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TRINDADE ESQUECIDA
Entre o Concílio de Niceia (325) e o de Constantinopla (381), a declaração explícita de que o Espírito é Deus foi apenas sugerida, porém não declarada. Em 372, Basílio Magno (c. 330-379), defensor ardoroso da divindade do Filho, também sustentou a divindade do Espírito, porém não foi tão incisivo
17 Mesmo posteriormente (373), quando ampliou o seu pensamento, declarou que o Espírito deve ser honrado juntamente com o Pai e com o Filho.18 Gregório de Nissa (c. 335-c.394), outro dos “pais capadócios”, seguiu os passos de seu irmão Basílio, sem, contudo, apresentar maior contribuição, enfatizando apenas a unicidade das três Pessoas.19
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O terceiro destes pais, Gregório de Nazianzo (329-390), amigo de ambos, foi, segundo expressão de Daniélou (19051974), “o pensador trinitariano por excelência”. De fato, com ele a divindade do Espírito é declarada com todas as letras: Sem confusão, existem Três Pessoas na Única natureza e dignidade da Divindade.
Por conseguinte, o Filho não é o Pai (é um só o Pai), mas é exatamente aquilo que o Pai é. Nem o Espírito é o no Pai, no Filho e no Espírito Santo (São Paulo: Edições Parakletos, 2002).
17 Basil, Letters, 113 e 114, em P. Schaff; H. Wace (eds.), Nicene and Post-Nicene Fathers of the Christian Church (Second Series) (Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1978), v. 8, p. 189-190. Veja Gregório de Nazianzo, Epístola, 58.
18 Basil, Letters, 125.3; 159.2, em P. Schaff e H. Wace (eds.), Nicene and Post-Nicene Fathers of the Christian Church (Second Series), v. 8, p. 195-196, 212.
19 Oração Catequética, §3. Gregório de Nissa, no entanto, foi de grande relevância na questão da procedência do Espírito (cf. Contra Eunômio, 1.42; Contra Macedônio, 2.10,12,24), ainda que tenha deixado aberta uma fresta para a compreensão equivocada de que o Espírito procede do Pai através do Filho.
Prefácio à edição brasileira
Filho, por vir de Deus (um só é o Unigênito); é, porém, exatamente aquilo que o Filho é. Estes três são um pela Divindade, e, na unidade, são três por suas propriedades. Desse modo não são o Um de Sabélio nem os três da péssima divisão de hoje (modalismo).
— Quê, então? O Espírito é Deus?
— Perfeitamente, sem dúvida alguma.
— E é consubstancial?
— Sim, já que é Deus.20
Agostinho (354-430), em 393, escreveu:
Numerosos são os livros que homens sábios e espirituais escreveram sobre o Pai e o Filho. [...] O Espírito Santo, entretanto, não tem sido estudado com tanta abundância e cuidado pelos doutos e grandes comentaristas das divinas Escrituras, de tal sorte que resultará igualmente fácil compreender seu caráter próprio: que faz com que não possamos chamar-lhe nem Filho nem Pai, senão unicamente Espírito Santo.21
Além do mais, não devemos nos esquecer de que as Escrituras falam mais “do” Filho do que “do” Espírito — o que é perfeitamente natural, considerando, obviamente, a encarnação do Verbo e o seu ministério entre os homens.
20 São Gregório de Nazianzo, Discursos Teológicos (Petrópolis, RJ.: Vozes, 1984), XXXI.9-10. p. 98. Gregório entende que a doutrina do Espírito deveria mesmo ser formulada por último, obedecendo a uma espécie de revelação progressiva (Ibid., XXXI.26). Ainda que não detalhe o assunto, McGrath considera que a formulação dos pais capadócios é “uma forma atenuada de triteísmo” (cf. Alister E. McGrath, à teologia cristã (São Paulo: Shedd Publicações, 2005), p. 383-384.
21 Agostinho, On Faith and the Creed, em Philip Schaff, Nicene and PostNicene Fathers of the Christian Church, 2. ed. (First Series) (Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1995), v. 3, p. 328, 329.
Trindade Esquecida
A nat ureza do Espírito — e não poderia ser diferente seu ministério, que consiste, após a ascensão de Cristo, em dar testemunho dele. A obra do Filho reclama as operações do Espírito; e estas amparam-se naquela. A nossa teologia, Palavra, não o seu “complemento”; ela é o estudo da revelação pessoal de Deus conforme registrada nas Escrituras Sagradas.
A teologia como serva
A teologia como a sistematização do que nos foi revelado na Palavra visa tornar mais compreensível a plenitude da revelação. A teologia, portanto, nada tem a dizer além das Escrituras. Ela não a substitui nem a completa; antes, deve ser a sua serva. A teologia brota dentro da intimidade da fé daqueles que cultuam a Deus e comprometem-se com o nosso pensar, falar e viver. Desse modo, a teologia sempre será demonstrativa existencialmente. de nossa limitação e de nossa condição de criatura. Portanto, a teologia nunca é um edifício completo em todas as suas das Escrituras, rogando a indispensável assistência do Espírito (Sl 119.18), e, por isso mesmo, sempre aberta à correção e ao aperfeiçoamento provenientes do estudo das Escrituras, acompanhado pela essencialidade da iluminação do Espírito.
Ainda que descendentes de Adão e Eva, já não estamos no devemos nos lembrar de que pensamos e vivemos teologia em meio a um mundo aguardando e gemendo por sua restauração.
Prefácio à edição brasileira
“A teologia é serva da igreja.”22 Este serviço será relevante se, antes, a teologia for serva da Palavra. O teólogo deve ser um servo da Palavra (At 6.4), lutando contra o orgulho natural, que rejeita este modelo e coloca-se como senhor.
(1Co 4.2). O teólogo não pode ter outro propósito senão o Escrituras e em seu ensino ao povo de Deus. Somos responsáveis diante de Deus pelo que ensinamos. Biblicamente, ensinos da Trindade, e não à sua criatividade em detrimento cultuam e adoram”, sintetiza McGrath.23 Por isso, o teólogo sem maiores compromissos. Antes, podemos compará-lo a um peregrino em busca do melhor caminho que o conduza Deus, por meio de seu conhecimento, ensino e obediência. Nesse propósito, como igreja militante, ela elabora uma “teologia de peregrinos”,24 como uma direção humilde para os peregrinos que vivem neste mundo criado por Deus buscando
22 Alister E. McGrath, Paixão pela verdade: A coerência intelectual do evangelicalismo (São Paulo: Shedd Publicações, 2007), p. 16.
23 Alister E. McGrath, Teologia histórica: Uma introdução à história do pensamento cristão (São Paulo: Cultura Cristã, 2007), p. 15. Da mesma forma: “A teologia cristã é a doutrina acerca de Deus, como ele é conhecido e adorado para a sua glória e para a nossa salvação” (Johannes Wollebius, Compêndio de teologia cristã (Eusébio, CE.: Peregrino, 2020), p. 23.
24 que militam ainda nessa vida de “teologia dos peregrinos” (Johannes Wollebius, Compêndio de teologia cristã (Eusébio, CE.: Peregrino, 2020, p. 23)).