SUPLEMENTO TRIMESTRAL DO JORNAL RECONQUISTA | N ยบ 3563 | 26 DE JUNHO DE 2014 | FACEBOOK.COM/HAFESTANOCAMPO JULHO-SETEMBRO 2014 | JORNAL DAS ALDEIAS
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Há festa no campo
Há Festa no Campo Marco Domingues
Apresentação do Projeto Há Festa no Campo é um projeto de desenvolvimento local que pretende afirmar e valorizar as aldeias, enquanto territórios com manifestas oportunidades de desenvolvimento económico, social e cultural. Declara o “campo” enquanto simbolismo da união que agrega as aldeias, e a “festa”, a celebração da vida e o testemunho de um mundo com valores comunitários alicerçais dos quais destacamos, a solidariedade e a reciprocidade. As assimetrias construídas com base na localização e na dimensão populacional geraram um sentimento crescente de depreciação da vida rural e da condição sentida de inexistência de alternativa, senão o seu abandono. No entanto a preservação por afetividade, das memórias e tradições aldeãs,
refletidas nas celebrações e na vida local, são marcos de afirmação de um mundo que tem voz através da cultura e do seu património. Há Festa no Campo é um projeto que celebra a vida de um conjunto de aldeias unidas administrativamente, através da apresentação de propostas culturais e artísticas que dignificam as suas gentes, as suas memórias e as suas ambições. A vida nestes territórios são exemplos de resiliência que consolidada com a criatividade e genuinidade, se apresentam como espaços únicos de inovação social e cultural que cada vez mais atrai jovens e imigrantes de todo o mundo, cansados do afastamento da natureza, do desperdício de tempo, e da procura insaciável de satisfação material. O jornal em suplemento que
Editorial “O que importa é alimentar os desejos” - disse Domenico no filme “Nostalgia” (1983) de Tarkovski. Num tempo em que tanto se tem falado de metas, avaliações, programas de ajustamento de tudo e mais alguma coisa, importa construir novas formas de linguagem que apontem vias de construção subjetiva da nossa realidade. E por linguagem entendese aqui um olhar subjetivo de um mundo em construção permanente. O discurso macroeconómico, que nos cerca um pouco por toda a parte, esquece frequentemente as especificidades de cada indivíduo e das comunidades, padronizando tudo e todos sob a batuta dos mercados financeiros, da macroeconomia e do hiperconsumo. Surgem palavras que nos cercam como se de fantasmas se tratassem e que, a cada dia que
aqui se apresenta e a documentação audiovisual (documentário) do percurso deste projeto ao longo de três anos, das assembleias comunitárias e do processo de auto-aprendizagem, até a celebração expressa em festas e eventos, é a ambição final do projeto que deste modo, pretende (re)impulsionar o debate local, nacional e internacional em torno do desenvolvimento das aldeias. Este projeto reúne um conjunto de entidades parceiras que permitem o crescente aumento do impacto social. O consórcio de entidades parceiras e de referência que possibilitam viabilidade desta missão nos próximos três anos, inicia no financiamento do Programa Partis – “Práticas Artísticas para a Inclusão Social” da Fundação Calouste Gulbenkian, contando também com o
apoio da Câmara Municipal de Castelo Branco, e tem como parceiros de desenvolvimento estratégico a União de Freguesias do Freixial e Juncal do Campo, a ETEPA – Escola Tecnológica e Profissional Albicastrense, a Animar – Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Local, a Terceira Pessoa - Associação e como entidade promotora a EcoGerminar – Associação de Desenvolvimento do Interior, de promoção do Comércio Solidário e do Ecoturismo e de luta à Desertificação Rural. Mahatama Gandi defendia que para educar uma criança era preciso toda uma aldeia, pois bem, nós defendemos que para (re)educar o mundo, são necessários os bons exemplos das aldeias…
Terceira Pessoa Nuno Leão
passa, nos tentam sugar a capacidade crítica e autónoma de continuarmos a alimentar o desejo, atirando-nos num destino que alguém irá decidir por nós em nome da “salvação nacional”. De fora ficam as diferenças e especificidades de cada um, essas que fazem a riqueza de uma comunidade e que produzem o sentimento de pertença de cada indivíduo num todo. Importa assim perguntar: que lugar ocupa o senhor António Vaz, um dos habitantes mais velhos desta união das freguesias do Freixial e Juncal do Campo, no discurso mediático? E as lavadeiras que continuam a usar os tanques comunitários destas aldeias? Serão elas um atentado ao progresso industrial? E as memórias dos tempos de juventude que o Sr. Luís Magueijo viveu nestas aldeias? Serão elas a nostalgia de um tempo passado e que
já não volta ou adquirem elas agora, neste jornal, um fulgor de presente quiçá mais intenso do que quando em menino as viveu? A resposta a estas questões encontrá-las-á, talvez por um acaso, o leitor desta publicação que agora se inicia. Uma publicação feita por um grupo de pessoas, que todas as semanas se reúnem para debaterem e juntas encontrarem temas e motivos de produção jornalística da vida das suas comunidades. Foi assim que nasceu o nosso jornal: de uma vontade comum de um conjunto de pessoas que gostam do lugar que habitam e descobrem nele potencialidades de desenvolvimento e valorização do quotidiano. E descobrem-no nas pessoas e nas suas particularidades feitas comunidade: numa terra que ainda se cultiva sem químicos; num pequeno comércio onde se vendem produtos produzidos
e consumidos localmente; num acontecimento comunitário que junta pessoas à volta de uma mesa, à volta de um baile, de um atelier de costura, de um filme, de um espetáculo de teatro, de uma oficina de jornalismo. E todo este caminho que agora iniciamos se faz em estreita proximidade com as pessoas. Com elas descobriremos formas de impulsionar o desenvolvimento dos seus territórios, desenvolvendo um sentimento de pertença e uma voz ativa daqueles que têm sido esquecidos pelos discursos da prosperidade e do progresso em forma de estatística. Queremos ainda deixar o nosso bem-hajam a todos os nossos parceiros, que tornaram possível a edição deste jornal. Moram pessoas neste jornal e com elas alimentam-se desejos.
FICHA TÉCNICA Jornal das Aldeias, Suplemento do Jornal Reconquista | Direção: Ana Gil & Nuno Leão | Redação: Ana Ramalho, André Gonçalves, António Quelhas, J.Gonçalves, José Coelho, Louise Connell, Marco Domingues, Mariana Martins, Nuno Leão, Patrick Connell | Fotografia: Ana Ramalho, António Quelhas, Tiago Moura | Ilustração: Ana Cardoso | Design e paginação: Cátia Santos | Revisão: Ana Gil | Colaboração: Luís Magueijo ORGANIZAÇÃO
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ENTIDADE FINANCIADORA
JORNAL DAS ALDEIAS | JULHO-SETEMBRO 2014
ENTIDADES PROMOTORAS
ENTIDADES PARCEIRAS
ARTIGO
#EN Louise & Patrick
Um lugar para viver
After many years of living and working in big cities like Johannesburg, Dublin and London, we began to realise that lifestyle wasn’t for us and the idea of getting a small homestead in the countryside where we could live off the land began to take hold. We started looking in earnest and I had started travelling around Spain, particularly in the South, but away from the coast. I had read books about people doing it and that seemed to be the obvious choice. I spent quite a lot of time there but it never quite felt right for me. It was then on a chance visit to Lisbon that the wonders of Portugal were discovered. We had spent a few days in Cascais visiting friends and on the flight back to London, heading north east from Lisbon on a crystal clear day, we passed directly over the Serra da Estrela and I was struck by how beautiful it was. The river Zêzere meandering tightly through deep valleys, endless forest and the snow capped Estrela’s. I said to myself “why didn’t I know about this place...? I have to come, and see it!” It was not long after that we returned, hired a car and headed straight for Castelo Branco, the nearest town to what I had seen from the air. The relationship with Portugal and its people had begun.
After a few days spent exploring, we were convinced that this was the place for us. We saw a few properties in and around Castelo Branco, then we were shown Vale Sando, a piece of land near Freixial do Campo. It was perfect! Beautifully set in a forest lined valley overlooked by the rocky Serra da Gardunha. It was also completely undeveloped except for a small stone building. I liked the idea of a blank canvas that could be designed and developed exactly how we wanted. We rented a small house in the village and this is where we really began to get to know the people and were quickly accepted into the community. They were very welcoming, friendly and extremely helpful. There are a number of people that literally ‘took us under their wing’ and bent over backwards to assist us in so many ways; from buying a car, to getting building work done, to getting paperwork sorted at the Câmara Municipal. Even with the language barrier, frustrating as it must have been, they continued to do whatever they could to make us feel welcome and comfortable. Sometimes you can apply a personality to a country and its people, as a whole and that definitely applies to Portugal: beautiful, warm, open, kind and gentle. To be continued...
#PT Louise & Patrick Depois de muitos anos a trabalhar em grandes cidades, como Joanesburgo, Dublin e Londres, começámos a pensar que este estilo de vida não seria para nós. A ideia de ter uma pequena casa no campo começou a tomar forma. Começámos a levar esta ideia a sério e viajámos por terras espanholas, mais particularmente na zona sul, afastada da costa. Tínhamos lido alguns livros sobre pessoas que o tinham feito e pareceu-nos uma escolha óbvia. Passámos algum tempo nessa zona mas nunca nos pareceu o mais adequado. Foi então que, numa visita a Lisboa, foram descobertas as maravilhas de Portugal. Passámos alguns dias em Cascais, a visitar amigos... De regresso a Londres, no avião, em direção ao norte este de Lisboa, com o céu limpo e claro, passámos exatamente acima da Serra da Estrela e ficámos espantados com a beleza desta zona. O rio Zêzere entre vales profundos, as florestas intermináveis e a neve a cobrir a serra. Começámos a pensar “porque é que eu não conhecia este lugar...? Tenho de voltar, e visitá-lo!” Pouco tempo depois voltámos, alugámos um carro e fomos diretamente para Castelo Branco, a cidade mais próxima que vislumbrámos a partir do céu. A relação com Portugal e os portugueses tinha começado. TIAGO MOURA
Depois de alguns dias a explorar, estávamos convencidos que este lugar era para nós. Vimos algumas propriedades dentro e próximas de Castelo Branco, depois foi-nos mostrado Vale Sando, um pedaço de terra perto do Freixial do Campo. Era perfeito! Maravilhosamente situado num vale da floresta, com vista para a Serra da Gardunha. Era completamente virgem, havia apenas um pequeno edifício de pedra. Gostámos da ideia de uma tela em branco que poderia ser concebida e desenvolvida exatamente como queríamos. Alugámos uma pequena casa na aldeia e foi aí que começámos realmente a conhecer as pessoas, fomos rapidamente aceites na comunidade. Foram muito acolhedoras, simpáticas e extremamente prestáveis. Algumas pessoas andavam literalmente connosco “debaixo da asa” e ajudavam-nos de diversas formas; desde comprar um carro, começar o trabalho de construção, tratar da respetiva documentação na Câmara Municipal. Mesmo com a barreira da língua, frustrante como foi, as pessoas continuaram a fazer o que podiam para nos sentirmos acolhidos e confortáveis. Às vezes podemos atribuir uma personalidade a um país e ao seu povo, o que certamente se aplica a Portugal: bonito, quente, aberto, amável e gentil. Continua...
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ENTREVISTA senhor António Vaz
Esse livro é nada mais, nada menos que o livro dos apuros do café. Ia descalço para escola numa altura em que a escola do Juncal do Campo tinha mais de cem alunos. Aos 15 anos já tinha o seu próprio gado para pastar. Hoje, aos 89 anos, António Vaz diz sentir-se triste por este “desaparecimento do mapa” das nossas aldeias. ANDRÉ GONÇALVES . MARIANA MARTINS . JOSÉ COELHO .
Por quantas primaveras já passou? Tenho… primaveras… já passei por 89 primaveras. Completo este ano, para agosto, os meus 90 anos. Vamos lá ver! Ando a fazer por isso. Não penso que estarei cá até esse tempo. É preciso comer, beber e fazer alguma coisinha. Sempre viveu no Juncal? Estive ausente em Santarém 3 anos e meio, a trabalhar. Em 1950 deram-me férias pelo Natal e vim passá-lo ao Juncal com a família. Entretanto regressei a Santarém mas, passados dois meses, já em 1951, voltei definitivamente para o Juncal e comecei a tratar da vida. Nas traseiras da sua casa teve um café, o “Café Vaz”. Como era o dia-adia no café? Uma prima minha que era viva é que abria a porta às 7 horas da manhã, varria e começava a atender os clientes. Eu estava na cama até às 8 horas. Depois das 8 ia para o café ou para o campo a 4
trabalhar. Passavam-se aqui os serões e às 9/10 horas da noite fechava-se a porta. Às vezes, depois disto, ainda andavamos por aí, eu tinha uma guitarra para tocar o fado, e como o pessoal gostava de ver a malta a tocar, íamos entrando na casa de algumas pessoas. E até chegavamos a ir ao Salgueiro do Campo. Entrava muita gente aqui no café? Pessoas de longe, por exemplo? Já naquele tempo passava aqui gente de todo o lado. A camioneta saía de Souto da Casa, ao pé do Fundão, e carregava o pessoal até Castelo Branco. A certa altura, a camioneta parava aqui à nossa porta para o pessoal beber um copinho e estar um bocado à vontade. Eu chegava a jogar às damas com o motorista! De carro também aqui parava muita gente, como param em qualquer café agora, mas bebem pouco... Como estão de viagem podem mandar parar e soprar no balão, e depois é o diabo...!
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Sabia que é uma das pessoas mais velhas da freguesia? Como se sente? Sei, já há muito tempo. Morreu um rapaz do meu ano agora recentemente, há um ano e pouco. Ele era daqui do Juncal. Vivia ali ao pé do Adelino da “Norita” e chamava-se “Tonho Flipe”. Há algumas pessoas mais velhas que eu aqui no Juncal, mas ou estão no lar ou estão para fora. Nas outras aldeias há pessoas da minha idade e mais velhas talvez.
Sinto-me feliz! Ainda me cá deixam andar, tenho vivido a minha vida com normalidade, não tenho doenças que me ataquem, não tenho nada disso.
Estou satisfeito, e como estou satisfeito deixem-me cá andar que ando contente. Sendo um dos mais velhos aqui já deve ter visto nascer e morrer muita gente. Ao que sabemos, tem um livro onde apontava os nascimentos, mortes e outros acontecimentos importantes aqui da aldeia e das redondezas. Ainda continua a fazer estes apontamentos? Esse livro é nada mais, nada menos que o livro dos apuros do café. Naquela altura, toda a casa de comércio tinha um livro todos os anos, uma espécie de agenda, onde todos os dias se apontavam os apuros da casa, ou seja, as contas. E, se houvesse algum acontecimento importante, como uma morte ou assim, apontávamos também. Se quiserem que eu nomeie alguns... por exemplo, aqui está a inauguração do relógio do Juncal; em novembro de 1983 faleceu o Joaquim Amaro… e assim sucessivamente. Às vezes queríamos saber quando tinha
“As aldeias são as verdadeiras protagonistas da tradição e da genuinidade”. Luís Correia Presidente da Câmara Municipal de Castelo Branco
ANA RAMALHO
morrido fulano tal e consultavamos estes livros. Qual a maior diferença que sente entre o Juncal do seu tempo de juventude e o Juncal atual? Tendo em conta que a maior diferença deve ter acontecido após o 25 de abril de 1974.
A maior diferença é que dantes a mocidade aprendia a arte dos pais: os filhos dos pastores punham o gado a pastar, as raparigas aprendiam as coisas de casa como costurar, fiar o linho… Hoje em dia os miúdos nem cozinhar sabem. Os pais já nem os obrigam a fazer nada disso.
O senhor também vive ao lado de um dos edifícios mais antigos da aldeia: a Escola Primária, que encerrou há uns anos. Este encerramento teve algum impacto na sua vida? Recordo-me do encerramento, foi há poucos anos que fechou. Em 2005, quando fechámos o café, a escola ainda estava em funcionamento, mas com poucos alunos. Senti-me triste por ver a população do Juncal a diminuir. Como deve saber, nos últimos tempos alguns imigrantes têm vindo a povoar a aldeia. Qual a sua opinião em relação a este movimento? Vêm tratar da vida. Lá no país deles também está mau, não é só em Portugal. Têm é de vir para trabalhar, para dizerem que se governam sem trabalhar não pode ser. Para terminar, qual a sua ambição em relação ao projeto “Há Festa no Campo”?
Eu gosto que vocês façam coisas. Gostava de ajudar e de ver isto a funcionar mas a verdade é que há cada vez menos pessoal aqui. O Juncal não tem nem um terço das pessoas de cá, nem um terço! Mas quem sabe, se nós, os habitantes mais velhos não teremos histórias e recordações interessantes para vocês e para o vosso projeto.
A Fundação Calouste Gulbenkian, através do seu Programa de Desenvolvimento Humano, decidiu implementar para o triénio 20142016 uma experiência inovadora de apoio a projetos que coloquem as Práticas Artísticas ao serviço da Inclusão Social (PARTIS). Esta decisão vem da constatação de que a arte e a atividade cultural envolvem linguagens que podem ser transversais à etnia, à idade ou ao estatuto social e como tal são linguagens de convergência, de aproximação das diferenças e que ligam as pessoas umas às outras. O projeto “Há Festa no Campo” é uma iniciativa selecionada para apoio na primeira edição do PARTIS pois preenche, com sucesso, inúmeras dimensões que a Fundação Calouste Gulbenkian considera fundamentais para atingir os objetivos a que se propõe. De entre estas realçamos três: a excelente parceria criada; o forte envolvimento e participação das populações e o potencial de replicação da metodologia. Hugo Martinez de Seabra Fundação Calouste Gulbenkian
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REPORTAGEM
ANA RAMALHO
CONTA-ME COMO E... Primeiro nas margens dos rios, mais tarde nos lavadouros...
POSTURA SOBRE LAVADOUROS PÚBLICOS E LAVAGEM DE ROUPA
ANA RAMALHO
ARTIGO 1
Há algum tempo atrás, a tarefa árdua de lavar a roupa suja era exclusiva das mulheres. Juntavam-se nos lavadouros para lavar a sua própria roupa ou a dos outros, uma vez que algumas destas mulheres eram contratadas, por gente mais abastada, e faziam disso profissão.
1. Só é permitido lavar a roupa: 2. Na sede do concelho e nas povoações; dentro das habitações ou nos respectivos quintais e logradouros, de modo que se não divise da via pública; em recipientes adequados, desde que o escoamento se faça para os esgotos e não provoque charcos; 3. Nas zonas rurais; junto das margens dos cursos de águas públicas, dentro dos limites autorizados, sem prejuízo do número anterior; 4. Nos lavadouros públicos.
Inicialmente, estas lavadeiras eram pagas em bens alimentares: como feijão, trigo ou azeite. Os lavadouros públicos eram bastante disputados entre as mulheres que ganhavam o pão de cada dia desta maneira; os batedouros eram escassos e não existiam muitas famílias com tanques de pedra nos seus quintais. A roupa interior (as camisas dos homens, as meias...) era lavada com água e sabão em bacias ou nos tanques dos quintais quando os havia. As peças de roupa mais encardidas e de maiores dimensões eram então carregadas, em trouxas, até aos lavadouros públicos. Estas peças eram muitas vezes mergulhadas numa mistura de cinzas de 6
lenha e água quente para branquear - as chamadas barrelas.
A lavagem de roupa suja era um verdadeiro momento de convívio! Às lavadeiras juntavam-se as crianças, os jovens, as conversas, as cantigas, a alegria de lavar a roupa do trabalho no campo... o próprio ambiente favorecia alguma “lavagem de roupa suja” no sentido figurado também. Ainda hoje, estes lavadouros são utilizados pelas pessoas da aldeia para lavar algumas peças de roupa: a mais encardida de andar no campo, e as de maiores dimensões, como os tapetes, os cortinados e as colchas...
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(retirado de www.cm-castanheiradepera.pt)
ARTIGO 2 Nos lavadouros públicos é proibido: 1. Dar vazão às águas, enquanto estas estiverem em condições de utilidade; 2. Deixar os tanques com águas sujas e/ou sujos depois da utilização; 3. Deixar os tanques destapados, provocando desperdícios de água; 4. Tomar banhos ou proceder a qualquer ato de limpeza corporal;
5. Empregar na lavagem matérias corrosivas; 6. Lavar, sem prévia desinfeção, roupas de pessoas atacadas por doenças contagiosas mencionadas na portaria n.º 16 523, de 27 de dezembro de 1957. 7. Sujar os coradouros públicos; 8. Utilizar os lavadouros para fins diferentes daqueles a que se destinam. Aos utentes dos lavadouros públicos é proibido, em especial: 1. Desrespeitar a ordem de chegada; 2. Demorar, sem necessidade e por acinte, a utilização da parte ocupada; 3. Incomodar ou prejudicar os demais utentes; 4. Alterar a ordem, proferir obscenidades, ou causar escândalo público; 5. Deixar nos lavadouros: sabões, detergentes e outros, ou os seus invólucros. ARTIGO 3 As contraversões ao disposto nesta postura Municipal, são punidas com a multa de quinhentos escudos.
ANA RAMALHO
RECEITA DA BARRELA
A LAVADEIRA NO TANQUE INGREDIENTES:
MATERIAL A UTILIZAR:
Fernando Pessoa Bate roupa em pedra bem. Canta porque canta e é triste, Porque canta porque existe; Por isso é alegre também. Ora se eu alguma vez
Lençol velho
Grande panela de ferro
Cinza
Água a ferver com sabão diluído
Pudesse fazer nos versos O que a essa roupa ela fez; Eu perderia talvez
ONDE: QUARTO
Os meus destinos diversos.
MODO DE PREPARAÇÃO: O quarto é forrado com um lençol velho, já próprio para esse fim. Em seguida, a roupa aviada (já meia lavada) é camada até encher o quarto. Finalmente, cobrem-se as abas do lençol e, sobre ele, espalha-se uma boa camada de cinza. Entretanto, a lavadeira enche a panela de água, coloca-lhe dentro uma saca de pano com bocados de sabão e ateia a fogueira.
Há uma grande unidade Quando a água atinge a fervura, a lavadeira tira-a da fogueira e, pouco a pouco, despeja-a sobre a cinza. A água a ferver combina-se com a cinza, produzindo uma reação química, que facilita o branqueamento e o desaparecimento das nódoas da roupa. Assim, a água a ferver vai repassando a roupa e arrefecendo. A lavadeira repete esta operação até a água começar a sair quente pelo fundo do quarto.
A lavadeira dá por terminada a barrela, tapa o quarto, e deixa dentro dele a roupa até ao dia seguinte. Pela manhã, tira-a e põe a “corar” para que algum resíduo de cinza ou mancha seja absorvido pelo sol. Enquanto “cora”, a roupa deve estar sempre húmida, e por isso, a lavadeira vai augá-la de vez em quando, isto é, molhá-la! Finalmente, a roupa é lavada e posta a secar.
Em, sem pensar nem razão, E até cantando a metade, Bater roupa em realidade... Quem me lava o coração?
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PROGRAMAÇÃO
Correspondência Carta do Colaborador Luís Lopes Magueijo É natural do Juncal do Campo. Atualmente, vive no Seixal e decidiu que queria colaborar no Jornal das Aldeias com diversas cartas e memórias do campo que conheceu e recorda. Esta carta foi escrita no seu 70º aniversário, a 30 de março de 2014.
A escola primária Naquele tempo, e se a memória me não falha, as escolas abriam no dia 7 de Outubro de cada ano. Do encerramento não me lembro. Havia a 1ª., 2ª., 3ª. e 4ª. classes; para os rapazes um professor e para as raparigas uma professora. Rapazes numa sala e raparigas noutra. Só no recreio era permitida a convivência entre uns e outros. Aos sábados não haviam aulas, mas haviam actividades relativas à Mocidade Portuguesa, o equivalente ao que hoje se designa de “cidadania”. Os alunos vestidos de bata branca, antecedidos do toque de um tambor, iam para a rua principal da aldeia (no caso do Juncal, a Rua 28 de Maio). Quase todos iam descalços, eles e elas, a marcar passo, como nos desfiles militares. Das aldeias vizinhas, de Camões e Chão da Vã, vinham os alunos para a escola do Juncal. Casas de banho não existiam, nem na nossa imaginação! Quando chegava a aflição perguntava-se, com grande cerimónia e desconforto: - Senhor Professor: posso ir à “barroca”? A barroca era um pequeno ribeiro que ficava perto da escola e era aí que satisfazíamos as nossas necessidades fisiológicas. Curioso... era assim o meu tempo! O exame da 4ª. classe era realizado na escola da Sra. da Piedade, em Castelo Branco. Era uma festa! Um acontecimento! Calçávamos uns sapatos ou umas botas... pela primeira vez! Novinhos, a estrear! Ao exame da 4ª. classe era precedido o de admissão, o resultado saía ao mesmo tempo. Os que tinham posses seguiam para o liceu; os de famílias mais humildes ficavam a trabalhar no campo: eles como pastores; e elas a aprenderem costura.
AGENDA CULTURAL JUNCAL DO CAMPO 28 DE JUNHO | 17H00 XXVI Festival do Folclore do Juncal do Campo 8, 9, 10 DE AGOSTO Festa de S. Simão HÁ FESTA NO CAMPO DOMINGOS | 16H00 Oficina de costura criativa a decorrer na antiga Escola Primária do Juncal do Campo 2 DE OUTUBRO Lançamento do 2º. Número do JORNAL DAS ALDEIAS
*este artigo não segue as regras do novo acordo ortográfico, desejo manifestado pelo Sr. Luís Lopes Magueijo.
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Banda Desenhada
ESTE JORNAL FOI DESENVOLVIDO NO ÂMBITO DA OFICINA DE JORNALISMO E FOTOGRAFIA DO PROJETO HÁ FESTA NO CAMPO. SE ESTIVER INTERESSADO EM PARTICIPAR ENVIE UM E-MAIL PARA
hafestanocampo@gmail.com ILUSTRAÇÃO DE ANA CARDOSO; TEXTO DE J. G.
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