Educação Física Escolar: Pesquisas e Reflexões

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Maria Isaura Plácido Soeiro Maria Ione da Silva (organizadoras)

EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR: PESQUISAS E REFLEXÕES 1ª EDIÇÃO

Mossoró/RN 2014


Reitor Prof. Pedro Fernandes Ribeiro Neto Vice-Reitor Prof. Aldo Gondim Fernandes Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação Prof. João Maria Soares Comissão Editorial do Programa Edições UERN: Prof. João Maria Soares Profa. Marcília Luzia Gomes da Costa (Editora Chefe) Prof. Eduardo José Guerra Seabra Prof. Humberto Jefferson de Medeiros Prof. Sérgio Alexandre de Morais Braga Júnior Profa. Lúcia Helena Medeiros da Cunha Tavares Prof. Bergson da Cunha Rodrigues Assessoria Técnica: Daniel Abrantes Sales Capa: Francisco Gilson do Nascimento Revisão: Ana Maria de Carvalho Campus Universitário central BR 110, KM 48, Rua Prof. Antônio Campos, Costa e Silva – 59610-090 - Mossoró-RN Fone (84)3315-2181 – E-mail: edicoesuern@uern.br

Catalogação da Publicação na Fonte. Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.

E21 Educação física escolar: pesquisas e reflexões. / Maria Isaura Plácido

Soeiro, Maria Ione da Silva (Orgs). – Mossoró, RN: Edições UERN, 2014. 187 p. ISBN 978-85-7621-084-9 1. Educação física escolar. 2. Educação física – Formação profissional. 3. Saúde e qualidade de vida. I. Título.

UERN/BC

CDD 790.1

Bibliotecária: Jocelania Marinho Maia de Oliveira CRB 15 / 319


Sumário Prefácio

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Apresentação

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PARTE I – Educação Física Escolar: grupos sociais e propostas curriculares Capítulo 1 - Educação Física Escolar na República brasileira: personagens e suas 10 contribuições para o campo da Educação Física Maria Isaura Plácido Soeiro; Maria Ione da Silva Capítulo 2 - Propostas curriculares de Educação Física: podemos esperar por mudanças? 24 O caso da rede estadual de ensino de São Paulo Luiz Sanches Neto; Luciana Venâncio; Mauro Betti; Jocimar Daolio PARTE II – Formação profissional inicial e continuada na Educação Física Escolar Capítulo 3 - A “iniciação à docência” nas aulas de Educação Física Escolar: o que pensam 44 os estudantes-professores e os professores em exercício? Samuel e Souza Neto; Roberto Tadeu Iaochite; Marina Cyrino; Carina Maria Bullio Fragelli, Felipe G. S. Canciglieri; Graziela Sarmento; Leonardo Gonsalles Fressa; Paulo Ricardo Mendes da Costa; Pedro Luan Soares de Toledo; Rafaela de Oliveira Abreu; Tassiane Gabriele de Lima; Mario Davi do Amaral Veiga Capítulo 4 - Estágio Supervisionado: uma realidade possível 55 Josélia Maria da Silva Carlos; Maria Ione da Silva; Marcos Antonio da Silva; Dimas Anaximandro da Rocha Morgan Capítulo 5 – Formação continuada em Educação Física na infância: ações e reflexões 69 docentes Dagmar Hunger; Lílian Aparecida Ferreira; Fernanda Rossi; Carolina Bilato; Daniele Vaz de Arruda; Gislaine Aparecida Alves da Encarnação; Josiane Katsue Savay da Silva; Talita Fabiana Roque da Silva; José Rafael Marcelino Agripino Capítulo 6 - Narrativas (auto)biográficas em Educação Física: tecendo os significados das 82 práticas com professores-pesquisadores Luiz Sanches Neto PARTE III – Prática pedagógica e propostas de trabalho para a Educação Física Escolar Capítulo 7 - Relações comunicativas como processo pedagógico na Educação (Física) 131 Infantil Eliane Gomes da Silva; Elenor Kunz; Lucia Helena Ferraz Sant´Agostino Capítulo 8 - As lutas na Educação Física Escolar: possibilidades de trabalho com jogos 146 Juliana Cesana; Alexandre Janotta Drigo; Samuel de Souza Neto; Paulo Roberto de Oliveira


PARTE IV – Educação Física Escolar: saúde e qualidade de vida Capítulo 9 - Habilidade do salto em função do gênero, da ocupação do tempo livre e do 158 estado nutricional em escolares mossoroenses Maria Ione da Silva; Marcos Antonio da Silva; Evandro Nogueira de Oliveira Capítulo 10 - Desempenho motor e estado nutricional de crianças e adolescentes 169 Francisco Augusto de Negreiros Freire; Adalberto Veronese da Costa; Edson Fonseca Pinto; Maria Irany Knackfuss; Humberto Jeferson de Medeiros Sobre os autores

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Prefácio A Educação Física brasileira, ao longo das últimas três décadas, tem apresentado significativas mudanças para consolidar-se como área acadêmica e como prática pedagógica. Se pensarmos especificamente nela como prática pedagógica, perceberemos que o trato do conhecimento do ensino da Educação Física vem ganhando cada vez mais espaço no cenário educacional, pois foi possível concebermos várias propostas pedagógicas que passaram a nortear suas intervenções, principalmente no contexto escolar, as quais têm contribuído para consolidar a Educação Física como componente curricular da Educação Básica. Nesse sentido, ao prefaciar mais uma obra alicerçada em reflexões sobre a Educação Física na escola, tarefa que muito me lisonjeia, constato uma pluralidade de conteúdos expostos pelos diferentes autores que pode contribuir com a formação e a atuação dos nossos profissionais. Percebe-se que as temáticas pensadas para compor o presente livro, intitulado Educação Física Escolar: pesquisas e reflexões, expressam um olhar para a Educação Física à luz de um esforço para situá-la com um sentido e um significado para todos que a vivencia. Quando se estabelece um caminho a percorrer, na busca de despertar olhares sobre as várias possibilidades de refletir e pesquisar a Educação Física Escolar, percebe-se um comprometimento com a profissão. Assim, considero plausível a lógica-temática pensada e apresentada pelas autoras. Acredito naqueles que buscam encontrar na Educação Física um meio de contribuir para a formação de pessoas críticas-reflexivas-autônomas. As autoras Maria Isaura Plácido Soeiro e Maria Ione da Silva, organizadoras da obra, apresentam um significativo contributo para a Educação Física Escolar brasileira, juntamente com autores de grande expressividade no meio acadêmico das regiões sul, sudeste e nordeste do Brasil. Dessa forma, o(a) leitor(a) encontrará relevantes escritos sobre a realidade do Oeste e Alto Oeste potiguar, como também das regiões paulista e paulistana, aspecto que mostra a pluralidade da obra e o intercâmbio estabelecido entre os diversos autores, cujas atitudes são significativas para ampliação dos espaços de divulgação do conhecimento produzido na Educação Física brasileira. É assim que os leitores desta obra serão convidados a conhecer as diferentes realidades, tendo-se a ideia de que na análise da diversidade podem-se subsidiar novos rumos a estudantes e profissionais da Educação Física. As temáticas dos capítulos seguem uma linha de pensamento que permite o(a) leitor(a) navegar desde a história da Educação Física até as pesquisas sobre qualidade de vida. A obra está organizada de forma sequenciada, cujo ordenamento dos textos permite aos leitores transitar pela reflexão histórica da Educação Física durante o período republicano, na perspectiva de 6


compreender este momento como sendo importante para o atual quadro desta área do conhecimento; passando pelas propostas curriculares de Educação Física, elaboradas pelos atores inseridos no processo de ensino básico deste componente curricular, bem como deleitar-se com as discussões sobre a docência e a formação continuada. Ao navegar pela obra, vamos compreender o estágio supervisionado como forma de aproximar a realidade a ser vivenciada pelo futuro profissional; o(a) leitor(a) se encantará com as histórias de vidas narradas por professores pesquisadores de excelência, tendo o autor do capítulo recorrido ao método autobiográfico para nos expressar os sentidos e significados dos professores sobre as suas práticas. Vão se deparar com significativas reflexões sobre as relações comunicativas como processo pedagógico no ensino infantil e com uma proposta de trabalho de lutas para a Educação Física Escolar. Além disso, vão se surpreender com os resultados de pesquisas relacionadas sobre o desempenho das habilidades motoras de escolares numa perspectiva de saúde e qualidade de vida. Entrementes, não tenho dúvidas sobre o mérito desta obra e o quanto a mesma possa servir como instrumento de investigação para todos os professores comprometidos com a Educação Física enquanto prática pedagógica. Destarte, espero que esta obra, a qual considero uma primeira semente deste coletivo de autores, seja apenas o começo de uma grande horta que virá a brotar numa diversidade de frutos de conhecimentos, os quais poderão contribuir para novos direcionamentos pedagógicos para constituirmos uma Educação Física Escolar de excelência. José Pereira de Melo

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Apresentação

A obra intitulada Educação Física Escolar: pesquisas e reflexões nos apresenta múltiplos olhares sobre a área. Os autores, formados por professores do ensino universitário e básico, alunos de pós-graduação e graduação em Educação Física nos trazem questões que enveredam pela contextualização histórica da Educação Física durante o período republicano brasileiro, na perspectiva de compreender este momento como sendo importante para o atual quadro desta área do conhecimento e pela apresentação e discussão de propostas curriculares de Educação Física, elaboradas pelos atores inseridos no processo de ensino básico deste componente curricular. Em relação à formação profissional inicial, são abordadas experiências docentes que ocorrem através de programas de iniciação à docência e do estágio supervisionado. Já a formação continuada docente na Educação Física é discutida através de um programa de educação continuada na área de Educação Física Infantil e das narrativas autobiográficas de professores que refletem e pesquisam sobre sua própria atuação docente. Outro tema é a prática pedagógica que é contemplada através de pesquisa teórica a respeito das relações comunicativas como processo pedagógico no ensino infantil e da apresentação de uma proposta de trabalho de lutas para a Educação Física Escolar, como uma sugestão de incluir este tema no planejamento dos professores. Além disso, são apresentadas pesquisas relacionadas ao desempenho das habilidades motoras de escolares numa perspectiva de saúde e qualidade de vida. Assim, espera-se que o leitor possa usufruir e refletir sobre os temas abordados no livro para juntos contribuirmos para uma Educação Física Escolar cada vez mais comprometida com os objetivos educacionais da área. Maria Isaura Plácido Soeiro Maria Ione da Silva

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PARTE I Educação Física Escolar: grupos sociais e propostas curriculares

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Capítulo 1 Educação Física Escolar na República brasileira: personagens e suas contribuições para o campo da Educação Física Maria Isaura Plácido Soeiro1 Maria Ione da Silva2 Introdução A história da Educação Física Escolar brasileira, seus objetivos e métodos pedagógicos foram sendo desenvolvidos juntamente com as ações sociais e políticas do país através da legislação, da formação de profissionais e da construção e consolidação da Educação Física como área de conhecimento científico. Na historiografia da Educação Física Escolar brasileira, podemos notar críticas aos agentes sociais que participaram desse processo, mas uma nova leitura que autores como Souza Neto (1999) e Paiva (2004) fazem é da sua contribuição para o desenvolvimento do campo3 da Educação Física. É importante refletir sobre a própria trajetória histórica, mas é necessário considerar que esses agentes são sujeitos de uma época, envolvidos em contextos sociais, culturais e políticos que interferem em suas ações. Assim, neste recorte histórico trataremos das contribuições dos grupos sociais dentro do campo da Educação Física, no âmbito escolar, no período histórico referente à República brasileira. Alguns personagens da história da Educação Física Escolar no Brasil e suas contribuições a) República Velha No Brasil, a história da Educação Física na instituição escolar iniciou-se no século XIX, quando o país politicamente viveu uma fase de transição, passando do regime monárquico para o Profª Ma. da Faculdade de Educação Física da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – Campus Central Profª. Ma. da Faculdade de Educação Física da Universidade do Estado do Rio Grande do norte – Campus Pau dos Ferros. 3 O presente estudo baseia-se no conceito de campo proposto por Pierre Bourdieu. A teoria bourdieusiana considera campo como um espaço social, onde grupos através de relações objetivas ocupam determinadas posições no campo devido aos interesses e objetivos que estão em jogo. A hierarquia no campo é determinada pelo capital simbólico, que segundo Bourdieu (2004, p. 154), é a “forma de que se revestem as diferentes espécies de capital quando percebidas e reconhecidas como legítimas”, este é representado por recursos materiais, culturais e outros que são determinantes para as lutas simbólicas, o seu volume e a sua estrutura (a importância dentro do campo) vão determinar a distribuição dos grupos e agentes no espaço social. 1 2

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republicano, em 1889. As mudanças ocorridas no país, de acordo com Paula Silva (2004, p. 100) foram: [...] a transição do escravismo para o capitalismo (campanha abolicionista); a expansão da produção cafeeira; a ampliação do mercado interno; o incremento de um setor assalariado (que criou uma infra-estrutura básica para posterior desenvolvimento fabril); as lutas religiosas contra o controle e subordinação das igrejas pelo Estado; a modificação progressiva dos costumes com a valorização do saber, ganhando os médicos, engenheiros e bacharéis em direito grande prestígio social; o fortalecimento do Exército, entre outros, promoveram a transição da Monarquia à República. Entre as transformações ocorridas no Brasil, como a instalação de instituições que procuraram fazer do território brasileiro e de sua população objeto de conhecimento e intervenção, até de focos de difusão do saber, inserem-se modificações importantes no âmbito da medicina, que alargarão os limites de sua ação e presença na sociedade, como a criação da Provedoria de Saúde e do ensino médico no Brasil.

No contexto mais amplo, a sociedade ocidental vivenciou o crescimento do capitalismo e da ciência e a Biologia destaca-se como área de conhecimento que vai referendar a questão da eugenia da raça. Esses fatos nortearam as ações dos grupos dentro da sociedade. No Brasil, os médicos representaram esse ideário e, com isso, seus conhecimentos científicos afirmaram, organizaram e educaram a população para atender os interesses do Estado. Paula Silva (2004, p. 98) relata como o projeto médico foi desenvolvido dentro da sociedade brasileira: O projeto médico desenvolveu modelos de conhecimento, entre eles a educação, para difundir o respeito pela ciência e pelos médicos, detentores de um conhecimento que os capacitava a falar do corpo, dos males que o atingem e do corpo social. E para efetivar esse projeto, programas de medicina social foram elaborados tendendo a identificar-se com os interesses de classe, produto histórico de relações sociais, de relações de classe que não se reduzem ao Estado no sentido restrito, mas à sociedade.

Nesse cenário, a classe médica fez as suas contribuições no aspecto intelectual no campo da Educação Física. Areno (apud OLIVEIRA 1998, p. 5) afirma que na “[...] Faculdade de Medicina (na Santa Casa de Misericórdia) que se chamava Colégio do Rio de Janeiro, passou a exigir, nas primeiras décadas imperiais, uma tese obrigatória para os candidatos ao título de doutor em Medicina”. O autor, ainda em seu artigo, faz uma observação importante de que a Medicina chancela a Educação Física enquanto disciplina da área biomédica. Esse fator colaborou no processo de construção da Educação Física como área do conhecimento. Hoje, os cursos stricto sensu de Educação Física estão inseridos na Grande Área do conhecimento de Ciências da Saúde pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), órgão que desempenha papel fundamental na expansão e consolidação da 11


Pós-Graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) em todos os estados da Federação, ressaltando que a pesquisa gera conhecimentos teórico-práticos e reflexões na instituição escolar. Atualmente, muitas dissertações, teses e projetos científicos têm como fonte de investigação a Educação Física Escolar, gerando artigos, livros, materiais, metodologias, técnicas e capacitação de professores do Ensino Infantil, Fundamental e Médio. Em relação às teses dos futuros doutores em Medicina do século XIX, eram fundamentadas no discurso higienista e muitas abordaram a questão da importância dos exercícios físicos na escola para a formação dos alunos que deveriam cuidar de seu corpo e cultivar bons hábitos de higiene. Essas ideias vão se estender até as primeiras décadas do século XX. Palma (2008, p. 20-21) nos mostra a influência desse pensamento sobre a Educação Física: A Educação Física, então, torna-se a própria expressão do ideário de corpo da sociedade capitalista. Representa o corpo saudável longe da imoralidade e da preguiça. Podemos considerar como um processo de biologização do corpo humano, pautada na abordagem positiva da ciência [...]. O tema principal da Educação Física, nesse período, está ligado aos cuidados com o corpo, com a formação de hábitos higiênicos (banho, dentes, prática de exercícios físicos).

Na legislação, os primeiros passos do que hoje denominamos como Educação Física Escolar ocorreram em 1837, quando o deputado Antônio Ferreira França criou a escola primária superior, na qual, entre as cadeiras integrantes da escola primária estava a de ginástica e a de defesa do corpo (nado, equitação e dança). Em 1882, Rui Barbosa contribuiu com reformas na área educacional, entre elas, a obrigatoriedade da Educação Física no jardim da infância, escola primária e escola secundária (MARINHO, 1986). Assim, houve a necessidade de contratação de instrutores 4 para atuar nessas cadeiras nas escolas. Logo, no processo ensino-aprendizagem, tendo a influência o contexto sócio-cultural e político da época, “os primeiros docentes” de exercícios físicos na escola tinham a formação militar. Os militares representaram outra classe que nesse período tinha grande prestígio e influência social e política no país, tanto que liderou o movimento republicano e governou os primeiros cinco anos de República no Brasil. Oliveira (1998, p. 6) retrata essa passagem histórica dos militares na instituição escolar:

4Na

instituição militar aquele que realizava treinamento para o magistério de atividades físicas na escola recebia a titulação de instrutor.

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Parece que, a esta altura, apenas os oficiais dedicavam-se a este ramo do magistério, enquanto os sargentos (chamados monitores) vieram aparecer mais tarde. Está claro, porém, que os militares já atuavam no meio civil [...] o que não fica claro, entretanto, é o como esses professores e/ou instrutores preparavam-se para o exercício de suas funções. Provavelmente o autodidatismo proporcionado pelas poucas obras sobre a matéria e algumas poucas viagens que os militares faziam ao exterior.

Nesse aspecto, a partir da formação de pessoal preparado para atuar com o exercício físico no âmbito escolar e fora da escola, inicia-se primeiramente na caserna e, no início do século XX, são criadas as primeiras Escolas de Educação Física Militar. A princípio, eram aceitos apenas militares nas escolas e, mais tarde, houve a aceitação de civis, por influência de Fernando Azevedo (OLIVEIRA, 1998). Um das escolas que se destacou na formação de profissionais foi o Centro Militar de Educação Física criado em 1922, sob a liderança do oficial Newton Cavalcanti que teve como objetivo principal a sistematização da Educação Física entre militares e civis. Esse fato teve influência do projeto de modernização do Exército brasileiro proposto por oficiais brasileiros, os “jovens turcos”, que estagiaram no Exército alemão e trouxeram consigo os ideais que vigoravam naquela instituição (FERREIRA NETO, apud BERMOND, 2007). A Ginástica nesse período vai ser a principal cadeira na instituição escolar brasileira que representa o ensino de exercícios físicos, devido à influência dos sistemas ginásticos europeus, os quais tinham base científica e foram utilizados nas escolas europeias. Soares (2000, p. 43) nos mostra o envolvimento desses sistemas ginásticos por dois grupos que assumem e representam o pensamento da época: “a Ginástica que surge e se afirma no período apresenta, então, uma competência tutelada, de um lado, pelo exército, através de certas técnicas e, de um outro, pela instituição médica de quem recebe a autoridade de seu saber”. De acordo com Marinho (apud SOUZA NETO, 1999, p. 39), os métodos de ginástica que predominaram nas instituições escolar e militar no Brasil, primeiramente, foram o Método Alemão, no século XIX, que foi substituído pelo Método Francês, no início do século XX: De 1860 até aproximadamente 1921 predominou no país, a adoção do „Método Alemão‟ de Ginástica. O método de Jahn foi adotado em 1860, na Escola Militar do Município da Corte [...] e em 1870 já tinha sido adotado na educação primária. Para orientar o ensino primário foi traduzido o “Novo Guia para o Ensino da Ginástica nas Escolas Públicas da Prússia”, sendo impresso na Tipografia do Imperial Instituto Artístico e distribuído nas instituições. O Método Alemão perdurou nas escolas e instituições militares, oficialmente, até 1921 quando foi substituído pelo Método Francês.

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Chegamos a um questionamento: quem seria mais habilitado para trabalhar com a questão do corpo e os exercícios físicos do que esses dois grupos sociais naquele período? Devemos nos lembrar da sua grande influência dentro da sociedade e também que a sua formação dentro das instituições os habilitavam a trabalhar com os aspectos corporais do ser humano. Respondendo a esta questão Souza Neto (1999, p. 44) afirma que naquela época, “a sociedade tinha um problema ligado à questão da condição física e higiene corporal e estes dois grupos sociais ocuparam este espaço por meio de uma prestação de serviços de caráter social e político”. b) Estado Novo A Revolução de 1930 pôs fim à política do “café com leite”, em que os presidentes da República que assumiam o comando do país eram indicados em um mandato pelos políticos de São Paulo e em outro pelos políticos de Minas Gerais. Assim, foi instaurado no país o governo provisório de Getúlio Vargas (1930 a 1936). Em 1937 ocorreu o golpe de Estado e Getúlio passa a comandar o país até 1945 em regime autoritário, período conhecido como Estado Novo. Esse momento político vai ser caracterizado pelo nacionalismo com tendência fascista, havendo uma influência direta das idéias e dos acontecimentos históricos da Primeira Guerra Mundial: problemas econômicos, políticos e o surgimento de regimes totalitários na Europa. Nesse período, os militares influenciaram diretamente a Educação Física, representando um grupo que apoiou as ideias do Estado Novo e percebeu nisso a possibilidade para manter o desenvolvimento do seu projeto dentro do país. Castro (1997, p. 14) nos mostra quais foram as características da Educação Física no Estado Novo: No período que vai do início do Estado Novo até a entrada do Brasil ao lado dos países aliados na Segunda Guerra Mundial, o caráter bélico e autoritário da educação física promovida pelos militares tornou-se muito acentuado. Por um lado, a enorme restrição às liberdades civis que o país viveu nesse período praticamente impossibilitou a manifestação de divergências em relação ao modelo oficial. Por outro lado, houve uma ampla disseminação de ideologias fascistas e racistas vinculadas à eugenia e à educação física.

A questão da eugenia da raça no Estado Novo vai se justificar através do nacionalismo, cujo objetivo passa a ser a formação do cidadão disciplinado e capaz de defender a pátria, herança da Primeira Guerra Mundial. Na expansão de seu projeto, os militares continuaram a estender as suas ideias às escolas civis através da Educação Física. Castro (1997) cita alguns fatos históricos que fortaleceram a intervenção dos militares na escola, como a reforma realizada pelo ministro Francisco Campos que tornou obrigatório os 14


exercícios de Educação Física em todas as classes através do Decreto nº 19.890 de 18/4/1931, a adoção das normas e diretrizes do Centro Militar de Educação Física e, consequentemente, a utilização do Método Francês nas escolas, através da Portaria nº 70 de 30/6/1931. Dessa forma, pioneiramente na história constitucional brasileira, em 10/11/1937, os exercícios físicos tornaram-se obrigatórios em todos os estabelecimentos de ensino através dos Artigos 131 e 132. Em relação ao Centro Militar de Educação Física, segundo Bermond (2007), este foi transformado em Escola de Educação Física do Exército em 1933, através do Decreto nº. 23.252. A autora cita os objetivos dessa instituição através do Art. 2º desse Decreto “[...] a)proporcionar o ensino do método de Educação Física Regulamentar; b) orientar e difundir a aplicação do método”. É importante ressaltar a contribuição dessa instituição para o campo da Educação Física, no âmbito escolar, quando em 1932 é publicado o primeiro periódico científico da área, a Revista de Educação Física, criada pela Escola de Educação Física do Exército e que tem o seu ciclo de vida ativo até os dias de hoje. Bermond (2007), em sua dissertação de mestrado, realizou em uma das fases de sua pesquisa o mapeamento da Revista de Educação Física e analisou o ciclo de vida compreendido entre o período de 1932 a 1952. Constatou que no tema Educação Física escolar houve o diálogo com diversas áreas do conhecimento, indo da Pedagogia à Medicina. Essa diversidade também vai ficar nítida em relação aos autores que escreveram sobre o tema: militares de diferentes patentes e civis (professores, inspetores de ensino e médicos). Nota-se que os militares também produziram intelectualmente no campo da Educação Física. Paiva (2004) nos alerta de que devemos revisar alguns apontamentos na historiografia da área: os médicos foram responsáveis pela produção intelectual e os militares colaboraram apenas com a prática pedagógica e administrativa do campo. Ferreira Neto (apud PAIVA 2004, p. 56) defende a tese de que “os militares tinham um projeto pedagógico para a sociedade civil e, ao viabilizá-lo, trouxeram contribuições para uma teoria da educação física”. Em 1939, através do Decreto-Lei nº 1212, de 17/4, foi criada a Escola Nacional de Educação Física e Desportos (ENEFD), na qual, sob o comando de militares, foi adotado o Método Francês (CASTRO, 1997). É importante destacar que através desse decreto foi emitida a primeira proposta curricular de Educação Física e estabelecida as diretrizes para a formação profissional do instrutor de Educação Física (um ano) e do professor de Educação Física (dois anos). Organizou-se, também, os cursos de complementação para outros profissionais, como os médicos e os professores da antiga educação primária para atuar na área da Educação Física

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(SOUZA NETO, 1998). Em 1945, novas mudanças são efetivadas, passando a formação do professor de Educação Física de dois para três anos. No Estado Novo foi inquestionável a atuação militar no campo da Educação Física através da legislação e da formação profissional, principalmente porque eram vetadas outras maneiras de se repensar a área. O modelo e as ideias a serem seguidas eram em função do Estado e de seus aliados, em que se destaca a instituição militar como um grupo social muito influente e que delimitou o seu campo de atuação. A grande influência desse período vai se estender por vários anos na Educação Física Escolar, principalmente se pensarmos na formação profissional. Grande parte dos professores que atuavam na escola e nas instituições que capacitavam profissionais para atuar na área, eram militares e se pensarmos nos civis que atuaram na Educação Física, estes receberam uma formação pautada no ideário Militar e do Estado Novo. Segundo Cantarino Filho (apud CASTRO, 1997, p. 71) “dos 2187 professores, instrutores ou monitores de educação física formados entre 1925 e 1942, 1289 eram militares (59%) e 898 civis (41%). Dentre os militares, 337 eram oficiais e 952 sargentos”. c) República Nova No ano de 1945 ocorre o fim da Segunda Guerra Mundial, época em que emergiram os Estados Unidos e a União Soviética como superpotências, que acabariam por iniciar a Guerra Fria em 1947, a qual se estendeu até 1989. Esse foi um conflito político, ideológico, militar, tecnológico, econômico e social entre essas nações e seus aliados. Trata-se de um fato histórico que influenciou diretamente as ações voltadas para a Educação e, consequentemente, para a Educação Física. No Brasil, no mesmo ano, ocorre o fim do Estado Novo com a deposição de Getúlio Vargas em 29 de outubro de 1945, por um movimento formado por generais que pertenciam ao seu próprio ministério. Diante desse fato, inicia-se a República Nova ou Período Populista, que trouxe para a população brasileira a esperança de romper com o autoritarismo do governo anterior, embora, em alguns momentos, a democracia ficou fragilizada. Além disso, nesse cenário desenvolveu-se a política do nacionalismo e do desenvolvimentismo atrelada à expansão do projeto capitalista. Na política educacional houve ações ditatoriais. Um dos fatos ocorridos aconteceu em 1948, quando foi enviado ao Congresso o projeto da primeira Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional que foi arquivado por influência do parlamentar Gustavo Capanema; apenas 16


em 1961 foi aprovada a primeira LDB que ficou conhecida como Lei 4.024/61(GHIRALDELLI JR., 2006). Com a mudança de regime político, os intelectuais continuaram a sua luta para a realização de mudanças no sistema escolar e, principalmente, em defesa da escola pública e de um maior acesso da população à educação. Em relação à Educação Física Escolar até a década de 50 foi adotado o método francês como conteúdo a ser desenvolvido nas aulas. O diretor da Divisão de Educação Física do Ministério da Educação, professor Alfredo Colombo, fez com que o método francês não fosse obrigatório na instituição escolar (OLIVEIRA, 1983). Assim, passa a se destacar de acordo com Resende (1994, p. 21) “a Educação Física Desportiva Generalizada e o Método Natural Austríaco que foram difundidos nos diversos cursos de aperfeiçoamento técnico-pedagógico realizados naquela época”, resultado, segundo o autor, das viagens de professores brasileiros ao exterior e de visitas de docentes estrangeiros ao Brasil. Com esse intercâmbio, a Educação Física como campo começa o rompimento com os modelos de ensino adotados anteriormente. Nesse período, a Educação Física no contexto nacional, na instituição escolar ganha status de atividade educativa para a formação do aluno. Podemos notar a importância da figura de civis (professores e intelectuais) para a constituição do campo da Educação Física no âmbito escolar através de seus esforços, na busca de novos conhecimentos e pelo permanente trabalho para o desenvolvimento da Educação e da Educação Física. d) Ditadura Militar A Ditadura Militar teve seu início em 31 de março de 1964 com o golpe que depôs o presidente João Goulart e teve seu final com a eleição indireta de Tancredo Neves, em janeiro de 1985. De acordo com Resende (1994, p. 22) “o golpe militar, patrocinado pela burguesia nacional em conjunto com o capital multinacional, teve como objetivo assegurar a continuidade do modelo econômico brasileiro”. Este foi um período que se caracterizou pela extrema repressão política, pelo nacionalismo e pela política desenvolvimentista. A Educação Física Escolar vai se desenvolver através dos esportes, isto devido a uma política nacional para a Educação Física e o Desporto que ocorreu no governo do General de Exército Médici, objetivando a inclusão das práticas esportivas na escola. Pinto (2007, p. 2-3) descrevem como se desenvolveu esse projeto político: Uma das primeiras providências, ainda em 1969, foi a formação de um grupo de trabalho para estudar os problemas desses dois setores. Através de um

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convênio firmado entre o Centro Nacional de Recursos Humanos do Instituto de Pesquisas Educacionais (IPEA) e a Divisão de Educação Física (DEF) do MEC, esse grupo elaborou então um “Diagnóstico da Educação Física e Desportos no Brasil”. Esse trabalho tinha como função principal identificar as lacunas dos setores e servir de base para as futuras intervenções, pois, a máxima daquele momento era a idéia de “ORDEM PARA O PROGRESSO”. [...] Dentre suas finalidades estava a de “planejar, coordenar e supervisionar o desenvolvimento da Educação Física, dos Desportos Estudantis e da Recreação no País, em consonância com as diretrizes impostas pela política nacional para o setor”.

O esporte na instituição escolar foi um modelo que reforçou as ideias de esforço próprio, de competitividade, de rendimento e de disciplina (RESENDE, 1994). Esse modelo ficou profundamente enraizado na instituição escolar e atualmente podemos verificar este acontecimento através das competições escolares que servem de “vitrine” para as escolas, que em muitos casos o professor de Educação Física faz todo o seu planejamento pedagógico para uma única modalidade que vai ser disputada pelos alunos nos jogos escolares. Em relação à formação profissional, houve um grande aumento no número de cursos superiores de Educação Física no país. Na legislação, em 1969, através da Resolução 69 - CFE aparece pela primeira vez a instituição do currículo mínimo de Educação Física com 1800 horas, mas a graduação continuou em três anos (SOEIRO, 1998). Assim, observa-se uma preocupação com o desenvolvimento da Educação Física, através do aperfeiçoamento da qualificação profissional dentro do projeto político do país. Os militares mais uma vez figuram no processo de construção do campo da Educação Física, principalmente pelas ações desenvolvidas para a expansão do ensino universitário. e) Abertura Política e Democracia Em 15 de março de 1979, o general Figueiredo assume a Presidência da República, perdurando até 1985. Ele promoveu a abertura política no seu governo. Em 15 de janeiro de 1985, é eleito pelo voto indireto à presidência o candidato Tancredo Neves que após sua morte (21/04/1985), é substituído por José Sarney, dando início ao regime democrático. Em relação à Educação Física, no final dos anos 70 foram implantados e implementados os programas de pós-graduação stricto sensu, primeiramente no mestrado e, a partir dos anos 90, o doutorado (CASTELLANI FILHO, 1998). É importante chamar a atenção aqui para o contexto mais amplo da sociedade nacional. O Brasil vivia, desde os anos 50 do século XX, período de consolidação do capitalismo, com suas conseqüências produtivas, demográficas e tecnológicas. A ideologia desenvolvimentista desta e 18


das décadas seguintes que sempre vinculou o desenvolvimento econômico ao desenvolvimento científico, expressa no refrão Ciência e Tecnologia. Morel (1979, p. 53) afirma que “Ciência e recursos humanos são encarados como pontos de estrangulamento da expansão econômica no Brasil, instrumentos capazes de, caso adequadamente incentivados, fortalecer o sistema produtivo nacional”. Assim, assiste-se no Brasil, nos anos 60, o fortalecimento de uma ideologia cientificista, com o estímulo a dois sistemas institucionais entendidos como fundamentais para o desenvolvimento econômico do país: as universidades (graduação e pós-graduação) e os institutos de pesquisa (MOREL, 1979, p. 52). Enfim, a partir da década de 50, a política científica que se implanta no país define a ciência como força produtiva, como aval de racionalidade para iniciativas políticas. Desse modo, a qualificação da força de trabalho se expressa também pela inclusão, na Universidade, de várias profissões como biblioteconomia, jornalismo, cinema, teatro, comunicações, etc. Segue a mesma orientação a criação do Plano Nacional de Pós-Graduação. No caso específico da Educação Física, devido à ausência de cursos de pós-graduação no Brasil, vários profissionais viajaram para o exterior, principalmente para os Estados Unidos, para a realização de seus estudos (TAFFAREL e SILVA, 1988). Essa trajetória deixou marcas na nossa concepção de Educação Física. Bracht (1998) afirma que no Brasil, até a década de 60 o discurso acadêmico da Educação Física foi caracterizado pelo viés pedagógico. A partir de então o cientificismo ganha espaço na área. Logo, levantou-se a questão se a Educação Física era uma ciência ou uma disciplina acadêmica ou científica, em função da própria ideologia cientificista vinculada à política desenvolvimentista já mencionada. Na verdade, a discussão sobre o estatuto científico da Educação Física se dá na Universidade e tem sido debatida e interpretada como busca da legitimidade acadêmica. Os novos ideários do ensino da Educação Física Escolar tem seu ponto de partida, o final da década de 70 para a década de 80, com o retorno dos professores que buscaram qualificação por meio de cursos de pós-graduação no exterior e de programas de pós-graduação em Educação no Brasil. Até então, a Educação Física Escolar era trabalhada numa concepção liberal tradicional e tecnicista em que o centro do processo ensino aprendizagem estava direcionado ao professor; o aluno nessa perspectiva era entendido como um sujeito passivo, tendo como papel de mero espectador. As mudanças nos sistemas educacionais surgem da necessidade de olhar o sujeito de forma integral. No que concerne à Educação Física escolar, não mais se compreendia, atender apenas as necessidades higiênicas, físicas, ou mesmo esportivas. Os intelectuais ao retornarem dos cursos de pós-graduação, trouxeram consigo uma forma diferente de enxergar o ensino da 19


Educação Física Escolar: agora a dimensão da formação do aluno deve ser entendida além de uma formação simplista de métodos higiênicos, militaristas e esportivistas, é necessário entender o ser humano dentro de um contexto sóciocultural, suas interações no meio social, seu desenvolvimento físico, cognitivo, social, afetivo e crítico reflexivo. Para Resende (1994) esses intelectuais apontaram as limitações do pensamento e das práticas nas áreas biológica e esportiva na Educação Física e mostraram a necessidade de uma revisão e reflexão pautada em uma ótica de análise educacional, humana, política e cultural. Essa forma de pensar a Educação Física Escolar remete à formação de um aluno que possa exercer sua plena cidadania, ciente dos seus direitos e deveres, conhecendo o seu corpo de forma integral, consciente de suas possibilidades e limitações, refletindo, questionando, criticando sobre temáticas emergentes da sociedade, bem como capaz de ser autônomo no que se refere as suas escolhas. Diante do que foi apontado, entendemos que as mudanças na Educação Física Escolar passam inicialmente pela qualificação dos professores com posturas ideológicas divergentes, à luz de uma visão mais abrangente de formação educacional, consequentemente gerando o rompimento de um modelo de ensino unilateral. Corroborando com o pensamento, Ferreira (1998, p. 83) afirma que “[...] pensamos que não poderia ser outro o caminho de construção do campo científico da Educação Física, a não ser este, em que linhas teóricas diferentes, entram em conflito [...].” Dentro dessa conjuntura, os intelectuais visualizaram o ensino da Educação Física Escolar de forma específica e diferenciada, ou seja, idealizaram novas concepções de ensino da Educação Física: Psicomotricidade (Le Bouche), Plural (Jocimar Daólio), Humanista (Vitor Marinho de Oliveira), Construtivista (João Batista Freire), Desenvolvimentista (Go Tani), Crítico Superadora (Soares et al), Crítico Emancipatória (Elenor Kunz), Saúde Renovada (Markus Nahas), Fenômenológica (Wagner Moreira), Sistêmica (Mauro Betti), abrangendo grandes áreas do conhecimento como: a Sociologia, Antropologia, Filosofia, Psicologia, entre outras. Na legislação, em 1987, através do Parecer 215 e Resolução 03/CFE, ampliou-se a formação do profissional de Educação Física e criou-se o curso de Bacharelado em Educação Física (SOEIRO, 2003). Com isso, a Licenciatura em Educação Física ganha uma maior especificidade, pois o profissional sairá habilitado para trabalhar apenas na instituição escolar. Nesse período, os intelectuais (professores-pesquisadores) contribuíram de maneira significativa para a consolidação da Educação Física como campo acadêmico, através de qualificação nos programas de pós-graduação stricto sensu: a produção de pesquisas que tem como

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um dos temas geradores a Educação Física Escolar, a intervenção na realidade pesquisada e o ensino para graduação, essa é tríade a ser seguida dentro da Universidade. Considerações finais Diante desse recorte histórico sobre a Educação Física na instituição escolar, pudemos verificar que cada personagem contribuiu, a sua maneira, para a construção, organização e consolidação do campo de Educação Física no âmbito escolar. É de extrema importância considerar que eles são sujeitos que pertencem a uma época e que influenciam e sofrem influências do contexto social. Assim, médicos, militares, civis, intelectuais, professores e pesquisadores deram a sua contribuição para o desenvolvimento do campo da Educação Física na instituição escolar, registrada na forma que compreendiam e que vivenciaram as regras sociais que estavam em jogo no momento, o que era a Educação Física em determinado período histórico, quer seja higienista, militarista, esportivista, crítica, humanista ou plural. Referências BERMOND, M. T. A Educação Física Escolar na Revista de Educação Física (1932-1952): Apropriações de Rousseau, Claparède e Dewey. 2007. 152 p. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte 2007. BOURDIEU, P. Espaço social e poder simbólico. In: ______. Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 2004, p. 149–168. BRACHT, V. Um pouco de história para fazer História: 20 anos do CBCE. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Campinas, p.12-18, set. 1998. Número especial. CAPES, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Brasília: CAPES. Disponível em <http://www.capes.gov.br>. Acesso em 21 jul. 2011. CASTELLANI FILHO, L. Política Educacional e Educação Física. Campinas: Autores Associados, 1998. CASTRO, C. In corpore sano - os militares e a introdução da Educação Física no Brasil. Antropolítica, Niterói, RJ, nº 2, p. 61-78, 1º sem. 1997. FERREIRA, M. G. A Educação Física Brasileira da década de 80 a de 90: A disputa intelectuais tradicionais x intelectuais orgânicos na construção do seu campo acadêmico. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Campinas, p. 78-84, maio 1998. GHIRALDELLI JUNIOR, P. História da Educação brasileira. São Paulo: Cortez, 2006. 21


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Capítulo 2 Propostas curriculares de Educação Física: podemos esperar por mudanças? O caso da rede estadual de ensino de São Paulo Luiz Sanches Neto Luciana Venâncio Mauro Betti Jocimar Daolio “Em nenhum governo, em nenhum momento que nós tivemos no nosso Estado, na nossa cidade, no nosso país, a Educação foi uma prioridade5”.

Introdução: As nossas questões dentre várias questões possíveis No caso brasileiro, todos sabemos que a crise educacional é apenas uma parte de uma crise muito mais ampla que é inegavelmente política, na qual anos de sombrado período da Ditadura Militar pós 1964 permitiram que os interesses coletivos fossem tratados sem a indispensável publicidade (AZANHA, 1990/91). Como premissa inicial, concordamos com tais considerações de Azanha, quando se propôs a contribuir na organização de uma pauta para a pesquisa educacional há duas décadas. Concordamos também com o autor quando menciona que a trajetória das reformas educativas, desde as decisões políticas que as instituem legalmente, passando pelas providências técnicas e administrativas de vários níveis que as regulamentam até às práticas escolares que deveriam implantá-las, é ainda um território não investigado de forma abrangente e profunda pela “jovem” pesquisa educacional brasileira. Devido à falta de investigações contínuas e aprofundadas, ainda há vários questionamentos que poderiam ser aventados acerca das reformas e proposições curriculares referentes a esse período mais recente, posterior à Constituição de 1988, e que são relacionados à temática que nos propomos a tratar. Nós pretendemos, inclusive, apresentar algumas questões que podem ser de interesse à pesquisa educacional, pois não temos como escapar de uma análise contextual mais ampliada em nossas considerações. Porém, nosso foco neste texto recai em duas questões centrais, ambas sobre a Proposta Pedagógica Curricular (PPC) do Estado de São Paulo, na área de Educação Física (2008a): Como os professores estão interagindo com o PPC ? Que atenção lhes têm dispensado os pesquisadores? 5Trecho

de depoimento de Amanda Gurgel, professora das redes municipal e estadual de Educação Básica, em audiência pública sobre o cenário atual da Educação no Rio Grande do Norte. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=aC3u_hxa4JQ&feature=player_embedded>. Acesso em: 27 mai. 2011.

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Cabe uma breve síntese acerca de nosso ponto de partida para a análise, considerando elementos recentes de reformas educacionais levadas a cabo em todo país. Já se falou nos Parâmetros Curriculares Nacionais – os PCNs – como currículo mínimo para a escolarização brasileira, por vezes apressadamente (CBCE, 1997), e tem se falado nas propostas estaduais (e de alguns municípios também) quase com o mesmo discurso, o qual remete críticas a estas propostas por considerá-las como tentativas de controle hierárquico das práticas e saberes dos professores. Parece que tal discurso é de certo modo esperado, porque também se espera que os sistemas nacional, estaduais e municipais, com suas redes de ensino, tenham certas articulações. Caberia questionar: “até que ponto?”, embora não tenhamos a pretensão de tratar dessa relação entre as esferas do poder público e a educação. Os PCNs assim explicitam no documento introdutório do terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental: A abrangência dos Parâmetros Curriculares Nacionais visa criar condições nas escolas para que se discutam formas de garantir, a toda criança ou jovem brasileiro, o acesso ao conjunto de conhecimentos socialmente elaborados e reconhecidos como necessários para o exercício da cidadania para deles poder usufruir. Se existem diferenças sociais e culturais marcantes, que determinam diferentes necessidades de aprendizagem, existe também aquilo que é comum a todos, que um aluno de qualquer lugar do Brasil, do interior ou do litoral, de uma grande cidade ou da zona rural, deve ter o direito de aprender e esse direito deve ser garantido pelo Estado (BRASIL, 1998, p. 49-50).

Essa passagem dos PCNs chama a atenção para aspectos que entendemos ser consenso entre aqueles que se dizem comprometidos com uma educação de boa qualidade. Quem seria contrário à tese que, no momento em que vivemos, propiciar a todos uma educação de boa qualidade impulsionaria muitos brasileiros a um patamar de pertencimento humano e social desejável? O contexto em que esse documento foi elaborado e apresentado à sociedade brasileira delimitou, ressalvadas todas as críticas aos seus pressupostos epistemológicos, o surgimento paralelo de uma produção acadêmica que buscou discutir e analisar as implicações de um currículo mínimo para a educação brasileira. Passados quase 15 anos desde sua versão preliminar, os PCNs fazem parte das publicações oficiais dos documentos normativos, das diferentes propostas curriculares estaduais e municipais, assim como dos discursos dos professores, que deles se apropriam para subsidiar o trabalho pedagógico. Seria um indício considerar que foi incorporado como um documento que

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constitui a tão almejada política educacional de Estado? Por que não foi revisto pelos governos federais seguintes? Por que os professores fazem referência a tal documento? Com relação às propostas curriculares estaduais, serão igualmente incorporadas ou descartadas a cada troca de governo? Caracterizar-se-ão como política partidária ou política de Estado? Serão analisadas criticamente pelo professorado brasileiro? Do ponto de vista dos autores deste texto, compartilhando o olhar de coautores da proposição curricular de Educação Física do Estado de São Paulo – com experiências pessoais anteriores na elaboração de proposições públicas de caráter mais amplo6 e na coordenação de redes de ensino regionais com caráter mais localizado7 – ressaltamos que outros questionamentos caberiam para ampliar a análise, por exemplo: Quais municípios paulistas possuem propostas próprias? Não temos condição neste momento de responder com precisão a essa questão, mas sabemos que não são todos. Então, por que as municipalidades que compõem o Estado economicamente mais rico da federação brasileira, bem como o próprio Estado, não avançam mais na educação pública em termos qualitativos do que a média nacional? Há alguma relação dos municípios com a PPC de Educação Física da rede estadual? E os interesses das redes de ensino que têm materiais apostilados padronizados? E os das editoras de livros didáticos? Essas são outras questões pertinentes que se relacionam com a temática que ora abordamos. Parece-nos que, quando se elabora e implementa uma proposta curricular, surgem outras demandas e interesses que precisam ser investigados. Dentre tais problemas seriam várias as possibilidades de pesquisa, e ressaltamos que as próprias secretarias de Educação regionais poderiam promover investigações criteriosas nesse sentido, bem como os sindicatos e as universidades, estas últimas as principais depositárias dessa expectativa. Afinal, o interesse público pela Educação de boa qualidade tem estado na pauta há décadas, embora frequência na pauta não signifique prioridade, conforme a epígrafe que escolhemos para abrir nosso texto. Neste capítulo temos o propósito de situar as implicações da proposta de Educação Física do currículo das escolas públicas paulistas (SÃO PAULO, 2008a), por isso nos cabem ponderações acerca das mudanças que se vêm fazendo na organização curricular dos sistemas de

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Prof. Dr. Mauro Betti foi consultor dos PCNs de Educação Física – 5ª à 8ª série (BRASIL, 1998); e o Prof. Dr. Jocimar Daolio, embora sem vinculação contratual à época, assessorou parcialmente a elaboração dos PCNs em sua versão preliminar para os anos iniciais do Ensino Fundamental. 7A Profa. Ma. Luciana Venâncio trabalhou como coordenadora de núcleo educativo de uma das unidades do Centro Educacional Unificado/CEU e fez parte da equipe pedagógica de formadores de professores na zona leste da cidade de São Paulo, durante a administração municipal do PT entre 2002 e 2004; e o Prof. Me. Luiz Sanches Neto, recentemente foi convidado a assessorar o grupo de professores de Educação Física que trabalham no município de Atibaia-SP, para que iniciem o processo – a partir das próprias práticas pedagógicas – de elaboração e sistematização do currículo de Educação Física daquela rede de ensino.

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ensino brasileiros com a Educação Física. Para chegar a essa contextualização, necessitamos fazer três paradas no caminho para constatar o que já foi eventualmente pesquisado. Assim, o percurso que caminhamos tem como primeira parada o principal marco para a escolarização brasileira contemporânea, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (BRASIL, 1996). A LDB vigente foi promulgada em um contexto democrático, ainda que representativo ou deliberativo, como é o caso brasileiro, e permeado por conflitos de interesses. Diferente da legislação anterior, a Educação Física é tida como componente curricular ao invés de atividade, o que implica considerar de modo diferenciado sua pertinência na escolarização. Alguns autores, contudo, já apontavam a relevância da Educação Física como componente curricular a partir de uma revisão detalhada e criteriosa da legislação em vigor antes da LDB atual. Para Souza Neto (1992), o termo “atividade” poderia ser mais bem compreendido para qualificar a Educação Física, pois que remeteria ao tripé da escola nova, com noções de liberdade, individualidade e atividades-experiências. A Educação Física designada desse modo faria referência aos processos ativos de educação. Já o Coletivo de Autores (1992, p. 29) acenou na direção de valorizar a Educação Física na dinâmica curricular, ao expor e discutir algumas questões sobre a importância de sua participação na elaboração do projeto político e pedagógico escolar. Para Mariz de Oliveira, Betti e Mariz de Oliveira (1988), seria possível inferir que a Educação Física consistiria em uma “matéria”, pois é o único termo presente na legislação para designá-la especificamente, reforçado com o caráter de obrigatoriedade. Então, os autores parecem considerar que a Educação Física não era "atividade" por causa da legislação, mas sim pelo processo histórico/tradição da área. Poderíamos questionar, assim, o que diz a LDB a respeito da organização do currículo dos sistemas de ensino? E quais são os propósitos dos sistemas de ensino ao organizarem seus currículos para a Educação Básica? No texto legal, a União (Artigo 9º) deveria incumbir-se de estabelecer, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes para a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum. Ao passo que seriam competências dos Estados (Artigo 10): elaborar e executar políticas e planos educacionais, em consonância com as diretrizes e planos nacionais de Educação, integrando e coordenando as suas ações e as dos seus Municípios. Quanto à organização curricular (Artigo 26), os currículos do Ensino Fundamental e Médio devem ter uma base nacional comum a ser complementada, em cada sistema de ensino e

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estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela. Com isso, parece-nos que a LDB conferiu liberdade e autonomia aos sistemas de ensino e até mesmo a cada escola, mas há divergências se isto foi razoável. Conforme a legislação (Artigo 14), os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na Educação Básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios: participação dos profissionais da Educação na elaboração do projeto pedagógico da escola; participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes. Sem a pretensão de nos aprofundarmos no âmbito das políticas públicas, o que escapa ao propósito de nosso texto, consideramos que a multiplicidade dos sistemas parece carecer de alguma diretriz geral, que seja de certo modo integradora dos sistemas, como os PCNs. Sabemos que há problemas estruturais da escolarização brasileira, que podem ser mais bem enfrentados com o esforço organizado das esferas de poder público. A segunda parada no percurso consiste na análise das PPC de Educação Física, pois que a proposição paulista vem apoiada nesse mesmo bojo pela LDB, que aponta a necessidade de referenciais teórico-metodológicos e regionais para orientação curricular. Tal análise comparativa de abrangência nacional ainda não é viável com a literatura disponível, embora já existam investigações sobre algumas propostas estaduais, como Moraes e Silva (2010), Martiny, Florêncio e Gomes da Silva (2011), por exemplo. Vários estados da federação apresentaram suas propostas na última década8 com processos de implantação e implementação bem particulares. Caberia levantar e analisar quais foram os princípios ou orientações dos currículos dessas propostas e se as mesmas fazem parte de processos ou projetos contínuos desencadeados anteriormente com ou sem a participação dos professores de Educação Física. Esse trabalho de fôlego seria extremamente relevante para estabelecer um panorama teórico-metodológico do ensino público brasileiro de Educação Física. Mais ousado ainda seria questionar: quais concepções subsidiam essas PPC? Embora sejam relevantes e relacionados com a temática que investigamos, não nos deteremos em responder tais questionamentos, pois não nos são centrais neste momento. Consideramos que os debates ao longo do processo histórico da Educação Física brasileira, sobretudo a partir da abertura política na década de 1980, foram determinantes para avanços qualitativos nas propostas, pois suas concepções foram subsidiadas por várias 8Fizemos

uma breve consulta nos sites de algumas secretarias de Educação: há documentos com diretrizes orientadoras, propostas de currículos ou subsídios para matriz curricular em Educação Física no Distrito Federal e nos seguintes estados: Alagoas, Goiás, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina, São Paulo e Sergipe.

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proposições teórico-metodológicas (desenvolvimentista, construtivista, crítico-superadora, crítico-emancipatória, antropológica-cultural e sociológico-sistêmica) que necessitam ser analisadas em suas dinâmicas, conforme demonstraram Sanches Neto e Betti (2008) e Betti e Kuriki (2011). Há uma dinâmica bastante peculiar das proposições quando se investigam os requisitos para o trabalho docente nas redes públicas: o critério refere-se às idiossincrasias profissionais, as quais podem ser inferidas a partir de concursos públicos para professores de Educação Física. Algumas proposições foram enfatizadas de acordo com demandas sociais e políticas (SANCHES NETO et al., 2011). A terceira e última parada do percurso trata de situar o contexto da PPC de Educação Física do Estado de São Paulo. Analisamos sucintamente quais são suas intenções e concepções, bem como discutimos aspectos do processo de implantação e implementação. A partir da proposição paulista, questionamos: é possível falar em avanço para a Educação Física como área de intervenção pedagógica? É possível falar em valorização do professor de Educação Física como docente da Educação Básica? É possível falar em melhoria das aprendizagens dos alunos? Consideramos que há avanços consideráveis no campo teórico e metodológico da Educação Física, e que o seu ponto crucial de inflexão é a consideração da necessidade de que a produção de saberes esteja vinculada com os sujeitos envolvidos diretamente com a essência do trabalho escolar cotidiano: professores e alunos. Aliás, é este o problema que elencamos como mobilizador em nosso percurso: como os professores têm trabalhado efetivamente com as propostas curriculares; no caso específico, como têm feito isso com a Proposta Pedagógica Curricular de Educação Física (PPC-EF) do Estado de São Paulo? Podemos imaginar mudanças significativas a partir deste ponto de vista? A PPC-EF do Estado de São Paulo: conteúdos e temas Nossa análise, portanto, fica restrita à PPC-EF paulista (SÃO PAULO, 2008a). Nela notamos que possivelmente o maior mérito tenha sido conectar os conteúdos “clássicos” da Educação Física com o mundo dos alunos, por meio da inter-relação dos eixos de conteúdo e de temas. Daolio (2011), ao abordar a organização curricular da Educação Física à luz do conceito de cultura, apresentou nuances da fundamentação teórica e metodológica da PPC-EF. Para justificar o conceito de Cultura atrelado à Educação Física, Daolio (2011) mencionou que devemos evitar qualquer concepção de organização curricular “engessada”, pois corremos o risco de perder a essência do currículo: sua dinâmica; considerar a especificidade da Educação 29


Física que a torna diferente, porém não menos relevante, na forma como gera organizações culturais diversas. No texto introdutório (SÃO PAULO, 2008a) são explicitados principalmente dois conceitos que subsidiam toda a proposta: Cultura de Movimento e Se-Movimentar. Por Cultura de Movimento entende-se o conjunto de significados/sentidos, símbolos e códigos que se produzem e reproduzem dinamicamente nos jogos, esportes, danças e atividades rítmicas, lutas, ginásticas etc., os quais influenciam, delimitam, dinamizam e/ou constrangem o Se-Movimentar dos sujeitos, base de nosso diálogo expressivo com o mundo e com os outros (p. 43). O SeMovimentar é a expressão individual e/ou grupal no âmbito de uma Cultura de Movimento; é a relação que o sujeito estabelece com essa cultura a partir de seu repertório (informações/ conhecimentos, movimentos, condutas etc.), de sua história de vida, de suas vinculações socioculturais e de seus desejos (p. 43). Nos cadernos do professor de cada série do Ensino Fundamental (6º ao 9º ano) e do Ensino Médio são pormenorizados eixos de conteúdos e eixos temáticos, relacionados entre si conforme os conteúdos/temas distribuídos ao longo dos bimestres. Os conteúdos são: Jogo, Esporte, Ginástica, Luta e Atividade Rítmica. E se cruzam, no Ensino Fundamental, com o eixo temático Organismo Humano, Movimento e Saúde. No Ensino Médio, as inter-relações dos conteúdos da Educação Física se dão com os seguintes eixos temáticos, vistos como atuais e relevantes na sociedade:

JOGO

ESPORTE

ATIVIDADE GINÁSTICA RÍTMICA

CORPO, SAÚDE e BELEZA MÍDIAS

CONTEMPORANEIDADE LAZER e TRABALHO

Figura apresentada por Betti et al. (2010, p. 113).

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LUTA


Todos os temas e conteúdos estão imbricados nas competências e habilidades apresentadas nos cadernos do professor9, conforme análise anterior que realizamos (BETTI et al., 2010, p. 117-118). Por exemplo:  Reconhecer o ritmo do próprio corpo, a partir da apropriação de informações pelos órgãos dos sentidos e expressão corporal – tema: Organismo Humano, Movimento e Saúde (SÃO PAULO, 2008b). O tema trata de experiências com os movimentos corporais, que serão fundamentadas com explicações sobre o funcionamento do organismo. Trata da contextualização e fundamentação dos conteúdos da Educação Física nas dimensões biológicas, sócio-históricas etc., no sentido de possibilitar aos alunos a reflexão a partir do confronto de suas próprias experiências de Se-Movimentar com a sistematização e aprofundamento de conhecimentos propiciados pela Educação Física como área de estudo (SÃO PAULO, 2008a).  Analisar a questão do gênero presente na dança – tema: Contemporaneidade (SÃO PAULO, 2008c). O tema pressupõe que o mundo na época em que vivemos caracteriza-se por grandes transformações, das quais o aumento do fluxo de informações é uma das mais impactantes, o que influencia os conceitos e as relações que as pessoas mantêm com seus corpos e com as outras pessoas, gerando, por vezes, reações preconceituosas em relação a diferenças de sexo, etnia, características físicas, dentre outras.  Reconhecer a associação promovida pelos discursos sobre as ginásticas de academia com a busca de padrões de beleza corporal – tema: Corpo, Saúde e Beleza (SÃO PAULO, 2008d). O tema pressupõe que as doenças relacionadas ao sedentarismo (como a diabetes etc.), à obesidade e, de outro lado, o insistente chamamento para determinados padrões de beleza corporal, em associação com produtos e práticas alimentares e de exercício físico, colocam os jovens na “linha de frente” dos cuidados com o corpo e a saúde.  Relacionar os significados/sentidos propostos pelas mídias com as suas próprias experiências do Se-Movimentar no esporte – tema: Mídias (SÃO PAULO, 2008e). 9Foram

elaborados vinte e oito cadernos do professor, organizados bimestralmente, para subsidiar o trabalho pedagógico cotidiano dos professores, com sugestões de situações de aprendizagem e apontamentos sobre outras possibilidades de planejamento e intervenção a partir da rede de inter-relações entre conteúdos e temas.

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O tema pressupõe que a televisão, rádio, jornais, revistas e sites da internet influenciam o modo como os alunos percebem, valorizam e constroem suas experiências de Se-Movimentar no jogo, esporte, ginástica, luta e atividade rítmica, muitas vezes atendendo a modelos que apenas dão suporte a interesses mercadológicos e que precisam ser submetidos à análise crítica.  Propor formas de organização do tempo disponível a partir dos interesses e conteúdos do Lazer – tema: Lazer e Trabalho (SÃO PAULO, 2008f). O tema pressupõe que os conteúdos da Educação Física devem ser incorporados pelos alunos como possibilidades de lazer em seu tempo escolar e posterior a ele, de modo autônomo e crítico; além disso, a Educação Física deve propiciar a compreensão da importância do controle sobre o próprio esforço físico e o direito ao repouso e lazer no mundo do trabalho. Podemos analisar criticamente a PPC-EF em quatro níveis (SANCHES NETO e VENÂNCIO 2010): as críticas do “1º nível” seriam referentes à concepção, suas possibilidades e implicações. Neste nível as críticas remeteriam aos critérios e às escolhas relacionadas à sistematização dos conteúdos e temas presentes no texto da concepção da proposta curricular (SÃO PAULO, 2008a). A flexibilidade que cabe ao planejamento docente com o uso desse referencial, contudo, é bastante abrangente, cabendo ao professor escolher diferentes manifestações da Cultura de Movimento, conforme as indicações bimestrais de conteúdos. O “2º nível” das críticas seria referente aos 28 cadernos bimestrais do professor que acompanham a PPC-EF. As manifestações tomadas como exemplos nesses cadernos (SÃO PAULO, 2008b, 2008c, 2008d, 2008e, 2008f) podem ser apontadas como indicadores para o trabalho dos professores, ainda que caiba a flexibilidade no sentido de escolher outras manifestações da Cultura de Movimento em alguns casos, bem como estratégias alternativas para o trato com os conteúdos e temas. Aqui há destaque para o debate sobre a autonomia dos professores, para a qual concordamos com Cunha (1989, p. 164): Na maior parte das vezes, as instituições não expressam claramente o seu projeto. Segundo, percebe-se que, quando o fazem, há uma distância grande entre um discurso que procura ser pouco claro e uma realidade que é concreta e definida. Talvez seja este o momento institucional da escola brasileira hoje que permite que o projeto individual do professor tenha mais força, em função do espaço existente. Se isto, por um lado, pode ser positivo, na medida em que represente liberdade e autonomia docente, por outro, pode ser nefasto, pois pode significar uma total dependência da individualidade do professor e de seu grau de compromisso e competência.

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As críticas do “3º nível” remetem aos cadernos dos alunos, que trazem exatamente os mesmos conteúdos e temas, em sua maior parte, apenas sugeridos nos respectivos cadernos destinados aos professores. Ou seja, do modo como foram elaborados os cadernos dos alunos, as possibilidades de flexibilização das manifestações da Cultura de Movimento a partir do Projeto Político e Pedagógico das escolas ficam comprometidas. Por isso, em nossa opinião, tais cadernos constituem um material10 contraproducente às práticas educativas de professores e alunos no trato com a PPC-EF. Ao passo que o “4º nível” das críticas remete às perspectivas de formação permanente e contínua do professorado, no caso com as iniciativas dos cursos "a rede aprende com a rede" e da “rede de formação” (Redefor) vinculada à Universidade Virtual do Estado de São Paulo – Univesp – em parceria com as Universidades estaduais paulistas (Unesp, Unicamp e USP). Esse processo é ainda mais recente e está em andamento ao longo deste quarto ano após a implantação da PPC-EF. Preliminarmente podemos apontar que o curso da Redefor parece não estar restrito à formação dos professores para a mera aplicação do currículo. Até 2012, o curso atenderá 1050 professores de Educação Física em duas ocasiões de oferecimento, sendo 350 na primeira vez e 700 na segunda. Para avançar acerca dessas críticas, Sanches Neto e Venâncio (2010) direcionaram algumas questões a um grupo de professores com os quais trabalharam em um curso de extensão sobre a proposta paulista, a partir da metodologia de resolução de problemas, sendo a questão principal: "Qual tem sido a maior dificuldade em trabalhar com a PPC-EF"? Os autores categorizaram as respostas e notaram que remetiam tanto para a formação inicial, quanto para a formação contínua e permanente dos professores. Notaram também que os temas propostos na PPC-EF implicam reconsiderar as condições concretas do cotidiano do trabalho, bem como os saberes dos alunos e suas representações. O trabalho com a PPC-EF na perspectiva dos professores Procuramos encaminhar neste ponto nossa principal preocupação: como os professores trabalham/interagem com a PPC-EF do Estado de São Paulo? Há poucas investigações concluídas sobre a perspectiva docente em relação à proposta curricular paulista. Recentemente, 10Os

cadernos do aluno não foram elaborados pela mesma equipe que elaborou a concepção e os cadernos do professor. Existem incongruências que se repetem em vários cadernos do aluno, conforme VENÂNCIO e BETTI (2010), evidenciando a descontinuidade política, administrativa e pedagógica na Educação paulista, mesmo sob a égide do mesmo governo.

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dois professores que trabalham na rede estadual participaram de um estudo em que confrontaram suas próprias expectativas em relação à PPC-EF na época de sua implantação, no 1º semestre de 2008 (SANCHES NETO et al., 2011). Os dados permitem notar certo amadurecimento dos professores em relação às suas próprias críticas, uma vez que se dedicaram a pesquisar os problemas levantados por eles próprios de modo bastante rigoroso, incluindo a conclusão de uma Dissertação de Mestrado pela professora participante do estudo (FREITAS, 2011). No trabalho de Freitas (2011), a investigação tratou da noção de autonomia com professores de Educação Física que têm trabalhado a PPC-EF na rede estadual. A autora também pesquisou as impressões de coordenadores pedagógicos acerca da autonomia perante a proposta e constatou, no que se refere à PPC-EF, que autonomia é diferente de somente ter a liberdade de fazer escolhas e, portanto, não é a proposta que, por si só, vai ou não promover a autonomia dos professores. Segundo Sarti (2008), costuma-se atribuir parte do fracasso escolar aos professores, tidos como reprodutores de velhas práticas e avessos às mudanças. Isso aparece nos discursos educacionais, ora enfatizando a indisposição do magistério para inovações, ora ressaltando sua incapacidade para acompanhá-las. Não obstante, a política que acompanha qualquer proposta pública, se baseada nessa visão reacionária acerca do professorado, contribuiria para concretizar esse viés ideológico. Para a autora, os discursos educacionais dessa ordem trazem duas argumentações básicas: os professores não seriam suficientemente comprometidos com a educação para aderirem às reformas, ou então seriam incompetentes, sem organização e preparo suficiente para assumir as mudanças e aderir aos esforços reformadores da educação. A autora cita argumentações de Azanha para afirmar que, no caso da docência, a valorização do cotidiano – que sendo criativo, poderia conferir teor inventivo às práticas – remete às considerações das maneiras como os professores se apropriam dos “rebuliços mudancistas” que se impõem à vida das escolas (AZANHA apud SARTI, 2008, p. 49). Com isso, pensamos que falta às políticas públicas subsidiarem essa apropriação do cotidiano de trabalho com a consequente elaboração de saberes pelos próprios professores. Algumas iniciativas de continuidade na formação dos professores, vinculadas à PPC-EF, parecem apontar para a criticidade desejável aos docentes desde seu ingresso na rede, uma vez que a participação em curso recente de formação esteve associada à classificação no último concurso público realizado no Estado. Por conta disso, os professores aprovados no referido concurso participam de curso de formação relacionado ao currículo, antes de assumirem o trabalho pedagógico com os alunos. Durante a implantação da proposta em 2008, outro curso 34


chamado “A rede aprende com a rede” foi oferecido aos professores, mediado pelos professores coordenadores de oficinas pedagógicas (PCOPs) de cada uma das 91 diretorias regionais que respondem à Secretaria de Educação. O oferecimento desses cursos tem sido na modalidade à distância e o argumento mais comum para justificar essa prática é a dimensão da rede pública paulista, que conta com mais de 14.000 professores de Educação Física. Desde 2010 é oferecido o curso da Redefor-Univesp, que visa à continuidade da formação dos professores, mas que também trata de alguns aspectos inerentes à PPC-EF, como, por exemplo, nos seguintes temas em uma das disciplinas oferecidas: (1) Perspectiva cultural – análise das principais proposições teórico-metodológicas da Educação Física Escolar, procurando compreender como elas apresentam, ao longo do tempo, um movimento em direção à noção de cultura e como a PPC-EF situa-se nessa perspectiva; (2) Fundamentos conceituais e objetivos – análise dos conceitos de "Cultura de Movimento" e "Se-Movimentar", suas implicações didático-pedagógicas e como direcionam os objetivos propostos pela PPC-EF para o segundo ciclo do Ensino Fundamental e no Ensino Médio; (3) Eixos Temáticos e de Conteúdos – análise das origens e fundamentos (critérios) dos grandes Eixos de Conteúdo (Jogo; Esporte; Ginástica; Luta e Atividade Rítmica) e dos Eixos Temáticos (Organismo Humano, Movimento e Saúde; Corpo, Saúde e Beleza; Contemporaneidade; Mídias; Lazer e Trabalho) que orientam a PPC-EF, como suas interrelações geram conteúdos específicos e como, ao longo dos ciclos de escolarização, seu tratamento didático-pedagógico apresenta continuidade e diferenciações; (4) Percursos de aprendizagem – análise, por meio de exemplos, da lógica que orienta as situações de aprendizagem propostas nos "cadernos do professor", desde a definição das habilidades e competências que se esperam sejam aprendidas pelos alunos, até as atividades avaliadoras, passando pela mobilização e articulação dos conteúdos; (5) Avaliação – análise da concepção de avaliação presente na PPC-EF, suas implicações para o processo de ensino e aprendizagem e quais as responsabilidades dos alunos e do professor nos processos avaliativos. Essa modalidade de curso à distância pode ser viável, no entanto, se ponderarmos os processos de formação e as necessidades do professores da rede estadual, também seriam interessantes encontros presenciais para compreender como a PPC-EF tem sido implementada nos diversos contextos. Nesse sentido, poderiam ser viabilizadas condições mais especificas para

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subsidiar a continuidade da implementação de modo mais próximo e com os professores de Educação Física. A investigação sobre a PPC-EF na perspectiva dos pesquisadores Conforme Azanha (1990/91), o esforço dos pesquisadores no campo das práticas educativas avançaria por meio de um amplo conjunto de investigações (multi e interdisciplinares) capazes de cobrir o amplo espectro das manifestações culturais que ocorrem no ambiente escolar e que se objetivam em determinadas práticas. Esses estudos deveriam não apenas descrever essas práticas num certo momento como também identificar e deslindar os processos de sua formação, transformação e permanência. Do conjunto desses estudos, cujo propósito seria um "mapeamento cultural da escola", teríamos a possibilidade de chegar a hipóteses interessantes sobre a crise educacional em sua dimensão histórico-social. Por isso, preocupamo-nos com: se e como as pesquisas/os pesquisadores vêm tratando a PPC-EF? Por exemplo, há investigações sobre se a PPC está contribuindo para caracterizar a Educação Física como uma área de saberes elaborados com rigor científico, na perspectiva escolar? Como as pesquisas têm problematizado a PPC-EF? De acordo com revisão realizada por Venâncio e Betti (2010), os estudos publicados sobre a PPC-EF, de modo geral, até o momento não procuraram o aprofundamento de questões consideradas relevantes como: a compreensão, pertinência, influência e crítica à proposta, tendo como referência o próprio trabalho que vinha sendo realizado nas escolas pelos professores e, também, qual a repercussão para a Educação Física como área de matriz pedagógica e científica. Os trabalhos publicados focam em aspectos específicos, como a dificuldade do professor em tratar pedagogicamente certos conteúdos que são propostos e não explicitam se houve ou não o entendimento dos pressupostos da PPC-EF. Sabemos que há muita dificuldade e resistência do professorado em lidar com certos conteúdos de ensino, o que requer uma busca autoformativa e também processos de formação continuada promovidos pela própria Secretaria de Educação. No entanto, sem menosprezar a capacidade ou competência dos professores, entendemos que os currículos de formação inicial não deram ou não dão conta das necessidades inerentes aos processos de ensino e aprendizagem. E não é por isso que precisamos deixar de considerar ou abrir mão de demandas contemporâneas que precisam ser tratadas, compreendidas e analisadas pedagogicamente, correndo o risco de comprometer o trabalho do professor na formação dos alunos.

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Conforme Venâncio e Betti (2010), para que mudanças substanciais ocorram no cotidiano das aulas de Educação Física é necessário participação e adesão do professorado e explícita valorização do trabalho docente, por parte do Estado e da sociedade. A Educação Física há algum tempo busca sugestões de organização e sistematização de conteúdos, portanto espera-se um impacto positivo e promissor provocado pelas propostas curriculares nos ambientes escolares, seja para questionar o processo de implantação ou para promover mudanças na direção dos debates pedagógicos da área. De acordo com os autores, até o momento poucas investigações tiveram a preocupação em aprofundar a análise e avaliação dos pressupostos teórico-metodológicos, bem com as possíveis repercussões nas intervenções pedagógicas das aulas de Educação Física. Para Venâncio e Betti (2010), os estudos publicados até o momento caracterizam-se, como já assinalamos anteriormente, por abordar aspectos bastante específicos da proposta, mas também há aqueles que, em perspectiva oposta, tratam de aspectos muito gerais. Em alguns estudos seria possível perceber que os autores partem de um pré-conceito, a favor ou contra a PPC-EF, ou mesmo em relação à proposta da Secretaria da Educação como um todo. Então, ou não buscam respaldo empírico para confirmar suas posições prévias, ou o fazem mediante equívocos metodológicos. Por exemplo, o trabalho de Lippi (apud VENÂNCIO e BETTI, 2010) cita argumentos de Giroux e Maclaren: os professores que atendem às classes trabalhadoras necessitam passar por processos formativos que ampliem o entendimento dos conceitos de classe, ideologia, cultura, gênero, etnia e raça presentes na prática pedagógica e na paisagem pós-moderna. Ignora aquele autor que tais conceitos estão, implícita ou explicitamente, presentes nos “eixos temáticos” da PPC-EF. Ademais, prosseguem Venâncio e Betti (2010), embora Lippi afirme que no método utilizado (bricolagem) a validade e o rigor científico se estabelecem pela multiplicidade de vozes, o pesquisador não incluiu entre os entrevistados os professores universitários, autores da PPCEF. Um dos critérios para a escolha dos entrevistados é bastante questionável: equilíbrio entre representantes que tradicionalmente se posicionam a partir de idéias progressistas e conservadoras. Porém, se é “progressista” ou “conservador” segundo o julgamento de quem, sob que critérios? Mas, concluem Venâncio e Betti (2010) que tal omissão não impediu o pesquisador de qualificar os elaboradores da PPC-EF como “neutros” e a serviço do projeto neoliberal de Educação. Tal (des)qualificação demonstra desconhecimento do movimento histórico da Educação Física Escolar, chegando a conclusões prematuras sobre um processo políticopedagógico ainda em andamento no cotidiano dos professores de Educação Física.

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Contudo, estudos mais consistentes são apontados pelos autores, como os de Jardim e Betti (apud VENÂNCIO e BETTI, 2010) – que descrevem e interpretam, a partir da tipologia de saberes docentes elaborada por Shulman, como uma professora de Educação Física lida com o conhecimento pedagógico do conteúdo quando do desenvolvimento de um tema específico proposto pela PPC-EF – e de Freitas (2009) – que relata o impacto da PPC-EF no cotidiano do trabalho de professores, tendo como pano de fundo a temática da autonomia e identidade profissional. Novamente concordamos com Azanha (1990/1991), quando o autor afirma que os estudos sobre políticas e reformas educacionais brasileiras têm sido, sobretudo, monotonamente polêmicos ou até mesmo julgamentos ideólogicos. Para o autor, desde o grande debate sobre a escola pública na década de 1950, as discussões sobre a reforma da escola têm sido muito mais tomadas de posição com motivações políticas do que análises científicas sobre o sistema escolar. Reconhece o autor que, até certo ponto, é inevitável o encaminhamento político do debate educacional, pois educação, no seu sentido amplo é um tema essencialmente político. Porém, atesta que nas sucessivas reformas da educação brasileira, quando chegamos ao momento de uma nova reforma, invariavelmente não se dispõe de estudos sobre a repercussão de reformas anteriores sobre a vida escolar. Para Azanha (1990/1991): Quase sempre os estudos disponíveis são muito mais julgamentos ideológicos do que descrições confiáveis sobre as alterações da vida escolar provocadas pelos movimentos reformistas. No entanto, sabe-se que é no interior das salas de aula que se decide o destino de políticas e reformas educacionais. Até mesmo a decisão política de democratizar o ensino de 1º grau, pela abertura ampla de vagas, acabou muito comprometida [...] pela resistência oferecida pelo magistério ao ingresso maciço de uma clientela até então afastada da escola. Essa resistência, que muitas vezes se traduziu numa elevação das taxas de reprovação, é um exemplo de como há necessidade de estudos sobre os modos pelos quais reformas e políticas educacionais modificam padrões de trabalho vigentes nas escolas ou são anuladas por eles.

Resumindo... Notamos que há diversas perspectivas para outros estudos sobre as propostas curriculares de Educação Física, pois apontamos várias questões ainda a responder. Destacamos três perspectivas e enfatizamos a última delas em nossa investigação. A primeira é sobre a Educação Física no currículo dos sistemas de ensino brasileiros. Nela pensamos que falta aprofundar o que tem sido realizado a partir do que diz a LDB a respeito da organização do currículo dos sistemas de ensino e explicitar quais são os propósitos dos sistemas de ensino ao organizarem seus currículos para a Educação Básica. 38


A segunda é sobre as Propostas pedagógicas curriculares de Educação Física. Nela consideramos que há desafios muito amplos e bastante difíceis a tratar, pois faltaria mobilizar muitos dados e talvez o esforço de meta-análise seria conveniente nesse sentido: quais foram as PPC implantadas e implementadas na última década? Quais são seus aspectos positivos e negativos? Quais são as concepções teórico-metodológicas que as subsidiam? A terceira, a qual buscamos investigar, é sobre a situação específica da Proposta pedagógica curricular de Educação Física do Estado de São Paulo. Nela elencamos algumas questões que procuramos sintetizar ao concluir este capítulo: quais são as intenções e concepções que subsidiam a PPC do Estado de São Paulo? Quais são os aspectos particulares do seu processo de implantação e implementação? A partir dela, é possível falar em avanço para a Educação Física como área de intervenção pedagógica? É possível falar em valorização do trabalho dos professores como docentes da Educação Básica? E como os pesquisadores estão problematizando essa temática e se ocupando disso? Retomamos os aspectos deste capítulo para chamar a atenção para uma demanda que se configura como fundamental para a Educação Física como área de intervenção pedagógica. Há muito tempo temos preconizado em diferentes fóruns de debates que sabemos pouco do trabalho que é desenvolvido pelos professores de Educação Física nas escolas públicas brasileiras e, no entanto, soa até contraditório proclamar que “o trabalho precisa melhorar”! Ora, sabemos que várias proposições foram elaboradas e divulgadas nos últimos 30 anos, por diferentes autores, com diferentes visões de mundo, e que os professores afirmam conhecer a existência e importância das mesmas, porém, efetivamente pouco sabemos a respeito de como essas proposições contribuíram para o trabalho dos professores durante esse período. Aliás, após 30 anos de questionamentos e críticas à ênfase dada às explicações de origem biológica nas justificativas de ações da EF, pode-se afirmar que as concepções culturais obtiveram consenso? As propostas em andamento nos diferentes Estados da federação provavelmente recorrem a algumas dessas proposições e defendem princípios diversos para ancorar seus pressupostos. No caso da PPC-EF, podemos perceber que aspectos de algumas dessas proposições foram destacados (COLETIVO DE AUTORES, 1992; KUNZ, 1994; DAOLIO, 1995). Perguntamos: salvo as críticas aos aspectos da implantação e implementação da PPC-EF, ela remete a princípios de transformação e emancipação dos sujeitos na perspectiva cultural? Podemos pensar que a PPC-EF promoverá mudanças transformadoras nos cotidianos das práticas educativas do professorado paulista? A autonomia dos professores foi efetivamente

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questionada ou a PPC-EF chamou a atenção do professorado para esse aspecto que foi negligenciado pela secretaria paulista? Muitas medidas precisam ser tomadas para que políticas educativas sejam de fato assumidas como prioridade e se tornem política de Estado. Sinceramente, gostaríamos que a PPC-EF, não só de São Paulo, mas também dos outros Estados da federação, tivesse um impacto positivo e abrisse um leque de discussões criteriosas e coerentes para alçar a Educação Física ao patamar tão desejado. Esperar mais 20 ou 30 anos para que novas proposições sejam elaboradas por especialistas é comprometer o trabalho do professor e a formação dos alunos. Quem sabe não serão os próprios professores em parceria com os alunos que fornecerão as pistas para ampliarmos os itens das pautas dos debates? Referências AZANHA, J. M. P. Cultura escolar brasileira: um programa de pesquisas. In: Revista da USP, São Paulo, n. 8, p. 65-69, dez.-fev., 1990/1991. BETTI, M.; KURIKI, F. As proposições teórico-metodológicas para a Educação Física Escolar das décadas de 1980 e 1990: antes, agora, e depois? Lecturas: Educacación Física y Deportes, Revista Digital. Buenos Aires, v. 15, n. 153, fev. 2011. Disponível em: <http://www.efdeportes.com/efd153/as-proposicoes-para-a-educacao-fisica-escolar.htm>. Acesso em 12 jun. 2011. BETTI, M. et. al. A proposta pedagógica curricular do Estado de São Paulo. In: CARREIRA FILHO, D.; CORREIA, W. R. (Orgs.). Educação Física escolar: docência e cotidiano. Curitiba: CRV, 2010, p. 109-128. BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9394. In:. Brasília: MEC/SEF, 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm>. Acesso em: 11 jun. 2011. BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Parâmetros Curriculares Nacionais: Educação Física (3º e 4º ciclos do ensino fundamental). Brasília: MEC/SEF, 1998. CBCE – Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (Org.). Educação Física escolar frente à LDB e aos PCNs: profissionais analisam renovações, modismos e interesses. Ijuí-RS: Sedigraf, 1997. COLETIVO DE AUTORES. Metodologia de Ensino da Educação Física. São Paulo-SP: Cortez, 1992. CUNHA, M. I. O bom professor e sua prática. Campinas-SP: Papirus, 1989. DAOLIO, J. Conceito de cultura e a organização curricular em Educação Física. In: Anais 5º Congresso Norte Paranaense de Educação Física. Londrina-PR: UEL, 2011. Palestra. Disponível em CD-ROM. 40


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PARTE II Formação Profissional Inicial e Continuada na Educação Física Escolar

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Capítulo 3 A “Iniciação à docência” nas aulas de Educação Física escolar: o que pensam os estudantes-professores e os professores em exercício? Samuel e Souza Neto11 Roberto Tadeu Iaochite12 Marina Cyrino13 Carina Maria Bullio Fragelli, Felipe G. S. Canciglieri, Graziela Sarmento, Leonardo Gonsalles Fressa, Paulo Ricardo Mendes da Costa, Pedro Luan Soares de Toledo, Rafaela de Oliveira Abreu, Tassiane Gabriele de Lima14 Mario Davi do Amaral Veiga,

Introdução e justificativa A formação docente vem passando por transformações profundas em relação ao lugar, às modalidades e processo de ensino desde a formação inicial. Estas transformações, que estão na base do discurso sobre a profissionalização docente, assumem formatos específicos em função das características de cada país e de cada contexto universitário. Todavia, o ponto para o qual elas convergem é o de considerar a prática profissional como um lócus de produção e também de formação nos saberes para a docência (TARDIF, 2002). A iniciação à docência, no âmbito da formação inicial, é um tema emergente no Brasil, enfrentando problemas relacionados aos questionamentos sobre as condições sociais e pedagógicas da própria formação; falta de professor, questão salarial, mal estar docente; assim como problemas com a própria identidade docente. Na literatura, estas questões têm sido tratadas na perspectiva da profissionalização do magistério (BRASIL, 2002a; HOLMES GROUP, 1986; CONTRERAS, 2002), desenvolvimento pessoal e profissional (NÓVOA, 1992, 1999), emergência de uma epistemologia da prática (SCHÖN, 1983; 1992), saberes docentes (TARDIF, 2002; PIMENTA, 2002), conhecimento de base (SHULMAN, 1987), enfim, fabricação de um novo professor (SARTI, 2008). 11UNESP

- Universidade Estadual Paulista /NEPEF - DFPPE/- CNPq – CAPES – Universidade Estadual Paulista /NEPEF - DFPPE/- CAPES 13UNESP - Universidade Estadual Paulista/ Pós-Graduanda do Programa de Pós-Graduação em Educação / DFPPE/- FAPESP 14UNESP - Universidade Estadual Paulista – Campus de Rio Claro/Licenciatura em Educação Física - CAPES 12UNESP

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Nessa direção, é possível apontar alguns caminhos para o processo de formação que prioriza o profissional como produtor de saberes, sendo capaz de deliberar sobre sua própria prática, de objetivá-la, de partilhá-la, de questioná-la e aperfeiçoá-la, melhorando o ensino. Com base na epistemologia da prática e, considerando a diversidade dos saberes que estão na base da formação, parece possível pensar a formação docente considerando os saberes práticos e as competências necessárias para a formação do professor. O diálogo entre a universidade e a escola como espaços de construção e aprimoramento de saberes é, pois, uma alternativa viável para a superação de práticas meramente tecnicistas e reprodutivistas. Nessa direção, Nóvoa (1999) aponta para uma perspectiva que valoriza ambos os saberes, isto é, àqueles ligados à base da profissão (teórico-metodológicos), e os saberes da experiência (práticos). Dessa maneira, uma das apostas está na modalidade de formação centrada na prática, com estágio em alternância ao longo da formação. A escola passa ser vista como um lócus central da formação. Nesse caso, a alternância ocorre entre o meio escolar e o meio de formação na universidade, pois os processos de formação e de avaliação são partilhados entre os atores neles envolvidos. Essa perspectiva também envolve outros atores, como diretores, especialistas e técnicos de ensino, supervisores, propondo dispositivos de desenvolvimento de reflexão sobre a prática e de tomada de consciência dos saberes, ancorados em abordagens do tipo por competências, por problemas, por projetos etc. (BORGES, 2008). Mais especificamente, as aulas de Educação Física nesse contexto possibilitam excelentes oportunidades para o exercício da iniciação à docência, com possibilidades de vivenciar diretamente os desafios da prática pedagógica. Concomitante com a vivência de situações de ensino e de suas decorrências está a oportunidade de planejar, executar, refletir e avaliar a prática de ensinar face aos princípios e pressupostos que fundamentam a Educação Física enquanto um componente no currículo escolar. Assim, a tarefa de criar situações que promovam a autonomia dos alunos rumo ao exercício da cidadania e do cuidado com a própria qualidade de vida passam a ser desafios constantes para os futuros professores no exercício da docência. No que tange à formação dos professores, muito embora ocorram cursos estruturados sob a forma clássica da racionalidade técnica (CARVALHO e GIL PÉREZ, 1993), nos quais o professor é visto como técnico que deve ser treinado para aplicar os conhecimentos científicos produzidos por especialistas, há que ressaltar o surgimento de propostas que tentam superar esse modelo.

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Essas propostas, voltadas para o conhecimento profissional do professor e para a aprendizagem da docência, tem se intensificado nos últimos anos e vem se detendo em investigações sobre o pensamento do professor, o ensino reflexivo e a base de conhecimentos para o ensino (BORGES, 2004). Tais investigações foram, de certa forma, impulsionadas nos últimos anos por Donald Schön (1992), cujas obras podem ser consideradas como um marco, “ao tentar construir uma epistemologia da prática e ao abrir flancos para tipos alternativos de investigação até então não ousadas, considerando paradigmas vigentes e a preocupação com o modelo processo-produto” (MIZUKAMI et al, 1998, p. 491) apesar dos limites que a mesma possa ter. Apesar de apresentarem grande diversidade teórica e metodológica, essas pesquisas podem ser reunidas em uma linha de investigação denominada de “Paradigma do pensamento do professor”. Diferentemente do foco de pesquisa na relação processo-produto (existente no paradigma da racionalidade técnica), a análise volta-se, agora, para as dimensões ocultas do ensino (os processos de pensamento, juízo e tomadas de decisão) e outras, envolvidas não somente nas situações interativas, mas também nas pré-ativas (planificação) e pós-ativas (reflexão) (MARCELO, 1999). Desse modo, ao alargarem-se as dimensões de ensino e de aprendizagem que são objeto de estudo e de formação, essas pesquisas apontam alguns aspectos da aprendizagem docente (LIMA e REALI, 2002), como o caráter processual, complexo, contínuo, marcado por oscilações e descontinuidades e não por uma série de eventos e acontecimentos lineares. Considera-se, ainda, a relevância tanto da experiência pessoal de vida como a da prática profissional, consideradas importantes fontes de aprendizagem, além da construção ativa, por parte dos professores, de seus conhecimentos profissionais. O professor aprende na interação com os colegas, alunos, pessoas em geral, as quais influenciam suas concepções e práticas, enfrentando e resolvendo problemas de natureza variada, que surgem constantemente em seu ofício. Assim, ele (o professor) é visto como um profissional prático-reflexivo. Na prática, essa perspectiva nos convida também, no âmbito da pesquisa universitária sobre o ensino, a elucidá-la nas dimensões de um processo centrado no estudo dos saberes dos atores em seu contexto real de trabalho, visando compreender o ensino, as práticas de ensino e o professor que as produz. Além disso, a especificidade no que tange aos saberes profissionais (respeitando-se a especificidade dos conhecimentos universitários), pois a prática profissional não é um espaço de aplicação dos conhecimentos universitários, podendo ser, no melhor das hipóteses, um processo de filtração desses conteúdos que os dilui e os transforma em função das exigências do trabalho. 46


É também uma metodologia que busca ir diretamente aos lugares onde os profissionais trabalham para ver como eles pensam e falam, como trabalham na sala de aula, enfim, como transformam programas escolares para torná-los efetivos, como interagem com os pais dos alunos e com os seus colegas. Vista como uma concepção que compreende o professor enquanto um ator e profissional dotado de competências, assinalando para a valorização dos saberes profissionais dos professores; ou ainda, como um posicionamento que busca romper com o ponto de vista normativo, dentro de uma visão sociopolítica de ensino. Na perspectiva de Tardif (2002), é preciso estudar o conjunto de saberes mobilizados e utilizados pelos professores em todas as suas tarefas, pois se pretende ultrapassar as duas portas de entrada tradicionais da análise de ensino, que são a didática e a pedagogia ou a psicopedagogia, ou seja, o conhecimento da matéria ensinada (conteúdo) e o conhecimento pedagógico (dos alunos, da organização das atividades de ensino e aprendizagem e da gestão da classe) na direção de uma perspectiva ecológica do estudo do ensino em que se valoriza o trabalho do professor no cotidiano. A partir desses apontamentos, tendo o contexto das aulas de Educação Física Escolar como cenário de investigação, o presente estudo se constitui como uma investigação de natureza exploratória, cujo desenvolvimento se dá colaborativamente entre uma universidade pública paulista e uma escola municipal de Ensino Fundamental na cidade de Rio Claro, SP. Participam estudantes de um curso de formação de professores em Educação Física, um professor de Educação Física pertencente ao quadro docente da escola atuando como colaborador no campo do Estágio Curricular Supervisionado, bem como professores de Ciências Biológicas e Física, além de professores do 1º ao 5º ano e de professores especialistas da Educação Básica. Objetivos Identificar e descrever, a partir da inserção do projeto no contexto escolar, aspectos relacionados às experiências de “iniciação à docência”, nas perspectivas dos estudantesprofessores e dos professores em exercício. Caminho metodológico Participaram como sujeitos dessa investigação, 12 estudantes-professores (E1-12) e 10 professores do Ensino Fundamental do 1º ao 5º ano (P1-10). Os estudantes-professores estão matriculados nos terceiro e quarto anos em um curso de licenciatura de uma universidade pública 47


paulista. Já, os professores, são efetivos na carreira e exercem suas atividades em escola pública municipal. Optou-se metodologicamente pela pesquisa qualitativa, de natureza exploratória, tendo como instrumentos de coleta de dados: a) os registros dos encontros de formação, das leituras dos textos de Nóvoa (1992; 1999) e de Perrenoud (2003) e dos relatos desenvolvidos nas situações de docência pelos estudantes-professores; b) a fonte documental na escola (Projeto Político Pedagógico); c) a observação sistematizada das aulas na escola; e d) a entrevista. Os dados foram coletados em diferentes momentos, cada qual com finalidades específicas e foram analisados a partir de categorias determinadas anteriormente à coleta, como por exemplo, participantes e, posteriormente, pelo conteúdo apresentado nas observações e entrevistas. Uma das técnicas utilizadas para a análise dos dados diz respeito à memória coletiva que, segundo Halbwachs (1990), é a base para se constituir a memória individual. As ideias, reflexões e sentimentos que são considerados individuais, na verdade, são constituídos a partir de um grupo. E dentro deste grupo, sendo um espaço de conflitos, seus membros influenciam uns aos outros. Portanto, a memória individual é constituída através de lembranças e referências da memória coletiva, sendo assim, o individuo observa o grupo de certo ponto de vista para criar suas memórias e lembranças (HALBWACHS, 1990). Resultados e discussão Dos trabalhos desenvolvidos de abril de 2010 a abril de 2011, envolvendo as ações realizadas, foi possível identificar duas perspectivas com relação à “iniciação à docência”: um duplo movimento envolvendo a formação inicial na inserção profissional e a formação inicial e a formação continuada contemplando uma concepção de educação/formação que trata a docência como um processo de iniciação. Assim, ao considerarmos a realidade de inserção dos estudantes-professores, torna-se importante enfatizar que o processo de socialização refere-se à identificação do indivíduo com a realidade a ser socializada (TARDIF, 2002). Para Thompson (1997), esses aspectos quando identificados junto aos estudantes-professores e professores, auxiliam no processo identitário de ambos. A seguir, estão descritos parte dos resultados que diz respeito aos posicionamentos dos participantes do estudo quanto à iniciação à docência.

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Os estudantes-professores Pode-se perceber a perspectiva de uma concepção de educação que perpassa pelo ensino como um processo de iniciação (descoberta) de valores, atitudes e conhecimentos importantes. Das aulas observadas, as estratégias mais utilizadas pelos professores foram àquelas relacionadas, segundo Mosston (1992) com os estilos de ensino denominados por “comando” e “tarefa”. Esses resultados favoreceram ao contato maior do futuro professor com o cotidiano escolar, evidenciando os pontos negativos e positivos da prática docente e estimulando os graduandos a refletirem sobre como intervir na contribuição de novas estratégias e métodos de ensino no âmbito escolar. Além dos estilos de ensino utilizados pelos professores, também foram analisados o Projeto Político Pedagógico e estrutura física das escolas. A falta de valorização da profissão docente e de condições ideais de trabalho do professor foram alguns dos pontos levantados. A partir disso, outras leituras foram realizadas pelos estudantes-professores, de maneira que esse processo permitiu compreender que: 1) a aderência à docência ocorre tendo como indicativos dom, vocação, amor pelas crianças, amor pelos outros, amor pela profissão; 2) a realidade dos cursos de graduação em licenciatura de Pedagogia, Ciências Biológicas, Língua Portuguesa e Matemática no Brasil, em sua maioria, são todos pouco voltados para a Licenciatura de fato, faltando articulação entre conteúdos específicos e pedagógicos, prática e teoria não se relacionam deixando a formação docente despreparada para o campo de atuação docente, bem como as tecnologias de ensino estão ausente na maioria dos currículos, mostrando assim “o lugar secundário ocupado pela formação de professores no modelo de universidade brasileira” (GATTI e NUNES 2009); 3) a formação tem que ser contínua; a escola tem que formar o alunocidadão, crítico e criativo;

falta

interligação entre os conhecimentos, ficando no ensino

enciclopédico e na fragmentação tanto do conhecimento como do ser humano; enfim, muitas das idéias de Comenius não foram até o presente momento colocadas em práticas ou superadas. Como encaminhamento dado pelos estudantes-professores, foi proposto a realização de um projeto interdisciplinar, com objetivos voltados para a interação entre os outros grupos participantes do programa institucional ligado à iniciação à docência (PIBID/CAPES) da instituição superior em que os estudantes-professores estavam matriculados. Além da Educação Física, os grupos dos cursos de licenciatura em Física e Ciências Biológicas também farão parte desse projeto, cujo tema diz respeito à bioenergética. Nessa proposta, o grupo da Educação Física terá por função desenvolver, questões ligadas ao consumo de energia no exercício físico, enquanto que o grupo da Física partirá dos conceitos físicos de energia e como ela se transforma no corpo humano, ficando para o grupo de Ciências Biológicas a questão da nutrição. 49


Outro encaminhamento foi a criação do projeto “Profissão Professor: o desafio do século” ao se resgatar o percurso da profissão docente a partir da modernidade, tendo como manifestação o descontentamento de alguns estudantes do grupo com relação ao preconceito à profissão docente. Os objetivos dessa proposta dizem respeito ao incentivo e à valorização da carreira docente por meio da desmistificação e da necessidade de se conhecer mais sobre o ensino. Os professores Partindo da reflexão para a ação, após a observação das aulas dos professores, partiu-se para um diálogo com eles para que o projeto a ser desenvolvido fosse explicitado em termos de objetivos, conteúdos e estratégias a serem utilizadas. Como encaminhamento, um dos professores relatou que seria interessante ter uma vez por mês reuniões com a finalidade de apresentar, discutir e refletir sobre a possibilidade de realização de oficinas pedagógicas (atividade prevista no projeto), pois possibilitaria “descobrir na verdade o que você faz, você faz tão automático que você não consegue visualizar” (Participante 1). Nesse sentido, observamos que o reconhecimento da própria prática veio à tona, deixando os professores mais próximos daquilo que fazem. Observamos que o “saber fazer” não era suficiente, aflorando, neste momento um “saber do saber fazer”, este pressupõe, segundo Houssaye (apud FRANCO, 2008), um professor com papel ativo, crítico e reflexivo sobre o conhecimento disponível no que tange aos fundamentos da prática. Entretanto, podemos destacar que atualmente os professores têm sido, “expropriados de seus saberes e deslegitimados como produtores de conhecimentos” (SARTI, 2008, p. 54), ocorrendo com isso uma desvalorização daquilo que conhecem. Os docentes não são considerados atores do processo de ensino, nem possuidores de um papel ativo no cotidiano escolar, que produzem conhecimento e são produzidos como profissionais durante seus trabalhos como professores. Porém, reconhecemos que o professor é um sujeito do conhecimento, alguém que produz e possui teorias, conhecimentos e saberes da ação que produz ao ensinar (TARDIF, 2002). Outros professores relataram sobre a importância da oficina e a valorização da teoria enquanto fundamentação da prática, com a ressalva de que estas devem caminhar juntas e não distantes: [...] o mais interessante, é que está falando de uma coisa prática, porque o que acontece é que muitas vezes que a gente da escola tem resistência à universidade, porque vem impor uma teoria, que [...] na prática tem diferenças, então quando a gente vem lidar com a questão prática, contribui bastante com o trabalho que a gente realiza aqui na escola, que é prático, embora a gente tem

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que ter sempre uma teoria pra refletir sobre o trabalho que a gente realiza na prática, mas aqui o nosso trabalho ele é, ele se define nisso, uma prática [...] (Participante 2).

Com isso podemos nos reportar ao que a teoria pode oferecer aos professores enquanto reflexão profissional com vistas à transformação de suas práticas: “o papel da teoria é oferecer aos professores perspectivas de análise para compreenderem os contextos históricos, sociais, culturais e de si mesmos como profissionais, nos quais se dá sua atividade docente, para neles intervir, transformando-os” (PIMENTA, 2000, p. 92). Na continuidade da oficina, outros professores emitiram suas opiniões com relação à escola, formação inicial, estágio, clientela que se atende, modo de aceitação das crianças perante as aulas. Entretanto, o foco maior foi na questão da teoria e da prática e como ocorre o aprendizado de ambas. Eu acho que existem alguns conhecimentos que é como você falou, não se aprende na universidade, a gente só vai aprendendo ali na prática, [...] no dia a dia. Agora eu acho que falha um pouco nesta questão da formação do professor, é justamente na universidade se aproxima mais da prática, que é o que eu acho que o projeto PIBID tem isso de bom, trazer o aluno para a prática realmente, para ele usar a teoria que ele aprende na universidade, os fundamentos da educação para analisar essa prática [...]. Porque, por exemplo, vou falar da minha formação, que embora, por ser uma universidade renomada e tudo o mais, acredita-se que o professor que sai formado da Universidade Y, é um excelente professor porque é uma excelente universidade. Mas é uma formação bastante teórica, então quando eu me vi numa primeira série, com 29 alunos [...] quando eu iniciei minha carreira [...] a clientela lá era bastante é complicada, porque atendia alunos de [...] uma favela, eu me vi assim: parecia que aquela teoria era tão completa, tão..., que eu me vi diante daqueles alunos com vivências assim totalmente diferentes da que eu tive, e tive que lidar com aquilo e nem sempre a teoria podia nos ajudar. Então eu acho que essa relação entre teoria e prática ficou muito distante da universidade durante um tempo que eu acho que agora esta sendo retomada essa questão da prática mesmo, da teoria enquanto reflexão em cima da prática, não distante mais [...] (Participante 2).

A distância entre universidade e escola, entre o universo discursivo e o universo pragmático (PERRENOUD, 2001) respectivamente, é sempre muito relatada e fundamentada por pesquisadores no assunto. Nesse sentido, Pimenta (2002, p. 52) afirma, que os cursos de formação de professores, “[...] nem fundamenta teoricamente a atuação da futura professora, nem toma a prática como referência para a fundamentação teórica. Ou seja, carece de teoria e prática”. Entretanto, não descartamos a importância de ambas no processo de formação, assim, Borges (2008), ao citar Perrenoud (2001), diz que mesmo admitindo que toda prática comporta teoria e que toda teoria comporta uma prática, a aprendizagem da profissão docente não se faz 51


por simples absorção, apenas por estar submergido no “banho da prática”. Isso porque se faz necessário um trabalho de reflexão e de questionamento das ações realizadas em contexto escolar, com a ajuda das teorias que passam a ser ferramentas de interpretação e de reinvestimento na ação. Através desses relatos observamos que mesmo que o professor realize um trabalho de cunho prático, há a necessidade de se ter um respaldo teórico. Porém, esta teoria, na qual a prática deve ser encaixada, não deve ser fixa, mas sim, ao contrário, esta teoria deve estar livre para que os professores possam movimentá-la de acordo com sua necessidade, contextualizada no trabalho docente. E, como forma de complementar, “a teoria adquire significado no confronto com os problemas da prática” (FRANCO, 2008, p. 114). Considerações finais Neste estudo, os dados encontrados na identificação da proposta de se introduzir estudantes e professores no projeto de “iniciação à docência”, bem como na elaboração de práticas educacionais inovadoras e troca de experiências entre estudantes e professores vislumbram perspectivas promissoras em curso, com relação à docência. Por meio das atividades realizadas, tem se constatado algumas mudanças operacionais tanto no trabalho de grupo, no resgate da memória vinculada à docência como profissão, assim como nas ações exercidas pelo grupo, na medida em que este foi tornando o seu objeto de estudo e prática mais próximo da realidade. Dessa constatação, observa-se um maior envolvimento dos participantes e uma aproximação com os professores da escola, diminuindo a distância da realidade discursiva da universidade para a realidade pragmática da escola. Outro aspecto que vem em evidência é a dimensão afetiva proveniente do convívio desses estudantes que levou a um estreitamento de laços e a uma relação interpessoal forte. Pela análise dos relatos dos estudantes-professores, há indícios de um amadurecimento geral para a formação de um grupo coeso, em que todos trabalham com afinco para alcançar as mesmas metas. Esse relacionamento é imprescindível para um grupo, pois leva todos ao esforço coletivo para alcançar objetivos cada vez mais desafiadores, na busca pela resolução dos problemas diários. Assim, houve um avanço em relação ao embasamento teórico e às discussões realizadas, tornando-se mais profundas e densas, à medida que o grupo foi absorvendo a essência do projeto, incluindo aqui os professores da escola. 52


No geral, esse processo tem sido positivo para a gestação da docência como um processo de iniciação, no qual professores-estudantes e professores em exercício podem (re)descobrir valores, atitudes e conhecimentos. Referências BORGES, C. M. F. O professor de educação básica e seus saberes profissionais. Araraquara, SP: JM, 2004. BORGES, C. M. F. Um travessão da física da Formação docente em Educação Quebec: saberes, Espaços e culturas... In: Anais do XIV ENDIPE. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2008, p. 147-174. BRASIL. Ministério da Educação. Resolução CNE/CP 1, de 18 de fevereiro de 2002a. Diário Oficial da União, Brasília, 4 de março de 2002. Seção 1, p. 8. ______. Resolução CNE/CP 2, de 19 de fevereiro de 2002b. Diário Oficial da União, Brasília, 4 de março de 2002. Seção 1, p. 9. CARVALHO, A.M.P.; GIL-PÉREZ, D. Formação de professores de Ciências. São Paulo: Cortez, 1993. (Coleção Questões da nossa época). CONTRERAS, J. Autonomia de professores: os valores da profissionalização e a profissionalidade docente. São Paulo: Cortez, 2002. FRANCO, M. A. S. Entre a lógica da formação e a lógica das práticas: a mediação dos saberes pedagógicos. In: Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 34, n. 1, p. 109-126, jan./abr. 2008. GATTI, Berndete. A.; NUNES, Marina Muniz R. (orgs.). Formação de professores para o Ensino Fundamental: estudo de currículos das licenciaturas em Pedagogia, Língua Portuguesa, Matemática e Ciências Biológicas. São Paulo: FCC/DPE, 2009. HALBWACHS, M. Memória coletiva. São Paulo: Vértice, 1990. HOLMES GROUP, Tomorrow´s teachers: a report of the Holmes Group. EUA: Holmes Group, 1986. LIMA, S.; REALI, A. M. M. R. O papel da formação básica na aprendizagem profissional da docência (Aprende-se a ensinar no curso de formação básica?). In: REALI, A. M. M. R. ; MIZUKAMI, M. G. N. (orgs). Formação de professores, práticas pedagógicas e escolas. São Carlos: EdUSFCar, INEP e COMPEd , 2002, p. 217-235. MARCELO, C. Formação de professores para uma mudança educativa. Porto: Porto Editora, 1999. (Coleção Ciências da Educação - século XXI). MIZUKAMI, M. G. et al. A reflexão sobre a ação pedagógica como estratégia de modificação da escola pública elementar numa perspectiva de formação continuada no local de trabalho. Anais I do Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino – ENDIPE, Águas de Lindóia, 53


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Capítulo 4 Estágio supervisionado: uma realidade possível Josélia Maria da Silva Carlos Maria Ione da Silva Marcos Antonio da Silva Dimas Anaximandro da Rocha Morgan Introdução O presente estudo foi resultado das experiências vivenciadas na disciplina Estágio Supervisionado IV do curso de licenciatura em Educação Física. Pretende-se, no decorrer deste, relatar o desenrolar de todas as atividades desenvolvidas durante a referida disciplina. A princípio, iremos buscar junto à Resolução nº 32/2010 do CONSEP/UERN, no sentido de mostrar a legitimidade e importância do estágio para a formação nos cursos de licenciatura, em seguida, faremos um relato das fases que compõe o estágio supervisionado IV (observação, participação, docência e atividade complementares) e, dando sequência, sugerimos alguns modelos de aulas temáticas. O Estágio Curricular Supervisionado se tornou uma atividade obrigatória em 16 de junho de 1987, por meio da Resolução nº 03 do Conselho Federal de Educação (CFE), na qual cada Instituição de Ensino Superior deveria adequá-la ao contexto da instituição bem como da escola. Esta atividade se solidifica como um meio essencial na formação inicial profissional, pois segundo a Resolução n° 32/2010 do CONSEPE, permitirá que o estagiário se insira na complexa e concreta multiplicidade de situações de atuação vivenciadas na escola básica e em outros contextos educacionais em que possa identificar problemas, propondo alternativas para o enfrentamento destes, além de constituir ambiente propício de articulação teoria-prática na efetivação da formação docente. É um meio pelo qual o estagiário irá traçar estratégias para sua atuação futura, além dele refletir acerca das práticas observadas, estudadas, para que, conforme Pimenta (2010) a atividade de estágio não fique reduzida à “hora da prática”, ao “como fazer”. Deve ser algo além de um processo técnico, passando a ser uma ação reflexiva. Segundo a Resolução nº 36/2010 do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CONSEPE), em seu Art. 2º o Estágio Supervisionado,

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é concebido como um campo de conhecimento teórico-prático e interdisciplinar, que possibilita ao educando a aproximação, reflexão, interação e atuação no contexto social, ético, político, tecnológico, cultural e educacional, no qual o trabalho docente está inserido, configurando-se, assim, como espaço de convergência dos conhecimentos científicos pertinentes a cada área e das experiências pedagógicas, vivenciadas no decorrer dos cursos, sendo essencial para a formação de competências docentes do futuro profissional licenciado (p. 2).

Dessa forma, funciona como uma janela do futuro, em que o estagiário tem a possibilidade de conhecer o ambiente de trabalho, vivenciá-lo, tirar suas dúvidas, além de contar com um professor supervisor para lhe orientar em todas as atividades, desde planejamento até a execução. Nesse sentido, podemos considerá-lo como elemento significativo no processo de formação profissional. Sendo assim, compreendemos que este é o momento em que o aluno-estagiário tem a oportunidade para refletir e intervir no seu ambiente de trabalho futuro e que, consequentemente, contribuirá para a formação da sua identidade, enquanto profissional de Educação Física, pois diante das experiências vivenciadas durante esse período de estágio, o sujeito – aluno poderá se indagar: - Como serei enquanto professor? Como deverei agir em tais situações? Qual postura deve adquirir enquanto professor de Educação Física? - para que, dessa forma, o profissional de Educação Física possa dar sua contribuição para a sociedade, já que “a prática da educação é uma prática social” (SACRISTÁN, 1998, p. 23), em que devemos oferecer meios, com diversos caminhos, para os alunos adquiram conhecimentos, tornando-os capazes de conviver em sociedade. Numa perspectiva simbólica, Santiago e Fumes (2005, p. 39) nos diz Que a universidade representa o campo do saber, lugar onde o conhecimento é produzido, o campo de logos, da razão. O estágio supervisionado foi idealizado como um momento de vivência e reflexão acerca da síntese entre saber produzido (ou reproduzido) dentro do curso e a possível ação prática do professor na escola.

O Estágio Supervisionado IV desenvolveu-se na Escola Estadual “Professora Maria Edilma de Freitas”, com alunos do 1º ano matutino do Ensino Médio, como estabelecido pelas normas do Projeto Político Pedagógico do curso de Educação Física, no qual prever a realização deste no referido grau de ensino supracitado. As aulas de Educação Física no Ensino Médio como estabelece a LDB (Lei 9.394/96) possuem como finalidades consolidar e aprofundar os conhecimentos adquiridos no Ensino Fundamental, possibilitar o prolongamento dos estudos, entre outros pontos. Porém, 56


costumeiramente, as pesquisas vêm demonstrando, como bem relata Moreira (1993), que os conteúdos lecionados nesse grau de ensino estão sendo inclinados a um prolongamento com os esportes, sendo utilizada a mesma metodologia e a aprendizagem de fundamentos e, ainda, em algumas escolas, o aprofundamento tático das modalidades. Tendo em vista a realidade relatada em pesquisas, as atividades do estágio com base na LDB e ainda norteadas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998), tiveram como objetivo a inclusão do aluno na cultura corporal do movimento, por meio da participação e reflexão concretas e efetivas, haja vista, que nessa fase, em decorrência das mudanças físicas, fisiológicas, emocionais, psíquicas, oriundas da adolescência, as aulas de Educação Física se torna uma peça fundamental, que poderá permitir compreensão do porquê dessas mudanças. Metodologia A realização desse estágio ocorreu a partir de um planejamento que teve como ponto culminante a realidade diagnosticada através das fases de observação e participação, em que pôde ser identificado que as aulas de Educação Física se restringiam apenas a aulas expositivas, nas quais o professor copiava textos na lousa. Observou-se que os alunos tinham vontade e interesse em vivenciar os conhecimentos adquiridos em sala de aula na prática. De acordo com o que foi diagnosticado, o planejamento foi desenvolvido com intuito de oportunizar atividades de cunho teórico-prática, como: oficinas pedagógicas envolvendo os conteúdos da Educação Física Escolar (esporte, ginástica, dança, jogos) e temas emergentes (alcoolismo, bullyng, drogas, obesidade entre outros). A metodologia utilizada foi a Pedagogia da Problematização. Nesse processo, o aluno passou a ser o centro do processo ensino-aprendizagem. A Pedagogia da Problematização, segundo Bordenave ( 2001, p. 265), parte da base que, em um mundo de mudanças rápidas, o importante não são os conhecimentos ou idéias nem os comportamentos corretos e fáceis que se espera, mas sim o aumento da capacidade do aluno – participante e agente da transformação social – para detectar os problemas reais e buscar para eles soluções originais e criativas.

Desenvolvimento O Estágio Supervisionado IV em todas as suas fases (observação, participação e regência) concretizou-se na Escola Estadual “Professora Maria Edilma de Freitas”. As fases de observação 57


e regência ocorreram simultaneamente, tendo em vista que a turma era a mesma do Estágio Supervisionado III, ou seja, a turma daria continuidade às estratégias pedagógicas traçadas em outrora. A escola se apresentou organizada em sua estruturas física, administrativa e pedagógica. Tratando-se da estrutura física, a referida escola conta com 09 salas de aula, todas em um bom estado de conservação, pois apresentou paredes limpas, carteiras conservadas e limpas, além de todas as salas possuírem lousas. Vale salientar que a estrutura se apresenta como tal, graças a um projeto elaborado pela escola, o qual se constitui na colaboração dos alunos para pintarem a escola e a se comprometerem a conservá-la, tendo em vista que eles vivenciaram as dificuldades tanto para a aquisição do material como para utilizá-lo. Nessa escola encontramos também sala de multimídia com data show, computador, TV, caixa de som, DVDs e CDs pedagógicos de todas as disciplinas. Com referência à Educação Física, nos deparamos com DVDs que falavam da alimentação, dos benefícios do esporte, da história do futebol, entre outros. Continuando a descrição da estrutura física, verificou-se a presença de uma biblioteca com vários livros, entre os quais, uma enciclopédia que continha a história dos esportes, da ginástica, da dança, da capoeira, além de mapas do corpo humano. Encontrou-se uma sala de computação em estado de utilização com 10 computadores funcionando e com acesso a internet; uma sala de professores, com arquivos que continham os planos anuais de todas as disciplinas, o Projeto Político Pedagógico da Escola, os Projetos Multidisciplinares elaborados pelos professores; uma sala para o funcionamento da secretaria; uma sala para a guarda do material esportivo; uma sala ampla para a cozinha; um galpão grande, que serve de local para realizar as reuniões com os pais, para os alunos lancharem e para atividades culturais e extra classe; banheiros para os funcionários e para os alunos, inclusive com banheiros adaptados para pessoas com deficiência. Com relação a este assunto, a escola recebeu no final do 1º semestre acessibilidade em toda sua estrutura física. Porém, no tocante a espaços destinados a práticas corporais, que exigem amplitudes de movimentos, não identificamos nenhuma quadra esportiva, apesar de termos constatado que a escola possuía bastante bolas, cordas, redes de futebol, de voleibol, raquetes de pingue-pongue etc. Tratando-se agora da parte administrativa, a escola, por meio de eleições que ocorrem de forma bianual, dispõe de um diretor, um vice e um coordenador financeiro, eleitos pela comunidade escolar. Vale salientar que esses gestores ainda lecionam na escola disciplinas da área na qual são formados e que, também, a partir deles, houve a elaboração de um manual de regras para facilitar a convivência entre professores, alunos, funcionários, partindo primeiramente deles, 58


do devido fardamento e do uso do crachá. A escola adota o uso de um “Passaporte” para os alunos que estão fora da sala de aula. Na parte pedagógica, constatamos no turno matutino uma supervisora, uma coordenadora pedagógica, que têm como função orientar os professores, em todos os assuntos referentes ao aluno, ao material didático, às reuniões, ao preenchimento de ponto, à elaboração de projetos e à execução de reuniões. As atividades desempenhadas durante a fase de regência foram desenvolvidas baseadas no livro Educação Física na adolescência: construindo o conhecimento na escola, dos autores Mattos e Neira, que teve como objetivo maior fazer com que os alunos conhecessem a Educação Física e os conteúdos constituintes, de modo que estes pudessem levar o conhecimento para a sua vida fora da escola, ou seja, que conhecessem e praticassem, no seu dia-a-dia, as mais diversas atividades culturais que trata a Educação Física. A concepção de aula utilizada foi a crítico-emancipatória, que conforme Henklein e Silva (apud KUNZ 2004, p. 2), tem por objetivo a formação de sujeitos críticos e autônomos para transformação (ou não) da realidade em que estão inseridos, por meio de uma educação de caráter crítico, reflexivo e fundamentada no desenvolvimento de três competências: 1) A competência objetiva, que visa desenvolver a autonomia do aluno através da técnica; 2) A competência social, referente aos conhecimentos e esclarecimentos que os alunos devem adquirir para entender o próprio contexto sócio-cultural; 3) A competência comunicativa, que assume um processo reflexivo responsável por desencadear o pensamento crítico, e ocorre através da linguagem, que pode ser de caráter verbal, escrita e/ou corporal.

A escolha desta perspectiva de ensino foi pensada a partir da faixa etária da nossa amostra do estágio, alunos do 1º ano do Ensino Médio, com a média de idade entre 15 a 16 anos, a maioria deles, sedentários. Para a construção dos planos de aula buscamos trabalhar com os conteúdos específicos da Educação Física, sendo estes conduzidos por temas relevantes para a faixa etária elencada. Segundo as Orientações Curriculares para o Ensino Médio, a [...] articulação de temas e conteúdos, envolvidos pelo tratamento pedagógico, dará condições ao professor de fazer a Educação Física cumprir algumas de suas perspectivas em relação à formação de seus alunos, dentre elas a questão da autonomia sobre as práticas corporais, o acúmulo e a produção cultural a partir dos conhecimentos construídos e a capacidade de intervenção político social acerca das definições públicas na organização e gestão política do espaço, dos equipamentos e dos serviços públicos para as práticas corporais da comunidade (BRASIL, 2006, p. 230).

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As duas primeiras aulas trataram da discussão acerca do que era Educação Física e dos conteúdos que ela trata. As quatro aulas posteriores discorreram sobre os princípios básicos da atividade física. Nas duas primeiras, foi exposto e discutido cada princípio de forma individual e depois conjunta e, nas outras duas aulas, os alunos sob a orientação da professora-estagiária montaram um programa de atividade física, pautado no respeito aos princípios básicos que essa atividade requer. As quatro aulas subsequentes trataram da alimentação. Primeiramente discutimos o porquê de nos alimentarmos e qual a função dos alimentos para o ser humano. Feito isso, questionamos: Se é através dos alimentos que adquirimos

a energia necessária para

desempenharmos nossas atividades e obtemos também os nutrientes necessários para o funcionamento adequado do nosso organismo, por que a maioria das doenças dos seres humanos está relacionada à alimentação? Em sua maioria, os alunos responderam que era devido à má alimentação. Após a resposta encontrada, a nossa discussão foi direcionada para todas as doenças que tem como causa principal a má alimentação. Depois foi exposto um vídeo explicativo sobre os benefícios de cada fruta para a saúde, sua função desempenhada no corpo humano e o valor calórico. Por último, os alunos listaram a quantidade de calorias que ingeriam diariamente e o total de caloria que eles gastam também diariamente. Chegaram à conclusão de que todos consumiam mais do que perdiam. Sendo assim, o aluno estagiário iniciou mais uma vez a discussão acerca dos benefícios da prática de atividade física. Diante da realidade encontrada, as aulas passaram a acontecer na quadra esportiva da UERN, no horário vespertino. Essas aulas ocorreram em forma de jogos como: futsal, voleibol e handebol. Após terem vivenciado essas modalidades, os alunos analisaram qual delas o grupo teve mais dificuldade. Todos os jogos foram direcionados para a solução de problemas, ou seja, os alunos, no momento que executavam as atividades, analisavam simultaneamente o seu desempenho e quando este era negativo, idealizava uma solução. Ou seja, o aluno-estagiário propunha as atividades para os alunos desenvolverem e quando estes não estavam conseguindo executar a atividade proposta, sugeria-se uma nova maneira de execução, acrescentando dificuldades. A todo momento, o alunado era instigado a refletir, a pensar e a buscar de forma conjunta a solução.

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Dos jogos propostos, os alunos se sobressaíram melhor nos jogos de futsal e de handebol. Já com relação aos jogos de voleibol, os alunos não obtiveram um bom desempenho, no sentido de que eles não conseguiam conduzir a bola. Como solução, foram destinadas mais três aulas para a realização de jogos de voleibol. Assim, partiu primeiramente de exercícios para aprimorar a coordenação motora, o deslocamento lateral e frontal, o passe, a recepção, o saque e o levantamento. Vale ressaltar que essas atividades não foram feitas de modo repetitivas ou de forma semelhante ao treinamento do esporte de rendimento, mas sim, por meio de jogos lúdicos, de modo que, sem que os alunos percebessem, estavam melhorando suas capacidades físicas relacionadas ao voleibol, bem como, tomando consciência da necessidade de comunicação, da autonomia, do respeito ao espaço do outro, algo indispensável para a execução de um jogo. Após a realização dessas atividades, os alunos vivenciaram novamente todos os jogos de voleibol e os problemas puderam ser resolvidos com mais facilidade. No final da aula, perguntamos o que havia contribuído para a melhora do desempenho deles e eles responderam que foram as brincadeiras realizadas, as quais proporcionaram uma melhora no controle com a bola e na comunicação entre eles. Totalizaram, dessa forma, 19 aulas. O restante das aulas foi desenvolvido em forma de oficinas pedagógicas, pois a escola entrou em processo grevista. Atividades complementares A primeira atividade realizada foi um seminário sobre bebidas alcoólicas, na Escola Estadual “Professora Maria Edilma de Freitas” no dia 06 de maio e 2011, com duração de quatro horas. Esse seminário foi intitulado de E daí se eu quiser farrear toma todas no bar, o que é que tem? Na execução desse seminário, começamos a abordar o lado “humorístico” da bebida, através de vídeos de pessoas com estado psicológico e motor visivelmente alterado. Posteriormente, passamos para o lado científico, explicando os efeitos que a bebida causa no organismo desde o primeiro gole até as inúmeras garrafas ingeridas. Por último, apontamos o lado triste, de quem bebe de forma irresponsável e vai dirigir. As outras horas de atividades complementares foram desenvolvidas oficinas pedagógicas que tratavam dos benefícios da prática da atividade física, dando continuidade assim, ao objetivo principal do estágio, como foram citadas anteriormente. Na primeira oficina, ocorrida na sala de ginástica da UERN, foram realizados circuitos com objetos como cordas, cabo de vassouras etc., com exercícios simples, como: abdominais, 61


pole chinelos, flexão, entre outros, com o intuito de que os alunos percebessem que poderiam praticar atividade física em casa. As duas últimas oficinas compreenderam a uma aula de step e jump realizadas também na sala de ginástica da UERN, oportunizando, assim,

aos alunos

conhecer e vivenciar este tipo de atividade física, até então desconhecida por todos. As oficinas foram um sucesso, com 100% de participação. Os alunos gostaram bastante das aulas de jump, step e dos circuitos, acharam muito divertido. A avaliação da oficina sobre bebidas alcoólicas foi positiva, pois os alunos puderam refletir sobre os males que a bebida pode ocasionar tanto à saúde como os acidentes gerados por pessoas bêbadas. É necessário comentarmos um pouco mais a importância de se trabalhar com esses temas, apontados acima, nas aulas de Educação Física. Para isto é necessário elencarmos os seguintes pontos: a) primeiramente temos que compreender e entender que a função da escola é de permitir que o aluno compreenda a sociedade em que ele vive, a ponto de interpretá-la e transformá-la; b) segundo, o aluno do Ensino Médio está passando por diversas modificações de ordem fisiológica, psicológica e física. Compreendendo estes aspectos teremos a capacidade de relacionarmos os conteúdos específicos da Educação Física (esporte, jogo, dança, lutas, ginástica) com temas que atendam à função da escola, às mudanças ocorridas na fase da adolescência, de modo a fazer com que os conteúdos lecionados na escola contribuam de forma satisfatória para a construção da identidade dos jovens. Nesse sentido, os conteúdos vivenciados na escola passaram a ter um sentido/significado para os alunos, deixando de lado a concepção de meros conteúdos listados, sem significância alguma. E isto poderá ser refletido na aprendizagem, na aceitação de si próprio, nas escolhas que irá realizar, ou seja, a Educação Física estará fazendo um diferencial, indo mais além da preparação para o vestibular e o mercado de trabalho. A seguir, apresentaremos nossa proposta de oficina temática no Ensino Médio. Pensada a partir do “modelo” de pessoa gerado pelo verso da música, que nos propõe diversas e dúbias interpretações. Dessa forma, esta desperta a curiosidade dos jovens em saber o que será discutido através do titulo da música. OFICINA 1: “E daí se eu quiser farrear, tomar todas no bar o que é que tem?” Na sociedade contemporânea mais de um milhão de pessoas morrem vítimas de acidentes de trânsitos, causados pelo uso abusivo de bebidas alcoólicas. Em relação ao Brasil, a situação se torna ainda mais preocupante, quando nos deparamos com os dados da pesquisa realizada por 62


uma equipe do Programa Acadêmico sobre Álcool e outras Drogas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) , na qual demonstra que dos acidentes com vítimas fatais, o álcool estava presente em cerca de 75% dos casos (FAPESP, 2007). A escola tem um papel crucial na prevenção ao uso de drogas, quer sejam de uso lícito, como o álcool e o tabaco, ou ilícito, já que as crianças e adolescentes vivenciam uma fase caracterizada por intensos processos de aprendizagem, pela busca de identidade própria e por mudanças físicas, cognitivas, emocionais e sociais. Nessa perspectiva, se faz necessário estabelecermos uma ponte entre os conhecimentos específicos da área da Educação Física com temáticas do cotidiano dos nossos alunos, no intuito de informamos, orientarmos qual o melhor caminho a ser seguido, já que estes estão em processo de construção do seu eu. Ou seja, promovermos a reflexão sobre como devemos construir nosso eu? O que devemos usar na formação desse eu? O que é necessário? Nesse sentido, este trabalho objetiva a realização de uma oficina sobre bebidas alcoólicas, como componente das atividades complementares do Estágio Supervisionado IV, que será realizada na Escola Estadual “Professora Maria Edilma de Freitas” com alunos do 1º ano matutino, já que se constatou o uso de bebidas alcoólicas pela grande maioria da sala. Esta oficina almeja abordar o assunto a partir de fatos do cotidiano dos adolescentes como as comunidades do Orkut que se referem à bebida, aos vídeos de caráter cômico de pessoas bêbadas do you tube, para assim adentrarmos na fisiologia sobre os efeitos do álcool, mostrando como o álcool age no corpo humano e, diante desses efeitos que o álcool causa no nosso organismo, através de vídeos, mostraremos a vida, os sonhos destruídos por acidentes causados por pessoas que estavam dirigindo alcoolizada. Durante a demonstração dos vídeos de caráter cômico e das comunidades do Orkut, os alunos riram bastante, deram sugestões de outros nomes para as comunidades, viram vizinhos, familiares, amigos nos vídeos, enfim, enfrentaram o problema como uma piada. No segundo momento, expomos os efeitos fisiológicos do álcool, como ele age no organismo do ser humano a partir do primeiro gole até a ingestão de várias garrafas. Para isso, utilizou-se imagens variadas das partes do corpo humano que estão envolvidas nesse processo. Foi exposto como o organismo absorve e metabolizam o álcool, as mudanças que este ocasiona. Os alunos nessa etapa se mostraram muito “espantados” com a dimensão dos efeitos do álcool sobre o corpo humano. Nesse ponto foi feito uma ligação em que se apontou e explicou-se o percentual de bebida permitido para se ingerir e dirigir, estabelecido pelo Código de Trânsito brasileiro.

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No momento posterior, apontamos as imagens de acidentes causados por artistas famosos brasileiros e internacionais, que estavam alcoolizados no momento do acidente e o que estes tiveram que responder perante a justiça, no qual se elencou as diferenças das leis brasileiras e internacionais, em que estas últimas são mais rígidas. Por último, mostramos um vídeo que contava a história de Jaqueline Saburido, que teve 90% do corpo queimado em um acidente ocasionado por um jovem embriagado. Este casou espanto e comoção dos alunos, tanto pela história contada, quanto pela sequência de imagens apresentadas no vídeo. OFICINA 2: O jogo como instrumento metodológico para a aprendizagem nos esportes A aula teve como conteúdo jogos de voleibol. Inicialmente foi feita uma sondagem sobre o conhecimento que os alunos possuíam sobre as diversas formas possíveis de se jogar voleibol. Qual a melhor? A que passa na TV ou aquela em que não se faz necessário utilizar uniformes, acessórios para a proteção, patrocinador? Após esta discussão e reflexão, realizou-se o alongamento e aquecimento, no qual se elencou a importância de alongar e aquecer, haja vista que estes conhecimentos foram elencados nas primeiras aulas que tratarão dos princípios básicos do treinamento. Dessa forma, os alunos mesmo puxarão o alongamento e aquecimento. A primeira atividade proposta pelo professor foi a seguinte: a turma dividida em dois grupos e cada grupo, antes de passar a bola para o time adversário, teria que fazer com que cada componente tocasse na bola pelo menos uma vez. Os alunos, de início, disseram: “ah, professora, isso é moleza!” “fácil demais!” Porém, quando começaram a jogar, eis que sugiram os problemas, entre eles a bola não conseguia ser posta em jogo, porque ficava na rede, ou quando passava da rede, os componentes do grupo não conseguiam fazê-la passar pela sua equipe. Após muitas reclamações, dentre elas que se fosse do jeito “certo” eles saberiam jogar, resolveu-se modificar o jogo e foi proposto o seguinte: a bola teria que tocar uma vez no chão para os alunos darem o passe, salientando que cada grupo só poderá dar três toques. A situação parecia estar melhorando, pelo menos a bola estava ficando mais em jogo. No entanto, os alunos não tinham coordenação ou não executavam o fundamento do passe da recepção de maneira adequada, de modo que o jogo não tinha continuidade e já se tornava desestimulante.

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Como solução para os alunos apontaram apenas que se o voleibol fosse jogado da maneira “correta”, ou seja, como era transmitido na TV, que era a forma que eles conheciam iria dar certo. Nesse sentido, a solução foi acatada e os alunos jogaram da maneira dita por eles “correta”. Porém, o jogo não teve também continuidade, os pontos eram marcados apenas pela equipe que realizava o saque. Sendo assim, resolveu-se terminar a aula, frisando que o problema não era a maneira “errada” ou “certa” e sim a necessidade de diálogo, do trabalho em equipe, do aprimoramento dos fundamentos do voleibol, da melhora da coordenação, da agilidade, da velocidade. Com estes argumentos a professora-estagiária tentou persuadir os alunos, de modo que estes compreendesse que o aprendizado dos pontos elencados acima, vaziam-se necessários para o desenrolar do jogo. Salientando que a aprendizagem dos fundamentos e o desenvolvimento das capacidades físicas, como agilidade, velocidade, eram importantes para que o jogo pudesse acontecer de fato, que a bola fosse posta em jogo, que não caísse facilmente, que tornasse o jogo divertido, alegre, prazeroso. Diferentemente do jogo de voleibol transmitido pela TV, em que a aprendizagem dos fundamentos e o desenvolvimento das capacidades físicas tinham como foco apenas o rendimento esportivo, a vitória. Nessa perspectiva, como matriz teórica, utilizamos a teoria crítico-emancipatória que intenciona a formação de alunos para além da prática de esportes, na qual faz uso da encenação do esporte, orientada numa perspectiva problematizadora do ensino, que pretende conforme KUNZ (2004, p. 74) Evidenciar e esclarecer o problema básico na encenação do esporte; destacar a importância das situações de encenação e seu significado individual e coletivo; favorecer a responsabilidade individual e coletiva no processo de encenação do esporte; aceitar diferentes situações para diferentes situações de encenação; orientar-se nas vivências e experiências subjetivas dos participantes, para problematizar sempre novas situações.

Levando em consideração a aula anterior, o objetivo da próxima aula seria trabalhar os fundamentos e as capacidades físicas, como também a interação e o trabalho em equipe. Ao término das atividades, foi observado uma melhora satisfatória no desenvolvimento dos alunos, como também foi questionado os motivos que os conduziram a um melhor desempenho nas atividades. Todos os discentes reconheceram que os avanços estavam relacionados à interação entre eles (motivação), o que resultou numa melhora técnica e física. Posteriormente, eles puderam vivenciar o jogo de voleibol como visualizavam na TV, como um meio de reafirmar as questões debatidas na reflexão. 65


Considerações Finais O Estágio Supervisionado IV foi o fechamento de um ciclo, pois passamos por três estágios anteriores. Certo que cada estágio foi com uma população diferente, mas todos contribuíram para o desenvolvido da prática em sala de aula, fazendo com que as dificuldades fossem sendo diminuídas, à medida que adquiríamos experiências para agirmos nas diversas situações imposta no campo de trabalho. Nesse estágio foi notório que se relacionar com adolescentes requer muita sabedoria, porque esta é uma fase difícil para os próprios adolescentes, pois há momentos em que estes se acham adultos, em outros, se veem como crianças. São muitas mudanças e eles não sabem como lidar com isso. Nesse sentido, acredita-se que o objetivo desse estágio foi alcançado, tendo em vista que trabalhamos com atividades que contemplaram os interesses de muitos, já que todos na sala eram sedentários, fora do peso ideal. Além de contribuirmos para que os alunos adquirissem conhecimentos sobre exercícios que podem ser realizados, por exemplo, em casa, contribuímos também para que eles tivessem esclarecimentos a respeito de alguns exercícios realizados nas academias, devendo em ambos os casos respeitar os princípios básicos do treinamento. Podemos afirmar que o Estágio Supervisionado foi uma disciplina imprescindível para a nossa formação profissional, de modo que esta permitiu o contato com a ambiente de trabalho, durante o período de formação, proporcionando, dessa forma, aliarmos a teoria e a prática, embora muitas vezes a teoria ser distante da prática e vice-versa. Com a realização desta atividade, podemos inferir a grande contribuição em termos de experiências que o estágio supervisionado IV teve com a formação da identidade do alunoestagiário. Primeiramente, porque este sendo o quarto, muitos erros dos estágios anteriores foram superados, outros sugiram e sabe-se que este é o desafio ininterrupto do campo de atuação. Segundo, acreditamos que é através dessa dinâmica que o processo formativo vai ocorrendo e que somente através de novas maneiras de se pensar e, consequentemente, de agir, que poderá ocorrer uma melhoria na formação do ser. Referências FAPESP. Agência de noticias da Fundação de amparo à Pesquisa de São Paulo. Mortes sem doença. Disponível em:<http://agencia.fapesp.br/7695> Acesso em: 11 maio 2011. 66


BRASIL, Conselho Federal de Educação - Resolução 03/87, de 16 de junho de 1987-Fixa os mínimos de conteúdo e duração a serem observados nos cursos de graduação em Educação Física (Bacharelado e/ou Licenciatura Plena). Diário Oficial da União, Brasília, 10 set. 1987. Disponível em:<http://www.ufpb.br/sods/consepe/resolu/1990/Res0387-cfe.htm.>. Acesso em: 23 maio 2011. ______. Ministério de Educação e Cultura. Secretaria de Educação Básica. Orientações Curriculares para o Ensino Médio: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias. MEC/SEB, Braslia, 2006. ______. Presidência da República. Lei Nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/lei9394_ldbn1.pdf>. Acesso em: 21 nov. 2011. ______. Ministério de Educação e do Desporto. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos: Educação Física / Secretaria de Ensino Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. BORDENAVE, Juan. E. Dias. Alguns fatores pedagógicos. Texto traduzido e adaptado por Maria Thereza Grandi, OPAS, Brasília, 1983, para a Capacitação Pedagógica do Programa de Formação de Pessoal de Nível Médio em Saúde. Disponível em: <http://www.opas.org.br/rh/publicacoes/textos_apoio/pub04U2T5.pdf> Acesso em: 27 nov. 2011. Escola Secundária de Anadia. Bateria de exercícios de voleibol. Núcleo de Estágio de Educação Física 2000/2001. Disponível em: <http://www.prof2000.pt/users/cref/projecto_cref_area_profs/menu_vertical/3_ciclo/voleibo l_3_ciclo/bat_exerc_voleibol_3_ciclo/exercicios_voleibol_anolasco.pdf>. Acesso em: 25 abr. 2011. HENKLEIN, A. P.; SILVA, M. M. A concepção crítico-emancipatória: avanços e possibilidades para a Educação Física Escolar. In: Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais eletrônicos... Recife: Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte, 2007. Disponível em: <http://www.cbce.org.br/cd/resumos/108.pdf>. Acesso em: 23 out. 2011. JOGOS Lúdicos para Voleibol. Disponível em: <http://educacaofisicafoz.do.comunidades.net/index.php?pagina=1139883837>. Acesso em: 20 maio 2011. KUNZ, E. Transformação didático-pedagógica do esporte. 6. ed. – Injuí: Unijuí, 2004. MATTOS, M. G. e NEIRA, M. G. Educação Física na adolescência: construindo o conhecimento na escola. 5. ed. São Paulo: Phorte, 2004. MOREIRA, W. W. Por uma concepção sistêmica na pedagogia do movimento. In: MOREIRA, W. W. (Org.) Educação física e esportes: perspectivas para o século XXI. 2. ed. Campinas: Papirus, 1993. PIMENTA, S. G. O estágio na formação de professores: unidade teoria e prática? 9. ed. São Paulo: Cortez, 2010. SACRISTÁN, J. G. Poderes insetables en educación. Madrid: Morata, 1998. 67


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Capítulo 5 Formação continuada em Educação Física na infância: ações e reflexões docentes Dagmar Hunger15 Lílian Aparecida Ferreira16 Fernanda Rossi17 Carolina Bilato,18 Daniele Vaz de Arruda, Gislaine Aparecida Alves da Encarnação, Josiane Katsue Savay da Silva, Talita Fabiana Roque da Silva e José Rafael Marcelino Agripino

Introdução O ensino da Educação Física na Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental ainda esbarra em inúmeras dificuldades como os elementos estruturais da instituição escolar, a concepção de corpo e movimento e a formação continuada dos professores. Diante disto, uma Universidade pública em parceria com uma Secretaria de Educação de município do interior de São Paulo desenvolve um Programa de Educação Continuada na área de Educação Física, tendo como público alvo professoras(es) com formação em Pedagogia que atuam na Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental, com o objetivo de reconstruir a Educação Física numa prática educativa reflexiva na perspectiva histórica e sociocultural, relevando o desenvolvimento integral dos alunos. Os encontros com as professoras-cursistas foram iniciados no 2° semestre de 2009 e encontram-se no seu 4º módulo neste 1º semestre de 2011. Não se pode prescindir da percepção de que o desenvolvimento infantil na faixa etária de zero a dez anos é fundamentalmente movimento e que a formação integral do futuro cidadão só se realizará mediante as práticas da Cultura Corporal de Movimento. O professor do Ensino Infantil e Fundamental e o docente universitário de Educação Física, portanto, têm papéis imprescindíveis nesta área.

15Professora

Adjunta do Departamento de Educação Física – FC/UNESP/Bauru – Professora do Programa de Pósgraduação em Ciências da Motricidade – IB/UNESP/Rio Claro - Bolsista CNPq PQ-2. 16 Professora Doutora do Departamento de Educação Física – FC/UNESP/Bauru. 17 Doutoranda em Ciências da Motricidade – IB/UNESP/Rio Claro - Bolsista Fapesp. 18 Graduandos do Curso de Licenciatura em Educação Física – DEF/FC/UNESP/Bauru - Bolsistas da UNESP – Prograd/Núcleo de Ensino.

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Dessa forma, no presente texto são analisadas as ações e reflexões do referido Programa de Formação Continuada no processo de sistematização dos conteúdos da Cultura Corporal de Movimento, ou seja, o efetivo compartilhar dos saberes científicos e escolares em prol da formação integral das crianças. Cultura Corporal de Movimento na infância Ao longo da história podem-se notar diferenças na forma de conceber o corpo e no papel a ele atribuído, predominando a concepção de homem dicotomizado, um ser composto ora de corpo e alma, ora corpo e espírito, ora corpo e consciência. De modo geral, o corpo sempre foi considerado como algo inferior (CAVALARI, 1996). E, Na medida em que o método científico utilizado para dar conta da explicação da sociedade é tomado das ciências físicas e biológicas, o fato social e o sujeito que o constrói – o homem – aparecem como que aprisionados nos limites dessas ciências. As questões sociais passam a ser “naturais” e o “homem social” passa a ser “homem biológico” (SOARES, 1994, p. 61).

Somente por volta de 1900, com a fenomenologia, a visão dicotomizada do homem começa a ser questionada. Merleau-Ponty (1999) em seus estudos procurou entender o homem como um ser integral. O filósofo afirma que o homem não tem um corpo, ele é um corpo. Ao apresentar a noção de corpo próprio ou fenomenal, considera que ele é a experiência vivida do ser. Para o autor, [...] o corpo não é, pois um objeto. Pela mesma razão, a consciência que tenho não é um pensamento, quer dizer que não posso decompô-lo e recompô-lo para formar dele uma idéia clara. [...] Se se trata do corpo de outro ou de meu próprio corpo, não tenho outro meio de conhecer o corpo humano senão vivendo-o, quer dizer, retomar por minha conta o drama que o atravessa e me confundir com ele. Sou, pois meu corpo [...] (MERLEAU-PONTY, apud CAVALARI, 1996, p. 47-8).

O homem é fala e expressão. Expressa-se pelos seus movimentos, posturas, gestos, olhares, no seu andar. Mendes e Nóbrega (2004, p. 127) complementam que [...] apesar de todos os seres humanos serem capazes de gesticular, os gestos expressam as singularidades individuais e culturais apresentando linguagens específicas. Essa articulação, ao mesmo tempo em que contribui para refutar o reducionismo referente à naturalização do corpo e do movimento humano, revelando os aspectos culturais e sociais, expõe algo que é comum a todos os seres humanos, ou seja, a linguagem gestual.

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Enfatiza Goellner (2007) que o corpo é uma construção que recebe diferentes marcas em diferentes tempos, espaços, conjunturas econômicas, grupos sociais, étnicos, etc. A magreza que hoje é cultuada já foi símbolo de pobreza, como ressalta Vincent (1992). Conclui Goellner (2007) que não são as semelhanças biológicas que definem o corpo, mas sim, os significados culturais e sociais a ele atribuídos. Ao trazer tais reflexões para o campo educacional, cabe questionar: qual o lugar ocupado pelo “corpo” no contexto educacional formal? De acordo com Nóbrega (2005), para pensar o lugar do corpo na educação (e na escola) é necessário, primeiramente, conceber o sujeito como um ser corporal e superar o aspecto da instrumentalidade associado ao corpo. Ou seja, compreender que o corpo do aluno não é um instrumento das práticas educativas, já que as produções humanas (ler, escrever, dançar, jogar, contar...) somente são possíveis pelo fato do indivíduo ser corpo. Nesse sentido, Daolio (2004) evidencia a importância do conceito “cultura” para a Educação Física, pois todas as manifestações corporais humanas são geradas na dinâmica cultural, sendo expressas de modo diversificado e com significados próprios de grupos culturais específicos e seus respectivos contextos. No sentido do que diz Nóbrega (2005, p. 610), “áreas como educação física ou artes tematizam práticas humanas cuja expressão, em termos de linguagem, tem no corpo sua referência específica, como é o caso da dança ou do esporte”. Assim, afirma Daolio (2004) que o professor não atua sobre o corpo do seu aluno ou mesmo com o movimento em si; ele atua com o ser humano nas suas manifestações culturais relacionadas ao corpo e ao movimento, abrangendo os conteúdos historicamente definidos: jogo, esporte, dança, luta e ginástica. Emerge, dessa forma, a perspectiva da Cultura Corporal de Movimento para fundamentar a intervenção pedagógica (BRACHT, 1992). Tal perspectiva surgiu a partir da preocupação com o que deve ser ensinado em Educação Física e em contextualizar as manifestações expressivas corporais nas aulas, considerando os significados a elas atribuídos pelos alunos. A Educação Física, portanto, pode ser considerada a área que estuda e atua sobre a Cultura Corporal de Movimento, sendo esta parte da cultura humana, definindo e sendo definida pela cultura geral numa relação dialética. Na atualidade, a Cultura Corporal de Movimento é considerada a “parcela da cultura geral que abrange as formas culturais que se vêm historicamente construindo, no plano material e no simbólico” (BETTI, 2001, p. 156), como o jogo, o esporte, as ginásticas e as práticas de aptidão física, as atividades rítmicas/expressivas e a dança, as lutas/artes marciais e as práticas alternativas, sendo a Educação Física a área de conhecimento e 71


de intervenção que lida com essa cultura mediante referenciais científicos, filosóficos e pedagógicos. O trabalho com tais conteúdos, como parte integrante da proposta pedagógica da escola, tem a finalidade de “introduzir e integrar o aluno no âmbito da Cultura Corporal de Movimento, visando formar o cidadão que possa usufruir, compartilhar, produzir, reproduzir e transformar as formas culturais do exercício da motricidade humana” (BETTI, 2004, p. 24-25). Os conteúdos relativos à Cultura Corporal de Movimento vivenciados ao longo do processo histórico e social da civilização humana, bem como, o ensino de cada um desses conteúdos (imbuído de conhecimentos socioculturais, históricos, científicos, configurados em novas abordagens filosóficas, educacionais e/ou científicas), são pertinentes à educação escolar. Deve-se possibilitar aos educandos a apreensão sistemática e aprofundada dos conteúdos da Cultura Corporal de Movimento. Não se pode prescindir do fato que o desenvolvimento da criança está inter-relacionado ao movimento corporal, sendo este um elemento fundamental para o desenvolvimento infantil pleno. Na cultura infantil, a realização do movimento corporal se dá através do lúdico, especialmente do jogo que tem sua essência no divertimento. Mas, Marcellino (1999) constata o “furto” do componente lúdico da infância. Nota-se, cada vez mais, a restrição de tempo e de espaço para a criança, o que reduz a cultura infantil ao consumo de bens culturais (produzidos pelos adultos para ela e não por ela), transformando o brinquedo em mercadoria. Esses fatores revelam a dominação exercida sobre a cultura da criança e comprometem a evasão do real e, consequentemente, a imaginação de novas realidades. Como destacam Debortoli, Linhales e Vago (2001/2002, p. 100-1): Do casamento entre a pedagogia e a psicologia herdamos a mania de selecionar, classificar e hierarquizar o desenvolvimento das crianças como se estas constituíssem páginas em branco nas quais, pouco a pouco, fôssemos deixando as marcas mais adequadas segundo o modelo evolutivo que temos em mente. Esse tipo de entendimento só faz aumentar a incompetência da criança diante do adulto, desqualificando sua maneira singular de apreender o mundo que a cerca.

A Resolução CNE/CEB 5/2009 que Fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil estabelece que Art. 4º - As propostas pedagógicas da Educação Infantil deverão considerar que a criança, centro do planejamento curricular, é sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura (BRASIL, 2009).

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Entende-se que o professor que atua na educação de crianças, por meio da orientação das manifestações corporais de seus alunos, deve propiciar a vivência autêntica dessas manifestações, contribuindo para que elas elaborem os seus próprios significados relacionados à Cultura Corporal de Movimento, além de promover o respeito à cultura pertencente a essa fase da vida. Interação Universidade e Escola na formação continuada docente Para Gatti (2008), a ênfase na formação continuada não é gratuita. Está baseada nos desafios da sociedade contemporânea relacionados ao ensino, ao currículo, ao crescente acolhimento de crianças e jovens no sistema educacional, às dificuldades diárias enfrentadas por gestores e professores. Tais problemas, constatados pelas pesquisas, levaram a criação do discurso da necessidade de atualização e de renovação dos professores. E, para os professores, as mudanças em curso repercutem em novas exigências que se dão, sobretudo, na sua capacidade para enfrentar as urgências do presente e as demandas do futuro. Tais exigências têm estabelecido a formação de um profissional com um novo perfil baseado na tríade dos planos pessoal, intelectual e profissional (BUENO, 2007). Assim, verifica-se a existência de trabalhos vinculados entre secretarias de educação e universidades públicas, empenhadas em gerar ações formativas que contemplem as necessidades e expectativas dos professores, visando corresponder às demandas do contexto local, aquelas que emergem do cotidiano do grupo de professores, considerando a cultura escolar. Destaca-se que a prática pedagógica também representa um processo de aprendizagem no qual o professor faz descobertas, aprende e reelabora seus conhecimentos e ações, (re)significa a sua formação e a adapta à profissão. É preciso, portanto, dar um estatuto ao saber da experiência e condições para que os professores façam suas escolhas de formação. Pois, os professores “no exercício de suas funções e na prática de sua profissão, desenvolvem saberes específicos, baseados em seu trabalho cotidiano e no conhecimento de seu meio” (TARDIF, 2002, p. 38). Tais saberes emergem da experiência e são por ela validados, incorporando-se à experiência tanto individual quanto coletiva como meios de saber fazer e saber ser. Sayão (2002), que discute experiências vivenciadas em cursos de formação continuada (e inicial) com profissionais e acadêmicos das áreas de Educação Física e Pedagogia em conjunto, aponta que, uma vez que o professor(a) pedagogo(a) do Ensino Infantil também ministra conteúdos da Cultura Corporal de Movimento, o movimento corporal na escola, especialmente nesse nível de ensino, não pode reduzir-se a uma única disciplina, fragmentando as atividades 73


escolares, pois é preciso considerar a criança como sujeito constituído por múltiplas dimensões: cognitiva, motora, social e afetiva. Nesse sentido, o professor(a) pedagogo(a) e o docente universitário de Educação Física exercem papéis imprescindíveis, articulando saberes e práticas, pois como bem coloca Sayão (2002) é preciso aproximar as interações que acontecem cotidianamente nos espaços escolares. Metodologia O processo teórico-metodológico da investigação e da intervenção do Programa de formação continuada baseou-se em atividades pedagógicas, cuja implementação envolveu ações presenciais baseadas no movimento ação – reflexão – ação, isto é, na análise da prática concreta iluminada pela reflexão teórica, visando uma nova prática reelaborada. Isto se processou por intermédio de duas principais ações: a pesquisa e a intervenção. Baseada na metodologia qualitativa, os dados da pesquisa foram analisados com a finalidade de refletir sobre a prática pedagógica das professoras envolvidas em um Programa de Formação Continuada. A pesquisa-ação ganha destaque nessa categoria investigativa, na medida em que é por meio da análise de suas próprias práticas que as professoras e os alunos-licenciandos e doutorandos, auxiliados pelas coordenadoras da pesquisa, puderam refletir sobre suas ações e concretizá-las (ANDALOUSSI, 2004). O referencial teórico de análise está fundamentado na teoria configuracional de Norbert Elias, em que o sociólogo concebe que as pessoas constituem teias de interdependência ou configurações de muitos tipos, sejam famílias, escolas, cidades, estratos sociais ou estados. Para Elias (1980), não são aceitáveis concepções sociais totalizadoras ou mesmo individualistas dos processos sociais. “A sociedade que é muitas vezes colocada em oposição ao indivíduo, é inteiramente formada por indivíduos, sendo nós próprios um ser entre os outros” (ELIAS, 1980, p. 13). Portanto, Dizer que os indivíduos existem em configurações significa que o ponto de partida de toda investigação sociológica é uma pluralidade de indivíduos, os quais, de um modo ou de outro, são interdependentes. Dizer que as configurações são irredutíveis significa que nem se pode explicá-las em termos que impliquem que elas têm algum tipo de existência independente dos indivíduos, nem em termos que impliquem que os indivíduos, de algum modo, existem independentemente delas (ELIAS e SCOTSON, 2000, p. 184).

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Estratégias de ação As estratégias de ação foram desenvolvidas tendo em vista dois momentos: o da pesquisa e o da ação (intervenção). Os procedimentos metodológicos da pesquisa constituíram-se das seguintes técnicas de coleta: 1. observação; 2. entrevista e 3. filmagem. A intervenção constituiu-se na elaboração de um plano de ação em práticas educativas na área de Educação Física, que resultasse em mudanças qualitativas para os professores, alunos universitários e escolares, à medida que atingisse os objetivos propostos, conforme elencados anteriormente. Desenvolveu-se por intermédio de: 1. dinâmicas de grupo; 2. reuniões e 3. atividades da Cultura Corporal de Movimento propostas nos planos de trabalho com as crianças/adolescentes. Observa-se que as estratégias de ação da pesquisa e intervenção aconteceram concomitantemente no transcorrer de todo o projeto. Campo de ação A pesquisa e a intervenção abrangeram as Creches e Escolas Municipais da Educação Infantil e Ensino Fundamental (1ª a 4ª séries), da cidade de Bauru/SP, com participação de 19 professores-cursistas no 1º módulo (2º semestre-2009), 22 professores-cursistas no 1º semestre/2010, 30 professores-cursistas no 2º semestre/2010 e, no presente semestre (1º semestre-2011) 42 professores-cursistas, na sua maioria sem formação específica em Educação Física, envolvendo a maioria das creches e escolas municipais da cidade de Bauru-SP. Eixos temáticos e atividades desenvolvidas O Programa desenvolveu-se em sete eixos temáticos, respeitando-se os procedimentos relativos à pesquisa (diagnóstico, observação, coleta de dados, análise qualitativa e elaboração dos relatórios), abrangendo: 1. O papel social da Escola Pública no contexto da Educação brasileira; 2. As necessidades educativas no contexto das Práticas Pedagógicas das professoras [a partir dos elementos: processo ensino e aprendizagem, relações interpessoais entre professor e aluno, conteúdo pedagógico do ensino da Educação Física (fundamentados nos Parâmetros Curriculares Nacionais), avaliação do ensino da Educação Física] e da Cultura Corporal do Movimento das crianças da Educação Infantil e Ensino Fundamental; 3. Conhecimentos referentes ao desenvolvimento motor, biológico, psicológico e social da criança de zero a dez anos, visando à orientação das atividades a serem 75


desenvolvidas nas aulas de Educação Física; 4. A profissionalidade docente, compreendendo a obrigação moral, o compromisso com a comunidade e a competência profissional no exercício: (a) descrever: o que faço (exemplo: plano de aula)? (b) informar: o que fundamenta a minha prática?; (c) confrontar: como me tornei assim?; (d) reconstruir: como posso fazer diferente?; 5. Elaboração do Plano de Intervenção; 6. Avaliação do processo de intervenção e elaboração do documento final da pesquisa. Foram desenvolvidas as seguintes atividades para os eixos temáticos: levantamento bibliográfico; leituras e análises de textos acadêmicos e científicos; análises de vídeos, jornais e revistas; elaboração dos recursos e instrumentos pedagógicos; seminários e fóruns de debates; palestras com educadores; elaboração, aplicação e avaliação das aulas filmadas; visitas às escolas onde há experiências superadoras de práticas retrógradas em Educação Física; reuniões de grupo e entrevistas. Ações e reflexões do Programa de Formação Continuada Comprovou-se o significado da Educação Física na formação dos educandos, como disciplina que possibilita às crianças movimentarem-se, sociabilizarem-se, aprenderem a respeitar o próximo e conhecerem o seu próprio corpo e suas possibilidades de movimento. Foi possível identificar, no início do Programa, que o principal aspecto limitante das professoras estava em associar a Educação Física Infantil somente com algumas palavras-chave referentes ao movimento humano como equilíbrio, coordenação motora, consciência corporal, jogos e danças. Dessa forma, demonstraram dificuldades de domínio dos conteúdos, de articulação de objetivos na elaboração das aulas e, consequentemente, de planejamento dessas aulas. As professoras, a partir do curso de formação, foram aprendendo e incorporando em suas práticas as brincadeiras e jogos, confecção de brinquedos, elaboração de aulas historiadas, ressignificação e reconstrução do jogo de amarelinha e ampliação da ideia de corpo físico da criança para o corpo simbólico. Assim, com uma forte influência cultural em seu processo de construção, evidenciou-se a valorização da criança como um sujeito “que é” e não um “vir a ser”, evidenciando-se, por fim, a relevância do Programa como um espaço para compartilhar experiências dos saberes científicos e escolares. 76


Destacou-se na avaliação realizada pelas participantes, ao final do 1º módulo (2º semestre2009): a importância do Programa como um espaço para compartilhar experiências, como citou a Professora 1: “é mais uma troca de experiências aqui nesse curso e eu achei muito positivo”. A ênfase dada às atividades práticas também foi mencionada como aspecto positivo: “gostei também porque saiu da literatura e fomos para a prática. Fomos buscar vivências, tem bastante coisa que a gente não conhecia, e por mais que a gente tenha bastante ano de prefeitura, de experiência, assim, pra mim foi ótimo. Eu gostei muito” (Professora 2). De acordo com avaliação aplicada ao final do 2º semestre de 2010 por coordenadores da Secretaria Municipal da Educação, com escala entre 5 (melhor avaliação) e 1, dentre os professores-cursistas respondentes, a relevância do conteúdo foi avaliada com nota máxima (5) por 15 participantes e nota 4 por 2 participantes. O item procedimentos de ensino adotados recebeu nota 5 por 16 participantes e nota 4 por 1 professor. Aos recursos de ensino foi atribuída nota 5 por 13 professores e 4 por 3 deles e as acomodações do local, nota 5 por 11 professores, nota 4 por 4 professores e nota 3 por 1 professor. Dentre as observações, os professores-cursistas destacaram que: cada encontro poderia ser acompanhado das atividades em forma de apostilas; deveria promover mais troca de experiências; possibilitar a constituição de um grupo de estudos em conjunto com a universidade; ao final do curso, poderia ser entregue um CD com as canções trabalhadas; há necessidade de promover mais encontros que trate de uma temática específica (ex: dança, amarelinha etc.). Neste 1º semestre de 2011, constatou-se que os principais limites das professorascursistas referem-se ao domínio dos conteúdos da Cultura Corporal de Movimento, incluindo questões como a definição de objetivos, o planejamento das aulas, a escolha de procedimentos metodológicos e de avaliação. Assim sendo, apresentaram como expectativa primordial, em relação ao curso, meios para o domínio dos conteúdos e adequação destes às faixas etárias dos alunos da Educação Infantil. Observou-se que ainda as professoras enfrentam dificuldades com relação ao ensino dos conteúdos da Cultura Corporal de Movimento, como ficou evidente na fala de uma das Professoras entrevistadas: Acredito que minhas maiores dificuldades […] se encontrem […] no espaço físico e na aceitação por parte de professores e coordenadores com quem atuo sobre a importância de trabalhar desde cedo com as crianças os movimentos corporais (Professora 13).

A estrutura escolar supervaloriza as aprendizagens cognitivas e fragmenta o 77


conhecimento. No que se refere ao movimento corporal, predomina uma concepção racionalista e de disciplinarização dos corpos, de controle dos gestos e manifestações, acarretando para a criança/adolescente a perda da espontaneidade, da liberdade de criação e livre expressão, como se fosse possível conhecer o mundo e apropriar-se dos saberes somente pela razão, sem envolver a percepção dos sentidos corporais. A apropriação do mundo depende da experimentação do sujeito e na Educação Infantil as experiências lúdicas, principal meio de reconhecimento do mundo pela criança, são geralmente adaptadas para atingir finalidades secundárias, colocando em segundo plano a importância que a vivência lúdica tem em si mesma para o desenvolvimento pleno infantil. Apresentam, ainda, dificuldades para o ensino dos conteúdos da Cultura Corporal de Movimento, que para a Professora 3 consiste no planejamento das aulas, considerando a diversidade de atividades/conteúdos presentes nesse universo. A Professora 7 relatou que a questão principal é adequar sua prática relacionada ao movimento corporal com a carga horária das aulas e o calendário escolar. A Professora 12 respondeu que “talvez a minha falta de conhecimento seja a maior dificuldade”, remetendo-se ao domínio dos conteúdos e procedimentos metodológicos. Ressalta-se a importância em compartilhar os saberes e as práticas entre Universidade e Escola, especialmente a área da Educação Física neste contexto, por tratar-se do movimento corporal, da significação da expressão e dos gestos da criança. Assim, a intervenção realizada pelo Programa de Formação Continuada propiciou às professoras o acesso e a reflexão em torno dos conhecimentos pertencentes à Cultura Corporal de Movimento, bem como a transposição dos saberes apreendidos na ação pedagógica. Diante disso, as ações estão buscando enfatizar, entre outros objetivos, a construção de planejamentos relacionados ao ensino dos conteúdos da Cultura Corporal de Movimento, estabelecendo os professores-cursistas como protagonistas desse processo. Considerações Finais Concluiu-se a existência de limitações quanto aos conhecimentos pertinentes à Educação Física. No entanto, destacam-se mudanças e avanços manifestados pelas professoras como a aquisição de novos conhecimentos e a importância do movimento e do elemento lúdico para a aprendizagem e desenvolvimento infantil, além de ficar evidenciada a relevância do Programa como um espaço para compartilhar experiências. Nesse sentido, a intervenção realizada pelo Programa de Formação Continuada propiciou às professoras o acesso e a reflexão em torno dos 78


conhecimentos pertencentes à Cultura Corporal de Movimento, bem como a transposição dos saberes apreendidos na ação pedagógica. Constata-se, baseado em Imbernón (2009), que as novas tendências da formação continuada de professores pressupõem uma tarefa coletiva, ou seja, o desenvolvimento de atividades de formação colaborativa entre instituições formadoras e escolas, estabelecendo relações de parcerias e cooperação entre os sujeitos envolvidos. O trabalho conjunto dos diferentes atores sociais tem o intuito de solucionar as situações problemáticas das práticas educativas, ao viabilizar processos próprios de intervenção, correspondendo de forma mais adequada ao momento histórico vivido por determinado sujeito/grupo. Acredita-se que o êxito de programas de formação continuada está estreitamente relacionado aos seus modelos de desenvolvimento e às configurações estabelecidas entre os sujeitos envolvidos nesse contexto, como os professores-cursistas, os agentes formadores, os gestores etc.; grupos que formam uma rede de relações e integram um sistema de interdependência funcional no sentido que coloca Elias (1980), influenciando uns aos outros em suas ideias e ações. O que se verifica na atualidade é a formação de grupos que se tornam cada vez mais funcionalmente dependentes uns dos outros, com funções especializadas e específicas no campo educacional

(professores,

diretores,

coordenadores,

supervisores,

agentes

formadores,

pesquisadores, governantes, alunos, pais, comunidade). Assim, as cadeias de interdependência tornam-se mais diferenciadas, consequentemente mais opacas e mais incontroláveis por parte de um grupo ou indivíduo (ELIAS, 1980). E tais grupos exercem influência mútua, tem poder uns sobre os outros, considerando que o poder, na ótica do autor, é flutuante, elástico e não se trata de algo que apenas um grupo possui e outro não. Contudo, existe um equilíbrio desse poder, podendo em determinando momento histórico, essa balança pender mais para um lado do que para outro. Observa-se que, no contexto da formação continuada, a distribuição de poder entre os grupos apresenta-se desigual, ocupando o professor o lugar de sujeito passivo na sua própria formação, receptor de conteúdos elaborados por outros. E, nesse sentido, as ações formativas estão configuradas não como processos compartilhados entre esses diferentes grupos, mas como processos elaborados unilateralmente. Nesse jogo de forças, a capacidade de controle irá variar de acordo com as posições ocupadas pelas pessoas nesse momento histórico, a dependência mútua existente entre os grupos e as tensões e conflitos inerentes à teia entrelaçada (ELIAS, 1980). O resultado dessa imbricada teia de relações implicará na transformação ou não do professor no principal agente da sua formação e da (re)construção da sua profissionalidade 79


docente, sendo que somente a partir de uma percepção clara dos professores do que está em jogo poderá ocorrer uma mudança de forças e, mediante a organização consciente deles (de que são co-responsáveis pela (re)construção da Educação), poderão ocorrer transformações. Esse processo formativo visa disponibilizar, disseminar e aprimorar os estudos para que professores passem a olhar para a sua prática pedagógica de maneira cuidadosa e analítica, visualizando os problemas, analisando-os, propondo soluções para resolvê-los e reavaliá-los. Existe o compromisso com o desenvolvimento da profissionalidade docente – obrigação moral, compromisso com a comunidade e competência profissional de modo permanente (CONTRERAS, 2002; NÓVOA, 1995; 1997). Referências ANDALOUSSI, K. Pesquisas-ações: ciências, desenvolvimento, democracia. São Carlos: EDUFSCar, 2004. BETTI, M. Educação Física e Sociologia: novas e velhas questões no contexto brasileiro. In: CARVALHO, M. C.; RUBIO, K. Educação Física e Ciências Humanas. Hucitec: São Paulo, 2001. BETTI, M. Fundamentos e princípios pedagógicos da Educação Física: uma perspectiva sociocultural. In: DARIDO, S. C. e MAITINO, E. M. (Orgs.). Pedagogia cidadã: cadernos de formação: Educação Física. São Paulo: UNESP, Pró-reitoria de Graduação, 2004. p. 23-32. BRACHT, V. Educação Física e aprendizagem social. Porto Alegre: Magister, 1992. BRASIL. Resolução CNE/CEB 5/2009. Brasília: MEC CNE/CEB. Publicado no Diário Oficial da União, Brasília, 18 de dezembro de 2009, Seção 1, p. 18. BUENO, B. O. É possível reinventar os professores? A “escrita de memórias” em um curso especial de formação de professores. In: SOUZA, E. C.; ABRAÃO, M. H. (Orgs.). Tempos, narrativas e ficções: a invenção de si. Porto Alegre, Salvador: EDIPUCRG, UFBA, 2007. p. 219-238. CAVALARI, R. M. F. O pensamento filosófico e a questão do corpo. In: SOUZA NETO, S. (Org.). Corpo para malhar ou para comunicar? São Paulo: Cidade Nova, 1996, p. 39-49. CONTRERAS, J. A Autonomia de professores. São Paulo: Cortez, 2002. DAÓLIO, J. Educação Física e o conceito de cultura. Campinas: Autores Associados, 2004. DEBORTOLI, J. A.; LINHALES, M. A.; VAGO, T. M. Infância e conhecimento escolar: princípios para a construção de uma Educação Física “para” e “com” as crianças. Pensar a Prática, v. 5, p. 92-105, jul-jun. 2001/2002. ELIAS, N. Introdução à Sociologia. Tradução: Maria Luísa Ribeiro Ferreira. São Paulo: Livraria 80


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Capítulo 6 Narrativas (auto)biográficas em Educação Física: tecendo os significados das práticas com professores-pesquisadores19 Luiz Sanches Neto20 Introdução: bons professores têm (auto)crítica Neste capítulo buscamos apresentar algumas possibilidades de compreender de modo mais qualificado o trabalho de professores de Educação Física que pesquisam sua própria prática pedagógica cotidiana. Nossa intenção é analisar, a partir dos registros de um grupo de professores com tais características, as contribuições que as narrativas (auto)biográficas (CIPA, 2010) parecem ter na (re)significação das próprias práticas educativas durante o processo de formação permanente do professorado. Com esse objetivo, buscamos discutir ao longo deste texto os aspectos do trabalho coletivo que vem sendo realizado pelos professores nos últimos anos. A escrita que adotamos para este texto, que tem seu foco na produção (auto)biográfica dos professores, tem predomínio da primeira pessoa do plural porque, embora seja um trabalho autoral quanto à organização das ideias no texto, sua dimensão coletiva é indelével. E até mesmo porque este texto foi revisado criticamente por uma das professoras participantes21 no estudo, e pretendemos revisitá-lo em breve junto com os demais colegas. Adotamos, contudo, a escrita na primeira pessoa do singular ao nos remetermos diretamente à produção (auto)biográfica de cada professor. Conforme Sanches Neto, Souza Neto e Betti (2011a), parece-nos que avanços poderiam ocorrer com a valorização da pesquisa qualificada mediante rigor metodológico e conduzida pelo próprio professorado sobre a sua prática pedagógica, além do sentido estritamente acadêmico atribuído

ao

termo

“professor-pesquisador”.

No

sentido

acadêmico,

somente

o

docente/pesquisador universitário seria qualificado como “professor-pesquisador” (GERALDI; FIORENTINI e PEREIRA, 1998). A temática que abordamos relaciona-se justamente com essa possibilidade, que seria a do próprio professorado, que trabalha efetivamente na escolarização, realizar pesquisa de modo colaborativo e com rigor metodológico acerca de sua prática pedagógica. Assim, nosso foco coletivo de investigação recai nos saberes válidos aos próprios professores em seu processo de formação permanente. Este capítulo corresponde a estudos vinculados a um projeto de doutorado em andamento. Doutorando em Ciências da Motricidade pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – Campus de Rio Claro). 21 Agradeço as sugestões ao texto e a revisão crítica realizada pela professora doutoranda Luciana Venâncio. 19 20

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Nossa questão inicial é: o que preocupa um professor de Educação Física? Em termos gerais, a resposta provisória é que um bom professor preocupa-se justamente em ser um professor cada vez melhor e fazer melhor seu trabalho. Então, o que significa ser um “bom professor” e “fazer bem” seu trabalho com a Educação Física? E como esse trabalho poderia ser melhorado? Em revisão realizada por Sanches Neto, Conceição e Okimura-Kerr (2011) sobre a relevante pesquisa de Cunha (1989), algumas características atribuídas a bons professores são pormenorizadas pela autora em categorias, embora ressalte que a ideia de “bom professor” é variável e que os dados descritivos de sua pesquisa não lhe permitiam fazer generalizações: - história de vida: implica a valorização da própria história de vida, sobretudo enquanto aluno, e a análise crítica de sua relação com ex-professores, no sentido de repetir condutas tidas como positivas e refutar as negativas. Neste capítulo é esse o nosso principal foco de análise; - saberes da docência: refere-se ao saber que constroem na própria experiência, enquanto docentes, e à possibilidade de aprender com colegas de trabalho, com alunos e mediante a reflexão sobre o próprio trabalho; - formação pedagógica: consiste numa forma diferencial no que se refere a princípios curriculares e axiologia. Quanto mais a preparação pedagógica responde às necessidades dos professores no momento que a realizam, mais eles a valorizam; - prática social: indica a lucidez da dimensão política mais ampla do próprio trabalho docente, tido como caminho escolhido para alcançar as modificações sociais; - modelagem de conduta: destaque para profissionais tidos como altamente competentes na área de intervenção, por isso depreende-se que haveria uma tendência de repetir práticas de pessoas que os professores admiram; - discernimento da realidade sociocultural e do trabalho na educação escolarizada: capacidade de analisar a realidade brasileira, vinculando-a ao modelo de escolarização em andamento no país, e análise ampla das questões educacionais no contexto social brasileiro. O ponto de partida para a noção de projeto, salienta a autora, seria a ideia de que os professores escolhem alternativas de vida, pois relatavam o que acontecia no seu cotidiano, numa tentativa intencional de dar sentido ou coerência às experiências fragmentadas sociais e pedagógicas. Ao considerar que a instituição educacional, com seu projeto coletivo, permeia o trabalho docente, a autora percebeu que era mais forte o projeto do próprio professor do que o institucional, com seus valores, peculiaridades e expressões. 83


Por isso haveria um risco, embora represente liberdade e autonomia docente, por outro lado pode ser nefasto, pois pode significar uma total dependência da individualidade do professor e de seu grau de compromisso e competência (CUNHA, 1989). Recentemente, durante um congresso com foco em procedimentos autobiográficos de pesquisa, Cunha (2010) mencionou que as categorias foram organizadas a partir do que os alunos pensavam sobre os professores, ou seja, foram os alunos que determinaram “quem eram os bons professores”. Na ocasião, Cunha afirmou que valeria a pena investigar como bons professores trabalham concretamente na escolarização dos dias de hoje. A questão permaneceria a mesma: como trabalham os “bons professores”? E na perspectiva de que a coerência do trabalho escolar se dá em termos coletivos, de acordo com Resende (2010), um “bom professor” tem que estar seguro para compartilhar suas aulas com os colegas. Então, buscamos responder a mesma pergunta coletivamente com outros professores, que trabalhavam em escolas diferentes e com quem compartilhávamos expectativas semelhantes quanto à coerência da prática pedagógica. Em 2005, após contatos telefônicos, por correio eletrônico e conversas informais, decidimos nos encontrar para conversar, refletir e iniciar a possibilidade de sistematizar nossas ações de modo coletivo. Esse foi o início do que se tornaria o foco do trabalho coletivo de pesquisa a partir dos problemas da prática pedagógica cotidiana pelo grupo autodenominado “professorespesquisadores”. Os professores participantes do grupo, desde então, compartilham o propósito de pesquisar a própria prática de modo mais rigoroso, com a intenção de aprofundar a problemática cotidiana tratada nas aulas e na dinâmica mais ampla do trabalho pedagógico. Esse percurso aparentemente tem sido validado pelos professores na elaboração constante de seus próprios saberes e corresponde a indícios preconizados nas teorias educacionais contemporâneas, ou seja, parece que os professores têm realizado o que a teoria aponta como coerente. A produção bibliográfica do grupo consiste parcialmente em relatos de suas próprias experiências em eventos científicos. Entretanto, os professores notaram a necessidade de aumentar o rigor metodológico em suas produções intelectuais, uma vez que elas remetiam ao rigor de seu próprio trabalho escolar. Nosso convívio com o grupo de “professores-pesquisadores” foi aprofundado nesse período, uma vez que encontrávamos pares para dialogar sem ter uma vinculação acadêmica restrita aos pressupostos de um grupo de pesquisa institucionalizado. Assim como eu, autor deste texto, outros professores do grupo buscaram pesquisar questões que ou influenciaram suas práticas pedagógicas desde a formação inicial, ou foram suscitadas a partir dessas práticas 84


concretas, dando continuidade ao que fora tratado na sua preparação acadêmica e profissional para a docência. Por isso, parece que concordamos com Resende (2010), ao afirmar que provavelmente é preciso haver formação contínua. A concordância vai ainda além, porque para aquele autor, os professores têm de entender que o regresso ao saber inicial que está na base da sua formação tem de ser permanente. Não há possibilidade de ser um professor competente, ou um “bom professor”, se a pessoa não estiver predisposta para estar sob prova dos seus próprios conhecimentos. Mas o que dizer dos professores que compreendem o contexto da adversidade e permanecem buscando o trabalho coletivo? Minimamente, esses professores qualificam mais suas ações, pois percebem que necessitam compreender o contexto da escola em que estão trabalhando, como ressalta Freire (1996). Então, o que se pode constatar com o grupo de “professores-pesquisadores” até o momento, ao longo de mais de cinco anos de atividade, com relação à relevância das ações que foram desencadeadas desde 2005? Quais são os indícios da coletividade ou da intervenção pedagógica colaborativa que estão presentes nesse formato de grupo autônomo de pesquisa, e que permitirão propor outras formas coletivas de articular o trabalho na Educação Básica? Ou, mais especificamente, propor formas de sistematização do trabalho como professor-pesquisador de Educação Física na Educação Básica? Além disso, nas últimas décadas, percebeu-se uma preocupação diferenciada com a prática docente no Brasil, principalmente no que se refere a como os professores organizam e sistematizam o seu fazer pedagógico no cotidiano do trabalho. Tal preocupação pode estar atrelada às atuais demandas da profissão docente e a qualidade dos processos educativos na escolarização. Preconiza-se que os professores são os responsáveis pelo próprio fazer docente, precisam compreender as necessidades do mundo contemporâneo, devem ter preocupação com o estabelecimento de parcerias colaborativas e reivindicar melhores condições de trabalho e salários adequados com as funções desempenhadas, sem contar a sua razão essencial de trabalhar na escola: o ensino. Trabalhos que apontam os limites e as contradições do processo de profissionalização do magistério são alusivos dessa constatação, como o de Veiga e Cunha (1999). No entanto, percebe-se também que os discursos acadêmicos veiculados pelas instituições de ensino superior (IES), evidenciados por publicações sobre a temática em livros e periódicos (FACCI, 2004), ao mesmo tempo em que tecem críticas ao saber-fazer do professor que trabalha na Educação Básica, pouco se preocupam em saber por que os professores que trabalham no ambiente escolar “trabalham da forma como trabalham”, ou “ensinam da forma como ensinam”. 85


Por que há poucas pesquisas sobre a prática efetiva dos professores no cotidiano do trabalho na Educação Básica? Esse questionamento foi feito por André (2005), ao defender a relevância de estudos de caso como procedimentos metodológicos para a investigação da prática docente. Note-se que os “professores-pesquisadores” buscaram essa perspectiva metodológica para registrar e dialogar sobre suas práticas, categorizando-as para pesquisá-las de modo conjunto (VENÂNCIO et al., 2010a, 2010b). Será que há ausência de entendimento da dinâmica, complexidade e realidades diversas e singulares que caracterizam o trabalho docente? Conforme questionamento de Franco (2008): o que está por trás da lógica da formação que implica a lógica das práticas? Até que ponto as realidades da formação docente se sobrepõem, e como a realidade discursiva do ensino superior influencia ou precariza o aprofundamento da compreensão sobre a realidade pragmática (as práticas educativas cotidianas) da Educação Básica? Há necessidade de descobrir, identificar, analisar e interpretar como e por que os professores de Educação Física organizam e sistematizam seu trabalho no ambiente escolar. Entende-se que diante de realidades singulares e próprias que são estabelecidas no dia-a-dia, algo a respeito desse saber-fazer precisa ser interpretado, não para fazer generalizações inconsistentes, abstratas e com falta de rigor metodológico, mas sim de apontar possibilidades para críticas a partir de realidades concretas. Método: procedimentos da pesquisa (auto)biográfica Nesta investigação acerca das (auto)biografias dos professores, partimos dos questionamentos propostos em revisão bibliográfica realizada por Sanches Neto, Souza Neto e Betti (2011b): quais são os entendimentos possíveis na literatura para a ideia/noção de “professor-pesquisador”? E tais entendimentos permitem compreender as parcerias entre pesquisadores acadêmicos e professores que trabalham no cotidiano escolar? Para respondê-las, os autores revisaram bibliografia específica sobre a temática, com a intenção de analisar uma amostra do professorado da Educação Física que têm aparentemente como perspectiva os conceitos de "professor-reflexivo", "professor-pesquisador", saberes docentes, profissionalidade e autonomia docente. Com o propósito particular de investigar o saber que é desenvolvido na prática pedagógica desses professores, consideramos o percurso metodológico de Borges (1998, 2004) e os conceitos de Shulman (1986; 1987) sobre a base do conhecimento docente. Ambos pareceram-nos pertinentes para balizar as relações paradigmáticas do “professor-pesquisador” com investigações no campo da Educação Física, as quais apontam que a desocultação do saber 86


pela pesquisa possibilita mobilização, que poderia se dar pelos próprios professores porque esse saber orienta suas atividades. E neste momento nos parece que os procedimentos (auto)biográficos podem contribuir no processo elaborativo do saber pelos “professorespesquisadores” e com sua mobilização coletiva. Não temos a pretensão aqui de tratar exaustivamente da conceituação no campo da pesquisa (auto)biográfica, mas de delinear os procedimentos abordados com os “professorespesquisadores”e situá-los como possibilidades (auto)formativas. Para tanto, citaremos três trabalhos que nos parecem relacionarem-se à temática: (1º) no campo das práticas formativas na Educação (BRAGANÇA e MAURÍCIO, 2008), (2º) no campo das relações formativas com professores do Ensino Superior e da Educação Básica (FIORENTINI, 2009) e (3º) no campo da pesquisa em Educação Física Escolar (SILVA e DIEHL, 2010). No campo das práticas de formação em Educação, Bragança e Maurício (2008) apresentam um quadro-síntese de concepções que orbitam as narrativas (auto)biográficas. Os autores diferenciam os desdobramentos metodológicos da história oral, da biografia e da (auto)biografia. Na abordagem (auto)biográfica, situam uma diversidade de aportes teóricometodológicos: história de vida, etnobiografia, narrativa de vida, biografia educativa ou narrativa de formação. E apresentam uma diversidade de procedimentos e técnicas como possibilidades em práticas de investigação e formação: questionário biográfico, trabalho com documentos pessoais, entrevista biográfica, história de vida em grupo, seminários de histórias de vida, história de vida na perspectiva de projeto, memoriais e diários. Para os autores, a (auto)biografia consiste em uma produção escrita do próprio sujeito sobre si, tendo como referência sua trajetória existencial, enfocando a vida de forma ampla, sem abordar fragmentos, mas buscando a expressão da totalidade ou o essencial da vida. Analisando o desenvolvimento dessa perspectiva, os autores apóiam-se em Nóvoa (apud BRAGANÇA e MAURÍCIO, 2008), destacando que foi no âmbito de discussão sobre a educação/formação permanente que o aporte (auto)biográfico se colocou como possibilidade metodológica. Essa perspectiva parece em uso corrente em diferentes áreas da pesquisa educacional. Por exemplo: ao tratar da constituição de uma comunidade de prática investigativa com professores que trabalham no Ensino Superior e na Educação Básica, especificamente com o ensino de Matemática, Fioretini (2009) faz uma narrativa de vida sobre um grupo de professores, com riquezas de detalhes (modos de fazer) que só cabem a quem é participante do processo coletivo que ora descreve e interpreta. No trato de questões afetas à Educação Física escolar, Silva e Diehl (2010) apresentam uma experiência metodológica a partir da escolha e do uso de procedimentos da narrativa escrita 87


para obtenção de informações com professores de Educação Física que trabalham na Educação Básica. Os autores consideram que as narrativas podem criar oportunidades para os professores refletirem sobre suas ações e aprimorarem seu trabalho, contribuindo com o seu processo de formação permanente. De acordo com Suárez (2008, p. 112): A documentação narrativa de experiências pedagógicas se inscreve no campo da pesquisa educativa como uma modalidade particular da investigação interpretativa que pretende reconstruir, documentar, questionar e tornar críticos os sentidos e compreensões pedagógicas que os professores constroem, reconstroem e negociam quando escrevem, lêem, refletem e conversam entre colegas sobre suas próprias práticas educativas.

Para o autor, as narrativas podem ser uma estratégia da pesquisa-ação pedagógica. Para isso, deveriam estruturar-se a partir do estabelecimento de relações horizontais e espaços de colaboração entre pesquisadores acadêmicos e professores que narram suas experiências. A intenção com isso seria constituir comunidades de investigação (ou de “atenção mútua”). Neste estudo, assim como Borges (2004), pretendemos investigar colaborativamente fontes “seguras e confiáveis” em um grupo seleto de professores, com abordagens metodológicas qualitativas na superação de problemas de amostragem. Há uma dimensão judicativa nesse processo de escolha dos professores participantes, para que sua contribuição seja no sentido de “mão dupla”, atendendo tanto a critérios de validade acadêmica (para o pesquisador que busca teorizar problemas da realidade educacional) quanto de validade profissional (para os professores pesquisarem, valorizarem e melhorarem seu próprio trabalho cotidiano). Sondamos professores que vêm pesquisando sua prática pedagógica de modo independente sem atrelarem-se diretamente ao modus operandi acadêmico, mas que buscam aumentar o rigor das análises, refletindo e produzindo coletivamente teorias para explicar o que realizam no cotidiano. Parece que os “professores-pesquisadores” compartilham reflexões e teorizam a partir das realidades em que trabalham: escolas com condições diversas. Por isso, investigamos se eventuais avanços na prática poderiam ser compartilhados como experiências relevantes a outros contextos de trabalho. Como discutir experiências concretas com professores que têm realidades diferentes de intervenção? Como avançar coletivamente se os professores trabalham em escolas e redes de ensino diferentes? Para responder esses questionamentos, pesquisamos como os “professores-pesquisadores” parecem buscar pontos comuns nas práticas, compartilhando um “linguajar comum” para compreenderem mutuamente o que fazem.

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Analisamos preliminarmente nas argumentações dos professores, suas propostas que possam ter validade em determinada região, com fundamentos aproveitados em outros contextos, mas sem constituírem modelos pretensamente verossímeis aplicáveis a todas realidades. Consideramos que estudos sobre o pensamento do professor (teachers’ thinking) pareceram próximos do referencial utilizado coletivamente pelos próprios “professores-pesquisadores” para explicar seu trabalho cotidiano: teorias da ação (TA) e teorias em uso (TU). As TA seriam as intenções dos professores, explicitadas nos planejamentos periódicos, planos de aulas, diários, memoriais, portfólios, reflexões sistematizadas durante a jornada de trabalho e outros instrumentos de registro; e as TU seriam as teorias compreendidas nas próprias ações praticadas no dia-a-dia. Entretanto, no cotidiano podem ser percebidas discrepâncias entre o que se pensa fazer e o que se faz efetivamente. Questiona-se, assim: como os “professores-pesquisadores” sistematizam seu trabalho? Como trabalham no cotidiano ao ensinar e ao pesquisar? O caráter colaborativo desta investigação se dá no sentido da vinculação efetiva da produção do conhecimento do professorado mediante o diálogo constante entre os sujeitos envolvidos, incluindo o “professorpesquisador” autor deste capítulo e os “professores-pesquisadores” participantes da pesquisa. Os procedimentos deste estudo envolvem a análise de registros (auto)biográficos elaborados pelos “professores-pesquisadores” na forma de: planejamento de aulas temáticas no âmbito dos locais de trabalho e no formato de laboratório didático compartilhado com o grupo, esboços de planejamento profissional e projetos para a carreira docente, reflexões sobre a história de vida e a profissão, anotações e atas de reuniões periódicas, artigos científicos e outras produções bibliográficas compiladas desde 2005. Os dados também incluem arquivos e mensagens registradas em uma página na internet. A página foi criada em 2006 e mensalmente mais de cem (100) mensagens em média são compartilhadas entre os professores do grupo, que atualmente totalizam mais de duzentos (200) “professores-professores”. Há cadastro de professores que trabalham nas cinco regiões brasileiras, incluindo alguns docentes de outras áreas, embora a página seja originalmente direcionada ao professorado da Educação Física. Assim, pretendemos analisar os registros (auto)biográficos de cada professor, compartilhando e dialogando sobre sua própria descrição, interpretação e proposição (autoria) do trabalho pedagógico. As questões principais remetem à centralidade da temática: como os professores trabalham? Como enfrentam problemas cotidianos que poderiam comprometer a

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qualidade de seu trabalho? Como pesquisam aspectos relacionados ao próprio trabalho e se conseguem melhorá-lo mediante essa pesquisa? E, visando à perspectiva coletiva de trabalho do professorado, cabe questionar principalmente: se o envolvimento com um grupo de “professores-pesquisadores” tem de fato algum impacto sobre seu trabalho pedagógico? De acordo com Contreras Domingo (1994, p. 17), devemos ter em mente que se um problema prático se define no campo da ação, na medida em que pretendemos melhorar nossa prática, este problema tem que ver com o que nós próprios fazemos. Entender uma situação na qual intervimos requer entender o modo em que intervimos e o que isto supõe e significa para os sujeitos implicados nessa ação. Os professores-pesquisadores Predominantemente, a maioria dos professores trabalha na região metropolitana de São Paulo – área da “grande São Paulo”, próxima à capital do Estado, incluindo os municípios circunvizinhos – tanto em escolas públicas quanto particulares de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio, sendo que alguns professores também acumulam o trabalho docente no Ensino Superior. Além da interação à distância, alguns professores também se encontram mensalmente em espaços públicos na cidade de São Paulo e, ocasionalmente, durante eventos científicos e culturais em território nacional e em outros países. Para este estudo, foram convidados doze (12) professores que têm participado de encontros mensais, caracterizados como “professorespesquisadores”, com a condição de compartilharem experiências entre si de modo coletivo há pelo menos dois anos. Além dessa necessidade de compartilhar experiências sobre problemáticas de ordem prática, a argumentação de Mizukami e colaboradores (2006) parece ser consistente no sentido de que a aprendizagem da docência tem especificidades metodológicas que necessitam ser elucidadas no processo de investigação colaborativa. Para as autoras, os trabalhos colaborativos realizados nos contextos coletivos escolares e fora deles, como é o caso desta pesquisa, ambos necessitam de validação e respaldo dos próprios professores participantes. Nesse sentido, Araújo e Moura (2008), Franco e Lisita (2008), Oliveira e Anastasiou (2008), Leite (2008), e Oliveira-Formosinho (2008) oferecem pistas para o desenvolvimento criterioso de pesquisas colaborativas, cujos procedimentos serão considerados para esta

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investigação. Há destaque para a valorização das narrativas dos próprios professores, com o tratamento da sua autobiografia numa perspectiva que conduza à autonomia. Conforme Oliveira e Anastasiou (2008), busca-se na investigação possibilitar aos professores a apropriação de seus percursos formativos, alinhavando significações e ressignificações, que podem ser geradoras de alterações tanto das nossas concepções como das práticas pedagógicas. As autoras explicam que a investigação com foco na história de vida situa-se em uma matriz de investigação qualitativa que, quando confrontada com os problemas existentes na formação dos professores, contribui para explicitá-los. Com isso, elas concordam com Tardif e colaboradores (1991) e criticam o modelo aplicacionista na formação dos professores. E para avançar, invocam Nóvoa (1992) ao afirmar que é por não dissociar as dimensões pessoal, profissional e organizacional no desenvolvimento docente, que o trabalho metodológico com as autobiografias destaca-se. Os doze (12) professores participantes concordaram previamente na divulgação de seus nomes e vínculos profissionais. Contudo, somente o primeiro nome dos professores será utilizado para identificá-los, bem como a data de sua vinculação à página eletrônica do grupo “professores-pesquisadores”: André (28 out. 2007), Ângela (9 dez. 2006), Carla (9 nov. 2006 – fundadora do grupo), Jéssica (2 jan. 2007), Leandro (11 dez. 2006), Luciana (3 nov. 2006 – fundadora do grupo), Luciano (11 abr. 2007), Marcelo (9 set. 2007), Rosângela (8 jul. 2007), Tatiana (9 jun. 2007), Tiemi (5 nov. 2006 – fundadora do grupo), e Willian (11 fev. 2007).

Willian

André

Carla

Luciana

rosângela

Ângela

Tiemi

Luciano

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Marcelo

Tatiana

Leandro

Jéssica

Fonte das imagens: <http://br.group.yahoo.com/group/professorespesquisadores>

A fonte documental com maior quantidade de informações para análise parece ser o conjunto de atas de todos os encontros do grupo de “professores-pesquisadores” com registros desde 2005. Já ocorreram quase cem (100) encontros entre os professores, considerando suas reuniões mensais e participação em eventos científicos e culturais. Segue tabela com exemplo da análise descritiva dos primeiros três encontros, incluindo data, quantidade de participantes, local e síntese breve das atividades: Data 28/12/2005 (c/4 profs.) 2 4/2/2006 (c/3 profs.) 3 18/2/2006 (c/5 profs.) 1

Síntese das atividades Primeiro contato entre os professores e troca de experiências sobre as aulas na escola; o encontro ocorreu em um shopping center na zona sul da cidade de São Paulo Troca de experiências sobre as aulas na escola; o encontro ocorreu em um centro cultural na zona sul da cidade de São Paulo. Troca de experiências sobre as aulas na escola; possibilidades de planejamento coletivo de aulas de Educação Física; início do planejamento comum de conteúdos; o encontro ocorreu em um centro cultural na zona sul da cidade de São Paulo.

Além dos encontros presenciais, os professores compartilham seus registros com arquivos e mensagens em um sítio na internet. Todas as mensagens ficam arquivadas na página, sendo possível sua consulta por quaisquer participantes. A tabela seguinte (atualizada em 12 jun. 2011*) apresenta a distribuição das comunicações, contendo a quantidade de mensagens trocadas entre os professores em cada mês: Jan.

Fev.

Mar.

Abr.

Mai.

Jun.

Jul.

Ago.

Set.

Out.

Nov. Dez.

2011

67

65

102

54

60

22*

2010

112

166

138

118

77

115

154

137

95

82

61

52

2009

127

99

126

154

181

122

94

97

84

91

94

110

2008

21

12

43

41

116

45

101

93

78

54

56

88

2007

32

46

38

21

37

81

20

45

24

29

17

28

19

40

2006

92


A partir de 2008 os professores acordaram entre si que a circulação de algumas mensagens se daria de modo restrito, através do correio eletrônico privado, para resguardar material bibliográfico de sua propriedade intelectual ainda em elaboração. Essa medida reduziu a quantidade de mensagens compartilhadas pela página, mas estabeleceu o critério de que somente as produções já publicadas seriam arquivadas para consulta. Para identificar e analisar a produção intelectual dos professores, quanto à possível influência do grupo nas pesquisas sobre sua prática pedagógica, foram buscadas informações bibliográficas no currículo acadêmico de cada participante. O levantamento de dados se deu a partir da data de vinculação dos professores ao grupo e a base utilizada foi a plataforma Lattes do Conselho Nacional de Pesquisa Científica (CNPq), que tem abrangência nacional. Note-se que nem todos os participantes têm seu currículo atualizado na plataforma. A tabela a seguir apresenta os indicadores da produção bibliográfica dos participantes e a data da atualização mais recente de seu currículo acadêmico:

André (mar. 2010) Ângela (jun 2003) Carla (out. 2010) Jéssica (jan. 2009) Leandro (dez. 2010) Luciana (fev. 2011) Luciano (dez. 2010) Marcelo (jan. 2011) Rosângela (jul. 2010) Tatiana (abr. 2010) Tiemi (dez. 2010) Willian (mar. 2011)

Eventos

Comunicações

Artigos

Capítulos/livros

1 25 4 20 55 16 2 21 26

1 44 7 15 45 5 1 12 6 30 15

1 4 6 1 2

1 10 2 1 -

Ao longo do período em que o grupo se constituiu, os professores produziram diferentes materiais alusivos ao seu trabalho com a Educação Física na Educação Básica. Dentre suas produções e registros há destaque para as (auto)biografias, uma vez que o tratamento da própria história de vida frequentemente é apontado como um meio para contextualizar o discernimento de cada professor acerca das suas práticas pedagógicas cotidianas, bem como a de seus pares. Suas narrativas (auto)biográficas Os critérios mencionados pelos professores na elaboração de seus registros (auto)biográficos perpassam suas relações familiares, escolares, acadêmicas, trabalhistas e 93


vinculações socioculturais. Aparentemente há destaque para a conexão entre a história de vida e o projeto de cada professor para a carreira docente (SANCHES NETO e VENÂNCIO, 2010). A seguir apresentamos alguns fragmentos das narrativas (auto)biográficas dos professores, caracterizando os cinco critérios: André (ênfase nas relações familiares e escolares):“tenho 28 anos, filho de pais nordestinos, nasci na cidade de são Paulo no dia 25 de janeiro de 1982. A história de minha família começa quando meu pai vem da Paraíba para a cidade de São Paulo para trabalhar na construção civil, passado algum tempo retorna para o nordeste, desta vez para o Recife para onde seus irmãos tinham migrado, buscando oportunidade de trabalho. Lá ele conhece a srta. Maria de Fátima que veio ser sua esposa um ano depois. Assim, vieram para a cidade de São Paulo, onde permaneceram desde então”. Sobre as lembranças da vida escolar, “a pré-escola era algo muito dinâmico para mim, eu filho único me deparando com um número grande de colegas era algo empolgante e desafiador. As brincadeiras, amizades, são as memórias mais significativas desta época. Fora a primeira paixão platônica, claro. Quase toda tarde, depois da escola, íamos, eu e minha mãe, em um parque público onde brincava com outras crianças, algumas até estudavam comigo”. “A casa, muito simples, me proporcionou espaços e materiais muito interessantes para minhas brincadeiras. Barro, pedras, insetos muitas vezes se misturavam aos super-heróis e a outros tipos de objetos, o que tornava esses momentos únicos, na maior parte do tempo sozinho. Para dormir era necessário ouvir histórias e a fonte de minha mãe eram as revistas em quadrinhos, quando não havia mais revistas, pedia que inventasse. Algum tempo depois, adotei um diário onde escrevia e copiava alguns poemas. A respeito de um destes cadernos, lembro-me de um episódio que a professora apresentou meu caderno para a diretora e lendo alguns poemas “meus” e tecia elogios com o desejo de motivar”. “Minha mãe comprava muitos livros infantis, revistinhas em quadrinhos e didáticos; o primeiro destes foi adquirido na escola pública em um evento literário. Havia uma preocupação muito grande da parte dela com os estudos e com a saúde geral, especificamente dentária e nutricional. Na escola pública em que cursei o Ensino Fundamental havia dentista que fazia um trabalho de prevenção, extração e indicava para um serviço gratuito em alguns casos”. “Para realizar a matrícula, aguardava-se muito tempo em uma fila, alguns pais dormiam para garantir uma vaga. Minhas aulas de Educação Física eram fora do horário de aula; eram aulas tradicionais e separadas das alunas. Os esportes coletivos, ginástica e orientações de saúde eram os conteúdos predominantes e a professora era amigável. Lembro-me de aulas em que corríamos 94


em volta da quadra durante muito tempo. Pesquisas que tínhamos que fazer a respeito de alguma modalidade ou evento esportivo e encontrar livros sobre os temas não era simples. Ir até a biblioteca pública era um evento, mas o que menos se fazia lá era ler, íamos até lá para tirar fotocópias para elaborar as pesquisas escolares, geralmente em grande número de colegas”. [...] na atualidade, com “o término da Graduação fui convocado para atribuir a vaga de professor de Educação Física na rede estadual de São Paulo, em 2007, onde permaneci durante dois anos e meio. O início, a recepção, os primeiros olhares são de curiosidades, tanto de minha parte – para saber como a escola funciona, e da parte dos atores da escola – em saber como você vai lidar com a realidade da escola”. Em relação aos alunos: “o contato com os alunos me fez pensar no quanto que sabia a respeito deles, no quanto que o curso de Graduação permitiu com que eu me projetasse como professor. Os conteúdos que permitiam uma maior adesão foram a minha segurança neste momento, jogos, brincadeiras me ajudavam a ganhar tempo para elaborar, buscar referenciais para conceber ações mais intencionais. A aproximação de ONGs e participação de palestras me levaram a conhecer algumas pessoas que não necessariamente fossem professores de Educação Física, mas tinham mais experiência neste tipo de trabalho. Meu pensamento com relação ao papel que a escola desenvolvia era equivocado para os desafios contemporâneos. Em uma destas palestras, conheci a professora Luciana Venâncio, que me convidou para conhecer o grupo “professores-pesquisadores”, do qual faço parte”. Sobre o grupo: “o grupo tem dois aspectos importantes para mim, o tratamento da relação entre desafios contemporâneos e dinâmicas do cotidiano docente, e o segundo a apresentação de critérios e desafios para a ação e carreira docente, além da amizade é claro. Atualmente leciono na rede municipal de São Paulo, na EMEF Caio Sérgio Pompeu de Toledo, na região da Cidade Tiradentes e tenho a pretensão de continuar atuando na rede por alguns anos”. Leandro (ênfase nas relações acadêmicas, trabalhistas e vinculações socioculturais): “sou natural de Guarulhos, Bairro dos Pimentas – Jardim Dona Luiza, nasci no dia 13 de junho de 1986, no hospital Santa Terezinha (atualmente não existe), sou filho caçula de Maria Jacelina de Oliveira e Nivaldo Pedro de Oliveira, irmão de Letícia Jacelina de Oliveira e Nivaldo Pedro de Oliveira Júnior”. “[...] sobre a presença do futebol em minha vida [...], comecei a jogar em um time de futebol e, no ano seguinte, quando tinha doze anos foi realizada uma excursão ao Chile; meu pai já acompanhava os jogos aqui no Brasil e tive o privilégio de contar com sua presença também 95


no Chile. Foram momentos mágicos, aprendi a falar algumas coisas em espanhol, andei de avião, jogava bola todos os dias em que lá estive, ia ao shopping e aos estádios de futebol em torno da casa que morávamos. No total foram dezesseis dias, quanto ao resultado fomos vice-campeões, em uma partida muito disputada contra o time “pré-mirim” do Colo-Colo”. “Três anos após a viagem do Chile fui à Argentina, dessa vez de ônibus, porém, considero uma viagem mais divertida, tinha quatorze anos, estava sem a presença do meu pai e mais “solto” para cometer algumas travessuras, tais como: andar de moto escondido em volta do hotel fazenda em que estávamos, “ficar” com as meninas que estavam em férias, vindas de Buenos Aires, além de comprar sorvete escondido do treinador e trocar camisas de times brasileiros por times argentinos, lembrando que minhas camisas eram “genéricas”, enquanto as que adquiria eram oficiais”. “Durante esta fase joguei por alguns meses no palmeiras e na portuguesa, por um período de testes, três meses em cada. Acabei não ficando em nenhuma das equipes, e um tanto frustrado. Continuei jogando até os dezessete anos, mesclando minha presença neste time de futebol, chamado relâmpago e no time da escola. Aos dezessete anos ao finalizar o Ensino Médio fiz uma prova para ingressar na universidade [...]. Próximo a encerrar o ano letivo de 2003, uma IES particular foi até minha escola (EE “Bartholomeu de Carlos”) e aplicou uma prova com a possibilidade de desconto nas mensalidades”. “Sobre ingresso no Ensino Superior, a escolha do curso de Educação Física e o início da docência: entre os dezoito e vinte e dois anos, penso que o fator determinante para a escolha do curso de Educação Física se deu por conta de minhas experiências nos times de futebol em que joguei, considerando que não havia me tornado um jogador queria de alguma forma manter o contato com a prática do esporte. No mesmo ano em que comecei a universidade houve a divisão do curso de Educação Física, em Bacharelado e Licenciatura. Meu foco inicial sempre foi o Bacharelado, porém, como os processos de formação e desenvolvimento são propensos a mudanças e estas sempre marcadas por influências. Posso considerar alguns fatores determinantes, um deles foi o fato de ainda na Graduação ter o privilégio de trabalhar como professor, em uma pequena escola particular localizada em Guarulhos; o outro fato e ligado ao primeiro foi a necessidade de organizar as aulas de modo pedagógico, influenciado por alguns professores que tive na Graduação, sobretudo com o enfoque na Educação Física Escolar”. “Com o avançar do tempo fui convidado pelo professor Luiz Sanches Neto a participar do grupo de estudos “professores-pesquisadores”, sem dúvida um momento que influenciou em muito o meu interesse pela Educação Física na escola. Com o passar do tempo produzi alguns

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materiais de pesquisa junto ao grupo, que sempre esteve envolvido em trabalhos coletivos e compartilhados, sob o viés da pesquisa-ação”. “[...] alguns meses após o término da Graduação matriculei-me em um curso de Especialização na Universidade Estadual de Campinas, em março de 2007. Considero esta época como um dos momentos em que mais estudei e repensei sobre a Educação Física na escola, bem como sua função social. Tais reflexões partiam do contato com professores renomados em nossa área, juntamente com os demais alunos, principalmente pela diversidade cultural em detrimento das diferentes naturalidades que havia no curso, conheci pessoas de Americana, Limeira, Taubaté, Campinas, Guarulhos, São Paulo, Valinhos, Jundiaí, entre outras cidades, chegando ao conhecimento dos diversos “modelos” de Educação Física nesses lugares. Tive a orientação da professora Luciana Venâncio no trabalho de conclusão de curso, elaborei um artigo sobre o tema avaliação na pedagogia do esporte”. “[...] já no eixo “profissional” em meio a estudos, viagens ao interior, enfim... Trabalhava de segunda a sexta em três escolas, um delas com alunos da Educação Infantil (escola conveniada à Prefeitura de Guarulhos), outra com alunos da Educação Infantil e Fundamental ciclo I e a terceira com o elemento cultural xadrez, com turmas de Ensino Fundamental ciclos I e II, lecionava duas disciplinas, xadrez e Educação Física”. Sobre “o ingresso no ensino público de São Paulo e no Mestrado em Educação, desde o primeiro momento em que passei a ter gosto pela Educação Física Escolar tive também o desejo de trabalhar no setor público. O primeiro concurso foi realizado em 2005, para o cargo de professor na rede estadual de São Paulo, naquela época ainda estava na Graduação, prestei o concurso e não passei. Tal reprovação foi muito importante para os demais concursos que viria a prestar. Acredito que as coisas não são fruto do acaso, e que temos que conquistar nossos objetivos por meios legítimos e, no caso do ingresso na escola pública, não poderia ser por outro meio senão estudando muito, já que queria um cargo efetivo. Houve um concurso que prestei em 2008 pela prefeitura de Santa Isabel que tive uma ótima classificação, porém não saiu a convocação. Logo no ano seguinte, houve a oportunidade de prestar o concurso para ingressar na Prefeitura de São Paulo, particularmente o cargo que mais almejava. Foram oferecidas cerca de 460 vagas, e minha classificação ficou no número 374. Após todo processo de escolha de escola, exames e documentação, ingressei na EMEF “Senador José Ermírio de Moraes” aos 14 dias do mês de maio de 2010”. “Paralelamente ao meu ingresso na prefeitura de São Paulo foi também o ingresso no Mestrado em Educação [...]. Em março de 2010 iniciaram as aulas, tenho como orientador o professor Antônio Joaquim Severino. Atualmente venho estudando as dificuldades dos 97


professores em início de carreira que trabalham na prefeitura de São Paulo. Apesar das diversas noites em claro, das preocupações e das imensas leituras que são propostas tem sido extremamente prazeroso estudar em meio a tantos professores e colegas de classe competentes e comprometidos com a Educação de modo geral”. “Minhas expectativas futuras são o término do Mestrado, continuação do trabalho na Prefeitura de São Paulo e acúmulo de cargo na rede estadual, ainda em 2011. Gostaria de ingressar no Ensino Superior e continuar a elaborar materiais com relação as minhas experiências na Educação Básica”. Luciana (ênfase nas relações familiares, escolares e acadêmicas): “escrever a respeito da própria história de vida não é uma tarefa fácil, porém necessária quando temos a intenção de refletir, pronunciar ao mundo e ser por ele pronunciado... aos quatorze de janeiro de 1970, por volta das 11h30 cheguei ao mundo no hospital Nossa Senhora da Penha, no Bairro da Penha, na cidade de São Paulo. Terceira filha de Sérgio Venâncio e de Maria da Glória Silva Venâncio (Glorinha). Meus outros irmãos, em ordem cronológica do mais velho para o mais novo são: Milton Luiz, Serginho, Elisângela e Marcelo. Todos eles casados no momento e com filhos. Tenho dez sobrinhos, na verdade três sobrinhos: Fellipe, Franciso e Pedro, e sete sobrinhas muito lindas, inteligentes e levadas: Mariana, Maria Júlia, Barbara, Maria Celeste, Ana, Maria Luiza e Sophia (que nasceu hoje!). Temos uma tia por parte de pai ainda viva que mora conosco, Maria Júlia, a consideramos “segunda mãe”, aliás, uma costureira de mão cheia, os mais belos vestidos que usei, durante a infância e adolescência, foram confeccionados perfeita e carinhosamente por ela...” “Meu pai tinha o hábito de logo após o nascimento dos filhos retornar ao Estado no qual trabalhava. Em abril, logo após meu nascimento retornamos para Caxias do Sul-RS. Meu pai exjogador profissional de futebol fazia questão que os filhos fossem paulistas como ele. Minha mãe, gaúcha, se contentava com os registros dos filhos feitos no Estado no qual nasceu. Foi minha mãe que me levava no colo para ser amamentada, enquanto meu pai treinava, pode ter sido lá que adquiri “o gosto pelo movimento”. “Os anos se passaram, retornamos à cidade de São Paulo, onde cresci e atingi a idade para iniciar meu caminho pelos bancos escolares da escola pública brasileira, o ano era 1977. Nessa época já tinha mais um irmão e uma irmã. A escola na qual estudei toda a Educação Básica chama-se Escola Estadual “Barão de Ramalho”. A década de 70, período de meu ingresso na escola pública foi um período turbulento da história social, política e econômica do Brasil, porém um período muito rico de manifestações da cultura em prol de uma liberdade de expressão e 98


conscientização popular. Nesse período, no campo da cultura esportiva, o futebol, expressão da paixão nacional foi usado como carro chefe das campanhas de manipulação social, éramos 90 milhões em ação, obedecendo às ordens dos homens de farda. A década de 80 marca o início do processo de democratização do país, meus pais continuaram me mantendo na escola pública, acreditavam nela”. “Essas duas décadas foram marcadas por significativas experiências na “rua”... aprendi a andar de bicicleta (Caloi “10” verde), passar cortante na linha das pipas (não sei empinar até hoje), jogar bola (leia-se futebol) com os meninos e aprender a suportar a dor ao ver o “tampão” do dedo exposto a cada chute mal dado. Apesar de adorar os vestidos feitos pela minha tia, eles não tinham muita serventia para brincar na rua... Mas para ir ao cinema era a vestimenta mais adequada, foi com um desses vestidos que fui a primeira vez ao cinema assistir ao filme Marcelino pão e vinho [...]”. “[...] fiz a opção de não mudar de escola e estudar a noite por conta de minhas amigas e amigos desde o 1º ano escolar. Fizemos parte do grêmio estudantil da escola, equipe esportiva que representava a escola em jogos escolares, representante de classe, conselho de escola, fanfarra escolar, enfim, participava do “movimento da escola”. O professor de Educação Física da escola, Renato, me fez acreditar que eu era uma “boa jogadora de basquete”. Agreguei isso ao fato de ser considerada também uma “boa aluna”. Esse mesmo professor de Educação Física, descobri tempos depois, foi professor de uma pessoa muito querida, por quem descobriria o valor do amor, da paciência e do respeito [...]”. “Meus pais se separaram em 1983 e em 1984 perdi minha avó paterna, fiquei com pena do meu pai. Apesar do cenário que se mostrava aparentemente perfeito, este não era o retrato fiel do que se passava no interior da escola pública. Os professores ficavam juntos, mas não decidiam coletivamente como pensar os alunos que ali estavam presentes. O importante era cada um “dar” a sua aula, a obrigação dos alunos era receber as informações para passar no vestibular”. “Arrumei um emprego de auxiliar de escritório em 1985, experimentei o que é fazer algo que não se tem prazer... Durante o Ensino Médio, aconteceram situações interessantes paralelas a vida escolar. [...] Namorados oficiais na adolescência não tive, apenas “paqueras” que saiam correndo diante da presença dos meus irmãos mais velhos. Terminamos o colégio, era 1987, e nos separamos momentaneamente, fui cursar Educação Física [...]. Para mim, estava claro (não sei se para a escola e para os professores), pois muitos colegas dos bancos escolares queriam ir à escola para ingressar na faculdade, como também queriam ir à escola para viver, aprender a ler e escrever, recitar poesia, compor música, ouvir história, conhecer o Brasil e sua literatura, praticar atividades esportivas e associar tudo isso com a vida”. 99


“[...]durante a Graduação lecionei em escolas públicas estaduais da cidade de Rio Claro como professora substituta em duas escolas de Ensino Fundamental. Iniciaram-se nesse período (1993) meus primeiros entendimentos, agora como docente e não mais como aluna, do que era uma escola pública, suas várias facetas e complexidades, suas incertezas e incompreensões. Coordenei entre 1993 e 1994 as colônias de férias oferecidas pelo departamento de Educação Física aos filhos de funcionários da Unesp e moradores da cidade”. “Na Graduação fui orientada prazerosamente pelo professor Luiz Alberto Lorenzetto, que me fez ir “olhar a escola”, os alunos e alunas e saber deles o que entendiam a respeito do fenômeno lúdico. Nesse trabalho também contei com a colaboração da professora Irene Conceição Andrade Rangel (Tati) que teceu considerações relevantes sobre a escola. Neste meu primeiro trabalho de iniciação no campo da pesquisa contei com uma bolsa de iniciação científica do CNPq [...].” “[...]em 1996 prestei concurso público para professora no município de São Paulo. Porém, antes de ser convocada para assumir o cargo do referido concurso, lecionei em 1997, na fundação Paula Souza, como professora contratada do Ensino Médio, escola técnica. Minha primeira experiência com esse nível de ensino. Em 1997 ocorreu o processo de mudança na estruturação da grade curricular do Ensino Médio, e a Educação Física teve sua jornada de horaaula reduzida, passando de 3 aulas para 2 aulas semanais. Em 1998 tive meu contrato rescindido e deixei o Ensino Médio. No entanto, no início do mesmo ano, fui convocada para assumir o cargo de Professora Titular de Ensino Fundamental no município de São Paulo”. “[...]junto com outros professores de Educação Física, em 2005, iniciei uma reflexão mais aprofundada a respeito da própria prática pedagógica e trabalho desenvolvido na e com a Educação Física Escolar: um grupo autônomo de “professores-pesquisadores” de Educação Física sem vínculo institucional algum, neste momento retomo o interesse com o referencial teórico da pesquisa-ação. As experiências com esse grupo de professores tem sido significativa, visto que tenho participado de encontros, congressos, seminários da Educação Física, da educação com a intenção de socializar as experiências coletivas desse grupo. Recentemente tivemos um trabalho aprovado que apresentei em colóquio internacional na cidade do Porto em Portugal [...]”. “[...]no final de 2007, fui convidada pelo professor Mauro Betti (Unesp/Bauru), para compor a equipe responsável por elaborar a proposta curricular de Educação Física para a rede de ensino do Estado de São Paulo. A equipe foi constituída também pelos professores Jocimar Daolio (Unicamp) e Luiz Sanches Neto. A equipe foi responsável por elaborar a concepção de Educação Física bem como 28 cadernos para subsidiar o trabalho do professorado que trabalha 100


com o Ensino Fundamental (6º ao 9º anos) e Ensino Médio (1ª a 3ª série). Dentre outras funções da equipe foi nossa responsabilidade elaborar, apresentar e gravar videoaulas e videoconferências sob a temática abordada e sugerida na proposta. O trabalho da equipe em assessorar a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo foi finalizado em dezembro de 2009. [...] Em função das experiências realizadas pelo grupo de “professores-pesquisadores” e por compor a equipe responsável pela proposta curricular [...], participei como palestrante de congressos temáticos e encontros de formação [...]”. “[...]a vida parece que nos guarda algumas surpresas... Por isso é surpreendente! Fiz inscrição no processo seletivo para o Doutorado no mês de maio de 2010 no programa de PósGraduação em Educação (Unesp/Presidente Prudente). [...] no início do mês agosto é publicado o edital com o resultado final das etapas do processo seletivo para o doutorado, meu nome estava entre muitos outros... Após 12 anos como professora de Educação Física, solicitei afastamento das minhas funções docentes. E em 15 de outubro – dia do professor – o pedido foi deferido.” “Os projetos em andamento incluem a organização de um livro a respeito das experiências do grupo de “professores-pesquisadores” [...]. Ah! Tenho um namorado... que é professor de Educação Física!”. Luciano (ênfase nas relações familiares, escolares e acadêmicas): Sobre a alfabetização nos anos iniciais da escolaridade, penso que “realizar uma (auto)biografia não é tarefa simples, para isso é necessário rememorar. Há necessidade, também, de provocar circunstâncias que contribuam para as recordações, utilizar objetos como fotografias, recorrer a pessoas que possam colaborar, enfim, as circunstâncias suscitam as lembranças”. “Nasci no dia primeiro de novembro de 1986, no Hospital Pio XII, situado no Município de Guarulhos, grande São Paulo. Sou o filho mais velho de Maria de Fátima do Nascimento Corsino e Giovane Pinheiro Corsino, acompanhado de uma irmã, Bruna Nascimento Corsino, nascida em 08 de dezembro de 1990. Minha mãe, nascida em Jales, cidade do interior de São Paulo é filha de nordestinos. Meu pai nascido na cidade de São Paulo, na Penha, é filho de mineiros, com descendência italiana”. “Nesse momento tentarei recordar os momentos de meu processo de descontinuidade, a passagem de uma educação informal para uma educação formal. Lembro-me do primeiro dia de aula, na época, a primeira fase escolar era dividida entre “recreação” e “pré”. Havia certa angústia por minha parte, ansiedade por parte de minha mãe e orgulho por parte de meu pai. Algumas coisas são claras em minha memória, minha camiseta branca com o emblema da escola, meu

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short azul marinho, meu par de tênis preto e a dificuldade para amarrar os cadarços, o nó era fácil, mas fazer aquele laço era um grande desafio que só minha mãe conseguia resolver”. “Antes de sairmos para a escola, minha mãe tentava me acalmar, com o intuito de me preparar para uma nova rotina, que acabaria me afastando de minha casa por algumas horas durante cinco dias da semana e, também, de minha família. Minha angústia retratava um inegável medo do desconhecido, mas ao mesmo tempo, eram muitas as expectativas de um novo momento de minha vida que estava por vir; este sentimento contraditório me confundia. Em meu pensamento, prevalecia a ansiedade de conhecer novos amigos, fazer desenhos com lápis de cor e giz de cera, pintar com tinta guache, aprender a ler e escrever, brincar no parquinho o qual meus primos mais velhos já conheciam por terem passado pela escola me descreviam com alegria contagiante”. “Por outro lado, recorro à minha mãe. Fico surpreso à lembrança que, sem qualquer esforço me descreve, pois sobre isso não me foi possível rememorar. Em sua memória, estão cadernos, caixas de lápis de cor e até um quadro negro, que foram instrumentos que a possibilitaram adiantar, sobretudo em relação à escola, minha iniciação no mundo dos desenhos e das letras. Ela também me chama atenção para a lancheira de pano azul que, todos os dias foi encarregada de transportar o lanche de presunto e queijo ou hambúrguer, o suco de uva e a maçã ou a pera que me alimentariam durante o horário do recreio”. “Voltando ao primeiro dia de aula, já no portão de entrada da escola, minha mãe me ajuda a lembrar do cenário: muitas crianças, a maioria com suas mães e poucas com seus pais, algumas acostumadas com a rotina, outras, desesperadas, ora por não conhecer o que deveria encontrar do outro lado dos muros, ora por ter que deixar suas mães. Neste momento, o medo da solidão estava claro nos olhinhos ansiosos, muitos, molhados de lágrimas que corriam pelos rostos expressando uma mistura de sentimentos como medo, ansiedade, curiosidade e angústia. Aqueles corpos não escondiam esses sentimentos que, em muitos se somatizavam, despertando dor e frio na barriga”. “Ainda é possível me lembrar do barulho do sinal daquela escola, principalmente, por ter provocado a abertura dos portões e, consequentemente, o choro de muitas crianças ao meu redor, muitas se esperneavam para não entrar na escola. Lembro-me de um menino que precisou ser carregado pela mãe até à cadeira da sala de aula. Eu não estava com medo, pois estava decidido enfrentar seja lá o que tivesse me esperando, me restando apenas uma enorme ansiedade. Ainda do lado de fora, minha irmã mais nova, segurando minhas mãos, não queria me deixar entrar na escola, mas, mesmo assim, soltei suas mãos e caminhei até a sala de aula; eu tinha

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um crachá preso na camiseta que identificava a sala que eu deveria me integrar, ao entrar na escola, uma “tia” estava separando grupos de acordo com a sala e série de cada um”. “Ao caminhar até a sala de aula, uma sensação de estranhamento me dominava, aquela arquitetura, com muitas portas, muros altos e janelas com grades me deixavam com receio, no entanto, eu sabia que deveria ser um local que me ajudaria a aprender muitas coisas. Ao adentrar a sala de aula, me deparei com uma professora muito legal, pois nos acalmou dizendo como seria interessante pra gente estar na escola e participar das atividades, seu nome era Maria das Graças. Só foi possível resgatar seu nome a partir de meu certificado de conclusão da Pré-escola”. “Lembro-me das mesas redondas que nos faziam sentar em pequenos grupos ao redor das mesas, ali começamos então a aprender cantorias que eram obrigatórias em determinados momentos. Lembro-me também dos momentos de deslocamento para o recreio, parquinho, entrada e saída da escola. Em todos estes momentos os professores nos organizavam em filas, eram duas filas; uma para os meninos e outra para as meninas - quanto menos contato melhor é claro - os menores para frente e os maiores para trás, nestes momentos tínhamos que nos deslocar cantando, não muito diferente da marcha dos militares”. “Em sala de aula, muitas eram as atividades propostas, em sua maioria, desenhos que fazíamos e depois pintávamos, mas também inúmeras atividades com lantejoulas e purpurina; para isso o tubo de cola e o papel eram indispensáveis. Lembro-me, ainda como se fosse hoje, a dificuldade que tive para fazer o chapéu e a espada de jornal no dia do soldado. Mas uma coisa me empolgava muito, a vontade de aprender a ler e escrever. Antes de iniciar na escola, eu já sabia que meu nome começava com uma letra chamada “éle” e que para escrevê-la, eu deveria desenhar dois “pausinhos” juntos, um em pé e um deitado, foi o que minha mãe havia ensinado depois de tanta insistência”. “De todas as atividades, a que eu mais gostava era o momento de ir para o parquinho. Lá nós ficávamos “livres”, não precisávamos ficar em fila e nem tampouco por ordem de tamanho ou separado entre meninas e meninos. Confesso que isso me incomodava bastante, eu não entendia estes procedimentos. Ao terminar o ano e ingressar no Pré, lembro-me que a partir daí, já cantávamos o Hino Nacional e o Hino de Guarulhos, mas o que mais me chamou atenção foi o “a - e - i - o - u”, era minha iniciação ao mundo das letras. Havia de mim um esforço tão grande para aprender a escrever, que rapidamente atropelei as dificuldades em escrever essas letras, creio que o gosto pelos desenhos facilitaram bastante a coordenação motora fina que me possibilitou “desenhar” as letras”. “Mas outro desafio estava por vir, ouvi da professora que essas mesmas letras poderiam ser “desenhadas” de outra forma, era algo que eles chamavam de maiúsculas e minúsculas, mas 103


que inicialmente aprendi como letras grandes e letras pequenas, não bastava apenas aumentar ou diminuir o tamanho das letras, o formato para cada tipo deveria ser diferente, as maiores eram fáceis, mais quadradas, as menores um pouco mais difíceis, mais redondas. Apesar da dificuldade, ouvi algo de minha mãe que acabou me assustando, ela me disse que essas, eram apenas as vogais e que existia um outro tipo que se chamaria consoantes, assim como a primeira do meu nome, e ainda reforçou que as consoantes eram um grupo muito maior do que o grupo das vogais. Nossa! pelo visto eu teria muita coisa para aprender, até fiquei preocupado”. “Algo era muito interessante, em todas as atividades que fazíamos, não existia qualquer responsabilidade, não havia seriedade, as atividades eram feitas partindo de um só princípio, a ludicidade, fato este que me deixava muito tranquilo e, é claro, me estimulava a sempre participar de tudo. Hoje, penso que o lúdico é importantíssimo para a aprendizagem na Educação Física, isso faz muito sentido, os alunos precisam estar à vontade, as atividades precisam fazer sentido para que eles a desenvolvam de forma satisfatória”. “Creio que ao final do ano, minimamente, eu já estava acostumado com os desenhos e as letras que utilizamos para brincar durante as aulas, mas, por outro lado, emergia uma nova ansiedade, afinal, a pré-escola estava acabando, eu sabia que uma nova fase estava por vir, já adiantada por meus primos, que descreviam como seria o ingresso na primeira série do Ensino Fundamental, e que naquele momento era chamado de Primário”. “Lembro-me do primeiro dia, na porta da escola, aguardando o sinal para que os portões fossem abertos, um pouco acostumado com o procedimento, só me assustava o tamanho da escola e a quantidade de alunos, que não se comparava à pré-escola. Neste momento, eu sabia que a responsabilidade aumentaria, pelo menos foi o que me disseram. Ao entrar na escola, percebi uma grande diferença quanto à organização, as filas continuavam, mas eram muitas filas, tinha crianças muito mais velhas, que corriam, chutavam uma latinha de refrigerante simulando uma partida de futebol, me parecia muito legal. A arquitetura interna da escola era muito interessante, mas eu estava mesmo à procura de um local que foi muito comentado por meus primos, a quadra da escola”. “Ao iniciar a aula, a professora se apresentou, seu nome era Maria Aparecida, mas a chamavam de Cidinha, fiquei muito surpreso com a quantidade de livros que ela nos apresentou, lembro-me dos livros de matemática, língua portuguesa, ciências, história e, com muita clareza do livro de estudos sociais, sua capa era azul e branca. Voltei para casa com uma enorme lista de materiais para comprar. Durante as aulas, a professora nos passava letras para que copiássemos em um caderno de caligrafia; no começo era fácil, mas depois começaram a aparecer outras letras

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e cada vez ficava mais difícil. Lembro-me que alguns amigos de classe tinham muita dificuldade em aprender a letra de mão maiúscula Q”. “Para mim, o caderno de caligrafia ajudou bastante, pois, separava os espaços que as letras maiúsculas e minúsculas deveriam ficar. Em um dos livros, era possível encontrar muitos desenhos como igreja, avião, abelha, sapo, casa e outros. Embaixo de cada desenho havia certa quantidade de traços que correspondiam ao número de letras, cujo objetivo era o de que o aluno preenchesse cada traço com a letra para formar o nome da figura. Outro exercício muito comum era as junções de letras como c + a = ca, s + a = sa, depois de determinado tempo, as sílabas também começavam a se juntar ca + sa = casa, assim, formando uma palavra”. “Outras formas de juntar letras começaram a aparecer, como lh, ch, sc, essas, me causavam mais esforço para entender, aumentando o grau de dificuldade, porém, também não causaram maiores problemas. Em minha casa, havia um determinado tempo de estudo estipulado por minha mãe, era o momento em que ela estava “livre” dos afazeres, sentava comigo para ajudar com as tarefas de casa e com as palavras, letras e números que eu apresentava mais dificuldades. Após começar a ler e escrever algumas palavras, eu estava muito empolgado, gostava muito de tentar ler todas as palavras e frases que eu via nos ônibus, nas camisetas, em placas de propaganda e outros, isso também contribuiu bastante para minha alfabetização”. “Posso dizer que não tive muita dificuldade com a alfabetização, sempre fui uma criança que gostava muito das atividades de leitura e escrita, isso contribui muito para que hoje, minha leitura e minha escrita sejam razoavelmente boas. Atualmente, gosto muito de ler e escrever e imagino que um dos grandes motivos foram meus anos iniciais na escola, minha mãe que sempre estimulou e me ajudou com as leituras e exercícios, minhas professoras, principalmente as duas que citei ao longo do texto, que contribuíram e sempre estimularam o gosto pela leitura e escrita”. Sobre as lembranças sensoriais da vida intelectual (o tato), “desde criança, a sensação de liberdade me tomava como algo extremamente importante, a escola, por muitos momentos me tirou essa sensação, mas em outros, se contraponto, me devolveu de forma muito mais intensa e prazerosa. Desde a pré-escola, algo me incomodava, me trancava, me agoniava”. “Os rituais escolares não me faziam bem, poucos eram os momentos que meus pés ficavam parados, e que, inconscientemente, se moviam de forma contínua, apesar de estar calçando tênis, ainda sinto o toque de meus pés ao pé da cadeira que era a referência para aquele veloz movimento de ida e volta, enquanto o resto de meu corpo se via imobilizado, eu ainda tentava prestar atenção na professora”.

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“Essa imagem se torna mais clara em minha mente ao rememorar sobre a primeira série do Ensino Fundamental em diante, meus pés não param, eles se movimentam, precisam tocar no chão ou no pé da cadeira; estes, são pontos de referência, esse toque representa minha vontade de ali não estar, ou ao menos, minha vontade de estar em pé, caminhando, correndo, brincando, jogando futebol, pulando corda e, por que não, ler em pé? Ir até o quadro negro? Ah como eu gostava de ir até o quadro negro, que me instigava uma dúvida, por que quadro negro se ele é verde e escrevemos com giz branco?”. “Eu gostava de estudar, mas o problema era estar imobilizado para o estudo, precisava sentir, pensar, agir; o mundo não para, eu não queria parar, e o toque de meus pés na cadeira e no chão possibilitava minimamente que eu não parasse. Já na quinta série do Ensino Fundamental, na escola, um grande momento estava por vir, a aula de Educação Física, eu era o primeiro a acompanhar o professor até a sala de materiais, eu precisava tocar naqueles materiais que representavam meu momento de liberdade, momentos estes que eu sempre aproveitei muito, até o último segundo”. “Durante as atividades, meu tato era muito presente, lembro-me das cordas, da bola de voleibol, da bola de futebol, da bola de basquetebol, da bola de handebol, dos cones, lembro-me da primeira vez que vi uma rede de voleibol esticada no meio da quadra, eu precisava tocá-la, pois até ali só tinha visto igual pela televisão, assim aconteceu com a rede das balizas do futsal, são fortes momentos que marcam e representam minha disponibilidade para praticar todas as atividades propostas pelo professor de Educação Física”. “Talvez, episódios como esses, podem revelar o sentido da escolha por uma profissão, parece-me que a vontade de não estar ali, imobilizado naquela cadeira, sentindo o toque de meus pés no chão e, a alegria de estar livre em determinados momentos, em especial nas aulas de Educação Física, a vontade de tocar e manipular os materiais, de sentir a liberdade, me foi extremamente importante e decisivo para o gosto pelas atividades esportivas e, posteriormente, na escolha da carreira profissional, pois me colocaria numa posição de um profissional que de alguma forma proporcionaria para outras crianças a liberdade que eu sempre busquei e precisei”. “Ao iniciar o Kung Fu em uma academia perto de minha casa, aprendi muitas coisas, entre elas, a importância do sentir e do tocar, numa luta há necessidade de tocar o adversário, seja com os pés ou com as mãos. No começo, é tudo muito difícil, a faixa branca traz a marca de iniciante, a quinta faixa (verde) simboliza um nível mais avançado, é preciso, no mínimo, de 4 anos de treinamento para atingir esse estágio. Ao estar na faixa verde, lembro-me, durante um treinamento, de ter lutado contra um colega que estava na faixa branca, meu professor controlava as ações, havia necessidade de controlar o toque, a intensidade é importante, o professor escolhia 106


uma região do corpo do adversário e me solicitava “eu quero que você acerte um chute circular na cabeça, mas só toque no protetor”. “O controle de minha perna era extremamente importante, havia grande complexidade em realizar um chute circular, passar pela defesa do adversário e apenas tocar o protetor do adversário para não machucá-lo, algo que apenas lutadores que treinam há mais de quatro anos conseguem, é possível perceber ali, uma mistura de controle e flexibilidade, técnica para realizar o movimento, velocidade para furar o bloqueio das mãos do adversário e sensibilidade para não tocar seu protetor com muita força. Era necessário sentir o protetor e recuar, o que importa neste momento é o toque para conseguir a pontuação, existe a preocupação de não machucar o adversário”. “Durante as lutas e até mesmo durante os treinamentos, o toque se faz presente, sentir o adversário é muito importante, lembro-me, após cinco anos de prática do Kung-fu, de ter realizado lutas e treinamentos com os olhos vendados, tocar e sentir o adversário fazia toda diferença: minha visão se fazia através do tato e da audição, havia necessidade de ouvir e depois sentir o adversário. Assim, a luta me traz recordações que só agora posso unir à minha vida intelectual. Em meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) na graduação em Educação Física abordei a importância das lutas como tema da Educação Física Escolar, até hoje estudo sobre esse tema”. “Durante a Faculdade de Educação Física, eu consigo lembrar das discussões sobre afetividade na Educação Física infantil, as lutas aparecem como uma manifestação extremamente importante, só ali é possível retornar à academia e descobrir a grande importância da luta para minha vida. Mas o tocar e sentir o outro, apesar de aparecer como algo extremamente importante, também me causa inquietação. As aulas de Educação Física são diferentes de qualquer outra disciplina, principalmente por proporcionar este momento diferente, que é o de sair da sala de aula e realizar uma atividade em outro formato, para a maioria dos alunos, esse é um momento mágico. Os alunos são muito carentes, eles necessitam do toque, eles se abraçam, dão as mãos, se tocam, até mesmo os chutes e empurrões entre eles demonstram um significado, uma carência de afetividade”. “Mas esses gestos não bastam apenas entre eles, eu, professor de Educação Física, por muitas vezes preciso me impor, muitas meninas querem me cumprimentar com beijos no rosto, algumas delas, querem me abraçar, outras, querem me dar a mão, isso é um problema, eu não posso suprir essa carência toda, um professor abraçando uma aluna? Estranho né!?!?! Muito estranho!?!?! Eu preciso me afastar em alguns momentos, preciso me impor, conversar sobre o assunto. Preciso ser cauteloso, o toque é necessário, mas ao mesmo tempo perigoso, eu preciso 107


impor respeito, algumas meninas se aproveitam, ao socorrer uma menina que desmaiou durante uma aula, precisei pegá-la no colo e levá-la até outro local, uma colega dessa menina me disse que também queria desmaiar, para que eu a pegasse”. “Assim, o toque vai configurando vários momentos de minha vida, como algo importante, algo que produz coisas, o sentir o outro, e este outro pode ser humano ou até mesmo um simples pé de uma cadeira ou o chão. O tato está posto de várias formas, em muitos momentos e, muitos deles, aparecem como algo extremamente necessário, em outros, como algo perigoso, mas de uma coisa há certeza, o tocar e sentir sempre esteve influenciando minhas decisões. Minha vida intelectual/profissional é formada por esse sentido, que me influencia, me faz tomar determinadas decisões e me faz quem sou”. Sobre os professores notáveis, “durante toda a Educação Básica estudei em escolas públicas, muitos/as professores/as passaram por minha trajetória escolar, alguns muito rapidamente, outros permaneceram por alguns anos. Penso que todos/as foram significativos/as e contribuíram de alguma forma para minha formação, alguns mais, outros menos, alguns de forma positiva, outros de forma negativa”. “Posso me lembrar de alguns professores/as com mais clareza do que de outros/as, mas uma professora permaneceu de maneira muito especial em minha memória, e olha que nem foi umas das professoras que me acompanharam por muito tempo, foi apenas um ano, após isso, ela recebeu um convite para lecionar em uma grande escola particular e nos deixou”. “Mas, apesar de pouco tempo, foi o suficiente para me mostrar outras formas de perceber as coisas. Ao iniciar a oitava série do Ensino Fundamental na Escola Estadual Padre Conrado Sivila Alsina, logo no primeiro dia de aula, uma professora a qual ainda não conhecíamos adentrou a sala, nós alunos, estávamos todos ansiosos para descobrir qual seria a matéria que essa professora lecionaria, ela se apresentou como Ana Silvia, professora de Língua Portuguesa, logo no começo já se demonstrou uma professora exigente, solicitou que nós alunos/as recolhêssemos todos os papéis do chão e jogássemos no lixo. Assim continuou a aula, explicou o que deveríamos fazer e nos passou alguns exercícios, não é difícil me lembrar de seu sotaque gaúcho”. “Ao longo do ano, as atitudes da professora Ana Silvia sempre me chamavam atenção, era a única professora que dedicava alguns momentos após as aulas para conversar com os/as alunos/as, sobre variados assuntos. Em toda aula algum/a aluno/a era convidado/a a permanecer para uma conversa. Era uma professora muito firme, mas ao mesmo tempo, muito amiga, era sempre muito presente, de algum modo, participava e influenciava nossas vidas pessoais”.

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“Lembro-me quando falava sobre as suas experiências de vida. Ao conversar sobre a importância de escolher uma profissão que se goste, um aluno a perguntou: professora, como escolherei uma profissão que gosto se sou aluno de escola pública, já sei que não passarei no vestibular e nem eu, nem meus pais têm dinheiro para pagar uma faculdade? – nesse momento a sala toda ficou em silêncio e a professora começou a nos descrever sua história de vida; durante sua fala percebemos que estávamos numa posição muito confortável, pois, estávamos estudando, nossa professora, formada na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, enfrentou muitas dificuldades para conseguir se manter na escola, não era sempre que havia vaga para estudar, mas ela não desistiu e foi atrás de seu sonho”. “Assim como muitos meninos de minha idade, sempre sonhei em ser um jogador de futebol, sempre fui atrás, joguei em vários times, até que um dia numa disputa de bola acabei torcendo o joelho e rompendo o ligamento cruzado, foi um momento muito triste de minha vida, nem tanto pela cirurgia que eu faria, mas sim, pelo significado dessa cirurgia, pois, para um menino de 14 anos que faz uma cirurgia de ligamento cruzado no joelho, significa um passo muito negativo para a realização do sonho de ser um jogador profissional. É claro que eu não desistiria, mas sabia das consequências desse episódio. Felizmente eu não estava sozinho, além de minha família, minha professora Ana Silvia me ajudou muito. Lembro-me das conversas que tínhamos, que sempre me fortalecia e aumentava minha vontade de não desistir, dos trabalhos que me enviava para fazer em casa após a cirurgia, do festival de poesia, esse último foi extremamente importante, minha professora era fundadora e organizadora do Festival de Poesia que acontecia todo ano naquela escola”. “Fui convidado a participar, mesmo em casa, de licença, pude escrever uma poesia sobre o futebol e seus aspectos negativos, é claro que eu fui o principal personagem daquela poesia, infelizmente não pude recitá-la no dia da apresentação, mas consegui uma intérprete para recitála. Conseguimos vencer o festival com os prêmios de melhor poesia e melhor intérprete, foi uma alegria muito grande, transformar um momento triste numa grande vitória, é claro que essa vitória foi dedicada a essa professora que marcou minha vida, me mostrando um diferente significado do que é ser professor/a”. Sobre a origem e causa dos interesses intelectuais do momento, “como foi dito anteriormente, durante o processo escolar, algo sempre me deixava muito inquieto, me incomodava, desde a pré-escola, os rituais os quais éramos submetidos, como deslocamentos em filas separadas entre meninas e meninos; ficar sentado na cadeira durante horas olhando para os/as professores/as falando; ficar em pé parado durante algum tempo cantando os hinos. Estes rituais me desmotivavam, pois eu não sabia qual o motivo de tudo aquilo, não havia sentido”. 109


“Já no Ensino Fundamental, as aulas de Educação Física me faziam muito bem, pelo simples fato ter liberdade para falar, caminhar, correr, fato este que era inimaginável durante as aulas em sala. Durante o Ensino Médio, os esportes me chamavam muito a atenção, eu sempre estava envolvido nas turmas de treinamento, independentemente da modalidade esportiva, eu gostava de praticar todos os esportes, fato este que me levou a escolha do curso de Educação Física, mais especificamente, a Licenciatura, pois a Educação Física era dividida entre Bacharelado, para os profissionais que atuariam em clubes, hospitais, academias e outros, e Licenciatura para profissionais que pretendiam ingressar na carreira docente”. “Ao iniciar as aulas, pude perceber que as turmas anteriores a minha tinham um currículo totalmente diferente do meu, existia uma disciplina para cada modalidade esportiva. No caso da minha turma, tínhamos apenas uma disciplina chamada “Esportes coletivos”, aos poucos comecei a perceber que o currículo do meu curso era totalmente diferente, eu tinha muitas disciplinas “teóricas”, os professores eram muito críticos, muitos deles criticavam o próprio esporte, defendendo o que eles chamavam de “Cultura Corporal de Movimento”, que era formada pelas Lutas/Capoeira, atividades Rítmico-expressivas/Dança, Jogo/Brincadeira, Ginástica e Esporte. Entretanto, alguns professores se mostravam contrários às ideias desses/as docentes, pois diziam que era ridículo que a própria Educação Física criticasse o esporte”. “Enfim, ao longo do primeiro ano de faculdade, pude perceber que estava entre uma “briga de gente grande”, de um lado existia o discurso de que a Educação Física Escolar deveria ser um meio que contribuísse para a função social da escola de emancipação (teorias críticas), de outro lado, um discurso mais conservador (teorias tecnicistas/mecanicistas) dizendo que a Educação Física não poderia abandonar a sua especificidade, abrindo mão do esporte e seus desdobramentos como a aprendizagem motora, cinesiologia, psicomotricidade, educação para a saúde”. “Dentre as disciplinas oferecidas, posso dizer que três me chamaram a atenção: uma chamava-se “Prática de Ensino”, nessa disciplina, nós tínhamos a oportunidade de colocar em prática os saberes apreendidos durante as outras. A segunda disciplina chamava-se “Fundamentos socioculturais da Educação Física: ênfase nos aspectos histórico-filosóficos” e posteriormente sua ênfase se desdobrou em “aspectos sócio-antropológicos”. Nessa disciplina, nós tínhamos uma base teórico crítica densa; posso destacar os longos debates sobre “natureza-cultura”, “construção cultural do corpo”, que remetiam às questões de gênero durante as aulas, me fazendo recordar das separações entre meninas e meninos durante as aulas que eu frequentava na Educação Básica”.

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“Durante muitos momentos pude refletir sobre como eu exercia o poder sobre as meninas a partir das diferenças hierarquizadas estabelecidas nas aulas de Educação Física na sala e na quadra. Essas aulas também puderam me fazer imaginar como seria lidar com tais relações e como conseguir abordar essa temática em aula, tendo em vista a grande diversidade de conteúdos previstos na disciplina”. “Depois de terminar a formação inicial, ao atuar no contexto escolar, como já esperado, sempre me deparei com essas questões que por algum motivo me intrigavam. A maioria dos professores dos quais procurei para conversar, demonstravam uma visão naturalista sobre o problema, explicavam a exclusão das meninas a partir do nível de habilidade motora, que, segundo muitos deles, é normal devido suas características biológicas. A partir daí surge a seguinte questão: Como ou o que fazer para contribuir com estas práticas escolares na Educação Física? Ou até mesmo: Como e por que as práticas escolares são da forma que são hoje, é natural?”. “Tarefa difícil, ao passo que ao me deparar com a realidade da profissão de educador, muitos obstáculos se apresentavam com o passar dos dias, dentre eles é possível destacar as dificuldades com os materiais, pouco tempo para organizar e planejar as aulas, devido o fato de ter que trabalho em duas escolas, para ter um salário razoável, a indisciplina dos/as alunos/as. Enfim, foram inúmeras as dificuldades que apareciam para impedir o que considero ser uma prática pedagógica satisfatória”. “Ao final do ano de 2008, tive a oportunidade de ingressar no grupo Professores Pesquisadores; este grupo era formado por professores/as que, assim como eu, enfrentavam inúmeras dificuldades no dia a dia da prática pedagógica, formados/as em diferentes instituições de ensino superior, e profissionais de diferentes redes de ensino. Senti que minha aproximação com estes/as professores/as poderia ser de grande relevância, pois partilhávamos das mesmas dúvidas e incertezas”. “No início de 2009 me matriculei no curso de Especialização em Sócio-Psicologia. Este curso abordava diferentes temas como psicanálise e cultura, antropologia social, sociologia do cotidiano e outros. Foi escolhido, inclusive, por indicação de um dos professores participantes do grupo Professores Pesquisadores, meu principal objetivo era adquirir maior fundamentação, para ampliar meus olhares para a Educação Física Escolar e posteriormente ingressar no Mestrado”. “Após seis meses de curso, tranquei a matrícula, pois tinha sido aprovado no Programa de Mestrado em Educação e Saúde na Infância e na Adolescência, na Unifesp. Nesse momento eu ainda era professor da Rede Estadual de Ensino de São Paulo, com 11 aulas atribuídas, e completava a jornada como eventual. Ao ser aprovado pelo programa, não pensei duas vezes, 111


abri mão das poucas aulas que tinha na rede e aceitei a bolsa de estudos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Ensino Superior (CAPES). A partir daí passei a dedicar exclusivamente ao projeto de pesquisa”. “Em julho de 2010, fui convocado pela Prefeitura de São Paulo, devido um concurso realizado no final de 2009. Foi o meu primeiro concurso, fiquei extremamente feliz, cabia-me a tarefa de decidir em continuar como bolsista ou abrir mão e ingressar na Rede Municipal de Ensino. Após refletir muito, decidi ingressar na Prefeitura de São Paulo e conciliar com o Mestrado, pois era minha chance de atuar como profissional efetivo e fazer um bom trabalho”. “Hoje, estou na fase final do Mestrado, com a data de defesa marcada, atuo como professor efetivo na Prefeitura de São Paulo e de Guarulhos. Fui convocado pela Rede Estadual de Ensino de São Paulo devido um concurso realizado em 2010 e ainda não decidi sobre a possibilidade de exonerar um cargo para assumir o do Estado. Venho produzindo pesquisas juntamente com os membros do grupo Professores Pesquisadores publicando os trabalhos em congressos científicos da área de Educação Física Escolar. Contudo, pretendo finalizar o mestrado, ingressar como professor no Ensino Superior e realizar Doutorado na área”. “Creio que os fatos relatados contribuíram efetivamente para minhas escolhas intelectuais na atualidade, imagino que não haja um principal motivo, mas sim um processo o qual envolveu diferentes momentos (intelectuais e afetivos) desde minha escolarização. Os fatos vão se acumulando, se misturando, produzindo sentidos, sentidos estes que se reorganizam e se recriam através do processo de rememoração; penso que minha experiência profissional, juntamente com outros aspectos de minha vida pessoal permitiram minhas escolhas, como ressalta Catani e Vincentini (2006, p.1 7): A experiência assume, portanto, um papel estruturante nos processos de formação, possibilitando aos alunos-professores significarem e ressignificarem não só a sua vivência profissional, mas também a sua inserção na proposta de educação continuada em que estão envolvidos e as suas relações com os conhecimentos aos quais têm acesso(trecho citado por Luciano).

“Tais escolhas, pessoais, acadêmicas ou profissionais surgiram de minhas dúvidas, dificuldades e anseios que são frutos de minhas “experiências formadoras” (JOSSO, 2004). Escolhas estas que resultaram em meu ingresso no Mestrado, em minha profissão, em meu modo de ser, de perceber as coisas e, contudo, em minha visão de mundo”. Marcelo (ênfase nas relações trabalhistas): “nasci em São Paulo em 16 de agosto de 1981, filho do meio entre duas irmãs. Filhos do casal Ana e Angelo que também nasceram e viveram 112


em São Paulo. Ambos nasceram em famílias com situação econômica baixa. Meu pai concluiu o Ensino Médio e minha mãe apenas concluiu parte do Ensino Fundamental. Conheceram-se desde pequenos, viviam em um vilarejo com várias famílias onde brincavam todos no quintal e na rua. As famílias se conheciam e os irmãos brincavam juntos, porém, durante um tempo tomam rumos diferentes voltando a reencontrar mais tarde como adolescentes e adultos que iriam se casar muito cedo para formar uma família e tentar melhorar as condições econômicas vividas. Construíram uma casa, inacabada, em um bairro novo de Guarulhos, muito próximo à cidade de São Paulo, com poucas casas, muito mato e ruas de terra. Hoje, ainda vivemos na mesma casa e pudemos acompanhar e viver histórias que marcaram a vida de cada um em um bairro residencial com muitos comércios e novos edifícios”. “[...] quando adolescente, como todos, problemas vieram e um deles era ter ascensão com os amigos e foi na Educação Física que pude encontrar isto [...]. Escolhi o esporte para me dedicar e sozinho me inscrevi em testes e fui treinar na equipe da cidade de Guarulhos. Eu pensava somente no voleibol, período em que se não estava jogando vôlei na federação estava jogando vôlei na escola ou na rua onde montávamos redes ou cordões como rede. Os professores pediam para que eu treinasse os outros, logo montei horário de treinamento no contra-turno das aulas regulares para meninos e meninas e eu era o “treinador”. Já estudava no período noturno quando me dei conta que era o último campeonato, por conta da idade, que eu poderia participar. Foi uma grande decepção quando justamente me vi tendo que parar de jogar, pois chegava a hora de ir trabalhar”. “Aos dezesseis anos comecei a trabalhar em uma empresa metalúrgica com carga horária de quarenta e quatro horas semanais, me dediquei muito a essa empresa de médio porte, consegui informatizar todo o setor e melhorar a condição de trabalho para todo o grupo. Quando chegou o momento de decidir qual faculdade cursar, não hesitei em escolher uma particular por não me sentir preparado para enfrentar um vestibular de escola pública, quanto ao curso fiquei pouco em dúvidas e escolhi primeira opção Educação Física, segunda opção Contabilidade e terceira Matemática”. “Na tentativa de facilitar e diminuir as parcelas mensais da faculdade tento ingressar no time de voleibol da faculdade, mas estes como não conseguiam resultados não tinham direito à bolsa, então, ingresso por meio de seletiva no grupo de dança da faculdade. Acredito que pelo fato de minha família sempre dançar e eu ter estudado em uma escola que também incentivava a dança, tive facilidade em mudar do esporte para a dança. E através deste grupo me encontrei dançando profissionalmente hip-hop, fazendo apresentações em canais de televisão, shows em diversas regiões do Brasil. Este grupo trabalhava com projetos de inclusão de cadeirantes, terceira 113


idade e crianças pobres; dancei neste grupo até a vida profissional tomar todo o tempo disponível para os ensaios”. “Paralelamente no terceiro ano de faculdade, chego à conclusão que precisava atuar na área de conhecimento que estava estudando: pedi demissão e resolvi procurar um estágio remunerado. O início da carreira eu ganhava vinte e cinco por cento de todo o salário que eu tinha quando trabalhava na metalúrgica. Começo a estagiar em uma pequena academia do centro de Guarulhos, o salário não era o suficiente para manter-me e acumulo funções, trabalhando com ginástica laboral em uma das primeiras e principais empresas do ramo”. “[...]com a preocupação de uma carreira profissional em longo prazo decidi ingressar, paralelamente, na área da Educação pública; foi quando consigo ser aprovado em um concurso na rede estadual de Educação [...]. Foram três anos de luta e tentativas e percebi que a formação inicial [...] não era o suficiente. Ingresso na Pós-Graduação em Educação Física Escolar. Novos saberes e conhecimentos foram agregados, uns até modificados e outros até exorcizados de minha prática pedagógica. Considero um marco em minha vida profissional, me especializo em uma área, a Educação”. “Conheço profissionais, Mestres e Doutores que contribuíram e contribuem para minha formação continuada. Começo a participar de um grupo de estudos independente denominado “professores-pesquisadores” com uma organização inovadora discute entre muitos assuntos a organização, sistematização de conteúdos e a prática pedagógica da Educação Física”. “Anos se passam, tenho que abandonar minha vida profissional em academias, sou muito bem aprovado em um concurso da Prefeitura de São Paulo. Considerando-me mais preparado, pelos bons resultados colhidos por mim na escola estadual, acreditava que seria menos difícil atuar em uma rede que proporciona melhores condições salariais e de trabalho para o professor; escolhi uma escola próxima para facilitar o acúmulo com o Estado. Encontro uma escola com muitas dificuldades, alunos que estão à margem da sociedade, a agressão e violência são demonstradas através de fatos que destoam de um clima educador e acolhedor”. “[...]tento então relatar minhas dificuldades, problemas e atitudes tomadas, na tentativa de continuar valorizando minha prática [...]. Preciso dividir tudo isso com professores que realmente possam contribuir”. “Na rede estadual tenho menos problemas, acredito pelo tempo que já estou e por ser a escola onde estou muito boa. Mesmo assim não está caminhando como eu desejo. O pior susto foi ingressar na rede municipal, passei em 27º, considero uma boa colocação, porém não pude escolher a melhor escola, pois no acúmulo com o Estado, tive que pegar a escola mais próxima e que ofereceria aulas na parte da tarde. Não gostaria de isolar os problemas, gostaria de tratar 114


minha prática de forma igual tanto na Prefeitura quanto no Estado, mas são realidades diferentes, então, tentarei elencar dificuldades em comum e distinta a cada realidade: 1. Trabalho coletivo, os pares de Educação Física até se comunicam, se respeitam, porém não têm troca de idéias referente à prática [...]; 2. Espaço físico, na prefeitura a escola tem duas quadras cobertas sem divisão entre elas, tornando conceitos, diálogos e intervenções muito complicados. Sem contar a comparação entre um professor e outro, não que eu me incomode com isso, mas na cabeça do aluno um está errado e o outro está certo [...]; 3. Roupas, os alunos insistem em irem de calça jeans, crocks, tamanco, sandálias. Deixar ou não deixar? A escola da prefeitura fez uma exigência para que todos os alunos usassem o uniforme completo com tênis, mas não funciona sempre [...]; 4. Falta de interesse, os alunos não estão interessados na escola, e a Educação Física é encarada como ponto crucial de descanso, relaxamento e fazer o que quiser. As outras disciplinas não colaboram com a divisão da responsabilidade de tornar as aulas mais motivantes [...]; 5. Tipo de alunado, aluno é aluno em qualquer lugar, mas o que fazer com alunos que o que menos precisam é da escola e do professor, pois são alunos que não têm perspectiva nenhuma de vida, nenhum senso crítico de mundo. Será que o enfoque é o conteúdo? [...]; 6. Diálogo, às vezes os alunos nos tiram do sério, devemos evitar elevar o tom de voz, mas é difícil (tento a roda de conversa, mas os alunos dizem que não querem sentar no chão, pois vão sujar a roupa, a quantidade de alunos também atrapalha esta ação) [...]; 7. Contrato, os alunos querem praticar o futebol, não cedo muitas vezes, mas me incomodo muitas vezes, pois eles fazem outros conteúdos por serem obrigados de certa forma, mas noto que não estão felizes a todo instante [...]; 8. Aprofundamento, até que ponto forçaremos os alunos a engolirem o que eles não querem aprender e com nível de aprofundamento muito distante de toda bagagem já adquirida ou não adquirida nos anos anteriores? [...]; 9. Aula expositiva, sinto que os alunos querem sair da sala de aula. Muitos conceitos ficam complicados ao passar na quadra, a intervenção na quadra exige a reunião e a concentração de todos. Eles não estão acostumados a abstrair conceitos na prática e muito menos registrar [...]; 10. Tempo, esse é um problema mais profissional do que pedagógico, trabalhando o dia inteiro, fica complicado reservar um tempo parar elaborar, criar e desenvolver aulas e atividades. Gostaria de fazer inglês, Mestrado e estudar mais. Como resolver isso, uma vez que com o salário (que não reclamo) não posso descartar aulas, pois tenho que continuar construindo uma vida econômica e dedico ela a mim [...]; 115


11. Blocos de conteúdos, ainda não é fácil, no estado tento agrupar a proposta curricular e os blocos de conteúdos, mas fazer com que todos os blocos apareçam claramente para mim é um desafio; 12. Quanto tempo levo para ensinar um conteúdo? Não sei quanto os alunos têm que vivenciar um conteúdo para que aprendam mesmo, pois sinto vezes que o conteúdo não despertou a curiosidade do aluno”. Rosângela (ênfase nas relações familiares e vinculações socioculturais): “[...] em 13 de abril de 1979 às 23h,40min na maternidade no Bairro da Vila Matilde em São Paulo, cheguei a esse mundo. Segunda filha de Neusa Aparecida Matias e Raimundo Veloso Matias, um casal que superou muitos obstáculos impostos por seus familiares, a minha chegada vem “reaproximar” as famílias Matias e Santos”. “Meu pai, um negro lindo (modéstia a parte), no auge de sua carreira profissional de boxe, recém campeão brasileiro, reconhecido por onde passava, numa bela tarde depara-se com uma linda moça branca com seu pé cortado pela catraca de sua bicicleta, resolve oferecer ajuda, nascia ali uma linda e eterna história de amor. História esta que enfrentou e venceu o preconceito racial por parte de meu avô materno; namoraram, noivaram e casaram-se em nove meses”. “Além de lutador meu pai também trabalhava em uma indústria de vidros e fazia o possível para conciliar seus trabalhos. Minha mãe exercia e função de dona de casa; um ano depois, engravidou e tiveram seu primeiro filho (um garoto branco), o que causou alguns comentários preconceituosos agora por parte de minhas avós paternas. Um ano e nove meses depois, meu irmão ganha sua irmã querida e as famílias Matias e Santos “reaproximam-se” dedicando muitos mimos a nós”. “A primeira infância foi vivida no Bairro de Itaquera com as experiências voltadas ao movimento riquíssimas, meus primos, meu irmão e eu, tínhamos idéias mirabolantes para criarmos e recriarmos os nossos brinquedos e brincadeiras nos quintais de meus tios e avós. Transformar a cama dos nossos pais e piscina (ainda que se isso nos custasse criar soluções para tentar consertá-la com blocos, e ganharmos algumas cintadas), subir em árvores para pegar “goiaba” e degustar muitas vezes “sem lavar”, aos quatro anos era minha atividade preferida de fim de tarde. Construí brinquedos como bilboquê, futebol de botão, de prego, carrinho [...], ônibus, cavalinho, pipa, carrinho de rolimã, bola de meia, boliche [...]. A convivência com meu irmão e meu primo me estimulava a brincar com as brincadeiras de „meninos‟”. “[...] nesse período ganhei muitos gibis da turma do Zé Carioca e da Mônica, inicia aí meu processo de alfabetização e minha paixão por leitura. Durante alguns anos (até a adolescência 116


minha língua era meio “esquisita”, a preocupação passou a ser outra, será que não vou conseguir beijar? Felizmente tudo resolvido e língua normalizada”. “Aos seis anos nos mudamos para o extremo leste da capital (Cidade Tiradentes), muito “temida” pelos visitantes por conta da marginalidade. Estava iniciando sua construção, tinha poucas casas e apartamentos com uma pequena infraestrutura para atender a população. Nossa família agora com um novo membro, meu irmão caçula, Marcel estava feliz e saltitante com o novo lar, parecíamos estar numa cidade interiorana muito verde, morros e espaços que ofereciam cada vez mais asas para as nossas imaginações”. Sobre o processo de escolarização, “meu primeiro contato com a escola foi com o meu ingresso no Ensino Fundamental (1ª série) na E. E. “Camilo Castelo Branco” [...], achei muito esquisito ter que sentar um atrás do outro, ficar o tempo em silêncio, sem poder conversar e levantar. Fiz muitas perguntas em silêncio à professora: – que horas vou brincar? Não posso conhecer meus amigos? Nem vejo seus rostos, só suas cabeças? Porque não pode conversar?” “Sentei na fileira dos “fortes” segundo a professora, eu já conhecia todas as letras e acredito que já estava na hipótese silábica com valor sonoro da escrita. Logo na primeira semana, a professora realiza a consulta oral ao alfabeto, considerando algumas características dessa fase, estava superando o egocentrismo. Dessa forma, mesmo sabendo que na ordem das letras após o l era o m, eu pronunciava o r, a minha compreensão de ordem das letras era a seguinte: – após meu irmão Luciano, não vem o Marcel, sou eu a Rosangela”. “É, mas não foi esse o entendimento da professora, confesso que ela me deu uma segunda chance e eu não aproveitei, resultado: – uma “reguada” na cabeça, a régua quebrou, e mudança de fileira (última mesa da fileira dos fracos) com um “castigo”: decorar o alfabeto da cartilha caminho suave, pra completar bilhete pra mãe. Chego em casa decepcionada com o universo escolar que me parecia ser tão diferente. Apanhei de minha mãe e fui cumprir o castigo”. “Nas aulas seguintes após as novas consultas e as provas, retornei pra fileira dos “fortes”. Observava as pessoas que formavam o grupo dos “fortes”, e pra mim eram todos fracos (do ponto de vista físico), enquanto que na fileira dos fracos tinha um garoto forte “fisicamente” que era invencível nas brincadeiras do recreio, não entendia isso. E o discurso da professora: – brincar ficou na pré-escola, eu me perguntava, mas e quem não estudou? No bairro ainda não tem pré-escola, não pode brincar?” “Os conflitos de ideias só aumentavam porque nas aulas de Educação Física, a professora dizia “chegou o momento de brincar”, enfim aproveitava as brincadeiras de estafetas que eram propostas. Nascem aí as minhas inquietações voltadas a práticas pedagógicas, avaliação, exclusão 117


e discursos contraditórios. Defino com seis anos a minha profissão ser professora, pra fazer diferente [...]”. “Nesta segunda etapa, prestei vestibulinho e ingressei numa escola pública de Ensino Médio e Técnico, na qual cursei o Magistério. Paralelamente, fui em busca de trabalho em escolas de Educação Infantil (tinha na época 13 anos) e consegui meu primeiro trabalho como auxiliar de berçário. Meus pais ficaram bravos, mas aceitaram. Fiquei com o dia muito apertado. Estudava, fazia estágio e trabalhava”. “O magistério foi subsidiado pelo discurso das concepções de Paulo Freire e as suas ações nas diferentes disciplinas se contrapondo, novos conflitos surgiram nesta caminhada. De que maneira formar o aluno crítico, quando se adota uma racionalidade cartesiana como prática? Perguntei-me isso durante todo o curso. Construí muitas amizades, paquerei bastante, me envolvi com grêmio e campeonatos, estava na expectativa de terminar o curso para começar a trabalhar com o Ensino Fundamental. E decidi que a minha Graduação seria em Educação Física para atuar na escola. Diploma na mão, e agora?” “Em janeiro de 1998, lá estava eu nas diretorias de ensino realizando cadastro para trabalhar na rede estadual, enviando currículos na rede particular, queria mudar de trabalho. Em fevereiro fui chamada e trabalhei com a Educação Infantil (3º estágio), uma turminha com 15 alunos. Inicio então a minha primeira experiência como professora (o planejamento fui informada que a turma com faixa-etária de 5 anos tinha que estar alfabetizada até o final do ano), foi um trabalho muito bacana, nascia ali minha paixão por alfabetização [...]”. “A minha Graduação foi como uma grande corrida, cuja meta cumprir um sonho e mais uma etapa de uma realização profissional [...]. Hoje, me emociono ao recordar as duas vezes que desisti da corrida [...]: uma lesão grave no joelho e a última auxiliar minha família, pois meu pai estava desempregado. Desisti, mas nunca desanimei e isto fez a diferença, estes momentos serviram-me de experiência e aprendizagem [...]”. “Inicia o ano letivo de 2004, ouvi dizer que era o mais difícil, estava meio assustada, mas foi o melhor ano de minha Graduação, isto porque as disciplinas, em sua maioria, focaram-se na Educação Física Escolar, os professores maravilhosos [...]. Uma das propostas para o segundo semestre foi de relacionar todas as disciplinas e observar o cotidiano da escola, bem como a prática pedagógica em Educação Física em situação real de ensino como, por exemplo, era possível levar os conceitos e práticas de fisiologia, filosofia e antropometria para as aulas na escola? Uma pesquisa fantástica [...]”. “Minha orientadora, uma professora e pessoa muito especial em minha vida, chegou na hora certa (estava atravessando um problema familiar muito sério com meu irmão caçula, o qual 118


mexeu muito com meu estado emocional). Eis que então surge a Zê [professora Zenaide Galvão] como minha orientadora e amiga, surge ali uma grande professora e amiga [...]”. “Chega finalmente à última etapa da minha corrida, uma meta quase cumprida. Estava trabalhando com uma 1ª série na qual implementei a metodologia da minha pesquisa (monografia) como qualitativa, pois os sujeitos e as pesquisadoras estiveram envolvidas, caracterizando-se como pesquisa participante. Além da Zenaide tive o privilegio de ter como coorientadora a professora Luciana Venâncio que contribuiu muito com seus saberes docentes e pedagógicos”. “No segundo e exaustivo semestre, surgiu o concurso público da rede estadual (eu na dúvida se prestaria para o cargo de professor de Educação Básica I ou de Educação Física) e na véspera de finalizar o período de inscrição em uma conversa informal com a Zê, ela me fala: “Presta para Educação Física, você será aprovada, vai escolher no primeiro dia e ano que vem eu vou até a escola assistir suas aulas”. “Foi isso que exatamente aconteceu, em novembro de 2005 escolhi a escola e [...] janeiro de 2006 inicio o meu trabalho também com Educação Física Escolar e tive a primeira visita da Zê e seus alunos na aula conforme falado anteriormente por ela. Na nossa colação, fui eleita pela turma como oradora e foi um grande privilégio chegar ao final e tornar público o percurso desta difícil e prazerosa corrida”. “Atualmente trabalho como professora de Educação Básica I (titular de cargo na Prefeitura Municipal de Suzano) e professora de Educação Física (titular de cargo na rede estadual de ensino – diretoria de Suzano). Tenho buscado conciliar a formação continuada e permanente nas duas funções. Desde 2006 tenho participado de congressos, seminários, fóruns voltados à Educação Física, participei de encontros com alunos egressos da universidade que também estavam atuando na escola. Tentei bolsa para Mestrado pela PUC-SP e não consegui.” “Em 2007 integrei um grupo autônomo de “professores-pesquisadores” de Educação Física [...] e em 2009 fui convidada para atuar na Secretaria Municipal de Educação de Suzano, afastando-me assim do cargo de professora de Educação Básica [...]”. Tatiana (ênfase nas relações familiares, acadêmicas e vinculações socioculturais): “nasci em São Paulo em 9 de setembro de 1981. Segunda filha das três irmãs do casal Luiz José Roberto de Freitas e Albertina Rosati Pereira de Freitas, nascidos também em São Paulo. Ambos arquitetos de formação, mas com habilidades e qualidade em outras áreas, como: música (mãe pianista clássica e pai violonista, arte (mãe artista plástica e pai desenhista), esportes (mãe: balé?, pai: judoca, jogador de basquete e vôlei e exímio atleta de várias modalidades no atletismo). 119


Minha mãe viveu uma vida materialmente burguesa e muito intelectual, meu pai família “nobre” da Lapa, pessoas inteligentes e ligadas ao município de Itapevi, o que possibilitou um contato maior com uma vida mais simples e perto da natureza. Mas isso não fez necessariamente que minha mãe fosse mais reservada que meu pai, muito pelo contrário. Antes de se casarem tiveram encontros e desencontros desde a infância por morarem em bairros próximos, algumas vezes na mesma escola e frequentavam em comum lugares e círculo de amigos”. “Minha infância foi marcada pela influência de muitos momentos bons; considero essa época a melhor de todas. Percebo melhor hoje as características dos pais: personalidade, qualidades e defeitos, mas sempre acreditei ter uma educação para liberdade, baseada no diálogo, na confiança e no amor. E isso não é somente devido ao momento nostálgico, mas simples “crença” do que pensava até tornar-me adulta”. “Quando pequena, segundo minha mãe, eu era quieta e não me afastava de sua saia, ela nem imaginava que a filha se tornaria tão moleca. Na rua ou no condomínio (morei muitos anos em condomínio) brinquei e joguei de tudo: corda, patins, futebol, queimada, taco, skate, pegapega, esconde-esconde, faz de conta e aprontava com os vizinhos. Uma das minhas brincadeiras preferidas era brincar de lutinha, principalmente com meninos, achava emocionante bater neles, mas às vezes essa diversão acabava mal”. “Tinha bastante amizade e compartilhava minhas brincadeiras e tempo com minha irmã mais velha (um ano e meio), nos dávamos bem com exceção das “brigas de irmãs” e tinha orgulho dela, pois a achava linda e isso era realmente verdade, todos achavam. Minha irmã mais nova (três anos) nesta fase, ficava mais com minha mãe e às vezes eu brincava com ela no parquinho do prédio, outras, batia nela para depois ficar com remorso e consolá-la. Mas só eu podia bater, mais ninguém, a mesma coisa com minha irmã mais velha, ao contrário de mim, minha irmã mais velha, considerada “fresca” e um pouco mimada (mas também adorava brincar), era muito delicada e devido a esses fatores, quem sempre quis ser a defensora e protetora no sentido físico da proteção, fui eu, e hoje isso se perpetua. Meus pais sempre procuraram mostrar o que o mundo tem de bom para oferecer e em muitas áreas da vida isso aconteceu, entre música, esporte, passeios, família e a arte por exemplo”. “[...] na escola, eu tinha muitas amizades, não era muito estudiosa, mas estudei em bons colégios, pelo menos prestava atenção nas aulas, não era de muita bagunça na sala. Com 12 anos participei de campeonatos de vôlei na escola e interescolares. Neste momento, o voleibol se tornou muito significativo na minha vida. Nas aulas de Educação Física na quinta e sexta séries jogávamos três esportes com bola (vôlei, futsal e basquete) e a ginástica artística. Na sétima série o professor nos ensinava exercícios de força e resistência, futsal, basquete e voleibol. No meu 120


percurso escolar até o final do Ensino Fundamental estudei em muitas escolas, em algumas escolas minha mãe era professora de Matemática e Inglês”. “Aos 12 anos mudei de escola e de condomínio, conheci uma menina que jogava vôlei em um clube e me convidou para fazer um teste, sem hesitar fui e consegui passar. Treinei um ano e fui federada para jogar pelo clube em duas categorias. Na oitava série e 1º ano do Ensino Médio lembro pouco das aulas de Educação Física, quase não tinha, não saberia explicar o que o professor nos ensinava ou o que vivenciávamos, a não ser um campeonato de futsal na oitava série”. “No segundo ano do Ensino Médio minha família mudou-se pra Ubatuba (litoral norte de São Paulo), minha irmã mais velha ficou na capital com meus avôs e tive que ir com meus pais porque engravidei aos 15 anos. Esta gravidez mudou profundamente a minha perspectiva de vida e de futuro, por mais óbvio que possa parecer, somente vivendo para saber as transformações radicais nesta fase que deveria ser a adolescência [...]”. “Pela segunda vez estudei em escola pública (1ª série do Ensino Fundamental e 3º do Ensino Médio), como estava grávida fiquei assustada, pois não sabia como as pessoas me receberiam. Logo quando entrei na escola avistei outras adolescentes grávidas, confesso que fiquei mais aliviada. Fui bem recebida por algumas colegas de classe e fiz amizades, nas aulas de Educação Física a professora nos recebia já na quadra e apitava jogos de vôlei e futsal para quem quisesse jogar, o restante que não queria poderia ficar sentado e bater papo. Eu jogava algumas vezes e a professora nunca chamava minha atenção, eu achava estranho, pois estava grávida. Quando tirei a licença maternidade e procurei pelos professores, inclusive a professora de Educação Física, eles ficaram surpresos, pois não sabiam que eu estava grávida, isso é no mínimo curioso”. “Morar na praia tem suas vantagens, mas para mim não foi uma boa experiência. Eu estava longe dos meus colegas (isto é muito significativo nesta fase), do pai do meu filho (meus pais não me deixaram casar), longe dos familiares, da minha irmã, do meu pai e da rotina que eu tinha. Tive que me adaptar com um ritmo de vida diferente do que eu estava acostumada, hábitos, práticas corporais diferentes. Após o nascimento do meu filho, além da minha preocupação materna, a primeira coisa que me incomodou foi voltar a ter meu “copo em forma”, emagrecer, fortalecer etc. Corria e nadava na praia enquanto meu filho dormia. Para minha sorte, a primeira casa que moramos (casa da família para passar as férias) era em frente à praia, caso o meu filho acordasse, minha mãe me chamava, mas normalmente eu calculava esse tempo e dava certo. Quando o Gabriel ficou um pouco mais velho eu decidi procurar onde se treinava voleibol, então consegui vaga no time e joguei pela cidade [...]”. 121


“Terminei o Ensino Médio e fiquei um ano sem estudar [...]. No final do ano decidi prestar vestibular para Educação Física, tinha algumas dúvidas em relação a outras opções, mas Educação Física era certeza, pelo voleibol, pois queria ser técnica e pela vivência que tive em outras práticas corporais. Comecei a estudar em Caraguatatuba (também no litoral norte)”. “[...] ao longo desse primeiro ano de faculdade deparei-me com professores e algumas disciplinas da área escolar que me identifiquei profundamente; os assuntos e discussões que permeavam as aulas sobre Educação e Educação Física Escolar se tornaram importante pra mim, me entusiasmava, me instigava a querer saber e estudar mais. As disciplinas de didática, sociologia, história da Educação Física entre outras me faziam refletir sobre a Educação, a sociedade, o papel do professor e como a Educação Física poderia ser importante neste processo formador [...]”. “Um ano se passou e devido a algumas dificuldades na família decidi voltar pra São Paulo [...]. No meio do ano prestei vestibular, a faculdade era longe, mas estava ansiosa pra voltar a estudar. Em agosto de 2002 comecei novamente a faculdade de Educação Física [...]. Como eu já havia feito um ano, estava familiarizada com alguns assuntos e autores, o que me aproximou de alguns professores, ainda mais na área da Educação Física Escolar”. “É incrível como existem professores que nos identificamos e outros que queremos esganar, mas costumo dizer que aprendemos com todos, mesmo aqueles que acreditamos ser maus professores, porque no mínimo, eu vou saber exatamente aquilo que não vou querer fazer ou ser enquanto professora; como eu iria observar ou analisar criticamente o que não é bom sem conhecer? Não falo de erros, pois somos passíveis deles, mas de ética, ideal, preconceitos etc. Algumas disciplinas exigiam muitos debates e apresentações de trabalhos, eu adorava os dois, nunca estudei tanto na minha vida. Todo mundo em casa estranhou, não havia uma única matéria em que eu tinha grandes dificuldades e se havia algum tema difícil pra mim eu procurava sanar minha dúvidas com professores ou colegas que sabiam mais que eu [...]”. “Além dos professores que marcam nossa formação e profissão temos amigos que nos acompanham em todos os momentos, nos ensinam e aprendem com a gente [...]. Havia uma garota que chamava atenção por muitos motivos, o principal era o sotaque carioca e outro que a marcou por todos os anos de faculdade, era a sua maneira de se manifestar diante do que achava injusto, errado, seja nas aulas e os assuntos em pauta, seja no seu direito de aluna e cidadã. O nome dela é Audrei (professora Audrei Vogel), ela se tornou minha melhor amiga [...], conversávamos muito sobre Educação Física na escola, sobre as aulas que achávamos interessantes, o que faríamos em nossas aulas, entre outros assuntos ligados a isso”.

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Willian (ênfase nas relações acadêmicas, trabalhistas e vinculações socioculturais): “Nascido aos treze de junho de mil novecentos e oitenta e sete, minha família residia no município de Guarulhos, mas fui nascer na capital (São Paulo), pois foi o hospital que conseguiram na época sem convênios e poucos recursos financeiros. Terceiro filho de Vera Lucia Lazaretti, agora de seu segundo casamento com Marcos Antonio da Conceição que assim como o primeiro casamento também fora frustrado. Aos dois anos de idade meus pais se separaram e daí a adiante ganhei um pai ausente, que nem sequer vinha em casa me dar os parabéns em meu aniversário ou ver se estava precisando de algo”. “Minha mãe trabalhava fora como operadora de máquina em uma metalúrgica, então ficava boa parte do tempo com minha irmã Letícia, nove anos mais velha que eu, e com meu irmão Leandro dois anos mais novo que ela. Além de minha irmã e irmão, às vezes a minha avó materna vinha supervisionar para ver se estava tudo bem, afinal, eram duas crianças cuidando de outra, e a noite meu tio que por vezes fez a função social de pai e minhas tias vinham me ver, eles moravam na casa da frente no mesmo quintal”. “Fui crescendo e com quatro anos comecei a frequentar uma escola particular de Educação Infantil e uma das minhas tias me levava bem cedo e meu irmão me buscava no fim da tarde. Em pouco tempo o orçamento foi apertando e então tive de ir à escola pública, na qual passava boa parte do dia e também era mais distante de casa. Meu irmão tinha a tarefa de me levar e buscar, eram momentos bons de alegria, pois ele fazia brincadeiras, cantava, deixava eu tocar a campainha e correr, entre outras brincadeiras”. “Na pequena e estreita rua sem saída que morei, durante toda a infância e adolescência, não tinha crianças para brincar, então por muito tempo brinquei com um primo que morava ao lado que era mais velho e com alguns amigos da escola que vinham brincar na rua por ser mais tranquila”. “Depois de egressar da Educação Infantil, estudei o Ensino Fundamental I numa escola chamada João Crispiniano Soares, gostava muito de estudar lá e tive ótimas professoras. Sem repetir nenhuma série, passei para o Ensino Fundamental II e tive de mudar para uma escola que tivesse as séries correspondentes, então fui para a E. E. “Érico Veríssimo”, um pouco mais distante de casa. Nesta escola comecei a treinar voleibol e representar a escola como capitão da equipe de volei nos jogos escolares da cidade”. “Quando conclui a oitava série iniciei no mundo do trabalho; com quinze anos de idade, comecei a trabalhar numa micro-empresa que produzia brindes para eventos, empresas etc. Com esta inserção laboral, parei de jogar volei, mudei de escola e também para o período noturno, e com três meses de trabalho fui promovido a supervisor, o que foi bem complicado, pois havia 123


pessoas bem mais velhas que eram subordinadas a mim. Fiquei neste emprego até o fim do primeiro ano do Ensino Médio e, no ano seguinte, retornei a mesma escola e para o período matutino, pois no noturno não estava aprendendo muito, tendo em vista que os professores exigiam menos e a sala era repleta de alunos repetentes, o que contribuía para o desinteresse de grande parte dos docentes”. “Voltei ao volei e agora treinando e jogando pelo município de Guarulhos e por núcleos esportivos da prefeitura. Com a carga excessiva de treinamento tive um problema no joelho e tive de parar de treinar e jogar voleibol, quando estava no segundo ano do Ensino Médio. No terceiro ano, decidi trabalhar já que não poderia mais jogar volei tão cedo, mas tinha o objetivo de continuar estudando de manhã, por ser um ensino melhor. Busquei um emprego no período da tarde/noite e comecei a trabalhar como operador de telemarketing em uma autoescola; eu tinha de oferecer os serviços da empresa por telefone, que dificuldade, pois muitos achavam que estava vendendo carteira nacional de habilitação”. “Depois de concluir o Ensino Médio, ingressei no curso de Licenciatura em Educação Física numa instituição privada de ensino superior no próprio município, quando na mesma época fui promovido para recepcionista, e então não precisava mais ficar ligando para as pessoas. No primeiro ano da graduação tive excelentes professores, mas no decorrer do curso o currículo estava sofrendo algumas mudanças o que acabou mudando também alguns docentes, devido à formação e identificação com a nova proposta do curso e interesses da instituição”. “Com alguns meses de experiência na autoescola, fui promovido a gerente da loja, o que implicava em mais responsabilidades, mas também algumas regalias. Alguns dias chegava atrasado na faculdade, mas outros saía mais cedo para poder estudar no laboratório de anatomia, disciplina que tinha certa dificuldade. No último ano de faculdade, larguei meu emprego de gerente, para começar a estagiar na área de Educação Física. Foi bem difícil, pois passei a ganhar menos da metade do que ganhava no emprego anterior. Entretanto, tinha de começar a desenvolver trabalhos na área que estava prestes a ingressar como profissional”. “Nesta transição, minha família apoiou a decisão de mudança, afinal estava estudando para ter uma profissão e efetivamente exercê-la, e não ter uma faculdade e continuar com empregos que tinham baixa remuneração, ainda que no estágio recebesse uma bolsa estágio de baixo valor.” “Ainda no decorrer da graduação, iniciei minha participação em eventos acadêmicos junto com pessoal do grupo de estudos em Educação Física Escolar numa perspectiva reflexiva. Neste grupo institucionalizado aprendi muito e participamos de alguns bons congressos, seminários além de promover eventos na instituição que estudávamos”. 124


“Participava também do grupo de professores pesquisadores, grupo no qual tenho vínculo até hoje, sendo este um espaço de troca, de reflexão coletiva e de desenvolvimento profissional, em que aprendemos uns com os outros, além do vínculo profissional temos um forte laço de amizade”. “Depois de concluir a graduação, queria fazer uma especialização, mas não sabia direito o que estudar. Comecei uma Especialização em docência no Ensino Superior, mas logo interrompi e fui estudar Educação Física Escolar. O que contou bastante nesta decisão foi a oportunidade de estudar numa instituição pública”. “Meu primeiro emprego depois de formado foi como professor na Rede Estadual de Educação e lecionava para turmas dentro da Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (CASA) que havia inaugurado a pouco na cidade. Comecei com poucas turmas, depois abriram mais duas unidades e então aumentei minha carga horária e logo também fui contratado como Agente Educacional na mesma unidade”. “Tinha muito interesse em aprender mais sobre aquele contexto de privação de liberdade, e buscava a cada dia mais artigos, dissertações e teses que pudessem subsidiar minha prática pedagógica. Após tantas leituras, vivências e aulas ministradas na Fundação CASA, decidi fazer meu trabalho de conclusão de curso da Especialização sobre minhas próprias aulas e a participação discente”. “Terminei a Especialização com mais inquietações do que já tinha, e parti para o mestrado em Educação, numa linha chamada Práticas Sociais e Processos Educativos, na Universidade Federal de São Carlos, aonde fiz a especialização. Este processo da formação acadêmica implicou que eu mudasse de cidade e largasse meus empregos, inclusive o da Fundação CASA no qual eu era contratado”. “Neste meio campo prestei dois concursos, um para professor da Rede Estadual de Educação de São Paulo e o segundo para a Fundação CASA, em ambos passei numa colocação boa, e assim que terminei o primeiro semestre das disciplinas do mestrado fui convocado para ingressar nos dois concursos”. “Então retornei para Guarulhos e trabalhava como analista técnico/professor de Educação Física na Fundação CASA, e em seguida assumi outro cargo na Rede Estadual de Educação. Além do trabalho tinha mais disciplinas para cursar, então me ausentava do emprego e viajava para São Carlos uma vez por semana para cursar duas disciplinas”. “O próximo passo depois de encerrar os créditos, era conciliar os dois cargos efetivos, o que de fato foi bem cansativo e que durou aproximadamente um semestre, mas financeiramente precisava superar este trabalho excessivo, que só com a ajuda da minha família consegui aguentar 125


este árduo semestre. Recentemente, fui promovido a Coordenador Pedagógico na Fundação CASA, local onde iniciei minha carreira de professor de Educação Física, e também meu ambiente de pesquisa”. Considerações Notamos que as categorias de análise pareceram imbricarem-se nas narrativas (auto)biográficas dos “professores-pesquisadores”. Além das categorias previamente apontadas sobre as relações familiares, escolares, acadêmicas, trabalhistas e vinculações socioculturais (SANCHES NETO, VENÂNCIO, 2010), notamos também relação com outras características apresentadas em estudo realizado por Sanches Neto e colaboradores (2011), voltadas especificamente à análise do trabalho docente: autonomia, autoria e formação. Todos os professores em suas narrativas apresentam noções de planejamento para a própria carreira, de modo a valorizar sua autonomia docente, bem como a autoria de seu próprio trabalho pedagógico, e analisam seu processo de formação e desenvolvimento profissional como trabalhadores da Educação. Contudo, notamos que os desafios para realizar coletivamente o trabalho, com excelência e rigor, ainda aparecem como desafios aos “professores-pesquisadores”, seja por questões que remetem à profissionalidade do próprio professorado – as quais os professores têm buscado avançar – seja por questões estruturais da realidade dos sistemas escolares brasileiros, no caso as realidades confrontadas nas redes de ensino públicas e particulares, com escolas situadas na região metropolitana de São Paulo – as quais os professores têm vislumbrado possibilidades de intervenção. De todo modo, as ações mais incisivas dos professores nesse sentido parecem requerer seu afastamento da própria realidade de trabalho, seja para pesquisarem problemas emergentes de seu trabalho cotidiano e qualificarem-se mais rigorosamente em programas de Pós-Graduação, seja por trabalharem na formação dos pares como professores do Ensino Superior, seja para coordenar os esforços dos pares em cargos administrativos/burocráticos, quer seja para a elaboração de propostas curriculares que podem subsidiar políticas públicas mais pautadas na realidade de ensino. Como sugestão a partir de nosso trabalho, pensamos que cada categoria apresentada poderia ser estudada de modo mais aprofundado em outras pesquisas, buscando analisar as narrativas (auto)biográficas em conjunto com comunidades investigativas formadas pelos professores.

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PARTE III Prática Pedagógica e Propostas de trabalho para a Educação Física Escolar

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Capítulo 7 Relações comunicativas como processo pedagógico na Educação (Física) Infantil Eliane Gomes da Silva22 Elenor Kunz23 Lucia Helena Ferraz Sant´Agostino24 Introdução: Concepções de Criança e Educação Física Infantil Os estudos sobre Educação Infantil, no âmbito da Educação Física nas últimas duas décadas, ainda são tímidos quando se trata de avançar do ponto de vista teórico-metodológico em relação às obras de Tani et al. (1988) e Freire (1989), que tiveram grande impacto na área. Elas são ainda referências usuais na área e têm sido objeto de poucas análises críticas consistentes. Os trabalhos pioneiros de Sayão (1996) e Kunz (1991; 1994) representam tentativas de superar essa relativa inércia, ao colocar em discussão outros fundamentos e pressupostos. Todavia, não é nossa finalidade revisar tais trabalhos, mas apresentar nossas próprias reflexões e proposições sobre a Educação (Física) Infantil, a partir de uma perspectiva balizada pela semiótica de Peirce25(1974; 1977). Esclarecemos que a utilização do termo “Educação (Física) Infantil”, com parênteses, tem o propósito de indicar que estamos suspendendo - sem entrar no mérito da necessidade de haver ou não professores especialistas - o entendimento de que a criança possui um lado “físico” (que viabiliza o movimento) e outro “mental”, que viabiliza as chamadas atividades cognitivas. Partimos da percepção de que as concepções de infância e Educação Infantil hoje predominantes ainda estão fortemente influenciadas pela noção de que Ser criança pressupõe passividade social, incapacidade perceptiva, participativa e inocência (“não-saber”) – pressupostos estes oriundos da fundação do discurso pedagógico moderno no século XVII (KUHLMANN JR., 2004). Nessa perspectiva, ser criança/aluno é apenas necessitar de orientações dos mais experientes – os adultos/professores, pelos quais as crianças ainda são vistas como reflexo e receptáculo de saberes tidos como corretos e verdadeiros. Aí reside uma concepção adultocêntrica com relação à infância, ou seja, a visão de mundo e a concepção de infância e criança partem do olhar exclusivo do adulto. 22Doutoranda

em Educação na Universidade de São Paulo. Titular do Centro de Desportos – Universidade Federal de Santa Catarina. 24Doutora em Estruturas Ambientais Urbanas; Professora Aposentada – UNESP-BAURU 25 Charles Sanders Peirce (1839-1914), físico, matemático e astrônomo norte-americano. Deixou vasta obra no campo da Filosofia e da Lógica. É considerado o criador de uma das vertentes teóricas do campo dos estudos semióticos. 23Professor

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A conformação às normas sociais e aos padrões científicos de “normalidade” é, assim, a meta destinada à criança. Disso resulta a lógica fragmentada que vigora na Educação Infantil, a qual não percebe a criança na sua integridade, como Ser concretamente situado, como Ser de possibilidades, criativo, singular e ativamente partícipe nas relações sociais e na produção/criação de cultura. Ao contrário, a criança é percebida apenas pela mediação de códigos socialmente estabelecidos. O ser da experiência (o próprio aluno/criança) fica assim destituído e suas relações e interconexões diretas no/com o mundo e com os outros acabam sendo depreciadas. As hegemonias presentes na instituição escolar impõem o desconhecimento das multifacetas que constituem a criança, assim como as complexas articulações que a singularizam e subsidiam suas experiências perceptivas. Cremos que esse pode ser um dos motivos pelos quais outras possibilidades de aprendizagens, que poderiam ser viabilizadas por outras formas de linguagens – em especial a linguagem do corpo e do movimento - ficam desvalorizadas na Pedagogia da Educação Infantil. É nesse sentido que optamos por privilegiar o campo da Educação Física como espaço adequado para retomarmos questões que deveriam fundamentar a experiência humana, pois, conforme Kunz (2004), antes mesmo de a criança se questionar “quem sou?”, ela já sofre o que os dispositivos socialmente destinados a ela determinam. Pesquisadores têm se dedicado a buscar melhorias para a prática pedagógica da Educação (Física) Infantil na escola, assim como legitimar esse campo e superar sua fragilidade acadêmica e disciplinar. Entretanto, o que continua predominando na dimensão da prática pedagógica nas escolas é ora o laissez-faire, ora o tradicionalismo/autoritarismo. Por exemplo, espera-se de um professor de Educação (Física) Infantil que ensine “jogos” às crianças, mas estes costumam ser percebidos apenas pelo seu caráter funcionalista, com o objetivo de melhorar o rendimento escolar e/ou esportivo dos alunos/crianças, ou então, impregnados do interesse apenas adultocêntrico de resgatar a cultura lúdica infantil. Mas o jogo como forma de expressão, de criação inusitada, de inserção no mundo e como relação original da criança com o mundo (KUNZ, 1994) é pouco levado em conta. O que nos parece é que a maior parte dos professores ainda não descobriu como valorizar as potencialidades/possibilidades expressivas e criativas das crianças, ao sempre recorrerem às atividades que, em certa medida, antecipam o desenvolvimento dos códigos da Educação Física - jogo, esporte, dança, ginástica etc. Kunz (2004) argumenta que o desinteresse e a desvalorização dos fatores referentes ao nosso auto-conhecimento ou “conhecimento de si” é que geram as dificuldades para alcançarmos a tão preconizada educação para a emancipação, a cidadania, a capacidade de autonomia e auto132


reflexão. Limitamo-nos a um mundo pré-dado, cujas referências se resumem ao preconizado pela ciência, pela superespecialização disciplinar, pelas mídias etc. Essas são referências externas a nós, e que nos dificultam “interpretar e entender o diálogo que a nossa natureza corporal estabelece com o mundo, onde nós nos incluímos como seres sociais, culturais, espirituais e da natureza” (KUNZ, 2004, p. 22-23). Partindo do pressuposto de que o movimento é nosso primeiro e mais importante diálogo com o mundo - o que nos faz sujeitos vivos e perceptivos, Kunz acredita que o movimento livre e autônomo “foi e continua sendo nosso veículo de libertação das excessivas referências externas que nos são colocadas sem a nossa autorização” (2004, p. 28). O movimento, assim, é entendido como uma ação em que o sujeito, pelo seu Se-Movimentar, interage no Mundo de forma dinâmica e através desta ação percebe e realiza os sentidos/significados em e para o seu meio (TREBELS, 2006). Para diferenciar este entendimento de movimento humano de outros, Kunz (1991; 1994) o denomina “Se-Movimentar”, como escolheu traduzir a expressão alemã “Sichbewegen”, na qualo “se” refere-se à “próprio”, ou seja, ao sujeito entendido como autor do próprio movimento. Este é, em nossa opinião, o desafio fundamental que devem enfrentar os envolvidos com a Educação (Física) Infantil, se quiserem compatibilizar teoria e prática, discurso e ação e, sobretudo, incluir as crianças como partícipes do processo pedagógico. Com o intuito, então, de refletir sobre essas questões, realizamos uma pesquisa teórica acerca da prática pedagógica na Educação (Física) Infantil, na qual nos dedicamos a dialogar, a partir da Educação Física, com a Pedagogia, a Sociologia da Infância e com a Semiótica de Peirce (1974; 1977). O recorte da pesquisa que selecionamos para este texto, busca apresentar uma parte de nossa discussão com a Sociologia da Infância e a Semiótica peiciana, no cotejo com a perspectiva do Se-Movimentar, em cuja tarefa apresentamos nosso ponto de vista sobre a Educação Física na Instituição Infantil. Da Sociologia da Infância aos Processos Pedagógicos com crianças Pesquisas no campo da Educação Infantil que se pautaram na perspectiva da Sociologia da Infância criticam severamente o fato de que, na esfera educativa, a criança desempenha apenas o seu “ofício de aluno”, suprimindo-se assim a sua condição de Ser criança. Concluíram que há de se buscar uma práxis pedagógica que contemple o ponto de vista da criança, considerando-a, verdadeiramente, como capaz e produtora de saberes, de linguagem, de cultura (CERISARA, 2004; COUTINHO e ROCHA, 2007; ROCHA, 2008). 133


Entendemos, com base no conceito de alteridade26, que é na dimensão das relações comunicativas que tal situação pode ser superada. Isso se dá, fundamentalmente, pelas relações interculturais e intergeracionais (entre criança-criança, adulto-adulto, criança-adulto) e com a própria “realidade bruta” - o mundo que se mostra para nossa “livre percepção” , ao contrário do mundo que se mostra a partir apenas dos dados culturalmente codificados. O que se encontra implicado nessa relação são as trocas comunicacionais e, por troca, entende-se o que se ouve e é ouvido, o que se vê e é visto, o que se toca e é tocado e, principalmente, o que se percebe e se experiencia. Contudo, o ouvir, o ver e o sentir, como aqui os estamos entendendo, significam a possibilidade concreta de inclusão/consideração do que se ouve, do que se vê e do que se sente. Caso contrário, esses se resumiriam simplesmente a uma “escuta-surda”, a um “ver-cegante”, a um “sentir-insensível”. Tal é o que nos mostra, por exemplo, Carere (apud MONTANDON, 2001, p. 40), que investigou a “relação negociada” entre professores e alunos, na qual percebeu a “presença de uma luta implícita e velada dos educadores pelo poder e dos alunos pela própria expressão”. Essa pesquisa demonstrou como os professores acabam por estabelecer barreiras no campo de ação das crianças, com vistas a otimizar suas aprendizagens, e estas conseguem apenas fragmentos de liberdade e autonomia por intermédio da individualização. Isso nos permite levantar a hipótese de que, embora tais pesquisas tragam conclusões verossímeis, em alguma medida passaram ao largo da problemática que, no nosso entendimento, é fundante das condições que configuram a prática pedagógica com crianças: a experiência perceptiva, as singularidades/alteridades, o modo específico de ser criança e, em especial, o tema da “Linguagem e Comunicação”, o qual compõe o pano de fundo dessas questões. Entendemos que os avanços teóricos não têm alcançado a prática pedagógica, na medida em que não têm demonstrado, de modo consistente, o que é, de fato, uma prática pedagógica compreendida como fenômeno vívido. Nas pesquisas correntes, a prática pedagógica é submetida unicamente a olhares paradigmáticos específicos (Sociologia, Antropologia, Psicologia etc.) e reduzida a explicações, análises, interpretações e proposições sobre as práticas pedagógicas já ocorridas, quer dizer, situadas no passado. Percebemos aí uma concepção reducionista de prática pedagógica, pois podemos inferir que ela é vivida como simulacro, isto é, após ser “pesquisada”, efetua-se uma pausa/congelamento, realizam-se os ajustes e, a partir dessa compreensão estática, prescrevem-se e simulam-se novas possibilidades práticas.

Por “alteridade” entendemos, como Peirce, o Outro, as coisas e os seres com que nos defrontamos no Real (ou seja, o que é dado na existência) do mundo fenomênico (IBRI, 1992). 26

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Por outro lado, a compreensão da prática pedagógica como fenômeno vívido, a percebe essencialmente como contingência, como um fluxo contínuo de experiências mútuas e espaço de confrontos diretos de alteridades. Nesse entendimento de prática pedagógica como fluxo é essencial considerar as possibilidades futuras, as quais, mesmo guiadas por objetivos a princípio determinados, não podem ser controladas de antemão. E a possibilidade de uma prática pedagógica em fluxo aberto não depende, exclusivamente, de uma correta aplicação/transmissão simulada de modelos e conteúdos práticos, mas, fundamentalmente, dos sujeitos que a dinamizam, que apresentam suas histórias em fluxo. Porque o vislumbrar de novos horizontes, as possibilidades de recriações inéditas das histórias dos sujeitos não se rendem às nossas tentativas de controle. Enfim, entendemos que uma prática pedagógica vívida (e não apenas vivida no passado) só é possível com sujeitos que a encenam e contracenam na dimensão mesma da prática, logo, no concreto; a experiência da prática pedagógica é um processo/fenômeno dinâmico e contingente, e não mera reprodução de fatos consumados. Alguns estudos no campo da Educação Infantil também alertaram para a necessidade de investir esforços no tema da linguagem (JOBIM e SOUZA, 1996). Contudo, parece-nos que isso se tem concretizado em um trabalho com as formas de linguagens, de maneira isolada, seccionadas (música, pintura, dança, poesia etc.). Aqui reside um procedimento pedagógico que estimula a reprodução mecânica dos produtos da linguagem, quer dizer, reproduções de atividades prontas e homogêneas, das quais se esperam respostas/resultados parecidos. No nosso entendimento, o modo mais adequado a trabalhar/dialogar com as crianças na Educação Infantil é na linguagem, enquanto processo/fluxo, produção de conhecimentos. Daqui já podemos concluir que o dever da Educação (Física) Infantil e da “Pedagogia da Educação infantil” é pensar em propostas que concretizem uma prática pedagógica em fluxo. Para tal, é preciso restituir as singularidades/alteridades das crianças, pois, só assim será possível contemplar uma prática pedagógica vívida, nos termos relativos à experiência. Cada sujeito toma parte na estrutura social (grupo étnico/racial, classe social, geração etc.), mas possui sua própria história, sua própria temporalidade, a partir da qual significa/atribui sentido às suas relações (com o mundo e com os outros). Ou seja, cada sujeito possui a sua singularidade interpretativa, a qual é produzida no âmbito de uma sociedade e de uma cultura. Cada sujeito sente o que todos vivemos, mas à sua maneira. É esta condição que o faz único, alter. A criança, embora nasça no seio de uma cultura estabelecida, ainda não incorporou totalmente os significados consensuais determinantes das representações culturais. Ela é relativamente livre para expressar-se de modo espontâneo e intuitivo. 135


Para aquém e além de toda e qualquer categoria geral de que façam parte, as crianças são singulares. Em outros termos, nossa hipótese é a de que reside na dimensão própria da prática pedagógica a possibilidade de percebermos como as crianças não são meros correspondentes ou “respondentes” de objetivos determinados a priori pelos professores, pela instituição escolar e pelas classes dominantes, assim como, também não são repetidamente semelhantes nos seus modos de ver, perceber e atribuir sentidos à suas ações/relações. Devemos entender a prática pedagógica com crianças como ação concreta e não como abstração ou reprodução: entendê-la como espaço dinâmico de confrontos, revisões, transformações e criações. Isto solicita esclarecimento acerca da experiência, pois, é nesta dimensão que as intenções pedagógicas do professor ganham “corpo”, cuja vivacidade é presentificada pelos sujeitos que nela se encontram. É nessa perspectiva que dialogamos a seguir com a semiótica de Charles S. Peirce (PEIRCE, 1974; 1977). Da Semiótica peirciana à inspiração pedagógica na Educação (Física) Infantil A base da Semiótica peirceana é a experiência, entendida simultaneamente como “o inteiro resultado cognitivo do viver”; e “curso de vida” (PEIRCE apud IBRI, 1992, p. 4). Isso significa que a experiência é a própria alteridade se manifestando, produzindo, confrontando, evoluindo. Outro fundamento da Semiótica peirceana (PEIRCE, 1977), é o entendimento de que o pensamento é o domínio primeiro do Cosmos, e não é restrito aos seres humanos. O Universo é pensamento/produção de informação ininterrupta e contínua e, por conseguinte, constitui-se num processo evolutivo em constante crescimento (não ascendente, mas em rede) e diversificação. Evoluir é um processo contínuo da passagem da potência/possibilidade ao ato. Para Peirce, o conhecimento processa-se na produção de sentidos/produção de “linguagem”. A única possibilidade do Ser se relacionar com a realidade é pela mediação da linguagem. E, por “linguagem”, Peirce (1974; 1977) não concebe apenas o que é estabelecido pelos códigos culturais, mas a capacidade do universo de produzir informação/conhecimento. E, como não há produção de informação/conhecimento a não ser por intermédio de signos, então, podemos compreender a Linguagem como a capacidade de produzir signos. Assim sendo, a Linguagem não é um produto acabado, mas um permanente processo de produções sígnicas, que se perfaz continuamente no Universo. Na esfera humana, signo pode ser qualquer coisa – um sentimento, uma emoção, uma sensação sonora, táctil, uma palavra, uma cor, um ritmo etc., desde que represente algo (o outro, o alter) para alguém, sob certos aspectos e de alguma maneira. 136


Sendo assim, a produção do conhecimento é sempre uma produção de signos – o pensamento é signo, o fluxo de pensamento dá-se em um fluxo incessante de signos. Tal fluxo é denominado por Peirce (1974; 1977) de Semiose. Portanto, não se pode restringir este entendimento aos signos socialmente reconhecidos, à esfera dos códigos culturais. Esta perspectiva, pois, nos respalda na difícil tarefa de nos libertarmos da responsabilidade de que somos apenas nós, adultos e professores, que conhecemos e somos responsáveis por “fazer acontecer” na prática pedagógica com as crianças. É o entendimento do Cosmos como pensamento que nos permite, de fato, pensar as crianças como alteridades, pois elas também pensam, produzem novos conhecimentos diante do mundo cognoscível e, portanto, com elas podemos dialogar. O pensamento para Peirce é, então, a condição do Ser e não como uma capacidade localizada no cérebro humano. Assim, devemos entender a produção de conhecimento como produção de pensamento, já que o conhecimento, como também argumenta Kohan (2003), é algo que se supera, porque o pensamento pode fazê-lo e refazê-lo, ao passo que o pensamento é a possibilidade de continuar, de experienciar e, portanto, não é algo passível de ser superado. Desse modo, a infância passa a ser concebida como uma condição para pensar, na qual as crianças não são mais entendidas como “infans”, aquele que não-sabe (falar, produzir, criar), o não-ser (impotente), o não-ter (capacidade, formação). Ao contrário, a criança é potência, afirmação e possibilidade. Assim, reafirmamos a necessidade urgente de a produção do conhecimento na área da Educação (Física) Infantil – e da Educação Infantil - encarar de frente o processo de mediação levado a cabo pelos signos como nutriente da prática pedagógica, o que exige também valorizar cada criança como aquela criança, isto é, na sua singularidade. É tal entendimento que nos impedirá de interromper o fluxo criativo de produção sígnica estabelecido pelas crianças. Com efeito, é o confronto de alteridades – na experiência - que institui conhecimentos e aprendizagem. Abster-se das expressividades comunicativas das crianças é abster-se das variedades, das multiplicidades capazes de enriquecer e dar sentido às práticas pedagógicas. É por essa razão que reiteramos nossas preocupações com o modo predominante das práticas pedagógicas com crianças na esfera educativa, pois, têm-se caracterizado por reproduções mecânicas de aulas prontas, de teorias/métodos aprioristicamente determinados e, principalmente, estritamente definidas pelos objetivos unívocos do professor – são práticas “professorcêntricas”.

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Kunz (1999) e Maraun (2006) já denunciaram os limites presentes nos métodos de ensino concebidos como técnica e vistos apenas pela perspectiva do professor. Desse fato, Kunz aponta termos esquecido que os alunos também compartilham um “método”, a maneira de ele ser aluno: “Se o aluno é o alvo central para planejarmos nosso método de ensino, temos de conhecê-lo melhor e desafiá-lo a participar na construção e utilização desta concepção metodológica” (1999, p. 67). Nessa mesma perspectiva, Maraun (2006) apresenta a necessidade de repensar a questão da experiência e propõe a “Experiência como Categoria Didática”. Para a autora, os fenômenos do mundo da vida só são relevantes para quem os percebe e vive, na medida e na forma como eles se apresentam em diferentes situações. Só assim é que podemos falar de nossa própria experiência. Por isso, se continuarmos olhando as crianças e a prática pedagógica apenas a partir de nossos objetivos estabelecidos a priori, estaremos compactuando com a idéia de que precisamos adequá-las a habilidades e competências definidas a partir de uma perspectiva adultocêntrica e professorcêntrica. Sabemos que questionar o que arduamente os professores têm buscado desempenhar em prol de melhorias sociais/educacionais, no âmbito das instituições não é tarefa simples. Muitas vezes, nos perguntamos até se é justo fazê-lo. Tal tarefa é delicada, na medida em que inclui questionar procedimentos que deveríamos reconhecer como louváveis, a saber, a obrigação e a responsabilidade didática do professor de abordar a prática com objetivos cuidadosamente delimitados. Será, pois, com cautela que, por este viés - os objetivos –prosseguiremos nosso diálogo com a semiótica peirceana. Objetivos didáticos: hipóteses e falibilidade Ao que temos assistido no cenário escolar/educativo são alunos insatisfeitos e professores frustrados diante da incompatibilidade deflagrada entre o que se planeja e os acontecimentos “reais” da experiência vívida, ou seja, da própria prática. Entretanto, não estamos sugerindo com esses argumentos que os professores devam abandonar a obrigação, o compromisso e a tradição de planejar cuidadosamente os seus objetivos pedagógicos; mas queremos destacar a necessidade de retomar os seus fundamentos. Ora, eliminar os interesses das crianças/alunos é desconhecer que a validação de qualquer saber, a colocação à prova de qualquer desejo, e a possibilidade de criação/produção de conhecimento é possibilitada pelo confronto com a experiência, como nos ensina a semiótica 138


peirciana. O que estamos querendo dizer é, simplesmente, que devemos estar abertos para a possibilidade de que objetivos pedagógicos a priori determinados possam ser refutados, porque falíveis (como todo conhecimento, conforme Peirce), e re-elaborados no fluxo da prática pedagógica, sujeita como é, a contingências. Ademais, acreditar que é possível determinar, objetivar antecipadamente uma experiência, é crer que é possível, além de prever, congelar seu curso, e, ao congelá-la, seria possível impedir que o acaso, o inusitado, o contingente - enfim, a criação - se manifestasse. Parece que temos dificuldade para nos libertarmos do lugar para o qual as obrigações históricas do processo educativo nos confinaram. Parece que estamos acomodados e nos esforçamos apenas para sustentar os limites de uma representação (os códigos, os preceitos educativos)que tem desmoronado diante de realidades práticas exigidas por outras necessidades, outros interesses, outras gerações, outros tempos... O que estamos argumentando é que a prática pedagógica concreta não se restringe à absorção e reprodução, por parte das crianças, das intenções funcionais institucionalizadas e institucionalizantes – objetivos, conteúdos, métodos, políticas etc. Na esteira de Sant‟Agostino (2001), autora que também se fundamenta na semiótica peirceana, entendemos que a prática pedagógica não se produz previsível e linearmente, mas simultaneamente com fatos/signos multidimensionais superpostos, que se transformam no espaço e no tempo. A lógica de sua produção não é a da sucessividade, da linearidade sequencial, mas de fatos/signos concretos que se chocam e conflitam. Tal dinâmica produz variedades, diferenças geradoras de imprevistas possibilidades significativas. Por essa razão, ao lançarmos nosso olhar à Didática como um todo, percebemos como ainda sua lógica é linear, embora já contemplada por muitos debates que enfatizam a complexidade. É tal linearidade que nos impede – professores e alunos - de pensar e interpretar as práticas pedagógicas em rede, assim como nos impede de libertar as crianças/alunos para pensarem em rede. No máximo, o que se espera da criança/aluno, é que ela complete a rede, impedidos que são de desempenhar suas capacidades para tecê-la. O que propomos é que os objetivos didáticos na Educação infantil sejam postos “em suspenso”, como hipóteses. Porque, se o professor não possui controle sobre o processo de produção sígnica - o processo criativo - das crianças, e se o alimento da prática pedagógica é, como vimos, a manifestação de alteridades diversas, só nos resta traçar objetivos hipotéticos. Certamente que esses argumentos não são novidades. Não poucas vezes ouvimos a consideração de que qualquer modelo propositivo não deve ser visto de maneira “engessada”, precisa ser flexível, precisa considerar cada contexto no qual a prática se efetiva. Muito bem, 139


também somos simpáticos a esses argumentos. São eles que têm garantido mobilidade estratégica ao professor. Porém, note-se, o que estamos tentando apontar é que tal recurso está voltado, prioritariamente,

ao

que

estamos

aqui

criticando:

a

manutenção

dos

objetivos

“professorcêntricos” e pré-determinados. Vejamos o que geralmente acontece diante de um fato inusitado na dimensão da prática pedagógica. É uma rápida mudança do professor, da atividade que ele estava desenvolvendo para outra mais eficaz (utilização dos chamados “coringas”). Observe-se que, no cerne desse recurso, situa-se o argumento mais utilizado, porém equivocado, acerca dos objetivos: não importa qual estratégia o professor use, o importante é que seus objetivos sejam alcançados. Se esperamos que a didática na Educação infantil como um todo (para além do âmbito disciplinar da Educação Física) contemple uma prática pedagógica efetivada propriamente como relações comunicativas, precisamos considerar que é no conflito de interesses das crianças que o professor se obriga a desenvolver seu papel. É a criança/aluno que pede e mostra ao professor como a prática pode ser conduzida. Os objetivos hipotéticos, conforme estamos aqui entendendo, são motivados pela sensibilização do professor daquilo que a criança tem de admirável; os desejos das crianças devem se irradiar para a conduta do professor. Assim, os objetivos didáticos na Educação Infantil são de natureza semiótica, ou seja, eles têm a ver com a forma de conduta que se toma diante das manifestações sígnicas das crianças. Quando levantamos uma hipótese, é para que ela ilumine nossas condutas, isto é, a hipótese nos permite induzir a prática pedagógica, sendo a sua comprovação apenas uma possibilidade. Isto porque uma hipótese, no entendimento peirciano, é sempre dotada de similitude, quer dizer, carrega consigo promessas de possibilidades (SILVEIRA, 2007). Mas tal similitude só é possível se partirmos de situações concretas e não abstratas. Desse modo, se é verdade que os objetivos (hipotéticos) devem ser almejados, também é verdade que devam estar abertos para acrescentar os pontos de vistas das crianças quando testados na experiência. É a experiência que testa a veracidade de um objetivo hipotético. Diz Peirce (1974, p. 27): “naturalmente é possível que nada possa ser aprendido de um experimento que mostra ser como já esperávamos. É através de surpresas que a experiência nos ensina tudo aquilo que condescende a ensinar-nos”. Renunciemos, então, a nossos objetivos abstratos e às referências externas às próprias crianças/alunos. Voltemos ao sensível, ao concreto, percebamos as alteridades, admitamos que somos seres imprevisíveis e indeterminados, para que possamos aprender mutuamente o valor

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das relações, da expressividade do outro, da admiração, da aceitação e da renúncia. Abramos espaços para o inusitado. Dessa maneira, uma prática pedagógica aberta, em fluxo, como a aqui perseguimos, deve considerar, sobremaneira, a comunicação dos interesses singulares das crianças/alunos. Estamos, então, tratando de objetivos vivos, em movimento, cuja realização se dá na dimensão da relação entre sujeitos com pontos de vistas próprios, com percepção própria, com sentimentos próprios e diversificados. Por fim, no âmbito da Educação Física é a teoria do Se-Movimentar, conforme apreensão de Kunz (1991; 1994; 2004), que nos permitirá, sem abrir mão da perspectiva semiótica, dialogar com a Pedagogia da Educação e da Educação (Física) Infantil. Considerações finais: Se-Movimentar e relações comunicativas na Educação (Física) Infantil Kunz (1991; 1994), com fundamento na fenomenologia, tem defendido o movimento humano a partir de sua inerente potencialidade dialógica, em cujo fundamento está a possibilidade da compreensão de temas como sensibilidade, percepção e intuição humana. A concepção do Se-Movimentar prioriza a atenção no Ser humano que se movimenta (experiência primordial de ser e estar no mundo) e no caráter dialógico do movimento: diálogo entre o homem e o mundo, que possibilita uma “compreensão-de-mundo-pelo-agir”. Em tal concepção, que se opõe às abordagens que veem o movimento humano de modo puramente biomecânico e em uma perspectiva empírico-analítica, é levado em conta o ser humanoque se movimenta, no nosso caso, a própria criança - e não o contrário, o movimento dela. Portanto, estamos falando aqui do movimento expressivo. A Educação (Física) Infantil e, por conseguinte, a “Pedagogia da Educação Infantil” para restituir à experiência das crianças elos que ficaram perdidos – o sentimento, a intuição e a percepção - devem pensar em metodologias que tenham como horizonte essas possibilidades, isto é, oportunizar confrontos diretos com o mundo (não só com o mundo pré-dado pela ciência, pelas mídias, pelos métodos pedagógicos puramente conteudísticos, pelo senso comum etc.). Para que tal possibilidade seja de fato viabilizada, propomos compreender a “linguagem” como produção sígnica/semiose e a semiose como simultaneidade sígnica. Gomes-da-Silva, Sant‟Agostino e Betti (2005. p. 36) explicam, com base na semiótica peirceana, que o fluxo de signos se dá hibridamente, associando/encadeando signos verbais, gestuais, táteis, musicais etc., constituindo, deste modo, um processo de semiose entre signos. 141


Perguntamos, então: como é possível pensar em simultaneidades sígnicas na Educação (Física) Infantil? É no Se-Movimentar, entendido como diálogo com o mundo, com outros signos. É no Se-Movimentar que percebemos os signos, que atribuímos sentidos às nossas ações. A eminente condição do signo é a sua intensa dialogicidade; tudo é signo, desde que para algo ou para alguém. Assim sendo, quanto maiores as possibilidades do Se-Movimentar, maior o campo de percepção sígnica, maiores as possibilidade criativas: o fluxo de semioses. Quanto mais espaço para o Se-Movimentar, maiores as possibilidades e riquezas das relações comunicativas. Vale acrescentar que, por relações comunicativas, não estamos entendendo uma comunicação efetivada com base em supostas transparências e obviedades, mas sim um processo comunicativo que enfrenta desordens, complexidades e diversidades. Uma comunicação que, como afirma Ferrara (2004), nutre-se de misturas e interfaces entre linguagens/signos, que se traduzem em diálogos. Trata-se, pois, da relação dialógica entre emissor e receptor, entre signos e significados. Exemplifiquemos, conforme Gomes-da-Silva, Sant‟Agostino e Betti (2005) uma cena na Educação (Física) Infantil efetivada como relações comunicativas. Uma melodia (ouvida realmente ou apenas imaginada) evoca um certo sentimento na criança/aluno que se transcria em um movimento singular/alter: este será percebido como signo aberto a múltiplas possibilidades interpretativas - produzidas tanto pelas outras crianças quanto pelo professor – e não apenas aquelas “enformadas” pelos códigos já institucionalizados. Este signo novo pode deflagrar novas “leituras”, novas semioses gestuais imprevistas que permitem o fluxo da criatividade acionado pelos diferentes repertórios. Podemos assim falar em movimento expressivo próprio de cada criança, na manifestação de seus interesses, dos seus próprios pontos de vista. Tal concepção contrapõe-se ao trabalho com signos seccionados, como mera reprodução, o que pode levar o professor a determinar objetivos a partir apenas de seu próprio interesse. Por exemplo, um provável interesse/objetivo é alcançar a “disciplina” das crianças (silêncio, falta de conflitos, falta de confrontos, redução de mobilidades sígnicas, redução perceptiva etc.), o que impede o professor de conceber a “bagunça”, a “desordem”, o não-sistematizado como produção de conhecimento. Daqui, termos a ilusão de que as expressividades que as crianças manifestam são homogêneas, são parecidas; ou seja, aqui se apresenta uma das nossas maiores dificuldades de perceber as singularidades. Ora, se pensarmos em relações comunicativas como território adequado à construção de um novo mapa do mundo, conforme Ferrara (2004), o primeiro passo é deixarmos de perceber um

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grupo de crianças na prática pedagógica como uma massa, mas concebê-los como coletivo, em que a diversidade, a singularidade e a autonomia ganham espaço e direitos expressivos. O espaço concreto no qual continuamos apostando, na viabilidade de construirmos um “novo mapa do mundo”, principalmente no âmbito das relações humanas, ainda é a escola, a instituição educativa. Mas o „território‟, enfatizamos, só pode ser o das relações comunicativas – espaço que não permite barreiras, nem delimitações, nem determinações, nem exclusões. O vetor deste espaço indica para as possibilidades, para o “poder ser”. Assim, para que uma prática pedagógica na Educação (Física) Infantil se efetive propriamente como relações comunicativas, é preciso que criemos situações propícias a experiências, é preciso que no seu Se-Movimentar, a criança confronte-se diretamente com a experiência vívida. Deixemos que as crianças vivam os signos, antes de os traduzirmos para elas. Segundo Maraun (2006, p. 194), no caminho da aprendizagem orientada às experiências “encontram-se incertezas, dificuldades e muitas resistências” e não interessa “avançar sem problemas pela trilha já preparada por outros”. Acredita essa autora que estar inteiramente envolvido na experiência, nos acontecimentos, também pode significar entregar a si próprio, quer dizer, auto-conhecer-se. É tendo a oportunidade de Se-Movimentar, livre e espontaneamente, ou seja, no diálogo direto com o mundo, que a criança se mostra e, assim, também se conhece. A

perspectiva

que

aqui

apresentamos

exige

conceber

o

professor

como

interlocutor/intérprete e não mediador (aquele que medeia entre o aluno e o conhecimento, que “traduz” a realidade). Mas o professor, esclarecemos, é intérprete das crianças e não das atividades (as músicas, os jogos, as danças etc.). Cabe a ressalva de que, na dinâmica das relações comunicativas que se estabelece na prática pedagógica, cada criança/aluno é também intérprete da expressividade das outras, bem como do próprio professor. Entretanto, como o professor deve ser um intérprete/interlocutor diferenciado, deve ter o compromisso de constantemente enriquecer seu repertório para melhor provocar, mediante recursos multissensoriais (sonoros, imagéticos, táteis, verbais), as possibilidades expressivas das crianças e desencadear, assim, novas semioses. “Provocar”, talvez este seja o único objetivo que o professor deva desejar alcançar. Nesse processo, o professor interlocutor/intérprete junto às crianças, permite e inclui no diálogo as mais diversas expressões e sentidos. Aqui se instaura a possibilidade da cena que visualizamos como relações comunicativas.

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Capítulo 8 As lutas na Educação Física Escolar: possibilidades de trabalho com jogos Juliana Cesana27 Alexandre Janotta Drigo28 Samuel de Souza Neto29 Paulo Roberto de Oliveira30 Introdução A Educação Física Escolar, nos últimos anos, vem sofrendo profundas transformações, tanto com relação ao seu conteúdo, como também aos seus métodos de ensino. Esse fato se caracteriza de forma particular na Educação Infantil e no Ensino Fundamental (1º e 2º ciclos), já que propõe como conteúdos o resgate dos elementos da cultura corporal de movimento, como por exemplo, a ginástica, a dança, as lutas e as brincadeiras de rua (BRASIL, 1996), temas de grande interesse para as crianças desta idade. No caso das lutas, tema central deste capítulo, encontra-se certa dificuldade com relação a sua implementação nas aulas de Educação Física, já que se constitui como um conteúdo altamente especializado, com o qual muitos professores nunca ou pouco tiveram contato. A sua prática está geralmente associada a sistemas de graduação, como as faixas, e à presença de um mestre, ou faixa preta, conferindo a estas atividades um caráter de distanciamento nas esferas sociais. Se considerarmos as lutas enquanto aplicação de golpes e submissão física do adversário, poder-se-ia dizer que ela não tem espaço dentro da escola. Por outro lado, ao considerar os movimentos básicos, presentes em diferentes modalidades de lutas, veremos a possibilidade de desenvolver um riquíssimo repertório motor em nossos estudantes, sem necessariamente chegar ao confronto direto ou a situações de violência. Num primeiro momento, sentimos a necessidade de conceituar o termo “lutas”, de forma a tornar a compreensão deste conteúdo mais facilitada. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), as lutas aparecem como categorias de conteúdos a serem trabalhados no Ensino Fundamental, porém não se torna claro o que é considerado luta, como segue: Mestre em Pedagogia da Motricidade Humana – UNESP de Rio Claro - Doutoranda em Ciências do Esporte – FEF/UNICAMP. 28 Doutor em Ciências do Esporte – FEF/UNICAMP - Docente do PPG em Ciências da Motricidade da UNESP de Rio Claro - Docente da Faculdade de Americana – FAM. 29 Professor Livre Docente da UNESP de Rio Claro - Vice-coordenador do PPG em Ciências da Motricidade da UNESP de Rio Claro. 30 Professor Livre Docente pela FEF/ UNICAMP. 27

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As lutas são disputas em que o(s) oponente(s) deve(m) ser subjugado(s), com técnicas e estratégias de desequilíbrio, contusão, imobilização ou exclusão de um determinado espaço na combinação de ações de ataque e defesa. Caracterizam-se por uma regulamentação específica a fim de punir atitudes de violência e de deslealdade. Podem ser citados como exemplos de lutas desde as brincadeiras de cabo-de-guerra e braço-de-ferro até as práticas mais complexas da capoeira, do judô e do caratê (BRASIL, 1998, p. 70).

No contexto da Educação Física o termo lutas deve, primeiramente, estar atrelado a atividades corporais de movimentos complexos que, na nossa compreensão, preveem o combate direto entre oponentes (não inimigos), com o objetivo de travar uma luta, peleja ou confronto na qual existe empenho e esforço. Entretanto, atividades corporais como cabo-de-guerra, luta de braço ou “queda-de-braço” também são caracterizadas pelos PCNs como lutas, atentando mais para os aspectos sócioculturais dessas práticas. Consideramos, porém, como lutas para a escola, atividades mais complexas que possuam não apenas o emprego de força e estratégia limitada (lembrando que neste nível de ensino o desenvolvimento técnico-tático não deve ser o objetivo principal da atividade), mas sim elementos comuns encontrados nas diversas modalidades de lutas e nas artes marciais, como:  Embate corporal;  Ataque, defesa e esquiva;  Golpe e contragolpe. Da mesma forma, porém no extremo oposto, encontra-se a capoeira que, no nosso entendimento, extrapola a esfera das lutas, principalmente no que diz respeito à sua constituição, pois possui elementos da dança/ritmo, musicalidade, cultura afro-brasileira, religiosidade, além dos elementos característicos de lutas. Sendo assim, transforma-se em uma modalidade sui generis, multifacetada e de grande importância para a Educação Física Escolar, porém não podendo ficar restrita ao conteúdo de lutas. Portanto, para evitar possíveis “cacofonias” com relação ao trabalho com lutas na escola, já que a caracterização das mesmas é diversa na sua natureza, sugerimos a implementação da capoeira como elemento independente deste conteúdo para a Educação Física Escolar. Em face do exposto, o objetivo deste capítulo será o de elucidar o significado das lutas no contexto da cultura corporal de movimento e a sua inserção no universo escolar, apresentando uma proposta de trabalho deste conteúdo para a disciplina de Educação Física. 147


Iniciando uma proposta viável Buscando a definição de lutas em dicionários, o que percebemos em comum é a identificação de combate entre duas ou mais pessoas, com armas ou sem elas, com intenção de subjugar, matar ou pôr em fuga. Nesse aspecto, pensamos as lutas como atividades geradoras ou disseminadoras de violência. Porém, em um ambiente controlado e dirigido, essas atividades podem, contrapondo-se à ideia inicial da terminologia, produzir elementos cognitivos e motores essenciais ao desenvolvimento da criança. Atividades de lutas estão presentes em quase todas as civilizações, sendo consideradas importantes para o desenvolvimento integral da criança. O trabalho com lutas pouco foi desenvolvido em nossa “tradição escolar” e, como já explicitado por sua terminologia, amplamente confundido com exposição da criança à violência. Alguns argumentos podem ser elaborados para rebater esta observação, desde atividades espontâneas, como já mencionado, até por possuir uma riqueza enorme de movimentos associados (DRIGO, 2006). Podemos citar:  Algumas lutas como o judô, jiu-jitsu e aikidô procuram utilizar o movimento do “outro”, para compreender e aprender uma “técnica de leveza”;  Co-existem nas práticas cerimoniais de respeito aos professores e aos outros praticantes;  Uma das principais características do trabalho com lutas para as crianças é o desenvolvimento da capacidade da criança de agir e se adaptar, que percebemos nas atividades de lutas como primordial para esse estímulo. Desse modo, dirigir e gerenciar propostas de trabalhos para lutas na escola torna-se complicado, sobretudo pela falta de bibliografia e metodologias aplicadas, sendo que o tema possui publicações raras e pouco específicas para atingir suas particularidades. O que observamos nos trabalhos desenvolvidos da literatura nacional é a tentativa de inserir a prática de uma modalidade de luta, geralmente arte marcial - como o caratê, judô ou kung-fu - e a consequência pontual de sua administração para uma turma anual, sendo executado, na maioria das vezes, por um praticante faixa preta ou mestre na modalidade, relegando à escola apenas a um lócus do desenvolvimento do trabalho. Acreditamos que o trabalho com lutas na escola não deve ficar restrito a uma única modalidade ou ao desenvolvimento de uma única arte marcial, já que o desenvolvimento de habilidades motoras básicas constitui-se como o cerne para o desenvolvimento integral da criança. Dessa forma, utilizar os elementos básicos de diferentes modalidades parece ser o procedimento mais indicado para o trabalho escolar, porque: 148


 é uma fase de introdução de elementos de movimento em que não se deve, necessariamente, introduzir técnicas específicas;  não restringe o trabalho de elementos comuns e diversificados de modalidades de lutas;  não estigmatiza uma determinada luta ou arte marcial como melhor ou mais indicada ao trabalho escolar, evitando generalizações e preconceitos;  não condiciona o trabalho à experiência anterior com alguma luta específica por parte do professor. Vale ressaltar que em trabalhos específicos desenvolvidos com os esportes, incluindo as lutas, recomendam-se cuidados básicos principalmente quanto à individualidade dos seus participantes, sendo que deve haver uma instrumentalização do professor para que este esteja apto à:  saber desenvolver diagnósticos em relação à própria atividade proposta e ao desenvolvimento da turma;  definir e adotar procedimentos e alternativas;  estabelecer tomada de decisões, seguras e capazes, aspecto fundamental para o controle da atividade de lutas, evitando possíveis deslizes;  desenvolver o atendimento indicado e esperado para o desenvolvimento do aluno. Para tanto, deve-se adotar como norma que, quando se está envolvendo em qualquer atividade grupos de pessoas com questões/situações-problemas que os afligem e para os quais se busque encontrar soluções adequadas, sempre se deve desenvolver exaustivo planejamento inicial, levando-se em conta as características citadas anteriormente. Planejamento de atividades Pode-se considerar como essencial das fases iniciais de trabalho a transformação do

combate em jogos de lutas com regras, proposta que já foi apresentada como possibilidade de trabalho com crianças do SESI do Estado de São Paulo, adaptado para a Educação Física Escolar. O papel do educador nesse processo deverá manter intacta a alegria das crianças em atividades de confronto e em atividades de “emotividades contidas”, delimitando a possibilidade de violência. As regras devem ser apresentadas de forma bem elaborada e simples, para que permitam o entendimento da atividade e que obriguem o controle de si mesmo (das próprias 149


crianças em atividade). Como mencionado anteriormente, devido à raridade de trabalhos e estudos que enfocam e propõe atividades de inserção das lutas na escola, optamos pela estrutura de Olivier (2000) que propõe uma interessante classificação de jogos de lutas que permitem um desenvolvimento gradual das atividades na forma de jogos. Interessante observar que os jogos por ele sugeridos foram adaptados, visando o melhor desenvolvimento, específico do trabalho na escola, que didaticamente apresenta uma divisão clara de atividades que levam uma estrutura pontual, evitando especializações tanto em relação ao movimento quanto a uma modalidade em si. Então, na proposta de Olivier (2000) os jogos dividem-se em seis grupos:  Grupo 1 - Jogos de rapidez e atenção;  Grupo 2 - Jogos de conquista de objetos;  Grupo 3 - Jogos de conquistas de território;  Grupo 4 - Jogos para desequilibrar;  Grupo 5 - Jogos para reter imobilizar, livrar-se;  Grupo 6 - Jogos para combater. Tentaremos, a seguir, de separar estes grupos e algumas de suas respectivas atividades de maneira mais apropriada para cada série do Ensino Fundamental, 1º e 2º ciclos. Base motora - trabalho direcionado à 1ª e 2ª séries da Educação Física Grupo 1 – Jogos de rapidez e atenção Olivier (2000) define esse grupo como “Jogos de vivacidade que alternam sempre os papéis de atacante e atacado e evitam o contato próximo com o adversário”. Como exemplo de atividades ele sugere os seguintes jogos:  Os Balões estourados - realiza-se pela divisão da turma em duplas, deve amarrar um balão com uma fita de aproximadamente 50 cm no tornozelo de uma das crianças da dupla e à ordem do professor, o que não possui balão deve tentar estourá-lo com o pé. A criança que está com o balão deve protegê-lo. Não será permitida a utilização das mãos. Este jogo poderá ser modificado em inúmeras possibilidades, dependendo da criatividade do professor.  Os caçadores - realiza-se pela escolha de dois ou mais caçadores que ficarão de pé, as outras crianças do grupo deverão deslocar-se em quatro apoios; os caçadores deverão pegar suas 150


“caças”, que ficarão livres da ameaça se virarem de costas, tornando-se “intocáveis”. Uma alternativa para o jogo dos balões (em caso de restrição de materiais) é o “pega-pega do rabo”, no qual o objetivo é pegar o rabo do oponente. O rabo pode ser confeccionado com tiras de papel crepom ou jornal, devendo ser preso na parte de trás das calças dos alunos. Grupo 2 – Jogos de conquista de objetos Este grupo é descrito por Olivier (2000) como “jogos que aproximam os adversários, mas as principais ações de oposição são feitas em direção de objetos a serem conquistados. Os papéis de atacantes e defensores são separados”. Sugere-se:  A captura dos lenços - colocar lenços (um ou mais) em diferentes partes do corpo do(s) defensor(es). O(s) atacante(s) deverá(deverão) conquistar o(s) lenço(s) do(s) adversário(s). Esse jogo poderá ser feito em duplas ou equipes e adaptado pela criatividade do professor.  A coleta dos prendedores de roupa – delimitar espaço (cordas ou linhas de giz) círculos de aproximadamente 1,50m de diâmetro e fornecer dois prendedores de roupa, colocados no corpo do defensor. Novamente, o objetivo seria capturar ou defender seus objetos, sem sair do espaço delimitado. O jogo “pega-pega do rabo” (descrito anteriormente) também se encaixa nesta classificação, sendo adequado para os dois grupos. Nos jogos descritos acima deverão ser estimuladas as trocas de papéis durante as atividades, evitando que uma criança fique apenas como atacante ou só como defensor. A repetição dessas atividades deverá ser suficiente para permitir a experimentação e elaboração de estratégias de seus participantes. Grupo 3 - Jogos de conquistas de território A descrição deste grupo é dada por Olivier (2000) como sendo as atividades que implicam em aproveitamento e diversificação das ações “desequilibradoras” para chegar a seus fins. É preciso puxar, carregar, empurrar, fazer virar e, é claro, esquivar-se, desviar-se, resistir. O contato torna-se inevitável”. Como exemplo:  Sumo adaptado I (tirar do círculo) – existem diversas formas de jogar, dependendo da criatividade do professor. Basicamente, seria a delimitação de um círculo de 1,50m de diâmetro, cujo objetivo seria tirar o oponente do círculo, conquistando-o para si. Será permitido puxar e empurrar o parceiro. As adaptações são diversas para essa atividade, 151


podendo ser desde a posição inicial, de pé ou ajoelhado, até variações das “permissões”.  O território – delimitar espaço quadrado, dependendo do número de participantes da aula. Os alunos deverão ser divididos em dois grupos, um de defensores e outro de invasores; os invasores deverão tentar invadir o território, os defensores irão proteger o espaço. Variações são possíveis definindo jogo em pé ou de joelhos.  O garrafão – desenhar no chão com giz a figura de um grande garrafão, dependendo do número de alunos. Dividir a turma em dois grupos, sendo que um deles ficará dentro do garrafão. O objetivo é conseguir conquistar o máximo de pessoas para a sua equipe, puxando-as para dentro ou fora do garrafão. Quem é puxado passa automaticamente a fazer parte da outra equipe, repetindo o processo em um tempo determinado pelo professor (dois a três minutos). Vence a equipe que tiver um número maior de pessoas. Outra possibilidade, em caso de problemas de espaço, é dividir a turma em dois grupos, posicionando cada grupo de um lado da linha (de quadra ou traçada com giz). O objetivo é empurrar o oponente até conseguir passar para o outro lado da linha, ou seja, invadir o território do outro. Para maior segurança dos alunos, estabelecer regiões do corpo do colega “permitidas” para empurrá-lo, como os ombros, por exemplo. Pode-se utilizar como variação, puxar o colega para o seu território, ao invés de empurrá-lo. Grupo 4 – Jogos para desequilibrar Estes jogos poderão ser inicialmente desenvolvidos para crianças mais acostumadas aos jogos de lutas, estando na transição para a fase pré-desportiva. Seu limite deve ser dado pelo professor em relação ao seu conhecimento do desenvolvimento da turma. Olivier (2000) define esses jogos como os que verdadeiramente agem em direção ao adversário, sem mediação do objeto ou de território. Os papéis de ataque e de defesa são, ora alternativos, ora simultâneos. Como exemplo:  Briga de galos - em formação de duplas, as crianças devem permanecer abaixadas e, empurrando ou puxando seu parceiro, tentando derrubá-lo no tatame; os ataques devem ser simultâneos e não se deve permitir ficar de pé para evitar a queda.  Briga de oncinha – deitado com a barriga no chão e sustentando-se com os braços estendidos (elevando o peito), cada criança da dupla deverá ficar defronte a outra. Devese com pequenos “tapas” ou puxões deslocar o braço de apoio do parceiro com ataques simultâneos. O objetivo é “derrubar” o oponente.  Com um pé só – em duplas e equilibrando-se em uma única perna, a tentativa será de 152


obrigar o parceiro a pôr a outra perna no chão ou derrubá-lo. Observações:  Deve-se propor um único jogo por vez para a turma nas séries iniciais;  No caso de organizar revezamentos entre os elementos da turma, as atividades deverão ser de curta duração;  Considerar a afetividade das crianças com seus amigos, porém, deve-se misturar os sexos e as etnias para possibilitar quebras de possíveis intolerâncias;  Considerar peso e altura das crianças para o planejamento e execução das atividades;  As atividades de habilidades simples, principalmente o rolar e os rolamentos também deverão ser utilizados. Os jogos são importantes como estímulo, mas o desenvolvimento das habilidades básicas também deverá ser abordado;  Nas primeiras séries do Ensino Fundamental são despertadas e devem ser adequadamente cultivadas as qualidades físicas, intelectuais e morais da criança, e é ainda o período em que se adquire o hábito de praticar e ter prazer por determinadas atividades, pelas quais sentirá desejo e necessidade por muito tempo. Base pré-desportiva - trabalho direcionado à 3ª. e 4ª. séries de Educação Física É a fase em que as atividades serão melhor “compreendidas” quanto aos seus objetivos e propostas. As atividades sugeridas poderão ser mais complexas e direcionadas ao desporto, respeitando ainda os princípios de não especialização. Trabalhar as valências físicas, como força (em suas complexidades) e a velocidade é possível, porém com restrições ao direcionamento de um esporte específico. Podem-se sugerir, para o desenvolvimento de força geral para essa idade, atividades como:  Pular cela;  Carrinho de mão;  Salto em distância sobre uma corda;  Subir em cordas, entre outras;  Corridas em diferentes formas (em pé, quadrupedia, gatinho, etc.) e em diferentes percursos;  Jogos como pega-pega.

153


Deve-se contextualizar, nesta fase, a questão da violência em relação às lutas, lembrando que a luta não nega a violência, mas sim a considera como um meio de expressão, de comunicação e a canaliza e reintegra nas relações sociais (OLIVIER, 2000). O professor deve ser capaz de ritualizar, permitindo que a criança brinque sem entrar na violência, porque isto seria sair do jogo e de suas regras. É uma das competências pertinentes a quem trabalha com lutas, essa capacidade que Olivier (2000) sabiamente coloca como “transformar briga em jogo”. Desenvolvendo as atividades Continuando a divisão dos jogos propostos por Olivier (2000) e lembrando que os grupos anteriores de jogos também podem ser interessantes no trabalho nas fases superiores, especialmente o Grupo 4 que pode-se considerar transitório para essa fase, apresentar-se-á as seguintes classificações e sugestões: Grupo 5 – Jogos para reter imobilizar, livrar-se Olivier (2000) apresenta esse grupo como o que “necessita” de enfrentamentos variados e obrigam o corpo a corpo. São, ao mesmo tempo, jogos para resistir e para livrar-se. Os papéis são ora separados, ora combinados. Como exemplo:  Virar e prender – em duplas, o defensor começa deitado ou em quatro apoios, o objetivo do atacante seria virar o parceiro e imobilizá-lo de costas para o chão.  A Imobilização – em duplas pedir para que o atacante faça uma imobilização e que o imobilizado tente escapar. Não consiste em, necessariamente, utilizar as imobilizações específicas de qualquer arte marcial para a atividade; pode-se pedir apenas para a criança manter o ombro da outra colado ao chão. Grupo 6 – Jogos para combater Conforme Oliver (2000) o combate agora é completo e as condutas de ataque e resistência são concomitantes. Torna-se, pois, indispensável encadear e coordenar todas as ações necessárias ao combate. Como exemplo:  Sumo adaptado II – semelhante ao sumoI, descrito anteriormente com a permissão de tentar desequilibrar o parceiro para encostar outra parte do parceiro no chão, além das partes permitidas (sola dos pés, mãos ou joelhos).  Uca-uca – luta indígena brasileira que, além de apresentar uma atividade de luta pouco conhecida da cultura nacional, é interessante para esta fase. As regras são simples: em duplas, a luta tem como objetivo derrubar ou tocar na parte anterior da coxa do 154


adversário.  Uca-uca adaptado – como a uca-uca, só que se distribui o toque para outras partes do corpo, como as costas, por exemplo.  Uca-uca adaptado para o chão – como o uca-uca adaptado, só que não se permite ficar em pé, as atividades são feitas ajoelhado. Pode-se implementar regras para desenvolver a lateralidade, como tocar em determinada parte do corpo dos dois lados do oponente, ou mesmo em pequenos grupos de três a quatro pessoas. Considerações finais A valorização dos elementos relacionados ao movimento humano, não apenas aos tradicionais da Educação Física – esportes com bola- na elaboração do programa escolar deve ser considerada fundamental não só para o desenvolvimento da criança, como também no resgate da cultura corporal de movimento que, devido ao crescente desenvolvimento da tecnologia, acaba sendo desvalorizada na sociedade contemporânea. Trocar jogos corporais por tecnológicos tornou-se uma constante na sociedade brasileira, sendo também responsabilidade da Educação Física Escolar reverter este processo, não possuindo uma visão restrita de sua área na inserção no desporto de rendimento máximo, mas também para a construção de um adulto saudável e inserido na “cultura corporal de movimento”, ou seja, que tem prazer em praticar atividades físicas e/ou desportivas. A área de lutas, apesar de sua grande penetração em nossa sociedade com as artes marciais, foi negligenciada pela escola e pela Educação Física, sendo que atualmente temos poucas referências sobre o seu emprego e disseminação longe da esfera das academias especializadas e competições, dificultando uma abordagem mais ampla e pontual. As sugestões apresentadas devem gerar o conhecimento de metodologias inicias que podem, com o passar dos anos, serem ampliadas, discutidas e reformuladas. Entretanto, não devemos mais abandonar as possibilidades da inserção de diferentes conteúdos para a Educação Física Escolar. Da mesma forma, associamos a possibilidade de inserção dos conteúdos teóricos ao conhecimento prático de movimento, que poderão ser apresentados como pesquisas sobre modalidades específicas, história das modalidades, atletas brasileiros de lutas ou mesmo lutas em eventos esportivos como jogos Olímpicos e Jogos Pan-americanos, porém ressaltamos que para esta etapa escolar o movimento é imprescindível. 155


Referências BRASIL. Ministério de Educação e Cultura. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Educação Física. Brasília: MEC/SEF, 1996. BRASIL. Ministério de Educação e Cultura. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Educação Física. Brasília: MEC/SEF, 1998. DRIGO, A. J. Judô In: SESI-SP. Programa SESI atleta do futuro: perspectivas de inclusão e diversidade na aprendizagem esportiva/ SESI-SP. – São Paulo: SESI, 2006, p.132-151. OLIVIER, J. C. Das brigas aos Jogos Escolares: enfrentando a indisciplina nas escolas. Porto Alegre: Artmed, 2000.

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PARTE IV Educação Física Escolar: Saúde e Qualidade de Vida

157


Capítulo 9 Habilidade do salto em função do gênero, da ocupação do tempo livre e do estado nutricional em escolares mossoroenses Maria Ione da Silva31 Marcos Antonio da Silva32 Evandro Nogueira de Oliveira33 Introdução O presente estudo propõe destacar um dos padrões fundamentais das habilidades motoras, especificamente a habilidade do salto e suas relações com o estado nutricional e a ocupação do tempo livre. Nessa ótica, torna-se relevante enfatizar que a infância é caracterizada por períodos de grandes modificações, bem como a criança é um ser que busca descobrir, explorar tudo o que está ao seu redor e será, dessa forma, que irá se desenvolver. Para Gallahue e Ozmun (2008), a criança por volta dos seis anos de idade deverá atingir o padrão maduro nas habilidades motoras. No entanto, sabemos que vários fatores poderão interferir no desenvolvimento de tais habilidades como, por exemplo, as brincadeiras que fazem parte da cultura infantil. Menina brinca de casinha e de boneca, já os meninos brincam de bola. Atualmente, questões referentes à segurança têm limitado o espaço destinado para as crianças brincar. Não encontramos mais brincadeiras nas ruas. A tecnologia tem invadido as casas de maneira assustadora, consequentemente, diminuindo cada vez mais o movimentar, o que vem a favorecer o sedentarismo, bem como o aumento do índice de obesidade infantil. As transformações sociais ocorridas nos últimos anos mudaram o modo de vida do homem. Alguns fatores influenciaram tais mudanças como: o avanço tecnológico e a valorização exacerbada da produção do trabalho. Esses fatores tornanram o homem mais ocupado, limitando cada vez mais seu tempo em função do trabalho, assim sendo, acarretando uma má qualidade de vida. Pensar que esse fato não está presente apenas na vida do adulto, mas também permeia a infância é assustador. A criança não tem mais tempo nem tão pouco espaços para brincar. Ferreira Neto (2008), diz que os hábitos cotidianos transformaram-se radicalmente, os ritmos e as rotinas das crianças também. O brincar nas cidades deixa de ser nas ruas e passa a se limitar em pequenos espaços. O movimentar-se é substituído pela televisão, jogos eletrônicos e internet. As crianças 31Faculdade

de Educação Física da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – Campus Pau dos Ferros. do Instituto Federal do Rio Grande do Norte – Campus/Apodi. 33 Discente do curso de Educação Física da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. 32Professor

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estão presas, enjauladas em suas casas. As preocupaçoes com segurança, em virtude da violência é outro fator que impede o brincar nas ruas. É dentro dessa realidade que a Educação Física ganha importância em relação aos conteúdos a serem desenvolvidos na escola. O tema Lazer surge como uma proposta para ser trabalhada nas aulas, com o objetivo de mudar essa realidade e educar o aluno para fazer uso da cultura corporal de movimento. Metodologia O presente estudo foi de cunho descritivo comparativo de corte transversal e de abordagem quantitativa, envolvendo a habilidade motora do salto, indicadores antropométricos bem como a ocupação de tempo livre de escolares do município de Mossoró-RN. A coleta dos dados foi realizada de setembro a dezembro de 2009, pelo qual buscou identificar o processo (o estágio de desenvolvimento da habilidade do salto horizontal) e o produto (a distância obtida na execução do salto). Amostra l O grupo amostral referente para o estudo, compreendeu 156 escolares, sendo 80 do sexo feminino e 76 do sexo masculino, com idade de 6 a 9 anos, regularmente matriculados no Ensino Fundamental I, especificamente no 1º, 2º e 3º ano de cinco escolas da rede pública municipal e estadual de ensino, estratificada na zona norte, sul, leste e oeste do município de Mossoró/Rn-Brasil. Coleta dos Dados Na aferição do peso e estatura dos escolares utilizou-se uma balança portátil digital camry, e um estadiômetro (tipo trena com 200 cm, precisão de 01 mm). O diagnóstico do desempenho motor foi realizado através do protocolo de testes de gallahue sendo que os testes realizados foram os do salto na horizontal, tendo como instrumento uma filmadora Sony (40GB 40x optical zoom handycam), para filmar o processo do salto, uma trena para medir a distância do salto, uma fita adesiva demarcando a posição inicial do salto.

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Os dados foram coletados nas escolas com a autorização da gerente executiva da educação das escolas municipais, da diretora da XII DIRED das escolas estaduais, dos diretores de escolas e pais de alunos. A avaliação antropométrica foi realizada nas escolas de origem das crianças, utilizando-se uma balança portátil digital, um estadiômetro e fichas de registros. Para a coleta do peso, as crianças descalças se posicionaram de pé sobre a plataforma da balança, com os braços ao longo do corpo. O peso foi registrado em quilogramas (kg) e gramas (g), cujo valor encontrado foi registrado em uma ficha individual destinada para cada criança. Já na estatura, as crianças posicionaram-se de pé sobre uma superfície de madeira, de costas para a escala métrica, com os pés paralelos e os tornozelos unidos, com as nádegas, os ombros e a parte posterior da cabeça tocando a régua e com os braços soltos ao longo do corpo. O avaliador com as mãos sobre o queixo da criança posicionou sua cabeça de forma que a parte inferior da órbita ocular permanecesse no mesmo plano do orifício externo do ouvido. Baixou-se a extremidade móvel do aparelho (cursor) até tocar o topo da cabeça em sua parte média, sem empurrar a cabeça para baixo. Fixou-se o cursor, e feita a leitura da régua até o milímetro mais próximo, registrou-se o escore. Na avaliação motora, os testes foram filmados para uma posterior análise qualitativa do movimento do salto, seguindo a matriz proposta por Gallahue e Ozmun (2008). No salto, cada criança em uma posição estática, com a ponta dos pés posicionados em cima de uma fita adesiva é instigada a saltar o mais distante possível. O salto deve ser realizado com os dois pés, deixando o solo ao mesmo tempo. Com o auxílio de uma trena o avaliador marca o local exato onde a última parte do corpo tocou o solo. É registrada a maior distância (cm) de três tentativas. A análise qualitativa do movimento foi realizada por três avaliadores devidamente treinados para observar os dados contidos na filmagem. Os três avaliadores avaliaram o processo do desenvolvimento do salto das 156 crianças separadamente. Na avaliação foram observados critérios motores pré-estabelecidos, pertinente a cada habilidade, estabelecido pelo checlist de Gallahue e Ozmun (2008). O questionário sobre estilos de vida (luso-brasileiro) foi adotado para recolher informações relativas às horas destinadas na ocupação dos tempos livres. A aplicação do questionário foi realizada individualmente. A forma de obtenção de respostas foi feita por entrevistas realizadas por seis avaliadores, em uma sala cedida pela direção da escola. Para limitar a magnitude de erros optou-se por: entrevistar individualmente cada criança; ler as questões para cada criança, situar as perguntas de acordo com o vocabulário e no contexto das rotinas de vida diária das crianças e o avaliador registrava as respostas fornecidas por cada criança. 160


Tratamento Estatístico Numa primeira fase recorremos ao tratamento estatístico descritivo, através das medidas de tendência central (média, mediana, valor mínimo e máximo) e das medidas de dispersão (desvio padrão, variância), nas variáveis numéricas e para cada um dos sexos. Já nas variáveis categóricas, utilizamos a frequência e a percentagem. Para comparar os resultados entre meninos e meninas do processo e do salto recorremos ao teste Mann Whitney. A avaliação do produto do salto com o estado nutricional utilizou-se o Kruskal-Wallis. Para comparar processo entre meninos e meninas foi usado o Independent-Samples T Test. Quando verificamos se existem diferenças na distribuição da classificação do processo do salto dentro da classificação do estado nutricional foi usado o Qui-Quadrado. Resultados As comparações efetuadas entre os gêneros masculino e feminino nas variáveis de idade, indíce de massa corporal (IMC), processo e produto do salto, foi utilizado o test “t”(amostras independentes). Pode-se verificar que apenas no produto do salto registraram-se diferenças significativas, apresentando os meninos (1,09cm) distâncias, significativamente superiores a das meninas (0,9). Quanto ao processso, a média do grupo amostral se enquadram no estágio 1. Esses resultados propiciam a hipótese de que os meninos apresentam padrões motores mais qualificados que as meninas. Já no que conserne ao índice de massa corporal, tanto os meninos quanto as meninas apresentam um percentual preocupante, haja vista apresentarem um nível de sobrepeso e obesidade elevado de acordo com a classificação apresentada por Cole et.al. (2000), (monoponderal, excesso de peso e obeso). Esse quadro pode ser justificado em função de como as crianças estão utilizando o tempo livre. Os resultados apresentados na tabela 1, revelam ainda que as diferenças de média entre meninas e meninos foi de (0.19), portanto não houve diferenças significativas (p=0,979). Tabela 1 - Diferenças entre meninos e meninas relativas ao imc Variável Diferenças Sig Meninos/Meninas IMC

0,193

0,979

*p≤0,05

161


Quanto ao processso do salto, também não houve diferença significativa (0,692). A média do grupo amostral se enquadra no estágio 2 ( ver tabela 2), percebe-se esse resultado quando 38 meninos e 41 meninas encontram-se no estágio elementar, 25 meninos e 29 meninas no estágio inicial e 13 meninos e 10 meninas no estágio maduro, contrapondo-se a teoria de Gallahue e Ozmun, quando estimam que a criança aos sete anos de idade deveriam atingir o estágio maduro no desenvolvimento das habilidades motoras básicas. Tabela 2 Processo Salto Masculino Variável

Estágio

Frequência

Elementar Inicial Maduro Total

Salto

Feminino

38 25 13 76

%

Freqüência

%

U

Sig.

50 32,9 17.1 100

41 29 10 80

51,2 36,3 12,5 100

2938,5

0,692

*p≤0,05

Observando a tabela 3 pode-se perceber que há diferença significativa no resultado da distância do salto entre os meninos e meninas, já que os meninos saltaram em média 1,09m e as meninas 1,00m, dando uma diferença estatisticamente significativa de (P=0,02). Tabela 3 - Tabela do Produto Salto Variável

Média meninos

Média meninas

Diferenças meninos/meninas

Sig.

Produto salto *p≤0,05

1,09 +0,20

1,00 +0,19

0,09

0,02*

Ao analisarmosos resultados da tabela 4, observamos que com relação ao processo do salto as crianças que estão classificadas em normoponderal apresentam estágios melhores (22%) no estágio maduro, (40%) no estágio elementar e (38%) no estágio inicial. Para as crianças com excesso de peso (65,51%) estão no estágio inicial, (31,03%) no estágio elementar e (3,44%) no estágio maduro. Com relação às crianças obesas, (81,48%)se encontram no estágio incial, (18,51%) no estágio elementar e (0%) nenhuma criança obesa foi classificada no estágio maduro. Nesse sentido, podemos analisar que houve diferenças estatisticamente significatiova (P=0,000) com relação ao processo do salto entre as crianças normoponderais, com excesso de peso e obesas.

162


Tabela 04 - Processo do salto em função da classificação do estado nutricional Classificação do Processo salto estado nutricional Inicial elementar

Maduro

%

Total

Sig (chi-square)

Normoponderal

38

40

22

64,1%

100

0,000*

Excesso de peso

19

9

1

18,6%

29

Obeso *p≤0,05

22

5

0

17,3%

27

Podemos observar na tabela 05 que as crianças normoponderais apresentam um melhor desempenho (81,56m) na execução do salto na horizontal que as crianças com excesso de peso (73,35m) e obesas (72,70m). verificou-se também que não houve diferenças estatisticamente significativas (p=,528).

Tabela 05 – Produto do salto e estado nutricional Estado Nutricional Variável Normoponderal Excesso/peso Produto do salto 81,56 73,36 p≤0,05

Obeso

Sig ,528

72,70

Com relação a ocupação do tempo livre, as atividades comparadas que registraram diferenças significativas foram horas de tv (semana), horas de jogos eletrônicos (semana e fim de semana), apresentando os meninos significativamente tempos superiores nos jogos eletrônicos e na internet, enquanto que as meninas mais horas na tv. Para analisar os dados referentes à ocupação do tempo livre foi utilizado a técnica de Mann Whitney, haja vista as variáveis estarem em uma escala ordinal. Quando analisamos a prática de exercício físico, percebemos que houve diferenças significativas, apresentando os meninos percentagem superiores. Tabela 2: Ocupação do tempo livre Variável Pratica de exercício físico orientado Feminino Masculino TV semana

Média

Desvio padrão

1,86 1,76

,347 ,436

Sig *,000 0,67

163


Feminino Masculino Tv fim de semana Feminino Masculino Jogos eletrônicos semana Feminino Masculino Jogos eletrônicos fim semana Feminino Masculino Brinca semana Feminino Masculino Brinca fim semana Feminino Masculino p≤0,05

3,61 3,20

1,097 1,255

3,49 3,46

1,591 1,501

,74 1,95

1,290 1,796

,58 2,05

1,188 1,840

4,06 4,29

1,140 ,977

4,16 4,37

1,096 1,081

,226 *,000 *,000 ,032 ,838

Discussão A busca de compreender os fatores que influenciam os níveis elevados de excesso de peso e de obesidade, níveis de habilidades motoras que não correspondem à idade cronológica indicada por pesquisadores da área de investigação, como também o que as crianças estão fazendo no seu tempo livre, tem motivado vários pesquisadores a investigar no intuito de identificar o fenômeno. Os resultados da presente pesquisa vão de encontro aos estudos realizados por Carvalhal e Raposo (2007) com os quais encontraram diferenças estatisticamente significativas (p=0,000), apresentando a média de (0,9) e (0,8), respectivamente, para o sexo masculino e feminino. Berleze, Haeffner e Valentini (2007), concluiram em suas pesquisas que os meninos apresentam um desempenho motor mais qualificado que as meninas nas habilidades que envolvem força e velocidade. Segundo Gallahue (2002), pode-se atribuir o melhor desempenho favorável ao gênero masculino pela maior participação em atividades desportivas e de intensidade vigorosa, já as meninas parecem mostrar prevalências superiores em atividades físicas de baixa intensidade. De acordo com Feitosa e Romero (2005), no decorrer do desenvolvimento infantil, os meninos são mais motivados à prática de atividades motoras amplas, como jogos com bolas, corridas. Porém as meninas são motivadas à prática de atividades que envolve mais moticidade fina, como: brincadeira de cozinhadinho, boneca. Blatchford et al. (apud FERREIRA NETO, 2008), em pesquisas realizadas sobre a natureza e frequência de envolvimento de meninos e meninas em jogos, encontraram resultados 164


que indicaram que os rapazes são mais fáceis de se envolverem com jogos com bola, enquanto que as meninas com atividades mais sedentárias. Os estudos apresentados mostram que existem diferenças com relação aos tipos de atividades físicas desenvolvidas entre os meninos e as meninas, sendo os meninos mais ativos do que as meninas. Percebe-se também que as práticas de atividades físicas interferem no desempenho motor das crianças, favorecendo ao sexo masculino um melhor desempenho nas habilidades motoras investigadas no presente estudo. Corroborando com as afirmações apresentadas, França (1991), ao avaliar 107 crianças com idade entre sete e nove anos, de ambos os sexos, verificou que as crianças normoponderais atingiram uma média no teste de saltar na horizontal, de (1,32m) e (1,23m) para meninos e meninas, respectivamente. Assim, os dados apresentados na presente pesquisa não diferenciam da investigação de França (1991), uma vez que os meninos em média saltaram 1,09m e as meninas 1,00m, nesse caso, havendo diferenças significativas (0,09) entre meninos e meninas . Dentro das pesquisas realizadas na área, Tani (1987) afirmou que para se entender os problemas que os indivíduos encontram para adquirir habilidades específicas é necessário retomar o processo pelo qual as habilidades básicas foram ou não adquiridas. Isso pode siginificar a necessidade de um trabalho mais efetivo e eficiente da Educação Física Escolar. Vários estudos sobre o nível de atividade física em crianças e adolescentes no Brasil encontraram pouco envolvimento regular com atividade física moderada ou vigorosa (FARIAS e SALVADOR, 2005). Algumas pesquisas tem encontrado uma relação entre assistir televisão e adiposidade. Farias e Salvador (2005) em suas pesquisas também observaram que a maioria dos adolescentes assiste entre 2 - 4 ou >4 horas/dia. Os autores citados observaram também que as meninas assistem mais televisão que os meninos. O presente estudo observou que as meninas também passam mais tempo de frente a tv que os meninos. Em contrapartida, os meninos tem mais acesso aos jogos eletrônicos que as meninas. Carvalhal (2000) verificou, em pesquisa realizada com crianças portuguesas, que a maior percentagem do tempo livre das crianças (sete e oito anos), nos dias úteis e fim de semana, era a ver televisão, seguido a atividade de brincar e dos jogos eletrônicos. A autora apresenta dados em que, crianças nos dias úteis (84,3%) veem entre duas a quatro horas (94,1%), brincam uma a quatro horas (10,8%) e jogam jogos eletrônicos mais de uma hora. No fim de semana (76,5%) veem, entre duas e quatro horas, televisão (56,3%), brincam entre uma e quatro horas (29,1%) e jogam mais de uma hora jogos eletrônicos. O estudo mostrou que a casa é o local onde as 165


crianças passam a maior parte do seu tempo livre (72,3%), sendo a rua e o quintal mensionado em segundo e terceiro lugar respectivamente. De igual sorte os resultados da investigação de Ferreira Neto (2008) revelou, com relação ao tempo livre, as crianças do sexo masculino costumavam passar a maior parte do tempo livre no quintal (31,3%), enquanto o sexo feminino preferia ficar dentro de casa (49%). A autora ainda aponta resultados em que nos dias úteis o sexo feminino gasta mais tempo em frente ao computador (1 a 2 horas) que o sexo masculino (1 hora). A atenção que devemos ter é exatamente com a forma que as crianças estão ocupando os tempos livres. Os resultados apresentados mostram que as crianças passam boa parte do tempo dentro de suas casas, o que significa que estão se tornando cada vez mais sedentárias. Quando comparamos os dados, observamos que as variáveis que registraram diferenças significativas foram: horas destinadas aos jogos eletrônicos, apresentando os meninos significativamente tempos superiores. Rech et al. (2010), em suas pesquisas sobre prevalência de obesidade com crianças gaúchas, mostraram que as crianças que relataram manter hábitos sedentários como permanecer em frente ao computador, assistir televisão ou jogar vídeo game por mais de três horas diárias apresentaram 50% a mais de chances para desenvolver excesso de peso. Com base nos estudos apresentados, percebemos que é necessário a elaboração de programas de intervenção no seio familiar, bem como no ambiente educacional, no intuito de oportunizar estilos de vida saudáveis. Nesse ínterim é que a Educação Física assume um papel importante dentro do ambiente educacional, na promoção da prática da atividade física dentro e fora da escola. Dessa forma, entende-se que a Educação Física Escolar deverá incluir na sua proposta pedagógica conteúdos e atividades que possam proporcionar aos educandos estilo de vida ativo, objetivando melhorar a qualidade de vida por meio do controle do peso corporal, bem como uma melhor qualidade e desempenho das habilidades motoras fundamentais. Considerar também a fundamentação teórica sobre a importância de adotar um estilo de vida ativo, passa a ser um meio de conscientizar sobre quais seriam as consequências do sedentarismo. Sendo assim, faz-se necessário a elaboração de estudos mais complexos que valorizem a formação integral de todos, sem distinção de gênero, raça ou classe social. Conclusão Pode-se concluir que crianças com sobrepeso e obesas apresentam estágio não-maduro para o desenvolvimento da habilidade do salto e que esses resultados podem estar relacionados 166


com a ocupação do tempo livre, haja vista a maioria dos escolares passarem mais de duas horas de frente para tv, com prevalência para o grupo feminino, como também mais de duas horas com jogos eletrônicos, prevalências para o grupo masculino. Nesse sentido, podemos entender que a Educação Física Escolar poderá ser fundamental para o incentivo de estilos de vida ativo, tendo como um dos seus objetivos uma educação para o lazer. Dessa forma, irá proporcinar uma melhor qualidade na formação e desenvolvimento do ser em sua totalidade. Referências BERLEZE, A.; HAEFFNER, L. S. B.; VALENTINI, N. C. Desempenho motor de crianças obesas: uma investigação do processo e produto de habilidades motoras fundamentais. Ver Bras Cineamtropom Desempenho hum. v. 9, n. 2, p. 134-144, 2007. CARVALHAL, I. M. M. Efeito da interação das variáveis sócio-culturais, biológicas e motoras na prestação das habilidades corrida, lançamento, salto e pontapé em crianças de 7 e 8 anos de idade. Utad: Vila Real, 2000. CARVALHAL, I. M. M.; RAPOSO, V. R. Diferenças entre generosnas habilidades: correr, saltar, lançar e pontapear. Motricidade v. 3, n. 3, p. 44-56. jul, 2007. COLE, T. J. et. al.. Establishing a standard definition for child overweight and obesity worldwide: international survey. BMJ, 2000. FARIAS, E. S; SALVADOR, M. R. D. Antropometria, composição corporal e atividade física de escolares. Rev Bras Cine Des Hum. v. 7, n. 1, p. 21-29, 2005. FEITOSA, Julia Gonçalves; ROMERO, Elaine. A expressão do corpo pela conduta motora oral: uma questão de gênero. In: Arquivos em movimento, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 5-18, jul./dez. 2005. FERREIRA NETO, C. R. Análise da interação dos padrões fundamentais de movimento e variáveis socioculturais em crianças de 7 e 8 anos de idade em cidades pequenas. Dissertação (Mestrado), Vila Real - Portugal, 2008. FERREIRA NETO, C. R.; CARVALHO, L. B.; CAVALCANTE, A. P; LAGE, G. M.; NEVES, L. A.; UGRINWITSCH, H.; BANDA, R. N. Analise dos padrões fundamentais de movimento em criança de 3-8 anos de idade. Motricidade. v. 2, n. 3, p. 134-142, 2006. FRANÇA, N. M. Estado nutricional, crescimento e desempenho de crianças brasileiras. Ver Bras Ciên Mov. v. 5, n. 4, p. 07-16, 1991. GALLAHUE D. L. A classificação das habilidades de movimento: um caso para modelos multidimensionais. Rev. Educação Física/UEM. Maringá v. 13. n. 2, p. 105-111. Sem. 2002. GALLAHUE D. L.; OZZMUN, J. C. Educação Física Desenvolvimentista para todas as crianças. 4. ed. Tradução de Adriana E. I. e Samantha P. S. São Paulo: Phorte, 2008. 167


RECH, R. R. et. al.. Prevalência de obesidade em escolares de 7 a 12 de uma cidade serrana do RS, Brasil. In: Rev Bras Cineantrop Desempenho Hum. v.12, n. 2, p. 90-97, 2010. TANI, G. Educação Física na Pré-escola e nas quatro primeiras séries do ensino de primeiro grau: uma abordagem de desenvolvimento I. In: KINESIS, v. 3, n. 1, p. 19-41, jan/jun. 1987.

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Capítulo 10 Desempenho motor e estado nutricional de crianças e adolescentes Francisco Augusto de Negreiros Freire34 Adalberto Veronese da Costa35 Edson Fonseca Pinto36 Maria Irany Knackfuss37 Humberto Jefferson de Medeiros38 Introdução Na prática da Educação Física encontra-se ações norteadoras para desenvolver condutas e atividades promotoras de qualidade de vida em longo prazo, com a construção de uma rica base motora nos primeiros anos de vida, a fim de melhor possibilitar o indivíduo tornar-se um adulto fisicamente ativo. As práticas regulares e controladas de atividades físicas contribuem positivamente nos componentes da aptidão física, no combate ao acúmulo de adiposidade corporal, na manutenção e melhorias das capacidades funcionais e neuromotoras (RONQUE et al, 2007). Sabe-se que a aderência de um estilo de vida saudável contribui positivamente nos componentes da aptidão física e na prevenção das doenças relacionadas à inatividade física. Sendo assim, as ações diagnósticas do desempenho de força, agilidade, velocidade e resistência durante a fase de infância e adolescência enfatizam a importância da prevenção dos futuros adultos sedentários que quando crianças ocuparam-se, durante as horas livres e de lazer, com atividades sedentárias (LUGUETTI, RÉ, BOHME, 2010). Apesar de estudos locais como o de Medeiros et al (2009) mostrarem a incidência de excesso de peso e obesidade nas diferentes áreas do semi-árido nordeste brasileiro, existe a carência de investimento na formação de um estilo de vida saudável. Vale ressaltar que agravos a saúde originados pela inatividade física não apresentada durante a infância, podem surgir durante a fase adulta (FARIAS, et. al., 2010).

Especialista em Atividade Física, Saúde e Qualidade de Vida pela Faculdade de Educação Física da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). 35 Doutorando do Curso de Ciências do Desporto da Universidade Trás-os-Montes e Alto Douro – Vila Real – Portugal. 36 Mestre em Ciências da Saúde pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). 37 Doutora em Ciências da Saúde pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). 38 Doutor em Ciências da Saúde pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). 34

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Sabendo-se que comportamentos sedentários promovem o aumento significativo no acúmulo da adiposidade corporal (FERNANDES, OLIVEIRA, FREITAS JUNIOR, 2006), do contrário, a realização de atividades físicas regulares promove melhorias significativas no desempenho das capacidades motoras (FARIAS, et. al. 2010) e, dependendo da intensidade dos exercícios, o consumo de oxigênio elevar-se-á, promovendo maior gasto energético no período pós-exercício e, consequentemente, uma maior utilização da gordura acumulada (LINS, et. al, 2010). No entanto, são consideradas as características da realidade a qual se desenvolverá o referido estudo, como exemplo: carência de estrutura física pública apropriada e de fácil acesso à prática de atividade física, a localização geográfica com predominância de elevadas temperaturas, a insuficiência de profissionais licenciados em Educação Física atuando nas séries iniciais e consequente falta de estímulos durante a infância, a carência de políticas públicas voltadas à melhoria da qualidade de vida e à atividade física, favorecendo o aumento do sedentarismo. Essas e outras variáveis nos instigam ao objetivo de analisar o desempenho motor e o estado nutricional de escolares da rede pública e particular de ensino da cidade de Mossoró/RN. Métodos O estudo do tipo descritivo com corte transversal foi composto pela população de escolares da rede pública (n=3332) e privada (n=4370) da cidade de Mossoró/RN. A amostra foi composta por 3,25% da população que corresponde a 250 escolares (masculino: 125, feminino: 125), com faixa etária entre 12 a 17 anos, matriculados no Ensino Fundamental, em duas escolas particulares (n=100) e em três escolas públicas (n=150), sendo os sujeitos selecionados de forma não probabilística intencional e as instituições escolhidas por sorteio simples. O estudo foi aprovado com o protocolo 089/10 do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Todos os voluntários apresentaram como critério de inclusão o termo de consentimento livre e esclarecido assinado pelos pais ou responsáveis legais de acordo com a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde para pesquisas em seres humanos e a ausência de debilidade à saúde. A realização das avaliações e testes motores foi em dias diferentes para cada escola, nos locais de realização das aulas de Educação Física das instituições de ensino. Para a avaliação dos indicadores do desempenho motor, foram utilizados testes indicadores da flexibilidade (sentar e alcançar), da força/resistência abdominal (número máximo de repetições em 1 minuto), força explosiva de membros inferiores (salto horizontal), da força explosiva de membros superiores (arremesso de medicine-ball de 2 Kg), da agilidade (teste do 170


quadrado), da velocidade de deslocamento (corrida de vinte metros) de acordo com as padronizações sugeridas pelo Projeto Esporte Brasil – PROESP-BR (GAYA, 2009). Em todas as medidas, os avaliados realizaram duas tentativas, anotando-se o maior valor, exceto no teste de corrida de vinte metros, realizado uma única vez. Todos os testes possuem um bom nível de autenticidade cientifica e foram aplicados por cinco alunos do oitavo período do curso de graduação em Educação Física, devidamente capacitados, sendo que cada um deles ficou responsável pela coleta de uma medida e/ou teste, a fim de evitar a variabilidade interavaliador e garantir a fidedignidade dos dados. O cálculo das idades cronológicas foi feito considerando-se a data de nascimento e o dia dos testes. Como critério de avaliação do nível do desempenho motor dos participantes foi utilizado tabelas normativas apresentadas para cada idade e sexo, disponíveis no site do PROESP, pois o mesmo adota um sistema referenciado em normas, tendo como referência uma amostra de 100 mil crianças e jovens brasileiros, estratificados por idade e sexo. A aptidão é classificada em seis categorias muito fraco, fraco, razoável, bom e muito bom e excelente. O estado nutricional avaliado pelo Índice de Massa Corporal utiliza como referência os valores críticos propostos por Conde e Monteiro (2006). De acordo com esses critérios, as crianças e jovens brasileiros são classificados entre quatro categorias conforme o IMC: baixo peso, normal, excesso de peso e obesidade. Para a análise dos dados estatísticos, primeiramente, foi confirmada a existência de distribuição normal dos dados e de igualdade de variâncias. Resultados Os escolares de ambos os tipos de instituição de ensino, observados na avaliação da flexibilidade, apresentaram resultados satisfatórios, visto que os indivíduos da rede pública (74,7%) e os da rede privada (80%) obtiveram boa classificação.

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GRÁFICO 1 – Classificação da flexibilidade dos escolares de Mossoró/RN – 2010.

Ao comparar esses resultados com os encontrados por Santos e Fett (2008), ao avaliarem a resistência muscular abdominal de escolares públicos, observa-se uma distinção nos dados, visto que os autores encontraram resultados negativos, classificados em razoável para fraco em 100 escolares da rede pública de ensino, ao avaliar a mesma valência física em crianças de Cuiabá-MT. Estudo feito por Ronque et al. (2007), ao avaliarem a resistência muscular abdominal de escolares particulares, pode-se observar uma semelhança nos dados, visto que o autor, ao avaliar a mesma valência física em crianças de alto nível socioeconômico, encontrou em mais de 60% de sua amostra de 511 indivíduos, de sete a dez anos, com boa classificação. Porém, Verardi et al. (2007) encontraram resultados positivos, classificados em muito bom no teste de sentar e alcançar, feito em 60 crianças e adolescentes de ambos os gêneros, da rede pública e privada de ensino, participantes de um projeto social esportivo na cidade de Carneirinho/MG. Os resultados observados na avaliação da resistência muscular abdominal foram satisfatórios aos critérios de classificação nos escolares de ambos os tipos de instituição de ensino, visto que mais de 50% da amostra obtiveram boa classificação. Entretanto, uma quantidade considerada de indivíduos de escola pública e particular (39,3% e 43% respectivamente) apresentou essa valência classificada em ruim.

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GÁRFICO 2 – Classificação da resistência muscular abdominal dos escolares de Mossoró/RN – 2010.

Ao comparar esses dados com os encontrados por Barbosa et al. (2008), ao avaliarem a aptidão motora em 251 crianças e adolescentes com 10 anos, de ambos os gêneros, de uma escola pública (N=151) e uma particular (N=100), em duas cidades do Rio de Janeiro, observa-se que há uma corroboração da referida pesquisa com os resultados encontrados no presente estudo, visto que os autores constataram, ao avaliarem a resistência muscular abdominal, que ambos os grupos (pública e particular) obtiveram boa classificação no teste de abdominal modificado em um minuto. Estudo feito por Dórea et al. (2008) mostrou que menos de 12% dos 342 escolares da rede pública de Jequié-BA obtiveram boa classificação para a valência física em questão, havendo, nesse caso, uma corroboração desses com os resultados referentes à valência física em questão do presente estudo. Silva, Paccini e Glaner (2007) avaliaram a aptidão física de 258 escolares de alto nível socioeconômico em uma cidade do Estado da Bahia (Luiz Eduardo Magalhães) e constataram que no teste de abdominal modificado em um minuto, menos de 15% apresentaram boa classificação. Tais resultados diferem dos encontrados no estudo em pauta, visto que, para a referida valência, os escolares particulares apresentaram resultados semelhantes aos dos escolares públicos. Os escolares da rede pública de ensino obtiveram melhores resultados em relação aos critérios de classificação para a força de membros inferiores quando comparados com os escolares da rede privada, estes com a maior quantidade de indivíduos (39%) classificados como fraco.

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GRÁFICO 3 – Classificação da força de membros inferiores dos escolares de Mossoró/RN – 2010.

Ao comparar esses resultados com os encontrados por Luguetti, Ré e Böhme (2010), ao avaliarem a força de membros inferiores de 3145 de escolares públicos, ambos os gêneros e com idades entre 07 a 16 anos, da região centro oeste da cidade de São Paulo, observa-se uma distinção aos dados do presente estudo, visto que o autor encontrou em mais de 50% dos avaliados com classificação ruim referente à valência física abordada. Estudo feito por Kiefer et al. (2009), avaliando 148 meninos de 12 a 17 anos, de escolares particulares de Porto Alegre-RS, observa-se que os resultados da classificação da força de membros inferiores mostraram-se positivos visto que apenas 10,1% dos avaliados foram classificados como ruins, corroborando, assim, com os resultados do presente estudo. Ao avaliar a força de membros superiores observa-se que os escolares da rede pública obtiveram resultados insatisfatórios, pois a maioria (33,3%) obteve classificação fraca. No entanto, os escolares da rede privada superaram os escolares públicos, visto que 31% dos avaliados obtiveram boa classificação para a valência física em questão.

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GRÁFICO 4 – Classificação da forma de membros superiores dos escolares de Mossoró/RN – 2010.

Ao comparar esses com os resultados encontrados por Palandrani Junior e Pellegrinotti (2008), ao avaliarem a força de membros superiores de 60 escolares públicos de ambos os gêneros, com faixa etária entre 12 a 14 anos, da cidade de Campinas/SP, observa-se a ocorrência da classificação razoável e bom na maioria dos avaliados. Podemos, assim, verificar a existência de uma distinção com os dados vistos no presente estudo para a mesma valência física. Estudo feito por Borges, Borim e Marco (2010), avaliando 94 escolares particulares de ambos os gêneros, com faixa etária entre 10 a 14 anos, de uma escola particular na cidade de São Paulo, observou-se que os resultados da classificação da força de membros superiores corroboram com os resultados do presente estudo, visto que os autores observaram que a maioria dos escolares obteve razoável para boa classificação no teste de arremesso de medicineball. Os resultados do referido estudo corroboram com os de Dumith et al. (2010), visto que, ao comparar o desempenho de 526 escolares dos diferentes tipos de instituição de ensino na cidade de Rio Grande-RS, na variável em questão, resultados semelhantes foram observados quanto ao desempenho dos alunos das escolas particulares, sendo superior ao desempenho dos alunos das escolas públicas apenas no arremesso de medicine-ball. A agilidade foi uma das valências em que os escolares públicos e particulares apresentaram piores classificações, visto que a maioria deles apresentou resultado insatisfatório: 41,3% dos públicos avaliados e 44% dos particulares foram classificados como fraco.

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GRÁFICO 5 – Classificação da agilidade dos escolares de Mossoró/RN – 2010.

Ao comparar esses com os resultados encontrados por Maziero, Ajuz e Tonet (2009), ao avaliarem a agilidade de 596 escolares de ambos os gêneros de faixa etária entre 10 a 16 anos, matriculados nas escolas públicas e particulares da cidade de Curitiba-SC, observa-se uma distinção nos resultados, visto que os autores encontraram classificação de razoável para bom em mais de cinquenta por cento dos indivíduos ao avaliarem a mesma valência física. Estudo feito por Caputo et al. (2009), avaliando a agilidade de 41 adolescentes com faixa etária entre 13 e 14 anos, de ambos os gêneros, praticantes de handebol, de uma escola particular de Pelotas-RS, observaram que a maioria apresentou classificação boa para muito boa nos resultados da valência física em questão, nesse caso, não corroborando com os resultados do presente estudo. Os resultados observados na avaliação da velocidade de deslocamento foram satisfatórios aos critérios de classificação nos escolares do sistema público de ensino, visto que a maioria (35,3%) obteve boa classificação. Entretanto, a maioria dos escolares (28%) do sistema privado de ensino obteve classificação muito boa, porém não foi superior à quantidade de indivíduos do sistema público (30,7%) com a mesma classificação.

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GRÁFICO 6 – Classificação da velocidade de deslocamento dos escolares de Mossoró/RN – 2010.

Ao comparar esses com os resultados encontrados por Sampedro e Silva (2010), ao avaliarem a velocidade de deslocamento de 120 escolares públicos, com faixa etária de 13 a 14 anos de ambos os gêneros, na cidade de Porto Alegre-RS, observa-se uma distinção nos dados, visto que o autor encontrou, na maioria dos avaliados, classificação muito fraca e fraca, ao avaliar a mesma valência física. Estudo feito por Passos e Alonso (2009), ao compararem a velocidade de deslocamento de 40 escolares masculinos, 20 praticantes e 20 não praticantes de futsal, com faixa etária entre 14 e 15 anos, de uma escola particular do Rio de Janeiro, encontraram boa classificação na maioria dos avaliados, havendo, assim, uma corroboração com os resultados do estudo em pauta, em relação ao grupo de alunos de escola particular. Ainda que sustentado por uma amostra pequena e pela não investigação quanto a variáveis de fatores genéticos e características geográficas, pode-se dizer que os escolares das instituições públicas apresentaram melhores classificações na maioria dos testes motores, apesar da carência de espaço físico apropriado para as atividades físicas dentro da maioria das escolas públicas e nas proximidades das residências. Isso correu talvez pelo fato desses escolares terem maior liberdade para passar o tempo livre, realizando atividades fisicamente ativas e por, assim também, estarem condicionados a realizar atividades diárias que exigem maior dispêndio de energia. No entanto, os escolares das instituições particulares destacaram-se, em relação aos pares da rede pública, no desempenho da força de membros superiores, o que instiga a uma melhor

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investigação quanto às atividades de maior frequência, por eles realizadas, as quais os levam ao referido destaque. Ao avaliar o estado nutricional através do Índice de Massa Corporal (IMC) e classificá-lo de acordo com os critérios referenciais proposto por Conde e Monteiro (2006), que classifica o indivíduo em baixo peso, normal, excesso de peso e obeso, pode-se perceber que a maioria dos escolares atende valores dentro da faixa de normalidade, porém a existência de indivíduos classificados com excesso de peso instiga a uma preocupação quanto à iminência de doenças crônicas degenerativas provocadas pelo excesso de tecido adiposo. O resultado nos mostra uma semelhança na classificação do IMC ao comparar os escolares de escola pública com os de escola particular, visto que 74% e 70% dos avaliados das respectivas instituições de ensino, encontram-se com o IMC classificado em normal.

GRÁFICO 7 – Classificação do IMC dos escolares de Mossoró/RN – 2010.

Os resultados aqui encontrados corroboram com os resultados encontrados por Araújo et al. (2010) em uma Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar e em uma Pesquisa Regional feita por Medeiros et al. (2009), ambas relacionadas ao estado nutricional de alunos de escolas públicas e privadas, pelo fato da existência de indivíduos classificados com excesso de peso, principalmente nas escolas particulares serem em menores quantidades em relação aos escolares com classificação normal. Araújo et al. (2010), ao descreverem o estado nutricional dos adolescentes das capitais brasileiras, avaliaram o IMC de 58.971 adolescentes de ambos os gêneros, com idades entre 11 a 19 anos e encontraram a presença de excesso de peso e obesidade em 23% e 7,3%, respectivamente, nos indivíduos avaliados, sendo os escolares da rede privada apresentando prevalência em excesso de peso e obesidade (31% e 10%). 178


Medeiros et al. (2009), ao avaliarem o estado nutricional de 1701 crianças de ambos os gêneros, com idade entre 10 a 17 anos, matriculados em escolas públicas e particulares, em regiões específicas (leste, central e oeste) do semi-árido nordestino brasileiro, mostraram que a classificação de excesso de peso e obesidade está presente em 16% e 12% dos avaliados. Diante da incidência de jovens com excesso de peso e as possíveis complicações que isso provoca, faz-se necessário que os profissionais de Educação Física tenham uma conduta mais agressiva para o diagnóstico, combate e prevenção desse quadro do estado nutricional, uma vez que são esses profissionais que se encontram em uma posição privilegiada para desenvolver mecanismos capazes de favorecer uma oportunidade de programas adequados para a prática de atividade física e aquisição de hábitos alimentares saudáveis, tanto no âmbito escolar como no familiar. Conclusões Conclui-se que os escolares do sistema público de ensino obtiveram melhores classificações na maioria das valências físicas (flexibilidade, resistência muscular abdominal, força de membros inferiores, agilidade e velocidade) e os escolares do sistema particular de ensino obtiveram melhores classificações na valência de força de membros superiores. Em relação ao estado nutricional pode-se concluir que os escolares de ambas as instituições de ensino apresentaram semelhanças, com a incidência de indivíduos com excesso de peso, sendo a maioria classificada com um bom índice de massa corporal. Assim, sugere-se que pesquisas com o mesmo enfoque e com outras variáveis abordadas sejam feitas, tanto no sítio onde ocorreu a pesquisa quanto nas cidades vizinhas, a fim de permitir explorar a consistência desses achados. Referências ARAÚJO, C. et al. Estado nutricional dos adolescentes e sua relação com variáveis sociodemográficas: Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), 2009. In: Ciência e Saúde Coletiva. v. 15, supl. 2, p. 3077-3084, 2010. ARAÚJO, R. A.; BRITO, A. A.; SILVA, F. M. O papel da educação física escolar diante da epidemia da obesidade em crianças e adolescentes. Educação Física em Revista. v. 4, n. 2, p. 19, mai/jun/jul/ago. 2010. BARBOSA, C. A. G. et al. Comportamento do crescimento e desenvolvimento físico de crianças de escola pública e particular. Motriz, Rio Claro, v. 14, n. 4, p. 505-512, out./dez. 2008. 179


BORGES, A. F.; BORIN, J. P.; MARCO, A. de. Avaliação de indicadores antropométricos e neuromusculares de jovens escolares do ensino fundamental do interior paulista. Motriz, Rio Claro, v. 16, n. 2, p. 326-337, abr/jun. 2010. CAPUTO, E. L. et. el. Análise dos componentes da aptidão física de adolescentes praticantes de handebol. Revista Digital, Buenos Aires, a. 14, n. 133, junio, 2009. CONDE, W. L. e MONTEIRO, C. A. Body mass índex cutoff points for evaluation of nutritional status in Brazilian children and adolescents. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, v. 82, n. 4, p. 266-271, 2006. DÓREA, V. et al. Aptidão física relacionada à saúde em escolares de Jequié-BA, Brasil. Rev. Bras. Med. Esporte, Londrina, v. 14, n. 6, p. 494-499, nov./dez. 2008. DUMITH, S. C. et al. Aptidão física relacionada ao desempenho motor em escolares de sete a 15 anos. Rev. Bras. Educ. Fís. Esporte, São Paulo, v. 24, n. 1, p. 5-14, jan/mar. 2010. FARIAS, E. S. et. al. Efeito da atividade física programada sobre a aptidão física em escolares adolescentes. Rev. Bras. Cineantropom. Desempenho Hum. v. 12, n. 2, p. 98-105, 2010. FERNANDES, R. A.; OLIVEIRA, A. R.; JUNIOR, I. F. F. Correlação entre diferentes indicadores de adiposidade corporal e atividade física habitual em jovens do sexo masculino. Rev. Bras. Cineantropom. Desempenho Hum. v. 8, n. 4, p. 32-38, 2006. GAYA, A. C. A. Projeto Espote Brasil: manual de aplicação de medidas e testes, normas e critérios de avaliação. Porto Alegre, 2009. KIEFER, T. et. al. Estudo da associação da força muscular de membros inferiores com o índice de massa corporal em uma escola com cultura esportiva. Rev. Ciência e Saúde. Porto Alegre, n. especial 13, 2009. LINS, T. A. et. al. Efeito de diferentes intensidades de exercício sobre o gasto energético e a sensação de fome em jovens. Rev. Bras. Cineantropom. Desempenho Hum. v. 12, n. 5, p. 259-266, 2010. LUGUETTI, C. N.; RÉ, A. H. N.; BÖHME, M. T. S. Indicadores de aptidão física de escolares da região centro-oeste da cidade de São Paulo. Rev. Bras. Cineantropom. Hum. v. 12, n. 15, p. 331-337, 2010. MAZIERO, R. S. B.; AJUZ, R.; TONET, F. Avaliação física para detecção de talentos na escola. Uniandrade. v. 10, n. 1, p. 49-63, jan./jun. 2009. MEDEIROS, H. J. et. al.. Estado nutricional de escolares do semi-árido nordestino brasileiro. Rev. de Saúde Pública. v. 11, n. 1, p. 62-71, 2009. PALANDRANI JÚNIOR, V.; PELLEGRINOTTI, I. L. Perfil físico e nível de atividade física em adolescentes da rede pública de ensino. In: 6ª Amostra Acadêmica UNIMEP, 2008, Piracicaba. Anais... UNIMEP, 2008, p. 1-7.

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Sobre os autores Adalberto Veronese da Costa Graduação em Licenciatura Plena em Educação Física pelo Centro Universitário de João Pessoa, UNIPÊ; Especialização em Pesquisa em Educação Física pela Universidade Federal da Paraíba, UFPB e em Recreação, Lazer a Animação Sócio Cultural pela Universidade Estadual de Londrina, UEL; Mestrado em Ciências da Saúde pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN); Doutorando em Ciências do Desporto pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, UTAD, Portugal; Docente do curso de Educação Física da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN – Campus de Mossoró). Alexandre Janotta Drigo Graduação em Bacharelado em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – Campus de Rio Claro); Graduação em Bacharelado em Educação Física pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – Campus de Rio Claro); Mestrado em Ciências da Motricidade pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP); Doutorado em Educação Física pelo DCE da FEF (UNICAMP); Docente e orientador do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Motricidade pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – Campus de Rio Claro). Carina Maria Bullio Fragelli Graduação em Licenciatura em Educação Física pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – Campus de Rio Claro); Graduanda em Bacharel em Educação Física pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – Campus de Rio Claro); Docente de Educação Física Infantil da Prefeitura Municipal de Rio Claro – SP. Carolina Bilato Graduanda em Licenciatura em Educação Física pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – Campus de Bauru). Dagmar Aparecida Cynthia França Hunger Graduação em Licenciatura em Educação Física pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – Campus de Rio Claro); Especialização em Educação Física no 3º Grau pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e em Desenvolvimento Humano e Motricidade pela Universidade Estadual Paulista (UNESP); Mestrado e Doutorado em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP); Pós-Doutorado em Psicologia Educacional pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP); Livre-Docente em Educação Física pela Universidade Estadual Paulista (UNESP); Docente da Universidade Estadual Paulista (UNESP - Campus de Bauru); Docente e orientadora dos Programas de Pós-Graduação em Ciências da Motricidade, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (UNESP Campus de Rio Claro) e em Docência para Educação Básica, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (UNESP - Campus de Bauru). Daniele Vaz de Arruda Graduanda em Licenciatura em Educação Física pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – Campus de Bauru). Dimas Anaximandro da Rocha Morgan Graduação em Bacharelado em Sistemas de Informação pela Faculdade de Ciências e Tecnologia Mater Christi; Graduação em Licenciatura em Educação Física pela Universidade do Estado do 182


Rio Grande do Norte (UERN – Campus de Mossoró); Especialização em Atividade Física, Saúde e Qualidade de Vida pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN – Campus de Mossoró); Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Saúde e Sociedade da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Edson Fonseca Pinto Graduação em Educação Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN); Mestrado em Ciências da Saúde pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN); Especialização em Nutrição para o Fitness e alto Rendimento pela Universidade Volta Redonda; Docente do curso de Educação Física da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN – Campus de Mossoró) e da Universidade Potiguar (UnP). Elenor Kunz Doutorado e Pós-doutorado no Instituto de Ciências do Esporte pela Gottfried Wilhelm Leibniz Universität Hannover; Docente da Universidade Federal de Santa Catarina. Eliane Gomes da Silva Graduação em Licenciatura em Educação Física pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT); Mestrado em Educação Física pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo (USP); Docente nos cursos de Educação Física e Pedagogia nas Faculdades Orígenes Lessa. Evandro Nogueira de Oliveira Graduando do curso de Licenciatura em Educação Física pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN – Campus Avançado de Pau dos Ferros). Felipe Canciglieri Graduando em Licenciatura em Educação Física pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – Campus de Rio Claro). Fernanda Rossi Graduação em Licenciatura em Educação Física pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – Campus de Bauru); Mestrado em Ciências da Motricidade pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – Campus de Rio Claro); Doutorado em Ciências da Motricidade pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – Campus de Rio Claro); Pós-Doutoranda junto ao Departamento de Educação Física da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – Campus de Bauru). Francisco Augusto de Negreiros Freire Graduação em Licenciatura em Educação Física pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN – Campus de Mossoró); Especialização em Atividade Física, Saúde e Qualidade de Vida pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN – Campus de Mossoró). Gislaine Aparecida Alves da Encarnação Graduanda do curso de Licenciatura em Educação Física pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – Campus de Bauru). Graziela Sarmento Graduanda do curso de Licenciatura em Educação Física pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – Campus de Rio Claro). 183


Humberto Jeferson de Medeiros Graduação em Educação Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Mestrado em Ciência do Movimento Humano pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UESC); Doutorado em Ciências da Saúde pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Docente do curso de Educação Física pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN – Campus de Mossoró); Docente e orientador do Programa de Pós-Graduação em Saúde e Sociedade da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Jocimar Daolio Graduação em Educação Física pela Universidade de São Paulo (USP); Graduação em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP); Mestrado em Educação Física pela Universidade de São Paulo (USP); Doutorado em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP); Docente da Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). José Rafael Marcelino Agripino Graduando do curso de Licenciatura em Educação Física pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – Campus de Bauru). Josélia Maria da Silva Carlos Graduação em Licenciatura em Educação Física pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN – Campus Avançado de Pau dos Ferros). Josiane Katsue Savay da Silva Graduanda do curso de Licenciatura em Educação Física pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – Campus de Bauru). Juliana Cesana Graduação em Licenciatura em Educação Física pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – Campus de Rio Claro); Mestrado em Ciências da Motricidade pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – Campus de Rio Claro); Doutorado em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP); Docente do Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos (UNIFEB). Leonardo Gonsalles Fressa Graduando em Licenciatura em Educação Física pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – Campus de Rio Claro). Lucia Helena Ferraz Sant´Agostino Graduação em Licenciatura em Letras - Português-Inglês pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC); Mestrado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (USP); Doutorado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (USP). Luciana Venâncio Graduação em Licenciatura em Educação Física pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – Campus de Rio Claro); Especialização em Educação Física Escolar pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP); Mestrado em Ciências da Motricidade pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – Campus de Rio Claro); Doutoranda em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – Campus de Presidente Prudente); Docente efetiva de Educação Física na Rede de Educação Básica do Município de São Paulo. 184


Luiz Sanches Neto Graduação em Bacharelado e Licenciatura em Educação Física pela Universidade de São Paulo (USP); Mestrado em Ciências da Motricidade pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – Campus de Rio Claro); Doutorando em Ciências da Motricidade pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – Campus de Rio Claro); Docente da Universidade Guarulhos (UnG). Lílian Aparecida Ferreira Graduação em Licenciatura em Educação Física pela Escola Superior de Educação Física de Jundiaí; Mestrado em Ciências da Motricidade pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – Campus de Rio Claro); Doutorado em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar); Docente da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – Campus de Bauru). Marcos Antonio da Silva Graduação em Educação Física pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN – Campus de Mossoró); Especialização em Ciências do Treinamento Desportivo pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN); Mestrando em Educação Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN); Docente do Curso de Educação Física do Campus Avançado Professora Elisa de Albuquerque Maia (CAMEAM) da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN – Campus Avançado de Pau dos Ferros). Maria Ione da Silva Graduação em Licenciatura em Educação Física pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN – Campus de Mossoró); Mestrado em Ciência do Desporto pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro; Docente do Curso de Educação Física da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN – Campus Avançado de Pau dos Ferros). Maria Irany Knackfuss Graduação em Licenciatura Plena em Educação Física pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); Mestrado em Ciência do Movimento Humano pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); Doutorado em Ciências da Saúde pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN); Docente do curso de Educação Física da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN – Campus de Mossoró); Coordenadora e orientadora do Programa de PósGraduação em Saúde e Sociedade da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Maria Isaura Plácido Soeiro Graduação em Bacharelado em Educação Física pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – Campus de Rio Claro); Mestrado em Ciências da Motricidade pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – Campus de Rio Claro); Docente do curso de Educação Física da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN - Campus Central). Marina Cyrino Graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP); Mestrado em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP); Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP).

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Mário Davi do Amaral Veiga Graduado em Licenciatura em Educação Física pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – Campus de Rio Claro); Docente efetivo da rede municipal de ensino de Rio Claro - SP. Mauro Betti Graduação em Licenciatura em Educação Física pela Universidade de São Paulo (USP); Mestrado em Educação Física pela Universidade de São Paulo (USP); Doutorado em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP); Livre-Docência pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP); Pós-Doutorado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Docente do Departamento de Educação Física da Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – Campus de Bauru); Docente credenciado no Programa de Pós-Graduação em Educação (mestrado e doutorado) da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP Campus de Presidente Prudente). Paulo Ricardo Mendes da Costa Graduando em Licenciatura em Educação Física pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – Campus de Rio Claro). Paulo Roberto de Oliveira Graduação em Educação Física pela Universidade de São Paulo (USP); Mestrado em Educação Física pela Universidade de São Paulo (USP); Doutorado em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP); Professor da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Pedro Luan Soares de Toledo Graduando em Licenciatura em Educação Física pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – Campus de Rio Claro). Rafaela de Oliveira Abreu Graduanda em Licenciatura em Educação Física pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – Campus de Rio Claro). Roberto Tadeu Iaochite Graduação em Licenciatura pela em Educação Física pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – Campus de Rio Claro); Mestrado em Ciências da Motricidade pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – Campus de Rio Claro); Doutorado em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP); Docente do Departamento de Educação da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – Campus de Rio Claro); Docente e orientador do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Motricidade da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP); Docente e orientador do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – Campus de Rio Claro). Samuel de Souza Neto Graduação em Educação Física (PIME/Assis); Graduação em Letras pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – Campus de Assis); Graduação em Pedagogia (PIME/Assis); Mestrado em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar); Doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo (USP); Livre Docência pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – Campus de Rio Claro); Pós186


Doutoramento na Université de Montréal / CRIFPE (2011-2012 - bolsa UNESP/PROPG e CAPES/Estágio Sênior) na condição de Professor-Pesquisador Visitante; Docente do Departamento de Educação da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – Campus de Rio Claro); Docente, orientador e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Motricidade da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – Campus de Rio Claro); Docente e orientador do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – Campus de Rio Claro). Talita Fabiana Roque da Silva Graduanda em Licenciatura em Educação Física pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – Campus de Bauru). Tassiane Gabriele de Lima Graduanda em Licenciatura em Educação Física pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – Campus de Rio Claro).

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