ENRIQUECIMENTO DE CAPOEIRAS NA AMAZÔNIA CENTRAL: DESENVOLVIMENTO DE OITO ESPÉCIES NATIVAS SOB DIFERENTES CONDIÇÕES DE LUMINOSIDADE 1,2,3
Jakovac, A.C.C. 1, Bentos, T.V.2, Mesquita, R.C.G.3 Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. 1catacj@gmail.com
RESUMO O objetivo do presente trabalho foi avaliar a viabilidade técnica do enriquecimento de capoeira com oito espécies nativas da Amazônia (andiroba, mogno, cumaru, castanha, cacau, bacaba, pau-rosa e copaíba) plantadas sob diferentes condições de luminosidade. O estudo foi realizado na Amazônia Central, próximo à cidade de Manaus - AM, junto a pequenos agricultores de um assentamento rural. Em 11 propriedades foram plantadas 991 mudas de espécies de interesse comercial ou alimentício, selecionadas pelos agricultores. Em cada capoeira foram implantadas duas parcelas experimentais, sendo uma controle e outra tratamento. Nas parcelas tratamento foi realizada a abertura do dossel para aumentar a entrada de luz no sistema, através do desbaste de aproximadamente 30% da área basal da parcela. Um ano após o plantio, a taxa de mortalidade das mudas foi de apenas 8%, e não diferiu entre as espécies. A abertura do dossel, não influenciou as taxas de mortalidade mas afetou positivamente o crescimento das mudas. As espécies andiroba, cumaru, mogno e pau-rosa apresentaram crescimento significativamente maior nas parcelas tratamento do que nas controle. Os resultados indicam uma tendência de maior crescimento das espécies no ambiente mais iluminado, ou seja, onde foi ampliada a abertura do dossel. Isso indica que o esforço de fazer o desbaste nas capoeiras ou outros sistemas agroflorestais pode resultar em significativa melhora, através do crescimento e desenvolvimento mais rápido das mudas. Taxa de crescimento relativo – taxa de mortalidade – manejo - abertura do dossel – produtos não-madeireiros 1. INTRODUÇÃO O processo de desmatamento na Amazônia vem sendo acelerado pelo crescimento urbano e pela expansão das fronteiras agrícolas (Fearnside & Barbosa 2004), tendo como conseqüência, a formação de paisagens compostas por um mosaico de florestas secundárias, áreas cultivadas e florestas primárias. Algumas possíveis soluções apontadas para a redução do desmatamento são a educação ambiental e o manejo comunitário, de modo que as populações locais devem ser componentes atuantes em pesquisas e atividades de recuperação e manejo dos recursos naturais (Goodland 1992). O enriquecimento de capoeiras com espécies nativas de interesse comercial é uma técnica capaz de agregar valor às florestas secundárias, aumentar a renda da propriedade e consequentemente diminuir a pressão de desmatamento sobre a floresta primária. Sistemas agroflorestais deste tipo devem ser vistos como poupanças para o pequeno agricultor, uma vez que a renda gerada por ele a longo prazo é maior que aquela obtida pela agricultura convencional (Browder et al 2005). O manejo das capoeiras é também uma forma de resgatar o conceito de sistemas diversificados de produção consorciando a estrutura florestal aos cultivos agrícolas, obtendo-se assim maior diversidade de produtos, diminuindo a necessidade de insumos externos e reduzindo os impactos ambientais da agricultura convencional. O presente estudo foi realizado no Distrito Agropecuário da Suframa (DAS), que se localiza em região de floresta de terra firme, ao Norte da cidade de Manaus, AM. O DAS foi fundado na década de 70 para se tornar um pólo agropecuário da região, no entanto, seguindo o histórico de outros assentamentos rurais na Amazônia, mais de 40% da área originalmente ocupada por projetos agrícolas foi abandonada, dando lugar à regeneração natural da floresta. A maioria dos lotes hoje habitados foi re-ocupada há 15 anos ou menos por famílias de pequenos agricultores, em sua maioria migrante de outras regiões do Brasil. Esses lotes, com dimensões de 1000m x 250m, possuem normalmente 80% da área coberta por floresta nativa intacta, sendo os 10%-20% restantes (5 ha) destinados à agricultura de subsistência e/ou comercial e à área da casa e do quintal. É nesta área agricultável que encontramos também grandes extensões de florestas secundárias, ou capoeiras, com idades entre 1 a 25
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anos, com semelhantes históricos de uso, que consistem principalmente da derrubada e queima da floresta seguida de cultivo agrícola e posterior abandono da área. Assim, pelos constantes insucessos do DAS, pela presença de grandes áreas de capoeiras e pelo interesse dos agricultores locais, propusemos o presente projeto que agrega a experimentação científica com o conhecimento prático e necessidades dos pequenos proprietários. Além da pesquisa foram oferecidos cursos de capacitação em agroecologia e outros temas solicitados pelos agricultores. O objetivo do presente trabalho foi avaliar a viabilidade técnica do enriquecimento de capoeira com oito espécies nativas da Amazônia (andiroba, mogno, cumaru, castanha, cacau, bacaba, pau-rosa e copaíba) plantadas sob diferentes condições de luminosidade. 2. METODOLOGIA Após entrevista com 42 proprietários foram selecionadas 11 propriedades que possuíssem áreas suficientes de capoeira para a implantação do experimento. Em cada capoeira foram implantadas duas parcelas experimentais, sendo uma controle e outra tratamento, cada uma com dimensões de 20 x 20 m, alocadas paralelamente à borda da capoeira e distantes 30 m dela em direção ao seu interior. Nas parcelas tratamento foi realizada a abertura do dossel através do desbaste de 30% da área basal da parcela, considerando que a área basal tem relação direta com a abertura do dossel (Mesquita et al 2001). Para selecionar os indivíduos a serem desbastados levamos em consideração sua posição no dossel (apenas aqueles que atingiam o dossel), a espécie (espécies de interesse comercial ou para consumo não foram cortadas), sua área basal (foram selecionados os indivíduos com DAP intermediário, pois os muito grandes causariam a queda de outros e os muito pequenos fariam pouca diferença) e sua posição na parcela (não foram selecionados indivíduos localizados na borda). Previamente ao desbaste foi realizado o levantamento florístico e fitossociológico das parcelas tratamento, incluindo os indivíduos arbóreos com DAP≥ 1 cm. Nas parcelas controle não houve abertura do dossel, sendo mantida a condição de luminosidade original das capoeiras. A partir do interesse dos agricultores locais, expresso durante reuniões com o grupo de pesquisa, e da disponibilidade das mudas na região, foram selecionadas oito espécies para comporem o experimento, sendo três alimentícias (Oenocarpus bacaba- bacaba, Theobroma cacao- cacau, Bertholletia excelsa- castanha), quatro oleíferas (Dipteryx odorata- cumaru, Carapa guianensis- andiroba, Aniba roseodora- pau-rosa, Copaifera multijuga- copaíba) e uma madeireira (Swietenia macrophyla- mogno). O plantio foi realizado em linha com espaçamento de 3 x 3 m. É importante lembrar que o pequeno espaçamento utilizado foi escolhido por se tratar de um sistema experimental. Todas as mudas foram identificadas com uma plaqueta numerada e foi criado um croqui das parcelas para que cada proprietário possa acompanhar o desenvolvimento das mudas de sua capoeira. Após o plantio as mudas foram monitoradas mensalmente quanto à sua mortalidade e taxa de crescimento relativo (TCR). Após o 6º mês o monitoramento passou a ser feito de 3 em 3 meses. A TCR foi calculada a partir da equação proposta por Hunt (1990): TCR= Ln(M2) – Ln (M1)/ (T2-T1), onde M é a medida de altura da muda e T é o tempo inicial e final de medidas tomadas. O TCR calculado para cada espécie foi comparado entre as parcelas tratamento e controle através de um teste T pareado. 3. RESULTADOS A área basal desbastada nas 11 parcelas tratamento variou de 20,7% a 37,8% da área basal total da parcela. Verificamos que ao realizar o desbaste de árvores selecionadas previamente, ocorreu a queda de outros indivíduos que contribuem para aumentar a abertura do dossel. Portanto, a área basal destes indivíduos que sofreram queda acidental deve ser incluída no cálculo da Das 991 mudas plantadas nas capoeiras, apenas 79 morreram um ano após o plantio, representando uma taxa de mortalidade de apenas 8%. Essa taxa é menor do que os valores encontrados em outros trabalhos (Adjers et al 1995; Browder et al 2005) indicando o bom desempenho das espécies selecionadas para sistemas de enriquecimento de capoeiras. As espécies que apresentaram as maiores taxas de mortalidade apresentaram também as maiores taxas de crescimento relativo, o que deve estar relacionado à estratégia de desenvolvimento específica, de forma que aquelas com menor TCR obtiveram também as menores taxas de mortalidade (Tabela 1). Não foram encontradas diferenças significativas de
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taxa de mortalidade entre as espécies testadas e nem entre as parcelas controle e tratamento. Adjers et al (1995) também observaram que a quantidade de luz que atinge a muda não tem influência sobre a mortalidade das espécies mas sim sobre o crescimento. As espécies que apresentaram maiores taxas de crescimento foram andiroba, castanha, cumaru, mogno e cacau. A palmeira bacaba apresentou as menores TCR, e a maior quantidade de indivíduos com injúrias, sendo observadas 19 mudas mortas e 21 danificadas. Isto pode ser devido ao pequeno tamanho das mudas quando plantadas, que possuíam 10 cm de altura aproximadamente. Foi observado em campo que folhas de Cecropia spp., gênero muito comum em capoeiras, muitas vezes caíam sobre as mudas danificando ou soterrando-as, sendo que aquelas menores, como as bacabas, eram mais danificadas. Portanto, em sistemas desse tipo aconselha-se que sejam plantadas mudas maiores, e em capoeiras dominadas por Cecropia spp. ou outras espécies de folhas grandes pode ser necessário o manejo e retirada das folhas que caem. As taxas de crescimento relativo das mudas variaram muito tanto entre espécies quanto dentro de uma mesma espécie (Tabela 1), o que se deve às diferentes condições de solo e luminosidade de cada capoeira, como demonstrados por Jakovac et al (2008). Os elevados valores de desvio padrão para cada espécie não interferiram nas comparações entre as parcelas controle e tratamento pois foi utilizada uma análise pareada. Todas as espécies demonstraram uma tendência de maior crescimento na parcela tratamento do que na controle, no entanto esta tendência foi estatisticamente significativa apenas para as espécies andiroba (t=-2,621; gl=10; p=0,026), cumaru (t=-2,636; gl=10; p=0,025), mogno (t=-2,342; gl=10; p=0,041) e pau-rosa (t=-3,871; gl=10; p=0,003). As espécies copaíba e bacaba apresentaram as menores taxas de crescimento, o que pode ter mascarado o efeito da abertura de dossel. O cacau apresentou altas taxas de crescimento relativo, no entanto vários indivíduos sofreram injúrias, o que diminuiu a média da sua TCR. Mesmo eliminando os indivíduos danificados da análise, o crescimento do cacau não foi influenciado pelo tratamento. Possivelmente por ser uma espécie de sombra, a pequena diferença de luminosidade entre controle e tratamento não foram suficientes para afetar seu crescimento. Tabela 1. Taxas de mortalidade e crescimento relativo de oito espécies nativas, um ano após o plantio em sistema de enriquecimento de capoeiras na região de Manaus, AM. Estão apresentadas por espécie as quantidades totais de mudas plantadas e mudas mortas e respectivas taxa de mortalidade e taxa média de crescimento relativo. Taxa de Crescimento Relativo (cm)
Mudas plantadas (indiv.)
Mudas Mortas (indiv.)
Mortalidade (%)
Andiroba
110
12
10.9
9.47
16.31
20.73
20.64
Bacaba
221
19
8.6
1.00
4.81
1.38
5.74
Cacau
111
15
13.5
16.43
17.93
19.47
27.59
Castanha
66
1
1.5
7.96
8.01
10.22
15.64
Copaíba
110
4
3.6
5.46
3.84
5.67
4.05
Cumaru
44
1
2.3
10.41
9.41
20.56
14.36
Mogno
110
14
12.7
9.33
25.86
19.33
21.74
Pau rosa
110
10
9.1
2.95
5.84
6.10
7.20
Espécie
CONTROLE Média
desv pad
TRATAMENTO Média
desv pad
4. CONCLUSÕES As espécies utilizadas neste sistema de enriquecimento de capoeiras são arbóreas nativas e levarão pelo menos 5 anos ainda para entrar em fase reprodutiva, requerendo um monitoramento de longo prazo para avaliação completa do sistema proposto. No entanto, os
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primeiros anos de desenvolvimento das plantas são cruciais para o sucesso de qualquer sistema, de forma que os resultados aqui apresentados referentes ao primeiro ano de acompanhamento mostraram-se bastante promissores. Os resultados indicam uma tendência de maior crescimento das espécies no ambiente mais iluminado, ou seja, onde foi ampliada a abertura do dossel. Isso indica que o esforço de fazer o desbaste nas capoeiras ou outros sistemas agroflorestais pode resultar em significativa melhora, através do crescimento e desenvolvimento mais rápido das mudas. As taxas de crescimento das espécies obtidas por este monitoramento darão subsídio para o planejamento de futuros sistemas de enriquecimento em capoeiras da Amazônia. Dentro deste contexto, as espécies cacau, andiroba, mogno, pau-rosa, cumaru e castanha são indicadas para plantios de enriquecimento de capoeiras e outros sistemas agroflorestais sombreados. Já a palmeira bacaba não é indicada para plantio em tais sistemas pelo seu desenvolvimento lento e por ser a espécie de menor interesse para os agricultores dentre aquelas aqui testadas. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Adjers et al 1995. Enrichment planting of dipterocarps in logged-over secondary forests: effect of width, direction and maintenance method of planting line on selected Shorea species. Forest Ecology and Management v. 73, p. 259-270, 1995. Browder et al Agroforestry diffusion and secondary forest regeneration in the Brazilian Amazon: further findings from the Rondônia Agroforestry Pilot Project (1992–2002). Agroforestry System v. 65, p. 99–111, 2005. Fearnside, P.M. & BARBOSA, K. I. Accelerating deforestation in Brazilian Amazonia: Towards answering open questions. Environmental Conservation, v. 31, p. 7–10, 2004. Goodland, R.J.A. Neotropical moist forests: priorities for the next two decades. In: Conservation of Neotropical Forests, eds. K.H. Redford & C. Padoch, pp. 416–33.. New York: 1992 Columbia University Press: xiii + 475 pp. Jakovac et al. Valorização da floresta em pé: o enriquecimento de capoeiras em pequenas propriedades da Amazônia. In: Conferência Científica Internacional Amazônia em Perspectiva: Ciência Integrada para um Futuro Sustentável. Manaus, AM 2008. Anais Resumo no 475. Mesquita et al. Alternative successional pathways in the Amazon Basin. Journal of Ecology, v. 89, p. 528–537, 2001. REDE DE CONTATOS PROJETO PIONEIRAS: www.pioneiras.blogspot.com O Projeto Pioneiras faz parte do Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - www.inpa.gov.br Endereço: Av. André Araújo, 2936. Bairro Petrópolis, Cep.69083-000 - CP 478 .Manaus, AM. Contatos: Coordenadora - Dr. Rita C. G. Mesquita – rita@buriti.com.br Pesquisadores- MSc. Ana Catarina Jakovac – catacj@gmail.com, MSc. Tony V. Bentos.vizcarra@inpa.gov.br AGRADECIMENTOS Agradecemos a: todos os agricultores que estão envolvidos com o projeto; ao Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais do INPA pelo apoio logístico e aos técnicos e professores que nos auxiliaram nos cursos de capacitação. Ao Cnpq/MCT pelo financiamento concedido através do edital PPG7.
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