A exposição é constituída por fotografias de áreas rurais de diferentes regiões do país e da fronteira boliviana que narram vivências de resistências e (re)existências de vidas rurais. A imagem como dispositivo
As imagens foram capturadas por mestrandas e doutorandas do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural (PGDR UFRGS) e por pesquisadoras do Grupo de Estudos em Saúde Coletiva (GESC UFRGS), apresentando cenários rurais para além do espaço agrário.
Resistências, (re)existências e (sobre)vivências em imagens para pensar o rural MANIFESTO VISUAL
2018
As fotografias selecionadas procuram dar visibilidade para o rural como um espaço de vida, evocando paisagens e pessoas que constituem esse espaço e são por ele constituídas
Profa. Dra. Tatiana Engel Gerhardt PGDR UFRGS/GESC UFRGS Profa. Dra. Eliziane Nicolodi Francescato Ruiz PGDR UFRGS/ GESC UFRGS
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A arte de óleo...
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Autoras Ma. Ana Lúcia Oliveira da Silva PGDR/GESC UFRGS Dda. Diana Manrique Garcia PGDR/GESC UFRGS Mda. Dirce Cristina de Christo PGDR UFRGS Dda. Jaqueline Evangelista Dias PGDR UFRGS Mda. Luymara Pereira Bezerra de Almeida PGDR/GESC UFRGS Profa. Dra. Vilma Constância Fioravante dos Santos FACCAT/GESC UFRGS Tamires V. A. Diehl FACCAT/GESC UFRGS
A imagem como dispositivo
Resistências, (re)existências e (sobre)vivências em imagens para pensar o rural MANIFESTO VISUAL
2018
Os deslocamentos que vivenciamos na
Tocando no âmago de valores
criação deste manifesto visual se revelam
importantes, como igualdade e
em imagens produzidas por movimentos
solidariedade, o debate sobre
não só geográficos, mas crítico-reflexivos
diversidade e pluralidade tensiona
e estéticos frente às realidades humanas,
nossas concepções de laços sociais e
em territórios de aprendizagem diversos
nossa capacidade de conviver. Surge aí a
e no diálogo com diferentes epistemes.
necessidade urgente de reconhecer que
Partimos em busca de olhares atentos
as diferenças são construídas
que captem as sutilezas dos espaços de
socioculturalmente sobre uma estrutura
vida e contribuam para uma escrita
social de matriz colonial de poder
densa e sensível sobre as possibilidades
racializada e hierarquizada.
da experiência humana. A partir da interculturalidade crítica, Buscamos constituir um manifesto visual
compreende-se que o encontro entre
de obstinação pela vida, onde flagrantes
culturas é atravessado por relações que
de força antropológica se opõem à
tentam minimizar as tensões e os
banalização do mal, questionam
conflitos, ocultando cenários de poder,
constantemente o que nos separa e o que
dominação e colonialidade, silenciando o
nos une, sobretudo a partir do atual
diverso sob parâmetros
desafio, extremamente complexo, de nos
homogeneizantes que dizem reconhecer
compreendermos enquanto sociedade.
as diferenças.
Trata-se, portanto, de desnaturalizar estes processos e produzir conhecimento em construção permanente de relação e
É sobre essas vivências que propomos um manifesto visual para pensar o rural.
de negociação entre, buscando condições de respeito, legitimidade e simetria. Acolhemos os desafios desta experiência, tal qual ela se desenvolve e se inscreve hoje no coração de profundas
Os temas disparadores para esta mostra
transformações da vida coletiva.
falam de resistências, (re)existências e
Nossas reflexões partem do compromisso de que não se faz ciência apenas no universo acadêmico, mas também – e principalmente – com a sociedade, sem a qual o fazer científico perderia seu sentido e essência. Assim, criamos movimentos em busca de formas
(sobre)vivências. Falam de pessoas que não somente existem em seus territórios, mas (re)criam cotidianamente suas existências. Frente ao projeto moderno colonial que destrói alteridades e insiste em silenciar e invisibilizar suas vidas, estes povos resistem e forjam
diversas de conhecer e compreender o
permanentemente novas formas de
mundo, estabelecendo pontes entre
relacionar-se em coletividade.
diferentes possibilidades de produção e comunicação do conhecimento. Ao ampliar linguagens nas práticas de pesquisa, traçamos caminhos para a devolução da produção científica à sociedade.
Caminhos e rotas que levam ao campo A imagem como dispositivo
Escolas, educação, criança e inocência Paisagens bucólicas que trazem memórias Trabalho, desafio e resistência
ESCOLA DO CAMPO: INOCÊNCIA E RESISTÊNCIA
Olhar atento à vida que seque tranquila Infância vivida com simplicidade Cavalo amigo e cúmplice Apoio familiar e tarefas longe da cidade
Ana Lúcia Oliveira
2018
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A arte
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de óleo...
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Correria para a brincadeira Queixas ao pé do ouvido, olhar atento Salas quase vazias ou multisseriadas Esperança que vem de um sopro de vento
Vários séculos depois, quando a quina e a goma não são mais a única desculpa para a barbárie de expedicionários e missionários, encontramos nos braços estendidos do rio Iténez (Guaporé) comunidades que re-existem entre as pampas, o chaco, a selva, o rio e a memória.
A imagem como dispositivo
Re-existências manifestas nas criações das comunidades para reinventar-se, para desafiar o projeto hegemônico moderno com devires incertos, carregados de traços e cores presentes na memória de suas próprias culturas, na procura de dignificar a vida fazendo dela um constante acontecimento que se reinventa.
REEXISTÊNCIAS
Diana Manrique Garcia
2018
Os povos amazônicos da Bolívia e suas diversas práticas respondem por uma espécie de múltiplos tempos-espaços que confrontam e interpelam, no material, no simbólico, no estético e no espiritual, o sistema colonial capitalista. O presente ensaio fotográfico procura abordar timidamente um dos diversos grupos que habitam este território: os Itonamas. Uma comunidade que implicitamente nos fala de devires reterritorializados, conjugando seus conhecimentos em uma série de práticas, expressões e emoções que nos levam a pensar que, mesmo depois de séculos de violência, em seus espaços cotidianos, têm sido capazes de manter não só liberdades, mas acompanhamentos, cumplicidades e curas.
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A arte de óleo...
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Mundos que se misturam em um território disputado, ou simplesmente intensidades, forças se encontrando e prolongando as tensões, onde os códigos próprios de uma ontologia diferente nos demandam e nos fazem pensar este espaço como um lugar para escapar aos códigos de interpretação teórica colonial em que mantemos o nosso poder de conhecimento científico. A reflexão que nos resta neste ensaio é a necessidade vivida de práticas de pesquisa que sejam capazes de reconhecer e produzir conhecimento localizado capaz de compartilhar a complexidade dos mundos que podemos sentir durante o privilégio do "trabalho de campo".
Abrir novas oportunidades de compartilhar o que estamos vivenciando é também ir além dos formatos acadêmicos tradicionais, um convite não apenas a desconstruir nosso próprio pensamento como pesquisadores, mas para abrir os sensos na identificação de linhas móveis dos universos ontológicos que constantemente fluem através de nós.
O caminho desta narrativa visual é traçado em busca de gestos que rompem a separação entre cultura e natureza forjada pela modernidade. As imagens são produzidas no encontro com práticas que dissolvem essa ruptura nos corpos, flagrando movimentos de reintegração do elemento humano com os territórios existenciais.
A imagem como dispositivo
NATUREZA E CULTURA NOS CORPOS Dirce Cristina
2018
Nas capitais do Sul do Brasil, a resistência se dá por meio do artifício. É através do ato performático que as fronteiras que separam humanos e terranos são dissolvidas, evocando realidades diversas através do gesto artístico do corpo. Ao mesmo tempo, este recurso à representação enuncia a profundidade da cisão que atravessa os corpos diferenciando o que é natureza e o que é cultura.
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Deslocando o olhar, através de uma pesquisa etnográfica na comunidade quilombola Macaco Branco no município de Portão/RS, o abismo almejado pela modernidade já não se completa. No cotidiano das comunidades tradicionais, há um modo de reproduzir vida boa em conexão com o território. A existência coletiva sinaliza a resistência ao individualismo que isola os sujeitos da comunidade e do lugar habitado.
Num ritmo de vida que comporta tranquilidade e alegria, revela-se a força de uma comunidade que há séculos enfrenta a violência colonial e resiste ao processo de abandono do meio rural. A ancestralidade segue re-existindo nos corpos das novas gerações, que recriam constantemente as possibilidades da vida, das diversas formas de vida que habitam o território. Neste tempo em que explodem as preocupações quanto aos limites do projeto moderno de sociedade, as experiências do viver quilombola deixam pistas de como reinventar a vida.
Contém conhecimento tradicional
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ÓLEO DE RUFÃO
Jaque Evangelista
2018
A narrativa visual de produção do óleo de Rufão se sustenta nas ideias de Jacques Rancière, que identifica a arte no singular, desobrigando-a de toda e qualquer regra específica, fundando sua autonomia e identidade de formas com as formas pelas quais a vida se forma a si mesma. Um primeiro encontro é com a planta, a arte de conhecer o ambiente em que ela se encontra, saber reconhecer suas folhas, seu jeito.
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A arte de óleo...
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A planta também tem seus segredos e ao cavar suas raízes, ali está sua identidade maior, uma raiz da cor do pôr do sol... A arte de saber a época certa de coletar seus frutos. Dos frutos vêm as sementes “grávidas” de óleo...a semente é a mãe de óleo. A arte das mulheres de serem “parteiras de óleo”... pelo calor do fogo. E o óleo apurado no fogo precisa de casa....de “envase”... e dentro da casa vidro e vestido de “rótulo” continua seu caminho para te encontrar...na arte de curar.
“O óleo de Rufão é usado em massagens locais para cólicas intestinais, dores nas articulações, reumatismo e em partes do corpo que perderam o movimento em decorrência de um derrame. O uso interno do óleo é indicado como expectorante, para tratar tosse e gripe".
O massapê encharcado A secura aparenta Mesmo, assim, alimenta O agricultor acampado.
A imagem como dispositivo
O sertanejo atravessa A estrada comprida Caminho para vida
(SOBRE) VIVÊNCIAS
Do lavrador que a acessa.
Com pouco ou nenhum conforto Uma morada improvisada Abriga uma família instalada Que a tem como seguro porto.
A colheita ademais escassa Garante a (sobre)vivência Luymara de Almeida
Demonstrando resiliência Do agricultor que a transpassa.
2018
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E a mulher cuidadosa, Alimentando o gado Labor sobrecarregado Da camponesa idosa.
Na imagem da criança Um (re) começo se faz E o vigor se refaz, Renascendo a esperança.
E o ciclo vital se reconstrói Mesmo com dificuldade, Mostrando a desigualdade Da vida que ainda dói.
A busca por retratar espaços onde se estabelecem diferentes formas de convivialidade entre o urbano e o rural possibilita que se traduza em imagens (r)existências e construções identitárias de pessoas que lutam diariamente pelo direito à construção de um território.
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IMAGENS DO COTIDIANO DAS MARGENS Tamires V. A. Diehl
2018
As fotografias apresentadas nesta narrativa descrevem os fios que se desenrolam nas histórias dos deslocamentos para ocupações de territórios que acabam por constituir o rururbano. O Morro da Cruz, bairro de periferia do município de Taquara, é feito de gente, reafirma-se pelas redes de conexões, pelos vínculos, pela luta conjunta quanto ao direito de ser. O território, a terra, o chão e todas as possibilidades que dela vêm, a casa, a água, os laços, os afetos, a insistência em existir quando não lhes é concedido espaço para tal, tudo isso é, em si, um universo, com seus códigos e significados nas partilhas diárias, seus modos de fazerse vida, suas formas de existir.
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A proposta de compor uma narrativa fotográfica que perpassa a saúde em consonância com as redes de existências se faz a partir da necessidade do câmbio de lentes mais sensíveis ao outro, para a compreensão das diversidades e complexidades das gentes que se configuram em potencialidades de produção de saúde em diferentes formatos e contornos.
Propõem-se, assim, flagrantes visuais tendo a fotografia como dispositivo que visibiliza a força da identidade construída pelo local, suas conquistas, sua trajetória, sua luta cotidiana por direitos. Inspirada nas ideias de Milton Guran, esta narrativa vê na fotografia a possibilidade de registrar ainda o fugidio, o apenas entrevisto, o inusitado, e, desta forma, abrir novas perspectivas para a observação de um fato. Neste sentido, a produção visual tem o interesse de, também, promover espaços de reflexão sobre a produção do cuidado em saúde de modo multidimensional, por intermédio do imagético.
A saúde como
A imagem como dispositivo
direito de cidadania
TRAJETÓRIAS ASSISTENCIAIS EM IMAGENS: O EMPÍRICO COMO EXPERIÊNCIA DE
A narrativa visual apresentada busca despertar e revelar o sensível, a produção de subjetividades, o não-
COMPARTILHAMENTO
dito, as nuances e detalhes que
DO SENSÍVEL
enquadramento, não somente das
muitas vezes escapam ao lentes do pesquisador, mas também do profissional de saúde. A narrativa
Vilma dos Santos
apresentada dá visualidade às relações que se estabelecem entre profissionais, usuários e a
2018
pluralidade de experiências de vida.
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Apresenta a trajetória assistencial de
Desta inspiração, surge uma tentativa de
um casal de idosos do rural do Rio
pensar com e pelas fotografias, produzindo
Grande do Sul pela tessitura de
um exercício reflexivo pela possibilidade
fotografias, onde as imagens buscam
que as imagens possuem de captar e
revelar a não existência de um
desconstruir os sentidos aprisionados pela
enquadramento pré-estabelecido,
linguagem textual, pela possibilidade
mas uma diversidade de
criativa que permite ir além dos
enquadramentos possíveis.
significados e sentidos preestabelecidos pelo pesquisador.
O Projeto Deslocamentos: do texto para a imagem, da sala de aula para os Inspirado no projeto fotográfico Êxodos de Sebastião Salgado, deslocamentos, palavra-chave deste manifesto visual, propõe a produção de A imagem como dispositivo
imagens por movimentos que não são somente geográficos, mas éticopolítico-epistemológicos e estéticos frente às realidades humanas, em outros territórios de aprendizagem e no diálogo com outros campos do conhecimento.
cenários é um projeto que integra atividades de ensino (Disciplina de Antropologia e imagem na pósgraduação, Objeto de Aprendizagem e MOOC Imagens para pensar o Outro – disponível na plataforma Lúmina da UFRGS), pesquisa (projeto (A)Diversidades no território rural e o cuidado em saúde: apreensões de itinerários terapêuticos em imagens) e extensão (Deslocamentos: a imagem como dispositivo para acessar as diversidades humanas e os usos do
PROJETO 2018
território).
O projeto propõe criar movimentos entre as formas de conhecermos e
O projeto deslocamentos consiste assim
compreendermos o mundo em que
em ferramenta pedagógica para
vivemos e o lugar que nele ocupamos,
apreensão das diversidades culturais em
estabelecendo pontes entre as diferentes
atividades indissociáveis de ensino,
formas de produção do conhecimento e de sua capacidade de comunicação. Reconhece-se, assim, a necessidade de considerar e se apropriar da multiplicidade dos gêneros discursivos de modo a ampliar linguagens nas práticas de ensino, pesquisa e extensão. Paralelamente, produzir outros movimentos possibilitando igualmente uma melhor devolução à sociedade daquilo que a ciência produz, assim como potencializar a comunicação e visibilidade, no campo científico, das experiências dos indivíduos
Ao ampliarmos linguagens, provocamos também outros movimentos: de valorização, de visibilidade e de acolhimento da diversidade na produção do conhecimento. A linguagem fotográfica utilizada por Sebastião Salgado no Projeto Êxodos é inspiradora desse movimento, não só geográfico, mas, sobretudo críticoreflexivo, na busca de olhares sensíveis que captam a essência dos espaços de vida e que contribuem para uma escrita
pesquisa e extensão. Portanto, não busca reconhecer, tolerar ou incorporar o diferente dentro da matriz e estruturas existentes. Busca, ao contrário, pelas imagens e pelas diferenças, reconceitualizar e re-fundar as estruturas sociais, epistêmicas e existenciais que colocam em cena – e em relação equitativa – lógicas, práticas e modos culturais diversos de pensar, atuar e viver.
densa e sensível sobre os modos de “ser sociedade”.
no que diz respeito aos diversos modos entrelaçados de pensar e lidar com a saúde, a doença, a morte e a vida.
A imagem como dispositivo