Texto Imagem Suporte: elementos narrativos do livro ilustrado

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elementos narrativos do livro ilustrado

Mariana Parreira Lara do Amaral Mônica Correia Baptista

Alessandra Latalisa de Sá

Todos os direitos reservados, 2021, Mariana Parreira

Design e Diagramação Gabriel Félix Jean Alexssander

Formato: A4 (210 x 297mm) - PDF

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Amaral, Mariana Parreira Lara do Texto, imagem , suporte : elementos narrativos do livro ilustrado / Mariana Parreira Lara do Amaral, Mônica Correia Baptista, Alessandra Latalisa de Sá

Belo Horizonte, MG : Ed da Autora, 2021

ISBN 978-65-00-35332-7

1. Educação infantil 2. Leitura (Educação infantil) 3 Livros ilustrados 4 Narrativas I Baptista, Mônica Correia II Sá, Alessandra Latalisa de. III. Título.

21-90995

CDD-741.6

Índices para catálogo sistemático:

1 Livros ilustrados : Leitura : Design 741 6

Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129

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Este material foi idealizado junto à pesquisa de mestrado intitulada Livros ilustrados e primeira infância: leituras que excedem palavras, de Mariana Parreira Lara do Amaral (2021), com orientação da Professora Doutora Mônica Correia Baptista e coorientação da Professora Doutora Alessandra Latalisa de Sá. A pesquisa se insere na linha de pesquisa “Infâncias e Educação Infantil” do Programa de Mestrado Profissional em Educação e Docência da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais – Promestre, FaE/UFMG. O projeto gráfico deste material (capas, folha de rosto e verbetes) foi desenvolvido pelos estudantes do curso de Design da UFMG, Jean Alexander e Gabriel Félix, a quem deixamos nosso imenso agradecimento.

Sumário

APRESENTAÇÃO

AESCOLAEASCRIANÇASLEITORASDELITERATURA

ACERVOPARAAPRIMEIRAINFÂNCIA:AQUESTÃODAQUALIDADE

.....EDABIBLIODIVERSIDADE AMEDIAÇÃOLITERÁRIA VERBETES Capa Luva Sobrecapa e Cinta Orelhas Folhas de Guarda Ficha Catalográfica Dimensões e Formatos Página simples e Página dupla Sentido de abertura e de leitura Medianiz Sangria, Moldura e Enquadre Página em branco Texto verbal: o design da palavra Códigos Visuais Recortes (faca de impressão gráfica) Uso das cores Tipos de Papel Abas e Dobras Livros Interativos 35 39 41 43 47 51 53 57 59 60 63 70 74 83 84 90 94 98 100 8 12 18 23 34 104 105
Referências
continuar os estudos sobre literatura infantil
Para

APRESENTAÇÃO

Caras professoras,

Vocês já se perguntaram qual a relação que estabelecem com a literatura? Como era essa relação na sua infância? E na sua prática docente? Qual o lugar que a literatura ocupa na sua vida? O que esperam das crianças quando leem um livro de literatura? Afinal, literatura para quê? Essas e outras perguntas podem nos mobilizar a várias reflexões... Nosso objetivo aqui não é respondê-las, mas sim que elas possam nos provocar a pensar sobre a relação das crianças com os livros e sobre o nosso compromisso, como professoras, no processo de formação de pequenos leitores. Nosso convite é para que conheçam e experimentem diversos recursos estéticos que escritores, ilustradores e designers têm explorado na produção dos livros literários ilustrados para as crianças.

Neste material, concebemos a literatura, antes de tudo, como arte, expressão de subjetividades humanas e, portanto, um direito de todos. A literatura faz uso de um modo particular de construir sentidos, em que há um deslocamento da linguagem habitual e corriqueira para uma dimensão estética da linguagem. Ela nos oferece elementos simbólicos fundamentais para a base da nossa constituição subjetiva; nos permite ampliar as experiências de vida; nos possibilita o encontro com a diversidade e o exercício da empatia; nos desperta o encantamento; fomenta nossa imaginação. Todos esses elementos se relacionam com a dimensão artística da literatura, que se distancia de uma perspectiva utilitária e pragmática.

Em meio às nossas pesquisas, nos deparamos com o pensamento da artista e ilustradora tcheca, KvětaPacovská: “ o livro ilustrado é a primeira galeria de arte que a criança visita”. Essa frase tem nos acompanhado no trabalho docente e reafirmado o nosso compromisso, como professoras, de fomentar o interesse das crianças pela leitura literária e de promover o encontro delas com livros de qualidade e acervos bibliodiversos. Na primeira infância, a formação literária se torna uma peça fundamental, “ como alternativa de nutrição emocional e cognitiva e como equipamento básico para habitar mundos possíveis na medida de cada ser humano” (REYES, 2010, p. 14).

Para saber mais sobre a artista Květa Pacovská, acesse: https://emilia org br /kveta-pacovska/

O termo bibliodiversidade é usado para designar a diversidade dos livros presentes em um acervo (PIMENTEL, 2016).

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Para Yolanda Reyes (2010), a literatura pode colocar a linguagem operando em um tempo diferente da realidade: “trata-se de um passado distinto do ontem real; de um tempo para fazer de conta” (p. 59). A imaginação agencia a ficção, as explorações e os pensamentos, evoca o sistema simbólico e permite vivências que nem sempre cabem na realidade, podendo entrar em contato com diversas tensões, conflitos e regras sociais. “A literatura parece falar para as crianças em um outro registro, sem subestimar as capacidades delas, e que se atreve a elaborar as dificuldades existenciais que elas enfrentam e que são impossíveis de ‘traduzir’ no plano estrito da lógica consciente” (REYES, 2010, p. 62).

Quando eu era criança, gostava muito de ouvir a história Pituchinha, de Marieta Leite (1988), na voz da minha mãe. Tenho uma lembrança afetuosa da melodia que ela empregava para ler as palavras, principalmente nos “pé cá... pé lá.... pé cá... pé lá...”, que anunciavam, não só o cuidado de Pituchinha para caminhar durante a noite em direção ao pote de biscoito, mas, também, o cuidado de mamãe conosco.

Yolanda Reyes nos convida a pensar na relação estabelecida entre a criança, o livro e o adulto mediador dessa leitura. Para ela, essa relação se expressa na formação de um triângulo amoroso. A potencialidade do livro “não podia significar nada para o bebê [e demais crianças pequenas] sem a voz adulta que oficia o trânsito para a outra ordem simbólica” (REYES, 2010, p. 47). Esse triângulo inaugura uma afetividade profunda, que talvez possa explicar a razão de as crianças pedirem um mesmo livro várias vezes.

Conheça um pouco da obra:

https://www you tube com/watch ?

v=HIklluqKEZI

&t=89s Assim como em muitos países, no Brasil não existe um único termo fixo e consensual para designar tais obras. Alguns autores utilizam, por exemplo, a expressão “livro álbum”

Lembro-me de uma criança que, toda semana, escolhia o mesmo livro para levar emprestado da escola para casa: Adélia, de JeanClaude Alphen (2016). Em conversa com sua mãe, fiquei sabendo que as duas liam o livro juntas na cama, todas as noites, antes de dormir. Provavelmente, o vínculo com o livro passava também pela expectativa da criança pelo momento de leitura compartilhada e mergulhada em afeto com sua mãe. Yolanda Reyes (2010, p. 48) nos sinaliza que “há um profundo conteúdo emocional que circula entre as páginas e inaugura a experiência cultural de compartilhar o material da intersubjetividade”. O adulto mediador pode mergulhar no imaginário junto com a criança e assumir um papel tão importante quanto na realidade, permitindo uma abertura a assuntos relevantes, a partir dos quais pode-se estabelecer um diálogo no mundo paralelo da literatura.

De acordo com relatos de diversas professoras da Educação Infantil, os chamados “livros ilustrados” têm nos surpreendido constantemente quanto às suas potencialidades criativas e, principalmente, quanto ao envolvimento das crianças com suas

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narrativas. As imagens, a materialidade e o projeto gráfico, aliados harmonicamente ao texto verbal (quando presente), têm proporcionado hipóteses, indagações, identificações, jogos simbólicos, abrindo portas para experiências diversas.

Certa vez, em um encontro remoto com crianças de 4 anos, após a leitura compartilhada do livro Mamãe Zangada, de Jutta Bauer[MP1] , uma criança começou a inserir passagens da história em sua brincadeira com a boneca. Ela experimentava o papel da mamãe zangada que, ao gritar com seu filho, o despedaçava por completo. A mãe passa, então, a recolher os pedaços do filho e costurá-los com o embalo do afeto. Assim fazia a criança com sua boneca.

Resenha do livro Mamãe

Zangada: https://blog ata ba com br/mam ae-zangada/

A interlocução das crianças com a narrativa pode ser enriquecida pelo mediador que, propondo uma leitura sensível, pode potencializar a qualidade dessas vinculações, uma vez que liberta as emoções e incita a fantasia. A mediação literária se estende a todas as condições que possam ser criadas para firmar o encontro da literatura com o leitor. Por meio de sua voz, apresentando os mundos e emoções possíveis na literatura, o mediador cria outras oportunidades para que as crianças construam sentidos e significados. “Além de livros, um mediador de leitura lê seus leitores: quem são, o que sonham, o que temem, e quais são esses livros que podem criar pontes com suas perguntas, com seus momentos vitais e com essa necessidade de construir sentido” (REYES, 2014).

Neste e-book, elencamos diversos elementos que podem compor um livro e suas possibilidades narrativas no intuito de ampliar as possibilidades de leitura do que chamamos de livros ilustrados. Para uma breve introdução, o termo livro ilustrado refere-se às obras em que “ a narrativa se faz de maneira articulada entre texto e imagem” (LINDEN, 2011, p. 24). Além disso, os aspectos gráficos e a forma de concebê-los e articulá-los entre si compõem importantes elementos no encadeamento e na construção de sentido na narrativa. Os artistas brasileiros têm investido em pesquisas e produções que priorizam esse modo híbrido de narrar, o que tem fomentado uma grande quantidade de obras. Os livros ilustrados são objetos complexos que, assim como utilizam modos distintos de narrar, exigem de nós outros modos de leitura.

O e-book está organizado em duas partes. A primeira traz textos que abordam a formação da criança leitora de literatura, a composição dos acervos e a mediação literária. A segunda parte contempla um conjunto de verbetes ilustrados que sinalizam alguns recursos materiais e gráficos utilizados pelos artistas. Destacamos que os exemplos dos verbetes são todos de obras brasileiras e revelam a diversidade e a potencialidade da produção nacional. Também ressaltamos que este material

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não visa esgotar as possibilidades de recursos, mas, sim, trazer algumas chaves de leitura que possam contribuir para a leitura de outras obras, além de colaborar com o planejamento das mediações literárias.

Esperamos que este material possa provocá-las a olhar para os livros ilustrados com mais profundidade e aguçar a curiosidade para mergulhar, junto às crianças, nas mais diversas camadas de leitura!

Nosso abraço,

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MarianaParreira MônicaCorreia AlessandraLatalisa

AESCOLAEASCRIANÇASLEITORASDE LITERATURA [1]

Todo e qualquer livro é um objeto cultural, portanto, parte da nossa cultura. É justamente na cultura que o livro se constitui como tal. Trata-se de um objeto que guarda representações da realidade, que contém elementos planificados, imagens estáticas, que se constitui como uma dimensão espacial associada à temporal, que possui um ritmo que se expressa no passar das páginas. Como todo objeto cultural, são os adultos ou crianças mais experientes que medeiam a relação das crianças menores com os livros. É fundamental, portanto, que as crianças possam experimentar esse objeto livro para se apropriarem do que ele representa e de suas potencialidades.

Diante da complexidade, a leitura dos livros ilustrados, com suas narrativas híbridas, construídas pela confluência das palavras, imagens e design, só se realiza diante de um leitor. São os leitores os que podem viver a sua experiência estética com os livros. É justamente pelo potencial de fruição estética da literatura que é importante considerarmos a formação das crianças como leitoras de literatura, processo que envolve o desenvolvimento de diversas habilidades leitoras e que não coincide com a apropriação do sistema de escrita alfabética[2]. Sabemos que ler é muito mais do que decifrar palavras. E sabemos, ainda, que ler literatura requer conhecimentos e habilidades específicas. De acordo com Graça Paulino (2004, p. 86),aformaçãodeumleitordeliteratura

"Significaaformaçãodeumleitorquesaibaescolhersuasleituras,queaprecieconstruçõese significaçõesverbaisdecunhoartístico,quefaçadissopartedeseusfazereseprazeres.Esseleitortemde saberusarestratégiasdeleituraadequadasaostextosliterários,aceitandoopactoficcionalproposto, comreconhecimentodemarcaslinguísticasdesubjetividade,intertextualidade,interdiscursividade, recuperandoacriaçãodelinguagemrealizada,emaspectosfonológicos,sintáticos,semânticose situandoadequadamenteotextoemseumomentohistóricodeprodução."

[1]Esse texto é parte da dissertação “Livros Ilustrados e primeira infância: leituras que excedem palavras”,deMarianaParreiraLaradoAmaral(2021).

[2] Não nos ateremos aqui aos processos de leitura vivenciados pelas crianças desde o nascimento, por não ser o foco deste material. No entanto, essa é uma discussão interessante e relevante para o trabalho das professoras da Educação Infantil. Para mais informações, sugerimos a leitura do “Caderno 4: Bebês como Leitores e Autores”, da Coleção Leitura e Escrita na Educação Infantil, disponívelemwww.projetoleituraescrita.com.br

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Os livros ilustrados nos convidam a ampliar os elementos elencados por Graça Paulino e considerar, também, os aspectos relativos ao eixo da visualidade. Para além dos códigos específicos da linguagem imagética, como exemplificaremos nos verbetes referentes, pensar a formação leitora implica considerar o desenvolvimento da experiência sensível do olhar.

José Lopes (2021) faz importantes reflexões acerca do compromisso das escolas com a formação do olhar das crianças para com a linguagem cinematográfica. Apesar de focalizar o trabalho com o cinema, grande parte das suas considerações podem ser transpostas para se pensar a relação das crianças com o livro ilustrado. Para o autor, os deslocamentos poéticos das imagens são possibilidades “de acessar outros níveis e dimensões da realidade, fundamentais na construção do conhecimento de nós mesmos e do mundo” (LOPES, 2021, s/p).

Imagem retirada do livro Bagagem, de Gervasio Troche (2016)

Formar crianças leitoras de literatura pressupõe ter como princípio que a formação artística acontece na própria experiência com a arte. Além do acesso à literatura se constituir como um direito de todas as crianças, a escola pode ser o espaço principal para que esse encontro se torne possível. Assim, cabe à escola ampliar as experiências ainda pouco comuns às crianças, instigar um olhar curioso para o texto literário, mobilizá-las para mais indagações e menos certezas diante das imagens e dos textos verbais. De acordo com Lopes (2021), adquirir uma postura de desconfiança em relação à imagem é uma ação importante, uma vez que ela nos ilude ao sugerir, com seu enquadre, que vemos a totalidade das coisas.

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Para exemplificar o que Lopes (2021) considera como ilusão da imagem, vamos pegar emprestado um conceito do cinema. Nos livros ilustrados, muitas vezes, os acontecimentos se dão fora de campo. Esse conceito faz referência ao que está justamente fora do enquadre da imagem, mas que, ao mesmo tempo, constitui possibilidades de sentido sobre ela (GRILO, 2007). Muitas vezes, nas leituras dos livros ilustrados, nos deparamos com algo que não vemos de fato, algo que transborda da imagem, mas que é possível de ser imaginado.

O livro O Lobinho bom, de Nádia Shireen (2013), é um exemplo em que o que se passa fora de campo provoca o humor da história. Nesse livro, o personagem principal, Rolf, o lobinho bom, vive um dilema entre ser lobo bom ou ser lobo mau para ser considerado um lobo de verdade. Ao final, o Grande Lobo Mau parece repensar suas condutas malvadas, mas os leitores são surpreendidos com uma imagem que sugere que ele devorou Rolf e Dona Julieta sem pensar duas vezes. Cabe ao leitor imaginar o que aconteceu no intervalo entre páginas.

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O conceito de fora de campo também pode ser considerado quando as imagens não são representadas integralmente, por terem transbordado o limite da página. No livro Este chapéu não é meu, o autor Jon Klassen (2013) utiliza esse recurso, sugerindo o deslocamento do peixe grande para a direita. Esse movimento é reforçado pela direção ocidental de leitura, da esquerda para a direita, quando viramos a página.

Certa vez, durante a mediação desse livro, uma criança de três anos perguntou por que o peixe grande estava cortado. Outra criança, da mesma idade, respondeu: “é porque o peixe é bem grande e não cabe aí”.

Ler um livro junto a um grupo de crianças, como acontece muitas vezes no contexto escolar, é uma oportunidade para que os sentidos e significados possam ser compartilhados e construídos coletivamente. As crianças leitoras criam suas hipóteses a partir das leituras que fazem, hipóteses provisórias, que lhes são possíveis naquele momento. Cada leitor usa seu repertório de vida como fonte para os elementos necessários àquela construção narrativa. Nem sempre os sentidos construídos são os mesmos que nós adultos significamos, o que não retira a legitimidade do que se elabora pelos pequenos. Os livros ilustrados são permeados por diversas camadas de leitura e cada pessoa pode mergulhar na camada que lhe é pertinente naquele momento e com aquele repertório. Aos mediadores cabe o acolhimento das hipóteses das crianças e, ao mesmo tempo, trazer provocações que

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possam contribuir com o processo de desestabilização e proposição de outros sentidos possíveis.

De acordo com Aline Abreu (2013, p. 88), a escritura dos livros ilustrados, “ que tece o texto nas relações entre imagens, palavras e projeto gráfico, indica também a previsão de um leitor ativo que possa ler as interferências mútuas dessas linguagens como parte da trama tecida”. Textos instigantes, provocativos, convidativos que, ao invés de dar todas as respostas, deixam brechas para que seus leitores participem ativamente com suas próprias construções. São textos e mediações que apostam nas crianças leitoras e na competência delas para assumirem papel ativo na tecitura narrativa. Para Ana Margarida Ramos (2020, p. 175),

"Avalorizaçãodepropostascadavezmaiscomplexas,dopontodevistadaestruturanarrativa,da interaçãocomoleitor,plenasdereferênciasintertextuaiseruditas,porexemplo,nãoéobstáculoà exploraçãodadimensãolúdicadasmesmas,muitasvezesdestinadasapúblicosheterogéneosevariados, queremtermosdefaixasetárias,queremtermosdeformação."

Levando em conta essa especificidade, a formação das crianças leitoras também envolve estimulá-las a compreenderem os sentidos das imagens criadas e a perceberem as estratégias de linguagens empregadas. Como assinala Odilon Moraes (2019, p. 23), o livro ilustrado não é simplesmente um objeto que contém palavras e imagens, “ mas uma maneira de ordená-las obtendo efeitos próprios de uma narrativa híbrida. Uma narrativa assentada em dois códigos diferentes. Forma híbrida que, além de constituir um território específico da linguagem, necessitaria também de uma postura diferente do leitor/espectador”.

A experiência da leitura perpassa também pela compreensão integral do objeto: conhecer as partes que compõem um livro, o que elas representam, quem são os autores, de onde eles vêm, quais são as características principais de suas produções. As crianças podem construir seus próprios repertórios de elementos que as auxiliem nas suas escolhas literárias, de acordo com suas preferências. Mas, para fazer escolhas, é importante que elas tenham acesso a uma ampla variedade de livros, principalmente livros diversificados e de qualidade. O acesso a esses acervos, muitas vezes, está restrito ao espaço da escola.

Para Lopes (2021), a liberdade das crianças para consumir o que desejam depende da leitura e da compreensão das linguagens artísticas direcionadas à consciência crítica dos pequenos para a autonomia e a identidade: “Trata-se da natureza da arte, da necessidade de discussão estética sistemática consigo mesmo e com os outros, coletivamente, que constituem experiências e ações que facilitam ao educando tornar-se sujeito crítico desse processo” (LOPES, 2021, s/p).

A formação do olhar, de que nos fala Lopes (2021), envolve estar disponível para a

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pergunta sobre o que aquela imagem nos provoca, estar disponível para o encontro com a alteridade e para olhar a imagem em sua parcela enigmática. Não é possível trazer para o verbal a completude da experiência com o visual, como anunciado por Foucault (1998, p.65 apud LOPES, 2021, s/p): “ por mais que se tente dizer o que se vê, o que se vê jamais reside no que se diz”. Tornar-se sensível à imagem, à arte, ao mundo, estar disponível para afetar-se, para viver a experiência pessoal de emocionar-se. Além disso, a arte proporciona o encontro com sentimentos e emoções que, muitas vezes, só são possíveis na expressão híbrida das linguagens dos livros ilustrados. Nessa direção, Vinícius Lírio (2015, p. 41) nos convida a pensar nas poéticas da sala de aula, consideradas como

"[...]processoscriativosedeaprendizagementrecruzados;abordagenspedagógicasnasaladeaulaque gereinteração,ação,reflexãoeconstruçãodeconhecimentos,saberesefazeres;apercepçãodossujeitos desseambientedeaprendizagememsuasmúltiplasdimensões(cognitiva,emocional,sensorial,sóciohistórico-políticaecultural);e,ainda,oentendimentodesselugarcomoespaço-tempodialógicodofazer edorefletir."

Lírio (2015) e Abreu (2013) propõem considerarmos as crianças como Performers, isto é, compreender que existe um lugar de ação desses sujeitos envolvidos nos processos aos quais eles se integram – aqui, no caso, no que acontece na dimensão escolar e, mais especificamente, nas propostas de leitura literária. Para Abreu, considerar a criança leitora ativa está diretamente relacionado com a performance, com a noção de empenho do corpo nas leituras literárias: “ o leitor ativo, inquieto, curioso coloca seu corpo em funcionamento (no plano físico ou mental), coloca-se em situação de performance e, desta forma, [...] torna-se presente. É o corpo que sente a vivência estética; o corpo que vive a experiência estética por meio da interanimação[3]/performance” (ABREU, 2013, p. 90).

Como podemos ver, formar crianças leitoras de literatura e, especialmente, dos livros ilustrados, é um processo complexo. No entanto, apostamos no trabalho docente e nas mediações literárias bem planejadas, cujos princípios se orientem pela concepção da literatura como arte e da criança como sujeito ativo na produção dos sentidos e significados.

[3] De acordo com Abreu (2013, p. 87), David Lewis chama de interanimação a articulação das linguagens do livro ilustrado que “ganha corpo durante a experiência real da leitura”.

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ACERVOPARAAPRIMEIRAINFÂNCIA:A QUESTÃODAQUALIDADEEDA BIBLIODIVERSIDADE

MarianaParreira,MônicaCorreiaeAlessandraLatalisa

Qualidade e bibliodiversidade são aspectos fundamentais que orientam as escolhas dos livros para as crianças e a composição dos acervos das escolas. Segundo Altamirano, (2015, p. 40),

"Paraqueosleitoresdesfrutemdessesmateriaisesecomprometamcomelesemsuaatençãoeemoção, devemosassegurarqueesseslivrossejamdequalidade.Bibliodiversidadeequalidadesãodoisrequisitos básicosnaconstruçãodebibliotecasparaaprimeirainfância[4]."

Além disso, a seleção envolve considerar os aspectos literários, estéticos e éticos das obras. Como tem sido ressaltado, para que as crianças vivenciem uma formação leitora eficaz, é importante que, desde bem pequenas, tenham contato com livros de quali-

[4] “Para que los lectores disfruten de estos materiales y comprometan en ellos su atención y su emoción debemos asegurar que estos libros sean de calidad. Bibliodiversidad y calidad son los dos requisitos básicos en la construcción de bibliotecas para la primera infancia”. (ALTAMARINO, 2015, p. 40).

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dade e participem de mediações literárias significativas. De acordo com Sánchez (2015, p. 122), obras de qualidade suscitam nas crianças “[...] questionamentos e busca de respostas diversas, participação fervorosa e ativa na construção pessoal de significados e rica troca de interpretações em um ambiente de emoções e descobertas” (tradução nossa). Para a autora Martha (2011), é a definição de um texto como arte que determina sua qualidade, ou seja, aquele “cujo compromisso primeiro se manifeste com a iniciação da criança na experimentação do prazer estético” (p. 49).

Os textos de qualidade pressupõem considerar as crianças como seres inteligente e capazes. Como afirma Fittipaldi (2008, p. 119): “ as crianças têm visão crítica suficiente [...] para saber como estão consideradas, se estão tratando-as com condescendência ou com respeito e admiração por suas inteligências e sensibilidades”. Por isso, um importante critério para orientar a seleção de obras literárias diz respeito à forma como concebem as crianças, ou seja, se apostam em uma visão delas como seres potentes, que suportam desafios e complexidades.

Aparecida Paiva (2016) destaca três aspectos importantes para serem considerados na seleção dos livros de literatura para as crianças: qualidade textual, qualidade temática e qualidade gráfica. O organograma a seguir contempla essas três dimensões, que representam uma das possibilidades para se pensar a qualidade dos livros para as crianças:

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A referida autora entende que a primeira dimensão, a da qualidade textual, [ ]serevela,basicamente,nosaspectoséticos,estéticoseliterários,naestruturaçãodanarrativa, poéticaouimagética,numaescolhavocabularquenãosórespeite,mastambémamplieorepertório linguísticodecriançasnafaixaetáriacorrespondenteàEducaçãoInfantil(PAIVA,2016,p 32)

Nesse sentido, é importante observar se as narrativas (verbal e visual) são coerentes e consistentes, se possibilitam a fruição estética e se estimulam leituras interessantes tanto por parte dos adultos quanto das crianças.

A qualidade temática, para Paiva (2016), “ se manifesta na diversidade e no tratamento dado ao tema, no atendimento aos interesses das crianças, aos diferentes contextos sociais e culturais em que vivem e ao nível dos conhecimentos prévios que possuem” (p. 34). O tema e o modo como é abordado podem suscitar fantasias, instigar a imaginação, divertir pela construção de imagens e sonoridade. As crianças podem fazer perguntas, buscar respostas, envolverem-se com suas próprias possibilidades interpretativas a partir de suas vivências e do que lhes faz sentido. Na análise do tema de um livro, observa-se a importância da presença de diferentes contextos socioeconômicos, culturais, ambientais e históricos que constituem a sociedade. Ressalta-se, ainda, que a didatização temática, revelada em textos artificiais com fins imediatistas e moralizantes, opõe-se às características literárias que motivam e envolvem o leitor.

Contribuem para a interação e o enriquecimento da leitura a qualidade gráfica do livro, que abrange a estética das ilustrações; a articulação entre as linguagens verbal e visual; o uso de recursos gráficos. Fazem parte do projeto gráfico, a capa e a quarta capa, as fontes, o espaçamento e a distribuição espacial do texto nas páginas, a distribuição de texto e imagens e a interação entre eles, o tipo de papel, as informações sobre o autor, o ilustrador e outros dados necessários à contextualização da obra. Esses elementos interferem na leitura das crianças, podendo favorecer, por exemplo, a previsão do conteúdo, do gênero da obra e a percepção da integração entre texto verbal e visual.

A tríade qualidade textual, temática e gráfica se destaca na avaliação de livros de literatura para crianças. Obras de qualidade são possibilidades de experiência e constituição subjetiva. Segundo Fernandez (2020), a literatura nos permite, aos poucos, “[...] perceber que nossas múltiplas visões e interpretações da realidade se entrecruzam, dialogam com os textos e se transformam em outras percepções de mundo, ampliado, múltiplo, possível”. (FERNANDEZ, 2020, s/p).

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Bibliodiversidade

O termo bibliodiversidade é usado para dizer da diversidade de livros contemplados em um acervo. Essa diversidade é importante, uma vez que livros variados, ou seja, de linguagens, conteúdos, temas diversos são fundamentais para que seja cultivado um mundo cultural mais rico e instigante. Um acervo bibliodiverso garante às crianças o acesso à diversidade de livros, com variedade de tipos e gêneros, formato, materialidade, autoria, técnicas de ilustração, estilos literários, época e graus de complexidade. A bibliodiversidade se relaciona também à temática, tais como culturais, étnicas, raciais e de gênero. Segundo Carrasco (2014, p. 40), “[...] para que os leitores desfrutem desses materiais e ponham neles sua atenção e sua emoção, devemos assegurar que esses livros sejam de qualidade. Bibliodiversidade e qualidade são os dois requisitos básicos na construção de bibliotecas para a primeira infância”. Os livros são oportunidades de encontro e ampliação das experiências humanas. Quanto mais diverso o acervo, mais oportunidades de experiência para as crianças. O organograma abaixo representa algumas das possibilidades a serem consideradas na dimensão da bibliodiversidade:

Neste tópico foram elencadas algumas possibilidades para se pensar a bibliodiversidade de um acervo. Não temos a intenção de esgotá-las, mas, sim, de convidar vocês, professoras, a expandirem o olhar para as multiplicidades de elementos que podem ser explorados em diversas obras. Na composição do acervo, é importante assegurar a variedade, como, por exemplo, de: tipos e gêneros discursivos; formato; autoria; temáticas; época; materialidade; estilo; linguagem; espaço geográfico dos autores e da ficção; graus de complexidade; dentre outros.

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Compor um acervo literário de qualidade não é uma tarefa simples. Tratando-se de acervos para crianças, a tarefa se torna ainda mais complexa devido às especificidades tanto dos leitores quanto das próprias obras destinadas a eles. Bebês e crianças são capazes de se maravilhar com bons livros, tanto como objeto a ser explorado, quanto pelas emoções e encantamento que eles provocam. Para que esse encantamento aconteça, além de mediações cuidadosas e bem planejadas, é imprescindível o acesso a obras diversas e de qualidade. Nossa intenção foi a de levantar elementos que as auxiliem no reconhecimento dos acervos de qualidade para a primeira infância, não como um guia único e estável, mas como um conjunto flexível e dinâmico de características que contribuam para uma aproximação crítica e analítica das obras.

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AMEDIAÇÃOLITERÁRIA

Mediar uma leitura literária pode parecer simples, mas nós, professoras, sabemos o quanto é necessário um planejamento cuidadoso para que ela aconteça junto às crianças. Lembramos que mediar uma leitura literária e contar uma história são propostas legítimas, porém distintas. Aqui nos referimos à leitura compartilhada de um livro de literatura, que é diferente de contar uma história oralmente, sem o suporte de um livro, por exemplo. Cada uma dessas propostas possui suas especificidades.

Elencaremos aqui estratégias de leitura importantes de serem desenvolvidas com as crianças pelas professoras. Os verbetes e exemplos deste material podem contribuir com o planejamento das mediações e como chaves de leitura para diversas outras obras. Sabemos das especificidades dos grupos de crianças e consideramos a dimensão processual da formação das crianças como leitoras de literatura. Exatamente por isso, destacamos a importância de que haja periodicidade e continuidade do trabalho com a literatura, em qualquer segmento.

Levando em conta a dimensão curricular da literatura, é importante que a escola se organize para garantir a continuidade desse trabalho de um ano para o outro. Por exemplo, considerar quais títulos e autores serão garantidos em cada segmento é um planejamento importante para assegurar que as crianças não saiam da Educação Infantil sem a experiência de leitura de determinadas obras.

Aqui iremos nos ater ao momento específico da leitura compartilhada, mas entendemos que a mediação literária envolve aspectos anteriores e posteriores, como o processo de composição dos acervos, de escolha do livro e os possíveis desdobramentos da leitura, que são complexos e demandam aprofundamento. Ao final do material, existe um conjunto de referências para estudos complementares. Nossa intenção é destacar alguns pontos que possam contribuir na reflexão e no planejamento das mediações literárias. Ressaltamos que algumas das estratégias aqui elencadas (sinalizadas com *) foram retiradas do texto “Literatura e família: interações possíveis na educação infantil”, de Celia Belmiro e Cristiene Galvão (2016), disponível no Caderno 8 da ColeçãoLeituraeEscritanaEducaçãoInfantil

A Coleção Leitura e Escrita na Educação Infantil está disponível em www projetoleituraescrita com br

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COMPOR ACERVOS

Escolher obras para compor os acervos não é tarefa fácil. É importante que as professoras conheçam um repertório significativo de obras para que possam realizar suas escolhas levando em conta os critérios de qualidade textual, gráfica e temática das obras, bem como a dimensão da bibliodiversidade.

PERIODICIDADE

Reservar um momento diário para a leitura literária é fundamental. Compartilhar a leitura de um texto não impede a leitura de outros. A literatura pode permear a rotina na Educação Infantil, não só com a prosa, mas também com a poesia. Estamos abordando especialmente os livros literários, mas destacamos a importância, também, da periodicidade relativa à literatura oral.

ESCOLHER O LIVRO:

CONHECER AS OBRAS E SEUS LEITORES

O cuidado e a escuta das crianças podem promover mediações literárias conscientes, em que as professoras saibam discernir o momento para cada texto literário. Nem sempre a literatura será prazerosa. Os textos literários falam sobre a vida, e ela está cheia de desprazeres. É direito da criança experienciar também, pela literatura, sentimentos como angústia, tristeza e medo. Por isso, é importante investir no planejamento da leitura, para estarmos preparadas e abertas aos possíveis desdobramentos.

Nosso compromisso é o de ampliar o repertório das crianças e, por isso, muitas vezes, nós fazemos as escolhas. No entanto, é importante reservar momentos para que as crianças possam também escolher as obras que desejam ler. Sabemos como os livros preferidos são escolhidos recorrentemente pelas crianças. Cada leitura é uma experiência singular e mais uma oportunidade para que a criança revisite a obra e se aproprie de outros elementos narrativos.

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ACESSO AOS LIVROS E MANUSEIO PELAS CRIANÇAS

É importante que os espaços sejam organizados prevendo que os livros estejam ao alcance das crianças. Elas são as principais destinatárias das obras e, por isso, é fundamental que possam, elas mesmas, manuseá-las. Prever momentos para que as crianças leiam os livros por si próprias é importante, pois, assim, elas podem realizar suas escolhas pessoais, imprimir seu próprio ritmo de leitura e partilhar leituras em pequenos grupos. Os livros podem estar presentes no cotidiano das crianças assim como os brinquedos. Somos nós, adultos (e crianças mais experientes), que começamos a mediar a relação das crianças pequenas com os livros. Elas precisam experimentar esse objeto para se apropriarem do que ele significa, do que ele representa, e de toda a sua potencialidade. Os gestos de leitura (ler da direita para a esquerda, passar as páginas, segurar o livro na direção correspondente, dentre outros) são também aprendidos nas interações com os outros e com as obras.

ACONCHEGAR O CORPO

Escolher um lugar tranquilo e convidar as crianças para ficarem próximas e confortáveis. Encontrar uma posição para que todas as crianças possam ouvir a leitura ao mesmo tempo em que enxergam as imagens. Estamos aqui considerando especialmente os livros ilustrados, em que palavras, imagem e suporte se articulam e conduzem a narrativa conjuntamente. Por isso, ao menos que haja uma intencionalidade, é importante que as crianças possam acessar visualmente o livro enquanto escutam a narração.

Você conhece o livro “Quem soltou o Pum?”, de Blandina Franco e José Carlos Lollo? Nessa história, o texto verbal nos conduz por uma narrativa bem-humorada, que nos instiga a pensar o pum enquanto flatulência No entanto, as imagens nos revelam que, na verdade, Pum é o nome de um cachorro No caso desse livro, a brincadeira pode ser potencializada, caso a professora opte por ler o livro uma primeira vez sem mostrar as imagens. Esse é um exemplo em que pode haver intencionalidade em ocultar as imagens durante uma primeira leitura, mas reparem que a revelação e surpresa só acontece quando acessamos as ilustrações

ProgramaBebeteca-FaculdadedeEducaçãoda
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UniversidadeFederaldeMinasGerals

PROMOVER ENCONTRO AFETIVO

ENTRE CRIANÇAS, PROFESSORAS E LITERATURA - O TRIÂNGULO AMOROSO

Livros, histórias e poesia podem mobilizar emoções, lembranças, relações diversas. Promover um encontro de intimidade e proximidade entre professoras e crianças nas rodas de leitura compartilhada pode criar um ambiente de troca de confidências. É fundamental respeitar os momentos de silêncio, de atrações e até de rejeições das crianças, legitimar o sentimento singular e disponibilizar-se ao cuidado e acolhida das emoções.

Certa vez, após a leitura de “Girafas não sabem dançar” (Giles Andrear e Guy Parker-Rees), em que uma girafa estabanada era alvo de deboche dos animais da floresta, uma criança de 3 anos verbalizou sua emoção: “ meus olhos estão molhados de choro”.

APRESENTAR E EXPLORAR TÍTULO E CAPAS DA HISTÓRIA

As capas são portas de entrada das histórias. Podemos encontrar muitas pistas sobre a narrativa no título, na imagem e na composição das capas. Em algumas obras, a imagem da capa tem continuidade na quarta capa. Esse recurso, quando explorado, passa a ser um elemento surpresa a ser investigado pelas crianças em cada livro lido.

Analisem as capas coletivamente. Convide as crianças a levantarem hipóteses e fazerem inferências sobre a história.

Muitas vezes, a quarta capa traz um pequeno texto, que pode dar algumas pistas para os leitores sobre a narrativa. É importante apresentar esse recurso e valorizá-lo como mais um dos artifícios explorados pelos artistas.

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APRESENTAR AUTORES E EDITORA

A literatura, como arte, implica artistas envolvidos. No caso dos livros, os artistas são os autores. Consideramos como autores dos livros ilustrados tanto aqueles que escrevem o texto verbal quanto os que ilustram a história. Muitas vezes, uma mesma pessoa é responsável pelas duas dimensões. Compartilhar com as crianças a autoria da obra é, além de um cuidado e respeito com autores, fundamental para o processo de formação das crianças leitoras de literatura. Aos poucos, elas podem relacionar obras de mesma autoria, pensar sobre as marcas identitárias dos artistas e, até mesmo, usar esse elemento como critério para suas escolhas.

Apresentar os escritores e ilustradores e, se possível, conversar sobre eles e fazer referência a outras obras de mesma autoria que sejam de conhecimento das crianças são estratégias importantes de serem contempladas nas mediações literárias. Experimente explorar os textos informativos e fotos dos autores, recursos que são frequentes nos livros literários, seja nas páginas finais ou nas orelhas do livro. Muitas vezes, esses textos trazem informações sobre as técnicas gráficas usadas nas ilustrações. Compartilhar informações sobre a origem das obras, seus tradutores, as editoras responsáveis também é relevante para contextualizar aquela obra.

Certa vez, dois irmãos passaram a se interessar bastante pelos nomes das editoras depois que descobriram nomes que consideraram curiosos, como o da editora Jujuba e o da editoria Olho de Vidro Estavam tão mobilizados que decidiram organizar o acervo pessoal que tinham em casa de acordo com a editora das obras Nessa brincadeira, perceberam que os livros da Eva Furnari, autora que gostavam bastante, eram todos de uma mesma editora e, consequentemente, tinham uma identidade quanto ao projeto gráfico

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NOMEAR E EXPLORAR

PARTES DO LIVRO

Folhas de guarda, orelhas, folhas de rosto, fichas catalográficas, dedicatórias são elementos que compõem o objeto livro. Nomeá-los e explorá-los com as crianças são estratégias para que elas se apropriem desses elementos e de suas funcionalidades. Muitas vezes, nos livros ilustrados, esses espaços já funcionam como espaços narrativos ao trazerem elementos que podem reforçar ou desafiar os leitores em suas hipóteses.

“Você pode ler a carta?” – assim foi o pedido de uma criança para que eu compartilhasse a leitura da dedicatória de um livro

VALORIZAR A CONSTRUÇÃO

LITERÁRIA E LER O TEXTO

INTEGRALMENTE

A construção do texto literário é um processo artístico, em que o escritor transforma a linguagem corriqueira e cotidiana e a desloca para uma dimensão estética da linguagem. As palavras, os cortes, as pausas, as frases são escolhidos cuidadosamente pelos artistas envolvidos. Por isso, “ler a história respeitando o que o autor escreveu, ou seja, não pular partes ou mudar palavras”

(BELMIRO; GALVÃO, 2016, p. 52) é oportunizar que as crianças experimentem por si mesmas a fruição estética pela linguagem. Palavras desconhecidas não precisam ser explicadas imediatamente, o que possibilita que as crianças compreendam o significado pelo contexto da história e ampliem seu vocabulário. Se sentirem necessidade de explicação, as crianças se manifestarão. Se for importante, a conversa sobre as palavras complexas e desconhecidas pode acontecer ao final da leitura.

“Os livros expõem as crianças a uma linguagem variada e contextualizada (formas e estruturas de pouca frequência na linguagem oral). As mesmas palavras aparecem em diferentes tipos de enunciados (construções gramaticais) e, por isso, estimulam o enriquecimento do vocabulário e o desenvolvimento gramatical (por exemplo: uso de marcadores gramaticais tais como o plural dos substantivos com s, produção de frases complexas, entre outros)” (SEPÚLVEDA; TEBEROSKY, 2016, p.66).

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RECURSOS VOCAIS E EXPRESSÕES CORPORAIS

Explorar diferentes entonações e modulações da voz, brincar com o ritmo e a duração das palavras e frases, inserir sons e pausas. Os recursos vocais podem dar diferentes tons para a história. Da mesma forma, expressões faciais, gestos e movimentos com o próprio objeto livro são recursos que amplificam a expressão narrativa.

É muito legal observar como as crianças se apropriam e reproduzem, em suas leituras e à sua maneira, os gestos e entonações que inserimos nas mediações literárias. Explorar diferentes possibilidades pode contribuir para que elas ampliem seus repertórios de leitura e brinquem com variadas formas de expressão.

LEITURA DAS IMAGENS

Ler imagens também é um aprendizado e, por isso, exige formação. As ilustrações podem ser mais acessíveis às crianças que não leem e escrevem convencionalmente. No entanto, as imagens são também complexas e, muitas vezes, veiculam um conjunto de informações que, se não analisadas com profundidade, passam despercebidas ou até nos influenciam sem o nosso consentimento, como é o caso de muitas ações publicitárias.

No caso dos livros, o jogo estabelecido com cores, luz e sombra, a perspectiva adotada, o enquadre e até mesmo o que se passa fora da imagem são recursos bastante explorados pelos artistas. Como esses elementos nos afetam e influenciam nossa percepção sobre aquela imagem? Que emoções e sensações despertam? Como nos ajudam a dar significado ao que está escrito ou representado?

Outro aspecto importante sobre a leitura de imagens é relativo ao uso de convenções gráficas, como é o caso dos tracinhos ou tracejado que indicam movimento. Esses códigos visuais não são óbvios e, por isso, carecem de ser aprendidos para que possam ser lidos.

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O livro “Quero meu chapéu de volta”, de Jon Klassen (2018), faz uso da cor vermelha em diversos momentos para expressar o sentimento do urso com relação ao desaparecimento do seu chapéu, também vermelho. Em determinado momento, quando o urso percebe quem é o ladrão, a página fica tomada pelo vermelho Certa vez, uma criança expressou a sua leitura ao dizer que naquela página era “vermelho-raiva”

PROMOVER CONVERSAS

SOBRE A NARRATIVA:

AS BRECHAS DE LEITURA

Ouvir comentários das crianças, chamar atenção para aspectos e detalhes das imagens, auxiliá-las na construção dos sentidos sem, necessariamente, dar respostas. “Promover conversas sobre o tema da narrativa para o compartilhamento dos sentidos elaborados” (BELMIRO; GALVÃO, 2016, p. 52). Fazer mais perguntas e dar menos respostas, promover o diálogo, circular a palavra. Os sentidos e significados são construídos nas interações das crianças com outras crianças, com adultos e com o próprio livro. Cada criança pode mergulhar na história com os sentidos que lhes são possíveis naquele momento. As crianças também são mediadoras durante os momentos de leitura literária.

Os livros ilustrados deixam brechas de leitura que os leitores podem preencher com suas inferências de acordo com seu repertório leitor. Nem sempre os sentidos que nós adultos construímos para a obra precisam ser alcançados pelas crianças naquele momento. Ao mesmo tempo, é importante promover a participação das crianças na leitura e incitá-las a interpretar, fazer relações, buscar indícios. “Ativar o imaginário para recriar o que está ausente, o que as palavras fazem aparecer na mente de cada leitor”

(BELMIRO; GALVÃO, 2016, p. 52). O percurso narrativo, ou seja, o processo de leitura compartilhada, é mais importante do que o ponto final de chegada.

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ABERTURA AOS POSSÍVEIS DESDOBRAMENTOS

Escutar as crianças e estar disponível aos desdobramentos daquela leitura. Convidar para outros desdobramentos, tendo em vista uma intencionalidade significativa para as crianças, sem ter a obrigatoriedade de realizar uma atividade sistematizada em que a literatura tenha pretexto utilitarista. A literatura tem um fim em si mesma.

Rodas de conversa, dramatizações, exposições, experimentação de técnicas gráficas, indicações literárias são algumas propostas que podem ser realizadas tendo em vista estabelecer conexões e potencializar a experiência das crianças com o texto literário.

Por meio de atividades plásticas e visuais

explorar a experimentação ou a reprodução das técnicas plásticas do livro, a confecção dos personagens e do cenário

Pintar ou fazer colagens sobre o poema ou a história

com propostas que ajudem as crianças a verbalizarem os sentidos e sentimentos despertados pelo livro

Realizar murais coletivos sobre personagens, o tema, a comparação com outros contos

Construir maquetes dos cenários

Voltar a narrar o conto

observando os detalhes e utilizando diferentes materiais

com a ajuda do quadro, criando um mapa da história ou através da ilustração das cenas principais do livro

Fotografar ou escanear textos e ilustrações para brincar de compor e recompor o enredo

Fonte: Colomer (2016, p 113)

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ESTIMULAR O SENSO CRÍTICO

Planejar propostas que possam estimular o senso crítico literário das crianças, como:

"classificar e organizar os livros, de tempos em tempos, nas estantes de diferentes formas: por temas, gêneros, autores, etc.; discutir com as crianças critérios para avaliação dos livros lidos; criar listas que ajudem as crianças a avaliar os títulos (ampliando a ideia do simples gostou ou não gostou); construir um mural de leitura com cartazes recomendando os livros favoritos" (COLOMER,2016,p.115).

Neste tópico nos dedicamos a elencar algumas importantes estratégias que podem auxiliar o planejamento das mediações literárias e, consequentemente, enriquecer os momentos de leitura compartilhada com as crianças na Educação Infantil. Para planejar mediações literárias de qualidade é importante conhecer bem cada obra. Na segunda parte deste material, a seguir, você encontrará um conjunto de verbetes que se referem à elementos constituintes dos livros ilustrados. Nosso desejo é que esses elementos possam lhe despertar a curiosidade para explorar qualquer livro nos seus mais diversos detalhes, seja em sua dimensão textual, gráfica ou temática.

Desejamos muitas boas leituras!

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VERBETES

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A capa é a cobertura, normalmente de papel ou cartão, que compõe a parte externa do livro. Nos livros ilustrados, as capas normalmente variam entre:

Capa dura

Capa rígida feita de papelão duro revestido por papel, tecido, couro ou outro material; apresenta seixas e guardas.

Capa flexível

Intermediária entre capa dura e mole, a flexível é impressa diretamente em papel de alta gramatura, sem revestimento de papelão e com acabamento de capa dura, com seixas e guardas.

Capa mole

Capa menos rígida, normalmente é feita em cartolina ou papel de gramatura alta, sem papelão.

Informações retiradas de Matsushita (2011, p. 324)

A capa é a porta de entrada do livro e, por isso, um convite ao leitor. Dela, é possível extrair elementos e informações que situam e caracterizam a obra. A partir dela, levantam-se hipóteses, criam-se expectativas, aceita-se ou não o pacto ficcional proposto.

As partes externas do livro são formadas pela primeira e quarta capa. Elas podem ser exploradas independentemente ou de forma a estabelecer uma relação entre ambas. Algumas vezes, há uma ilustração contínua nos dois espaços, que se segmenta pela lombada quando o livro está fechado. As capas podem trazer pistas importantes sobre a narrativa, seja nas imagens, nas palavras, na sua materialidade ou até mesmo na relação entre elas. Muitas vezes, na quarta capa consta um pequeno texto que compartilha com os leitores um pouco sobre o que a história aborda.

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Capa

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Brochuras Capadura
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Ida e Volta

(Juarez Machado, Ed. Nova Fronteira - 2001)

As capas marcam o caráter cíclico da narrativa desse livro. Somos convidados a seguir os rastros de um personagem que sai do chuveiro na primeira capa. As pegadas seguem da primeira capa para a segunda e assim, sucessivamente, pelo miolo do livro, sem nunca mostrar o personagem. É na quarta capa que, finalmente, o encontramos tomando banho, atrás da cortina do chuveiro, mesmo lugar onde tudo começou. É pela relação entre as capas que o título dessa história se justifica.

Se os tubarões fossem homens

(Bertolt Brecht e Nelson Cruz, Ed. Olho de Vidro – 2018)-

O livro apresenta uma ilustração contínua ao longo das capas externas. Os tubarões humanizados, fazendo jus ao título do livro, se vestem e se expressam corporalmente tal como o Senhor K, personagem que assume a narração da história após a pergunta da garotinha: “Se os tubarões fossem homens, será que eles seriam mais gentis com os peixinhos?”. Na primeira capa, a roupa vermelha da garotinha se destaca em meio aos tons de azul e cinza. Esse contraste é retomado ao longo do livro, pela presença de um peixinho vermelho, símbolo de resistência ao regime autoritário dos “tubarões”.

E Você?

(Rosinha, Ed. Jujuba – 2014)

As capas brincam com duas perspectivas de uma mesma cena. Na primeira capa, a perspectiva é de quem está de fora da casa, olhando para o menino. Na quarta capa, a perspectiva é de alguém que observa de dentro da casa. O livro aborda uma brincadeira da criança de contar os bichos encontrados a cada virada de página. As ilustrações são frutos da imaginação do menino a partir do que ele vê na cortina da janela de sua casa. Ao final, o leitor é convidado a pensar sobre o que ele próprio enxerga.Ojogodeperspectivasnascapasse relaciona com o convite final, uma vez que o ponto de vista interfere diretamente naquilo que se vê.

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Lulu e o Urso

(Carolina Moreyra e Odilon Moraes, Ed. Pequena Zahar – 2018)

Na primeira capa há uma cena que introduz a narrativa.AimagemmostraameninaLuluabrindo a porta do escritório da sua mãe – um convite para o leitor abrir a capa para entrar na história. É interessante observar que essa cena não se repete no miolo dolivro,ouseja,anarrativacomeçanaprópriacapa e continuapelapáginareservadaàdedicatória.O miolo do livro comporta uma sequência de conversas, perguntas, imaginações da personagem com sua mãe, ao encontrar no escritório uma caixa cheia de objetos antigos. O urso de pelúcia, na quarta capa, compõe, com Lulu, a dupla anunciada no título da obra. Ele é o personagem que compartilha o espaço imaginário da menina.

MaiaeMia

(DeboraBarbierieVanessaPrezoto,Ed. BabaYaga)

A obra apresenta um projeto não-convencional de capa.Aousarpapelcraftdemaior gramatura, a capa faz lembrar uma caixa de papelão. Para acessar o miolo do livro, é preciso “abrir a caixa”. Na primeira aba, aparecem símbolosqueremetemàsorientaçõesimpressas nas caixas de papelão. Nas próximas abas, a ilustração sugere que um gato esteja tentando abrir a caixa. Essa proposta dialoga com a narrativa do livro, que conta diversas brincadeiras possíveis com caixas de papelão, inventadas pela garota, Maia, e sua gata, Mia, cada uma a sua maneira.

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Ismália

(Alphonsus de Guimarães e Odilon Moraes, Ed. Sesi-SP – 2016)

O livro, em formato sanfonado, vem acomodado em uma luva, que traz as informações que, normalmente, estão presentes nas capas.

Aluvaéumacaixa,normalmenteproduzida em papel cartão ou papelão, que pode abrigar um ou mais livros. Costuma guardar livros de uma mesma coleção ou livros de formatos diferentes, como os sanfonados.

Se eu abrir esta porta agora...

O livro tem formato sanfonado, dimensões aproximadas de 23cmx13cm, e vem acompanhado de uma luva. A imagem, em conversa direta com o título da obra, mostra uma porta semiaberta, através da qual pode ser visto um monstro. A luva, além de guardar o miolo sanfonado do livro, também funciona como uma porta que, quando aberta, mostra a dedicatória, dados do autor e ficha catalográfica da obra.

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ORei (LuizTatiteRenatoMoriconi,Ed. Jujuba-2015)

O texto verbal do livro é a letra de uma música, O Rei, de autoria de Luiz Tatit, que faz referência à essa figura monarca. A luva do livro traz o título da obra, “O REI”, e deixa visível apenas a coroa – objeto que simboliza a monarquia. No entanto, quando a luva é retirada, os leitores acessam a continuidade da imagem, que revela não o ser humano, mas sim, o astro rei. A ilustração de Moriconi ressignifica a letra, ao trazer a figura do sol relacionada à palavra rei. Ao retirar a luva, o leitor proporciona o nascimento do sol.

Confira o vídeo em que Renato Moriconi compartilha o processo de criação do livro O Rei, em parceria com Luiz Tatit.

https://www.youtube.com/wat c h? v=07fodU9zMSs

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Sobrecapaecinta

Tanto a sobrecapa quanto a cinta são elementos que se acomodam sobre ascapas dos livros, presas somente pelas laterais e que podem ser retiradas para visualização. Normalmente, são feitas de papel com maior gramatura ou materiais diferenciados, como o papel vegetal e o acetato. As sobrecapas revestem a capa em sua totalidade e costumam trazer informações que apareceriam nelas. As cintas costumam ser menores, deixando visível parte das capas. Elas se dedicam a veicular informações de destaque sobre as obras, como premiações ou edições especiais.

OLobo

Fontedasimagens: https://capista.com.br/ ,

GrazielaHetzeleElisabethTeixeira, Ed.Manati–2009

O livro começa com a história de um menino que, no meio da noite, sai em busca de encontrar o Lobo. Depois de duas páginas duplas, essa narrativa é interrompida e nos damos conta de que a história narrada até então é, na verdade, parte de um livro lido pelo pai à sua filha, Lília. Isso acontece quando o pai fecha o livro e interrompe a narrativa antes em curso. Assim como outros livros ilustrados, O Lobo é uma obra metaficcional. Esse termo refere-se a um “fenômeno estético autorreferente através do qual a ficção duplica-se por dentro, falando de si mesma ou contendo a si mesma” (BERNARDO, 2010, p. 9). O projeto gráfico da obra conversa diretamente com a proposta metaficcional. livro apresenta uma sobrecapa bem estruturada, que traz uma imagem da menina Lília com o lobo cinzento, meio à noite de céu azul, tal como em seus sonhos. A capa, aquela que se encontra debaixo da sobrecapa, faz referência à capa do livro lido pelo pai.

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OCânticodosCânticos

(AngelaLago,Ed.CosacNaify,2013)

A proposta de “O Cântico dos Cânticos” é inspirada no poema bíblico de mesmo nome. A autora propõe uma narrativa circular que pode começar de qualquer um dos lados do livro. O projeto gráfico inclui uma mesma capa em ambos os lados do objeto, de forma que o leitor possa escolher por qual dos lados começar, sem prejuízo. Para garantir essa experiência, as informações técnicas da obra, tal como a ficha catalográfica e demais textos, se alocam em uma cinta sobreposta à capa dura do livro. Atualmente, o livro é publicado pela Editora Sesi-SP.

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Orelhas

As orelhas são “extensões do papel ou outro material da capa ou da sobrecapa do livro que são dobradas para dentro da publicação a fim de dar mais apoio e rigidez. As orelhas normalmente contêm notas sobre o livro ou seu autor” (AMBROSE; HARRIS, 2006, p.184). Nos livros ilustrados, esse recurso pode ser explorado para incluir brincadeiras, pistas, abas ou para constituírem espaços de significação.

Fontedasimagem : https://capista.com.br/

Faz de conta

(Ramont Willy e Tino Freitas, Ed. Sesi-SP –2015)

A narrativa visual conta sobre as brincadeiras e personagens inventados por um menino e seu cachorro, a partir de um graveto. Ao abrir a capa do livro e sua orelha, tem-se uma ampla paisagem que mostra, em imagens sequenciais, o deslocamento do cão com o graveto na boca.

No final do livro, as orelhas escondem todos os personagens que apareceram inventados nas brincadeiras de faz de conta. As orelhas abertas também ampliam a paisagem contemplada na ilustração das capas.

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Roupa de brincar

(Eliandro Rocha e Elma, Ed. Pulo do Gato –2015)

A história conta sobre uma menina que adorava brincar no roupeiro de sua tia, cujas roupas eram coloridas e divertidas. No entanto, em determinado momento, essas roupas desaparecem e são substituídas por outras, sempre pretas, sinalizando o momento de luto que a tia vivia. A menina resolve, então, pintar com cores e desenhos as roupas pretas. As orelhas do livro são portas que nos convidam a entrar nos roupeiros da tia. Atrás da primeira orelha, estão as roupas pretas e cinzas. A segunda orelha, que representa um momento depois da transformação na narrativa, esconde as mesmas roupas, agora enfeitadas com os desenhos coloridos da menina.

Quando isto vira aquilo

(Guto Lins, Ed. Fio – 2008)

Neste livro, o autor brinca com a continuidade das ilustraçoes de uma página para a outra. Nesse jogo, os leitores são surpreendidos quando, por exemplo, o rabo de uma cobra vira a pata de uma onça, ou quando um pedaço da boca do jacaré vira o rabo de um papagaio. As orelhas do livro também entram nessa brincadeira: na primeira orelha, aparece a foto de Guto Lins quando era criança e algumas perguntas: “Quando o ilustrador vira autor? Quando o autor vira ilustrador?”. Na segunda orelha, ao final do livro, Guto Lins reaparece em uma fotografia atual, depois de adulto. O texto traz algumas informações sobre o autor.

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Tom (André Neves, 2017)

As orelhas do livro, além de darem continuidade à imagem das capas, escondem, do lado de dentro, pequenos versos poéticos.

Segunda orelha:

“LIVRO

Quando estamos assim, JUNTINHOS, em companhia um do outro, sinto-me realmente grato ao bem que você me faz.”

Primeira orelha:

“Aponta o lápis deita no papel e voa vem agora não perca tempo que na volta das folhas o livro te carrega”

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O autor constrói uma narrativa visual que acompanha uma longa fila de animais, que ocupa todas as páginas do livro. A orelha final revela a passagem por onde os animais migram da parte interna do livro – a terceira capa – para a parte externa, a quarta capa. Essa brincadeira proposta na orelha sugere uma fila de animais que nunca acaba, indicando a dimensão cíclica dessa narrativa e estabelecendo uma relação de contradição intencional com o título da obra.

O Fim da Fila (Marcelo

Nesse livro, há uma dupla função da orelha: além de trazer as informações referentes ao autor, como usualmente se faz, ela é também usada como recurso narrativo, como espaço de leitura visual que traz elementos importantes na construção narrativa.

Pimentel, 2011)
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FolhadeGuarda

Uma estratégia frequente explorada nos livros ilustrados tem sido o uso das guardas, folhas de guarda ou falsas folhas de guarda como espaços narrativos. As guardas têm função técnica específica em um livro que é juntar e colar a capa dura ao miolo da obra. Esses espaços vêm sendo usados de diferentes maneiras.

Além dos livros de capa dura, esse espaço

entre a capa e a folha de rosto tem sido explorado também nas brochuras ou livros de encadernação tipo canoa (grampeados). Funcionam mesmo como guardas, que guardam a história que acontece no miolo do livro. São espaços de pausa, silêncio, anúncio do que estar por vir.

O Lenço

(Patrícia Auerbach, Ed. BrinqueBook–2013)

A obra traz uma série de brincadeiras de faz de conta que a personagem inventa usando um lenço vermelho de bolinhas brancas. As guardas que abrem o livro convidam os leitores a participarem de um espetáculo, no qual a protagonista incorporará diferentes papéis. Ela segura uma escova de cabelo, que ganha função de microfone, para anunciar seu espetáculo. O lenço vermelho é usado para fazer as cortinas de seu palco. Na guarda final do livro, a menina agradece a atenção de seu público. A cortina estáprestesafechar,encerrandoo espetáculo com o fechamento do livro pelo leitor.

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Nesta obra, as ilustrações das guardas conversam diretamente com a narrativa. A guarda que abre o livro mostra a menina Eveline lendo um livro. Na guarda que encerra a narrativa, ela está acompanhada da porquinha Adélia, a quem vamos atribuir o nome do título da obra apenas no decorrer da narrativa.

Em determinado ponto da história, Adélia e Eveline se encontram na biblioteca, se tornam amigas e passam, a partir de então, a compartilharem momentos de leitura. Na guarda final, Adélia usa a coroa de flores da menina.

Adélia

(Jean-Claude Alphen, Ed. Pulo do Gato - 2016)
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O Jornal

(Patrícia Auerbach, Ed. BrinqueBook – 2013)

A obra conta sobre as brincadeiras de faz de conta que um menino cria a partir de folhas de jornal. Ele constrói espadas, luneta, avião, chapéu, barco, dentre outras coisas, e os inclui em suas brincadeiras. A obra conta com falsas guardas, que são elementos de livros de capa flexível que, mesmo sem a finalidade técnica da colagem das guardas, reservam uma página inicial e final

Selvagem

(RogerMello,Ed.Global-2013)

O autor propõe uma relação curiosa entre as imagens das guardas e a história do livro, reforçando a ideia de que a narrativa não se restringe ao miolo, mas pode começar previamente, inclusive antes até da abertura do livro. A narrativa imagética de “Selvagem” é uma desconstrução dos papéis da caça e do caçador. A guarda inicial nos remete a um álbum de fotografias, possivelmente colecionadas pelo personagem caçador, daqueles animais que ele próprio matou.

exercerem a função de silêncio, convite, abertura e encerramento do “espetáculo”. Em “O Jornal”, o espaço da primeira guarda é destinado a um passo a passo para construir, com dobradura, um barco de jornal. As guardas finais são reservadas para a dobradura de avião. Essas imagens são um convite para que os leitores experimentem brincar com folhas de jornal, tal como o protagonista da história.

Observamos que há um espaço vazio para mais uma fotografia. Ao longo da história, descobrimos que o caçador coloca em um porta-retrato a imagem de um tigre. No entanto, há uma virada na história e parece ser o caçador a própria caça. Na guarda final, a imagem do álbum de fotografias se repete, mas o espaço vazio está ocupado pela imagem do caçador, que parece não compreender como foi parar ali.

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LáeAqui

(Carolina Moreyra e Odilon Moraes, Ed. PequenaZahar–2015)

Algumas guardas aparecem lisas, com uma cor específica, que pode ter sido intencionalmente escolhida pelos artistas. A cor de abertura do livro é um convite a um estado de espírito, como acontece em “Lá e Aqui”. O azul claro escolhido para as guardas é uma cor fria, que acalma e acolhe os leitores, proporcionando uma sensação de tranquilidade. Em meio à tempestade turbulenta que acontece na história, há possibilidade de que tudo se ajeite e fique bem. O mesmo tom azul aparece na quarta capa do livro.

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FichaCatalográfica eFolhadeRosto

Normalmente, os livros trazem a ficha catalográfica comasinformaçõestécnicasedaautoriadaobra.Essas informações podem ser encontradas tanto no início quanto no final do livro. A editora Jujuba, em algumas obras, sinaliza para os leitores o que cada uma dessas informaçõessignifica.

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A folha de rosto é uma das páginas iniciais da obra, que traz, normalmente, título, nome dos autores e editora. “A primeira página é chamada de falso rosto. A dupla de páginas seguinte é o rosto, também chamado frontispício” (MATSUSHITA, 2011, p.343)

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OPássaroEncantado

DimensõeseFormatos

Os diferentes tamanhos e formatos assumidos pelos livros ilustrados têm revelado a potencialidade de se explorar as dimensões e desdobramentos do objeto livro. Algumas obras exploram as dobras e sanfonas, outras exploram formatos compridos verticais ou horizontais. Quanto ao formato de corte, normalmente encontramos

livros infantis quadrados ou retangulares, de orientação vertica lou horizontal. Formato e dimensões podem dialogar com a proposta narrativa,compondo mais um elemento auxiliar na construção de sentido.

Formato a francesa Formato a italiana Imagem pode ganhar altura Imagem pode ganhar comprimento; tendência panorâmica Horizontal Vertical
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Inês

(Roger

A obra conta a história de Inês de Castro, que foi assassinada antes de poder oficializar seu relacionamento com D. Pedro I. Ele, por sua vez, decide casar-se com ela mesmo assim e ordena que todos participem “de um beija-mão com a rainha morta” (p. 47). As capas e guardas do livro contemplam a imensidão da fila que se forma para esse momento. O livro em formato horizontal favorece a imagem panorâmica da longa fila de pessoas que aguardam para beijar a mão da mais nova rainha, Inês.

OLivrocomprido

(Caulos, Ed. Rocco - 2010)

Nesse livro, o menino narrador reúne diferentes coisas que podem ser desenhadas em função do formato comprido do livro. Ele desenha, por exemplo, o sapato do palhaço, o pescoço da girafa, uma cobra tomando sol, dentre outras coisas. A narrativa brinca com o formato inusitado do livro, cujas dimensões de 27,5cm x 27,5cm fogem aos padrões gráficos.

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Fonte da imagem:

Bárbaro

(Renato Moriconi, Companhia dasLetrinhas–2014)

Nessa história, acompanhamos a jornada de um personagem que, a cada página, enfrenta um novo desafio. O formato vertical alongado é fundamental para imprimir o ritmo e o deslocamento do personagem e de seu cavalo, pois favorece o jogo de subir e descer, simulando o movimento de um carrossel.

Ismália

(Alphonsus de Guimarães e Odilon Moraes, 2018, Ed. Sesi-SP)

Odilon Moraes ilustrou e arquitetou o projeto gráfico do livro Ismália, a partir do poema de mesmo nome, do século XIX, de Alponsus de Guimarães. O objeto livro, em formato sanfonado e com abertura e sentido de leitura de baixo para cima, faz referência à torre em que Ismália habita depois que enlouquece. Da torre, ela acessava o céu e o mar. A altura da sanfona sugere a altura da queda da personagem, quando, por fim, “Sua alma subiu ao céu / Seu corpo desceu ao mar”.

https://emilia.org.br/forma-e-sonho/

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A brincadeira continua até a última página, quando encontramos, no lugar de um monstro, um armário comum, com diversos objetos que fazem referência aos personagens que apareceram atrás das portas. Aparecem, por exemplo, um lobo de brinquedo e uma camisa estampada com o King Kong. Virada essa página, nos deparamos com mais uma porta, muito parecida com a anterior. O formato sanfonado permite que a narrativa continue do outro lado do livro, que nos conta a mesma história de uma outra perspectiva: o narrador agora está do lado de dentro do armário e, ao abrir a porta, encontra um menino em seu quarto.

Se eu abrir esta porta agora...

Conheça um pouco mais sobre a obra:

https://alerampazo.com.br/livros-autorai s/se-eu-abrir-esta-porta-agora/

O livro tem formato sanfonado e brinca com o movimento de abrir as portas – jogo anunciado no título da obra e materializado no passar das páginas. A brincadeira começa com o texto verbal: “Se eu abrir esta porta agora...”. Ao virarmos a página, nos deparamos com a porta do armário aberta e um monstro assustador dentro dela. O jogo se repete e encontramos diferentes personagens assustadores.

https://alerampazo.com.br

Em função do formato sanfonado, o livro pode ser lido de corpo inteiro. Quando aberto no chão, vemos, de um lado, a perspectiva de dentro do armário e, do outro, a perspectiva de fora do armário. Ao encontrar asduaspontas do livro é possível formar uma porta dupla, que guarda, no interior circunferência, o próprio interior do armário. Enquanto isso, a face externa da estrutura guarda as imagens do lado de fora do armário – o quarto Os leitores podem experimentar entrar nos limites físicos estabelecidos pelo livro e, assim, entrar no armário da história, na continência do livro e na companhia de todos os personagens assustadores.

da
Fonte das imagens:
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Páginasimplesepáginadupla

Pensar no movimento das páginas como interferência narrativa é uma importante característica do livro ilustrado. O tempo entre imagens pode ser organizado no livro aberto, considerando a página da esquerda e a página da direita como espaços e tempos específicos, ou seja, duas páginas simples. Outra possibilidade é a exploração destes dois espaços como um só, desconsiderando-se (ou não, como veremos a seguir) o ponto de encadernação das folhas. A página dupla é o espaço composto pela continuidade da página da esquerda com a página da direita, ocupado livremente pela imagem e pelo texto. O uso da página dupla é bastante frequente nas produções contemporâneas.

Página simples Página dupla

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Filó e Marieta

(Eva Furnari, 1983, Ed. Paulinas)

Eva Furnari explora as páginas simples para compor essa narrativa por imagem. A página simples da esquerda e a da direita são usadas como espaços distintos. Elas são ocupadas por ilustrações sequenciais, cada uma emoldurada e representando seu espaço e seu tempo. A narrativa visual exige a direção convencional de leitura, da esquerda para a direita.

Chapeuzinho Vermelho

(Rosinha, Ed. Callis – 2015)

Nessa obra, a autora propõe uma adaptação visual para o conto Chapeuzinho Vermelho, na versão de William e Jacob Grimm. Na maior parte do livro, as ilustrações ocupam a página dupla como espaço único. Outras vezes, a autora explora as páginas simples, isto é, da esquerda e da direita separadamente.

Vizinho, vizinha

(Graça Lima, Mariana Massarani e Roger Mello, Ed. Cia das Letrinhas, 2002)

Graça Lima, Mariana Massarani e Roger Mello têm explorado esse espaço de formas criativas, como em Vizinho, vizinha. Eles aproveitam o espaço panorâmico da página dupla para contemplar a visão de dois apartamentos de um mesmo andar, em um mesmo edifício. Do lado esquerdo,oapartamento101dovizinho, ilustrado por Mariana Massarani, e do lado direito, o apartamento 102 da vizinha, ilustrada por Graça Lima. Entre os apartamentos, Roger Mello ilustra o hall do primeiro andar do edifício, aproveitando a dobra do livro como um divisor quase concreto entre os dois apartamentos. A página dupla é usada para dizer de espaços distintos e revela a simultaneidade dos acontecimentosnostrêsespaços.Asequência das imagens, em sintonia com os trechos verbais, marca a continuidade dos acontecimentos. 58

Sentido de abertura e de leitura

Normalmente, no ocidente, os livros são lidos da direita para a esquerda. Alguns artistas têm explorado outros sentidos de leitura e de abertura do objeto livro, como o de baixo para cima, em que o eixo da encadernação fica nahorizontal, e até mesmo virar as páginas

Casulos

(AndréNeves,Ed.Global–2007)

Nessa obra acompanhamos uma meninaborboleta, que sobre pelo caule de uma flor e, quando chega às pétalas, alça voos. O livro abre de baixo para cima, o que provoca a sensação de deslocamento da personagem, que está subindo, cada vez mais alto, em direção ao céu.

da esquerda para a direita. Esses recursospodempotencializara narrativa ao convidarem os leitores a experimentarem outros sentidos de leitura.

... e o que veio antes?

Nessa obra, as autoras constroem um jogo de pergunta e resposta sobre o que veio antes de cada um dos eventos narrados. Para potencializar essa narrativa, o projeto gráfico do livro convida os leitores a passarem as páginas da esquerda para a direita, isto é, fazer o movimento inverso de leitura, sempre em busca do que aconteceu anteriormente.

(Carolina Moreyra e Marcia Misawa, Ed. BabaYaga – 2017)
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A dobra, também chamada de medianiz ou espinha, “[...] é um eixo físico quedivideoespaçodolivroabertoem duas partes iguais. A página dupla inclui assim uma divisão obrigatória” (LINDEN, 2011, p.66). Essa margem centralpodeserignorada,masalguns livros ilustrados atribuem uma dimensão narrativa a ela, convocandoa como um importante recurso a ser considerado na leitura. Nessa perspectiva, o eixo material da dobra torna-se também um recurso simbólico.

Pinóquio:olivrodas pequenasverdades

(AlexandreRampazo.Ed.Boitatá–2019)

O conhecido personagem Pinóquio é o protagonista dessa história. Nessa obra, ele se interroga sobre sua identidade ao comparar-se com os diversos personagensqueaparecemnahistóriade Carlo Collodi. Rampazo propõe um jogo com a imagem do espelho em que a dobra do livro – a medianiz – representa o limite entre a imagem real (página da esquerda)e a imagem refletida (página da direita),que incorpora diferentes personagens de acordo com as considerações de Pinóquio acerca de sua identidade.

Conheça um pouco mais sobre a obra: https://alerampazo.com.br/livros-autorai s/pinoquio-o-livro-das-pequenas-verda des/

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Medianiz

CéumarMarcéu

(RenatoMoriconi,2020,Ed.Jujuba)

Nessaobraoautorpropõequealeiturasejafeita na vertical, ou seja, passando as páginas de baixo para cima. Esse recurso dialoga com a função narrativa atribuída à medianiz, que incorpora em sialinhadohorizonteerepresentaafronteira entre o céu e o mar, ambos cenários desta obra. As folhas de guarda no início e no final do livro são azuis, uma escolha intencional, que indica uma característica comum entre eles. As primeiras páginas do livro, situadas entre a dedicatória e a folha de rosto, trazem elementos importantes à narrativa. Elas nos apresentam dois personagens emmovimento,umastronautaeum escafandrista, cujo passar das páginas nos indicam seus trajetos de deslocamento, do centro do livro para as bordas. Ambos partem do horizonte, da dobra, mas cada um tem um destino diferente. EnquantooastronautaCéumarcirculapelo espaço superior do livro e encontra elementos que pertencem ao céu, o escafandrista Marcéu nada pelo mar da página inferior e registra o que ele vê por lá. Ao final, quando as jornadas pelo céu e pelo marparecemseencerrar,ospersonagens retornam para a dobra, para o horizonte, para a terra.

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O Sonho que Brotou

(Renato Moriconi, Ed. DCL – 2010)

O autor explora o espaço da página dupla para brincar com as dimensões do real e do imaginário. A encadernação, feita na parte superior do livro, aproxima o objeto a um caderno de desenhos. Com as páginas abertas, a medianiz marca o limite entre o que a personagem vive na realidade (situado na página inferior), e o que a personagem sonha ou imagina (ilustradoemvermelho,noespaçodapágina superior).

CenadeRua

(AngelaLago,Ed.RHJ–1994)

OPersonagemencalhado

(AngelaLago,Ed.RHJ–2006)

A autora propõe uma brincadeira em que o personagem dessa história, como anunciado no título, está encalhado na dobra das páginas do próprio livro. No meio da obra, os leitores descobrem que o pé do personagem está preso no grampo que une o caderno de folhas do livro.

A autora Angela Lago é uma importante referência nacional por seu trabalho que considera o objeto livro como parte integrante da narrativa. Boa parte de sua obra é pensada levando em consideraçãoousoda dobra,oritmoeoatodepassaraspáginascomopossibilidadesnarrativas.CenadeRua é um exemplo da articulação entre as ilustrações e o objeto livro. As imagens são, intencionalmente, produzidas para serem vistas pelos leitores, usando-se da abertura natural do livro no momento da leitura. Se o livro estiver aberto em 180°, as ilustrações não causam o mesmo impacto do que se estiver aberto em ângulo menor. Assim como em Cena de Rua, a autora utiliza-se do ângulo de abertura do objeto em diversas outras obras, como em O Cântico dos Cânticos e Festa no Céu (texto de Ana Maria Machado).

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Sangria,molduraeenquadre

“Amaneiracomoasimagensseinseremna página não deixa de ter implicações para a percepção que temos delas” (LINDEN, 2011,p.71).

O uso das molduras, margens e bordas, suas dimensões, suas formas, o enquadre, a perspectiva são alguns dos elementos que interferem no direcionamento do olhar dos leitoresesãoimportantesrecursosparaa leitura deimagens.Elesdelimitamumespaço narrativo, isolam ou integram a imagem ao fundoouaotexto.

Nos livros ilustrados, muitas vezes, as imagens terminam no limite físico da página. Quando isso acontece, dizemos que as imagens sangram a margem do livro, pois preenchem “integralmenteoespaçodapáginaoudapágina dupla”(LINDEN,2011,p.73).

Asimagenssangradastransmitemasensação de que se estendem para além da página e, por isso,sugerem um movimento centrífugo, de expansão. A presença de moldura ou margem sugere um recorte de parte da realidade, um foco na imagem, o que gera movimento centrípeto.

O enquadramento, noção advinda do cinema, designaa“posiçãodamolduraemrelaçãoà cena representada”(LINDEN,2011,p.75).Esse recurso éexploradoemvárioslivrosilustrados, podendo ser usado para expressar pontos de vista, reforçar características dos personagens, dar destaque a algum evento ou contemplar diferentesinstantesemumamesmapágina.

JoãoeMaria

(Rosinha,Ed.Callis–2015)

A autora constrói uma narrativa visual para a história João e Maria. No livro, a maioria das imagens sangram, dando a impressão de se estenderem para além dos limites físicos das páginas. Quando João e Maria estão perdidos na floresta, as imagens sangradas e o jogo de diferentes perspectivas adotado potencializam aimensidãoeoadensamentoda floresta em que as crianças ficaram perdidas.

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Obax

(André Neves, Ed. Brinque-Book - 2010)

As imagens sangradas e com diferentes enquadres perspectivos, mesmo dividindo a página com o texto verbal, chamam atenção para a diferença de tamanho entre Obax e o elefante Nafisa. As três duplas de páginas consecutivas sugerem uma desaceleração do tempo, enquanto os personagens dão a volta ao mundo em busca de uma chuva de flores e estreitam laços afetivos.

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Este é o lobo

(Alexandre Rampazo, 2020)

O autor utiliza o enquadre para sugerir um movimento de afastamento, tanto do leitor quanto dos personagens, do famoso e perigoso Lobo. A cada passada de páginas, o temido animal fica cada vez mais distante e solitário.

Confira mais informações sobre a obra: https://alerampazo.com.br/l ivros-a utorais/este-e-o-lobo-2/

Ismália

(Alphonsus de Guimarães e Odilon Moraes, Ed. Sesi-SP – 2016)

Na já referida obra, o uso das molduras e das imagens sangradas contribuem para o movimento de aproximação e distanciamento da torre. A cada dupla de páginas, o enquadre se movimenta para frente ou para trás. As molduras focalizam Ismália, enquanto as imagens sangradas permitem uma visão ampla da torre, no encontro do céu e do mar –espaços que aparecem recorrentemente no texto verbal.

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Setepatinhosnalagoa

(CaioRitereLaurentCardon,Ed.Biruta–2015)

A história conta a saga do Jacaré Barnabé para conseguir comer os sete patinhos que nadam na lagoa. Em determinado momento da narrativa, o texto verbal diz que os patinhos estavam espertos e “fugiam em disparada quando o Barnabé chegava perto”. Nesse momento, a página dupla comporta quatro cenas diferentes, que aparecem isoladas umas das outras por molduras brancas. Essas molduras são para diferenciar uma vinheta da outra. As quatro cenas, na mesma página dupla, reforçam a dificuldade do jacaré em pegar os patos e conferem movimento, dinamismo e humor à narrativa.

AQuatromãos

Entrevista com a autora

Marilda Castanha

https://www.youtube.com/ watch?v=Rl3SJG5cCsg

(MarildaCastanha,Companhia dasLetrinhas–2017)

A obra aborda a relação de uma menina com seupai,pormeiodasmemórias. Noinício do livro, junto à dedicatória e epígrafe, a autora faz um jogo com três imagens sequenciais, utilizando-se do enquadre para aproximar-se daquele que será o foco da narrativa: o pai.

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LulueoUrso

(CarolinaMoreyraeOdilonMoraes,Ed.Pequena Zahar–2018)

Os autores exploram o uso da moldura para assinalar as fronteiras entre a fantasia e a realidade. Antes da folha de rosto, junto à dedicatória, uma ilustração sinaliza a chegada de Lulu no escritório da mãe. O escritório aparece dentro da moldura e o enquadramento representa a perspectiva da menina. A criança é representada no extramoldura, sugerindo que, até o momento, Luluestevedoladodeforadoescritório,à parte do que acontece ali. Na folha de rosto, o títuloaparecenoespaçoazul,internoà moldura e à borda, sugerindo que, a partir desse momento, Lulu e o urso estão dentro do escritório da mãe. A partir daí, inicia-se um jogo rítmico cuja estrutura se repete a cada quatropáginas.Luluencontradiversos objetos e pergunta à mãe o que é cada um deles. Sempre que ela pergunta “Mamãe, o que é isso?”, a imagem faz referência ao objeto.

As molduras são bem definidas e o enquadre ressalta o objeto em questão, representado emmeioaumfundobranco. Nasduas páginas seguintes, os leitores participam de uma outra perspectiva. O fundo azul, dentro das margens e bordas, sugere que é possível observar o interior do escritório. A mãe responde à pergunta da filha e Lulu repete a resposta para si. Na página seguinte, a borda desaparece. A imagem continua emoldurada e representa o espaço de fantasia de Lulu, onde ela incorpora o objeto a uma cenaimaginária. O jogo se repete com outros objetos. A última imagem é também sem bordas e sugere a cena imaginária em que Lulu passa a brincar com o Urso. Todos os objetos mencionados ao longo do livro estão incorporados nessa imagem.

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Nãovoudormir

(ChristianeGribeleOrlando,Ed.Global-2007)

A obra conta a história de uma menina insatisfeita diante do fato de a mãe tê-la mandado ir para a cama dormir. O texto verbal, narrado em primeira pessoa, afirma e reafirma a todo tempo a posição da menina: “não vou dormir”. Inicialmente, as imagens retratam a personagem e sua expressão desgostosa. Em seguida, elas mudam de perspectiva e passamos a enxergar o ponto de vista da própria menina que agora está deitada em sua cama. Com o passar das páginas, o enquadre diminui e a cena tomba sutilmente, sugerindo, exclusivamente pelas imagens, o movimento pesado das pálpebras e a luta da menina para se manter acordada. Esse jogo se encerra com uma página dupla completamente preta, sugerindo que a personagem finalmente adormeceu. A quantidade de imagens sequenciais, distribuídas nas páginas do livro, provoca uma desaceleração no ritmo da narrativa.

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Vocêtroca?

(EvaFurnari,Moderna-2011)

A autora usa, em cada ilustração, molduras bem definidas, com bordas personalizadas, que conversam com a imagem respectiva e contribuem com o jogo de humor. No livro “Você troca?”, uma das bordas faz menção à orelha da ratinha, enquanto a outra simula uma segunda gaiola, já que o passarinho aparece fora da primeira, em contraponto ao anunciado no texto verbal. Dedos e penas do pássaro transgridem a borda,sugerindoquetalveznãoseja possível manter esse passarinho tranquilo em nenhuma gaiola.

Nãoconfunda

(EvaFurnari,Ed.Moderna–2012)

Eva Furnari também brinca com as molduras em “Não confunda”. Nas imagens ao lado, na página da esquerda fica a cargo da borda lançar a peteca violentanacabeçadohomem.Na página dadireita,abordasuperiorfaz referência à meleca nojenta que a menina pisou.

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Página em branco

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Nos livros ilustrados, algumas vezes, nos deparamoscom páginas em branco. Podem estar ausentes deimagens, ausentes de palavras, ausentes de formas oucaracteres. No entanto, não estão lá por acaso. Há uma intencionalidade dos autores naquela pausa ousupressão textual. Nos livros ilustrados, páginas embranco estão carregadas de sentido. De acordo comSuzy Lee (2013), nos livros ilustrados “a página vazianão pode estar de outra maneira a não ser completamente preenchida”.

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OProblemadeClóvis (EvaFurnari,Ed.Santuário–1992)

A capa do livro apresenta uma imagem que faz referência ao conto de fadas “O Príncipe Sapo”, que, a princípio, parece distantedoquepropõeotítulodolivro. No entanto, enquanto a princesa se assusta com seu príncipe sapo, literalmentepor trás da imagem, na parte superior esquerda, um pequeno homem espia atentamente.

Após a folha de rosto, nos deparamos com duas páginas em branco, com finas molduras pretas, o que causa um estranhamento nos leitores. Na sequência, somos surpreendidos com a presença de um homem, Clóvis, passando pela página branca. Ele se questiona: “Ué! Cadê a estória? O que aconteceu?”.

principalmente porque as páginas do livro estão passando e a história precisa começar. Três horas depois (noção temporal dada pelo texto verbal), os personagens e cenários chegam encaixotados. A imagem dessas caixas continua sobre a página de fundo completamente branco. Ele prepara toda a ornamentação: inclui cenário, texto verbal, margens, personagens na página.

A partir daí, a história se desenrola com bastante humor. Clóvis é o revisor do livro e se depara com o problema de ter que arrumar tudo para a história acontecer, em função de imprevistos que se passaram na editora. Ele se aflige com a demora da entrega dos materiais (personagens, narrador, cenário),

Na última página, junto ao cavalete com informações sobre Eva Furnari, vemos Clóvis sair de fininho, envergonhado, após pendurar a placa “Fim” na página em branco. A história é uma proposta bem-humorada, em que a relação com o próprio objeto livro é o aspecto central. Esse elemento é reforçado a todo o tempo pela evidência dos espaços em branco das páginas, que se tornam cheios de sentido e nos convidam a entendê-los não como um simples espaço vazio, mas sim como recurso narrativo potencializador dos sentidos.

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Flicts

(Ziraldo,EditoraMelhoramentos,1969)

O livro “Flicts”, de Ziraldo (1969), conta a história de uma cor com esse nome, que vive em busca de um lugar no mundo. Em meio a tantas cores, presentes intensamente nas páginas do livro, Ziraldo utiliza as páginas em branco para compor a solidão de Flicts e o seu sentimento de não pertencimento. Após dizer que “Não existe no mundo nada que seja Flicts”, o livro reserva uma dupla de páginas brancas, apenas para a repetição da frase, em letras maiores: “Nada que seja Flicts”. Essa dupla, intensifica a afirmativa e não deixa dúvidas sobre o não lugar de Flicts no mundo. Essemesmo recurso é usado para reforçar a “branca solidão”e sumiço de Flicts, em outros pontos da narrativa.

Curta: The Moon is Flicts (Bateu Castelo)

O Cartunista Zirldo conta como produziu o seu primeiro sucesso, o livro Flicts

https://www.youtube.com/watch?v=rJ0uA9IlT1s

Eustáquio

(AlexandreRampazo,2020,ed.Leiturinha)

Nesse livro, o protagonista é um mágico destemido. O seu número mais esperado éododesaparecimento.Depoisde contar 1,2,3eestalarosdedos,“Záz!”, Eustáquio desaparece do próprio objeto livro. As diversas páginas em branco são usadas para concretizar seu desaparecimento, que perdura por uma média de 30 páginas.

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Textoverbal:o designda palavra

A visualidade como eixo constituinte dos livros ilustrados e toda a amplitude de relações possíveis entre palavras, imagens e design nos convidam a pensar sobre a dimensão visual da própria palavra. Muitos artistas têm explorado o movimento e as imagens possíveis com a própria diagramação do texto verbal. Muitas vezes, a tipografia escolhida é também enunciativa. São muitas as possibilidades de exploração do texto verbal que extrapolam o sentido expresso pelas palavras e convidam a uma leitura, também, da forma que ganha a sua expressãográfica.

SuaaltezaADivinha

(AngelaLago,Ed.RHJ-1990)

Chiquita Bacana e as outras pequetitas

(Angela Lago, 1986, Ed. Lê –Atualmente pela editora RHJ)

Angela Lago (1986) propõe que a diagramação do texto verbal fique restrita aos espaços em que a ilustração mostra páginas soltas de um livro. A autora brinca em suas imagens com a maleabilidade das folhas de papel. Para conversar com essa maleabilidade proposta na imagem, as linhas do texto verbal são levemente tombadas e onduladas.

Nessa obra, o texto verbal está a todo tempo permeado por pequenas imagens que substituem as palavras. Além disso, muitas vezes são criadas relações entre a formadotextoeosentidoqueeleconstrói. As imagens anteriores exemplificam esses aspectos. Na página da esquerda da primeira delas, a fala direta da personagem Divinha é sinalizada pela imagem da própria personagem, que aparece deitada antes das palavras e alinhadanaprimeiralinha,comosefosse elamesmaoprópriotravessão.Napágina da esquerda, seus quatro pretendentes, que não conseguiram acertar a adivinha e por isso são castigados, aparecem enforcados, pendurados nas letras daspalavras que os representam. Algumas dessas letras aparecem tombadas, em decorrência do peso dos enforcados. Na segunda imagem, no texto verbal da terceira linha da página esquerda, aparece a expressão “Bateu um vento”, cujas letras estão levemente suspensas, como se fossem levadas pelo próprio vento. Na sequência, quando o texto verbal faz referência ao ninho com sete ovos, a palavra “ooooooovos” aparece escrita com sete O’s, como se cada uma dessas letras fosse um dos ovos do ninho.

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ODonodaverdade

(BiaHetzeleMarianaMassarani, Ed.Manati-2002)

Nesse livro, a brincadeira tipográfica aparece logo na capa. A história conta sobre um menino que vive se questionando acerca da verdade e da mentira.Nesseprocesso,eleexperimenta expressões e provérbios populares que escuta, como se fossem verdades inquestionáveis. A capa do livro traz o rosto do garoto protagonista que, sendo o dono da verdade (aquele que conhece e utiliza diversos provérbios e expressões de sabedora), a palavra “verdade” não poderiaestarescritaemoutrolugar,senão na própria boca do menino. A sensação é de que ele enuncia a própria verdade, materializada na escrita da palavra.

Pindorama: a Terra das Palmeiras

(Marilda Castanha, 1999, Ed. Cosac Naify)

A autora constrói um acervo de palavras, imagens e narrativas de origem dos povos indígenas. A primeira parte se encerra com uma página dupla que faz referência à não linearidade da história. Na página da esquerda, o texto verbal se expressa em espiral, de forma redonda e comprida, tal como anunciado nas próprias palavras, dando continuidade ao que se narrava, sobre a continuidade da vida e da existência: “Numa linha do tempo redonda e comprida, onde cada um, igual e diferente, possa viver sua história. Plural e singular”. Pareada e espelhada a essa espiral, temos a imagem da cobra, construída no mesmo formato e tamanho.

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Em determinado momento da história, o autor utiliza as próprias palavras para compor imagens de uma narrativa que aborda o vazio e a falta que desamparam o protagonista João. Ao mesmo tempo, nos convida a pensar nas envolturas narrativas que a linguagem pode proporcionar. As palavras espalhadas, materialmente espalhadas napáginadupladolivro, são costuradas pelo

João por um fio

(Roger Mello, Companhia das Letrinhas - 2005)

O título é escrito com caligrafia do próprio autor. As palavras são desenhadas, nos remetendo ao fio que sustenta o personagem e aos fios usados na composição das rendas. A disposição em diagonal nos sugere que o texto verbal acompanha o movimento do personagem.

personagem, a partir de perguntas –expressas pelo ponto de interrogação que João usa como agulha. Palavras costuradas, engendradas em narrativas, ganham sentidos e significados, embalam o corpo e a mente, organizam o caos interior – assim como as cantigas de ninar (LOPEZ, 2016). Palavras costuradas viram uma colcha.

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Cacoete

(EvaFurnari,Ed.Moderna-2005)

A autora faz uso de diferentes fontes tipográficas, além de brincar com a composição do texto verbal e da imagem no espaço da página. A cidade de Cacoete tinha sua identidade expressa na forma de organização, tanto do espaço e dos objetos da cidade quando de seus próprio habitantes. O jeito tradicio-

nal de Cacoete existir se expressa na própriafontetipográfica,emletra cursiva e formatação clássica, em que o texto verbal se apresenta. A alternância entre palavras e imagens na composição parece ter sido milimetricamente calculada–impossívelserdeoutra forma para os moradores de Cacoete.

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A imagem anterior faz referência ao momento em que o narrador está apresentando a cidade deCacoeteetodaasituaçãodeequilíbrioemque elavivia.Noentanto,apróprianarraçãoadianta que coisas estranhas começaram a acontecer e que mudariam Cacoete para sempre. Na página seguinte,anarraçãonãoseatémmaisa explicar o equilíbrio em que vivia a cidade, mas sim, a narrar a sequência de eventos que desencadearão a mudança anunciada.

Nesse momento, a fonte tipográfica que se altera para uma convencional. A letra cursiva continua sendousada para expressar a fala dos moradores da cidade. A forma como Eva Furnari insere seus quadros narrativos é bastante diversa, ao mesclar em uma mesma página palavras, imagens grandes e pequenas, imagens sequenciais, balões de fala, dentre outros.

Uma terceira fonte tipográfica aparece na história para representar a fala da Bruxa. Em contraste com a delicadeza e simetria das falas de Frido, personagem principal e morador de Cacoete, as falas da Bruxa aparecem em balões cheios de pontas, com fonte tipográfica sem padrões, dando a entender que foram escritas com bastante força.

Naimagemaseguirépossívelacessarocontraste entre as fontes. Por se tratar de uma cena mais adiante na história, não há necessidade do uso debalõesparasinalizarasfalasdospersonagens e narradores. Os leitores, em função do que se passou anteriormente na história, já podem identificar a quem pertence as falas.

Quando Frido é enfeitiçado pela Bruxa Núrcia, que usou seus raios desorganizadores, as molduras das imagens deixam de ser retas e precisas e assumem formatos diversos. Além disso, as falas do personagem Frido passam a se expressar por outra fonte tipográfica, agora sem o padrão rígido da tipografia anterior.

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FelpoFilva

(EvaFurnari,Ed.Moderna-2006)

Eva Furnari utiliza diferentes fontes tipográficas, combinadas com imagens que simulam diferentes tipos de papel e suportes textuais, para incluir na narrativa os diferentes gêneros textuais. Em uma mesma história, ela insere manual de instrução, conto, bula de remédio, partitura musical, lista, receita, cartas, poemas, dentre outros. As imagens abaixo mostram uma carta escrita à mão, pela coelhaCharlô,enviadaparaopersonagem que dá nome ao livro, o poeta Felpo Filva.

Além da caligrafia, reconhecemos as cartas de Charlô pelo papel de carta lilás com bolinhas brancas. O coelho Felpo Filva escreve suas cartas na máquina de escrever, utilizando papel verde quadriculado. A imagem abaixo mostra uma dessas cartas, na página da esquerda, e na direita, um telegrama enviado por Charlô.

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Lampião e Lancelote

(Fernando Vilela, Ed. Cosac Naify – 2006 – Atualmente pela Pequena Zahar)

O autor propõe diferentes tipos de diagramação do texto verbal. Quando Lampião e Lancelote se encontram, o primeiro ordena que o segundo pare sua cavalgada imediatamente. Nesse momento, o texto verbal que narra a freada brusca de Lancelote e seu cavalo está inclinado, como se tivesse sofrido os efeitos do freio junto com o personagem. A sensação que temos é que o texto verbal vinha seguindo fluidamente seu curso, mas foi bruscamente surpreendido junto a Lancelote e sua espada.

Mais adiante na história, quando os personagens estão em festa, bailando “dois xaxados e um xote”, as imagens mostram os pés das pessoas, cujo movimento da dança se reforça pela diagramação salpicadaemversosaolongodapáginadupla.Esserecursofaz com que os olhos dos leitores dancem junto com os personagens à medida que leem os versos.

Primeiros versos do texto verbal, mais à esquerda: “’Pois pare já eu lhe ordeno / Ó fantasma de metal / Encarnação do demônio / Grande embaixador do mal / Logo se vê que fugiu / Do século medieval”. Segunda parte do texto verbal, que aparece tombado, mais à direita: “Lancelote, desperto da estranheza daquele mundo pela voz áspera de Lampião, arribou súbito as rédeas e freou seu cavalo com todas as forças, para não atropelar o cangaceiro, parado a pouco mais de um golpe de espada”.
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Texto verbal: “E nesta bênção de paz / Chega Maria Bonita / Parceira de Lampião / Toda vestida de chita / E abraça o cavaleiro / Que dança sem fazer fita / Depois chega Guinevere / A paixão de Lancelote / E baila com Lampião / Dois xaxado e um xote / Reinventavam as danças / Arrasta-pé ia no trote".

A diagramação do texto verbal e o movimento dos olhos participam da cena narrativa. A história é sobre um garoto, Tom, que “tem o olhar parado no tempo” e “gosta da solidão dos pensamentos”. Em determinado momento do livro, o narrador fala sobre as coisas especiais e diferentes que cada um dos cinco membros da família faz. Na imagem, a família divide o meio do livro. Enquanto isso, o texto verbal mencionado está alocado na página da esquerda. As frases curtas são dispostas na vertical, uma debaixo da outra.

Enquanto lemos, temos a sensação de um conjunto de características que interligam aquela família e dizem da especificidade de cada um deles. Ao deslocarmos nosso olhar para a direita, encontramos mais uma frase isolada na borda da página da direita: “E Tom? Parece nem perceber”. Tom, aquela criança que “gosta da solidão dos pensamentos”, experimenta ser referido também do lado de fora do texto verbal que fala sobre as pessoas da família.

Tom (André Neves, Ed. Projeto - 2012)
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Cacoete

(EvaFurnari,2005–Ed.Moderna)

Bichos do Lixo

(Ferreira Gullar, Ed. Casa da Palavra - 2013)

O autor brinca com palavras e pedaços de papel para construir micro contos. Cada página dupla é destinada a um desses contos: um título, uma ou duas frases e mais uma imagem. O título do livro nos sugere como são feitas as ilustrações, que são composições do próprio autor, que utiliza pedacinhos de papel que iriam para o lixo para criar diferentes bichos. As palavras contribuem para significar o que se expressa na imagem e, muitas vezes, apresentam diagramações variadas.

Por exemplo, no micro conto “Cobra-Norato”, o texto verbal está ondulado, fazendo referência a uma cobra. Em “Habitantes da água”, as palavras parecem flutuar, provocando a sensação e movimento da água.

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Códigosvisuais

Muitas vezes, os ilustradores utilizam recursos gráficos que fazem parte de um sistema de códigos visuais, como é o caso dos tracinhos ou tracejados, que indicam movimento. Esses códigos – ou convenções gráficas– não são iconográficos, ou seja, não fazem referência direta ao que representam. Por exemplo, o ícone “impressora”, na tela do nosso computador, faz referência direta à função de imprimir arquivos. Por outro lado, as convenções gráficas são sinais e símbolos coletivamente acordados, que constituem uma linguagem específica das artes visuais.

Éprecisoconheceroqueessasconvenções

gráficas representam, para que se possa realizar a leitura delas.

Neste tópico, elencamos alguns exemplos de recursos plásticos ou códigos gráficos que funcionam como disparadores da noção temporal em uma imagem isolada. Muitas vezes, essa noção está ligada ao movimento e ao deslocamento de personagens e objetos.

Cacoete

(EvaFurnari,2005–Ed.Moderna)

Na já referida obra Cacoete, Eva Furnari utiliza bastante esses sinais. No detalhe de imagem ao lado, os tracinhos, como os apontados pelas setas amarelas, indicam o movimento de correr do personagem. Outro sinal gráfico bastante utilizado é a linha que indica o trajeto de movimento dos objetos. Na imagem ao lado, também de Cacoete, Eva Furnari faz uso desse recurso para indicar o lançamento da maçã pelo personagem.

OGatoViriato

(EvaFurnari,2005–Ed.Moderna)

O desmembramento da imagem, tal como acontece com as patas do gato ao lado, nos dá a ilusão de movimento. Aqui o personagem nos passa a sensação de estar balançando as patas rapidamente. Trata-se também de um código gráfico a ser aprendido, para que não se confunda com um gato de 8 patas.

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Recortes (faca de impressão gráfica)

De acordo com Matsushita (2011, p.329), a faca é um “instrumento de metal montado em madeira, cuja função é recortar impressos em formatos especiais”. Muitas obras utilizam esse recurso, seja para compor pequenos detalhes ou para possibilitar interações com o objeto livro.

Nacasadeles

(EdithChaconePriscillaBallarin-2020)

O texto em verso caracteriza a casa de diversos autores brasileiros, fazendo intertextualidades com elementos de suas obras. O miolo do livro tem corte especial, que sugere o formato do telhado de diversas casas, tal como uma vila. Essa ideia é favorecida pelo formato sanfonado do livro que, quando esticado, revela ao leitor que todas as casas estão unidas umas às outras, tal como uma vila.

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O Alvo

(Ilan Brenman e Renato Moriconi, Editoa Ática, 2011)

O livro faz uso de um pequeno corte circular central, que permeia todas as páginas e se relaciona diretamente com a narrativa. A obra conta a história de um professor, que respondia às mais diversas perguntas com sabedoria e enredando uma narrativa. Um dia, ele é interrogado por seu aluno: “Como o senhor sempre consegue encontrar uma história certa, para a pessoa certa, no momento certo? Todos na cidade dizem que o senhor nunca errou ao contar uma história que faz o outro refletir sobre seus

problemas. Como isso é possível?”. Para responder essa pergunta, o professor conta uma história em que um menino lançava flechas nos postes e, na sequência, pintava os alvos em volta das flechas. O professor completa: “[...] Sempre amei estudar, sempre ouvi e contei muitas histórias. Então, as pessoas vêm até mim, me contam suas dificuldades, seus problemas, e eu apenas pinto as histórias em volta delas, assim como o menino da história fez”.

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Na capa do livro aparece um alvo, um recorte circular maior, por onde podemos ver o professor e uma suposta maçã sobre sua cabeça. O recorte circular ganha identidade de alvo também com a pintura em branco que o contorna, que parece ter sido feita com um pincel grosso em uma

cerca vermelha, tal como o menino da história fazia com as flechas lançadas previamente. O título do livro parece ter sido pintado na cerca com os mesmos materiais utilizados para fazer o alvo. As letras “O” também ganham estatuto de alvo.

Além do recorte maior na capa, um recorte circular menor atravessa o miolo de todo o livro. Da mesma forma que o professor da história, Renato Moriconi aproveita os círculos como pontos de partida para suas ilustrações. Esse corte parece ter sido feito por uma flecha que entra no livro pela 2ª capa,

perfura todo o miolo e acerta o alvo localizado na imagem da 3ª capa. O trajeto percorrido pela flecha é sugerido por uma linha tracejada e sombreada em cinza

um código visual que sinaliza o caminho feito por um objeto em movimento.

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A Mãe da mãe da minha mãe

(Terezinha Alvarenga e Angela Laago, Ed. Miguilim – 1988)

O livro conta a história de uma menina que chega à imensa e desconhecida casa da sua bisavó. Enquanto ela está perdida pelos cômodos e corredores da casa, as páginas contemplam um recorte retangular que se mescla às ilustrações, como se fossem portas e janelas da própria casa. Os recortes são sobrepostos uns aos outros, de forma que, em qualquer uma das páginas que ilustram o interior da casa, é possível acessar as plantas que se encontram nas áreas externas. Nas páginas da esquerda, vemos a árvore da rua, que fica na porta da casa. Nas páginas da direita, nossa visão alcança as árvores do jardim da bisavó. Os recortes também nos dão a sensação de profundidade da casa.

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Carvoeirinhos

(Roger Mello, Ed. Companhia das Letrinhas – 2009)

A construção narrativa da obra aborda a exploração da mão de obra infantil nas carvoarias. O autor utiliza recortes sobrepostos para dizer da propagação do fogo. Em determinado momento da história, uma brasa se espalha pelo mato seco e o fogo se materializa em quatro folhas de recortes especiais e cores florescentes. O fogo se espalha pelo livro.

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Monstrosdocinema

(AugustoMassieDanielKondo, Sesi-SPeditora-2016)

Nesse livro, aparecem os mais temidos monstros do cinema, como Drácula, Godzilla e o Zumbi. Cada um desses monstros pode ser encontrado em uma página diferente do livro, sendo que a página da direita abriga a imagem e a página da esquerda abriga o nome escrito do personagem. O mais divertido é que todas as páginas do miolo do livro são segmentadas em três tiras. Esse recurso permite que os leitores brinquem misturando as partes do corpo e os nomes dos monstros, compondo personagens ainda mais bizarros.

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Usodascores

A escolha da paleta de cores de uma obra, ou da composição de uma página, bem como os efeitos de luz e sombra das imagens, podem ser importantes recursos que contribuem com a produção de sentidos ou com estados emocionais dos personagens e dos leitores. Apesar da importância da paleta de cores na obra, vale ressaltar que, nem sempre, a escolha de uma cor está atrelada ao sentido que ela pode trazer.

ABocadaNoite: históriasquemoram emmim

(CristianoWapichanae GraçaLima,Ed.ZIT,2016)

A história conta sobre Kupai, uma criança indígena, e sua busca para tentar compreender do que se tratava a boca da noite, elemento que aparece em uma das histórias que seu pai lhe contara. As imagens sangradas dividem espaço da páginacomotextoverbaleousodascores sugere a passagem do tempo, ao longo de umdiainteiro:predominânciadolaranja ao entardecer; predominância do azul e preto durante a noite; predominância do amarelo ao amanhecer. Os detalhes das ilustrações remetem a elementos das pinturas de alguns povos indígenas, além de valorizarem a diversidade da flora brasileira. A presença desses elementos e a escolha das cores nas composições sugerem a proximidade dos personagens com a natureza e a relação que estabelecem com o sol na percepção do tempo.

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O Passeio

Pablo Lugones e Alexandre Rampazo, Ed. Gato Leitor – 2017

A obra explora a passagem do tempo, por meio de uma metáfora do passeio de bicicleta realizado por uma menina na companhia de seu pai, e ambos na companhia de uma borboleta azul. Esse passeio começa quando a menina é aindacriançaesegueseucursoatravessandotodoomiolodolivro,compondoa narrativasobreaprópriavida.Comopassardaspáginas,acompanhamos,pelas ilustrações, o envelhecer dos personagens e, pelo texto verbal, os desafios que podem ser encontrados nas andanças pelo próprio viver. Como todo percurso de vida, em determinado momento, a menina – agora mulher – se depara com o inevitável de seguir sozinha seu passeio. Nesse momento, há um corte. Ao virarmos a folha, nos deparamos com o anoitecer, nas páginas duplas, e a ausência física do pai é acompanhada pela ausência não só das cores do dia, mas também do texto verbal. A complexidade e a intensidade desse momento prescinde da palavra. Uma pausa no passeio, um alongamento do tempo, que segue por seis páginas duplas, narradas pelo escuro das imagens – uma pausa, o luto, a solidão.

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“Então, enquantomeu paiseguia animado pela brincadeira, semprecom seujeitode criança...”
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“...euvio tempopassar.”

“Cena de Rua”, um livro narrado exclusivamente por imagens, traz a perspectiva e a história de vida de crianças brasileiras que estiveram, até o ano de 1994, à margem das produções literárias. Há muitos anos, um dos problemas decorrentes da enorme desigualdade social brasileira é o das crianças que, para sobreviver, vendem produtos nos sinais de trânsito. A autora não só aborda a temática como faz dessa criança a protagonista principal da história,denunciando que nem todas as histórias têm finais felizes. O jogo de perspectivas visuais, o uso de cores fortes da tinta acrílica, a escolha e acombinação delas para cada imagem potencializam as emoções vividas nas cenas da rua. Na imagem a seguir, o azul predominante nas figuras da mãe com o

bebê nos salta aos olhos. Ao discorrer sobre a sensação e a simbologia da cor azul nos projetos de design, Raquel Matsushita (2011, p. 211) comenta que “o céu azul representaa plenitude da busca humana de um lugar em que a perfeição do espírito seja possível. Sendo assim, o azul torna-se inacessível e atinge o nível do inconsciente”. Mãe e bebê, vestidos em mantos estrelados, vivem, dentro do carro, uma relação profunda de afeto, expressa na troca de olhares, gestos e embalos – um céu azul, lugar de perfeição, inacessível ao menino. Do lado de fora do carro, o menino verdeesperança observa com olhar pedinte, menos por dinheiro e mais por um espaço no céu azul estrelado.

Cena de Rua

Angela Lago, Ed. RHJ – 1994

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Tiposdepapel

O tipo e a espessura do papel são elementos que podem conferir não só qualidade, mas também diferentes efeitos de impressão e, consequentemente, diferentes experiências de leitura. Folhas foscas ou brilhantes, opacas ou transparentes, grossas ou finas... Toda essa multiplicidade pode estar presente nas obras. Para além do papel usualmente fino, o livro pode ser cartonado, de

SuaaltezaaDivinha

(Angela

As narrativas foram contadas pela autora a partir de textos folclóricos da linguagem oral. Além disso, ela utiliza ilustrações de artistas antigos, muitas vezes anônimos, para compor as cenas do livro. Pequenas imagens são inseridas mescladas ao texto verbal, muitas vezes substituindo as palavras que representam. No que se refere aos aspectos materiais, essas obras também apresentam elementos de destaque. Em “Sua Alteza A Divinha’ , a segunda e a penúltima folhas do livro são em papel vegetal, o que permite uma brincadeira com o movimento proporcionado pela sobreposição das imagens.

plástico ou de tecido. Por serem mais resistentes e possibilitarem explorações de materiais e texturas variados, são normalmente associados aos bebês ou crianças bem pequenas.

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Omeninoque queriavirarvento

O título da obra expressa o desejo do protagonista dessa história. Uma sequência de oito folhas de papel vegetal, no meio do livro, proporciona aos leitores a sensação de que o menino está se esvaindo. A cada virada de página, a ilustração se torna mais transparente, até chegar ao limite em que não vemos mais o menino.

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OInvisível

(AndrésSandoval,Editora34–2011)

O autor utiliza páginas de acetado vermelho, intercaladas com as demais páginas, para propor a brincadeira em que as ilustrações (e personagens) fiquem invisíveis. Esse jogo é possível em função da sobreposição dos diferentestiposdepapeledascoresusadas para compor as imagens.

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Bocejo

(Ilan Brenman e Renato Moriconi, Ed. Cia dasLetrinhas–2012)

A obra traz um percurso histórico da humanidade em torno de uma ação comum: o bocejo. Charles Chaplin, Albert Einstein e Neil Armstrong aparecem nessa trajetória, que se encerra com uma página de papel laminado, indicando que nós, leitores, também somos parte dessa história.

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Abas e dobras

Abas e dobras são dois mecanismos que convidam os leitores a interagirem com o objeto livro. Esses recursos podem ser usados para esconder/revelar elementos, explorar composições ou ampliar o espaço da página.

De morte!

De morte! (Angela Lago, Ed. RHJ – 1992)

A autora propõe uma brincadeira com abas, possibilitada pelo deslocamento para a direita de uma das folhas do livro. No começo, a aba descobre a figura da morte, fazendo aparecer o seu esqueleto. A aba final funciona como a porta de São Pedro, que dá acesso ao céu e pode ser aberta e fechada concretamente.

De morte! (folha de rosto com aba fechada e aberta)

Página dupla final com aba fechada e aberta

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Mágica! Nina e Ludovico

(Aline Abreu, Jujuba – 2020)

O jogo de abas que abrem e fecham neste livro permite concretizar a transformação resultante das mágicas de Nina. A personagem transforma Ludovico em diversos animais.

Pequena Grande Tina

(Patricia Auerbach e Ronaldo Fraga, Ed. Companhia das Letrinhas – 2013)

A obra fala sobre as indagações de Tina, uma criança de 3 anos que ora se sente pequena, ora se sente grande. Ao final do livro, Tina pergunta aos leitores se eles já descobriram a sua altura. A última página guarda uma surpresa: ao desdobrar a folha, é possível acessar a imagem em tamanho real da personagem.

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Livrosinterativos

De acordo com Colomer (2017, p. 232), existem diversas possibilidades de livros interativos, como mostra o quadro abaixo:

Algumas dessas possibilidades estão contempladas neste material. Neste tópico vamos ressaltar aquelas obras que convidam os leitores a interferirem na própria disposição do objeto livro. Ou seja, obras em que os leitores transgridem a direção da leitura ocidental.

OMenino,ocachorro

(Simoni Bambini e Mariana Massarani, Ed. Manati–2006)

O livro explora dois pontos de vista de uma situação semelhante, vivida por um Menino e por um Cachorro. Para isso, o projeto gráfico utiliza o mesmo recurso proposto por Angela Lago, em “Cântico dos Cânticos”, um livro com duas capas e dois sentidos de leitura. De um lado do livro, acessamos a perspectiva do menino que desejava ganhar um cachorro. Também é possível iniciar a leitura pelo outro lado, pela outra capa, de onde temos a perspectiva do cachorro que desejava ganhar um menino. Ambas as narrativas abordam os mesmos aspectos dos personagens, como

a família em que nasceram, seus desejos e as situações vividas em busca desses desejos. No meio do miolo, onde os grampos se fecham, cachorro e menino se encontram na imagem e na palavra. Nessa página dupla, a disposição dos personagens e a diagramação do texto verbal em círculo nos permite ler em qualquer um dos sentidos. Além disso, há um pequeno detalhe nos cantos das páginas, uma palavra que nos interroga, “FIM?”, ao mesmo tempo em que nos convida a seguir na leitura pela outra perspectiva.

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Fontedaimagem: Colomer (2017, p.232)

Ops

A obra brinca com a sonoridade da palavra " ops " , ao propor, pelas imagens, diversas situações em que essa interjeição pode ser usada. Em determinado momento, oooossspss, é o próprio livro que gira. Aimagem, de cabeça para baixo, convida os leitores a virarem o livro de ponta cabeça para seguirem com a leitura.

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Eamoscafoiproespaço

(Renato Moriconi , Ed. Escala Educacional –2010)

Nessa narrativa visual, uma mosca passeia pela cidade presa dentro de um balão cheio de ar, até que é levada para o espaço. Quando retorna à Terra, o mundo esta “de cabeça para baixo”, e as imagens nos sugerem que ela está no oriente. A narrativa segue com as ilustrações de ponta cabeça até a guarda final.

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Caras professoras,

Esperamos que este material possa cultivar a curiosidade e fomentar o prazer pela leitura literária. Aqui, reunimos apenas alguns verbetes e algumas obras, sem o intuito de esgotar as possibilidades. Nosso convite é para que vocês mergulhem nas obras literárias, conheçam novos títulos, investiguem outras camadas de leitura, se atentem aos diversos detalhes, levantem novas hipóteses... Além disso, esperamos que possam desfrutar dos momentos de leitura compartilhada com as crianças e que possam ampliar os olhares, também, a partir do que elas nos convidam a pensar.

Desejamos uma jornada de boas leituras e experiências!

Nosso abraço,

103
Mariana, Mônica e Alessandra

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