TRATADO DAS AÇÕES -PONTES DE MIRANDA.TOMO 5

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TRATADO DAS AÇÕES-TOMO V - AÇÕES CONDENATÓRIAS Tábua Sistemática das Matérias

Parte 1 Ações condenatórias em geral Capítulo único Conceito e natureza da ação condenatória § 1. Conceito de ação condenatória. 1. Fixação conceptual. 2. Condenação § 2. Ação condenatória típico. 1. Conceito da tipicidade condenatária. 2. Ações condenatórias especiais § 3. Ação para prestar contas. 1. Conteúdo da pretensão. 2. Eficácia sentenciaL. 3. Cautelaridade a favor de titular de ação condenatória § 4. Ação para exigir contas. 1. Conteúdo da pretensão. 2. Escolha da ação § 5. Ação de cobrança de aluquéis. 1. Precisões, 2. Emprego da ação condenatória típica § 6. Ação do achador para haver o prêmio. 1. Conceito. 2. Legitimação ativa e passiva Parte II Ações condenatórias especiais Capítulo I Ação de tutela do nome e do pseudônimo § 7. Ofensas do direito ao nome. 1. Tutela jurídica do direito ao nome. 2. Nome comercial (individual). 3. Mulher casada e nome do marido. 4. Ofensa específica ao direito ao nome. 5. Nome comercial, direito de personalidade. 6. Nome das pessoas jurídicas § 8. Ofensas ao nome. 1. Ofensas em geral; ofensas por negação. 2. Ofensas por usurpação, para si ou para outrem. 3. Danos materiais e danos morais. 4. Ação de usurpação de nome § 9. Tutela do nome. 1. Ações oriundas do direito ao nome. 2. Ação de condenação. 3. Ação de indenização por ato ilícito absoluto. 4. Designações de “status”.5. Usurpação e aplicação do nome a coisas. 6. Nome em marcas de indústria e de comércio. 7. Abuso do direito ao nome. 8. Títulos científicos, artísticos e outros. 9. Pessoas jurídicas e tutela do nome § 10. Pseudônimo. 1. Conceito de pseudônimo. 2. Punção de ocultação da identidade pessoal. 3. Egípcios e romanos. 4. Nome ocultante, nome artistico, nome profissional. 5. Natureza de pseudônimo. 6. Direito romano, direito grego e direito ao nome e ao pseudônimo. 7. Direito a ter pseudônimo e personalidade. 8. Aquisição de pseudônimo. 9. Perda do pseudônimo. 10. Direito ao pseudônimo e direito patrimonial de autor. 11. Relações de direito público e uso de pseudônimo. 12. Ação condenatória quanto a pseudônimo. 13. Atividade e uso do pseudônimo; eficácia da averbação § 11. Dever de ter e de usar pseudônimo. 1. Dever, de origem negocial. 2. Mulher casada


§ 12. Tutela do pseudônimo. 1. Ações oriundas do direito ao pseudônimo. 2. Ação de condenação especifica. Capítulo II Ação de indenização por ofensa à posse § 13. Perdas e danos causados à posse. 1. Ações possessórias e indenização. 2. Pedido de indenização § 14. Decisão judicial. 1. Onde se condena. 2. Eficácia da sentença. 3. Regra juridica sobre a liquidação. 4. Se o reintegrado é, afinal, vencido. 5. Sentença contrária para todas as partes. 6. Novo esbulho ou turbação. 7. Honorários de advogado § 15. Exercício de uma ação por outra, 1. Pressupostos de validade. 2. Consequências Capítulo III Ação confessória § 16. Conceitos e fontes da ação confessória. 1. Direito romano. 2. Direito brasileiro. 3. Necessidade de precisões conceptuais § 17. Legitimação ativo e passivo. 1. Legitimação ativa na ação confessória de servidão. 2. Legitimação passiva na ação confessória de servidão. 3. Ônus da prova § 18. Eficácia sentencia!. 1. Eficácia da sentença favorável na ação confessória de servidão § 19. Ação confessória oriunda de direito de renda sobre imóvel. 1. Ação condenatória. 2. Ação de indenização por perdas e danos. 3. Ação de segurança, preparatória, incidental ou independente. 4. Ação de preceito cominatório. 5. Ação confessória § 20. Ação confessória do habitador. 1. Habitação e exercício da habitação. 2. Ação § 21. Ação confessôria do credor com penhor ou hipoteca. 1. Vindicação do penhor. 2. Penhor e ação confesséria. 3. Hipoteca e ação confessória Capítulo IV Ação negatória § 22. Pretensão e ação negatórias. 1. Ofensa sem retirada da posse. 2. Pressuposto negativo da ação negatóna. 3. Dano à propriedade não é pressuposto. 4. Direitos de vizinhança e ação negatória. 5. Limitações ao conteúdo do direito de propriedade e ação negatória § 23. Legitimação ativa e passivo. 1. Legitimação ativa. 2. Legitimação passiva § 24. Força e eficácia da ação negatória. 1. Ação negatória e ação declaratória negativa. 2. Ação negatória e condenatoriedade § 25. Execução da sentença negatória. 1. Incidentes processuais. 2. Direito processual. 3. Diferença de carga executiva Capitulo V Ação de Indenização por fato ilícito absoluto § 26. Pretensão e ação de reparação.1.Danos e irradiação dos fatos ilícitos. 2. Dano e causação. 3. Pluralidade


subjetiva ativa. 4.Pluralidade subjetiva passiva. 5. Comunhão matrimonial de bens e direito á indenização. 6. Mora. 7. Garantias do direito à indenização.8.Seguro § 27. Transmissão da dívida de indenização. 1. Transmissão da divida sem transmissão da responsabilidade. 2. Texto do Direito Civil. 3. Transmissão de pretensões e ações de restituição de indenização. 4. Cessão do direito a indenização § 28. Ações e procedimento. 1. Ações cautelares, ação declaratória e ação de indenização. 2. Ação penal e eficácia sentencial no cível. 3. Indenização em dinheiro. 4. Legitimação ativa. 5. Ação para a reparação dos danos nãopatrimoniais. 6. Prescrição da ação de indenização. 7. “Beneficium competentiae”. 8. Foro das ações de reparação de danos

Capítulo VI Ação de reparação por ato-fato ilícito § 29. Conceito e natureza do dever de prestar. 1. Estado de necessidade e reparação. 2. Ato-fato jurídico e legitimação passiva para a reparação § 30. Ação regressiva e capacidade civil. 1. Ação regressiva; fatos jurídicos de que deriva. 2. Responsabilidade por culpa. 3. Absolutamente incapazes e reparação

Capítulo VII Ação de indenização em caso de extinção de usufruto, uso e habitação § 31. Dever de indenizar. 1. Fontes do dever e obrigação de indenizar. 2. Com culpa e sem culpa. 3. Deteriorabilidade. 4. Deveres do usufrutuário. 5. Coisas deterioráveis consideradas como consumíveis. 6. Obrigações de indenizar § 32. Culpa do usufrutuário. 1. Princípios. 2. Fundamento da regra jurídica. 3. Pressupostos objetivos. 4. Legitimação passiva. 5. Sentença que julga a perda do usufruto § 33. Extinção do usufruto fiduciário e de usufruto de segurança. 1. Extinção do usufruto fiduciário. 2. Extinção do usufruto de segurança § 34. Danificação do bem usufruído. 1. Indenização pelos danos a coisa usufruida. 2. Quantia indenizatória § 35. Indenização e sub-rogação. 1. Posição do problema. 2. Extinção ou sub-rogação § 36. Exercício do usufruto e deteriorações ou gastos.1. Exercicio regular e exercício irregular. 2. Direito brasileiro § 37. Causas de extinção do uso e da habitação. 1. Fatos jurídicos ‘stricto sensu e atos juridicos. 2. Causas de extinção Capítulo VIII Ação do preferente para exigir indenização do terceiro adquirente § 38. Natureza da ação e seu conteúdo. 1. Ações de reivindicação e de indenização. 2. Interpretação errada. § 39. Ação de indenização. 1. Conceito. 2. Natureza da ação de indenização. 3. Conceito de dano não-patrimonial e liquidação de divida. 4. Vitimas de dano não-patrimonial


Capítulo IX

Ação cominatória para prestação de fato ou abstenção de ato § 40. Conceito e natureza da ação cominatória. 1. Preceitação cominatória. 2. Rito processual do preceito cominatório. 3. Conceito de cominação. 4. Carga de eficácia sentencial § 41. Pressupostos da ação cominatória. 1. Pressuposto amplo e pressupostos especiais. 2. Pretensão a comi-nação e preceitação § 42. Fiador. 1. Fiador, satisfação da obrigação pelo afiançado e exoneração da fiança. 2. Alternativa; obedecer ou incorrer em sanção. 3. Fiança sem assentimento do devedor. 4. Credor que há de assentir e fiador principal pagador. 5. Sanção, em caso de omissão do devedor. 6. Pretensão do fiador contra o credor afiançado. 7. Fiador sem a pretensão cominatória contra o credor § 43. Deserdado. 1. Deserdado e “provocatio ad probandum”. 2. “Provocatio ad probandum § 44. Reforço e substituição de garantia fidejussória e real. 1. Reforço e substituição da garantia. 2. Eficácia § 45. Prestação de contas. 1. Pretensão cominatória e pretensão a que se prestem contas. 2. Pretensão ativa à prestação de contas. 3. Pretensão passiva à prestação de contas § 46. Prédio em posse imediata imprópria e reparações urgentes. 1. Reparações em prédio locado. 2. Objeto da cominação, na espécie. 3. Pena a ser cominada. 4. Habitante do prédio § 47. Mau uso da propriedade. 1. Mau uso da propriedade. 2. Exemplificações § 48. Dano iminente e vizinhança. 1. Afastamento da inquietação ou caução de dano infecto. 2. Apartamentos. 3. Dono ou possuidor de prédio vizinho § 49. Edifício de apartamentos. 1. Proprietário, comuneiro. 2. Limitações legais. 3. Legitimação ativa do comuneiro. 4. Cominação e não condenação § 50. Direitos autorais e reedição. 1. Desapropriação cominada de direitos autorais. 2. Legitimação ativa. 3.Cominação e desapropriação § 51. Suspensão de obras e demolições. 1. Cominatória contra obras. 2. Infringência de lei, regulamento ou postura. 3. Interesse público. 4. Dilema preceptual e regra juridica em que se baseie. 5. Interdição e ameaça de pena § 52. Obrigação de abster-se e de prestar fato. 1. Prestação de abstenção e prestação de fato. 2. Importância da preceitação cominatória. 3. Fontes de obrigação negativa e positiva. 4. Pena e natureza da obrigação. 5. Ação de modificação de nome comercial. 6. Fontes das pretensões negativas. 7. Objetos das prestações. 8. Ação de abstenção e ação cominatória. 9. Pretensão á nivelação e ação cominatória. 10. Obrigação de declarar e ação cominatória. 11. Despesas e ação cominatória cláusula. 6. Falta de contestação e decisão imediata do fato. 7. Custas § 53. Procedimento da ação cominatária. 1. Pedido e citação, nas ações cominatórias. 2. Com matéria e pena negocial. 4.Pena cominada a líbito do autor. 5.Mandados cominatórios sem cláusula. 6.Falta de contestação e decisão imediata do fato. § 54. Ação cominatória e mau uso do prédio. 1. Início da ação. 2. Dano eventual e dano iminente. 3. Preceitação sem cláusula. 4. Diferença entre o direito anterior e o vigente: não-prestação de caução e consequencia § 55. Entidades estatais e urgências. 1. Legitimação. 2. Urgência da medida e mandado imediato. 3. Verificação por perito. 4. Indenização. 5. Construção sem licença. 6. Impossibilidade. 7. Deferimento de menos. 8. Honorários de advogado § 56. Procedimento quanto á ação cominatória para publicação ou reedição de obra. 1. Prazo para contestar o prazo para a reedição da obra. 2. Contagem do prazo para edição ou reedição da obra.


§ 57. Procedimento nas ações de prestação de contas. 1. Prestação de contas pedida pelo que as deve prestar. 2. Petição inicial e documentação. 3. Oferecimento das contas e atitudes do réu. 4. Acolhimento das contas pelo réu. 5. Cálculo em forma mercantil.6. Rito, se há contestação. 7. Pretensão a exigir contas. 8. Prazo para prestar contas ou defender-se. 9. Apresentação das contas, em segundo mandado com preceito. 10. Contas, apresentação pelo réu ou pelo autor.11. Consequências da inatividade do réu. 12. Réu inventariante. tutor, curador, ou depositário. 13. Recurso 14. Contas e inventário. 15. Cumulação de ações. 16.Forma mercantil e falta de tal pressuposto. 17.Abrangência de regra jurídica. 18. Saldo das contas e execução contra o devedor. 19. Custas

Capítulo X Ação condenatória de concorrência desleal § 58. Conceito e natureza da ação. 1. Direito penal e Direito privado. 2. Ações de abstenção, de preceito cominatório; declarativa e de condenação § 59. Ação condenatória. 1. Ação de indenização (dolo e culpa). 2. Exceção de mãos-sujas. 3. Legitimação ativa. 4. Nome comercial e concorrência desleal. 5. Ação contra concorrência desleal, em se tratando de criações industriais e de sinais distintivos. 6. Indicações de proveniência e concorrência desleal Capítulo XI Ação de publicação da resposta à imprensa § 60. Pressupostos e eficácia do pedido de retificação. 1. Direito de resposta. 2. Pressupostos da resposta. 3. Legitimação ativa. 4. Desatendimento pela empresa § 61. Ações proponíveis. 1. Ação de reparação pela resposta e ação de indenização. 2. Resposta excessiva. 3. Recurso e provimento § 62. Prova de ilicitude absoluta. 1. Principio da alegação e da prova. 2. Dificuldades e notoriedade da prova. 3. Fato ilícito absoluto negativo Capítulo XII Ação contra o uso nocivo da propriedade § 63. Dados conceptuais. 1. Regra juridica sobre uso nocivo. 2. Elementos do suporte factivo. 3. Uso nocivo. § 64. Espécie de uso nocivo. 1. Segurança. 2. Sossego. 3. Saúde § 65. Sanção. 1. Caução de dano infecto, demolição, reparação. 2. Interesse público. 3. Nocividade e responsa bilidade. 4. Caução § 66. Ações. 1. Três ações principais. 2. Limitação ao conteúdo e vedação do abuso do direito. 3. Rito cominatório, outras pretensões, ações e remédios jurídicos, processuais Capítulo XIII Ação penal § 67. Conceito e natureza da ação penal. 1. Conceito.2. Ação e “ação”. 3. Ação penal e ação civil § 68. Plurimidade da ação penal. 1. Direito, pretensão e ação. 2. Ação penal e plurimidade. 3. Ações penais públicas e ações privadas. 4. Ação penal preventiva § 69. Legitimação ativa. 1. Propositura da “ação” penal pública. 2. “Representação”. 3. Ação penal privada.


§ 70. Procedimento penal. 1. Processo penal e relação jurídica processual. 2. Funções estatais no processo penal. 3. Pronúncia e impronúncia. 4. Arquivamento. 5. Denúncia e queixa § 71. Causas de extinção por ato do legitimado ativo.1. Precisão. 2. Renúncia e desistência. 3. Perdão § 72. Ação penal popular. 1. Precisões. 2. Solução “de lege ferenda” e solução ‘de lege lata § 73. Eficácia da ação penal. 1. Ações penais e sua eficácia. 2. Ação penal e “ação” penal. 3. Processo penal cautelar. 4. Precisões sobre a eficácia sentencial. 5. Coisa julgada § 74. Suspensão condicional da pena. 1. Dados históricos. 2. Soluções legislativas: suspensão do processo e suspensão da pena. 3. Eficácia sentencial. 4. Resolução e ”condicio” § 75. Reabilitação. 1. Reabilitação do condenado. 2. Desconstituição da eficácia. 3. Ações sem preponderância da condenatoriedade contrato. 4. Prova da mora e protesto. 5. Restituição da posse. 6. Vistoria e arbitramento. 7. Defesa e reconvenção. 8. Prazo legal. 9. Se o réu contesta e se o réu não contesta. 10. Réu que não contestou mas requereu dação do prazo; réu que não contestou nem requereu dação do prazo. 11. Conceitos empregados. 12. Restituição do saldo. 13. Resilição e processo ordinário. 14. Falência do devedor ou concurso civil de credores Capítulo XV Ação relativa a construção e conservação de tapumes Capitulo XIV Ação do vendedor, com reserva de domínio,para haver o preço § 76. Conceitos e dados históricos. 1. “Pactum reserva-ti dominil”. 2. Técnica legislativa. 3. Construção juridica do “pactum reservati dominii”. 4. Transmissão da propriedade em segurança e venda com domínio reservado § 77. Ação de vendedor em contrato com reserva de domínio. 1. Vendas a crédito com reserva de domínio. 2. Pluralidade de pretensões. 3. Ação que competir ao título de crédito. 4. Penhora da coisa vendida. 5. Alternativa de cobrar ou excutir e reaver a posse. 6. Execução. 7. Direito expectativo e penhora. 8. Pedido de venda. 9. Leilão; remição e adjudicação. 10. Sub-rogação da penhora. 11. Leilão somente do direito expectativo § 78. Ação de restituição da posse perdida. 1. Regras jurídicas especiais. 2. Mora do devedor, apreensão e depósito judicial da coisa vendida. 3. Outras infrações do contrato. 4. Prova da mora e protesto. 5. Restituição da posse. 6. Vistoria e arbitramento. 7. Defesa e reconvenção. 8. Prazo legal. 9. Se o réu contesta e se o réu não contesta . 10. Réu que não contestou mas requereu dação do prazo. 11. Conceitos empregados. 12.Restituição do saldo. 13. Resilição e processo ordinário. 14. Falência do devedor ou concurso civil de credores. Capitulo XV Ação relativa a construção e conservação de tapumes § 79. Escritos e elucidações. 1. Tapar. 2. Tese e antítese. 3. Meios de tapamento § 80. Direito de tapagem. 1. Cerca. Tapume privado e tapume comum. 2. Direito de vizinhança. § 81. Regras jurídicas especiais. 1. Conteúdo das regras jurídicas. 2. Dever de tapagem § 82. Tapagem comum. 1. Tapagem de dois ou mais.2. Compropriedade de paredes. cerca, muros e valas. 3. Tese. 4. Ação para indenizar parede divisória Capítulo XVI Ação de parede-meia ou tapume-meio


§ 83. Paredes comuns e paredes-meias. 1. Distinção entre os conceitos. 2. Meada e meação ideal. 3. Parede “pro indiviso”. 4. Pintura externa § 84. Figurantes das ações. 1. Vizinhos livres e vizinhos ligados. 2. Ações proponiveis



Ações condenatórias em geral Capítulo Unico Conceito e natureza da ação condenatória

§ 1. Conceito de ação condenatória 1.Fixação conceptual. Quem pede ao juiz que condene, sem que se exceda no pedido a ponto de forçar o demandado a executar, apenas exerce a pretensão à tutela jurídica para que o causador ou responsável pelo damnurn seja posto em situação de repará-lo (cum, damno). Pode não se tratar de simples imposição de desfazer a danificação. ou porque isso seja impossível ou difícil, ou porque a entidade estatal pôs à frente o interesse público, e publicizou a condenação. No direito penal. o reparar pode ser incluído, ou posto, a latere, na pena, porém, com a pena criminal, o que mais importa é o condemnare com punição, a punitio, a poena. A pena pode ser de direito privado ou de direito público (e. g.. pena criminal, o que supõe que se tenha posto o ato ou fato como crime). Ao conceito da ação condenatória o que mais importa é que a sua eficácia mediata ou imediata seja a de declaratividade. ou imediata ou mediata a de executividade. A preponderância há de estar na condenação. Por isso, é erro dizer-se que apenas se permite, ou se cria, com a ação condenatória, a execução forçada. O direito, de que se irradia a ação, pode ser privado ou público (administrativo, judicial, penal). Há condenação sem executividade forçada. A declaração não é, só por si, sanção à violação, O que é de mister é o interesse no declarar-se a relação jurídica, ou sua eficácia. Há ações a que não se pode exigir que tenham nascido de violação. A pretensão à declaração está ligada às relações jurídicas e à sua eficácia, porque existem. A ação nasce desde que se precisa da declaração. Há, aí, coincidência entre o direito material e o pré-processual. Muito diferente é O que se passa com a ação condenatória. Essa supõe o dano, Porque sem ele, não se pode condemnare. A ação de condenação tem como conteúd0 obter decisão condenatória. Se bem que seja excepcional não terem efeito executivo (e. g., condenação ao restabelecimento da vida conjugal) as sentenças de condenação, esse efeito não lhes é essencial; nem, tampouco, necessariamente posterior. Combinadas com o adiantamento de execução, dão-nos as ações executivas de titulo extrajudicial; mas, ai, a executividade prepondera. Alguns escritores pretenderam definir a Sentença de condenação como a sentença em que se declara a violação de uma obrigação ou eventualmente a lesão de um direito; mas é evidente o equivoco que nasce de se empregar o termo “declarar” sem se lhe medir o conteúdo: há declarar latissimo sensu, em que a ação declarativa compreende a declarativa lato sensu, a constitutiva, a condenatória, mandamental e a executiva. há declarar lato sensu, que apanha a ação declaratória típica e semelhantes, e as outras preponderantemente condenatórias, constitutivas ou mandamentais, ficando de fora as executivas. Nada mais perigoso, em ciência, do que esse trocar de conteúdo mostrando-se o mesmo frasco. Não é o nome que importa, o que importa é a coisa. Definir a ação de condenação como que se declara a violação de obrigar, ou a lesão de direito, é o mesmo que definir homem como o animal que é homem, Ou como o bípede que fala etc. Nas ações de condenação, a sentença tem como efeito normal — pois que não houve adiantamento d~ execução ou de mandamento — o efeito executivo, pela formaçã0 de titulo executivo; mas a sentença não é executiva, menos ainda a ação. Uma coisa é ser executiva, ter força executiva; outra, ter simples efeito. Por isso mesmo, a inclusão ou o nomear-se a ação de condenação como ação executiva peca pela base; e devem ser repelidas as sugestões de 3. W. Planck (Lehrbuch,IIi, 10) e de Konrad Hellwig (Lehrbucb, 1, 46) a esse respeito. A sentença de condenação não executa — permite a execução; tampouco, manda que se cumpra a prestação — abre portas a que se peça a execução e o juiz executor execute (sobre esse ponto, James Coldschmidt, Ungerechtfertigter Vollstreckungsbetrieb, 45-48). Em consequência disso, a ação para emitir declaração de vontade não devia estar na execução de “sentença’, nem tampouco é preponderante, nela, o elemento condenatório. Se houve violação do direito à omissão, a ação de condenação ou tem por fim a repristinação, a volta ao status quo ante, ou à indenização. O inadimplemento pode ainda não ter ocorrido, mas já se ter iniciado o que dele resultaria. Quando se condena à recuperação do prístino, há a condenação, com a eficácia executiva mediata (3), salvo se a lei inseriu a eficácia repristinativa como eficácia imediata (4). Então, não se precisa de propor ação executiva; há o


mandado para a execução, a requerimento ao próprio juiz que decidiu favoravelmente quanto ao pedido. 2.Condenação. A condemnatio era a parte da fórmula que dava ao juiz o poder de condenar, ou de absolver o demandado, se a intentio foi, ou não, verificada. A condemnatio podia ser pecuniária, podendo ser certa, ou não, a soma. As vezes, havia máximo (taxatio). Donde poder ser condem natio certa, ou condemnatio incerta infinita, ou cum taxatione. Nas ações noxais, havia a condenação ao pagamento ou ao abandono noxal. Não se há de persistir o erro, como fizeram muitos (e. g., James Coldschmidt), e fazem, de se falar de ação condenatória nas ações de garantia real (confusão com a ação de condenação pelo crédito subjacente, garantido). O interesse jurídico, interesse de agir, quando se trata de ação condenatória, de modo nenhum se resume no inadimplemento de obrigação, ou em adimplemento ruim. Seria reduzir-se o interesse de agir a elemento contenutistico da ação, erro em que incorreram Giuseppe Chiovenda (Istituzioni di Diritto Processuale Civile, 1, 2ª ed., 165; Principil di Diritto Processuale Civile, 3ª ed., 159); Federico Cammeo (L’Azione dei cittadino contra a Pubblica Amministrazione, 17); Tea (L’Interesse ad agi re, 52) e Enrico Tuílio Liebman (Corso di Diritto Processuale Civile, 49 e 57). O inadimplemento ou o adimplemento ruim, em geral, faz nascer o interesse jurídico, como gera a ação condenatória, porém pode ocorrer que, a despeito da ofensa à pretensão e do surgimento da ação. não haja o interesse jurídico. Por exemplo: o contraente que tinha de executar a escultura, ou a pintura, perdeu as mãos; o promitente vendedor das terras perdeu a ação de reivindicação. O interesse juridico pode ser no que concerne a indenização, e não mais para a tradição da posse e a transferência da propriedade. O ressarcimento do dano extranegocial, como do dano negocial, é em virtude de divida de valor. A cláusula penal, essa, de regra é cláusula de que resulta divida de dinheiro. Há, aí, restrição quantitativa do ressarcimento. Outrossim, é dívida de dinheiro a que deriva de fixação para preceitação (ação de preceito cominatório, ou multa administrativa para caso de infração futura). Têm-se de levar em conta todos os danos até o momento da sentença que transitou em julgado, salvo se foi o devedor que fez protrair o trânsito julgado, caso em que se pode pedir alteração do cálculo, para se atender à agravação dos danos e à desvalorização da moeda. O que perfaz o equivalente é o que, no momento de ser prestado, satisfaz. Toda sentença de condenação ou de execução por inadimplemento, ou por dano extranegocial, é para o caso de prestação imediata. Avaliar não é liquidar. Avalia-se o que está no momento presente para ser avaliado. Ao reivindicante, a que o possuidor coisa reivindicanda, era e é reconhecida a nativamente, para haver o valor da coisa, dicada. Idem, a condictio, até onde fosse não podia entregar a ação cumulada, alter-se não podia ser vino enriquecimento.

§ 2. Ação condenatória típica 1.Conceito da tipicidade condenatória. Tão extenso é o conceito de ação condenatória típica que algumas das espécies, de que tratamos separadamente, são inclusas na classe das ações condenatórias típicas. Pensemos nas ações de indenização, nas de exigência de adimplemento de obrigação, nas ações penais e nas de multas. Satisfaremo-nos com o apontar de algumas ações que, típicas ou especiais, se referem à mesma finalidade de prestação jurisdicional (e. g.. a ação condenatória para prestar ou exigir contas e a ação cominatória. que também condenatária é, para prestar ou exigir contas). A ação condenatória por dívida, em virtude de negócio jurídico bilateral, plurilateral ou unilateral, é tida, aqui e ali, como a ação típica. Mas, na verdade, seria distinguir das eficácias dos outros fatos jurídicos, a eficácia do negócio jurídico. As dividas podem mesmo compreender o que resultou de outras causas que as negociais, razão para termos prudência em escolher a tipicidade. Dá-se mesmo, entre as dívidas oriundas de negócios jurídicos, a proponibilidade ou a improponibilidade da ação executiva de títulos não-sentenciais. 2.Ações condenatórias especiais. As ações condenatórias são muitas, mas evitemos, no tocante a ações condenatórias, procurar qual a maior ou menor carga de especialidade. Ao direito processual, quanto às ações, é que incumbe, por vezes, caracterizá-las, porém sem atingir a ação, que é de direito material. A cobrança de dívida, quando não se tem de indagar o que se passou entre o credor e o devedor, apresenta


tipicidade. que é inegável. Porém há ações de cobrança que não apresentam o mesmo caráter típico. À pretensão do vendedor a que se lhe pague o preço da coisa correspondem obrigações do comprador. As ações que se originam daquela pretensão, se o comprador não paga, ou não paga no lugar, tempo e modo pactuados. são diferentes: a) A ação de condenação, para se haver o preço negociado, mais as perdas e danos decorrentes da mora. b) A ação de resolução do contrato, que é ação constitutiva, com que se faz a declaração de vontade, resolvente, do contraente. Não se confunde com a ação declaratória para se julgar existir ou não mais existir a relação jurídica resolvida. c) A ação de cobrança das arras em dobro, se houve estipulação e foram dadas. Trata-se de ação de condenação. d) A ação declaratória de resolução, com fundamento no pacto comissório que se não confundem com as ações constitutivas de resolução de que se trata na letra b). As ações da letra a) e da letra b), com invocação da regra jurídica correspondente. são ações independentes do que se estipulou (cf. Corte de Apelação de São Paulo. 13 de novembro de 1935, RT 110/161). Quanto à especialidade, aqui e ali aparecem ações que se cobrem de elementos próprios, e até suscitam investigações e discussões, pendente a lide. Contra o enfiteuta tem o senhorio as ações de cobrança de foro, do laudêmio ou das indenizações, e tais ações, no que tocam a foro e laudêmio, ou são a) condenatória ou b) executiva de título extrajudicial de cognição inicial incompleta; c) a ação de comisso, que é constitutiva negativa e apenas tem por fito a extinção da enfiteuse; d) a ação desconstitutiva com eficácia executiva por incursão em comisso, em que se somam a ação de comisso e a de vindicação, dando-nos a figura de ação desconstitutiva-executiva, com carga de eficácia imediata de executivida de. Se o senhorio somente propôs a ação de comisso, de que se fala em c), há, com a sentença, desconstituição da relação juridica de enfiteuse, condenatoriedade e declaratividade. A ação que tem de ser proposta, depois, é a de reivindicação. Para que a ação d) tenha eficácia de coisa julgada material não é preciso que ao pedido se junte o de declaração. As cargas das ações a), b) e c) são as seguintes: A ação de reivindicação é a que da sentença na ação c), porque falta tem de ser proposta depois a carga mediata de executividade e “emphytelta, qui incidit in commissum, ab eo tempore vitiose videtur possidere respectu domini directi, et ideo iuste dominus potest ingredi fundum ratione suae civilis, et licite turbare emphyteltam in ea naturali ininiusta’ (Pedro Barbosa, Com mentarli de Iudiciis, 408).

§ 3. Ação para prestar contas 1.Conteúdo da pretensão. Quem tem o dever e a obrigação de prestar contas também tem a pretensão a que seja condenado pelo saldo devedor, ou não o seja, por ser inexistente o restante da dívida. Pode mesmo acontecer que seja o demandado que deve. Então, a despeito de ter sido pedida a condenação do próprio autor, o juiz o julga credor, como se o saldo devedor se extinguiu (nada mais devia ou nada mais deve o demandante) e o demandado passara a dever, por exemplo, o que o demandante, então devedor, gastara em benefício de interesse do então credor. Por onde se vê que a ação de prestar contas, que é ação em que o autor pede a própria condenação, pode levar, pelas circunstâncias, à condenação do demandado. Aliás, o demandante não sabe qual o saldo do seu crédito, há, a despeito disto, a pretensão a que se lhe prestem contas. Dai, ser adequada a ação cominatória, que se tratará como ação condenatória especial. 2.Eficácia sentencia!. A ação condenatória para que se prestem contas tem força sentencial de condenatoriedade, 4 de executividade, 3 de declaratividade, 2 de mandamentalidade e 1 de constitutividade. Dai haver a execução do saldo contra o devedor, nos mesmos autos. 3.Cautelaridade a favor de titular de ação condenatória. Algumas vezes, o titular de ação condenatória tem ação anterior à de condenaçãp. Ações cautelares, quasempre. Passemos aos exemplos. O sistema jurídico, com relação ao penhor legal, permite que o credor com direito pignoraticio, “tomado o penhor’ (o objeto está ao alcance de tais credores), peça, “ato continuo’, a homologação, apresentando, com a conta


pormenor das despesas do devedor, a tabela dos preços, junta à relação dos objetos “retidos”, “pedindo a citação dele para, dentro do prazo legal, pagar ou alegar defesa. A pretensão é a de constituir penhor, intermediária entre a pretensão a executar por ato próprio e a de executar mediante exercício de ação executiva, e entre a ação executiva do credor com direito de penhor, com força executiva, e a ação de execução de sentença. Não perde o seu caráter de pretensão de direito material à eficácia do crédito pela constituição de garantia. Sem o exercício dela, há apenas o privilégio creditório, que não depende da “tomada de posse”, da “prenda”, como diriam os velhos documentos portugueses. O penhor só se estabelece com a força formal da sentença constitutiva. E certo que, nos casos de urgência (“sempre que haja perigo na demora”), se admite que os credores com a pretensão à homologação possam fazer efetivo o penhor, antes de recorrerem à autoridade judiciária. Clovis Bevilacqua (Código Civil comentado, III, 350) considerou tal penhor como “constituído’. No Projeto de Coelho Rodrigues. art. 1.667, não se permitia tal interpretação. “Efetivo” estava lá por “de fato”, tanto que, após essa prenda, tinha o credor de se conformar com o pedido de homologação (art. 1.667 do Projeto Coelho Rodrigues, verbis “conformando-se com as disposições seguintes”). Hoje, haver perigo na demora é pressuposto material para a homologação; se não há esse perigo (e. g., o devedor deu fiador, ou por outro modo satisdeu). a homologação fica afastada. É de estranhar-se que se tenha considerado a ação constitutiva de homologação do penhor processo acessório. Acessório de que processo? Da ação futura executiva de penhor ou da ação de condenação? Seja como for, é inconstruível a acessoriedade. A própria competência é a do forum rei sitae, e não a do domicílio do réu, ou a do foro da ação principal. Quanto à questão da posse que aqui nos interessa, o credor que tornou “efetivo o penhor”, por haver perigo na demora,tomou posse imediata, ou mediata, se deixou o devedor na posse mediata dos bens empenhados. O fato de não pedir, ato contínuo, de modo nenhum o torna credor sem posse, embora o devedor, que verifica a falta da homologação, possa retirar os bens à posse injustificada do credor, com ou sem reclamação judicial. Em todo o caso, nada obsta a que o credor renove o seu apossamento em penhor, promovendo, ato contínuo, a homologação. A exigência do ato imediato ao apossamento tem por fito obviar aos inconvenientes da tomada de posse pelo credor sem legalização que evite a luta pela posse no mundo fático. Se o pedido não puder ser homologado de plano. o juiz, citado o devedor, procede a instrução sumária, com a produção de provas pelas partes. Se há homologação de plano. a posse pelo credor continua como posse de credor com direito pignoraticio, tal como começou posto que, nesse penhor, não se haja de exigir que a posse imediata seja do credor; se o juiz entende que não pode deferir o pedido de homologação inaudita altera parte, citado o devedor, nasce a relação juridica processual em ângulo, porém a posse, pendente a lide da ação constitutiva, continua tal como se iniciou por ato do credor empenhante. Não homologado o penhor, então a decisão judicial desfavorável ao credor desconstitui o que de constitutivo tivera o ato de apossamento pelo credor, indo as coisas empenhadas ao réu. A decisão desfavorável é declarativa-negativa com eficácia imediata constitutiva e imediata mandamental. Se o credor atende ao efeito constitutivo negativo, não se precisa de mandado do juiz: mas, se há qualquer óbice à desconstituição efetiva, o devedor tem jus ao mandado. A decisão desfavorável não impede que o credor exerça as pretensões e ações de cobrança. ordinária ou executivamente, nem a que arreste os bens pela mesma divida. Se a homologação foi negada apenas por falta de instrução da petição, pode o credor exercer o direito de tomar a posse, por haver perigo na demora. O processo da homologação do penhor legal oferece a particularidade de ser inaudita altera parte, com a alternativa, deixada ao juiz, de ser transformado em processo de relação jurídica processual, em ângulo. Assim é que a lei reconhece a homologabilidade de plano, a despeito do art. 874, 2ª parte, do Código de Processo Civil ter falado de citação; e a homologabilidade em processo com a estrutura do art. 876 do Código de 1973. Em qualquer caso, são essenciais à petição: a) a conta pormenorizada das despesas do devedor; b) a tabela dos preços; c) a relação dos objetos “retidos” em garantia da divida. Os dois primeiros requisitos provam a dívida; o terceiro, a prenda das coisas e a extensão dela. Esses objetos somente podem ser aqueles a que a lei se refere a propósito do penhor legal. Não há execução do penhor fundada em tomada de posse (efetiva) sem homologação (sem razão, Hugo Simas, Comentários, VIII, 107 S.; aliás, veja-se o que diz à pág. 104). A exigência de ser ato continuo o pedido de homologação é limite temporal à pretensão (de direito material) e deve ser apreciada pelo juiz, de plano, ou na sentença proferida no processo segundo os arts. 874, 2ª parte, 875 e 876.


E preciso atender-se a que há o penhor legal a favor do locador e o privilégio creditório especial (Câmaras Civis da Corte de Apelação de São Paulo, 14 de setembro de 1939, AJ 32/26 1; 3ª Câmara Civil, 27 de novembro de 1936, 106/82) O privilégio especial é “sobre as alfaias e utensílios de uso doméstico nos prédios rústicos ou urbanos” ao credor de aluguéis, “quanto às prestações do ano corrente e do anterior O processo ou é inaudita altera parte (art. 874 1ª parte, e parágrafo único), ou em relação jurídica processual em ângulo (arts. 874, 2ª parte, 875 e 876). A citação é deixada ao juiz, que a ordena depois de cognição superficial do processo. Citado o devedor, tem ele vinte e quatro horas para a defesa. Apresentada, com a dicção de a) nulidade do processo, b) extinção da obrigação, c) não estar a dívida compreendida entre as previstas em lei ou não estarem os bens sujeitos a penhor legal, há a audiência de instrução e julgamento se alguma prova tem de ser nela produzida. Se não há, incide o art. 330. 1, do Código de 1973. A homologação de plano mostra bem que se atribui apenas ao juiz a verificação dos pressupostos para o penhor legal, segundo o direito material, e os pressupostos processuais para a homologação. Poder-se-á pretender que a ação é declarativa mas erradamente, porque o elemento constitutivo é evidente. A eficácia sentencial é ex tunc, isto é, desde a prenda ou entrega. O Tribunal de Apelação de Pernambuco (21 de fevereiro de 1941, AF 7/97) tirou das expressões ‘serão os autos entregues ao requerente” que não há recurso da sentença que homologa o penhor. Não está isso na lei, nem de iure condendo, se justificaria. O recurso não é o de agravo de instrumento, pois que não se há de conceber a ação como preparatória, nem o fez regra de processo (sem razão, a 4ª Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 8 de fevereiro de 1945, RT 155/63). Há apelabilidade. Se a parte ‘interessada” (entenda-se o devedor) pedir certidão, os autos só se entregam ao credor pignoratício, ficando deles o traslado. Se não há a homologação, o credor pode exercer as ações que lhe caibam, a ordinária ou a executiva de título extrajudicial. É o quod plerumque fit. Se o credor tem titulo hábil para a execução, a perda da ação de homologação de penhor não importa qualquer corte na força executiva do título. Inclusive tal fracasso pode ter resultado, apenas, de má instrução do processo, ou de não se haver satisfeito a exigência do “ato continuo”. A sentença na ação negativa não tem força material de coisa julgada. O que o credor não pode é cobrar a divida pela ação irradiada de direito real de garantia, porque não se pode exercer pretensão a excutir penhor que não existe. Não homologado o penhor, os objetos de que o credor se apoderara são entregues ao réu. Tal entrega não obsta a serem penhorados, ou arrestados, pela mesma dívida, nem a que o credor exerça a sua pretensão de direito material, fundado em regra jurídica sobre privilégio especial sobre os objetos, ou noutro texto de lei. Têm pretensão ao penhor legal: a) os hospedeiros, estalajadeiros ou fornecedores de pousada ou alimento, sobre as bagagens, móveis, jóias ou dinheiro que os seus consumidores ou fregueses tiverem consigo nas respectivas casas e estabelecimentos, pelas despesas ou consumo que aí tiverem feito; b) o dono do prédio rústico ou urbano, sobre os bens móveis que o rendeiro ou inquilino tiver, guarnecendo o mesmo prédio, pelos aluguéis ou rendas. Quando, a propósito de locação, se fala de “dono”, está por “locador” (sem razão a 3ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 20 de fevereiro de 1932, RT 82/243). Quem põe a invernar em fazenda alheia o gado não é locatário. O que paga não é aluguel. Nem se pode pensar em que tais animais guarneçam o prédio (3ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 7 de novembro de 1932, RT 85/360). Se os bens são de terceiro, escapam ao penhor legal (44 Câmara Civil da Corte de Apelação de São Paulo, 27 de março de 1935, RT 98/469): mas o terceiro tem o ônus de afirmar e provar que são seus. A respeito da expressão hospedeiros”, disse, com acerto, a 5 Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio de Janeiro, a 25 de fevereiro de 1944 (RT 153/253), que, “no estado atual da indústria hoteleira em que a hospedagem não se restringe ao fornecimento de pousada e alimentação, por isso que pode circunscrever-se a uma ou outra dessas situações, a simples ocupação do cômodo com os móveis do hóspede traduz também hospedagem, dando lugar, em favor dos hospedeiros, ao penhor legal sobre os mesmos”


O locador tem de alegar e provar que a dívida provém da locação (Câmaras Civis do Tribunal de Justiça de São Paulo, 21 de agosto de 1923, RT 47/385: “Se o crédito provém de outra causa, não existe o penhor legal, o pedido de homologação não pode ser atendido”). O penhor apanha todos os móveis que guarnecem o prédio locado (2ª Câmara Civil, 20 de novembro de 1931, 84/278), e não só a casa (2ª Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio de Janeiro, 9 de maio de 1939, RT 128/643, sobre animais das estrebarias do prédio, instrumentos de jardim etc.). Se os bens foram entregues a dono ou possuidor de prédio para os guardar, ficando a posse imediata com o guardador, não há locação, mas depósito. Se foram entregues as chaves, há locação, e não depósito, porque se transmitiu ao dono ou possuidor dos bens guardados a posse imediata (cf. 3ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 20 de fevereiro de 1932, RT 82/243). Ação constitutiva, com forte elemento declarativo, a sentença, ainda quando haja contestação, não tem força de coisa julgada material. Ou se constitui o penhor legal, ou não se constitui. Por isso mesmo, a decisão contrária ao credor não impede que se lhe confira ação executiva de títulos extrajudiciais (se há os pressupostos para ela), nem que se lhe reconheça, em ação declarativa ou de condenação, a verdade da dívida. A ação declarativa típica não pode ir contra o julgado da ação de homologação de penhor porque a ação declaratória não pode desconstituir. A solução é pagar; e repetir, depois, em ação própria, a que a sentença declaratória pode servir, como serviria a sentença de improcedência na ação de condenação. O elemento mais forte, depois do constitutivo, é o mandamental. Após, vem o executivo. dos autos e certidão à outra parte. Se houve contestação, e depois a sentença homologante, quando se diz que, “homologado o penhor”, os autos são entregues ao autor significa “transitada em julgado, formalmente, a sentença que homologou o penhor”. Não se entregam os autos se, então, não ocorreu o trânsito em coisa julgada formal. Dificuldade surge se o cartório entrega os autos, no caso de homologação de plano, e sobrevém recurso. Só se pode obviar ao grave inconveniente não se deixando sair o processo do cartório antes de passar formalmente em julgado a sentença que homologou de plano. É sentença como qualquer outra, Aliter, no caso de atentado, pois que, aí, tem outro fito.

§ 4. Ação para exigir contas 1. Conteúdo da pretensão. A pretensão a que se prestem contas é distinta da pretensão cominatória para que a pessoa obrigada a prestá-las, diante do preceito, preste, ou fique ao autor a apresentação, para que sejam julgadas. Se há os dados suficientes para que se saiba quanto deve o demandado, a ação pode ser condenatória típica: portanto, sem a preceitação. O demandado contesta, de acordo com os princípios sobre as ações ordinárias e há o julgamento que afirma ser exato o que se apontou como saldo devedor ou ser menos do que se pediu como elemento da condenação.

2. Escolha da ação. Na outra ação, em que se exige que outrem preste contas como devedor, pode dar-se que a sentença condene o próprio demandante. Em qualquer das espécies, há a eficácia imediata de executividade (= a execução é nos próprios autos) e a eficácia mediata, prévia, é declarativa. Homologado, de plano, o penhor, a sentença é definitiva e dela cabe recurso, que tem de subir nos autos, dando-se às partes certidão, ou não, no traslado, se o autor requereu entrega § 5. Ação de cobrança de aluguéis 1. Precisões. Assim como se dá com outras ações de exigência de adimplemento, podem as leis introduzir especialidade na ação de cobrança de aluguel, de jeito que fique de parte a tipicidade, e até mesmo fazer passar à frente na eficácia a preponderância de executividade. Ali, apenas a especializam; aqui, desclassificam-na, tornandoa ação de titulo extrajudicial. A ação de despejo prende-se a outra sanção, razão por que aqui não há de interessar.


2.Emprego da ação condenatório típica. Se o locatário já deixou o imóvel locado e deve aluguel ou aluguéis, a ação que se há de propor é a ação condenatória típica, porque não mais cabe a de despejo. Todavia, ainda caberia a ação executiva de título extrajudicial, que junta as duas, pelo adiantamento da executividade.

§ 6. Ação do achador para haver o prêmio 1.Conceito. No Tomo III, ao tratarmos das ações arrecadativas (ações constitutivas positivas), referimo-nos ao direito, à pretensão e à ação do achador para haver o que lhe coube de recompensa. Houve a apanha, o cuidado pelo achador e a sua responsabilidade. Tem direito ao prêmio ainda que se não saiba quem perdeu. A ação condenatória é a que toca a quem achou e tem consigo o bem.

2.Legitimação ativa e passivo. Se sabe quem foi o perdente, a ação é contra ele, que recebe a coisa achada, ou que a derrelinque e o achador pode ocupá-la, ou não. Se o achador não ocupa a coisa derrelicta, ocupa-a o Estado. Pode acontecer que o Estado também não a queira e a destrua ou a derrelinqua. De qualquer modo, há a legitimação ativa do achador ao ressarcimento das despesas e do prêmio. Ação, aí, condenatória típica, que pode ir contra quem a recebeu, o perdente ou o Estado. Se não se sabe quem foi o perdente, há o edital, e tudo se passa como se tivesse havido a citação pessoal. Porém, aí, a ação se mescla de constitutividade e de condenatoriedade, salvo se deixou para depois a cobrança das despesas e do prêmio. Parte II Ações Condenatórias especiais

Capítulo 1 Ação de tutela do nome e do pseudônimo

§ 7. Ofensas ao direito ao nome 1.Tutela jurídica do direito ao nome. O direito ao nome é protegido autonomamente. Por isso mesmo, no suporte fático do ato ilícito absoluto que o ofende, pode estar apenas o “nome Mas, na ordinariedade dos casos, o nome está, ao lado de outros elementos, no suporte fático do ato ilícito absoluto que ofende o nome. Quem quer que componha nome, sem ser com os nomes de família, após o seu prenome, expõe-se às pretensões e ações das pessoas que já têm esse nome. Por isso, se insere no seu nome sobrenome de outrem, que seu pai ou mãe não tinham, está em situação de legitimação passiva (já assim, August Thon, Rechtsnormen und subjektives Recht, 153). A família, a que pertence o nome, não tem direito, pretensão, ação ou exceção, relativa a nome, quer para declaração, quer para a condenação, ou preceito cominatório; porque a família é instituição social, dentro da qual o sistema jurídico traça círculos em que as relações juridicas se exercem — não é personalidade. Quem, de direito, tem nome de família é legitimado às ações declarativas ou negativas, de abstenção por usurpação, ou de indenização, contra quem não tem direito a incluir no seu nome o sobrenome da família (Friedrich Meili, Die KodiJicotion, 52). Pode dar-se litisconsórcio: todavia, não no há necessário. 2. Nome comerciali (individual). No nome comercial (individual) não se pode incluir outro nome inteiro que o do próprio comerciante; o que se pode incluir é o apelido ou nome de família; não se tomou irregistrável o nome alheio, nome de outrem, somente se dele não se pode usar legitimamente, porque o nome de outrem, por inteiro, não pode ser nome comercial. Se foi ‘adotado o nome por inteiro de outra pessoa que a do comerciante, ou do sócio da empresa, o registro é nulo e ineficaz. O titular desse nome não fica, com o registro, privado das suas ações,


inclusive a de condenação específica; não precisa propor a ação de invalidade e as suas pretensões são imprecluíveis. 3.Mulher casada e nome do marido. A mulher casada tem todas as pretensões do direito ao nome contra a concubina do marido, que usa, aposto ao seu, o apelido do marido; bem assim contra quem quer que lhe negue ou usurpe o seu nome de casada ou de solteira (L. Enneccerus, Lehrbuch, 1, 3Oª-3ªª eds., 225, nota 5; Otto Wameyer, Kommentar, 1, 26). O fundamento da pretensão, ou ação, quanto ao nome de solteira está em que esse nome foi o seu, oinda pode ser usado por ela, em cedas circunstâncias, e volverá a ser o seu nome, se perder o direito a usar o nome do marido, ou se, após dissolução da sociedade conjugal, o preferir.

4.Ofensa específica ao direito ao nome. Não há a ofensa específica ao direito ao nome quando se atinge a personalidade mesma, e não o nome (cf. Otto Warneyer, Kom mentor, 1, 26); ou se o podador do nome permite que outrem o use, para algo de improbo ou de fora dos bons costumes. Nem há ofensa no “escrever-se” o nome de outrem para que o portador mesmo se utilize da marcação (e. g., para “assinar” depois, entre muitos; para tomar assinatura de teatro ou lugar em veículo ou hotel). Discute-se o que obtém titulo eleitoral, ou utiliza convite, com o nome de outrem, usa nome alheio. Em verdade, o problema é sutil: se A se faz passar por 8, dizendo-se 8, não usa só o nome de outrem — usurpa a personalidade mesma. No caso do título eleitoral e noutros semelhantes, há essa usurpação de personalidade mais a do nome, do mesmo modo que não se pode pensar só em uso indevido do nome. No uso do título eleitoral, que o eleitor mesmo assinou, há usurpação do nome, porque, prevalecendo-se do uso do nome do eleitor, o falsário assinou por ele (assim Andreas von Tuhr, Der Alígemeine Tel, 1, 446, nota 3ª; antes Otto Opet, Das Namenrecht des 8GB., Archiu fúr die ciuilistische Praxis, 87, 386), porém há mais: há usurpação de direito político. Em verdade, tem-se de distinguir o uso do nome alheio, com que alguém se designa, e o uso do nome alheio, sem ser para se designar. Por isso, Otto Opet e Andreas von Tuhr não têm razão; nem na têm G. Planck (Kommentor, 1, 4ª ed., 37) e Friedrich Endemann (Lehrbuch, 1, 8ª-9ª eds., 163), seus opositores, que só vêem, aí, no plano do direito civil, a ação de indenização por ato ilícito, que supõe culpa. O fato de o marido inscrever a sua amante no registro de hotel, ou em viagem, com o nome de sua mulher, não é só ofensa ao nome; é uso do nome para designar a outrem mais usurpação da personalidade (cf. Hans Cari Nipperdey, no Lehrbuch, 1, nota ‘1ª ao § 93). É o caso de quem escreve obra e põe o nome de outrem, sem se atribuir, portanto, a autoria, nem se fazer portador do nome. A identidade pessoal não é protegida somente pelas ações específicas de tutela do direito civil ao nome, nem sequer, somente pelas ações do direito comum. O âmbito da ação de indenização por ato ilícito, com culpa, é muito grande; mas há as da legislação penal, de legislação eleitoral e outras, bem como a dos direitos absolutos, especialmente dos direitos de personalidade. Donde ter-se de examinar, com todo o cuidado, cada caso de ofensa e sua abrangência. Praticamente, e isso os juristas alemães e outros não viram, a identidade pessoal, a personalidade em si. como relação juridica não é protegida somente quanto ao nome, que, embora importantíssimo, apenas serue a ela. Há ação declarativa da identidade pessoal, negativa, de que pode usar o eleitor, cujo nome foi assinado por outrem, ou ser usado pela mulher de quem deu o nome da mulher à amante, e a ação declarativa positiva. Outrossim, a ação cominatória e a de indenização por ato ilicito. A presença de textos explícitos sobre o direito ao nome (alemão, § 12; suíço, art. 29) não é indispensável: a regra de tutela jurídica faz parte do sistema jurídico, ainda não escrita. 5.Nome comercial, direito de personalidade. O nome comercial é direito de personalidade, nato, se trata de pessoa física, inato, se trata de pessoa jurídica. Designa o comerciante, até cedo ponto, a casa comercial (e. g., se diz “vou comprar na J. Silva”); mas o direito, esse, só é concernente à personalidade. A designabilidade (fática) do negócio pela firma foi que levou a regras jurídicas lamentáveis, em alguns sistemas jurídicos, sobre a cessão da firma, tanto mais quanto a diferenciação precisa do nome comercial e do título dos estabelecimentos só se fez aos poucos. Verdade é que Bartolo de Saxoferrato, no Troctatus de insigntis et arm is, já tinha a firma, o signum mercatorurn, como nome de pessoa, e não de coisa — ad agnoscendum homines. A discussão doutrinária revelava que nos próprios costumes havia confusão. Quando E. 1. Bekl≤er (Zweckvermógen, Zeitschrift ftir das gesamte Handelsrecht, IV. 499 s.) lançou a sua teoria do “patrimônio destinado a fim especial”, tentava salvar a indistinção reinante entre a casa e o dono. O negócio, e não o negociante, teria o nome; portanto, poderia ser transferido com ele. Como nome, a firma não teria existência autônoma. Seria penhorável, como seria alienável. O Código Comercial alemão e a indistinção corrente levaram à teoria do direito das coisas imateriais (Immaterialgiiiterrecht), direito de gozo, e não só de proibição (Josef Kohler, Handbuch, 76), absoluto, análogo ao direito de propriedade


(sobre coisas materiais). A teoria da propriedade continuava a sua trajetória, apenas qualificando-se ou deixando margem a algo como a propriedade. A teoria do nome comercial como direito de personalidade encontrava os obstáculos em alguns códigos e no argumento de não ser inato o direito ao nome comercial e poder acabar antes de acabar a pessoa, argumento, esse, que só seria decisivo se fosse verdadeira (e não no é) a tese de serem inatos todos os direitos de personalidade. 6.Nome das pessoas jurídicas. O nome das pessoas jurídicas, inclusive das sociedades por ações, é meio de identificação pessoal; portanto, o direito ao nome é direito de personalidade (ainda quando a lei permita, sem descontinuidade dessa, o trocar ou alterar o nome). Direito de personalidade inato; ainda quando alguma lei permite mudar-se ou alterar-se o nome, não há pessoa jurídica sem nome.

§ 8. Ofensas ao nome 1.Ofensas em geral; ofensas por negação. As ofensas ao nome são, entre si, assaz diferentes. A mais simples é a negação ou controvérsia: ai, só se pretende que portador do nome não é titular do direito ao nome. O propósito de ofender não é de mister (cf. Georg Cohn, Neue Rechtsgúter, 32; Wilhelm 0ff ergeld, Das Pseudonyrn 47: sem razão. Otto Opet, Das Namenrecht, Archiu for die civilistische Praxis, 87, 381); quem se crê com direito, ou, de boa-fé, nega o direito de outrem ao nome, ainda tacitamente, ofende-o. A ofensa de tal natureza permite a ação declaratária e a condenatória, inclusive com a cominação no início ou na sentença. Os juristas consignaram essa particularidade da negação — lesão, que permite a condenação, em vez da simples ação de declaração negativa. A ação condenatória por simples negação mostra que o direito ao nome é direito de personalidade, concerne ao ser de alguém; o negar envolve o sinal menos, quanto à existência da relação jurídica, e o sinal menos, a fatos jurídicos, como o nascimento e o registro que estão ligados à personalidade como fundamentais da atividade na vida juridica. A diferença entre a negação, que só dá a ação declaratória (propriedade, relações juridicas de crédito), e a negação, que também produz a ação condenatória, mostra, com transcendência notável, a linha de separação entre as relações juridicas concernentes ao ser (personalidade) e as relações jurídicas concernentes ao ter (propriedade, direito de crédito). A reação do direito de personalidade é à ofensa objetiva, inclusive à negação. Não importa se nega com o ato positivo (negação). ou com o negativo (abstenção de afirmar, se no caso se havia de afirmar). A sentença, no caso de abstenção da afirmação, tem por fito condenar a afirmar, pelo meio adequado às circunstâncias (Martin Isaac, Der Schutz des Namens, 75; Otto Opet, Das Namenrecht, Archiu for die civilistische Praxis, 87, 381), in clusive para o futuro. Pode-se pedir a cau tio de non omplius turbando, à semelhança (e a fortiori) da que se dá nas espécies de ações cominatórias por perigo iminente, ou como parte da decisão na ação de cominação inserta na sentença, ou como medida cautelar. Na doutrina processualística discute-se o pedido de caução desnatura a ação de condenação, tornando-a declaratória (assim, O. Fischer, Recht und Rechtsschutz, 80; Th. Olshausen, Das \/erhàltnis des Nomenrechts zuni Firrnenrecht, 33; Wilhelm Offergeld, Dos Pseudonym, 48). Tal desnaturação não se dá: aí, a caução, que poderia ser pedida cautelarmente, com instrução sumária, se insere no pedido da ação condenatória (que, como sempre, contém a declaratória, prejudicial), ou ocorre pendente a lide. A instrução simples bastaria; bastaria a fortiori, a sentença declaratória; não quer dizer isso que a presença do menos, que se contém no mais, o desnature. 2.Ofensas por usurpação, para si ou para outrem. Após a ofensa pela negação, vem a ofensa pela usurpação, para si ou para outrem. A legitimação corresponde à da ação com fundamento na negação. O autor tem de provar o seu direito ao nome. À ação condenatória por ter havido controvérsia (negação) chamou Martin lsaac (Der Schutz des Namens, 76 e 110) ação defensiva, e à por ter havido usurpação, ofensiva; mas os adjetivos não quadram bem: a negação, de si, já ofende; e as duas ações podem ser usadas só defensivamente. 3. Danos materiais e danos morais. A ofensa que causa danos, materiais ou morais, é que leva à ação de indenização por culpa. A ação de usurpação, essa é, espécie da ação de condenação, — a de repulsa mais forte, porque mais forte a ofensa, ainda sem dano e sem culpa. Temos, aí, portanto, três ações condenatórias. já realizada (e tem carga de executividade imediata, liquidando-se o prejuízo) e repele a usurpação futura; essa, comina pena por ulterior usurpação. Não é preciso provar-se a culpa; basta provar-se a usurpação do nome. Algumas vezes, a ação de declaração positiva tem de vir cumulada, como prejudicial; outras vezes, as duas, a positiva, quanto ao direito do autor, e a negativa, quanto ao direito do réu (A. Stúckelberg, Der Privatname im


modernen burqerlichen Recht, 122). 4. Ação de Usurpação de nome. A ação de usurpação pode ser por ter havido, da parte do réu, usurpação para si ou para outrem; não para coisa, ou para criação, e. g., personagem de romance, titulo de casa comercial, ou de fábrica, de hotel, ou do que quer que seja (sem razão, Georg Cohn, Neve RechtsgOter, 33 s.; Henri Lansel, Le Nom en droit civil, 202 S.; A. Stúckelberg, Der Privatname mm modernen borgerlichen Recht, 118 sj. A usurpação tem de ser tal que ofenda o interesse na exclusividade do nome, o que o autor tem de provar (Henri Lansel. Le Nom en droit civil, 217), ou o não-direito do réu. O uso do nome da pessoa física, ou da pessoa jurídica, em coisa não é ofensa ao direito ao nome; porém o uso do nome de outrem em mercadorias ou produtos industriais como se fosse o do comerciante ou fabricante não é emprego do nome em coisa, é emprego do nome como de outra pessoa (ou falsidade em atribuir ao titular do nome a procedência da mercadoria ou a fabricação). A inclusão ou a utilização do nome alheio para designar mercadorias é infração da lei, porque sem o consentimento do titular — e não do direito ao nome; tanto assim que esse não poderia ser transferido nem concedida a sua utilização, ainda com o consentimento do titular, e a pretensão contra aquele uso é precluível. A jurisprudência alemã e, mais funda e gravemente, a francesa continuaram a confundir os dois direitos, o direito ao nome e o direito de permissão do uso do nome em designação de coisas (cigarros Zeppelin, Sucessor de ABC). Contra decisão do Tribunal alemão (Otto Warneyer, Die Recl-ztsprechung, 21, 1551), a lei brasileira foi expressiva: se não houve consentimento, o registro não podia ser feito; se o foi, a ação mandamental constitutiva negativa é que cabe e preclu a pretensão. Não importa se trata de sinais distintivos registrados como marcas de produto ou serviço, marcas de certificação e marcas coletivas, título de estabelecimento ou insígnia. § 9. Tutela do nome. A existência de direito ao nome, que cada dia é próxima de afirmação unãnime dos juristas, como direito de personalidad (cf. Ernst Hafter, no Rotnrnentar de Max Gmúr. 1, 154), direil absoluto, para cuja classificação tanto concorreu A. Sttickelbei (12 s.. 127-137), traz como consequência a ação de usurpação que é condenatória. Não pertence ao Direito das Obrigaçõe ainda quando se trate de nome comercial: sim à Parte Gen onde se põem as regras juridicas sobre a capacidade de direito:e os demais princípios fundamentais gerais. O emprego do nome da pessoa em romance, peça teatro ou outra obra de arte, com ou sem alteração dele, ofende direito de personalidade; não, porém, ao direito ao no« Mostrou H. Ciesker (Das Recht des Privaten an der- eigen~ Geheimsphâre, 172 s. e 177: de acordo, A. Stúckel~berg, E Privatname, 115, e RarI Gareis. Dichterische Behandltung wi licher Begebenheiten und Personen, Deu tsche Juristern-Zeitu IX, 22 s.) que se trata de ofensa ao direito de velar a intimidade. Certo é, porém, que pode ser ofendido outro direito de personalidade (e. g., direito à honra; direito à verdade, como se foi calúnia). É certo que a negação e a usurpação do nome não são: mesmo. Quem usurpa nega, porém quem nega nernm sem usurpa. Dai já Otto Opet (Das Namenrecbt, Archiv for o die civ. tische Praxis, 87, 377 e 383 s.) ter distinguido a ação da negatória do nome (Namenbestreitungslage) e a de usurpação (Namer massungslage). Cumpre, porém, advertir-se em que à ação condenação basta a negação, o que retira a afirmação de correspondência exata entre essas duas ações e as ações delieclarat e condenatória. Ambas podem ser propostas se só de negação. Para a ação de condenação específica, é preciso alguém se atribua, ou atribua a outro, o direito ao nome do autor, ou lho negue. De regra. sempre que cabe a ação condenatória, também se pode propor o menos, que é a ação declaratória: porém não inversamente. A respeito do direito ao nome, permite-se, que, em vez da declaratória. se proponha algo como a actio negatoria, ainda se apenas houve negação (Andreas von Tuhr, Der Alígemeine Tel, 1, 445), com a eficácia da retratação pública, ou às pessoas a quem se fez. (Vê-se bem a diferença quando se compara a tutela da propriedade, que, em caso só de negação, permite a declaratória, e não a condenatória, salvo, no direito brasileiro, a ação cominatória que actio negatoria é. As ações negatórias são ações condenatórias. As ações de declaração, que são as próprias em caso de simples negação, dariam apenas o efeito mediato de condenatoriedade. Mas a tutela do direito ao nome, pela natureza desse, permite que se use algo como a actio negatoria ou de condenação ainda onde só houve negação, se não se quer lançar mão do preceito cominatório como tal. Negar o nome é como já lesar). A pretensão condenatória supõe ter havido uso ilegal ou negação do nome; portanto, infração do direito (absoluto) ao nome. Não no há. de regra, em caso de homonímia; mas, se A usa o nome A em circunstâncias tais que se caracteriza a usurpação a outro A, cabe a tutela ao nome e à identidade pessoal. São de dificil aparição tais casos; todavia são possíveis. Há usurpação no uso de abreviações já antes usadas: 3. 3. Seabra. ainda que ambos sejam José Joaquim: Lafaiete Rodrigues Pereira, ou Carlos de Carvalho, em capa de livros ou assinatura de pareceres.


Discute-se, se, morrendo o autor, titular do direito ao nome, se dá a transmissão da ação proposta. Afirma-o Otto Opet (Das Namenrecht, Archiv for die civilistische Praxis, 87, 398). Negam-no Cohen (Der Namensscbutz, 47) e Friedrich Hahne (Das Namenrecht, 91). O herdeiro não sucede nos direitos de personalidade; sucederia na ação de indenização. Do lado passivo, dá-se a transmissão (Friedrich Hahne, 91). A condenação, quanto ao pretérito e ao presente, é a restabelecer a identidade pessoal, ainda que pela simples publicação da sentença, pela destruição dos documentos, ou pela substituição por documentos verdadeiros, ou pela retirada das placas (H. Salveton, Le Nom, 466; L. Kuhlenbeck, Von den Pandekten zum BGB., 155), pelas retificações e desmentidos. Aliás, a ação de retificação é proponivel (A. Stflckelberg, Der Pnivatname, 108 s.), no tocante ao registro civil, ou com fundamento em regras jurídicas de lei de imprensa.

3.Ação de indenização por ato ilícito absoluto. Além da ação declarativa e da ação condenatória específica, que corresponde à natureza do direito ao nome, há a ação comum de indenização “ex delicto”, para a qual é de mister a culpa. A ação em exercício irregular de direito é de propor-se: tal ação se transmite. No direito brasileiro, pode exigir-se indenização por danos imateriais se há ofensa ao autor, ou à sua família. No Código Civil suíço, art. 29, 2ª alínea, in fine. tem-se ação de reparação moral ‘justificada a natureza do dano sofrido’ (wo die Art der Beeintrâchtigung es rechtfertigt, “si cette indemnité est justifiée par la nature du tort é prouvé”). No direito alemão, diante do §847, entende-se que não (Hans Cari Nipperdey, no Lehrbuch de L. Enneccerus, 1, nota T ao § 93), o que é inferioridade em relação àqueles sistemas juridicos. O direito suíço fez da ação, em tal espécie, ação específica; para o direito brasileiro, é a mesma ação de indenização por haver legitimo interesse. 4. Designações de “status”. As palavras “senhora” e “senhorita”, ou “senhorinha”, não são parte do nome. Referem-se a qualidades, não identificam, senão em caso de homonímia, eventual-mente. Não se pode usar a respeito delas da ação especifica de condenação (sem razão Andreas von Tuhr, Der Alígemeine Teil, 1, 440, nota 1 b): as ações que teria a mulher para o caso de se lhe negar o direito de dizer-senhora, ou senhorita, seriam a declarativa e a condenatória ex delicto, que se funda na culpa.

5.Usurpação e aplicação do nome a coisas. Discutiu-se há a ação declaratória e a ação condenatória específica de tutela ao nome quando se usurpou para coisa o nome. Já vimos que alguns escritores o admitiam. Tal atitude é a de quem ignorasse a pesquisa e o esclarecimento de Paul Oertmann (Alígemeiner Teil, 47 s.), a quem se deve ter mostrado: falta no suporte fático o elemento da ofensa ao direito ao nome, como expediente de identificação pessoal; pode ser que exista, na espécie, ou in cosu, ofensa à honra, a interesses econômicos, e tal ofensa existiria se o nome fosse alcunha, ou denominação artificial, ou se, em vez de se designar personagem de romance, ou drama, ou de difusão radiográfica, com nome de outrem, se usasse outro nome para se pôr, em romance, ou drama, ou difusão radiográfica, pessoa real. Aqui, a ação a propor-se é a de indenização, fundada na culpa. Tratando-se de direito à honra, ou de outro direito de personalidade, cabe a ação de condenação por usurpação, com a condenação a remover a violação e a abster-se de posteriores violações; ou o preceito cominatório. A ação é a ação de direito à honra (condenatória), ou de outro direito de personalidade, que leva à condenação a retificar registros, ou a retirar do título do hotel o nome da pessoa, ou o nome da pessoa-autora do livro que ela não escreveu, ou da tela que ela não pintou. Se houve culpa, a ação de indenização pode ser proposta. Contra, Otto Opet (Das Namenrecht, Archiu for die ciuilistische Praxis, 87, 39 s.), 3. Meisner (Das Búrgerliche Gesetzbuch, 1, 25.). E. Eck (Vortràge, 1, 43), Josef Kohler (Schutz des Nachrichtenverkehrs, Archiu for Borgerliches Recht, 26. 196, e J. Stranz (Literarische Freiheit und Namenrecht, Deu tsche Juristen-Zeitung, 10, 93ª), Heinrich Dernburg (Das Búrgerliche Recht, 1, @ ed., 152), 3. Biermann (BOrgerliches Recht. 1, 455 s.), Konrad Cosack (Lehrbuch, 1, 6ª ed., 95), e G. Planck (Kommentar, 1, Q ed.,37). Foi pena que a jurisprudência alemã houvesse tomado a trilha errada, contra a ciência do próprio país. 6.Nome em marcas de indústria e de comércio. O nome civil e patronimico (no sentido, mais largo, do nome ou sobrenome de família) pode ser empregado na composição de marcas de indústria e de comércio. Sem o consentimento do titular do direito ao nome, ou de seus sucessores, não é registrável a marca. Dá-se o mesmo quanto ao nome comercial; a fortiori, aos nomes por inteiro, aos títulos de estabelecimento e insígnias e aos sinais distintivos, sejam marcas de produto ou serviço, marcas de certificação e marcas coletivas. Há a ação de nulidade


de registro, se infringiu algumas das regras jurídicas acima referidas, com preclusão qúinquenal, e a ação de indenização. Não é caso de ação condenatória, específica do direito ao nome; mas pode ser intentada a ação cominatória vulgar. A ação condenatória, que se pode intentar, consiste na condenação a indenizar e a destruir o em que haja a infração. Não há, no direito brasileiro, em tais infrações, se de boa-fé, a indenização ou a destruição; salvo, quanto ao futuro, o preceito cominatório. 7.Abuso do direito ao nome. O uso do direito ao nome de modo irregular dá ao lesado ação por ato ilícito de quem tem o mesmo nome, porém o usa com dano para outrem. O pressuposto legal (responsabilidade pelo exercício irregular do direito), tem de estar satisfeito. O só regularmente exercer os direitos é dever ex leqe; por isso, a ação cominatória pode ser intentada. E o caso. Suportes fáticos da mesma composição podem dar ensejo a dois ou mais direitos que se parecem, ou que têm conteúdo coincidente. Tratando-se de nomes, dá-se a homonímia. Os sistemas juridicos não chegaram a conceber a tutela jurídica contra a homonímia: a) poderiam exigir o registro somente do nome por inteiro, que não a suscitasse (o que se iria chocar com linhas históricas da formação dos nomes e semearia dificuldades, ou discórdias insuperáveis), e os sistemas jurídicos não o ousaram; b) poderiam criar pretensão e ação de diferenciação dos nomes, e não no ousaram, tampouco. O perigo de confusão, que não é suficiente para a ação mandamental constitutiva negativa, pode permitir a ação de indenização por ato ilícito absoluto, baseada na culpa, ou em exercício irregular de direito. Outrossim, a ação específica de condenação, ou a ação de abstenção (cominatória), se do uso lícito pode resultar confusão, que lese: mas, aí, seria de propor-se a ação mandamental constitutiva, a que se cumularia aquela. Circunstâncias especiais podem dar a ação cominatória. a) A tutela do direito à firma (individual) não é a mesma, a priori, que a do nome: mas é análoga. Há a ação declaratória, positiva ou negativa, a ação específica de condenação, portanto ainda se só houve negação. incluída a cominatória, a ação de indenização e a ação penal, com as diligências preliminares de busca e apreensão. Na ação cominatória que independe da ação criminal, o prejudicado pode intentar ação para proibir ao infrator a prática do ato incriminado, com a cominação de pena pecuniária para o caso de transgressão do preceito. É a ação de abstenção; mas, se o autor prefere, tem ele a ação cominatória. Aquela ação de abstenção é semelhante á que o Código Civil suíço art. 29, 2ª alínea, concebeu para o nome. A ação cominatória. no direito brasileiro, abrange todas; e só se distinguiria da ação de abstenção, abstraída a hipótese de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, da ação de abstenção, porque essa teria de dar o preceito na sentença, e não em decisão interlocutária. Pode ser cumulada com a de perdas e danos pelos prejuízos anteriormente sofridos em virtude de infração. A cumulação de tal pedido refere-se à ação de abstenção, e não à cominatória. Além dessas ações, há a de anulação do registro de nome comercial que não podia ser registrado. Ação mandamental constitutiva negativa. Com ela, podem cumular-se a ação condenatória específica, a de abstenção e a de indenização. Quando se fala de cumulação dessa à ação de abstenção, há de entender-se que se pode cumular à ação especifica de condenação (aliter, à de cominação). b) A tutela do titulo do estabelecimento ou dos sinais distintivos visualmente perceptíveis, suscetíveis de registro como marca, é a mesma do nome comercial, exceto a ação específica de condenação, em caso de simples negação (só há, para esses casos, a ação declaratória). 8.Títulos científicos, artísticos e outros. A tutela ao nome não se estende aos títulos científicos, artísticos, ou outros (Ludwig von Bar, Theorie t.Ãnd Praxis des internationalen Privatrechts, 1, 290). De ordinário, trata-se de títulos que se ligam a instituições de direito público, ou de títulos ligados a instituições de direito privado, com eficácia de direito público. Negar o título é, então, matéria a ser atacada pela ação declaratória. A usurpação dos títulos, matéria policial e penal. Não é de se afastar, em certas circunstâncias, o cabimento da ação civil de condenação. 9.Pessoas jurídicas e tutela do nome. As regras jurídicas concementes à tutela do nome apanham as pessoas jurídicas de direito civil ou comercial e as de direito público. O fim delas é o mesmo. Assim, se o nome de família é elemento do nome comercial, ou (quase) o nome mesmo da pessoa jurídica, os portadores do nome de família têm de abster-se de atos que neguem, ou usurpem, essa escolha, para a qual deram o seu consentimento. Se não no deram, têm a ação mandamental constitutiva negativa.


Quanto à tutela jurídica, têm as pessoas jurídicas: a) ação declarativa positiva, ou negativa (se não se trata de desconstituir registro); b) a ação específica de condenação, como a teria a pessoa física; e) a ação de preceito cominatório; d) a ação de indenização pelo ato ilícito absoluto (ex delicto) inclusive pelos danos imateriais e ainda em caso de uso irregular pelo que tenha direito ao nome (e. g., patronímico); e) a cominatória que é ação históricas da formação dos nomes e semearia dificuldades, ou discórdias insuperáveis), e os sistemas jurídicos não o ousaram b) poderiam criar pretensão e ação de diferenciação dos nomes, e não no ousaram, tampouco. O perigo de confusão, que não é suficiente para a ação mandamental constitutiva negativa, pode permitir a ação de indenização por ato ilícito absoluto, baseada na culpa, ou em exercício irregular de direito. Outrossim, a ação específica de condenação, ou a ação de abstenção (cominatória). se do uso lícito pode resultar confusão, que lese: mas, ai, seria de propor-se a ação mandamental constitutiva, a que se cumularia aquela. Circunstâncias especiais podem dar a ação cominatória. a) A tutela do direito à firma (individual) não é a mesma, a priori, que a do nome: mas e análoga. Há a ação declaratória, positiva ou negativa, a ação específica de condenação, portanto ainda se só houve negação. incluída a cominatória, a ação de indenização e a ação penal, com as diligências preliminares de busca e apreensão. Na ação cominatória que independe da ação criminal, o prejudicado pode intentar ação para proibir ao infrator a prática do ato incriminado, com a cominação de pena pecuniária para o caso de transgressão do preceito. E a ação de abstenção: mas, se o autor prefere, tem ele a ação cominatória. Aquela ação de abstenção é semelhante à que o Código Civil suíço art. 29, 2ª alínea, concebeu para o nome. A ação cominatória. no direito brasileiro, abrange todas; e só se distinguiria da ação de abstenção, abstraida a hipótese de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, da ação de abstenção, porque essa teria de dar o preceito na sentença, e não em decisâo interlocutória. Pode ser cumulada com a de perdas e danos pelos prejuízos anteriormente sofridos em virtude de infração. A cumulação de tal pedido refere-se à ação de abstenção, e não á cominatória. Além dessas ações, há a de anulação do registro de nome comercial que não podia ser registrado. Ação mandamental constitutiva negativa. Com ela, podem cumular-se a ação condenatória especifica, a de abstenção e a de indenização. Quando se fala de cumulação dessa à ação de abstenção, há de entender-se que se pode cumular à ação específica de condenação (aliter, à de cominação). b) A tutela do título do estabelecimento ou dos sinais distintivos visualmente perceptíveis, suscetíveis de registro como marca, é a mesma do nome comercial, exceto a ação específica de condenação, em caso de simples negação (só há, para esses casos, a ação declaratória). 8.Títulos científicos, artísticos e outros. A tutela ao nome não se estende aos títulos científicos, artísticos, ou outros (Ludwig von Bar, Theorie und Praxis des internationalen Priuatrechts, 1, 290). De ordinário, trata-se de títulos que se ligam a instituições de direito público, ou de titulos ligados a instituições de direito privado, com eficácia de direito público. Negar o título é, então, matéria a ser atacada pela ação declaratória. A usurpação dos títulos, matéria policial e penal. Não é de se afastar, em certas circunstâncias, o cabimento da ação civil de condenação. 9. Pessoas jurídicas e tutela do nome. As regras jurídicas concernentes à tutela do nome apanham as pessoas jurídicas de direito civil ou comercial e as de direito público. O fim delas é o mesmo. Assim, se o nome de família é elemento do nome comercial, ou (quase) o nome mesmo da pessoa jurídica, os portadores do nome de família têm de abster-se de atos que neguem, ou usurpem, essa escolha, para a qual deram o seu consentimento. Se não no deram, têm a ação mandamental constitutiva negativa. Quanto à tutela jurídica, têm as pessoas jurídicas: a) ação declarativa positiva, ou negativa (se não se trata de desconstituir registro); b) a ação específica de condenação, como a teria a pessoa física; c) a ação de preceito corninatório; d) a ação de indenização pelo ato ilícito absoluto (ex delicto) inclusive pelos danos imateriais e ainda em caso de uso irregular pelo que tenha direito ao nome (e. g., patronímico); e) a cominatôria que é ação de abstenção, com o preceito inserto na sentença (se favorável), em vez de em decisão interlocutória, como seria a ação c); fl a ação penal com as diligências preliminares que a lei exige; g) a ação mandamental constitutiva negativa, se a pessoa ré já tem o registro do seu nome e houve infração da lei. As ações e) e d) são cumuláveis; também as ações c) e d). Nada obsta a que se cumulem a) e b) (aquela funciona como prejudicial, posta pelo próprio autor); ou a) e d), pois essa contém, sempre, aquela: ou a), c), d); ou a), b), c) e d). Cumpre notar-se, finalmente, que, no direito brasileiro, o nome das pessoas jurídicas tem a tutela jurídica condenatória, em caso de simples negação, ainda que se trate de sociedades comerciais; aliter, para as marcas de fábrica, os títulos de estabelecimento ou de produto ou serviço, marcas de certificação e marcas coletivas, que ainda só têm a ação declarativa positiva ou negativa (se não é caso de pedido de desconstituição de registro). No direito comercial


alemão, as pretensões só se dirigem contra o uso indevido do nome comercial, o que, pelo menos quanto ao nome das pessoas jurídicas de direito comercial, é contra os princípios. As pessoas jurídicas são protegidas contra o emprego do seu nome em nome comercial, ou de sociedades civis, desde que se preste a confusão, de produto ou serviço, marcas de certificação e marcas coletivas, titulo de estabelecimento ou insígnias. Cumpre. porém, atender-se a que a proteção pode ser a do nome da pessoa física, ou do nome (civil ou comercial, ou de direito público) da pessoa jurídica; ou a do emprego, não consentido, como elemento do nome comercial da pessoa física ou do nome (comercial ou civil) da pessoa juridica, ou como elemento de certificação e marcas coletivas, título de estabelecimento ou insígnia. Desde que o nome da pessoa. física, seja empregado como nome de outra pessoa física, que, pelos princípios, não tenha o mesmo direito (homonímia), a ação é imprescritível; idem, se empregado por pessoa jurídica que o apanha por inteiro (se só lhe colhe o patronimico, a ação é precluível). Sempre que o nome é empregado para designar coisa (de produto ou serviço, marcas de certificação e marcas coletivas, título de estabelecimento ou insígnia), a ação é precluível: não se trata de ofensa ao nome, mas ao seu uso, sem ser com usurpação (uso para si, ou para outrem).

§ 10. Pseudônimo 1. Conceito de pseudônimo. O pseudônimo designa a pessoa sem ser o nome civil. Caracteriza-o a artificialidade, ainda quando se componha de elementos do próprio nome. A sua função é a de nomear, sem ser com o nome civil, ou com outro nome, especial; de ordinário, porém não sempre, oculta a identidade pessoal. Há direito a adotar pseudônimo; não há dever de adotá-lo. Tal dever somente surgiria negocialmente, como se alguma sociedade exigisse dos seus sócios a escolha de pseudônimo; ou há o dever de usá-lo, de origem negocial, se à sociedade mesma ficam a escolha e a imposição. Usando-se o pseudônimo, ou após a averbação, ad instar do que ocorre com as abreviações empregadas em atividade profissional, estabelece-se direito subjetivo a favor da pessoa artificialmente nomeada. A doutrina diverge: de um lado, os que negam a existência de direito subjetivo; do outro, os que a afirmam. O direito brasileiro não toleraria aquela atitude da doutrina. A literatura alemã foi, em grande maioria, afirmativa da tutela do nome pelo § 12 do Código Civil alemão. Somente G. Plancl≤ e outros, poucos, entendiam faltar regra jurídica a respeito, ao que respondeu Alfred Manes (Das Pseudonym und sem Rechi, 52): tal regra existe em relação ainda a nomes de coisas. E verdade é que o § 12 abrange o nome e o pseudônimo. De sua parte. Konrad Cosack afastava que se pudesse ver no § 12. que trata de direito individual, tutela do pseudônimo; e ,J. V. Staudinger (Namenrecbt, Seu fferts BIátter, 62, 186 e 188) negou ao pseudónimo ser nome. Todos sem razão: o pseudônimo é nome de pessoa, e não de coisa; identifica, se bem que só a propósito de certa atividade. (a) Pseudônimo é nome de pessoa. Se o castelo, o hotel, a casa de saúde, o prédio da fazenda, ou o da fábrica tem nome e se lhe dá, depois. outro, cumulativamente, nem por isso o nome, que depois se lhe deu, se faz pseudônimo. Ambos são nomes de coisa, ainda quando um conste, e outro não, de indicações dos registros públicos ou das repartições públicas. O segundo nome só é pseudônimo. respeito a pessoas, porque as pessoas têm de ter nome e um só nome. O segundo é pseudonome, ou nome de claustro, ou nome comercial, ou nome de incógnito, porque o outro, o primeiro, é que é o nome. Quem usa pseudônimo, não muda de nome, ainda que especificamente, como ocorreria com o nome claustral, razão por que a proibição de mudar de nome não atinge a pseudonimia. Tampouco o pseudônimo se confunde com o nome abreviado, com que, de ordinário, se assinam as obras e se fazem conhecidos os autores (ainda os confundiam alguns juristas, menos de um século atrás, cf. certo, Oskar Wâchter, V/erlagsrecht, 43ª; errado, Autorrecht, 140 S.; certo R. Klostermann, Das geistiqe Eigentum, 289; Urheberrecht, 23 c.). Quem abrevia o próprio nome não adota pseudônimo. salvo se reduz aquele a expressão que não mais lembra o nome. Quem aumenta, ou altera, algo ao próprio nome pode tê-lo estendido. ou alterado, por pendor nobiliárquico, ou eufonia. ou originalidade, ou torná-lo pseudônimo, se o faz mas-sociável, na memória, ao que era (cf. Alfred Manes, Das Pseudonym und sem Recht. 31: Labieno; Lafaiete Pereira, Olavo Brás dos Guimarães Bilac: ali, há pseudônimo; aqui, não). (b) Se a mulher usa o seu nome de solteira, ou a separada judicialmente. ou divorciada, o seu nome de casada (sem direito ao uso dele), como seu nome de autor, discute-se esse nome, que teve, é pseudônimo, ou não. Afirma-o Alfred Manes (Das Pseudonym ind sem Recht, 32); porém a questão não é simples. O nome de solteira foi o nome, não é, pois, nome artificial; a mulher pode continuar de usá-lo, se o entende, em atividade especifica: o direito não lhe proibe, nem sequer, que o empregue em atividades públicas, como abreviação do seu nome de hoje; não se trata de pseudônimo. Nem o marido pode obstar a que o faça, como simples abreviação: tal como não lhe é permitido


proibir à mulher o uso de pseudônimo, e vice-versa. (c) Ainda insistiram em que o nome claustral é pseudônimo, e não mais do que isso, e. g., Max Scbaufuss (Die civilistische Seite des Namenrechts, 19) e Otto Schellmann (Der ,Schutz des Pseudonyms, 21 s.). Trata-se de nome para círculo social interior, que não exclui o nome, nem se há de tratar como pseudônimo. Só é nome adotado na dimensão religiosa. (d) O monograma artístico, literário, ou industrial, ou é abreviação mais desenho, ou é abreviação tão-só, em tipo especial de letra. Consideram-no alguns (e. q., Otto Schellmann, Der Schutz des Pseudonyms, 21) pseudônimo — opinião que, ou erra, por se tratar, in casu. apenas de abreviação, ou erra, por ser nome de coisa. Ou o monograma, sem o desenho, designa o nome de outrem e há ofensa ao direito ao nome, ou é marca de coisa (nome de coisa), ou é pseudônimo. Não se pode, a priori, dar resposta à questão. Pode estar em causa, outrossim, o direito de autor quanto ao desenho, ou quanto ao todo “abreviação mais desenho

2.Função de ocultação da identidade pessoal. E restringir-se demasiado a função do pseudónimo dizer-se que ele oculta a identidade pessoal. Talvez seja o que mais acontece. Bastaria, porém, a frequência de casos, em que se toma pseudônimo por parecer mais belo, ou mais eufõnico, ou mais próprio à vulgarização, ou à função distinguidora. por exemplo, no circulo de profissionais, que o nome, para se ver que a função de ocultação é acidental, e não essencial. Quem, por exemplo, ao começar de usar pseudônimo. o subpõe. ou o sobrepõe, ao nome, de modo nenhum está a ocultar: ao contrário, divulga, de inicio, a identidade pessoal. O nome exprime, ai, a verdade; o pseudônimo é apenas nome artificial. Nem todos os que usam pseudônimos estão a esconder-se, como acontece aos que escrevem verrinas,ou piadas ofensivas, ou como as prostitutas, que costumam ocultar a identidade e a família com alcunhas ou nomes supostos, ou diminutivos. Todavia, o nome falso (estrito senso) não é pseudônimo. Se o nome falso foi usado para que se tomasse por outrem a pessoa, ou para que, sem ser com aplicação profissional normal, se ocultasse a identidade pessoal, não se trata de pseudônimo, e sim de nome imposto. Sem razão, juristas contemporâneos têm insistido na função só ocultadora do pseudônimo. E os escritores que, depois de falarem da função ocultadora do pseudônimo, aludem a que ele serve de identificação pessoal, caem em contradição: o pseudônimo não oculta, sempre, a pessoa, nem substitui o nome; porque não oculta, pode servir àidentificação pessoal. Alguns pseudônimos se tornaram mais identificadores que os nomes e passaram à história. O que é essencial ao pseudônimo é que seja outro nome (= nome artificial) e sirva a designar quem é o agente de alguma atividade, profissional ou não.

3. Egípcios e romanos. Egípcios e Romanos já usavam pseudônimos. As Comédias de Terêncio foram escritas como de Caius Laelius (cf. Wilhelm Offergeld, Das Pseudonym. 6). As atrizes usavam sobrenomes pelos quais eram conhecidas ((.1. Lemonnier, Êtude historique, 177); e ainda usam, no teatro e no cinema. Nos séculos medievais, usou-se e abusou-se dos pseudônimos. Tomás de Aquino teve o de “Melinto Lentrônio” (Edwin Bormann, Die Kunst des Pseudonyms, 6). Moliére é Jean-Baptiste Poquelin. Voltaire é François-Marie Arouet. No teatro, Masanus e Coraílus eram Ulrich V. Hutten. Boz foi o pseudônimo dos primeiros trabalhos de Charles Dickens. Mark Twain ficou célebre pelo pseudônimo. De algumas pessoas nunca se veio a saber o nome: ficaram os pseudônimos. Dai as pesquisas históricas a que desde o século XVII se procede e existem algumas dezenas de dicionários de pseudônimos. Pseudônimos também foram usados por editores: punham em vez do nome, pseudônimos: mas, para despistarem as autoridades de censura e inquisição, também ocultavam o lugar, o que mais perfazia a falsidade de nome que a pseudonimidade. E muitos escritores preferiram o anonimato. Oden de Klopstock. Gôtz de Goethe e Die Rauber de Schiller foram anônimos. Só algumas poesias de Goethe foram publicadas em 1799 com o pseudônimo de Justus Amman.

4.Nome ocultante, nome artístico, nome profissional. Nome ocultante, nome artístico, nome profissional, o pseudônimo particulariza o nome, pela atividade. De certo modo, se não duplica, ou multiplica a personalidade, fála refletir-se em diferente expressão designativa. Não é o incógnito (nome só para se encobrir, durante algum tempo, sem atenção a determinada atividade), nem o nome claustral, nem a alcunha, nem o nome humoristicamente truncado. O incógnito supõe, de regra, a deslocação, outra cidade, ou outro país: dai a sua significação, no direito das gentes. Não é pseudônimo (sem razão, Otto von Gierke, Deu tsches Privatrecht, 1, 723 s.). O nome claustral é


imposto ao noviço; como o pseudônimo. não substitui, nem afasta o nome; a diferença entre eles estaria em que o pseudônimo se adota, ao passo que o nome claustral se recebe (Wilhelm Offergeld, Das Pseudonym, 14); mas verdade é que o pseudônimo pode ser escolhido e imposto por academia ou sociedade, o que borra a distinção. O assunto não pareceu fácil aos que viram no nome claustral espécie de pseudônimo (J. Kaserer. Uber Personennamen, 54; Otto von Gierke, Deutsches Privatrecht, 1. 723: 5. Levi, Vorname and Familienname, 46). O nome claustral, como o nome comercial, é nome específico, como o nome comercial e o nome temporário adotado, entre governos, para o incógnito de autoridades ou personalidades estrangeiras. Não é pseudônimo. Quem vislumbrou isso foi Alfred Manes (Das Pseudonym and sem Recht, 7), enquanto Otto Opet (Das Namenrecht, Archiu fÉhdie civilistische Praxis, 87, 324 s.) apenas via no nome claustral mudança (troca) de prenome. O incógnito, sem a velada identificação pelos governos, é apenas falso nome. 5. Natureza do pseudónimo. Todos os juristas, que tinham o direito ao nome como direito de propriedade, tinham como tal o pseudônimo. Não vice-versa. Entre aqueles estava Henri Lansel (Le Nom en droit civil, 23ª), para quem o pseudônimo pertenceria a quem primeiro o empregasse. Todos os que consideram o direito ao nome direito sobre bem imaterial haviam de estender o raciocínio ao pseudônimo, ou considerar a esse em categoria abaixo (inclusive nula: não direito ao pseudônimo). A discussão, a respeito de ser direito público, ou direito privado, o direito ao nome, repete-se a propósito do direito ao pseudônimo. A tendência dos escritores é para lhe sublinhar o caráter privatístico (Alfred Manes, Das Pseudonym and sem Flecht, 30; Wilhelm Offergeld, Das Pseudonvm, 30). Porém tal conclusão é superficial. O argumento de que não se pode usar o pseudônimo nas escrituras públicas e relações jurídicas com o Estado, se de direito público essas, é frágil. O pseudônimo é protegido por lei de direito público, como a lei penal. O direito ao pseudônimo é ubíquo, como o direito ao nome.

6. Direito romano, direito grego e direito ao nome e ao pseudônimo. O direito romano desconheceu direito ao nome e ao pseudônimo. Bem assim o direito grego, a despeito do pleito (perdido) de Demóstenes. que já ao seu tempo propusera ação de ofensa ao nome (cf. Georg Cohn, Neue Rechtsgúter, 17). A Lex Visigothorum, VII, § 6, tinha por crimen falsi toda mudança de nome: e pois todo pseudônimo. A Idade Média admitiu a rnutatio nominis; portanto. não proibia o pseudônimo. 7.Direito a ter pseudônimo e personalidade. O direito a ter pseudônimo é essencial à personalidade. Não se diga que se ocupa o pseudônimo; ou, melhor, que é como o direito (patrimonial) de autor. Dir-se-á, contra isso, que se adota e se renuncia a ele, ou se volve a tomá-lo, ou a usá-lo; faltar-lhe-ia, pois, o elemento de permanência, que é comum aos direitos de personalidade; é livremente mudável. Nada obsta a que se tenham e se usem dois ou mais pseudônimos para a mesma, ou para diferentes atividades; pode ser escolhido para ceda época, ou permanência, ou festa, ou oportunidade (e. g., para determinado concurso, em que os nomes se devem conservar ocultos até a decisão); e, se foi ocasional, sem deixar traços, não pode ser tutelado. Todos esses argumentos seriam decisivos se fosse essencial ao nome a imutabilidade (histórica e dogmaticamente, não no é), ou a unidade. O pseudônimo, que se deixou de usar, não deixou de ser: enquanto foi usado, foi essencial à personalidade; pode cessar o risco, posto que direito nato o direito a ele. Depois que deixou de ser usado, não deixou de ser, porque é o nome com que se alude alguma atividade no tempo e, talvez, no tempo e no espaço (A usou os pseudônimos PA, em França, P2A, na Inglaterra, e P3A, nos Estados Unidos da América). O direito ao pseudônimo, se foi usado com perduração das obras que a atividade produziu, não se perde; nem é assumível por outrem, com prejuízo de quem o usou, ou dos seus sucessores. E sem razão dizer-se, como faz Adriano de Cupis (II Diritto all’identitâ personale, 173; 1 Diritti deila personalitá, 246) que não se pode prescindir do uso do pseudônimo, para a conservação do direito a esse. O direito ao pseudônimo pode ser conservado, para o que foi, sem que se precise conservá-lo para o que vai ser.

8.Aquisição do pseudônimo. Adquire-se o pseudônimo como se adquire o nome. Não basta a declaração de vontade, nem épreciso que se declare a vontade: depois do registro, o pseudônimo é oriundo de ato-fato, a que o sistema jurídico dá entrada no mundo jurídico; antes do registro, o ato-fato só é protegido contra o dolo e contra a culpa, se há dano. Entendia Alfred Manes (Dos Pseudonvm and sem Recht, 36) que se não deve falar de aquisição de direito ao pseudônimo, porque tal direito não precisa ser adquirido; seria, pois, inato. O engano ressalta: como a respeito do direito ao nome, a que corresponde,como prius, direito a ter nome, existe, também, esse, como prius, em relação ao pseudônimo (e ao nome comercial): direito a ter pseudônimo (e a ter nome comercial). Um é inato; o outro, não.


Todos são direitos de personalidade, porque não os exclui o serem natos, em vez de inatos. Não há qualquer direito de personalidade ao nome, antes do registro: nem direito de personalidade ao pseudônimo, ou ao nome comercial; o qw há éo direito a ter nome (a ter pseudônimo, a ter nome con’ercial). O ato-fato é o emprego do pseudônimo, que, com o registro, entra no mundo juridico. Se o registro se fez sem o erriprego, falta o que entre no mundo jurídico. O ato-fato, que se produza depois, ingressa. Por outro lado, só se exige o ato-fato mais o registro; não se exige tempo. nem a reiteração do emprego. Em vez da auto-imposição do pseudônimo, o que é a regra, pode haver imposição (e. g., se a sociedade de artistas pôe nos estatutos que o pseudônimo de cada um seja escolhido por votação de algum órgão). Não se pode pensar em herdar pseudônimo, rem no adquirir derivativamente. posto que: a) possam os descendentes juntá-lo ao seu nome, à semelhança de patronímico (Cassação de Paris, 8 de junho de 1859; á. Laílier, De la Propriêté des Noms, 302); b) possa o herdeiro ou descendente, que exerce a mesma atividade, ou outra, readotá-lo, se não há ofensa à direito de outrem, ou não constitui usurpação da fama do pseudônimo, ou se o distingue do anterior com letra (e. g., B) ou outra indicação (segundo, filho, o jovem): c) a pessoa que usava o pseudônimo pode permitir que outrem, após a sua morte, ou a partir de certo tempo, o use (em verdade, apenas pôs claro, declarou, que. em princípio, tinha por adotável por outrem o pseudônimo) — e então há de ter-se a escolha pela pessoa a partir da declaração, ou da morte, excluida a escolha por outrem, se não há ato de repúdio, ou não-aceitação, pelo beneficiado pelo esclarecimento (portanto, nem sempre é excluída a ação dele contra o terceiro; sem razão, Alfred Manes, Das Pseudonom and sem Recht, 44). Nome de pessoa, o pseudônimo. com que se publicou a obra, pode ser mudado pelo nome, ou por outro pseudônimo, que o autor adote. Nada obsta a que o autor, que publicou obra com seu nome, venha a reeditá-lo com o pseudônimo; ou vice-versa.

9.Perda do pseudônimo. O pseudônimo perde-se como se adquire. A escolha cria-o: o deixar de usá-lo exclui-o. Tal como acontece à firma; à diferença do que se dá com o nome. Não se perde pela adoção de outro pseudônimo; nem pela admissão de serem duas ou mais pessoas a usarem-no. A declaração pública de não mais o adotar não é mais do que deixação: e nem sempre induz que não se volte a adotá-lo. A comunicação, como o tornar-se usável por certo grupo de redatores, e não só pelo fundador da coluna, ou seção do jornal, ou da revista, não é perda; é atenuação da exclusividade (cf. á. Laílier, De la Propriété des Noms, 302 s.). Perda é tornar-se só usável por um, ou mesmo do que por aqueles que o usaram. 10.Direito ao pseudônimo e direito patrimonial de autor. O direito ao pseudônimo, que tem o autor que publicou o livro, ou pintou a tela, ou esculpiu, ou exerceu outra atividade criativa, e o direito patrimonial de autor são distintos: não se confundem. Quem usa o mesmo pseudônimo usurpa-o — não plagia; quem plagia, usando outro nome, ou outro pseudônimo, não usurpa pseudônimo. Quem plagia e usa o mesmo pseudônimo plagia e usurpa. A transferência do direito patrimonial de autor não implica a do pseudônimo: o pseudônimo é intransferível (1(. Specker, Die Persônlichkeitsrechte, 151). Quando se permite a outrem que exerça atividade, usando o pseudônimo, não se renuncia a esse, nem, tampouco, se transfere, salvo se assumiu a obrigação de não mais se usar o pseudônimo — negócio jurídico, que somente vale e é eficaz se o pseudônimo não foi registrado, ou se o pseudônimo foi registrado com a indicação A e outros’. 11. Relações de direito público e uso de pseudônimo. Nas relações de direito público não é permitido ter-se pseudônimo, nem usar-se o que se tem (Adriano de Cupis, II Diritto all’identità personale, 173), salvo lex specialis. Nas relaçôes de direito privado, nada obsta a que, a respeito da atividade, ou das atividades, a que se liga o pseudônimo, seja usado para negócios jurídicos. Nas relações de direito privado, em que não se exija instrumento público, o pseudônimo é utilizável; nos instrumentos públicos, se foi averbado (sem distinguir, Leonardo Coviello ir., Attivitâ negoziale sotto falso nome, 13). 12.Ação condenatória quanto a pseudônimo. Na ação declarativa, há pronuntiatio, não condemnatio. Outra coisa é a ação de condenação específica. que vai além do simples declarar, e na qual, por se tratar de direito absoluto, se apagam atos ou se impõe abstenção a quem ofende o direito. A cominação pode ser inserta fora da sentença ou nela, ou na sentença, o que corresponde à diferença entre julgamento em cognição incompleta, inicial, e julgamento em cognição plena, final. E inconfundível com a ação de indenização pelos danos, fundada em regra de direito civil. A diferença principal entre o nome e o pseudônimo é quanto à exigência juridica daquele. No mais, o pseudônimo,


pois que exerce função de identificação, há de ser protegido como o nome. Não é menos ofensa B dizer-se Althusius, pseudônimo de A, do que dizer-se A. Atribui-se, ali como aqui, a personalidade de A. A pluralidade de pseudônimos usados não é escusa a isso.

13.Atividade e uso do pseudónimo; eficácia da averbação. E preciso que haja atividade tal que se possa conceituar como pseudônimo o nome artificial, para que se estabeleça a lesibilidade do interesse em tê-lo e usá-lo. A averbação do pseudônimo, que alguém adotou, sem propósito de usá-lo, ou sem que esse propósito possa ser alcançado, é ineficaz. Não é preciso que se junte ao uso a fama, a celebridade, o grande êxito; basta que a confusão, oriunda do uso, possa ser danosa, ou que o seja, para que caiba a acionabilidade. O dano e a possibilidade de dano são quaestiones facti. A averbação faz presumir que se usa o pseudônimo e que se tem a atividade a que se refere; porém tal presunção é excluível pela prova em contrário. No fundo, apenas se inverte o ônus da prova. A ofensa (inclusive negação) pode ser alegada em ação condenatória específica, sem se precisar de culpa. A vinculação do pseudônimo à atividade, de jeito que se ligue a alguma obra (literária, científica, artística, jornalística, de radiodifusão, industrial, ou semelhante), a que seja de interesse atribuir-se autoria, é essencial à sua tutela. A indenização, como a cominação, não é fundada em regra jurídica sobre ato ilícito absoluto; o direito ao pseudônimo, se nasceu, é direito de personalidade. Provando-se que se tem o nome, estabelece-se que se tem o direito a ele. Tal presunção deriva de que o nome é o sinal necessário da pessoa: tem-se direito a tê-lo e tem-se direito a ele (Otto Opet, Das Namenrecht, Archiv fúr die civilistische Praxis, 87, 387; E. Riedel, Das BGB., 54, e muitos outros; sem razão, C. Schramm, Das Narnenrecht, 137: Martin Isaac, Der Schutz des Namenrechts. 105). Quanto ao pseudônimo, a presunção não existe: é preciso provar-se o uso.

§ 11. Dever de ter e de usar pseudônimo 1. Dever, de origem negocia!. Negocialmente, pode haver efeito que produza dever de ter e dever de usar pseudônimo; e. g.,o artista teatral ou cinematográfico pode ser obrigado a usar pseudônimo, que foi escolhido, sempre que exerça a atividade ou as atividades de que se trata. Não é lícito obrigar-se a usar pseudônimo, em vez do nome, nas relações jurídicas de direito público ou em atos de direito público: o pseudônimo é, por definição, limitado à atividade ou atividades a que corresponde, e o nome não pode ser, ainda negocialmente, mudado, sem observância das regras legais. Se alguém se obrigou a ter, ou a ter e usar pseudônimo, em determinada atividade, ou determinadas atividades, e deixa de adimplir a obrigação de fazer, responde pelo inadimplemento segundo os princípios. Não pode obrigar-se a só usar o pseudônimo em quaisquer relações de direito privado. 2. Mulher casada. A mulher casada não é obrigada a usar o apelido do marido, no que ele contém de pseudônimo. A sua obrigação somente poderia nascer em negócio jurídico de direito das obrigações.

§ 12. Tutela do pseudônimo 1.Ações oriundas do direito ao pseudônimo. O direito ao pseudônimo é direito absoluto, por ser direito de personalidade. A sua tutela é a dos direitos de personalidade: a ação declaratória é comum a todas as relações jurídicas; a ação condenatôria específica e a cominatôria têm inteiro cabimento, se há ou se teme ofensa (inclusive negação) ou usurpação; a de indenização por ato ilícito pode ser proposta. A ação declaratória positiva tem por fito enunciar que existe a relação jurídica da qual procede o direito ao nome (eficácia); só elipticamente se diz que o direito ao nome é a relação jurídica, como faz Martin lsaac (Der Schutz des Namens, 71 s.). De tal ação pode lançar mão o titular do pseudônimo. A ação toca a quem se nega o direito ao uso do próprio nome e a quem sofreu prejuízo pelo uso indevido por outrem. A diferença principal entre o nome e o pseudônimo é quanto à exigência juridica daquele. No mais, o pseudônimo, pois que exerce função de identificação, há de ser protegido como o nome. Não é menos ofensa E dizer-se Althusius, pseudônimo de A. do que dizer-se A. Atribui-se, ali como aqui, a personalidade de A. A pluralidade de


pseudônimos usada não é escusa a isso. 2.Ação de condenação específica. A ação de condenação específica é intransmissível aos herdeiros do titular do direito ao pseudônimo (não se confunda com as ações do direito patrimonial de autor); mas transmite-se passivamente, se ainda tem razão de ser (Wilhelm Offergeld. Das Pseudonym, 52). Se houve lesão ao patrimônio (ação de danos ou outra), então a transmissão ativa, nesse ponto, se dá (sem razão, porque não distingue, A. Sttickelberg, Der Privatname, 125; Wilhelm Offergeld, 53). Aliás, a lesão aos direitos patrimoniais de autor, quer no tocante ao nome, quer no tocante ao pseudônimo. pode ocorrer após a morte do titular: aí, a ação é dos herdeiros, como seria, também, em vida dele, dos sucessores. resultante de ofensa à posse cometida pelo autor), ou na contestação. Não, em reconvenção, quanto à indenização pelos prejuizos decorrentes da turbação ou esbulho pelo legitimado ativo, pois a duplicidade do juízo consiste em se dispensar a forma especial da reconvenção: reconvémse na própria contestação.

Capitulo II Ação de indenização por ofensa à posse

§ 13. Perdas e danos causados à posse 1.Ações possessórias e indenização. Nas ações propostas pelo possuidor, tenha havido turbação ou esbulho, pode o demandado ser condenado a indenizar. Ou o valor foi apurado na ação, ou se tem, depois, de proceder à liquidação. Assim, o sistema jurídico permite a) que se condene à indenização das perdas e danos em quantia certa. que se haja fixado durante o processo da ação; b) que se condene para se apurar na execução da sentença, que e de dupla natureza, de procedência da manutenção. ou da reintegração, e de condenação a perdas e danos; c) que se deixa a outro processo. Na espécie b) as regras jurídicas sobre liquidação das sentenças são aplicáveis. Só se condena o réu a perdas e danos se o autor ganha a ação (1ª Câmara Cível do Tribunal de Apelação de Minas Gerais. 5 de fevereiro de 1942, RF 90/776); só se condena o autor, se perdeu. Se o réu. que perdeu, ou o autor, que perdeu, tem pretensão a perdas e danos, essa pretensão somente pode resultar de dolo processual do ganhante ou de abuso do direito processual. tendo rito comum a ação. A 1ª Câmara Cível excluiu os danos e perdas causados durante o mandado do adiantamento de execução, o que não está certo. 2.Pedido de indenização. O pedido de indenização tem de ser feito na petição inicial da ação de manutenção ou de reintegração (7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 4 de dezembro de 1951, RDI 14/65), ou reconvenção (se no conteúdo das “perdas e danos’ há indenizabilidade outra que não A expressão “perdas e danos” abrange todos os danos e prejuízo que haja sofrido ou sofra o autor ou o demandado, se os pediu (4ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 4 de maio de 1950, RT 187/243). A pretensão à indenização das perdas e danos é à semelhança da reivindicação. Sempre o foi. Não há confundir-se com a pretensão à manutenção ou à reintegração, que provém da ofensa à posse. Quando a lei diz que a reintegração se opera à custa do esbulhador, no mesmo lugar do esbulho, refere-se à satisfação de pretensão por ofensa à posse; e tal pretensão é objeto mesmo do pedido. Quando fala do direito à indenização dos prejuízos sofridos, cogita de perdas e danos, além do que, para a reintegração, se fará à custa do demandado. Se havia, por exemplo, má-fé, essas pendas e esses danos, por perda ou deterioração da coisa, são quaisquer, ainda sem culpa. O possuidor ou tenedor de boa-fé não responde por essa perda ou deterioração, ainda se teve culpa. Ú preciso não se encambulharem as pretensões. A reintegração à custa do demandado fez-se como ato de execução forçada da decisão que apreciou a posse. O sistema jurídico frisa a distinção entre as duas pretensões: a pretensão à indenização por perdas e danos e a pretensão à manutenção ou reintegração. Por outro lado, não se confunda boa-fé (ou má-fé), referindo-se a posse, com a culpa, que concerne ao fato ilícito causador do dano. Na jurisprudência, algumas vezes juizes encambulharam os dois conceitos, com prejuízos da sistemática jurídica e das partes. Adiante, no fim da exposição, damos exemplo. O esbulhado não precisa de pedido à parte, para que se dê, à custa do esbulhador, a reintegração: pediu-o, pedindo a reintegração. Quanto à indenização por perdas e danos, não: tem de alegar e provar perdas e danos passados, presentes ou futuros; portanto. tem de


pedi-la. Cf. 6ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 29 de agosto de 1952 (RT 205/159). Só se entendem implícitos os pedidos de indenização das perdas e danos resultantes da ofensa à posse até ser mantida ou reintegrada. O juiz não pode condenar a indenização de perdas e danos, passados, presentes ou futuros, sem que o autor ou o réu o tenha pedido (contra os princípios, o parecer do Procurador Geral da República, a 22 de abril de 1953, publicado no DJ de 28 de maio; certa a jurisprudência~ e. g 1ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 19 de junho de 1951, RT 193/842. quanto à necessidade do pedido pelo réu, e Câmaras Civis Conjuntas do Tribunal de Justiça de São Paulo, 16 de abril de 1951, RT 192/33ª, e RE 141/282). A reintegração à custa do vencido, na ação possessória, é elemento da executividade. Não se confunde com a indenização de perdas e danos que não são elementos da reintegração. Dai aquela não precisar ser explicitamente pedida: o pedido contém-na. No saneamento do processo, segundo o Código de 1973, art. 331, se não for obtida a conciliação. o juiz decidirá as questões processuais pendentes. fixará os pontos controvertidos e organizará a instrução. No direito processual de 1939 passava-se diversamente. No despacho saneador, o juiz decidia sobre as matérias que a lei apontava. Terminada a instrução, fixava ele o objeto da demanda e os pontos em que se manifestou a divergência. Não era no despacho saneador que o juiz tinha de dizer quais os prejuízos a serem indenizados, e sim após a instrução, na audiência (sem razão, a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Bahia, a 31 de outubro de 1951, RT da Bahia, 45/32.) O possuidor de má-fé responde pela perda ou deterioração da coisa, salvo se ocorreria se estivesse na posse do demandante. A 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, a 3 de julho de 1950 (RF 133/425), decidiu que a condenação por perdas e danos, na ação possessória, depende de má-fé ou dolo. A falta de terminologia exata no voto do relator é alarmante: apura-se houve posse de má-fé, ou de boa-fé; se houve posse de má-fé, responde. Não se tem de apurar dolo, nem culpa. Com muita sabedoria, o direito anterior, em que a legislação se inspirou, ia buscar a solução à L. 15. § 3. D., de rei vindiactione, 6, 1: “Si servus petius vel animal aliud demortuum sit sine dolo maIo et culpa possessoris, pretium non esse praestandum plerique aiunt: sed est verius, si forte distracturus erat petitor si accepisset, moram passo debere praestari: nam si ei restituisset, distraxisset et pretium esset lucrarus’. Assim, já Ulpiano repelia opinião errada, como a da 1ª Turma, no acórdão citado, e claramente assentava a verdadeira. Se o escravo pedido, ou qualquer animal, morreu, sem dolo mau nem culpa do possuidor, dizem os mais que não se há de prestar o preço: mas verdadeiro é que, se acaso o houvesse alienado o demandante e recebido o preço, prestar dever-se-ia a quem sofresse a mora: porque, se lho houvesse restituído e ele o alienasse, teria ganho o preço. Foi a segunda opinião que se pôs claro no Preussisches Alígemeines Landrecht, 1, Titulo 7, §§ 240 e 241, no livro de Coelho da Rocha (Instituições. 1, 354) e no Código Civil de 1916, art. 515. A pessoa que tiver perdido titulo ao portador ou dele houver sido injustamente desapossado, para pedir-lhes a anulação e substituição por outro, tem de declarar, na petição inicial, a quantidade, espécie. valor nominal dos títulos e atributos que os individualizem, a época e o lugar em que os adquiriu, as circunstâncias em que o perdeu e quando recebeu os últimos juros e dividendos. A ação, ai, é ação constitutiva, mas, com a contestação, se transforma em ação condenatória. A eficácia preponderante que seria de constituição, passa a ser de condenação. Ou se restituem ao autor os títulos ao portador, ou, uma vez que, não houve apresentação dos títulos ao portador, se constituem em cártulas. São pressupostos para a ação de anulação e substituição de títulos ao portador: a) ter sido o autor possuidor dos títulos ao portador; b) ter sido injusto o desapossamento. Portanto, tem de alegar e provar que foi o possuidor. dando, para a fundamentação, todos os dados necessários para a indicação das cártulas. A posse que o autor tem de provar, é a última posse, isto é, a posse que foi retirada sine justa causa. O que se pede é apenas que se impeça o pagamento de capital e dos rendimentos e que se substituam os títulos, uma vez que se citam o tenedor e os terceiros interessados, e aquele não entregue, ou esses não entreguem os títulos ao portador, de que se desapossaram o autor. O elemento básico, para que caiba e se julgue procedente a ação, é a alegação da posse pelo autor, com a prova suficiente.


Antes da sentença final, trânsita em julgado, não pode haver substituição de títulos ao portador com fundamento em injusto desapossamento. Nenhuma providência para a substituição pode tomar o juiz. pendente a lide.

§ 14. Decisão judicial 1.Onde se condena. A condenação a perdas e danos é feita na sentença da ação de manutenção ou de reintegração da posse, ou em interdito proibitório não na sentença sobre o atentado (inovação contra direito): e isso em virtude das regras jurídicas sobre o julgamento na ação principal. 2.Eficácia da sentença. A sentença, nessa parte, é de condenação, e como tal deve ser tratada. A lei estatui, implicitamente, que o juiz condene. E ele o juízo do an debeatur; a ele toca decidir se há responsabilidade pelo dano, ou se não há. A execução da sentença apenas ficará resolver sobre o quantum debeatur, sobre a importância do débito. O juízo cinde-se: sentença sobre o an debeatur; sentença sobre o quantum debeatur. A significação da regra jurídica está em que se permite essa separação do existir e do quanto, com a consequência (discutida em doutrina, se lei expressa não a faculta) de não ir a sentença até onde queria que ela fosse o pedido do autor (thema decidendum). Tem-se procurado construir como citra petita necessitatis (vel utilitatis) causa e a jurisprudência brasileira, como a de muitos outros países, usou e abusou desse expediente de cisão do juízo. Deixemos claro: a) que o juiz não deve deixar para a execução, como se danos existissem, a liquidação deles, se não está convicto da existência de algum; b) que deve motivar a razão da cisãO, quando não está no pedido, ou esse não a contém como alternativa; c) que, se o autor não pediu o quanturn debeatur, mas apenas decisão sobre an debeatur, lhe é vedado julgar ultra petita. 3.Regra jurídica sobre a liquidação. — Se duas ou mais pessoas vão a juízo e alegam ser possuidores estabelece-se dúvida que, de ordinário, impede a cognição incompleta a favor de quem primeiro foi a juízo. Seria arriscado provisoriamente manter-se o que primeiro pediu a proteção possessória, se não tem consigo a coisa. Dai o problema técnico: se alguém se há de manter provisoriamente há de ser aquele que alega e prova a tença da coisa, salvo se manifestamente a obteve de algum dos outros viciosamente (violenta ou clandestina). E nisso o que se estatui. Se várias pessoas se dizem possuidores, mantém-se provisoriamente a que detém a coisa, não sendo manifesto que a obteve de alguma das outras por modo vicioso. Aplicando-o, disse a Câmara Civel da Corte de Apelação de Minas Gerais, a 23 de setembro de 1936 (RF68/587) “... o que ensinam os melhores autores é que a hipótese prevista no art. 500 do Código de Processo Civil de 1939 é a de diversas pessoas. dizendo-se cada qual possuidora, com exclusão das outras. Uma delas detém a coisa, mas há dúvida sobre o seu direito. Se essa detenção não resulta de um esbulho ou abuso de confiança, o juiz mantém a posse aparente. enquanto não se apura a quem, realmente, ela cabe. Advirtamos que a regra jurídica só se referia a posse de menos de ano e dia, porque. quanto a essa, resolvia o artigo. A fonte é o direito posterior ao século XIII, na Itália (mandatum de manutenendo), em Espanha (initio de interim). em França (recredentia). Não se encontra na glosa, mas está em Durante e Johannes Andrea. 4. Se o reintegrado é, afinal, vencido. Se, após a reintegração, é vencido o reintegrado, indeniza o que de prejuízos resultou da reintegração (4ª Câmara da Corte de Apelação do Distrito Federal. 1ª de dezembro de 1933, Ai 31/235: “Ao possuidor que, depois de reintegrado na posse, veio a perder a demanda em virtude de sentença judicial, cumpre indenizar os prejuízos que, da reintegração por ele requerida e obtida, resultaram ao vencedor da ação possessória. Sendo exigida indenização pela renda que a coisa produziu. não é possível exigir-se. cumulativamente, indenização pela depreciação resultante do uso normal’; 5 Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 8 de setembro de 1938, RT 117/131; 1ª Câmara Cível do Tribunal de Apelação de Minas Gerais, 5 de fevereiro de 1942, RF 90/776). O possuidor, que pede manutenção ou reintegração, ou pede desde logo a indenização, ou não na pede. Se a pediu, não pode o juiz deixar de deferir o pedido, se deferiu o de manutenção ou de reintegração. Se não foi pedido, não é julgar extra petita condenar o réu a indenizar. Entende-se implicito o pedido. Surgem dúvidas quando o juiz deixa de condenar, explicitamente. Aí, não se pode exigir, se a sentença trânsita em julgado, que se inclua como eficácia imediata, ou mediata, da sentença de manutenção ou de reintegração (que é de carga 4, 2, 3, 5, 1, na de manutenção: e 3, 1, 4, 2, 5, na de reintegração) a indenização: é preciso ter havido a condenação, de modo que haja 4 na executividade (na própria ação, portanto), ou 3, em ação à parte, como é no direito brasileiro. Se não transitou em


julgado a sentença de manutenção ou de reintegração a que falta a referência à condenação, não está completa (= a decisão é menor do que o pedido). e há de alegar-se em recurso (cf. 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 26 de agosto de 1947, RE 118/153). Durante a posse, pode dar-se que tenha havido dano, ou deterioração da coisa, ou perecimento, pelo qual haja alguém indenizado, por culpa, ou ainda sem culpa. Se esse solvente ignorava que a coisa não era do possuidor, ou que era viciosa a posse, ou que sobre a coisa tinha algum direito, está liberado; ali ter, se o sabia. Tal princípio protege o tráfico, a livre atividade da vida. É o mesmo que saber dever saber. A regra jurídica não concerne apenas às obrigaçóes ex delicto (Konrad Hellwig, Wesen und subjektive Begrenzung der Recbtskrajt, 423; Edmund Meyer, Die Leqitimationskraft des Besitzes nach § 851 BCB; 28 s.). Nas ações possessórias, se nenhuma das partes prova a posse, o juiz tem de julgar improcedentes as pretensões formuladas na petição inicial e na contestação (cf. 6e Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo. 5 de junho de 1950, RT 188/118). O réu vencido na ação possessória tem de prestar o que recebeu. 5.Sentença contrária, para todas as partes. Se nenhuma das partes consegue provar a posse, a sentença, que julga improcedente a ação, deve deixar claro que não reconhece a posse de qualquer dos litigantes (6ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 5 de junho de 1950, RT 188/118). Aliás, se nada diz, não se há de interpretar como tendo reconhecido a posse do réu, o que decidiu foi quanto a não ter posse o autor. Todavia essa sentença não dá jus a que se atente contra o princípio Quieta non movere. O juiz pode manter, provisoriamente, a tença (Código Civil de 1916, art. 500), se mais de uma pessoa se diz possuidora, ou reintegrar o tenedor, com explícita declaração da razão por que o faz. 6.Novo esbulho ou turbação. A sentença favorável na ação de turbação ou de esbulho não impede que se proponha nova ação, por outra turbação. ou outro esbulho (cf. Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 23 de fevereiro de 1931, RT 77/527: “O fato de ter sido o possuidor reintegrado não impede proponha nova ação, versando sobre a mesma coisa, com queixa de novo esbulho ou turbação, pois ao possuidor é licito propor tantas vezes ação em defesa de sua posse quantas forem as agressões a ela feitas”). A pretensão é outra, embora a mesma a posse e o mesmo o ofensor. 7. Honorários de advogado. Quanto à inclusão ou não-inclusão dos honorários de advogado no quanto da indenização, há a tese da inclusão (e. g., 5 Câmara do Tribunal de Apelação de São Paulo, 17 de novembro de 1937, RF 73/99, 3ª Câmara, 5 de março de 1940, RT 127/198: 1ª Câmara, 14 de agosto de 1945,160/729; 17 de dezembro de 1945, 162/214; 1ª Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo, 8 e 14 de abril de 1947, 167/654/168/669; 3ª’ Câmara, 26 de julho de 1947, 169/600; 2ª Câmara, 5 de agosto de 1947, 169/682; 2ª Grupo de Câmaras Civis, 6 de novembro de 1947, 172/554: 6ª Câmara, 7 de dezembro de 1948, 179/194: 3ª Câmara, 10 de fevereiro de 1949, 179/118; 6ª Câmara, lide fevereiro de 1949, 179/115; 1ª Grupo de Câmaras Civis, 7 de março de 1950, 186/129); e a antítese da não-inclusão (Tribunal de Apelação do Rio Grande do Norte, 3 de dezembro de 1941, RF 93/554; 2ª Grupo de Câmaras Civis do Tribunal de Justiça de São Paulo, 7 de outubro de 1948. RT 177/639). A pretensa sintese só exigia que se apurasse o dolo. Certa é a tese, não pelos fundamentos que se apresentam nos julgados. mas porque a regra juridica de direito material é de responsabilidade ainda sem culpa. Se a sentença foi concebida em juízo dúplice e manteve ou reintegrou o réu e há condenação à indenização, incluem-se os honorários (4ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 27 de abril de 1931, RT 78/66: 2ª Câmara do Tribunal de Apelação de São Paulo, 9 de junho de 1938, 115/239; 2ª Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, 14 de julho de 1938, Justiça, 14/231: 2ª Grupo de Câmaras Civis do Tribunal de Apelação de São Paulo, 5 de novembro de 1941, RT 136/213; 1ª Câmara, 14 de agosto de 1945, 160/729: 6ª Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo, 10 de junho de 1949, 182/190; 2ª Grupo de Câmaras Civis, 10 de novembro de 1949, 184/63).


O pedido de honorários de advogado é independente do pedido de indenização por perdas e danos (5 Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 9 de agosto de 1949, RF 133/136), mas está incluido no de perdas e danos, se foi feito em geral (1ª Grupo de Câmaras Civis do Tribunal de Justiça de São Paulo. 7 de março de 1950; V Câmara Civil, 16 de junho de 1950, 188/273; 3ª Câmara Civil, 28 de setembro e 14 de dezembro de 1950, 189/740 e 191/228; 1ª Câmara Civil, 1ª de abril de 1952. 201/142). Quanto aos honorários de advogado, incide o art. 20 do Código de 1973 (antes havia divergências, e. g., 3ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo. 6 de setembro de 1951, RT 195/178). Alguns acórdãos partiam do falso postulado de serem atos ilícitos, sempre, os atos de ofensa à posse, sem atenderem a que há atos-fatos ilicitos que a atingem e a que a reintegração pode ser contra o possuidor de boa-fé (e. g., 6ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 12 de outubro de 1951, RT 196/92, e RF 143/296, 18 de maio de 1952, RT 202/221.) Não se podia, a pretexto da natureza dúplice da ação possessória, entender que os honorários de advogado sempre não precisavam ser pedidos. ou que só se deviam, sempre, por dolo ou culpa. Se houvesse dolo ou culpa, a sentença que julgava procedente o pedido de condenação incluía na indenização os honorários do advogado, porque assim determinava a lei (Código de 1939, art. 64, antes do advento da Lei nº 4.632. de 18 de maio de 1965. art. 1ª). Se houvesse indenização sem ser por dolo ou culpa. como se não houvera dolo nem culpa, in casu, a despeito de se tratar de possuidor de má-fé, era preciso que tivesse havido o pedido de inclusão. No Código de 1973 há a regra jurídica que estava no art. 64 do Código de 1939, derrogado pela Lei nº 4.632, de 18 de maio de 1965, art. 12. Rege, hoje, o art. 20, e passa-se diversamente, porque se concebeu em regra jurídica cogente que a sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios.

§ 15. Exercício de uma ação por outra

1. Pressupostos de validade. Se satisfazem todos os requisitos para a propositura de uma ação e se exerce outra, não há invalidade. Assim, o que se permite não é que se possa mudar ação de manutenção em ação de esbulho, ou de esbulho em ação de manutenção, ou de manutenção em ação de interdito proibitório, ou de interdito proibitório em ação de manutenção, ou de esbulho em ação de interdito proibitório, ou vice-versa, nem se alude à troca de formas de processo que é uma só e sim que se julgue o esbulho, ou a manutenção, ou o justo receio de ofensa à posse, se foi proposta aquela, em vez da ação de manutenção, ou essa, em vez da ação de esbulho, ou uma, ou outra, em vez da ação do interdito proibitório, ou essa em vez daquelas. Alude-se á pretensão mesma, e não ao rito. Também não se refere à ação ordinária. Tornaram-se, portanto, inúteis as defesas de ter sido esbulhado o que pede a manutenção, ou apenas turbado sem esbulho o que pede reintegração. A arguição de ter mais do tempo a ofensa à posse para excluir qualquer das duas, quanto ao rito, continua de ser permitida; e é útil. De maneira nenhuma se permite a troca; porém é invocável o princípio que ressalva o que é aproveitável. A regra jurídica do Código de 1939, art. 375, referia-se aos interditos de manutenção e reintegração. Mas boa interpretação havia de lê-la como referente às ações possessórias, e hoje, sob o Código de 1973, art. 920, é fora de dúvida a fungibilidade quanto aos três interditos: não, à ação de imissão de posse, que é ação petitória. Aliás, antes, diferentemente, o acórdão da 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Bahia, a 19 de dezembro de 1951 (RT da Bahia, 45/195), confirmativo de Sentença do Juiz em Camaçari (Bahia), a 8 de agosto de 1951, o da T Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 16 de novembro de 1951 (Di de 14 de abril de 1952), e o da 1ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 14 de março de 1950 (RT 186/243: discordante, a 1ª Câmara do Tribunal de Alçada de São Paulo, a 16 de abril de 1952, 201/426). Desde que haja transcorrido o prazo do art. 924 do Código de Processo Civil, o rito da ação possessória é o ordinário Gá até 1974, sem razão, a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a 27 de março de 1950, RF 136/485; a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, a 17 de maio de 1952, Paraná J 56/114). Idem, no interdito proibitório; não, na imissão na posse.

2. Consequências. Proposta a ação de reintegração, se, no curso do processo, ficar provado que não houve esbulho, mas turbação,a ação pode ser julgada procedente em parte, para se deferir a manutenção (Turma Julgadora do


Tribunal de Justiça de Alagoas, 12 de junho de 1951, iA 1/218). Quem esbulha faz mais do que turbar, de modo que a turbação se inclui no esbulho. Aliás, tal princípio poderia ter sido invocado. Se houve esbulho, e não turbação. ou se o esbulho sobreveio, a sentença pode dar a reintegração, em vez da simples manutenção, que não teria sentido, ou não mais teria sentido. Em verdade, com a permissibilidade da troca de uma ação por outra, se satisfeitos os pressupostos de uma delas, o sistema jurídico fez ler-se todo o pedido de manutenção de posse ou de reintegração de posse ou de interdito proibitório como pedi do de proteção possessória. Proteja-me’, há de ser entendido, onde apenas se disse: ‘Mantenha-me na posse”, ou “Reintegreme na posse Se houve manutenção de posse, em vez de reintegração, o que o turbador aplicou à terra (sementes, construções) foi ato ilícito, e não pode ter havido posse de boa ou de má-fé, por se não retirar posse apenas se tentou. Daí não se haver de pensar em invocação de regras juridicas sobre proteção da posse (cf. 1ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 8 de junho de 1948. RT 175/575 Capítulo III Ação confessória

§ 16. Conceito e fontes da ação confessória 1. Direito romano. Quem se cria, no direito romano, com direito de servidão, tinha a vindicatio servitutis, ação em que regia o princípio da liberdade do demandado, tendo o autor a tutela interdital, semelhante à que tinha, com o interdictum quem Jundum, o autor da rei vindicatio (cf. Otto Lenel, Das Edictum perpetuum, 3ª ed., 475 e 481). Só na época pós-clássica se chamou confessória (acho confessoria), sendo duvidoso se havia a cláusula de restituição (fórmulas em Otto Lenel, Das Edictum perpetuum, 3ª ed., 190 s. e 373, que lhe nega o emprego). Desde a época justinianéia, pelo menos, a ação passou a ser contra quem quer que impedisse o exercício da servidão, ainda se não fosse proprietário do prédio serviente (entende que foi inovação justinianéia. Vincenzo Arangio Ruiz, Istituzioni di Diritto romano, 3ª ed.. 241). A actio confessoria fez-se a inversa da negatoria, o que a diferenciou da servitutis vindicatio, simétrica à rei ulndica tio (Tratado de Direito Privado, cp. Tomo XIV, §§ 1.571-1.586, especialmente § 1.585). Com a actio confessaria, pedia-se — e pede-se — que se conserve o estado adequado ao exercício da servidão, mais garantia para o futuro, mais entrega de frutos e ressarcimento de danos. A diferença entre ela, compósita. e a ação de vindicação ressalta, se bem que a vindicatio servitutis não tenha tido a compleição de hoje. É certo que, na fórmula, não havia diversidade da actio, quanto á lesão total e quanto à lesão parcial. A actio confessorio não podia ser proposta como Publiciana actio, isto é, a Publiciana confessoria actio (sem razão, E. Huschke, Das Recht der Publicianischefl hiage, 40 s. Rudolf von Jhenng, ~bhandIuflger, 143 s.), porque não era possível a usucapio da servidão, razão por que é preciso o máximo cuidado na leitura da L. 11, § 1, D., de Publiciana ir rem actione, 6. 2; “Si de usu fructu agatur tradito. Publiciana datur; itemque servitutibus urbanorum praediorum per traditionem constitutis vel per patentiam (f ode si per domum quis suam passus est aquae ductum transducí). item rusticorum, nam et hic traditionem et patientiam tuendam constat”. Mas, existia esse usufruto por tradição? Provavelmente não (cf. Hugo Krúger. Die pràtorisclle Servitut, 25, 573 e 86 5.; Gerhard Beseler, Beitràqe, II. 6, e 111, 171). Na época, a constituição da servidão sem as formalidades do direito civil já era impossível. Na exposição do direito brasileiro, temos de evitar as obscuridades a que os textos alemão e italiano dão ensejo. A cada ação devemos fazer corresponder o seu conceito ou o feixe de conceitos, que historicamente lhe correspondeu. 2. Direito brasileiro. Têm-se, no sistema jurídico brasileiro, a vindicação da servidão (virdicatio servitutis), simétrica à vindicação do domínio, e a ação confessória, inversa à ação negatória. Se nega a servidão, retirando-se a posse. a ação mais própria é a vindicatio servitutis (Theodor Kipp. em B. Windscheid, Lehrbuch, 1, 1106; Johannes Biermann, Das Sacherrecht, 339; sem razão. G. Planck, Kommertar, III, 4ª ed., 592), tanto mais quanto não se tem, no direito brasileiro, regra jurídica que suscite dúvida, como a do § 1.027 do Código Civil alemão, remissiva à ação negatória (§ 1.004): “Se direito de servidão predial éprejudicado (beeirtràchti9t)~ aos íegitimados competem os direitos determinados no § 1.004”. A generalidade de “prejudicado”, “lesado”, beeirtràchtigt, dificultou a exposição do direito alemão. No direito italiano, fundiram-se as duas (Código Civil italiano, art. 1.079), borrando-se a diferença entre turbação e esbulho. Mas, na doutrina, tal fusão provoca dificuldades. tanto mais quanto a ofensa


pode não conter negação do direito real de servidão, permitindo a vindicação (cf. Tratado de Direito Privado, Tomo XIV, §§ 1.585. esquema, e 1.577, 4), sem ser admissível a confessória. Essa tem, necessariamente, carga de eficácia declarativa mediata. Os comentadores do Código Civil italiano, art. 1.079. apegam-se, com razão, ao “contro chi ne contesta lesercizio”, para se limitar a invocabilidade da ação confessória.

3.Necessidade de precisões conceptuais. A confusão entre a ação que protege o titular da servidão a que se nega o direito de servidão e a que se causa prejuízo. e a ação para a restituição, haja ou não negação do direito de servidão, já ocorria no direito justinianeu. dando ensejo aos textos da L. 10. § 1, D., si servitus virdicetur, vel ad alium pertirere regetur, 8, 5: “Agi autem hac actione poterit non tantum cum eo, in cuius agro aqua oritur vel ser cuius fundum ducitur, verum etiam cum omnibus agi poterit, quicumque aquam nor ducere impediunt, exemplo ceteratum servitutium, et generaliter quicumque aquam ducere impediat, hac actione cum eo experiri potero’. Ulpiano falara da ação útil para provar que, tendo possuido por tantos anos, não possuiu vi, nem clam, nem precario, e acrescentase no § 1 que em tal ação se pode reclamar não só contra aquele em cujo campo nasce a água, ou por cujo prédio se conduz, como também contra todos os que impedem conduzir a água, assim como nas demais servidões; e, em geral. poderei reclamar por essa ação contra quem quer que impeça conduzir a água. Na L. 1, § 25, D., de aqua cottidiara et aestiva, 43, 20. Ulpiano diz que compete o interdito útil contra o que me proibe conduzir água, quer tenha, ou não, o domínio do fundo, e explicita que, desde que se haja começado a servidão (si servitus coepit), se pode vindicar contra quem quer que seja (nam si servitus coepit adversus quemvis posse vindicari). O baralhamento das duas ações ressalta, mas éde crer-se que não estivesse em Ulpiano. Todavia, não é no pedido, ou não, de declaração que há de consistir a distinção. Seja como for, deve-se pôr de lado a explicação pela existência de duas funções da mesma ação (e. g., Domenico Barbero, La mLegittimazione ad aqire ir confessoria e negatoria servitutis, 715.; certo. Enrico Redenti, II Giudizio civile cor pluralitá di parti,150 s.). A ação confessória, como a negatória, de eficácia mandamental provavelmente imediata e eficácia executiva nãonecessariamente imediata: a ação declaratória, que é prévia, necessariamente mediata, é que se refere à relação jurídica real. Se não há negação do direito de servidão, a ação confessória seria precipitada ou inadequada. Cabe, então, a ação da Lex Aqui/ia, ou a actio imuriamun (L. 13, § 7, D., de iniuriis et famosis libeilis, 47, 10). ou a uirdicatio servitutis, na qual não é questão prejudicial a declaração da existência da relação jurídica de servidão.

§ 17. Legitimação, ativa e passiva 1.Legitimação ativa na ação confessória de servidão. (a) Legitimado ativo à ação confessória é quem tem o direito real de servidão. A carga necessária de eficácia declarativa, como oriunda da decisão na questão prévia, impõe essa proposição inexcetuável, tal como ocorre para a ação negatória. Não importa se há propriedade fideicomissária, ou se há, em geral, propriedade resolúvel: sempre ao titular da servidão compete a ação confessória. O fideicomissário e quem há de receber a propriedade após o advento do termo resolutivo, ou da condição resolutiva, pode propor a ação confessória (Manuel Álvares Pêgas, Tractatus varil, 1, Opusculum de Miaratus possessorio interdicto, c. 3, nº 106; Manuel de Almeida e Sousa, Tratado prático e compendiário das Águas, 139). O enfiteuta não é de tratar-se como o dono, solução que agradava ao feudalismo e aos escritores alemães dos séculos passados e aos de países em que se feudalizara a enfitelse romana. Trata-se como os outros titulares dos direitos reais limitados com uso da coisa. Diz-se que. praticamente. reivindica. (b) Se há co-titularidade do direito de servidão (condominio, ou co-enfitelse, ou co-usufruto, ou co-uso, ou cohabitação do prédio dominante), ou a) a técnica legislativa adota, de iure condendo. a solução romana, segundo a qual, sendo indivisível o direito (= não se pode dispor pro parte da servidão), qualquer comuneiro pode exercer a ação confessória, com eficácia para todos (L. 4. §§ 3 e 4, D., si servitus virdicetur vel ad alium pertirere regetur, 8, 5: L. 6, § 4; L. 19: cf. Emilio Betti, Istituzioni di Diritto romaro, 1, 2ª ed., 436); ou b) se admite que qualquer deles a exerça, mas a eficácia seja apenas quanto a ele (Res iudicata tertiis neque prodest neque rocet); ou c) se concebe a espécie como de litisconsórcio necessário e unitário. Não há, portanto, razão para se consultar Giuseppe Chiovenda (Principii, 153 e 1081). que se aferrara aos textos romanos. Nem para se pender para b), uma vez que se saiba ser necessária a eficácia mediata de declaratividade. emanada da questão prejudicial: não se declara o indivisível,


dividindo-se a declaração. No Preussisches Alígemeines Landrecht, II. 4, 2, § 8, adotava-se a solução b), que Manuel de Almeida e Sousa (Tratado prático e compendiário das Águas, 139) recebia, sem fundamentar. (c) A respeito do usufrutuário, do usuário ou do habitador do prédio dominante, a técnica legislativa tinha de dar solução que atendesse aos interesses do dono do prédio dominante e aos interesses do usufrutuário, do usuário ou do habitador do prédio dominante. Ou a) se admitiria que o titular do direito real limitado (usufruto, uso, habitação) pudesse exercer a ação confessória (cf. L. 1, pr., D., si usus fructus petetur vel ad alium pertirere regetur, 7, 6), limitando-se a ele a eficácia do julgado (Manuel de Almeida e Sousa, Tratado prático e compendiário das Aguas, 139; Giacomo Veneziar, DellUsufrutto, delIUso e delíAbitazione, II Diritto civile italiano, Parte V, II, 185. Antonio Segni, L’Intervento adesivo, 148 5.; Sergio Costa, L’Interverto coatto,76)~ ou b) se veria inclusa na ação confessória do usufruto (L.1, pr.) a ação confessória da servidão (Leonardo Covielio. Le Servitú prediaL, 395 s.; Carmelo Scuto, Delie Servitú prediali, 403): ou c) se considera que há comunhão de interesses, como acontece a propósito de condôminos e co-enfiteutas, devendo ser unitário o litisconsórcio. A solução última é a acertada, porque, se não há comunhão de direito, há comunhão de interesses, e não se compreenderia que se julgasse contra o usufrutuário, o usuário ou o habitador. sem se julgar contra o dono do prédio, nem seria de admitir-se que pudesse deixar de ser chamado esse. na ação proposta por qualquer daqueles. nem qualquer daqueles na ação proposta por esse. (d) O que se disse sobre o usufrutuário, o usuário e o habitador entende-se quanto ao enfiteuta (Manuel de Almeida e Sousa. Tratado prático e compendiário das Águas, 139), que também é co-titular do direito de servidão. Absurdo é pensar-se em representação legal do dono do prédio dominante, ou em substituição processual. Nem o locatário, nem o simples possuidor pode usar da confessória, nem os credores com direito hipotecário; se bem que possam ser assistentes litisconsorciais, ou, até, litisconsortes facultativos. (e) O titular da anticrese tem a mesma situação que o enfiteuta, o usufrutuário, o usuário e o habitador (Manuel Bagna Quaresma. Thesaurus quotidiararum resolutiorum, c. 26, nº 13). Se o legado ainda tem de ser entregue ao legatário, ainda se há de propor a ação ex testamento. 2.Legitimação passiva na ação confessória de servidão. A ação tem de ser dirigida contra quem é dono do prédio serviente, ainda que se trate de domínio fiduciário ou resolúvel, e quem haja de o receber, por fideicomisso, ou resolução, e contra quem é enfiteuta. usufrutuário, usuário ou habitador do prédio serviente; porque os direitos reais limitados sofrem restrição com a servidão. O próprio titular de servidão concorrente, ou em colisão, é parte. O litisconsórcio é necessário e unitário. Tratando-se de condominio no prédio serviente, portanto recaindo a servidão, indivisamente, dá-se litisconsórcio necessário e unitário. Se houve negócio jurídico de algum condômino para se iniciar a composição do negócio jurídico de constituição, o direito brasileiro não atribui eficácia real a esse negócio jurídico entre o condômino e o dono do prédio a que se quer dar servidão; de modo que a ação somente poderia ser a ação declaratória, ou outra, que se ligasse à relação jurídica pessoal. (Diferente, o direito italiano. Giuseppe Branca, Delle Servitú predia Ii, Commentario de) Codice Chá/e, III, 648, devido ao art. 1.059, alínea 2t do Código Civil italiano). O possuidor, sem ser por ius iure, tem de ser citado, porque os atos talvez tenham sido dele. Daí poder contestar. Mais: se o possuidor proprio nomire (posse própria) nega a servidão e a propriedade de outrem, a ação tem de ir contra ele, devendo-se citar o proprietário, se o há; se a ação corre contra o possuidor. sem aparecer quem se diga dono do prédio serviente, conforme registro, a sentença na ação confessória não tem eficácia a respeito dele, porque não foi citado. O possuidor impróprio, sendo citado, pode denunciar a lide ao possuidor próprio. O servidor da posse é legitimado passivo. Citado, há de nomear à autoria o proprietário, ou o possuidor imediato, de que é servidor da posse. Se o servidor, como o possuidor impróprio, deixa de nomear, a causa corre contra ele; se o nomeado deixa de comparecer, ou, comparecendo, nada alega, presume-se aceita a nomeação; se nega a qualidade, incidem as regras jurídicas processuais da ineficácia da litisdenunciação e restituição do prazo de resposta ao litisnomeante. Quem ofendeu a servidão sem ser proprietário do prédio serviente, possuidor próprio ou impróprio, ou servidor da posse,não é legitimado passivo à ação confessória. A ação a ser proposta seria a de indenização, ou outra, que nada


tenha com a confessória.

3. Ônus da prova. O autor tem de provar, preliminarmente ser proprietário do prédio dominante, enfiteuta, usufrutuário, usuário, ou habitador. e ter a servidão (questão prévia. declaratória, que faz a carga de eficácia mediata necessária da ação e da sentença). A Câmara Cível do Tribunal da Relação de Minas Gerais, a 23 de novembro de 1929 (RE 54/158), só admitiu a prova da aquisição da servidão pelo uso, mediante a certidão do registro, que se haja feito, anteriormente, da sentença que “reconheceu” o direito. Não há dúvida que a sentenca é declarativa, e não constitutiva, pois que se trata, aí. de usuca pio servitutis (Tratado de Direito Privado, cf. Tomo XI, §§ 1.222. 1.192-1.198); dai a contradição da Câmara Civil. Se o usucapiente propõe a ação de vindicação, por exemplo, antes do registro, o registro posterior bastaria, porque já é dono e. ainda que o não fosse, há a solução peculiar ao direito luso-brasileiro e brasileiro de bastar a aquisição antes da sentença. Se o usucapiente é réu, pode alegar que usucapiu. mas a decisão do juiz, aí, não tem eficácia erga omnes, tem apenas a eficácia, entre partes da sentença comum de declaração. Na jurisprudência, encontra-se o acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a 11 de março de 1948 (RF 118/178), que disse poder-se alegar, em defesa, a usucapião. As decisões do Tribunal da Relação de Minas Gerais, a 6 de fevereiro de 1929 (AJ 59/536), e da 2ª Câmara do Tribunal de Justiça do Paraná, a 15 de outubro de 1946 (Paraná J 44/240), que repeliram ações do usucapiente antes do registro, sem atenderem a que tal registro. no direito brasileiro, não precisa ser feito antes da contestação, foram injustas (certas, a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a 27 de agosto de 1947, RE 115/158, e a 1ªl Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio de Janeiro, a 6 de outubro de 1941, 90/191). Na doutrina, cometeu o erro de considerar constitutiva a sentença de arbitramento do valor da responsabilidade e avaliação do bem imóvel, nas hipotecas legais. Didimo Agapito da Veiga (Manual, IX, Parte 1, 236 5.: “... tal sentença é o título que serve à transcrição no registro imóveis, a despeito de ser a posse pelo tempo de dez ou vinte anos (hoje, quinze) o fator do estabelecimento da servidão; todavia, esta, sem a transcrição no registro de imóveis, não tem constituição consumada: por sua vez, a transcrição não se opera sem titulo”). Manuel de Almeida e Sousa (Tratado prático e compendiário das Águas, 71-87), 1 H. Correia Teles (Digesto Português, III, arts. 453-456) e M. A. Coelho da Rocha (Instituiçã es, II, 470 s.) não se referiram à constitutividade. O trecho do jurista brasileiro foi causa de injustas sentenças (e. g., 4ª Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 30 de julho de 1942, RT 139/258). A servidão usucapida preexiste à sentença e ao registro do titulo sentencial. Cumpre advertir-se que. se houve registro da servidão não-aparente, a usucapião tabular pode operar-se. Então, o que acima se disse há de repetir a respeito da ação em que se trate de servidão não-aparente registrada.

§ 18. Eficácia sentencial 1.Eficácia da sentença favorável na ação confessória de servidão. A natureza compósita da ação confessória não permite que se diga ser real ou pessoal. Quanto à sua eficácia, é a mesma da ação negatória: Declara-se, como decisão prejudicial; condena-se, preponderantemente; manda-se, ou executa-se. A eficácia é contra o réu e seus sucessores universais ou a titulo particular. Observe-se, porém, que, havendo termo resolutivo, ou condição resolutiva, o que vem após o proprietário sujeito à resolução, ainda que tenha sido quem alienou resolutivamente, não sucede àquele: sucedeu a quem alienou resolutivamente. No que faz cessar a turbação, a ação confessória é ação real (Pascoal José de MeIo Freire, Institutiones, IV, 69). Devido a ser compósita a ação confessória, no que a sentença condena a ressarcir danos, ou a despesas necessárias à redução da coisa ao estado pristino, é sentença em ação in personam: o adquirente do prédio gravado não sucede em obrigações pessoais (cf. Ferdinando Bianchi, Trattato delie Seruitú legou, & 125).

§ 19. Ação confessória oriunda de direito de renda sobre imóvel


1.Ação condenatória. O titular do direito real de renda sobre imóvel tem ação de condenação por ofensa ao direito real. Nela, a matéria da ação declaratória é questão prejudicial. Ação pessoal, com a prescrição especial. Não há confundir-se com a ação ex contractu, que é a única que se pode propor se ainda não se constituiu, realmente, o direito de renda sobre imóvel.

2.Ação de indenização por perdas e danos. Nela, a declaração e a condenação pela ofensa são questões prejudiciais, ou, pelo menos, a declaração. E o que acontece quando o titular do direito de renda sobre imóvel é lesado por ato que diminua o valor e rentabilidade do bem gravado. 3.Ação de segurança, preparatória, incidental ou independente. Se o titular do direito de renda sobre imóvel temer que algum dano sofra o seu direito, inclusive por dano ao bem gravado, toca-lhe a ação de segurança, preparatória, ou acidental ou independente. O réu tem de prestar caução.

4.Ação de preceito cominatório. Se o titular do direito de renda sobre imóvel pode alegar e provar que alguém que se devia abster de algum ato, ou que teria de praticar algum ato, ainda está para praticá-lo, ou omiti-lo, cabe-lhe a ação de cominação. 5.Ação confessória. O titular do direito real de renda sobre imóvel tem a ação confessória, que — conforme vimos — é ação compósita. Nela foram cumuladas todas as anteriores, sendo as ações de indenização e a de segurança ações incidentais. O réu pode opor ter sido constituído o direito real de renda sobre imóvel por pessoa que não era o dono. Então, tem-se de verificar se quem o constituiu constava do registro como dono. Se a defesa é de acolher-se, ou não, depende dos princípios que regem a aquisição e a constituição dos direitos reais. Também pode o demandado alegar causa de extinção. Também aqui a alegação de consolidação não é procedente se não foi cancelado o registro e enquanto não o for.

§ 20. Ação confessória do habitador 1.Habitação e exercício da habitação. Quem é titular de direito real de habitação ou tem direito à posse exclusiva do bem gravado, habitando só, ou com as pessoas parentes e serviçais, mais os que regularmente habitam com o titular (e. g., o menor que ele cria), ou tem direito à composse, ou à posse pro diviso. Depende do título. A casa pode abranger todo o bem (casa e jardim, casa e quintal), ou somente o edifício, parte do sítio, ou da fazenda. A delimitação, aqui, e quanto ao conteúdo do direito de habitação:gravado é o bem todo. O que se poderia alugar pode ser conteúdo do direito de habitação, embora o direito do locatário seja pessoal e transmissível e o direito de habitação seja real e intransmissível. Por vezes, tem-se de decidir se o que se constituiu foi usufruto da casa, uso ou habitação. Se o outorgado pode locar, há usufruto, e não uso ou habitação. Se a casa não se presta à habitação mas a depósito. ou outra utilização semelhante, sem se poder locar, há uso, e não habitação. 2. Ação. O habitador tem a pretensão e ação confessória, bem como a reivindicatória, a negatória e a possessória. 3. Hipoteca e ação confessória. A ação confessória fez-se inversa da ação negatória, o que a diferencia de qualquer vindica tio simétrica à reividicatio. O titular do direito real de hipoteca tem a ação confessória. Não se pode pensar em vindicatio, porque o titular do direito real de hipoteca não tem posse, que pudesse ser retirada e dar ensejo à vindicação.

§ 21. Ação confessória do credor com penhor ou hipoteca 1. Vindicação do penhor. O titular do direito de penhor tem a vindicatio, se lhe foi tirada a posse, negando-se o ius iure. Se a ofensa foi só à posse, a ação a propor-se é possessória.


Na vindicação, é legitimado passivo qualquer possuidor, imediato ou mediato (Otto von Gierke, Die Bedeuturg des Fahrnisbesitzes, s.; H. Schoen, Ist die Ergertumsklage nur gegen der urmitte)baren oder auch geger der mittelbarer Besitzer zulàssig?, 41). Não o servidor da posse (Otto von Gierke, Die Bedeuturg des Fahrnisbesitzes, 52; M. Ostermeyer, Hardbuch des Sacherrechts, 179; sem razão, Hermann lª, Die Ceschàftsfúhrurg, 296). 2. Penhor e ação confessória. A ação confessória fez-se inversa da ação negatória, o que a diferencia de qualquer virdicatio simétrica à rei vindicatio. O titular do direito real de hipoteca tem a ação confessória. A ação confessória é ação de condenação. 3.Hipoteca e açãoconfessória. A ação confessória fez-se inversa da ação negatória, o que a diferencia de qualquer vindica tio simétrica à rei vindica tio. O titular do direito real de hipoteca tem a ação confessória. Não se pode pensar em vindicatio, porque o titular do direito real de hipoteca não tem posse, que pudesse ser retirada e dar ensejo à vindicação.

Capítulo IV Ação negatória . § 22. Pretensão e ação negatórias 1.Ofensa sem retirada da posse. A propriedade pode ser ofendida, sem que a ofensa tire ao proprietário a posse. A pretensão e a ação, que lhe correspondem, independem de ser possuidor, ou não, o proprietário. Não importa se o ofensor invoca, ou não, direito à turbação; ou se tem, ou não, culpa. Quem está” certo” de que a propriedade é sua e a danifica, ou turba o exercício da propriedade, pode ser demandado pelo proprietário. O direito romano somente conhecia a actio negatoria contra as servidões, exercida pelo dono qui negat, e algumas espécies esporádicas de turbação. O direito comum estendeu-a, de modo que se abstraiu de alegação de direito real ou pessoal pelo demandado. Ainda se apegava à L. 2, pr., D., si servitus vindicetur vel ad alium pertinere negetur, 8, 5. no direito anterior, J. H. Correia Teles (Doutrina das Ações, § 117, 146 na esteira de Gregório Martins Caminha (Forma dos Libelos, an. III, nota 3, 14). A evolução já se operava no direito luso-brasileiro (Manuel de Almeida e Sousa, Tratado das Aguas, 138; Lafaiete Rodrigues Pereira, Direito das Coisas, 1, 231, texto e nota 7). A actio negatoria era limitada às servidões e ao usufruto (Chr. A. Hesse, Die Negatorienklage, Jahrbúcher for die Dogmatik, VIII, 82 s., e Heinrich Dernburg, Pandekten, 1, § 256; sem razão B. Windscheid, Lehrbuch, 1, § 198, nota 8), ou, pelo menos, assim foi no principio. No direito comum, deu-se a generalização a quaisquer direitos reais, inclusive entre condôminos o que era controverso no direito romano (Marcelo, L. 11, D., si servitus vindicetur vel ad alium pertinere negetur 8, 5, afirmava-o, contra outros juristas, cf. L., 26, D., de servitutibus praediorum urbanorum, 8, 2, fragmento de Paulo, e L. 4, D., de servitute legata, 33, 3, que é fragmento de Javoleno). Nega Oito Lenel (Das Edictum perpetuum, 3ª ed., 193) que a actio negatoria, à diferença da rei vindicatio, contivesse a cláusula de restituição 2. Pressuposto negativo da ação negatória. E pressuposto negativo da ação negatória que a ofensa não seja à posse (ou não seja só á posse). Se o é, e se alega, a pretensão e a ação ou são reivindicatórias ou possessórias. Ao lado desse pressuposto negativo, que faz a pretensão negatória ser complementar das pretensões reivindicatória e


possessória, está o pressuposto positivo de ferir o demandado o conteúdo do direito de propriedade, sendo duradoura a ofensa, ou, se passageira, de natureza a temer-se ulterior turbação. A pretensão negatória tem por fito, ali, eliminar a ofensa e, aqui, a abstenção de ulteriores turbações. Os gastos da eliminação são a cargo do demandado, ainda que não tenho tido culpa (a ação negatória nada tem com a culpa do demandado). Tem-se falado em “indenização”; mas a ação negatória não é ação de indenização: a eliminação da ofensa é pelo demandado, porque turbou; não se trata de reparar, mas de repor, eliminar, restaurar. Se a destruição é ineliminável, ou se é irreparável em natureza o dano, então se exige o equivalente (Richard Schmidt, Der negatorische Beseitigungsanspruch, 41 s.). O demandado não pode preferir indenizar pecuniariamente a reparar, restaurar, eliminar a ofensa; se é impossível, então se entende pedida, se não se pediu, a reparação pecuniária do prejuízo ou da destruição. Aliás, na ofensa à posse dá-se o mesmo; a pretensão e a ação só se dirigem á restauração ou à omissão de ofensa futura. A simples possibilidade de ofensa não basta à ação negatória de afastamento futuro ou abstencivo (ou por turbação). É preciso o temor de ulteriores ofensas. A sentença contém cominação, em vez de ser aplicativa da cominação, como acontece com a ação de preceito cominatório. Às pretensões de que resulta a ação cominatória, especialmente por parte de proprietário locador, por mau uso pelo locatário, ou contra o vizinho ou condômino, ou com direito a omissão, se há o temor de ulteriores ofensas, também correspondem ações negatórias. A ação negatória, ação de afastamento abstencivo ou de eliminação, pode, em certas circunstâncias, tender à entrega de coisas, e. g., frutos. Se. porém, se invoca principio sobre enriquecimento injustificado, ou sobre ofensa culposa à propriedade, não se pode pensar em reivindicação, nem em negatória; portanto, as regras jurídicas sobre frutos e boa-fé ou má-fé não incidem, nem as regras jurídicas sobre perdas e danos em caso de inexecução de obrigações. Para a ação de afastamento abstencivo é de mister que se tema ulterior ofensa; portanto: que algo tenha ocorrido, mas pode dar-se que a ofensa mesma ainda seja apenas de temer-se (Konrad I-Iellwig, Anspruch und Klagrecht, 389 s., H. Jacobsohn, Die Unterlassungsklage, 49; sem razão Johannes Biermann, Das Sachenrecht, 298, e G. Pianck, Kommentar, 111, 4ª ed., 520): o que é pressuposto é a ameaça, — e não a ofensa. A arrogação pura de direito e a negação de direito do proprietário não são elementos necessários, nem bastam para a ação negatória Giohannes Biermann, Das Sachenrecht, 295; G. Planck, Kommentar, III, 4ª ed., 521). Se há a atitude afirmativa, ou negativa, de alguém, que ilida o direito do proprietário, o caso é de pretensão e ação declara tórias, negativas, ou positivas — no que se diferencia dos direitos de personalidade o direito de propriedade. Se o demandado lança mão de registro retificável, a ação a propor-se é a ação de retificação do registro. Com a ação de retificação é cumulável a ação de preceitação cominatória. 3.Dano à propriedade não é pressuposto. Não é preciso para a pretensão e a ação negatórias que haja dano (Otto Warneyer, Kommentar, II, 212), como é prescindível o ter havido culpa. A ofensa há de partir do demandado, ainda que mediatamente. O que não reparou, do seu lado, a muralha e, por isso, ao virem as chuvas, terras da sua propriedade invadiram as do demandante, ofende e dá ensejo à pretensão e à ação negatórias. Por exemplo: se os estragos no muro, ignorados por ele, foram feitos pelo locatário, ou por terceiro. Quem mantém situação contrária a direito é legitimado passivo, na pretensão e na ação negatórias. É preciso, porém, que a situação seja estabelecida como exercício irregular da propriedade para que o proprietário de agora fique na posição passiva do proprietário anterior. Se C compra a B o prédio cuja parede entre, por ato de B, no terreno vizinho, pertencente a A, C é acionável; se, porém, B construiu cisterna no terreno de A, de modo que C não a utiliza nem utiliza parte do terreno, C não é ofensor. É possível cumularem-se a ação de indenização e a negatória, porém não usar-se a negatória como ação de indenização (Ofto Warnever, Kommentar, II, 214). 4.Direitos de vizinhança e ação negatória. Os direitos de vizinhança são tutelados pela pretensão e ação negatórias (Otto Wamever, Kommentar, II, 212). Também o é a propriedade literária, artística, científica e industrial. Os outros direitos absolutos têm, pelo menos, proteção semelhante à da propriedade.

5.Limitações ao conteúdo do direito de propriedade e ação negatória. Se o demandado tem direito ao ato de


incursão, seja de direito público, ou privado, real, ou pessoal, como o de passagem pela loja, concedido pelo proprietário atual (autor), sem contrato de servidão, o suporte fático é insuficiente para o fato ilícito da ofensa. Assim, se A vende o prédio a B e o entrega antes do registro, o direito que E deu a C de passar por suas terras é pessoal e pode ser oposto a B e a A (Martin Wolff, Das Recht zum Besitze, 23 5.; Th. Kipp, em E. Windscheid, Lehrbuch, 1, 9ª ed., 1015). Alguns juristas pensavam que a alegação do demandado quanto a ter direito, perante o demandante, ao ato positivo ou negativo, fosse exceção (G. Planck, Kommentar, III, & ed.. 524; K. Kober, em cJ. ii Staudingers Kommentar, 111, 503; kranz Leonhard, Die Beweislast, 415). (Sem razão, conforme a doutrina dominante, Johannes Biermann, Das Sachenrecht, 299; E. Kretzschmar, Das Sachenrecht, 286; Karl Maenner, Sachenrecht, 243; Achille Rappaport, Die Emrede ausdern fremden Rechtsverhdltnisse, 202; Otto Warneyer, Kommentar, II, 204). O dever de tolerância pode provir da lei, como é o caso de quem demole ou deteriora para afastar perigo iminente, ou de negócio jurídico. Se o anterior proprietário foi quem outorgou a entrada ou incursão, o atual só é adstrito à outorga, segundo os princípios que regem o direito das coisas, especialmente o direito registrário. No sistema jurídico brasileiro, o partir de instituição de direito público a ofensa não pré-exclui a pretensão e a ação negatórias.

§ 23. Legitimação ativa e passiva 1. Legitimação ativa. A pretensão e a ação negatórias competem ao proprietário, inclusive ao condômino e ao comuneiro pro diviso, àquele quanto à sua parte indivisa e a esse quanto ao diviso e às partes comuns. Se a propriedade passa a outrem, o sucessor é legitimado na ação proposta ou em andamento. A ação negatória, que era limitada às turbações que implicassem em afirmação de servidão, foi, por obra dos glosadores, estendida — como era lógico — a quaisquer usurpações que correspondam a exercício de algum direito real; em caso de simples afirmação de direito real, confundir-se-ia com a ação declaratória negativa. De regra, cumula-se-lhe a de condenação e perdas e danos, o que faz a negatória tornar-se questão prévia de ação condenatória. Mas, ainda se cumulação não houve, a ação negatória é de forte dose condenatória. Hoje, legitimado ativo é qualquer titular de direito real, e não só o titular do domínio. São de repelir-se atitudes doutrinárias que excluem a titulares de direito real e incluem o locatário, se há dano (Domenico Barbero, La Legittimazione ad agire in confessoria e nega tona, 77 s.). A ação é derivada do direito de propriedade, em sentido largo, e não de posse, pu de direito a possuir, ou de delito. Têm-na o proprietário, 5 enfiteuta, os titulares de direitos reais limitados, não se excluindo o usufrutuário, que tem a vindicatio usufructus e, pois, em caso de turbação, a negatória. Tem-na o cônjuge, quanto aos bens dotais. Não na tem o possuidor, por se tratar de ação em que se afirma direito real, stricto senso, e se nega o de outrem, 2. Legitimação passiva. A pretensão e a ação dirigem-se ao ofensor, inclusive o dono do imóvel, que, no exercicio do seu direito de propriedade, faz aquilo de que se devia abster, ou se abstém do que devia fazer, respeito a outro imóvel. Se ao tempo da citação não mais é proprietário do imóvel, de que proveio a ofensa, contra ele não cabe a ação negatória por ofensa feita, nem a ação negatória de afastamento, e sim, ocorrendo os pressupostos, a de indenização segundo os princípios gerais.

§ 24. Força e eficácia da ação negatória 1.Ação negatória e ação declaratória negativa. A força da sentença, na ação declaratória negativa como na ação declaratória positiva, é somente declarativa. Daí haver a regra jurídica segundo a qual a sentença declarativa, trânsita em julgado, tem O efeito para a preceitação, não para a execução. A força da sentença, na ação negatória supõe ofensa sem ser à posse, e não lhe basta a simples atitude negativa, ou afirmativa, que importe em negação. O plus distingue-a da ação declaratória.

2. Ação negatória e condenátoriedade. O direito brasileiro não tornou o conteúdo da ação negatória diminuível, até se reduzir ao de pura ação declaratória, o que ocorreu noutros sistemas jurídicos (e. g., no Código Civil italiano, art.


949; cf. Salvatore Pugliatti, Istituzioni, V. 250). Mantemos as duas ações, com os respectivos conteúdos. Por outro lado, identificar a ação negatória com as demais ações condenatórias, a ponto de ser reduzida à ação de indenização, como pretende Domenico Barbero (La Legittirnazione ad agire in confessoria, 71 s.), seria errôneo; pois a condenação nos danos é consequência da carga de eficácia imediata (5) de executividade, uma vez que a condenação é do ato ofensivo, porém houve a cumulação da ação de indenização, que é outra ação, com prazo próprio de prescrição. Há algo de peculiar, que a distingue das outras ações condenatórias e das executivas: é condenatória com a carga 2 ou 4 de executividade, em vez de o ser com a carga 3; e pode ter executividade 4, sem ser, portanto, executiva. Por isso mesmo pode não conter condenação ao ressarcimento do dano, sem deixar de ter manda-mentalidade no que concerne à ofensa mesma. A turbação tem de cessar; o mais é elemento acidental, que cabe na condenatoriedade e na executividade. A tentativa de redução da ação negatória a duas espécies, usadas, ora uma ora outra, é tentativa de apagar a herança romana, estendida pela Glosa, e mal disfarça o propósito de eliminá-la; a ação seria declaratória, quando só se destina a decidir-se sobre a inexistência do direito negado; condenatória, quando cogita de dano. Com isso, estaria elidida, e não explicada ou classificada a ação negatória. Tampouco é de acolher-se que a ação negatória seja, em todos os casos, declaratória, e o ressarcimento do dano resulte, imediatamente, da declaração. Não se ressarce somente por se declarar. Indenizar é termo dos séculos X\JII e XVIII: é contraprestar pelo dano; tirar o dano; tomar indene, sem dano. Não se indeniza sem operação adequada, que repare, que faça voltar a estado de indenidade, a ser indene. A condenação (cum, damnum) é essa operação de fazer corresponder ao dano, que se fez ao bem, o dano, que se presta (diz-se,. por isso “prestar perdas e danos”, sentido que é o que se usa nas XII Tábuas). Ninguém pode indenizar somente declarando-se. Tem-se de declarar e condenar. A carga de condenatoriedade que tem a negatória é ineliminável. Demais, o autor tem de alegar e provar a ofensa e alegar o não-direito do réu à inclusão na esfera jurídica de proprietário, sem precisar dar prova de possuir a coisa. O que ele tem de alegar, e provar, é que o réu ofendeu ou ofende, e não que o réu não tem direito: o ônus da prova, que incumbe ao autor, concerne à negação, mas para isso tem de alegar e provar que é proprietário, invocando presunção, ou outra regra juridica. Ao réu provar que não praticou nem pratica ato contrário a direito do autor, ou negar o próprio direito do autor. Dir-se-á que a ação negatória, tal como a tem o direito brasileiro, conserva resíduos romanos que não mais se justificam. A ação declaratória negativa bastaria a quem tivesse de negar direito real sobre o bem, ônus, ou Limitação ao conteúdo do direito de propriedade. Basta atentar na carga de condenatoriedade, que há na ação negatória, para se ver que tais argumentos são improcedentes, e a carga de executividade, que a distingue dentre as ações condenatórias, acentua-lhe a especificidade. A condenação não é, sempre, a indenizar; é condenação a não mais ofender, ou a não mais ofender e a indenizar. A presunção de não ter gravame ou ônus a propriedade exerce papel de relevo na ação negatória. O ato, que se aponta como ato ofensivo, presume-ser ofensa, e não exercicio de direito. De certo modo o autor dá, provando ser proprietário, ao réu o ônus de provar as Iimitaçôes e as restrições ao conteúdo do direito de propriedade. (A afirmação anterior de que não tem ação negatória o possuidor, atende, certamente, às fontes históricas da actio negatoria, estabelecida no plano da eficácia dos direitos, portanto em pleno mundo jurídico, sem qualquer ligação à interditabilidade dos atos ofensivos às situações fáticas. Porém, se nos puséssemos no terreno puramente principiolágico, apriorístico, e quiséssemos conceber a ação negatória, a propósito de posse, seria absurda a concepção, porque exatamente, no que se parece com as ações possessórias, ela supõe não se tratar de ofensa à posse. Criou-a o edicto do Pretor sem que estivesse em causa turbação ou esbulho da posse, mas outra turbação ou ofensa à propriedade, que não fosse à posse, ainda quando proibitória a fórmula. Quando se propõe a ação declaratória da posse, o interesse na declaração e o ingresso em juízo determinam, segundo as princípios que foram expostos no Tratado de Direito Privado, Tomo X, a entrada da posse no mundo jurídico, podendo o juiz declarar a relação jurídica de posse, positiva ou negativamente (cf. Leo Rosenberg, Lehrbuch des deu tschen Zivilprozessrechts, s)., 370; A. Schõnke, Lehrhuch des Zivilprozessrechts, 7ª ed., 171; Arthur Nikisch, Zivilprozessrecht, 2ª ed., 152). Quanto à ofensa à posse e à pretensão que ela gera, o sistema jurídico protege os possuidores com remêdios especiais, que correspondem a ações executivas ou proibitórias, de eficácia, portanto, que a ação negatória não teria.


§ 25. Execução da sentença negatória 1. Incidentes processuais. Durante a ação negatória, não se tomam medidas, salvo em ação incidental. As medidas próprias somente podem ser decretadas na sentença se não é hipótese de antecipação, total ou parcial, dos efeitos da tutela pretendida. A ação negatória não se confunde com a ação de preceito cominalono. A ação tem por fim, a propósito de ofensa ao direito de propriedade, declarar que o direito de propriedade não permite o ato, positivo ou negativo, do réu, e condená-lo. No direito romano, o réu teria, perdendo, de ser constrangido à cautio de non turbando (L. 12, D., si seruitus vindicetur, 8, 5, verbis “judiejis officio contineri puto, ut de futuro, quoque opere caveri debeat”). No direito contemporâneo, especialmente no brasileiro.: não se precisa, de regra, exigir caução de nem turbando — basta a cominação sentencial. Se o réu transgrida a preceitação judicial, sofre as consequências de seu ato, sem que a alusão ao quanto afaste a responsabilidade pelo dano que cause, segundo os princípios da ação de reivindicação (L. 4, § 2, D., si servitus vindicetur, 8, 5). Se o autor pede a caução damni injecti, porque acha prudente e cabe na espécie ou in casu, defere-se, pendente a lide, ou depois, mas tal caução somente era de ordinária utilidade em direito comum, por se não ter desenvolvido, suficientemente, a função mesma da actio negatoria (Hugo Burckhard, em Chr. Fr. von Glúck, Ausfúhrliche, Erláuterungen da Série dos Livros 39 e 40, 273 s.)

Parte II capítulo V

2. Direito processual. A sentença negatória executa-se nos próprios autos, de acordo com as regras jurídicas que regem a execução de sentença, inclusive a cominação de pena pelo ato violador (é difícil ter-se de invocar princípio sobre ação de execução de declaração de vontade, porém não impossível; como se a ofensa consistisse em dizer-se o ofensor comuneiro e ter impedido pagamento de impostos), com nova citação. Se houve condenação à entrega de coisa certa, ou em espécie, regem os princípios preclusivos. A ação negatória tem, portanto, carga mediata de executividade. E ação de condenação, com efeito mediato-executivo. Na ordinariedade dos casos, entenda-se. Para a ação de afastamento abstenciva, os princípios da ação executiva de sentença sobre alegação de fazer ou de não-fazer são de invocar-se, sendo necessária nova citação. 3. Diferença de carga executiva. A ação negatória não pode ser apenas para declaração da liberdade da propriedade QJohannes Biermann, Das Sachenrecht, 299): seria transformá-La em declaratória pura. Pode ser cumulada com a declaratória (Otto Warneyer, Kommentar, II, 215); mas a eficácia da sentença, nessa parte, é apenas a de preceitação. Nada impede que se cumule com a ação negatória alguma outra ação condenatória, uma vez que possa ser invocado o principio da cumulabilidade do que é conexo, ou consequnte.

§ 26. Pretensão e ação de reparação 1. Danos e irradiação dos fatos ilícitos. Aos fatos ilícitos, de que se irradiam divida, direito, obrigação, pretensões e ações, o direito faz corresponder a relação de responsabilidade extranegocial, para que não fique sem equivalente positivo o que ocorreu com diminuição patrimonial, ou avaliável patrimonialmente. Os lesados podem ser dois ou mais, ou só haver um lesado. O responsável pode ser um só, ou pode haver dois ou mais responsáveis.


No sistema jurídico brasileiro, como em outros, é assente não serem atos ilícitos os praticados em legítima defesa ou no exercício regular do direito reconhecido, nem a deterioração ou destruição de coisa alheia, a fim de remover perigo iminente. A última espécie é o de estado de necessidade, que permite o ato ou os atos se indispensáveis para a remoção do perigo. Todavia, atribui-se direito de indenização do prejuízo que sofreu o dono da coisa, se não foi culpado do perigo, contra o autor do dano ou contra o terceiro, regressivamente, se foi culpado. A mesma ação cabe contra aquele em favor de quem se danificou o bem. A ação contra o autor do dano irradia-se de ato lícito danificante. A ação regressiva, no caso de ato em estado de necessidade, é oriunda de ato ilícito do terceiro. A ação, no caso de legítima defesa de terceiro, apenas supõe que o dano à coisa de terceiro foi para se defender a si, ou a outrem, e exerce-se contra quem legitimamente se defendeu, ou defendeu legitimamente a outrem. Nenhum ato ilícito por parte de quem produziu o dano. Se quem causou foi o ofensor, esse responde conforme os princípios gerais, pois o seu ato foi ilícito.

2. Dano e causaçâo. Nunca é demais acentuar-se a importância da relação causal, no âmbito da responsabilidade pelos fatos ilícitos absolutos. Frisemos “fatos ilícitos absolutos”, porque os próprios fatos ilícitos stricto sensu, com a abstração conceptual de qualquer elemento subjetivo, ou de quase todos, põe em relevo que a causalidade é o que mais importa. Tem-se de examinar, no sistema jurídico, toda a linha de limites objetivos da ressarcibilidade dos danos. O que muito surpreende é que os juristas e a jurisprudência mais tenham em mira, apesar das diversidades de deveres de reparação, a culpa e outros dados subjetivos. Observemos de início que não se trata, sempre, de mera quaes tio Jacti, porque as leis presumem ou assentam a existência de nexos causais. Ainda hoje aparecem, aqui e ali, os escritores que o afirmam, como Andreas von Tuhr (Allqerneiner Teil des schweizerischen Qbliqationenrechts, 1, 2~ ed., 90 s.) e Amisi Ghaem Maghami (Faute, Risquê et Lieri de causal ité dans la responsabilité civile, 150). A causalidade não precisa ser imediata, damnage direct; o que é preciso é que, sem a, b não se produziria. Uma vez que a lei dai partiu para a responsabilidade, tanto a causalidade imediata quanto a mediata bastam. Há mais: ~ responsabilidade é independente de ato, salvo se na espécie o que se considera danoso é o ato humano. Quando alguém tem de reparar, porque o seu animal, ou a sua coisa inanimada causou o dano, bem se mostra que a causalidade e a responsabilidade são fatos distintos, mesmo porque, por vezes, o sistema jurídico admite a objeção de quem foi apontado como responsável. Quanto à função do juiz, na determinação do nexo causal, de modo nenhum pode ele afastar-se da causalidade natural, apesar de, a cada momento, precisar ele de dados e enunciados que procedam das pericias e das discussões entre peritos e investigadores. Daí ser inadmissível a diferenciação absoluta entre a técnica do juiz, que seria interna, e a dos peritos e investigadores, que seria externa (e. q., G. Franchi, La Perizia civile, 62 s.). Essa é aberta, entregue ao juiz, a quem competem as afirmações definitivas, sujeitas, aliás, a reexame em recurso. As teorias sobre a causalidade no direito têm de atender à causalidade natural — dita física e psíquica — e ao que o sistema jurídico tem como limites objetivos da causalidade (cf. Heinrich Lange, Herrschaft und Verfaíl der Lehre vom adàquaten Rausaízusammenhang, Archiu for die civilistische Praxis, 156, 115 s.). O juiz pode discordar das conclusões dos peritos, engenheiros, médicos, químicos, ou outros quaisquer. Como peritus peritorurn, tem de fundamentar o que ele reputa a conclusão ou as conclusões verdadeiras, divergindo quanto às causas ou quanto à relevância jurídica de alguma, ou de algumas, ou mesmo de todas elas (cf.E.V. Caemmerer, Das Problern des Kausalzusammenhangs im Privatrecht, 12). Nem sempre há a linha causal única: pode haver pluralidade de causas ou causa de causas, fatos sine quibus non; pode haver os chamados danos iniciais e os danos sucessivos, distinção sem relevância (para o direito italiano, Teugro Brasiello, 1 Lirniti delia Responsabilitá per danni, 2~ ed., 356 s.; Paolo Forchíelli, II Rapporto di causalitá nell’illecito civile, 22 s.). A extensão do suporte fático de direito penal e a do suporte fático do direito da responsabilidade por ato ilícito absoluto, no direito privado, não coincidem, porque os danos ressarciveis, no direito privado, podem ir além dos limites fáticos do crime. O que o direito penal vê, no ferimento, é o ferimento, a ofensa à integridade corporal ou à saúde, com ou sem incapacidade para as ocupações habituais, perigo de vida, debilidade permanente ou perda de membro, sentido ou função, aceleração do parto, incapacidade permanente para o trabalho, enfermidade incurável, deformidade permanente, ou aborto. Não se leva em conta o dano patrimonial ou não-patrimonial (moral), que o ferido sofra, ou a alguém, perto dele, atinja (cf. Elio Casetta, L’Illecito degli enti pubblici, 18 s.). Quando se fala de imediatidade não se alude a ser instantâneo o dano, há algo de temporal, que permite ter-se como imediato o que foi muito após o ato ilícito absoluto sem ter havido dano intercalar. Se o alimento dos animais ficou deteriorado, mesmo depois. devido ao fato ilícito absoluto, houve


dano imediato, ao passo que mediato foi o dano que resultou da falta de alimento para os animais, se havia tempo para se adquirir o necessário ou se dar outra solução à alimentação. O exemplo está na L. 21, § 3, D., de actionibus empti venditi, 19, 1, onde Paulo falou de dano ao trigo e fome da família. Aqui, afastamos a opinião de todos aqueles que não fazem a ressalva para que não se considere imediato o dano, bem como a daqueles que, em todos os casos, o têm como dano imediato. As consequências do fato ilícito absoluto podem ser distantes, no futuro, ou distanciadas (e. g., houve medidas para isso, que não tiveram êxito total), sem que se possa negar a imediata conexidade causal. A concomitância de causas pode ser levada em conta para a legitimação passiva na reparação dos fatos ilícitos absolutos. Se o cliente foi mal operado, ou se o ferimento proveio de assaltante, e o caminhão que nassa atinge a ambulância e o operado ou ferido morre, os dados que mostrem a responsabilidade do médico-cirurgião, ou do assaltante, bastam a decisão sobre a reparação pelo médico-cirurgião ou pelo assaltante, e os dados sobre a colisão que provem a responsabilidade do carro colidente são base para o julgamento da outra ação. O dono ou possuidor do caminhão dificilmente pode objetar e provar que a morte só se deu porque a pessoa estava em estado grave; porém não se pré-exclui a possível alegação, que se possa provar. Aliás, pode ele objetar que houve caso fortuito (= não foi responsável pela colisão). Se há dois ou mais responsáveis, ou — de iure condendo — se medem as culpas (= a indenização seria dividida proporcionalmente às culpas), ou se reparte o quanto igualmente, ou só é igual a parte de cada um dos responsáveis se não há meio para se medirem as culpas. A gravidade da culpa somente pode ser assente conforme a influência causal, a despeito de haver opiniões que só atendem ao elemento subjetivo.

3. Pluralidade subjetiva ativa. O ato ilícito pode ser resultado de pluralidade subjetiva (ativa): a) pode o mesmo ato ser de autoria de duas ou mais pessoas; b) a ilicitude pode provir da combinação de ato de um com o de outro ou de outros; c) ser de um, por omissão ou ato de outro; d) ser de um, mas culpado o outro, por não haver evitado as consequências. A pessoa, que prevê delito praticado por outrem, se colabora na consumação, é culpada. O que não preserva a vitima das consequências do ato de terceiro pode incorrer em culpa. Por onde se vê que a previsão não é somente a das leis físicas e fisiológicas, é social. O automobilista, que avança, célere, na curva, atenta contra a técnica material, mecânica; mas o que vê alguém deslocar, inadvertida ou propositadamente, um trilho, com feição de ir arremessá-lo contra outrem, sem que intervenha, atenta contra a técnica da vida inter-humana. Nos casos de atos ilícitos é possível a aplicação do principio da solidariedade quando haja mais de um autor. Na doutrina e na jurisprudência francesas, é controversa a questão. Em códigos (Código Civil alemão, § 830; austríaco, § 1.302; e os Códigos Civis sul-americanos), adota-se outro critério. O inconveniente desses é o de somente admitirem a solidariedade quando não se possa determinar, dentre os diversos autores do fato ilícito, o que cometeu o dano. Indagações fastidiosas, dispersivas, sem a necessária segurança, são o que produz tais princípios de apreciação, mais ou menos hipotética, de causas e efeitos. No Brasil, se tem mais de um autor a ofensa, todos respondem solidariamente pela reparação. Vai mais além o regramento: são solidariamente responsáveis com os autores os cúmplices e as pessoas responsáveis por atos de incapazes, os empregados e os hoteleiros, hospedeiros, ou outras pessoas que alberguem por dinheiro, e os educadores. É o fato da união (co-autoria ou cumplicidade) que vincula à reparação; assim, supõe a solidariedade que: a) duas ou mais pessoas tomaram parte no ato ilícito, doloso ou culposo; b) unicidade do fato ou de conjunto de fatos lesivos, ainda que tenha havido concerto comum ou concurso material de todos os responsáveis. Se trata de crimes ou danos diferentes, não pode haver solidariedade. Exemplo: no dia de uma parede operária, três operários atearam fogo a um barracão e dois dinamitaram uma ponte; há solidariedade entre os dois últimos, e entre os três primeiros, porém não há entre os cinco. Um rival do industrial, em palestra com outro, propõe soltar as águas do açude a fim de que se atire a culpa aos operários: um fornece chave que abre o portão de ferro que conduz ao lugar e o outro entra e solta as águas. Há entre os dois solidariedade. No crime de furto, o indivíduo que não é autor ou cúmplice ou se envolva no inquérito como incurso noutra figura penal, não responde solidariamente; e. g., O que, depois de praticado o delito, em que não tomou parte, foi encarregado de vender o objeto furtado ou roubado ou de o entregar a outro, ou de o ocultar. Não assim se cooperou com tais atos, previa-mente acertados, ou na ocasião do crime, para que se efetuasse o roubo ou furto. Quanto à inj4yia verbal ou escrita, não basta a causa idêntica impulsiva, nem a mesmidade da injúria, para que se crie a responsabilidade solidária: cada um dos injuriantes, ainda em tal hipótese, se deve considerar como autor, e não co-autor, nem cúmplice, porque, de regra, a instantaneidade e a especial natureza do crime de injúria excluem o conceito de co-autoria ou de cumplicidade (Giovanni Cetario-Consolo, Trattato sul Risarcimento dei danno, 295). No caso de homicídio, se houve briga, em que muitos tomaram parte, decidiu-se na Corte de Cassação de Roma, a 15 de maio de 1895, que não era ele crime diverso e independente do crime da briga, que foi de si só a causa


indireta daquele. Houve conexão de causalidade entre eles. Daí a responsabilidade solidária. Há casos de autonomia de delito no ato acrescentado à execução e só o exame das circunstâncias pode levar o juiz àjusta sentença. O que, em matéria de solidariedade, como em todas outras, se conclui, a despeito das sutilezas e minúcias da elaboração legal, doutrinária e interpretativa (judiciária), é a imperfeição, e, mais do que isso, a insuficiência do sistema juridico individualista de ressarcimento. Na doutrina e na jurisprudência francesas admite-se a responsabilidade solidária dos responsáveis civis em relação aos autores do dano (responsáveis criminais). Discordaram alguns escritores italianos: responsáveis civis não são condenados pelo mesmo crime e há de ser aceita a decisão de Sicília, a IS de julho de 1872. Também Giovanni Cesario-Consolo (Trattato sul Risarcimento dei danno, 301) não se conformou com a doutrina e a jurisprudência francesas, e opôs argumentos de algum valor. A absolvição, no juízo criminal, em se tratando de coautor ou de cúmplice, nem sempre prejudica a responsabilidade civil. O que não pode haver é a solidariedade, porque nem co-autor nem cúmplice ele foi, pois que como tal saiu absolvido. Se tiver de pagar a reparação, será por imprudência ou negligência, e então o quanto da responsabilidade pode ser menos, ou o mesmo, ou até mais do que o devido pelos autores e cúmplices do delito. Ter de pagar o mesmo (se o dano ainda não foi ressarcido), ou o que faltar (se já se ressarciu em parte), não equivale a responder solidariamente. No caso de vantagem no crime, muito se há de discutir. Todavia, é notável a confusão de alguns escritores e da jurisprudência. Por exemplo, cita-se o caso da mulher que foi condenada por furto, e dele se aproveitou, sem saber, o marido, em virtude da comunhão. A Corte de Cassação da França considerou solidariamente obrigado ao ressarcimento o marido da condenada (22 de janeiro de 1830). Foi absurda tal decisão: não há dúvida que, se existiu comunicação da quantia ou objeto furtivo, deve haver meio jurídico para se cobrar à mulher e ao marido; mas solidariedade é que não pode existir, nem ação de ressarcimento por delito civil: primeiro, porque não praticou o marido nenhum ato doloso, nem culposo, nem foi punido como autor ou cúmplice; segundo, porque seria lançar-se princípio de responsabilidade objetiva e, mais ainda, injusta. O que houve foi enriquecimento injustificado — sem nenhuma culpa, ex hypothesi — e então o que cabe é a ação específica, que compete contra quem enriqueceu ou tem enriquecido o seu patrimônio com quantia ou objeto que pertence ou devia estar com outrem. A ação de indenização é mais subjetiva. Ora, na ação de enriquecimento injustificado, que é mais objetiva, o que se pede é o que aproveitou ao réu, e não deveria’ aproveitar; de modo que não se pode reclamar senão o que enriqueceu injustificadamente, e não solidariamente, o que serviu diretamente à mulher. Cumpre não confundir-se com o damnum injuria datum a versio in rem. Pode haver damnum injuria datum com a versão no patrimônio do culpado, mas pode havê-lo sem ela; e a versão injustificada pode constituir-se com a culpa e então será a figura do damnum iniuria datum com a versão no patrimônio ou sem a culpa, caso que não interessava à Lei Aquília e somente pode admitir a ação específica de enriquecimento injustificado. O laço social não cria solidariedade na reparação do dano; pode dar-se responsabilidade da pessoa juridica, mas isso somente ocorre quando o fato deriva do .órgão, e não apenas do sócio. Darnnum culpa socii contingens sob socio culpabili imputatur (Álvaro Valasco, Praxis Partionum et Colíationum, II, 490 e 495). Ou se há responsabilidade transubjetiva.

4. Pluralidade subjetiva passiva. Se duas ou mais são as vítimas do dano, qualquer uma delas pode reclamar, separadamente, a indenização. O fato de só uma reclamar não ilegitima o proceder da que não reclamou (Câmaras Reunidas da Corte de Apelação do Distrito Federal, 4 de setembro de 1924). No caso de pluralidade de causadores, ou a) os danos foram causados conjuntamente (A, B e C causaram o dano a, quer haja induzimento ou auxílio, desde que haja participação consciente); ou b) os danos foram produzidos por duas ou mais pessoas, independentemente, ou uma ou mais pessoas o causaram, ou todas respondem objetivamente ou alguma ou algumas respondem por culpa, presumida ou não, e o mais pelo risco, e todas respondem pelo total dos danos: ou c) os danos são separados, com a relação causal de cada um, inconfundível com a do outro, ou dos outros, espécie em que há multiplicidade de danos, de direitos, pretensões e ações; ou d) houve participes ou culpados de perigo na causa e não se pode dizer quem causou o dano (não basta a coexistência no espaço; e. 9., estavam todos na sala de máquinas e alguém provocou o curto-circuito). 5. Comunhão matrimonial de bens e direito á indenização. O direito de haver à indenização comunica-se, ou não,


com o cônjuge, segundo as regras do direito de família. Na comunhão universal de bens, porque se reputam do casal todos os direitos que possuíam os cônjuges e os que lhes advierem: tudo que está ou o que entra para o acervo dos bens do casal fica indistintamente, como se fora possuído ou adquirido, ao meio, por eles; os bens permanecem indivisos na propriedade unificada dos cônjuges, a cada um dos quais pertence metade imaginária, que só se desliga da outra quando cessa a sociedade conjugal e advém a partilha. Ainda assim pode a obrigação por ato ilícito ser ativamente transmitida com a cláusula de incomunicabilidade, e então não se comunica. Há outras restrições, de que damos exemplos: se a ação foi prometida, ou constituída, como dote, a filho de outro leito ou comum; se foi objeto de doação antenupcial feita por um dos cônjuges ao outro, com a cláusula de incomunicabilidade, ou com tal cláusula até certo tempo. Na comunhão limitada, não se dá comunhão, porque se excluem da comunhão matrimonial de bens o que cada cônjuge possui ao casar e os bens que sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou por sucessão, em vida ou por morte, em favor de um só deles. Se o dano é causado a bem que era ou é comum, a indenização entra na comunhão. Se o bem que foi perdido, ou lesado, era de um só dos cônjuges, não há comunicação do crédito ou do quanto recebido. 6. Mora. Nas obrigações provenientes de fatos ilícitos considera-se em mora o devedor desde que ocorreu o fato. Por isso mesmo, é de grande importância verificar-se há responsabilidade contratual ou responsabilidade extracontratual. No caso de obrigação ex delicto — que, na terminologia vulgar a que é estranha a distinção delitos e quasedelitos, vale dizer-se “fatos ilícitos” — fluem os juros desde a perpetra ção, quer se trate de ato positivo, quer de ato negativo, ou de fato ilícito stricto sensu. Resta saber-se a responsabilidade civil — fora dos fatos ilícitos — como, por exemplo, no caso de necessidade, se rege pelo da mora por fato ilícito absoluto, ou pelo princípio de fluírem juros desde a decisão judicial, ou o arbitramento, ou acordo. Não se trata de delito; portanto, há lacuna da lei. O fundamento do primeiro principio é o de concerem por conta do devedor os riscos da coisa devida. A questão torna-se delicada. No Esboço, ad. 1.073, escrevia Teixeira de Freitas: “Se a obrigação for de indenizar dano causado por delitos, ou ofensa, ficará o devedor constituído em mora desde o dia do delito, ou ofensa”. Procurou conciliar o direito civil com o direito penal, cujo Código Criminal então vigente, no art. 26, mandava que se contassem os juros desde o momento do crime. Super enim moram fur facere videtur,No Projeto primitivo do Código Civil de 1916, art. 1.103, só se falava em delito. E as ofensas sem delituosidade, sem ilicitude? Viu-as e a elas proveu o Esbôçô; parece que não as enxergou o Projeto, nem o Código Civil. Quid luris? ~Há mora ex re nos danos causados pela pessoa a que a lei não imputa ato ilicito? A mora começa desde o fato tido como delito, ou quaisquer danos causados se não há relação jurídica preexistente. A lei não diz; porém temos de admitir que, não havendo culpa, do ato fluam os interesses. Não há afastar-se, em tais casos, a incidência se o dano foi causado para se evitar perigo iminente. Contra o responsável, não podem deixar de fluir os juros desde o fato. Se a obrigação é mais contratual que extracontratual (a linha divisória dificilmente se vê e há muito de opinativo nas apreciações), cessa a aplicação do princípio. Se há possibilidade de escolha das ações, a que diz respeito à infração do contrato e a ação nascente do delito, dá-se a fluência segundo a ação proposta. Aliás, já se dera.

7. Garantias do direito à indenização. A lei confere hipoteca ao ofendido, ou aos seus herdeiros, sobre os imóveis do delinqúente, para satisfação do dano causado pelo delito e pagamento das penas pecuniárias e o pagamento das custas. Aliás, a referência aos bens do delinquente está de tal modo nos propósitos do legislador que em geral enuncia que os bens do responsável ficam sujeitos à reparação dos danos causados por ofensa ou violação do direito de outrem. A alusão a delinquente de modo nenhum afasta que os responsáveis por atos de outrem, ou até por atos de animais e fatos ilícitos absolutos não estejam incluídos. “Delinquente” está em regras legais em vez de “responsável” (sem razão, o Tribunal da Relação de Minas Gerais, a 10 de julho de 1929, ECJ 11/149). Advirta-se que a pretensão à hipoteca legal nasce com a dívida de indenização; portanto, no momento do ato ilícito absoluto, do ato-fato ilícito absoluto ou do fato ilícito absoluto. Note-se que a hipoteca legal não se estabelece automaticamente, o que exsurge é a pretensão ao gravame (cf. ratado de Direito Privado, Tomo XX, §§ 2.457, 2; 2.469, 2; 2.470, 2; 2.473, 6; 2.474, 2). A especificação há de ser feita, o que somente ocorre com a feitura do registro. Outra garantia está no sequestro. A hipoteca legal dos bens imóveis do indiciado, pode ser requerida pelo ofendido (ou quem o representa, entenda-se), em qualquer fase do processo (criminal), desde que haja certeza da infração e indícios suficientes de autoria.


8. Seguro. O seguro contra atos ilícitos absolutos é objeto e efeito de negócio jurídico. Aliás, o seguro pode cobrir o risco proveniente de fatos ilícitos absolutos, ou deles e de fatos que se não possam considerar ilícitos: segura-se contra danos que provenham de fatos ilícitos absolutos ou de meros acidentes de que resulte, ou não, responsabilidade civil de alguém. Só não se pode segurar contra o dolo do segurado. Os riscos que derivem de dolo de terceiro, inclusive de empresa, ou seus empregados, é segurável. Bem assim, se o ato ilícito, ato-fato ilícito ou fato ilícito provém de preposto, ou empregado, ou dependente do segurado. A empresa pode segurar-se contra atos dos seus diretores em geral (cf. Henri et Léon Mazeaud, et Tunc, Traitá théorique et pratique de la responsabilité civile delictuelie et contractuelle, III, 3ª ed., 842). Qual o fundamento da ação direta do segurado por outrem contra o segurador? Houve contrato a favor de terceiro, de modo que a ação nasce conforme os principios que regem os negócios juridicos a favor de terceiro. Pensou-se em privilégio, o que de jeito nenhum seria de admitir-se. Tampouco. seria invocável o que concerne às ações de enriquecimento injustificado. Se houve obrigatoriedade do seguro, não é afastável a inclusão nos contratos a favor de terceiro, porque a vinculação é outra, entre os figurantes do contrato de seguro, oriundo de dever de contratar (sem razão, lsaac Halperin, La Acción direta de la vítima contra ei asegurador dei responsable civil dei daiio, 80-84). A responsabilidade do ofensor é em consequência de fato ilícito absoluto; a do segurador, negocial, quer perante o figurante do contrato de seguro, quer perante o terceiro. O que acima dissemos também é invocável a propósito daqueles casos em que a responsabilidade pelos danos não resulta de ato ilícito absoluto (e. g., em caso de ato em estado de necessidade).

§ 27. Transmissão da dívida de indenização 1. Transmissão da dívida sem transmissão da responsabilidade. Ninguém deve ser punido pela falta de outrem. E fórmula de origem afetiva, que pode, hoje, ser tratada como qualquer axioma geométrico, como disse Pierre de Tourtoulon (Principes philosophiques de l’Histoire du Droit, 313). Nem todos os fins jurídicos, diz ele, são sentimentais. O direito pode servir a afeição ou a ideal. O ideal foi sentimento; não no é mais: é sentimento extinto: tornou-se idéia, principio; pertence à vida intelectual. Na vida prática, na doutrina como na jurisprudência, são vulgares as aplicações daquele e de outros princípios por processos inteiramente intelectuais e não nos parece que sejam menos legítimos que os outros: são mais precisos, mais nítidos e não apresentam os vícios da lógica emocional. Na Constituição do Império, o art. 179, § 20, assentava que “nenhuma pena passará da pessoa do delinqúente”; depois: “portanto, não haverá em caso algum confiscação de bens, nem a infâmia do réu se transmitirá aos parentes em qualquer grau que seja”. A tais palavras, J. A. Pimenta Bueno apenas teceu algumas interjectivas racionalisticas em que falou dos “nobres esforços da razão filosófica” e do “triunfo do sistema constitucional’, em vez de distinguir as duas consequências práticas do ad. 179, § 20, a que acudira mais tarde, o Aviso de 15 de janeiro de 1839. Na Constituição de 1894, art. 72, reproduziu-se a primeira regra, como princípio em matéria de direito penal. Conseguintemente, no direito civil. O ad. 1.521 do Código Civil não é exceção ao principio da culpa. Não consiste em violação do princípio. Nem o instituiria se fosse adotada a doutrina do risco. Responde-se por culpa alheia — na responsabilidade objetiva — não por simples escolha arbitrária, mas sim por medida de ordem pública e porque há relação que o permita. 2. Texto do direito civil. O direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la transmitem-se com a herança, exceto se há regra jurídica especial que pré-exclua a transmissão. A ação de indenização não se extingue com a morte do culpado. Ainda que se trate de delito penal: extinguese a ação criminal; fica a ação civil. Dai poder exercer-se contra os herdeiros, ou simples legatários. Sempre intra vires, pois, no direito brasileiro, só se responde dentro das forças da herança. A dívida provenham de fatos ilícitos absolutos ou de meros acidentes de que resulte, ou não, responsabilidade civil de alguém. Só não se pode segurar contra o dolo do segurado. Os riscos que derivem de dolo de terceiro, inclusive de empresa, ou seus empregados, é segurável. Bem assim, se o ato ilícito, ato-fato ilícito ou fato ilícito provém de preposto, ou empregado, ou dependente do segurado. A empresa pode segurar-se contra atos dos seus diretores em geral (cf. Henri et Léon


Mazeaud, et Tunc, Traité théorique et pratique de la responsabilité civile delictuelle et contractuelle, III. 3~ ed., 842). Qual o fundamento da ação direta do segurado por outrem contra o segurador? Houve contrato a favor de terceiro, de modo que a ação nasce conforme os princípios que regem os negócios jurídicos a favor de terceiro. Pensou-se em privilégio, o que de jeito nenhum seria de admitir-se. Tampouco, seria invocável o que concerne às ações de enriquecimento injustificado. Se houve obrigatoriedade do seguro, não é afastável a inclusão nos contratos a favor de terceiro, porque a vinculação é outra, entre os figurantes do contrato de seguro, oriundo de dever de contratar (sem razão, Isaac Halperin, La Acción direta de la vítima contra eI asegurador deI responsable civil deI dano, 80-84). A responsabilidade do ofensor é em consequência de fato ilícito absoluto; a do segurador, negocial, quer perante o figurante do contrato de seguro, quer perante o’ terceiro. O que acima dissemos também é invocável a propósito daqueles casos em que a responsabilidade pelos danos não resulta de ato ilícito absoluto (e. g., em caso de ato em estado de necessidade).

§ 28. Ações e procedimento 1. Ações cautelares, ação declaratória e ação de indenização. Quem tem o dano pelo qual outrem tenha de responder pode exercer a ação cautelar que seja adequada. A ação declaratória pode ser proposta pelo lesado ou pela pessoa a que se atribui responsabilidade. A ação cautelar, como a ação cominatória, pode ser proposta se há ameaça de dano. Não importa qual a espécie de direito cuja ofensa se teme (e. g., direitos de personalidade, direito de propriedade, posse); nem se o ato, que pode danar, é positivo ou negativo. Se houve o ataque, ou se os fatos mostram que éprovável que haja, há a pretensão a que se omita, ou a que se pratique o ato, cuja omissão danificaria. Numa e noutra espécie, b) A obrigação passa aos herdeiros e — se não vigora mais a restrição para o caso de aceitação de herança a benefício para se libertar dos encargos da herança — o herdeiro aceita ou renuncia à herança; não responde por encargos superiores às forças da herança (irresponsabilidade “ultra vires hereditatis”). Em todo caso, incumbe-lhe a prova do excesso, salvo se existe inventário, que a dispense pela demonstração do valor dos bens herdados. Transitada em julgado a sentença condenatôria, podem promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros. A ação para ressarcimento do dano éproponível no juízo cível, contra o autor do crime e, se for o caso, contra o responsável civil. intentada a ação penal, ao juiz da ação civil é dado suspender-lhe o curso até o julgamento definitivo daquela. Portanto: supõe-se a condenação à reparação dos danos e tem a consequência de atribuir executividade civil à sentença penal. Se ainda não houve tal sentença, ou se ela não preestabeleceu a inexistência de suporte fático para a indenização, nada obsta a que se proponha a ação civil. Se já foi intentada a ação penal, nada obsta a que se proponha a ação civil. Em tal espécie, ou se a ação penal sobreveio à propositura da ação civil, fica o juiz do cível com a escolha entre continuar no procedimento ou suspendê-lo. Não se trata de arbitrio puro. Tem ele de examinar as circunstâncias, inclusive a inconveniência do protelamento em virtude de retardamento no juízo penal. O juiz pode suspender. Se revelou ser prejudicial, aguarda-se a sentença penal, mas pode ele determinar a continuação do procedimento. c) Faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhece ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício de direito. A referência ao ‘exercício de direito” de modo nenhum afasta que se possa causar danos a despeito de ser o ato ou de serem os atos em exercicio de direito. A ordem jurídica não é tão perfeita que não haja direitos que o exercício de outro direito possa ofender. Quem abre poço no terreno, a que falta água, exerce direito, mas pode ocorrer que o poço corte o veio de água que ia ao terreno vizinho, ou lá embaixo. d) Não obstante a sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil pode ser proposta quando não tiver sido, indubitavelmente, reconhecida a inexistência material do fato. Não impede a propositura da ação civil: a) o despacho de arquivamento de inquérito ou das peças de informação; b) a decisão que julgar extinta a punibilidade; c) a sentença absolutória que decidir que o fato imputado não constitui crime.


Arquivamento é ato que não contém qualquer decisão sobre o mérito. A extinção da ação penal não tem como consequência extinguir-se a ação civil; nem a prescrição de uma importa a da outra. Se a sentença absolveu porque não era crime o que se imputava ao acusado, a ação civil persiste, porque o fato pode ser ilícito, em direito privado, e até em direito público, sem ser crime. Pode mesmo ocorrer responsabilidade por ato sem ilicitude. A indenização somente se defere quando o lesado ou alguém que o presente ou represente a exige. Se o não faz, não pode ser decretada. Trata-se da sanção que depende do exercício do direito à reparação. Mas, se esse é o principio vigente, não nos parece o melhor, e muito terá o direito que desenvolver no domínio das relações de ressarcibilidade. Quem quer que observe a vida moderna, dizíamos em 1927, no livro Das Obrigações por atos ilícitos, Tomo 1, com as suas profundas e sutis injustiças sociais, com as suas dificuldades permanentes de realização prática do direito, o que torna inútil o esforço e ilusório o reconhecimento das situações jurídicas, vê que a cada momento se ferem direitos de outrem sem que o lesado recorra aos juizes. Porque, com isso, se perdem tempo, esforço e dinheiro. E a própria comodidade, que sugere o desleixo, a renúncia à luta pela justiça nas relações da vida. Que fazer? Reeducar o povo? ~Ensinar-lhe o gosto pela peleja? Baratear a justiça? Acelerar os processos? Nenhuma das medidas bastará; porém todas devem ser praticadas, e a elas devemos juntar uma, que a todas sobreleva: a iniciativa social, e não individual, de certos processos de indenização. Mais interessado do que o individuo, na paga do que lhe foi destruido ou tirado, é a coletividade, para a qual o crime não punido é como a rachadura no vaso; prossegue e aumenta; e o dano irressareido é como o bater da água na pedra: fura-a, cava-a, sem que o percebamos. A ordem social, para que se torne suportável a imperfeição existente, reclama todas as medidas de socialização, digamos assim, incluidas as de iniciativas processuais. A Policia e a Justiça devem ter mais ampla alçada e estender até cedas circunstâncias o poder preventivo e punitivo (pelo menos nos preliminares), que lhe é inerente; mas a isso deve corresponder a extensão das promoções. O argumento, que ai fica, é simplesmente de cultura, de civilização. Outro há, que não é menos 1 ode: o da incapacidade de certas classes para “reagir”, para “Lutar pelo direito”. A previdência social deve ir até tais situàções lastimáveis da organização humana: deve minorar-lhes a gravidade; cercear-Lhes as consequências; corrigi-las quanto possível. O dano do automóvel do rico ao transeunte que passa não tem as mesmas probabilidades de ressarcimento que o dano do mesmo automóvel a outro rico ou abastado que então transite: aquele o fatico, sem recursos, humilde, econômica e socialmente fraco, não irá a juízo, ao passo que o outro tem o advogado, o dinheiro, os conhecimentos. De modo que, bem apuradas as coisas, o direito das sociedades atuais é quase um direito que se destina a reger as relações dos homens sem distinções hierárquicas (aristocracia, privilégios), porém, na realidade, mais regulo relações de pessoas abastadas. As considerações que fizemos em 1927 repercutiram no Código de Processo Penal (1941), ad. 68, onde se disse: “Quando o titular do direito à reparação do dano for pobre (ari. 32, §§ 29, a execução da sentença condenatôria (art. 63) ou a ação civil (art. 64 será promovida, a seu requerimento, pelo Ministério Público”. A ação civil, ação de indenização, não surge do delito porque constitua ele violação da lei penal, e sim porque produziu dano. A responsabilidade pelos danos causados por fatos ilicitos absolutos abrange todos os casos de dano, muitos dos quais sem a figura penal do delito. Uma das questões é a ação civil na tentativa. è possivel surgir tal ação? Decididamente pela negativa, há alguns juristas, para quem a tentativa é ameaça de mal, e não mal em si, que se possa avaliar. Tentativa de homicidio, por exemplo, não ê homicídio, nem ferimento. É lesão moral! Qual? A vitima pode temer nova tentativa; e tem interesse na punição. Sim, advertem outros. A o mal moral do terror? E irreparável, respondem aqueles, por isso mesmo que não pode ser estimado. Não era de diferente parecer MerIin (outros seguiram a mesma corrente, que remonta a velhos tempos). Já J. Meriochio (De Arbitr. iudic. Quaestionibus et Causis centuriae, VI, IV, cap. 360, nº 900) estava na regra: “actio civilis pro actu tentato moveri non potest”. Outros sustentaram que nem sempre pode prevalecer a regra; porque casos há de tentativa com dano. Por exemplo, Constantino Castori (Completo Trattato teo rico e pratico di Dirítto pende, 1, 515). A tentativa pode causar danos. Se houve dano, há a ação. Se não houve dano, não se há de pensar em existência de ação de indenização. O que não se pode afastar é a ação cominatória ou a cautelar para o caso de tentativa ou de nova tentativa.


3. Indenização em dinheiro. Para que a reparação seja em dinheiro, é preciso que o credor prefira tal indenização, salvo se a cobertura do dano, na espécie ou no caso, somente pode ser em dinheiro (cf. Otto Pischer, Der Schaden, Abhondlungen zum Priuatrecht tind Ziuilprozess, VII, 188; Max Spittel, Uber das Verhàltnis der Herstellung zum Geldersatz im BGB., 13). O dano moral, rigorosamente, é incomensurável, mas nada obsta a que se avalie o interesse, para que se indenize ou se complete a indenização (cf. Oscar Steinert, Der Ersatz immateriellen Schadens insbesondere nach dem BGB., 62; Eduard Koenigsberger, Der Schadensersatz durch Naturalherstellung nach búrgerlichen Recht, 29 s4. 4. Legitimação ativa. ~A quem pertence a ação de reparação? À pessoa diretamente lesada. E a regra geral. Ao segurador, até a concorrência da indenidade paga, no caso de seguros contra danos. Se dois ou mais foram os lesados, atende-se à figura juridica. Se há herdeiros proprietários da coisa, qualquer deles. Se condôminos, dá-se o mesmo, podendo, a fortiori , ser proposta pelo condômino, que administrar sem oposição dos outros, por que esse presume procurador comum. Se os lesados forem o proprietário, o usufrutuário e o locatário, cumpre proceder-se a distinções. A ação deve ser exercida pelo proprietário, a quem incumbe. O usufrutuário, como o credor hipotecário, exerce os seus direitos sobre a importância. do seguro, ou da indenização (Hermann Becker, Obligationenrecht, Kommentar zum Schujeizerischen Ziuilgesetzbuch, nota 79 ao art. 41). Se a coisa está segura, incumbe ao usufrutuário, ou ao usuário, pagar, durante o usufruto, ou o uso, o seguro, ao proprietário cabe o direito dele resultante contsa o segurador. Em qualquer das espécies, o direito do usufrutuário, ou do usuário, fica sub-rogado no valor da indenização do seguro. Se um edifício sujeito a usufruto, ou a uso for destruido sem culpa do proprietário, esse não é obrigado a reconstrui-Lo, nem o usufruto ou o uso se restabelece, se o proprietário reconstruir à sua custa o prédio; mas, se ele estava seguro, a indenização paga fica sujeita ao ônus do usufruto. Se a indenização do seguro foi aplicada àreconstrução do prédio, restabelecer-se-á o usufruto ou o uso. Também fica sub-rogada ao ônus do usufruto, ou uso, em lugar do prédio, a indenização paga, se ele foi desapropriado, ou a importância do dano, ressarcido pelo terceiro responsável, no caso de danificação, ou perda. Se o proprietário não cobra o seguro, que fez, ou se não demanda o autor do dano pelo prejuízo sofrido, ou perda do prédio usufruído, comete ato danoso, e contra ele tem o usufrutuário a ação para pedir o usufruto. O prejuízo sofrido pelo locatário dá a esse, separadamente, a ação de indenização. As obrigações originárias de atos ilícitos não se confundem com as que derivam da inexecução ou irregular execução de contrato, ou da pena estipulada conjuntamente com a obrigação ou em ato posterior, ou das penas excepcionalmente impostas pelas leis. Também o risco profissional escapa à doutrina clássica da culpa; mas — se adotamos atenuações à velha teoria romana — podemos tratar, no mesmo raciocínio, de umas e outras. As perdas e danos — expressão comum ao ressarcimento do prejuízo contratual e dos danos — são, nos contratos, adjetivas, demandam-se pela ação do contrato, de cujos pedidos são assessórias ou supletórias. Nas obrigações por ilícito absoluto, são substantivas, pedem-se por ação própria, e o fato serve, per se, de fundamento. Ali, o autor é o contraente, há vinculo direto entre os interessados: aqui, o autor, é lesado. Não se confundem, a fortioi-i, tais obrigações com as penas criminais. Se não há dano, essas se aplicam sem que se dê a incidência da lei civil. A pessoa que se tem como responsável por algum dano pode antecipar-se e propor contra quem se diz lesado a ação declaratória negativa (cf. Pritz Schãfer, Die Aktivlegitimation hei der actio legis Aquilíae und der § 823 Abs. 1 BGB., 33 s.). Pode a lei penal estabelecer a pena pecuniária ou a reparação integral. Não é a mesma coisa. O casamento do homem com a vítima do defloramento não poderia entrar na classe das reparações de que tratam as regras jurídicas de direito civil, posto que, de outro modo, haja reparação por ato ilícito. 5. Ação para a reparação dos danos não-patrirnoniais. Sempre que há ofensa a alguma pessoa, física ou jurídica, e o dano não é patrimonial, tem-se de apontar o direito ou o interesse não-patrimonial que foi ferido. Outra pessoa, física ou jurídica, não a pode propor, de modo que a morte do lesado ou a extinção da pessoa jurídica atinge o direito, a pretensão e a ação. Se a pretensão (não sô a ação) já fora exercida em vida da pessoa fisica lesada, ou enquanto existia a pessoa jurídica, transmite-se aos herdeiros o ao sucessor universal. O cônjuge não pode exercer a pretensão e a ação de reparação de danos não-patrimoniais ao outro cônjuge. O


que pode ocorrer é que o mesmo fato ilícito atinja a ambos. No direito brasileiro, permite-se a cessão do direito a pôr o nome na obra — literária, artística ou científica — e isso suscita o problema da transferência do direito, da pretensão e da ação de reparação por ofensa. A excepcionalidade de modo nenhum deturpa o princípio da incedibilidade, porque, se deu o direito a pôr o nome, qualquer ofensa posterior à cessão é à pessoa outorgada, e não mais à pessoa outorgante, e os direitos, pretensões e ações oriundos de ofensas anteriores são, todos, incedíveis. A cessão da ação incessível é nula. Tem-se de repetir a opinião que reputa renúncia à cessão. Depois da entrega da indenização, ou da sentença conde-natória trânsita em julgado, a respeito da reparação pecuniária, o interesse não-patrimonial que foi ferido já se transformou em interesse econômico: patrimonializouse. O direito ao quanto pode ser doado, ou cedido. Nada obsta a que sobre ele recaia execução, ou medida cautelar, salvo se a verba é destinada a tratamento, ou substituição de atividade suprimida pelo fato ilícito. Enquanto não se dá a reparação e essa é necessária, qualquer alienação é contra os princípios, porque o que foi prestado teve finalidade satisfatória. Quanto aos dotes de que se cogitam, em caso de ofensa à honra da mulher, tem-se de assentar que são indenizações destinadas, mas a destinação deixa inalienável o que se recebeu. Quanto à pensão em casos de defeitos fisicos, com diminuição do valor do trabalho, ou inaptidão, tem ela função assaz diferente do dote: a parte da indenização que se presta para tratamento é destinada e, pois, indesviável; não a parte que corresponde aos lucros cessantes até a convalescença e a pensão para suprir o proveito do trabalho para que se inabilitou o lesado, ou que foi depreciado, porque tais somas se destinam à livre disposição, como seria o produto do trabalho ou o que se teria ganho além do que no presente se ganha. 6. Prescrição da ação de indenização. A prescrição da ação civil de dano tem prazo especial quando se funda em ofensa ou danos causados ao direito de propriedade, contado o prazo da data em que se deu a mesma ofensa ou dano. Escapam à regra jurídica as ações que não concernem aos danos ou ofensas ao direito de propriedade. O prazo, então, é ordinário. Em se tratando de direitos de autor, cabe o mesmo prazo especial, contado da data da contrafação. Os novos senhores de um imóvel são parte ilegítima para promover a ação de indenização quanto aos danos causados ao imóvel, quando ainda propriedade do vendedor, ou de outrem, antes do vendedor, salvo se houve expressa sub-rogação de direitos, para tal fim, para o que não bastam expressões vagas e tabelioas (Supremo Tribunal Federal, apelação cível nº 3.525, 9 de maio de 1923). 7. “Beneficium competentiae”. A limitação, feita no século II, da executabilidade dos bens ao que excedesse o necessário àsubsistência, isto é, a regra jurídica de ser incólume à execução o que se tem como necessário à subsistência do devedor, foi chamada na Idade Média beneficiurn cornpetentiae (1232 ou 1264?, cf. Paul Albrecht Altmann, Das beneficium competentiae, 48, nota 8; Wilhelm Bauder, Das Beneficium Competentiae, seine Geschichte u. heutige Geltung, 6). O devedor que paga pode pedir ao juiz que se deduza o que lhe é necessário (con demnat~o in quantum debitorfacere potest). Sobre a discussão, leia-se Gustav Hugo (Lehrbuch des heutingen Rõrnischen Recbts, IV, 245); sobre as duas concepções no tempo, A. C. Holtius (Abhandlungen ciuilistischen und handelsrechtlichen Inhalts, 83), Francke (Ober die Rechtswolthat der Competenz, nebst Bemerkungem tiber die s.g. processualische Consumtion der Klagen, Archiu fOr die ciuilistische Praxis, 23, 390) e Otto Wunsch (Zur Lebre vomteneficium competentiae, 15 e 21 s.). O beneficium competentiae pode ser alegado fora de juízo. As regras jurídicas dos códigos ou leis processuais são as mesmas do direito material, porque de direito material é o beneficio (Tratado de Direito Privado, Tomo XXVIII, § 3.346, 1). 8. Foro das ações de reparação de danos. O problema tem de ser posto no direito anterior à legislação federal sobre processo civil e no direito posterior. Quanto ao direito anterior, nas ações ex delicto, o réu podia ser demandado no foro dd’ seu domicílio, ou no lugar de delito, à escolha do autor. Nas Ordenações Filipinas, Livro 1, Titulo 16, § 1, e Livro III, Titulo 6, § 4, no Código de Processo Criminal, art. 160, e no Decreto nº 3.084, de 5 de novembro de 1898, Parte III, art. 26,


encontrava-se a regra que acima se formula. Pelo ad. 16 da Lei de 11 de setembro de 1830, se o delinquente estava preso ou afiançado, tinha ele a escolha do foro da prisão ou da fiança, ou daquele a que era sujeito. Mas hoje não temos mais a escolha: o preso tem domicílio no lugar onde cumpre a sentença (Código Civil de 1916, ad. 40). Qual o fundamento que se tinha para se excetuar a regra geral da competência domiciliária e se atender à do lugar do delito? Deparam-se duas opiniões, que bem representavam duas épocas; melhor diremos — as duas mentalidades dos tempos em que foram escritas: a) uma, mais velha do que a outra, via nos que delinqúem pessoas que se tornaram, pelo delito, súditos temporais da jurisdição do distrito em que o cometeram. Era a de J. J. C. Pereira e Sousa. Deverse-iam acrescentar, como razões subsidiárias, a de ser exemplo aos moradores do lugar em que se perpetrou o delito e a da facilidade das provas da acusação e da defesa (arg. às Ordenações Filipinas, Livro III, Título 54, §3); b) outra, mais recente, tinha por principal fundamento a facilidade de se coligirem esclarecimentos e provas. Subsidiaria-mente, ser o lugar em que se há de dar o exemplo de repressão. Foi a de J. A. Pimenta Bueno. Aos espíritos de educação científica, não há vacilar: somente se justificaria o lugar do delito como foro, no crime, por ser ali onde se deva exercer a ação da política penal, sem que seja absoluta a regra, pois os Estados podem adotar outros critérios, no cível, pela facilidade, a que acima se alude, e pela vantagem, para o lesado, em se propor a ação onde ele ou a coisa estava. Nos Comentários ao Código de Processo Civil (II, 2ª ed., 296 s.), escrevemos: “tQuid iuris, sobre o foro das ações por atos ilícitos? Teria sido acenado, nesse século do automóvel e do avião, em que os desastres e os danos se operam facilmente noutras comarcas, noutras unidades da República que o do domicílio ou residência do acusado, e até no pais por parte de domicíliados ou residentes no estrangeiro, deixar-se explícito que o foro do lugar em que se cometeu o ato ilícito é o competente, ou também o é, para as ações daí resultantes. O Código de Processo Penal nada disse. Fora do caso do réu sem domicílio ou residência no Brasil, que só apanha aos domiciliados e residentes no estrangeiro, a lei falhou à sua obra de justiça. Ainda aquele réu, sem domicílio e residência no Brasil, terá de ser demandado no foro do domicílio ou residência do réu, que pode não ser o do ato ilícito, O forurn delicti commisi também foi omitido pela Ordenação Processual Civil austríaca (Hans Sperl, Lehrbuch, 1,129; Rudolf Pollak, System, 329-332). Há apenas casos especiais de leis extravagantes. Na jurisprudência posterior, assim se tem entendido (e. g., 2[ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 16 de dezembro de 1952, RT 209/274; 3ª Câmara Civil, 4 de dezembro de 1952, 208/326: “Não há dúvida que, como observa PONTES DE MIRANDA, acertado teria sido, neste século do avião e do automóvel, em que os acidentes e os danos se operam facilmente noutras comarcas, noutras unidades da República, que a do domicilio ou da residência, deixar-se explícito que o foro do lugar onde se praticou o ato ilícito é o competente, ou também o é, para as ações daí resultantes. Não o tendo dito, todavia, de modo expresso, o que se deve entender é que aboliu o vigente Código de Processo Civil o foro do delito para a reparação civil ). A 4ª Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 19 de fevereiro de 1942 (RT 90/763; RT 139/153), assentou a boa interpretação do Código de Processo Civil de 1939, ad. 133, no sentido de ser excludente do foro de delito segundo o direito anterior”. Há, porém, as regras jurídicas que são de grande relevância e afastam algumas dificuldades oriundas da ligação precípua ao domicílio. O réu, de regra, é demandado no foro do seu domicílio, ou, na falta, no de sua residência. Quando o réu não tiver domicílio ou residência no Brasil e, por outras regras juridicas, não se pode determinar a competência, a ação há de ser proposta no foro do domicílio, ou residência do autor. Se também o autor for domiciliado e residente em território estrangeiro, a ação pode ser proposta em qualquer foro. Havendo mais de um réu e sendo diferentes seus domicílios, podem ser demarcados no foro de qualquer deles, à escolha do autor. A prioridade do domicílio como elemento determinante da competência deriva da natureza mesma da jurisdição interna. O juiz, histórica e conceptualmente, exerce a sua função a respeito de pessoas fixadas no território jurisdicional, enlaçadas pelas relações da vida e dos interesses a outras pessoas aí domiciliadas e a pessoas de outras jurisdições com que tratou. Basta pensar-se em quanto seria difícil atribuir-se ao foro do autor, sendo muitas as pessoas que poderiam, em diferentes circunscrições, propor ações contra o mesmo réu, para se compreender o acerto de ser o domicilio do réu, e não o do autor, que determine a competência. Assini, ficam centralizadas no foro do réu todas as demandas contra ele. Aí estão os bens, que possui, os informes sobre a sua vida de negócios, porque o domicílio civil é o lugar onde ele estabelece a sua residência com ânimo definitivo. Além disso, a lei que rege as obrigações é a lex creditoris, com que se preestabelece que é a lei do devedor — portanto do réu — que se há de ter em mira, inclusive quanto ao foro. Se ocorre que a pessoa tem diversas


residências, onde alternadamente viva, ou vários centros de ocupações habituais, considera-se domicílio seu qualquer desses ou daquelas. Se a pessoa não tem domicílio, o foro é o da residência, porque onde ela reside está o lugar em que pode ser encontrada. Tal aferro têm os juristas, de todos os países, a esses princípios, que se põe nos livros que, não tendo a pessoa domicílio, ou residência no país, nenhuma jurisdição geral tem esse (Hans Sperl, Lehrbuch, 1, 113). Em todo o caso, não havendo, na lei de processo civil, regra jurídica sobre o foro do delito, alguma, como a que previsse a falta de domicílio e de residência, seria mister. Tem-se de prestar a máxima atenção à regra jurídica sobre a propositura no foro do domicílio ou da residência do autor, para que a sua interpretação não redunde em clamorosa invasão das linhas de distribuição supraestatal das competências jurisdicionais. Batemo-nos sempre, sem exceção, pelo respeito às regras do direito das gentes, e seríamos o último a aderir à tese destrutiva e anárquica que serve aos povos esmagadores e aos que se crêem tais, e desserve aos povos fracos. Povos fracos, como indivíduos, têm interesse em defender essas linhas para que se possam opor à violação delas pelos fortes. Na ordem individual como na dos Estados, é melhor ser forte, sem parecer, do que parecê-lo, sem no ser. O enunciado tético “Cada Estado tem toda a jurisdição que entende”, só seria possível, nos planos ético, político, jurídico, econômico, e no plano material da força, ou se só um Estado dominasse o mundo, ou se renunciássemos a qualquer convívio de paz entre os Estados. As idéias de alguns juristas nesse sentido, de algumas dezenas de anos para cá, acabaram mal, e muito mal. Em todo o caso, insistem, o que vai produzir ainda mais graves consequências. A regra jurídica para o caso de infixação do demandado supõe a competência jurisdicional do Brasil. O foro do domicílio, ou da residência, do autor, é competente inteiramente, quando se reúnem os seguintes pressupostos: a) seja a Justiça brasileira competente em direito das gentes; b) o réu não tenha domicilio, nem residência, no Brasil (porque, se tivesse o seu caso caberia na regra geral da competência); c) não haja qualquer regra que determine a competência, porque, se existisse, estaria resolvida a questão. (A 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 9 de outubro de 1951, DJ de 14 de abril de 1952, pôs bem claro: “Como bem adverte PONTES DE MIRANDA, 1, 475, o disposto no § 1ªdo art. 134 pressupõe a jurisdição brasileira, isto é, só se aplica quando a causa é da jurisdição nacional. Logo, se, in casu, o réu não é domiciliado no Brasil, nem se trata de obrigação que aqui se tenha de cumprir, nem a causa versa sobre imóveis situados no Brasil, a Justiça brasileira não é competente”. Sem razão, porém, quanto a competência do foro de residência da mulher, nas ações de separação dos cônjuges, e a conversão dessa em divórcio, ou de invalidade do casamento, porque se trata de regra jurídica, especial, de proteção à mulher. Não importa, para a aplicação da regra jurídica, que o réu não seja domiciliado no estrangeiro, mas é preciso que o réu possa ser citado Brasil ou o Brasil tenha, por outro motivo, competência. Não se faz o Brasil competente para todas as questões em que as partes não tenham domicílio no Brasil. A ligação ao foro do domicílio ou da residência do autor, como lugar da execução do contrato, basta (3ª Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 5 de fevereiro de 1941, RT 130/92), ou como lugar em que o réu se encontra (3ª Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 7 de fevereiro de 1941, RF 134), ou quanto a navio surto em porto do Brasil (2ª Câmara Cível do Tribunal de Apelação de Pernambuco, 28 de fevereiro de 1941, RE 86/652). Só o Brasil é competente para conhecer da ação tendente a expungir do registro propriedade industrial registrada no Brasil. E ação de direito público brasileiro. A la Turma do Supremo Tribunal Federal, a 22 de setembro de 1941 (RF 89/440), decidiu caso de medida de segurança quanto a navio sudo em podo brasileiro. Discutiu-se muita matéria estranha ao assunto, sem se fitarem os olhos no texto legal como fora preciso. E sempre fácil falar-se de outros assuntos quando o assunto em foco é difícil. O que importa, de futuro, ao Tribunal é dizer qual a competência do Brasil, que a regra jurídica supõe. Quanto à propositura da ação por estrangeiro contra estrangeiro, ambos domicilíados e residentes no estrangeiro, também supõe que o Brasil seja competente. Se o não é, qualquer sentença do seu juiz será quixotada inútil. Assim, qualquer foro do Brasil será competente internamente, se foram satisfeitos os seguintes pressupostos: a) a Justiça brasileira seja competente, em direito das gentes; b) o réu não tenha domicílio, nem residência, no Brasil (porque, se tivesse, o seu caso seguiria a regra jurídica do foro geral); c) não haja qualquer regra jurídica especial que determine a competência; d) seja o autor domiciliado e residente no estrangeiro. Tem-se de distinguir da competência do Estado para legislar sobre contrato ou outro negócio jurídico a competência para legislar sobre fatos ilícitos absolutos e direitos, pretensões e ações indenizatórías. Não se pode dizer que se possa escolher o juízo para as ações de indenização por ilicitude absoluta, nem que isso possa ser elemento distintivo, porque ao sistema jurídico é dado pré-excluir a escolha do foro. Após as considerações que acima foram feitas, temos de tratar da influência eficacial da decisão criminal no tocante à responsabilidade civil pelos danos. Se a ação criminal foi iniciada, houve a observância das regras jurídicas sobre competência, que se acham na lei, onde vem em primeiro lugar o lugar da infraçâo e, só após, o domicilio ou


mesmo a residência do réu. Há explicitude quando se diz que a competência será, de regra, determinada pelo lugar em que for praticado o último ato de execução. Ora, na lei processual penal, estatui-se que, transitada em julgado a sentença condenatória, se pode promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do dano. Assim, a execução há de ser, precipuamente, no lugar em que houve o crime. Com isso, fica evidente que, de íure condendo, se devia ter apontado como competente, para as ações cíveis de reparação dos danos, o juiz do lugar do delito. Tal interpretação de modo nenhum pré-exclui que se possa pedir a execução no lugar em que é domiciliado ou residente o réu, mesmo que seja em outro Estado Federado. A sentença do juízo criminal tem eficácia executiva imediata. Capítulo VI Ação de reparação por ato-fato ilícito

§ 29. Conceito e natureza do dever de prestar 1.Estado de necessidade e reparação. O dever de reparar o dano, no caso de ato em estado de necessidade, que tem o agente, não se funda no ilícito (em nenhuma das espécies, foi, sequer, contrário a direito), nem em exercício de direito (sem razão, Andreas von Tuhr, Der Allgerneine Teil III, 603). O que pratica o ato em estado de necessidade é como quem respira, ou anda, ou senta, ou se deita: encontra ausência de regramento, anomia; pois a regra jurídica pré-excludente retirou a contrariedade a direito em que importariam esses atos em estado de necessidade. Intrometer-se, aí, a idéia de direito não só seria supérfluo, como errado; em teoria geral do direito, erro ressaltante. (Se há dever de praticar tais atos, isso nada tem com o que dissemos; derivaria de outra relação jurídica). O dever de reparar é, portanto, eficácia de ato-fato jurídico, e não de ato ilícito, absoluto ou relativo. Não há, sequer, contrariedade a direito; pré-excluída está. Há algo de parecido na desapropriação por utilidade pública: o ato de desapropriar, se concorrem os pressupostos para a desapropriação, não é ato ilícito, porque, satisfeita a lei, se préexclui a contrariedade a direito (Rudolf Merkel, Die Kollision rechtsmàssiger Interessen, 147). A obrigação de reparar o dano incumbe ao agente, pois foi ele que o causou. Não importa se o fez para salvar coisa sua, ou a si mesmo, ou se para salvar a outrem, ou a coisa de outrem.

2. Ato-fato jurídico e legitimação possiva para a reparação. O ato do que atuou em estado de necessidade é atofato jurídico, portanto — não foi contrário a direito; se teve de reparar, por ter sido sem culpa do dono da coisa o dano, houve desembolso, que corre por sua conta, uma vez que inverteu tal soma para salvar o que é seu, ou a si mesmo, ou corre por conta daquele a favor de quem atuou, inclusive se só se pode pensar em gestão de negócios, ou do responsável pelo perigo.

§ 30. Ação regressiva e capacidade civil 1, Ação regressiva; fatos jurídicos de que deriva. O correr por conta daquele a favor de quem se atuou em estado de necessidade significa que o agente responsável pelo dano tem, para se reembolsar, a ação regressiva. A responsabilidade daquele em favor de quem se danificou a coisa, quer em legitima defesa daquele, quer em ato em estado de necessidade praticado a fúor daquele, é pela gestão de negócio iniciada pelo atuante (ato jurídico stricto sensu), ou por outra relação entre eles, mais o ato-fato do atuante. Não se trata de responsabilidade por culpa. 2. Responsabílídade por culpa. Ocorrer por conta do culpado significa que o dano causado pelo agente em estado de necessidade à coisa de terceiro há de ser ressarcido pelo agente, com ação regressiva contra o culpado. Aquele responde pelo ato-fato jurídico, em que importa o ato em estado de necessidade; esse, em virtude do ato ilícito, de ordinário ato ilícito absoluto, raramente ato ilícito relativo. A responsabilidade do culpado pelo dano à coisa do atuante em estado de necessidade é pelo ato ilícito absoluto, salvo se só importa violação de relação jurídica existente entre o culpado e o atuante. O dano sofrido pelo culpado do estado de necessidade é irressarcivel.


Se foi o que se defende, ou que atua em estado de necessidade, que criou o perigo, responde pelos danos. Se foi terceiro que criou a sítuação de perigo, há responsabilidade do tertius (H Gross, fie Verschuldung des Notstands, 25 s).

3. Absolutamente incapazes e reparação. Os absolutamente incapazes, irresponsáveis pelo ato ilícito, são-no pelos atos-fatos íundicos: a ação baseada no ato em estado de necessidade vai contra eles, bem assim a regressiva, sempre que o atuante, salvando interesses deles, danificou bem de terceiro Assim, o menor de dezesseis anos que adoeceu e teve de ficar na casa alugada por mais tempo do que o do prazo contratual, não somente tem de pagar aluguéis; pode bem ser que haja outros prejuízos. Mais: se o atuante era o dono da coisa, ou se foi ele o que sofreu o dano, o absolutamente incapaz, a favor de quem se atuou, responde segundo o principio de ter de ressarcir quem foi defendido pelo ato. Se foi o relativamente incapaz que foi salvo por alguém que passava na rua, e, adiante, foi vítima de acidente de automóvel que subira à calçada (por exemplo), o dano sofrido pela pessoa que o salvara é indenizável e a ação pode ser contra o incapaz e contra quem teve de prestar indenização ao incapaz. Se, porém, estado de necessidade não existia, a putatividade, por parte do absolutamente incapaz atuante, não pré-exclui a contrariedade a direito, e o seu ato não é ilícito, nem determina a responsabilidade por se tratar de ato ilícito e ser o absolutamente incapaz, incapaz para atos ilícitos (incapacidade delitual). Se o estado de necessidade não existia (Putatividade) e o atuante não foi o absolutamente incapaz, nenhuma responsabilidade tem ele pelo ato do que acreditou no estado de necessidade, pois foi ato ilícito o do atuante,

Capítulo VII Ação de indenização em caso de extinção de usufruto, uso e habitação

§ 31. Dever de indenizar 1. Fontes do dever e obrigação de indenizar. A obrigação de indenização pode provir de ato ilícito absoluto, de que qualquer pessoa poderia ser devedor, ou de ato ilícito absoluto que só o usufrutuário poderia praticar. De qualquer maneira, responde o usufrutuário. 2. Com culpa e sem culpa. Se, para a responsabilidade, é preciso que tenha havido culpa do usufrutnário, ou se não é pressuposto a culpa, depende de se analisar a fonte de responsabilidade. Se é de invocar-se o princípio geral, há de haver culpa, para que se crie a obrigação de indenizar. Se, em vez de tais regras juridicas, há outras, especiais, que incidem, como as que se referem ao mau uso da propriedade, à ofensa ao direito de propriedade, ou esbulho, bá responsabilidade, ainda sem culpa. Se o usufrutuário não segurou a coisa, que estava segurada, responde ainda sem culpa, se bem que se exija a culpa para incidir a regra jurídica de responsabilidade do proprietário se destruído. Se o usufrutuário tem de indenizar sem culpa, não se extingue o usufruto; extingue-se. culposamente, se aliena, deteriora, ou deixa que se arruinem bens ou bem, que devia conservar.

3. Deteriorabílídade. A coisa ou se deteriora pelo uso, ou por outra causa. Na L. 9, § 3, D., usufructuarius quernadrnodurn caveat, 7, 9, Ulpiano diz: “Si vestis usus fructus legatus sit, scripsit Pomponius, quamquam heres stipulatus sit finito usu fructu vestem reddi, attemen non obligari promissorem, si eam sine dolo maIo adtritam reddiderit. Se foi legado o usufruto de vestido, escreveu Pompônio que, ainda que o herdeiro haja estipulado que, findo o usufruto, se devolva o vestido, o promitente (legatário usufrutuário) não se obriga sem dolo mau o houver devolvido deteriorado. Deterioração pelo uso. Evidentemente, o texto só se referia às res quae usu rnínuuntur, e não às coisas consumíveis. Na L. 15, § 4, D., de usu fructu et quemadmodurn quis utatur fruatur, 7, 1 (Ulpiano), fala-se de vestes que foram legadas como coisas consumíveis, e não só deterioráveis: “Et si vestimentorum usus fructus legatus sit non sic, ut quantitatis usus fructus legetur, dicendum est ita uti eum debere, ne abutatur: nec tamen


locaturum, quia vir bonus ita non uteretur’. Se lega usufruto de vestidos, não como usufruto de quantidade, é de dizer-se que deve usar de modo que não abuse: nem, tampouco, os alugará, pois bom varão de maneira tal os não usaria. O que se há de sublinhar é a alusão à destinação que o constituinte imprimiu ao objeto usado, posta em segundo plano a natura lis ratio. No Digesto, 7, 5, há referência a res quae usu consumuntur e a res quae usu minuuntur, gerando dificuldades na construção do usufruto impróprio. Não se pode exprobrar aos compiladores do Digesto, com as suas interpolações, terem confundido as coisas consumíveis e as deterioráveis: pressupunham, sempre, o que preferira o constituinte do usufruto, que teria tratado as coisas deterioráveis, no ato de constituição, ou como fungíveis, ou como infungíveis, ou como consumíveis, ou como inconsumíveis. Quem lega usufruto de veste rara, de valor histórico, ou pela autenticidade, não lega coisa consumível. Quem lega usufruto de roupa que se acaba e pode ser substituida lega coisa consumível. A fungibilidade só tem importância para a aplicação da regra jurídica sobre a extinção do usufruto pela destruição da coisa infungível, e não para se decidir se houve, ou não, constituição de usufruto impróprio. A própria rápida ou fácil deteriorabilidade não deve pesar para se saber se o usufruto, que se constituiu, é próprio ou impróprio. As tentativas de 3. E. V. Proudhon (Traitá des Droits d’UsuJruit, d’Usage, d’Habita tion et de Superjicie, II, nº 1.675 s. e 1.098 s.) e de outros (ainda recentemente, Francesco de Martino, Dell’Usufrutto, dell e delíAbitazione, Com rnen tarjo dei Codice Civile de Antonio Scialoja e Ciuseppe Branca III, 187) foram tentativas fracassadas. 4. Deveres do usufrutuário. A respeito das coisas deterioráveis, que foram dadas em usufruto como coisas inconsumíveis, os deveres do usufrutuário são os que têm todo titular de usufruto próprio. A deteriorabilidade é inerente à coisa. O uso é aquele a que foi destinada. Extinto o usufruto por morte do usufrutuário, ou termo da duração ou cessão da causa de origem, ou destruição da coisa infungivel, ou deterioração, ou ruína do bem, por culpa do usufrutuário, ou pela renúncia, o usufrutuário tem de restituir ou o que resta da coisa, ou no estado em que se acha a coisa, mas subentendido que procede às reparações que lhe incumbiam e avisou o dono quanto àquelas que tinham de ser feitas por esse. Se o usufrutuário sucedeu ao dono, ou esse àquele, a consolidação opera-se. Se o usufrutuário não pediu a posse, nem lhe chegou às mãos a coisa, regularmente, nenhum dever de restituição lhe corre, salvo mora no receber. Se passou o tempo para exercício da ação de pedir a posse, que é, ai, dirigida ao constituinte ou seu sucessor, não há mais pensar-se em usufruto. O usufrutuário de utensílios, de aparelhos e máquinas que se deterioram, mas podem ser mantidos em bom estado se mudadas, oportunamente, as peças, tem o dever de conservação, para que possa usá-los. Deterioráveis são, mas há deveres quanto a se evitar a deterioração pelo mau uso, ou pela falta de uso. Se o usufruto de coisa deteriorável não entra na classe do usufruto sobre coisas consumíveis, e sim na do usufruto de coisas inconsumíveis, qualquer ato de alienação delas pelo usufrutuário é ato de alienação de coisa alheia (portanto ineficaz) e dá causa à extinção do usufruto. A reivindicação ao terceiro adquirente obedece aos princípios; de ordinário, não adquire ele a propriedade, por ser indiferente a sua boa-fé, se não incide lex specialis. E preciso atender-se, aqui, à diferença entre o direito brasileiro e os demais que têm a regra “En fait de meubles possession vaut titre”, que o direito brasileiro sempre repeliu. 5. Coisas deterioráveis consideradas como consumíveis. Se o usufruto recaiu em coisas deterioráveis e pelo ato constitutivo se há de entender que o usufruto era de coisa consumível, o que mais acontece nas constituições do usufruto sobre patrimônio, há restituição do equivalente ao gênero, qualidade e quantidade, ou se não possível, do valor, conforme o preço da data da restituição. A cláusula “restituirá o objeto do mesmo gênero se o que se presta se deteriorar”, pode ser interpretada como reguladora da responsabilidade em caso de ocorrer deterioração, ainda sem culpa do usufrutuário, no usufruto próprio, ou como para a eventual deterioração com culpa do usufrutuário, no usufruto próprio, o que aliás seria supérfluo, ou como cláusula de constituição de quase usufruto (usufruto impróprio). A terceira solução é a que se há de adotar, em caso de dúvida. Seja como for, é desaconselhada cláusula que se não exprime completamente, como essa, dando margem a discussões e incertezas. Melhor será dizer-se, respectivamente: “respondendo o usufrutuário, em caso de deterioração, ainda sem culpa’, “respondendo o


usufrutuário, em caso de deterioração, se há culpa”, “considerando-se consumível o objeto dado em usufruto”. A consumibilidade pode resultar, ai, de manifestação de vontade que admite a substituição do objeto e em consequência entrega ao usufrutuário o domínio do objeto (usufruto impróprio). Todavia, se o usufruto impróprio teria a consequência de fazer devedor de prestação proibida o usufrutuário, ou por outro modo a de fraudar regra jurídica sobre mútuo, a impossibilidade do acordo de constituição pode dar-se (fraus legis). A deteriorabilidade e a consumibilidade tratam-se diferentemente. O que é deteriorável é consumível, por isso que o ser consumível importa em ser impróprio o usufruto, passa a só ter importância como consumível. O que ocorre é apenas a preponderância da qualidade que se antepôs à outra, por determinar, por si só, a categoria jurídica. Não tem qualquer relevância, se o usufruto é impróprio, ser ou não ser deteriorável o objeto do usufruto. Na prática, primeiro há de o intérprete do negócio jurídico ou o juiz determinar que usufruto se constituiu (próprio ou impróprio). Somente depois é que lhe pode interessar o problema da deteriorabilidade ou indeteriorbilidade do bem gravado.

6. Obrigações de indenizar. O usufrutuário pode ter de indenizar, e não só de restituir. A diferença para menos entre o restituído e o que fora entregue ou se achava, no início do usufruto, com o usufrutuário, tem de ser coberta por indenização, salvo se o responsável por ela fora o dono ou se deteriorável a coisa. Se houve inventário, as dificuldades, que podem surgir, são mínimas. Se não houve, tem o dono o ônus de alegar e provar que existe aquela diferença para menos. Ao usufrutuário, porém, toca o ônus de alegar e provar que a responsabilidade não lhe cabe (= que pode restituir com a diferença). O usufrutuário também tem o dever e a obrigação de prestar ao dono do bem que usufruira o importe das despesas, que por lei lhe incumbiam, e não fez, mais os juros. Por outro lado, tem o dono de prestar o importe das despesas, que tocavam, por lei, ou por acordo, e o usufrutuário fez. As dívidas de indenização e de reembolso não se extinguem, de regra, com a consolidação ou incidência do princípio de elasticidade da propriedade. O usufrutuário que adquire a nua propriedade continua devedor ao alienante do que teria de ser pago pelo usufrutuário e foi pago pelo proprietário.

§ 32. Culpa do usufrutuário 1. Princípios. O usufruto extingue-se pela culpa do usufrutuário, quando aliena, deteriora, ou deixa arruinar os bens, não lhes acudindo com os reparos de conservação. Á diferença das outras causas de extinção do usufruto, essa não opera automaticamente; depende de decisão judicial. Desconhecia-a o direito romano. Nem na tinha o sistema jurídico anterior ao Código Civil de 1916. Colheu-se isso ao direito francês (Código Civil francês, art. 618, alínea 1º: “L’usufruit peut aussi cesser par l’abus que lusufruitier fait de sa jouissance, soit en commettant des dégradations sur le fonds, soit en le laissant dépérir faute d’entretien” a 3ª alínea do art. 618 do Código Civil francês acrescenta: “Les juges peuvent, sui vant la gravité des circonstances, ou prononcer l’extinction absolue de l’usufruit, ou n’ordonner la rentrée du propriétaire dans la jouissance de l’objet qui en est grevé, que sous la charge de payer annuellement à lusufruitier, ou à ses ayants-cause, une somme déterminée jusqu’à l’instant oú l’usufruit aurait dO cesser”). 2. Fundamento da regra jurídica. A regra juridica francesa sofreu críticas, por parecer supor a existência de relação jurídica obrigacional entre dono atual e usufrutuário, à semelhança da relação jurídica obrigacional oriunda do contrato de locação; ou por assimilar o usufruto à enfiteuse (advertindo-se em que, hoje, a pena da comissão não tem a extensão que tinha). O usufrutuário pode danificar o objeto do usufruto, ou deixar que se danifique, sem haver certeza da restituição no estado em que o recebeu.


Os credores do usufrutuário podem intervir no processo, se têm título executivo, ou penhora iniciada, mas apenas para objetar à extinção ou a purga da mora e reparação completa do objeto usufruído. Credores posteriores ao registro da citação ou do sequestro não podem intervir. Não há pensar-se em tais credores se sub-rogarem, pessoalmente, ao usufrutuário (e. g., 1 B. V. Proudhon, Traité des Droits d’Usufruit, d’Usage, d’Habitation et de Superfície, IV, 535 5.; Giacomo Venezian, Dell’Usufrutto, delIUso e delíAbitazione, II Diritto civile italiano de P. Piore, II, 870; R. Nicoló, Dell’Usufrutto, delIUso e dell’Abitazione, Comentario de M. D’Amelio, II, 705), nem eles assumem ônus de conservar a coisa. Os credores não podem ficar em situação pior ou melhor do que a que tinham, nem em situação melhor do que aquela em que fica o credor que faz as despesas valorizantes.

3. Pressupostos objetivos. A regra jurídica alude a três atos do usufrutuário, dois positivos e um negativo: ato de alienação, ato de deterioração e ato de deixar que os bens se arruinem. a) Alienação da coisa. Quando o usufrutuário, que não é proprietário, aliena a coisa, ineficazmente o faz, no plano do direito das coisas, porque a coisa não é sua. Mas, ainda que venha a constar do registro de imóveis, por exemplo, como proprietário, sem no ser, e a alienação seja eficaz se foi decidido, com trânsito em julgado, que alienou coisa alheia, pode ser julgada a sua culpa na alienação, com a perda do usufruto. b) Deterioração. Deteriorar está no sentido de lesar, de ofender, como se o usufrutuário põe abaixo paredes do edifício, corta para lenha árvores de valor estético, substitui peças antigas, preciosas, por peças novas, não reconstrói a pilastra que está a vacilar, não substitui as peças da maquinaria que tinham de ser substituidas, transforma os terrenos de plantação em terrenos de criação de ovelhas ou de cavalos. c) Deixar arruinarem-se os bens. Aqui, há o ato negativo a respeito de qualquer ato que o usufrutuário deveria praticar e não praticou, causando ou deixando que sobrevenha ruma, total ou parcial, do objeto do usufruto. Observe-se que, a respeito do usufruto, se exige o elemento culpa, de que não se fala a propósito de enfiteuse. 4. Legitimação passiva. A ação dirige-se, sempre, contra o usufrutuário. Se alienou o bem, é litisconsorte o adquirente, que, todavia, pode ter adquirido legitimamente, questões que só se pode resolver segundo a natureza do bem usufruído e alienado e os princípios que regem a aquisição a non domino. Se há culpa ou dolo de terceiro, que administra o usufruto, por outorga do usufrutuário, ou por cessão do exercício, é de refugar-se a opinião que afasta, a priori, a procedência do pedido por se tratar de penalidade (Giacomo Venezian, DellUsufrutto, delIUso e delíAbitazione, II Dirítto civile italiano de P. Piore, II, 2~ ed., 867; Domenico Barbero, L’Usufrutto e i diritti affini, 524; Giovanni Pugliese, Usufruto, Uso-Abitazione, Trattato di Diritto Civile italiano de Pilipo Vassaíli, IV, 5, 527). A culpa éque é o elemento subjetivo exigido e pode haver, in casu, culpa in eligendo, ou in vigilando. 5. Sentença que julga a perda do usufruto. A sentença que julga o pedido de extinção, nos casos mencionados, é de força constitutiva negativa: desconstituiu-se a relação jurídica real; o usufruto deixa de ser, com o trânsito em julgado. Se a) a ação teve por fito apenas a extinção, a carga de eficácia imediata é condenatória; se b) a ação teve por fito a extinção do usufruto e a entrega da coisa, a restituição, a força sentencial é constitutiva negativa, mas a eficácia imediata passa a ser executiva. Há, portanto, duas ações, ã semelhança do que ocorre com a extinção da enfiteuse (Tratado do Direito Privado, Tomo XVIII, § 2.191). Na segunda, somam-se a ação de extinção de usufruto e a ação de reivindicação. Se foi proposta a ação a), o autor, ganhante, tem de propor, depois, a ação de reivindicação. Se foi proposta a ação b), a execução é nos próprios autos, por se tratar de executividade eficacial imediata da sentença. É de grande relevância para a ciência do direito atender-se aos pesos eficaciais das sentenças. A eficácia é ex tunc, tal como acontece com a ação de comisso (Tratado de Direito Privado, Tomo XVIII, § 2.191), mas desde que houve o fato.


Os frutos são devidos desde o dia a que vai a retroeficácia da sentença, porque a citação apenas estabelece a mora. § 33. Extinção do usufruto fiduciário e de usufruto de segurança. 1. Extinção do usufruto fiduciário. 2. Extinção do usufruto de segurança 1.Extinção do usufruto fiduciário. A constituição fiduciária do usufruto pode ocorrer no mesmo caso em que é possível a transmissão fiduciária do domínio. Extingue-se ele quando, segundo os princípios, se extinguiria a propriedade para o dono fiduciário, se de domínio se tratasse.

2. Extinção do usufruto de segurança. O usufruto de segurança extingue-se: pela morte do usufrutuário; pelo termo de sua duração; pela cessação da causa de que se origina, inclusive extinção da dívida garantida; pela destruição da coisa, não sendo fungível; pela consolidação, e. g., a partir da data do cancelamento; pela culpa do usufrutuário, quando aliena, detenora, ou deixa arruinarem-se os bens não lhes acudindo com os reparos de conservação; pela cessão da dívida garantida, se o usufruto não tem maior duração, caso em que subsiste sem ser em garantia. Na dúvida, o usufrutuário em segurança tem-se como promitente de renúncia ao usufruto se o usufruto tem prazo maior que o da dívida. É errada a jurisprudência alemã que não considera extinto o usufruto que se extinguiria com a extinção da dívida se o devedor a paga. Extinção houve. A morte do usufrutuário extingue, em qualquer caso, o usufruto de segurança, razão por que é preferível, em se tratando de imóvel, que se constitua anticrese.

§ 34. Danificação do bem usufruído 1. Indenização pelos danos à coisa usufruida. Sempre que há danos à coisa usufruida e nasce pretensão à indenização, inclusive em virtude de seguro, dá-se sub-rogação real do que foi danificado (todo bem, parte integrante, pertença) na pretensão à indenização. Desde o momento em que se recebe a indenização, a sub-rogação real, que ocorrera quanto à pretensão, recai no que se prestou. Se, posteriormente, se inverte em reconstrução, reparo, ou substituição do bem, a sub-rogação real passa a ser naquilo em que se inverteu a indenização. 2. Quantia indenizatória. Interessa-nos aqui, especialmente, o tempo em que o objeto ou parte do objeto do usufruto, por efeito da sub-rogação real, é quantia indenizatória. Essa quantia. enquanto não invertida, há de render: o usufrutuário é quem recebe os juros ou outros interésses. Se não está empregada, tem o usufrutuário pretensão a empregá-la. Para isso, se está depositada, há de requerer, judicialmente, a aplicação, ou acordar com o dono no seu emprego; se está em seu poder, a aplicação corre por sua conta e risco, se não tem de ser invertido no mesmo bem destruido em parte, ou noutro bem de igual natureza. A regra jurídica somente é de invocar-se não há destinação especifica da quantia indenizatória. Se há essa destinação, nem o usufrutuário nem o dono têm arbítrio para aplicação. No caso de indenização por desapropriação, a sub-rogação real opera-se desde o momento em que é devida aindenização. Acontece o mesmo com a indenização por terceiro responsável. § 35. Indenização e sub-rogação 1. Posição do problema. Seria demasiado ter-se o princípio da adstrição do usufruto à destinação econômica, estética ou histórica da coisa como inamolgável, cogente e rígido, a ponto de não se poder atender a que existam casos em que a destinação não se impõe de tal maneira que, falhando, se extinga o usufruto. Mas seria contra o sistema jurídico que em todos os casos se permitisse a subsistência do usufruto, a respeito dos resíduos, se o perecimento tornou impossível a destinação econômica, estética ou histórica. A destinação econômica, estética ou histórica do bem usufruido é incólume à vontade do usufrutuário. Não a pode mudar. Está cedo. Porém não pode ele ser prejudicado pela mudança de destinação, que derivou de transformação, mutatio rei, em que não teve culpa.


2. Extinção ou sub-rogação. O sistema jurídico alude à destruição do edifício sem culpa do proprietário, isto é, à destruição do edifício sem culpa de qualquer pessoa (dono do prédio usufruído, usufrutuário ou terceiro). Se um edifício sujeito a usufruto é destruido sem culpa do proprietário, não fica ele obrigado a reconstitui-lo, nem o usufruto se restabelecerá, se o proprietário reconstruir à sua custa o prédio; mas, se ele estava seguro, a indenização paga fica sujeita ao ônus do usufruto. Se a indenização do seguro for aplicada à reconstrução do prédio, restabelecese o usufruto. Há o ressarcimento por terceiro. Se o edifício sujeito a usufruto foi destruído sem ser indenizável o dano, sem estar seguro e sem a espécie caber na regra jurídica sobre extinção do usufruto por deterioração, ou ruína, por culpa do usufrutuário, o dono do prédio não tem dever e obrigação de reconstrui-lo e, se o reconstrói, o usufruto não se restabelece. Se há indenização, sem ser na espécie da extinção culposa, a que nos referimos, restabelece-se o usufruto até que se inverte na reconstrução o que for recebido. A sub-rogação real — ai parcial, porque o terreno continuou sujeito a usufruto, devido à indenizabilidade — não começa de dar-se somente após a prestação da indenização. Opera-se desde que o ato, causador do dano indenizável, foi praticado: a sub-rogação real inicia-se sobre a pretensão à indenização; depois, sobre a indenização recebida. Aplicada a quantia indenizatória, o usufruto é sobre todo o prédio, incluido o edifício reconstruído.

§ 36. Exercício do usufruto e deteriorações ou gastos 1. Exercício regular e exercício irregular. Os dois conceitos —exercício regular e exercício irregular — têm, aqui, grande relevância. O exercício do usufruto é exercício de direito sobre coisa que provavelmente é alheia, sendo exceção o usufruto sobre coisa própria; porém não é como titular de direito pessoal que o usufrutuário exerce o direito de usufruto — é como titular de direito real. O exercício é regular ou irregular conforme o usufrutuário se mantém, ou não, dentro dos limites do seu direito. O direito de usufruto é direito real limitado. Assim, o conceito geral de exercício regular, e o especial ao usufruto coincidem. Quem exerce direito de usufruto, ou seja sobre bens imóveis ou seja sobre bens móveis, usa e frui, de modo que o uso e a fruição podem gastar ou deteriorar o bem usufruído. A causa de se gastar ou de se deteriorar o bem usufruído tem grande relevância, para se saber se foi, ou não, o exercicio que influiu no gasto ou na deterioração. Mas, ainda depois de se saber que a causa foi o exercício mesmo do usufruto, tem-se de verificar se esse exercício foi regular ou irregular. O usufrutuário não é obrigado a pagar as deteriorações resultantes do exercício regular do usufruto. No direito romano, mais se apurava o elemento subjetivo (Ulpiano, L. 9, § 3, D., usufructuarius quernadmodum caveat, 7, 9: “... não se obriga, todavia, sem dolo mau o tiver devolvido muito deteriorado”, “atamen non obligari promissorem, si eam sine dolo maIo adtritam reddiderit”). O Código Civil alemão, § 1.050, apenas alude a “ordnungsmàssige Ausúbung”, e o Código Civil suíço, art. 752, alínea 3~, a “ordnungsgemásser Gebrauch”. Ficara a meio caminho o Código Civil austríaco, § 513, 2ª parte. O Código Civil francês, art. 589, in fine, e os que o imitavam continuaram apegados ao subjetivismo da culpa (verbis “... dans l’état oâ elies se trouvent, non deteriorées par son doí ou par sa faute”). 2. Direito brasileiro. No direito brasileiro, a irregularidade do exercício é apreciada como irregularidade com culpa. Não se tem, contudo, presunção de culpa, como se dá na doutrina suíça (H. Lehmann, Sachenrecht, Rommentar de Max Gmúr, IV, II, 486 s.). A “culpa” ainda aparece como pressuposto necessário para se aplicar ao usufrutuário a sanção da extinção do usufruto, no caso de deterioração ou ruína do bem.


§ 37. Causas de extinção do uso e da habitação 1. Fatos jurídicos “stricto sensu” e atos jurídicos. O que se disse sobre a extinção do usufruto também se há de entender a respeito da extinção do uso e da habitação.

2.Causas de extinção. São causas de extinção: a) a morte do usuário, ou a extinção da pessoa jurídica usuária, ou o tempo de cem anos, a partir do momento em que podia essa exercer o uso; b) o termo de duração, termo final ou condição resilitória; c) cessação da causa de que se origina; d) a destruição do bem, não sendo fungível; e) a reunião da propriedade e do uso na mesma pessoa (consolidatio); sendo de notar-se que, enquanto não se faz o cancelamento, o direito real de uso persiste (e. g., a hipoteca feita no intervalo somente recai na propriedade sem o uso); a prescrição das pretensões e ações reais; g) por culpa do usuário; h) a renúncia; i) a aquisição da propriedade, sem gravame, por usucapião. (A permissão de se transferir o uso ao proprietário foi introduzida para se tornar válido o acordo de transmissão, ao lado da renúncia que leva à consolidação da propriedade Capítulo VIII

Ação do preferente para exigir indenização do terceiro adquirente

§ 38. Natureza da ação e seu conteúdo 1. Ações de reivindicação e de indenização. Alienada a coisa, tem o preferente ação para exigi-la do terceiro que a adquiriu, ou para reclamar a indenização correspondente. Com isso, não se estabelece alternatividade de pretensão do prejudicado no seu direito de preferência (exigir a coisa ao terceiro ou pedir ao alienante perdas e danos); apenas se figurou o caso de ser direito real o de preferir ou de ser pessoal. A primeira proposição é inútil, porque repete, apenas, o direito material, sem ter estabelecido, como fora de esperar-se, a forma do processo para a ação de reivindicação. A segunda não o é menos.

2. Interpretação errada. A interpretação que atribui a lei ter elevado os direito pessoais de preferência, tal como se criam no direito material, à categoria de direitos reais, aberra dos princípios, porque a reivindicação é, aí, somente, a que a lei do direito material autoriza: é sanção do direito material que não se extinguiu, e é erga omnes, contra os efeitos do negócio jurídico que o violou. Aquela interpretação (Ataliba Viana, Ações Especiais, 43; Jorge Americano, Código, II, 117) não vale, ainda para se dizer que o legislador processual não podia fazê-lo (ci. M. de Carvalho Santos, Código de Processo Civil interpretado, IV, 289). O legislador podia fazê-lo; apenas, se legislador processual, não podemos, ainda na dúvida, entender que redigiu regras de direito material: temos de supor que não as formulou, salvo se não expressas. Nesse momento, seria legislador de direito material, e não processual, como acontece com outras regras jurídicas incluídas em leis ditas processuais. (Escusado é advertir-se que, se o terceiro adquire o bem, quando já o alienante constava do registro sem o dever de respeitar o direito, a reivindicação não pode ir contra ele).

§ 39. Ação de indenização 1. Conceito. A ação de indenização contra terceiros para que o preferente não sofra o prejuízo supõe que se trate de direito pessoal, e não real. 2. Natureza da ação de indenização. A ação, de que se trata, é ação condenatória. Pode ser usada em alternação com a ação de reivindicação, se essa caberia.


3. Conceito de dano não-patrimonial e liquidação de dívida. A teoria da patrimonialidade do dano somente considera dano o que atinge direito patrimonial, ou direito patrimonial ou interesse patrimonial. Seria reduzir-se o valor da vida humana ao elemento econômico, que é apenas um dos elementos. Se A concorre a cargo político irremunerado ~ alguém, com calúnia ou outro ato ilícito, o afasta, o interesse atingido é o interesse político, e não o econômico. Se A gozava de grande prestigio moral no círculo social em que vive e alguém, com divulgação de escritos caluniosos, ou mesmo com afirmações falsas, lhe retira algo do posto social que tinha, o interesse moral, e não interesse econômico, foi ferido. Se A, crente como é, considera a imagem que lhe deram, ou herdou, ou por outro modo adquiriu, como elemento da sua tranqúilidade e da sua felicidade, o quebrar a imagem não ofende só o interesse econômico de A, mas também o seu interesse religioso. Se A planejara a estátua e alguém lhe ouve a descrição, ou lhe apanhou as notas, o interesse lesado foi o interesse estético de A, a que talvez esteja junto interesse econômico, porém não é necessário que esteja. O interesse de A pode ser só jurídico, como se o documento que ele tinha e desapareceu, ou alguém furtou ou destruiu, era o que lhe daria a vitória na ação de investigação da paternidade ou da maternidade, ou na contestação. O cientista que está nas vésperas de obter solução para problema que só lhe interessa como cientista e sofre a perda dos seus dados, por ato de outrem, tinha interesse científico, e não econômico, ou não só econômico, e o dano é ao interesse científico. Mais ainda. A mulher elegante, que consegue desenhar, ou fazer, ou encomendou vestido com que seria considerada a mais bem vestida da recepção, tem ação contra quem a priva de usá-lo (e. g., rompendo-lhe parte ou escondendo-o), pela ofensa ao interesse de moda. Quando se fala em interesse moral não se fala de dano moral. O interesse moral pode ser lesado; é outro assunto. A alusão apenas significa que não só se existe interesse material: existe o interesse moral lato senso. O dano moral resulta de ofensa ao interesse moral. Não se fala de dano moral, que é efeito da violação do interesse moral, ou até mesmo desinteresse material, como se o ofensor do edifício, com o estrondo da parede caída, causou a doença do habitante. A expressão “dano moral” foi admitida e assente porque não se queria mais do que se afastar a patrimonialidade. Sociologicamente, é defeituosa, por sua estreiteza; mas o conceito jurídico encheu-se de todos os danos não-patrimoniais (morais, religiosos, artísticos, políticos, jurídicos, científicos e outros mais). Não há absurdo em se conservar a expressão, posto que melhor fosse evitar-se o senso larguissimo, sociologicamente errado, de moral. Ofensa ao corpo ou à psique não é, necessariamente, causa de dano a que corresponda um dos elementos dos processos sociais de adaptação. No entanto, são, no todo ou em parte, não—patrimoniais. A irressarcibilidade do dano não-patrimonial (dano moral) foi afirmada por muitos (Lafaiete Rodrigues Pereira, Direito das Coisas, II, 147; F. de P. Lacerda de Almeida, Obrigações, 281); mas superada a opinião contra a qual sempre nos insurgimos. Não dissemos, no livro Fontes e Evolução do Direito Civil brasileiro (177 s., 189 s.), que o dano moral dá ensejo à ação de indenização ou reparação porque isso está na lei. Dissemos que nela se declara, “que, para o exercicio da ação, basta que exista interesse econômico ou moral”. A referência pois a pretensão à tutela jurídica, uma vez que há a tutela jurídica se o interesse é econômico (patrimonial) ou moral, a decisão pode ser para a indenização. Dai falarmos de serem “autorizadas as ações isto é, de haver a pretensão à tutela jurídica. Não se há mais de discutir, no sistema jurídico brasileiro, a reparação do dano moral senso lato (= não-patrimonial). Se há difícil liquidação do valor dos danos, a dificuldade de modo nenhum justificaria que se não ressarcisse o dano moral, ou que só se cogitasse das espécies apontadas na lei. Outro ponto que merece ser versado é atinente à reparação: há danos patrimoniais não suscetíveis de reparação exata em pecúnia; há danos não-patrimoniais que podem ser reparados, quase integralmente, em pecúnia. Mas seria erro grave considerar-se dano patrimonial o dano à honra, somente porque, in casu, a ressarcibilidade em pecúnia pode ser completa. A possibilidade de se reparar em pecúnia o dano não-patrimonial de modo nenhum o desclassifica. Nunca se há de deixar de atender a que o dano não-patrimonial, o dano moral, pode atingir o patrimônio, através de alguma repercussão ou de algumas repercussões. O que não pode jamais acontecer é a reparação perfeita em pecúnia. O dano não-patrimonial, o dano moral, prova-se como se provam os danos patrimoniais. Não se tem, na prova


daqueles, de se buscar o que se passou de sofrimento, ou de dor; buscam-se as consequências do fato ofensivo aos direitos de personalidade, à honra, ao prestígio, ou outra qualidade pessoal. Se o dano épatrimonial, também não se pode inquirir sobre o que se passou dentro da vitima (e. g., com a usurpação que sofreu teve enfarte). O dano não-patrimonial pode ser, às vezes, de valor econômico, o que, de si só, já evidencia que a nãopatrimonialidade nem sempre corresponde a não-economicídade. O dano à mão, ou aos olhos, não é dano ao patrimônio, mas é ressarcível em dinheiro, porque pode ter diminuído a renda de quem trabalha ou dirige negócios. O dano é ressarcível conforme se pode adimplir a divida extranegocial. Para isso, o que se colima é desfazer, no possível, a relação causal. De qualquer jeito, a reparação é sem propósito exemplificativo, disciplinar: o que se tem por fito é emenda, correção objetiva. Daí a inconfundibilidade com a pena. O juiz que condena à reparação não pune; pode punir e condenar à reparação. Mas, mesmo então, as sanções são diferentes em seu conteúdo. Tem de vir em primeiro lugar a reparação in natura. Há a restituição do que foi subtraído, a reconstrução do que se demoliu, a entrega de outra jóia igual, ou de outro automóvel, ou animal que foi morto ou ferido, ou de outro modo se tornou imprestável, ou se é melhor que se dê outro e se fique com o que foi danificado. Se não há outro meio de ressarcimento que o da avaliação em pecúnia, dele se tem de lançar mão, Ou o dano pode ser avaliado, para que se pague em dinheiro o valor que se perdeu; ou tal avaliação é apenas para que a pessoa, que sofre o dano, possa ter, com o dinheiro, o que se pode considerar satisfatório. No fundo, passa-se da dimensão social em que se deu o dano (= do processo social de adaptação em que estava o interesse) para a dimensão econômica. 4. Vítimas de dano não-patrimonial. Qualquer ofensa a direito de personalidade, desde a ofensa à integridade física até a ofensa à honra. é fato ilícito, que causa dano moral e dá ensejo à reparação. O lesado pode ser vítima de dano direto ou de dano indireta (e. 9., O homicídio do filho levou o pai ao hospital, por ter desmaiado com a notícia e ter sofrido corporal ou psiquicarnente). Excelentemente diz o Código Civil argentino, art. 1.079, que “la obligación de reparar el dano causado por un delito existe, no sólo respecto de aquel á quíen ei delito ha dam’ ficado directamente, sino respecto de toda persona, que por éi hubiese sufrido, aunque sea de una manera indirecta”. Tivemos de colocar este § 39 como nota final do Capítulo VIII, mas, sempre que se trata de ação de cgrande relevância que se atenda ao que aí está dito.

Capítulo IX Ação cominatória para prestação de fato ou abstenção de ato

§ 40. Conceito e natureza da ação cominatória 1. Preceitação corninatária. A ação cominatária, ou preceito cominatório, ou a antiga “ação de embargos à primeira”, começa pela resolução inicial do juiz, de comunicação de vontade, em vez de só declaração de vontade. Nenhum elemento executivo. Mínimo de declaração, cognição incompleta, como se passa com ações executivas, e daí chamar-se “contestação”, e não “embargos”, à defesa do réu. O que caracteriza o processo cominatório é nascer da lei processual, de regra, a pretensão à pena. Se a lei enumera os casos de preceito cominatório, exaustivamente, qualquer lei, que crie outros casos, estatui no plano processual. A origem romana, direta, do preceito cominatório português (talvez lenda de praxistas), não está provada, a despeito da ênfase de alguns juristas. Seja como for, a cominação supõe alternativa, de que usaram juristas romanos e medievais, muitas vezes com a pena de excomunhão para cobrança de créditos pios da Igreja. Na praxe portuguesa e na brasileira, longamente misturado com o interdito possessório, o preceito cominatório conseguiu manter certa fisionomia própria, readquirindo, no Brasil, com a legislação de alguns Estados Federados (Código de Processo Civil do Distrito Federal, arts. 573 s.; São Paulo, art. 795 s.; Espírito Santo, arts. 600 s.), a estrutura autônoma, com o pressuposto objetivo do pedido de ato ou fato, isto é, ligado à pretensão à tutela jurídica do credor de pretensões e obrigações de fazer ou de não fazer. Nos executivos de títulos extrajudiciais, há o dilema “ou o réu executa ou o Estado executa”, donde solução ou execução forçada. Na ação cominatória, ou o réu executa ou sofre a pena. O preceito solvendo é comum e


comistura-se à citação, nas duas espécies de processo. A segunda parte do dilema é diferente: ali, execução, portanto efeito executivo do titulo, nos processos quanto a títulos extrajudiciais, à semelhança das execuções de sentença; aqui, pena, requerida pelo réu, e cominada pelo juiz, com a autoridade que lhe dá (ou lhe confirma, se coincide alguma lei material ter instruido a pretensão), na espécie a lei processual. O efeito cominatório é, de regra, função de norma processual, posto que a pena de prisão costume aparecer em normas de direito material. Sempre que se inicia processo com a cominação de quantia ou de prisão, está-se na classe dos processos cominatórios. A ação de cominação vem-nos da combinação histórica do indiculus commonitorius franco com certas regras romanas, como a L. 5, § 10, D., de operis movi nuntiatione, 39, 1. Parte-se, na sua fase inicial, de cognição incompleta, sem violação, portanto, do princípio de sjnão julgar antes de conhecer, de modo que, cominando-se, se adianta condenação, como, tratando-se das ações executivas de títulos extrajudiciais, em que o juiz também parte de incompleta cognição, se adianta execução. Assim, quando alguém intenta tal ação executiva e obtém despacho inicial favorável, seguindo-se-lhe a citação, com esse despacho, de cognição incompleta, e a respectiva penhora, se estabelece o status luis, com todas as consequências jurídicas da medida que se deferiu, inclusive a da ineficácia da venda ou gravame dos bens penhorados. A sentença final ou completará a cognição (que foi 12) com o reforço que há na decisão favorável completante (1/2 + 1/2 = 1), ou a destruirá, com a decisão desfavorável ao autor (1/2 — 1/2 — 0). Quando alguém intenta ação de preceito cominatório e obtém despacho inicial favorável, seguindo-se-lhe a citação, o status litis, à semelhança do que ficou dito, estabelece-se. O despacho inicial, de cognição incompleta, adianta a condenação: é como se o réu estivesse condenado; ainda mais do que se apenas estivesse citado em ação de condenação. Nas Ordenações Afonsinas, Livro III, Título 80, § 6, estatula-se: “... honde tratamos dos autos nom começados, mais cominatorios, Dizemos que a parte, que se teme ou recea ser aggravada, se pode socorrer aos Juizes da terra, improrando seu officio, per que mandem prover como lhe nom seja feito tal aggravo”. E acrescentou-se no § 7: “E ainda dizemos que poderá fora do Juízo apelar de tal comminaçam, a saber, poendo-se sob poderio do Juiz, requerendo, e protestando da sua parte a aquelle, de que se teme ser aggravado, que tal aggravo lhe nom faça. E se depois do dito requerimento, e protestaçam assy feita, for algulia novidade cometida, ou atentada, e o Juiz depois for requerido por elIo mandará todo tornar, e restituir ao primeiro estado”. No § 8, que merece toda a atenção, dizia-se: “E em tal apelaçãm, ou protestaçam, assy feita deve ser inserta, e declarada a causa verisimil e resoada, por que assy apelou, ou protestou, como dito he nas outras apelaçoens. Pode-se poer exemplo: Eu me temo de alguum, que me queira ofender na pessoa, ou que me queira sem rezam ocupar, e tomar minhas cousas; se eu quero, posso requerer ao Juiz, que segure mim, e minhas cousas delle, a qual segurançame deve dar: e se depois della eu receber ofença do que fui seguro, o Juiz deve hv tornar, e restituir todo o que for cometido, a atentado depois da dita segurança dada, e mais proceder contra aquelle que a quebrantou, e menos presou seu poderio”. O grifo é nosso. O legislador vinha falar de três casos, que seriam o dos atos começados e acabados, isto é, o dos interditos recuperatórios, cujo nome (interditos) e apelação vinham do Direito (= direito romano); o dos começados e não acabados, que é único achado em Direito (= em direito romano), o da nunciação de obra nova, “lançando pedras na obra segundo Direito, e usança da terra”, e o do preceito cominatório, a respeito do qual nenhuma referência ai se fez ao Direito (= direito romano). regras jurídicas afonsinas persistiram nas Ordenações Manuelinas, Livro III, Titulo 62, § 5: “... quanto ao terceiro caso dos autos extrajudiciaes, que non sam começados, mas cominatorios, Dizemos, que a parte que se teme ou recea seer agrauada per a outra parte, se pode socorrer aos Juizes da Terra, impIorando seu Officío, que o prouejam como lhe seja feito agrauo No § 6, já o legislador juntou o que estava, separadamente, nas Ordenações Afonsinas, Livro III, Título 80, § 7 e § 8: “E poderá ainda fóra do Juizo apelíar de tal cominaçam, conuem a saber, poendo-se sob poderio do Juiz, requerendo, e protestando de sua parte a aquelle de que se teme seer agrauado, que tal agrauo lhe non faça. E se despois do dito requerimento, e protestaçam assi feita, for algilia nouidade cometida, ou atentada, mandará o Juiz (se for requerido) tornar, e restituir todo ao primeiro estado, e em tal protestaçam será inserta, e declarada a causa verisimel e razoada, por que assi protestou; pode-se poer exemplo, se alguú se temer d’outro, que o queira ofender na pessoa, ou lhe queira sem razam ocupar, e tomar suas cousas, elIe poderá (se quiser) requerer ao Juiz, que segure a elIe e a suas cousas do outro, que o quiser ofender, a qual segurança lhe o Juiz dará; e se depois della elIe receber ofensa daquelle de que foi seguro, restituilohá o Juiz, e tornará todo o que foi cometido e atentado despois da dita segurança dada, e mais procederá contra aquelle que a quebrantou, e menos prezou seu mandado, como achar por Dereito”. É absurdo ver-se na ação das Ordenações Afonsinas, Livro III, Título 80, §§ 6 e 7, ação possessória. Nem os §§ 6 e 7, que trataram dos pressupostos, aludem ao Direito. Só o fizeram a respeito do primeiro caso (ações


recuperatórias) e do segundo (nunciação de obra nova). Os interdicta eram atos judiciais, que supunham funções pretórias que o procedimento formulário desconhecia. Eram remédios jurídicos processuais que mais se assemelhavam às medidas policiais e administrativas, para se evitarem ofensas à ordem jurídica. A proteção de interesses privados era secundária. Eram mandamentos para o caso de existirem os fatos aleqados. A fórmula do interdictuni utrubi fala por si. Quanto aos interesses privados, mais atendiam a questões de estado das pessoas e de família, sucessões, posse (Tratado de Direito Privado, Tomo X, § 1.150, 1) e penhor. Nas Ordenações Filipínas, Livro III, Título 78, § s, lia-se: a parte, que se teme, ou receia ser agravada per a outra parte, pode recorrer aos Juizes da terra, implorando sev Ofício, que o provejam, como lhe não seja feito agravo ... E se depois do dito requerimento e protestação assi feita, for alguma novidade cometida, ou atentada, mandará o Juiz (se for requerido) tornar e restituir tudo ao primeiro estado”. Adiante, ainda se .ala do que foi cometido e atentado’. A restituição in pristin um, a repristinação, é quanto àinfração do preceito, com a poena, e quanto à atentacão: ‘si postea aliquid innovatum, vel attentatum fuerit, iudex i!lud restituet in pristinum statum, petente parte”, escreveu Manuel Gonçalves da Silva (Comrnentaria, III, 3ª ed., 165). Há a inibição oriunda do preceito de non ofjendendo, que é especifico da ação cominatória, e a inibição geral de inovar, que resulta de se proibir alteração do status litis. Pelo fato de ser comínatória a ação, não se exclui a vedação de atentar, que é comum às ações. Feita a citação, tudo que interessa à instrução e mutura decisão da demanda deve permanecer como está. Tal o principia jurídico, criador do direito subjetivo e da pretensão a crie se não inove no estado da lide. Se inovação ocorre, surge a ação de atentado. A inovação durante a lide, quanto ao objeto (não se confunda com a coisa, pois res em res in iudicium deducta não é o bem material, e sim o assunto deduzido), dá ensejo à ação de atentado; porque é ato ou omissão contra statum litis. Não é preciso que se altere a prestação pedida; basta que se faça “de novo aliquid, circa rem de qua agitur, quod ante litem coeptam factum non erat, et nocet statuit causae” (Álvaro Valasco, Decisionurn Corisultationum ac rerurn iudicatarum, II, 374). Se a inovação excede e, a mais, há esbulho, a ação possessória também cabe. Não se exclui a de atentado, porque quod piu ris est utique tanti est (Alvaro Valasco, II, 375). Por ai bem se vê a distinção entre o condenável do atentado e o petitum da causa. A ação de atentado pode dar-se a respeito de qualquer classe de ações, sendo que, nas ações cominatórias, pode o ato ou omissão não bastar á cominação, mas ser atentado (cp. Tribunal de Apelação da Bahia, 26 de maio de 1943, Revista dos Tribunais da Bahia, 35/70). Rito processual do preceito cominatório. No direito de 1939 acabara a sumariedade do processo de titulo executivo extrajudicial. A do preceito cominatório continuou, com o caráter de surnariedade eventual. Manteve-se, pois, a estrutura processual que estava em nossa tradição jurtdica (Pereira e Sousa, Primeiras Linhas, IV, 86, nota 1024: “Todas as causas de preceito cominatório, que entre nós se chamam de embargos à primeira, são ao princípio sumárias. Porque, se o réu não comparece em juízo, ou não embarga a notificação, julga-se logo esta por sentença”). Cumpre, porém, observar-se que, se o objeto da causa permitia sumariedade, o rito podia ser determinado por lei ou pelo objeto; sobre a tradição do nosso direito ser no sentido do texto (Pereira e Sousa, Primeiras Linhas, IV, 87, nota 1.024: “exceto se o objeto da causa faz que ela continue a ser sumária, como se éde despejo de casa”). Após o Código de 1973, sumarissimo era apenas o procedimento do art. 275, II, g), j) e 1), e 1, antes da reforma operada com a Lei & 9.245, de 26 de dezembro de 1995. 3. Conceito de cominaçâo. Cominação é declaração de vontade unilateral receptícia. Não a faz a parte; a parte comunica ao juiz a sua vontade de obtê-la (comunicação de vontade). A declaração cominatória é o conteúdo do deferimento do juiz. Parece-se com o daquele deferimento ao pedido de citação, interpelação ou intimação para constituir em mora. Apenas um é dirigido a consequências de direito material; outro, a consequências processuais. Nas Ordenações Filipinas, Livro 111, Titulo 78, § 5, lia-se: pode-se por exemplo: se algum se temer de outro, que o queira ofender na pessoa, ou lhe queira sem razão ocupar e tomar suas coisas, poderá requerer ao juiz que segure a ele e as suas coisas do outro, que o quiser ofender, a qual segurança lhe o juiz dará; e se depois dela ele receber ofensa daquele, de que foi seguro, restitui-lo-á o juiz, e tornará tudo o que foi cometido e atentado depois da segurança dada, e mais procederá contra o que a quebrantou, e menosprezou seu mandado, como achar per direito”. Ai se baseava, no velho direito, o preceito cominatório. Chamavam-no “embargos à primeira”, por abreviação;


cautio de non ojiendendo (Manuel Gonçalves da Silva, Commentaria, III, 165: “... ilíam concedunt Regii Magistratus illi. quid rationabiliter timet inimicum offensionem sibi facturum, deducta, et iustificata iusta causa metus, constitoque de iusto timore, causa cognita, per testium informationem”). Motivos frívolos de crer na ameaça não bastavam. A ameaça pode ser por interposta pessoa. Discutiu-se, havendo também temor por parte do réu, a controvérsia cessava e, pois, a ação. Mas os jurisconsultos portugueses cortaram cerce a questão, separando as duas pretensões e entendendo que ao juiz caberia ordenar as duas “cauções”, ditas “recíprocas” (sem exatidão para todos os casos). 4. Carga de eficácia sentencial. É inexato dizer-se, como fazem alguns juristas, que as ações cominatórias, as ações de preceito cominatório, são ações declarativas condenatórias. Primeiro, por que preponderantemente elas não são declaratórias: a declaração é quaes tio praeuia, inserta no mérito, porém de modo nenhum é a força da sentença; condenatôrias constitutivas é o que elas são, com eficácia declarativa mediata, o que lhes permite que a execução seja posterior, noutro processo. Condena-se, porque se declarou e o preceito não foi atendido. Preceitou-se, de jeito que o não-cumprimento da obrigação de fazer ou de não fazer dá ensejo a condenação do demandado ao que foi cominado, como, se tivesse sido proposta a ação de condenação e o demandado não cumprisse aquilo a que fora condenado, lhe teria de ser exigida a indenização (as perdas e danos). A cominação está, portanto, no lugar da indenização: em vez de condenar a x, correspondente a p, comina-se a y, que há de ser próximo de x, e cobrirá os prejuízos, ainda que, depois, condenado, possa o demandado prestar p. Por assimilação de institutos estrangeiros semelhantes, porém não idênticos, alguns juristas exageram o elemento executivo da ação de preceito cominatório, e alguns chegam a ver na cominação começo de execução, o que é absurdo. Firmado na non plena cognitio, com que definiu a petição inicial, o juiz cominou a pena, expediu o preceito, o mandado, a comminatio. Não há, de maneira nenhuma, adiantamento de condenação, razão por que, se o preceitado não comparece, a sentença é de carga exatamente igual à que teria se tivesse havido a contestação e observado o procedimento comum.

§ 41. Pressupostos da ação cominatória 1. Pressuposto amplo e pressupostos especiais. Na técnica legislativa de 1939, por haver dificuldade terminológica em se reduzirem todos os pressupostos a um, que seria amplo e geral, mencionaram-se primeiro os pressupostos especiais: pretensão do fiador a exigir do afiançado adimplemento de obrigação, ou exoneração da fiança; pretensão do fiador a que o credor acione o devedor; pretensão do deserdado, para que o herdeiro instituido, ou a pessoa a quem aproveite a deserdação, prove o fundamento do ato deserdativo; pretensão do credor para que se reforce ou se substitua a garantia fidejussória ou real; pretensão a exigir prestação de contas, ou a prestá-las; pretensão do locador a que o locatário consinta nas reparações urgentes do prédio, ou apartamento, ou de outra construção; pretensão do proprietário ou possuidor do prédio, de apartamento, ou outra construção, a que se impeça que o mau uso da propriedade vizinha prejudique a segurança, o sossego, ou a saúde dos que habitam; pretensão do proprietário ou possuidor a que o condômino, ou quem use, ou frua, ou destine a unidade, não transgrida as regras juridicas peculiares às edificações ou conjuntos de edifícios, ou as convenções; pretensão de entidade estatal a que o titular do direito de propriedade literária, científica ou artística, reedite ou edite a obra, sob pena de desapropriação; pretensão de entidade estatal á suspensão ou demolição de obra, por infração de lei, regulamento ou postura ou no tocante a obstrução de valas, ou escavações, ou a destruição de plantações, ou para cessar qualquer uso nocivo da propriedade, se o exige a saúde, a segurança, ou outro interesse público. Depois, veio o pressuposto amplo: a pretensão, oriunda de lei (em sentido amplo), ou de negócio juridico, a que outrem preste fato, ou se abstenha de ato. Aliter, no Código de 1973, em cujo art. 287 se deu a redução desses pressupostos específicos, previstos no Código de 1939, ad. 302, 1 a Xl, ao enunciado amplo e geral de que, se o autor pedir a condenação do réu a abster-se da prática de algum ato, a tolerar alguma atividade, ou a prestar fato que não possa ser realizado por terceiro, constará da petição inicial a cominação da pena pecuniária para o caso de descumprímento da sentença. Essa postura da técnica legislativa de 1973 não obsta à análise desses pressupostos específicos, na medida que traduzam elementos contenutísticos compossíveis da pretensão cominatíva


2. Pretensão a cominação e preceitação. O preceito cominatório ficou adstrito às obrigações de fazer e de não fazer, porém não se há de pensar, como adiante advertimos, que o dar e o não dar não entram nos conceitos. Ação, ou omissão. O legislador atendeu à consideração precipua de que lhes falta eficácia executiva e seria útil assegurar a futura execução, posterior à sentença (cognição eficaz, desde o inicio do processo). Porém não só isso: inverteu a iniciativa da contraditoriedade. Tem-se dito que também se destina a formar o título executivo, pela preclusão do prazo assinado ao réu para a contestação. De modo nenhum. A eficácia executiva e a eficácia cominativa nem são fungiveis, nem essa perfaz aquela, como adiante se há de mostrar. Todos os títulos de que se trata são desprovidos de executividade e não a adquirem pelo praeceptum de solvendo, primeira alternativa da fórmula cominatória; nem a logram ter antes da sentença passada em julgado. Exclua-se, pois, qualquer alusão à executividade. A lei enumera os títulos hábeis e, mal os exaure, lança regra geral que os incluiria. É interessante observar-se que, na Europa, foi com a supressão dos processos provocatórios que surgiu, em toda a sua inteireza, a ação declaratória. No direito brasileiro, tomou maior intensidade e preceitação, inclusive a provoca tio ad agendum feita pelo fiador, quando se redigiu regra jurídica sobre a pretensão ao preceito oriunda da sentença na ação declarativa típica. A estrutura do preceito cominatório continuou a mesma. Ou a lei de direito privado material, ou a lei de direito judiciário material, autoriza o juiz a assinar termo e a com mar. O direito ainda não foi violado. O que está para ser violado ou respeitado é o decreto do juiz, de natureza declaratória. Daí a simpatia que merece a palavra “preceito”: a declaração preceita, porque preceito, irradiado da ação declarativa típica, como o da ação cominatória, é declaração, ainda no caso de pena pedida pelo autor. A diferença está em que o preceito na ação cominatória se “processa”; o preceito da sentença declarativa está implicito na sentença. O preceito cominatório explicita a preceitação mediante relação processual própria. O que tem sentença declaratória, ao pedir o preceito cominatório, já leva consigo, na eficácia da sentença, que tem força de coisa julgada material, o elemento declarativo que se impõe ao juiz, em vez de ainda ter de ser apreciado por ele, como ocorreria em qualquer dos casos da ação cominatória. Toda ação cominatória é de direito material. Se o juiz deferiu a petição inicial de preceito cominatório, para o que lhe basta (e é preciso) cognição, posto que incompleta, em que se funde o adiantamento de condenação, com que se arme a alternativa “faça (ou não faça), ou pague a pena” —estabelece ele o status litis, que há de ser respeitado pendente a demanda. Não é, aí, da eficácia da cominaçáo que se trata, e sim da eficácia da litispendência. A matura cognitio com a aquiescência da parte (“si pars acquiescat”), ou com a sentença após a contestação e discussão, é que pode permitir o ato ou omissão, ou, continuando a reprová-lo, aplicar a pena da ação cominatória. No interregno, a ação de atentado pode ser processada, porque é ação acessória, que nasce da conduta contra statum litis e tem por fito rem reducere in pristinum, levado em conta o estado da causa ao tempo em que foi movida. Tudo está em que a decisão de deferimento da preceitação fixou a res in iudiciurn deducta e deu, portanto, o momento para se determinar o status litis.

§ 42. Fiador 1. Fiador, satisfação da obrigação pelo afiançado e exoneração da fiança. À pretensão de direito material criada pelo direito material, corresponde a pretensão de forma processual. O direito material acolheu acertadamente, a cominação, quando estatuiu que o fiador, ainda antes de haver pago, pode exigir que o devedor satisfaça a obrigação, ou o exonere da fiança, desde que a dívida se torne exigível, ou tenha decorrido o prazo dentro do qual o devedor se obrigou a desonerá-lo. (Foram os Códigos estaduais de São Paulo e do Espírito Santo que estabeleceram a pretensão cominativa, a fim de que o fiador, a que se referia o direito material, não ficasse sujeito ao processo ordinário. Compreende-se que, com a unidade do direito processual, se recebesse a sugestão). O fiador legitima-se ativamente se: a) o devedor não satisfez a obrigação; b) não o exonerou dentro do prazo em que se obrigou a fazêlo; c) a divida se tornou exigível; d) o fiador ainda não pagou a divida afiançada, pois, no caso contrário, estaria sub-rogado nos direitos do credor e talvez com pretensão de executar. Pergunta-se o fiador solidário com o devedor pode exercer a ação cominatória. O conceito de fiança é de direito material; outrossim, o de solidariedade. A questão nasce, pois, no direito civil (com razão, Amorim Lima, Código, II, 92). Clovis Bevilacqua respondia que ao fiador solidário não assistia a pretensão de exigir a satisfação, nem a exoneração. Luís Machado Guimarães


(Comentários, IV, 166, 167) discordou, por ser externa a solidariedade, no caso, e não interna, não havendo a pluralidade de devedores. Observemos, desde logo, que a afirmativa de Clovis Bevilacqua raríssimas vezes acertaria e a de seu opositor algumas vezes falharia. A acessoriedade da fiança como instituto e a principalidade da obrigação solidária não bastam como argumentos. O problema tem de sêr posto noutros termos. Cumpre partir da distinção entre: (a) beneficio de discussão ou de ordem, a que renuncia tanto o fiador que se obriga como principal pagador quanto o que se obrigou como devedor solidário; (b) o direito de regresso. A pretensão persiste no caso (a); não persiste no caso (b), sendo de notar-se que há diferença entre principal pagador e devedor solidário, que se não reflete, só por si, na questão. O fiador que renuncia à exceção do benefício de ordem pode exercer a sua pretensão cominatória (cf. J. von Staudinger Rommentar, II, 2, 1.522; Paul Oertmann, Rommentar, 956; G. Plancl≤ — H. Siber, Nommentar, II, 2, 842). Quem a perde é o fiador que não tem mais regresso contra o devedor (Paul Oertmann, H. Siber; Otto Warneyer, Rommentar, 1, 1.230). Até que ponto as declarações de vontade do devedor, nas relações com o fiador, excluiram o direito de regresso, é questão de interpretação do negócio jurídico entre eles. E possível mesmo, posto que raro, a exclusão da pretensão de regresso sem a pretensão da sub-rogação (duas pretensões!) ou vice-versa. No plano do direito material subsistem, de regra. No plano da lei processual, a pretensão cominatória é ligada à de regresso por força da regra legal, o afiançado tem de satisfazer a obrigação ou exonerar da fiança o fiador, que bem levou em conta a natureza do preceito cominatório. Não quer dizer isso, de modo nenhum, que cesse a pretensão de regresso, se ocorre a sub-rogação pessoal; trata-se de dois efeitos de direito material compatíveis. Por exemplo: se o fiador pagou pode cobrar em sua posição própria ou na de sub-rogado do credor; tendo proposto a ação cominatória, pode pagar e continuar aquela, porque a exigência processual de não ter sido ainda paga a dívida resulta do praeceptum da cominação, e essa já produziu efeitos.

2. Alternativa: obedecer ou incorrer em sanção. No caso do preceito para que o afiançado satisfaça a obrigação ou exonere o fiador, há a alternativa processual da obediência ou da pena, como em toda cominação, que é mandado sancionado. Mas a alternativa da obediência parte-se em nova alternação, que é a de direito material (satisfazer ou exonerar o fiador). A distinção entre o dilema processual e o dilema interior a uma das formas de obediência tem grande valor teórico e prático. Sendo essa de direito material, um dos termos pode ter deixado de existir, ou nunca ter existido, sem que falte ao fiador a pretensão processual. Assim, se o contrato entre o fiador e o afiançado, ou a própria carta de fiança, exclui a exoneração, não cabe a alternativa material, posto que, exigível a dívida, possa o fiador exercer a sua pretensão processual a que o devedor solva. 3. Fiança sem assentimento do devedor. Se a fiança foi prestada sem o assentimento do devedor, o fiador não tem pretensão a qualquer ato ou fato do devedor. Nenhuma relação de direito material existe entre eles. Alguns autores lhe atribuem, com razão, a acho de in rem verso, que supõe a versão do pagamento, e opera segundo os princípios próprios. Não ter assentido pode ser defesa do afiançado contra quem se lançou o cominatório. 4. Credor que há de assentir e fiador principal pagador. Se a fiança faz dependente de aquiescência do credor a exoneração, ou se o fiador é principal pagador, o fiador deve pedir que se mande citar o credor, sem que se trate de litisconsórcio passivo necessário (igualdade de situações processuais dos réus). O juiz não tem de mandar citá-lo. O autor é que dirige a sua demanda. Não se requerendo a citação do credor, interessado no pleito, a coisa julgada material não o atinge. O credor, interessado, pode intervir, conforme a figura que resulte do seu interesse (conexão de causas, afinidade de questões, ou atingimento de relação jurídica de qualquer das partes e terceiro). 5. Sanção, em caso de omissão do devedor. Discutiu-se qual a sanção no caso de não poder o devedor exonerar o fiador, ou de não querer fazê-lo. Essa questão, de direito material, nada tem com a ação cominatória. As regras de direito material sobre impossibilitação, com culpa ou sem culpa do devedor, e outras é que respondem. A cominação é a pena contratual, ou a que for pedida pelo autor e deferida pelo juiz. A aplicação exata do direito processual civil ganha em se trazerem sempre nítidas a esfera do direito material e a dele. A ação cominatória é ação de direito material.

6. Pretensão do fiador contra o credor afiançado. Desde que possa o credor exigir do devedor afiançado que preste alguma coisa, ou faça, ou se abstenha de algum ato, seu ou de terceiro, devendo, pelo inadimplemento, responder o fiador, tem esse pretensão cominatória contra o credor para que o exija. A pretensão cominatória preexiste; por se não haver prestado atenção a isso, tem-se até sustentado que a regra jurídica processual era lei natimorta, porque o direito material não assegurou ao fiador esse “direito de exigir que o credor acione o devedor” (J. M. de Carvalho


Santos, Código, IV, 243), ou levantado a dúvida quanto à existência dessa “ação” (Amorim Lima, Código, II, 99). Trata-se de pretensão típica cominativa, como existem a pretensão executiva e tantas outras, criações das leis préprocessuais, em seu terreno próprio. Tal pretensão não precisava estar no direito privado (Rudolf Pollak, S~stem, 3), pois também é o caso de alguns textos e da declaratória da falsidade ou autenticidade de documentos. Na elaboração do Projeto do Código de Processo Civil do Estado de São Paulo, Estêvão de Almeida propusera essa pretensão pré-processual, inspirado em Dias Ferreira (Código, II, 137). Aliás, antes do Código Civil de 1916, já estava em vigor essa cominação. Essa é a oportunidade que se nos dá para tratarmos dos processos provocatórios, que nos vêm de deliberação do Senado lisbonense, a 22 de dezembro de 1558, e da Lei de 30 de agosto de 1564 (Ordenações Filipinas, Livro III, Titulo 11, § 4) (“... todo aquele que difamar outro sobre o estado de sua pessoa, como se dissesse que era seu cativo, liberto, infame, espúrio, incestuoso, Frade, Clérigo, ou casado, em outros casos semelhantes a estes, que tocarem ao estado da pessoa, de qualquer qualidade que a causa do estado seja, pode ser citado para vir citado ao domicilio do difamado, que o manda citar. E nos ditos casos, em que o assim citar, lhe fará assinar termo, para que o demande, e prove o defeito de estado, porquanto a tal questão do estado é prejudicial à pessoa, e não sofre dilação, nem deve estar impendente a) Os escritores costumavam atribuir a origem dos processos provocatórios à L. 5, C., de ingenuis manumissis, 7, 14. Não há dúvida que os Romanos tiveram ação provocatória, porém se dela vieram os processos provocatórios já é outra questão. Jerônimo Schurpf (Consiliorum seu Responsorum luris), João Oldendórpio (Interpretatio L. diffamari C. de ingenuis man um.) e Bartolomeu Biarer (Repetitio solennis L. diffamari Cod. de ingenuis manum., 10, 12, 31, 35 s.) afirmaram, no começo do século XVI, que o processo provocatório se deduzia da Lei diffarnari. Seguiam-nos Andreas Gail (Practicarum Observationum ad proc. iudiciarurn, praesertim imperalis carnerae, obs. IX, 4, LXXVIII) e outros, como os nossos Jorge de Cabedo, na decisão 43, e, antes, Antônio da Gama, na decisão 202. b) Samuel Stryk, Gerardo Noodt, J. H. Berger e C. F. G. Meister entenderam, no século XVII. que os processos provocatórios provinham dos costumes germânicos (“stylo et moribus Germaniae”.) c) Outros, mais próximos à realidade, viam nos processos provocatórios mera criação dos Glosadores. A 1~ edição das Institutiones de Pascoal José de MeIo Ereire saiu em 1789 e o trecho do Livro IV, Título 7, § 16, já lá s~ achava (cf. 5ª ed., IV, 89): “Quae quidem Ordinatio originem suam debet npn tam iuri Romano, hoc est, legi diffamari 5, C., de ingen, manumiss., cum ad solam status ingenuitaterú pertineat, quam Glossatoribus, qui eam ad omnes diffamationes produxerunt”. Somente depois, em 1806, Chr. Wilbelm Schweitzer (Uber den Provokationsprozess, 4) pôs a questão nos mesmos termos e atribuiu aos Glosadores a construção, tirando da Lei diffamari e da L. 28, D., de fideiussoribus et mandatoribus, 46, 1, o que propriamente lá não está (“das eigentlich nicht darin steht’). d) Outra opinião teve Th. Muther (De Origine Processus Provoca torli, 13: “Mea igitur est sententia, illum natum esse ex usu forensi et moribus, qui ex Italia initia ceperunt ibique a Glossatoribus inventi iurique Romano accommodati nec non immutati ad magnam pervenerunt gravitatem et frequentiam in iudiciis”), que entendeu ter nascido o processo provocatório no “uso forense”, que começara na Itália. Th. Muther citou Cesar Contardi (Commentarii in L. diffamari, cap. 1) que o tinha por freqúentíssimo. Verdade é que os Glosadores e Comentadores criam proviesse do direito romano o remédio, e não do direito canônico, ou do uso forense; e frisavam haver a ação e a exceção. Azão (Ad singulas LL. XII librorum Codicis Iustinianei Commenta rins), que foi o ponto mais alto da escola dos Glosa-dores (século XIII), comentando o Invitus agere nemo cogatur, tratou da ação difJamari, sem outra base que a romana. Na Summa, depois de enunciar Nemo quidem cogitur vel accusare praecise, abriu exceções, todas fundadas em textos romanos; e Acúrsio, que escreveu a glosa ao Título do Código Ut nemo invitus agere vel accusare cogatur, apresentou quase as mesmas exceções. Paulo de Castro, em Dig., nove cum glossordinar., exemplificou com o caso seguinte: “Reus qui habet exceptionem: Si actor differt agere, forte ut moriantur testes, qui possunt exceptionem probare: correus potest ipsum ad iudicem provocare implorando et iudicis officium et petendo, declarari, sibi exceptionem competere illi imponi silentium super actione: et sic non solum petere examinari testes ad perpetuam rei memoriam”. Esse exame, ou inquirição, ad perpetuam rei memoriam, é o de que falam nas leis processuais; mas Paulo de Castro aludia a ação,


que hoje estaria na regra jurídica sobre ação declarativa típica ou na regra jurídica sobre a ação cominatória em caso de obrigação de fazer ou de não fazer (desde que concorram os requisitos para uma ou outra). Bartolomeu Cépola configurou verdadeira ação declarativa típica, frisando tratar-se de jurisdição contenciosa. O exercício da ação do fiador não impede que o réu-credor exerça ação noutro juízo. Bartolomeu Socino, nos Consilia (III, c. 94), dá-nos a solução nesse sentido, atribuindo-a, parece, a André Barbatia e a João Batista de S. Severino, que foi João Batista Caccialupus, professor de direito (sobre ele, E. von Savigny, Geschicbte, VI, 324 5.; sobre o “praeceptorem meum” do texto ser André Barbatia — cp. Th. Muther, De Origine Processus Prouocatorii, 140, nota 306). Os remédios que o direito comum estabeleceu, remedium ex lege diflama ri, que supunha “fama” sem razão, donde a declaração negativa, e remedium ex lege si contendat, ainda tinham qualidade específica, na classificação das ações (e das sentenças), a provocatio ad agendum ou a impositio silentii. Havia, portanto, um plus, eventual, que a simples ação declaratória típica de modo nenhum comportaria; nem a Lei diffamari e a Lei si contendat tiveram qualquer influência na extrinsecação legal e doutrinária da ação declarativa típica (Jakob Weismann, Die Feststellungsklage, 2, 42, 59 e 99). Os Glosadores, inter pretando mal as duas leis criaram o preceito cominatório do fiador contra o credor, entre outros, cuja generalidade, provinda do direito comum, havemos de repelir, por isso mesmo que se tem a ação declarativa típica. Essa está para a do fiador contra o credor, como a ação de condenação está para a executiva de sentença. Enquanto a ação declarativa provém do mesmo pensamento que o dos praeiudicia( romanos (cp. Otto Wendt, Die Beweislast bei der negativen Feststellungsklage, Archiv fUr die civilistische Praxis, 70, 23 s.), as provocativas, oriundas da Glosa, são ações cumuladas de declaração e de condenação, sendo essa “condicionada” (eventual). A prática admite a provocatio adaendum daquele que poderia usar da oposição de terceiro ou dos embargos de terceiro. As leis são de regra hostis a isso (e. g., a Ordenança francesa de 1667), mas a vida segue-o a cada passo (P. Erette-Damicourt, De l’Intervention en premiêre instance et en appel, 105 s., quanto à França). A construção, e. g., no caso de haver citação do terceiro é fácil — há cumulação objetiva de ações e a ação contra ele toma caráter declarativo negativo, quer promovida pelo autor quer pelo réu. Vindo o terceiro, com a sua oposição de terceiro, é autor de ação declarativa contra o autor da ação original e provavelmente de condenação contra o réu. No caso de citação do terceiro com legitimação a embargos — não há cumulação objetiva, mas ação de declaração incidental proposta contra o terceiro, que se deve defender para que não passe em julgado a resolução judicial que se prof ira. No caso de simples intimação da sentença, é diferente. As consequências somente podem ser as de preclusão dos prazos para o recurso do terceiro de que falam as leis. Tais casos escapam às regras sobre ação cominatória; faltalhes o elemento cominatório. A adcitatio do que poderia opor-se (intervenção ad excludendum) não está na lei escrita. A atitude do jurista brasileiro, ou há de ser a de admiti-la, com o exemplo italiano (Antonio Segni, L’Intervento adesivo, 97), ou repelila, como procederam o direito das Duas Sicílias, diante da omissão da lei de 1819, e o direito francês. Assim, temos, por força de lei, a adcitação dos litisconsortes ex aequali interesse, e, pela construção, a dos interessados ad excludendum, porém não a dos intervenientes eventuais ad coadiuvandum — “ad quem secundario demum spectat defensio”. A provoca tio ad agendum pode não ter a cominação. Há o procedimento edital para que os herdeiros se habilitem, isto é, proponham a ação de habilitação, inclusive em se tratando de sucessão prematura, e para que os que têm domínio de terras exibam os títulos, a fim de que se deslindem e se demarquem o que é público e o que é particular, ou o que é propriedade de alguém, pessoa física ou jurídica, e o que é devoluto (ação discriminatória de terras devolutas). Aí, há declaratoriedade preponderante. A exigência de declaração de vontade, nas promessas de contratar (pré-contratos), pode ser exercida em ação


cominatória, ou em ação executiva de declaração de vontade. 7. Fiador sem a pretensão cominatória contra o credor. O fiador principal pagador e o fiador solidário com o devedor, bem como o que renunciou expressamente ao beneficio de ordem, estão privados da ação contra o credor. Bem assim no caso de ser insolvente ou falido o devedor. Isso obsta ao beneficio de ordem e obsta a que o fiador provoque a atuação do credor, posto que esse possa, com a sua inércia, prejudicá-lo, se lhe não cabe pretensão de regresso contra o afiançado (e, g., se esse não consentiu na fiança). Aliás, se o benefício de ordem, no caso de insolvência ou falência do devedor, desaparece, depende de interpretação do contrato, porque regra jurídica sobre não aproveitar o beneficio de ordem, se houve renúncia expressa, ou se houve vinculo como principal pagador, ou devedor solidário, ou se insolvente ou falido o devedor, é dispositiva. Perdendo o beneficio de ordem e não tendo pretensões fundadas nele, ou na legitimação à ação cominatória (o contrato pode dar interesse ao fiador fora do beneficio de ordem e esse interesse basta), ainda pode o fiador, se o credor abusou do seu direito (e. g., se, sabendo da solvência do devedor ao tempo da exigibilidade, adiou, abusivamente, a cobrança), propor a ação de abuso do direito material. A ação do fiador contra o credor é exceção ao Invitus aqere uei accusare nemno coqatur. Já no direito anterior, o fiador tinha ação contra o credor para uso da ação contra o devedor, exatamente quando esse começava a dilapidar os bens (Pascoal José de MeIo Freire, Institutiones, IV, 89: Wideiussor quoque contra creditorem recte agit, ut actionem adversus principalem debitorem instituat, vel eum a fideiussiones obligatione libert, quoties ex dilata actione periculum imminet amittendae exceptionis, veluti excussionis, quod fit, si debitor diu in solutione cessaverit, vel sua bona dilapidaverit”). Se o credor, antes de vencida a dívida, puder ir contra o devedor, cabe ao fiador a ação comi-nativa contra o credor. Exemplo: “Fideiussor similiter, cuius bona ad instantiam creditoris sequestro fuerunt supposita, contra eum recte agit, ut personalem instituat sub poena remoti sequestri. Et hoc iuri in foro utimur” (P. J. Meio Freire, Institutiones, IV, 89). Já previramos esse caso. (Dissemos acima que o fiador principal pagador está excluído da legitimação ativa, no caso de ação cominatória contra o credor. No sistema do direito material brasileiro, o fiador, que é principal pagador, põe-se na mesma plana que o devedor, de modo que nasce para o credor a eleição. Tal construção nos vem de Fernando Aires de Mesa, jurista português, na var. 2, cap. 13, nºs. 13, 19, 20, dos seus X/ariarum Resolutionum eL Interpretationum funis Libri tres, cuja V edição saiu em 1643. Desse teórico à cuja capacidade de construção jurídica se há de render homenagem — comparando-o a Manuel Soares da Ribeira e João Altamirano, Pascoal José de Meio Freire, Historiae luris, 95, escreveu: “Non multum ei genio ac eruditione distat

§ 43. Deserdado 1. Deserdado e “provocatio ad probandum’. Trata-se de provocação à prova — o ônus da prova elevada à categoria de fundamento de legitimação passiva — pretensão que não está no direito material. A lei de direito material espera a propositura da ação e a oposição do réu em exceção, ou a ação do deserdado para a impugnar. Há, pois, para a mesma pretensão, prescritivel conforme a lei, em tempo contado da abertura da sucessão, duas ações —uma das quais é a ação comínatória, e outra, a ordinária de impugnação.

2. “Provocavo ad probandum”. Aí, o preceito cominatório é o tipo da provocatio ad probandum, com a seguinte estrutura: o autor põe-se na atitude de quem nega a razão pela qual vem de ser deserdado e coloca o herdeiro instituido (ou os legatários, nos casos de completa distribuição da herança em legados) na posição de quem é trazido a juízo, apenas degradada em provacatio ad proboridum a provocatio ad adgendin ainda intacta no tocante à ação cominatôria do fiador contra o credor. Aliás, outros casos de provacatio ad agendtim ou ad probandum aparecem nos procedimentos editais (e. g., citação de ‘herdeiros incertos ou de ‘interessados’; de portadores possiveis de titulos perdidos ou furtados). A chamada de legatários para que provem a sua identidade é, tipico provocatio ad probandum § 44. Reforço e substituição de garantia fidejussória e real 1. Reforço e substituição da garantia .Trata-se de reforço ou substituição da fiança, ou da garantia real. A fiança ou a garantia real.. a fiança ou garantia substituição pode ser fiança garantia real, ou nova 0brigação ou clausula penal. De ordinário, as leis prevêem o reforçamento ou a subsituição em qual a divida se torna exigivel antes de expirado o prazo.


Eficácia. Pode o credor usar da ação cominatória~ sob cominação, de se réu não a reforçar , se ter por vencida a divida, e não de se prosseguir na ação como de cobrança, pois a contestação na ação cominatária é diferente da contentação na ação de cobrança Por isso mesmo não pode o autor executar a sentença favorável como de condenação na divida vencida (sem razão, Ataliba Viana, Ações Especiais 31)A divida não estava vencida no momento da citação ao findar o ultimo prazo . Não é sentença constitutiva ( Contra Luis Machado Guimarães, Comentários, IV, 183). Nada se constitui; aplica-se lei, sem outro carater da sentença,que o declarativo A Intimação nos casos de penhora, por outro credor, de bem hipotecado empenhado ou gravado de anticrese, por exemplo, é intrínseca ao direito. A sentença proferida faz coisa julgada material.

§ 45. Prestação de contas 1. Pretensão cominatória e pretensâo a que se prestem contas No caso de ter alguém pretensão a que outrem preste contas, conferia-se no direito anterior luso-brasileiro e brasileiro, a pretensão cominatória, que funcionava cobrindo a pretensão a que lhe prestassem contas, de direito material. Se esse processo cominatório podia ser usado contra os herdeiros do obrigado, era questão que não se havia de resolver a priori, porque as relações jurídicas de que resultem as obrigações de prestar contas são de diferente natureza e categoria, muitas vezes sujeitas a variações dentro do mesmo instituto. O fato de se transmitir aos herdeiros a obrigação de prestar contas não bastava para que se afirmasse transmitir-se aos herdeiros a legitimação passiva na ação cominatória. Seria confundir a pretensão processual e a de direito material. Os herdeiros do advogado, por exemplo, que não o tivessem substituido no escritório da advocacia, não podiam ser preceitados para prestação de contas; tinham de ser chamados em processo sem cominação. O herdeiro que ficara à testa do estabelecimento comercial respondia, em ação cominatória, para prestar contas, O sócio gerente é obrigado a prestar contas (5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 24 de maio de 1949, RF 136/157), ainda se trata de sociedade de fato (1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, 15 de junho de 1949, Paraná J 53/318). O mandante pode exigir prestação de contas e o mandatário tinha a cominatária para prestá-las (8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 7 de julho de 1951, 147/254). Passava-se o mesmo com os parceiros, na parceria rural (6ª Câmara Cível, 25 de maio de 1951, DJ de 13 de março de 1952). Hoje, a proponibilidade das ações, em que se deduza pretensão à prestação de contas, seja pretensão a exigi-Ias, seja pretensão a prestá-las, é segundo os arts. 914-919 do Código de Processo Civil, que esgotam a matéria. Alguns elementos cominatórios persistiram, inclusive o do art. 915, § 3ª, 2ª parte, que é de grande relevância, e põe em grave posição o réu que desatende à condenação a que se refere o art. 915, § 2º parte. A despeito de o Código de 1973 não ter cogitado, em separado, das ações cominatórias, elas podem ser de direito material e, condenatórias como são, se propõem com o rito comum, ou estar em algumas regras juridicas de direito processual civil, em que elas aparecem, em iniciais, ou em situações que alguns dos figurantes podem criar durante o procedimento. Seria difícil, se não impossível, retirar-se inteiramente o elemento cominatório que através dos séculos aparece nas ações de prestação de contas. A 2ª Turma do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, a 5 de julho de 1950 (RT 189/936), decidiu que o herdeiro que aliena o quinhão hereditário é parte ilegítima para promover a prestação de contas contra o inventariante. Sem razão, porque a regra jurídica sobre responsabilidade do cedente, conforme os princípios, é invocável. Se foi alienação da quota como bem imóvel, isto é, do direito à sucessão aberta, qualquer que seja ele, mais consentâneo é que o inventariante faça citar o adquirente como parte, mas é demasiado preestabelecer o inventariante que foi transferido o que se apurar. O editor adquirente da edição, que prometeu prestação percentual sobre as vendas de exemplares, está sujeito à ação de prestação de contas (5ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 16 de março de 1951, RT 192/604). O credor que recebeu títulos de crédito para cobertura do crédito está sujeito à ação de prestação de contas (4ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 16 de maio de 1952). Ainda no direito de 1939, não cabia ação cominatória do empreiteiro contra o proprietário que estava na posse do prédio para vir receber as chaves e pagar o preço (3ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 24 de


janeiro de 1952, RT 199/282). Afinal, recebia-se a posse imediata com as chaves, e quem já está de posse de construção há de ter chaves. Não há cominatória para pagar o preço. O empreiteiro teria de interpelar, ou, desde logo, cobrar o que se lhe devesse. A ação de prestação de contas exerce-se contra o obrigado, ou contra seus herdeiros (1ªC Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 20 de junho de 1950, RT 188/642) e sucessores entre vivos.

2. Pretensão ativo á prestaçâo de contas. A pretensão à prestação de contas foi, no direito luso e no brasileiro, tradicionalmente amparada pelo processo cominatório, — ou por parte do autor, para pedi-las, ou do réu, para prestá-las. Ali, praecepturn de faciendo; aqui de “serem tidas por boas e bem prestadas”. De modo que, no segundo caso, não contestando o credor, se têm por boas e bem prestadas as contas, não tendo aqui o juiz, na sistemática processual anterior a 1973, o livre convencimento na apreciação da prova, quanto a essa contumácia especial, por ser obrigado o seu próprio preceito. Era o preceito que atuava; não o depoimento. Não se tratava de declaração ficta do credor; e sim de comunicação de sua vontade. Nenhuma indagação do valor objetivo ou da atendibilidade das provas tinha de ser feita; os autos eram conclusos para a sentença, que decidia, aplicando a pena. A pretensão ativa é a de exigir que alguém preste contas; a pretensão passiva é a de prestá-las.

3. Pretensão passivo à prestação de contas. Os herdeiros do obrigado a prestar contas são legitimados para exercer a ação passiva, como os herdeiros de quem poderia exigi-las o são para exercer a ação ativa.

§ 46. Prédio em posse imediata imprópria e reparações urgentes 1. Reparações em prédio locado. Ao locador incumbem, de regra, as reparações do prédio. Para isso, precisa de entrar no prédio, ou ordenar que nele entrem os operários, para as obras necessárias à conservação e urgentes, isto é, se não puderem ser deixadas para o fim da locação. A lei regula o abatimento de aluguel, ou a resilição do contrato. (Sobre o direito anterior, Consolidação de Teixeira de Freitas, art. 669, § 3ª. Supõe-se (a) que o locatário ainda não consentiu, (b) que as reparações sejam a cargo do locador (as regras jurídicas a respeito são dispositivas), (c) que sejam elas necessárias e urgentes, pois, se o contrato atribui ao locador as pequenas reparações, ou se essas provêm do tempo e do uso, a ação não pode ser cominatória.

2. Objeto da cominação, na espécie. Sob o Código de 1939, a citação era para que o locatário consentisse nas reparações (ou desocupasse o prédio), ou pagasse a pena pecuniária. Hoje, a pretensão não é cominatória, de modo que se o locatário descumpre a obrigação de consentir dá-se o despejo do prédio. O réu pode alegar, na contestação, que as obras vão durar mais do que o tempo previsto na lei e lhe tocava o direito de resilir o contrato, ou, se consente, que vão durar mais do que, na espécie, se supõe, o que lhe dá direito a abatimento do aluguel. Ainda que, na ação de despejo, não alegue isso, tem o locatário direito ao abatimento, uma vez que pode ignorar a duração das obras. Se o locatário desocupa o prédio para as obras, e as obras não duram, como pretendera o autor, mais de um mês, ou, se duram mais de um mês, não optou ele pela resilição do contrato, pode reclamar o prédio. A opção na contestação vale, por ser declaração de vontade isenta de forma especial. Na concepção da pretensão cominatória (Código de 1939, art. 302, VI), a pena ou era (a) a pecuniária, pena contratual compensatória, se havia cláusula penal, ou (b) a que o autor requeria e o juiz deferia, ou (c) o simples pedido de perdas e danos, de que o autor faria prova, ou (d) a resilição do contrato. A mais simples, não havendo a primeira sem caráter de alternativa a favor do locador, porque então tinha de ser a pena pedida, era a coercitiva judicial pecuniária (a) que a lei autorizava sem qualquer dependência das regras jurídicas concernentes à ação de execução. A resilição dar-se-ia, com a sentença, se não houvesse contestação, ou a que se proferisse a final, com efeitos~ a partir do dia posterior ao prazo que assinado para a contestação. A lei desconhece a pena de evacuação ou a de entrada no prédio manu militari, ou por outro modo ou expediente direto.


3. Pena a ser cominada. A pena a ser cominada. para se satisfazer à pretensão pré-processual do legitimado, a ação para impedir o mau uso da propriedade vizinha, que somente poderia lançar mão, no velho direito, da cautio damni infecti, e hoje tem o preceito cominatório ou a combinação dos dois processos, é a pecuniária, requerida pelo autor e deferida pelo juiz.

4. Habitante do prédio. Inquilino diz-se, mas aí está como o quod plerurn que accidit. Leia-se: possuidor, tenedor ou servidor da posse, desde que habite no prédio. Sobre os direitos de vizinhança, nosso Tratado de Direito Privado, Tomo XIII.

§ 47. Mau uso da propriedade 1. Mau uso da propriedade. As leis municipais, estaduais ou federais que se refiram a ruidos, gritos, cantorias, fonógrafos, alto-falantes, fábricas de olor forte ou trabalho ensurdecedor, apenas definem, no seu âmbito, o caso de mau uso da propriedade a que se refere a lei, sem lhe exaurirem o conteúdo do conceito. Provam a aquiescência generalizada da interpretação. Não se diga que não há outros, por se terem referido as regras legais, de direito material, apenas, e. g. a “regulamentos administrativos” e “posturas municipais”. Nem se fala em se tomarem direito material tais regras jurídicas; elas já o são, na sua esfera. Para empregar o preceito cominatório, não precisa o legitimado à ação cominatória, no caso de ruidos, rádios etc., ensurdecentes, de recorrer a posturas ou regulamentos. ‘Mau uso” é conceito que se tem de explicitar na medida que surjam os fatos, que o figurem, apreciado segundo a maneira comum, razoável, de viver, em cada parte do pais, da cidade, da vila, ou do bairro. 2. Exemplificações. É mau uso da propriedade vizinha: o funcionamento de caldeira, se a chaminé deixa escapar detritos de combustíveis (1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, 4 de setembro de 1952, OD Belo Horizonte, de 2 de outubro), ou subir fumaça que cause danos; ou de máquinas que causem trepidação ou barulho ensurdecedor (34 Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 9 de novembro de 1950, RT 190/237, e RF 140/289). Não é mau uso da propriedade vizinha: o funcionar posto de lubrificação e abastecimento, em recinto fechado, com os requisitos de higiene (2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, 3 de janeiro de 1950, RF 143/126): o funcionar tipografia térreo, ou parte mais baixa de prédio, em zona não estritamente residencial (3~ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 9 de março de 1950, RT 181/176). Se a lei somente fala do proprietário e do inquilino; havemos de entender que têm a ação de preceito cominatório o anticresista, o usufrutuário, o usuário, o pré-contraente comprador que tem posse (3ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 13 de novembro de 1952, RT 207/262) e o próprio possuidor próprio, ou o inquilino, e os possuidores impróprios que aleguem e provem o direito de posse.

§ 48. Dano iminente e vizinhança 1. Afastamento da inquietação ou caução de dano infecto. Proprietário, ou possuidor. Na tradição do nosso direito, a caução ao dano futuro pode ser pedida pelo possuidor, ou “toda pessoa que tenha receio de ser danificada pela casa ruinosa do vizinho” (Correia Teles, Doutrina das Ações, § 214, 228). A lei processual tem de abster-se de qualquer alusão a estrutura da comunhão pro diviso em edifícios, pois o assunto pertence, de todo, ao direito material e o direito material erraria em aludir à altura do edifício, ao número de andares, ou outras medidas e qualidades. 2. Apartamentos. A pretensão cominativa foi nova, e a regra juridica sobre apartamentos tem de ser entendida em concordância com o que estatui para as outras ações cominatórias. Não há processo cominatório sem cominação, sem pena, convencional ou posta pelo juiz, a requerimento da parte. A caução de dano infecto é medida acessória, tal como a concebe a lei, e não necessária, pois o dano pode ser iminente desde já, ou prever-se, porém não iminente. Tem-se, portanto, de cominar que o réu sofra a reparação feita pelo autor, à custa do réu, ou que seja demolido o prédio, à custa do réu, ou que preste caução (se desde já iminente o dano). Três condutas, sendo as duas primeiras, à escolha do réu. Esse não se defende alegando não ter culpa, pois a culpa não é pressuposto para a ação cominatória proponível pelo vizinho, inclusive em se tratando de apartamento. A escolha da reparação, em vez da


demolição, depende da eficiência daquela. A caução do dano ainda não feito pode ser pedida desde logo, se iminente o perigo; ou deixar-se para depois, quando se der a iminência. Nada obsta a que o autor peça e o juiz ordene que, além de demolir ou reparar, o réu preste a caução; porque, no meio tempo ou com a reparação ou com a demolição, pode vir a sofrer danos o autor.

3. Dono ou Possuidor de prédio vizinho. Legitimado passivo é o dono do prédio vizinho, ou possuidor com obrigação contratual de reparar ou demolir. Não se sabendo quem é o dono, a ação tem de ser processada contra o possuidor, ou tenedor, qualquer que seja; e a esse cabe chamar à autoria o proprietario.

§ 49. Edifício de apartamentos 1. Proprietário, comuneiro. Na unidade do imóvel, o proprietário é comuneiro pro indiviso, ou pro diviso. Apartamento é a vivenda de três peças no mínimo. A parte comum do prédio, exclusive o solo, é parte integrante do solo que é o prius, não o apartamento, que a linguagem, desde o direito da França, marcou como separado, apartado. Nosso Tratado de Direito Privado, Tomo XII. A ação pode ser entre o enfiteuta, usufrutuário ou usuário e outro comuneiro.

2 Limitações legais. As limitações são as que resultam de regras jurídicas e quaisquer outras oriundas da relação de vizinhança entre moradores ou proprietários de prédios distintos.

3. Legitimação ativa do comuneiro. O proprietário ou quem lhe faça às vezes, segundo os princípios. Não o inquilino, salvo se o contrato lho permite ou cabe na espécie (direito material). 4. Corninação e não condenação. A ação cominatória nada tem com multa fixada em lei. A cominação é concedida como preceito de non offendendo e pena pecuniária coercitiva. Reduzir a função da ação cominatória à aplicação de regras legais sobre multas, se ocorrer a transgressão, ainda tendo de ser cobrada por ação ordinária (J. M. de Carvalho Santos, Código, IV, 255), seria inaceitável. Por igual, cobrar-se a multa no processo do preceito cominatório (Amorim Lima; Código, II, 101). Ou ser a multa a pena cominada (Jorge Americano, Código, II, 102). Ou cumularem-se a multa e pena (Luís Machado Guimarães, Comentários, VI, 208, 209). Se o réu incide na multa, a pretensão é de direito material específico, não de direito material comum, como é a pretensão que leva à tutela juridica em ação cominatória.

§ 50. Direitos autorais e reedição 1. Desapropriação cominada de direitos autorais. A lei permitira a desapropriação da obra literária, científica, ou artística, se o dono — autor, ou quem a tenha adquirido — não a quer reeditar. Supunha, portanto, obra já publicada e intenção de não reedição. Lei que regulou as desapropriações por utilidade pública, estendeu-se ao direito subjetivo e à pretensão à divulgação da obra, de modo que se permite a desapropriação da obra literária, científica, ou artística, ainda não divulgada. Não cabe distinguirem-se o invento não divulgado e a obra científica, artística ou literária. É isso o que está na lei. E a lei está certa, de iure condendo. A regra jurídica anterior foi derrogada, devendo ser lida como abrangente da obra inédita e do invento ainda não divulgado. 2. Legitimação ativa. No direito anterior, somente eram legitimados ativos a União e o Estado Federado; não o Município, nem o Território. Ao Estado Federado havia de equiparar-se o Distrito Federal. Também aí houve derrogação, incluindo-se o Distrito Federal, os Territórios e os Municípios. Temos, pois, que, na parte referente à pretensão de direito material, a situação mudou, repercutindo no direito processual civil de modo que cabe a ação cominatória à União, ao Estado Federado, ao Distrito Federal, ao Território, ou ao Municipio, para que o titular do


direito de propriedade literária, científica ou artística, divulgue ou reedite a obra, sob pena de desapropriação. 3. Cominação e desapropriaçõo. Levantou-se a questão de se saber se o preceito cominatório foi excluido pelo fato de se haver estabelecido o processo de desapropriação. Dois aspectos: o de lege lata e o de lege ferendo. Esse, de interpretação de lei, deve ser resolvido à luz de três principios: o de que ambas as leis, a anterior e a posterior, são especiais, uma, sobre processo cominatório, outra, parte do direito material e do processo desapropriativo; o de que não existe vedação a priori, nem de direito positivo, à pluralidade de formas ou procedimentos processuals, e o sistema jurídico o acolhe; o de que a utilidade de duas formas ou procedimentos pode ser diferente, a despeito da unicidade da pretensão. Nenhum inconveniente há na duplicidade de forma. Nem a interpretação da lei nova permite que se tenham por incompatíveis os dois textos (sem razão, Luis Machado Guimarães, Comentários, IV, 212). De iure condendo, o pensamento que levou a lei a adotar a forma cominatória para essa pretensão a ato a vir de outrem, em regra geral como é a que se refere à cominação por haver obrigação de fazer ou de não-fazer, assistiu-lhe na concepção do caso especial da cominação pela entidade estatal. Antes de desapropriar, há a alternativa de divulgar ou reeditar, que extrema a desapropração dos produtos intelectuais dos outros casos de desapropriação, a que de ordinário falta o dilema “faça ou perca”. E o próprio direito material que configura a construção formal do remédio cominativo. O que mudou foi a parte reflexa da pretensão de direito material, a parte que corresponde aos pressupostos subjetivos e objetivos —mudança que é encontradiça na história das legislações. Nem a esse respeito poderia deixar de caracterizar-se a incompatibilidade dos termos, sem atingir a proposição, que é, no seu arcabouço formal, regra jurídica sobre cominação judicial.

§ 51. Suspensão de obras e demolições 1. Cominatária contra obras. Duas pretensões de direito público, não criadas pelo direito processual, foram dotadas do remédio jurídico cominatório. A pretensão de direito material existia, no direito administrativo, somente provida de procedimento administrativo — aplicação de multa, derrogação de licenças ou prorrogações etc. A passagem ao plano do processo civil teve a consequência de submeter o Estado — União, Estado Federado ou Município, ou Território — à sua justiça, no que concerne àcominação e à aplicação da pena. Não quer dizer isso que a administração fique sem o direito de multar, ou de aplicar outra sanção administrativa, se já ocorrida alguma infração, inclusive de pedir à justiça que aplique a sanção em que o réu incorreu. Usando do preceito cominatório, a entidade estatal ou vê a infração que vai vir, ou, devido à continuidade da situação infratora, anui em cominar, em vez de punir desde logo. Por isso mesmo, a alegação de existir outro meio não obsta à ação. O autor escolheu.

2. Infringência de lei, regulamento ou postura. O conceito de “contravenção’ (Código de 1973, art. 934, III) é dado pela lei, regulamento, ou postura, da respectiva entidade autora, ou de outra, territorialmente abrangente dela, se lhe cabe a atribuição fiscalizadora de direito público. Sem isso, não se dá a legitimação de direito público material, nem, a fortiori, a de direito processual. Não se trata de conceito a explicitar-se no direito material comum. A demolição supõe não poder ser conservado o prédio (3ª Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 26 de novembro de 1941, RT 90/169; 4ª Câmara, 23 de outubro de 1941, 89/168). A ação é exercida contra o proprietário do imóvel, não contra quem lhe transmitiu a propriedade, ainda que a ínfração terma sido anterior a transmissão (cf. São Paulo, 29 de novembro de 1940, RE 86/402). Mas proprietário e construtor são litisconsortes (3ª Câmara, São Paulo, 26 de novembro de 1941, RF 90/169). A regra juridica refere-se à lei, aos regulamentos e às posturas. Não se havia de entender que o regulamentador se houvesse afastado das regras legais que regulamentou, nem que as posturas e leis infringissem a Constituição. A alegação de inconstitucionalidade ou de ilegalidade é matéria de defesa que põe em dúvida o titulo para a cominação. Porém não a exclui. E quaestio iuris. A obra de que se trata, tanto pode ser em prédio rústico como em prédio urbano (2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, 29 de agosto de 1950, DJ de 15 de julho de 1952). E weciso haver infração da lei, do regulamento ou da postura (1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de


Minas Gerais, 27 de abril de 1950, RF 141/325). A inconstitucionalidade da lei ou legalidade do regulamento ou da postura é matéria de defesa, que se há de apreciar. Na ação cominatória em que se pede demolição, essa somente pode ocorrer como execução do preceito, ao passar em julgado a sentença que julgue a ação, salvo itcidência da regra jurídica sobre alegação de urgência.

3.Interesse público. Já tratamos do conceito de uso nocivo da propriedade. Se, pelo mesmo fato, algum vizinho houver intentado a ação cominatória, convém que o juiz ordene a cumulação dos processos. A regra jurídica sobre competência pela conexao tem aplicação, bem como a regra jurídica sobre litisconsórcio e a sobre citação de terceiro, se necessária. A decisão sobre o caso, noutro processo, não faz coisa julgada material para o processo no caso de, considerando-se o enunciado do Código de 1939, art. 302, Xl, b), obstrução de valas, escavações, destruição de plantações, interdição de prédios, ou uso nocivo, ou vice-versa, pela falta do pressuposto da identidade das partes autoras, ainda que os mesmos o réu e o fato. Para que se desse a força material de coisa julgada, seria preciso que se houvesse estabelecido o litisconsórcio, necessário ou voluntário. A própna prova feita não tem valor noutro processo, salvo segunco regra jurídica excepcional. É possível que o autor da ação precise do julgamento como diretiva legal, para a concepção de projetos e atos futaros, e desse meio se sirva, em vez de empregar a ação declaratória. O juiz não tem de apurar essa reserva mental; tem de apreciar o interesse, tal como se define na lei. 4.Dilema preceptual e regra jurídica em que se baseie. O dilema preceptual é concebido como o de toda ação cominatória: preceito de faciendo e pena. No caso de cominação para suspender ou demolir a obra, ou ser-lhe aplicada a pena que for pedida e deferida, igual ou diferente da multa administrativa, épossível e prático pedir-se a pena igual à multa (ou ao dobro dela, pela renúncia da entidade estatal à imediata aplicação), se não atender ao preceito no prazo legal e outro tanto (ou o dobro) se, ao tempo da sentença, persistir. No caso de desobstrução da vala (ou outro ato desejado); ou a pena ou é como foi prevista por lei, regulamento ou postura, ou conforme for requerida e deferido o pedido. Não há o dilema “preceito de faciendo ou interdição do prédio , senão quando a interdição est+iver, como pena, nas leis, regulamentos ou posturas.

5. Interdição e ameaça de pena. Se a lei fala de interdição de Prédios como exemplo de ato a ser praticado pelo réuerra, Pois, no sentido técnico, é o Estado que interdita prédios, nos casos em que a lei o permite. Proprietários não interditam os Seus próprios prédios, nem os dos outros. De modo que não faz sentido, com a série de proposições como “pedir a destruição de valas”, “pedir a destruição de plantações”, “pedir a cessação de uso nocivo da propriedade”, a proposição “interdição de prédios”. Aquelas se referem ao praeceptum; essa, à cominatio, à poena. Não se pode ordenar ao réu que “interdite ou sofra a pena”, como se ordena “desobstrua ou sofra a pena”. Assim, o ato a fazer-se, que é o primeiro termo da alternação, está elíptico, e é todo ato que a lei, o regulamento ou a postura repute suficiente para se decretar a interdição. O juiz não tem o direito de determinar, de seu arbítrio, interdições de coisas, como lhe é vedado determinar prisões, cominatoriamente, sine lege. Sempre, porém, que se trata de crimes ou contravenções, entende-se que o direito, permitindo a interdição no penal, autoriza a interdição no cível (aliter, quanto à prisão, pela necessidade da regra expressa quanto à liberdade física e à liberdade de pensamento, aos direitos de ordem política e à igualdade, todos concernentes à pessoa).

§ 52. Obrigação de abster-se e de prestar fato 1. Prestação de abstenção e prestação de fato. Desde muito há a regra jurídica geral, abrangente de todas as pretensões de fazer ou de não fazer por parte de outrem. Ponha-se o intérprete. como a lei o determinou, do lado do autor ao legitimar-se, sem perder de vista que a pretensão à tutela jurídica é contra o Estado, e a legitimação passiva tem de ser apurada segundo os seus princípios. Outro ponto que merece desde já ser elucidado é o referente ao brocardo Nemo proecise ad faciendum cogi potest. Entendido como vedação da ação direta do Estado, é vigente. A própria prisão é ação indireta. Não assim o outro brocardo *Nemo proecise ad (non)faciendum cogi potest: pode-se, por exemplo, impedir o crime. A regra


jurídica geral, de direito material, era que se pusesse alguma alternativa ou se cobrissem perdas e danos (efeito de alternativa implícita). De modo que não se dava a precisa execução da obrigação de fazer ou de não fazer, se o agente obrigado não quisesse. Com a edição da Lei nº 8.952, de 13 de dezembro de 1994, adveio a regra jurídica heterotópica do art. 461 ao Código de 1973 que, rompendo com a sistemática tradicional, estatui a regra da execução especifica da obrigação de fazer ou não fazer, com incidência das astreintes cominadas se descumpre o praeceptum. Para a efetivação dessa tutela específica, ou mesmo obtenção do resultado prático equivalente, o juiz pode determinar as medidas necessárias, sobretudo mandamentais e executivas. A obrigação do legitimado passivo somente se converte em perdas e danos se o legitimado ativo o pedir, ou, porque ad impossibilia nemo tenetur, se impossível essa tutela específica ou o resultado prático que lhe corresponda. Naturalmente, sempre que a obrigação pode ser executada por outrem, o cumprimento se dá, em vez da condenação a perdas e danos. A melhor distinção entre as obrigações é entre obrigações de prestação pessoal e obrigações de prestação material, e aquelas podem ser negativas ou positivas (sendo difícil, porém não impossível, ocorrer prestação material negativa). A obrigação de suportar, ad patiendum, é subespécie de obrigações passivas, por sua vez subespécie das negativas ou mistas. Esses assuntos têm de ser versados a propósito das execuções de sentenças. Aqui, tem a exposição de restringir-se à estrutura do preceito cominatório: praecepturn de faciendo, ou de non faciendo, ou de patiendo, e cominação, poena. A cominatória de modo nenhum infringe o brocardo Nemo praecise ad faciendurn cogi potest, como a condenação a perdas e danos, ou a ameaça disso, não o viola. O brocardo obsta à ação direta, não à cominatória. As obrigações de declarar são obrigações de fazer. As obrigações de fazer e de abster-se podem ser pessoais ou reais. Não são necessariamente pessoais. A obrigação de demolir é real Se concerne a imóvel, evidente é que o foro da Situação se impõe (sem razão, a 3ª Câmara Civil do Tribunal de Tribunal de Alçada de São Paulo, a 11 de junho de 1952 RT 203/357).

A restauração de cerca divisória pode ser objeto de obrigação pessoal (não necessariamente, como pareceu à 2~ Câmara do Tribunal de Alçada de São Paulo, a 11 de junho de 1952 RT 203/357). A 1ª Câmara do Tribunal de Alçada de São Paulo, a 17 de junho de 1952 (RT 203/520; 1W 148/239), entendeu que o inquilino não pode ser constrangido, por via de ação cominatória, a permitir a entrada na casa locada, ainda que em horas determinadas, a estranhos, interessados na aquisição. O acórdão não examinou o problema de direito material, que é o seguinte: tem o inquilino (ou outrem, com direito à posse) obrigação de deixar ver-se o prédio que se vai alienar? Tal obrigação existe. A posse não exclui o exame pelo proprietário, que suspeite de serem necessárias obras urgentes, nem por estranhos, que desejem adquiri-lo. Negar que o dono do prédio possa exigi-lo ésustentar que, com a dação da posse, se lhe diminuiu ou cerceou o poder de dispor. O caminho mais fácil para se regular a visita ou vista do prédio, em ação de regulação do exercício do direito de propriedade, se falha o acordo, é a preceitação: ou o possuidor escolhe as horas, ou admite que o proprietário as escolha, ou acorda em que o juiz as fixe, ou incorre no que foi cominado para o caso de opor-se a qualquer visita ou exame. Não quer dizer isso que a ação de regulação não possa ser proposta em outra ação. 2. Importância da preceitação cominatóría. A generalidade da referência tornou a espécie a mais importante, de modo que algumas vezes as outras se subsumirão nela. O seu campo de aplicação é maior do que o de qualquer outro fundamento de preceitação. e pode ocorrer dualidade de formas processuais àescolha do autor. Não se diga que se revoga o direito material só aludente à condenação a perdas e danos. Esse é modo de executar-se, no plano material, a obrigação de fazer ou de não fazer. Não se exauriu, com isso, a importância processual das pretensões do credor, existentes em direito material, nem se proibiu a adesão de efeitos de origem processual, nem, ainda mais, a criação de pretensões processuais. O que o direito material adotou, adotou-o no seu terreno, e somente regras de direito material, postas nas leis processuais, ou noutras leis de direito material, podem derrogá-lo nas regras de direito material que são quase todas as suas. Onde ele inseriu regra de direito processual, a derrogação obedece aos princípios que governam a derrogação ou revogação das regras da mesma natureza. Não é verdade, por conseguinte, que a regra de direito processual tenha revogado a de direito material. A regra que se formulou, é regra puramente pré-processual, cujos pressupostos são reflexos, imagens, dos pressupostos do direito material imperativo (“lei”), ou dispositivo, ou interpretativo (“negócio jurídico”), sem que se exclua a hipótese de ter nascido no próprio direito processual a pretensão a que se confere a cominatória. Por exemplo: é defeso lançar nos autos cotas marginais ou intercalares, e o advogado, no memorial publicado, escreveu que vai marcar bem esses lugares nos autos”; de posse dessa prova de propósito de offendendo, pode a outra parte pedir preceito comínatório. Lei, não é somente Código;


nem a inserção do ato no direito penal inibe o juiz de conhecer dos pedidos de cominação para evitar a prática de ato futuro, de que alguém se tenha de abster, por lei ou negócio jurídico. O ofício do juiz exerce-se em toda a extensão que os dois conceitos de “obrigação de fazer” e “obrigação de abster-se” traçam à sua invocação. O autor implora-a, como diziam os nossos juristas, ad mandatum non faciendi ou ad mandatum faciendi. Nas Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 70, pr., lia-se quando algum for obrigado a alguma obra, o fato, que prometesse fazer a tempo certo, não a fazendo ao tempo, que se obrigou, deve ser estimada a obra, que houvera de ser feita; e quanto for a estimação, tanto poderá crescer a pena”. Dai partiam os praxistas para o uso do preceito cominatório, nos casos de obrigação de fazer aliás substituindo o “estilo do reino” de prender o obrigado, muito frequente contra os obreiros e artífices (Manuel de Almeida e Sousa, Ações Sumárias, 1, 338). O direito, a que a regra jurídica se refere, não é só o direito pessoal: pode ser (aliás, a pretensão); porque, se o direito édesmunido de pretensão, ou de ação, não cabe a ação cominatória, ou qualquer outra. Em todo caso, pode dar-se que exista a pretensão e não exista outra ação que a cominatória, ou outras ações que a cominatória, e então é intentável essa. No dizer-se “direito de exigir” contém-se, em termos atécnicos, referência a “direito” e a “pretensão”. A ação cominatória, no direito brasileiro, é proponível sempre que, por lei ou negócio jurídico, haja pretensão a se exigir de outrem que se abstenha de ato, preste fato, dentro de cedo prazo. Desde que alguém é prejudicado, em se tratando de direito absoluto, ou relativo, por ato, positivo ou negativo, de outrem, que possa continuar, ou repetirse, ou haja receio de que tal ato, positivo ou negativo, se dê, causando prejuízo, nasce a ação comínatória, que é ação irradiada da pretensão à abstenção ou à prática de ato alheio. O rito processual pode ser previsto em lei (Código de 1939), ou não (Código de 1973). Não impoda qual seja. A ação é de direito material.

3.Fontes da obrigação negativa ou positiva. A fonte pode ser negócio jurídico bilateral ou unilateral, contratS ou declaração unilateral de vontade. Não se confunda o preceito cominatório, ação, com a cominação para cumprimento de obrigação de fazer ou de abster-se que se funda na sentença exequenda, e não na lei ou em negócio jurídico. Alguns acórdãos estão a falar em não ser cabível a ação cominatória para se exigir o cumprimento de obrigações contratuais — é verdade que em “motivos” ou considerandos dos julgados — mas é preciso evitar-se que se vã repetindo esse absurdo (e. g., Tribunal de Justiça de São Paulo, 13 de março de 1941, RT 130/680). O maior campo de aplicação da ação da regra jurídica geral, é o das obrigações contratuais. Naturalmente — salvo quando a citação contém também intimação, notificação ou interpelação concebida pelo direito material e com efeitos de direito material imediatos — não é meio para se tornar exigível o que o não é (certo, na “decisão”, o acórdão acima citado): a razão, porém, é a de faltar a ação; aliás, talvez a própria pretensão: haver só o direito. Tenho direito ao que o contrato me assegura em 31 de dezembro; não posso exigir, pela falta de pretensão; nem, ainda, posso acionar. Não podendo acionar, nem exigir, claro que não posso usar de forma ordinária de processo, nem, com maioria de razão, de forma especial, se há para a cominatória. Fiquemos dentro de princípios, que tudo dá certo. 4. Pena e natureza da obrigação. O preceito é sempre o mesmo, de non faciendo, ou de faciendo. O que varia, segundo as espécies contidas na regra jurídica geral, é a pena cominada. Quasempre será a pena pecuniária, coercitiva indireta, que ésimples e pode ser aplicada em todos os casos, uma vez que se consideram reduzíveis a dinheiro todos os interesses. Pode o autor, nas pretensões de abstenções de outrem, pedir que se abstenha ou sofra ser-lhe destruído ou desfeito o que fez, à custa do réu. Então a sentença é que será executada. Algumas das aplicações da regra jurídica geral, que poderíamos chamar clássicas, são as seguintes: a) se alguém prometeu fazer certa obra, ou praticar certo ato, dentro de determinado prazo (Ordenação do Livro IV, Titulo 70, pr.), ou se a execução for incompleta e defeituosa; b) se quer que o usufrutuário caucione de bene utendo, porém não o doador que reservou para si o usufruto, nem o pai, usufrutuário dos bens dos filhos menores; c) para que o legatário eleja a coisa de que lhe foi deixada a escolha; d) para que o foreiro exerça o direito de preferência (não para que o senhorio exerça a opção); e) se o réu, demandado na ação de reivindicação, começa de fazer, ou vai fazer, benfeitorias no prédio, para que não as faça, com a cominação de não serem atendidas, se perder a causa, salvo se necessárias; 1) para que o gestor de negócios não continue a gerir, sob pena de não ter jus a despesas (semelhantemente o procurador ou o comissário). Não cabe: para obstar efeitos de atos processuais, e. g., vedar prova, ainda que se discuta o direito de usar do documento (2ª Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo,


5 de maio de 1942, RF 92/131), ou para sustar efeitos de cobrança (2ª Câmara Civil, 28 de julho de 1942, RT 140/129). Manuel de Almeida e Sousa (Ações Sumárias, 1, 349) pôs entre os casos de preceito cominatório o de estar alguém tentando comprar a coisa litigiosa e cominar-se-lhe que, se a compra e e vencido o réu, contra ele se fará, diretamente, a execução. Seria mais próprio usar-se do protesto e notificação do que da preceitação, pois o cominatório seria supérfluo. Há o preceito em matéria de posse no interdito proibitorio. Quem tem obrigação de exibir pode ser citado em ação de exibição, sob a forma cominatória: a obrigação é de fazer, de exibir. Errou a 1ª Turma do Tribunal de Justiça do Espírito Santo. a 12 de novembro de 1951 (RTJ VI, 348), ao repelir a ação de preceito cominatório para exibição de documento. No direito luso-brasileiro e no brasileiro sempre se concebeu a ação de exibição (direito material) como ação de preceito cominatório, com o seu rito. Manuel Álvares Pêgas (Resolutiones Forenses, III, 111 s.) frisava que se havia de alegar e provar o interesse na exibição e a existência da coisa em poder do demandado (cf. Desembargo do Paço, 12 de agosto de 1681 e 2 de agosto de 1860). Há a pretensão a que se exiba e há a ação ad exhibendum que lhe corresponde. Exibir é pôr coisa em tal posição, diante de alguém, que o interessado possa conhecer a identidade ou a qualidade dela. Quem exibe não entrega. O conteúdo da prestação é menos do que entregar, é mostrar. Quem entrega deixa de ter. Quem exibe continua tendo, apenas tem fora (ex, habeo). Algumas vezes, exhibere aparece nas fontes como se significasse mais do que isso (e. g., L. 2, § 1, D., de periculo et commodo rei venditae, 18, 6; L. 57, D., de leqatis et fideicommissis, 30), inclusive entregar (L. 47, D., de actionibus empti venditi, 19, 1); mas a falta de sentido técnico ressalta. A pretensão a que se ajuda com a pretensão à exibição pode ser real ou pessoal; e aquela pretensão, a que mais frequentemente a pretensão àexibição auxilia, é a pretensão reivindicativa. E di-lo Ulpiano (L. 1, D., ad exhibendum, 10, 4) “Hace actio ... maxime propter vindicationes inducta est”. Não se exclui em se tratando de imóvel (L. 8, D., 10, 4; sem razão, O. Demelius, Die Exhibitionspflicht, 62 5.; com razão, Manuel Gonçalves da Silva, Cornrnentaria, II, 202; 1 H. Correia Teles, Doutrina das Ações, § 233; ed. De 1918, 244 s.). “Exhibere” não é edere’, editar, anunciar, que supõe comunicação de conteúdo intelectual, em vez de materiae corporis praesentia (L. 4-13, D., de edendo, 2,13; Josef Búhler, Di e Actio ad exhibendum, 7). Há fundamento de interesse, e não só de equidade, em que, dadas certas circunstâncias, se haja de exibir, ainda que se trate de imóvel (sobre a aequitas exhibitionis C. A. Albrecht. Die .Stellung der rõmischen Aequitas, 60 s.). O que é preciso é que haja o dever de exibir, que se irradia com a incidência de alguma das regras jurídicas escritas, existentes, ou de qualquer outra regra jurídica, em que se encontre justa causa para exibição (cf. F. von Savigny, Systern, 1, 236; C. Einert, Tractatus de Actione ad exhibendurn, 50 s.). São exemplos de interesse suficiente: o do senhorio para que o enfiteuta lhe mostre os sítios e demarcações das terras; o do vizinho para que se lhe mostre a direção que tomam as raízes da árvore invadentes de seu terreno; o do comuneiro pro diviso da parede, para ver até onde foi cavada a parede em que se colocou cofre ou prego. Ulpiano (L. 3, § 3, D., ad exhibendum, 10, 4) disse que a ação de exibição é ‘personalis’; e através de séculos se repetiu. Hugo Donelo (Cornmentarii, XII, 63 s.) foi o primeiro a sustentar ser real a ação, entendendo que o adjetivo personalis”, no texto de Ulpiano, não significava não-real, mas sim não-transmissível a herdeiros (e. g., L. 7, C., de revocandis donationibus, 8, 55). No direito brasileiro, a ação é pessoal in rern scripta, nas espécies concernentes a coisas como nas espécies concernentes a documentos (Correia Teles, Doutrina das Ações, § 233, 244). No direito vigente, se o terceiro, intimado, não exibe o documento, cabe a busca e apreensão, inclusive com força policial, e pode o interessado cobrar-lhe, por ação direta, a indenização dos danos sofridos, sem prejuízo da responsabilidade penal por desobediência. Quanto aos outros figurantes, ou o outro figurante da relação jurídica processual, desde que só o exame do documento possa confirmar ou destruir as alegações do requerente, o juiz pode considerá-las provadas, se forem verossimeis e estiverem coerentes com as demais provas dos autos: a) quando a parte condenada a exibi-lo negar que o possua, ou recusar a exibição; b) quando as circunstâncias convencerem de que a parte condenada àexibição ocultou ou inutilizou o documento, para impedir-lhe o uso pelo requerente. De modo que, na ação de reivindicação, o juiz considera provadas as alegações, sem forçar ã exibição, materialmente: a preceitaçãà foi implícita no mandado de exibição. (A respeito convém advertir-se que o princípio Nemo contra se edere tenetur não significa que possa alguém se furtar à obediência de mandados exibitórios; apenas exprime que só


se não é obrigado à edição de documento se não há, in casu, dever de editar, ob)igatio eden di, cf. K. Ad. vofl Vangerow, Lehrbuch, III, 674; Josef Búhler, Die Actio a exhibendum, 27, nota 1). A pretensão à exibição pode exercer-se preparatoriamente, ou como ação de segurança, sem que à cautelaridade se junte preparatoriedade; ou incidenter, no correr do processo, se a exibição se fez necessária posteriormente ao inicio da lide, ou devido à articulação do réu; ou como ação bastante em si (= independente). Para a acho ad exhibendum praeparatoria, como para a acho ad exhibendum quae ad excludendum vel separandum valet, ou para todos os casos de preventividade, o processo é o de medida cautelar ou o especial à exibição. A ação exibitória independente, como se foi exercida a pretensão exibitória para se escolher, é ação de rito ordinário, ou ação de preceitação fundada nas regras jurídicas sobre ação cominatória. Tudo isso concerne ao processo, de modo que foi de nenhum valor a classificação de C. Einert (Tractatus de Actione ad exhibendum, 101, 170, 185 s. e 211 s.), ao encambulhar espécies processuais e espécies de actiones ou pretensões, no sentido do direito material. A referência ao processo de exibição que se faz em lei quando se cogita de medida cautelar não pré-exclui a ação de cominação, se a eficácia da ação de exibição não bastaria. A ação ad exhibendum não é ação ligada ao domínio, posto que o ter domínio possa bastar à prova do interesse na exibição. Por outro lado, a exibição pode ir contra o proprietário da coisa. O que importa é que haja interesse na exibição e que esteja de posse da coisa o demandado. Pode cumular-se com ação de reivindicação, com a ação declaratória do direito de propriedade, com a ação negatória, ou com a ação de retificação do registro. Na ação ad exhibendum, ainda que cautelar, é réu o possuidor imediato; e discute-se também o é o possuidor mediato. A questão simplifica-se ao apurarmos se há casos em que a posse mediata é atingida pela pretensão à exibição. Ora, a resposta éafirmativa: o que pede a exibição para fins petitórios vai contra o possuidor imediato e contra o possuidor mediato. A ação ad exhibendum não tem conteúdo sempre o mesmo; e é inseparável do interesse a que ela serve. Se proposta contra o possuidor mediato, tem o possuidor imediato de ser citado. O direito ao segredo epistolar compete ao remetente e ao destinatário. Se só um permite a exposição ou publicação, ainda não se pode expor ou publicar a carta. Para que um deles, só, possa expor ou publicar, é preciso que, quanto ao outro, algo tenha ocorrido, que pré-exclui a contrariedade a direito da exposição ou publicação; e. g., se tem de fazer prova contra ele. O segredo opera para todos; o direito ao segredo é absoluto: terceiros não podem expor ou publicar a carta, sem que remetente e destinatário permitam. O fundamento para que se exija, além do consentimento do remetente, o consentimento do donatário, está em que pode aquele ter referido, na carta, fatos, sentimentos e pensamentos do destinatário, a respeito dos quais tenha ele direito a velar a intimidade, ou que, segundo o costume e o teor da civilização, devam ser reservados. Já em 1906 Josef Kohler (Urheberrecht an .Schriftweken, 444) o frisara. Se ocorre, de fato, não haver qualquer interesse do destinatário na vedação da exposição ou publicação, nem por isso se lhe dispensa o consentimento. Pode dar-se que o remetente precise de expor (incluída a exibição em juízo), ou de publicar, a carta que escreveu, e o destinatário não lhe dê consentimento: os caminhos que tem o remetente, são: a) a ação de exibição, pois a ação ad exhibendurn basta algum ius (cf. L. 19, D., ad exhibendum, 10, 4: “Podem intentar ação ad exhibendurn todos aqueles a quem interessa. Mas alguém consultou: ~poderia ele mover essa ação para que se lhe exibissem as contas do seu adverso, que muito lhe interessava fossem exibidas? Respondeu-se que se não devia interpretar com falsidade o direito civil, nem [só] se captarem as palavras [neque verba captari], mas ser conveniente ter-se em conta com que intenção algose dissera [qua mente quid diceretur]. Porque, com tal razão [ilIa ratione], também o estudioso de alguma doutrina poderia dizer ser de seu interesse que se lhe exibissem tais e tais livros, pois, se lhe fossem exibidos, após os haver lido, mais douto e melhor seria”); b) a ação de cominação na sentença; e) a ação de preceito cominatório (Mánuel Mendes de Castro. Practica Lusitana, 1, 163). O juiz examina, desde logo (e. g., pela cópia), se há interesse que supere o do sigilo, ou o consentimento do destinatário. Se há correspondências de três ou mais pessoas, entrelaçadas, de modo que a cada, de uma a outra, aluda, ou cite, ou transcreva a de terceira pessoa, o consentimento dessa é de exigir-se, porque e dispensa importaria em se lhe negar o direito ao sigilo. Além da epístola continuatiua (Josef Kohler, Das Recht an Briefen, Archiv fúr Búrgerliches Recht, VII, 103 s.), há a epístola com pluralidade de destinatários, ou pluridestinada, a epístola pluricanfidencial, isto é, a um só destinatário porém pessoalmente extensiva (= para mostrar a terceiro), e a epístola em correspondência entrelaçada, de que se falou. O direito ao sigilo cessa se falta, no suporte fático do ato-fato jurídico de sigilar (ato-fato jurídico, tanto que o louco, o surdo-mudo que não pode exprimir a vontade e o menor de dezesseis anos podem estabelecer o segredo da correspondência), a negação de emissão ou publicação. Chegamos, assim, a poder explicar, de maneira científica, o direito ao sigilo: é direito de personalidade nato; quando se exerce a liberdade de fazer e de não fazer, ou a de


emitir ou não emitir o pensamento, a intimização, ou o segredo, que resulta do ato-fato do exercício de tais liberdades, é objeto de direito à intimidade ou ao segredo. O direito ao segredo é o efeito do ato-fato jurídico, em cujo suporte fático está o ato-fato do exercício da liberdade de não emitir o pensamento ou os sentimentos. O direito a velar a intimidade éo efeito do ato-fato jurídico, em cujo suporte fático está o ato-fato do exercício da liberdade de fazer e de não fazer. O direito ao sigilo também cessa quando outro direito mais alto está à frente dele. Quasempre isso ocorre se a coisa sigilada é meio de prova do direito mais alto. O remetente pode usar da cópia da carta enviada, ou da cópia do telegrama, radiograma, ou fonograma, ou pedir a exibição, sempre que seja para a tutela de direito mais alto. Seria ao mesmo tempo insuficiente e demasiado dizer-se “pode usar para provar fato ilícito” (e. g., Adriano de Cupis, 1 Diritti della personalitã, 129): o segredo pode ser mais importante do que o interesse que o ilícito, absoluto ou relativo, fere. Não se compreenderia que se exibisse a carta que se refere à fórmula do segredo químico, ou físico, porque o remetente, não-autor dela, ou não titular do direito a ela, afirma que nela está a resposta à sua oferta, com restrições. Separável a parte, pode permitir-se, velada a outra. Nem se pode pensar diferentemente do direito penal, pois o processo penal só se refere ao destinatário. O direito do destinatário ao segredo da correspondência pode achar-se diante do direito de autor que toque ao remetente, se o conteúdo se presta a tal figura jurídica. Aquele é que se atende, salvo se não há confidencialidade in concreto e se o remetente retira, na publicação, a destinação (argumento: o remetente poderia tê-la endereçado também a outrem). O direito do destinatário ao segredo não é ofendido (pré-exclusão da contrariedade a direito), se a exposição, ou publicação, é indispensavel a direito mais alto: à vida, à integridade física e psíquica, à verdade, à honra, em juízo contra o remetente (direito à verdade). Quanto ao destinatário, pode ele, em princípio, utilizar a correspondência para a tutela de direito mais alto. Tem-se entendido que pode, sempre, ser utilizada como prova contra o remetente (Jules Valéry, Des Lettres missives, 243). Mas essa solução, discutivel em direito penal, pois se, no processo penal, as cartas podem ser exibidas em juízo pelo respectivo destinatário para defesa de seu direito, ainda que não haja consentimento do signatário, não no é em direito civil: se o segredo é de maior importãncia e inseparável do resto da carta, ou não há dever de exibição. ou a parte mesma acarreta com a cominação para exibição de documento. As cartas missivas não podem ser publicadas sem permissão dos seus autores ou de quem os represente, mas podem ser juntas como documentos em autos judiciais. Ali, estão em causa o direito de autor e o direito ao segredo; aqui, a nãocontrariedade a direito, se há necessidade de prova, a favor do destinatário.

5. Ação de modificação de nome comercial. E simples e processada no juízo comercial a ação para obrigar o concorrente, que tenha direito a firma idêntica, a modificá-la por forma que seja impossível erro ou confusão. Tal ação nada tem com a de nulidade de registro da propriedade industrial: a competência éa geral, e não a das Varas da Fazenda Pública. É a mesma ação no caso de ser a denominação idêntica ou semelhante à da companhia já existente, pois assiste à prejudicada o direito de requerer, por via administrativa, ou em juízo, a modificação e demandar perdas e danos resultantes — regra jurídica que também incide em matéria de sociedades por quotas, de responsabilidade limitada. Quanto ao rito, falava-se, antes, da sumariedade da ação de abstenção do uso ilegal da firma e da ação de indenização: hoje, o preceito cominatório é empregável com o rito comum. Quanto à prescrição da ação de abstenção ou da ação de preceito cominatório, cuja distinção há de estar na memória de todos (Tratado de Direito Privado, Tomos II, § 207, 5, e V, §627), é preciso ter-se em vista o que dissemos no Tratado de Direito Privado, Tomo V, § 627, 3 (cf. Tomos VI, §§ 699, 2, e 701, 2; VII, §§ 733, 2, 748, 7 e 9, e 756). A ação de indenização é prescritível no prazo das demais ações patrimoniais por ofensa ao direito de personalidade. A ação de indenização, em caso de ofensa à propriedade industrial (à coisa!), prescreve no prazo que a lei fixa para as ações de indenização pelos danos causados á propriedade industrial. A prescrição de seis meses segundo Tuílio Ascarelli e João da Gama Cerqueira (RT 159/13-17), admitida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, a 8 de agosto de 1945 (159/205), e a 13 de junho de 1952 (204/222), é de repelirse. Invocou-se a Lei nº 1236, de 24 de setembro de 1904, já revogada e que seria pertinente a outra ação que a do art. 10, § 3º, do Decreto nº 916, ou do ad. 32, § 2º, do Decreto-Lei nº 2.627 (Lei nº 3.708, de 10 de janeiro de 1919, art. 18). A solução há de atender ao que dissemos no Tratado de Direito Privado, Tomos V, § 627, 3, e VI, § 701, 2.


6. Fontes das pretensões negativas. As fontes das pretensões negativas são as mesmas das positivas. Em todo caso, a lei exerce maior função quanto àquelas, devido à existência de direitos absolutos, que não derivam de negócio jurídico, como a maior parte dos direitos reais. Quando, por exemplo, se fala de obrigações de não fazer, oriundas da lei, a expressão tanto se refere a obrigações ex contractu, quanto a obrigações reais ou correspondentes a direitos absolutos não reais.

7. Objetos das prestações. No direito brasileiro, não há regra jurídica que exija às prestações prometidas o serem avaliáveis em dinheiro. E necessário à propositura da ação ter-se interesse econômico ou moral. Certamente, se a prestação não-fungível não é feita, à ação de perdas e danos seria objetado não ser suscetivel de avaliação e prestação e, pois, de satisfação de perdas e danos, em caso de inadimplemento. Mas o fato de não se poder converter em indenização a prestação não é óbice à exigibilidade. Quem foi vítima de omissão por parte do promitente de prestação inavaliável nem por isso está em situação de não ser satisfeito. A executabilidade não é pressuposto da declaratividade, nem da condenatoriedade. Quem foi ofendido com o não- cumprimento da promessa de ato invaliável pecuniariamente pode, com a sentença declaratórià, pedir cominação, a fortiori com a sentença condenatória; ou, sem aquela ou essa sentença, propor a ação cominatória para a qual basta o interesse moral no ato positivo ou negativo que se prometeu ou está previsto em lei. 8. Ação de abstenção e ação cominatória. A ação do condenado a abster-se, citado com as cominações da sentença, não é a ação cominatória de fazer ou de abster-se; nem a pré-exclui: o interessado pode exercer uma ou outra. Nem é cautelar. Por isso mesmo, se ocorrem os pressupostos da ação cautelar, pode ser proposta. A construção que somente vê pretensão quando se infringe o dever de omissão é de repelir-se. A pretensão existe desde que se pode exigir o non facere. Para se satisfazer tal pretensão ou se há de cessar atividade, ou se há de continuar de não fazer. Se não cessa, infringem-se o dever e a obrigação; se continua de não fazer, mas, depois — ainda que imediatamente depois —se faz, não é a pretensão que com isso se inicia, mas a ação, que nasce. 9. Pretensão à nivelação e ação cominatória. O direito material dá ensejo a pretensão à nivelação das partes na prestação (Ausgleich u ngsanspruch). Qualquer dos co-devedores solidários pode, antes de desembolsar, pedir: a) que seja declarada a quota de cada um, ou a sua (ação declaratória; b) que se preceite o outro co-devedor, ou se preceitem os outros co-devedores, para que depositem ou juntem à quota do demandante aquela a que éobrigado o demandado ou aquelas a que são obrigados os de-mandados (ação de preceito com inatório). A relação entre os devedores solidários já determina que eles colaborem no adimplemento. A pretensão do reembolso sobrevém ao pagamento e supõe o dever de nivelação ou de ajustamento, a que corresponde o direito de nivelação ou de ajustamento. A pretensão à nivelação ou ao ajustamento precede à pretensão ao reembolso. Aquela é a Ausgleichungsanspruch a que tanto deram atenção os juristas alemães, e essa, a Rúckgriffsanspruch.

10. Obrigação de declarar e ação cominatória. A ação executiva de prestar declaração de vontade nada tem com a ação cominatória para declarar (4e Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 29 de junho de 1945, RF 107/78), que não é ação executiva; nem com a ação de resolução ou de resilição (eficácia ex nunc) do pré-contrato, que se funde em lesão por inadimplemento e na qual podem ser pedidos e haver-se perdas e danos, se os há (cf. 3º Cãmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 17 de outubro de 1946, RF 115/540). A regra jurídica sobre exigibilidade da contraprestação, se o patrimônio de quem tem de adimplir pode impossibilitar ou tornar duvidosa a prestação, é invocável pelo demandado em qualquer das três ações (cp. 3º Grupo de Câmaras Cíveis, 18 de agosto de 1950). 11.Despesas e ação cominatória. A respeito das despesas em bem ou patrimônio alheio há: a) a pretensão à indenidade ou reparação, como ocorre ao possuidor de boa-fé, quanto às benfeitorias necessárias e úteis e ao possuidor de má-fé, quanto às necessárias; b) o ius tollendi; c) o direito de retenção; d) a ação para prestar contas,


fixando-se prazo para que a pessoa a favor de quem se fizeram as despesas as aprove ou impugne, com a cominação de, não contestando, ou não impugnando, não mais ser ouvido, isto é, com rito da ação de prestação de contas (cf. E. Steinbach, Die Ansprúch wegen Verwendungen nach dem Rechte des Búrgerlichen Gesetzbuches, 28 s.); e) a actio negotiorum gestarum contraria utilis, ou a que se irradiar da relação jurídica.

§ 53. Procedimento da ação cominatária 1. Pedido e citação, nas ações cominatórias. Sob o Código de 1939. art. 303, na inicial, que há de satisfazer os pressupostos processuais comuns, o autor requeria a citação do réu para prestar o fato, ou abster-se do ato, ou sofrer a pena contratual, ou a que foi pedida ao juiz. No Código de 1973, o art. 287 enuncia que se o autor pedir a condenação do réu a abster-se da prática de algum ato, a tolerar alguma atividade, ou a prestar fato que não possa ser realizado por terceiro, constará da petição inicial a cominação da pena pecuniária para o caso de descumprimento da sentença. Já vimos como funciona o dilema cominativo. Trata-se de processo de cogniçâo incompleta, non plena cognitio. algumas vezes superficial, díficilmente parcial. A alternação vai até a sentença — à entrega da prestação jurisdicional pelo juiz, que pode ser ao tempo previsto pela lei. Não é, pois, alternativa de fazer (ou não fazer) e de apresentar defesa. A contestação impede que a sentença seja desde logo proferida; mas continua de pé a cominação, pendente. A estrutura cominatória do velho “mandado preceptivo” está bem caracterizado nas leis. O autor da ação cominatória tem o ônus de alegar e de provar que é titular de pretensão à abstenção do ato ou prestação de ato, porém não quer dizer isso que tenha de haver certeza inicial sobre o seu direito e a sua pretensão (equívoco o acórdão da 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 25 de abril de 1951, Ai 99/298). A comunicação de conhecimento e de vontade, que o juiz faz, é o titulo incompleto e contêm: a) declaração de que existe a obrigação, e de que a lei permite cominar a pena; b) a comi-nação. Aquela é atacável pela contestação e funciona como prejudicial: ou a); ou não a); se existe a), porém c) não houve cumprimento da obrigação, então se condena o réu à pena comi-nada. O que faz pensar-se em duas ações condenatórias juntas (o que ocorre na ação de prestação de contas ativa) é o elemento de aparente adiantamento da condenação, que se crê existir desde que se citou e cominou: Cominar seria, portanto, em lógica dos sistemas jurídicos, adiantar condenação, como, se a ação de títulos extrajudiciais o juiz adianta execução. Ora, a cominação é relativa à primeira ação; não à segunda. A infração é que toca à segunda. A contestação impugna o mandado citatório-cominatório, e a futura condenação; a não-contestação da sentença declarativa, de cognição superficial, que é o primeiro despacho, e a não-observância do mandado cominatório (incluído na citação) fazem definitivo o que apenas se adiantar. Dá-se, então, a cogníção plena; e por isso a sentença “condena”. A declaração superficial, essa produz a sua força, uma vez que se completa, não tendo sido impugnado, no prazo, o mandado. Naturalmente, outro é o caso da ação de pedir contas, que contém duas ações, sucessivas, de condenação; e ainda mais diferente o das ações executivas que contém duas ações contemporâneas, a executiva e a de condenação, com adiantamento dessa e inversão da ordem quanto àquela. Foi o jurista português Antônio Gomes (In Leges Tauri Com mentaria, ad L. XL, 79) quem melhor expôs a doutrina de Rodrigo Suárez, de Diogo Covarrúvias e de outros, sobre a declaratória super iure de futuro; e o elemento declarativo dos preceitos cominatórios entra na classe daquele em que bene valet iudicium sententia super iure de futuro quando pendet a iure vel causa de praesenti”. A cominação, como ato processual, ainda não está convenientemente estudada em ciência processual. Certo, entra na classe das comunicações de vontade, porém o elemento próprio, que é a provocatio ou a comminatio, precisaria ser pesquisado em profunda análise lógica, que não foi feita. Ele aparece desde a introdução da lide e da litisdenunciação ou da citação do nomeado a autoria, atravessa os casos de alternativa (“ou isso, ou sofre aquilo”) e culmina nos casos de ação cominatória, em que, estrutura, por bem dizer-lhe, o processo cominatório (ou provocatório, como acontece com a ação do fiador, para que o credor acione o devedor); apresentam-no as citações e as notificações; esmaece ele ou desaparece, nas intimações. As interpelações, e, em geral os atos que constituem em mora (atos regidos, em sua eficácia, pelo menos, segundo o direito material) contêm-no. Mas a dose é mínima. Nos processos das ações executivas de títulos extrajudiciais, a contestação é eventual, materialmente, como se dá nos processos ordinários, posto que invertida a iniciativa do contraditório (em vez de ao autor, cabe ao réu).


Nos processos das ações cominatórias, a contestação éeventual, materialmente e formalmente (se não contestou o réu, não se procede como se tivesse havido contestação); mas ocorre a mesma inversão de iniciativa do contraditório que se nota nos processos das ações executivas de títulos extrajudiciais. O processo da ação para que o réu preste contas tem estruturas em duas fases, mas pertence à classe das ações cominatórias. (A contestação impugna a decisão da ação declarativa e contesta a ação de condenação, pois, ex hypothesi, o réu não respeita a decisão declarativa. Esse desrespeito à decisão declarativa (de cognição superficial) põe o réu da ação na situação do réu da ação declarativa (de cognição completa), para o qual a sentença vale como “preceito”. A diferença está em que a cognição daquela ainda não se completou). Sempre que a ação tenha uma só face, que é a estrutura do processo da ação cominatória, não há duas ações de condenação: apenas a declarativa e a condenatória, uma atual, outra não. Há, porém, particularidades, a) No caso de impugnação do pedido, a resolução judicial é de condenação, correspondente àpretensão à segurança, que tem o autor. 14 O deferimento do requerimento do demandado é mandamental, a despeito da expressão “execução” que nas leis se põe. c) Mandamental é a resolução em caso de urgência, alegado por entidade estatal, também a despeito da expressão “executar-se-á”. A sentença final de acolhimento do pedido é de condenação, se não houve urgência da medida; se houve, o processo é de cognição sumária, sendo sentença final parcial que se profere. d) As resoluções judiciais concernentes a medidas de segurança ou reparações necessárias, ou são mandamentais, se tomadas pelo juízo mesmo as medidas de segurança, ou feitas por ele às “reparações necessárias”; ou são condenatórias, se impostas à parte ré, para que tome as medidas, ou faça as necessárias reparações. A urgência transforma o processo do preceito cominatório, que termina, de ordinário, pela cognição completa, em processo de preceitação à base de cognição incompleta que a final não se completa. Permite-se que se incoe processo de cognição superficial; e entende-se que só em parte tem caráter de coisa julgada material a sentença quanto à alegação de urgência. De modo que: ou a sentença é parcial; ou se pré-estrutura o juízo ad separatum, que complete aquela cognição superficial do primeiro; ou o segundo juízo encontra sentença que faz coisa julgada material. Erraria quem reputasse a sentença parcial, de que se fala, sentença que não faz coisa julgada numa parte, ou no que se julgou, com a decisão quanto à penhora. Trata-se de caso típico de sentença final que tem força de preclusão (coisa julgada formal), e, em parte, de coisa julgada material. O preceito cominatório, se, na aparência, mantém ceda unidade processual, é, quanto às origens, de extrema complexidade. Nele, estão o mandatum cum clausula, o processo provocatório (ação do fiador para que o credor acione o doador), certos interditos proibitórios de fundo romano, a sentença super iure de futuro, e cauções e preceitações sugeridas pelas circunstâncias da vida de hoje. O sistema jurídico fez bem em juntar tudo isso e aproveitar o velho preceito cominatório, que de longe nos vinha, mais oriundo da praxe do que das Ordenações. A clausula iustificativa, que se inseria nos embargos à primeira, marcava a separação entre esse remédio expedito mas “embargável” e o mandatum do processo documental, notadamente do processo executivo das escrituras públicas, cuja “fé” proveio do julgamento com que foram, a principio, concebidas. O mandado de penhora, nas ações executivas de títulos extrajudiciais, é executivo, e o réu contesta, ou não, sem que a sua contestação faça cessar a execução; o “mandado” de citação para que o citado preste o fato ou se abstenha, nada contém de inicio de execução: apenas a citação leva consigo a cominação. (As expressões “execuçao , e executar-se-á”, que os legisladores usem, aí, estão em sentido demasiado largo, que exorbita do sentido de “executivo” e execução de sentença”). Nunca se perca de vista que, ainda nas fontes mais remotas, o preceito mesclou procedimento interdital romano a indiculi commonitorii; de modo que mais nos importa, hoje, a sua presente estrutura que a sua história, compósita, heterogênea, e depuradora ao mesmo tempo. O mandado de citação já comunica a pena, já é condicionado: “Si sentias te gravatum compareas iustitiae complementum recepturus” (cláusula de embargos áprimeira). O réu tem a facultas opponendi, sendo a “contestação”, ou a “impugnação”, os antigos “embargos à primeira”. Com essa mudança, que não é só de nome, desfez-se a equiparação do mandatum das ações executivas de títulos extrajudiciais e das ações cominatórias ao mandatum adequado à sentença executada, que tinha, por sua eficácia completa, de ser “embargável”, e não só “contestável” ou “impugnável”. A expressão “embargos” adquire, assim, maior precisão. Ainda não houve infração pelo réu, ele ainda não violou as suas obrigações, de modo que se inverte a “natural e legítima ordem do juízo” (naturalem et legitímum iudicíi ordinem), julgando-se antes do dano causado. No entanto (A) Natura prius est noscere quam ludicare e (B) Per naturam impossibile est ius de facto dicere quod nondum cognoueris. Mas esse julgar, uma vez que se admite a cláusula, é provisório. O praeceptum iudicis sine


clausula somente existe, na ação declarativa e nas ações mandamentais, porque o preceito somente pode ser sem cláusula — quer dizer, de cumprimento imediato — precedendo sentença condenatória (Manuel de Almeida e Sousa, Ações Sumárias, 1, 363) ou declarativa, ou, na sentença mandamental, por estar na sentença mesma. O mandado com cláusula não infringe os dois princípios (A, E) que acima se enunciaram. Daí ter notado S. L. B. de Cocceius (lus civile controversum, § 58) que, em verdade, o preceito com cláusula é só citação e cognição superficial, et ne a mandatis quidem cum clausula inchoandum esse satis constat. Não tanto, dir-se-á; porque, não havendo contestação, se profere a sentença: há mandado; é incoativo; apenas se suspende (Manuel de Almeida e Sousa, Ações Sumárias, 1, 371), se há contestação. O que se passa é que se admite o contraditório. Não há suspensão. A ação de preceito cominatório é, em quase todos os casos, ação condenatória cumulada com a ação declarativa. A própria ação ex lege diffamari, que se recebeu do direito comum, mediante o qual a provocante exigia que o propalante de ter um direito fosse submetido à pena perpetui silentii, não era mais do que cumulação de ação declaratória negativa e ação de condenação; e a ação ex lege si contendat, pela qual o co-fiador pedia que o credor o acionasse, também participava da natureza da ação declarativa. O elemento condenatório do preceito de cominação é apenas o outro elemento. O engano de crê-la só condenatória procede: a) de ter a preceitação o caráter de pena, aliás, mera declaração de futura e eventual penalidade, existência futura que pode ser objeto da própria ação declarativa típica; b) de, em certos casos, se permitir arbítrio do juiz em tais cominações, e parecer que o juiz ‘constitui”. O argumento b) seria de enorme importância, se existisse arbítrio vero, nas cominações que não sejam a pena contratual, ou a pena de lei, ou a marcada pela parte. Esse arbítrio judicial vero não existe. O engano de crê-la somente declarativa foi o de todos os que viram nos processos provocativos e noutros preceitos cominativos a origem e o modelo mesmo da ação declarativa. Quanto à sentença, julgado a infração do preceito, aí o elemento de condenação vem à tona. E um desses casos em que a sentença nem sempre tem a mesma natureza que a ação. Assim como, nas ações executivas de títulos extrajudiciais, a pretensão executiva passa à frente (no tempo) e prepondera (força + eficácia), assim, nos preceitos corriinatóríos, a declaratividade passa à frente e não prepondera em relação à condenatoriedade. Entre as duas espécies há a particularidade de, nas ações executivas de títulos extrajudiciais poder não ser condenatória a sentença (isto é, se o réu cumprir a sua obrigação, tal como deveria). Sempre que não houve contestação e o réu cumpriu, não se saiu do plano da declaração. O preceito é declaração, confirmação dela é a sentença em que se reputou cumprida a obrigação, sentença que se não costuma proferir, mas que alguma das partes pode achar útil e exigir do juiz. Aliás — observemos — ação executiva de títulos extrajudiciais também se inicia com a possibilidade do atendimento do mandado. Então, a sentença é apenas declarativa, negativa quanto ao prosseguimento, por ser positiva quanto ao pagamento. Se o réu não cumpre a obrigação definida na decisão de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, ou a) não contestou e é de regra condenado, ou b) é absolvido no processo ordinário que segue, conforme a lei, ou c) é condenado. Nada se constituiu, somente se declarou, ou se declarou e condenou. Não se poderia pôr o dilema — ação declarativa ou de condenação —porque não se sabe qual o fato posterior (infração, ou não, do preceito), que vai ocorrer pendente a lide. Ao iniciar-se, não se há de admitir a construção da ação como de condenação, porque a causa da eventual condenação ainda não existe. O que écomum, a todas as ações cominatórias, no início, é a declaratividade. Há duas ações, que se acumulam sucessivamente, sendo a segunda “condicionada” e a primeira “atual”~ básica. No caso de a obrigação de fazer implicar negócio jurídico como prestação, elemento constitutivo não é conteúdo da ação, ou da sentença. É conteúdo da eficácia que teve o preceito. Não se pode usar do remédio processual da ação cominatória, para se obter o resultado da ação executiva de emissão de declaração de vontade. Pode-se usar dele para a alternativa: ou cumprir a obrigação ou sofrer a pena cominada. Prova isso que, mesmo aí, as ações cominatórias não são ações constitutivas. Pode ser constitutivo o conteúdo da obrigação, cabendo à eficácia do preceito provocar a constituição; nunca a ação mesma, que estaria, então, desnaturada. Nem são executivas, como a ação de declaração de vontade.


2. Com matéria e pena negocial. Se a pena contratual para o caso de não prestar o réu o fato, ou de não se abster dele, é compensatória, pedi-la-á o autor, e, uma vez paga, extingue-se a obrigação. Se a pena contratual não é compensatória, então, pedida, por outra ação, tem o autor de demandar o réu pelas Comparecendo o preceitado, abre-se o contraditório sobre o preceito. Corrigiu-se o nome de “embargos” e chamou-se “contestação” à defesa do réu. E de contestação que se trata, e não de embargos, como erroneamente, por “erro inveterado” (Manuel de Almeida e Sousa, Ações Sumórias, 1, 559, 371), se dizia em Portugal. A petição em que se narrou o fato e impetrou o preceito fica a valer como petição do processo de rito comum, que segue, pendente o preceito. Essa pendência do preceito mantém a cominação, cujos fundamentos, feitas as provas, vai o juiz apreciar. A demanda, que se iniciou sine praeuia cognitione, pelo menos sem cognição completa, termina com a sentença apelável e não apelada, ou com o acórdão do segundo grau de jurisdição. Tal decisão tem força material de coisa julgada. O emprego das expressões “podendo o réu contestar”, do direito anterior, em vez de “podendo o réu apresentar (ou opor) embargos”, atendeu às criticas que alguns velhos juristas (J. Brunnemann, por exemplo, no Commentarius in Codicem Iustinianeum, onde Manuel de Almeida e Sousa, Tratado pró tico e compendiório de todaaas Ações Sumé rias, 1, 371, as buscou) faziam à prática irrazoável, ao “erro inveterado” de se embargarem, em vez de se contestarem os preceitos cominatórios: “porque, comparecendo o preceitado, fica suspenso o preceito, convertido em simples citação . “Ora”, acrescenta o praxista de Lobão, “o meio regular da ordem do juízo é contestar o réu o petitório sumário do autor, e não embar~ar o procedimento dele. Por outra parte, na frase de nossa legislação, só se dão propriamente embargos contra sentenças que possam ser prejudiciais: e se, comparecendo o réu, o preceito se suspende, e fica em simples citação, j,que sentença há aqui, que se embargue? Por outra parte; embargar o réu preceito (a que não procedeu conhecimento de causa), por obrigação que se lhe imponha, e transformá-lo de réu em autor, e que como tal prove a sua intenção contra um preceito não justificado antes: ~e que absurdo! Os favores comuns do réu se malograriam A construção desse mandado citatório-cominatório, que, se ocorre o contraditório, se resolve em que não passa em julgado, a que recorrem certos juristas, falando, aí, de “oposição” (embargos), entra em choque com a realidade do que ocorre: o réu apenas comunica conhecimento que há de ser apurado, declarando querer o contraditório. O sistema jurídico brasileiro, está certo, como estava Manuel de Almeida e Sousa. As legislações européias e os juristas alemães e italianos que se referem à “oposição” (embargos) acentuam característica que o preceito cominatório não tem. Aliás, Manuel de Almeida e Sousa declara ter ido às últimas consequências da sua crítica, verdadeiramente notável e ainda “nova”, na ciência européia de hoje: não há” suspensão do preceito”; se houvesse, a defesa seria ação mandamental negativa, oposição ao mandado, e ele, argumentando, com toda a razão, contra isso, tinha, logicamente, de conceber o preceito como resolução judicial declarativa, com incompleta cognição, seguida (a) do eventual contraditório, que abra a discussão e leve ao julgamento condenatório, se houve infração, ou (b) de não-contestação, com a condenação, provada a infração, porque o réu deixou o juízo completar a cognição da primeira ação. Não há, aí, ação mandamental negativa.

4. Pena cominada a líbito do autor. Constará da petição inicial a cominação da pena pecuniária para o caso de descumprimento da sentença (Código de 1973, art. 287). Há a “pena contratual”, ou “a pena pedida pelo autor, se nenhuma tiver sido convencionada” (Código de 1939, art. 303). Pergunta-se: ~pode o juiz diminuir a cominação evidentemente excessiva, ou está adstrito ao que o autor fixou no pedido? A respeito do interdito proibitório, permitiu-se, explicitamente, a redução da pena cominada, ao sentenciar o juiz, em caso de não-comparência ou de comparência sem contestação. Não se disse isso, quanto ao preceito cominatório. No direito anterior a 1939, admitia-se a redução na sentença final, em quaisquer casos (Manuel Álvares Pêgas, Resolutiones Forensis, 1, 1069). Não, antes. Tínhamos, portanto, de assentar que a redução era permitida, inclusive na sentença, tivesse ou não havido comparência, ou tivesse ou não havido contestação. Hoje, não há dúvida, diante do que no Código de 1973 se estatui nos arts. 644, parágrafo único, e 645, parágrafo único. No reduzir a pena, não deve o juiz torná-la, apenas, o equivalente da indenização. Seria tirar à pena cominada em preceito inserto na decisão; ou na sentença, o caráter de medida coercitiva. A cominação, na ação de abstenção (ação em que a comi-nação pedida se insere na sentença, salvo antecipação) e na ação de preceito cominatório (ação em que a cominação é inserta na preceitação, portanto inicialmente, se preenchidos os pressupostos à antecipação), pode ser reduzida; a pedido do demandado, se compareceu e contestou, ou apenas compareceu e pediu a redução. A redutibilidade não se há de identificar à transformação da cominação, medida coercitiva, em cominação de indenização. Ainda quando se trate de cominação de pena negocial, pode o juiz reduzir a cominação de modoz que a pena negocial não exceda o máximo


que possa estar fixado em lei, porém não de modo que a converta em indenização. Para exigir a pena negocial, não é necessário que o credor alegue prejuízo. O devedor não pode eximir-se de cumpri-la a pretexto de ser excessiva. Se há danos que já excedem o máximo percentual, não é a ação de abstenção nem a de preceito cominatório que pode servir para o ressarcimento. A cominação é somente para a coerção no sentido de ser evitado o inadimplemento. Tem-se escrito que a pena pecuniária, em caso de comi-nação por ofensa a direito de propriedade industrial, não pode ser reduzida: fixa-a, a seu líbito, o demandante (e. g., João da Gama Cerqueira, Tratado de Propriedade Industrial, II, 1, 363). Mas sem razão. Se a cominação foi inserta no pedido, foi deferida como preceito incluso na decisão, e incidem os princípios concernentes ao preceito cominatório. Se a cominação foi pedida para ser inserta na sentença, nada obsta a que, deferindo o pedido, a reduza o juiz. Ou, deferido o pedido sem redução, reduza-a o juiz da execução. O juiz, reduzindo a pena, quer na ação de preceito cominatório, quer na ação de abstenção com a cominação inserta na sentença, não há de tornar compensatória a pena que se havia ou se há de cominar como medida coercitiva. A 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 6 de outubro de 1950 (RF 134/462), decidiu que podia o juiz, no despacho saneador, fixar a pena para o caso de transgressão do preceito, por ser omissa a petição inicial. No direito anterior, se a omissão fora da inicial, ou implicitamente se pediu e verdadeira omissão não houve, ou foi inepta a petição. Se a omissão foi do juiz, a citação tinha de ser renovada, ou a intimação do despacho saneador é que dava início ao prazo para praticar o ato ou deixar de praticar. Acertada andou a 8~ Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 27 de abril de 1951 (D J de 6 de novembro de 1951, 4002), em reputar essencial a cominação. A 6ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 3 de agosto de 1951 (RT 194/693), entendeu que a falta de cominação de pena não desnatura a ação cominatória (contradictio in terminis!), o que, evidentemente, reduziria a ação a simples interpelação. No direito atual, passa-se diversamente. No processo de conhecimento, o juiz pode impor multa ao réu, independentemente de pedido, seja em decisão que antecipe os efeitos da tutela jurisdicional, seja na sentença. Na execução do título sentencial, ou extrajudicial, o juiz — ainda se omissa a sentença — fixará multa para a hipótese de inadimplemento ao praeceptum e a data a partir da qual será devida.

5. Mandados cominatórios sem cláusula. O velho direito português conheceu mandados sem cláusula, isto é, preceitos comiflatórios, non audita altera parte; e mais, sem defesa. Dizia-sem cláusula, porque a regra era teremna: “Si sentias te gravatum compareas iustitiae complementum recepturus’. Tal como hoje, sentindo-se agravado o réu com a injustiça da notificação, que se contém na citação, há de contestar. Dai terem sido chamados esses preceitos com cláusula de “embargos à primeira”, embargos que eram a defesa apresentada à primeira audiência. Os preceitos cominatórios são todos com a facultas opponendi exceptiones, explícita ou implícita. Sobre o cominatório da execução de sentenças, que não se confunde com o das ações cominatórias nem com o preceito que se irradia da ação declarativa, o assunto pertence ao direito sobre ações executivas de sentenças. A defesa do réu pode consistir em afirmações contrárias às do autor, ou em alegações de fatos extintivos ou modificativos da obrigação de fazer ou de abster-se. Não é verdade que somente se lhe permitam exceções materiais extintivas ou modificativas, pois, ao proferir a decisão do preceito, o juiz apenas tinha cognição incompleta provisória ou superficial. A limitação às exceções extintivas ou modificativas, tal como ocorre nos casos das ações executivas de títulos cambiários, tem de ser nascida no direito material que criou a pretensão e a obrigação, e far-se-áentão incompleta, parcial, a cognição do juiz. o que está longe de ser a regra em direito (sem razão, Luís Machado Guimarães, Comentários, IV, 229). 6. Falta de contestação e decisão imediata do fato. Se o réu não contesta, sobem os autos à conclusão e o juiz, se incidente a regra jurídica do Código de 1973, art. 330,11, profere sentença, dita, erradamente, contumacial. Os juristas, velhos e novos, discutiam se há tácita condescendência, ou aquiescência ao preceito, às vezes invocando o brocardo Asseveratis per partem in iudicio non contradicens fateri videtur. Nem o preceito é de aplicar-se porque se violou o dever de comparecer a juízo, tal como ocorria no processo extraordinário romano. A Ordenação prussiana de 1793 pôs em relevo a confissão ficta; o Code de Procédure francês distinguiu a desobediência antes e


depois da mise en état. A Ordenação Processual Civil alemã, § 331, 1ª parte, ainda acentua a confissão. Esse não é o critério do sistema jurídico brasileiro, nem seria de acolher-se. No caso do sistema jurídico brasileiro, os autos são conclusos para a sentença, sem ter o juiz, em princípio, de proceder a diligência, pois somente cabe quando tenha havido resposta. Se o réu contestou, e não compareceu àaudiência, então, sim, é contumacial a sentença, e cabe ao juiz dispensar a produção do réu ou, se não formou convicção, determinar as diligências que julgar necessárias. Não havendo fato (a contestação) que protrairia a sentença, essa tem de ser proferida desde logo: a cognição incompleta, que teve o juiz, soma-se àconduta irreverente do réu. A sentença que proferir, irrecorrida ou confirmada, tem força material de coisa julgada. A lição dos velhos juristas portugueses é perfeita. Antônio de Sousa de Macedo (Decfsiones, 265) analisou caso, na decisão 88, e teve para a questão expressiva solução: “commínatio debet observari et facit ius’. Macedo deve tê-lo aprendido em Manuel Álvares Pêgas (Tractatus), que (c. 81, nº 3) foi explícito em dizer que, se o citado não comparece, e a sentença é proferida absque alia probatione — tal como se pratica quotidianamente (ita practicatur quotidie) — a cominação deve ser obedecida e trânsita em julgado, com eficácia de coisa julgada material (“et facit ius”). O que se passa, se não há contestação, é preclusão do direito processual a afirmar o contrário. Foi isso bem exposto, em 1879, por Oskar Búlow (Cívilprozessualische Fiktionen und Wahrheiten, Archiu fúr die civilistische Praxis, 62, 54, s., 59), fundado no princípio objetivo, estrito, de responsabilidade, que domina o processo, e no princípio de consumpçáo do direito (processual), o Rechtsverwirkungsprinzip (cf. G. W. Wetzell, System, 3~ ed., 626 s.), a que Oskar Búlow chamou princípio de preclusão. Seria atrasar-se de quasetenta anos aludir-se ao conceito romano de contumácia, à existência de ficção, ou de presunção de direito, ou de confissão, ou invocar-se, no estado atual do direito processual, a poena confessi, de que, aliás, provém, historicamente, a figura do completamento da cognição pela ausência de exercício do direito de afirmar.

compareas iustitiae complementum recepturus’. Tal como hoje, sentindo-se agravado o réu com a injustiça da notificação, que se contém na citação, há de contestar. Daí terem sido chamados esses preceitos com cláusula de “embargos à primeira”, embargos que eram a defesa apresentada à primeira audiência. Os preceitos cominatórios são todos com a facultas opponendi exceptiones, explícita ou implícita. Sobre o cominatório da execução de sentenças, que não se confunde com o das ações cominatórias nem com o preceito que se irradia da ação declarativa, o assunto pertence ao direito sobre ações executivas de sentenças. A defesa do réu pode consistir em afirmações contrárias às do autor, ou em alegações de fatos extintivos ou modificativos da obrigação de fazer ou de abster-se, Não é verdade que somente se lhe permitam exceções materiais extintivas ou modificativas, pois, ao proferir a decisão do preceito, o juiz apenas tinha cognição incompleta provisória ou superficial. A limitação às exceções extintivas ou modificativas, tal como ocorre nos casos das ações executivas de titulos cambiários, tem de ser nascida no direito material que criou a pretensão e a obrigação, e far-se-áentão incompleta, parcial, a cognfção do juiz, o que está longe de ser a regra em direito (sem razão, Luís Machado Guimarães, Comentários, IV, 229).

6.Falta de contestação e decisão imediata do fato. Se o réu não contesta, sobem os autos à conclusão e Ô juiz, se incidente a regra jurídica do Código de 1973, art. 330,11, profere sentença, dita, erradamente, contumacial. Os juristas, velhos e novos, discutiam se há tácíta condescendência, ou aquiescência ao preceito, às vezes invocando o brocardo Asseveratis per partem in iudicio non contradicens fateri videtur. Nem o preceito é de aplicar-se porque se violou o dever de comparecer a juízo, tal como ocorria no processo extraordinário romano, A Ordenação prussiana de 1793 pôs em relevo a confissão ficta; o Code de Procédure francês dístínguíu a desobediência antes e depois da mise en état. A Ordenação Processual Civil alemã, § 331, 1ª parte, ainda acentua a confissão. Esse não é o critério do sistema jurídico brasileiro, nem seria de acolher-se. No caso do sistema jurídico brasileiro, os autos são conclusos para a sentença, sem ter o juiz, em princípio, de proceder a diligência, pois somente cabe quando tenha havido resposta. Se o réu contestou, e não compareceu àaudiência, então, sim, é contumacial a sentença, e cabe ao juiz dispensar a produção do réu ou, se não formou convicção, determinar as diligências que julgar necessárias. Não havendo fato (a contestação) que protrairia a sentença, essa tem de ser proferida desde logo: a cognição incompleta, que teve o juiz, soma-se àconduta irreverente do réu. A sentença que proferir, irrecorrida ou confirmada, tem força material de coisa julgada. A lição dos velhos juristas portugueses é perfeita. Antônio de Sousa de Macedo (Decisiones, 265) analisou caso, na decisão 88, e teve para a questão expressiva solução: “comminatio debet observari et facit ius’. Macedo deve tê-lo aprendido em Manuel Álvares Pêgas (Tractatus), que (c. 81, nº 3) foi explícito em dizer que, se o citado não comparece, e a sentença é proferida abs que alia probatione — tal como se


pratica quotidianamente (ita practicatur quotidie) — a cominação deve ser obedecida e trânsita em julgado, com eficácia de coisa julgada material (“et facit ius’9.) O que se passa, se não há contestação, é preclusão do direito processual a afirmar o contrário. Foi isso bem exposto, em 1879, por Oskar Btilow (Civilprozessualische Piktionen und Wahrheiten, Archiv fOr die civilistische Praxis, 62, 54, s., 59), fundado no princípio objetivo, estrito, de responsabilidade, que domina o processo, e no princípio de consumpçâo do direito (processual), o Rechtsverwirkungsprinzip (cf. G. W. Wetzell, System, 3~ ed., 626 s.), a que Oskar BOlow chamou princípio de preclusão. Seria atrasar-se de quasetenta anos aludir-se ao conceito romano de contumácia, à existência de ficção, ou de presunção de direito, ou de confissão, ou invocar-se, no estado atual do direito processual, a poena confessi, de que, aliás, provém, historicamente, a figura do completamento da cogniçâo pela ausência de exercício do direito de afirmar. Josef Kohler aludia ao princípio de congruência, sem maiores esclarecimentos para a natureza da preclusão completativa. A contestação faz a injunção protrair a sua eficácia: o que fica é a demanda judicial de rito ordinário (não: resolvitur in vim sim plicis citationis). Diferente é o que se passa com a contestação dos processos executivos, que deixa incólume a eficácia cognitiva suficiente para adiantar a execução, até que se prol ira a sentença. Nenhuma eficácia da cominação nos fica, nos casos de contestação da ação cominatória, porque o prazo se dilatou; a eficácia executiva, nos casos de ação executiva a título extrajudicial permanece. Daí ter alguma parcela de razão A. Skedl (Das Mahnverjahren, 129) em dizer que o réu recusa a forma de procedimento (especial), e Goldenring (Das Mahnverfahren, Zeitschrift fúr deutschen Zivilprozess, 1, 481) afirmar que o réu entende não se deixar julgar como contumaz. Em todo caso, aquela explicação é melhor, por afastar alusões a razão subjetiva de contestar ou de nãocontestar. A defesa contra o preceito cominatório (que é mandado-sentença, pela suficiência da incompleta cognição para a comi-nação) é em contestação, e não em embargos. Com isso ficaram no mesmo plano as ações executivas de títulos judiciais. Manuel de Almeida e Souza (Segundas Linhas, II, 9 s.; Tratado dos Interditos, 66) andou por perto de ver a razão de se afastar a defesa em embargos e já no seu tempo zurzia o termo e a noção. Contestação é que havia de ser. A cláusula era efetivada, então, com os “embargos à primeira”, com o que se revelava haver o espírito português concebido como “demasiadamente” sentencia! o mandado-sentença — donde “embargos”, ação, em vez de “contestação”. Diminui-se, hoje, o elemento sentencial. Não se exclui, todavia. Se, no prazo para a contestação, o réu cumpre o que lhe incumbia, em atenção ao preceito, sem contestar, o juiz tem de julgar a ação e a condenação nas despesas processuais (Câmara cível do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, 2 de agosto de 1951, Jurisprudência de 1953, 220). Não há mais condenação na pena, pois que a pretensão do autor foi satisfeita (5ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 17 de novembro de 1950, RT 190/ 345). Se o preceitado não contesta, e não cumpre a obrigação, os autos são conclusos e o juiz profere a sentença condenatória (2ª Câmara do Tribunal de Alçada de São Paulo, 2 de abril de 1952, RT 202/473). Contestada a ação e cumprida a obrigação, segue-se o rito ordinário (2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, 2 de junho de 1950). Cumprida a obrigação e não apresentada a contestação, a conclusão é imediata. Contestada a ação e não cumprida a obrigação, segue-se o rito ordinário. A 2ª Câmara do Tribunal de Alçada de São Paulo, a 10 de setembro de 1952 (RT 206/550), pensou em condenação alternativa a final, mas os juizes prestaram atenção a que se pré-exclui o rito ordinário se a obrigação não foi cumprida. Não há ensejo para a alternatividade: ou não contesta a ação e cumpre a obrigação, e sobem os autos imediatamente; ou contesta a ação e não cumpre a obrigação, e há o rito ordinário; ou nem contesta a ação nem cumpre a obrigação, e a fortiori há de ser logo julgada a ação. 7. Custas. Se o réu contesta, o problema das custas é nenhum. Resolve-segundo os princípios gerais. Se não contesta, era de praxe condenar-se nas custas ex causa; mas erradamente (Manuel de Almeida e Sousa, Ações .Sumárias, II, 557 e 371): a sentença há de condenar o réu, ou o autor, segundo as regras da lei. Na ação cominatória, julgada procedente, paga honorários de advogado o réu, ainda que cumpra a obrigação (2ªC Turma do Supremo Tribunal Federal, 6 de novembro de 1951, RF 146/147), salvo se, antes da Lei nº 4.632, de 18


de maio de 1965, art. 1ª alegava e provava que não incorrera em dolo ou culpa. § 54. Ação cominatória e mau uso do prédio 1. Início da ação. Na ação cominatória intentada pelo proprietário, ou pelo possuidor com o fito de impedir o mau uso do prédio, ou do apartamento, ou para exigir demolição, reparação, ou caução pelo dano iminente, o autor pode, em caso de perigo iminente, requerer em qualquer tempo que o réu preste caução do dano eventual, indicando desde logo o valor que deva ser caucionado. Se, dentro do prazo legal, contado da citação, o réu não contesta o pedido, o juiz manda que preste a caução. Contestado o pedido, o juiz designará audiência de instrução e julgamento, salvo se a matéria for somente de direito ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de outra prova. Deferido o pedido, o réu tem o prazo judicial, contado da intimação da sentença, para efetuar a caução. Se o não faz, o juiz declarará efetivada a sanção leal ou negocialmente cominada para a falta, e pode o autor reqúerer a execução do ato, objeto do pedido principal, observadas as regras jurídicas concernentes ao evitamento do dano, sem prejuízo do prosseguimento da ação.

2. Dano eventual e dano iminente. Frise-se a diferença entre dano eventual e dano iminente. Não é a probabilidade do dano que autoriza a caução, e sim a iminência dele, o periculum in mora. Daí: a) poder requerê-la o autor em qualquer tempo; b) ser acessória a caução. Portanto, nem sempre preceito principal, nem pena principal. É no “requerimento” da caução que o autor, obrigado a caucionar, deve ter “indicado” o valor a ser caucionado, o modo pelo qual a caução vai ser prestada, a estimativa dos bens e a prova da suficiência da caução. O juiz aprecia a indicação, de acordo com os elementos dos autos e as diligências que para isso ordenar. No requerimento deve o autor incluir o de citação do réu. A caução de dano infecto perde razão de ser se o demandado procede à demolição (1ª Câmara Civel do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, 2 de março de 1950. CD Belo Horizonte, de 31 de agosto), salvo se já houve danos. 3. Preceitação sem cláusula. A decisão, em caso de o demandado não contestar ou não cumprir a obrigação, é preceptivo sine clausula. Quer dizer: tem efeito preclusivo e não admite discussão posterior. O processo e a execução da caução de dano infecto de modo nenhum perturbam o andamento do preceito cominatório principal. Diferença entre o direito anterior e o vigente: não-prestação de caução e consequência. No velho direito lusobrasileiro, discutia-se qual a cominação se o réu não prestasse a caução. Respondia-se que se dava a caução como prestada, garantindo-se pessoalmente todos os danos, ou sequestravam os bens. Hoje, manda-se que se proceda, à demolição, às reparações, às medidas de segurança. § 55. Entidades estatais e urgências. 1. Legitimação. Alegada, na inicial ou no curso de ação cominatória que intentou, pela União ou pelo Estado ou pelo Município — e não só pelo Município — a urgência, é lícito ao juiz conceder o embargo liminarmente, ou após justificação prévia; executa-se-lhe imediatamente a providência requerida, ressalvando-se ao réu, na sentença final, o direito a indenização, e, a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição, o prosseguimento da obra, desde que preste caução sempre no primeiro grau de jurisdição, ainda que a causa se encontre em grau de recurso e demonstre prejuízo com a suspensão. Em nenhuma hipótese caberá esse prosseguimento se tratar de obra levantada contra regras jurídicas administrativas. As construções levantadas sem prévia licença da autoridade competente não são demolidas, quando preenchem as exigências legais, mas o réu é condenado a pagar a respectiva multa e os emolumentos da licença e a depositar as plantas e documentos que devam ser arquivados. Ainda que a construção não preencha as exigências legais, não se ordena a demolição antes de verificada a impossibilidade de serem satisfeitas. Se o dano pode ser evitado independentemente de demolição, limita-se o juiz a determinar as medidas de segurança ou reparações necessárias. 2. Urgência da medida e mandado imediato. Outro conceito, semelhante ao de iminência do perigo, surge na lei,


para se modificar a situação do réu: a urgência da medida (a do preceito, ou a da pena, não importa), se autor é alguma entidade política de direito constitucional (União, Estado Federado, Distrito Federal, Território, ou Município). Aliás, falando-se de Estado Federado e Município, sempre se inclui o Distrito Federal, ou num ou noutro. O deferimento do pedido ou do requerimento supõe cognição, ainda incompleta, do juiz: não é medida de administração, nem de arbítrio judicial. Suscita isso problema de construção, que é um dos mais interessantes do direito brasileiro. O juiz leva a cabo, desde logo, e. g., a demolição da obra, a destruição de plantações, de modo que o cominatório é substituído pela execução específica. A ação passa a ser mandamental —à diferença das ações possessórias e da ação executiva para declaração de vontade.

3. Verificação por perito. ~A verificação por perito (Código de 1939, art. 305) fez-se aí necessária, ou se submetia à regra jurídica sobre casos de responsabilidade pelo juiz? A resposta era e é no sentido de ser dispensada se ocorre algum dos casos (Código de 1973, art. 130). A construção jurídica de decisão sobre urgência é a de execução antecipada do preceito, ou, se também a pena era de ato ou fato, de execução antecipada da comínação; e, g., consertar ou pagar pena pecuniária; consertar ou demolir. Havia quesitos do autor e quesitos do réu, 4. Indenização. Direito à indenização somente assiste ao réu se foi desprezado, a final, o preceito, ou se não houve culpa sua, ou se o interesse da providência não era também seu, segundo o direito. A indenização pode, fora do caso de urgência alegada por entidade estatal, ser apreciada pelo juiz, conforme a prova pericial e a prova feita na audiência do processo, de rito ordinário, se a medida de urgência foi antes. Mas obedece, quanto a ser devida e quanto à sua importância e às exceções do autor, aos princípios que regem as perdas e danos. Nada obsta a que o juiz a deixe para se liquidar na execução da sentença. Somente as obras apontadas na petição inicial podem ser demolidas. Se outras sobrevêm, tem de ser feito outro pedido (3ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 6 de dezembro de 1951, RT 198/217), salvo se em continuação das que foram indicadas. 5. Construção sem licença. Se a construção foi feita sem licença, mas satisfaz as exigências legais, não há demolição. O demandado tem de pagar a licença e a multa, com o depósito das plantas e documentos, que têm de ser arquivados concernentes às obras sem licença (Código de 1939, art. 305, § 1º). Entende-se “construção” no sentido de qualquer obra de construção. A entidade de direito público tem o ônus de alegar e provar que as obras não poderiam ter licença, nem podem ser alteradas a ponto de satisfazer o que é exigido (cf. 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, 6 de agosto de 1951, Jurisprudência Mineira, V, 522). A 5ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 29 de setembro de 1950 (RT 189/690), falou de ‘não resultar prejuízo a terceiros, nem estar em jogo interesse coletivo”. Porém não são esses os dois conceitos da lei: alude-se a preenchimento dos requisitos legais (= não satisfazerem o que é exigido por lei, regulamento ou postura); a impossibilidade de serem satisfeitas (= não mais poderem ser atendidas as exigências da lei, regulamento ou postura). Se épossível atender-se à lei, ao regulamento ou à postura, a despeito de não poder ter sido licenciada a obra, tal qual foi feita, determina o juiz o que se há de fazer. Se poderia ter sido feita, o que faltou foi a licença: então, condena-se o demandado a pagar os emolumentos da licença e a multa, e a depositar as plantas e documentos que devam ser arquivados. Exemplo do que se regula no tocante à alegada impossibilidade, tem-se no caso julgado pelo Tribunal Federal de Recursos, a 3 de abril de 1950 (RT 192/403; RF 131/426): para se evitar a demolição de torrefação de café, que se edificara próximo a igreja tombada como monumento histórico e artístico nacional, determinou-se, por ser possível, o desvio da fumaça que seria prejudicial. 6. Impossibilidade. A mais freqoente impossibilidade é física. Existe também a impossibilidade legal, isto é, a que deriva de as regras da lei infringida serem imperativas. Aliás, há o princípio de julgamento: não ordena o juiz a demolição se ainda não está convicto de ser impossível~adaptar a obra às exigências legais. A verdadeira natureza das regras jurídicas acima referidas é a de regras de direito público material (fiscal). A inserção delas em lei processual civil não lhes dá qualificação nova. A convenienc:a prática de constarem da lei processual leva a legislação a mencioná-las. As normas de direito intertemporal relativas a elas são as do direito fiscal (material), e não as do direito processual.


7. Deferimento de menos. Há outro principio de julgar, porém relativo ao poder do juiz de adaptar às circunstâncias a pena ou o próprio preceito: se foi pedida a demolição, ou como preceito, ou como pena, tem o juiz autoridade para modificar o pedido, somente determinando a medida de segurança, ou a reparação que for necessária. Significa isso que, ao examinar a petição inicial, se dos seus termos e provas conclui que o preceito não pode ser como o autor pretende, cabe ao juiz conceder menos, o que está na sua função de órgão jurisdicional de cognição incompleta (aliter se o juiz aprecia a petição no processo ou dinário ou qualquer outro em que só a cognição completa permite decidir). Passa-se o mesmo se é a pena que está em causa. Tendo contestado o réu, ainda durante a lide é permitido ao juiz alterar o preceito pendente, a requerimento do preceitado, ou a pena. Se o não fez, cabe fazê-lo na sentença final. 8. Honorários de advogado. Procedente a ação demolitória, cabe condenação em honorários do advogado do autor; sob o Código de 1939, art. 64, antes da Lei nº 4.632, de 18 de maio de 1965, art. 1º cabia se tivesse havido dolo ou culpa (1ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 15 de maio de 1951, RT 193/313; V Câmara do Tribunal de Alçada de São Paulo, 26 de março de 1952, 202/440). Nessa sistemática anterior, mas não na atual, se foi o construtor que infringiu a lei, o regulamento ou a postura, sem dolo ou culpa do proprietário, não havia condenar esse a pagar os honorários do advogado do autor (Câmaras Reunidas do Tribunal de Alçada de São Paulo, 10 de setembro de 1952, RT 205/398). Idem, se o erro foi escusável (5ªCâmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 17 de agosto de 1951, RT 194/745). Sem ter havido dolo ou culpa, não se podia condenar a pagar honorários de advogado (equívocos os acórdãos da 2ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 17 de abril de 1951, 192/761, e da 3ª Câmara Civil, a 21 de junho de 1951, 194/74 1). A falta de licença não bastava, por vezes, para provar Dolo ou culpa (cf. 5ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 29 de setembro de 1950, 189/690).

§ 56Procedimento quanto à ação cominatória para publicação ou reedição de obra 1. Prazo para contestar e prazo para a reedição da obra. Havia o prazo para contestar, e o prazo para publicação ou reedição da obra. Cindia-se, assim, o preceito em manifestação de vontade judicial no mandado de faciendo e manifestação da vontade judicial de fixação do prazo. O réu era citado para publicar ou reeditar no prazo que fosse marcado, ou no prazo já marcado; porém, no prazo legal, tinha de dizer se contestava ou não. Nada havia de contrário aos princípios em tal cisão. Qualquer pessoa podia ser obrigada a praticar certo ato no prazo que ulteriormente se designasse. A construção do preceito cominatório, para publicação ou reedição de obra, distingue-se das outras construções. Primeiro, a pretensão de direito material à desapropriação é oriunda de pena, e não há o pedido de desapropriação de que tratou a legislação respectiva. Segundo o interesse do Estado é na publicação ou reedição da obra. Processualmente,, declara-se, superficialmente, que o Estado tem interesse e o réu está obrigado, razão por que se comina a pena. Se o réu infringe e contesta, protrai-se a cognição completa, tal como se regule na lei processual. Se infrínge, e não contesta, cabe ao juiz, ao serem conclusos os autos, sentenciar. Se apenas não contesta, idem. Pode não haver marcação de prazo para editar, quando se difere o mandado citatório, uma vez que a lei permitia fixação posterior. Vê—se bem, aí, o elemento declarativo da ação, que só se torna condenatória se o réu não concorda em reeditar no prazo — o que só se pode saber durante o contraditório. A constitutividade, que se pretende ver na sentença, é mera ilusão: a desapropriação é, ai, conteúdo da pena, simples efeito, e não força, da sentença. A desapropriação mesma far-se-á depois, segundo os princípios, usando-se a coisa julgada material da sentença se o réu contesta, ou não cumpre a obrigação. 2. Contagem do prazo para edição ou reedição da obra. O prazo tem de ser contado a partir do dia em que se citou o réu, se não houve comunicação de estar pronto o réu à edição. Nesse caso, ou se o réu contesta, a sentença marca o prazo. E o devedor será citado para satisfazer o julgado (Código de 1973. ad. 632).


§ 57. Procedimento nas ações de prestação de contas 1. Prestação de contas pedida pelo que as deve prestar. Intentada a ação pelo obrigado a prestar contas, com essas e os documentos justificativos, instrui-se a petição inicial. As contas são julgadas, se o réu não as contesta ou aceita as oferecidas. Se há contestação à ação, ou impugnação às contas, e necessidade de produção probatória, o juiz designa audiência de instrução e julgamento. Na relação jurídica de que nasce a pretensão a que alguém preste contas, ou a de alguém a prestar contas, o que as pede e o que as quer prestar estão em situação de procedimento especial. Rigorosamente, há pretensão de provocação. A praxe luso-brasileira tratou sempre a pretensão à prestação de contas, ativa ou passiva, como objeto de preceito cominatório. Toda obrigação de ir a juízo é obrigação de fazer. Obrigações de fazer não são somente as obrigações de direito civil, ou de direito privado. Por outro lado, o que importa é a pretensão a que alguém faça; e essa ressalta no que tem à prestação de contas passíva ou no que tem à prestação de contas ativa. A vantagem do preceito, no caso de ser o autor quem tem de prestar contas estava em que, não contestando o réu, se tenham por bem prestadas as contas; no caso de ser o autor quem exigia que outrem prestasse as contas, havia a conveniência de serem apresentáveis pelo que tem a pretensão a que alguém lhas preste. Alguns comentadores tinham estranhado que se atribuísse ao obrigado de direito material a posição de réu; mas o que importa, tanto no caso do que tem de receber quanto no do que tem de dar contas, é a pretensão; e o chamado “obrigado” também a tem. Tal pretensão, de direito pré-processual, é irrenunciável, como toda outra pretensão de igual natureza (a de demandar, a de empregar vias executivas, declarativas, ou cominatórias). Observe-se que, nas leis, em vez de primeiro se tratar da ação de prestação de contas ativa, trata-se da ação de prestação de contas passiva. Talvez porque, no processo da prestação de contas ativa, ao apresentar as contas, o réu exerce, também, a ação sua, a ação para obter sentença sobre as contas que apresentou. Essa inversão teria a conveniência de mostrar, desde logo, que a ação de prestação de contas passiva é a espécie simples, ao passo que a ação ativa cumula duas ações de condenação. Mas essa simplicidade é ilusória, uma vez que, na ação de quem tem de prestar contas, aquele a quem vão ser prestadas as contas pode negar a pretensão db autor (prestador das contas) a prestá-las, ou até mesmo dizer-se devedor. Se o réu, na ação de quem tem de prestar, se abstém de contestar as contas, ou as aceita, a ação, que é declarativa positiva, tem de ser julgada. Se o réu contesta, .é ele que incoa a ação de condenação, que pode apanhar a própria questão da pretensão a prestar as contas, quer no tocante à qualidade da pessoa (e. g., como usufrutuário, e não como fiduciário), quer ao tempo, quer a algum pacto, apreciando-se, no contraditório, os itens da ação declarativa. Note-se que, nos processos promovidos por aquele a quem se devem prestar as contas, se o réu as apresenta e o autor não as impugna, tudo se passa. do lado do réu — que exerceu ação declarativa — como se tivesse usado da ação quem as tinha de prestar. No fundo, a ação de quem pedir prestação de contas é a provocatio ad agendum. 2. Petição inicial e documentação. Se a ação é intentada pelo obrigado a prestar contas, qualquer que seja o direito material que a reja (exceto em casos deixados às autoridades administrativas estatais, ou paraestatais), as contas e os documentos justificativos devem instruir, desde logo, a petição inicial. A primeira questão, que surge, é a de se saber se tem aplicação a regra jurídica que exige a apresentação dos documentos e as dispensas. A resposta é afirmativa. A referência a documentos não exclui, também, a observância das exigências gerais quanto à petição inicial (Código de 1973, art. 282). As despesas são diminuições do patrimônio, que a pessoa se impõe de vontade própria, ou por dever, ou a favor de terceiro, ou de quem seja dono ou tenha direito real sobre bem ou bens ou patrimônio. Se quem fez as despesas tem direito a reembolso é porque as despesas não lhe aproveitam, ou entram no cômputo de indenização a ser-lhe paga, ou foram feitas em virtude de negócio jurídico bilateral, ou gestão de negócios alheios. As despesas ou são necessárias, ou úteis ou voluptuárias. Se aplicadas a coisas, dizem-se benfeitorias. As despesas podem consistir em dação de dinheiro, ou em objetos que o inversor emprega na conservação da coisa ou em coisa (e. g., alimentos para animais, materiais incorporados em construções, limpeza e conservação do edifício), ou na transferência do uso ou no uso da coisa para utilidade de outrem, ou na prestação de serviços (e. g., o médico atende o chamado de alguém, porque o filho do vizinho se feriu), ou na assunção de obrigações a favor de


outrem (e. g., encomenda peças para as máquinas de outrem, devendo pagar o preço em certo tempo). O dano que se sofre na gestão de negócio alheio não édespesa: o dano sofre se. a despesa faz-se, O mandatário pode reclamar reembolso de despesas e perdas que sofreu na execução do mandato, se não resultaram de culpa própria ou excesso de poderes. Todavia, se, conhecendo o perigo, alguém expõe bem próprio no interesse de outrem, discutese se há de pensar em dano, ou em despesa. A respeito das despesas em bem ou patrimônio alheio há: a) a pretensão à indenidazar ou reparação, como ocorre ao possuidor de boa-fé, quanto às benfeitorias necessárias e úteis, e ao possuidor de má-fé, quanto às necessárias; b) o fitas toilendi; c) o direito de retenção; dl a ação para prestar contas, fixando-se prazo para que a pessoa a favor de quem se fizerem as despesas as aprove ou impugne, com a cominação de, não contestando, ou não impugnando, não mais ser ouvido, isto é, com rito da ação de prestação de contas, proposta pelo obrigado a presta-las (cf. F. Steinbach, Die AnsprwuUche wegen Verwendungen nach dem Rechte des Búrgerlichefl Gesetzbuchs, 28 5.); e) a actio negotiorum gestorum contraria utilis, ou a que se irradiar da relação jurídica.

3. Oferecimento das contas e atitudes do réu. Oferecidas as contas, ou o réu as contesta, ou as aceita, ou não apresenta contestação. Se as contesta, o processo prossegue com o rito do art. 916, § 2º do Código de 1973. S.ç não apresenta contestação, são os autos conclusos para que o3uiz as julgue. Tem-se procurado introduzir a idéia de confissão, o que destoa da natureza do preceito. As contas são julgadas boas e bem prestadas, se o demandado não contesta, ou as acolhe, porque o preceitado “não atendeu” ao preceito. Confissão haveria, se ele as aceitasse, expressa ou tacitamente (segundo o conceito contemporâneo); portanto, se revelasse aquiescência formal, ou em termos dos quais se pudesse concluir pela existência de vontade aquiescente. A lei evitou qualquer noção de confissao. So se preocupou com a falta de contestação e com o acolhimento. Mais: faltando a contestação, não se têm por confessados os fatos afirmados — isto é, na espécie, as contas; têm-se por verdadeiros, o que é outra coisa, se não contrariados por outras provas. Nos casos de preceito cominatório, o efeito de serem julgadas as contas é plus devido à preceitação, consequUência da desobediência ao preceito. A regra juridica sobre a intervenção posterior do revel é aplicável. As contas apresentadas e não impugnadas têm-se como regulares, ainda que não tenham sido acompanhadas dos documentos (Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Ceará, 24 de abril de 1952, JD VI, 133), salvo se o contrário resulta do conjunto das provas. 4. Acolhimento das contas pelo réu. A aceitação das contas é reconhecimento; não, confissão. Sendo o preceito processo que se inicia com base em certa porção de cognição (cognição incompleta, superficial ou mesmo parcial) — o elemento da concordância sobre as contas, conteúdo da prestação pedida, e’”declaração’, e não vontade íntima, e perfaz o estado de cognição suficiente para que aquela, com que se começou, se complete. A concordância deve ser sobre todos os pontos das contas oferecidas. A discordância sobre qualquer um deles, ainda não essencial, destrói a aceitação como plus suficiente para a conclusão dos autos. Não se leva em conta a discordância nãoexpressa, nem a discordância separada, como vontade íntima, da declaração ,concordante. Nem, ainda, há concordância se o réu ressalva algum ponto para discussão ulterior no processo. O que as partes acordes podem fazer é excluir o ponto ou os pontos ressalvados pelo réu, para discussão noutro processo, não-cominatório. 5. Cálculo em forma mercantil. Tanto no caso de não-contestação como no de aceitação, ao juiz somente cabe ordenar cálculo (somas, subtrações) em forma mercantil, sem qualquer invocação do seu livre convencimento, salvo para obstar a fim dissimulado do processo. 6. Rito, se há contestaçâo. Contestando o réu, o rito é o do art. 916, § 2º, do Código de 1973. A defesa é a que o réu tem segundo o direito material, que rege a relação jurídica entre ele e o autor. Somente dispensam prova as pequenas despesas de que se não costuma pedir recibo. A apreciação do juiz está subordinada ao uso e costume de não-exigência da prova e às circunstâncias do negócio a que se refere a prestação de contas. À pretensão do autor a prestar contas pode ser-lhe negada a existência e, então, essa questão deve ser julgada previamente, como matéria de mérito e prejudicial à da comprovação e exatidão das contas. Mas advirta-se em que a prejudicialidade, ai, de modo nenhum está ligada à situação de questões prévias, extra petita, e das quais a decisão dependa, sem serem premissas necessárias. A existência da pretensão do autor é premissa necessária; está implícita no pedido do


preceito de receber contas. Donde a força material de coisa julgada que resulta da decisão em que o juiz a apreciou. O recurso, hoje, como no direito anterior, é o de apelação (quanto ao passado, Supremo x Tribunal Federal, 24 de agosto de 1950, RE 137/141, 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Bahia, 26 de dezembro de 1951, RT da Bahia. 45/381; 6ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 1º de setembro de 1950, RT 189/314).

7. Pretensâo a exigir contas. Existindo a pretensão a exigir contas (mandante; gerente de sociedade, ainda que irregular, 2~ Câmara do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, 17 de setembro de 1941, RF 89/22 1; herdeiro contra o testamenteiro ou inventariante, mulher casada, comuneiros, incapazes etc.), o preceito é o de prestá-las o obrigado a contas, e a cominação. a de serem apresentadas pelo autor e julgadas a final. A lei cínde a cominação; e, em consequência, dá dois prazos. Há o prazo de cinco dias para prestá-las, ou defender-se, por meio de contestação, que tem de atacar a pretensão do autor, e o efeito da sentença que julga procedente a ação e condena o réu com quarenta e oito horas, para apresentá-las, com a cominação final, que é a de serem tidas por bem prestadas as que o autor apresente. Há, pois, duas sentenças — a que se profere sobre os argumentos, que atacam a incompleta cognição sobre pretensão, com que o juiz o citou, e a que é a sentença sobre as contas, uma vez que a questão da pretensão, à diferença do que se passa com a prestação de contas requerida contra o que tem direito a recebê-las, já foi resolvida. A particularidade do processo da ação para pedir prestação de contas, comparando-se com o do direito anterior a 1939, está na substituição da prestação de contas como objeto de cominação ao processo da execução. A consequência é a de haver dois preceitos, duas cominações, duas sentenças sobre partes do mérito, sucessivos aqueles e essas, no mesmo processo, em vez de uma sentença sobre o mérito e outra de execução, ou sentença sobre as duas matérias. A separação da questão prévia, prejudicial mas inclusa, necessariamente, no pedido, foi de boa inspiração, mas essa questão prévia aparece noutros preceitos cominatórios, e a relevância é a mesma que se nota no processo de prestação de contas. Nem se diga que há a vantagem de se atribuir força material de coisa julgada à sentença, porque as sentenças proferidas em preceito cominatório fazem coisa julgada material quanto à pretensão do autor e à do réu. A construção do processo de prestação de contas envolve um dos problemas mais sutis do direito processual, na parte puramente formal. Antes dele vêm os conceitos de ordem pré-processual, a) A pretensão a que alguém preste contas de modo nenhum se confunde com a pretensão a que a outra pessoa responda pelo que fez. Essa pode existir sem aquela; e aquela sem essa. O que nada deve pode estar obrigado a prestar contas. (O imposto sobre a renda veio dar importância nova a essa distinção, pondo em foco o valor do histórico e o da comprouação das contas b) Tanto existe a pretensão a que outrem preste contas quanto a pretensão a prestá-las. 6.Rito. se há contestação Contestando o réu, o rito é o do art. 916, § 2ª, do Código de 1973. A defesa é a que o réu tem segundo o direito material, que rege a relação jurídica entre ele e o autor. Somente dispensam prova as pequenas despesas de que se não costuma pedir recibo. A aprecíação do juiz esta subordinada ao uso e costume de não-exigência da prova e às circunstâncias do negócio a que se refere a prestação de contas. À pretensão do autor a prestar contas pode ser-lhe negada a existência e, então, essa questão deve ser julgada previamente. como matéria de mérito e prejudicial à da comprovação e exatidão das contas. Mas advirta-se em que a prejudicialidade ai, de modo nenhum está ligada à situação de questões prévias, extra petita, e das quais a decisão dependa. sem serem premissas necessárias. A existência da pretensão do autor é premissa necessária; está implícita no pedido do preceito de receber contas. Donde a força material de coisa julgada que resulta da decisão em que o juiz a apreciou. O recurso, hoje, como no direito anterior, é o de apelação (quanto ao passado, Supremo Tribunal Federal, 24 de agosto de 1950, RE 137/141, 2a Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Bahia, 26 de dezembro de 1951, RT da Bahia, 45/381; 6ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, lº de setembro de 1950, RT 189/314).

7. Pretensão a exigir contas. Existindo a pretensão a exigir contas (mandante; gerente de sociedade, ainda que irregular, 2ª Câmara do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, 17 de setembro de 1941, RF 89/221; herdeiro contra o testamenteiro ou inventariante, mulher casada, comuneiros, incapazes etc.), o preceito é o de prestá-las o obrigado a contas, e a cominação, a de serem apresentadas pelo autor e julgadas a final. A lei cinde a cominação; e, em conseqi.iência. dá dois prazos. Há o prazo de cinco dias para prestá-las, ou defender-se, por meio de cou testação, que tem de atacar a pretensão do autor, e o efeito da sentença que julga procedente a ação e condena o réu com quarenta e oito horas, para apresentá-las, com a cominação final, que é a de serem tidas por bem


prestadas as que o autor apresente. Há, pois, duas sentenças — a que se profere sobre os argumentos, que atacam a incompleta cognição sobre pretensão, com que o juiz o citou, e a que é a sentença sobre as contas, uma vez que a questão da pretensão, à diferença do que se passa com a prestação de contas requerida contra o que tem direito a recebê-las, já foi resolvida. A particularidade do processo da ação para pedir prestação de contas, comparando-se com o do direito anterior a 1939, está na substituição da prestação de contas como objeto de cominação ao processo da execução. A consequência é a de haver dois preceitos, duas cominações, duas sentenças sobre partes do mérito, sucessivos aqueles e essas, no mesmo processo, em vez de uma sentença sobre o mérito e outra de execução, ou sentença sobre as duas matérias. A separação da questão prévia, prejudicial mas inclusa, necessariamente, no pedido, foi de boa inspiração, mas essa questão prévia aparece noutros preceitos cominatórios, e a relevância é a mesma que se nota no processo de prestação de contas. Nem se diga que há a vantagem de se atribuir força material de coisa julgada à sentença, porque as sentenças proferidas em preceito cominatório fazem coisa julgada material quanto à pretensão do autor e à do réu. A construção do processo de prestação de contas envolve um dos problemas mais sutis do direito processual, na parte puramente formal. Antes dele vêm os conceitos de ordem préprocessual. a) A pretensão a que alguém preste contas de modo nenhum se confunde com a pretensão a que a outra pessoa responda pelo que fez. Essa pode existir sem aquela; e aquela sem essa. O que nada deve pode estar obrigado a prestar contas. (O imposto sobre a renda veio dar importância nova a essa distinção, pondo em foco o valor do histórico e o da comprovação das contas b) Tanto existe a pretensão a que outrem preste contas quanto a pretensão a prestá-las. A estrutura da ação de prestação de contas (ativa), pelo qual A pede que 8 preste contas, é assunto que se prende ao art. 915 do Código de 1973. O réu, citado, ou desde 1090 as presta, ou defende-se. Se o juiz entende — julgando o contraditório da prejudicial sobre a pretensão a exigir contas — que o réu éobrigado a prestá-las, essa sentença condenatório (declaratôria da existência da relação jurídica e condenatória) é a base da segunda fase do processo, em que o réu tem de prestar as contas ou sofrer que o autor as preste. Há duas ações, evidentemente, que a economia processual curnulou, sucessitumeflte, numa só demanda. Trata-se aqui de ação de prestação de contas principal; pois há ações de prestação de contas acessórios e incidentes, nas quais, por vezes, a primeira fase está metida na sentença de outro processo, ou o outro processo é que precisa da coisa julgada formal e material das contas. Se, na primeira fase do processo, o réu apresenta as suas contas, a falta de discussão da pretensão a exigir contas não é razão para se entender que a sentença que assina o prazo para o pronunciamento da parte adversa seja sem eficácia de coisa julgada material: a questão da pretensão do autor e, pois, da obrigação do réu foi decidida a favor daquele. Na segunda fase do processo, que é de outra ação dc condenação a urna de duos direções (rêu, autor), se houve contraditório, apuram-se as contas, e o réu, se foi vencido, está sujeito ao efeito executivo da sentença e ao efeito (anexo) da hipoteca judiciária. Tal sentença também pode servir de base, se ela é parcial, ou se não foram apresentados. a pedidos posteriores de perdas e danos. Ponto digno de nota é o estar incluida nos argumentos ação reconvencioncil para o pagamento da diferença a seu favor. Também se há de pôr em relevo que a apresentação das contas contêm, ao mesmo tempo, o cumprimento da obrigação de prestar contas e o ato processual de cumprimento do mandado judicial de prestá-Las. Esse exaure com a apresentação. Aquele não depende, como vulgarmente se pensa, de serem julgadas boas e bem prestadas: também se exaure, desde ai, pelo principio processual de que apresentaçâo de contas é cumprimento, ainda feita pelo autor, discutindo-se apenas a qualidade dele. Na linguagem vulgar, as expressões “boas e bem prestadas” mostram que um conceito é prestá-las e outro conceito é o de prestá-las boas e bem. Na ação de prestação de contas, não há, na segunda fase, sentença que julgue “não prestadas” — somente há sentença que julga boas e bem prestadas, ou não. As regras jurídicas sobre extinção do processo são aplicáveis em processo de prestação de contas. A sentença que julga boas e bem prestadas as contas faz coisa julgada formal e material. A ação rescisória rege-se pelos princípios comuns, e não tem o nosso direito qualquer impugnação da sentença trânsita em julgado peio “erro de conta”.


Há duas decisões, uma vez que se cindiu o mérito e nessa fase a cognição incompleta permite a parada, em vez da pendênda, ou dormência da eficácia (sem importância prática, em todo caso, a distinção). É prematuro o julgamento de pagamento de honorários de advogado se a decisão, na primeira fase, é desfavorável ao demandado (6ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 5 de dezembro de 1952, RT 211/218). O demandado nega que seja obrigado a prestar contas, contesta. A impugnação há de ser apresentada no prazo legal. O processo não passa a ser o ordinário, nem há saneamento (obter: 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, 3 de agosto de 1950, RF 141/329; 5ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 27 de janeiro de 1950, RT 185/222; 2ª Câmara Civel do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, 5 de janeiro de 1951.) Da decisão que acolhe contestação cabe recurso. Trata-se de julgamento de questão prévia, declaratório da existência ou da inexistência da obrigação de prestar contas. A 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a 3 de agosto de 1950 (RF 141/329), a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 7 de julho de 1950 (147/254) e a 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a 13 de setembro de 1951 (142/315) apontaram o recurso de apelação. Mas havia distinção a ser feita. Hoje não mais.

8. Prazo para prestar contos ou defender-se. O réu tem cinco dias para prestá-las, ou defender-se. O conteúdo da regra jurídica é evidente. Alguns comentadores do Código de 1939 não no viam, ou o viam para tirar a consequência falsa de que tem de haver dois “processos” ordinários, confusão entre pretensão e ação cominatória e procedimento ordinário (rito) dos cominatórios principais. O preceito do art. 915, § 2º, do Código de 1973, é mandado relativo ao praeiudicium, baseado no exame que dos documentos do autor fizera o juiz. Leva consigo a cominação de serem tidas por verdadeiras as afirmações do autor quanto à sua pretensão, se o réu não prestar as contas, ou não convencer o juiz de que a sua cognição incompleta era errada.

9. Apresentação das contas, em segundo mandado com preceito. (a) Se o réu não se defende, sobem os autos ao juiz para mandar que o réu apresente as contas, pois à regra juridica do art. 915, § 2ª, não falta essa particularidade do mandado, que é o prazo para a apresentação (segundo preceito), acompanhado da segunda cominação, que é a de serem apresentadas pelo próprio autor e julgadas, a final, prestadas. (b) Tudo se passa do mesmo modo, se fora proferida a sentença do art. 915, § ou após as provas, que o juiz tenha admitido. 10.Contas, apresentação pelo réu ou pelo autor. As contas ou são apresentadas pelo réu, ou pelo autor. (a) Pelo réu, o autor tem cinco dias para impugná-las (situação de autor no processo). Se não as impugna, sobem os autos ao juiz para a sentença. Se as impugna, abre-se o contraditório, com o rito do art 915, § 2ª, 2ª parte. (b) Pelo autor, dentro dos dez dias (art. 915, § 3ª, 2ª parte), sem contraditório.

11. Consequências da inatividade do réu. Apresentadas as contas pelo autor, a figura processual passa a ser anômala, pois que se previa a simetria com a ação do réu provocado. Não tira isso à segunda fase o caráter de ação do réu, como provocado (pretensão do réu a prestar contas) — apenas dá ao autor o expediente útil (e necessário) para que se prossiga. A inatividade do réu dá ao prosseguimento da lide objeto dúplice: de um lado, inadimplemento da obrigação de prestar contas; do outro, o autor tem interesse em reconstruir, com os meios de que dispõe, as contas (Giuseppe Chiovenda, Principii, 1290). Não excluia isso a faculdade de apresentar o réu, ao pronunciar-se sobre as contas do autor, as suas, ou fazê-lo na audiência de instrução e julgamento. Mas isso acabou com o Código de 1973: as contas são julgadas segundo o prudente arbítrio do juiz, que pode determinar, se necessário, a realização do exame pericial contábil. Observe-se que a infração da obrigação de prestar contas, pela não-apresentação, pode fundamentar a ação de ressarcimento do dano, contra o réu da ação de prestação de contas. Se o réu apresentou as suas contas e o autor as impugnou, segue-se o processo com o rito do art. 915, § 2ª, 2ª parte. 12.Réu inventariante, tutor, curador, ou depositário. Se o réu da ação do art. 915, ou o autor na de prestar contas, é inventariante, tutor, curador, depositário judicial, ou outro administrador, pode a sentença (a) destitui-lo, (b) seqúestrar-lhe os bens sob sua guarda, (c) glosar o prêmio ou gratificação a que teria direito. (a) A destituição do tutor, curador, ou depositário judicial, é efeito anexo da sentença, efeito constitutivo negativo.


Tem-se de consultar o direito material, porque tal eficácia lateral não provém da regra jurídica processual do art. 919, diretamente: nela apenas se explicita que na mesma sentença se pode destituir. Uma vez que nem todos os casos de procedência envolvem culpa do réu na ação do art. 915, ou do autor da ação do art. 916, não se exige verificação. Advirta-se, também, em que a destituição somente se decreta se o juiz, competente para a ação de prestação de contas, também o é para a destituição, ou se prorrogável a competência. (b) O sequestro dos bens sob a guarda do que foi réu na ação para que outrem preste contas, ou autor na ação para prestar contas, é efeito mandamento? anexo, de origem processual. Não se precisa consultar o direito material. Esse, aliás, pode ter outros efeitos anexos. (c) A glosa do prêmio ou gratificação é efeito anexo, constitutivo negativo, mas aqui de direito material; de modo que o juiz tem de verificar se houve, durante o processo, prova de alguma falta, bastante para a glosa. Se a lei é omissa, entende-se que o sistema supôs princípios gerais de direito que incidam.

13. Recurso. O recurso é o de apelação (já antes, a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 7 de julho de 1950, RF 147/254). A eficácia é suspensiva. 14. Contas e inventário. Quem tem de apresentar a outrem receita e despesa, ou só receita, ou só despesa, presta contas. Quem tem de informar sobre estado de bens, ou de patrimônio, e entregá-lo, ou entregar rendimento, há de fazer inventário, ou de fazer inventário e prestar contas. Não tem dever e obrigação de inventariar quem apenas tem consigo bens que não fazem conjunto, provenientes de diferentes negócios jurídicos, pois faltaria unidade de relação jurídica entre o dominus negotii e o gestor (K. Lassen, Rechtliche Natur und lnhalt des im § 561 Abs. 2 BGB. dem Vermieter gegebenen Anspruchs auf “Herausgabe zum Zwecke der Zurúckschaffung”, Archiv fúr Búrgerliches Redil, 30, 274 s.). 15. Cumulação de ações. Á ação de prestação de contas ou de presentação de inventário pode cumular-se a de condenação à entrega do saldo credor, ou dos objetos inventariados. Se não se deu a cumulação, a sentença não tem carga suficiente de executividade para que se possa requerer, nos mesmos autos, a execução contra o devedor. Daí as ações dos arts. 914-919 do Código de Processo Civil, que, em caso de saldo a favor do autor, tem a carga seguinte: Supôs-se, portanto, o pedido do saldo credor. Quem gere negócios alheios, ou com procura, ou sem ela, tem de prestar contas. Há dever e obrigação de prestar contas, a que correspondem direito e pretensão à prestação de contas. Da pretensão de contas nasce a ação de prestação de contas, que tem o dominus negotii; da obrigação de prestar contas nasce a ação de prestar contas, que é modo de se exercer aquela obrigação. Têm de prestar contas, principalmente, o mandatário, o tutor e o curador, o gestor de negócios sem mandato, o titular do direito de penhor que percebe frutos à conta da divida, o fiduciário, o testamenteiro, o inventariante, as diretorias de sociedade e fundações, o comuneiro que rege com ou sem poderes. Em geral, quem cuida de assuntos alheios, ou ao mesmo tempo alheios e próprios, tem dever e obrigação de prestar contas. Quem apenas tem direito a percentagem sobre o líquido não tem ação de prestação de contas (Carl Crome, Die partflflschefl Rechtsgeschàfte, 220), salvo se a lex specialis o estabelece, ou resulta de cláusula negocial. 16. Forma mercantil e falta de tal pressuposto. As contas têm de ser em forma mercantil. Forma mercantil: parcelas ou colunas de entradas e saídas (2ª Câmara Civil de São Paulo, 24 de março de 1942, RT 136/627), deve e haver, como demonstração gráfica, série de estados dos negócios da administração, ou outra relação jurídica, com as somas finais e o saldo. Se as parcelas vencem juros, contam-se a cada saldo parcial, ou como for de uso, ou se somam em colunas diferentes, para que se tire o saldo deles, e se subtraia ou se junte ao saldo final. A falta de forma mercantil causa nulidade não-cominada. 17. Abrangência de regra jurídica. A regra jurídica sobre a exigência da forma mercantil abrange as contas, apresentadas pelo autor, ou pelo réu, e as intentadas pelo obrigado a prestar contas, sendo impugnáveis ambas as espécies. Os princípios sobre veracidade do que se alegou, se o contrário não resulta das provas, são aplicáveis.


Por isso mesmo, havendo impugnação, ao autor cabe o ônus da prova das suas afirmações. E assim que se deve entender o acórdão da 4ª Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 5 de dezembro de 1940 (RT 139/146). Se as contas foram apresentadas em forma tal que puderem ser julgadas, não há pensar-se em infração da regra jurídica (2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, 3 de janeiro de 1950, DJ de 10 de janeiro de 1952). Nulidade, que tivesse havido, seria nulidade não-cominada, e teria incidido o art. 244 do Código de A violação da regra jurídica, in thesi, é a causa de ação rescisória de sentença (art. 485, VI. 18. Saldo das contas e execução contra o devedor. A execução pelo saldo faz-se nos mesmos autos, reminiscência da concepção executiva da ação de prestação de contas no direito luso-brasileiro. Como a sentença definitiva fez coisa julgada formal e material, essa fase executiva da diferença e outra actio no mesmo processo, por princípio de economia. Particularidade da prestação de contas, como das ações sobre contratos de conta corrente, é a de que a reconvenção é implícita na defesa, e é condenado pelo saldo o réu e o autor. ou esse saldo é em dinheiro, ou em coisa certa, ou alguma das Parcelas dele é ilíquida, por algum motivo que se não pôde remover durante o processo de prestação de contas.. Seja como for, a natureza da coisa devida é que determina a forma da execução da sentença, segundo os princípios sobre execução de sentença, atendido porém o efeito 4 de executividade. A sentença há de determinar o saldo devido, se o há (cf. 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Bahia, 26 de dezembro de 1951, RT da Bahia, 45/381; 4e Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 7 de agosto de 1951, RT 194/769). A execução “nos mesmos autos”, a despeito de não haver no art. 918 a explicitude, que antes havia no art. 310 do Código de 1939, não tira a essa terceira fase do processo o caráter de actio judicati e pode ser iniciada desde logo, exceto se foi interposto recurso de apelação. Resta saber-se é preciso que se faça nova citação. A lei não a dispensou; apenas dispõe sobre a continuidade material. Isso é de entender-se ainda que se trate de dinheiros a serem levantados por ordem do próprio juiz, pois não se fez mandamental a sentença do art. 915, nem a do art. 916. O recurso de apelação separa a segunda e a terceira, a despeito da continuidade material, e tem-se de esperar o trânsito em julgado. Os arts. 214 e 587 são, pois, aplicáveis. 19. Custas. A questão das custas envolve a da natureza das prestações de contas. Se o réu, na ação de prestação de contas pedida pelo que tem pretensão a que lhe sejam prestadas, provar, como prejudicial, alegada na contestação, que procurou prestar e nunca se recusou a prestá-las, o juiz pode reconhecer a pretensão do autor, porém não a ação, e deve sentenciar dizendo que o réu não se opunha a prestá-las. Se admite que as preste, fá-lo por economia de processo (aliter, teria de absolvê-lo, desde logo, do preceito, julgando a ação). Esse ponto da não-existência de mora do réu e da culpa do autor é de valor para a condenação nas custas a final. Deixa-se de inserir regra jurídica especial sobre as custas, nas prestações de contas pedidas pelo que tem pretensão a que lhe sejam prestadas. No caso de ação proposta pelo que tem a pretensão a prestá-las, também há omissão. A prestação espontânea de contas ou se faz extrajudicialmente, ou em jurisdição voluntária, que se não disciplinou, tal como se procede com as contas de inventariantes, tutores, e curadores, ou dos testamenteiros, depositários judiciais, síndicos e liquidatários de massas falidas etc. Ai, são incluidas nas contas, como partes das despesas da administração. É a relação de direito material que determina a quem cabem as custas e despesas necessárias à apresentação das contas. A mora tem consequências no caso do preceito cominatório, por se tratar de jurisdição contenciosa, embora lide dúplice em que se pode condenar no saldo tanto o réu quanto o autor. O juiz tem de examinar cada caso que se lhe ofereça, tendo em vista a relação de direito material e a possível inversão da responsabilidade pelas custas, se uma das partes, normalmente irresponsável pelas custas, deu causa à demanda. O saldo nenhuma influência tem no pagamento das custas. O que pode ter é a mora no prestar as contas. Naturalmente, o réu que negou a pretensão do autor, e perdeu, tem de pagá-las, porque só judicialmente poderia ser convencido dessa questão prejudicial. Se não negou a pretensão e estava em mora de prestá-las ou de lhes serem prestadas, tendo sido vencido na sua defesa, ou não se tendo defendido, paga as custas. A omissão préprocessual é inoperante se a parte em mora, que não negava a pretensão da adversa, apenas negava as afirmações dessa e tinha razão para fazê-lo, porque então a mora não se configurou: as contas não poderiam ter sido prestadas extrajudicialmente, ou em jurisdição voluntária. Se o tutor, ou o curador, por exemplo, tem de buscar a jurisdição contenciosa e perde a ação, paga, então, as custas.


Capítulo X Ação condenatória de concorrência desleal

§ 58. Conceito e natureza da ação 1.Direito penal e direito privado. O direito penal criou as ações criminais por atos de concorrência desleal, sem que tais ações se substituam às ações que por direito comum ou especial possam nascer. O crime de concorrência desleal é que se não compõe se com os elementos do seu suporte fático outro mais grave se compôs. A ação penal só existe se houve dolo do agente; à ação privatistica basta a culpa. Se a ofensa foi à propriedade industrial, há as ações que a protegem. A publicação por qualquer meio de afirmação em detrimento do concorrente, com o fim de obter vantagem, há de ser de afirmação falsa, para que haja crime. Passa-se o mesmo a respeito do crime de prestar ou divulgar, com intuito de lucro, acerca do concorrente, falsa informação capaz de lhe causar prejuízo. Outrossim, quanto ao crime só referente à falsa indicação de proveniência. Por outro lado, não coincidem o campo dos atos ilicitos criminais e o dos atos ilícitos privatisticos, em matéria de concorrência desleal como em tantas outras. Levanta-se, então, o problema, 2pode haver ilícito privatístico por ato de publicação de afirmação, prestação ou divulgação de informação, ou de indicação de proveniência, se é verdadeira a afirmação, ou a informação ou a indicação? As respostas poderiam ser: a) a publicação de afirmação verdadeira ê sempre lícita, como a prestação ou divulgação de informação verdadeiras; b) a publicação de informação verdadeira ou a prestação ou divulgação de informação verdadeira é, de regra, lícita, mas torna-se ilícita se feita de tal modo ou em tal forma que provoque no público reação desproporcionada à gravidade da afirmação ou da informação (cf. Mário Ghiron, Corso di Diritto industria le, 1, 2ª ed., 35); c) de regra, a publicação de informação verdadeira, ou a prestação ou divulgação de informação verdadeira é lícita, mas tornase ilícita se tem por fito pôr em guarda o público ou reprimir ataque por parte do concorrente (Umberto Navarrini, Trattato teorico-pratico di Diritto commerciale, IV, nº 1495); d) de regra, a publicação de informação verdadeira, ou a prestação ou divulgação de informação verdadeira, é lícita, salvo se o autor do ato faz confrontos entre produto ou artigo seu e do concorrente; e) a afirmação verdadeira pode ser publicada e a informação verdadeira pode ser prestada ou divulgada, livremente, ainda se confrontam produtos e artigos, mas a ilicitude começa onde a afirmação ou a informação é empregada junto a outro ato, que seja de concorrência desleal, como se A mostra que o remédio, que fabrica, contém a, b e c, ao passo que o remédio fabricado por E somente contém a metade de a, e põe no cartaz, respectivamente, uma criança forte e outra raquítica. No direito brasileiro, o confronto, em si, não é proibido. A Convenção de Paris, art. 10º (Conferência da Haia, 1925), somente se referiu à falsa notícia. No sistema jurídico brasileiro, nada obsta a que se proponham a ação de indenização por ofensa ao direito oriundo da patente ou do registro e a ação criminal. Não cabe, aqui, invocar-se o princípio EJecta una via, non datur recursus ad alteram (no direito francês, vai-se até aí, sem razão, cf. Paul Roubier, Le Droit de la Propriété industrielie, 1, 308 s.); tanto mais quanto, na ação criminal, se exige o dolo e não se exige o dano, ao passo que, na ação de indenização por ofensa à propriedade, não se exige o dolo e se exige o dano. Quanto à ação contra a concorrência desleal, os sistemas jurídicos são acordes em admiti-la ainda que se haja iniciado a ação penal. Quanto à coisa julgada material, a decisão criminal, que absolve, por não ter havido dolo, não obsta à decisão pelo juiz cível, porque os suportes fáticos do crime e do ato ilicito privatistico não são os mesmos. Todavia, na parte declaratória da sentença penal, tem-se de atender a que a sentença penal faz coisa julgada material, no cível, se reconheceu ter sido praticado o ato em estado de necessidade, em legítima defesa, ou em estrito cumprimento de dever legal, ou no exercício regular de direito; mais: a sentença penal absolutória faz coisa julgada material no cível se foi reconhecida, categoricamente, a inexistência material do fato, ou se foi decidido que o fato imputado não constitui crime. Se a ação privatística se funda na alegação de culpa, não é de invocar-se a regra jurídica segundo a qual, intentada


a ação penal, o juiz do cível pode suspender o curso da ação civil até que definitivamente se julgue a ação penal. 2.Ações de abstenção, de preceito cominatório; declarativa e de condenação. A sentença, na ação de abstenção, por ato de concorrência desleal, é como as outras sentenças em ações de abstenção. Passa-se o mesmo com a ação de preceito cominatório. A sentença, na ação de indenização, é sentença condenatôria, com a sua carga especifica de eficácia. É possível propor-se ação declaratória da relação jurídica criada pelo ato de concorrência desleal. Prescinde-se, então, da carga preponderante de condenatoriedade, que teria a ação, e só se pede prestação jurisdicional de força declaratoria. Se compôs o ato de concorrência desleal, sem se ter, ainda, causado dano, a ação declaratória é a que se tem de propor, ou a de abstenção, ou a de preceito cominatório. É difícil, porém não impossível, que se possa intentar ação de condenação pelo dano futuro, com a configuração dos seus pressupostos. Para se eliminar o perigo de dano pode ser necessário destruir-se o que resultou do ato de concorrência desleal. Tal cominação é permitida, como o é a condenação a isso. Se a espécie é aquela em que o dano não é elemento necessário do suporte fático do crime e, a fortiori, do suporte fático do ilícito privatístico, a ação declaratória é a indicada, porque, a despeito da condenação criminal, não há perdas e danos a serem indenizados. Dá-se o mesmo a respeito de outros casos, como o de informação falsa, ou divulgação que cause prejuízo com intuito de lucro, desvio fraudulento de clientela, ou indicação de falsa procedência. Quanto à divulgação, à utilização, e á revelação do segredo, em si, é danosa. Tem de ser avaliado o prejuízo.

§ 59. Ação condenatória 1.Ação de indenização (dolo e culpa). A ação de indenização por ato de concorrência desleal tanto pode basear-se em dolo do agente quanto em culpa. Se o ato é, em si, tendente a prejudicar a reputação ou os negócios alheios, a criar confusão entre estabelecimentos comerciais ou industriais ou entre produtos e artigos postos em comércio, há presunção hominis de culpa. Não há, no sistema jurídico brasileiro, regra jurídica de presunção iuris tantum, como é a do Código Civil italiano, art. 2.600, alínea 3ª (‘Accertati gli atti di concorrenza, la colpa si presume”). O dano causado, ainda moral, é objeto de ação de indenização. Não é elemento necessário para a ação de abstenção ou a de preceito cominatório. A ação contra a concorrência desleal pode restringir-se a isso. A alegação e a prova dos danos só são necessárias para que se possa condenar à indenização o demandado; não para que se não julgue procedente a ação. A decisão pode a) ser restrita à declaração da existência de relação jurídica criada pela deslealdade da concorrência, ou b) à declaração de tal existência e a cominação sentencial à abstenção (ou à cessação e abstenção), ou c) ir até à declaração de tal existência e à condenação à indenização. O pedido de condenação à indenização contém todos os outros. O juiz, que somente defere a) ou b) julga dentro do pedido. O preceito cominatório, por definição, tem de ser inicialmente pedido e deferido, razão por que não vem ao caso referirmo-nos a ele. Por onde se vê que é sempre perigoso falar-se de ação privatística contra concorrência desleal sem se precisar de que ação se trata — declaratória, de abstenção, ou de preceito cominatório, ou de condenação. O interesse em cada uma delas é interesse presente, que se tem de verificar, sem se poder aventurar, como alguns juristas franceses, que baste para todas prejuízo eventual (e. g., recentemente, H. Godinot, La Concurrence déloyale et illicite, 32). A eventualidade de prejuízo não seria deficiente para se condenar às perdas e danos. A condenação a prestações futuras é outro problema, que aqui não nos interessa. Dissemos que não tem a propriedade da coisa especificada quem deixa de adquirir a propriedade intelectual (Tratado de Direito Privado, Tomo XVI, § 1.845, 1): o mau incorpóreo destrói o corpóreo; porque a regra jurídica sobre benfeitoria não incide, nem há especificação, com restituição à forma anterior (em se especificar para o ilícito não pode haver boa-fé, nem há pensar-se na incidência da regra jurídica perfeita não há valor maior no ilícito): sendo a matéria-prima alheia, o dono da matéria-prima fica com a propriedade, contanto que reduza à forma anterior, ou a outra forma (lícita), a matéria-prima. Se a redução é impossível, o dono da matéria-prima perde-a, devendo ressarcir-lhe o prejuízo o especificador, sem que o especificador fique com a species nova. Se o especificador foi o dono da matéria-prima, ou há redução, ou perda da propriedade. O dono da matéria-prima salva a propriedade reduzindo a coisa à forma anterior ou a outra forma (lícita): o especificador perde a pro-


priedade da species nova e pode, como dono da matéria-prima, perder-lhe a propriedade, se não procede à redução. 2.Exceção de mãos-sujas. Tem-se, aqui, de saber se o demandado pode excepcionar de ter o demandante praticado o mesmo ato equivalente. Vai a juizo A com ação criminal de concorrência desleal contra B ou com ação cível, e alega que E empregou meio fraudulento para desviar, em proveito próprio, ou de C, clientela de A. Responde E que A fizera o mesmo e os atos ficaram em jogo de tênis. Na jurisprudência dos Estados Unidos da América, a resposta é afirmativa, baseada na doctrine oJunclean hands (doutrina das mãos-sujas), que os juizes, inclusive a Corte Suprema, aplicam (e. q., Coca-Cola Co. versus Koke Co. of America, 1920). Aliás, ainda se há de indagar se a exceção somente pode aproveitar ao demandado lesado, ou a todos. Na jurisprudência dos Estados Unidos da América, ainda não se deu resposta precisa à questão. No direito brasileiro, não há crime (= o suporte fático é insuficiente para que componha o fato jurídico do crime) se o agente causa o fato em estado de necessidade, ou em legítima defesa, ou em estrito cumprimento de dever legal, ou no exercício regular de direito. Não é de negar-se a possibilidade de ato de concorrência desleal em qualquer das espécies, mas, sobre ser dificil de ocorrer, nenhuma delas serve à resposta da questão. O direito brasileiro não tem, no plano do direito penal, a exceção de mãos-sujas; nem a atenuante que se baseie na alegação de mãos-sujas. No plano do direito privado, a atitude desleal de A não Justifica que B empregue meios desleais, salvo se as círcunstãncias fazem dos atos de B atos em estado de necessidade ou em legítima defesa, mas tais espécies, dificilmente concebíveis, praticamente não se compõem, ~Como se poderia figurar o ato de B, de concorrência desleal, que fosse em estado de necessidade, ou em legítima defesa?

3.Legitimação ativa. Legitimado é o que teme ou sofre a ofensa. Ou legitimado são todos os que a temem ou sofrem, de per si,ou em cumulação subjetiva. Os sindicatos e sociedades profissionais que têm poderes para representar os seus membros, ou tais poderes constam dos atos constitutivos, são legitimados. Para que acionem proprio nomine, é preciso que a lei ou o negócio jurídico haja estabelecido legitimação de direito material própria, porque, então, não há pensar-se em atividade de representante. 4.Nome comercial e concorrência desleal. O nome comercial, como o nome civil, pode ser objeto de ato de concorrência desleal, ou pelo uso usurpativo ou pelo emprego de nome semelhante, que angarie clientela, ou desvie a clientela de outrem, em proveito de quem pratica o ato de deslealdade. No caso de homonímia, tem o ofendido, se na adoção houve usurpação, ou se não houve usurpação, por poder usar o nome o que o usou depois, a ação para modificação ou aumento de elemento característico. Tal ação, para a homonímia entre nomes registrados, existe para os nomes registráveis. A existência de tal ação não pré-exclui a ação contra a concorrência desleal, cumulável com se houve, em verdade, concorrência desleal. 5.Ação contra concorrência desleal, em se tratando de criações industriais e de sinais distintivos. A ação contra atos de concorrência desleal pode ocorrer, em se tratando de criações industriais ou de sinais distintivos, sem se confundir com as ações específicas do direito real, se já patenteada a criação industrial ou registrado o sinal distintivo. Dá-se o mesmo a respeito das indicações de proveniência, cujas condições de registro são a cargo do Instituto Nacional da Propriedade Industrial — INPI. A ação contra atos de concorrência desleal também pode nascer, no tocante a criações industriais, ou a sinais distintivos, antes e independentemente de qualquer patenteação ou registro. A respeito do nome comercial, que é nome de pessoa, e não de coisa, a concorrência desleal também é possível, e dá ensejo a ação contra ela. A invenção de que ainda não foi pedida a patente, dificilmente poderia ser objeto de ato de concorrência desleal, salvo na espécie de violação de segredo. Dá-se o mesmo com os modelos de utilidade e com os desenhos e modelos industriais. As marcas podem ser objeto de ato de concorrência desleal se alguém emprega a marca usada por outrem, ou a respeito da qual outrem tem direito formativo gerador de outra fonte que o uso, sem se ter de indagar se o direito, então existente, é munido de ações próprias. A ação penal somente concerne às marcas registradas. A ação penal


típica contra a concorrência desleal abstrai do registro. Tal ação pode punir a confusão por parte de concorrentes. A ação privatística pode levar à abstenção, à aplicação de cominação preceitada ou à condenação à indenização. O que se disse sobre marcas também se há de entender quanto às expressões e aos sinais de propaganda.

6.Indicações de proveniência e concorrência desleal. As indicações de proveniência são objeto ‘de direito de propriedade industrial independentemente de registro. As ações nascidas de ofensa ao direito real são adequadas à proteção dos que são ofendidos pelo uso injustificado (= ilícito). Comete crime de concorrência desleal quem fabrica, importa, exporta, vende, expõe ou oferece à venda ou tem em estoque produto com falsa indicação geográfica. Tal ação, criminal, de modo nenhum pré-exclui as ações nascidas de ofensa ao direito real, cuja natureza já foi por nós estudada. Tanto a ação criminal quanto a privatística contra a concorrência desleal tem o seu papel próprio, de certo modo complementar das ações por ofensa ao direito real. A ação criminal supõe o dolo; a ação contra a concorrência desleal, como as ações de indenização por fato ilícito absoluto, supõe a culpa. A ação de vindicação, não; é ação da natureza da reívindicatória, embora se refira à res incorpora lis. (No direito francês, a despeito da criação do direito priuativo, como os escritores chamam, em má terminologia, ter s.ido posterior á prática da ação contra a concorrência desleal, em casos de uso indevido de indicação de procedência, tem-se entendido que aquela ação subsiste; cf. M. Plaisant e F. Jacq, Traité des Noms et Appellations d’Origine, 96, a propósito da Lei francesa de 6 de maio de 1919, cp. Corte de Cassação francesa, 14 de novembro de 1950). É preciso ter-se em vista que vindicar tanto é reivindicar, tratando-se de bem corpóreo, quanto o é, tratando-se de bem incorpóreo: res é o bem incorpóreo, res incorporalis, como o bem corpóreo, res corpora lis. Desde que o espírito hodierno revelou o que o direito romano não conseguira revelar, o conceito de res, coisa, dilatou-se ao mesmo tempo que se precisou, livrando-se das ambiguidades dos textos romanos; mas, com isso, tinha de dilatarse, necessariamente, o conceito de reivindicação.

Capítulo XI Ação de publicação da resposta à imprensa

§ 60. Pressupostos e eficácia do pedido de retificação 1. Direito de resposta. É princípio constitucional, de que deriva direito fundamental, o de liberdade de pensamento. Como a publicação do que se pensa pode determinar ofensas morais e patrimoniais a outrem, prevêse que seja necessário responder-se, com a mesma publicidade. Daí a regra jurídica constitucional que assegura o direito à resposta. O direito de resposta proporcional ao agravo é assegurado pela Constituição. A qualquer manifestação de pensamento, em que se insira enunciado de fato, corresponde àquele a quem o enunciado de fato ofende, ou pode ofender, direito aos enunciados de fato contrários, ou que importem exclusão ou dimínuição dos efeitos da divulgação do pensamento ofensivo. Não é preciso, para que o direito de resposta exista, que tenha havido culpa do emitente do pensamento. Se a lei ordinária deixa de regular o direito à resposta, nem por isso fica ele dependente da legislação ordinária; a regra jurídica constitucional é bastante em si. Ficou à lei ordinária determinar os pressupostos para que a resposta se tenha por suficiente. Se por acaso o legislador ordinário considera satisfatória resposta que o não é, a regra jurídica, que ele edictou, pode ser apreciada pelo juiz. Quando o texto constitucional falou de direito de resposta referiu-se àresposta que seja correspondente ao enunciado de fato reputado ofensivo. Não pode o legislador ordinário exigir pressupostos que impossibilitem ou dificultem a defesa, nem dar ensejo à inclusão de matéria estranha à ofensa.

2.Pressupostos da resposta. Na Lei nº 2.083, de 12 de novembro de 1953, art. 17. que teve o seu valor regulamentar, histórico, do texto constitucionaL repetiu-se que “é assegurado o direito de resposta a quem for


acusado em jornal ou periódico’. A expressão “acusado”, reproduzida na Lei nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967, art. 29, não foi feliz, porque a ofensa por atribuição de qualidade ou fato ou ao pode não ser acusação, no sentido jurídico. No art. 22, disse-se que “a resposta será inserta integralmente no mesmo Ligar e em caracteres tipográficos idênticos aos do escrito que a tiver provocado, e em edição e dias normais. sob pena de confnuar a correr a multa, nos termos do artigo anterior. Os §§ V, 2ª e 3ª cogitam das dimensões. Em principio, a resposta pode ter (no § I está escrito, impropriamente, “deverá ter”) dimensão de cinquenta linhas, ou igual à do escrito incriminado, desde que não ultrapasse duzentas linhas. Alguns conceitos precisam ser fixados, como “no mesmo lugar” e “edição normal” e ‘dias normais” (cp. Lei ~ 5.250, de 9 de fevereiro de 1967, art. 30, 1). O lugar, no jornal, ou outro periódico, ou é o lugar da matéria, ou o lugar do papel (caderno, página, coluna). Todavia, a opinião que só exisse o lugar do papel teria de ser repelida. O colunista, ou cronista, ou redator da seção especial, que em determinada parte do jornal houvesse inserto o ataque ou ofensa, poria na mesma ou na mesma coluna, a resposta. a despeito de haver deslocado a matéria. O artigo de fundo, ou crônica, ou a seção sairia noutra página, sem que facilmente encontrasse a resposta quem somente ou principalmente só lê o artigo de fundo, a crônica, ou a seção. Os enunciados de fato ofensivos aos fabricantes de produtos agrícolas ou de remédios de plantas. que foram postos na seção de agricultura, não estariam respondidos suficientemente se o jornal ou outro periódico publicasse a resposta fora da seção, ou longe da crônica em que se fizeram as afirmações lesivas. É de prever-se que, na crônica, ou noutra colaboração de todos os números ou periódico, ou junto a ela, se dê publicidade à resposta; não colocadas a crônica ou a colaboração e a resposta em lugar do jornal ou outro periódico em que os ledores habituais não as encontrem ou só dificilmente as encontrem. Aí, houve insuficiente publicidade da resposta. A inserção tem de ser integral. Se o não foi, cabe a ação de publicação da resposta. Bem assim se não foi com os caracteres tipográficos idênticos aos do escrito ofensivo, ou se o não foi em edição ou dia normal. Edição normal é a edição a que têm direito os assinantes e segue a ordem dos números do periódico. Se o jornal é jornal da tarde, a edição matutina, ou a segunda edição ou posterior edição, em que se publicasse a resposta, não teria dado à resposta a publicidade a que o autor dela tem direito. Quando o jornal sai em dois ou mais Estados Federados, Municípios, cidades ou vilas, a publicação tem de ser nos exemplares que se distribuem no mesmo Estado Federado, Município, cidades ou vilas em que saíram os enunciados ofensivos, ou em todos. As circunstâncias podem tornar difícil a publicação da resposta na mesma crônica, ou coluna, ou seção, como se o título era de propriedade intelectual do redator ou colaborador e esse despediu ou foi despedido da empresa. A solução é a inserção sob o mesmo título, o que não ofende o direito de propriedade intelectual porque se trata de resposta ao que o colaborador escreveu, e a ofensa dele partiu. 3.Legitimação ativa. Quanto à legitimação ativa, estabeleceu o art. 18, parágrafo único, da Lei nº 2.083: “O pedido de retificação poderá ser formulado pelo próprio ofendido, ou, no caso de ofensa à memória da alguém, por seu cônjuge, ascendente, descendente ou irmão

Feito o pedido de publicação da resposta, a que a Lei nº 2.083 chamou pedido de retificação, tem o juiz 24 horas para proferir a decisão (art. 19, parágrafo único). Se o juiz acolheu o pedido, incide o art. 21: “Determinada a retificação, essa deverá ser efetuada gratuitamente, no prazo determinado, sob pena de multa de C$ 500 pela falta da primeira edição, multa que será aumentada na proporção de 100% a cada edição subseqúente, até que a publicação se efetue”. A quantia está fora de toda a aplicabilidade. E o caso para correção monetária, ou para que o juiz estabeleça, a requerimento do ofendido, comissão especial. Idem, na Lei nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967, art. 32, §5º, a) e b). Se a transcrição da resposta é feita em lugar impróprio, atendidas as considerações que acima foram feitas, há quaestio facti, e quem se diz ofendido pode reclamar ao jornal ou outro periódico, com a fundamentação, para


que, continuando a controvérsia, o juiz julgue a ação de publicação de resposta.

4.Desatendimento pela empresa. Se o pedido de retificação não é atendido de imediato, o ofendido pode reclamar, judicialmente, a publicação. Para esse fim, apresentando um exemplar do artigo incriminado, ou outra publicação, e. g., fotografia, e o texto em duas vias, datilografadas, da resposta retificativa, requere ao juiz criminal que ordene ao responsável pela publicação que seja inscrita a resposta dentro do prazo legal, se tratar de jornal diário ou do número seguinte, se o periódico não for diário. Quem se diz ofendido pede a retificação, juntada a resposta, ou redigida no mesmo documento. Se é atendido, foi exercida, com bom êxito, a pretensão à publicação da resposta, que é pretensão irradiada do direito de resposta. A publicação da resposta pode ser precedida ou seguida da retificação, que é retirada do enunciado de fato que foi escrito e ofendera, ou se alega que ofendera. Não significa isso que o jornal ou periódico não possa inserir apenas a resposta, ficando exposto à ação penal. A publicação da resposta, salvo quando espontânea, não impede que o ofendido promova a punição pelas ofensas de que foi vitima. Aí, supõe-se que se haja admitido o conteúdo da resposta, retificativamente, ou que tenha sido antes do exercício da ação de publicação da resposta.

§ 61. Ações proponiveis 1.Ação de reparação pela resposta e ação de indenização. Na classificação das ações, a ação de publicação da resposta é ação de reparação de danos, cuja eficácia não é exaustiva da indenização, porque nem todos os danos ficam cobertos pela simples inserção da resposta. Podem existir, ser alegados e provados outros danos, mas em ação ordinária de indenização. Não pode ser pedida a retificação se na ocasião em que foi feito o pedido, o jornal ou periódico já estava sendo processado criminalmente pela publicação incriminada. Essa regra jurídica (de fure condendo, desaconselhável) não pré-exclui a propositura da ação ordinária de indenização dos danos, pois só se refere à ação de publicação da resposta. A propósito da dimensão, a resposta deve tê-la igual à do escrito incriminado, garantido o mínimo de cem linhas. Escrito, aí, é a parte escrita do artigo, crônica ou seção em que se cogitou de assunto ofensivo. Se, por exemplo, a crônica contêm partes sobre três assuntos diferentes (partida de alguém para o estrangeiro, negócio de bolsa e empréstimo feito ao ofendido e não pago) e a ofensa só é feita numa, não se há de considerar escrito toda a crônica. Aliter, se há, entre algumas ou todas, indivisibilidade. Os limites prevalecem para cada resposta em separado, não podendo ser cumuladas. Se quem se considera ofendido entende dar duas ou mais respostas porque os enunciados são diferentes, a despeito de ser um só o lugar, inclusive numa só parte divisível do artigo ou crônica ou outra publicação, a regra jurídica sobre extensão concerne ao todo ofensivo, e não a cada ofensa. Não assim se houve ofensividade em diferentes artigos ou crônicas, ou em partes separadas, com enunciados de fatos diferentes.

2. Resposta excessiva. Se a pessoa que se diz ofendida excede o limite, o jornal ou outro periódico em que saiu o escrito ofensivo pode recusar-se à publicação, mesmo se o interessado propõe pagar o excedente, ou permite que se publique em caracteres tipográficos menores. O limite máximo não pode ser ultrapassado a pretexto de pagar-se a parte excedente. A empresa é que pode, de modo próprio, publicar o que recebeu, em gesto de cortesia. Na Lei nº 2.083 previram-se casos em que a publicação pode ser negada. Disse o art. 23: “Será negada a publicação da resposta: a) quando não tiver relação com os fatos referidos na publicação incriminada; 14 quando contiver expressões caluniosas, injuriosas ou difamatórias para o jornal ou periódico, onde saiu o escrito que lhe deu motivo, assim para os seus responsáveis como para terceiros; e) quando se tratar de atos ou de publicações oficiais, salvo quando divulgadas em jornal oficial; d) quando se referir a terceiros, de modo tal que lhes venha dar também o direito de retificação; e) quando se tratar de escritos que não constituam abusos de liberdade de imprensa; f) quando houver decorrido mais de trinta dias entre a publicação do artigo que lhe deu motivo e o pedido de resposta” Similarmente, a Lei nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967, art. 3ª,1 a V.


A resposta tem de corresponder ao enunciado de fato ou aos enunciados de fato a que ela opoe negativa. Se na resposta há algo de calúnia, ou de injúria, ou de difamação, para o jornal ou periódico~ ou para os responsáveis por ele, ou para terceiros, entende-se que contém ofensa, e não se pode considerar resposta: é resposta mais ofensa. Aí Se o que se reputa ofensivo foi inserto em jornal oficial há a ação contra o Estado. Se algum jornal ou periódico O se reproduz, não está sujeito à ação. Diferente é o que ocorre o ato ou publicação seria oficial e só o jornal ou periódico anunciou. Se a resposta ofenderia terceiros, o jornal ou periódo pode negar-se à publicação, exceto se não poderia haver resposta sem a retificação de nomes As críticas e as divergências de opinião, como outros escritos, não constituem, de regra, abuso de liberdade de impresa. 3.Recurso e provimento. A apelação é com efeito só devolotivo Se há provimento de recurso, a empresa, que inseriu a resposta para tem direito às despesas, de acordo com a tabela de preços seus serviços de divulgação, como se tivesse sido pedida pelo cliente a publicação de qualquer carta ou declaração. Para para ver a importância das despesas, a ação é executiva. Se o jornal ou outro periódico se recusa a publicar ?res posta com plena satisfação do que se estatui na lei e g’’ em lugar impróprio — e, proposta a ação de publicação de resposta o juiz decide favoravelmente ao demandante, cabe a multa’ conforme a lei, que poderia ter estabelecido a multa a partir dia da rejeição, ou a partir da propositura da ação, ou da decisão, ou da intimação da decisão. A solução foi a de a partir da intimação da decisão, posto que o recurso seja só efeito devolutivo. Não se referiu à intimação, mas regem os principios gerais do processo.

§ 62. Prova de ilícitude absoluta 1.Princípio da alegação e da prova. Para que haja a condenação ao ressarcimento, é preciso que se tenha alegado e provado a causa e os outros elementos do suporte fático da regra jurídica que se invocou. Daí a enorme relevância do ônus da prova, que nem sempre cabe ao demandante quanto a todos os elementos do suporte fático. Nem sempre a prova da infração implica a do dano e pode haver dano sem ter havido ofensa a algum direito. No plano das relações jurídicas contratuais, o devedor, acusado de inadimplemento, ou de retardamento, ou de adimplemento ruim, tem de provar que adimpliu, que prestou no momento próprio, ou que o adimplemento foi bom, e não ruim, ou que houve impossibilidade de prestar, superveniente ao negócio jurídico. No plano das relações jurídicas extranegociais, ou tem o ônus da prova a pessoa que se diz credor da indenização, ou, excepcionalmente, a lei o deu ao demandado contra a alegação do demandante. A prova da culpa quasempre é difícil. Provada a causação, há elemento para a prova da culpa, porém não suficiente se a estrutura mesma da causação não a revela. O juiz tem de apreciar as circunstâncias, acolher presunções simples e sugestões que a experiência vulgar faz a todos, ou nos que melhor conhecem os contatos concernentes aos fatos ilícitos de que se trata. Já a técnica legislativa tem de inverter, em algumas espécies, o ônus da prova, com o que se atenuaram ou eliminaram dificuldades de julgamento. Mais ainda, quando a responsabilidade é objetiva. O delito pode ser difícil ou de fácil prova. Pode ser manifestado, confirmado, mesmo se não há outros dados para a prova, ou se há fracos indícios. Sobre a manifestação do delito, o delictum manifestum, e o direito saxônico, no resto da Idade Média, Georg Eschenberg (De Delicta manifesto jure saxonico, 6 s. e 10 s.) e Sigfridus Perís (De Delicto manifesto ex iure saxonico et secundurn iudiciorum vem icorura leges ac consuetudines, 9 s. e 57 s4. A prova de ter havido o ilícito não é diferente da prova da negação, porque se há de partir do estado anterior, para se saber se houve ou se não houve o ato ilícito, ou o ato-fato ilícito ou o fato stricto sensu ilícito. Quem nega tem


de provar o que negou, se quem alegou apresentou alguma prova; tal como quem afirma (cf. E. Chr. Westphal, Vom Beweis einer Verneinung,10). 2.Dificuldades e notoriedade da prova, a) A existência da pretensão não basta para que se possa provar. Há direitos, pretensões e ações que existem sem que se provem. A impossibilidade da prestação quando a dívida nasceria, o que afasta que ela nasça, pode não ser provada; e então se tem como irradiada a dívida, a despeito de, em verdade, ter sido nulo o negócio jurídico (cp. Th. Rizy, Beweisfúhrung, 122; Joh. Nep. Borst. Uber die Beweislast im Civilprocess, 32; K. Ch. W. Klôtzer, Versuch eines Beitrages zur Berichtigung der Lebre von der Beweislast, 37). Do mesmo fato podem derivar diferentes danos, à mesma ou a duas ou mais pessoas, de modo que haja duas ou mais ações de ressarcimento, ou por alguma causa imediata, ou mediata. Por exemplo: o avião caiu, incendiou a casa, queimou habitantes da casa, ou transeuntes, e o incêndio passa a outros edifícios. Os meios de prova podem ser diferentes e haver distinção no concernente ao ônus da prova. b) A respeito da prova dos atos ilícitos, dos atos-fatos ilícitos e dos fatos stricto sensu ilícitos, a notoriedade pode ser alegada e bastar à prova. Não assim o ter tido o juiz conhecimento privado do que ocorreu (cf. Wilhelm Langenbecl, Die Beweisfúbrung in búrgerlichcn Rechtsstreitigkeiten, 159). Se há presunção de causalidade, ou de culpa, a quem a tem contra si incumbe alegar e provar o contrário. Negar é alegar contra; nada prova. O que mandou, o que é elemento novo, de modo que não corresponde ao passado, é suscetível de alegação e prova: tem-se de alegar e provar o que era antes e o que sobreveio (Carl Reinhold, Di Lebre von dem Nlagegrunde den Einreden und der Beweislast, 9; Werner Schrãder, Die Regulierung der Beweislast im Faíle der lex 10 D. de verb. obl. 45, 1, 39).

3. Fato ilícito absoluto negativo. Se a obrigação negocial é negativa, o ônus da prova cabe ao devedor. Dá-se o mesmo se o fato ilícito absoluto é ato negativo: se A alega que E cometeu ato ilícito, porque não alicerçou devidamente a parede, que caíra, ou não prendeu o cão que estava na rua e mordeu transeunte, ao acusado incumbe provar que o alicerce fora suficiente e que o cão estava preso, ou o próprio autor da ação de indenização abrira o portão (cf. II. Grandmoulin, Nature délictueile de la Responsabilitê pour violation des obligations contractuelles, 55 s.; 3. Aubin, Responsabilité délictuelle eL Responsabilité contractuelle, 74 s.; contra C. Sainctelette, De la Responsabilité et de la Garantie, 18).

Capítulo XII Ação contra o uso nocivo da propriedade

§ 63. Dados conceptuais 1. Regra jurídica sobre uso nocivo. O proprietário, ou inquilino de um prédio, tem o direito de impedir que o mau uso da propriedade vizinha possa prejudicar a segurança, o sossego e a saúde dos que o habitam. A regra jurídica limita o conteúdo do direito de propriedade do proprietário vizinho, nascendo ao outro proprietário o direito de vizinhança. A ação, como a pretensão, dirige-se contra ele, ou contra quem exerça a posse direta. Aliás, não só inquilino: o foreiro, o usufrutuário, o que tem o direito real de usufruto; o usuário, a quem somente, no caso, se pode imputar o mau uso; o habitador, que também é titular de direito real e, pois, é limitado, por igual, o seu direito real; o credor anticrêtico. Todo proprietário pode exercer o direito de propriedade a seu líbito; mas o exercício pode ser irregular, e tem-se o abuso do direito, ou exceder linhas que o direito traçou a cada proprietário, levando em conta interesses dos vizinhos. As limitações ao direito de propriedade, baseadas em tais interesses, são limitações ao próprio conteúdo do direito de propriedade. Importa isso em dizer-se que se passam antes de qualquer exercício, no plano mesmo da técnica legislativa. Tais limitações ou são no sentido de vedação de ações, ou de vedação de omissões, como, também, no sentido de se limitarem atividades (positivas ou negativas), ou de se limitar o poder de exclusão.


Em princípio, o uso da propriedade é condicionado ao bem-estar social (= só se tutela a propriedade até onde ela não provoque, ou não concorra para estabelecer, ou persistir, ou agravar-se mal-estar social). Tratando-se de interesses particulares, ou protegidos privatisticamente o proprietário ou possuidor, imediato ou mediato, de um prédio tem direito de impedir que o mau uso da propriedade vizinha possa prejudicar a segurança, o sossego e a saúde dos que o habitam. Inquilino não está, aí, por locatário, mas, exemplificativamente, por possuidor imediato não-próprio: a ação, que nasce, nasce ao proprietário, como ao possuidor imediato não-proprio; e é de entender-se que, à semelhança do proprietário, também a tem o possuidor mediato não-próprio, como o locatário-sublocador, ou o usufrutuário que aluga. 2. Elementos do suporte fático. A segurança, de que se trata, é a material e é a pessoal. Tanto ofende a segurança, ou pode vir a ofendê-la, quem trabalha na casa vizinha com explosivos, quanto quem acoita bandidos, ou recebe jogadores que costumam brigar a tiros (se há apenas vozerio insuportável, a espécie é de ofensa ao sossego). Todavia, influências puramente imateriais não são incluídas nas que se proibem. Lá estão o calor excessivo, as trepidações perigosas, os corpos gaseiformes que possam produzir explosão, as chispas, a penetração de líquidos nas paredes-meias, ou comuns, ou do que teme insegurança. Porém não está o dano que provenha de ter bordel o vizinho, ou de manter casa de tolerância (não se confunda o problema com o do bordel no prédio comum, ou no mesmo edifício de apartamentos). ou de banhos de sol para gente sem vestes adequadas. O bordel e a casa de tolerância podem ser ofensivos ao sossego, podem mesmo criar situação de insegurança para vizinhos; mas, em tais casos, a regra juridica seria invocável pelo fato do elemento acidental. A priori, o bordel ou a casa de tolerância não põe em risco a segurança, nem o sossego, nem a saúde, a que se refere a lei quando fala de mau uso (sem razão Ricbard Schmidt, Dernegatorische Beseitigunqsanspruch, 61): o que pode acontecer é que o valor do prédio, para alugar, seja atingido e se componham os pressupostos para invocação dos princípios sobre atos ilícitos absolutos. Em todo caso, cumpre advertir-se em que, no sistema jurídico brasileiro, se elevam à categoria de vizinhança a ofensa ou a ameaça de ofensa à saúde e ao sossego, bem como à segurança pessoal, o que transformou em direito de vizinhança o que, noutros sistemas jurídicos, somente constituiria abuso do direito de propriedade ou do direito de posse. Esse ponto é da máxima importância, porque põe ao vivo a sensibilidade do direito de propriedade, no sistema jurídico brasileiro, e apresenta enormes consequências práticas. A determinação da zona como fabril, ou a permissão de fábrica a certa distância não exclui que possa alguém invocar a regra jurídica. Não se tira aos vizinhos a pretensão às medidas que suprimam o elemento de ruído, ou de nocividade à saúde, que se possa evitar (e. g., surdinas, chaminés mais altas, exaustores); nem a pretensão à indenização com fundamento na regra jurídica quanto ao mau uso, se inevitável o elemento nocivo (sem razão, Noest, Zur Einschrânkung des Nachbarrechts, Gruchots Beitràge, 60, 641). A pretensão às medidas de evitamento pode ser exercida mediante preceito cominatório. A indenização cabe ainda que seja contra repartição ou serviço do Estado (e. g., ruido dos Correios e Telégrafos, reservatório do serviço de águas ou esgotos, desprendimento de chispas dos trens, cf. Otto Strecker, em G. Planck, Kommentar, III, 4) ed., 263). 3. Uso nocivo. A indenização com base na regra jurídica sobre uso nocivo não se exige culpa por parte do responsável (aliter, se invoca princípio geral sobre ato ilícito absoluto). Quanto às enfermidades, tem-se de atender à localização dos prédios; e as leis sanitárias têm, aí, importante papel, porque dividem a cidade ou região em zonas. Outrossim, o uso local, sendo de observar-se que qualquer internado pode opor-se ao estabelecimento de usos novos (Martin Wolff, Lehrbuch, III, 2P-32ª eds., 159) e o que era uso pode deixar de ser, nascendo pretensão à omissão dos atos antes permitidos (ação de abstenção). Se na localidade há tolerância de certa moléstia, ou de certas moléstias (e. g., tuberculose), sem que, portanto, se possa invocar a regra jurídica sobre uso nocivo, não tem quem com isso sofra qualquer direito à reparação; salvo culpa, como se o vizinho tuberculoso escarrava próximo ao reservatório comum de água. A penetração de água ou de gases que nenhum dano produza, ainda em se atendendo à destinação do prédio, não é mau uso, no sentido da lei. Se, atendendo-se à destinação do prédio, há dano (e. g., o prédio é para residência, e não para fábrica, em que também se produz grande barulho), configura-se especie regida pela regra jurídica sobre uso nocivo. Não importa indagar-se a destinação do prédio ofendido, no caso de penetração de águas ou gases, foi


anterior ou posterior ao uso do outro; idem, em se tratando de ofensa ao sossego. São exemplos de mau uso da propriedade vizinha: a) a queima de detritos, com produção de fumaça que invada as propriedades vizinhas, causando prejuízos pessoais e incômodos à saúde (4) Câmara Cível da Corte de Apelação do Distrito Federal, 24 de julho de 1936, RT 105/759, RD 125/473); b) o badalar de sinos das igrejas sem necessidade de culto (2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, 3 de junho de 1947, RF 116/432: “Os sinos das igrejas podem estar a serviço do capricho dos homens, transformando-se em perturbadores do sossego dos vizinhos; c) as queimadas, a poluição de águas, ou do ar, os rumores excessivos, os odores fortes e outras imissões que causem dano (4) Câmara Cível da Corte de Apelação do Distrito Federal, 24 de julho de 1936, RF 68/568, e RT 105/759); d) o deixar de cortar árvores que causem dano se o dano, sem o corte, éinevitável (8~ Câmara Cível, 18 de outubro de 1949, AJ 95/120); e) o ter apiário cujos incômodos que causa desgarram dos hábitos do lugar (2ª Câmara Cível do Tribunal de Apelação de Minas Gerais, 19 de maio de 1945, RF 117/188); fl construir ou mandar construir de modo que cause danos, ainda se a construção obedeceu exigências das posturas municipais (2ª Câmara Cível, 21 de janeiro de 1946, RT 170/748); g) qualquer imíssão ofensiva ao sossego ou à saúde do vizinho (Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, 26 de abril de 1948, RF 120/ 513); 14 o ter açudes de que resultem casos de impaludismo nas vizinhanças (Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 9 de maio de 1928, RT 67/118); i) haver enxurradas e barreiras devidas à elevação de nível ou aterros, ainda se necessárias à construção do prédio (3ª Câmara Civil, 5 de outubro de 1930, RT 76/145); j) exceder a carga que a construção pode suportar, pondo em risco a vizinhança (não é de exigir-se culpa, inclusive imprudência, confusão com o ato ilícito absoluto, erro em que incorreu a 3ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 24 de abril de 1931, RT 78/33); k) usar pulverizador de óleo, de modo que se manchem ou impregnem paredes ou outras partes ou pertenças do prédio vizinho, ou objetos ai postos, como alfaias, tapeçarias e mobiliário (3ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 29 de abril de 1932, 84/174); 1) montar garagem, ou posto de gasolina ou lubrificação, ou de consertos de automóveis, em bairro residencial (2ª Câmara Civil da Corte de Apelação de São Paulo, 14 de fevereiro de 1936, 103/270); m) ter ou plantar árvores que sejam ruinosas ou prejudiciais aos vizinhos, ou o possam ser (3ª Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 16 de abril de 1940, 127/123); n) não aterrar o prédio na parte abaixo do nível da rua (2ª Grupo de Câmaras Civis do Tribunal de Apelação de São Paulo, 29 de julho de 1943, 146/629), ou não o rebaixar até onde evite dano aos vizinhos; o) fazer derivarem águas com detritos industriais ou agrícolas para a propriedade vizinha (3ª Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 6 de outubro de 1943, RF 99/708; 4) Câmara Civil, 1º de fevereiro de 1945, 103/484); p) não murar o terreno na faixa que não corresponde ao prédio com que confina no resto (4ª Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 8 de novembro de 1945, RT 164/299), pois não teria, na espécie, a ação de tapumes comuns, o confinante; q) manter salões de bailes e clubes que façam algazarra (4ª Câmara Cível da Corte de Apelação do Distrito Federal, 24 de julho de 1936, Ai 40/27 1, RF 68/568, RT 125/473; 4ª Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 13 de abril de 1946, RT 163/272), ainda que tenham licença para funcionamento; r) construir ou manter fossa junto ao prédio de outrem (2ª Grupo de Câmaras Civis do Tribunal de Justiça de São Paulo, 28 de agosto de 1947, 171/155); s) deixar de construir muro de arrimo para evitar invasão de águas pluviais (2ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 2 de setembro de 1949, RT 182/824); t) lançar pontas de cigarro, carteiras de cigarro, brinquedos de criança, papéis, fósforos, ou outros objetos, no prédio vizinho, de modo que causem danos, obstruam ralos ou calhas, quebrem telhas, ou manchem paredes, ou simplesmente sujem o terreno alheio, não importando se foram crianças que os lançaram, ou hóspedes, ou convidados, uma vez que a responsabilidade fundada na proteção contra o uso nocivo é independente de culpa.

§ 64. Espécies de uso nocivo 1. Segurança. Segurança é a segurança material e a segurança moral. Não está seguro quem, razoavelmente, sente inseguro. Tanto se pode tratar de insegurança para o prédio como para a pessoa que o habita ou o tem de frequentar. 2. Sossego. Sossego é a relativa tranquilidade, o ter-se o que permite a normalidade da vida, com as horas de atividade e as de descanso, que hão de ser especificamente distintas. O ruido máximo, que se tolera, à noite, não é o ruído máximo que se há de tolerar de dia. Por isso, disse a 4ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 1 ª de junho de 1950 (RT 187/693), sossego não quer dizer ausência de barulho. “O proprietário que produz ruído de sorte a incomodar seus vizinhos é obrigado a se abster de tais atos; o ruído, porém, que autoriza o procedimento judicial contra ele é o ruído excessivo ou anormal; tudo aquilo que as contingências do meio tornam


inevitável deve ser suportado e tudo que ultrapassar esse limite deve ser proibido” (5ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 28 de fevereiro de 193ª, RT 89/487). “Ninguém, sem dúvida, pode pretender, sob invocação do direito ao descanso, que tudo, em derredor, se imobilize e cale. Tem, todavia, cada indivíduo direito a impedir que os outros o incomodem em excesso, com ruídos insuportáveis, emanações prejudiciais a sua saúde e odores nauseabundos. Muito importa, outrossim, ter em conta a natureza dos lugares, distinguindo uma cidade da outra, cada bairro segundo o seu destino e, sobretudo, não esquecer a pré-ocupação, ou seja, a anterioridade de posse” (44 Câmara Civil da Corte de Apelação de São Paulo, 25 de setembro de 1935, RT 103/600, com influência, aliás, de leituras de livros italianos a que falta regra jurídica como a do direito brasileiro). É de observar-se, a respeito do que aí se diz, que a pré-ocupação não é elemento decisivo e só tem significação como elemento de destinação local: “A teoria do direito da pré-ocupação, como causa elisiva da responsabilidade, ideada por Demolombe, não encontrou o apoio de ninguém. Mas a pré-ocupação coletiva pode não só elidir a responsabilidade como servir-lhe de fundamento. Assim, quem fosse construir sua residência em bairro coberto de fábricas e chaminés não poderia, certamente, queixar-se dos inconvenientes da vizinhança. Mas quem, como o apelante, escolhe bairro exclusivamente residencial, como Higienópolis, para montar posto de lubrificantes, limpeza de automóveis e fornecimento de gasolina, é obrigado a compor os danos, que causar com a violação dos deveres de vizinhança. A pré-ocupação coletiva, imprimindo ao local o caráter exclusivamente residencial, determina e fundamenta a responsabilidade de quem vai aí estabelecer negócio ou indústria estranha ao uso habitual da propriedade nessa zona (2ª Câmara Civil da Corte de Apelação de São Paulo, 14 de fevereiro de 1936, RT 103/270). Claro está que o morador de recanto sossegado tem ação contra quem, com a instalação de indústria, lhe vem perturbar a p~z e a comodidade (4ª Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 28 de janeiro de 1943, 143/609). A 6ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 24 de outubro de 1947 (RT 172/693), disse, com toda pertinencia: Nenhum vizinho tem direito de produzir os danos, as importunações, os incômodos, o desassossego e o perigo que entender, só porque ocupou a vizinhança antecipadamente, fazendo tábua rasa do direito alheio e da legislação reguladora da boa convivência entre proprietários confinantes ou próximos. Se o barulho é demasiado, ou se a lei proibe o incômodo, o proprietário não pode valer-se da anterioridade do seu estabelecimento, ou atividade, para continuar molestando o próximo. A liberdade que existia de abalar o solo, causar ruídos ensurdecedores, envenenar a atmosfera, poluir as águas, aterrar ou inundar a superfície, quando o industrial vivia só no seu lugar, deve cessar quando surge o direito de vizinhança e quando interfere com o direito de vizinho que depois se instalou, porque as liberdades primitivas cessam quando surgem a vida social e a civilização, trazendo consigo direitos alheios, que devem ser respeitados”. Têm-se de ter em conta o uso local, a natureza e a situação do imóvel e o que se há de apurar é se excede a medida ordinária de suportabilidade (5ª Câmara Civil da Corte de Apelação de São Paulo, 16 de dezembro de 1936, RT 106/208). O sossego não é perturbável apenas pelo som. Também o é pela luz, pelo cheiro, por apreensões e choques psíquicos, ou outros motivos de inquietação. “Quanto à observãncia dos regulamentos administrativos, ao fazer-se a construção, é doutrina corrente que isso não altera a responsabilidade civil. A autorização administrativa” — aliás, licença — “é dada sob a reserva implícita de não serem lesados os direitos alheios; e só tem o efeito de isentar o proprietário da responsabilidade penal, em que incorreria, se levasse a termo a obra, sem a devida licença e observância dos preceitos regulamentares” (2ª Câmara Civil da Corte de Apelação de São Paulo, 14 de fevereiro de 1936, RT 103/270). Por isso mesmo, fugiu aos princípios a 1ª Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 5 de abril de 1943, quando, embebida de leituras sobre sistemas jurídicos inferiores ao brasileiro, acentuou: “Enquadra-se no poder de polícia do Estado o direito de autorizar o funcionamento dos chamados dancings e cabarets. Em São Paulo, esse direito se acha regulamentado e foi com observância das normas em vigor que as autoridades competentes deram permissão para a abertura do GrilI-Room Tropical no prédio que os réus haviam, para tal espécie de diversões, tomado em locação e convenientemente adaptado. O estabelecimento em apreço, funciona, portanto, de acordo com os dispositivos legais que lhe são aplicáveis. Se dai resultam incômodos aos moradores do prédio contíguo e prejuízos ao proprietário, nem por isso terá o último ação para reclamar o fechamento da casa”. O voto vencido apontou a matéria de fato, e invocou, acertadamente, regra jurídica sobre o exame pericial: com ele, as testemunhas inquiridas e as demais provas dos autos, demonstra-se que o barulho produzido durante o funcionamento do Cabaret Tropical, que é o natural das casas de diversões do gênero, prejudica o sossego dos habitantes do Edifício Banharão, principalmente tendo-se em vista o horário do funcionamento do cabaret, das 23 horas de um dia às 4 do dia seguinte. O barulho é ouvido em diversos apartamentos, especialmente nos situados ao lado do cabo ret. O fato de estar o prédio situado em via pública de intenso movimento diurno e noturno, com os ruidos causados pela passagem de veículos de transporte, não faz


com que os seus habitantes sejam obrigados a suportar outros barulhos que não estritamente indispensáveis à vida de uma cidade. Além desse barulho, outros prejuízos advêm ao sossego e saúde dos habitantes do prédio do autor pela permanência da casa de diversões dos réus na vizinhança, e resultam eles dos incidentes que se dão no cabaret entre os seus frequentadores, um dos quais foi presenciado pelo perito judicial e pelo assistente técnico do autor, como relatam em seus laudos. Isso, sem se falar dos inconvenientes de contiguidade da residência de familia com um caboret, sobre os quais não é preciso descer-se a minudências. Verdade é que os réus só estabeleceram o cabaret depois de obtida a necessária licença das autoridades administrativas. Isto, porém, não impede que o autor, não tendo conseguido dessas autoridades remédio ao seu direito violado, recorra ao Poder Judiciário. O fechamento do cabo ret constitui obrigação de fazer, imposta aos réus; o seu não cumprimento acarreta a indenização de perdas e danos. O rêu reclamara à Secretaria de Segurança Pública, que mandara arquivar o pedido. Acrescentou o voto vencido: “Como o funcionamento do cabaret, no caso, está autorizado pelas autoridades administrativas, discute-se nos autos se é possivel ao Judiciário ordenar seu fechamento, pleiteado pelo autor”. E rebateu os argumentos do acórdão: “Convenho... com Filadelf o Azevedo e PONTES DE MIRANDA, que tal critério, perfeitamente compreensivel e justificável naqueles paises em que, como na França e na Itália, não existe dispositivo legal expresso a respeito e a matéria tem sido obra da construção dos tribunais, não pode prevalecer no Brasil. Entre nós, observa Eiladelfo Azevedo, a solução há de ser mais ampla, cabendo ao Judiciário apreciar se a autorização administrativa foi regular-mente concedida e impor o veto ao funcionamento, prejudicial. Não só é isso consequência da interdependência dos poderes, como decorre da lei, em sua função preventiva, cuja falta, na Itália. P. Bonfante tanto deplora, considerando que o instituto do dano infecto, como o delinearam os Romanos, sem dependência de culpa, foi ventilado no direito moderno, especialmente italiano (Destinação do Imóvel, 162,3ª). E PONTES DE ML RANDA, (Manual do Código Ciuil, XVI, 4ª parte, 300): ‘Ainda quando tenha havido autorização administrativa, regular ou não regular, pode o ofendendo ou ofendido pedir que se lhe evitem ou reparem os danos”. O fato, pois, de ter sido aprovado, pelas autoridades administrativas, o funcionamento do caboret em apreço não seria, em tese, motivo impediente para a propositura da ação, tal como foi proposta e formulada’. O acórdão atribuiu aos atos normativos da administração ou administrativos poder de limitar ou restringir o conteúdo do direito de propriedade, como se a Assembléia Legislativa do Estado Federado e, in casu, o próprio Poder Executivo pudessem legislar sobre direito privado e dispensar, em matéria de deveres de vizinhança, a responsabilidade. 3. Saúde. Saúde é, na regra jurídica sobre uso nocivo, a saúde de quem habita, ou tem de freqúentar o prédio, ou de qualquer ser, animal ou vegetal, que viva no prédio, se pode ai ser alojado. O ponto fraco da jurisprudência (e urge corrigir-se o erro grave) á aquele em que cogita de apuração de culpa em matêria de dano causável ou causado pelos vizinhos, no uso da propriedade (e. q., 3ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 24 de abril de 1931, RT 78/33ª; Q Câmara Civil da Corte de Apelação de São Paulo, 25 de setembro de 1935, 103/600; 4ª Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 29 de março de 1939, 122/157; 4ªCâmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 8 de novembro de 1945, 164/229). A responsabilidade, nas espécies previstas, é independente da culpa (2ª Câmara Civel do Tribunal de Apelação de Minas Gerais. 21 de janeiro de 1946, RT 130/748; 3ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 5 de outubro de 1940, 76/145). Foram nocivos à jurisprudência livros estrangeiros que não correspondem ao nível do direito brasileiro e confusões entre a regra juridica sobre o uso nocivo e as regras juridicas sobre responsabilidade no fato ilicito absoluto. Alguns Livrinhos brasileiros, sem responsabilidade científica, chegavam a exigir dolo ou culpa. Exemplo típico de acórdão contra a letra da lei, em que o juiz da sentença e o relator parecem que estão a decidir em alguma província francesa, é o da 2ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 6 de maio de 1947 (RT 168/284): nele, percorreu-se a doutrina francesa, em suas divergências e propensão a discussões Literárias, e acaba-se por adotar, por simpatia, a teoria da culpa, e não se leu, nem sequer, o art. 554 do Código Civil brasileiro de 1916.

§ 65. Sanção 1. Caução de dano infecto, demolição, reparação. O proprietário do prédio tem direito e pretensão a que o dono do prédio vizinho proceda à demolição ou à reparação, quando haja ameaça de ruína, e a ação de caução pelo dano infecto: O proprietário tem direito a exigir do dono do prédio vizinho a demolição, ou reparação


necessária, quando este ameace ruína, bem como a que preste caução pelo dano iminente. O possuidor tem a caução ao dano a vir, como o proprietário. Tê-la-ia, ainda antes de qualquer regra jurídica escrita, v.q. a do Código de 1939, art. 302, VII, na qual se diga que a ação cominatória compete ao proprietário ou inquilino do prédio, para impedir que o mau uso da propriedade vizinha prejudique a segurança, o sossego ou saúde dos que o habitam. A ação de dano infecto tem como pressuposto a futuridade do dano. As outras ações são prescritíveis, inclusive a ação de abuso do direito.

2. Interesse público. Quando as leis de direito público estabelecem alguma exigência de ordem espacial, como se proibem construção de edifício a ceda distância do limite do terreno (ins interstitii, direito de intersticio), ou fixam distância à instalação de esterqueiras, fomos, estábulos, cloacas, chaminés e depósitos de inflamáveis, fazem-no no interesse público. De regra, estão dentro do que a lei de direito privado sobre uso nocivo edicta. A regra jurídica atribui, em geral, ao proprietário ou possuidor a pretensão a impedir. Qualquer daqueles atos éirnissão inadmissível, incursão proibida na esfera juridica alheia; ai, incursão na propriedade imobiliária. O fato de permitirem as leis de direito público que se instalem indústrias ou serviços em lugar em que não as havia, ou não os havia, ou eram proibidos, de modo nenhum basta para se entender que cessou o direito de proibição (lus prahibend fl. A permissão somente pode entender-se para eficácia no plano do direito público. Enquanto não se constrói a instalação, o direito de proibição exerce-se em pretensão dirigida ao vizinho para que se abstenha da construção. Se já foi construída, a pretensão é à demolição. A pretensão persiste ainda que o proprietário ou possuidor da instalação prometa, judicialmente, não a utilizar, ou se o promete e se prontifica a dar caução de adimplir o prometido.

3. Nocividade e responsabilidade. A pretensão oriunda da regra jurídica sobre uso nocivo é, no direito brasileiro, prescritivel. Não se pode, todavia, exigir que o vizinho se haja oposto à constrição. A tolerância não dá ensejo a objeção, como acontece a propósito de janela, sacada, terraço ou goteira. A pretensão do proprietário contra o vizinho é onde pendente de toda culpa do dono do prédio com vício de construção, ou não conservado devidamente. A pretensão e preventiva: nela está incluída a pretensão à caução damnni infecti, porém a extensão da pretensão preventiva é maior, porque por ela se pode exigir a demolição ou reparação necessária antes de qualquer dano. A regra jurídica sobre uso nocivo de ordinário só se defere ao proprietário, porque se trata de limitação ao conteúdo do direito de propriedade” (portanto, a pretensão é conteúdo do direito de propriedade sobre o imóval ameaçante). Mas é de advertir-se que a posse tem o mesmo conteúdo, de modo que o possuidor tem a ação para exigir aquelas medidas prevfltivas que o proprietário poderia exigir (K. Kcber, J. von B taudiiqers Kommentar, III, 269; Martin Wolff, Lehrbuch, III, 27ª-32ª eds., 162; mas sem razão: 6. Plancl, Rornmnentar, III, 235; J. Bierann, Sachenrecht, 156; K. Maenner, Das Sachenrecht, 165). Não é possível restringir-se a pretensão preventiva ao proprietário, ao condômino, ao comuneiro de edifício de apartamentos, ao usufrutuário, ao usuário e ao habitador; tem-na também o possuidor. A caução de dano infecto já era, no direito anterior, exercível pelo possuidor. Quanto à legitimação passiva, a pretensão é dirigida contra o proprietário, o usufrutuário, o usuário ou o habitador, se invoca vizinhança; porque a pretensão é inconfundível com a pretensão geral à prevenção. Porém, por se tratar de limite a conteúdo da propriedade, o possuidor há de tolerar as medidas e, se as tomar de moto próprio, não procede contra direito, ainda que o faça contra a vontade do proprietário. Se as reparações foram confiadas a outrem, e. q., empreiteiro, ou administrador, há solidariedade. Ao vizinho que tem o dever de demolir ou de reparar não cabe dizer quais as medidas adequadas. Pode ocorrer a prescrição da pretensão real oriunda da incidência da regra jurídica sobre uso nocivo, sem que prescreva a pretensão pessoal por ato ilícito com culpa. Se há dois ou mais obrigados, há, sempre, solidariedade (Johannes Biermann, Sachenrecht, 156); não se podendo invocar regra jurídica, que só se refira ao direito das obrigações e aqui já se supôs haver pluralidade de obrigados.


Se não há proprietário, ou possuidor, tem o dono ou possuidor do prédio a que pode atingir o desmoronamento ou o estado de má conservação do prédio a autodefesa com fundamento no perigo iminente e a pretensão à ajuda das autoridades policiais (1(. Rober. J. V. Staud inqers Kommentar, III. 270). Ainda se há proprietário, ou possuidor, há direito à autodefesa, se não há tempo para se exercer, perante ele, a pretensão preventiva. O autor tem de alegar que há o risco para si e provir de recente obra, ou a fazer-se, ou de mau estado de construção ou de conservação de terreno.

4. Caução. A pretensão à caução pelo dano infecto está assente,, no tocante ao prédio que ameaça ruína. Discutese é de admitir-se tal pretensão à segurança quando a espécie seja oriunda de mau uso, porém não de ameaça de ruína. Negativamente, porque a lei só a mencionou se para obras e para a espécie do prédio que ameaça mina, a V Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 12 de novembro de 1945 (RT 160/740), e, antes, a tfiniara Civil da Corte de Apelação de São Paulo, a 21 de janeiro • ê 1936 (RF 67/133), que parece só ter visto a espécie do direito a obras em prédio alheio. Afirmativamente a 4ª Câmara Civil de Apelação de São Paulo, a 16 de setembro de 1936 (RT 59 /700): “... o proprietário ou inquilino de um prédio tem o ito de impedir que o mau uso da propriedade vizinha possa prejudícar a segurança, o sossego e a saúde dos que o habitam e o de exigir o primeiro, do dono do prédio vizinho, a demolição quando esse ameace mina, bem como que preste caução , dano iminente. Mas o pedido de caução tanto pode ser empressário como principal. Se o proprietário, ou inquilino, tem o ato de impedir o mau uso da propriedade, nisso se deve comider o de exigir a segurança necessária contra o eventual rejuizo, ameaçado pela atividade nociva do vizinho. O direito de caução é forma em que se exterioriza a ação de impedir o uso da propriedade. A permissão de tal pedido como principal Mutônomo, consagrada na tradição de nosso direito (José Homem O Teles Doutrina das Ações, § 90) e aceita expressamente Códig0 Civil, art. 529, atende ao ideal mais perfeito da lei no sentido de antes evitar o mal do que repará-lo”. Não se tem de discutir se a caução damni infecti somente compete naquelas espécies; a lei é explícita. O que se há de indagar é se cabe nas tiplas espécies de ofensa do direito de vizinhança. ,Mann, Sachenrecht, 156; K. Maenner, Das Sachenrecht, 165). Não é possível restringir-se a pretensão preventiva ao proprietário, ao condômino, ao comuneiro de edifício de apartamentos, ao usufrutuário, ao usuário e ao habitador; tem-na também o possuidor. A caução de dano infecto já era, no direito anterior, exercivel pelo possuidor. Quanto à legitimação passiva, a pretensão é dirigida contra o proprietário, o usufrutuário, o usuário ou o habitador, se invoca vizinhança; porque a pretensão é inconfundível com a pretensão geral à prevenção. Porém, por se tratar de limite a conteúdo da propriedade, o possuidor há de tolerar as medidas e, se as tomar de moto próprio, não procede contra direito, ainda que o faça contra a vontade do proprietário. Se as reparações foram confiadas a outrem, e. g., empreiteiro. ou administrador, há solidariedade. Ao vizinho que tem o dever de demolir ou de reparar não cabe dizer quais as medidas adequadas. Pode ocorrer a prescrição da pretensão real oriunda da incidência da regra jurídica sobre uso nocivo, sem que prescreva a pretensão pessoal por ato ilícito com culpa. Se há dois ou mais obrigados, há, sempre, solidariedade (Johannes Biermann, Sachenrecht, 156); não se podendo invocar regra jurídica, que só se refira ao direito das obrigações e aqui já se supôs haver pluralidade de obrigados. Se não há proprietário, ou possuidor, tem o dono ou possuidor do prédio a que pode atingir o desmoronamento ou o estado de má conservação do prédio a autodefesa com fundamento no perigo iminente e a pretensão à ajuda das autoridades policiais (1º. Rober, J. V. Staudingers Kommentar, III, 270). Ainda se há proprietário, ou possuidor, há direito à autodefesa, se não há tempo para se exercer, perante ele, a pretensão preventiva. O autor tem de alegar que há o risco para si e provir de recente obra, ou a fazer-se, ou de mau estado de construção ou de conservação de terreno.

4. Caução. A pretensão à caução pelo dano infecto está assente, no tocante ao prédio que ameaça ruína. Discute-se é de admitir-se tal pretensão à segurança quando a espécie seja oriunda de mau uso, porém não de ameaça de ruína. Negativamente, porque a lei só a mencionou se para obras e para a espécie do prédio que ameaça ruína, a V Câãmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 12 de novembro de 1945 (RT 160/740), e, antes, a Câmara Civil da Corte de Apelação de São Paulo, a 21 de janeiro de 1936 (RF 67/133), que parece só ter visto a espécie do direito a obras em prédio alheio. Afirmativamente a 4ª Câmara Civil da Corte de Apelação de São Paulo, a 16 de setembro de 1936 (RT 109/700): “... o proprietário ou inquilino de um prédio tem o direito de


impedir que o mau uso da propriedade vizinha possa prejudicar a segurança, o sossego e a saúde dos que o habitam e o de exigir o primeiro, do dono do prédio vizinho, a demolição ou reparação quando esse ameace ruína, bem como que preste caução pelo dano iminente. Mas o pedido de caução tanto pode ser acessório como principal. Se o proprietário, ou inquilino, tem o direito de impedir o mau uso da propriedade, nisso se deve compreender o de exigir a segurança necessária contra o eventual prejuízo, ameaçado pela atividade nociva do vizinho. O direito de pedir caução é forma em que se exterioriza a ação de impedir o mau uso da propriedade. A permissão de tal pedido como principal ou autônomo, consagrada na tradição de nosso direito (José Homem Correia Teles, Doutrina das Ações, § 90) e aceita expressamente pelo Código Civil, art. 529, atende ao ideal mais perfeito da lei no sentido de antes evitar o mal do que repará-lo”. Não se tem de discutir se a caução damni infecti somente compete naquelas espécies; a lei é explícita. O que se há de indagar é se cabe nas múltiplas espécies de ofensa do direito de vizinhança. A questão logo se resolve com direito processual, que dê toda a generalidade possível à pretensão à caução de dano infecto, na ação de cominação. Aí, a caução de dano infecto é medida que se pede, cominatoriamente, tal como se concebeu, e não necessária, pois o dano pode ser iminente desde já, ou prever-se porém não iminente. Tem-se, portanto, de cominar que o réu sofra a reparação feita pelo autor, à custa do réu, ou que seja demolido o prédio, à custa do réu, ou que preste caução (se desde já iminente o dano). Três condutas, sendo as duas primeiras à escolha do réu. Esse não se defende alegando não ter culpa, pois a culpa não é pressuposto da regra jurídica processual, nem da regra de direito material. A escolha da reparação, em vez da demolição, depende da eficiência daquela. A caução do dano ainda não feito pode ser pedida desde logo, se iminente o perigo; ou deixar-se para depois quando se der a iminência. Nada obsta a que o autor peça e o juiz ordene que, além de demolir ou reparar, o réu preste a caução; porque, no meio tempo ou com a reparação ou com a demolição, pode vir a sofrer danos o autor. Quanto à caução pedida como medida de segurança ou cautelar, sem o caráter, portanto~ de condenação em cominatória, deu-se-lhe a maior largueza possível~ porquanto só se lhe exigiu satisfazer um dos pressupostos das medidas cautelares. A pretensão à segurança é principaliter de modo nenhum limitada às espécies do direito material sobre vizinhança. José Homem Correia Teles (Doutrina das Ações, ed. de 1918, §215, 229) foi claro: “Compete... em todos os casos em que o autor tenha justo temor de algum dano causado por vício da obra ou por fatos do seu vizinho’.

§ 66. Ações 1. Três ações principais. O sistema jurídico permite, além da caução, evidentemente, as duas ações, conforme a espécie: a ação de reparação do prédio e a de demolição — se bem que somente fale de direito de exigir (direito e pretensão). No direito romano não havia tais ações; só havia a cautio daroni infecti. Deu-se a caução exatamente para que a pretensão não ficasse de todo sem acionabilidade: antes dela, a pretensão era desprovida de ação. Acontecia aos Romanos o mesmo que a eles e a povos contemporâneos ocorre quanto à ação executiva para manifestação de vontade. A ação cominatória toma o caráter de executiva. De modo que a ação de preceito cominatório satisfaz, plenamente, o princípio de que a toda pretensão corresponde ação. A condenação, na ação de que se cogita, pode ter como conteúdo fazer cessar o dano ou o risco, ou prestar-se a indenização. Só se não proibe a própria fonte do dano, e.q., utilização do imóvel como cabaré, ou salão de baile, quando há direito a tal destinação, devido ao local; se tal acontece, tem de ser indenizado quem com o dano ou a ameaça de dano tenha imissão no seu bem. Ainda que o prédio vizinho não caia, cabe indenizar-se o risco em si, que é elemento negativo, permanente, de valor do prédio ameaçado, até que o risco desapareça. A indenização é, então, em forma de renda. Ojuiz pode condenar ao uso do prédio em horas diferentes (5ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 23 de janeiro de 1948, RT 172/23ª: ‘Não se interdita a exploração industrial por incômodo a vizinho quando pode ser tolerada pela execução das obras e fixação de horário para funcionamento das máquinas de acordo com o uso local”). O risco que já existe pode ser agravado pela obra do vizinho, ou pelos atos do vizinho. Não se pode, a priori, dizer que o concorrer para agravar-se o risco, não seja ofensa ao vizinho, como fez a 2ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 9 de agosto de 1949 (RT 182/666).


Capítulo XIII

Ação penal § 67. Conceito e natureza da ação penal

1. Conceito. A ação penal, no sentido de ação concernente nos delitos de que cogita a lei penal, é tratada como se fosse a outra espécie de ação, ao lado da ação civil ou cível, com que se procura mencionar, implicitamente, a ação de direito civil e a ação de direito comercial, bem como outras de direito privado. Tem-se, porém, de chamar atenção para o fato de haver ações em que se pede a aplicação de pena sem serem ações do “direito penal”. É o que ocorre com as ações civis ou outras ações, de direito privado ou público, em que se colima a aplicação de pena. Não só o direito penal estabelece penas. Aqui, porém, apenas havemos de nos referir às ações de direito penal, estrito senso, e às “ações” de direito processual penal. Há a pretensão à tutela jurídica, que é pretensão a que o Estado preste a aplicação da lei. Está-se no plano do direito pré-processual. Com o monopólio da justiça, o Estado prometeu o respeito da lei quando alguém precisasse da tutela jurídica. O ingresso do interessado, que pode ser só, ou em primeiro lugar, o Estado, é com o exercício de tal pretensão e a “ação”, que é o remédio juridico processual. A ação, essa, é de direito material e tem de ser examinada na decisão. É erro entender-se que à ação civil corresponde a pretensão, e não se dê o mesmo com a ação penal. Se basta para o Estado a notitia criminis, para que exista a ação penal, de modo nenhum isso afasta que não haja a pretensão estatal, ou de alguém, a que a lei atribua legitimação ativa. Por outro lado, é exagero de distinção dizer-se que o demandante, na ação civil, espera decisao que lhe dê razão, ao passo que o promovente da ação penal, que é o demandante com os outros, apenas aguarde decisão sobre a notitia criminis. Ora, o que se quer, numa e noutra ação, é que se aplique a regra jurídica, que incidiu ou que vai incidir. Outro erro é o de se afirmar que a ação abstrai da existência ou da razão ou sem-razão de quem a propôs. Quem propõe a ação, quer civil, quer penal, exerce o que o sistema jurídico lhe atribui (a ação, aí, é conceito de direito material), e na “ação” (conceito de direito processual) o juiz diz que havia (ou há) a ação: a ação” foi exercida, talvez sem que existisse a ação. A confusão entre ação e “ação” levou a enganos, assaz graves, na distinção que se pretendeu fazer entre concepção abstrata da ação e concepção concreta da ação. Tudo isso resultava de se não haver diferençado do plano processualistico e do plano préprocessualístico o plano do direito material. Pode-se ter interesse jurídico na propositura, ter-se satisfeito o que a lei processual exige, e não se ter razão, inclusive faltar a ação (no sentido de direito material). Acertado andou Giuseppe Sabatini (II Pubblico Ministero nel Diritto processuale penale, 110 s.) quando afastou a distinção entre ação em sentido abstrato e ação em sentido concreto, posto que não tenha chegado até onde devia ter chegado, isto é, a distinção entre pretensão pré-processual, ação e “ação”. A suposição de não haver legitimado ativo é absurda. 2.Ação e “ação”. No direito penal, também há a ação e a “ação”, que se rege pelo direito processual penal. A ação liga-se à pretensão à punição. Seria absurdo que se negasse, no direito penal, a existência da pretensão e da ação. Além disso, há o direito pré-processual e a própria pretensão à tutela jurídica, por parte da entidade estatal. O fato de a função jurisdicional ser estatal, nas ações penais, de modo nenhum pré-exclui que outro órgão do Estado, ou o próprio órgão judiciário, exerça ação do Estado. Pense-se em que a unidade estatal tem de ir, como qualquer pessoa física ou jurídica, à Justiça, para que lhe tutele direito real ou pessoal. Não raro pede a decretação de inconstitucionalidade, ou ilegalidade, de alguma regra jurídica, provinda de outra entidade estatal, ou dela mesma.


A ação penal deve ser irradiada de alguma regra jurídica, que se insere no direito material. A “ação penal” resulta de regra jurídica processual penal. O processo penal apanha todos os atos judiciais, inclusive de polícia, a que se atribui decisão. Ação e a “ação” competem ao Estado. Os seus órgãos não são titulares de direito, nem de ação, nem de “ação”. O órgão presenta o Estado; não o representa, nem tampouco o substitui. A ação penal e a “ação” penal provêm de direito do Estado, e até se tem falado de direito-dever, por ser imperativa a “ação penal” (principio da obrigatoriedade da ação penal). Porém a técnica legislativa pode exigir a queixa, a denúncia, a provocação, a autorização, ou outro ato que seja pressuposto da “ação penal”. Houve e há disputa sobre a ação penal ser (ligada a) direito subjetivo ou (ligada a) direito potestativo, mas a divergência prende-se à reminiscência do “poder”, como se a ação penal não fosse irradiação, como qualquer outra espécie de ação. Tem-se de repelir o que escreveram V. Lanza (Principi di Diritto processuale pena le, 136) e Edoardo Massari (II Processo pena le, 13). Quer se trate de direito penal, quer de outro ramo de direito público, é preciso atender-se a que a publicização das regras jurídicas se prende a haver nos suportes fáticos ilicitude que vai além do ilícito só nocivo à pessoa ofendida. A vida de qualquer pessoa não só interessa a ela, nem só a ela e à família ou dependentes: interessa ao homem, ou Povo, e não se compreenderia que o Estado não se incumbisse de evitar que alguém mate, ou de promessa à punição do delinquente. Dá-se o mesmo com as lesões corporais, de transmissão de doenças, de expor em perigo outra pessoa, de entrar em luta. Porém não só a vida éde interesse do homem, do Povo e do Estado. Há a honra. Há a liberdade de ir, ficar e vir, a inviolabilidade do domicílio e a inviolabilidade da correspondência. Há os crimes contra a propriedade e a posse. quer pelo roubo ou furto, quer pela danificação ou qualquer outra ofensa, como a apropriação, o estelionato e quantas outras. Onde há direito e o ilícito o fere, a ilicitude pode ficar no plano do direito privado ou entrar no direito público, inclusive penal, perante a lei. Todos têm a liberdade de crença; daí haver os crimes contra o próprio sentimento religioso e o respeito aos mortos. Uma vez que há os direitos, a eles correspondem pretensões a que atos positivos ou negativos não os desrespeitem, a fortiori que não os destruam. Desde o momento em que há a ofensa nasce a ação. Ação, frisemos, de direito material, privado ou público, inclusive penal.As erronias em que escorregaram juristas estrangeiros e nacionais, a ponto de dizerem que não há direito, pretensão e ação penais, mas só a “ação”, têm de ser repelidas energicamente. Outrossim, a confusão de “ação” com ação, e ação com pretensão. De jeito nenhum é erro dizer-se que do crime nasce a ação. O que é erro é afirmar-se que a ação penal precede ao delito. No momento do crime nasce a ação penal. Com o crime nasce, também, a exercitabilidade da “ação” penal, do remédio jurídico processual. Quanto ao direito subjetivo e a pretensão, existiam antes, porque havia o status que o delinqúente feriu. Tinha toda razão José Antônio Pimenta Bueno (Apontamentos sobre o Processo Criminal Brasileiro, 117) ao escrever: “Todo crime sujeita o delinquente...: a sofrer a sanção penal pelo delito que cometeu, e a reparar o mal ou dano que por ele causou: dá, portanto, origem a duas ações, uma criminal e outra civil”. A “ação” penal é o remédio juridico processual, que há de ser objeto do direito processual penal. Antes há a ação, de direito material, que nasce com o delito. Antes, a pretensão à tutela jurídica que se há de exercer contra o Estado, porque foi o Estado (e não o Povo) que a prometeu. O juiz, orgão do Estado, tem de atender à pretensão à tutela jurídica; porém, o Estado criou outros órgãos como o Ministério Público, para que sejam propostas as ações, que são do interesse público, do Povo. Há ação e há a “ação”. As investigações têm por fito descobrir se houve o crime, portanto se há a ação. Se há ação penal, cumpre saber qual é a “ação” que se há de intentar. Iniciada a “ação”, nasce a relação juridica processual, mas pode ocorrer que a ação não haja surgido, ou haja desaparecido, e, na “ação”, se tenha de considerar improcedente a propositura e pois absolvido o acusado. Aqui, há eficácia preponderante declarativa. O crime existiu e existe mesmo se não advém processo. Se a sentença absolve quem, na verdade, praticou o delito, o que se passa é que a sentença, trânsita em julgado, apagou a juridicidade: o crime ocorreu, entrou no mundo jurídico, por sua punibilidade, mas a decisão judicial o pôs fora. Se crime não houve e advém, em processo criminal, sentença condenatória, o Estado, com o ato do seu órgão,


colocou no mundo jurídico, como delito, o que não podia ser inserto. Se pede a revisão criminal, então se pode repelir tal declaração falsa da existência do crime, que deu o ensejo à condenação. E absurdo dizer-se, como fizeram, por exemplo, Erancesco Carnelutti e Guglielmo Sabatini, que o fato não existe como delito se o juiz ainda não o declarou certo. A frase “não pode um fato, sem o juízo do juiz penal, ser um delito” revela que se não analisou o mundo jurídico, que se partiu de erro de atribuir ao enunciado declarativo função criativa. De modo nenhum se pode apontar preponderância constitutiva a sentença penal. Há a declaratividade, mas prévia, para que se condene. A preocupação de constitutividade, que minou e deturpou a doutrina italiana, levou a erros graves.

É de repelir-se as opiniões dos que vêem na sentença penal vontade do juiz (e. g., Vincenzo Cavaílo. La Sentenza penale, 172). Mesmo se alude a textos legais referentes à convicção do juiz, de modo nenhum se há de considerar “vontade” o ato do juiz. Deixar à livre convicção não é deixar à livre vontade. Pode-se querer contra aquilo de que se está convicto e estar-se convicto daquilo que não se quer. E grave toda confusão entre livre arbítrio e livre exame para julgamento. São ações penais a ação de extradição, no que concerne ao Estado em que está o acusado, e a ação de homologação de sentença penal estrangeira. Bem assim, a de reabilitação. Mas nenhuma das três é ação condenatória (sem razão, Giovanni Leone, Suíla Pluralitá delI’Azione Penale, .Scritti Giuridici in Memoria di Edoardo Massari, 551 s., bem como o próprio Edoardo Massari). Quem pede a extradição atua em fase executiva (definitiva, ou não, conforme o sistema jurídico), para que se atenda à decisão. Quem recebe pedido de extradição colabora com o Estado que tem competência para punir. Não pune, nem executa; e o mandado de entrega resulta de exame declarativo, não de exame condenatório. O pedido de reabilitação desconstitui o elemento condenatório, diante de apreciação do que ocorreu. 3. Ação penal e ação civil. Tem-se pretendido distinguir da ação civil a ação penal com a afirmação de que, naquela, o legitimado ativo pede a condenação, demanda (demandar vem de “mao e, em vez de se “comandar”, se encarrega alguém de procurar o objeto), ao passo que isso não ocorreria com o legitimado ativo à ação penal. Ora, a denúncia criminal contém pedido, e pedir decisão é demandar; e tem-se de repelir a opinião dos que sustentam que, na ação penal, não se pede a condenação, nem a absolvição, mas tão-somente decisão sobre a notitia criminis. Por outro lado, não se diga que apenas se pede, por parte do Ministério Público, julgamento do juiz sobre a notitia crirninis (fato determinado correspondente a suporte fático penal). A em tidade estatal (por trás, o povo) é que tem a legitimação ativa, que se exerce com o órgão estatal. Nem se leve ao extremo o argumento de que não há, nem sequer, na ação penal, exceção. Há exceções de direito processual penal, e exceções de direito material (T. Gatti, L’Eccezione pena te, 250-255; Arturo Santoro, Manuale di Diritto processuale penale, 300 5.; sobre exceções extrajudiciais, como a de casamento e a de restituição, F. Escobedo, L’Eccezione in senso sostanziale, 103). Uma vez que o interesse punitivo do Estado não afasta o seu interesse em que se não aplique a lei, se crime não houve, isto é, que se puna e se proteja a inocência, não se há de invocar o Reus in excipiendo fit actor, para que se dê ao excipiente o ônus da prova. O juiz tem o dever de buscar a verdade (cf. G. Conso, 1 Fatti qiuridici processuali penali, 25; D. Siracusano, Studio suila Prova deile esimenti, 203). Uma vez que há o princípio de que a responsabilidade civil é independente da responsabilidade penal, nada impede que, proposta a ação de responsabilidade civil, ou tendo havido a denúncia no procedimento administrativo, se inicie a ação penal. Não é preciso que se esgote a instância administrativa, salvo se há regra jurídica expressa que o torne pressuposto necessário, o que, de iure condendo, seria desaconselhável, pelo possível retardamento. Se não há tal regra jurídica, é de denegar-se o habeas corpus, se o fundamento da petição foi o da falta de procedimento administrativo, ou da sua exaustão. No tocante à jurisdição para as ações, ou a) as jurisdições, civil e penal, são totalmente independentes, ou b) o julgado penal vincula a ação civil. A solução a) é alemã; a solução b) é a dos Estados latinos (cf. Carrara, Opusculi di Diritto criminale, VII, 203; Pisanelli, Commentario ai Cadice di Procedura civile, 1,28). Com a solução b) evitam-se conflito de julgados e há economia dos juízos. A sentença penal pode exigir algum plus em comparação com a regra jurídica penal. Enquanto, nas ações civis, há margem para o juiz dizer “sim” a isso, ou a aquilo, ou “não”, na ação penal ou ele


diz “sim” a isso, ou “não”. Houve a imputação e a decisão há de ser referente ao fato, porém exageram os penalistas em pretender que não há qualquer traço de demanda, no processo penal, e sim apenas pedido de decisão. A acusação é a espécie, como a demanda civil o é no direito processual civil. Tem-se, numa e noutra, de aludir ao suporte fático e à regra de direito penal, que incidiu. O que mais diversifica o direito privado e o direito penal é que, enquanto, naquele, há o princípio de discricionariedade do exercício da ação, há, nesse, o princípio da obrigatoriedade a ação tem de ser proposta), posto que possa o Ministério Público requerer o arquivamento, ou, se assim estabelece a lei, abster-se da acusação (cf. Ciuseppe Sabatini, Tratatto dei Procedirnenti incidentali, 415 S.; Raul Alberto Frosali, Sistema penali italiano, IV, 55 s.; N. Caruíli, L’Archiviazione, 42 5.; sem razão, Giuseppe Guarneri, Le Parti nel processo pena le, 135).

§ 68. Plurimidade da ação penal 1. Direito, pretensão e ação. O direito de punir, a pretensão punitiva e a ação penal decorrem do dever que, se há democracia, assumiu o Estado perante o povo. A ação penal típica, que é a ação condenatória, não poderia exaurir a ação penal. Convém não introduzir no conceito de ação penal, stricto sensu, a ação mandamental de habeas corpus, nem a de mandado de segurança (contra ato da autoridade que supõe crime ou contravenção por parte do impetrante). O pedido de extradição e o de homologação de sentença penal estrangeira são ações para a constituição de eficácia extra-estatal. A ação de revisão criminal, à semelhança da ação rescisória de sentença ou de outras decisões, é ação para desconstituir decisão penal. Enquanto aquelas são constitutivas positivas, essa é constitutiva negativa. Trata-se de ações que se prendem à tutela jurídica, a propósito de suportes fáticos sobre os quais a lei penal incide, posto que constitucionalizados, pela relevância da finalidade e a suposição de haver decisão judicial penal. Nenhuma das ações que acima referimos é declarativa; porém nada impede que se proponha ação declarativa típica em se tratando de pedido de declaração de inexistência de delito, ou mesmo de existência. Quando a ação penal é condenatória, à técnica legislativa fica a discriminação das espécies em que a executividade é imediata (o que, de iure condendo, é o mais aconselhável), ou mediata. Se imediata, os pesos, de ordinário, são, os seguintes: (5 de condenatoriedade, 4 de executividade, 3 de declaratividade, 2 de mandamentalidade, 1 de constitutividade). O início é com a ordem de cumprimento da pena, de ofício. Se a eficácia executiva é mediata, cabe ao Ministério Público propor a ação executiva (e. g., se a pena é pecuniária). Há ação cautelar para atos instrutórios, antecipadamente provocados, como ocorre com o depoimento ad perpetuam rei memoriam, e a perícia. A prisão preventiva, a interdição provisória de direitos e as medidas de segurança podem ser concebidas como ações à parte, ou como simples medidas ao correr do processo penal. Também podem as leis tratar de contracautelas, se de alguma providência antecipadora pode resultar dano (fiança, liberdade provisória). 2.Ação penal e plurirnidade. Discutiu-se há unicidade de ação penal, ou se há plurimidade (e. g., pela afirmativa de só haver uma, Arturo Santoro, Suíla pretesa Plurimità delíazione penale, Studi in onore di Enrico Perri, 441; contra, Edoardo Massari, Lineamenti deI Processo penale italiano, 2ª ed., 30). A ação penal típica é condenatória. O juiz ou condena ou absolve. 3. Ações penais públicas e ações privadas. A divisão das ações penais em ações penais públicas e ações penais privadas apenas concerne à titularidade da ação. Critério subjetivo discrimina a legitimação ativa do Estado (pública) e a legitimação ativa de pessoa que não é o legitimado ativo nas ações penais que só o Estado pode promover. Costuma-se dizer que, ai, o legitimado, é particular. Mas esse particular pode ser entidade estatal, ou autárquica, ou paraestatal, uma vez que não seja a entidade estatal legitimada nas ações públicas. A ação penal privada pode ser somente proponível pelo ofendido (ou alguém em seu lugar), ou por pessoa que satisfaça os pressupostos subjetivos que a lei aponte, ou por alguém que seja do povo, ou de parte do povo (e. g., pelos nacionais). Aí, ampla ou restrita, a ação penal privada é popular. A privatividade nada tem, aí, com o ramo do direito; diz respeito ao sujeito, ao legitimado ativo. A ação, essa, é de direito público.


4. Ação penal preventiva. Quanto à ação preventiva penal, às medidas de segurança contra crimes e contravenções, não se pode retirar o elemento de penalidade, que elas contêm. São ações penais cautelares ou são ações civis as medidas de segurança que não se possam considerar punitivas. Tem-se de evitar a respeito, a argumentação de Silvio Ranieri (Manuale di Diritto Processuale Penale, 130). Com razão, Enrico Altavilla (Lineamenti di Diritto Processuale Penale, 31). Há ação intercalar, que fica entre a ação penal e a ação preventiva, como é a ação de medida de segurança por fato não criminoso, ação em que se examina a periculosidade (tentativa, sem que seja possível, com o meio, ou com o objeto, consumar-se o crime; ajuste, ou determinação, ou instigação, ou auxílio, se não se chegou a tentar). Se a lei permite (e é o que se há de entender) que alguém, a que se imputa crime, ou contravenção, proponha ação declarativa de inexistência de delito, a ação não e” ação penal”, remédio jurídico processual punitivo, mas sim remédio jurídico processual de proteção à pessoa. Se a pessoa apenas requer àautoridade policial a abertura de inquérito, não se há de ver, aí, ação declarativa, nem remédio juridico processual declarativo. Apenas, em vez do acusador, o acusado leva à Polícia a notitia criminis.

§ 69. Legitimação ativa 1. Propositura da “ação” penal pública. Para a ação penal pública há a denúncia pelo Ministério Público, com que se exerce a “ação” penal. Pode dar-se — o que é excepcional — que a lei atribua à autoridade policial suscitar ou iniciar o procedimento. É o que se passava nos processos sumários de contravenções. Mas, mesmo neles, o Ministério Público se inseria como órgão do Estado, na relação jurídica processual. Se o Ministério Público não oferece, no prazo legal, a denúncia, a lei sói atribuir a legitimação ativa ao ofendido, ou quem o presente, ou represente. Aí, em vez de ser o ofendido, ou quem o presenta, ou representa, o legitimado ativo, é legitimado ativo o Ministério Público, mas a legitimação ativa passa àquele, supletivamente. Se o legitimado ativo, no primeiro plano, é o ofendido, ou quem o presente ou represente, então a ação privada é inicial, e não sucessiva por falta do Ministério Público. Há também a supletividade mesmo na interposição de recurso. Cumpre advertir-se que há regras jurídicas que fazem dependente da representação (querela, queixa) do ofendido, ou de outrem, com os pressupostos legais, a propositura da ação penal pública. Com isso, satisfeito o pressuposto, não fica sem dever de exercício da ação penal o Ministério Público. A legitimação das partes concerne ao direito processual, mas supõe a legitimação de direito material, razão por que a função do Estado, por seus órgãos, para a denúncia e o prosseguimento do processo, supõe, necessariamente, a legitimação de direito material. Quanto aos pressupostos para a competência do juiz, ligam-se eles à distribuição estatal dos poderes judiciais. Aí, o Estado escolhe o órgão para poder atender àpretensão à tutela jurídica, que se não há de confundir com a sua missão de denunciar: ali, é ele o sujeito passivo da relação jurídica processual em ângulo (ofendido, autor, Estado, ofensor). Mas tem-se de levar em consideração que a ação pública é ação do Estado, porque se considerou ofendido primacial o povo. Uma vez que a ação se fez pública, pôs-se à frente da ofensa ao vitimado pelo ato criminoso a ofensa à sociedade, ao povo. Sempre que ao Estado é que se atribui a legitimação ativa para a “ação” penal, derivada do dever e do direito do Estado a cuidar da ordem pública e de outros interesses públicos, há fase inicial de cognição. Pré-existe, portanto, o direito estatal. Um órgão estatal tem de agir perante outro órgão estatal, de modo que a relação jurídica processual que se estabelece é interior ao Estado, mesmo quando se trata de medidas de segurança, que têm caráter administrativo. O dever do Estado leva à obrigatoriedade, para ele, da “ação” penal. O Ministério Público, que é o órgão, tem o dever de exercê-la, uma vez que a lei não fez dependente de ato alheio, na espécie, o exercício. E erro dizer-se, se houve tal limitação, que derroga parcialmente a legitimação ativa. Apenas se fez dependente da atividade de interessado o início da “ação” pelo Estado, ou se permitiu ao interessado iniciar. De ordinário, a lei apenas atribui a alguém suscitar ou promover a atividade do Ministério Público. Aproximou-se de tal conclusão Giuliano Vassaíli (La Potestâ punitiva, 279). Na ação penal pública, cuja competência seja de Tribunal do Júri, há a denúncia pelo membro do Ministério Público, ou a queixa com o exame da acusação pelo juiz, que não vai julgar a ação, e apenas a diz admissível, ou


não. Se houve a admissibilidade, então está como feito o pedido de condenação, de modo que, rigorosamente, o juiz apenas proferiu a sentença de pronúncia, apontando a regra jurídica penal, em que se funda a decisão. A regra jurídica penal pode não ser aquela em que se baseou a denúncia ou a queixa. Se há dados concernentes à culpa de outrem, os autos voltam ao membro do Ministério Público para o aditamento à peça inicial do processo e as diligências do sumário. Depois vem o libelo, com a referência às provas e a documentação, que é feito pelo membro do Ministério Público, se houve denúncia, ou pelo acusado, se houve queixa. Então, o defensor oferece a contrariedade. Pode acontecer que tenha de ser defensor dativo, se o acusado não providenciou. Com a sentença de pronúncia, foi admitida a acusação e estão traçados os limites para o conteúdo do libelo. É inegável que houve dois momentos dois atos de promoção da ação penal: a denúncia, ou a queixa; e o libelo. No primeiro, há exame prévio, para que o membro do Ministério Público possa apresentar ao Tribunal do Júri a acusação, dita, então, libelo, que é exposição breve como se fosse pequeno livro (liber, libellus, libeilulus). A função do Tribunal do Júri limita-se ao julgamento. Alguns sistemas jurídicos deixam margem ao Ministério Público para denúncia e alguns juristas falam, até, em “discreto direito de um perdão (1) pelo Ministério Público” (e. q., Pierre Bouzat, Traitê théorique et pratique de Droit Pénal, 587). A apreciação do interesse público, a arbítrio do Ministério Público, é de repelir-se; bem assim, o princípio da oportunidade. Há de ser dever desse órgão estatal denunciar, acusar. Quanto à autoridade policial, se a ação penal é pública, o conhecimento do fato cria-lhe o dever de abertura do inquérito. Quanto à ação penal privada, em algumas espécies de suportes fáticos seria conveniente que se abrisse o inquérito, em segredo ou discretamente, para que, no ensejo do exercício da ação penal privada, quer pelo ofendido, quer pela pessoa que o presente ou represente, quer, supletivamente, pelo Ministério Público, haja elementos probatórios, alguns dos quais, pode acontecer, sejam de fatos que se apagaram, ou se tornaram de difícil verificação.

2. “Representação . Há casos em que a ação penal pública somente pode ser proposta se determinada exigência foi satisfeita (e. g., requisição por alguma autoridade pública, representação). A técnica legislativa tem considerado pressupostos necessários, se o crime é contra a honra ou a honestidade de alta autoridade (Presidente da República, ou chefe de Governo estrangeiro), a requisição. Se a acusação pelo Ministério Público depende da chamada “representação”, trata-se de elemento que a lei considerou necessário para a propositura da ação penal pública. O ofendido, ou quem o represente, tem a legitimação ativa à delatio criminis. O Ministério Público examina o caso e acusa, ou não acusa, conforme a sua convicção; e não pode acusar pelo que não consta da delatio criminis, salvo se, na espécie, a sua atividade não depende de representação. Aliter, se a notícia provocativa se refere a série ou conjunto de delitos, como se o delito contra parente do ofensor não só atingiu àquele, mas também outra pessoa, não exigindo a lei, quanto à acusação pelo árgão do Estado, o pressuposto da representação. Quanto à representação pelo ofendido, é erro dizer-se que a pretensão punitiva somente surge quando o ofendido representa, por ter interesse na punição. A pretensão punitiva, quer do ofendido, quer do Estado, já existia. O que depende de representação é o exercício da ação penal pública, e não, nascimento da ação penal pública (a fortiori, o nascimento da pretensão punitiva). Dai a diferença entre a) a inexistência da ação penal pública se a lei só admitiu a ação penal privada, b) a inexistência de legitimação ao exercício da ação penal pública se não houve representação, e c) a inexistência da legitimação do ofendido ao exercício da ação penal privada se ainda não se extinguiu o prazo para que o Ministério Público exercesse a ação penal pública. Se foi exigida, na lei, a requisição ou a representação, o Ministério Público não pode denunciar, nem instaurar processo penal, nem, mesmo, requerer a abertura de inquérito policial. Desde o momento em que o Ministério Público propõe a ação penal, quem fez a representação não pode retirá-la, ou retratar-se. Não há mais alternativa. Na representação há postulação, de jeito que se requer com o que se comunica. Se a lei fez pressuposto para a “ação penal pública” a representação, o ato postulatório supõe a existência do ato ilícito (regra jurídica material) e dá ensejo à função do órgáo estatal, em que esse, diante dela, tenha o dever de acusar. Pode ser sem fundamento a postulação. Se não no é e o Ministério Público não denuncia, comete infração. Por outro lado, não pode ele ir além do que foi objeto da representação. O que é possivel é que se convença de existir elemento a mais que lhe permita,


conforme a lei, denunciar sem ter havido representação. Em tais casos, a denúncia pode ser feita e apenas ser preciso que haja a representação para haver a denúncia quanto ao resto.

3. Ação penal privada. O ofendido, ou quem o presente, ou o represente, exerce a ação penal privada com a queixa. Presenta quem é órgão da pessoa jurídica, pública ou privada; representa quem tem por lei poder de representar (titular do pátrio poder, tutor, curador). A expressão representação” é empregada em dois sentidos, o que leva a confusão, que se há de evitar. Nos casos em que o incapaz tem de ser representado, a representação é ato por outrem; nos casos em que se exige que o ofendido represente, para que o Ministério Público possa denunciar, de modo nenhum se pratica ato por outrem: aí, não se “representa” outra pessoa, há apenas comunicação de fato, ou de fatos. Há terceiro sentido de representação, que é o de substituição de outra pessoa, e não simples atividade por outrem e como de outrem. Então, alguém se põe, definitivamente, no lugar de outrem, que perdeu o direito, a pretensão, a ação, ou a exceção, inclusive porque faleceu (representação sucessória; representação na legitimação ativa penal, se o cônjuge ofendido morrer, ou se o demandado ofendido morrer, ou se o ascendente morrer, ou se o irmão morrer). São conceitos, portanto, distintos, cujos nomes merecem ser substituidos, para que se não misturassem representação por incapacidade, representação para comunicar fato delitual, representação substitutiva. A primeira é processual, regulada pela lei civil; a segunda nada tem com a pessoa de outrem e é somente comunicação de fato: a terceira é de direito material penal. (Quando a lei alude à representação, comunicação de fato delitual e fala de representação, em caso de morte do ofendido, ou declaração judicial de ausência, aí a comunicação é ato do processo). Depende do sistema jurídico, ao legislar-se sobre a legitimação ativa para a ação penal, dizer-se há ação penal privada, ou quais as espécies em que existe. Critério intercalar é aquele em que se faz depender de comunicação do ofendido, ou de quem o presente, ou represente, dita “representação”, o exercício de ação penal pública. Se só o ofendido, ou quem o presente, ou represente, tem a ação penal, a ação penal é privada. Se, por omissão do Ministério Público, a ação penal pode ser exercida pelo ofendido, ou pela parte que o presente, ou represente, vem à tona ação penal privada. Quando o Ministério Público é que propõe a ação penal, ela é ação penal pública, por ser o denunciante mero órgáo da entidade estatal, que é o titular da ação e da “ação”. Não se admita que ai não exista a pretensão à tutela jurídica, por ser o Estado que é o titular. Ambas as ações, a ação penal pública e a ação penal privada, são ações de direito público, ações de direito penal. A privatividade apenas concerne ao sujeito. (Evite-se o grave erro de dizer-se que todas as ações são de direito público subjetivo de caráter instrumental. A publicidade depende do direito material que carimba o suporte fático, que lhe dá o colorido. A “ação” (ação de direito processual), essa, sim, é sempre de direito público, porque o processo é para o Estado prestar o que lhe exige que exerce a pretensão à tutela jurídica, que o Estado prometeu. A “ação” é que se exerce contra o Estado e esse vai contra o demandado, e — quer na ação penal, quer nas ações civis — se estabeleceu a angularidade. A confusão, ai, continua a ser feita por alguns juristas entre a ação e a “ação”). Quando, nos sistemas jurídicos que têm as duas ações penais, a pública e a privada, se entende que o Estado transferiu ao ofendido o direito que seria seu, o erro consiste em se ter partido da suposição de que só ao Estado hão de caber o direito de punir, a pretensão penal e a ação penal. Quem fez a lei fê-la em nome do povo e distribuiu o direito de punir; e o Estado e os ofendidos têm o direito que a lei lhes concede. Se a lei põe o ofendido após o Estado, para os casos de omissão do órgão estatal incumbido de acusação, então a técnica legislativa pode passar ao ofendido, totalmente, a ação (ação de direito material) e a ação penal pública, o que perfaz sucessão, ou atribui-se apenas o ius accusationis, a “ação” (ação de direito processual). Quando se dá só ao ofendido a legitimação ativa material e processual, apenas se leva em consideração na espécie que está em primeira plana o interesse particular, posto que o interesse público justifique que se insira no direito penal, e não só no direito privado, a regra juridica sobre o ato ilicito, ou mesmo o fato ilícito. Seria reprovável que o legislador não atendesse a que existe quanto de ilicitude suficiente para se considerar pena a condenação do autor do ilícito. Foi feliz Giulio Battaglini (II Diritto di Querela secondo la fltioua legislazione, 18) quando, há mais de trinta anos, frisou que, nas espécies de ações privadas, ou o Estado põe à frente o interesse privado, sem que menospreze o interesse público, ou os faz equivalentes, ou reduz de muito o interesse público. A legislação revela que se


mediram os dois interesses, e dá as soluções que pareceram adequadas. Se o legislador levou em consideração, acima de tudo, o interesse público, e não achou acertado atender, no plano do direito penal, ao interesse privado, a ação penal é a ação pública (de legitimação ativa, exclusiva, do Estado), e não há ação penal privada. Se prevê circunstâncias em que é conveniente dar legitimação ativa ao ofendido, então há curnulativídade ou supletividade. Além de tais ações privadas, há a “ação penal” adesiva, em que ofendido se põe, no plano do direito material, como titular de ação penal e adere à” ação penal” que o Estado propôs.

§ 70. Procedimento penal 1.Processo penal e relação jurídica processual. Com o exercicio da “ação” penal, há a linha entre o Estado, ou outro legitimado ativo, e o próprio Estado, que, ali, tem um órgão, que é o Ministério Público, e aqui, o órgão para a prestação jurisdicional, que é a Justiça. Depois, a relação jurídica processual se angulariza (Estado, Estado, acusado; ofendido, Estado, acusado). A missão do Estado impôs-lhe a diversidade de órgãos, quer no processo penal, quer no processo civil, quer em qualquer outro processo. Ele prometeu a tutela jurídica e a pretensão à prestação nasceu tanto para qualquer pessoa física ou jurídica, quer para ele mesmo. O Ministério Público tem apenas a função do exercício da ação penal, presentando o Estado. Aliás, o Juiz, do outro lado, também o presenta. Nos casos em que a ação penal só é ação penal privada, é erro dizer-se que o Estado transferiu a alguém o direito de acusar, a fortiori que o Estado lhe transferiu a ação penal (direito material). A lei deu ao ofendido, ou a alguém que o presente, ou represente, a ação penal e a “ação”. Mesmo se na legislação anterior quem as tinha era o Estado, a lei nova nada transferiu: retirou do Estado e deu a outrem; ou melhor, deu a outrem, o que explícita ou implicitamente apagou o que existia. Se há as duas ações, a ação penal pública e a ação penal privada, o que acontece é a plurimidade de titulares, ou sem discriminação temporal (qualquer dos titulares, incluído o Estado, tem ação penal e “ação”), ou há discriminação temporal (a ação penal privada só se irradia, ou só se pode exercer, o que depende de escolha da lei, se a ação penal pública não foi exercida, ou se esgotou o prazo). Convém que se evite a afirmação de que o Ministério Público é o titular do direito de punir, o legitimado ativo de direito material e o legitimado ativo de direito processual (dito sujeito ativo formal). Ministério Público é órgão; não é titular; em verdade, não é parte. A sua situação é semelhante a de presidente, ou diretor de sociedade personificada, que presente a sociedade personificada. Parte, no processo, é o Estado, que lhe deu a função presentativa. Apontar-se o Ministério Público como parte é deturpação do conceito de parte. Quando um Procurador da República, ou do Estado Federado, ou do Município, propõe “ação” em que figura como titular da ação de direito material (e pois do direito), não se faz parte no processo civil: a parte é a União, o Estado Federado, ou o Município; não o Procurador. Há, aí, procura (de procurare), a busca, a cura, o cuidar, antes de achar e para achar, porque o que se colima é encontrar. O procura tor cuida, cura, para outrem, porque teve esse encargo. O resultado é para o Estado, porque o figurante na relação jurídica natural é o Estado e o Procurador presenta o Estado nas “ações” Dá-se o mesmo com o Ministério Público. Minor é menor. Minus é menos. Ministrum é o servidor, o inferior. Ministeriuni é o serviço prestado, a função; administrador, ministra perto, junto. Os outros cargos, que têm o nome de Ministro, são também órgãos do Estado, e a ele servem. Tem-se dito que a legitimação passiva no direito penal só a tem as pessoas físicas. Tal enunciado somente pode ser de iure condito; porque nada impede que leis de direito penal prevejam atos ilícitos de pessoas jurídicas ou criem penas (e. g., extinção, perda de concessões ou autorizações, multas, proibições de determinados ramos de indústria ou de negócios). 2.Funções estatais no processo penal. O fato de ao Estado caber a execução das penas, quer se trate de ação penal pública quer de ação penal privada, de modo nenhum justifica que se tenha o direito de punir, o direito à pena, como exclusivo do Estado. O Estado chamou a si a Justiça, acabando, quase em tudo, a justiça de mão própria.


Mas isso apenas lhe atribuiu a tutela jurídica, a jurisdição. Outra coisa é a ação penal, que pode ser pública ou privada; ou a “ação” penal, remédio jurídico processual. Tem-se de pôr fora de qualquer acolhida que só ao Estado compete o direito à pena. Quando Estado “executa” a pena que foi imposta em ação penal privada, ou outra ação condenatória, mandamental, ou executiva, cumpre a sentença. O ofendido, que apresenta o pedido de punição, em ação privada, é o titular (ou um dos titulares) do direito subjetivo à punição, de que nascem a pretensão e a ação. Se só existe, no caso, ação penal privada, o Estado não é titular de direito de punir, de pretensão ou de ação. Com a sentença condenatória, tem ele, pelo órgão sujeito à eficácia da sentença, de cumprir. E absurdo escrever-se que, nas ações penais privadas, o direito é do Estado. A entidade estatal serviu ao Príncipe; serviu, depois, ao Povo. Titular é ele, pois tal missão lhe foi dada pelo poder estatal, poder de fazer Estado. Se a ação penal só é privada, titular é o ofendido. Repila-se falar-se, aí, de substituição processual. O ofendido não substituiu: foi e é o único titular. O Estado, através do Ministério Público, intervém nas ações civis correspondentes a ação penal pública, ou mesmo as promove, se ação penal pública supõe estado civil, porque aí se tem de haver a decisão para se afastar a controvérsia. Houve suspensão da ação penal pública, ou poderia haver, e o Estado não substituiu: o Estado passa a ser titular de ação civil, porque o julgado é indispensável à questão criminal. Passa-se o mesmo se o Ministério Público pedia sequestro de bens adquiridos com o produto do delito, ou a hipoteca legal, ainda se a razão é a pobreza do ofendido. Outro erro é dizer-se que é substituto processual o curador, que se dá ao menor ou a doente mental. (Maior ainda é o de incluir-se em lista das chamadas substituições processuais o titular da ação popular, inclusive de habeas corpus). Se, falecido o condenado, durante a ação de revisão criminal, se nomeia curador para a defesa, há atribuição sucessiva de titularidade: quem faleceu deixou de ser titular; outrem se põe no lugar vazio. Mas, ai, depende da concepção do legislador como se há de classificar a espécie. As penas invadem o patrimônio ou a pessoa humana em si, em alguns do seus delitos. Daí a incolumidade da defesa, para que só se puna com ato judicial. que seja da competência de quem examina e decide, e no qual se observem todas as exigências legais, vindo, acima de todas, as exigências constitucionais. Quando alguém comete o delito, nascem para o ofendido ou para o Estado, ou para ambos, o direito à punição, à pretensão e à ação. Desde o momento em que se denuncia ou se querela,foi exercida a “ação”, remédio juridico processual, o qual, com a angularidade da relação jurídica (Estado, ou ofendido, juiz, que é órgão do Estado, e acusado) leva à prestação que o Estado prometeu com o monopólio da tutela jurídica e a criação da pretensão à tutela jurídica. A relação jurídica processual depende do exercício da “ação”, remédio jurídico processual. O Ministério Público, que apenas presenta o Estado (e é fora de qualquer possibilidade dizê-lo órgão judiciário, como fez Giuseppe Sabatini, II PubblicoMinistero nel Diritto Processuale Penale, 1. 5), recebe desse a função de promover a ação penal pública e levar ao termo o procedimento. A pessoa legitimada passivamente na ação penal defende-se como qualquer sujeito passivo em relação jurídica processual. Há, qualquer que seja a espécie de processo (civil, penal, administrativo), a resistibilidade à pretensão do autor. Diz-se, no processo civil, contrariedade; no processo penal, defesa, posto que às vezes se empregue a expressão “contrariedade” (e. g., o libelo). O acusado tem a mesma pretensão à tutela jurídica. Não foi ao acusador que o Estado prometeu. A posição deles, ativa ou passiva, não importa. O tratamento há de ser igual. Ambos pedem: uma, a condenação; o outro, a absolvição ou outra solução que reduz o pedido do autor. A angularidade da relação jurídica processual não se há de exprimir, como na Idade Média, com a posição do juiz em primeiro ou no último lugar iudex, actor, reus; (ou accusator, accusatus, iudicia). A relação jurídica processual é entre três pessoas: actor (ou accuscitor), iudex, reus (ou accusatus). 3.Pronúncia e impronúncici. A decisão de pronúncia, ora é dita, nas leis, sentença, ora despacho; bem como na de impronúncia, há julgamento não-pleno. A non plena cognitio deixa atenta a possibilidade de serem apresentadas outras provas. Tal é o que também acontece com a comrninatio, de que o juiz expediu o mandado, nas ações cominatórias (Comentários ao Código de Processo Civil de 1939, Tomo V, 2ª ed., 12). Outros exemplos: o do adiantamento de execução, em se tratando de títulos extra-judiciais (Tomo XII, 388 e 421); o do despacho de processamento da concordata (Tratado de Direito Privado, Tomo XXX, § 3.455, 4; 3.467, 2; 3.493, 1; 3.496, 2; 3.498, 1); o de habilitação de herdeiro, pois outra pessoa pode apresentar-se (Silvestre Comes de Morais, Tractatus de Executionibus, III, 120; Manuel Mendes de Castro, Practica Lusitana, 1, 98; Feliciano da Cunha França, Additiones aureaeque Ilustrationes, 1, 195).


Quando se acolhe a pronúncia, ou quando se repele, a eficácia declarativa foi apenas de 2, razão por que se pode elevar, ou baixar, dando ensejo, ou não, à condenação. Não se declarou haver o delito, ou não no haver, apenas se disse ter-se junto prova talvez insuficiente, ou não haver qualquer prova que pudesse bastar.

4. Arquivamento. Quando se requer o arquivamento do processo penal (qualquer que seja o nome que na lei se lhe dê), o despacho do juiz é ato interior do processo penal, e não em “ação” de arquivamento, o que os sistemas jurídicos não conceberam (sem razão os que no pedido de arquivamento vêm “ação embutida”, posto que a lei pudesse, até, exigir outra “ação”). O sistema jurídico pode redigir regras jurídicas que a) reduzem o arquivamento a decisão do juiz às vezes de ofício, porque pode, desde logo, com ou sem requerimento, julgar a improcedência (o que entendiam, a priori, Longhi, Dizionario penale, 128 s., e Arturo Santoro, Manuale di Diritto Processuale Penale, 142); ou b) o fazem autorização (ou permissão do juiz) a não mais se exercer a ação (Francesco Carnelutti, Richiesta d’archiviazione di denuncia penale e sospensione deI processo civile, Rivista di Diritto Processuale Civile, VIII, 228), ou aprovação (Crieco, Osservazione sul decreto di non doversi promuovere l’azione penale, Civ risprudenza Pena le, 1954,11, 110 s.); ou c) o considerem como decisão declarativa, à semelhança da sentença final de improcedência da ação (Caetano Foschini, L’Archiviazione, Rivista Italiana di Diritto Pende, 1952, 123); ou d) o concebem como a condição já implícita no pedido de aplicação da pena (Pisapia, Pressuposti e limiti deI decreto de non doversi procedere, 1954, 175, o que é de exprobrar-se) ou e) o separem a ponto de fazê-lo objeto de outra ação. (G. Conso, Provvedimento di archiviazione, Rivista Italiana di Diritto Penale, 1950, 331). De iure dendo, a melhor solução é a que evita outro processo e, pois, outra “ação”, e aponta o julgamento de ofício como declaração suficiente. Arquiva-se o inquérito ou qualquer outra peça que seja notitia cri mm is. Não se impede, com isso, que, diante de outros informes, se proceda a outras pesquisas. Se extinguiu a punibilidade, deve o juiz ir além: declarar extinta a ação penal, quer pública, quer privada. Se faltava, ou já falta, algum elemento do suporte fático, para que incidisse ou se aplique a regra jurídica penal, o princípio da legalidade exige que se requeira o arquivamento da notitia crimin is. Ou não era de crime que se tratava, ou deixou de ser aplicável a lei. Pode bem ser que o juiz de inicio, ou antes de qualquer requerimento do Ministério Público, determine o arquivamento. Nada tem com isso o Ne procedat iudex ex oflicio, porque o procedimento por outrem já houve, e tem ele de respeitar, no caso, a lei. Cumpre frisar-se que requerer arquivamento não é desistir. O Ministério Público, que tem o dever de denúncia, pode verificar que não havia ou não há o suporte fático de regra jurídica penal em todos os seus elementos, e requerer o arquivamento; nunca, desistir, nem da ação penal que ele propôs, ou que outro membro do Ministério Público propôs, nem sequer, desistir de recurso já interposto. O dever do Ministério Público nasce se as informações, as noticias, ou as investigações mostram que completo está o suporte fático, para que se tenha como incidente a lei. Se os dados informativos, ou investigativos, não bastam, a insuficiência deles justifica o não-exercício. Não se exerce ação penal que não se sabe se há. O Ministério Público tem o dever de apreciar o que se reputa infração e de denunciar, se convenceu da delitividade do que ocorreu, ou entende que há grande possibilidade de ter ocorrido. Para o requerimento de arquivamento, o Ministério Público há de apontar as razões para a sua atitude, que tem por fito afastar a denúncia; e ao juiz cabe examiná-las. A lei tem de dizer se a decisão é recorrivel, inclusive de oficio, ou se o não é. Quem examina o caso para o arquivamento é o juiz. O Ministério Público pode não ter tido razão ao pedi-lo; e ao juiz é que incumbe decidir, e pode enviar a outro órgão do Ministério Público, que a lei aponte, o que foi objeto do exame. Nada obstaria a que a lei desse ao juiz a solução de se abrir a instrução formal. Tem-se de atender a que a decisão do juiz tem os seus pesos, embora se trate do mesmo processo. A decisão, como ocorre com a que se profere em caso de desistência da ação civil, é de força constitutiva negativa, eficácia imediata mandamental e eficácia mediata declarativa (prévia). 5. Denúncia e queixa. O exercício da “ação” penal ou se inicia com a denúncia pelo Ministério Público, ou pela queixa, que faz o ofendido, ou alguém por ele, ou pela pessoa que o presente ou represente. A renúncia pode ser rejeitada liminarmente (se o fato não é crime, se falta a legitimação ativa para a ação penal pública, ou para a ação penal privada, se não houve, sendo exigida, a “representação” ao Ministério Público, ou a “requisição” pela


autoridade competente; ou se, para a “ação” penal era preciso ter havido sentença civil trânsita em julgado). Quando se pede ao e, pois, a condenação do do Ministério Público, ou juiz a aplicação da regra jurídica penal acusado, há denúncia, se a função éa queixa.

§ 71. Causas de extinção por ato do legitimado ativo 1. Precisão. E de relevância acentuar-se que não há, nas ações penais privadas, o principio de obrigatoriedade, que aparece nas ações penais públicas. O Ministério Público, nessas, tem o dever de denunciar. Na ação penal privada, o ofendido pode deixar de propô-la, e transcorre, então, o prazo para isso. Pode renunciar à ação e, mesmo após a constituição da relação jurídica processual, perdoar. Ainda pode ocorrer, por sua omissão no prosseguimento, a perempção da instância. A renúncia pode ser anterior ou posterior à propositura da ação penal privada; e não convém importar-se a distinção entre renúncia e remissão (e. g., Alberto Candian, La Querela, 249), expressão que se liga a remittere, e não a perdoar. Remite-se dívida, com a entrega do título, ou outro ato que signifique, em sua eficácia, pagamento. A remissão é ato de disposição, sem ser negócio jurídico causal. Perdoar já supõe elemento causal. A renúncia é unilateral; a remissão pode ser unilateral, ou não. Quem renuncia a uma dívida remite unilateralmente. Empregar a expressão “perdão” como se fosse remissão seria dar conteúdo que a remissão não tem, e chamar “remissão” ao perdão é esvaziar a esse do que o define. Perdão é ato jurídico stricto sensu (nosso Tratado de Direito Privado, Tomo II, §§ 159, in fine; e 240, 1, e 5). Não se há de confundir com a renúncia, que é negócio jurídico: perdão não é negócio jurídico (cf. G. Lúttgert, Die Verzeihung im Ehescheidungsrecht, Zeitschrift 11h Kirchenrecht, X, 95; Theodor Kipp, Der Parteiwille, 23, nota 5; Pritz Friedmann, Rechtshandlunq, 41; Eduard Freudenberg, Die Verzeihung, 16 s). O perdão tem o efeito de fazer caducar o direito de quem perdoa. O direito perde-se, cai, em virtude de ato jurídico stricto sensu do titular. Tal é a definição mesma dessa espécie de caducidade. Ponha-se em relevo que só importa a eficácia jurídica (negativa) do perdão. Em lei — como aconteceu com a lei brasileira — que fala de “perdão” aceito, porque, se não aceito, é ineficaz, tal concepção emprega “perdão” em vez de “desistência”, transforma (e deturpa) o conceito, que é de direito material, em conceito de direito processual (mesmo no direito italiano, cf. Ottorino Vannini, Manuale di Diritto Processuale Pena/e Italiano, 26). Se há, na lei, alusão a perdão, depois de iniciado o processo, tem-se de fazer referência a isso (e. g., “perdão no processo, ou fora dele”, “perdão em juízo”), porque pode haver perdão antes do exercício da ação. A referência a “recusa” de perdão é erro de terminologia; aí, o que se recusa é a desistência da ação. Considerar o perdão ato juridico bilateral é erro grave. 2. Renúncia e desistência. A renúncia é relativa à ação; a desistência, a exercício da “ação”, ao exercício do remédio jurídico processual. As legislações ainda revelam superficiais conhecimentos da “ação”, do exercício da ação, e do que pode ocorrer, durante o procedimento, no tocante à ação e à “ação”. 3. Perdão. Perdoar é dar completamente. O que se cometeu tem de ser desfeito igualmente. O ato de perdonare, doar por cima, apaga tudo a que corresponde. Perdão é assunto de direito material e já João Mendes de Almeida Júnior (O Processo Criminal Brasileiro, II, 509 s.) elogiou o Código Penal de 1890, porque, “tratando-se de causas extintivas do direito de punir, certamente que a definição e enumeração delas não se podem confundir com os atos, termos e autos que constituem o processo”. E acrescentou; “Os jurisconsultos alemães, entre os quais Franz von Liszt, assinalam que estas circunstâncias extíntivas da pena, ocorrendo depois da prática de uma ação punível, não se confundem com as circunstâncias escusantes e justificantes, nem com as circunstâncias meramente processuais. A morte do culpado, a morte do ofendido, ou a desistência nos crimes de exclusiva queixa privada, a prescrição, a graça e a anistia são consideradas causas extintivas da ação ou da condenação e, por isso, pertencentes ao direito penal material. As leis do processo incumbe apenas determinar os atos e a forma por que em juízo devem ser propostas, provadas e julgadas tais causas”.


O perdão, na terminologia científica, pode ser antes, durante ou depois do processo (já houve a condenação). A lei tem de dizer quando cessa a inadiabilidade da eficácia do ato (e, g., com o trânsito em julgado da sentença). Dizerse que o perdão é negócio jurídico bilateral, que depende de aceitação do acusado, é dar-se nome impróprio, porque perdão não é negócio jurídico, nem é, sequer, ato jurídico stricto sensu bilateral. No Código Criminal do Império (1830), art. 67, dizia-se, com toda a exatidão e clareza: “O perdão do ofendido antes, ou depois da sentença, não eximirá das penas, em que tiverem ou possam ter incorrido, os réus de crimes públicos ou particulares. em que tiver lugar a acusação por parte da Justiça”. O Decreto de 14 de outubro de 1854, arts. 8 e 10, e o Decreto de 28 de março de 1860, art. 59, cogitaram do perdão pela autoridade competente, como sempre ocorreu. Se a ação é ação penal privada, o perdão extingue-a (cf. Manuel Lopes Ferreira, Prática Criminal, Porto, 1767, 156: nos delitos privados tão longe está de ser necessário o indulto do Príncipe, que, havendo perdão da parte, logo o Réu fica absoluto da culpa, e da pena”). José Antônio Pimenta Bueno (Apontamentos sobre o Processo Criminal Brasileiro, 4ª ed., 373): “O perdão, desistência ou transação da parte em ação puramente provada faz também cessar o procedimento criminal”.

§ 72. Ação penal popular 1. Precisões. Na técnica legislativa, constitucional, ou a) se estende ao povo a legitimação ativa à ação penal popular (ação penal cujo titular é qualquer pessoa que integre o povo); ou b) se deixa à lei ordinária dizer quais os pressupostos para tal ação penal; ou c) se afasta a concepção da ação penal popular. Quando ocorre c), o caminho que resta é o da representação ou petição às autoridades. Aí, não há exercício de ação penal. Aliás, a Constituição Política do Império, arts. 179, § 30, e 157, caracterizava a distinção. Tem-se hoje a representação e a ação popular desconstitutiva, que não é penal. 2. Solução “de lege ferenda” e solução “de lege lata”. Em direito condendo, tudo aconselha a que se deixe a qualquer pessoa, a quem quer que seja elemento do povo, a legitimação ativa para as ações penais, em determinadas espécies. O legislativo teria de examinar as eventuais circunstâncias em que seria de interesse do povo que qualquer pessoa pudesse, diante de determinadas figuras criminais, denunciar. E, em vez do povo, que o Estado denuncia, por intermédio do Ministério Público; nada mais óbvio que deixar permanecer com o povo a legitimação ativa, que ele passara ao Estado, ao admitir o monopólio da Justiça e função estatal da “ação” penal pública. A publicação da ação penal atende a que os interesses são essencialmente públicos. É erro dizer-se que a publicidade começa com a “ação”, isto é, ao se tratar de incidência do direito processual penal. Antes, com a ação penal, que é de direito material e nasce com o delito, já se caracterizou a publicização. Nasceram o direito, a pretensão e a ação. Publicizou-se a ação porque já se havia publicizado o direito material. Quando se fala de ato criminoso, alude-se a ato que pode ser complexo, plúrimo, e não único, razão por que acertado fora Baldo de Ubaldis, quando cuidou da L. 4, C., de fugitivis servis et libertis, 6, 1, e escreveu: “non coacervatione, ut lapides acervum, sed vera substantia, ut syllabae dictionem unum Também se há de pôr de parte a necessidade de referência a esforço interno (cf. Blondel, L’Azione, II, 178), bem assim a ligação inexceptuada à vontade, pois a omissão, o ato negativo, pode ser simplesmente lesivo, sem ter sido voluntário. O sistema jurídico é que estatui sobre a entrada do efeito do comportamento no mundo jurídico (á. August Káhler, Die Crenzlinien zwischen Idealkonkurrenz und Cesetzkonkurrez, 16; e Francesco Antolisei, L’Azione e l’Evento nel reato, 37). A lei é que aponta os fatos que se consideram crimes, por suporem inação. Trata-se, então, de fatos jurídicos ilícitos estricto sensu, que de modo nenhum se podem confundir com os atos jurídicos ilícitos, ou com os atos-fatos jurídicos ilícitos. Nos atos jurídicos ilícitos estão incluídos negócios jurídicos, mas tem-se de advertir que esses entram no setor penal do mundo jurídico como atos ilícitos, o que infelizmente não se tem frisado. As divergências que surgiram (por exemplo, entre os que negam,


peremptoriamente, que o negócio juridico possa ser ato ilícito criminoso, como B. Windscheid, Lehrbuch, 1, § 69, nota 1, 9ª ed., 310 s., e E. Florian, Diritto Pena le, Parte Generale, nº 290, e os que sustentam a afirmativa, como Heinrich Dernburg, Das búrqerliche Recht des deutschen Reichs und Preussens, 1, § 123, e Francesco Carnelutti, Teoria generale deI Reato, 27), resultaram de não se distinguir o suporte fático da regra jurídica penal e o delito. O negócio juridico pode estar, válido ou não, no suporte fático de regra jurídica que diz, com os elementos componentes, haver o crime. Dai ser absurdo pretender-ser impossivel que um mesmo fato se apresente como negócio jurídico e como crime (e. g., Raul Alberto Frosali, Sistema Penale Italiano, 1, 209). São frequentes os casos. Vamos aos exemplos: o procurador da empresa, que tem poderes para determinado contrato, ou determinados contratos, recebe ordem de não o concluir, por ter havido revogação, mesmo se já ocorrera contato com o terceiro, e assina o documento (negócio jurídico válido, tnas, como ato negocial criminoso, entrou no setor penal do mundo jurídico); pessoa casada, que se diz solteira, casa-se com a que acreditou no que dizia e assinou o ato de casamento (negócio jurídico nulo, que passa ao setor penal do mundo juridico). O ato jurídico, qualquer que seja, que é elemento do suporte fático de regra jurídica penal, está num setor e penetra no outro, como quem residisse numa zona da cidade e instalasse outra residência noutra zona. O ato jurídico (não só o negócio jurídico) pode ser o elemento único do ato delituoso ou ser um dos elementos, mas a primeira espécie dificilmente pode ocorrer, por ser, quasempre, um deles o dolo ou a culpa.

§ 73. Eficácia da ação penal 1. Ações penais e sua eficácia. Quase todas as sentenças em ações penais são condenatórias. Há, sempre, a sanção penal, porque se supõe a lesão. Não se diga, porém, como fez Karl Binding (Grundriss des gemeinen deu tschen Strafrechts, W ed., V), que a sanção, que supõe a lesão, seja sempre de direito penal. O direito privado também a tem. As ações penais são, quasempre, conforme dissemos, ações condenatórias (reclusão, prisão, multa), com possíveis conversões. A perda de função pública, a incapacidade temporária para investidura em função pública, ou para alguma função privatística (marital, ou de pátrio poder, tutela ou curatela), ou profissão ou atividade, e a suspensão de direitos políticos, são penas acessórias, com eficácia desconstitutiva. As próprias medidas de segurança impostas em sentença de condenação, ou de absolvição, são condenatórias, quer as medidas sejam pessoais (detentivas. de liberdade vigiada, de proibição de frequentar determinados lugares ou de sair fora da hora), quer patrimoniais. Quando alguns juristas querem classificar as ações conforme as sentenças é ilegitimo, porque a ação como tal não declara. nem constitui, nem condena, confunde-se ação, que é a que se exerce (ação de direito material) com a “ação” que se propõe (“ação” de direito processual). A sentença ou reputa com razão o exercício da ação, ou não o reputa com razão. A “ação” pode ter sido exercida com todos os pressupostos processuais e não ter razão o exercicio da ação, da qual alegou ser titular o autor. Por exemplo: A propôs a “ação” ordinária para decretação da nulidade do contrato, e não foi nulo nem o é o contrato. A sentença não se refere a’ “ação” mas à ação. 2. Ação penal e “ação” penal. Dizer-se que, nos sistemas jurídicos penais de hoje, não se deve (ou não se pode), estender (ou inserir) no direito material o conceito de ação penal, é erro grave. Há a ação penal e há a “ação” penal (cp. Giovanni Leone, Lineamenti di Diritto Processuale Pende, 50 5.; Giuseppe Sabatini, II Pubblico Ministero nel Diritto Processuale Pena le, 11, 118 s.; O. Vannini, Manuale di Diritto Processuale Pena le, 23 s.; Silvio Ranieri, Manuale di Diritto Processuale Pena le, 108; G. Belíavista, Lezioni di Diritto Processuale Pende, 29 5.; Raul Alberto Frosali, Sistema penale italiano, IV, 55 s.). O argumento, de que mais servem, de não haver discricionalidade para o titular da ação penal, se tem a notitia crimin is, é insuficiente. A diferenciação apenas concerne à função pública. O fato delituoso gera a ação, de direito material penal; se a “ação” penal (= de direito processual penal) foi proposta, o juiz pode dizer que há ou que não há a ação de direito material. Ser obrigatória, oficial e pública a “ação” não lhe retira a natureza, nem se há de afastar que haja “ações’ privadas, em que a obrigatoriedade não aparece, posto que, com isso (e ai concordamos com Karl Birkmeyer, Deustsches Strafprozessrecht, 68) se diminua a eficácia intimidativa da lei penal. Se a pena, em determinadas espécies, não é consequência necessária da lei, mas apenas possível, tal atitude do legislador não faz de direito privado o que a lei penal estatuiu. 3. Processo penal cautelar. Com o processo penal cautelar, antecipa-se, provisoriamente, a eficácia da decisão principal, para que não fique atingida. Uma das espécies é a prisão preventiva; outra, a aplicação provisória de


interdição de direitos; e há também as medidas de segurança. Outro exemplo tem-se no depoimento ad perpetuam rei memoriam e na perícia complementar, se incompleta, ou defeituosa, a anterior. O pedido leva à ação principal a pretensão à tutela jurídica, e há ação penal embutida, ou simples ato processual, inclusive simples ato instrutivo. Nem sempre se há de falar de “ação”. O requerimento de prestação de fiança não é propositura de ‘ação”; requer-se, dentro do processo penal, substituição de medida judicial, como ato processual.

4.Precisões sobre a eficácia sentencial. De início temos de advertir que há penas em sentido estrito, que é o do direito criminal, e as penas, que aparecem noutros ramos do direito. A ação penal típica é condenatória, com eficácia executiva imediata, razão por que não se precisa propor outra ação. O mandado de prisão, ou outro semelhante, apenas é ato para a execução. A executividade está na última fase do processo penal, porém sem que se crie outra relação jurídica processual. Alcança as penas principais e as penas acessórias; bem como os efeitos sentenciais que não são penas. Quando o sistema juridico tem, quanto às penas pecuniárias, regras jurídicas que permitam a prorrogação do prazo para o pagamento da multa, ou que esse faça em quotas, e não houve adimplemento, a certidão da sentença condenatória é portadora do efeito executivo imediato (3) e dá início, com o ato do Ministério Público, à ação executiva sobre os bens do condenado. Se o condenado não tem bens que bastem para a execução e presta, na prisão, trabalho remunerado, basta o mandado para desconto da fração legal da remuneração. Pode isso acontecer dentro da ação executiva, em que se verificou a insolvência, ou, se já conhecida, por simples medida mandamental. 5.Coisa julgada. A coisa julgada das sentenças civis é, em princípio, relativa, somente concernente às partes. A coisa julgada, no processo penal, por ser objetivo, e não só subjetivo, o limite, tem eficácia erga omnes. O povo, através do Estado, foi parte, o que já no começo do século pusera em relevo Arturo Rocco (Tratatto della Cosa giudicata come causa di estinzione dell’azione penale, nº 119).

§ 74. Suspensão condicional da pena 1.Dados históricos. A suspensão condicional da pena não extingue a punibilidade. Suspende-se a aplicação da regra jurídica, porque outra regra jurídica o permitiu. Abre-se período de prova, que, extinto, extingue a punibilidade. A decisão judicial a respeito da suspensão condicional deu margem à extinção da punibilidade, não a extinguiu. É inconfundível com a severa interlocutio do direito romano (cf. Paulo, D., de oflicio praefecti vigilum, 1, 15), da admoestação judicial justinianéia (L. 19, C., de causis, ex quibus infamia alicui inrogatur, 2, 11) e da própria monitio canonica. com que se parece. Passos além deu o Estado de Massachusetts, em 1869, em 1888 e em 1891. Dera-os a Inglaterra, com o Juvenile Offenders Act, em 1847, o Summary Jurisdiction Act, em 1879, e o Probation o! First Qffenders Act, em 1886, e o Probation ol Offenders Act, em 1907. A suspensão condicional da pena foi acolhida na Bélgica, em 1888; na França, em 1891, após sete anos de discussão; na Suiça, em 1891 (Cantão de Neuchatel) e depois (Genebra, 1892; Vaud, 1897; Valais e Ticino, 1899), até que a lei federal a estendeu a todo o território; em Portugal, em 1893; na Noruega, em 1894. 2.Soluções legislativas: suspensão do processo e suspensão da pena. Quer: a) o sistema jurídico tenha a suspensão do julgamento, de modo que não há a condenação e apenas persiste o processo, quer b) estabeleça a necessidade de se julgar e se suspenda a eficácia da sentença, a suspensão condicional atende a tratamento mais adequado do ser humano. A decisão, na técnica jurídica a), retarda o julgamento e talvez mesmo o venha a excluir; na técnica jurídica b), dá ensejo ao condenado a que se porte como deve, para que a condenação totalmente se esvazie. Ali, em verdade se cerceou a ação penal; aqui, apenas a eficácia da sentença condenatória. O juiz, na técnica jurídica b), leva ao delinquente a regra jurídica que, indulgente, lhe permita sair da situação em que a sentença o pôs. O que se suspende é a eficácia da sentença. Há a condição: não haver reincidência. Não se diga que se suspende a aplicação da regra jurídica penal; suspende-se a irradiação de efeitos. Se a condição foi implida, como


acontece a todas as condiciones resolutivas, a) e 14 acabou a ação (de direito material), b) embora a “ação” (de direito processual) já tenha acabado, porque apenas se fez condicional a própria condenação; aliter, a) na suspensão do decisum, em que somente com o implemento da condição, ou das condições, a “ação” acaba. Evitouse, sob condição, b) a imposição da pena. Não se há de confundir com o livramento condicional, que se dá ao delinquente condenado e já em cumprimento da pena. Foi deferido o pedido para que não continuasse a prisão. Interrompe-se o cumprimento, ao passo que, se houve suspensão condicional, nada se cumpriu como efeito da decisão. 3.Eficácia sentencial. A eficácia sentencial é da sentença condenatória, de modo que não se há de pensar em eficácia de sentença posterior, o que ocorreria se tratasse de reabilitação. O juiz apenas aplicou a lei, satisfeitos os pressupostos para a suspensividade. Se, depois, há decisão de resolução, dita “revogação”, da suspensão, então sim adveio a eficácia declarativa do implemento da resolutiva condicio, se cogente a regra jurídica a respeito, ou desconstitutiva, se foi deixada ao exame do juiz. Aí, ele retira, para não ser ipso iure a revogação. 4.resolução e “condicio”. A condicio é resolutiva porque o elemento superveniente é que desfaz o que, no plano jurídico, se fez. Com o implemento da condicio, ou a lei impõe ao juiz a retirada da suspensão, que se tem chamado “revogação , ou deixa a decisão ao exame do juiz, sem a cogência, que é o que mais ocorre. À obrigatoriedade sempre se há de atender se o que resulta de trânsito em julgado de outra sentença condenatória é inafastável. Pode ter ocorrido no estrangeiro (cf. Philipp Thormann — Alfred von Overbeck, Das Schweizerische Strafgesetzbuch, 172); mas depende da lei brasileira quanto àimportação de efeito da sentença proferida no estrangeiro. Na técnica processual penal, a suspensão condicional exige, para a sua eficácia, a comparência do legitimado passivo, para que ouça o enunciado das condiciones, receba a advertência judicial e delibere sobre a aceitação ou recusa. Se não é encontrado, qualquer que seja o motivo, há o edital, salvo alegação e prova de justo impedimento. Se estava preso, cabe ao juiz providenciar, para a apresentação em juízo, conforme a lei. Se não há a comparência a despeito das providências lavra-se a certidão e o juiz marca prazo para a prova de justo impedimento.

§ 75. Reabilitação 1. Reabilitação do condenado. Nos fins do século XIX começou a tendência, com fundamentos de educação e de psicologia, além da atenção à dignidade humana, sabendo-se que em parte a sociedade é responsável pela aparição de delinquentes, a suprimir-se ou restringir-se a pena que foi imposta. Também se levou em consideração que, admitida a eficácia da reabilitação, se sugere ao penitenciário que se corrija, e — ainda mais — se concorre para a diminuição da periculosidade. Nada tem a reabilitação com a restitutio in integrum, no caso de condenação injusta, que conforme o sistema jurídico, pode ser afastada em recurso, ou em ação. O reabilitado não foi injustamente condenado, nem se há de pensar em invalidade que dê causa à decretação de nulidade ou de invalidade. Trata-se de julgamento de posterioridade de inabilitação, com eficácia desconstitutiva ex nunc. A decisão de reabilitação do condenado é constitutiva negativa, com a prévia declaratividade, concernente ao pressuposto para se considerar reabilitado. O que se retira é o peso da condenatoriedade, peso que volta se há nova condenação, conforme o que estabeleça a lei. Posteriormente, pode isso ocorrer, ou não ocorrer. A decisão, que então se profere, tem a declaratividade prévia, mas a eficácia preponderante é constitutiva, tal como acontece com a sentença favorável na ação de revisão criminal e na ação de rescisão de sentença. Considerá-la sentença declarativa (~ preponderantemente declarativa) é erro grave, porque a desconstitutividade está à frente (sem razão, por exemplo, Guglielmo Sabatini, Principii di Diritto Processuale Pende, 415). A reabilitação não extingue a pena condenatória, razão por que, se ocorre reincidência, a eficácia sentencial penal ressurge. Os efeitos alcançados são os da condenação, temporários ou não, inclusive exercício de determinada profissão. As medidas de segurança não são efeitos penais. De modo nenhum se pode dizer que a reabilitação apaga o delito. O que se apaga, o que se desconstitui, é a eficacia sentencial da condenação, com a possibilidade de reaparecer se há novo crime, ou outro fato que a lei


preveja. A eficácia sentencial na decisão de reabilitação é a seguinte: 5 de constítutividade; 4 de mandamentalidade (pois não se precisa de outra ação para desconstituir ou constituir efeitos do novo status); 3 de declaratividade; 2 de condenatoriedade; e 1 de executividade. 2. Desconstituição da eficácia. A reabilitação, que causa a extinção e eficácia da pena, com a sua diminuição, conforme a técnica do sistema jurídico, pode deixar de produzir o efeito desconstitutivo que produzira; e então cabe ao juiz decretar tal retirada total ou parcial, da eficácia sentencial em que se desconstituíra. É o que se tem chamado, sem a necessária precisão terminológica, ‘revogação da (decisão) de reabilitação”. Não se há de confundir a revogação, que diz respeito ao suporte fático dos negócios jurídicos, quando esse suporte fático contém, necessariamente, vox e o desfazimento, a desnegociação, que não é a terminação (extinção pelo inadimplemento, ou pela superveniência de regra jurídica nova, que faça terminar, ou desaparecimento de elemento necessário do suporte fático). Revogação (Aúfhebung) causa desfazimento, porém o emprego da palavra exige que se aluda a vez, que se retira. No caso de decisão de reabilitação, houve desconstituição de efeitos da delituosidade, cuja regra jurídica fora aplicada. Com o acontecimento posterior, que a atinge, decide-se que os efeitos se constituem, com a desconstituição da própria desconstituição beneficiante. 3.Ações sem preponderância da condenatoriedade. A rescisão criminal, como a ação rescisória da sentença, desconstitui. A ação de habeas corpus é mandamental. Nessa, mesmo se o fundamento da petição foi o de extinção da punibilidade, a mandamentalidade vem em primeiro lugar. O elemento declarativo éa eficácia mediata. Nada impede que se proponha açõo declarativa para se dizer que o crime não existe. Tem-se, porém, de ir ao juízo criminal, com os pressupostos de funcionamento dos órgãos do Estado. Embora o sistema jurídico não haja aberto a porta, explicitamente, a tal exercício de pretensão à tutela jurídica, convém que se não limite ao direito processual civil a ação declarativa tipica.

Capitulo XIV Ação do vendedor, com reserva de domínio, para haver o preço

§ 76. Conceitos e dados históricos 1. “Pactum reservati dominii”. O nome, moderno e não romano, de pactum reserva ti dominti, corresponde ao negócio jurídico pelo qual, na venda e compra, o vendedor se reserva o domínio, entregando ao comprador a posse livre e exclusiva. Mas essa tradição, esse transferir da posse imediata (pois ressalta não se tratar de vacuam possessionem tradere), não exauria o conteúdo do pacto, nem no exaure hoje em dia. A coisa era “vendida”. A cisão entre efeitos de direito das coisas e efeitos de direito das obrigações, ainda mais — entre efeitos de posse e efeitos de direito da propriedade, entre efeitos do usus e efeitos do abusus, permite cortar-se a propriedade, ficando o “domínio” ao vendedor, sem necessidade de se recorrer à condição resolutória, ou ao contrato de locação. Construía-se como tradição da posse precária, com riscos e perigos a cargo do comprador. Tal o que a concepção da época podia construir. No direito grego, as vendas ficavam dependentes do pagamento do preço, tal como em Roma, de modo que não


existia pacto, nem Roma o teve. Existia alteração no sistema ou concepção da conclusão do contrato de venda e compra, provavelmente introduzida no direito romano pelo lus gentium, isto é, pela sugestão do trato com estrangeiros. Na verdade concepção romana, o contrato de venda e compra é contrato em que a pretensão, que dele nasce, é pretensão contra prestação, donde a exceptio non adimpleti contractus. A obrigação do comprador (contraprestação da coisa) é obrigação de dar o preço, obliga tio dandi; a do vendedor (contraprestação do preço) a de fazer a tradição, obligatio faciendi. Não rem dare, como hoje; mas só mm tradere. A diferença é sutil, mas relevante. A aquisição da propriedade dependia da tradição. De modo que a execução do contrato, e não a conclusão, transferia. A regra legal de que, sem estar pago o preço, não se transferia o direito de propriedade, nada tinha, portanto, com o contrato, e sim com a iusta causa da tradição — consultava, segundo B. W. Leist (Mancipationu. Eiqentumstradition, 46 s., 199 s.), necessidade natural, e resultava do direito contratual antigo não-provido de actio venditi, nem condictio (A. Exner, Die Lehre vom Rechtserwrerb durch Tradition, 3ª1 sã, ou da primitiva troca de prestação (não de obrigações), conforme August Bechmann (Der Kauf, 198), ou do direito grego (E. Hofmann, Uber das periculum beim Naufe, 170). Houve os que a tiveram como simples regra interpretativa (C. L. Strempel, H. Thõl, C. E. Puchta, Heinrich Dernburg). Não é aqui o lugar para se discutir isso, mas, posto que A. Exner tenha razão (o que não é inconciliável com a opinião de August Bechmann), a concepção de um pacto de reserva do domínio, como a pôr-se a acentuação naquela regra, obedeceu a intuitos de exploração, primeiro dos estrangeiros, e depois dos cidadãos. Nos inícios do capitalismo industrial, fecundo, empreendedor, dos primeiros decênios do século XIX, o que importava era criar, romper obscuridade, produzir, e as invenções serviram a isso, dando-nos, ao lado de homens como James Watt, Stephenson e outros, até Liebig e Bunsen e as grandes descobertas químicas, Arkwright e Cartwright, Werner Siemens (antes do “von”), Friedrich Krupp, Matthias Stinnes e o comodoro Vanderbilt. Aumentou-se a capacidade aquisitiva do mundo ocidental e a população européia e atlântica teve surto que, nunca, antes, teria sido possível. Antes, o capitalismo quisera vender os seus produtos sem aumentar o nível de vida, e começou a ser arriscado vender a prazo. Assunto que era conteúdo de notas de livro, ou de artigos de revistas, passou a interessar os juristas a ponto de surgirem dissertações, como a de 3. B. Eriese (De pacto dominium in emtione venditione usque ad pretii solutionem reservan te, Ienae, 1706), a de Schneider (De valididate et efJectu reservationis dominii et hypothecae vel in securitatem residui pretii, Coettingae, 1753), a de A. E. Goessel (De vi reservati dominii, Col., 1793), a de Fetzer (De iure separationis, quod exorto super bonis emtoris concursu venditori in re vendita competit, Tub., 1799). 3. C. Censler, em 1819, no Archiu fúr die civilistische Praxis (II, 291-293), não lhe concedeu mais de duas páginas. Chr. Fr. von Glúck (Ausfíihrlische Erlàuterunq der Pandecten, 16, 229 s.) somente oito, em 1868. Em vez do interesse jurídico de dissertações acadêmicas, quando o Estado sentiu as primeiras inadaptações do direito á economia, tentou estatalizações (tendo sido Bismarck quem fez a primeira), e o capitalismo da segunda geração prosseguia, apenas menos eficiente, na política de mudar as condições em torno. Ao tempo da dissertação de E. Thorsch (1875), sobre Das pactum reservati dominii, o interesse era mais do que acadêmico. Porém só ao começo da terceira geração do capitalismo contemporâneo — depois, necessariamente, de se haver completado a emancipação da burguesia e de se ter passado a curva de 18711873 — foram publicadas leis de vendas com reserva de domínio, de inspiração extranacional, quaisquer que fossem os países. Principalmente depois da falência de Wechsel-Bank de Viena, da crise do algodão, da suspensão de pagamentos da Argentina, da falência de Baring Brothers e da marcha de desempregados sobre Washington. A geração não via que o problema estava em aumentar a capacidade aquisitiva das massas, em vez de escorchá-la, ou arrancar-lhe pedaços de carne, à Shylock. Daí as Leis alemã de 16 de maio de 1894 e austríaca de 27 de abril de 1896, as leis estaduais dos Estados Unidos da América, os Hire-Purchase Acts, escocês, de 1932, e inglês, de 1938, precedidos pela prática britânica e adaptados às novas circunstâncias. Essas leis refletiram a maior ou menor capacidade do povo para se defender; mas, todas, a velhice de propósitos em mundo diferente. O erro dos que vendem ou querem vender sem fazer compradores e o dos que se deixam enganar sob o peso duplo e combinado efeito da propaganda e da legislação neo-opressiva patenteiam-se no penhores de máquinas e utensílios e nos aluguéis internacionais de máquinas, assuntos que dizem respeito ao futuro dos povos fracos, submetidos a governos imorais. 2. Técnica legislativa. O Brasil defendeu-se contra a legislação sobre vendas com reserva de domínio até 1938 (Decreto-Lei nº869, de 18 de novembro de 1938, art. 3ª, IV), figura que, contra lei e a nossa atitude, se implantara anos atrás, e se fez legal exatamente no diploma que pretendia reprimir os crimes contra a economia popular, sua guarda e seu emprego: “São ainda crimes contra a economia popular: IV — violar contrato de venda a prestações, fraudando sorteios ou deixando de entregar a coisa vendida, sem devolução das prestações pagas, ou descontar destas, nas vendas com reserva de domínio, quando o contrato for rescindido por culpa do comprador, quantia


maior do que a correspondente à depreciação do objeto”. O Decreto-Lei nº 1.027, de 2 de janeiro de 1939, art.19, exigiu a transcrição, no todo ou em parte”, no registro público de títulos e documentos do domicílio do comprador. Ainda o Decreto-Lei nº 1.041, de 11 de janeiro de 1939, artigo único, ressalvou do art.39, IV, do Decreto-Lei nº 869 os contratos celebrados antes de 21 de novembro de 1938, quando resolvidos por culpa do comprador, continuando os mesmos a reger-se pelo direito anterior. Cf. Decreto nº 4.857, de 9 de novembro de 1939, art. 136,59) O Código Civil havia proibido o penhor com cláusula constituti. Ainda em 1931, o Tribunal de Justiça da Bahia repelia o pacto de reserva de domínio (24 de julho de 1931), mas aqui e ali a cláusula vencia, recorrendo-se a sofismas lamentáveis (venda “retratável”, Distrito Federal, 27 de julho de 1922, RD 69/320; depósito, 11 de abril de 1922, RSTF 51/509; locação etc). Pela primeira vez, já a jurisprudência se refletia, sem máscara sob pressão abertamente capitalista e exterior. A legislação processual civil veio modificar a disciplina Thaterial e formal do pacto de reserva de domínio, de modo que há, hoje, quatro pretensões diferentes: a) a pretensão de execução da coisa vendida (dita excussão) para haver o saldo apurado do preço; b) a pretensão de recuperação da posse da coisa vencida e entregue (a posse foi entregue, por isso é que se vindica) ressalvada ao comprador a alternativa de purgar a mora e cumprir o contrato; c) a pretensão de cobrar o saldo; d) a pretensão à execução para cobrar o saldo. A arrecadação do bem vendido, com reserva de domicilio ao falido, obedece à legislação falencial (1ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 8 de maio de 1951, RT 193/346). 3.Construção jurídica do “pactum reservati domini”. A construção do pactum reseruati dominii como cláusula resolutiva das maiores erronias em que a doutrina possa incorrer. Contradição em termos; e mais do que isso: construção que de modo nenhum se ajustaria aos sistemas jurídicos em que o contrato de vencIa e compra é contrato consensual. A reserva de domínio concerne ao adimplemento do contrato de venda e compra; não atin~e o contrato mesmo, e sim a sua execução: em vez de ser execução inteira a entrega da coisa, é apenas degrau para a execução; entrega-se a coisa, mas suspende-se a eficácia da transmissãção da propriedade. A cláusula de reserva de domínio não condichina, suspensivamente, como pretendia Gustavo Bonelli (Una “ova costruzione dei patto di riservato dominio nella vendita, Rivista dei Diritto commerciale, X, Parte Prima, 492-496), a vencia e compra; nem resolutivamente, o que é absurdo, e ainda incidem no erro alguns juristas (e. g., Massimo Ferrara Santamaria, La Vendita a rate con riserva di proprietà, 2ª ed., 19). condiciona o efeito de transmissão — é pacto sobre o adimplemento. Atingido é o acordo de transmissão. Se a lei alude ao exercício da pretensão ao pagamento por meio da ação que compita ao título de crédito, aludem à duplicata mercantil, ou outro título de crédito. Se a venda e compra é mercantil e foi emitida duplicata mercantil, o que dela consta é o que importa, no plano cambiariforme. Ou dela consta a cláusula de reserva de domínio, ou dela não consta. Se não consta, comprador e vendedor, que endossou, ou qualquer outro endossante, responde ao portador, segundo o teor do título. Se consta da duplicata mercantil que a entrega da coisa foi com reserva de domínio, a responsabilidade do comprador perante o portador de boa-fé é cambiariforme: se ele paga, toilitur quaestio; se não paga, respondem os endossantes, inclusive o vendedor que endossou. Se o contrato de venda e compra foi com pagamentos parcelados, dito de venda e compra a prestações, ou a) se tirou uma só duplicata mercantil, ou b) se tiraram tantas duplicatas mercantis quantas as prestações. Na primeira espécie, nenhuma dificuldade ocorre; vencida, e não paga a prestação, constante do título, pode esser protestado e exercida a ação de cobrança contra o obrigado cambiariforme; se havia cláusula de, vencendo uma prestação sem ser paga, vencerem as outras, o protesto é pela prestação vencida e não paga e pelas prestações subseqúentes, vencidas em virtude da cláusula e igualmente não pagas. Na segunda espécie, que é a de pluralidade de duplicatas mercantis, com o mesmo número e a diferenciação alfabética ou a diferenciação romana, cada duplicata mercantil pode ser protestada à parte, com as consequências ordinárias; se havia cláusula de vencimento das outras por falta de pagamento de uma, o protesto dessa acarreta o vencimento das outras. A reintegração imediata na posse é ação do vendedor, oriunda do negócio jurídico subjacente da venda e compra com reserva de domínio. Depende de ter o vendedor, consigo, todos os títulos, inclusive os vincendos. Se o vendedor não tem o título, ou não tem os títulos, porque não pagou a dívida cambiariforme. excluída está a reintegração imediata. Para o exercício da ação, basta-lhe o vencimento de um título. Dá-se o mesmo em relação à ação para exigir o pagamento. Claro é que, se não apresentou todos os titulos, o pagamento pelo réu somente pode


ser levantado, em caso de pluralidade de títulos, pelos portadores respectivos; bem assim, o produto do leilão. Se algum portador, que não seja o vendedor, apresenta ao comprador o título para pagamento, ou o obrigado cambíariforme o paga, sendo deduzido isso, a seu favor, do depósito, ou da divida global, ou, se o portador o aceita, o obrigado indica o juízo em que corre a ação para exigir o pagamento. O portador pode exercer a ação executiva contra o comprador independente da ação do vendedor para exigir o pagamento, ainda em caso de execução. Uma vez que o endossatário não é figurante do contrato de venda e compra com reserva de domínio, não lhe cabe a ação para exigir pagamento, nem a de apreensão e depósito da coisa vendida. Se o vendedor endossante não paga a duplicata mercantil, pode, por ação executiva, pedir a penhora do direito, pretensão e ação à recuperação da posse da coisa vendida com reserva de domínio, que é outra coisa. Então, durante o processo, pode ser exercida a ação, em virtude da sub-rogação pessoal. Se são dois ou mais, os portadores, cada qual tem a sua parte na subrogação pessoal. Na falência do comprador, o direito do portador é o que lhe advém do título, ou da sub-rogação pessoal tempestiva. Vale e é eficaz a cláusula de que os portadores se sub-rogarão pessoalmente ao vendedor, em caso de nãopagamento por esse, ou de não-pagamento pelo comprador, nos direitos, pretensões e ações a que nos referimos. A cláusula dá aos portadores os mesmos direitos, pretensões e ações que teria, ainda em caso de falência, o vendedor.

4. Transmisão da propriedade em segurança e venda com domínio reservado. A transmissão da propriedade em segurança é inconfundível com a venda com reserva de domínio. Ali, o domínio passa ao outorgante; aqui, não. Aqui, a propriedade ainda não foi adquirida; a aquisição está por ser. O que passou ao outorgado não é domínio, nem passou apenas o direito de obrigação; passou o direito ao uso e à posse, passou direito expectativa É isso o que se penhora. A coisa vai a leilão porque está na esfera jurídica do dono e na esfera jurídica do outorgado da venda com reserva de domínio. A venda com reserva de domínio é venda, com entrega da coisa e direito expectativa à aquisição. Não há operação em segurança. o expediente e mais do que o da venda a crédito, sem entrega da coisa e sem o direito expectativo porque, nessa, somente há a pretensão pessoal, o direito de obrigação: na venda com reserva de domínio, há a entrega e o direito expectativa à aquisição da propriedade. Mas o expediente é menos do que a transmissão da propriedade em segurança e do que o próprio empenhamento. Analisando-se a denominação “venda com reserva de domínio”, percebe-se que se fala de venda como se tratasse de transferência: toda venda ainda é sem a transmissão do domínio, salvo se o acordo de transmissão e a tradição ocorreram símultaneamente. Então, haveria, a) o contrato de venda e compra, b) o acordo de transmissão e c) a tradição menos o efeito de transmissão. Tradição há e há acordo de transmissão, porém retira-se (= reserva) a eficácia de transmissão que a tradição, após o acordo, determinaria. Com essa retirada (= com essa reserva), o outorgado tem a pretensão obrigacional (= pessoal) oriunda do contrato de venda e compra, tem a posse, com o uso, e tem direito expectativa à aquisição. Em alguns países, os juristas lançam mão de construção jurídica com a aquisição sob condição resolutiva. Mas o erro é manifesto. Resolução há do negócio de venda e compra, se advém inadimplemento por parte do outorgado; não da propriedade, porque essa não se transferiu. Porque a cláusula de reserva de domínio é concernente ao adimplemento do contrato de venda e compra, a impossibilidade da transmissão formal condicional do imóvel afasta, radicalmente, tal cláusula, em se tratando de contrato de venda e compra de imóveis. O que é possível é pacto comissório, resolutividade. Raramente, mas dentro dos princípios, pode dar-se que a cláusula de reserva de domínio se interprete como cláusula resolutiva de condição ou termo resolutivo. Quanto aos bens móveis, não há impossibilidade da transmissão condicional. O acordo de transmissão pode ser sob condição suspensíva, o que não importa dizer-se que o contrato de venda e compra tenha sido condicional. Condicionou-se O acordo de transmissão. O contrato de venda e compra é a prazo quanto ao preço e quanto à entrega da coisa. O comprador não teria posse própria, mas posse imprópria, como o mandatário, o locatário, ou o administrador. Na venda com reserva de dominio, há entrega da posse própria, sem se perfazer a transmissão da


propriedade; algo falta, não para que a posse imprópria se faça posse própria e engendre a transmissão do domínio, mas sim para que o acordo de transmissão da propriedade se tome eficaz-Melhor, complete a sua eficácia. (No mesmo sentido, com a transação integral de trecho acima, o Tribunal Regional do Trabalho da V Região, a 19 de agosto de 1960, DJ de 2 de setembro). Com o advento da condiçãO, não mais se exige qualquer ato ou manifestação de vontade do vendedor. Antes desse advento, a manifestação de vontade do vendedor seria renúncia (Otio Wamever, Kommentar, 1, 778). Por isso mesmo que se não transferiu a propriedade, o bem é do vendedor; e sujeitar-se-ia à falência desse; mas entende-se que o comprador, em tal espécie, já tem algo de execução do contrato de venda e compra e certa eficácia do acordo de transmissão. o administrador da massa concursal do vendedor pode exigir a execução e pode exercer as outras ações do vendedor; o administrador da massa concursal do comprador pode adimplir e tudo se passa como se o comprador houvesse adimplido (R. Jaffé, Der Eigentumsvorbehalteirn KauJ, 88). Há a condição suspensiva mexa no acordo de transmissão. A propriedade só se transfere quando o preço for totalmente pago. Portanto: o acordo de transmissão foi condicional, a despeito da entrega; de jeito que, pago o preço, completamente, a transmissão se opera (o acordo de transmissão já se tornou eficaz para a transmissão, e tradição já houvera). Como a transmissão, antes disso, não se opera, o inadimplemento pode dar ensejo à resolução do contrato de venda e compra. O pactum reservati dominli inclui-se no contrato de venda e compra, ou em outro, em que se prometa alienar a coisa, mas em verdade supõe que se haja inserido o acordo de transmissão sujeito a condição ou a termo. Não é a transmissão que se torna condicional ou a termo; é o acordo de transmissão. Nem a promessa à transmissão, nem a transmissão mesma estão em causa: o que está em causa é o acordo de transmissão. A transmissão mesma não foi condicional. Transmissão formal condicional tem-se, explícita, no direito imobiliário resolúvel. É preciso ter-se muito cuidado em se não confundirem acordo de transmissão da propriedade e transmissão: nada obsta a que se acorde em que se adquirirá a propriedade no dia em que se realize certa condição (e. g., se o governo resolveu não mais desapropriar o prédio); satisfeita a condição e transcrito o acordo, transfere-se a propriedade: não houve aquisição da propriedade sob condição suspensiva, houve acordo de transmissão com condição para se transmitir. Quanto a móveis, a reserva de domínio concerne ao acordo de transmissão, e não ao contrato causal. Transmissão resolúvel há no direito de propriedade imobiliária, porque está nos textos legais. Aí, é a propriedade que se transmite e a propriedade (efeito da transmissão!) torna-se resolúvel, porque no acordo assim se estabeleceu, ou se estabeleceu no ato jurídico unilateral de disposição. Quando o vendedor da coisa móvel se reserva a propriedade até se lhe pagar o resto, ou todo o preço o que se há de entender é que o acordo de transmissão é sob condição suspensiva, embora se haja entregue a coisa. De transmissão da propriedade só se há de cogitar quando a condição se implir; por exemplo, quando se satisfizer o preço. O contrato de venda e compra foi incondicional; o que foi condicional foi o acordo de transmissão da propriedade. Se o devedor incorre em mora, há inadimplemento do contrato de venda e compra; donde a possivel resolução, por inadimplemento do contrato. Uma vez que a cláusula de reserva de domínio se refere ao acordo de transmissão, e não ao contrato de venda e compra, os riscos da coisa passam, com a entrega, ao comprador. Porém não fica imune à exigência da caução de pagar no tempo ajustado, sobrevindo-lhe insolvência, posto que tenha havido entrega da coisa. Se o acordo de transmissão foi com condição suspensiva, só é registrável, tratando-se de bem imóvel, quando se implir a condição; tratando-se de bem móvel, há reserva de domínio. Se a condição foi o pagamento do preço, a propriedade só se transmite quando seja pago.

§ 77. Ação de vendedor em contrato com reserva de domínio 1. Vendas a crédito com reserva de domínio. Nas vendas a crédito de coisa móvel, com a cláusula de reserva de domínio, o vendedor pode, por meio da ação que competia ao titulo de crédito, exigir o pagamento das prestações vencidas e das vincendas. Se a ação competente se inicia pela penhora do direito expectativo à aquisição da posse da coisa vendida, qualquer das partes pode requerer, no curso do processo, a venda imediata em leilão. O produto


do leilão será depositado, nele sub-rogando se a penhora. A ação somente concerne a créditos provenientes da venda de coisas móveis. Supõe reserva de domínio, não transferência da propriedade ao credor, em garantia: o devedor tem o usus, tem posse, está suspenso (não sujeito a resolutividade) o seu direito à coisa “comprada”. O vendedor ou a) se utiliza da via ordinária, para a sua ação de condenação; ou b) propõe a ação, que, pela eficácia do titulo, se inicia pela penhora da coisa vendida; ou c) propõe ação executiva especial que compete ao título; ou d) introduz a ação de apreensão e depósito. A ação c) é ação de execução com a penhora do direito (não há aí, penhor convencional: penhora-se o direito expectativo à propriedade, e executa-se). Ação executiva, dita, ai, de excussão. Não se pode considerar ação de declaração. Pertence à mesma classe que as outras ações de execução, com a particularidade de se executarem o direito expectativo do comprador e a posse. Se o contrato de venda e compra com reserva de domínio não foi registrado, existe, pode ser válido, mas falta-lhe a eficácia erga omnes que o registro lhe conferiria.

2.Pluralidade de pretensões. Quando há pluralidade de pretensões, pode conceber-se o pedido como alternativo; mas, iniciado com um pedido o processo, não se pode mudar por outro. Aí, não se trata de simples mudança de forma de processo.

3.Ação que competir ao título de crédito. “Titulo” está ai em sentido lato, e não no sentido estrito, técnico, de títulos de crédito. Pode ser, por exemplo, a ação executiva, desde que se satisfaçam os pressupostos legais. Pode ser, ainda, a ação executiva, cambiária, constituindo a venda e compra com reserva de domínio negócio subjacente, sendo os titulos cambiários e cambiariformes negócios abstratos, e não sofrendo novação aquele negócio de venda e compra, mas sendo sem atuação nos títulos a existência de tal negócio. A ação de recuperação da posse da coisa vendida, com reserva de domínio e com a entrega, é ação de condenação, com transformação parcial alternativa em ação executivo, se não houve pedido de moratória; e aqui o depósito da coisa é diferente do depósito de que se fala na ação de consignação em pagamento. Mais: é cautelar, e não executivo; nem, sequer, se há de pensar em depósito para execução. A primeira fase é de ação “preparatória” mandamental, embora posta no mesmo processo; a segunda, executiva, se houve contestação, sem se requerer a moratória por ter satisfeito os pressupostos para obtê-la, ou se não houve contestação, porque então se dá, requerida, a recuperação da posse. No processo, o autor restitui o saldo, dando-se a consignação em pagamento, se preciso. Na ação de execução (execução da coisa vendida), para se haver o saldo apurado do preço, há ação para obter o adimplemento do contrato, mais execução; portanto, o elemento executivo é o que prepondera: a ação é executiva. A ação para a cobrança do saldo é ação de condenação. Se o autor pode invocar regra jurídica sobre ação executiva de título extrajudicial, a executividade passa à frente. Se houve condenação ao pagamento do saldo, a ação é actio iudicati. 4.Penhora da coisa vendida. Supõe-se, aí, o exercício da pretensão de excutir, não a de executar noutros bens, ainda que entre eles se ache a coisa vendida, de modo que não têm razão os comentadores em tomar as liberdades, que espanta estejam a tomar, com a interpretação da lei, a ponto de lerem “penhora da coisa vendida” como “penhora de quaisquer bens existentes no patrimônio do devedor, inclusive da coisa que versou a venda com a reserva de domínio” . De modo nenhum, nas ações de excussão, se penhoram outros bens. No caso, penhora-se o usus, a posse (o domínio é do credor), como se pode penhorar o domínio reservado do credor com o respectivo direito à resilição, ou, se já nasceu, com a pretensão a resilir. O direito do credor é penhoriforme, assemelha-se ao do penhor, e há até quem o identifique com ele, como H. Klang. A pretensão cominatória, se houve impugnação, como a da ação hipotecária e da ação pignoratícia, constitui resto do beneficium excussionis rea lis (seu ordin is). A lei processual não revoga a lei material no tocante a esse benefício, que é integrante limitativo da pretensão de direito material para o credor e ele mesmo pretensão de direito material para o devedor. O próprio direito à penhora do bem hipotecado é direito de penhor no sentido do direito material. Bem assim o de


penhorar a coisa vendida com reserva de domínio (assim, Rudolf Pollak, System, 905). Ambos são o direito de penhor, em direito material, convergindo, através da execução, para captar o próprio valor. Por isso mesmo, se o credor exerce a ação executiva de titulo cambiário, ou não, renuncia ao seu direito de excussão real, à diferença do que se passa com o credor pignoratício exeqúente, porque a lei distinguiu as vias para as pretensões, e o direito material não autoriza pensar-se noutras pretensões que as do art. 3º IV, do Decreto-Lei nº 869, de 18 de novembro de 1938, e nas previstas em Código de Processo Civil. O Código Civil desconheceu o pactum reservati dommnzi. Tínhamos de ser rigorosos no construir o instituto, sob pena de cairmos em contradições e dificuldades graves, na prática. Porém, principalmente, em dia com a ciência, e não com assimilações apressadas.

5.Alternativa de cobrar ou excutir e reaver a posse. A propositura da ação de cobrança, ainda que executiva, importa renúncia à pretensão a excutir e a reaver a posse: o autor quer o preço; e não a coisa. Não se confunda renúncia à relação jurídica obrigacional com renúncia à pretensão. O penhor, o direito de retenção e, a despeito de sua maior energia, a reserva de domínio, são direitos que caem quando o crédito se extingue. Muito diferente é o que ocorre se traspassa a propriedade do bem a outrem, para garantir dívida (seria resolutivo o pressuposto, ao passo que, nos casos de venda e compra com reserva de domínio, se trata de pressuposto suspendente). O vendedor pode dispor da coisa e para isso basta que receba de outrem o preço; esse terceiro recebe a coisa menos a expectativa do comprador e o seu direito à posse e aos frutos. Se alguém se diz dono da coisa, cabe a ação de reivindicação, naturalmente restringida pela exceção do comprador a ficar com a posse da coisa, em virtude de tradição condicional, enquanto continua em suspenso a condição. Se o vendedor pede o preço, sem alternativa, transforma a sua relação jurídica; faz a posse engendrar, com a sua declaração tácita de vontade, a propriedade. Só os efeitos contra terceiro (mão em relação a terceiro!) é que dependem de registro. Não se argumente em ser a reserva garantia. A reserva é adjecta ao contrato de venda e compra; anexa, sim; não, porém, garantia. (É mexa ao acordo de transmissão). O fato de o público entendê-la como tal de nenhum modo pode alterar-lhe a estrutura jurídica. Nem se raciocine com citações, aliás não concludentes, de direito estadunidense, por se tratar de leis de direito civil ainda não evoluído ao estado de direito sistemático, mal emergente da fase casuística. Se o credor fez penhora de bens, e não da coisa vendida, renuncia ao privilégio, porque transferiu a propriedade. 6. Execução. Há a hipótese da execução, se a ação competente se inicia pela penhora do direito do comprador, que é expectativo. Pode advir o incidente do leilão. O processo é o executivo de títulos extrajudiciais. Se a lei fala de “penhora da coisa vendida” significa penhora do próprio direito expectativo, com todas as suas consequências. Alienável, como é, o direito expectativo ésuscetível de ser executado. O modo de se conceber essa penhora do Distrito Federal, 18 de agosto de 1944, RF 101/512; RT 156/755). 9. Leilão; remição e adjudicação. O leilão não suspende o processo, que nada sofre com o incidente- Cabe remição, como também adjudicação. A adjudicação é a do valor do direito expectativo (não a do domínio); a remição transfere o dominio ao comprador executado, desde o depósito. O leilão que se prevê no art. 1.070, § 1º, do Código de 1973, que é antes de decisão definitiva, depende de se haverem observado os arts. 652-654, 659 e outros. Se o credor-vendedor fez citar o devedor-comprador e, no prazo de vinte e quatro horas, o devedor-comprador nomeou bens à penhora (art. 655), que bastem para o pagamento das prestações ou da prestação vencida, não pode o credor-vendedor fazer penhorar-se a posse da coisa vendida com reserva de domínio, porque o devedor-comprador é titular do direito expectativo e da posse, e o sistema jurídico brasileiro não equiparou a situação do devedor-comprador a de quem figura como devedor no crédito pignoratício, ou no anticrético ou no hipotecário porque o art. 655, § 2ª, é regra jurídica especial, nãosuscetível de interpretação dilatante. Se o devedor-comprador nomeou à penhora seu direito expectativo, que lhe atribuiu a posse, então se hão de atender, estritamente, os § § 1º e 22 do art. 1.070. (Mais uma vez frisemos que a referência a “penhora da coisa vendida” só seria acertada nas espécies em que credor do vendedor com bem com reserva de domínio fosse terceiro, ou o próprio comprador-devedor, se esse tem crédito contra o vendedor-credor). Se foi o vendedor-credor que propôs a ação contra o comprador-devedor, a penhora somente poderia ser do direito expectativo, com a posse. Não se diga que o devedor-comprador, ao ter que nomear bens à penhora, possa nomear a coisa vendida.


Ai, a coisa vendida ainda é de titularidade do vendedor-credor. O que o comprador-devedor pode restituir é a posse, porque bem que somente foi objeto de contrato de venda e compra de modo nenhum passou a ser do comprador, seja tal negócio jurídico com a cláusula de reserva de domínio ou sem ela. Apreensão e depósito do bem vendido pode ocorrer (art. 1.071 e § § 1º, 2º 3º e 4º). O art. 1.071 § 32, acertadamente fala de poder o autor (vendedor-credor), se o réu não contestou, nem pediu o prazo para o adimplemento (§ 2ª), mediante a apresentação dos títulos vencidos e vincendos, requerer a reintegração imediata da posse da coisa depositada”. Tudo isso já supõe ter sido arbitrado o valor do bem (art. 1.071§ 12). 10. Sub-rogação da penhora. Só se sub-roga a parte que corresponde às prestações vencidas e vincendas; não o resto do valor, que corresponde ao que o comprador adquirira (direito expectativo). Regem os princípios gerais da sub-rogação real. 11. Leilão somente do direito expectatiuo. Se as partes acordarem, pode ser levado a leilão só o direito expectatívo, não a coisa. Aquele é alienável em separado, e já separado estava. A venda da coisa, em leilão, reengloba-os de todo.

§ 78. Ação de restituição da posse perdida 1. Regras jurídicas especiais. Em caso de mora de pagamento imputável ao comprador e desde logo provada com o título e respectivo instrumento de protesto, o vendedor pode requerer previamente a apreensão e depósito judicial da coisa vendida, independentemente de audiência do comprador. No mesmo despacho em que ordene o depósito, o juiz nomeia perito, que proceda à vistoria da coisa e arbitramento do seu valor, descrevendo-lhe o estado e individuando-a com todas as características, o modelo, o tipo e o número indelével, se há. Feito o depósito, O comprador é citado para, no prazo legal, oferecer a defesa. No prazo, o comprador, que pagou mais do percentual do preço fixado, pode requerer ao juiz que lhe conceda prazo legal para reaver a coisa, mediante pagamento das prestações vencidas, juros e custas. Se o réu não contesta, ou não pede a concessão do prazo legal, ou se o prazo decorre sem que seja feito o pagamento, o autor pode requerer, mediante apresentação dos títulos vencidos e vincendos, a reintegração imediata na posse da coisa depositada. Então, descontada do valor arbitrado a importância da dívida, acrescida das despesas comprovadas, judiciais e extrajudiciais, o autor restitui o saldo ao réu, pelo processo estabelecido para a consignação em pagamento. Se contestada, segue a ação o curso ordinário, sem prejuizo da reintegração preliminar. 2. Mora do devedor, apreensão e depósito judicial da coisa vendida. A ação é de restituição da posse e uso da propriedade reservada; sofre-a o proprietário futuro, condicional. No fundo, pedem-se a posse e o uso àquele que perdeu — ex hypothesi —o direito expectativo à propriedade. Esse direito expectatívo, acessório, morre com o direito obrigacional, cuja extinção depende da mora do comprador. A apreensão, com o depósito, de que se cogita, é medida inicial, intrínseca ao pedido; não é preparatória, nem incidental. Dai ser de repelir-se que tenha o juiz “certo arbítrio na livre apreciação’, como pareceu às Câmaras Cíveis Reunidas do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a 6 de setembro de 1950 (RF 144/333). O indeferimento ou a revogação, no saneamento do processo, da decisão que deu a medida de apreensão e depósito, é conteúdo da petição inicial. Não há a ação sem tal apreensão. O vendedor, que continua dono opta pela ação de cobrança, ou pela ação de apreensão e depósito judicial. Aquela ação é a que compete ao titulo de crédito. Essa é ação executiva. Aquela também pode ser executiva. A l~ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 22 de agosto de 1950 (RT 188/787), entendeu que, tendo optado pela ação de apreensão e depósito judicial, não pode o autor propor a ação de cobrança. Sim, tendo havido desistência, no processo da ação de apreensão e depósito. O título e instrumento do protesto são indispensáveis para a propositura da ação de apreensão e depósito. Quanto à ação de cobrança, pode ser condenatória ou executiva. Se a lei exige, na espécie, o protesto, título e protesto são


indispensáveis. Errou em não distinguir a 1ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 2 de dezembro de 1952 (RT 209/230). 3. Outras infrações do contrato. Somente cabe a ação de destituição da posse em caso da mora de pagamento, não de infrações outras (da obrigação de conservação, da obrigação de instalar, de apresentar a máquina a exame). Não se pode tomar liberdade com os textos da lei processual. As outras moras ou as outras infrações do contrato podem não ser líquidas.

4. Prova da mora e protesto. O que se tem de provar é a mora do pagamento; não o direito de resilíção. Porque esse resulta da lei. Além desse pressuposto objetivo, há de ser provado o protesto, com o respectivo instrumento. Tem-se procurado limitar a ação aos casos de títulos de créditos, para os quais o negócio reservati dominii seja subjacente. Não é isso o que se há de entender. A lei processual exige o protesto em quaisquer casos. Não cabe invocar-se regra jurídica sobre mora de pleno direito. Por isso mesmo, a apreensão e o depósito se fazem non audita altera parte. A referência a protesto tem de ser interpretada no sentido de o protesto ser pressuposto necessário. o argumento da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, a 30 de janeiro de 1945 (Ad 74/155; RF 101/312; CITA 25/35), de poder tratar-se do contrato de venda e compra e a cláusula resolutiva operar automaticamente, é de impertinência gritante: nenhum esbulho há em deixar-se de pagar prestação de venda a prazo; nem a ação de restituição da posse prestada é ação possessória. Trata-se de ação executiva, sim, mas para restituição da posse. O protesto atende a que se exige o registro do contrato de venda e compra para eficácia erga omnes e a que a ação, aqui, não é a que resulta do título. Na ação condenatória ou executiva do vendedor pode acontecer que se haja de protestar, mas tal protesto é estranho aos pressupostos da ação: se é de exigir-se, é porque a cobrança do título o exige. Na de restituição da posse preceitada, não se dispensaria protesto de títulos para se ter prova da mora no pagamento, se o título o exige, mas o protesto, que se tem de fazer, em virtude dele, é por inadimplemento do contrato (a forma é a dos protestos pedidos em juízo). Sem razão, também, a Turma Julgadora do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Norte, a 10 de junho de 1944 (OD 25/3ª6).

5. Restituição da posse. A restituição da posse somente ocorre depois de esgotado o prazo para a contestação. Não há restituição in limine litis, Nem se confunda a ação com a de reintegração de posse, como fez 3. M. de Carvalho Santos (Código de Processo Civil Interpretado, IV, 444); nem se crie ação possessória de efeitos reintegrativos imediatos, que enxertariam aqui a ação de reintegração de posse, como entenderam proceder Amorim Lima (Código, II, 190), Jorge Americano (Comentários, II, 185) e Ataliba Viana (Ações Especiais); certo, Luís Machado Guimarães (Comentários, IV, 463). Quando a lei diz que, se há contestação, segue a ação o curso ordinário, sem prejuízo da reintegração preliminar, havemos de compreender que se referiu aos dois casos em que, ainda contestando a ação, o comprador pode sofrer a restituição imediata na posse. Aí, chama-se preliminar a restituição por adiantamento. Aliás, ainda contestando e pedindo prazo e não solvendo, dentro dele, a divida, o comprador somente sofre a restituição se o autor apresenta os títulos vencidos e vincendos. 6. Vistoria e arbitramento. A vistoria e o arbitramento hão de realizar-se no ato da apreensão. São imediatos à apreensão e anteriores ao depósito, razão por que têm de ser ordenados no mesmo despacho que manda depositar. Que o “valor arbitrado” é o valor atribuído ao bem, por ocasião da apreensão, pelos arbitradores, foi assente pela 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, a 10 de setembro de 1958, firmado no que escrevêramos. 7.

Defesa e reconvenção. A defesa é contestação. Pode o réu reconvír.

8. Prazo legal. O prazo legal é para se reaverem a posse e o uso da coisa, e não o domínio; de modo que se tem de prestar o vencido, e não o vincendo. O vencido no momento de se esgotar o prazo que a lei fixa. O vendedor continua com a sua propriedade reservada; e o comprador, com a propriedade condicional. Aliás, com a apreensão, o depósito (e até restituição provisória, dita, em lei, preliminar), em nada se altera (nem a restituição provisória altera) a situação jurídica dos contraentes. Houve, apenas, pelo exame superficial do caso e as ocorrências, depósito cautelar. O juiz não tem arbítrio para se negar a marcar o prazo, nem mesmo invocando a


regra jurídica sobre diminuição, posterior ao contrato, do patrimônio do devedor. No Código de Processo Civil de 1973, art. 1.071, § 2ª, repete-se o que constava do art. 394, § § 2º e 3º, do Código de Processo Civil de 1939, de modo que nenhuma relevante mudança ocorreu. Feito o depósito cita-se o comprador para, dentro do prazo de cinco dias, contestar a ação (= oferecer a defesa). Se já havia pago mais de quarenta por cento do preço, pode requerer prazo de trinta dias para liquidar as prestações devidas, juros, honorários e custas e reaver a posse do bem e haver o domínio que estava reservado. A lei atual, como a anterior, fala de “reaver a coisa”. Temos de levar em consideração que o comprador, com reserva de domínio, tinha a posse e o direito expectativo, e não o domínio, a res. Houve apreensão e depósito do bem, que estava na posse do comprador, de modo que, feito o pagamento integral, o comprador, que tinha perdido a posse, passa a haver o domínio (a res) e a reaver a posse. 9. Se o réu contesta e se o réu não contesta. A lei processual supõe que o réu conteste, ou que o réu não conteste (a diferença entre comparência e revelia é, aqui, sem relevância). Se não contesta, pode o autor requerer a entrega da coisa. Se contesta, tem de pedir o prazo legal, para evitar a restituição. Há disjuntiva implícita quanto aos dois pressupostos independentes para se requerer a restituição: “não contestar”, “contestar e não requerer o prazo’. Nada tem que ver com o pressuposto para pedir o prazo. O réu que não contesta, mas pede o prazo, escapa a sofrer a restituição provisória, que é só nos casos de não contestar ou não pedir que se lhe dê o prazo. Intercalar, aí, “não contestar e não pedir que se lhe dê prazo” não traduz o que o legislador entendeu, tanto mais quanto se o “ou” funciona em lógica e na técnica de interpretação das leis, muitas vezes, como “e”, não éo que mais acontece: “basta” um dos pressupostos; e as proposições providas de negativas têm tal feição, com frequência. “Se não vou, ou não telegrafo, caio em falta”; não caio em falta se vou e telegrafo, nem se não vou e telegrafo. “Se o réu não contestar, ou não pedir que se lhe dê o prazo” significa: “Se o réu contestar e não pedir, ou não contestar, ou não pedir”. Demais, o prazo é com o deferimento, sem ter qualquer coisa com a mora do pagamento (sem razão, Luis Machado Guimarães, Comentários, IV, 465), que deve ter existido, como pressuposto objetivo da ação, em qualquer caso.

10. Réu que não contestou mas requereu dação do prazo; réu que não contestou nem requereu dação do prazo. a) Se o réu não contestou, mas requereu que lhe desse prazo, espera-se que esse corra. Esgotado, se o comprador não pagou todas as prestações vencidas até ele expirar, pode o vendedor, com a apresentação dos títulos vencidos e vincendos, pedir reintegração imediata na posse. b) Se não contestou, nem requereu se lhe marcasse o prazo, dá-se a entrega ao vendedor, se o requere. c) Se contestou, e não pediu o prazo, tudo se passa como nos casos 14, exceto quanto ao processo, que prosseguirá com rito ordinário. d) Se contestou e pediu o prazo, prossegue-se com o rito ordinário e aguarda-se que o prazo decorra, podendo dar-se que, findo ele, tudo mais se passe como em qualquer dos outros casos, exceto quanto ao processo, que continua. 11. Conceitos empregados. Há vários conceitos que devem ser notados: “valor arbitrado”; “importância da dívida”, importância que resta quando se subtraiu do preço o que o comprador já pagou; “acrescida das despesas”, somadas à importância da dívida. A apreensão do bem vendido com reserva de domínio faz do Estado, do juiz, possuidor mediato, e do depositário, possuidor imediato. A entrega da posse ao vendedor — que, ex hypothesi, não tem própria, pois a prestou por se tratar de venda com reserva de domínio — somente pode ocorrer após o depósito em consignação do saldo. No mesmo sentido, a 5ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 21 de abril de 1950 (RT 186/261). A 1ª Câmara Civil, a 6 de junho de 1950 (187/841) parece ter invertido, sem razão, a ordem. O que devemos entender é que o autor requere a restituição da posse; o juiz defere, tem o autor de fazer o depósito do saldo, se houver, antes de ser expedido o mandado ao depositário. Entregue, passa o vendedor a ter toda a posse. Essa é interpretação acorde com o princípio de que não se expede mandado executivo antes de provada a contraprestação. Por outro lado, para que exista saldo e se saiba qual é, tem-se de ter feito o arbitramento do valor do bem (= avaliação que foi julgada) e o cálculo das despesas, judiciais e extrajudiciais, comprovadas. 12. Restituição do soldo. A restituição do saldo pode dar-se de dois modos: a) Se houve ou se não houve concessão de prazo, e houve restituição da coisa, porém não houve processo ordinário. O autor tem de pedir que os autos sejam remetidos ao contador — primeiro, porque, se o réu não contestou, nem pediu prazo, preço, dívida


e valor arbitrado, despesas judiciais e extra-judiciais estão documentadas, e, se o réu não contestou e pediu prazo, a restituição só se pode ter dado findo o prazo, estando claras todas as quantias. O autor consigna a quantia, pois ficou com a coisa e o valor arbitrado excede; ou consigna-o o réu, se o valor não dá para cobrir a divida. b) Se houve contestação, é diferente: ou a sentença confirma a restituição, ou não confirma. O autor pode ter recebido, ou não, as prestações vencidas. Desde que não as recebeu, nada tem de restituir, mas tem de restituir o em que foi condenado. Também o réu condenado tem direito à restituição do saldo. A consignação em pagamento é aplicável, se for preciso. As despesas judiciais e extrajudíciais são somadas ao valor da dívida do comprador a fim de se apurar quanto o vendedor tem de restituir ao receber a coisa vendida (Tribunal de Apelação de São Paulo, 21 de julho de 1941, RT 133/117). 13. Resílição e processo ordinário. No contrato de venda-e-compra com reserva de domínio não se precisa inserir cláusula de resibilidade por inadimplemento. Mas, se quer prever outra causa de resilição, tem-se de conceber, expressamente, a cláusula. (Aliás, os que chamam à resolução ou à resilição “rescisão” cometem gravissimo erro, de que as nossas leis e os livros se devem livrar. O art. 1.071 cogitou de ação especial que leva à purga da mora ou à reintegração da posse do bem vendido com reserva de domínio. Supõe—se ter havido o protesto do título, ou dos títulos, que leva à ação, com a apreensão e depósito do bem vendido com reserva de domínio. O Código Civil, no art. 960, diz que “o inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor. Não havendo prazo assinado, começa desde a interpelação, notificação ou protesto”. Mesmo, porém, que as prestações, na relação jurídica de venda e compra com reserva de domínio, tenham data fixa, processualmente se exige o protesto do art. 1.071, que prova a mora do devedor. Se no contrato há outras cláusulas sobre violação das obrigações, sem serem as do inadimplemento, que estão na lei, tem o credor-vendedor de atender à exigência do protesto e podemos interpretar o art. 1.071 como concernente a qualquer causa de resilição do contrato de venda-e-compra com a reserva de domínio. Nas medidas do art. 1.071 (apreensão e depósito) de modo nenhum se pode pensar em reintegração liminar da posse. Nada se entrega ao vendedor-credor. Aí, elas são medidas iniciais, com algo de cautelaridade, sem caráter de preparatoriedade. Já o Código de 1939, no art. 3ª4, § 6ª, falava de “reintegração liminar”, a respeito do que, antes, chamara “apreensão e depósito”. Passou o erro ao Código de 1973, art. 1.071, § 4ª Reintegração há na espécie do art. 1.071, § 3ª, porque o réu não contestou, nem purgou a mora, e não é preliminar. Uma vez reintegrado na posse, o vendedor-credor, que apresentou os titulos vencidos e vincendos com o trânsito em julgado se desliga da relação jurídica, e nada mais há de posse do comprador. Tudo se desfez, até o contrato de venda-e-compra. O que persiste, a despeito de o processo ter passado a ser ordinário (art. 1.071, § 49), são as medidas de que início se tomaram: a apreensão e o depósito. A incolumidade é do depósito liminar. 14. Falência do devedor ou concurso civil de credores. Já tratamos da medida preliminar. Em caso da falência do devedor, o direito expectatívo do comprador entra na massa; no caso de falência do credor, entra o seu direito de propriedade reservada. O juiz tem de atender ao direito material concernente à restituição das prestações recebidas, abatidas do valor da depreciação ou aumentadas do valor majorado. A massa conserva o seu direito de pedir prazo. A regra jurídica tem de ser respeitada, sem que se possa atender a cláusulas contratuais em contrário. Trata-se de ius cogens (1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, 10 de setembro de 1958, que se apoiou no que escrevemos nos Comentários ao Código então em vigor, na 1ª edição e repetimos na 2ª).

Capítulo XV

Ação relativa a construção e conservação de tapumes


§ 79. Escritos e elucidações 1.Tapar. Tapar é cobrir com tampa, ou tapadura, expressões essas, de origem árabe, de que também nos ficaram tapagem, tapamento, tapada, tapadouro, tapigo (sebe de mato travado e outro sentido antiquado que lhe enfrentou frei Joaquim de Santa Rosa de \Jiterbo, Elucidário), tampa, tampão, tampar. Na Crônica dei Rei D. João III, de Francisco de Andrade, “tapume” é o mesmo que “tapagem” (“desfazendo tranqueiras e tapumes que tinham feito com árvores cortadas”); e na História da Índia, de Antônio Pinto Pereira, tapagem é cerca. As Ordenações Filipinas, Livro II, Titulo 48, § 4, falam de “tapumes das herdades”. A legislação contém definição de tapume. Ao direito de propriedade corresponde o tapamento, não como direito dependente, e sim como um dos atos pelos quais se exerce a exclusividade do direito sobre a coisa. Quem demarca exclui o confinante, em ato ou em ação; quem tapa, não só exclui o vizinho, exclui a ele, se é no limite que põe o tapume, ou a todos, inclusive os vizinhos, se a tapagem se fez em linha que dá para terreno público. O ato de tapagem vai desde o simples canteiro de flores, ou linha de gramado, ou marcos, ou escrito (‘proibe-se entrar”) até os altos muros, vedativos de entrada e de vista. No direito privado brasileiro, não há, em princípio, dever de tapar; há, porém, exceção. As poucas alusões do velho direito português aos tapamentos mostra, de si só, que mais preocupavam aos peninsulares os modos de adquirir que os modos de usar e cercear a propriedade. 2. Tese e antítese. O principio antitético, que é o do interesse dos outros proprietários e da sociedade, que tem de preferir o bom ao mau uso dos terrenos, fez nascerem limitações à faculdade de tapar ou vedar os prédios. Uma delas, e a mais grave, foi a da passagem forçada, mas aí a exclusividade é ferida, porque a limitação apanha o espaço mesmo, recorta o prédio. A tapagem tem de se reger, nos novos limites, pelas regras comuns. Assim, de modo nenhum limita a faculdade de tapagem; limita o próprio conteúdo espacial do direito de propriedade. Também a faculdade de tapar sofreria a limitação que advêm ao conteúdo espacial do direito de propriedade com a navegação dos rios de uso comum do povo; mas, se o rio não pertence aos donos dos terrenos, como ex hypothesi, nenhuma limitação houve, nem há. 3. Meios de tapamento. As leis não prevêem quais sejam os meios de tapamento; apenas exemplificam: “sebes vivas”, “cercas de arame”, “cerca de madeira”, para logo usar dos termos mais amplos (“ou quaisquer outros meios de separação dos terrenos”). A vala, ou valado. o muro, as árvores, tais como as recortáveis de que tanto servem no Brasil os proprietários, os gradis de ferro ou de madeira, o tabique, são tapumes. Quanto à espessura, o direito brasileiro não concebia qualquer direito do proprietário a avançar pela metade do tapume na terra do vizinho. Não se referiu a tapume, nele só se cogitou da parede divisória. Mas há direito do condômino a adquirir a meação da parede. A ação proposta pelo que quer haver o preço da obra, é de condenação. E a ação do confinante para haver o valor da parede, que construiu, também não é constitutiva. E declaratória, se proposta pelo que primeiro construiu para se declarar o seu direito de vizinhança; condenatória, se tem como pedido o meio valor da parede. A fixação da largura do alicerce e da profundidade, se o terreno não é de rocha, pode ser em com unicaçâo de vontade do vizinho que não está a construir, ou em ação intentada pelo que vai construir, contra aquele. Não há constituição de direito. Há elemento declarativo e elemento executivo, se aquele não comunica a sua vontade sobre a extensão, para que seja homologado o laudo.

§ 80. Direito de tapagem 1.Cerca. Tapume privativo e tapume comum. Cada proprietário tem, segundo o principio da utilização de todo o espaço ocupado pelo terreno, o direito de cercá-lo, murá-lo, escolhendo para isso os materiais que entenda. Naturalmente, tais construções divisórias, desde as paredes e cercas vivas, têm de ser dentro de seu terreno até a linha do limite. E o tapume próprio ou privativa. Se algum proprietário cerca o seu terreno, tem de fazê-lo antes da linha por onde passa o limite; não pode ir além


dela. A respeito de tapumes não há o direito de vizinhança que se menciona, quanto à parede divisória (não cerca!), na lei. Quem vai fazer cerca ou vala, ou banqueta, ou qualquer outro meio de separação dos terrenos, não tem o direito de assentá-lo até meia espessura no terreno contíguo. Tapume não é parede divisória de construção. Tem, contudo, pretensão a adquirir.

2. Direito de vizinhança. Qualquer proprietário do terreno tem direito de vizinhança à cooperação; e pretensão a receber do vizinho confinante a metade das despesas de construção e conservação do tapume. O proprietário tem direito a cercar, murar, valar, ou tapar de qualquer modo o seu prédio, urbano ou rural, mas há de atender a que os tapumes divisórios entre propriedades se presumem comuns, sendo obrigados a concorrer, em partes iguais, para as despesas de sua construção e conservação, os proprietários dos imóveis confinantes. Por “tapumes” entendemse as sebes vivas, as cercas de arame ou de madeira, as valas ou banquetas, ou quaisquer outros meios de separação dos terrenos, observadas as dimensões estabelecidas em posturas municipais, e de acordo com os costumes de cada localidade, contanto que impeçam a passagem de animais de grande porte, como sejam gado vacum, cavalar e muar. A obrigação de cercar as propriedades para deter nos seus limites aves domésticas e animais, tais como cabritos, porcos e carneiros, que exigem tapumes especiais, cabe exclusivarnente aos proprietarios e detentores. Quando for preciso decotar a cerca viva ou reparar o muro divisório, o proprietário terá direito de entrar no terreno do vizinho, depois de o prevenir. Este direito, porém, não exclui a obrigação de indenizar o vizinho de todo o dano que a obra lhe ocasione. São feitas e conservadas as cercas marginais das vias públicas pela administração, a quem estas incumbirem, ou pelas pessoas, ou empresas, que as explorarem. Tais regras jurídicas ressentem-se de terem sido introduzidas três regras jurídicas da Lei nº 1.787, de 28 de março de 1907, uma do Código Civil do Cantão de Zurique (art. 163), outra de criação de Coelho Rodrigues (Projeto, art. 1.448), alheias ao direito civil. Em todo caso, melhor foi assim do que se tivesse permanecido a concepção do Projeto primitivo, que apenas falava de condominio de cercas e valas. O que primeiro se deve observar é que se tratou mais, em quase todos os seus enunciados, do conteúdo do direito de propriedade, do que de limitações a ele. Apenas se reafirma, esse conteúdo quanto á vedação ou tapume.

§ 81. Regras jurídicas especiais 1. Conteúdo das regras jurídicas. Há duas proposições ou regras jurídicas diferentes: (a) Os tapumes divisórios presumem-se comuns, regra de presunção ivris tantum, que apenas faz presumir-se comum o tapume do terreno não-demarcado, porém que, na discussão sobre a posse, ou quando a posseja elemento para solução em caso de limite confuso, tem valor teórico e prático. A cerca exprime que os confinantes não repeliram a interpretação dos limites pela linha por onde ela passa. Daí a presunção para a posse, que se reforça. Porém a regra jurídica concerne aos próprios tapumes: são eles que se presumem comuns. Não se interprete como se contivesse presunção iuris tantum de que os prédios se presumem ter por limite a linha por onde passa o tapume. Não há na lei civil essa presunção. Entende-se que o intervalo, o muro, ou a vala, e a cerca pertencem a ambos os confinantes; não que eles tracem os limites da propriedade. (b) Cada confinante tem contra o outro o direito de vizinhança consistente em que esse concorra, em partes iguais, para as despesas da construção do tapume, bem como da sua conservação, quer já o tivessem encontrado feito, quer eles o hajam construído, quer um só o tenha posto. A pretensão a haver as despesas da conservação, ou a que o confinante por metade o conserve, é independente da pretensão a que o confinante construa por metade, ou pague metade das despesas feitas ou por se fazerem. Há, ai, evidentemente, direito de vizinhança, pois que há limitação ao conteúdo do direito de propriedade. Segundo o princípio-tese, cada proprietário somente cerca, ou tapa, ou rodeia de sebes o seu terreno, se entende fazê-lo. Não tem o dever disso. E em virtude do principioantítese que ele tem o dever de vizinhança, segundo o qual, limitando-se o conteúdo do direito de propriedade, cada confinante é “obrigado” a concorrer, em partes iguais, para as despesas de construção e conservação. A regra é de direito privado. Daí não se tire regra de direito público, nem, a fortiori, se chegue à absurda conclusão da 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a 29 de abril de 1948 (RE 25/226). O proprietário tem o direito de cercar. O dever de cercar foi previsto nas leis e tem-se de tratar como qualquer direito, com pretensão e ação. Tem o possuidor o direito e o dever de cercar (2ª Turma do Supremo Tribunal


Federal, 24 de agosto de 1948, AJ 91/28). O comuneiro de muros e tapumes não os pode destruir, devendo, se o faz, ainda sem culpa, indenizar (Câmara Cível do Tribunal da Relação de Minas Gerais, 13 de dezembro de 1924, RF 44/217). O dever de tapume independe de negócio jurídico entre os confinantes: há ação de cominação por se tratar de obrigação legal (sem razão, a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, 28 de novembro de 1944, RT 163/337). Primeiro hão de ser conhecidos os limites (1~ Câmara Cível, 26 de março de 1946. RF 107/104). Se o confinante se apressa em fazer o muro ou cerca, tem de exercer, extrajudicialmente ou judicialmente, a pretensão às despesas (3ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 3 de setembro de 1928, RT 68/364). Não quer dizer isso que não haja ação para cobrar as despesas feitas (sem razão, a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo. a 29 de maio de 1929, 67/333). Qual o meio de separação que se há de empregar (muro, cerca, cerca viva), depende do uso local, ou da natureza das construções limítrofes, ou da utilização. E assim que se hão de entender os acórdãos da 3ª Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 13 de dezembro de 1944 (RT 159/698: “... tão-somente nas dos gastos com um tapume para vedar a passagem de animais de grande porte’), da 2ª Câmara Civil, a 26 de novembro de 1946 (165/747: “O vizinho é obrigado a contribuir para a feitura de tapumes divisórios mesmo nos pontos em que não haja plantações, porque as cercas não se destinam apenas a protegê-las contra a invasão de semoventes, mas também os próprios animais, jara que não se embrenhem pelo mato, onde ficam sujeitos ao berne e ervas venenosas e oferecem dificuldade para serem arrebanhados), e da 6ª Câmara Civil, a 20 de junho de 1947 (170/ 182). interpretação da lei, como de só haver dever de tapagem se é preciso impedir passagem de animais de grande porte, é contra direito. Já dissera quais os pressupostos para nascer esse dever. Depois apenas se acrescenta que tapumes são sebes vivas, cercas de arame, ou de madeira, valas ou banquetas, ou quaisquer outros meios de separação dos terrenos. As posturas municipais determinam as dimensões, de acordo com os costumes locais, mas hão de ser tais que impeçam a passagem de animais de grande porte. Onde há gado vacum, cavalar ou muar, o tapume há de ser tal que impeça a passagem. As posturas municipais estão adstritas a isso. O erro é tão grande quanto o de se exigir negócio jurídico anterior para se ter a pretensão à metade das despesas. Se o não houve, nem condenação anterior a que se haja seguido execução, o que fez o tapume ou exige a metade das despesas, ou abre mão disso, sem que cesse ao vizinho a pretensão a haver, pagando metade, a meação do tapume (6ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 20 de junho de 1947, RT 170/182). É certo que, fazendo, só, as despesas do tapume, presume-se — por presunção hominis — que o proprietário quis só seu o tapume, conforme disse a 6ª Câmara Civil (11 de junho de 1948, 175/693); mas essa atitude não tira ao vizinho a pretensão, em qualquer tempo, a haver a metade do tapume, prestando a metade das despesas, nem ao proprietário, que construiu, a ação para haver a metade, ação que se justificaria, se não existisse por si, como ação de enriquecimento injustificado. A 6ª Câmara Civil entendia (também, a 31 de março de 1949) que teria de ser proposta, necessariamente, antes, a ação cominatória; sem ela, precluiria a ação pela metade das despesas. aOnde encontrou ela, para decidir à semelhança da 1ª Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, a 28 de novembro de 1944 (153/337), texto de lei que fizesse pressuposto necessário da pretensão à metade das despesas (direito material) a forma cominatória, ou qualquer requisito de tempo? O que se estabelece, exaustivamente, é que (a) os tapumes divisórios entre proprietários se presumem comuns (presunção iv ris tantum, que cede à prova de que um só dos confinantes, em partes iguais, paga as despesas de construção e conservação). Nenhuma referência a aviso prévio, orçamento, ou forma processual. São “obrigados a concorrer”, antes ou depois de serem feitos os tapumes. O que desabusadamente têm aventurado algumas câmaras é a criação, contra lei, de preclusão, se não do direito, da pretensão às despesas. As posturas municipais têm certa margem para determinar as dimensões dos tapumes, se bem que, nos lugares em que haja animais de grande porte, não se possam dispensar a altura e feitio que lhes impeçam a entrada. Se algum proprietário tem animais que exigem tapumes especiais, só a ele tocam as despesas, salvo, entenda-se, se o vizinho também os tem. A especialidade do tapume somente se caracteriza se é preciso fazer-se obra que seja diferente daquela a que estaria obrigado o vizinho. Se os dois têm de cercar os terrenos de que são proprietários, ou possuidores, e a especialidade consiste em algo a mais, como fio ou fios intercalares, ou nas partes inferiores, há a obrigação, para ambos, por partes iguais das despesas, e só o que tem de pôr a mais alguma coisa é obrigado a isso (2ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 8 de abril de 1947, RT 167/759). O proprietário ou possuidor pode exigir do vizinho, que tem animais que se incluem nas classes apontadas pela lei, o tapume especial, ou o acréscimo especial. 2. Dever de tapagem. Já dissemos que, em princípio, não há o dever de tapagem. As leis de direito público,


principalmente as municipais, contêm regras que o criam em certas circunstâncias. Ou o direito privado apenas 1) alude a essas regras juridicas, estabelecendo, no plano do direito privado, que, incidindo elas, aos proprietários e detentores” cabe, exclusivamente, o dever de cercar; ou ele contém duas regras distintas e ao mesmo tempo nãoalusivas à legislação de direito público: (a) Quem tem aves domésticas e animais tais como cabritos, porcos e carneiros, que exigem segundo a nocividade deles, tapumes especiais, tem o dever de tapume. (b) Os tapumes, nos casos em que são necessários os especiais, são à custa dos proprietários, possuidores ou detentores. A solução é a verdadeira. A lei não se refere às posturas municipais ou outras leis. Quanto à regra juridica (a), apenas especializa o direito de vizinhança que se criou. A caução de dano infecto é pertinente, bem como as ações próprias do vizinho por uso nocivo e a ação de indenização pelo ato ilícito. Especializou o uso nocivo e excluiu o direito de vizinhança que construíra.

§ 82. Tapagem comum 1. Tapagem de dois ou mais. A tapagem pode ser em comum; e. g., se os confinantes acordam em fazê-la, ou encomendá-la, ou se, ao adquirirem os prédios, já era comum. A comunhão pode resultar de ter sido o confinante condenado em ação pela construção ou conservação, ou em preceito após a coisa julgada de sentença declaratória. Também é comum a tapagem que, feita em linha divisória, foi presumida comum por tempo suficiente para usucapião; não pode ser afastada a presunção pela ação de reivindicação, porque, ex hypothesi, a linha de limites foi respeitada. Aliter, se há presunção por muito tempo, ainda além do tempo para usucapião, se for reivindicado o terreno em que está o tapume. Finalmente, é comum o tapume, se o vizinho exercer a sua pretensão a adquirir.

2.Compropriedade de paredes, cercas, muros e valas. O proprietário que tem direito a extremar um imóvel com paredes, cercas, muros, valas ou valados, tem-no igualmente a adquirir meação na parede, muro, vala, valado, ou cerca do vizinho, embolsando-lhe metade do que atualmente valer a obra e o terreno por ela ocupado. Não convindo os dois no preço da obra, será este arbitrado por peritos, a expensas de ambos os confinantes. Qualquer que seja o preço da meação, enquanto o que pretender a divisão não o pagar ou depositar, nenhum uso poderá fazer da parede, muro, vala, cerca, ou qualquer outra obra divisória.

3. Tese. A tese é que o muro sobre a linha divisória pertence pela metade, em plano vertical, que sobe da linha separativa. A contingência de ser uma só peça e não se poder acompanhar dentro desse plano levou a considerarse comum a certos respeitos, isto é, dos confinantes em toda a extensão (antítese). Os termos “mitoyen’ e “mitoVenneté traduziram esse pensamento do velho direito francês (Coutumes de Paris, arts. 195-214). No direito romano, a regra era medear entre os prédios o spatium legitim um, separando as casas; a parede ou muro comum era raro. A meação do tapume cria dificuldades práticas. Discute-se,frequentemente, e com empenho, quem o fez. A presunção legal apenas atenua essa freqúência e esse ardor. Demais, cada confinante, alienando o terreno, pode mencionar o tapume comum sem ser comum, ou dizê-lo próprio ou privativo, sendo comum. 4.Ação para indenizar parede divisória. A ação para indenizar parede divisória é baseada na pretensão a usar a parede divisória. Nas Ordenações Filipinas apareceu inserta no Livro 1, Título 68, § 35, como exceção ao princípio de que ninguém pode usar da propriedade alheia: “E ninguém poderá meter trave em parede em que não tiver parte: porém se quiser pagar a metade do que a dita parede custou ao senhor dela, poderá nela madeirar, sendo a parede para isso . Pagava-se a metade do custo da parede. Passou-se a pagar o meio valor da parede e do chão correspondente. No direito anterior, era dito tratar-se de servidão (Lafaiete Rodrigues Pereira, Direito das Coisas, 1, 336), da servidão tigni irnmittendi. Dídimo da Veiga (As Servidões Reais, 159) e Virgílio de Sá Pereira (Manual, VIII, 292) construíram-no, respectivamente, como compropriedade de parede e como compropriedade da parede e do fundo. A opinião que exclui a servidão e admite a comunhão faz nascer a questão de causa dessa (venda e compra, R. Pothier, F. Laurent, T. Huc; desapropriação; ou misto de uma e outra, Marcel Planiol). Venda sem consentimento é aberrante dos princípios; desapropriação em texto geral, a favor de alguém, para que se explique a irresponsabilidade pelos vicios redibitórios, falha em se não exigirem pressupostos de interesse público. A velharia da servidão tigni immittendi, elevando-se a condomínio de superfície (Dídimo da Veiga) e de superfície de fundo (Virgílio de Sã Pereira), criaria questões delicadas, como a de reconstrução do prédio serviente. Quando os edifícios eram feitos para séculos, a servidão dependia de exigências óbvias; ao se tomar fácil a construção e


renováveis por força das circunstãncias, são tantas as complicações que a servidão tigni imrnittendi (jcom maioria de razão, a comunhão legal!) suscitaria, que se tornou de todo destoante das situações econômicas de hoje. De lege lata, é comunhão que se estabelece; de lege ferenda, a concepção da limitação do conteúdo do direito de propriedade impunha-se. As consequências são as seguintes: a demolição rege-se pelo condomínio; destruida a parede, quem depois construiu tem a metade do chão correspondente a ela. Mas a comunhão é pro diviso, só para o destino da parede — o que perdeu a metade do chão pode construir sobre o que perdera, e, até, exercer a pretensão de assentar parede em faixa maior. A lei cogita da aquisição da meação de todo o muro; não de meação até certa altura, ou a partir de certa altura. Não há, aí, comuneiros de tapumes por fração outra que a metade (Otto Warneyer, Kommentar, II, 136). Nos cantos, quatro podem ser os confinantes; ou mais, nos terrenos em ângulos com vértice comum; porém ai ainda há metades em ângulos de tapume, em partes iguais sobre o todo. Se o proprietário de um terreno constrói o tapume, por meia espessura. no terreno do vizinho, adianta-se à aquisição da meação do muro e terreno se o proprietário vizinho houvesse construído. Há usurpação de propriedade, talvez de propriedade e posse. O terreno pode ser reivindicado, ou ser restituído ao proprietário possuidor pela ação de posse, e demolido o tapume, que na parte usurpada do terreno é seu por acessão. Muito diferente é a situação do proprietário que constrói a parede divisória da casa na meia espessura do terreno do vizinho: aí, quem constrói usa do seu direito de vizinhança, sobre a faixa de terreno. Há, então, a parede-meia. No caso de construção e conservação do tapume, o recebimento da metade do tapume atribui ao confinante, que pagou, a propriedade da metade (indivisa) do tapume, não do terreno em que ele repousa: essa metade é parte integrante do prédio vizinho que pagou metade da construção. A figura é a de dois prédios, um dos quais passou a ter parte sobre o terreno alheio, mas, juridicamente, de base no terreno a que se ligou como parte integrante. A pretensão a haver a metade das despesas não é simétrica à pretensão do outro, a de pagar metade do valor dos tapumes e do terreno. Capitulo XVI Ação de parede-meia ou tapume-meio

§ 83. Paredes comuns e paredes-meias 1. Distinção entre os conceitos. Há paredes comuns ou em comum e paredes-meias. Não são a mesma coisa, no direito brasileiro; nem nunca o foram. A cáfila dos escritores apressados, que estudam as coisas pela rama, as tem confundido de modo lamentável. Na parede-meia, a metade da parede pertence a um e a outra metade ao vizinho, porque, ex hypothesi, a linha do limite a corta verticalmente. A unidade material da coisa — que é a parede — obriga a certas relações entre os dois donos, nessa comunhão que está mais perto da comunhão pro divíso do que da comunhão pro indiviso e em verdade é de comunhão pro diviso — idealmente dividida a coisa! — que se trata. As Ordenações Filipinas, Livro 1, Título 68, § 36, falaram da compra da “metade da dita parede”, que se entendia a metade material, e não a intelectual (não 1/2 mas até o meio). O madeiramento ou outros atos de construção podem levar a levantamento, que parede é ou se vai tornar parede-meia, e não parede comum, totius corporis. Manuel de Almeida e Souza (Casas, 57-58) sabia bem disso: “Digo do todo de uma parede, porque se só é consórcio em parte até onde tem madeirado, e quer madeirar daí para cima, é clara a nossa Ord. E., L. 1., 1. 68, § 36, a dar a providência. Falo no caso de ser comum toda a parede, e um dos sócios queira edificar junto a ela e superedificar nela”. Portugal recebeu dos velhos juristas a distinção e, nas Ordenações Filipinas, Livro 1, Título 68, § 36, como, hoje, direito brasileiro, o que se “adquire” é a metade material do chão e da parede, e não a metade ideal ou intelectual. 2.Meada e meação ideal. Os donos da parede-meia têm a meada, como se dizia no século XIV, que não é a meação ideal, a fração 1/2. As paredes-meias, como o muro-meio, a árvore-meia, são sujeitas às regras da comunhão pra divisa. Cada um pode nelas escavar, pregar quadros etc. Nunca, porém, ir à metade alheia, ao passo


que, sendo comum pro indiviso a parede, cada qual pode usar do todo, em que tem parte ideal. A distinção entre a parede comum, panes communis pra indiviso, e a parede-meia, panes communis pro divisa, era corrente entre os juristas dos séculos XV a XVIII e o nosso direito tem nela um dos seus princípios formativos. Ainda hoje, no caso dos apartamentos, é preciso indagar-se se trata de parede privativa, ou de parede-meia, ou de parede comum (pra indiviso), para se resolver se o comuneiro não precisa de ouvir aos outros para a destruir, ou alterar, ou se tem de ter o consentimento do comuneiro de parede-meia para alterá-la, ou destruí-la, ou se têm de consentir todos os que têm partes pra indivisa na parede. Se trata de parede-meia, os comuneiros do edifício que não têm a outra metade são estranhos a qualquer problema. 3.Parede “pro indiviso”. Se a parede pra indiviso com todos os comuneiros precisa de obras, é claro que isso compete ao administrador, ou tem de ser autorizado pela maioria. Se a parede não é comum pra indiviso a todos, mas apenas a dois ou mais, os condôminos — aí a figura é de condomínio — decidem, em reunião própria. Isto é, conforme o que já dissemos. Envolve sempre questão de fato, que não deixa de ser de certa delicadeza: saber-se, na ausência de estipulações contratuais no ato constitutivo da comunhão pro diviso no edifício de apartamentos, a parede de um andar é meia ou comum a todos os donos do prédio ou só aos donos do andar em que se ergueu. Naturalmente, abstraímos do esqueleto metálico, ou de cimento, do edifício, pois esse, ainda por dentro das paredes, é comum de todos os comuneiros. As obras necessárias às paredes-meias podem ser de custeio comum se têm de ser em ambos os lados.

4. Pintura externa. Nem sempre se permite a simples pintura da parte externa, por dentro dos andares, se bem que de regra só se proiba a variação de parede externa, por fora do edifício.

§ 84. Figurantes das ações 1.Vizinhos livres e vizinhas ligadas. Nos casos de vizinhos livres (vizinhos de dois edifícios, ou de edificios sem serviços e despesas comuns), ou de vizinhos ligados (comunhão pra divisa dos apartamentos, ou de casas de um clube, ou fazenda), a parede-meia ou a parede comum é tapume divisório. Nenhum dos confinantes pode demolila, madeirar sobre ela, ou aumenta-la, se não agúenta a nova construção, realicerçá-la com dano, ou com ameaça de dano, ou de qualquer modo prejudicá-la, ou pó-la em risco, encostar-lhe obras daninhas, como fornos, aparelhos higiênicos, fossas, canos de esgoto, depósito de sal, ou outras substâncias corrosivas.

2. Ações proponíveis. Os que constroem primeiro ficam com direito a entrar até meia espessura da parede no terreno contíguo, parede cuja largura e profundidade eles fixam. O vizinho livre ou o ligado pode pedir para concorrer, desde logo, com a metade do preço, caso em que têm ambos pretensão a fixar a largura e a profundidade, atendendo-se ao que querem construir. No caso de divergência, qualquer tem ação para que se decida quanto à largura e profundidade. Pode ser a ação declarativa, ou, se houve infração de regra jurídica, a ação de condenação. Pode também ser a ação para construir a parede, cuja sentença, de força executiva, autoriza o vencedor a iniciar a obra, de acordo com o seu plano e projeto, ou com o que constar da sentença.


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