de turismo no Brasil, um trabalho onde construí amizades com Ciça, Gabi e Mônica; pessoas que sonham e batalham pela mudança e construção de novas realidades e propostas de desenvolvimento. Tudo isto com muito carinho, criatividade, alegria, profissionalismo e persistência. Levo na minha bagagem a experiência de ter trabalhado neste lindo projeto!” Ana Gabriela Fontoura Representante Regional Amazônia
Mariana Benchimol Representante Regional em Paraty “Trabalhar no Projeto Bagagem estruturando roteiros em Paraty foi uma experiência enriquecedora. Entrei em contato com outras comunidades no Brasil apoiadas pela Ong e levei inspiração de volta para casa. Foi possível dar um pontapé inicial no desenvolvimento do turismo de base comunitária em comunidades tradicionais da Mata Atlântica.”
“Para mim, ter feito parte da equipe do Projeto Bagagem por 3 anos significou uma excelente experiência profissional, uma linda descoberta de como é trabalhar no terceiro setor e uma incrível oportunidade de aprendizado e crescimento pessoal. Foi desafiador, estimulante e, profundamente, gratificante, por ter convivido com pessoas tão especiais que, assim como eu, acreditam que é possível construir uma sociedade mais justa e participativa por meio do turismo.”
68
Autoras/Co-fundadoras CECILIA ZANOTTI
MÔNICA BARROSO
Formada em Administração de Empresas pela FGV de São Paulo, atua no terceiro setor desde 1998, reunindo experiências profissionais em diferentes ONGs como Instituto Ayrton Senna, Cidade Escola Aprendiz, Instituto Ibi, entre outras. Viveu na Costa Rica por um ano como voluntária do Programa de Voluntariado da Universidade da Costa Rica onde organizava viagens de ecoturismo como fonte de recursos para o programa. É sócia-fundadora e diretora executiva do Projeto Bagagem e viveu de 2006 a 2009 na Chapada Diamantina, em Lençóis – BA fomentando o turismo comunitário na região em parceria com o Grãos de Luz e Griô. Mudou-se para Santos em 2010 onde reside desde então.
Sócia-fundadora do Projeto Bagagem. Mestre e doutora em Políticas Sociais pela London School of Economics and Political Science (Inglaterra), especializou-se em comunicação para o desenvolvimento no contexto de comunidades ribeirinhas da Amazônia. Iniciou sua carreira na área de captação de recursos da FGV (São Paulo), onde se graduou em Administração de Empresas em 1998. Sua experiência profissional em ONGs inclui Instituto Ayrton Senna, IDIS, Projeto Saúde e Alegria, Amigos da Terra, Programa Gestão Pública e Cidadania da FGV-SP, CIFOR (Centro Internacional de Pesquisas Florestais). Atualmente é coordenadora executiva do Núcleo Oikos e consultora do Projeto Bagagem.
69
Contatos
Associação Projeto Bagagem www.projetobagagem.org projetobagagem@projetobagagem.org Telefone 13 3307 1611 (Coordenação Geral, Santos, SP)
Créditos ABONG (2002) ONGs e Universidades: Desafios para a Cooperação na América Latina', Editora Peirópolis, São Paulo
70