Livreto Saúde e Alegria

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Série Turisol de Metodologias

Turismo Comunitário

Ecoturismo de Base Comunitária no Oeste do Pará Rede TuriSol


Realização:

Parceiro apoiador:

Parceiros Financiadores da Série Turisol*:

Ministério do Turismo

*As organizações financiadoras da Série Turisol de Metodologias no Turismo Comunitário não são necessariamente parceiros financiadores de cada experiência relatada pela Série. A TAM, o Ministério do Turismo e a Fundação Kellogg financiaram a produção e redação dos livretos por meio de convênio ou termos de parceria firmados com o Projeto Bagagem.

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De onde estamos vindo Rede TuriSol A Rede Brasileira de Turismo Solidário e Comunitário – Rede Turisol, é composta por organizações que se uniram com a missão de fortalecer o turismo comunitário no Brasil. Atualmente a rede é composta por 23 iniciativas localizadas em 10 estados do Brasil e mais de 100 municípios, e encontra-se em fase de expansão. As principais linhas de atuação da Turisol são: 1) 2) 3) 4) 5) 6)

Comercialização Comunicação Impactos em Políticas Públicas Capacitação e intercâmbios Universidade e Turismo Comunitário Juventude e Turismo Comunitário

Em 2008, o Ministério do Turismo, por meio do Edital de Chamada Pública de Seleção de Projetos de Turismo de Base Comunitária, selecionou de forma inédita 50 projetos (entre mais de 500 projetos inscritos) de apoio ao turismo de base comunitária distribuídos em 19 estados brasileiros. Dentre os 50 aprovados, 5 são membros da Rede Turisol, que se inscreveram de forma articulada, viabilizando assim a implementação de

Canoeiro Foto: Davide Pompermaie

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um plano de trabalho da rede, executado sob a liderança do Projeto Bagagem. Este plano de ação envolveu o fortalecimento dos destinos da rede por meio da criação de produtos promocionais e estratégias de comercialização conjuntas do turismo comunitário. As principais iniciativas deste plano incluem a expansão da rede através da inclusão de novos membros, a criação de um portal da rede, um catálogo promocional, a publicação da Série Turisol de Metodologias no Turismo Comunitário e a realização de encontros regionais e de um Encontro Nacional entre os membros da rede. A produção da Série Turisol de Metodologias no Turismo Comunitário contou com o financiamento para a redação e coordenação da TAM Linhas Aéreas, da Fundação Kellogg e do Ministério do Turismo. E com uma generosa parceria com o Museu da Pessoa, que possibilitou a realização de uma roda de histórias filmada, bem como de entrevistas de histórias de vida ou temáticas em seu estúdio em São Paulo. Assim, foram gravadas 9 entrevistas temáticas, de 5 lideranças comunitárias e 4 técnicos ou coordenadores de ONGs locais que atuam com essas comunidades, que incluíram elementos das histórias de vida de cada entrevistado, e também uma roda de histórias com 6 projetos membros da rede.


A Série Turisol de Metodologias no Turismo Comunitário é composta por 7 volumes que registram as histórias e metodologias das seguintes experiências: 1) Projeto Saúde e Alegria (Santarém, PA) 2) Associação de Agroturismo Acolhida na Colônia (SC)

Projeto Saúde e Alegria Pousada Aldeia Santarém dos Lagos Pousada Uacari RDS Mamirauá Silves Tefé

3) Pousada Uacari, Instituto Mamirauá (Tefé, AM)

Amazonas

Rede Tucum Litoral Cearense

Pará

Ceará Fundação Casa Grande Nova Olinda

4) Projeto Bagagem (São Paulo, SP) 5) Fundação Casa Grande (Nova Olinda, CE) 6) Rede Tucum (12 comunidades do litoral do Ceará) 7) Pousada Aldeia dos Lagos (Silves, AM)

São Paulo

Nos últimos 10 anos, estas experiências estão entre as iniciativas que mais se destacaram no Brasil, e diante de uma crescente demanda por informações sobre como iniciar e gerenciar o turismo comunitário em outras localidades, surgiu a idéia de uma sistematização que deu origem a esta Série. Com estes registros esperamos informar, compartilhar e inspirar o desenvolvimento de novas iniciativas voltadas ao turismo comunitário no Brasil e no mundo. Boa leitura!

Projeto Bagagem São Paulo

Santa Catarina Acolhida na Colônia Encostas da Serra Geral

São Paulo, 2010.

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Apresentação

A gente era apaixonado por isso mas não sabia por onde começar, como fazer. E como nossa comunidade tem uma comunicação entre Anã e Maripá, bem em frente a Alter do Chão, muitas agências vendem esse passeio. Então nós víamos os turistas e começamos a querer participar da iniciativa. Foi quando chegou o Saúde e Alegria, perguntando se nós aceitaríamos o trabalho do Saúde e Alegria. E começou o namoro. Das agências de Alter do Chão nós só recebíamos as pessoas e nem sabíamos a hora em que os turistas iam chegar. A gente só sabia vendo os turistas atravessando a comunidade, pois eles apenas passavam, como uma ponte. Eles chegavam na comunidade, iam diretamente para o barco e iam embora. Então nada ficava. A gente não sabia de onde eles vinham, e não ficava nenhum benefício. Totalmente diferente da relação com o Saúde e Alegria porque o Saúde e Alegria chegou conosco, conversou conosco, explica quando vai chegar, como, tem toda uma programação, quanto vai custar, tudo organizado. Antes do turista chegar, nós temos contato com a Naiara. Então nós reunimos a Comissão de Turismo da comunidade e nos organizamos. Tem toda uma preparação antes do grupo chegar. E uma grande preocupação nossa é se o turista vai gostar, e a comunidade é muito aberta para depois avaliar porque nós queremos sempre acertar. Aprender com os erros cometidos.

Cada pessoa é responsável por uma atividade: recepção, produção de mel, casa de ração orgânica (de peixes), criação de peixes. A acolhida acontece da seguinte maneira. Quando o barco chega todo mundo vai pra lá e faz a recepção. Essa parte ficou mais com os monitores. Em relação ao dinheiro, no momento em que chega um grupo, é paga uma taxa por visitante que vai para a associação, e uma pequena parcela dessa taxa vai para os condutores. Enfim, todas as pessoas que trabalham ali recebem alguma coisa. As nossas casas, que antigamente eram palhoças, hoje são casas. Uma mulher de São Paulo que nos visitou nos perguntou assim: 'isso é bom ou ruim para vocês?' Bom, para nós que moramos lá isso é bom. Só que para as pessoas que chegam elas pensam que

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Urucurea


estamos perdendo nossa característica. Uma das coisas que temos conversado com o Saúde e Alegria é não perder essa característica. Desenvolver mas sem perder aquele traço. Sonhamos que as pessoas vivam bem. Vivam lá mas vivam bem. Então um dos motivos dos jovens saírem de lá é em busca de melhores condições de vida. E o que a gente quer é que a gente viva lá mas com condições de vida melhores. Não só na parte financeira, mas na parte social. É isso o que queremos. E é por isso que nós buscamos projetos, uma educação melhor. Nós sonhamos com uma internet lá dentro, um infocentro, para que nossos jovens aprendam a lidar com isso. Nós sonhamos com uma universidade – mesmo que seja a distância – mas que seja ali dentro. Eu tenho o Ensino Médio graças a Deus, e pretendo fazer uma faculdade. Meu filho vai fazer faculdade em Santarém. Vários jovens estão buscando uma qualificação melhor porque sonhamos em ter melhores dias ali dentro. Para nós, para os nossos filhos e para os nossos netos. Talvez a gente nem vai ver, mas a gente sabe, a gente é motivado por isso. Quando eu falo que eu quero crescer mas eu quero levar as pessoas junto, é pensando no coletivo. E esse é o nosso alvo ali dentro: pensar no coletivo. Eu melhorar de vida, mas meus companheiros, meus vizinhos, meus parentes mudarem de vida. Trechos do depoimento de Maria Reginalva Alves Godinho (Comunidade de Anã, Rio Arapiuns)

Canoa Arimum

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Agradecimentos

Amanhecer Atodi

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Índice

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De onde estamos vindo

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Agradecimentos

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Introdução

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Histórico

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Metodologia

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Conquistas e desafios

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Considerações finais

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Contatos/Créditos

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Introdução

O Projeto Saúde & Alegria

O Projeto Saúde & Alegria – PSA – é uma instituição civil, sem fins lucrativos, que atua na Amazônia com o objetivo de promover e apoiar processos participativos de desenvolvimento comunitário integrado e sustentável, que contribuam de maneira demonstrativa no aprimoramento de políticas públicas, na qualidade de vida e no exercício da cidadania. Iniciou suas ações em 1987 junto a 16 comunidades piloto da zona rural de Santarém/Pará, local de sua sede. A partir dos anos 2000, começou a expansão gradual de sua área de cobertura. Atua hoje diretamente em mais três municípios da região do Baixo Amazonas - Belterra, Aveiro e recentemente Juruti – atendendo em torno de 30 mil pessoas, sobretudo ribeirinhos, apoiando-os na defesa de suas terras, de seus recursos naturais e na viabilidade social, econômica e ambiental de seus territórios. A consolidação da rotina de trabalho em maior escala sem reduzir a qualidade das ações, as soluções encontradas de baixo custo e alto impacto, os bons resultados, as articulações firmadas, assim como a mobilização, credibilidade e visibilidade obtidas consolidou o papel do Saúde & Alegria na região como instituição fomentadora de programas de desenvolvimento sustentável. Em decorrência disso, atualmente o PSA vem sendo demandado de forma crescente para assessorar entidades públicas, privadas, ongs e movimentos sociais na disseminação de sua proposta, o que oportuniza e cria condições extremamente favoráveis para uma nova etapa de trabalho que amplie sua capacidade de transformação social em todos os aspectos. “Saúde, Alegria do Corpo; Alegria, Saúde da Alma”

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Contexto e Território de Atuação Dada a importância da Amazônia no Mundo – ainda mais em tempos de mudanças climáticas – suas potencialidades para o Desenvolvimento do País, e o fato de que o enfrentamento dos desafios ambientais perpassa também pelas respostas às questões sociais, a contribuição do PSA nesse sentido sempre esteve focada na inclusão das populações tradicionais da região. O publico historicamente atendido pelo PSA no oeste do Pará é composto, em sua maioria, por caboclos - descendentes indígenas - distribuídos ao longo de rios e estradas, em comunidades que variam entre 10 e 200 famílias, ocupando terras devolutas ou áreas de Assentamentos, Glebas e Unidades de Conservação. Diante das grandes distâncias, dificuldades de transporte e comunicação, o PSA procura somar esforços para facilitar o acesso às políticas publicas e a participação cidadã dessas populações. Em conjunto com as organizações comunitárias, constrói propostas e soluções adaptadas que trazem benefícios concretos e servem como referencias demonstrativas de tecnologias socioambientais replicáveis - sobretudo pelo poder público - elevando a escala e abrangência do trabalho. São eleitos métodos abertos de construção multilateral do saber. A arte, o lúdico e a comunicação são os principais instrumentos de mobilização. Baseado em programas integrados nas áreas de organização social, direitos humanos, meio ambiente, saúde, saneamento, geração de renda, educação, cultura e inclusão digital, o PSA procura envolver todos os segmentos e faixas etárias qualificando-os como multiplicadores das ações - lideranças, produtores rurais, empreendedores locais, professores, agentes de saúde, grupos de mulheres, jovens e crianças. Os principais indicadores sociais são monitorados por meio de diagnósticos participativos, o que permite o acompanhamento continuado dos resultados e o planejamento conjunto das ações, oferecendo os instrumentos necessários para apoiar a população na gestão de todo o processo. Os impactos do trabalho também se desdobram em articulações com outras organizações e redes afins, ampliando a capacidade contributiva do PSA na construção de estratégias e políticas globais que promovam processos de desenvolvimento mais includentes, justos e sustentáveis.

Arimum

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Plano Estratégico 2010-2015 O Plano de Trabalho do PSA para os próximos anos mantém a característica de atenção direta junto as populações comunitárias, embora com processos de ganho de escala intensificados em todos os Programas, com o desafio de assegurar a qualidade das ações para um publico maior de forma sustentada e adequada às capacidades institucionais. Para isso, as dinâmicas avaliativas da Organização realizadas no final de 2009 geraram algumas recomendações importantes para orientar a continuidade: •Priorização de estratégias de integração institucional e gestão compartilhada com outros atores - Poder Público, Órgãos de Ensino e Pesquisa, Iniciativas Congêneres, Programas de Responsabilidade Socioambiental, Ongs e Movimentos Sociais - compreendendo a política de alianças como fundamental para sustentabilidade das ações. •Atuação direta sob a lógica das comunidades territoriais, fortalecendo os mecanismos de autogestão de suas representações, adequando-se às dinâmicas conjunturais e cenários vigentes, e priorizando práticas com potencial de escala territorial em detrimento às ações localizadas (inseridas na continuidade como projetos pilotos demonstrativos para fins de replicação

posterior junto a novas áreas).Sustentabilidade a médio longo prazos das iniciativas implementadas dos programas sociais (saúde, educação, direitos fundiários) por meio da interação com as políticas publicas; e econômicos através dos próprios empreendimentos comunitários de geração de renda. •Investimentos em processos de monitoramento e sistematização das experiências, compreendendo-os como ferramentas fundamentais para o aprimoramento técnico institucional continuado, geração de conhecimentos qualificados, e pré-requisitos para replicação e ganho de escala. •Busca permanente por uma estrutura institucional, programática e operacional enxuta, ágil e dinâmica, com especial atenção aos mecanismos de interdisciplinaridade, ao uso de tecnologias de informação e comunicação (TICs) e à qualificação dos recursos humanos do PSA (componente essencial da execução).

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DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SAÚDE

Apoio à Gestão Comunitária e Territorial

Saúde da Família

Cenários e Planos de Desenvolvimento

Higiene e Saneamento

Ordenamento Fundiário e Ambiental

Educação e Prevenção em Saúde

Ensino e Pesquisa Controle Social

Empreendimentos Sustentáveis de Geração de Renda INTEGRAÇÃO INSTITUCIONAL Articulações e Políticas Institucionais Disseminação, Expansão e Replicação Sustentabilidade

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EDUCAÇÃO, CULTURA E COMUNICAÇÃO Educação Comunitária e Ambiental Ações Complementares à Escola Inclusão Digital


Ecoturismo de Base Comunitária O objetivo deste projeto é aumentar a renda gerada e o número de comunidades participantes, ampliando e consolidando o programa de ecoturismo por meio de um processo de mobilização, planejamento, organização e qualificação. Outras metas são estruturar e fortalecer a estratégia de promoção e comercialização do projeto, em articulação com a Rede Brasileira de Turismo Solidário e Comunitário – Rede Turisol, assim como fortalecer e expandir essa rede. Atualmente são quatro as comunidades que participam do projeto, localizadas no interior da Reserva Extrativista TapajósArapiuns e no Projeto de Assentamento Extrativista Gleba Lago Grande, situadas a uma distância que varia de três a dez horas de navegação fluvial desde a sede do município de Santarém (a 765 km de Belém, capital do Pará). O acesso até Santarém pode ser por via rodoviária (distante 12 horas da capital), aérea (possui aeroporto com rota comercial regular) ou fluvial (barcos regionais). As reservas estão situadas na região do Médio Amazonas, no coração da floresta. Os visitantes terão a oportunidade de desfrutar de caminhadas pelas trilhas naturais e interpretativas, dos passeios pelos rios, igarapés e igapós da região e poderão observar a riqueza da fauna e da flora amazônica.

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O visitante também irá encontrar na região a cultura ribeirinha cabocla, remanescente de quilombolas e comunidades indígenas, nas quais a tradição oral é passada há gerações, com sua lendas, mitos e o curandeirismo. As comunidades ribeirinhas têm suas manifestações culturais expressas por meio de seus cantos, contos e festas. O tema das festas, em geral, é a conservação da floresta e dos rios, as espécies de peixes mais comuns, seus figurinos e letras das músicas. Também são preparadas comidas típicas com os peixes da região, a farinha e os temperos da Amazônia. Os roteiros para a visita às comunidades que participam do projeto de ecoturismo de base comunitária do Saúde e Alegria são realizados com pequenos grupos (de 08 a 15 visitantes) a partir de Santarém, navegando-se pelos rios Tapajós e Arapiuns. Tem duração de 3 a 6 dias, durante os quais os visitantes dormem em redes ou em camarotes. Nas comunidades são realizadas várias atividades que buscam integrar os visitantes e os moradores das comunidades, tais como gincanas culturais, oficinas de cestaria com grupo de artesãos, noites culturais e visitas a projetos de geração de renda.

Em Santarém, é possível encontrar uma grande variedade de serviços de hospedagem e alimentação, além de transporte público ou privado para a região do entorno. O distrito de Alter do Chão também tem sido muito procurado por visitantes que buscam conhecer as comunidades ribeirinhas da região. A disponibilidade de pequenas pousadas e restaurantes facilita a permanência dos visitantes que não se dispõem a pernoitar nas comunidades ribeirinhas. Para os que desejam conhecer mais de perto o modo de vida das comunidades, é possível pernoitar nos barcos ou nas casas dos moradores. As quatro comunidades participantes do projeto de ecoturismo do Saúde e Alegria, têm participação ativa em todas as etapas do projeto. O conjunto de oficinas e atividades de inventário dos atrativos locais é desenvolvido por técnicos do Saúde e Alegria em todas as comunidades, de modo a estimulá-los a manifestarem suas expectativas, suas dúvidas e seus medos em relação ao turismo. Assim, é possível conhecer a percepção da comunidade em relação ao turismo e construir indicadores para avaliar se as propostas formuladas atendem aos anseios dos participantes. A proposta de qualificação, que vem sendo

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construída de forma participativa, contempla aspectos conceituais em relação ao turismo, aspectos socioculturais (relativos à interação entre visitantes e comunidade receptora) e aspectos operacionais (relativos à realização das atividades planejadas).


Histórico A Inspiração Receber visitantes já fazia parte da rotina do Projeto Saúde e Alegria e de algumas de suas comunidades parceiras desde o início de suas atividades em 1987 através da prática constante de receber parceiros e financiadores para viagens de trabalho. No entanto, as visitações aconteciam espontaneamente, de forma informal e apenas dentro do círculo de relacionamento do projeto e das comunidades. Ou seja, não havia uma intencionalidade em dar às visitas um caráter de lazer, troca cultural e geração de renda. A partir de 2002 o Saúde & Alegria começou a estruturar sua ação no campo do ecoturismo de base comunitária em parceria com o Projeto Bagagem, conforme descrito abaixo. A parceria com o Projeto Bagagem No início de 2002, Mônica Barroso, uma das fundadoras do Projeto Bagagem, foi passar uma temporada em Santarém como voluntária do Núcleo de Economia da Floresta do PSA. Sua principal função era coordenar e implementar um programa de micro-crédito junto a 23 comunidades dos rios Tapajós e Arapiuns, uma parceria com a Fundação Kellogg. No entanto, ao chegar, Mônica propôs uma parceria com o PSA para a estruturação do turismo comunitário em seu território de atuação, e após 6 meses acontecia a primeira expedição 'Amazônia Ribeirinha', também a primeira experiência do Projeto Bagagem que ali começava a se concretizar.

Foto: Ana

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“Eu estava em um período de transição entre o mestrado e o doutorado, e em busca de uma experiência de campo acabei conhecendo o PSA, com o qual me identifiquei imediatamente. Não conhecia a Amazônia e tinha grande admiração pelo trabalho de educação popular do Saúde & Alegria. Ao mesmo tempo, eles precisavam de alguém para ajudá-los a implementar o programa de microcrédito, então foi a combinação perfeita de fatores. Enfim, um dia antes de partir para Santarém, eu e a Ciça1 chegamos à ideia que deu origem ao Projeto Bagagem: a partir de parcerias com ONGs inovadoras e estabelecidas em seus territórios de atuação, proporcionar a qualquer pessoa uma experiência comunitária autêntica e transformadora. E assim cheguei em Santarém com a missão de propor ao PSA, logo no meu primeiro dia, uma parceria para desenvolver a experiência piloto. A coordenação topou, deu carta branca, e ao longo de 6 meses articulamos o roteiro piloto Amazônia Ribeirinha aproveitando as idas às comunidades pelas outras iniciativas de geração de renda do PSA. Tudo aconteceu de forma muito participativa, orgânica e bonita. Uma relação de confiança, descoberta e amizade surgiu entre o PSA, o Projeto Bagagem e as comunidades participantes. A partir desta semente o turismo comunitário foi incorporado pelo Núcleo de Economia da Floresta do PSA como um novo componente, o que representa uma grande conquista para o Projeto Bagagem também. Do outro lado, a Ciça batalhou para que o primeiro grupo se formasse, viabilizando assim a viagem piloto. E em julho de 2002 estávamos todos juntos navegando: Projeto Bagagem, PSA, 'bagageiros' e comunidades. Hoje a relação está ganhando um novo caráter a partir do fortalecimento da Rede Turisol e do próprio redesenho do Bagagem, mas o começo de nossas histórias foi escrito a quatro mãos e rendeu bons frutos.” Mônica Barroso, co-fundadora do Projeto Bagagem

1 Cecilia Zanotti, co-fundadora do Projeto Bagagem junto com Mônica.

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A História da Construção do Programa de Ecoturismo Comunitário Projetos como o do Assentamento Lago Grande procuram envolver comunidades locais na administração e manejo de áreas naturais. Em alguns casos, as comunidades locais sentem que áreas de uso coletivo representam um problema por elas limitarem as possibilidades para exploração de recursos naturais sem trazer-lhes, em contrapartida, benefícios diretos. Por outro lado, os impactos de comunidades locais em suas atividades normais de subsistência e de outros interesses econômicos podem se tornar perigosos para a integridade das áreas protegidas. Em muitos casos, as áreas naturais têm considerável potencial turístico, que poderia conciliar estes vários interesses. Dos diversos tipos de investimentos econômicos, o ecoturismo é uma das formas mais promissoras para aumentar o valor de áreas naturais, produzindo incentivos positivos para a conservação da natureza.

Entretanto, nem todo turismo associado às áreas naturais pode ser considerado ecoturismo, tampouco necessariamente gera benefícios para a área em questão ou para as populações locais. Há sérios questionamentos sobre o impacto do turismo no meio ambiente e sobre a distribuição de seus benefícios para as comunidades envolvidas. Desta forma, a partir do início da parceria com o Projeto Bagagem em 2002, o Projeto Saúde & Alegria, além das atividades que implementava tradicionalmente, resolveu iniciar experimentalmente em algumas comunidades da região uma forma alternativa de visitação turística com grupos limitados. Os resultados tornaramse tão promissores que já está se replicando em todas as microrregiões da área de atuação. Além da satisfação dos visitantes, as atividades têm gerado renda diretamente para as comunidades destinada para atividades de promoção social - além da venda de produtos artesanais e alimentícios.

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O sucesso dessa pequena iniciativa demonstra o enorme potencial que estas ações poderão ter se implementadas de forma correta. Portanto, o objetivo principal será de desenvolver e disseminar um modelo de ecoturismo de base comunitária que consiga integrar as comunidades locais que vivem próximas ou dentro das áreas protegidas com as atividades de manutenção dessas mesmas áreas. A região do Rio Arapiuns, rica de populações e culturas tradicionais abrigadas no Assentamento Agroextrativista Lago Grande e na Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns possui inúmeras belezas naturais, oferecendo um fantástico potencial para o desenvolvimento e a implementação de alternativas econômicas de baixo impacto ambiental e alta rentabilidade econômica, como a do ecoturismo. O Ecoturismo de Base Comunitária pode ser incorporado como uma estratégia fundamental para a valorização cultural, da floresta e seus habitantes.


Metodologia

O caminho da construção da metodologia

Conforme descrito acima, em julho de 2002 aconteceu a primeira expedição do Roteiro Amazônia Ribeirinha em parceria com o Projeto Bagagem, que desde então se repetiu duas vezes por ano até 2008.

O roteiro original proporcionava a pequenos grupos de turistas (de 10 a 15) a oportunidade de conhecer um pedaço da Amazônia paraense a partir da cidade de Santarém, navegando pelos rios Tapajós e Arapiuns e visitando 6 de suas comunidades. Tinha duração de 9 dias, durante os quais os “bagageiros” dormiam em redes num barco ou em casa de comunitários. Nas comunidades eram realizadas várias atividades: gincana cultural, oficina de cestaria com grupo de artesãs, passeios de canoa, caminhadas em trilhas na mata, banhos de rio, participação de programa na rádio comunitária, oficinas com as crianças e grupo de jovens, noites culturais, visitas a projetos de geração de renda entre outros.

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A partir da experiência como o Projeto Bagagem o Saúde & Alegria promoveu outras parcerias: • World Learning Brazil: 2 a 3 visitas por ano, desde 2003, com 15 estudantes universitários estadunidenses por grupo. Os estudantes viajam por diferentes regiões do Pará durante 1 mês e meio e desenvolvem uma monografia em uma das localidades visitadas, junto a uma das organizações parceiras. Durante 3 a 4 dias 5 estudantes permanecem em cada uma das 3 comunidades, cada um na casa de uma família, onde participam da rotina diária familiar; • Ambiental Expedições: única agência de viagens e turismo envolvida, a parceria teve início em 2006, com a recepção experimental de um grupo de 44 estudantes do primeiro ano do ensino médio do Colégio Santa Cruz, de São Paulo. Além da consolidação da parceria no campo dos projetos pedagógicos de estudo do meio, teve início em 2007 a parceria no campo do turismo internacional. Os grupos, 2 em 2007 com cerca de 15 turistas cada um, foram mobilizados a partir da percepção da Ambiental sobre agências européias diferenciadas, que trabalham com os segmentos estratégicos de público buscados pela iniciativa.

• I-To-I / IkoPoram: duas viagens experimentais até o momento, uma em 2006 com 6 voluntários e outra em 2007 com 8 voluntários europeus. Com experiência há algum tempo neste tipo de turismo de voluntariado, particularmente em cidades como o Rio de Janeiro e Salvador, as empresas operadoras estão estruturando a perspectiva de regularizar as viagens para a Amazônia. Os voluntários permanecem 1 semana em cada comunidade colaborando nos trabalhos comunitários, como construção e reforma de escolas, implantação de postes e instalação elétrica, etc. O PSA organiza também viagens sob medida, demandadas frequentemente por organizações parceiras ou seus representantes e funcionários. Entre 2005 e 2007 aconteceram 5 viagens desta natureza, com a participação de 6 a 12 turistas, sendo frequentemente grupos familiares. O Saúde & Alegria formula os roteiros, mobiliza as comunidades, orienta o planejamento, realiza atividades de qualificação, mantem a relação com os parceiros e cuida da logística e da administração das viagens.

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O Saúde & Alegria formula os roteiros, mobiliza as comunidades, orienta o planejamento, realiza atividades de qualificação, mantem a relação com os parceiros e cuida da logística e da administração das viagens. As comunidades são beneficiadas de várias formas: • Uma taxa diária de visitação de R$ 15,00 por pessoa, que é paga para as associações comunitárias; •Remuneração de serviços prestados (condutores nas trilhas, canoeiros, cozinheiras...); •Fundo intercomunitário composto com uma contribuição de 10% do valor de venda de cada viagem. •Comercialização de produtos artesanais durante as visitas. Desde o início do programa já foram envolvidas diretamente nos roteiros 15 comunidades e só no período 2005-2007 foram gerados mais de R$ 40.000,00 de receita para as mesmas.

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O Produto Foram escolhidas para participar do projeto as comunidades de Vila Amazonas, Arimum e Atodí, no Assentamento Lago Grande e Anã na Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns. Um novo roteiro no rio Arapiuns já está formulado e foi em parte testado em uma viagem realizada em parceria com o Projeto Bagagem em julho de 2009. Demandas para pequenos investimentos nas trilhas e em infraestruturas comunitárias estão aparecendo nos resultados do inventário em andamento. Enquanto isso novos grupos começam a surgir, dando concretude e resultados às comunidades envolvidas.

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Projeto MTUR Em agosto de 2008 o Projeto Saúde & Alegria aprovou um projeto junto ao Ministério do Turismo, com o objetivo de aumentar a renda gerada e o número de comunidades envolvidas no programa de ecoturismo de base comunitária do Projeto Saúde & Alegria. As principais iniciativas deste projeto são: -Ampliar e consolidar o programa de ecoturismo do Projeto Saúde & Alegria por meio de um processo de mobilização, planejamento, organização e qualificação das comunidades; - Estruturar e fortalecer a estratégia de promoção e comercialização do programa de ecoturismo do Projeto Saúde & Alegria, em articulação com a REDE TURISOL; - Fortalecer e expandir a Rede Brasileira de Turismo Solidário e Comunitário REDE TURISOL.

das necessidades identificadas nas fases anteriores; • Promover a participação de representantes das 04 comunidades e do Projeto Saúde & Alegria nas atividades de articulação e formação da REDE TURISOL; • Desenvolver e disponibilizar online um site de promoção do programa de ecoturismo de base comunitária do Projeto Saúde & Alegria; • Elaborar e imprimir um folder para divulgação do programa de ecoturismo de base comunitária do Projeto Saúde & Alegria; • Participar, em parceria como o Projeto Bagagem de uma missão de promoção e comercialização da REDE TURISOL na Europa.

Ações previstas no projeto: • Realizar o inventário dos atrativos turísticos das 04 comunidades; • Construir de forma participativa as propostas de atividades e roteiros de turismo das 04 comunidades; • Realizar um programa de formação específica nas 04 comunidades, a partir

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Gestão As comunidades são remuneradas pelos serviços prestados e por meio de uma taxa diária relativa a permanência dos hóspedes e sua participação nas atividades programadas. Este valor vai para um fundo que é geralmente revertido em investimentos na infraestrutura coletiva da comunidade. Outro benefício direto gerado é a comercialização e divulgação do artesanato produzido na região. Os principais desafios neste campo são: • incrementar o fluxo de turista • envolver um maior número de comunidades • gerar oportunidade de emprego ou trabalho mais estável • aumentar a renda para as comunidades; • promover a apropriação por parte das comunidades do processo de gestão da atividade turística e afirmando uma marca e uma imagem própria. Para avançar neste sentido é importante começar a investir em infraestruturas de hospedagem. As experiências de ecoturismo que o PSA implementou até

hoje, como já dito, oferecem roteiros de barco com a hospedagem no mesmo, dormindo em rede e utilizando sanitários coletivos. Este tipo de acomodação restringe muito o segmento de público: a grande maioria das pessoas não está disposta a renunciar a um certo grau de conforto. Barco mais sofisticados com cabines tem um custo muito elevado que acabam restringindo também o público potencial por causa do preço. Para viabilizar um maior número de roteiros de ecoturismo entre a Flona do Tapajós, A RESEX Tapajos-Arapiúns e o PAE Lago Grande, que possam dinamizar um fluxo turístico mais consistente e uma conseguir uma geração de renda mais significativa é indispensável pensar em uma rede de hospedarias comunitárias que permitam articular diferentes roteiros utilizando o barco para deslocamento e alimentação, mas oferecendo a hospedagem em terra com quarto e banheiros apropriados. Indicativamente são necessárias 3 ou 4 hospedarias, com capacidade para cerca de 15 pessoas cada. O posicionamento geográfico delas deve ser definido a partir da construção dos roteiros para permitir a inclusão de regiões mais distantes e uma variedade de ambientes. As especificações destas estruturas e o modelo de gestão coletiva precisam ser discutidas a fundo no decorrer desta fase inicial.

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A região do rio Arapiuns apresenta um ambiente natural propício, existem inúmeras comunidades tradicionais que podem ser envolvidas em roteiros de visitação, sendo que algumas já estão incluídas nos roteiro realizados. As etapas da ação para expansão nesta área podem ser resumidas da seguinte forma: • Levantamento das comunidades interessadas em trabalhar com ecoturismo; • Levantamento dos atrativos das comunidades; • Formulação de roteiros preliminares; • Discussão das propostas nas comunidades; • Realização de ações de qualificação; • Realização de roteiro piloto; • Definição da estruturas receptivas e suas localizações; • Elaboração de um portfólio de atrativos e roteiros para negociação com financiadores e operadores.

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Capacitação Comunitária O trabalho desenvolvido anteriormente pelo PSA na área de ecoturismo envolveu essencialmente um processo de sensibilização e mobilização inicial das comunidades. Só nas comunidades da Flona havia sido realizado um trabalho de formação mais consistente em relação ao ecoturismo, com formação de monitores ambientais e preparação de trilhas, mas ainda assim não podemos dizer que as comunidades estão efetivamente organizadas e estruturadas com autonomia para esta atividade.

seguintes atividades foram realizadas: • Apresentação do projeto às comunidades, levantamento de informações, realização do inventário para conhecer 'a cara' de cada comunidade e possibilitar a construção de roteiros que valorizem o que cada comunidade tem de melhor/mais característico • Qualificação das comunidades a partir dos dados levantados no inventário. Processo de adequação e preparação das comunidades para receber visitantes (4 oficinas – Acolhida aos Visitantes, Educação Ambiental, Manipulação de Alimentos/Gastronomia, Intercâmbio entre as comunidades • Divulgação do trabalho / Comunicação: consiste na comercialização dos roteiros

As ações de comercialização se restringiram a parceria pontuais com organizações que conheceram o Saúde & Alegria pela sua atuação em outras áreas, sem uma ação planejada e estruturada para promoção e comercialização. Desta forma, desde 2007 iniciou-se um processo de estruturação da atividade e capacitação das comunidades. Através do convênio com o Ministério do Turismo e da parceria com o Núcleo Oikos as

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Naiara Miranda conta sobre sua experiência com o inventário das comunidades: 'As comunidades sabiam o que era turismo mas isso não estava muito explícito para elas. Para elas era algo fora da realidade. Então (o objetivo da capacitação) era mostrar para eles que era algo que estava ali dentro mas que precisava ser despertado. A logística, a mobilização das comunidades e a metodologia era toda organizada pelo PSA. Como as comunidades ficam distantes (4 horas a mais próxima) nós chegávamos sempre pela manhã e a comunidade já estava mobilizada esperando no barracão comunitário. Primeiro foi esclarecido o que era a atividade do turismo, qual o diferencial do turismo comunitário (a proposta do PSA), mostrar que existe este ramo do turismo, e que eles têm grande potencial para isso. Para isso foi feita uma dinâmica inicial, em que se vendavam os olhos de um comunitário que foi escolhido e se colocavam vários obstáculos no meio do caminho. Isso simbolizava o percurso que eles teriam que vivenciar até ficarem preparados para receber os grupos. A própria comunidade era responsável por guiar a pessoa que estava com os olhos vendados, então se eles não estivessem em sintonia, não ia dar certo. Dessa maneira bem lúdica, foi passado o desafio e os cuidados para que a atividade dê certo. Depois disso pequenos grupos de comunitários ficavam responsáveis por guiar os monitores, apresentando toda a comunidade, em uma atividade bem prática para mostrar para eles mesmos as potencialidades e desafios da comunidade para o turismo. Isso despertou o interesse deles para o turismo e facilitou a interação entre os monitores e as comunidades.' Sobre a capacitação de 3 dias (em duplas de monitores): 'A dupla de monitores ficou hospedada em casas de famílias, e ao longo de 3 dias foram levantados diversos aspectos importantes como atrativos, infraestrutura, organização comunitária. Foi uma coleta de dados e um despertar das comunidades para o turismo comunitário. As oficinas realizadas trataram dos seguintes assuntos: • Planejamento • Turismo de base comunitária • O que é necessário para se receber grupos Eles viam na gente o conhecimento técnico de algo que ele já conheciam na prática. Então a gente não veio trazer algo de outro mundo, mas sim algo que já fazia parte do dia-a-dia deles mas olhado de uma forma diferente. Eles se sentem inferiorizados/intimidados quando chegam pessoas de fora, então é importante esse trabalho psicológico com eles também.

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Conquistas e Desafios Conquistas Para a expansão das experiências de ecoturismo comunitário no rio Arapiuns foram estabelecidas novas parcerias que garantiram o fortalecimento da equipe e mais recursos para as ações de qualificação e promoção. As comunidades escolhidas para participar do projeto foram Anã, na RESEX TapajósArapiuns, Atodí, Arimum e Vila Amazonas no Assentamento Lago Grande. Já participavam com uma certa regularidade de ações de ecoturismo desenvolvidas

Ponto de partida Outubro de 2007

Maio Setembro de 2008

Julho Agosto de 2008

pelo Saúde & Alegria as comunidades de Jamaraquá, na FLONA e de Urucureá no Assentamento. Estão planejadas para serem incluídas no projeto nas próximas etapas as comunidades de Maripá na RESEX, Bom Jesus e Cuipiranga no assentamento, totalizando 06 comunidades já envolvidas em atividades e 3 previstas. As atividades de planejamento, mobilização e organização das comunidades avançaram dentro do

24 a 27 Agosto de 2008

11 de Novembro de 2008

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Novembro de 2008 Janeiro de 2009

cronograma planejado, alcançando os resultados esperados. Depois de selecionadas as comunidades realizamos 04 oficinas de apresentação do projeto, formação das comissões comunitárias de turismo nas mesmas; processo de seleção e formação de uma equipe de monitores para acompanhar as comunidades; realização do inventário turístico das comunidades. Elaboramos novos roteiros e iniciamos a formulação de material de divulgação.

Março de 2009

Junho Agosto de 2009

Setembro Dezembro de 2009


Desafios

• Ampliar e diversificar os roteiros e as atividades oferecidos, planejando opções para o público independente e para nichos de mercado;

Os roteiros oferecidos até agora, em barcos regionais, dormindo em rede e utilizando sanitários coletivos, apresentam várias limitações:

• Avançar na construção de estratégias e ferramentas de comercialização;

•Restringem muito o segmento de público, considerando que a grande maioria das pessoas que viajam não está disposta a renunciar a um certo grau de conforto;

• Planejar uma rede de hospedarias comunitárias que permitam articular diferentes roteiros utilizando o barco para deslocamento e eventualmente alimentação, mas oferecendo hospedagem e alimentação em terra

•Só podem ser realizados com grupos de mínimo 08 pessoas, porque os custos de locação de barco, tripulação e combustível são elevados e se tornam insustentáveis para grupos menores; • Só podem ser realizados com um planejamento bastante antecipado e não conseguem portanto atender os viajantes independentes, que representam hoje mais de 50% do mercado. Para pensar um salto qualitativo e quantitativo do programa de ecoturismo do PSA é preciso atuar em vária frentes: • Intensificar o investimento em um processo de organização e qualificação sistemático das comunidades envolvidas;

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O desafio da infra-estrutura O maior desafio para qualquer estrutura de hospedagem é encontrar o dimensionamento e a fórmula de gestão que permitam garantir um ponto de equilíbrio financeiro. Uma vez estabelecidos os custos fixos e variáveis, os 03 fatores da formula são o número de apartamentos disponíveis, o valor da diária e a taxa de ocupação. A taxa de ocupação depende de vários fatores: qualidade do serviço oferecido, localização, capacidade de promoção, preço, sazonalidade da localidade, concorrência entre outros. Estar localizados em um ponto de grande fluxo turístico, garante uma boa ocupação com menor esforço e capacidade de promoção. Uma localidade de fácil acesso, próxima dos centros emissores, com atrativos durante o ano inteiro, estruturada para atender diferentes segmentos de turismo, ganha com facilidade taxas de ocupação elevadas. No litoral do nordeste do Brasil, onde o turismo já alcançou níveis de desenvolvimento consideráveis e o acesso é relativamente fácil, devido a

sazonalidade e a concorrência a taxa média de ocupação não passa de 40% e o valor médio da diária por pessoa está entorno de R$ 80,00. Neste cenário, mediamente, o equilíbrio financeiro do empreendimento se alcança com pelo menos 40 apartamentos. No contexto de um programa de ecoturismo comunitário em unidades de conservação no meio da Amazônia (que é um segmento ainda muito restrito do mercado) onde os grupos de visitantes geralmente não passam de 16 pessoas, distante dos centros emissores e portanto com um custo de acesso elevado, com limitações sazonais impostas pelo clima, é indispensável um planejamento muito cuidadoso e adequado a realidade. A estrutura precisa se adaptar a paisagem e as características climáticas. Precisa ter um custo de manutenção reduzido, sendo versátil e adaptável a diferentes segmentos de público. O modelo de gestão deve reduzir ao máximo os custos fixos. Dificilmente é sustentável a contratação de profissionais externos para gestão, sendo recomendável a gestão cooperativa/comunitária. Desta forma o tipo de serviços a serem oferecidos e o estilo do empreendimento devem ser planejados para que possam efetivamente serem gerido por comunitários e não por profissionais da área.

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O isolamento e a localização tornam um desafio as infraestruturas básicas: saneamento, água e energia. O Projeto Saúde & Alegria planeja inicialmente 02 ou 03 estruturas de hospedagem, uma na comunidade de Jamaraquá, na Floresta Nacional do Tapajós e outras duas na região do baixo rio Arapiuns, no Assentamento Agroextrativista Lago Grande. A primeira estrutura, em Jamaraquá, por ser localizada em localidade relativamente próxima a Alter do Chão e a Santarém, com acesso por via fluvial e rodoviária, apresenta um potencial para receber diferentes segmentos de público, em maior número e com maior frequência. Pode portanto se imaginar uma estrutura inicial menor e mais simples, com a perspectiva de ampliação e diversificação. Existe em Jamaraquá a perspectiva de receber hospedes que participam de roteiros de ecoturismo e permanecem portanto um tempo relativamente breve (1 ou 2 dias) como também visitantes que procuram aproveitar uma estadia em um lugar natural e podem portanto permanecer até uma semana o mais. Para a segunda categoria é preciso planejar unidades independentes, mais espaçosas e confortáveis.

As outras estruturas, no rio Arapiuns, por serem mais distantes e acessíveis exclusivamente por via fluvial, se destinam quase que exclusivamente a hospedes que participam de roteiros de ecoturismo e permanecem portanto um tempo relativamente breve (1 ou 2 dias) ou pesquisadores e parceiros do Projeto Saúde & Alegria, podendo ser portanto menores e mais “espartanas”. Estabelecemos recentemente um diálogo com um escritório de arquitetura de São Paulo que manifestou interesse em uma cooperação voluntária na elaboração do projeto das pousadas e iniciamos também uma interlocução com uma estudante de arquitetura da PUC do Rio que esta propondo cooperar ao desenvolvimento das pousadas como projeto de pesquisa, com orientação e apoio do coordenador do curso.

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O desafio da comercialização Com a chegada do novo cooperante para esta área, aproveitamos para realizar um estudo do perfil da demanda que ajudasse a entender as dificuldades encontradas para comercialização: Identificamos claramente a necessidade de repensar a estratégia de comercialização e formular novos produtos: período médio de permanência em um destino na Amazônia é de 3-4 dias; gasto médio por pessoa dia é de R$ 140,00; público interessado em uma viagem sustentável na Amazônia em sua grande maioria afirma não gostar viajar em grupo – são geralmente casais ou pequenos grupos de amigos de 4-6 pessoas; 60% não utilizam agências para organizar suas viagens e 24% só contrata em agências serviços avulsos que se referem em geral a compra de passagens e a primeira noite em um hotel na chegada no destino.

O roteiro oferecido até hoje pelo PSA em parceria com o Projeto Bagagem tem duração de 6- 7 dias, custa mais de R$ 200,00 por pessoa e só é viável com grupos de mínimo 10 pessoas. É evidente a necessidade de oferecer outros produtos, que se encaixem na demanda. Para fazer isso é preciso deixar de utilizar o barco com toda tripulação e alugar lanchas rápidas menores. Isso demanda uma série de investimentos nas comunidades. Inicialmente as principais demandas são, banheiros para os visitantes, geladeira para conservar alimentos e bebidas, cozinhas comunitárias melhor equipadas e, possivelmente, iluminação. Em uma etapa seguinte precisa construir estruturas de hospedagem. O dado relativo a pouca participação das agências na comercialização das viagens, somado aos altos custos da participação de operadores na comercialização, nos remete a necessidade de formular novas estratégias de promoção e venda das viagens, focadas principalmente na comunicação direta com os potenciais clientes e na utilização da internet, de fórum, redes sociais e outros meios de comunicação digitais, aliados a um estudo mais profundo do perfil e da realidade do mercado.

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Naiara conta: ‘Temos alguns problemas na parte da comercialização por conta do nosso único meio de chegar às comunidades ser o barco. Nem todo mundo está acostumado a andar de barco, nem todo mundo está disposto a dormir em rede. As comunidades são muito simples, não têm pousadas para receber, não tem saneamento básico, uma delas não tem nem água encanada. Parte delas tem energia só por gerador a diesel, então é algo bem rústico mesmo. E quando a gente vai vender esse pacote é bem limitado por conta do preço ser alto, por conta de nós precisarmos locar um barco, combustível, toda uma tripulação para acompanhar o grupo, uma cozinheira, o comandante, o tripulante de apoio. Então a organização faz com que o nosso roteiro seja um pouco caro para o padrão do público. O público que a gente tem é independente. São duplas, trios que chegam e querem fazer algo rapidamente, e no entanto a gente está tentando aperfeiçoar. A idéia é construir minipousadas dentro das comunidades com o mínimo de conforto, com banheiro, com cama, para que a gente não necessite de um barco, para poder reduzir o preço do nosso pacote e consiga realmente mostrar para a comunidade que ela tem potencial. Quando eles recebem um grupo é que eles percebem isso, que o projeto está andando. E nós estamos adequando o nosso roteiro para isso. E mostrar que se a comunidade estiver bem organizada ela vai conseguir chegar a uma estabilização no mercado e a um bom conhecimento do roteiro no Brasil e fora também.’ Naiara Miranda

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Considerações Finais O Turismo no Tapajós-Arapiuns hoje e perspectivas futuras

O inventário é na realidade um trabalho em atualização permanente, que está alcançando uma versão BETA agora. Nele, além das informações gerais sobre a região, o modo de vida, a cultura, que pretendem ser um pouco mais aprofundadas do que encontramos geralmente na internet e nos inventários do Mtur ou das prefeituras, tem a parte específica de cada comunidade. A ideia final é de poder disponibilizar para os visitantes, para os operadores e para os próprios comunitários informações detalhadas e organizadas sobre cada local e cada atividade. Para os comunitários pretendemos em seguida elaborar também um manual de boas práticas e procedimentos operacionais. No decorrer deste trabalho ficou evidente a necessidade de repensar a forma de remuneração e os valores das atividades. Estamos ainda discutindo melhor este aspecto com as comunidades, mas já

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temos uma primeira reformulação que discrimina cada atividade: quanto tempo dura, quantas pessoas trabalham para realização, qual é o número mínimo de participantes, em quais horários é melhor realizar, se existem restrições em certas épocas do ano e quanto custa. Em cada comunidade temos então uma lista de atividades que podem ser realizadas, cada uma com suas especificações e preço e podemos montar uma programação sob medida para cada situação. Aos custos das atividades sempre é acrescentada um valor como contribuição para a associação comunitária. A estratégia de comercialização para qual estamos nos orientando precisava de uma organização neste sentido. Entendemos que o Saúde & Alegria vai continuar tentando promover viagem do seu jeito e com a sua marca, mas não pode ser o único ator na comercialização. Não somos operadores de turismo e não temos vocação para o mercado. O nosso público é restrito demais para atender as expectativas das comunidades e garantir uma expansão do processo. As comunidades precisam poder negociar autonomamente no mercado com outros interlocutores.

O primeiro passo é em direção aos operadores locais. É um fato que a maior demanda para visita as comunidades acontece aqui, nos hotéis, nas pousadas e nas operadoras locais, com os turistas que chegam em Santarém e Alter do Chão. No âmbito dos encontros do projeto do Mtur “Santarém destino referência em ecoturismo” estamos promovendo esta aproximação. Existem conflitos a serem resolvidos, mas é um dialogo importante. A partir do momento que as comunidades estão organizadas, tem clareza do que podem oferecer e do que podemos cobrar já fica mais fácil. O outro passo que estamos dando é promover a articulação das comunidades que recebem visitantes na região – algo como uma REDE MOCORONGA DE TURISMO COMUNITÁRIO – no âmbito da qual eles se articulem, estabeleçam regras e valores comuns e organizem uma plataforma de negociação com os operadores. A idéia é que em conjunto eles criem uma carta de princípios que operadores, comunidades e visitantes vão assinar, vai ter uma tabela de preços e serviços e vai ter operadores credenciados. A rede local vai se articular com a Turisol. No caso das viagens oferecidas diretamente pelo Saúde & Alegria estamos testando parcerias com agências locais para que eles, além de assumir a

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relação econômica com os visitantes, assumam a logística, deixando para o PSA a tarefa de divulgar os roteiros e acompanhar os grupos. A partir do momento em que a relação comunidadesoperadores locais estiver estabelecida, podemos pensar em apresentar os operadores locais para as operadoras parceiras da Turisol para que em conjunto articulem e realizem toda a operação. O PSA não pretende mais assumir a logística local e quem não está aqui precisa de alguém que faça isso. A idéia do fundo gerenciado pelas REDE de comunidades ainda existe mas não é uma questão fácil. Estes roteiros são caros por natureza. Os operadores locais já reclamam dos valores cobrados pelas comunidades, que a partir das experiências realizadas e do que eles viram nos intercâmbios aumentaram. Fica difícil incluir mais um custo que pode tornar o negócio inviável. Então nesta fase estamos deixando o fundo suspenso por enquanto, dando prioridade à ativação do circuito. No âmbito da rede vamos poder retomar esta discussão.

locais e o Saúde & Alegria oferecendo roteiros em parceria com agências locais. A tendência vai ser as agências locais oferecendo visitas mais curtas, os parceiros da Turisol oferecendo roteiros combinados com outros destinos e o Saúde & Alegria oferecendo sua viagem mais direcionada ao público terceiro setor/fair trade/consumo responsável. Em relação aos investimentos necessários nas comunidades continuamos defendendo esta visão: •Banheiros, cozinhas e geladeira ou freezer em todas as comunidades a serem visitadas; •Pousada em Jamaraquá (o projeto está pronto esta indo para aprovação no ICMBIO); •Hospedaria inicialmente em Arimum (estamos formulando o projeto).

Então o cenário para o próximo futuro pode incluir agências locais oferecendo visitas às comunidades, parceiros comerciais da rede Turisol oferecendo roteiros em parceria com as agências

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Compartilhando sonhos 'Em relação ao projeto de ecoturismo, a idéia é que essas comunidades estejam preparadas, tenham autonomia para gerenciar o projeto dentro da comunidade. Para isso nós formamos comissões. Cada comunidade tem uma comissão local de ecoturismo, que é responsável por mobilizar a comunidade quando vêm os grupos, de organizar tudo. Então a nossa perspectiva de futuro é que eles sejam autônomos, que a nossa comercialização façam com que a gente mantenha contato com pessoas de fora que possam futuramente fazer essa recepção dos grupos sem ter a necessidade de uma ligação direta com o Saúde e Alegria. Que eles tenham autonomia também quando se sentirem à vontade, preparados para receber esses grupos, vão em busca de agências para comercializarem seus roteiros.

'Meu sonho é construir uma minipousada na comunidade de Anã e ativar a comercialização de produtos da comunidade.'

Como profissional eu espero contribuir bastante com um trabalho que a gente vê resultado quando sai da comunidade, quando faz a avaliação e a comunidade diz que se sentiu super à vontade, que gostou do trabalho, que aquilo realmente era necessário. Então a gente trabalha em cima das necessidades, e quando a gente vê que supriu aquelas necessidades é muito bom. E eu pretendo seguir essa linha de turismo, trabalhando em campo porque é divertido. Contato com pessoas é sempre bom e é um trabalho que mostra resultado imediato. Quando você se sente útil para alguém. Então essa é minha linha de trabalho, é isso o que eu quero.' Naiara Miranda

Reginalva, Comunidade de Anã

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Contatos Autores/Contadores de Histórias

DAVIDE POMPERMAIER

MARIA REGINALVA ALVES GODINHO

NAIARA DA SILVA MIRANDA

Natural de Santarém (PA), onde cresceu e vive até hoje, Naiara tem uma forte raiz cabocla e cresceu vivendo e convivendo com a mitologia amazônica através de lendas como a cobra grande, o boto, o curupira. Filha de família humilde, Naiara conquistou seu espaço através dos estudos, muito incentivado pelos pais que não tiveram a mesma oportunidade. Formada em Letras e em Turismo, Naiara é hoje membro do Núcleo de Economia da Floresta do Projeto Saúde e Alegria, seu primeiro emprego.

Vive na Comunidade de Anã, na Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns (Santarém PA), onde nasceu e cresceu. Foi criada por sua avó Jorgina em um local isolado bem dentro da mata e aproveitava muito os momentos em que tinha a oportunidade de brincar com os primos e os amigos. Teve uma infância muito feliz, com muita pureza, simplicidade, respeito e liberdade. Hoje é presidente da Associação dos Produtores Rurais de Anã (APRONA), que abriga várias outras organizações internas como a MUSA (Mulheres Sonhadoras em Ação) da qual também faz parte.

Projeto Saúde e Alegria www.saudeealegria.org.br davide@saudeealegria.org.br Av. Mendonça Furtado, 3.979 Liberdade – Santarém/PA CEP: 68.040-050 Tel: (93) 3067-8000 Fax (93) 3067-8005 Coordenador Regional: Caetano Scannavino Filho Coordenador do Projeto: Davide Pompermaier

Créditos Desafios para a Cooperação na América Latina', Editora Peirópolis, São Paulo

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