TRATADO DAS AÇÕES – TOMO VII – AÇÕES EXECUTIVAS Tábua sistemática das matérias Parte I Ações executivas em geral Capítulo II Conceito e natureza da ação executiva § 1º Conceito da ação executiva. 1. Fixação conceptual e Ciência do Direito. 2. Tipicidade das ações e das sentenças e ações executivas § 2º Dados históricos. 1. Prévia advertência. 2. Conceito de execução § 3º Função do juiz. 1, Execução pelo Estado. 2. Função do juiz da execução. 3. Tutela própria e executividade. 4. Prestação jurisdicional e execução. 5. Dois sentidos de executar: execução judicial e “executividade” § 4º Eficácia sentencial. 1. Eficácia executiva das sentenças de condenação. 2. Prestação jurisdicional e ação executiva. 3. Força de executividade, efeito mediato e referência legal a sentenças e títulos executivos extrajudidais. 4. Ação executiva pessoal e ação executiva real.5. Cautelaridade e execuuvidade
Capítulo II
Legitimação ativa nas ações executivas § 5º Pressupostos. 1. Execução estatal. 2. Espécies de ações executivas e titularidade ativa. 3. Ações executivas de cognição incompleta. 4. Judicialização da execução forçada § 6º Eficácia executivo sentencial. 1. Força executiva e efeito executivo. 2. Elemento condenatório Capítulo III Legitimação passiva nas ações executivas
§ 7. Pressupostos. 1. Execução estatal. 2. Sujeitos passivos § 8. Espécies de legitimidade passiva. 1. Réus e litisconsortes unitários. 2. Sucessores e legitimação passiva.3. Fiador e fiador judicial. 4. Fiador e sub-rogação pessoal. 5. Novo devedor, por ter assumido, com o consentimento do credor, a divida. 6. Devedor de tributos. 7. Terceiro e execuções reais. 8. Legitimação processual e eficácia Capítulo IV Bens sujeitos à execução
§ 9º Dados históricos e conceptuais. 1. Patrimônio e execução. 2. Bens do sucessor singular. 3. Bens do sócio e execução. 4. Bens em mãos de terceiro. 5. Desistência nas ações executivas
Capítulo V Eficácia executiva imediata e eficácia executiva mediata
§ 10. Pesos eficacias nas ações executivas. 1. Relevando assunto da executividade imediata. 2. Executividade mediata
Parte II Ações Executivas especiais Capitulo I Ações executivas típicas § 11. Precisões conceptuais. 1. Tipicidade e pesos. 2. Titulo e execução
Capitulo II Ações Executiva de sentença § 12. Conceito e natureza da ação executiva de título judicial. 1. Preliminares. 2. Conceito. 3. Natureza da ação executiva de sentença § 13. Sentença geradora de ação executiva. 1. Espécies de ações de que resulta a sentença exequenda. 2. Ponto ou pontos da sentença que têm 3 de executividade. 3. Sentença homologatória de transação ou de conciliação e sentença arbitral. 4. Sentença estrangeira homologada pelo Supremo Tribunal Federal Capitulo III Ação Executiva de Títulos extrajuduciais
§ 14. Conceito e natureza da ação executiva de títulos extra judiciais. 1. Razões da colocação. 2. Dados históricos. 3. Títulos executivos extrajudiciais § 15. Relação jurídica processual. 1. Unilinealidade e angularidade. 2. Ação executiva de cognição incompleta e ação de execução de sentença. 3. Pretensão à tutela jurídica executiva §16. Ação executiva de incompleta cognição e títulos extra judiciais. 1. Fundamento da execução com incompleta cognição. 2. Ações executivas e ações de condenação, cumulações. 3. Título extrajudicial e execução adiantada. 4. Responsabilidade do exeqüente pelos lanos que a execução causa. 5. Execuções desconstitutiias e execuções dentro dos autos Capítulo IV Ação de reivindicação § 17. Conceito e natureza. 1. Precisões conceptuais. 2. Proteção da propriedade
§ 18. Pretensões e ações que nascem do domínio.1 Ofensa ao domínio. 2. Domínio e “ius possidendi”. 3. Reivindicar. 4. “Vindicatio sacramento” e dever de tolerar a retirada da coisa § 19. Pretensão e ação de reivindicação. 1. Pressuposto do dominio atual. 2. Pressuposto da posse da coisa pelo réu. 3. Pretensão reivindicatória e legitimações ativa e passiva. 4. Cessibilidade da pretensão reivindicatória. 5. Pretensão à reivindicação e independência em relação a outras pretensões. 6. Ação reivindicatória e ação declaratória. 7. Ação de reivindicação e ação de indenização. 8. Lugar da entrega. 9. Ônus da prova § 20. Legitimação passiva na ação de reivindicação. 1. Possuidor mediato e possuidor imediato. 2. Possuidor imediato e “laudatio auctoris § 21. Objeto da ação de reivindicação. 1. Objeto de direito e ação de reivindicação. 2. Individuação do bem reivindicando § 22. Defesa e exceções do demandado. 1. Objeção radical. 2. Objeção ao “ius possidendi’. 3. Legitimação a possuir por parte do demandado. 4. Alegação de aquisição ao autor. 5. Alegação de direito de posse. 6. Extinção da pretensão à reivindicação § 23. Eficácia da sentença reivindicatória. 1. Força da sentença reivindicatória. 2. Dever de assistir na retificação do registro do imóvel. 3. Alienação antes da reivindicação. 4. Reivindicatória e ação declaratória da propriedade § 24. Cumprimento da sentença reivindicatória. 1. Sentença favorável na ação de reivindicação. 2. Impossibilitação da reivindicação. 3. Condenação em indenização. 4. Possuidor imediato. Réu na ação. 5. Sentença contra o possuidor mediato § 25. Reembolso de gastos ao possuidor. 1. Problema técnico do reembolso. 2. Quando há direito ao reembolso. 3. Benfeitorias necessárias e gastos necessários. 4. Direito de retenção que tem o possuidor com benfeitorias. 5. Benfeitorias feitas por antecessor do demandado § 26. Valor das benfeitorias. 1. Valor atual e valor de custo. 2. Boa-fé e má-fé. 3. Benfeitorias úteis e gastos úteis. 4. Benfeitorias voluptuárias. 5. “Mora accipiendi” do Proprietário. § 27. “ius tollendi”. 1. Conceito de “ius tollendi”. 2.Se não foi o dono da coisa que a uniu á outra. 3.Pretensão a toler. 4.Interesse no toler. 5. Indenização em caso de “ius tollendi” § 28. “Utilis rei vindicatio”. 1. “Utilis rei vindicatio” e direito romano. 2. As teorias em torno das fontes romanas. 3. As espécies de aquisição com dinheiro alheio e com dinheiro brasileiro
Capítulo V Ação de vindicação da enfiteuse § 29. Ações que competem ao enfiteuta contra o senhorio. 1. Ação de vindicação. 2. Imissão na posse. 3. Ação Publíciana. 4. Ações de evicção e de redibição. 5. Ação confessória § 30. Ações do senhorio contra o enfiteuta. 1. Pretensão e ações do senhorio. 2. Ação de comisso § 31. Ações possessórias. 1. Enfiteuse e posse. 2. Ação possessória contra o senhorio
Capítulo VI Ação de execução da hipoteca anterior ou da hipoteca do prédio adquirido § 32. Conceito e natureza. 1. Ação de execução da primeira hipoteca ou da hipoteca do prédio adquirido. 2. Pressupostos da ação de execução do imóvel hipotecado
Capítulo VII Ação de vindicação de direito real limitado § 33. “Ususfructus vindicatio”, “usus vindicatio”, “habitationis vindicatio”. 1. Vindícação. 2. “Actio confessoria” e ações no direito anterior. 3. Ações de alguém por frutos que lhe pertencem. 4. Legitimação passiva § 34. Domínio e direitos reais limitados. 1. Impropriedades conceptuais do passado. 2. Independência dos direitos reais limitados. 3. Direito pessoal e direito real. § 35. Diferença de conteúdo. 1. Domínio. 2. Bens móveis e bens imóveis. 3. Bens corpóreos e bens incorpóreos. 4. Comunhão § 36. “Servitutis vindicatio”. 1. Vindicação da servidão. 2. Legitimação passiva
Capítulo VIII Ação de imissão na posse § 37. Conceito e origens. 1. Conceito da ação de imíssão na posse. 2. Origens. 3. Missão na posse e imissão na posse § 38. Legitimações ativa e passiva. 1. Legitimação ativa. 2. Comparação com os interditos possessórios. 3. Conteúdo da ação. 4. Natureza da ação. 5. Adquirentes de bens, sem posse. 6. Terceiro. 7. Administradores. 8. Mandatário § 39. Procedimento 1. Propositura. 2. Alternativa.3. Perdas e danos. 4. Liquidação de perdas e danos na execução. 5. Terceiro e imissão na posse. 6. Alegação de ineficácia do título. 7. Exceções, inclusive de retenção
Capítulo IX
Ação de vindicação da posse
§ 40. Conceito e natureza da ação de vindicação da Posse. 1. Conceito. 2. Natureza da ação de vindicação da Posse. 3. Pretensão e ação vindicatória da posse. 4. Ação petitória da posse. 5. Origem da ação de vindicação da posse. 6. Posse imediata e posse mediata. 7. Fim da tutela vindicatória da posse § 41. Legitimação à pretensão e à ação de vindicação da posse. 1. Legitimação ativa. 2. Posse imediata e posse mediata. 3. Legitimação passiva. 4. “lus possessionis” e “ius possidendi”. 5. Perda da posse e ação de vindicação da posse. 6. Jurisprudência em torno da ação de vindicação da posse. 7. Petitoriedade da ação e prescrição § 42. Ação de vindicação da posse de título ao portador. 1. Perda e furto de títulos ao portador e ação de vindicação da posse. 2. Ação vindicatória da posse. 3. Ação de direito à posse, e não ação possessória. 4. Ação vindicatória específica. 5. Perda e furto, abuso de confiança, diferença de tratamento. 6. Melhor posse e vindicação. 7. Natureza da regra jurídica sobre vindicação da posse. 8. Prova a ser feita
Capítulo X
Ação do titular do direito de preferência para haver do terceiro a coisa § 43. Precisões conceptuais. 1. Executividade de ação do titular do direito de preferência. 2. Duas ações § 44. Ação do titular do direito de preferência contra o obrigado e ação do obrigado. 1. Eficácia das duas ações. 2. Terceiro
Capítulo XI
Ação de petição de herança § 45. Precisões quanto a dados históricos. 1. Direito romano e sistemas posteriores. 2. Mudanças e consequências. 3. Direito brasileiro § 46. Legitimação ativa. 1. Legitimação dos herdeiros quanto ao todo da herança. 2. Herdeiros testamentários. 3. Herdeiro desconhecido e herdeiro ausente. 4. Atitude volitiva dos herdeiros. 5. Transmissão da herança e aceitação § 47. Conceito e natureza da ação de petição de herança. 1. “Hereditatis petitio”. 2. Fusão de ações. 3. Ação de petição de herança e ação declaratória do direito hereditário. 4. Natureza da ação de petição de herança. 5. Prescrição da ação de petição de herança. 6. Coisa julgada e sentença na ação de petição de herança. 7. Ações de restituição, fora da ação de petição de herança § 48. Legitimações ativa e passiva. 1. Legitimação ativa na ação de petição de herança. 2. Legitimação passiva § 49. Alegações e provas. 1. Prova e ônus da prova. 2. Bens objeto da ação de petição de herança § 50. Eficácia sentencial. 1. Eficácia da sentença na ação de petição de herança. 2. Restituição dos bens. 3. Boa-fé do possuidor da herança. 4. Gastos do possuidor § 51. Herança vacante e petição de herança. 1. Ação declaratória e petição de herança vacante. 2. Precisão. § 52. posse e usucapião. 1. Usucapião e petição de herança. 2.. Posse de coisa singular. 3. Pretensões do herdeiro Capítulo XIV Ações do pré-contraente vendedor e do pré-contraente comprador § 53. Fundamentos da ação do pré-contraente vendedor ou comprador. 1. Promitente vendedor ou comprador. 2. Relações jurídicas. 3. Pré-contraente comprador e sua pretensão de direito material. 4. Pré-contrato em forma particular. 5. Natureza da sentença. 6. Sentença com força executiva. 7. Cláusulas do pré-contrato. 8. Execução e não ficção. 9. Propriedade gravada. 10.Notificação 11. Impugnação § 54. procedimento e alegações. 1. Procedimento e instrução. 2. Mora e ação do outorgado pré-contraente.Ação de despejo § 55. Sociedades e dissolução. 1. Sociedades de direito e sociedades de direito público. 2. Dissolução “ipso iure”
. 3. Liquidação judicial. 4. Legitimação ativa. 5.Subsistência da sociedade. 6.Dissolução de pleno direito. 7.Dissolução dependente. 8. Ação de liquidação. § 56. Procedimento. 1. Liquidante. 2. Escolha feita pelo juiz. 3. Inventário e balanço. 4. Dever de cobrar e dever de solver. 5. Proposta da forma de divisão ou da partilha. 6. Audiência dos interessados. 7. Processo da divisão e partilha. 8. Sobrepartilha. 9. Liquidação das sociedades, processo § 57. Sociedade não-personificada. 1. Dissolução da sociedade sem personalidade jurídica. 2. Natureza da sentença de dissolução da sociedade não-personificada § 58. Dados históricos e natureza da ação de despejo. 1. História e natureza da ação. 2. Legitimação ativa. 3. Legitimação passiva. 4. Pendência da ação de despejo § 59. Procedimento. 1. Citação do fiador. 2. Relação jurídica de locação. 3. Rito processual da ação de despejo: princípio e exceção ao principio da ordinariedade. 4. Pluralidade de réus. 5. Preclusão e não confissão. 6. Prazo para a contestação e outras regras jurídicas. 7. Exceção de benfeitorias necessárias ou úteis. 8. Reconvenção. 9. Litispendência e coisa julgada.10.Abandono da posse do prédio antes de se proferir a sentença. 11. Imissão na posse. 12. Prazo para desocupar. 13. Habitantes do prédio. 14. Retirada ou depósito. 15. Prazo irrenunciável e indispensável. 16. Óbice ao despejo § 60. Direito de retenção. 1. Retenção pelo locatário e alienação do bem. 2. Credores do dono ou titular do crédito sobre a coisa retenda. 3. Credores privilegiados e titulares de direitos reais. 4. Conteúdo da regra jurídica sobre suspensão do despejo. 5. Enfermidade grave
Capítulo XV
Ações de divisão e ações de demarcação de terras § 61. Divisão e pretensão à divisão. 1. Divisão de terras e ação de divisão. 2. Legitimação passiva. 3. Divisão e partilha de coisas móveis § 62. Ação de demarcação de terras. 1. Demarcação e ação de demarcação. 2. Natureza da ação § 63. Divisão e demarcação voluntária. 1. Jurisdição voluntária. 2. Natureza da ação § 64. Natureza da sentença de divisão. 1. Natureza da sentença. 2. Fases da ação de demarcação
Capítulo XVI
Ação de quem perdeu ou a quem foi furtado título ao portador § 65. Dados e conclusões. 1. Títulos ao portador. 2.Perda e furto de títulos ao portador e ação vindicatória da posse § 66. Posse e prova. 1. Melhor posse e vindicação. 2. Prova a ser feita. 3. Perda e desapossamento
Capítulo XVII
Ação de nunciação de obra nova
§ 67.Conceito e natureza da ação nunciativa. 1.“Operis novi nuntiatio”. 2. Cumulação objetiva. 3. “Opus § 68. Fundamentos e procedimentos. 1. Pretensão de denunciar e seus fundamentos. 2. Em que se baseia a pretensão de nunciar. 3. Obra nova. Relação de vizinhança. 5. Servidão e obra nova. 6. Embargo extrajudicial. 7. Pluralidade de nunciados. 8. Ratificação. 9. Legitimação ativa pelo direito real ou pela posse. 10.Condomínio ou outra co-propriedade 11. Município. § 69. Medidas aplicáveis e processo. 1. Embargo da obra. 2. Auto de embargo. 3. Pedidos do nunciante. 4. Apreensão e depósito de materiais e produtos retirados. 5. Notificações e intimações. 6. Estado da obra embargada. 7. Justiça ou injustiça da nunciação. 8. Auto circunstanciado 9. Estado da obra. 10. Rito processual da nunciação. 11. Pretensão a afirmar o contrário. 12. Pluralidade de legitimados passivos. 13. Eficácia sentencia!. 14. Pluralidade subjetiva ativa. 15. Se não foi contestado o pedido. 16, Relevância da remissão. 17.Caução pelo nunciado. 18. Objeto da caução. 19. Prejuízo causado e caução. 20. Continuação da obra e do processo. 21. Regulamentos administrativos. Capítulo XVIII
Outras ações executivas
§ 70. Ações executivas. 1. Referência 2. Direito processual e direito material. 3. Ação de cobrança de determinadas dívidas § 71. Eficácia executiva imediata. 1. Distinção. 2. Ações constitutivas mandamentais e condenatórias
Parte I Ações executivas em geral Capítulo 1 Conceito e natureza da ação executiva
§ 1º Conceito da ação executiva 1.Fixação conceptual e Ciência do Direito. Partindo do que cientificamente está assente na ciência do direito, com a classificação das ações e das sentenças em cinco espécies, que se ligam às cinco pretensões, temos de levar em consideração a) as estruturas da relação jurídica processual, se as ações são executivas, b) a discriminação pela preponderância e as combinações das cinco pretensões, com os seus pesos de eficácia (declaratividade, constitutividade, condenatoriedade, mandamentalidade e executividade), e c) a natureza das ações executivas, por sua preponderância eficacial. Gravíssimo erro seria só termos como ações executivas as ações executivas de sentença e as ações executivas de títulos extrajudiciais. Há mais ações executivas do que as que entram nas subclasses das ações executivas de títulos judiciais e das ações executivas de títulos extrajudiciais. Apenas como exemplos, pensemos na ação de reivindicação, na de petição de herança, na do précontraente comprador para exigir o cumprimento com adjudicação, na do pré-contraente vendedor para a execução da dívida de declaração de vontade, na de depósito, na de reintegração da posse, na de divisão, na de imissão na posse. A maior conquista jurídica no século XIX e começo deste foi elevar tais temas à categoria de problemas científicos, buscando-lhes soluções com os coordenados recursos de historiadores, etnologistas, juristas e filósofos das ciências sociais, O terna da pretensão a executar, que é tema básico, foi o último a conseguir esclarecimento suficiente, já em nosso tempo, com os trabalhos de Anton Menger (Beitráge zur Lehre von der Execution, Archiv for die civilistische Praxis, 55, 371-418), de Friedrich Stein (Grundfragen der zwangsvollstreckung, especialmente l8sà, de Josef Kohler (Ober executorische Urkunden, ArchiL) for die civilistische Praxis, 72, 1-41), de ,James Goldschmidt (Ungerechtfertígíer ckLLngsbetrieb, 36 s.) e de outros que citaremos nos lugares próprios, entre os quais Rudoli Pollak (System, 33ª-3ª4). Na etimologia, sequl está abaixo de todas as formas posteriores, sequor, secutus. Enorme a quantidade de palavras que daí vieram. Pense-Se em secunduTn, segundo em secundar, sequela, sequência~ sectário, segundo (divisão do tempo), obséquio, subsequénte, perseguir, consequência, Consequência, séquito, consecução, executar, execução. O executar é ir extra, é seguir até onde se quer. Compreende-se que se fale de execução, de ação executiva, quando se tira algo de um patrimônio e se leva para diante, para outro. Compreende-se também que se vá ao extremo de se ligar à execução, lato sensu, qualquer cumprimento de sentença, mas essa dilatação de sentido é a científica. Temos, na Ciência do Direito, de atender à classificação quinária das ações e das sentenças. Tudo aconselha a que se evite a palavra “executar’ ou “execução”, para se nomear o atendimento ao cumpra-se, à ordem; a fortiori, a aplicação da lei. “Executar” mandado, ordem, ou lei, é termo impróprio, porque não atende a que a Ciência do Direito exige terminologia exata e precisa. Dai termos de afastar dilatações conceptuais, como aparece, por exemplo, em Afonso Fraga (Teoria e Prática na Execução das Sentenças, 13 s.). A critica que se faz à expressão “execução forçada” é descabível; porque a pessoa adimple, executa, retira, voluntariamente, do seu patrimônio o que há de ir ao de outrem: tem-se, então, execução voluntária. O único ponto intercalar é o de quem paga no momento em que vai ser citado: e. g., ao chegar o oficial mostra que já depositou na conta do credor. A citação já não tem a eficácia da angularização. O emprego de “execução” como que abrangendo todos os adimplementos é que se há de evitar, para que se não perturbe a classificação quinária.
Em vez do que se afirma comumente, quanto a ter-se de começar toda indagação científica do processo de execução pela análise do conceito de título executivo, é pela análise da sentença exequivel que se tem de começar. Não porque esse ponto de partida nos dê o fio histórico, desde os primórdios. Certamente, o título executivo, não-judicial, a actio iudicati concedida extra ordinem, como a manus iniectio, sem ser precedida de sentença (isto é, sem ser manus iniectio pro ludicato), foram posterius em relação à actio iudicati, ou à manus iniectio pro iudicato. Antes de haver a execução somente nos bens, é certo que já se havia operado a passagem da pretensão executiva às dívidas reconhecidas perante o magistrado (in iure) e à dívida do aeris confessus, e, com maioria de razão, à divida do nexus. As duas transformações são, até cedo ponto, paralelas. Porém, remolamente, a execução era privada, sem monopólio estatal, — obra do credor. O que nos faz acentuar o valor da execução de sentença como prius lógico é o ter — se falado, depois, em equiparação dos títulos à sentença. Vale a pena prestar-se atenção a esse ponto: desde que passou ao Estado o monopólio das execuções forçadas, a ação de execução da sentença também se firmou como prius, em relação à ação de execução de títulos não-sentenciais. Tem-se, pois, de atender a que uma transformação influiu na outra. Havemos de atender a que nem todas as ações executivas são as que as leis costumam meter nos livros em que se cogita de procedimento executivo típico. Tipicidade, aliás, só processual. Daí a relevância de se estudarem as subespécies de ações executivas. 2. Tipicidade das ações e das sentenças e ações executivas. Como sempre, temos de partir de que há cinco classes de ações e de sentenças, e em todas elas se revelam as que se há de considerar típicas. Há as que preponderantemente declaram, as que preponderantemente constituem, positiva ou negativamente, as que preponderantemente condenam, as que preponderante mente mandam e as que preponderantemente executam. Todas têm os outros quatro elementos, em diferentes pesos. Mas, entre elas, ressaltam as que se podem considerar típicas, isto e, as que, com os seus pesos, de certo modo se põem em primeiro lugar, dentre as outras da mesma classe. Podemos dizer que a ação executiva típica é a actio iudicata ,ação executiva de título judicial; mas, com isso, afastaríamos outras ações executivas com 5 de executividade e 4 de manda-mentalidade, e teríamos de reputá-la a única. O que mais nos importa é não reduzirmos às ações de execução de titulos judiciais e às de títulos extrajudiciais a classe das ações executivas.
§ 2 Dados históricos 1.Prévia advertência. A diferença entre a ação executiva de títulos extrajudiciais e a ação executiva de sentença está em que, nessa, há cognição completa, preestabelecida pela eficácia executiva (pelo menos, peso 3) sentencial. Ao titulo extrajudicial o sistema jurídico atribuiu, excepcional e condicionalmente, eficácia executiva. No antigo direito romano, a execução era pessoal (manus iniectio), imposição judicial da mão, para fazer escravo, pela dívida, o devedor, e o deferimento de tal pedido (comunícação de vontade) do credor tinha a consequência de fazer servi loco a parte contrária, e só terceiro, o vindex, poderia retirar a mão do juiz, manum depeuere. Esse terceiro ou pagava imediatamente a dívida, ou, negando o cabimento de manus iniectio, entrava com pólo de relação juridica processual, e arriscava-se a pagar o duplo (6. Demelius, Die Confessio imrõmischen Civilprozess, 56). Assim foi que se criou a ação (actio legis) per manus iniectionem. Na manus iniectio, nota-se a execução de moto-próprio, mal transferida ao Estado; porém, o pedido tinha, desde esse estádio primitivo, de ser examinado, ou já o ter sido. Esse era o caso ordinário, o de cognição completa anterior, contida na sentença proferida in iudicio. Outro era o do aeris confessus, que se equiparava ao iudicatus (manus iniectio pro iudicato). Sempre se encontra a alusão a dívidas equiparadas à sentença, de modo que o Estado, ao receber a missão de se substituir às partes e de criar a relação jurídica processual (;o processo mesmo!), fez a actio iudicati dependente da sentença. Quando a técnica acentuou os casos de títulos executivos equiparados ao julgado, naturalmente teve de abrandar o rigor da primitiva manus iniectio. Não se justificaria que o devedor, que ainda não foi julgado (isto é, contra o qual não houve cognição completa), estivesse exposto a ser reduzido à escravidão, sem ser ouvido, sem se defender. Permitiu-se que ele fosse o seu próprio vindex, que se pudesse livrar do golpe de mão de outro, por si mesmo (manum sivi depeilere, sendo peliere oriundo de pulsum, golpe; cf. Karl Brugmann, Grundriss der vergieichenden Grammatik, 2 ed., 1, 466). Assim, chegou o direito romano a ter dois procedimentos diferentes da actio per manus iniectionem: o da
actio p. m. z. pro iudicato e o da actio p. m. :. pura, com a possível defesa pelo próprio devedor. Aqui, convém notar-se — porque é assaz importante para a interpretação, como base do estudo científico da pretensão de executar — que a manus iniectio, que se realizava in iure, continuou sendo o objeto do processo e da sentença, e não prevaleceu a cognição in iudicio, porque a actio derivava da manus iniectio, e não do direito material (Rudolf Sohm, Institutionen, Geschichte und .System des rômischen Privatrechts, 291). Merece isso toda a atenção. Cai por terra a tese dos que pretendem que proveio do direito germânico a defesa do réu nos processos executivos. O que se infiltrou de germânico foi apenas a preponderância do elemento comunicação de conhecimento, em relação ao de comunicação de vontade. A base continuou sendo a actio iudicati romana, que foi a revelação prática da autonomia da pretensão de executar. A ação de execução da sentença é que é o protótipo da ação executiva “lato sensu’. A ação de execução de títulos extrajudiciais e outras ações de execução são apenas “equiparações”. Equiparações de direito processual, como o nexus e a cláusula executiva (quando o sistema jurídico o permita), ou equiparações de direito material. 2. Conceito de execução. A execução é o atendimento ao enunciado que se contém na sentença, e esse enunciado não é, em si mesmo, bastante. Há, em qualquer execução, ato, e não só pensamento. Sentenças há (as declarativas e as condenatórias) em que o ato não aparece, nem nelas está: carecem de ato. Sentenças há (as constitutivas e as executivas) em que o réu é condenado a emitir declaração de vontade, cuja sentença basta à eficácia da declaração não emitida, ação em que o ato — a execução, pois — está incluso no pensamento. Sentenças há em que o ato é imediato ao pensamento: tais as das ações mandamentais. Sentenças há em que o ato é anterior ao pensamento, é prévio: as das ações executivas de títulos extrajudiciais. E ato anteposto ao enunciado da condenação. Sentenças há em que o ato de cada uma é ela mesma, quasem pensamento, razão por que, de regra, não têm o conteúdo discursivo das outras sentenças: e é o que ocorre nas ações executivas, cujo ato é mediato a algum pensamento que pode estar noutra sentença, proferida noutro processo. As tabelas de pesos de eficácia que temos feito, nos Comentários ao Código de Processo Civil e neste , mostraram-nos tudo isso, e foram resultado de nossos penosos trabalhos, através de decênios, de aplicação da lógica contemporânea ao direito processual. A execução, em sentido estrito, é a execução em que o ato é mediato ao pensamento. Essa mediatidade permite que se tratem no mesmo processo a preparação do pensamento, a que tende a série de atos processuais nas ações condenatórias, e a preparação do ato, com os seus trâmites de prática, ou que separem os processos. Seja como for, a unicidade de processo, depende de simpatias do legislador processual, não pode elidir a dualidade das pretensões e ações, condenatórias e executivas. Só se destrói essa distinção indo-se até o plano pré-processual, onde às vezes é possível fazerem-se constitutivas ou mandamentais a pretensão e a ação, que seriam, historicamente, ou pela mais fácil sugestão da experiência, binárias (condenatória, executiva).
§ 3ª Função do juiz
1.Execução pelo Estado. A execução não tem a função de juridicizar o não-jurídico que a sentença apontou. Alguns juristas ousaram dizê-lo. Não é isso o que se passa. A execução é praticada, como as sentenças declarativas, as condenatórias, as constitutivas e as mandamentais, no plano processual, onde pode ser injusta como aquelas sentenças o poderiam ser. Também ela reflete a falibilidade dos juizes; também ela não tem a finalidade gnosiológica de fazer do branco preto e do preto branco. O jurista tem de sofrer que haja dois planos que deveriam coincidir, e talvez, in casu, não coincidam. É a discordância possível — às vezes trágica — entre a incidência e a aplicação da regra juridica. Não raro entre a própria sentença e o seu cumprimento. Por onde se vê como as “ações” executivas e as demais servem ao homem, sem infalibilidade. (Quem sofre a execução forçada não aliena, nem renuncia, nem abandona, nem perde por desapropriação. Mas algo ocorre que tornou o seu patrimônio exposto à intervenção do Estado, que a todos prometeu, na espécie, satisfazer a pretensão à tutela jurídica. A situação de quem sofre a execução forçada é semelhante à de quem abandona e à de quem renuncia, mas pode dar-se que não tenha provindo do devedor o fato pelo qual responde, e
isso bastaria para se mostrar a que extremos de erros levaria qualquer assimilação da perda por execução forçada à perda pelo abandono ou pela renúncia).
2. Função do juiz da execução. A função do juiz, executando, é função judicial, e não função do Poder Executivo. A pretensão a executar e a ação de execução são pretensão e ação, como as outras. O Estado exerce, aí, em vez da execução pelo próprio obrigado (= executando), a execução sua ou execução forçada. Tal como, tratando-se de ato em que pudesse haver defesa própria do autor, exerceria esse a defesa. Onde o titular do direito poderia, em formas sociais primitivas, declarar, constituir, condenar, ou mandar, o Estado, hoje, declara, constitui, condena, ou manda (monopólio estatal da justiça). Esse monopólio estende se à execução forçada. Considerar-se, aí, executiva (isto é, de Poder Executivo) a função, e não-judicial, provém do uso das mesmas palavras (executiva, execução); bem como do erro de se considerarem pertencentes na fonte, sempre, ao direito material, privado ou não, que rege a res in iudicium deducta, as pretensões declaratória, constitutiva, condenatória, executiva e mandamental. Essas pretensões são, às vezes, estranhas ao direito material (res in iudicium deducta) e pré-processuais. A pretensão à tutela jurídica é a mesma, em espécies diferenciadas, conforme a res deducta. O principio lurisdictio in sola notione consistit não só foi tornado obsoleto, como, também, no seu tempo mesmo, era falso. 3.Tutela própria e executividade. (a) Tem-se procurado apontar casos em que a ação de execução ainda se haja deixado à própria pessoa. Um deles seria típico: o da defesa do autor, ou do réu, vencedor quanto ao direito de retenção. Ora, quando a sentença declarativa ou condenatória reconhece direito de retenção, não se pode dizer que tenha deixado ao titular de tal direito a execução. A pretensão à declaração é uma; a pretensão a defender a sua posse é outra. Quando o vencido tenta retomar a coisa retida (bastou declarar-se o direito de retenção, porque a coisa estava com o vencedor), a defesa própria é a do possuidor turbado ou esbulhado, que, de imediato, com a sua própria força, ou se mantém ou faz restituir-se-lhe o bem, e essa defesa contém as duas pretensões e ações (a de cognição e a executiva). Dar-se-ia o mesmo, se não tivesse havido sentença declarativa ou condenatória. Apenas, ao defender a sua posse imediata, o titular do direito de retenção tem a seu favor a sentença declarativa ou de condenação em que se lhe declara esse direito; quer dizer: está subjetiva e objetivamente dispensado de o declarar, por si só, pois que tem esse direito: está manifestada, a seu favor, a função judicial declaradora do Estado, de modo que, subjetiva e objetivamente, prescinde da tutela própria, assaz primitiva. Não há falar-se, portanto, em executividade, a propósito de exceção de ius retentionis. (b) A ação de execução pode deixar de ser ação autônoma, para se fundir noutra ação, se essa é mandamental. O ato, que seria prévio, ou mediato, passa a ser imediato. (c) A ação de execução desaparece se o ato, que se esperaria, está incluso no pensamento; vale dizer: se a ação se fez constitutiva. Também a ação deixa de ser executiva para ser mandamental quando o ato passa a ser ato mandado praticar pelo juiz da sentença proferida. (d) A ação condenatória pode ser desmunida de execução. É o que se passa, de regra, com as ações condenatórias contra a Fazenda Pública. Em todo caso, veja-se o art. 731 do Código de Processo Civil. Se a ação condenatória não tem, pelo menos 3 de executividade, não basta à execução.
4.Prestação jurisdicional e execução. A prestação jurisdicional é, de regra, a sentença, a decisão; mas, vulgarmente, quando se fala de fim do processo, ou de força vinculativa da sentença, toma-se a palavra “sentença” em sentido estrito. Ora, no processo de execução, o conteúdo da sentença perde aquela compactitude, aquela unidade, que tem a sentença declarativa, ou a condenatória, ou a constitutiva, ou a mandamental. Há toda uma série de atos, dos quais o mais típico, o especificamente executivo (adímplente), é o leuantamento do preço pelo exeqüente, ou a adjudicação ao exeqüente ou a remição, com o conseqúente levantamento do preço, a entrega da coisa sem ser mediante caução, tratando-se de execução de entrega de coisa certa, ou a entrega do total do custo da obra, ou da obra, ou a sentença
em que há a declaração de vontade prometida se trânsita em julgado. Em todos os casos, menos no último, a sentença como que se dilui, pela incompactitude do seu conteúdo, que vem sendo composto, desde a citação, com o mandado de adimplir. É de grande relevância observar-Se que a ação executiva tipica já começa com o mandado de adimplir ou de sofrer o executando a série de atos que levam a completar-se o procedimento executivo. A eficácia mandamental Já começa com o inicio da execução. A sentença, quer nas ações executivas, quer nas outras, passa-Se no plano do direito processual. O que ela ‘realiza” tem o seu lugar no direito material, sem que mude o preto em branco, ou o branco em preto, como pretendia a teoria materialística do processo. Não é a sentença que faz ter sido executada, ou executarse a obrigação: é o fato que dai resulta. Se A diz que pagou a B, e pagou, mas B contesta, e vence, a sentença estabelece aquele novum, que é a declaração pelo juiz, e talvez não possa, sequer, ser rescindida: o plano do direito material lá está, não tendo o juiz do Estado o poder de mudar a realidade, os fatos da vida; o que lhe é dado é declarar, constituir, condenar, executar, mandar, sem ter outro poder que o de decidir, que é algo transcendente à realidade, e com o fundamento de realizar o direito objetivo e de pacificar. A realização do direito objetivo às vezes passa à frente da outra função que se atribui à Justiça. Nas execuções forçadas, o Estado executa pelo que devia executar: o Estado diz que alguém deve, decisão no plano processual, e entrega, dizendo que entregou pelo executado — o que talvez não coincida com a realidade no plano do direito material, ou porque o réu não devesse, ou porque o objeto da entrega seja diferente, ou não exista, ou não tivesse sido realmente entregue. A rescindibilidade de algumas sentenças tem por fim atenuar, em certos casos, essa discordância entre o fático e o sentencial. 5. Dois sentidos de executar: Execução Judicial e “Executividade”. Alguns juristas entendem distinguir a execução (estatal) administrativa e a execução (estatal) judicial como se fossem espécies de execução. As medidas de polícia seriam exemplo daquela. Porém, embora velada, esta ai, mais uma vez, a confusão entre função judicial de execução e função executiva (contraposta à função legislativa e judicial) de segurança pública ou prevenção. A execução administrativa pode ser similar à execução (judicial) forçada, quando se trate de executar por alguém, como por exemplo, se passou ao Municipio execução que caberia a particulares; e pode ser distinta da execução Gudicial) forçada, quando se trate de execução pelo próprio Estado, execução (voluntária), ainda que provocada (administrativa ou judicialmente), de obrigação sua, ou de dever seu. Por onde se vê que é perigoso apurar-se muito a distinção quanto à função, pois mais toca ao orgão. Aqui, só nos interessa a função executória judicial; portanto, a atividade dos órgãos judiciários. Outra atitude a eliminar-se é a dos que limitam as sentenças executivas à execução das obrigações de crédito: estariam fora as execuções em que não há o devedor (de direito das obrigações) constrangido a executar, ou assistir e sofrer a execução pelo Estado, dita forçada. Tal vício tão fundo foi que, ao se falar de execução, de teoria das execuções, só se pensava na execução pela falta de pagamento de alguma dívida. Dai dizer-se que toda execução supõe sentença proferida, após condenação do devedor. Não reparavam esses juristas em que, assim, reduziam a eficácia executiva das sentenças à espécie “sentença executiva proferida em processo que foi efeito de sentença condenatória”. Em vez de verem os fatos do mundo contemporâneo após as sínteses, tentadas e experimentadas, com a tese romana e a antítese germânica, esses juristas são vítimas do romanismo, quando, aliás, o próprio direito romano não limitava às ações de direito das obrigações a actio ludicati.
§ 4º Eficácia sentencial
1. Eficácia executiva das sentenças de condenação. A “execução”, no sentido em que se costuma empregar a palavra, pouco mais significa que o “efeito executivo” das sentenças de condenação, que leva à ação. No correr das exposições, estudamos os casos em que se trata de realização de “força executiva”. De modo nenhum se cogita, quando a lei fala de execução de titulos judiciais e extrajudiciais, do cumprimento das sentenças mandamentais em geral, ou das sentenças constitutivas, ou das sentenças declarativas. Quanto à força executiva das sentenças proferidas em processos nos quais se adiantou a execução, somente regra jurídica é aplicável, em tais processos, como conteúdo, e não como execução “da sentença”.
A pretensão a executar é que está à base. Pretensão que é, hoje, com o monopólio executivo do Estado, pretensão a obter a execuçâo. A palavra “execução” tem dois sentidos: um, estrito, que se refere à ação de execução da sentença. ou do título extraiudicial; e outro, largo, que abrange a execução da obrigação, qualquer que seja. Nessentido, “executa o devedor a sua obrigação”, “o juiz ordena que se execute a sentença mandamental, ou constitutiva”; de modo que não há, ai, a execução da sentença ou do titulo extrajudicial. A ação contra quem, em negocio iurídico se comprometeu a concluir um contrato e não cumpriu, ou contra quem prometera transferir propriedade de coisa determinada ou de outro direito, ou é condenado a declarar vontade, é ação que termina por sentença executiva, e não só por sentença exequível: tal sentença tem força, e não só efeito executivo, como se dá com ações” de execução de sentença e de execução de títulos extrajudiciais. Aconselhável é que se fale, a propósito das sentenças não-executivas, de cumprimento e não de execução. 3.(O sentido amplíssimo que se dá à execução de sentença, que é o de cumprimento das sentenças, aparece nas leis, aqui e ali. Todavia, aqui, o sentido, que nos interessa é o de atividade determinada pela força executiva, 5, ou pela eficácia executiva, 4 ou 3, das sentenças.) A execução da sentença sempre foi ação, — a ação correspondente à pretensão a executar. Nas Ordenações Afonsinas, Livro 111, Título 91, pr., está claro que se citava o réu condenado e se lhe assinavam dez dias para entregar a coisa certa, porque assim “disseram os sabedores antigos que compilaram as leis imperiais”. A princípio, tudo isso se passou de pessoa a pessoa; depois foi que se iniciou a tomar-se a coisa, “forçosamente per a Justiça”. Tratando-se de ação pessoal, também devia (§ 5) a parte ser citada “ante da execuçam . Cf. Tribunal Regional do Trabalho, 28 de dezembro de 1960 (DJ de 30 de dezembro): “É sabido, como aliás, ensina o mestre , que a execução não é parte integrante da própria ação, mas outra ação diversa, segundo estabelece o art. 165 do Código de Processo Civil de 1939. Como ação lhe são aplicáveis os arts. 182, 196, 207 etc., enquanto às sentenças são aplicáveis os arts. 798-801 do mesmo diploma legal citado, onde se trata de outra ação que para as regras de determinação da competência se acham estabelecidas nos itens do art. 884”. Já dissemos que o ter obtido o autor a sentença favorável, exequível, não lhe tira qualquer outra pretensão. Só lhe dá, a mais, a de executar. Se ele podia, antes da sentença, pedir, por exemplo, arresto, ou sequestro, continua a dispor desses remédios jurídicos preventivos. (O problema de se saber se é possivel pedir-se medida cautelar quando já se está habilitado à ação de execução de sentença era aquele, de que serviam os nossos maiores, para exemplificar a aplicação da regra “Quem pode o mais pode o menos”.) Cp. Cândido Mendes de Almeida, Auxiliar Jurídico, 438 s. Non debet cui plus licet, quod minus est, non licere. As duas pretensões, a pretensão a executar e a pretensão à cautela, são inconfundíveis. 2. Prestação jurisdicional e ação executiva. (a) A entrega da coisa devida, em vez do seu valor, contém o desapossamento de um, que deve, e a posse por outro, que pediu a execução. Assim se passa na ação de reivindicação, na entrega executiva de coisa certa, na ação de posse recuperatória. A ação de reivindicação é executiva, posto que nela se contenha a parte cognitiva, a que é cumulada. Sobre a ação de reivindicação, Tratado de Dzrezto Privado, Tomo XIV, §§ 1.571-1.583 e 1.585 (tabela). (b) A entrega do valor, em vez da coisa, supõe que não seja o caso de ser entregue coisa certa. Há algo de substitutivo, comparando-se com a espécie (a); porém, em muitos casos, devido à natureza da obrigação, não há qualquer alusão à substituição. E o direito material que diz o que é que se há de prestar. Não o direito processual. A natureza da prestação influi na técnica legislativa daquele. A sua politica jurídica, por exemplo, é que dá os limites da executabilidade pela entrega material, ou pelo valor, ou pela execução do fato ou do nãofato (desfazimento, nas obrigações de não fazer). Há dificuldades na execução forçada de obrigações de fazer ou de não fazer, de modo que os legisladores se saem dos embaraços reduzindo-as à de perdas e danos, ou com a cominação de quantia igual ou acima do valor da obrigação. O legislador brasileiro, que desse expediente lançara mão na espécie em que o locatário, notificado, deixa de restituir a posse imediata (cf. Código Civil de 1916, art. 1.196), de regra o evita. Não tínhamos nós a “astreinte” do tipo francês e hispano-americano; muito poderíamos ganhar em admiti-la sempre que a conversão em perdas e danos, ou outra constrição, fosse ilusória ou difícil. (O art. 302, XII, do Código de Processo Civil de 1939 veio admitir a cominação adstritiva, em termos largos, ao
lado de outros casos como o do art. 367. Vejamos, hoje, o que estatui nos arts. 901-906 do Código de Processo Civil de 1973, a cujos comentários nos reportamos). Se o devedor tem de pagar em dinheiro, mesmo por se ter substituído a obrigação de pagar coisa certa pela de pagar perdas e danos, e dinheiro não há, ou não se encontra, o caminho lógico é extrair dinheiro, pela venda, a bem ou a bens do executado. E quase a regra, nos fatos da vida, essa espécie de execução a que se pospõe o processo de redução de bens a dinheiro, colhendo-lhes o valor. A penhora, que é a medida constritiva típica, apanha o bem, em inicio de execução (elemento que, por certo, não surge, a despeito do que pretenderam alguns juristas, no arresto e no seqúestro, decisões mandamentais cautelares, preventivas). Se a penhora acautela é somente porque prende — constrição, porém, de finalidade já decidida: execução forçada da obrigação. Teremos ensejo de acentuar, mais uma vez, o papel da conversão, que, nas ações executivas, se consubstancia com a executividade, isto é, se entrosa na sequência de atos executivos. (c) A execução de sentença tem por si haver sido precedida pela ação de condenação, ou outra, cuja sentença, com 3 de executividade, se executa. Quer dizer: a ação executiva e, ai, pura, única (sem cumulação). Distingue-se daquelas em que a sentença da qual exsurgiria o efeito mediato executivo ainda vai ser proferida, e talvez não o seja. Tais as ações de título extra-judicial e outras da mesma natureza. A ação executiva contra quem, devedor, é condenado à declaração de vontade, pois que prometera emiti-la, é diferente: nela, são contemporâneas a sentença condenatória e a executiva; donde preponderar esse elemento, que é mais enérgico, por ser ato. Cumpre ter-se todo o cuidado em não se confundir: a) a pretensão a que o obrigado execute, que está no plano da res in iudicium deducta, e existe antes de sentença, com 14 a pretensão a que o Estado execute, que é pré-processual, porém não a do plano da res in iudicium deducta, e com c) a actio iudica ti, que nasce dessa pretensão. No correr da exposição, quando falamo5 de pretensão a executar, sem aludir ao direito material, é a b) que nos referimos. A prescrição da actio iudicati não obsta à declaratória dessa ação (J. F. Balbo, Tractatus de proescriptionibus, 1544, Secunda Pars principalis, pr., nº 12). (d) A condenação nas custas, essa, é sentença em ação condenatória proposta na ação que é julgada, qualquer que seja. Sentença inserta noutra sentença, que não precisa ser de condenação, e até pode ser sentença que julgue improcedente a ação principal. A noção de inserção ou cumulação implícita traduz melhor o que se passa do que a de acessoriedade, mais adequada a processos. O efeito executivo da sentença quanto às custas, e não da outra. 3. Força de executividade, efeito mediato e referência legal a sentenças e títulos executivos extrajudiciais. No direito processual civil, pôs-se como um dos titulos executivos judiciais o formal ou a certidão de partilha. Antes, se estabelecia que o formal e a certidão de partilha teriam força executiva contra o inventariante, os herdeiros e seus sucessores a titulo universal ou singular, sendo o processo o mesmo das demais execuções. Como a sentença nas ações de partilha, quer se trate de herança, quer de sucessão entre vivos, quer de comunhão, ou de sociedade, é de força executiva (5), não se poderia pensar em que se tivesse de propor outra ação para a execução, como se a sentença de partilha fosse simples sentença condenatória. O devedor deve ser citado, na ação executiva hipotecária, se foi cumulada a executiva pessoal, porque, nessa, só ele é parte. 5. Cautelaridade e executividade. A ação de exibição de bens ou de coisa comum é ação executiva cautelar, ou apenas, requerimento de ato de prova. Comparem-se, hoje, as regras jurídicas sobre exibição de documento ou coisa, que compõem conjunto relativo às provas, e as regras jurídicas que regulam a ação de exibição cautelar. Embora ação executiva, tivemos de cogitar da espécie no Tomo VI, em que tratamos das ações cautelares. São também ações executivas cautelares a ação de obra de conservação, a ação de entrega (cautelar) de bens próprios do autor e a ação de nunciação de obra nova. A ação de exibição de bens ou coisa comum, ou de exibição indenegável de documento, é executiva (2 de
declaratividade, 4 de constitutividade, 3 de condenatoriedade, 1 de mandamentalidade e 5 de executividade). 4. Ação executiva pessoal e a ação executiva real. As ações executivas ou são reais ou pessoais. Nas ações executivas reais, a posição do demandado é a de pessoa imediatamente interessada, passivamente, na execução: de algum modo a tem de tolerar. Nas ações executivas pessoais, a posição do demandado éa de quem sofre a execução, por sair do seu patrímonio o bem com que se satisfaz a pretensão oriunda do título executivo, extrajudicial ou judicial. Capítulo II
Legitimação ativa nas ações executivas
§ 5º Pressupostos
1. Execução estatal. O Estado, diante do exercício da pretensão executiva, faz passar ao patrimônio do autor da ação o bem que se achava no patrimônio do devedor. A espécie é, tipicamente, intercalar: não há alienação, ato divestitivo do devedor, nem ha desapropriação, ato expropriativo do Estado; o Estado retira a propriedade do devedor, sem ser em virtude de seu poder de desapropriar, poder especial, outorgado pela Constituição, na esteira histórica do direito brasileiro; o devedor, que sofre a execução forçada, não “alienou” (propriedade e posse), mas praticou ato ou foi responsável por fato de que advieram o dever de prestar e a pretensão executiva do credor. A pretensão à execução, de que se trata, ou é a) a que se exerce, tendo-sentença condenatória ou outra com carga suficiente (mediata) para execução (=sentença com peso 3 de executividade) ou b) a que se exerce tendo-se título executivo extrajudicial, ou c) a que se exerce como conteúdo da carga de eficácia executiva imediata 4, qualquer que seja a sentença, ou d) a que se exerce como em ação executiva sem sentença prévia e sem título que seja considerado titulo executivo extrajudicial. Na justiça de mão própria, era o credor que executava: retirava ao devedor o que ele havia de prestar, ou o que a isso equivalesse. O Estado sucedeu aos credores nessa função de retirar do patrimônio do devedor a coisa devida, ou o valor que tem de prestar, pois que, devendo prestar por ato próprio, não o prestou. A função do juiz que executa é função judiciária, e não de Poder Executivo. A execução, quer se trate de execução de títulos a que se conferiu eficácia executiva, quer se trate de execução de sentença, é em ação executiva. Ação executiva tem quem é titular de pretensão executiva, pretensão de direito material, privado ou público, que se não confunde com a pretensão pré-processual à execução forçada. A execução torna efetivo, através do Estado, por ato dele, em prestação jurisdicional, o adimplemento que competia ao devedor. Nem toda pretensão a que alguém preste coisa ou valor é pretensão exequivel pelo Estado. Daí perguntar-se o que pede que o Estado execute forçadamente (= em lugar do devedor) pode exigir do Estado que preste. Nem sempre pode o Estado prestar, em lugar do devedor, ao simples pedido de execução. Por isso mesmo, além das pretensões não munidas de ação, há as pretensões não munidas de ação executiva, razão por que se há de primeiro obter a sentença judicial com eficácia executiva (pelo menos 3 de executividade). Quem pede que o Estado preste pelo devedor, com os bens desse, alega que o devedor deveria prestar (pretensão de direito material). Mas só tem direito a pedi-lo se, na espécie, o Estado prometeu a tutela jurídica para a execução (= se há, na espécie, pretensão pré-processual à execução). A perda da propriedade ocorre quando o credor adjudicatário, ou o terceiro arrematante, ou adquirente por venda e compra deferida pelo juiz, se a lei, na espécie, o permite, se torna dono da propriedade. Não importa se a ação executiva foi iniciada com incompleta cognição, ou se o foi com a cognição completa que se exprime na coisa julgada da condenação anterior. Casos há em que o sistema juridico permite o salto — o juiz, em vez de somente condenar à declaração de vontade, condena a isso e a cumpri-la desde logo, o que equivale a adjudicar. No momento em que transita em
julgado a sentença, perde o direito de propriedade o dono do bem, posto que ainda haja discordância entre o registro e a história jurídica do bem. As inconveniências desse lapso são obviadas pela averbação do précontrato, em algumas espécies, ou o registro, noutras espécies; ainda noutras espécies, podem ser pelo registro cautelar da ação. Os dois ordenamentos jurídicos, o material e o processual, são distintos, suscetíveis de linhas discretivas, mais ou menos precisas; porém, não quer dizer isso que não haja contactos e reações, que levem, de um a outro, maior eficiência, ou a diminuam. Ninguém pode negar, ou não perceber, o reforçamento à atendibilidade do direito material que ao direito, à pretensão e à ação comunicam o fato de se ter, no direito processual, incluido o título do direito como executivo, o fato de se ter feito executiva a pretensão e o fato de se atribuir executividade à ação. Nem se pode menosprezar o que ministra ao direito processual o direito material quando edicta regra jurídica sobre prova. Na expressão “título executivo” alude-se ao titulo, titulus, e não só ao documento, à prova. A atribuição de executividade não exige a cártula, posto que, de regra, os títulos executivos extrajudiciais consistam em cártulas. Não há cártulas, que sejam objeto de posse, em certos direitos com ação executiva, que se mencionam, por exemplo, quando se fala de ações do serventuário de justiça, de perito, de intérprete, ou de tradutor, para cobrança de custas, emolumentos ou honorários aprovados por decisão judicial, de ação dos credores por foros, laudêmios, renda de imóvel e função em condomínio proveniente de contrato escrito. A definição de título executivo extrajudicial pertence ao direito pré-processual. Quando o direito material alude a titulo executivo, é à eficácia pré-processual executiva que se refere. O conceito mesmo é pré-processual. Se alguma regra jurídica, de direito material, fala de titulo executivo, ou de ação executiva, ou recebe o efeito processualístico, ou a regra jurídica mesma é heterotópica. Como heterotópica seria a enumeração dos títulos executivos extrajudiciais, se a técnica legislativa não tivesse adotado inserir-se na lei processual o que é referente à tutela juridica.
2. Espécies de ações executivas e titularidade ativa. As ações executivas ou são restitutivas (vindicatórias, possessórias de reintegração ou restitutórias), ou extrativas de valor. Nos direitos reais de garantia, por exemplo, a ação executiva hipotecária e a ação executiva pignoratícia são extrativas do valor do bem gravado, e a ação do titular do direito de anticrese é só restitutória, vindicativa ou possessória. As ações executivas ou são pessoais ou reais. Quando o titular de algum direito real de garantia exerce ação executiva para extração do valor do bem gravado, a ação dele é real. Não assim a ação do portador da letra câmbio, da nota promissória ou da duplicata mercantil. A ação do portador do cheque é real. Real é a ação do portador do conhecimento de depósito ou do warrant, ou da letra hipotecária, ou da cédula hipotecária, ou pignoratícia, ou mista. Tem-se de verificar a legitimação ativa, nas ações executivas. Os poderes ou são poderes de presentação ou poderes especiais. Lê-se no Decreto-Lei nº 70, de 21 de novembro de 1966, art. 29: “As hipotecas a que se referem os arts. 9º e 10 e seus incisos, quando não pagas no vencimento, poderão, à escolha do credor, ser objeto de execução na forma do Código de Processo Civil (arts. 298 e 301) ou deste Decreto-Lei (arts. 31 a 38)’. E no parágrafo único: “A falta de pagamento do principal, no todo ou em parte, ou de qualquer parcela de juros, nas épocas próprias, bem como o descumprimento das obrigações constantes do art. 21, importará, automaticamente, salvo disposição diversa do contrato de hipoteca em exigibilidade imediata de toda a dívida’. No art. 31, com a redação conferida pela Lei nº 8.004, de 14 de março de 1990: “Vencida e não paga a dívida hipotecária, no todo ou em parte, o credor que houver preferido executá-la de acordo com este Decreto-Lei formalizará ao agente fiduciário a solicitação de execução da dívida, instruindo-a com os seguintes documentos: 1 - o título da divida devidamente registrado; 11 - a indicação discriminada do valor das prestações e encargos não pagos; 111 - o demonstrativo do saldo devedor, discriminando as parcelas relativas a principal, juros, multa e outros encargos contratuais e legais; e IV - cópia dos avisos reclamando pagamento da divida, expedidos segundo instruções regulamentares relativas ao SFH.” E no § 1º: “Recebida a solicitação da execução da dívida, o agente fiduciário, nos 10 (dez) dias subseqUentes, promoverá a notificação do devedor, por intermédio de Cartório de Títulos e Documentos, concedendo-lhe o prazo de 20 (vinte) dias para a purgação da mora.” Ainda no § 2º: “Quando o devedor se
encontrar em lugar incerto e não sabido, o oficial certificará o fato, cabendo, então, ao agente fiduciário promover a notificação por edital, publicado por 3 (três) dias, pelo menos, em um dos jornais de maior circulação local, ou noutro de comarca de fácil acesso, se no local não houver imprensa diária.’ 3. Ações executivas de cognição incompleta. (a) O Estado, quando reputa a causa, ou algum documento, inclusive a sentença, suficiente para execução estatal, que é a única que ele admite, depois que proibiu a ajuda própria ofensiva — de que falamos no Tomo 1, 64, 130 e 243, bem como nos Comentários ao Código de Processo Civil, Tomo V, 223-260 s. — alia a essa condição de especialidade da causa ou certeza jurídica o conferimento de pretensão a executar, pretensão à tutela jurídica, como todas as outras. A certeza está longe de ser a mesma para todos os casos de eficácia executiva. A cognição da pretensão de direito material pode não ter sido definitiva, antecipando-selhe a execução; porque, em tais casos (raciocina o legislador), o que mais acontece é merecer o conferimento de efeito executivo o pedido, o documento ou a sentença. Alguma cognição há: não há completa. As razões que tem o legislador para antecipar a executividade, ou advêm da natureza da obrigação e da cártula em que se inscreve a), ou da natureza circulatória do título b), como se dá com os títulos cambiários, ou devido à pessoa do credor e ao valor probante dos seus escritos c). (b) Nas espécies a), o efeito executivo é superficial; nas espécies b), parcial ou com ressalva, porque só se admitem algumas exceções do réu; nas espécies c), a particularidade é subjetiva, salva a defesa do devedor (processo, já evoluído, injuncional). A parcela de cognição, com que se começa, justifica, no plano da construção jurídica, que se “adiante” ao autor a prestação jurisdicional de execução. “Parcela”, dissemos, para que o termo possa compreender a) o simples adiantamento (cognição adiantada), correspondente à provisoriedade característica da execução, b) a cognição parcial (quer dizer: “salvo” exceções admitidas), c) a cognição de primeiro exame ou superficial. Em qualquer desses processos, há cognição, maior ou menor, posto que incompleta; em todo caso, menor que a operada na execução da sentença. A correspondência entre a dose de cognição e a espécie de executiva é dado de técnica legislativa; de lege lata, constitui elemento de interpretação das regras de direito pré-processual. Como espécie de procedimento especial, o processo executivo caracteriza-se pela prevalência da eficácia executiva, em comparação com a eficácia declarativa, condenatória, constitutiva, mandamental, portanto, e pois com a função declarativa, constitutiva, de condenação e de mandamento do juiz. Não que essa cognição não se complete: apenas se adianta a prestação jurisdicional, que passa a ser, nas execuções provisórias, isto é, nas espécies a), completa quanto ao objeto e incompleta no tempo (portanto, provisória); ou se adianta em parte, quanto ao objeto, pela possibilidade de se contra-executar, tal como acontece às espécies b); ou se adianta nas espécies c), em virtude de primeiro e superficial exame, como ato de fé no valor mesmo dos escritos Em todas as três classes, ressalta que a prestação jurisdicional se completará por ocasião da sentença final, que é nos embargos do devedor. Portanto, o executivo de títulos extrajudiciais é apenas aquele em que, em vez de separado do processo cognitivo puro, em que a execução é outro processo, com a sua particularidade de inversão, o efeito executivo é atendido antes de se completar a cognição, que tem, nele, dois momentos: um, inicial, e outro, final. O processo ordinário e outros processos, de cognição completa final (e nenhuma, que se possa levar em grande conta, inicial), constituem os processos normais; os executivos com o início antes da cognição plena, anormais. À base desses está favor, e o interesse de execução vem à frente da simples e serena convicção completa do órgão do Estado. O processus executivus, de origem medieval, que ainda se encontra nos Códigos, foi o resultado da experiência — em que se não prosseguiu — de se estabelecer forma processual correspondente à espécie de pretensão a tutela jurídica. Os velhos juristas portugueses chamavam à execução da sentença (que se proferiu causa cognita, quer dizer, com a completa cognição) execução mera e aos juizes da execução executores meri, porque só lhes caberia tratar da execução das sentenças, não da justiça delas (“debent tractare de executione sententiae, neque de iustitia illius possunt se ulIo modo intromiú tere”). As ações executivas de cognição incompleta diziam-se mistas, porque, embora sejam causa non cognita, se evidenciam executivas per concessionem factam per Principerfl. A defesa faz-se para atacar a concessão (Pedro Barbosa, Comentarii ad interpretationem Tituli Pandectarum de Iudiciis, 4,62). Nas ações de cognição — ações declarativas em sentido larguíssimo, de que não usamos — há enunciados sobre incidência (toda aplicação de lei é enunciado sobre incidência) e certa quantidade de raciocínio que o juiz deve fazer. Nas ações executivas, ou há também, pela duplicidade de elementos (cognitivo executivo), esse
raciocínio, como é o caso das ações de titulos executivos extrajudiciais ou ficou para atrás, noutro processo, a cognição, como ocorre com as ações de execução de sentença. O enunciado sobre incidência, nas ações executivas, é mínimo, e não tem raciocinio posterior, que leve a, se preciso, confirmá-la. “O título é dito executivo: se deferido o pedido de execução.” A defesa do executado pela sentença — em embargos, não em contestação — e a do terceiro — também em embargos ou pelo recurso (com elemento mandamental negativo) do terceiro prejudicado — são ataques noutro processo, que, ainda no caso do recurso, conserva toda a reminiscência da ação autônoma. Nas ações executivas de títulos extrajudiciais, os dois elementos, o executivo e o condenatório, enchem o processo, de modo que a ação não deixa de ser (ou já é) executiva, embora se tenha de desenvolver o processo de cognição. A execução provisória e a medida cautelar não se hão de confundir. Medida cautelar não executa. Tampouco se confunde com a medida cautelar a execução superficial, ou a parcial. Na execução provisória, o juiz adianta a execução, devido à sentença com força executiva, a despeito de ainda não haver coisa julgada formal.
4. Judicialização da execução forçada. Em todo o tratamento da execução, deve-se ter sempre em vista: a) que se judicializou a execução forçada, qualquer que seja; quer dizer: a execução somente pertence ao direito processual, e não ao resto do direito público, sendo absurda, por exemplo, a opinião de F. G. Lipari (Struttura e funzione della sentenza dichiarativa di faílimento, Circulo Giuridico, 1931, fasci), que considerava provimento administrativo a sentença de abertura de falência ou de concurso; b) a penhora, o arresto, o sequestro, a extensão executiva do concurso de credores, a constrição concursal da arrecadação e quaisquer outras medidas constritivas são elementos executivos, porque invadem a esfera jurídica de alguém, podendo a ação ser executiva, ou mandamental (preponderáncia do mandamento); c) as ações executivas em que se pospõe a cognição completa, satisfazendo-se o Estado, para o adiantamento da execução, com a cognição incompleta, se o título executivo é extrajudicial, são ações em que o Estado apenas desloca, no tempo, cognição e execução; d) os processos preventivos, ou, em geral, cautelares (alguns casos de penhora de dívidas de dinheiro a juros, de dinheiro ou de estabelecimento comercial), têm elemento executivo e elemento de cognição, porém, falta a todos eles composição definitiva da lide, não há verdadeira execução, porque essa não se completa (vai, até o fim, como provisória) e não passa da constrição, de modo que se põe à frente a medida constritiva e se pode definir a pretensão à asseguração como pretensão e execução incompleta e cognição igualmente incompleta. São pontos dignos de meditação.
§ 6 Eficácia executiva sentencial 1. Força executiva e efeito executivo. Os que tentam negar a especificidade da pretensão à execução, e, pois, da eficácia executiva (força executiva e efeito executivo), têm de introduzir tal pretensão e tal eficácia na classe da pretensão à cognição (declarativa, constitutiva ou condenatória), ou conceber o mandado como o momento decisivo de toda execução (mandamentalidade). Francesco Carnelutti procurou reduzir o processo executivo ao de cognição, sem dizer a qual dos três. Outros acentuaram a mandamentalidade, identificando processos cautelares e processos definitivos ou satisfativos. Outros especializaram a cognição, como Enrico Tuílio Liebman (Le Opposizioni di Merito nel Processo di Esecuzione, 143), que entendeu ser o título executivo ato jurídico que tem eficácia constitutiva, porque é fonte imediata e autônoma da ação executiva, que, na sua existência e no seu exercício, independe do crédito. Primeiro, havemos de observar que, ai, se desatende ao fato de poder ser constitutiva a eficácia, sem ser preponderante. O que se passa com a eficácia constitutiva (não preponderante) da ação de execução e da sentença executiva, como do título executivo, passa-se com a eficácia condenatória (não preponderante) da ação e da sentença de nulidade de casamento, que é, preponderantemente, constitutiva negativa. Já aí a argumentação de Enrico Tuilio Liebman abstraía de outros elementos, inclusive o que prepondera, de título executivo. Ninguém nega o elemento constitutivo do título executivo, como seria absurdo negar-se o elemento declarativo da ação ou da sentença de condenação. Também o homem é animal, como outros animais; e não só animal, nem preponderantemente. Ainda mais. A pretensão à execução especifica a pretensão à tutela juridica. Se há de vir depois ou antes da cognição completa, isso depende da lei processual. Quem fala de título executivo emprega proposição elíptica:
“Título em que se encontram os requisitos necessários e suficientes, para que, com a apresentação dele e a dedução do direito em juízo, se dê ingresso à execução, porque se tem a pretensão a executar e se sabe que ela basta”. Já não há questão de ser antes ou depois da cognição completa; pois isso não depende do título execufluo, ou da pretensão à execução, mas da pretensão à sentença de cognição: a sentença como título executivo prescinde da cognição, porque já é cognição completa, os outros títulos executivos têm de dar ingresso à execução mediante cognição incompleta, porque, não sendo eles sentença ou ato estatal de igual força, estão sujeitos a que se elida aquela afirmação de cognição incompleta, com que se começou, ou se complete a cognição, reafirmando-se. Nenhuma diferença há entre a pretensão a executar nas ações executivas de títulos extrajudicia is, por exemplo, e nas ações de execução de sentença: toda a diferença só se verifica quando se indaga da carga de cognição com que se começa. O título executivo sentencia! pressupõe, de ordinário, a condenação, ao passo que o não sentencia! a pospõe ao ingresso da execução. A constitutividade do titulo sentencial ou não sem tencial é anterior ao processo executivo, de modo que falar de ação ou de sentença constitutiva nos processos executivos seria descreveremse os dois elementos finais (ação e execução de sentença) ou os três elementos finais (ação de titulo executivo extrajudicial, estandose a ver, no direito pré-processual o título executivo). Definir o arresto ou o seqúestrO como ação executiva viria confundi-la tom a ação posposta (pós-suposta). Sempre que se trata de sentença cuja eficácia seja executiva de negócio jurídico já constituído (ação de titulo executivo extrajudicial, actio iudicati, ação do credor de declaração de vontade), a sentença é executiva. Sempre que se trata de sentença cuja eficácia é constitutiva do negócio jurídico ou da situação jurídica, a sentença é constitutiva. E. g., a sentença em ação contra quem se comprometeu a concluir contrato é, pois, sentença executiva. Na ação que se baseie em regra jurídica de que, se o fato pode ser executado por terceiro, pode o credor mandar executá-lo à custa do devedor, e, se esse recusa incorre em mora, pode-se pedir indenização. Não é ação executiva alternada com a de condenação a indenizar perdas e danos — é ação a duplo pedido, alternado, de condenação: o juiz não executa, “autoriza” isto é, condena a que sofra o ser a obra feita por outrem. A execução então, é extrajudicial, efeito da sentença de condenação, como seria judicial a actio iudicatis, nos outros casos. 2. Elemento condenatório. O titulo executivo que permite a execução com a “maior dose de cognição, dita completa, é a sentença. De modo que, no terreno dos princípios, se alcança concepção unitária do efeito executivo e de particularidade processual, que coincide com as fontes históricas da execução da sentença e da execução dos créditos documentados etc. Os títulos executivos ou são do Estado ope iurisdictioflis, ou de direito privado, ou do Estado ope gestion is. (Evite-se a distinção entre judiciais e preconstituídos, para se não excluirem os judiciais constitutivos, às vezes integrativos, que têm natureza mista.) O exercício da pretensão a executar, independente e antes de qualquer decisão sobre a pretensão à sentença, foi o inicio histórico da execução forçada. A forma estatal é posterior; posterior, a execução “das sentenças”. Por isso mesmo, a tomada de posse, a prenda do velhíssimo direito lusitano — que teve correspondentes na Babilônia e em Roma, tantos séculos antes — não é baseada no penhor, como pareceu a Josef Kohler (Prozessrechtliche Forschungen, 59), e, sim, na executabilidade privada. A noção de penhor que se introduziu depois (“penhora”) resultou da intenção organizatória do Estado, à medida que as prendas se diferenciaram em preventivas e para execução pelo Estado. No começo, a diferenciação não existia, e há sistemas jurídicos que ainda não chegaram à distinção entre o “embargo” e a “penhora’, entre o expropriar da possem o chamar a si o poder de dispor e o expropriar a posse com o chamar a si esse poder. A despeito de hoje nos parecer que a pretensão a executar só deva ser exercida depois de o ser a pretensão à sentença, verdade é que, no processo extrajudicial, ainda nos povos antigos (Babilônia, Roma etc.), a citação privada e o exercicio da pretensão a executar (sabá tu assírio, manus iniectio romana) vêm, paradoxalmente, antes. A regra era que a própria ação de cognição fosse “ação” do réu contra o autor (A. Walther, Das altbabylonische Gerichtswesen, 213). A forma mais primitiva é, portanto, a ação executiva pura, contra a qual o réu faz valer a sua “ação” contrária. Essa ação do réu executado mantém durante muito tempo a forma de contra —
“ação”, de embargos do executado, ditos embargos do devedor, ação que foi exercida perante o Estado e através dos seus órgãos; antes de o ser a própria ação de execução. Entre o cognitio e o iudicium há diferença de amplitude: O iudicium da ação executiva que deixou atrás a cognição (e. g.’ a actio ludica ti) não tem mais esse exame; em compensação, de algumas questões prejudiciais há cognitio, não iudicium. O que faz a coisa “julgada” é o iudicium. A prejudícíalidade também abrange questões de fato, em si mesmas; de modo quenão seria possível recair o iudicium sobre elas, desligadas das questões de direito. Quando, nas ações de execução de títulos extajudiciais, inclusive cominatório, o juiz manda que se cite, com a Líternativa de execução, ou com o cominatório, a incompleta cognição, tida como suficiente para esse resultado, possui o que faz o mandado conter algo de sentencial. O adiantament, que se opera, como que faz o mandado ser metade mandada metade sentença. Tanto quanto o mandado, na execução desentença, é mais sentença do que mandado a sentença “de exeução que se processa”. Os embargos do terceiro contra o madado, nos casos de ações executivas de títulos judiciais e extrajudiciais, e os embargos do devedor, nos casos de execução de títulos judiciais e extrajudiciais, são ações de impugnação desse mandado-sentença. Se não há contestação desses mandados, é porque há as impugnativas próprias, nas quais se há de deduzir o qie se pode alegar contra eles (embargos do devedor). A ação enure-se, a cognição completa-se, o mandado-sentença adquire a sua culminância sentencial, quando o exeqüente obtém a satisfação do seu petitum executivo. I — A distinção entre ações e sentenças declarati’as e ações e sentenças de condenação já estava prefigurada, to terreno filosófico, pela distinção das funções da regra, regra de vida e regra de dirimência de dissídios (Lebensnorm, Streienstscheidung), segundo Karl Binding (Die Normen und ihre Utertretung, 1, 14). A ação condenatória supõe infração de regrajuridica. (Em todo caso, repilamos a insinuação de quc ali o juiz serve e aqui domina, que vem em Eugen Rosenstock, Der ewige Prozess des Rechts gegen den Staat, 5 s.). II — Na tutela que corresponde à ação executiva, apretensão, que aparece, é a execução pelo Estado, dita forçada, porque se supõe que a parte não executou. A diferença, que se reflete, variavelmente, no processo, começou na classificaçã, das pretensões à tutela jurídica. Quando alguns juristas escrevem que falta à ação executiva autonomia (a condenação precede-a; ou sucede-a, mediante adiantamento), a ponto de ser mais ônus que ação, caem no mesmo erro em que caíram os sustentadores da redução da condenatória à declarativa. Demais, nos casos de documento executivo em que não haja defesa, salvo a defesa contra a declaração (a história conhece exemplos), a condenação é, por bem dizer, nenhuma, e a força executiva está apenas colada à declaração. Também se entendeu que a ação executiva tende a obter ato do juiz que somente pode ser favorável. A esses, provavelmente negadores da pretensão à tutela jurídica (pré-processual), seria de se perguntar: então, que é que se passa quando o juiz repele a ação executiva? A pretensão a executar é pretensão á tutela jurídica e préprocessual. Por isso, e somente por isso, a resolução judicial pode ser desfavorável: à pretensão de direito material é que corresponde “ação executiva” (direito material); não à pretensão à tutela jurídica, que, no caso, é pretensão à tutela jurídica de execução, por abreviação “pretensão à execução”, ou “a executar”. III — (1) De regra, têm efeito executivo as sentenças de condenação. Não, quasempre as declarativas, as constitutivas e as mandamentais, essas porque, nelas, a realização é judicial e têm força própria. Se efeito executivo há, deve-se a outro elemento (executivo, ou provindo, mediatamente, de elemento de condenação). (2) Têm força executiva, plena, ou não, certos documentos e certas situações jurídicas. Por ai já se vê que, não sendo o efeito executivo necessário à ação e sentença de condenação, a executividade é pretensão à parte, que se há de levar em conta em classificação, assim das ações como das sentenças. Já a teimosia em se querer que as ações e sentenças de condenação e as de declaração fossem uma e única espécie se desmoralizara diante da essencial diferença entre declaratividade, que atende ao que é tal como juridicamente é, e a condenatoriedade, que atende ao fato, e às suas consequências, pelo qual se condena, em vez de se ater a simples julgamento de existência, positivo ou negativo (inclusive de existência de autenticidade). O juiz da condenação não se restringe a isso: o caso, concreto como os outros, já lhe exige mais do que considerar a
norma como caixilho em que as relações da vida se moldam para ser, no mundo jurídico, isto é, no mundo das regulações jurídicas; e a norma, que ele examina, é invocada como regra para dirimir questões, que uma parte provocou, por infringência. Se o réu, na ação declaratória negativa, é de crer-se haja afirmado existência, o réu, na ação de condenação, é de se supor ter agido contra regra juridica. Vê-se bem que já se passou do plano do pensamento para o plano de ação. O que é interessante é que o juiz, na sentença, continua nesse plano, introduzido o elemento volitivo, que falta à sentença declarativa. Nas ações executivas, assim nas de títulos extrajudiciais como nas executivas de sentença, supõe-se que o réu não tenha executado (tenha havido omissão), e o Estado execute.
Capítulo III Legitimação passiva nas ações executivas
§ 7º Pressupostos 1. Execução estatal. São submetidos à tutela jurídica pelo Estado os autores-exeqilentes e os réus-executados (devedores). O devedor que se tem como diante de título executivo, ou por ter sido vencido em ação em que se proferiu sentença com eficácia executiva mediata, ou por ser atingido por título executivo extrajudicial, é o sujeito passivo que vem no primeiro plano. Pode haver sucessão, entre vivos ou a causa de morte. Pode ocorrer que alguém assuma, com o consentimento do credor, a obrigação resultante do titulo executivo, judicial ou extrajudicial. Tal assunção de dívida faz passar a outrem a situação passiva na ação executiva. Há, também, a espécie de relação jurídica de direito material, que repercute no direito processual, e é a do fiador judicial, e aquela que resulta do aval, do endosso ou de outro elemento executivo.
2. Sujeitos passivos. Observe-se que, apesar de ser o sujeito passivo, na relação jurídica, o devedor contra o qual podia ser proposta a ação executiva, pode ser o autor na ação executiva, se requer a citação do credor para que venha receber em juízo o que lhe toca, e então, em vez de ser pedido que se preste o que é devido e se execute o devedor, é ele que pede para prestar e, pois, com ato seu, executar. Aí, a legitimação é ativa.
§ 8 Espécies de legitimidade passiva
1. Réus e litisconsortes unitários. A sentença pode ser executada contra o réu e os lítisconsortes unitários. Cumpre, porém, que se não confundam a comunidade de interesse, que faz o litisconsórcio, e a comunidade jurídica no patrimônio, porém não no interesse. A dívida passiva do defunto é executável na herança indivisa; não assim, a do herdeiro ou do legatário. No segundo caso, os outros herdeiros podem opor embargos de terceiro. Todo o capital ou patrimônio da sociedade não pode sofrer execução pela dívida de qualquer sócio, ou de todos os sócios, mas pode ser executado pela dívida da sociedade. A sociedade irregular pode sofrer a execução em todo o seu capital pela sua dívida (pois que tem capacidade de ser parte) e pelas dívidas de todos os seus sócios, sendo alegável o limite de cota. Quem foi citado para a ação de cognição, como o cônjuge da parte executada, não está dispensado de o ser na execução. Nem sempre se entendeu assim, no velho direito, como, por exemplo, está em textos de Francisco de Caídas Pereira de Castro, Manuel Barbosa e Diogo Guerreiro; porém Manuel Mendes de Castro (Practica Lusitana, II, 167), criticando a Francisco de Caídas, pôs termo ao senão da doutrina: e. g., a mulher, citada para a ação de cognição sobre bens imóveis, é preciso citar-se na execução (“si setentia lata est super re immobili, practici tenent citandam esse simul eius uxorem ad executionem”). Entenda-se o mesmo a propósito de todas as pessoas que tinham de ser citadas na ação de cognição.
Na comunhão universal de bens, basta a sentença contra o vencido, se não se trata de condenação em ação real de imóveis; ou sentença contra a mulher, se, na espécie, não é responsável pelas dívidas a comunhão, ou o marido. Depois de dissolvida a comunhão de bens, é preciso sentença contra ambos os cônjuges, ou contra cada um de por si (e. g., ação executiva, proposta depois da condenação do cônjuge). A expressão “vencido” (Código de 1939, art. 887, a que “no Código de 1973, art. 568, 1, corresponde “devedor”) compreende o litisdenunciado pelo réu, se veio a juízo e assim se inseriu na relação jurídica (Código de 1973, art. 75), e o nomeado à autoria (Código de Processo Civil, art. 65).
2. Sucessores e legitimação passiva. A sucessão passiva suscita casos de executabilidade contra outra pessoa que aquela que consta, como vencida, do título executivo (sentença). Naturalmente, se foi feita habilitação ou título extrajudicial ou inserção na relação jurídica processual independentemente de processo, não se tem de pensar em legitimação passiva especial, pois o sucessor já era parte, e não sucessor da parte, e é o “vencido”. Caso a sentença não haja aludido a ele, deve o interessado apresentar embargos de declaração. Supõe-se que não conste dos autos qualquer inclusão processual do sucessor. Para a execução, não é preciso prévia habilitação ou qualquer procedimento para inserção. Não há relação jurídica processual entre o trânsito em julgado da sentença exequenda e a propositura da ação de execução de sentença.
3. Fiador e fiador judicial. Os dois conceitos aparecem no art. 568, IV (fiador judicial), e no art. 595, parágrafo único (fiador). O art. 568 exclui a execução da sentença contra o fiador que não seja judicial, pois só se trata de fiador judicial. Afastou-se na esteira das Ordenações Filipinas do Livro III, Título 92, pr. (fonte), e do Livro IV, Título 59 (OD VI, 414) a litisconsorcialídade verdadeira do fiador na ação de execução se não foi litisconsorte na ação de condenação. O fiador, executado segundo o art. 568, pode nomear à penhora bens desembargados do devedor (beneficium excussionis realis). 4. Fiador e sub-rogação pessoal. O fiador (qualquer fiador contra quem haja pretensão a cobrar), se pagou a divida do réu, pode servir-se, ipso iure, da sentença, e através dela exercer a sua pretensão a executar, excluída assim (pulada), a ação de condenação que normalmente teria de propor. Não há substituição subjetiva processual do credor pelo devedor, nem inserção do fiador na relação jurídica processual, ou na sentença. A realidade é toda outra. No plano do direito material, o fiador, que paga, sub-roga-se nos direitos (e pretensões) do credor; de modo que se sub-roga na pretensão a executar, donde ser-lhe dado propor a ação de execução da sentença, ou da sentença um de cujos efeitos é o executivo. Tal regra jurídica é útil ter-se escrito em lei. Mas seria de revelar-se na lei, ainda se nela não estivesse. 5. Novo devedor, por ter assumido, com o consentimento do credor, a dívida. A sub-rogação pode ser em virtude de negócio jurídico unilateral. O devedor, ou quem representa, pode, em declaração unilateral recepticia de vontade, feita ao credor, ou a quem o represente, preestabelecer a sub-rogação. Por essa declaração, o devedor desvincula-se, como devedor, que é, e continuará de ser em relação a quem faça a prestação e solva a dívida. E requisito essencial a essa sub-rogação pessoal que tenha havido a recepção da declaração do devedor, pelo credor, no tocante ao adimplemento. A assunção de divida alheia, ou, simplesmente, assunção de dívida, é o contrato pelo qual alguém assume dívida em lugar de outrem, que era, até o momento, o devedor. O contrato éabstrato. Não importa se concluído foi o contrato entre o assumente e o credor, ou se entre aquele e o devedor, assentindo o credor. Se houve negócio jurídico causal, subjaz: não é parte do contrato de assunção de dívida. A invalidade do negócio jurídico de que resulta a relação jurídica subjacente não se contagia ao negócio jurídico da assunção de dívida. Cabe, todavia, a condictio ou a exceção se, em consequência do adimplemento, se enriquece ou se enriqueceria, injustificadamente, o credor. No art. 568, III, apenas se cogita da assunção de dívida, se o credor consentiu em que se extinguisse a
dívida de quem foi devedor. Trata-se, ai, de novo devedor, de modo que há sub-rogação pessoal com a eliminação de quem antes era o devedor. A assunção, com o consentimento do credor, pode ser de uma, de duas ou de mais dívidas, bem como das dívidas de duas ou mais pessoas. 6.
Devedor de tributos. Os tributos compreendem os impostos, as taxas e as contribuições.
Imposto é prestação pecuniária, que o Estado (União, Estado Federado, Distrito Federal, Território, Município) pode exigir, em virtude de competência de imposição que a Constituição distribui entre as unidades estatais. O dever de pagar imposto corresponde ao poder de império, que é efeito de regra jurídica de competência de imposição. Se a entidade competente decreta o imposto, é ele devido. O emprego do imposto não éligado, em princípio, ao poder de decretar o imposto; de modo que o contribuinte nenhuma pretensão ou ação tem para a verificação da aplicação do imposto. Em princípio, os impostos são apenas subordinados a pressupostos de competência de imposição, materiais e formais, de respeito ao principio de igualdade perante a lei (Constituição de 1967, 153, 1º) e o de inserção no orçamento (153, § 29). O imposto não se confunde com a taxa. A taxa é preço de direito público. Preço do domínio, ou preço de uso. Preço atribuído, preço a que é forçado, unilateralmente, o contribuinte, pelo fato de serem postos á sua disposição a obra, a administração, ou o serviço público. Há taxas administrativas, como a que se paga por certos certificados, e taxas de utilização, como a que se paga por passagem em cabo de -ligação entre dois montes. As taxas obrigatórias e gerais, queremos dizer as taxas à semelhança do imposto e não contraprestacionaís, só se podem impor em virtude de lei. Se nenhuma prestação é dada pelo Estado, não pode haver taxa. Tratar-se-ia de imposto. Rigorosamente, a dicotomia “taxa e imposto” é exaustiva. Todo tributo pecuniário ou é imposto ou é taxa. Nessa, o dever de tributo é correspectivo à prestação do Estado, considerada como divisível, ou a determinada atividade do Estado. Terceira forma, não-pura de imposição pública, é a contribuição, que constitui a parte com que entra. A lei tem de indicar como contribuintes as pessoas mais interessadas, patrimonialmente, nas obras ou serviços (e. g., moradores de uma rua, proprietários dos terrenos ou prédios marginais de um rio, trabalhadores de determinada zona palustre onde se fundou a caixa de seguros de doença). A contribuição seria terceira espécie, que se forma com o conceito de imposto ou com o de taxa, de modo que é tributo especial, uma vez que, com ele, se supõe ter havido, haver ou ir haver vantagem econômica particular do contribuinte, ou estar nele a causa da despesa ou majoração de despesas do Estado. O tributo, em que contribuinte não é quem dele tira vantagem econômica particular, nem quem dá causa a despesa ou majoração de despesa a que com ele se provê, não é, absolutamente, contribuição. Se o tributo é decretado para a abertura do canal, e pagam todos os cidadãos, inclusive quem não reside na região em que se vai fazer o canal, há, aí, imposto, e não contribuição. Se o tributo é decretado para as obras de eletrificação e recaí sobre o consumo de energia elétrica, trata-se de taxa, e não de contribuição. Contribuição há, se prevê que a eletrificação da estrada de ferro aumente o valor das terras e se tributa o incremento de valor. O sistema tributário não pode conter regras jurídicas de compras, ou de vendas, compulsórias, nem de qualquer ato desapropriativo, salvo se em execução de dívida de imposto, taxa ou contribuição legal. Qualquer prestação com parcelas da produção, ou do preço dos produtos, ao Estado, ou a alguma entidade estatal, parestatal, ou particular, somente pode resultar de acordo ou convenção entre os contribuintes (ou a entidade que os representa) e o Estado, ou se a lei o permite, entre aqueles e a entidade que recebe a prestação. No plano do direito privado, rege a lei dos contratos particulares. Qualquer imposição ou taxação ou exigência de contribuição tem de ter base em lei. Não se pode deixar a arbítrio de qualquer outro Poder a determinação do quanto. Quando alguma regra jurídica fala de proporcionalidade, ou de correção monetária segundo critério certo, não delega poderes. Aliter, se atribui a outro Poder a competência para a fixação. (a) Nada importa para a verificação da competência tributária o nome que a entidade política dê ao tributo. Pode chamar taxa ao imposto, imposto à taxa, contribuição ou imposto especial ao tributo que não é especial. A classificação dos tributos é deixada à ciência, tanto mais quanto as Constituições mesmas aludem, ao enumerá-
los, a conceitos formados historicamente. Volveremos, mais de espaço, em lugar mais próprio, a esse assunto do nomem ivris. Se o Estado estabelece imposto sob nome de taxa, é como imposto que se há de tratar a tributação, e não como taxa; inclusive a observância dos princípios constitucionais tem-lhe de ser exigida como imposto, pois que imposto é. Quando se tem de examinar alguma lei sobre imposto, ou taxa, não é o nome do imposto, ou de taxa, que há de servir para se verificar se os pressupostos para a incidência da regra jurídica; isto é, tem-se de verificar (a) se há, nele, todos os elementos que, em composição, satisfazem o conceito do imposto, ou (à) se, pelos elementos que compõem o suporte fático, esse corresponde ao de regra jurídica sobre outro imposto, ou não corresponde a qualquer regra jurídica sobre imposição. Respectivamente — ali, a regra jurídica, que se diz sobre o imposto a, descreve, como seu suporte fático, o que a Constituição previu; aqui, a regra jurídica, que se diz sobre o imposto a, descreve, como seu suporte fático, o que não corresponderia a esse imposto. Na última espécie, pode ser que o suporte fático não corresponda a nenhum conceito de imposto. Por isso mesmo, é de toda importância o conceito do imposto (e.g., imposto sobre importação, imposto de consumo, imposto de exportação, imposto de exportação de lubrificantes e de combustíveis líquidos, imposto sobre a propriedade territorial urbana, imposto sobre circulação de mercadorias territorial não-urbana, imposto sobre circulação de mercadorias, imposto de indústrias e profissões, imposto de licença). (b) Os conceitos que correspondem às diferentes espécies de impostos, se constam da Constituição, são conceitos de direito constitucional, e não de legislação ordinária. O legislador ordinário somente pode trabalhar com as variáveis que determinam o valor do imposto ou de algum dos elementos do suporte fático (e.g., tantos por cento, se a renda excede de x); não pode alterar, de modo nenhum, o conceito do imposto. imposto de transmissão de propriedade imobiliária, como o imposto sobre a circulação de mercadorias, é o que se considera tal na Constituição: a revelação do que ele é entra na classe das questões de interpretação da Constituição. Como todos os outros conceitos, inclusive quando ela emprega dois conceitos contidos num só (e.g., sobre propriedade territorial urbana, sobre propriedade territorial não-urbana). Tem-se de desenvolver, completamente, o pensamento que nela se exprimiu, porque aí está o conceito, de que a Constituição precisou, para a elaboração das regras jurídicas constitucionais sobre competência, ou sobre direitos fundamentais, ou outras regras jurídicas da Constituição. Sobre esses conceitos é que se edifica o direito tributário. Uma das primeiras c0nsequências é a de se ter de repelir a interpretação analógica (Karl Friedrichs, GrunszOge des Steuerrechts, 40). A decretação dos tributos pode ser contrária à Constituição; também pode ser contrária à Constituição a destinação deles. A destinação pode ser contrária à Constituição sem que o tenha sido a decretação. Se isso ocorre, o imposto decretado é cobrável e perceptível; a destinação especial é que se tem por conteúdo de regra jurídica nula,- por inconstitucionalidade. Pode dar-se o caso, a respeito de serviços mistos (federais, estaduais; federais, municipais, estaduais; federais, estaduais ou municipais; estaduais, municipais), de precisar-se de determinado tributo, ou percentagem de tributo ou de renda tributária global. O caminho para a cooperação é, então, o acórdão federal-estadual, ou interestadual, ou federal-(estadual),municipal. A propósito, frisamos (Parecer de 12 de junho de 194ª, sobre imposto de estatística) que a técnica é a da convocação das entidades políticas interessadas para que estabeleçam convênio. Quem pode dispor pode convencionar. (c) Quem está adstrito ao imposto é devedor do imposto, independentemente do fato de ser aplicado, direta ou indiretamente, em seu proveito, ou da exatidão e exação com que, se tinha destinação, foi destinado, ou, dentro do seu destino, empregado. O que o contribuinte pode exigir é que a imposição seja de acordo com as regras jurídicas de competência, o princípio de isonomia ou igualdade perante a lei e a inserção no orçamento. O contribuinte nada tem com a política financeira, que seguiu para a decretação do imposto; nem com a política e a técnica da destinação. Se é inconstitucional a destinação, nem por isso se tem por inconstitucional a decretação. Mas o art. 153, § 31, pode ser invocável. A regra jurídica de tributação incide sobre suporte fático, como todas as regras jurídicas. Se ainda não existe suporte fático, a regra jurídica de tributação não incide; se não se pode compor tal suporte fático, nunca incidirá. O crédito do tributo (imposto ou taxa) nasce do fato jurídico, que se produz com a estrada do suporte fático no mundo jurídico. Assim, nascem o débito, a pretensão e a obrigação de pagar o tributo, a ação e as
exceções. O direito tributário é apenas ramo do direito público; integra-se, como os outr.05, na Teoria Geral do direito. No direito brasileiro, de regra, é preciso que se insira no orçamento a receita. Tal inserção não diz respeito ao suporte fático; concerne à eficácia da lei. De modo que, após a lei impositiva, ou de taxação, épreciso que s ;e complete, pela inserção do imposto, ou da taxa, no orçamento para que ela caia sobre o suporte fático. O que antes poderia compor suportes fáticos não se faz fato jurídico, porque ainda não se pode dar a incidência. Tem-se pretendido que a divida fiscal somente nasce com o lançamento. Sem razão: tais escritores~ confundem a dívida e a pretensão com o exercício da pretensão. O lançamento e a sua comunicação são exigência da dívida. Com a mora, nasce a ação. 7. Terceiro e execuções reais. O terceiro proprietário do bem sujeito a direito real de garantia, inclusive hipoteca judiciária, não é terceiro, no sentido próprio: prestou garantia real a favor de outrem. A redução da eficácia dos direitos reais de garantia à eficácia de natureza processual, e. g., extensão da ação executiva, é fantasia de catadores de novidades, ou, em certos juristas reacionários, o fato psíquico, já estudado, que também se encontra nos artistas de idéias políticas retrógradas que o compensam com a escapada das escolas artístictas extremamente revolucionárias. Nada mais perigoso do que se tentar a explicação das categorias do direito material pelo que acontecerá se for a juízo o titular do direito: naturalmente, toda aplicação do direito há de conter muito do direito aplicado. Do excesso Que levava a se eliminar, quase, o direito processual, alguns juristas processualizando a toda a brida, tentaram o oposto: a eliminação do direito material. Mais grave ainda, porque o direito processual supõe que se não tenha dado a aplicação espontânea do direito que incidiu, ou não seja de esperar-se a aplicação espontânea do direito que há de incidir. Nas ações reais, demandado é alguém, dentre todos, que, pelas circunstâncias, é o interessado mais evidente na defesa, como o possuidor nas ações de reivindicação e de vindicação dos direitos reais, ou nas próprias ações executivas reais para extração do valor (ação pignoratícia, ação hipotecária). 8. Legitimação processual e eficácia. Quanto à legitimaçâo passiva para a ação de execução, as Ordenações Filipinas, Livro III, Título 25, § 10, diziam que a ação só se entendia “nas próprias pessoas”; porém Manuel de Almeida e Souza (Tratado sobre as Execuções, 18, 19) ressalvava aqueles casos em que a sentença tem eficácia inter alios. Nas Segundas Linhas (1, 692-698), havia enumerado alguns casos, entre os quais o da sentença contra o herdeiro ou legatário gravado, que prejudica o fideicomisso (sem razão), a sentença contra o condômino, no caso de servidão indivisível, a sentença sobre o testamento contra o herdeiro que prejudica aos legatários, e outras, que não entram na classe das necessitas defension is, pois alguém processa em nome próprio sobre direitos e obrigações alheias (chamada por Josef Kohler substituição na legitimação, operada por força da lei, ou de certas autorizações para agir; e. g., se o adquirente do imóvel autoriza o alienante a pedir retificação do registro do imóvel, no próprio nome). Capítulo IV Bens sujeitos à execução
§ 9º Dados históricos e conceptuais 1. Patrimônio e execução. As ações executivas são ou reais ou pessoais. Nas ações executivas reais, a posição do demandado é a de pessoa imediatamente interessada, passivamente, na execução: de algum modo a tem de tolerar. Nas ações executivas pessoais, a posição do demandado é a de quem sofre a execução, por sair do seu patrimônio o bem com que se satisfaz a pretensão oriunda do título executivo, extrajudicial ou judicial. Palha noção do que caracterizava o direito real e o direito pessoal no direito romano tem quem quer que não atenda à evolução daquele sistema jurídico. No fundo, o que os distinguiu, através dos tempos e sem descontinuidade, foi a pretensão ou a ação que se irradiava de cada um: a acho in personam, que se dirigia contra determinada pessoa, para lhe exigir atividade; a actio in rem, contra quem quer que fosse óbice ao exercício do direito. Percebe-se isso no nascedouro mesmo, quando se examinam as fórmulas das legis actiones: para a ação do proprietário, “hunc ego hominem ex iure Quiritium meum esse aio”; para a ação pessoal, “aio te sestertium decem milia dare oportere”. No processo formular, respectivamente: “si paret hominem quo de agitur Auli Agerii esse”; “si paret Numerium Negidium Aulo Agerixo sestertium decem milia dare oportere”. A acho quasi Seruiana era actio in rem. Na interpolação à L. 66, pr., D., de evictionibus et duplae stipulatione, 21, 2, diz-se: “haec enim etsi in rem
actio est, nudam tamen possessionem avocat et soluta pecunia venditori dissolvitur”. Na interpolação à L. 16, § 3, D., de pignoribus et hypothecis et qualiter ea contrahantur et de pactis eorum, 20, 1, atribui-se a Marciano o “quid proderat in rem acho”; e na L. 3, § 3, D., ad exhibendum, 10, 4, de Ulpiano, interpolou-se a classificação como ação real: “Est autem personalis haec actio” — a ação de exibição — “et ei competit qui in rem acturus est qualicumque in rem actione, etiam pigneraticia Serviana sive hypothecaria, quae creditoribus competunt”. A actio pigneraticia Serviana e a actio hypothecaria sempre foram ações reais. Os juristas do tempo de Justiniano haviam meditado mais sobre a natureza das ações e não perderam o ensejo de classificá-las. O devedor deve ser citado, na ação executiva hipotecária, se foi cumulada a executiva pessoal, porque, nessa, só ele é parte. 2. Bens do sucessor singular. A sentença pode executar-se em bens do sucessor singular, quer na relação possessória quer no direito; portanto: contra o adquirente ou o possuidor da coisa litigiosa ou objeto de ação real, ou in rem scripta, com a ação ad exhibendum, a pauliana, a quod metus causa. Se a lei somente falou de ação real, tem-se de atender a que a ciência inclui as ações in rem scripta, pela definição mesma dessas ações. Se o sucessor singular entende que não se acha na situação de sucessor singular defende-se por embargos de terceiro. 3. Bens do sócio e execução. A execução nos bens do sócio obedece a certos princípios em que se apóiam as regras de direito material, regras que dão ao vencedor na ação a pretensão à cobrança — não ainda a de executar nesses bens. Sempre que a responsabilidade pelas dívidas sociais existe, segundo o direito material, existe pretensão do credor à condenação desse obrigado sócio e, em consequência, a pretensão a executar nos bens do sócio a dívida social. Se não houvesse tal princípio ter-se-ia de primeiro propor a ação de condenação contra o sócio, depois da ação contra a sociedade devedora, ou cumulada com essa. Se a sociedade é irregular, a execução há de ser direta, por força do título mesmo. Em vez de ser responsabilizada ao lado, como, de regra, ocorre com os sócios que o direito material tem como responsáveis, a sociedade irregular é transparente e deixa ver, de frente, os sócios responsáveis pela obrigação. 4. Bens em mãos de terceiro. Se os bens do vencido se acham em mãos de terceiro, continuam bens do vencido, e o Estado pode apanhá-los, porque não existe obstáculo jurídico. O que importa, na execução forçada como na execução voluntária, é o poder de dispor. Penhorando os bens do vencido que se acham em mãos de outrem (posse imediata, detenção), ainda que seja o achador ou o ladrão, o Estado não atinge mais do que o poder de disposição. O que varia é o que serve de substrato objetivo a esse poder. Penhorar bens do senhorio, ou do enfiteuta, ou do locador, ou o contrato do locatário, é o mesmo ato estatal, posto que diferente o que vai ser alienado pelo Estado. Se há cláusula contratual de continuar a locação se alienado o prédio, mesmo se condenado o dono do prédio, continua a locação, e não há óbice à penhora do bem: é restrição ao objeto alienável; vende-se, em hasta pública, o prédio, e conserva-se a locação; leva-se ao fim a ação executiva, e há a locação. 5. Desistência nas ações executivas. A desistência da ação depende de homologação pelo juiz, porque o que se tem por fito é a extinção da relação jurídica processual, e para isso se afastam o exercício da pretensão jurídica pré-processual e o da pretensão jurídica de direito material. Desiste-se, assim, do exercício da ação de direito material e da “ação” processual. Depois de decorrido o prazo para a resposta, o desistente precisa de consentimento do réu. Quanto às ações executivas, sejam de títulos judiciais sejam de títulos extrajudiciais, ou quanto às outras ações executivas, surge -o problema concernente à eficácia que lhe resulta do ato da parte, do consentimento do réu, se necessário, e da homologação. Temos de examinar cada uma das espécies, porque uma vez que já se entra, de certo modo, no património de outrem, tem grande relevância a apreciação dos efeitos, digamos contra-efeitos, do ato de desistência. Na ação de despejo supõe-se ter havido inadimplemento da prestação da locação, ou outro pressuposto, como o de denúncia cheia. Se já se iniciaram as diligências, tendo ou não havido contestação, o consentimento do réu é imprescindível, razão por que a desistência apenas contém a implícita obrigação de fazer o autor o que é preciso para a volta ao estado anterior (e. g., restituir o que foi depositado; se os bens móveis foram retirados
pelo locatário, ele os reapanha para o imóvel locado, mas havemos de entender que o simples consentimento serve para que sejam a suas expensas o transporte, podendo haver, na manifestação de vontade do réu, a ressalva). Na ação de nunciação de obra nova, pode ter havido embargo extrajudicial ou judicial, ou mesmo caução pelo nunciado. Se há a desistência, com o consentimento do réu, e a homologação, é de assentar-se que se tem de considerar implícita a ressalva, se houve contestação. A desistência, nas ações executivas, leva a exame de situações, assaz diferentes, causadas pelos atos executivos. O art. 569 apenas fala de “credor”, mas havemos de entender qualquer legitimado ativo, no plano do processo. Não se trata, aí, de renúncia à ação de direito material. Apenas se cogita da desistência da propositura da ação executiva, que pode voltar a ser proposta, ou de algum ou alguns atos processuais que foram praticados (ou pedidos) para o procedimento de execução. O autor da ação executiva pode desistir, por exemplo, da penhora dos bens a, ou dos bens a, b e c, ou a e X; ou, antes ou depois do juiz fazer a advertência do art. 599,11, retirar o que acontecera. Os próprios atos de liquidação da sentença podem ser objeto de desistência. Bem assim, o emprego de uma espécie de execução, para que se proceda conforme outras espécies (e. g., em vez de entrega de coisa incerta, obrigação de fazer ou de não fazer, ou de coisa certa; ou vice-versa). O art. 569 somente concerne às ações executivas, quer de títulos judiciais, quer de títulos extrajudiciais, e aos atos processuais nelas praticados como medidas executivas. Pode o autor desistir da ação se o processo é cognoscitivo, sem consentimento do réu, até a resposta (art. 267, § 4), ou com o consentimento do réu, a qualquer tempo, até se proferir a sentença. Se a ação é executiva, não há limite temporal, quer para toda a execução, quer apenas para alguma ou algumas medidas executivas. Levou-se em consideração que a desistência, em ação de execução, é sempre favorável ao réu, razão por que se lhe ressalvam o direito, a pretensão e a ação contra o exeqüente que lhe causara dano com a execução ou com a medida executiva. Não se há de confundir com a renúncia da ação, que é, no plano do direito material, a desistência da “ação”, no sentido do direito processual. Ali, há julgamento de mérito (arts. 269, V, 330, 1, e 456). Aqui, não: há sentença sem julgamento do mérito (art. 267, VIII). Em consequência, extingue-se o processo, e há proponibilidade, porque desistir não é renunciar, e tal extinção não obsta a que o autor proponha nova ação executiva, cuja petição só é despachável se há prova do pagamento ou do depósito das custas e dos honorários de advogado (arts. 268 e 598). Isso não afasta a indenizabilidade de prejuízos, como, e.g., se houve penhora, que obstou a venda de bem ou de bens, ou entrega de coisa certa, ou prática de ato, ou abstenção, por parte do devedor. Se a execução foi provisória, a desistência tem de ser interpretada em comparação com o que se passaria na execução provisória, se desfavorável o recurso. Na execução de obrigação de entregar determinada coisa, a desistência, após a entrega, ou o depósito, faz responsável o credor pelos danos, exceto se há ressalva.
Na espécie de entrega de determinada coisa, dá-se o mesmo. Na execução de obrigação de fazer, tem-se de indenizar o devedor que prestou o fato, ou nada se pode exigir do devedor, mesmo se o devedor teria de prestar e não prestou. A desistência em recurso interposto pelo credor ou pelo devedor, pode dar ensejo a pedido de~ indenização pelo devedor, ou a apagar qualquer responsabilidade dele no processo de execução. Na execução de obrigações de não fazer, a desistência faz responsável o credor pelo que sofreu o devedor com o desfazimento. Se ocorreu indenização por perdas e danos, há a restituição do que foi prestado. Na execução em caso de quantia certa, mais complexa é a questão dos efeitos da desistência. Se somente houve a penhora, tem-se de apurar qual o dano sofrido pelo devedor. Se foi alienado algum bem, ou foram alienados alguns bens, dá-se o mesmo. Idem, se houve adjudicação ao credor, que há de devolver o bem. Também assim, se ocorre constituição de usufruto de imóvel ou da empresa. Tendo havido embargos do devedor (execução por título judicial ou extrajudicial), ~a desistência depende do consentimento dele? Seria de aplicar-se o art. 267, § 4º, que exige o consentimento do demandado; mas tal consentimento não afastaria o prosseguimento dos embargos, se deles também o demandado embargante não desiste. Embargos do devedor são ação. O que se há entender, com a sistemática da Lei nº 8.953, de 13 de dezembro de 1994, é que
hoje serão eles extintos se versarem apenas questões processuais, pagando o desistente as custas e os honorários advocaticios; aliter, se não há essas quaestiones, ou se não há somente elas: a extinção dos embargos do devedor dependerá da concordância do embargante. Capítulo V Eficácia executiva imediata e eficácia executiva mediata
§ 10. Pesos eficaciais nas ações executivas 1. Relevância do assunto da executividade imediata. Há sentenças que não são propriamente executivas, não têm tal força, mas algo logo sobrevém a seu efeito primordial. Nas sentenças de eficácia executiva imediata não se precisa de propor outra ação: o elemento 4 de executividade permite que nos mesmos autos se execute o que resulta da eficácia executiva. E o que acontece com a ação de alimentos provisionais (constitutiva), com a ação de entrega de objetos próprios (mandamental), com a ação de posse em nome do nascituro (mandamental), com a ação para prestação de contas havendo saldo (condenatória), com a ação de resolução de concordata (sentença completa, constitutiva), com a ação de anulação com (eventual) cumulação de ação de restituição (constitutiva), com a ação de decretação de nulidade (constitutiva), com a ação de arrematação (constitutiva), com a ação de decretação de abertura de falência (constitutiva), com a ação de separação consensual (constitutiva), com a ação rescisória de sentença executiva (constitutiva), com a ação penal (condenatória), com a ação de habilitação em inventário e partilha (declaratória), com a ação de habilitação incidental se tem saisina o sucessor (declaratória), com a ação de habilitação de herdeiro (declaratória). Em todas essas ações, devido a 4 de executividade, não se há de propor outra ação; executa-se a sentença nos mesmos autos do processo em que ela foi proferida. 2. Executividade mediata. Se a sentença que se proferiu tem 3 de executividade, ela apenas faz nascer o direito á propositura de outra ação. São tantas elas que é erro crasso de juristas só atribuirem a proponibilidiade de outra ação (que há de ser executiva) ás sentenças condenatórias (isto é, com 5 de condenatoriedade). Na Tabela que vem no final deste Tomo estão as ações condenatórias com 3 de (executividade, que são muitas, e as outras. Aqui, apontamos as sentenças que têm e as que não têm 5 de condenatoriedade: a ação do obrigado à preferência (constitutiva), a ação do titular do direito de preferência (constitutiva), a ação de desapossamento de título ao portador, para obter novo título (constitutiva), a ação de nova cártula em caso de destituição de titulo (constitutiva), a ação de denúncia vazia e a ação de denúncia cheia (constitutivas), a ação de venda, locação, ou administração da coisa comum (constiitutiva), a ação de venda do quinhão da coisa comum (constitutiiva), a ação de parede-meia ou tapume (constitutiva), a ação de dispensa de cabecel (constitutiva), a ação de apresentação de testamento (constitutiva), a ação de devolução da herança vacante (mandamental), a ação de reconciliação de cônjuges (constitutiva), na ação de separação de corpos (constitutiva), a ação de autorização de venda (constitutiva), a ação para venda de mercadorias (de carga (constitutiva), a ação de venda de navio (constitutiva), a ação de venda e salvados marítimos (constitutiva), a ação de vendedor com reserva de domínio para cobrança de saldo (condenatória), a ação do titular do direito de preferência para haver o saldo (condenatória), a ação do précontraente vendedor para exigir o preço (condenatória), a ação de multa em venda de imóveis a prestações (condenatória), a ação para cobrança de aluguel (condenatória), a ação de indenização por ofensa à posse (condenatória), a ação de habilitação de herdeiros na arrecadação (mandamental), a ação provocada de habilitação (mandamental), a ação sobre constituição ou conservação de tapume (condenatória), a ação de manutenção provisória da posse há penalidade do alegante (mandamental), a ação de habilitação de herdeiros (mandamental), a ação de embargos de terceiro contra a arrecadação (mandamental), a ação de abertura de sucessão provisória (mandamental), a ação de redibição (constitutiva), a ação quanti minoris (constitutiva), a ação de diminuição de aluguel (constitutiva), a ação de concordata (constitutiva), a ação de organização de fundação proposta pelo incumbido (constitutiva), a ação de negócios jurídicos sobre bens de incapazes (constitutiva) a ação de sub-rogação de bens inalienáveis (constitutiva), a ação de protesto cambiário (constitutiva), a ação para venda de mercadorias de carga de navio (constitutiva), a ação de apreensão de embarcações (constitutiva), a ação de anulação (constitutiva), a ação revocatória falencial (constitutiva), a ação de sonegados (constitutiva), a ação de cumprimento de testamento (constitutiva), a ação para alienação ou gravação de bens totais (constitutiva), a ação de separação litigiosa (constitutiva), a ação de revisão de aluguel (mandamental), a ação negatória (condenatória), a ação de concorrência desleal (condenatória), a ação de atentado (mandamental), a ação de habilitação de herdeiros nos casos de direito de construir, inclusive em terreno rural (mandamental).
Todas as sentenças de que acima falamos, que têm 3 de executividade, habilitam a prática dos atos judiciais, principalmente propositiva da ação executiva. E um ponto de grande importância: a sentença, que foi proferida, não basta àquilo que se tem por fito, e apenas fez nascer a eficácia executiva, que depende de algo mais, fora do que se contém na sentença, a despeito de existir tal eficácia, que se chama mediata. A diferença, em relação às sentenças de 4 de executividade, é relevante, teórica e praticamente.
Parte II
Ações executivas especiais
Capítulo 1 Ações executivas típicas
§ 11. Precisões conceptuais 1.Tipicidade e pesos. Ou a) se tem como ação executiva típica somente a ação de execução de sentença, o que se justificaria com o exercício da tutela jurídica pelo Estado, e já ter ele condenado o réu, ou condenado os réus; ou b) se poria a tipicidade em quaisquer ações executivas em que houvesse 5 de executividade e 4 de mandamentalidade: na mesma sentença mando-se e executa-se. A solução a) teria o inconveniente de reduzir, de certo modo, a promessa de prestar justiça, contida no monopólio da Justiça, a só executar se já houve sentença com 3 de executividade: por-se-ia, de regra, antes da prestação da execução, a existência de sentença. Não se justificaria isso, porque declarar, constituir, condenar, mandar e executar são igualmente atendimentos á promessa da tutela jurídica. A segunda solução faria típicas todas as ações executivas em que houvesse a preponderância executiva e a eficácia imediata de mandamentalidade, com a ação de execução de desapossamento de terceiro, a de imissão na posse e poucas outras. Por outro lado, a solução c), que seria a terceira, consistente em exigir-se 4 de condenatoriedade, retiraria a classificação da actio tudicati como típica, e atribuiria tipicidade à ação de execução de títulos extrajudiciais. O exame da Tabela das Ações executivas mostra-nos a importância do problema. O peso 4 de executividade, que fez a sentença, não-executiva ter imediata execução, põe ao vivo a função do juiz. O peso 3 de executividade apenas mostra que se precisa propor ação executiva. Como, na ação executiva de títulos extrajudiciais, há a fusão de duas ações, uma de condenação e outra de execução, a que o direito material inverteu a ordem, como o adiantamento da ação executiva, não se há de considerar ação executiva típica. A sentença nos embargos do devedor aprecia a condenatoriedade e a executividade adiantada do titulo. Devemos, por isso, entrar, aqui, em ligeira apreciação. 2. Título e execução. O título executivo extrajudicial é aquele em que se elide, ou se retarda a cognição completa. A adoção da ação de embargos do devedor à execução de titulo extrajudicial dá prova suficiente disso. A elisão da cognição completa traduz-se pela equiparação integral do título à sentença. O retardamento, pela anteposição da execução à cognição. O adiantamento da executividade importa essa inversão. Muito cedo, isto e, ja ao tempo da manuscrito pura, o direito colheu a realidade desse fato, e teve de admitir que o devedor mesmo se defendesse. A história posterior é simples acentuação de pormenores que o exame dos fatos sugeria. Antes de Hans Karl Briegleb (Ceschichte des Executiv-Prozesses, 2º ed., 8-32, Einleituflg in die Theorie der summarischen Prozesse, 512, s.), já os juristas reinicolas distinguiam o elemento germânico do processo
executivo. O nexus foi equiparação primitiva da executividade estabelecida pelo próprio credor à executividade, através da cognição pelo Estado, à execução da sentença. A solenidade, pela qual o que tomava de empréstimo se obrigava a responder com o seu corpo, foi forma de ato constitutivo de direito material, imitante do direito processual da manus iniectio: a manus iniectio era a sanção da pretensão a executar, o nexus, a constituição da pretensão a executar, no plano do direito material. (Há reminiscência disso nos sistemas jurídicos que permitem adotarem os contratantes “ação executiva” para suas obrigações, ou que o estipule o credor: são sistemas com a idade do nexus, ou de algum momento sliylockiano de regressão psíquica ao nexus.) As Ordenações Filipinas, Livro 1, Título 78, § 12, ainda possuíam resquícios do título que se levava ao juiz para ser reconhecido in iure. Tratando das escrituras, aludia a “quaisquer (outros) contratos e convenças, que se fizeram entre as partes, posto que as ditas escrituras de consentimento das partes, por maior firmeza, se hajam de julgar per sentença de alguns julgadores”. Ato judicial constitutivo integrativo da forma, per modum voluntariae iurisdictionis. Os juristas portugueses discutiam se era da sentença a) ou do titulo b) que nascia a pretensão a executar, não se podendo dizer que do lado b) ficava Silvestre Comes de Morais (Tractatus de Executionibus, 1, 31 e 32), pois o processualista insigne, embora intitulasse “de scríptura contractus sententia iudicis confirmati” o 12 do Capitulo IV de seu Tratado, no texto não merece a crítica de Manuel de Almeida e Souza (Tratado Prático do Processo Executivo Sumário, 113), sempre ferino. Silvestre Comes de Morais reconheceu parata execu tio ao instrumento, “sic sententia est”, e levantou a hipótese. tratada igualmente por ele, de tal elemento ser constitutivo integrativo, oriundo de confissão, ou de preceito, em juízo contencioso; porque nessas espécies o elemento é o mesmo e produz executividade, posto que nem todas as sentenças o produzam. Ainda nesses casos de confirmação “de maior firmeza”, a sententia iudicis partium contractum confirmante não se identificava com a sentença proferida na cognição completa (cf. Alvará de 13 de março de 1772). Os juristas falavam de quasi re iudicata, porque se não havia discutido a validade intrínseca do instrumento. O negócio jurídico extrajudicial não ficava coberto pela sentença. Hoje, sabe-se um pouco mais a respeito. A prisão por dívidas é o resto da velha execução pessoal da manus iniectio, depois que desapareceu a capitis deminutio moxima, a escravidão. Ainda em William Blackstone (Commentaires, III, 415) se podem ver muito bem a execução pessoal e, se foi proferida pelo credor, a perda da execução nos bens. Assim era no direito romano clássico (cp. F. L. von Keller. Derrómische Zivilprozess, V ed., 353). Não tínhamos a prisão por dívidas; tínhamos a prisão pela não-entrega do depósito. As grandes empresas estrangeiras fabricantes de aparelhos para agricultura pleiteavam, desde muitos anos, a prisão por dívida dos compradores a prazo, e conseguiram o Decreto-Lei nº 1.271, de 16 de maio de 1939, art. 32, e os Decretos-Leis nº 1.625, de 23 de setembro de 1939, e n0 3.169, de 2 de abril de 1941, art. 2º. Era o tempo propício para a compressão internacional. Tinha-se feito, para isso, uma ditadura no país. Cp. Constituição de 1946, art. 141, § 32; Constituição de 1967, com a Emenda nº 1, art. 153, § 17; e Constituição de 1988, art. 5º LXVII. Capítulo 11 Ação executiva de sentença § 12. Conceito e natureza da ação executiva de título judicial 1. Preliminares. Pouco teremos de dizer sobre a ação executiva de sentença, a actio iudicati. Frisemos apenas que entre a afirmação a) de que a ação executiva de sentença preexiste à sentença, de modo que a sentença de certa maneira declararia existir tal ação antes de se proferir a sentença, e a solução b) de que a ação executiva de sentença nasce da sentença, e de modo nenhum antes, — há discussão que facilmente se afasta. Admitida a solução a), ter-se-ia caso único de sentença preponderante-mente declarativa (5 de declaratividade), exequível ou mandamental de execução (apagando-se a linha separativa entre ações mandamentais e ações condenatórias). Há, em verdade, uma ação declarativa em que aparece o elemento eficacial 3 de executividade, que é a ação do ausente cujos bens foram arrecadados, acudindo à vocatio in ius, mas, ai, arrecadação já houve e três ações declarativas em que a execução é imediata (portanto, não se há de pensar em actio ludicati): a ação de habilitação em inventário e partilha (4 de executividade), a ação de habilitação imediatamente à herança, sem necessidade de
sentença (4 de executividade), ação de habilitação imediata se tem saisina ou sucessor (4 de executividade). A solução b) é que é a certa, porque da sentença nasce a ação de execução de sentença, que tem de ser proposta. A sentença exequenda foi que produziu a ação executiva.
2. Conceito. A ação executiva de titulo judicial supõe, sempre, que o título judicial tenha provindo de sentença, com 3 de executividade: um elemento mediato é que faz nascer, noutra ação, o elemento 5 de executividade. Os juristas que não prestaram atenção a isso chegaram a erros graves. Por exemplo: Joaquim Inácio Ramalho (Praxe Brasileira, 63ª) dizia que, sendo a execução no juízo em que se produziu a sentença, se dispensava o mandado, “porque na sentença já vai incluido o mandado . Se de outro juiz o mandado seria indispensável. Para tal afirmação invocou Alexandre Caetano Gomes (Manual Prático, 89), que o disse, e Gabriel Pereira de Castro (Decisiones Supremi Eminentissimique Senatus Portugalliae, 13), que o não disse. Seria difícil a Gabriel Pereira de Castro, exatíssimo, mesmo ao tempo em que se não conhecia a classificação das ações, com a força eficacial, e as eficácias imediata e mediata, confundir a força executiva com efeito executivo mediato (3) das sentenças. Cogitava ele de causas da Cúria de Felipe II sobre Portugueses, quando era, ou não, necessária “carta requisitória”. Alexandre Caetano Comes ficara à superfície do problema; e Manuel Mendes de Castro (Practica Lusitana, 1, 163), que ele citou, nada profenu sobre o assunto. Foi estranhável que a V Turma do Supremo Tribunal Federal, a 9 de maio de 1950 (DJ de 28 de fevereiro de 1952), ainda concebesse a execução de sentença como remate da causa”, que exprobramos como aventura sem fundamento, que abertamente se choca com a exigência da citação inicial para a ação executiva de sentença. Igual inexatidão e dizer-se, como fez o Tribunal Superior do Trabalho, a 25 de outubro de 1946, que a ação proposta se estende até a satisfação do seu objetivo. Foi a definição de jurisdição como solução de controvérsia que mais perturbou a teoria das Junções do juiz e retardou as investigações para a fixação das espécies de pretensão à tutela jurídica. Foram as doutrinas francesa e italiana do direito comum que introduziram a falsa concepção de que a execução apenas continha ato de império, de administração. Traduziu-a o principio Iurisdictio in sola notione consistit (a jurisdição só consiste em conhecer; a jurisdição consiste no só julgar). De modo que ficava de fora qualquer relação jurídica processual (e, mais atrás, qualquer pretensão) em que os juristas de outrora não vissem (ou melhor, não vissem preponderar) a cognição. Os juristas lusitanos souberam defender-se dessa forma evolvida, posterior, da noção tida como romana, e J. J. C. Pereira e Souza (Primeiras Linhas, 1, 8, nota 29) tinha plena consciência dessa separação. O direito comum — francês e italiano — transladou para o campo dos conceitos (cognição, execução) a distinção referente à organização judiciária dos romanos, cometendo duplo erro. O ius dicere foi, apenas, no nascedouro, imposição a comprometerem-se em arbitros as partes, sem a estatalização da função de julgar, e éexatamente a cognitio que não se encontra no iudicium imperio continens. O julgar stricto sensu e o executar foram privados, antes de serem estatais. O conceito de notio é obscuro (Moritz Wlassak, Cognitio, Realenzyklopàdie) e ao direito comum faltou seguir o fio histórico da justiça estatal. Os juristas alemães do século XIX forraram-se à erronia de negar jurisdição ao juiz executor. Na Europa, é frequente citar-se, a respeito, A. von Bethmann-HolRFeg (1864), G. W. Wetzell e W. Kaempfe (Der Begrifi der iurisdictio, 1876, 4 s.); mas, antes deles, o nosso Pascoal José de Meio Preire (Institutiones, 1, 3ª), após referir-se à disputa dos juristas em torno da L. 3, D., de lurisdictione, 2, 1, informava que, entre nós (“apud nos”), nenhuma diferença se fez e, só excetuados os árbitros (“si arbitros excipiamus”), todos os juizes têm iurisdictio. A V edição das Institutiones saiu em 1815, o que importa pouco, uma vez que sempre assim se entendeu no direito português. Quando alguns juristas aludiam a distinções, apenas comentavam os textos romanos. Hoje, podemos analisar as pretensões e apontar na própria execução de sentença simples preponderância do elemento executivo, efeito de cognição completa que ficou atrás, sem se negar, portanto, certo elemento, ínfimo embora, de cognição na própria ação executiva de sentença. A atitude dos juristas lusitanos que repeliram o *Iurisdictio in sola notione consistit, no qual notio tinha sentido estritíssimo, que foi, depois, a dos três juristas germânicos acima citados, corresponde à da ciência de hoje (Adolf Wach, Handbuch, 314, 321 s.; Richard Schmidt, Lehrbuch, 2e ed., 201 s.; Rudolf Pollak, System, 857). As teorias de Francesco Carnelutti para reduzir a função judicial à decisão de lide, segundo os conceitos dele, constituíram tentativa de regressão ao direito comum italiano e francês, com a sua variante de processualismo atento a luta de classes”, vendo a tudo em termos de “contenda” e de “poder sobre súditos”. O antípoda do materialismo histórico, porém confirmador, por isso mesmo, desse. Falta de cultura filosófica. E Viena estava perto. Não a viram; ou não a queriam ver. No fundo, metafísica contra metafisica, em luta renhida.
O Estado não executa antes de saber se deve executar. Aliás, ele nada decide antes de se informar. O princípio Ab executione non est inchoandum apenas nos diz que a eficácia executiva só se inicia depois de decidido que se deve executar. Porém há as exceções ao principio, que são aquelas em que se adianta a execução, porque se permite começar com certa dose de cognição que depois se complete.
3. Natureza da ação executiva de sentença. Tanto a ação executiva de título judicial como a ação executiva de título extrajudicial e as outras ações executivas são ações com 5 de executividade. Se trata de execução de sentença, sentença já houve, porem não é executiva (5), nem sequer é de eficácia executiva imediata (4), o que dispensaria a propositura de outra ação. Tem-se aí o traço típico da ação executiva de sentença, sem que se possa pensar em continuidade. Se a pessoa que tem título executivo extrajudicial, em vez de propor a ação executiva de título extra-judicial, que poderia propor, propõe ação condenatória e tem sentença favorável, dispensado está de propor ação executiva de título extrajudicial. uma vez que para ela nasceu a ação executiva de sentença. O que pode acontecer é que proponha a ação de condenação e dela desista, cabendo-lhe a propositura da ação executiva de título extrajudicial.
§ 13. Sentença geradora de ação executiva 1. Espécies de ações de que resulta a sentença exeqúenda. As leis, v.g. o Código de 1973, art. 584, costumam enumerar as espécies de títulos executivos judiciais. O primeiro dos quais é a sentença condenatória proferida em processo civil, o que é de atender como primeiro exemplo, pela executividade 3 que têm as sentenças condenatórias. Em segundo lugar, vem a sentença penal condenatória, trânsita em julgado, pois o peso é o mesmo, O que é preciso é que tal sentença tenha a eficácia para o processo civil. Em terceiro lugar, pôs-se a sentença arbitral e a sentença homologatória de transação ou de conciliação, uma vez que a executividade mediata, 3, também dela se irradia. Em quarto lugar, está a sentença estrangeira, homologada pelo Supremo Tribunal Federal, mas havemos de entender que tal sentença há de ser inserivel numa das três primeiras espécies, ou tenha 3, pelo menos, de executividade. Em quinto lugar, estão o formal e a certidão de partilha. Admita-se que se pôs ai o formal ou certidão de partilha, porque se tem de executar o que se deliberou quanto à partilha, decisão com 5 de declaratividade, 3 de constitutividade, 2 de condenatoriedade, 4 de mandamentalidade e 1 de executividade. Se a execução tiver de ser noutra ação, a eficácia executiva da sentença que julga a partilha estaria reduzida, em sua eficácia executiva, a 3. Ora, à deliberação do juízo em se tratando de credores que pedem pagamento de dívidas vencidas, feita nos autos, segue-se a sentença que julga a partilha, nos mesmos autos, e — trânsita em julgado — há a imediata execução e ainda se permitem emendas nos mesmos autos do inventário, a ponto de o juiz, de ofício ou a requerimento da parte, poder corrigir inexatidões materiais. Não se vai a outro juízo, nem se propõe no mesmo juízo outra ação. Aí, no mesmo juízo, é que se podem opor embargos de terceiro. Não há embargos de devedor na ação de inventário e partilha. A referência a formal e certidão de partilha, em lei que apresenta as espécies, não é feliz. O legislador ignora a distinção entre 3, 4 e 5 de executividade. A sentença com 5 já é executiva, porque é preponderantemente executiva; se tem 4, na própria ação se pede a execução. Se tem 3, sim: a ação teria de ser outra ação, agora com 5. Ao falarem de título executivo judicial, as leis se referem à sentença condenatória proferida no processo civil. Mas há sentenças condenatórias, proferidas em processo civil, que não têm 3 de executividade, de modo que escapam à enumeração. Por exemplo: a) com 4 de executividade, a ação para prestar contas, ou pedir contas, havendo saldo, a ação de resposta à imprensa, e a ação por atentado, embutida em ação de execução por título extrajudicial, porque ai a eficácia da ação principal influi na carga de eficácia da sentença quanto ao atentado (a executividade, que seria mediata, passa a ser imediata); b) somente com 2 de executividade, a ação de pedido de prêmio ao achador, a ação confessória e a ação negatória (cf. , Tomo V, 97). Uma vez que a ação executiva é fundada em sentença condenatória com 3 de executividade, a defesa do devedor, que sofre a execução, não pode volver ao que seria alegável no processo de cognição. Daí a diferença entre o possível conteúdo dos embargos do devedor opostos à ação executiva de sentença e o dos embargos do devedor opostos à ação executiva de titulo extrajudicial, pois nesta lhe seria lícito deduzir como defesa o deduzível no processo de conhecimento. Há ações em que a sentença tem 3 de executividade, sem serem ações condenatórias. Por exemplo, a ação de sub-rogação de bens inalienáveis, a ação de negócios jurídicos sobre bens de incapazes, a ação de separação de
corpos, e ação de reconciliação de cónjuges, a ação para venda de mercadorias da carga do navio, a ação de venda do navio, a ação de anulação, a ação de titular do direito de preferência, a ação do obrigado à preferência, a ação de nova cártula em caso de destruição, a ação de desempossamento de título ao portador para obter novo título, a ação de autorização de venda, a ação de denúncia vazia, a ação de denúncia cheia, a ação para venda, locação ou adminisfração da coisa comum, a ação de destituição ou dispensa de cabecel, a ação de parede-meia ou tapume-muro, a ação redibitória (remissão), a ação quanti minoris, a ação de diminuição de aluguel, a ação de concordata, a ação de sonegados, a ação de apresentação de testamento, a ação para cumprimento de testamento, a ação para alienação ou gravação de bens dotais, a ação de separação litigiosa, a ação de venda de salvados marítimos. Em geral, nas sentenças de tais ações, apesar do peso 3 de executividade, não há titulo executivo judicial no sentido da lei, se não se trata de crédito e de obrigação de prestar, de modo que não se possam invocar as regras jurídicas sobre processo de execução. Se trata de crédito e de obrigação de prestar, sim. Demos exemplo: se houve vicio redibitório e o adquirente propôs a ação redibitória, a sentença, que é constitutiva negativa, permite que se proponha a ação executiva de título judicial, o que evidencia que a expressão “ação condenatória”, que aparece em leis, vai além da classe a que se daria o nome. 2. Ponto ou pontos da sentença que têm 3 de executividade. O elemento condenatório preponderante, a força sentencial, pode ser apenas de um ponto ou pontos da sentença, bem assim o elemento executivo mediato (3 de executividade). E o que acontece, por exemplo, com a sentença que julgou procedente ou improcedente o pedido e condenou nas custas e nos honorários de advogado o autor ou o réu da ação.
3. Sentença homologatária de transação ou de conciliação e sentença arbitral. Para que a sentença, que homologou transação ou conciliação tenha eficácia executiva, é preciso que o contéudo da transação ou da conciliação seja, no todo ou em algum ou alguns pontos, relativamente a uma das partes, ou a algumas, ou a todas, condenatória; isto é, declarou-se a divida e a homologação fez sentencial a condenação. De transação ou conciliação de que não resulta alguém ser devedor e ter de pagar, não se pode irradiar 3 de executividade. Diante da sentença homologatória, o juiz, no exame da petição inicial da ação executiva, tem de verificar se foi declarada a dívida e se houve a condenação, que pode ser implícita e não só explícita na sentença homologatória. A despeito de os títulos executivos de que aqui se cogita terem procedência negocial, a executividade da sentença homologatória provém da sentença, e não do negócio juridico que foi homologado. A sentença fez homólogo judicial aquilo que judicial não era. As criticas que fazem a se chamar sentença a sentença homologatória são absurdas. Não se chame “ato judicial impróprio”, como fez Francesco Carnelutti, porque a sentença homologatória é título judicial próprio, nem “ato contratual judicial” (Paolo D’Onofrio, Commento ai Codice di Procedura Civile, 3º edil, 40), nem mesmo “título parajudicial” (Artur Anselmo de Castro, A Ação Executiva Singular Comum e Especial, 11 e 3ª), posto que não seja inadmissível a expressao. A sentença homologatória de conciliação é sentença. Quando, no direito português atual, se retirou a referência à sentença homologatória de transação e de conciliação como título executivo, criou-se problema de interpretação, que só se há de resolver com o enchimento no branco, concernente ao que o legislador entendeu ser recomendável. Dizer-se que a sentença homologatória da transação ou da conciliação não é sentença, no sentido técnico, orça pelo absurdo: a prestação jurisdicional foi feita. O que resultou da transação ou da conciliação contém todos os elementos sentenciais, qualquer que seja a eficácia, declarativa, constitutiva, condenatória, mandamental ou executiva. O que as partes disseram, como conclusão, passou a ser não semelhante, mas análogo, ao conteúdo da sentença: a sentença fez seu, homólogo, o conteúdo da transação ou da conciliação. As partes auxiliaram o juiz a prestar-lhes aquilo que o Estado prometera. Pensar-se, aí, em título executivo judicial impróprio foi um dos muitos erros de Francesco Carnelutti, o que grande mal tem feito a juristas brasileiros; e mais grave foi o de retirar-se no Código de Processo Civil português a referência à conciliação. A função, que tem em juízo a sentença homologatória da desistência, é a de extinção da relação jurídica processual, sem julgamento de mérito. A da sentença homologatória da transação (de re dubia lite incerta neque finita) é a de extinção da relação jurídica processual, com julgamento de mérito, pois que se julgou a res, diante do que as partes acertaram.
Se não houve homologação judicial da transação, a eficácia é apenas negocial. Houve negócio jurídico e ainda não o examinou o juiz, para proferir a sentença. Houve entre os juristas do século passado quem levasse (em 1855) o assunto à quase-assimilação transação e sentença (C. Risch, Die Lehre vom Vergleicl-ie, 26 s. e 32). Todavia, nem chegara até às últimas consequências, nem o que ele escrevera resistiu às críticas que lhe foram feifas, especialmente a de Oskar BOlow (Absolute Rechtskraft des Urteils, Archiu for die civilistische Praxis, 83, 85 s., nota 95). A sentença homologatória tem como fundo o negócio jurídico da transação. A sentença é que transita em julgado. Pense-se em dois casos: A propôs ação contra B, apresentando os documentos, e 8, na contestação, alega que haviam transigido, conforme a escritura pública ou particular que assinaram. O juiz, ao julgar, apenas aprecia todos os documentos, inclusive o da transação, como elementos probatórios, e profere a sentença, atendendo ao que se havia mudado, com a transação, à relação jurídica de direito material. Tal sentença não é sentença homologatória. Não houve a integração judicial da transação. Se, porém, pendente à lide, as partes transigem e levam o negócio jurídico da transação ao exame e à sentença de homologação, então o juiz sentencia com decisão de conteúdo homólogo ao do negócio jurídico. A sentença de homologação da transação ésentença como as outras que julgam mérito. O juiz afirmou, explicita ou implicitamente, que existiu a transação, que é válido e eficaz. Antes do advento da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, a sentença que homologava o laudo arbitral era título executivo extrajudicial. Se houvesse compromisso arbitral pendente a lide, com o compromisso arbitral extinguia-se o processo sem julgamento do mérito. Se não pendia a lide, ou se pendia, era de mister a homologação do laudo arbitral, para que se lhe atribuísse a eficácia sentencial, de que uma das espécies era a executividade, se fosse o caso. Dizer-se que, na técnica jurídica, seria aconselhável a dispensa da homologação, tal como se passou na mesma legislação processual civil portuguesa, era algo a repelir-se. Idem, dizer-se que, aí, a homologação era excesso de formalismo e fugia ao princípio da economia processual (e. g., Artur Anselmo de Castro, A Ação Executiva Singular, Comum e Especial, 25; com razão, contra, José Alberto dos Reis, Processo de Execução, 138). Atribuir, por exemplo, eficácia de título executivo extrajudicial (a fortiori, judicial) a laudo arbitral, como se tivesse passado aos árbitros ou ao árbitro função estatal, chocava-se com a boa técnica de direito processual e com a tradição do direito brasileiro. Com a transação e a conciliação, não poderia dispensar a atividade do órgão estatal, uma vez que houve monopólio da Justiça e o Estado prometeu atender a pretensão àtutela jurídica. Ainda sob o direito anterior, para que o laudo arbitral, homologado, pudesse ter eficácia sentencial positiva, era preciso que, na classificação das ações, tivesse peso que lha atribuísse. Se ele desconstituía, nada se tinha de exigir a mais; se apenas declarava, tudo se prestava; se condenava, quase sempre havia o 3 de executividade. Se tinha preponderância mandamental, ou eficácia mandamental imediata, a intimação da sentença homologatória continha o mandado. Se a sentença homologatória recebia a executividade preponderante, ou imediata, não se precisava propor a ação executiva de título judicial: a intimação já levava ao que se decidia. Não se diga que, qualquer que houvesse sido o laudo arbitral, tivesse o juiz o dever de homologá-lo. O juiz podia e devia examinar o conteúdo do compromisso, se toda a matéria tinha de ser ou podia ser objeto da arbitragem; mais: se o árbitro ou os árbitros obedeceram às regras do compromisso e às que constavam da lei sobre a função. Hoje, passa-se diversamente. A Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, no art. 31, estatui que a sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, a mesma eficácia da sentença judicial. Equiparou-a ao título sentencial emanado pelos órgãos do Poder Judiciário e conferiu-lhe executabilidade se, está visto, tem no mínimo efeito mediato executivo, 3 de executividade. Quando se diz que o termo “credor” corresponde a qualquer titular de pretensão e ação de direito pessoal ou de direito real, como fazem alguns juristas, há confusão. Há ações oriundas de direito pessoal ou real que não legitimam à execução. Para a executabilidade, é de mister a obrigação de pagar ou de entregar a coisa certa ou incerta, ou de fazer ou de não fazer. A ação de reivindicação, que é ação real, não entra na classe das ações executivas de títulos judiciais ou extrajudiciais, posto que seja ação executiva. As ações possessórias, executivas, nada têm com as ações de execução de sentenças ou de titulo extra-judicial. Nem sempre o titular de direito é credor. Convém não se embaralharem conceitos. 4. Sentença estrangeira homologada pelo Supremo Tribunal Federal. Nem toda sentença estrangeira, que o
Supremo Tribunal Federal homologa, tem 3, 4 ou 5 de executividade. Se tem 5, não se precisa propor ação executiva da sentença estrangeira: a homologação bastou. Se tem 4, com a homologação, ou se requereu ao Supremo Tribunal Federal que expeça o mandado de execução, ou se agiu conforme as regras jurídicas do Regimento Interno. Se tem 3, então, com o documento sentencial da homologação, pede-se a execução: propõe-se ação executiva de sentença, porque a sentença estrangeira, condenatória, foi homologada, e competente é a Justiça do Brasil, conforme os princípios. A homologação importa a eficácia de sentença estrangeira, de modo que o conteúdo eficacial do título é tudo que a sentença homologatória importou. O que não importou ficou fora; e de jeito nenhum pode estar no título executivo judicial. A importação deriva de sentença em ação constitutiva. Conforme se vê na Tabela li que está no Tomo III, 651, do , qualquer que seja a eficácia da sentença estrangeira, a eficácia da sentença homologatória é sempre a mesma: 3 de declaratividade, 5 de constitutividade, 2 de condenatoriedade, 4 de mandamentalidade e 1 de executividade. Eficácia executiva da sentença estrangeira há de ser de sentença estrangeira executiva (5) ou de sentença estrangeira, quasempre condenatória, que, com 3 de executividade, leva à acho iudicati. O título executivo é a carta de sentença extraida dos autos da homologação, porque aí está a decisão do Supremo Tribunal Federal, que importou a eficácia da sentença estrangeira e essa vai ser atendida como se fosse eficácia de sentença brasileira, que tivesse a mesma natureza e conforme as regras jurídicas a que a sentença brasileira teria de obedecer para ser feita a execução. Homologada pelo Supremo Tribunal Federal alguma sentença estrangeira, inclusive arbitral, que se vai executar, porque se importou eficácia executiva, nos embargos do devedor não pode ser alegado que houve falta ou nulidade da citação no processo estrangeiro, ou outro fato semelhante, porque o Supremo Tribunal Federal já apreciou toda a sentença estrangeira para homologá-la.
Capítulo III Ação executiva de títulos extrajudtiais § 14. Conceito e natureza da ação executiva de títulos extrajudiciais
1. Razões da colocação. Uma vez que a ação de execução de títulos extrajudiciais tem pesos de eficácia assaz diferentes dos pesos de eficácia da ação executiva de títulos judiciais e de outras ações executivas típicas, não devemos pó-la abaixo da ação executiva de titulo judicial. Basta compararmos as cargas eficaciais; ação executiva de título judicial — declaratividade 3, constitvtividade 2, condenatoriedade 1, mandamentalidade 4, executividade 5; ação executiva de título extrajudicial — declaratividade 3, constitatividade 1, condenatoriedade 4, mandamentalidade 2, executividade 5. Note-se a diferença: a) na ação executiva de título judizial começa-se de mandamentalidade com 4, por ter havido condenação, o que leva à execução; o que se manda é efeito imediato da propositura da ação executiva, e pois mandado de eficácia imediata; algo se declarou (3) e quase nada se constituiu ou só condenou (2, 1); b) na ação executiva de título extrajudicial, o que há de início éapenas 2 de mandamentalidade, porque tudo depende da sentença com 5 de executividade e 4 de condenatoriedade, pois o mandado foi de cognição incompleta (2), sendo 3 o peso de declaratividade e 1 o de constitutividade. 2. Dados históricos. A ação executiva de títulos extrajudiciais é a ação correspondente à pretensão à execução, ai à frente (e preponderando) em relação à ação de conclinação, correspondente à pretensão à condenação. As duas pretensões exercem-se no mesmo processo, mediante a “ação executiva”, adiantando-se a cognição, para que se possa começar pela eficácia executiva da causa petendi. Pela mesma razão, a ação executiva de sentenças é ação correspondente à pretensão a executar, que então se exerce após a cognição completa, tal como resultou da força de sentença condenatória. Ao ser intentada a actio iudicati, a condenação já é fato consumado, pela eficácia da sentença, um de cujos raios é essa actio iudicati. Um dos raios, entenda-se, que pode não existir se a sentença condenatória é, embora excepcionalmente,
desprovida dele, e ser sem cabimento, sem razão de ser, se o próprio devedor executou a obrigação. Pode mesmo ter sido “enervada” — isto é, ter perdido a eficácia — a sentença em virtude de preceito cominatório. Atendendo a isso, o sistema jurídico tem a separação das duas ações — a de cognição (condenatória) e a de execução — e há explicitude quando se exige, no começo das causas, a citação. As partes podem ser, até, diferentes. Havendo duas ou mais de duas pessoas condenadas, os processos de execução são relativos a diferentes relações jurídicas processuais de execução. A ação executiva de títulos extrajudiciais tem a característica de ser “ação” de duas finalidades pré-processuais, portanto, em verdade, duas ações, uma das quais prepondera e lhes dá o nome, na classificação das ações. O dito de Baldo de Ubaldis —Ex ipsa sententia oritur novum lus — tem de ser entendido como se esse jus significasse “poder”, no sentido, por exemplo, em que se chama à cláusula de inalienabilidade “restrição de poder”; e não se há de querer o imperdoável anacronismo de se supor que, tantos séculos antes de se isolarem pretensão e ação, Baldo de Ubaldis entendesse por ius executivum a pretensão à execução e a dissesse nascida da sentença. Ora, nada clareia mais a natureza da ação executiva das sentenças do que o estudo das ações executivas de títulos extrajudiciais. Nessas, é evidente que a pretensão a executar já existe antes da sentença, e foi metáfora dos velhos juristas falar dos títulos executivos como títulos com força de sentença. E certo que — nos casos de ação de condenação em que o título não permitiria propor-se a ação executiva de títulos extrajudiciais — não há processo executivo, nem há relação jurídica processual com o conteúdo executivo; porém, isso, por si só, não autorizaria a concluir-se que ainda não existe a pretensão à execução. O problema merece exame, que adiante se faz. Alguns juristas, devido a ter-se sumarizado a execução (execução per oflicium iudicis) e a falar-se, em textos portugueses, de poder-se recorrer, também, à actio iudicoti, entendem que a ação de execução deixou de ser ação autônoma. Ora, por mais curta, rápida, que se tornasse a execução, acho iudicati continuaria de ser, tendo apenas atravessado as vicissitudes históricas pós-romanas (germânico-canônicas). Nas Ordenações Filipinas, Livro III, Titulo 25, § 8, concebido por mestre, falou-se de “ação que nasce da sentença”, no senido do Ex ipsa sententia oritur novum ius. A única diferença entre a acho iudicati romana e a nossa é que a nossa está mais esvaziada do que aquela de elemento de cognição (condenatório ou simplesmente declarativo), é mais pura, de elemento executivo quase que só. No fundo, a nossa acho iudicati corresponde a mais rigorosas precisões das duas pretensões e dos dois processos. Os embargos do devedor, onde alguma discussão cognitiva surge, revelam, ainda assim, a necessidade de se combinar com a construção da ação de execução da sentença (ação executiva) ou de título extrajudicial a ação mandamental dos embargos do devedor.
3. Títulos executivos extrajudiciais. As leis, e. g. o Código de 1973, art. 585, recolhem casos de processo executivo em que se começa por executar antes de se ter plena Coqflitio. E impossível reduzi-los todos a origem única; e muitas vezes princípios romanos (e. g., L. única, Codex Justinianus, de confessis, 7, 59: “Confessos in iure pro iudicatis haberi placet, quase sine causa desideras recedi a confessione tua, cum et solvere cogeris”) eram invocados para atender a construções ncvas, inspiradas pelas circunstâncias materiais da vida. O ter-se o instrumento público como confissão, e não somente como prova preconstituída, como instrumento guarantigiata ou confessionata, é elemento insigne; e Bártolo de Saxoferrato pôs os seus trechos sobre os instrumentos públicos (feitos perante o tabelião, iudex chartularis) sob a L. única do Codex lustinianus, de confessis, 7, 59. Essa equiparação geral à sentença, para permitir a execução antes da sentença condenatória, não chegou até as novas leis processuais. E foi bem que acontecesse, por serem de exigir-se, de iure condendo, a determinação da dívida mesma. Só assim se lhe há de reconhecer a parata executio (execução parada ou aparelhada), que é como se disséssemos que só assim a escritura prova que, além da pretensão à execução, pré-processual, está habilitado o credor a usar, desde logo, da via executiva. Cedo foi visto que os casos que as leis apontam tinham muito de comum; porém, ainda assim, não eram idênticos. Tempo houve em que não se exigia, para a execução da sentença trânsita em julgado, nem mesmo a citação do executado, tão claro parecia tratar-se de plena cognitio, já estranha à relação juridica processual da execução. No entanto, à equiparação dos instrumentos públicos à sentença se opunha a dilatação do prazo ao devedor réu para apresentar defesa, sempre que era de instrumento do tabelião, e não de sentença, que se cogitava. Cognição anterior, suficiente para o exercício da pretensão executiva, havia, sem a qual se teria de dar à ação caráter preparatório ou de simples asseguração (pretensão à segurança). Mas tal cognição era incompleta: a parte cognitiva assente autorizava a execução; a parte cognitiva ainda não assente tinha de discutir-se no processo executivo. Se essa parte ia ser versada em rito ordinário, ou sumário, não nos importa, salvo no estudo das formas do procedimento executivo-cognitivo. Na classificação das ações, segundo a sua eficácia, esse elemento formal não entra, nem poderia entrar. O que somente importa é saber se a pretensão, que se exerce, é pretensão à
execução, e prima, na espécie. O mandado inicial de solvendo foi o sinal desse primado da executividade dos instrumentos. Naturalmente, quando se exigiu a citação do executado, nas execuções de sentença, por se ter visto que algo poderia ocorrer que justificasse defesa do executado, teve de ser usado o mandado de solvendo. Ocorrera, porém, que a sumariedade do processo executivo-cognitivo (execução de títulos extrajudiciais) sacrificava o trato de certas questões, razão por que, às vezes, se chegou à cisão em dois processos, o executivocognitivo (imperfeitamente cognitivo, devido à via summaria) e o cognitivo puro, posterior àquele. Tal dualidade, que, afinal de contas, punha a ação e a sentença de execução antes da ação e sentença condenatória — inversão, a priori, possível, se bem que, na prática, dê alguns maus resultados — teve de exprimir os seus intuitos de política jurídica, em certos brocardos e princípios peculiares à dupla processualidade das duas ações: Pronunciatio iudicis Jacto in causa summoria, super oliquo articulo incidenti, non praeiudicat. Succumbenti in iudicio executivo reservotur iura in ordinario. Tudo isso serve de material para se ver o sentido da evolução que se operou. É compreensível que, diante das duas ações executivas, a dos títulos extrajudiciais e a das sentenças, alguns países (e. g., Itália e Alemanha) acentuassem a diferença, e outros, os traços em comum (França), chegando, respectivamente, à dualidade processual e à unidade processual. A Ordenança (153ª) de Francisco 1, da França, traduziu a última tendência, vindo, no século XIX, a refletir-se na Ordenação alemã. Na peninsula ibérica, o processo executivo nasceu sumarissimo, se assim se pode dizer. Começou com a prenda privada (execução própria), até que, provavelmente antes do século XI, se judicializaram o arresto e a penhora (ie com reações!). Lei de Afonso II (cp. Ordenações Afonsinas, Livro IV, Título 9, § 1; Leges et Consuetudines, 1, 172, nº 15) exigiu a prova prévia, isto é, a cognição (verbis: ‘outro senom aquel que poder provar que é seu devedor ou fiador. E aquele aí fazer seu fiador em quinhentos soldos e carrega o dano ao que não o recebeu’). A elaboração do processo executivo português foi autônoma, tendo sido os elementos intelectuais, alemães e italianos, posteriores. Aliás, a finura dos juristas portugueses — e dos legisladores — encontrou a via media entre Itália-Alemanha e França, de que fala Silvestre Comes de Morais (Tractatus de Executionibus, 1, 5, 6 e 8), em trecho que merece ser transcrito: “In Tuschia, & fere per totam Italiam causa abreviandarum litium certus procedendi modus inventus est desumptus ex ipsa iuris communis meduíla, qui ita se habet: Tabeilio per statuta illorum Regnorum creatur iudex cum iurisdictione ad praecipiendum in confessum, vocaturque iudex cartularius...” “Quod ilIe de iure communi non concedebatur...” “...coram ipso, tanquam coram iudice...””... in Italia instrumenta sunt exequibilia ...‘“ Istud praeceptum notarii dicitur praeceptum guarentigiae, & contractus, seu instrumenta dicuntur guarentigiata, quia guarentare in lingua Thusca significat firmum & stabile facere... “In Francia omnia contractuum instrumenta si sigilio aliquo authentico... habent quasi paratam executionem.” “In regnis tandem Castellae parum dissimilis stylus servatur... . Depois de tão precisa compreensao do direito dos outros povos, Silvestre Gomes de Morais, que, no sumário, anunciou tratar, sob o & 28, de que “Nostra Lex Regia mediam viam elegit inter leges Regnorum exterorum” (Tractotus de Executionibus, 1, 2), diz, no dito número (1, 8): “En vides notatis legibus, statutis & stylis exterorum Regnorum, quantum Lex Regia Lusitaniae mediam viam sectans inter praedicta iura sancte, prudenter, humaniterque se habeat, nam neque executionem incipi captis pignor. Inaudito debitore voluit, cum tanta ipsius molestia, & gravamine, ut servant leges Castellae, Franciae, Statutaque Italiae, neque convictum debitorem per publicum instrumentum litem in tempus protelare passa est, corrigendo in hoc segnitiem legum Romanorum, media enim via semper tutior est, prudentia est medium in omnibus eligere”. Consciência das próprias fontes, do direito comparado, e inteligência da técnica portuguesa, buscando a linha de prudência (e não só média) entre os sistemas juridicos da Itália, da França e de Castela. A concepção foi a da ação decendiária, que representava o encurtamento próprio do processus executivus (forma abreviada), mantida a executividade prévia, não-suspensão pela apelação e permissão da via ordinária, noutro processo. Havendo “embargos do executado”, a causa transformava-se em ordinária, isto é, em causa para satisfação da pretensão à condenação. E Pascoal Jose de MeIo Freire (Institutiones, v, 75) notou-o: “non agitur executive sed surnmarie”. Na execução dos instrumentos, as Ordenações Filipinas, Livro 1, Título 78, § 12, exigiam prévio julgamento “por sentença de alguns julgadores”, algo de juízo in iure, que Silvestre Gomes de Morais nos informa ter sido per modum voluntarioe iurisdictionis. Isso mostra que se ligava a eficácia executiva das “escrituras de consentimento das partes ao caráter judicial que tiveram os depois chamados notários ou tabeliães. Tal julgamento, que se tornou, mais tarde, a cooperação notarial na preconstituição do instrumento, era usado “por maior firmeza”. Os juristas de séculos anteriores viam em tal sentença algo de sentença prejudicial de
“condenação de preceito como confitentes’, exemplo: Ordenações, Livro III, Título 66, § 9 (Manuel de Almeida e Sousa, Tratado Prático do Processo Executivo Sumário, 112 si finalmente, como sentença declarativa prévio. Manuel de Almeida e Sousa estava tão convencido disso que achou errada a rubrica do estudo de Silvestre Comes de Morais, que foi “De scriptura contractus sententia iudicis confirçflati”, e entendia que a verdadeira rubrica seria “De sententia iudicis partium contractum et eius officium implorantium confirnanti”. A citação era de exigir-se, não bastando a relação jurídica processual em linha reta (sem angularidade)~ sob pena de nulidade (não de inexistência). Sobre a natureza da “confirmação de que falavam as Ordenações Filipinas, Livro 1, Título 78, § 12, sabemos, pelos juristas portugueses, que não tinha a efícacia das sentenças de condenação: não sanava nulidades (cp. Diogo Guerreiro, na questão 41 das Decisiones seu QuaestioneS forenses); embargada, suspendia-se-lhe a eficácia, o que se pode ver em Manuel de Almeida e Sousa (Tratado Prático do Processo Executivo Sumário, 113), e a confirmação por alvará não a equiparava à sentença no contencioso (Alvará de 13 de março de 1772). Era a confirmação in comm uniforma, sem plena discussão. O plus da ação condenatória, em relação à declarativa, é inegável, e têm razão Konrad HelRFig (Spstem, 1, 3ª) e todos os que vieram nas suas pegadas, até entre nós (Alfredo Araújo Lopes da Costa, Direito Processual Civil Brasileiro, 1, 79; sem razão, Enrico Tuilio Liebman “Execução e ação executiva”, RF 94/2 15). Não se trata de caso qualificado de sentença declarativa (espécie da prestação), nem de declaração de ato ilícito. O plus da ação executiva, em relação à de condenação, ressalta quando se compara a ação (ou a sentença) na ação em que pleiteio, por via ordinária, o pagamento da nota promissória, e a ação em que intento a execução da mesma nota promissória. Nessa, a pretensão a executar passa à frente da outra.
§ 15. Relação jurídica processual 1. Unilinealidade e angularidade. Tem-se afirmado que a relação jurídica processual de execução é unilineal (unilateral), isto é, somente entre exeqüente e Estado (juiz). São levados a isso alguns juristas, pelo fato de serem ação os embargos do executado, ditos embargos do devedor. Ora, ação contra ação, como os embargos do executado, tem de ser outra linha, com que também se estabelece a angularidade. A relação jurídica processual tanto se angulariza com a execução dos títulos extrajudiciais como com a dos títulos judiciais. A defesa em ação também supôe que a relação se angularizou. Mas a citação bastou, e ocorreu antes. A citação é que é o elemento indispensável á angularidade. Se ela ocorre, quer se admita a defesa em contestação, ou em impugnação, ou em ação, o ângulo perfez-se com a citação. Temos, portanto, de repelir a construção da relação jurídica processual da execução como unilineal. Há a citação. Depois é que pode advir outra ação: a de embargos do devedor. Demais, a lei distingue o procedimento executivo, que prossegue, a despeito dos embargos do devedor, se esses, na espécie, não são suspensivos, e o procedimento dos embargos do devedor. O citado que sofreu a execução, apesar dos seus embargos serem suspensivos, figura na relação jurídica processual como sujeito passivo. Dá-se o mesmo se o executado não opõe embargos do devedor, ou se esses não foram admitidos, ou julgados improcedentes. Cumpre não se confundir a relação jurídica processual da execução com a relação jurídica processual dos embargos do devedor, em que o embargante, o devedor, é autor, e réu é o exeqüente, dito embargado. Também aí há a angularidade (embargante devedor, Estado; Estado, embargado exequente). O que angulariza a relação juridica processual, em todas as ações, é a citação, que tem o efeito de inserir no processo o citado; não a contestação, a impugnação, ou a ação de embargos do devedor, que são atos praticados após a angularização.
2.Ação executivo de cognição incompleta e ação de execução de sentença. Operou-se quanto à ação executiva de títulos extrajudiciais maior diferenciação em relação à ação de execução das sentenças, diferenciação que só se realiza no plano das preferências e distinções intencionais do legislador, porque ação de execução de sentença e ação executiva nunca perdem seus parentescos históricos e empíricos. Por mais que os legisladores levem às leis
os seus pendores, não conseguem fazer quadrado o redondo, nem redondo o quadrado. A execução é ação, junta, ou não, à ação em que se profere a sentença exequenda; não se lhe apaga o caráter que os juristas portugueses lhe reconheciam e a ciência moderna confirma. No século XVI, Francisco de Caídas, no século XVII, Manuel Álvares Pêgas, no começo do século XVIII, Silvestre Comes de Morais, depois Manuel Gonçalves da Silva, e, no século XIX, Manuel de Almeida e Souza, todos acentuavam a actio iudicati, que está na execução. As Ordenações Filipinas, Livro III, Título 25, § 8, eram significativas: “E queremos que isto, que dito é das dívidas, que se demandam por escrituras públicas, haja lugar em qualquer dívida, que se dever e demandar por virtude de alguma sentença, que passar em coisa julgada, quando se demandar por via de ação que nasça dessa sentença”. A despeito de não distinguirem, então, a pretensão à tutela jurídica e o remédio jurídico processual, a ação processual e a forma do processo, tal como a ciência de hoje procede, os juristas reinícolas viram bem que a forma não mudava o cerne comum às ações executivas e às execuções. Gente que meditava e correspondia ao esplendor da situação econômica e moral de Portugal, ou dos princípios da sua decadência. O título executivo foi definido, na espécie, com precisão. A eficácia executiva de certos documentos e a eficácia executiva das sentenças só se distinguem em gradação. O trato delas é semelhante. O Estado proibe tanto a ajuda próprio defensiva quanto a ofensiva; e somente em casos expressos abre exceções. Nem o legitimado por sentença, nem o legitimado por documento, que tenha eficácia executiva podem, por si mesmos, executar, isto é, fazer-se pagar (no sentido lato). Os seus pedidos diretos, amáveis ou intimidantes, não chegam a ser executivos. Têm de recorrer ao Estado. Em lugar da ajuda própria ofensiva (offensive Selbsthilfe), o Estado confere ao credor do documento, ou da sentença, pretensão á tutela jurídico que ponha a seu serviço a atuação coativa do Estado. É ai que surge a pretensão executiva. Toda pretensão à tutela jurídica é contra o Estado, e não contra a outra parte; e o mesmo ocorre a “todo processo executivo”. A todo “processo executivo” (seja um só, como a velha assinação de dez dias, sejam dois, por teimosia do legislador ou razões que têm fundamentos práticos) corresponde, por trás, a pretensão à tutela juridica de caráter executivo comum à executividade dos documentos e à das sentenças. Daí haver a pre tensão á execução (Vollstreckungsanspruch) e os processos executivos (Exekutionsverfahren). A pretensão à execução é de direito público, como o é a forma dos processos executivos. Naturalmente, não se pode confundir com a pretensão executiva a pretensão de direito material, que está diferente em cada espécie, nas regras jurídicas sobre os títulos executivos. Quer no processo executivo dos documentos, quer no processo executivo das sentenças, três pessoas ocorrem, como se passa em todos os processos que correspondem a exercicio das pretensões à tutela jurídica, formando a relação jurídica processual em ângulo (autor, Estado; Estado, réu). O juiz, como órgão do Estado, é que é o sujeito passivo da pretensão à execução (Rudolf Pollak, System, 40). A relação juridica processual em ângulo é apenas consequência da pretensão de execução, por ser contra principio de política jurídica vigente (às vezes, em graus baixos de evolução política não existe) executar sem a participação do réu. Por isso mesmo, é possível a execução contra o réu desconhecido ou incerto, sem qualquer dificuldade de construção teórica.
3. Pretensão á tutela jurídico executiva. A pretensão à tutela jurídica executiva é uma só, quer para as chamadas ações executivas, sensu loto, quer para as execuções de sentença. A distinção entre as formas do procedimento depende da lei, que tem certa liberdade de variação, desde que não se afaste do dado (eficácia executiva com prestação jurisdicional incompleta adiantada). Muito obscurece o problema de se saber se execução de sentença é ação o fato de confundirem os partidários de um e de outro lado a pretensão a executar e o exercício dela, que éo procedimento executivo. § 16. Ação executiva de incompleta cognição e títulos extrajudiciais 1. Fundamento do execução com incompleto cognição. (1) O fundamento contemporâneo do Poder Executivo nas ações executivas de títulos extrajudiciais é o de existirem causas em que o quod plerum que accidit é não ocorrerem exceções do réu, incidentes, ou discussões bem sucedidos contra a prova. Há, pois, à base da concepção de cedas ações de condenação como executivas — antepondo-se a resolução judicial de execução que, normalmente, viria depois, como efeito da sentença de condenação — atendimento a certa distinção prática entre as ações em que há grave probabilidade de discussão da prova ou de afirmações contrárias e as ações em que é pouco provável que isso se dê. A existência do procedimento executivo de títulos extrajudiciais é, pois, de ordem técnica legislativa. Quem diz técnica diz artifício construido, em vez de dado. Todos os procedimentos executivos de ações de títulos extrajudiciais poderiam não existir. Quer dizer: todas as ações de tal espécie seriam suscetíveis de só se tratarem com o rito do procedimento de cognição. Não há dúvida
quanto a isso. Daí a preferência do legislador — bem compreensível — pela facultatívidade do processo executivo das ações de títulos extrajudiciais. Mas, processo e ação não se confundem. Ainda que as ações de títulos extrajudiciais sejam processadas como condenatórias, nem por isso deixam de ter sentença com eficácia executiva. E a razão é simples: tratando-se de tais ações executivas de títulos extrajudiciais, houve inversão dos “processos” das ações, tendo a de execução passado ao primeiro lugar. Primeiro, atende-se à pretensão de executar; depois, à de obter condenação. Contra o que seria, aos olhos de muitos, o normal. O fato de se eliminar essa proposição não cancela as duas pretensões, a de executar e a de condenar. O procedimento deixa de ser executivo, porque não se compreenderia que fosse executivo o processo sem se exercer, já então, a pretensão a executar. (2) Discute-se os processos executivos de títulos extrajudiciais são a) abreviações do processo de cognição, ou b) se são adiantamentos de execução, ou c) se são processos de cognição preposta. No primeiro caso, a execução seria concedida e esperada a preclusão no prazo para a “contestação”, que não seria ação de oposição, pois se aboliria a assimilação da defesa aos embargos do devedor, nem simples inversão das ações. No segundo, tudo que ocorre seria apenas inversão das duas ações, a de condenação e a de execução, que pulou para a frente da outra. No terceiro — que poderia ter sido a concepção do direito anterior a 1939 — a defesa do executado seria ação de oposição, “embargos”. A segunda solução foi a que o Código de Processo Civil de 1973 adotou, repelindo a solução legislativa de 1939. É inegável que há a inversão das ações, antepondo-se a de execução à de condenação. Não são aceitáveis, no sistema do Código de Processo Civil de 1973, as concepções o) e c): primeiro, porque há os embargos, e não mais se fala de contestação; segundo, porque a cognição é incompleta, não “anteposta” (o que se antepõe é parte dela, não ela). Hoje, há a concepção b), porque a abreviação é somente para efeito da inversão (exercício da pretensão a executar, antes do exercício da pretensão a obter condenação): abreviar e antepor parte são conceitos diferentes. Por isso mesmo, não se pode dizer que, apresentados os embargos, o executado recuse a forma do procedimento. Essa afirmativa de A. Skedl (Das Mahnverfahren, 129) não se enquadraria no direito brasileiro, nem em qualquer sistema jurídico de penhora que se faça antes do prazo e permaneça após os embargos; a penhora não exclui o procedimento executivo; esse chegou ao seu primeiro termo, de qualquer maneira. Apenas há a exigência de segurar o juízo. Nem seriam de se admitir os embargos do devedor como declaração de vontade ou comunicação de vontade, pelos quais o executado passa do processo executivo para o contraditório, O processo dos embargos do devedor não é mais, aí, do que o processo normal para o exercício da ação de cognição (de conderação, para ser mais restrito). Toda construção da regra jurídica sore defesa na ação executiva de título extra-judicial como de “Contestação”, pela qual a ação “executiva” se resolve em simples citação (resolvitur in vim simplicis cítotionis), destoa dos fatos; a penhora lã está. De iure condendo, poder-se-ia chegar a melhor organização do procedimento executivo, devido às diferenças entre as ações de títulos extrajudiciais. Mas, de jure condito, o Código não se presta a outras concepções, exceto à dos embargos do devedor como pedido de mandamento negativo. A atitude do executado é, então, a de réu de ação de execução e de autor da ação dos embargos do devedor, e só secundariamente dc “executado”. A sentença nos embargos é integrativa da exesutiva e condenatório; o levantamento da penhora, efeito mandamental. Esse ponto é assaz importante na interpretação das leiss de direito processual civil. 2. Ações executivas e ações de condenação, cumulações. A noção de executivdade não se restringe àqueles casos em que se pede a exproção de alguns bens, mais precisamente, em que se pede a expropriação do poder de dispor, e posterior entrega do equivalente ao autor exeqüente. Também abrange aqueles casos em que se entrega o bem especifico, ou a prestação especifica (e. g., a parte do bem antes indiviso). Por isso mesmo, a ação de execução de sentença que condenou a entregar a coisa certa supõe a ação de condenação não cumulada com a de execução. A cumação verifica-se nas ações possessórias e na de imissão na posse, por exemplo, cuja sentença já expede o mandado de execução. Sempre que esse elemento executivo prepondera, tal como se dá com as ações executivas de títulos extrajudiciais, a ação é executiva (e mandamental), e prescinde de actío iudicati. Seria erro pensar-se que as duas formas exaurem as ações executivas. Há ação executiva sempre que se obtém a prestação sem ou antes de haver constituição ou mandamento. Com a simples declaração, ou constituição, não se obtém a prestação. Assim, se consegue a prestação, sem ser por sentença de mandamento, ou de constituição, a ação é executiva, lato sensu. Teremos ensejo de apontar ações de tal espécie, fora das ações executivas de sentença e das ações executivas de títulos extrajudiciais. O fato de se poder empregar a via executiva, em se tratando de títulos extrajudiciais, antes de se obter
sentença de condenação, que se pudesse executar, deriva de se ter permitido a cumulação. De modo nenhum se pode dizer que a causa esteja em se conter declaração no titulo extrajudicial executivo. Mesmo porque a própria sentença declarativa não produz a ação executiva. Se algum efeito, como plus, se lhe confere, esse efeito é de ordem condenatória — efeito, evidentemente, por adiantamento, uma vez que se pode elidir, o que não acontece às sentenças eficazes. Quando se diz que o título extrajudicial executivo é pressuposto necessário, porém não suficiente, para o exercício da ação, traduz-se em termos de pressupostos o que a afirmação de haver incompleta cognição inicial diz em termos de apreciação pelo juiz. Se a ação é julgada improcedente (mérito), não se pode dizer que não houve ação executiva, nem que foi só aparente: houve-a; a condenatoriedade não se completou, a non plena cognitio não foi destruida, mas tida por incompletável, o que a faz cair. A atribuição de executividade é plus. Quando se compõe o titulo, o direito material não o faz executivo; de modo que as velhas teorias que aludiam à certeza expressa no título mesmo têm de ser postas de lado. Então a que ramo do direito pertence a regra jurídica que faz executivos os títulos extrajudiciais? Em todo crédito há a eventual executividade, porque a pretensão à tutela jurídica estatal não fez mais do que se substituir à pretensão à tutela jurídica privada. O direito material não criou a executividade das dívidas. Todas podem vir a ser executadas, embora a organização estatal exija a umas a prévia condenação e a outras atribua executividade imediata, ficando dependente de condenação posterior o efeito executivo por adiantamento. Portanto, as pretensões são nascidas no direito material, mas o Estado (o direito público, o direito pré-processual) procede à distinção entre títulos e documentos extrajudiciais não executivos e títulos e documentos extrajudiciais executivos, considerando-se tais os que — antes de qualquer condenação — dão ingresso à execução. Somente por isso é que alguns juristas (e. g., Paul Langheineken, Der Urteilsonspruch, 163, e James Goldschmidt, Ungerechtfertigter Vollstreckungsbetrieb, 37) aludem a ser a ação executiva de títulos e documentos extrajudiciais imediatamente condicionada à existência do direito material. A existência do direito material é condicionada, imediatamente, qualquer ação, inclusive a declarativa; e, ai, condicionada imediatamente à existência de direito material não é a ação executiva, mas a ação condenatória que se cumula. Há de advertir-se em que passa à frente o exame da executividade, tanto que pode ter direito o autor para a condenação e o título não bastar a execução. Então, não se condena no processo executivo, devido à ligação entre as duas ações cumuladas, ligação que só permite condenar-se há legitimação à execução, embora faça dependente da condenação completar-se a cognição. O problema dos títulos executivos extrajudiciais é de grande sutileza e relevância. Simples rótulos não lhe poderão trazer esclarecimentos para distinção entre o mandado executivo em caso de sentença e o mandado executivo em caso de execução de títulos extrajudiciais. Os mandados são iguais. Nem basta chamar-se ao titulo executivo ordem de execução, ora por ato do juiz, ora da lei. Tampouco basta referir-se a’ “possibilidade de agir”, como James Goldschmidt (Ungerechtfertigter Vollstrecku ngsbetrieb, 37 s.), ou à “facilidade de execução” (Jakob Weismann, Lehrbuch, li, 7 s.). O legislador, para fazer executivos alguns títulos e documentos extrajudiciais, e outros, não atende, certamente, a sugestões oriundas da natureza do negócio jurídico, ou da fonte da obrigação, e a exigências da vida prática; porém, aí, o direito material apenas dá os dados com que, de lege ferenda, trabalha o legislador. E ir demasiado longe tirar-se desse atendimento, que pode não ocorrer, a conclusão de que se evita, com ele, discrepância entre a consistência eficacial do ato em direito privado (ou, em geral, material, concernente à res deducta no juízo condenatório) e em direito público (e. g., Julius Binder, Prozess und Recht, 247). O ato jurídico é fundo e forma. A que teria de prestar atenção, ou de prestar maior atenção, o legislador? Compreende-se que alguns juristas, como Julius Binder, considerem que uns títulos legitimem formalmente, e outros, materialmente. Em tudo isso, está-se a desçer à elaboração das leis, o que, aqui, não tem razão de ser. O titulo extrajudicial, quando se apresenta para ação executiva, exerce duas funções distintas: uma, que é a de ingresso à execução, e outra, que é a de documento do crédito, ou de título incorporante do crédito. Essa função é assaz relevante e indispensável no tocante à condenação, que sobrevém, e aquela, para o início da execução e para o complemento da cognição não-plena, efeito logicamente contemporãneo à condenação.
Todas as teorias — e são muitas — que não atendem à duplicidade das funções de cada título extrajudicial executivo conturbam o material de investigação. A função para o exercício da ação executiva pode existir, sem que exista a função para exercício da ação de condenação, como se o título, embora apto àexecutividade da ação, já foi pago, ou se o exeqüente dera ressalva. Para se empregar imagem (mas apenas com papel de imagem), pode-se dizer que a força executiva é efeito da pele do título extrajudicíal, ao passo que a eficácia, quanto ao objeto da demanda (res in iudicium deducta), é carne. A pretensão executiva persiste, ainda que haja acabado a pretensão condenatória, posto que, para o julgamento, uma vez que não houve condenação prévia, de que resultasse a adio iudicati, se tenha —no plano do direito processual — de submeter a execução à eventual condenação do executado, no processo das ações cumuladas (executiva e condenatória). Nas ações de execução de títulos extrajudiciais, a ordem é: executividade (mandado executivo ou de penhora), condenação, execução; ou executividade, não-condenação, não-execução. Nas ações de execução de sentenças, outra é a ordem: (condenação em ação anterior), executividade, execução ou julgamento da extinção da divida. A legitimação de quem pode apresentar o título extrajudicial, posto que já solvida a dívida, ou por ser, por alguma outra causa, incobrável, não é aparente (sem razão), Giuseppe Chiovenda, Istituzioni, 1, 280; Francesco Carnelutti, Lezioni, Processo di esecuzione, 1, 128; Salvatore SaRa, L’Esecuzione Forzata, IA ed., 56). Cumpre ainda observar-se que a discussão em torno do assunto, no sentido de se apurar se há prova legal no que concerne ao titulo extrajudicial executivo, ou se não há, é de todo impertinente. A prova é do fato da apresentação do título suficiente ao ingresso da execução e do fato da divida; nada tem com a natureza da pretensão á execução. Diga-se o mesmo quanto a identificar-se a legitimação à execução ao desenvolvimento de prova legal, explicação em que se refugiou Prancesco Carnelutti (Teoria Generale dei Díritto. 3º ed., 3ª2), batido por Enrico Tuílio Liebman (Le Opposizioni di Merito nel Processo di Esecuzione, 135-138; II Titolo esecutivo riguardo ai terzi, Riuista di Diritto Processuale Civile, 11, 1, 128 s.). Quando, a propósito do problema da natureza da ação executiva de títulos extrajudiciais, se traz ao tablado a conceituação de prova, prova legal, prova suficiente e outros elementos de apreciação da formação dos atos jurídicos e da veracidade do enunciado de existência sobre fatos jurídicos, a deslocação das questões torna infrutífera toda investigação, até que se elimine a intrometida e confundida argumentação. O título extrajudicíal não contém declaração; mais um erro de Francesco Carnelutti, nem sanção, como quis Enrico Tuílio Liebman (como poderia haver sanção antes da infração?). O que se há de explicar é aquela “potencial executividade”, a que se referia Karl August Bettermann (Die Vollstreckung des Ziuilurteils, 38 s.), como eficácia executiva com a introdução da ação, por adiantamento. Para a “concessão” desse adiantamento, o legislador pesou argumentos, pró e contra, e nem sempre foi acertado no incluir ou pré-excluir alguns títulos extra-judiciais. Esse legislador estava a redigir lei pré-processual, porque a determinação do momento em que se há de satisfazer a pretensão executiva dos credores é matéria de legislação pré-processual. O direito material diz se o credor pode executar forçadamente, porém não diz quando o Estado o fará. A regra jurídica especial, que atende a não se poder executar o Estado, como se executam as outras pessoas, e admite a ordem de pagamento pela ordem de requisições, é regra jurídica de direito pré-processual, porque é pré-processual a de inexecutabilidade dos bens do Estado. Mas a regra jurídica de inexecutabilidade das dívidas de jogo (Código Civil de 1916, arts. 1.477 e 1.480) é de direito material. Ai, o que falta, falta ao direito material. Todas as dividas são suscetíveis de declaração, condenação e execução, salvo corte pelo direito material, mutilando o crédito, por lhe retirar pretensão e ação, ou só ação. A declarabilidade e a condenabilidade não estão em causa quando se tem de saber se o título extrajudicial é executivo desde já. A determinação do momento — agora, após a apresentação e prazo, ou registro, ou só após sentença condenatória — toca ao direito préprocessual. Também se pensou explicar a executívidade dos títulos judiciais e dos títulos extrajudiciais como oriunda, respectivamente, de documento de fato jurídico da omissão de provimento de conclusão de negócio jurídico. Documento de efeito exterior. Ora, o efeito executivo das sentenças de carga mediata (3) de executividade nada tem de externo, que se documente. Nem é externo o efeito executivo dos títulos extrajudiciais. Não se atende àsentença, para execução, como fato; mas, sim, como sentença que tem carga imediata ou carga mediata de executividade. Nem se atende ao título extrajudicial executivo, para execução, como fato, mas, sim, como título a que se conferiu precipitar, digamos assim, a execução. Dai ser inadmissível a construção que propós Edoardo Garbagnati (II Concorso di Creditori nelI’Espropria zione, 125-127).
(As ações executivas que não supõem ter havido sentença, nem haver título executivo extrajudicial, essas ações são exercidas por terem 5 de executividade. Nem têm por pressuposto sentença anterior, com 3 de executividade, nem o adiantamento de execução, como ocorre nas ações executivas de títulos extrajudiciais Pode dar-se, até, que tenham 4 de executividade, o que permite execução na própria ação que não tinha força executiva.)
3. Título extra judicial e execução adiantada. O que se aprecia quando se apresenta, no juízo de execução, o título extrajudicial executivo, é o título em si, como elemento, que legitima ao ingresso à execução. O despacho da petição é, como todo despacho de petição que haja de ser acompanhada de documento, decisão sobre existência de títulos, existência necessária e suficiente a que se estabeleça a cognitio non plena. Tudo que se afirma é essa suficiência, que nada tem, ainda, de definitivo sobre a procedência da ação executiva. O que o juiz enuncia é que a pretensão à tutela jurídica executiva podia ser exercida, como foi. Nada julgou do mérito, da res in iudicium deducta, que aí é a execução mesma. Está-se no plano pré-processual; e nele se fica, se o executado alegar que o titulo extrajudicial (ou judicial) não é executivo. Se o juiz completa a cognitio, é porque foi ao plano do direito material para condenar e executar. Daí ser de repelir-se qualquer declaratividade do despacho inicial no que se refere ao direito material: ainda se está no plano pré-processual (sem razão, Vittorio Denti, L’Esecuzione Forzata in Forma Specifica, III, 104). Mas, igualmente, a redução do pedido de execução, à vista do titulo, a ato real (ato-fato jurídico): a apresentação, sim, o é; não o pedido de execução imediata (= com adiantamento), firmado no título (até essa redução pretendeu chegar Crisanto Mandrioli, L’Azione Esecutiva, 356 s.), o que seria desatender a que o título extrajudicial legitima para execução com adiantamento: não é a apresentação que estabelece a relação jurídica processual, mas, sim, o pedido de execução, que é meliminável. (Sobre as apresentações, Tratado de Direito Privado, II, §§ 235, 9, 236, 2 e 237, 2; III, § 251, 10; VI, §§ 680, 6, 683, 686, 7, 684; X, § 1.069, 6; Xl, §§ 1.245 e 1.251; XV, § 1.832, 2). A relação jurídica processual nasce com o despacho do juiz, e a angularidade, com a citação. É preciso, em tudo isso, não se esquecer que o processo tem por fim obter a realização do direito, de jeito que o direito material é que se “satisfaz” com a execução. Se executa forçadamente, é porque o direito material supõe que se execute obrigação. Como se há de chegar até aí, se não há execução voluntária, depende do direito pré-processual, ou do direito processual, conforme se trate de regra jurídica quanto à pretensão à tutela jurídica, ou de regra jurídica sobre o exercício daquela pretensão e a relação jurídica que se forma com ele. As teorias que vêem no título extrajudicial executivo declaratividade, à parte do negócio jurídico a que se refere, exageram aquele elemento de declaração que há nas manifestações de vontade, ainda quando o negócio jurídico mesmo não é declarativo. Por outro lado, se é certo que, para estabelecer provas legais, o legislador pesou circunstâncias e de certo modo admitiu provas futuras (donde as frases felizes de Gíuseppe Chiovenda, Principii, 811: “NelIa prova legale ii momento probatorio si presenta alia mente deI legislatore anziché a quella deI giudice: il legislatore, partendo daíla considerazione di normalità generale, fissa in astratto il modo di raccogliere determinati elementi di decisione, sottraendo questa operazione logica a quelle che il giudice compie per formare la sua convinzione), não há por onde ver-se no titulo extrajudícíal, por lhe ter sido atribuida executividade, qualquer decisão sobre prova. Invocar as frases de Giuseppe Chiovenda para se sustentar a existência de declaratividade no título extrajudicial executivo é mergulhar-se no passado, na época da elaboração da lei, e querer-se que o momento probatorio a que Giuseppe Chiovenda se referiu, se desloque para o presente. Seria isso o que resultaria de tentativas de Carlo Fumo (Contributto alIa Teoria della Prova Leqale, 160 5.; Disegno Sisternatiuo deile Opposizioni nel Processo Esecutivo, 31, 35 e 67). Já ai, e além daí, fora Julius Siegel (Die privatrechtlichen Funktionen der Urkunde, Archivfúr die civilístische Praxis, 111, 1 s.), sem lograr acolhida fora de pequeno grupo (cl. Tratado de Direito Privado, III, § 3ªª, 3). O elemento declarativo, que há em todo negócio juridico, como em toda decisão, pode ser ínfimo. Nos títulos extrajudiciais executivos, ainda quando se refiram a negócios jurídicos declarativos, não há declaratividade-própria que os distinga dos outros títulos. Nem a legitimação emana do negócio jurídico de direito material, nem da documentalidade do título, nem de prova que se fez fato, nem de semelhantes fantasias com que se evita a dificuldade da classificação da ação executiva de títulos extrajudiciais. Tampouco seriam de admitir-se teorias que se refiram à legitimação em virtude de se tratar de título de
negócio jurídico em que as obrigações sejam obrigações abstratas, ou por serem títulos incorporantes: há obrigações abstratas, que provêm de títulos não-executivos, e títulos incorporantes que não dão o adiantamento de execução. Pode-se imaginar pretensão à execução procedida imediatamente (= por adiantamento) a favor de créditos não incorporados, ou, até, não documentados, ou não documentais de manifestações de vontade do obrigado (créditos de impostos, apenas lançados pelo Estado). O título extrajudicial executivo habilita ao exercício da pretensão à tutela jurídica executiva, permitindo a cumulação sucessiva do adiantamento de execução, da condenação e da execução. Admitida a ação executiva, somente a reforma do despacho, ou decisão de nulidade, ou a condenação, ou a extinção sem julgamento do mérito, pode pôr fim à demanda. Até então, há a eficácia da formação da relação jurídica processual, que se firmou no título. O que determina a formação da relação jurídica processual, após o pedido de execução, é o despacho do juiz que defere o pedido de citação do executado, para angularização da relação jurídica processual. Quem deve e é obrigado tem de pagar (executar voluntariamente). Se não paga, ou há a execução pelo próprio credor, que, de regra, é, hoje, proibida, ou a execução forçada, que é feita pela justiça estatal, sucedânea da justiça de mão própria. A pretensão e a ação executivas existem já no direito material, mas o modo de proceder-se depende do regramento pelo direito pré-processual e pelo direito processual. Por isso, a ação executiva, a actio, pode proceder à própria criação de título extrajudicial ou judicial executivo, como se a dívida ainda não foi documentada, ou incorporada em título que baste ao adiantamento de execução. O elemento executivo da pretensão e da ação de direito material vai até o fim do processo, até que se declare não se poder completar a non plena cognitio, isto é, o efeito de adiantamento, ou até que se complete e se cumpra (entrega do que foi executado). O elemento executivo da pretensão à tutela jurídica (portanto, préprocessual) somente foi posto antes da condenação por força de regra jurídica pré-processual, mercê da técnica do adiantamento de execução, com a non plena cognitio, que inverte a ordem de início das ações (executiva, antes da condenatória), ~em inversão da ordem das sentenças (condenação e completação da executividade que se adiantara, ou declaração de não se poder completar). Quando se inicia a ação executiva de título executivo extrajudicial, adianta-se execução: a ação executiva, como quaisquer outras, tem força própria, 5: nela, de executividade (força de sentença favorável). Adianta-se 2: se a ação condenatória, que se cumula, for julgada procedente, a decisão terá mais 3 de executividade como qualquer sentença condenatória normal; se for julgada improcedente, nenhuma eficácia executiva terá com que se possa completar a carga inicial, que se adiantou (2), por se tratar de sentença declarativa. A condenação é hipotética. A carga 3 de executividade, que teria sido a da sentença de condenação, se antes houvesse sido proposta, somente vai ocorrer no próprio processo executivo, que começou com menos do que teria a carga de executividade da sentença (com 2, em vez de 3). Esse elemento executivo, ccm que se inicia, só se eliminaria com a decisão de invalidade do título, ou do processo, desde a petição. Foi esse elemento, paueno, que o direito pré-processual atribuiu ao título, fazendo-o quase-sentença. Com esse expediente, concebeu a ação executiva de título extrajudicial. Por isso mesmo, é erro dizer-se que a senten’~a, que julga improcedente a ação, é desconstitutiva. O elemento. ainda nesse caso, foi atendido, e não se oblitera com o julgado: o processo acaba por incompletabilidade do adiantamento, que se torna imprestável (= incompletável). A sentença que julga improcedente a ação executiva de modo nenhum desconstitui. Talvez não se discutira isso, na defesa; pele menos, na hipótese. Discutiu-se mérito. A carga da executividade, que foi adiantada, resolve-se, porque não foi satisfeita a condição para se completar (= ocorreu a condição que a resolve). O efeito não é de sentença que acolhe os embargos do devedor. O efeito é autógeno, resulta de haver no adiantamento determinação mexa. A eficácia adiantada esvai-se, porque não se completou, e não mais se pode completar. Certamente, após a sentença, algo deixa de subsistir; mas tal mulança não provém de eficácia da sentença, provém do implemento da condição para se resolver a eficácia executiva adiantada. Pode-se negar, na ação, que se pudesse invocar qualquer regra jurídica permissiva da executabilidade do título extrajudicial, que foi apresentado, mas isso é outra questão. Quando o Estado cria a pretensão à tutela jurídica, não se obriga ao proferimento da sentença favorável: obriga-se a examinar o caso, e, atendendo à pretensão que tem razão. Demandante e demandado jurídica e ambos a exercem, mesmo se o à tutela jurídica, dizer têm pretensão à tutela demandado é revel.
O titulo é necessário, e a sentença que acolhe os embargos do devedor, no concernente ao mérito, é mandamental, com eficácia declarativa; porém, a queda dos atos executivos adiantados não deriva da sentença com eficácia declarativa, e, sim, da incompletabilidade do adiantamento, efeito que só persistiria se completado (= se não acolhidos os embargos do devedor). A sentença que os acolhe declara implicitamente essa incompletabilidade; portanto, estar realizada a condição resolutiva (= não pode ser completada a eficácia executiva). Há o mandamento contra o mandado executivo. Um dos argumentos que se empregam para se atribuir à sentença que acolhe os embargos do devedor eficácia declarativa (o que está cedo), e a essa eficácia, quanto ao direito material, a queda dos atos executivos até o momento (o que é falso), tem sido o de se chegar ao mesmo resultado com ação declaratória da ineficácia do título extrajudicíal para execução. Primeiramente, tal ação declaratória seria, quanto a não existir o efeito 2, de adiantamento, o que nada teria com o mérito dos embargos do devedor. A contestação embargativa, na ação executiva de títulos extrajudiciais, não tem por fito — normalmente — negar a eficácia do titulo extrajudicial a que se concedeu a adiantabilidade de execução, mas negar que tenha autor-exequente pretensão ou ação que possa levar à execução. A decisão favorável nos embargos do devedor manda desfazer o ato inicial da execução. É de grande relevância frisarmos, mais uma vez, que houve, no início da ação, 2 de executividade, que se completa com 3, se favorável a sentença, ou não se completa com isso (para que haja 5), e, então, o adiantamento foi resolvido pelo não-implemento da condição. Não só. A discussão entre ser ex tunc ou ex nunc a eficácia da sentença que acolhe os embargos do devedor é sem alcance. Sentença declarativa, não é de se estranhar que tenha eficácia ex tunc, no que normalmente aprecia o mérito; e, ainda na afirmação implícita de ser incompletável a eficácia adiantada, declara, implicitamente, que, com o trânsito em julgado do que decidiu, a eficácia executiva (2) é incompletável (não mais se pode ter 2 + 3). Quem adianta, ou adianta para se completar, ou para ser restituido o que se adiantou, se não se completa. Dai a mandamentalidade (5) da sentença favorável ao embargante. O titulo extrajudicial executivo é prova do direito, pretensão e ação de direito material, e suporte fático de regra jurídica pré-processual, que confere ao autor pretensão â tutela jurídica, por adiantamento. Quando o executado embarga (no tocante a mérito), afirma que a sentença não pode condenar, portanto, que a carga 2 é incompletável. Só a sentença condenatória, com os seus 3 de executividade, completaria o que se adiantou, o 2 da non plena cognitio. Quem vê na sentença que absolveu o executado-demandado sentença declarativa que desfaz a declaração inserta no titulo, comete dois erros: atribuir ao título declaratividade, e, contradição evidente, conceber sentença declaratória como idônea à desconstituição de declaração. A sentença, que absolve, declara não existir base para a sanção e ser incompletável a carga de executivídade que se adiantou: acolher os embargos do executado é não condenar e não completar a carga de executividade. Estamos a falar de embargos do devedor em que se argúi matéria de mérito, e não matéria processual, ou pré-processual: a alegação de falta de interesse, de inexistência de pretensão à tutela jurídica, de nulidade da citação e outras semelhantes podem dar ensejo a decisões de eficácia ex tunc. Se só se alega matéria de mérito, não se desfaz o elemento 2 de executividade que se adiantou; deixa-se de coa-ferir 3 (eficácia ex nunc). Não se declara que 2 não podiam ser atendidos, mas, sim, que não podem ser completados. Sem razão: Richard Schmidt (Lehrbuch, 2º ed., 1012), Otto Geib (Rechtsschutzbegehren iind Anspruchsbestàtigung, 122), Paul Langheineken (Der Urteilsanspruch, 162 e 179), Giuseppe Chiovenda (Principli, 243), Piero Calamandrei (II Procedimento Monitorio neila Legislazione Italiana, 5), e Marco Tuílio Zanzucchi (Diritto Processuale Civile, III, 164). O que impressiona aqueles que vêem cair os atos praticados com adiantamento, inclusive a penhora, a ponto de os levar a afirmarem a eficácia desconstitutiva ex tunc, da sentença que nega a procedência da ação (= não condena = absolve) é exatamente aquela queda. Mas a queda provém da natureza do próprio adiantamento de execução, que só persiste se é completado. A eficácia do título extrajudicial não depende da existência do crédito; mas a eficácia daquele somente subsiste se impele a condição de ser completada a carga de eficácia: a determinação mexa é que determina a queda dos atos execucionais que foram praticados. A sorte da eficácia está na regra de direito pré-processual que concedeu a propositura da ação executiva por adiantamento, condicionado à completação.
É de repelir-se, portanto, que se considerem os embargos do devedor negação da subsistência do direito pré-processual (ou processual), da pretensão à tutela jurídica. Está superado o que escreveram, além de outros, Richard Schmidt (Lehrbuch, 1012), Paul Langheineken (Der Urteilsanspruch, 162 s.), R. Falkmann (Die Zwangsvollstreckung, 2º ed., 383), Friedrich Hellmann (Lehrbuch des deu tschen Civilprozessrechts, 831), Hópfner (Ober materiellrechtliche Einwendungen gegen die Vollstreckung von Urteilen, 26 e 3ª). As teorias que vêem aí, nos embargos do devedor (noutros sistemas jurídicos, contestação) impugnação da ação executiva são equivocas: 1jmpugnação á pretensão à tutela jurídica ou à ação de direito material? As ações (de direito material) de execução são sujeitas, para serem satisfeitas, ao exercício da pretensão à tutela jurídica pelo Estado, que o regula, que monopolizou a justiça, excluindo, portanto, a justiça de mão própria, que executaria sem processo judicial. Quando, e. g., James Goldschmidt (Ungerechtfertigter, 37) falava de ação executiva imediatamente condicionada à subsistência do direito material, não atendia a que o 2 de E é apenas concessão do direito pré-processual, e a que, em verdade, a ação executiva, a que aludia, era a ação executiva em A. Quando Salvatore Satta (L’EsecuziOfle Forzata, 2º ed., 27; Diritto Processuale Chile, 476 e 379) reduzia o título extrajudicial a pressuposto necessário e suficiente somente para o desenvolvimento externo, portanto, a pressuposto formal, colocava 5 em E, porque há 5 em A, sem explicar o adiantamento. A pretensão à tutela jurídica foi dada apenas para inicio de processo, para a formação da relação jurídica processual, com o dilema: ou a eficácia executiva conferida se completa, ou ela cai. A eficácia adiantada é sob condição de se completar (= sob a condição resolutiva de não haver completação). Até o fim do processo — no direito brasileiro, ainda que não haja embargos do devedor — a eficácia é 2, o que de si só lhe mostra a precariedade. Exerce-se a ação de condenação, adiantando-se execução. A sentença que desconstitui é a que afirma inexistência da pretensão à tutela jurídica (declara, previamente, a inexistência da pretensão à tutela jurídica e desconstitui a eficácia adiantada, o que faz mandamental a sentença favorável na ação de embargos do devedor), ou a nulidade da petição inicial ou da penhora (decisão constitutiva negativa). A própria sentença que acolhe os embargos do devedor, por ter ocorrido fato extintivo ou impeditivo posterior à formação do título, não desconstitui (sem razão, Prancesco Carnelutti, Istituzioni, li, 673). Toda sentença que julga improcedente a ação, pois que apenas diz “não há”, é declarativa. A contestação do executado, conforme o Código de Processo Civil de 1939, não era episódica, porque — no sistema jurídico brasileiro de então, à diferença do que se passa noutros sistemas jurídicos — não havia oposição de mérito (embargos do devedor), havia contestação; e não se estatuía que, não contestada a ação proposta, se tivesse por completada a executividade, automaticamente (antes, conforme as Ordenações Pilipinas, Livro III, Título 86, § 1; Silvestre Gomes de Morais, Tractatus de Executionibus, 1, 44 e 84; idem, Reg. nº 737, de 25 de novembro de 1850, art. 312). O Código de Processo Civil de 1973 riscou a contestação, que existia, e igualizou o que se passa com a execução de titulo judicial e com a execução de título extrajudicial. Há os embargos do devedor. Apenas se fez ação o que antes era contestação. Quando Friedrich Stein (Grundfragen, 12 s.) percebeu que o elemento essencial do título executivo não está no que declara quanto à pretensão de direito material (note-se a impropriedade, aí, em se falar de declaração), mas, sim, no fato de o declarar exequível, deixou de apontar a diferença maior entre as duas funções do instrumento — a de prova de pretensão de direito material e a de prova da exercitabilidade da pretensão à execução (à tutela jurídica) desde logo, isto é, antes da sentença condenatória. O direito pré-processual é que permite o adiantamento de execução; o resto somente pode resultar do efeito da decisão condenatória, que se vai proferir no mesmo processo. Não sendo procedente a ação de condenação, ai metida, não há efeito executivo, que se possa completar; e a sentença que julga improcedente a ação declara-o, e declara, implicitamente, a incompletabilidade da eficácia que se adiantou (= declara que se põe termo ao processo executivo por adiantamento, por não haver condenação). As mesmas observações havemos de fazer a Mittag (Der 0Ilstreckungstitel, 79, s.) e a Karl August Bettermann (Die Vollstreckt1ng des Zivilurteils, 33 s.) O titulo judicial, a sentença com produção de actio iudicati, já tem 3 de executividade, o que permite iniciar-se a ação de execução de sentença com quase toda a carga: o resto é completado necessariamente, salvo ataque à própria sentença por não ter transitado em julgado, ou por ter havido a nulidade por falta de citação no
processo de conhecimento se a ação corre à revelia. O resto do peso, 2, depende do julgamento dos embargos do devedor, com o fundamento legal. O direito material é que determina a carga de eficácia das ações. O direito pré-processual diz até onde, quando e em que plano (administrativo, judiciário) se tem a pretensão à tutela jurídica, e diz a ordem em que se exerce, considerando-se preestabelecida, mas mudável, a ordem em que estão, no direito material, os efeitos. Exercida a pretensão à tutela jurídica, segundo exigências pré-processuais e processuais para inicio da relação jurídica processual, o processo é que regula todo o procedimento até a terminação da relação jurídica processual, extinção, sentenciação e ataques à sentença. É dado experiencial que, julgando-se os embargos do devedor e sendo acolhidos, sem algo se alegar contra a propositura da ação executiva, se nega a pretensão de direito material sem se negar a admissibilidade da via executiva. Não há qualquer contradição a superar-se. O adiantamento de eficácia executiva prende-se à atividade política do Estado, em sua função de distribuidor de justiça: é expediente para a tutela juridica, fora da pretensão à execução, que têm os credores. Fato semelhante ocorre quando, a respeito de sentenças, o direito préprocessual concede que se executem, provisoriamente, as sentenças de que se recebeu recurso em efeito somente devolutivo. A lei processual explicita que a execução provisória da sentença fica sem efeito (Mc) desde que sobrevém sentença pela qual se modifique ou se decrete a nulidade da sentença de que provisoriamente se iniciou a execução. A execução superveniente não é, aí, da mesma natureza em todos os casos: se retira a condenação, declara; se decreta a nulidade da outra sentença, desconstitui, mas, nessa espécie, a simetria é com as alegações fora do mérito.
4. Responsabilidade do exeqüente pelos danos que a execução causa. O direito processual civil cogita da máfé no processo, figura em que há o pressuposto da culpa. Atribui-se ao executado pretensão à reparação dos danos, sendo de entender-se que o elemento da culpa não é necessário, conforme resulta dos termos da regra jurídica, que, aí, não se refere à má-fé ou à culpa. Pergunta-se: se o título extrajudicial foi utilizado para execução, portanto para execução por adiantamento, ~a regra jurídica é invocável, por analogia da execução por adiantamento de tempo com a execução provisória? O assunto é de grande relevância, porque se têm de considerar a espécie em que a decisão acolhe a alegação de inadmissibilidade e a em que a decisão acolhe os embargos do devedor (quanto ao mérito). Se não havia admissibilidade, rege a regra jurídica em que se diz que correm por conta e responsabilidade do credor os danos causados ao devedor. No que concerne aos embargos do devedor, tendentes a negar a pretensão de direito material ou a sua eficácia (e. q., prescrição), regem os princípios gerais. Se, na execução provisória, há a regra jurídica da responsabilidade do credor, com maioria de razão em se tratando de título extrajudicial: tanto ali quanto aqui, o adiantamento é condicionado. Contra essa assimilação da execução de título extrajudicial à execução de sentença ainda não passada em julgado não é argumento, que pese, a de ser diferente o trato a respeito das medidas cautelares, porque, nos processos preventivos, preparatórios ou não, de sequestro ou de arresto, há exame judicial da fundamentação e podem ser revogadas ou modificadas. Não havia, no sistema jurídico brasileiro de 1939, regra jurídica, como a do art. 574 do Código de Processo Civil de 1973, a respeito de ações executivas (idem, no direito alemao, cf. Friedrich Stein, Grundfragen, 19 s.; Richard Schmidt, Lehrbuch, 1042; Werner Niese, Doppelfunktione)le Prozesshandlungen, 120 s. e 123 s.). Não se podia invocar literatura italiana, por se não ter, então, no Código de Processo Civil brasileiro, o que se disse no processo civil italiano, art. 96, alínea 2º. Não há nenhuma contradição em se permitir a execução provisória ou o adiantamento de execução e fazer-se objetiva a responsabilidade (sem razão, Calda, L’Impugnativa dei Credito nell’Esecuzione Forzata della Sentenza, 35 s.). No Código de Processo Civil de 1973, o art. 574 foi explícito e a inovação merece elogio. 5. Execuções desconstitutivas e execuções dentro dos autos. (a) Nas execuções desconstitutivas, isto é, naquelas em que, tendo sido reformada a sentença, tem o juiz de desconstituir, após o cumpra-se, a penhora, o arresto, o sequestro, ou outra medida constritiva, ainda se trata de medida sobre coisa certa, não é preciso o prazo para entrega da coisa, porque o bem está constrito. Se a medida foi de liberação, sim. (b) Resta o problema da execução dentro dos autos, em que a sentença mesma é executiva, ou tem carga 4
de executividade. Tem-se a) de intimar no prazo legal: portanto, com dez dias, ou b) a intimação é para a entrega imediata e apreensão do bem. Nas Ordenações Filipinas, Livro III, Título 86, § 15, a solução a) foi mantida, pois nas Ordenações Afonsinas, Livro III, Título 91, pr., já se dizia: “Disseram os Sabedores antiguos, que compilaram as Leys Imperiaes, que, se o Reo he condenado em alguuma auçam real, ou pessoal, que entregue alguuma cousa certa ao vencedor, develhe o Juiz da execuçam assinar termo de dez dias a que a entregue; o qual termo passado, se a nam entreguar, deve-lhe ser tomada forçozamente per a Justiça, segundo o caso requerer, sem mais ser a parte condenada para elIo citada”. A assinação é na própria sentença, que se intima. Se o omitiu o juiz, pode, de ofício, fazê-lo, ou atender à parte que o reclame. Não há nova citação; aliter, nas ações a que falta peso 5 ou 4, de executividade, porque, nessas, “deve a parte condenada ser citada ante da execuçam, perque a condenaçam nam foi feita em certa, e especificada cousa, em que se aja de fazer execuçam” (Ordenações Afonsinas, Livro III, Título 91, § 5; cf. Ordenações Manuelinas, Livro 111, Titulo 71, pr.). Não se precisava de nova citação, porque não se trata de actio iudicati. Findos os dez dias, tirava-se a cada de posse, depois dita mandado de imissõo (cf. L. 68, D., de rei vindicatione, 6, 1.). O prazo não pode ser aumentado, nem diminuído (Antônio da Cama, Decisionum Supremi Senatus Lusitaniae centuria, IV ed., 277, nº 1) nem prorrogar-se (Manuel Gonçalves da Silva, Commentaria, 1, 118). (Vem-se, hoje, a exigência dos dez dias? A solução b) era a do direito comum, e Silvestre Comes de Morais (Tractatus de Executionibus, VI, 314) sabia disso: “Discrepat vero praedicta Ord. a iure communi; ilIa enim decem dies condemnato indulget ad rem tradendum, cum tamen ius commune nuílum concedat terminum, et dilationem, imo potest confestim, condemnato non tradente, res manu militari auferri”. No Código de Processo Civil de 1973, como no de 1939, não há regra jurídica que permita ter-se de marcar o decêndio para se executar dentro dos autos, salvo se trata de execução desconstitutiva, que é aquela a que procede o juiz. Na execução desconstitutiva, como se houve adiantamento de execução e título extrajudicial, ou se houve execução provisória de sentença, ou liberação, quem recebeu o bem em virtude de ato judicial, mas sobreveio outra sentença que reformou a sentença, tem de ser intimado a restitui-lo, à semelhança do que se passa com a execução de sentença sobre coisa certa. A eficácia é como se tivesse havido outra ação, em sentido contrário. Na execução de sentença que já contém eficácia executiva imediata, por definição não se precisa de actio iudicati.
Capítulo IV Ação de reivindicação
§ 17. Conceito e natureza
1. Precisões conceptuais. Só se reivindica a res, a coisa. A rei vindica tio era, no direito romano, a ação do proprietário civil, que não estava na posse da coisa, contra o possuidor não-proprietário, para que fosse declarado o seu direito de propriedade e a restituição da coisa ou o pagamento do valor equivalente. (Note-se que já havia o peso 3 de declaratividade, o 4 de condenatoriedade, e o 5 de executividade.) Tratava-se da uma das chamadas legis actiones. A disputa entre as partes era quanto á propriedade, isto é, de quem era a res, com a afirmação por uma delas e a provável réplica da outra. index era quem perante juiz algo em pretensão ou em proteção “apanha”. Vindiciae era a pretensão a haver a coisa. Vindicare era obter o que se queria tomar. Interessante é frisar-se que o étimo vai ao antigo irlandês une, grande família, fingal, assassino da pessoa ligada à família, do antigo alto alemão wini (que prestara à família, amigo). No antigo búlgaro, vina, causa. Muito se revela a ligação da propriedade, da coisa, ao grupo humano. O elemento executivo ressalta claramente na fórmula processual da rei vindicatio, que era formula petitoria.
Abstrai-se, de cedo modo, de quem é o possuidor, porque importante era saber-se quem era o dono (si paret... fundus erit). Quem possuía não pedia reivindicação, mesmo se tinha a posse própria mediata e outra a imediata imprópria. Nas Institutas, § 2,1, de actionibus, 4, 6, referiu-se ao direito de usar e de desfrutar de um fundo, ou de passar e transportar pelo fundo do vizinho, ou de conduzir água dele; bem assim, nas ações de servidões urbanas, se entende que tem direito de levantar mais alto as suas casas, ou o direito de vista, ou de apoiar vigas na casa do vizinho. Temos de entender que se não pode reivindicar o que só é posse. Tratar-se-ia de vindicação da posse, e não de rei umdicatio. 2. Proteção da propriedade. Na Constituição de 1988, o art. 5º, XXII, diz que é garantido o direito de propriedade. Sempre houve, no direito constitucional brasileiro, tal garantia. Mas, ai, a garantia atinge todos os direitos patrimoniais. A vindicação dos bens, que se chama rei vindicatio, não apanha os bens patrimoniais pessoais; só os reais, os concernentes à res. Direito de propriedade, segundo a Constituição, é qualquer direito patrimonial (Constituição de 1988, art. 5º, XXII, XXVII, XXVIII a) e b), XXIX, LIV 2º parte). Não importa se há direito real sobre bem corpóreo (propriedade, usufruto, uso, habitação, hipoteca, penhor, anticrese), ou sobre bem incorpóreo (propriedade intelectual, seja artistica, literária, ou científica, ou industrial, ou direito real limitado sobre bem incorpóreo), ou se não há, na espécie, direito real (e. g., se trata de crédito ou de pretensão, ou de ação, ou de exceção, somente pessoal). A expressão “direito de propriedade”, no art. 5º, XXII da Constituição de 1988, tem sentido lato. Quando, no Título II a Constituição de 1988 se refere a “direitos e garantias fundamentais”, incluido está o direito de propriedade, não cabendo, no sistema jurídico brasileiro, a discussão que há alhures.
§ 18. Pretensões e ações que nascem do domínio
1. Ofensa ao domínio. Pode o domínio ser ofendido: a) por ato que o negue; por ato de esbulho; c) por ato que impeça, ou dificulte, ou cerceie o exercício das pretensões que o integram. As ações que correspondem a a) são a de abstenção e a declaratória negativa. A b), a de reivindicação e a de indenização. A negatória. O dono da coisa tem o tus possidendi, isto é, o direito a ter consigo a coisa, razão por que a propriedade passa à frente da posse. Não se pode dizer que a ação de reivindicação possa ser “suprida” (sem razão, Lafaiete Rodrigues Pereira, Direito das Coisas, 1, 214) pelo interdito possessório recuperatório, e a negatória, pelo restitutório (uti possidetis): as ações possessórias e a ação de reivindicação são de planos diferentes, e diferentes os pressupostos necessários. Na L. 24, D., de rei víndicatione, 6, 1, Caio (ad edictum) disse: “O que resolveu pedir a coisa deve ver se pode obter a posse por algum interdito, porque é muito mais cômodo possuir e compelir o adversário aos ônus de autor, do que pedir a outrem que possui”. Trata-se, apenas, de comodidade maior, se é o caso de interdito. 2. Domínio e “ius possidendi”. O proprietário tem o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e de reavêlos do poder de quem quer que injustamente os possua. Injustamente possuir éter consigo o bem sem ius possidendi. As pretensões e ações de que se fala são as ações nascidas do direito de propriedade, e não as nascidas da posse, ainda que se trate de ação de vindicação da posse. A exceptio dominii está incluída no direito de reaver, a que a lei alude. A ação mais relevante é a ação de reivindicação, ainda quando inserta em embargos de terceiro senhor da coisa. Nasce da pretensão reivindicatória, do ius vindicandi. Trata-se de ação executiva, e não só declaratória; a declaratoriedade é elemento da carga de eficácia sentencial e pode exsurgir a questão prévia da existência do domínio. Há, ainda, o elemento condenatório, mas a força da sentença é executiva: não só se condena a restituir; busca-se a coisa e entrega-se ao autor. Não quer dizer isso que se não possa propor ação declaratória da relação jurídica de domínio, nem que o que se diz dono não esteja exposto a que se proponha contra ele ação declaratória negativa da relação jurídica de domínio. Pode-se ter interesse em que se declare que a propriedade pertence ao autor, ainda que tenha a posse, ou se não a tem.
3. Reivindicar. Quem reivindica, em ação, pede que se apanhe e retire a coisa, que está, contrariamente a direito, na esfera jurídica do demandado, e se lhe entregue. (Nas ações de condenação e executiva por créditos, não se dá o mesmo: os bens estão na esfera jurídica do demandado, acorde com o direito; porque o demandado deve, há a condenação dele e a execução, que é retirada de bem, que está numa esfera jurídica, para outra, a fim de se satisfazer o crédito; portanto, modifica-se a linha discriminativa das duas esferas.) Discute-se a) o demandado, em .ação de reivindicação, deve entregar a coisa no lugar em que se encontra no momento em que se propôs a ação, ou em que ocorreu a má-fé, ou b) se deve levar a coisa ao autor. Se a) basta-lhe pôr à disposição do autor a coisa reivindicada. Se b), tem ele de remeter a coisa ao autor, a seu risco ou não (assim, Heinrich Dernburg). 4. “Vindicatio Sacramento” e dever de tolerar a retirada da coisa. As questões acima prendem-se ao conceito mesmo de reivindicação, ação real, que supõe vindicatio, isto é, a legis actio sacramento, que correspondia a todas as relações jurídicas de poder ou senhoria (propriedade, servidões, direito hereditário, e, também, patria potestas, tutela e poder marital). As partes agarravam a coisa, ou a pessoa e juravam os seus direitos (umdicatio, contravindicatio). Vindicare era, originariamente, o tomar a coisa; se ambos a tomavam, começava o procedimento contraditório (sacramento). A reivindicação posterior, evoluída, em petitório, elaborou-se depois, sucedendo à vindicatio sacramento, que não era actio in rem, não era ação da propriedade, mas ação delitual (ação contra ato contrário a direito e delitual), à semelhança do que também ocorreu no direito babilônico antigo (cf. Paul Koschaker, Rechtsvergleichende Studien zur Gesetzgebung Hammurapis, 48 5.; Herbed Meyer, Das Publizitàtsprinzip, 77; H. Febr, Hammurapi und das salische Recht, 44 s.), em velhos sistemas jurídicos orientais e no direito medieval alemão. A rei vindica tio posterior é o apanhar a coisa, petitoriamente, onde se encontra: ubi rem meam invenio, ibi vindico. Ação do proprietário sem posse contra o possuidor sem propriedade, ou, pelo menos, sem posse mediata, ou imediata (= contra o que tem a posse a que o proprietário tem direito). Rigorosamente, a questão consiste em se saber se o demandado que perde tem o dever de entregar, ou somente tem de sofrer (tolerar) que se retire a coisa. Noutros termos, se há, ou não, ato positivo do possuidor demandado e perdente. Pela negativa, Ernst Zitelmann (Internationales Privatrecht, II, 23ª s.) e Andreas von Tuhr (Der Alígememne Teu, 1, 247 s.); pela afirmativa, Konrad HelRFig (Anspruch und Klagrecht, 28) F. Sobembeim (Das ungzJnstige Parteivorbringen, 138 s.) e os que, indo além, pensam em dever de levar a coisa ao autor, às suas expensas. Nas origens a vindicação era só agarrar; portanto, sem ato positivo do demandado. Com a evolução posterior, máxime nos nossos dias, há entrega, ato positivo do demandado, e não só tolerância. A ofensa à posse ocorre se toma a posse, ou se atinge a posse, alterando-a, sem ou contra o querer do possuidor (1 P. Riso, Das Recht der Eigenmacht, 28). Ofende-se a propriedade se ofende a posse de quem é proprietário e tem direito a ela, ou por outro modo se causa dano ao proprietário, ou se lhe nega o direito de propriedade, inclusive se lhe obsta á retificação do registro tal como tem ele direito a que se faça. Mas a reivindicação é ação do proprietário para vindicar a coisa: supõe-se ter alguém, sem direito, a posse da coisa. Não é o mesmo que reintegrar-se na posse, nem vindicar a posse.
§ 19. Pretensão e ação de reivindicação
1. Pressuposto do domínio atual. O primeiro pressuposto necessário da pretensão à reivindicação é a propriedade atual do titular. Mas basta que a adquira até o proferimento da sentença (Ordenações Filipinas, Livro III, Título 63, § 6; Otto Warneyer, Kornmentar, II, 194). Se, no curso do processo, o autor perde a propriedade, a ação tem de ser julgada improcedente. A pretensão e a ação também competem ao condômino ou ao proprietário somente com a posse mediata. O dono de apartamento tem-na como proprietário pro diviso, e, quanto às partes comuns, como condômino. Não exclui a pretensão e a ação de reivindicação o existir entre o autor e réu alguma relação jurídica pessoal, como a de locação e o depósito, nem a pretensão pessoal àrestituição da coisa (Johannes Biermann, Das Sachenrecht, 3ª ed., 268; G. Planck, Komrnentar, 4ª ed., 111, 474; Paul Oert-
mann, Dingliche und persdn liche Hera usgabeansprúche, Jherings .JahrbOcher, 61, 44; sem razão, Heinrich Siber, Die Passivlegitirnatiofl bei der rei vindicatio, 227 s.; Rudolph Sohm, Institutionen, 14ª ed., 411). A responsabilidade do réu, no último caso, rege-se pelo direito das obrigações. Quanto à afirmação, acima, de bastar a aquisição antes da sentença, o direito luso-brasileiro foi precursor da solução acertada: no direito romano, não bastaria (= teria de ser aquisição anterior à litiscontestação; por direito canônico, a aquisição superveniente somente bastaria se a petição não especificara a origem do domínio); argumento às Ordenações Afonsinas (Livro 111, Titulo 68, § 5), às Manuelinas (Livro III, Titulo 4ª, § 6) e às Filipinas (Livro III, Titulo 63, § 6) permitia que se levasse em conta prova de aquisição posterior, e dele lançaram mão Pascoal José de Meio Freire (Institutiones, IV, 65: “Satis est dominium superveniens, et quod actor illud in se transíatum ostendat ad sententiam usque e Manuel Borges Carneiro (Direito Civil de Portugal, IV, 42). O comproprietário tem a partis vindicatio, para que se lhe entregue a composse da coisa, e dirige-se contra qualquer pessoa que a tenha, inclusive o compossuidor. Pode também pedir que se entregue a coisa toda a si e aos demais com proprietários, se não pode ser entregue só a parte indivisa, ou só a parte divida.
2. Pressuposto da posse da coisa pelo réu. O segundo pressuposto necessário da ação de reivindicação é a posse da coisa pelo réu. É indiferente saber-se como o possuidor demandado alcançou a posse: se por transmissão, ou se por apreensão; se do proprietário, ou se de terceiro. Enquanto a coisa permanece sob o poder do proprietário, não há razão para reivindicar-se a coisa, ainda que alguém lhe negue o domínio (L. 1, § 6, D., uti possidetis, 43, 17; § 2,1,, de actionibus, 4, 6: ... in his is agit qui non possidet). Aqui está a diferença entre as ações dos direitos reais e as dos direitos de personalidade: há a ação de condenação do que nega qualquer direito de personalidade, não assim contra o que nega o direito real; a própria reivindicação não cabe, somente cabe a ação declaratôria positiva, para se afirmar, em sentença, que o autor é dono, ou a negativa, para se afirmar que o réu não o é — a ação de condenação seria de mais, e a de reivindicação, sendo, como é, condenatória e executiva, também o seria. Possuidor de boa-fé ou de má-fé, ou simples detentor, pode ser sujeito passivo da pretensão e da ação reivindicatórias. Assim, a tradição do direito luso-brasileiro, com Antônio Gomes (In Legis Tauri Comrnentaria, L. 45, nº 79, in fine) e Gregório Martins Caminha (Forma dos Libelos, an. II, 6: “in proposito tanien sufficit quaevis detentio). Se possui ou detém em nome de terceiro, ou o nomeia, para que contra o terceiro corra a causa,ou o oculta, e contra si corre a causa. Se o possuidor da coisa e réu na ação de reivindicação nega ter consigo a coisa, e o autor prova o contrário, obtendo a reivindicação — trânsita em julgado a sentença, contra o autor — o réu somente pode propor ação rescisória, se quer pôr abaixo a parte da sentença que julgou provado o domínio. As Ordenações Filipinas (Livro III, Titulo 40, § 3) permitiam a rediscussão, nesse caso, se ocorria justa razâo, para se “revogar a dita confissão, assim como alegando ignorância corada por causa de alguma justa razão, que houve, a não saber que possuía a dita coisa ao tempo, negou possuí-la”. Lafaiete Rodrigues Pereira (Direito das Coisas, 1, 218) viu, no texto, ação de reivindicação do réu contra o autor da ação em que se proferira sentença; Teixeira de Freitas (Consolida çâo das Leis Civis, notas 43 e 45 aos arts. 919 e 921) considerou em desuso a regra jurídica do Titulo 40, pr. e §§ 2 e 3. Não temos mais a regra das Ordenações Filipinas, Livro 111, Título 40, pr., que dizia: “Sendo algum demandado em juízo por ação real por coisa, que possua, e sendo perguntado pelo juiz se está em posse dela o negar, provando o autor, como ele estava em posse dela, logo sem outro processo, nem libelo, nem contestação, será privado da posse da dita coisa, e será traspassada ao autor, e se o réu quiser haver a coisa, será feito do réu autor, e do autor reu Tratava-se de pena, como o proclamava a própria parte final do Título 40, pr.: “E isto foi assim dado por pena ao réu por negar ao juiz possuir a coisa, e lhe ser provado o contrário’. Não havia, aí, carga de eficácia declaratória, suficiente, quanto à questão do domínio, razão por que não produzia coisa julgada. Vinha-se com a ação de reivindicação, envolvendo a de “revogação’ da confissão. Hoje, o juiz pode ter de examinar a questão do domínio e ser isso obstáculo à nova reivindicação. Se houver causa para rescisão de sentença, é a ação rescisória que se há de propor. Se o réu confessou que tinha a posse, sem na ter, ou se confessou não ser dono, sendo-o, tem de ir contra a própria confissão, ou antes da sentença, por erro de fato, ou em ação direta, se obtida com dolo e violência. No último caso, a sentença na ação direta instrui a ação rescisória. Hoje, aliás, se há fundamento para se invalidar
composição, em que se baseou a sentença, há a ação rescisória (Código de 1973, art. 485, VIII). A ação de reivindicação, no direito comum, podia ir contra o fictus possessor; isto é, a) contra o que, para dificultar a vindicação, deixou de possuir a coisa (dolo), pois, aí, pode ir o autor contra o possuidor ficto, ou contra o verdadeiro, inclusive se houve alienação em fraude de execução; b) contra o que, sem ter a posse da coisa, atende à vocatio como se a possuisse (qui se liti obtulit). Discute-se ainda cabe, nos sistemas jurídicos contemporãneos, a espécie a), isto é, a reivindicação contra o qui dolo desiit possidere. Negou-o Martin Wolff (Lehrbuch 27— 32ª eds., 111, 275): a ação seria a de indenização, segundo as regras jurídicas sobre responsabilidade do possuidor de má-fé. Sem razão, porque é preciso, e, hoje, basta, a culpa (= má-fé); não se exige o dolo, como em direito romano (só respondia is qui dolo desiit possidere); mas a reivindicação pode caber. Veremos. A ação de reivindicação tem por fito a restituição. Supõe que possua sem título, oriundo de proprietário, a coisa reivindicanda, alguém, que é o demandado. Se nega esse que possui, isto é, que tenha posse, é questão prévia a da posse. Se o autor prova que o demandado tem posse, ainda se em nome de outrem, a quem podia nomear, a ação, em direito romano, aí terminava, pela entrega da coisa ao autor (L. 80, D., de rei uindicatione, 6, 1). Tal regra jurídica, que se tirou dos Comentários de Furius Anthianus ao Edicto, não mais pertence ao sistema jurídico brasileiro, se bem que tivesse sido acolhida no direito anterior como no direito comum; não pertence, também, ao direito alemão, a despeito da afirmação de 8. Windscheid (Lehrbuch, 9~ ed., 1, 1002 s.). Com razão, Lothar Seuffert (Poenae temere litigantium, Archiv for die civilistische Praxis, 67, 3ª4), a que seguiram Th. Kipp, em nota a B. Windscheid (1., 1004), e E. Rossteutscher (Die Passivlegitirnation bei rei vindicatio, 6). O que se dizia proprietário tinha de provar que o era: a sentença havia de ser sobre propriedade, e não sobre posse; a fortiori, só teria cabimento transferir-se, per iud icem, a “posse” ao autor, segundo a opinião de Furius Anthianus porque o réu faltou à verdade, aliás a sentença só teria eficácia possessória, que seria a da transferência per iud icem. As Ordenações Filipinas (Livro III, Título 32, § 2) foram claras quanto à recepção da pena, segundo Furius Anthianus, de perda da posse: “E se... o julgador perguntar ao réu se a possui e ele responder que não, e o autor provar o contrário, será logo privado da posse da coisa, e será entregue ao autor”. Já assim as Ordenações Afonsinas, Livro 111, Título 26, § 1. O direito processual civil não manteve. Há, hoje, apenas, a eventual aplicabilidade da regra da lei processual sobre a responsabilidade do litigante de má-fé. Em direito romano, se o demandado alienava a posse da coisa na esperança de se furtar à restituição, o qui dolo desiit possidere ficava sujeito à ação de reivindicação, com base na L. 131, D., de diversis regulis iuris antiqui, 50, 17, e na L. 20, § 6, D., de hereditatis petitione, 5, 3. Tal aplicação da reivindicatôria, com eficácia de indenização, se não pode ir contra o terceiro, por ter adquirido a coisa, passou ao direito luso-brasileiro, que a conservou, até que veio o Código de Processo Civil de 1939. Não se confundam a situação do réu e a do terceiro com a do réu e a do terceiro se a coisa foi alienada, ou se foi alienada a posse, em fraude de execução. Se o demandado respondia à ação, dizendo, maliciosa-mente, ter posse, sem a ter, contra esse, qui liti se obtulit, era de julgar-se a reivindicatória (Borges Carneiro, Direito Civil de Portugal, IV, 43). Tal regra não tem, hoje, acolhida no direito brasileiro. Se há prova de que se fez passar por possuidor, não se pode julgar a reivindicação, posto que, por analogia, se possa condenar o demandado qui liti se obtulit a reembolso e honorários de advogado e às perdas e danos. No direito brasileiro, o deixar de possuir a coisa, por alienação, após a citação, ou gravá-la, permite que se sujeite àexecução a coisa alienada, ou se prossiga, isto é, que se tenha por ineficaz a alienação ou gravação. Vaise, pois, contra o que alienou em fraude de execução e contra o que tem a coisa. Se a alienação ou gravação foi antes da citação, não há fraude de execução: a ação é a de indenização. 3. Pretensão reivindicatária e legitimações ativa e passiva. A pretensão de entrega ao proprietário, ou de restituição do imóvel, é a rei vindicatio, porquanto a influência germãnica, com a Gewere, não se fez sentir no direito imobiliário, e, no sistema jurídico brasileiro, o próprio direito mobiliário só a respeito de títulos cambiários e cambiariformes apresenta concepção diferente da concepção romana. Supõe-se que a alguém, que é proprietário, se tirou a posse. Quer-se a recuperação da posse, não porque se acuse o réu de esbulho, mas, sim, porque se diz e prova ser proprietário o autor e ter o ius possidendi. (a) Tanto pode ser autor o proprietário como o comproprietário, tanto o proprietário sem qualquer posse
como o proprietário que só possui mediatamente, ou só imediatamente. (Advirta-se e que é tão falso dizer-se que a ação de reivindicação é ação do proprietário não-possuidor contra o possuidor não-proprietário quanto dizer-se que o proprietário que só possuia imediatamente não tem a ação de reivindicação. Se alguém, A, que é locatário de B, descobre ser o dono do prédio, tem a posse imediata, sem que se lhe exclua a pretensão reivindicatória. Se transformasse a causa possession is, expor-se-ia à ação possessória do locador.) A pretensão do proprietário à reivindicação existe ainda que o réu seja possuidor e haja de ser reconhecido possuidor: o que é incompatível com a reivindicação é a permanência do réu como possuidor próprio. Não há qualquer contradição em que se dê ganho de causa ao proprietário reivindicante e se declare a relação jurídica entre ele e outrem, réu, como possuidor mediato ou imediato, não-próprio (locador, locatário, depositário). Tratando-se de propriedade de imóvel, a certidão do registro é prova bastante, pela presunção legal (Código Civil, art. 859). (b) Réu, na ação reivindicatória, ou, mais largamente, legitimado passivo na pretensão reivindicatória, é o possuidor próprio ou não, exclusivo ou em composse, tanto o possuidor do imóvel como o de parte do imóvel, divisa ou indivisa, tanto o possuidor mediato como o imediato. Pode ser o possuidor mediato, ainda que não saiba o proprietário a quem aquele entregou a posse imediata. Não importa se o possuidor adquiriu originária ou deivativamente a posse, se a obteve de terceiro ou do proprietário. 4. Cessibilidade da pretensão reivindicatória. A pretensão e a ação de reivindicação são cessíveis (Johannes Biermann, Sachenrecht, 268 s.; G. Planck, Kornmentar, 4ª ed., III, 482; Paul Oertmann, Beitrâge zur Lehre von der Abtretung des Eigentumsanpruchs, Archiu ftir die civilistische Praxis, 113, 51; sem razão, Andreas von Tuhr, Unwiderrufliche Vollmacht, 88; Karl Maenner, Sachenrecht, 221; Martin Wolff, Lehrbuch, III, 280 s.). Dependem de continuar com o cedente a propriedade e extinguem-se quando a posse da coisa volta a ele (Otto Warneyer, Kommentar, 11, 195). No concurso do proprietário, a cessão da pretensão e da ação de reivindicação não permite que se invoque direito à reparação ou exclusão (Johannes Biermann, Sachenrecht, 268 s.). Se a cessão foi com fito de transmissão da propriedade, ou constituição de usufruto, uso, ou habitação, ou renda imobiliária, ou enfiteuse, o cessionário tem, de direito próprio, a ação de reivindicação (Johannes Biermann, Sachenrecht, 268, s.; Otto Warneyer, Kommentar, II, 195). A outorga para receber a prestação, dada ao adquirente pelo alienante sem posse, não extingue a pretensão reivindicatória, porque aí não houve cessão.
5. Pretensão a reivindicação e independência em relação a outras pretensões. A pretensão do proprietário é independente de qualquer outra que, em diferente qualidade, tenha quem é proprietário. Assim, se A depositou o anel e o depositário não lho entrega, há duas pretensões, a de reivindicação e a de restituição do depósito. Procurou Heinrich Siber (Die Passiulegitimation bei der rei vindicatio, 244 e 24ª s.) negar a concorrência de pretensões reivindicatórias e obrigacionais de devolução, salvo se ocorre união posterior na mesma pessoa — o que seria esquecer que as pretensões unidas nasceram antes da união. Uma das consequências da pluralidade de pretensões é a cessibilidade de cada uma, de per si. 6. Ação reivindicatória e ação declaratória. Com a rei vindicatio, pode ser proposta a ação declaratória da propriedade: há interesse em que se cumulem, porque a sentença sobre a reivindicação pode não ter eficácia de coisa julgada sobre o direito de propriedade (cp. RarI Maenner, Sachenrecht, 222; Johannes Biermann, .Sachenrecht, 3ª ed., 267; Heinrich Dernburg, Das Bíurgerliche Recht, 3ª ed., III, 413), salvo se teve o juiz de apreciar alguma questão de aquisição e a sentença tem eficácia declaratória, nesse ponto. Não há, porém, na ação de reivindicação, para a qual basta a presunção legal ou a presunção hominis de que é proprietário o possuidor (o réu pode invocar a presunção, mas a prova do autor, quanto à sua posse anterior, põe-no com o ônus de provar como adquiriu), a necessidade de se pedir a declaração da propriedade, nem, tampouco, está implícito tal pedido (Konrad HelRFig, Anspruch und Klagrecht, 32). Os juizes devem ter todo o cuidado em verificar se o pedido, ou a contestação, explicita a questão da declaração da propriedade, como questão prévia, ou se foram cumuladas as ações de declaração e de reivindicação.
7. Ação de reivindicação e ação de indenização. A ação de reivindicação é inconfundível com a de indenização; por isso mesmo, não importa averiguar-se o reivindicante teve, ou não, culpa. Nem pode ser em alternativa com a de indenização (posto que C. Planck, Komnentar, Q ed., III, 482, o admitisse contra o possuidor de má-fé), se bem que a cumulação seja possível. A sentença é que pode prever a não-entrega dentro de certo prazo, se for o caso de marcá-lo, ou a impossibilidade de cumprimento, se não pode ser obedecida (Marquardt, Der Antrag bei Klagen auf Herausgabe, Juristiche WochenschriJt, 38, 37). A decisão de reivindicação fica excluida se, ao tempo da litiscontestação, ficou assente a impossibilidade da entrega (cp. Otto Warneyer, Komrnentar, II, 196), cabendo, então, propor-se a de indenização, se o pedido não previu a causa de impossibilidade. A separação de alguma coisa, que se uniu à coisa reivindicada, não é pressuposto da ação de reivindicação. Se o autor vem a saber, durante o processo, que o réu é mais possuidor, pode ir com outra ação, a ação de indenização; se já foi feita a citação, não pode modificar o pedido sem consentimento do réu, ou mesmo com ele, após o saneamento do processo. A coisa reivindicada há de ser caracterizada. O argumento de Julius Binder (Die Rechtsste)lung des Erben, III, 19) e outros, quanto a não existir, no direito civil alemão, vindicatio patrirnonli, nenhuma pertinência tem em direito brasileiro: a reivindicação do que está na herança antes da partilha é, caracteristicamente, vindica tio patrimonii; a reivindicação dos bens da sociedade não-personificada é vindica tio patrimon ii; e a reivindicação do patrimônio alienado a adquirente de má-fé é vindica tio patrimon ii. O direito brasileiro admitiu a universitas iuris como objeto de direito (cf. Otto von Gierke, Das deutsche, Genossenschaftsrecht, II, 64 s. e 930 s.; Die Genossenschaftstheorie, 365 s. e 445). O patrimônio é bem coletivo, autônomo. O direito real pode recair sobre ele; e pode ele, portanto, ser reivindicado. A observância de pressupostos, para a aquisição dos elementos, é outro problema. A reivindicação pode ter por fim a entrega da coisa fungível, se as circunstâncias a fizeram individuada (L. 11, § 2, D., de rebus creditis, 12, 1: “vindicari nummi possunt, si exstant’; J. H. Correia Teles, Digesto Português, 1, § 906, 115). Pode ser reivindicada a parte indivisa (parte ideal do imóvel indiviso: metade, terço, quarto — L. 8 e 48, § 1, D., de reivindicatione, 6, 1) e, a fortiori, a parte divisa (o terreno de vinte metros de frente e cinqúenta de fundo, junto à esquina da rua R, que A comprou a B, dono de duzentos metros de frente por cinquenta de fundo). 8. Lugar da entrega. A entrega é no lugar em que se acha a coisa. Se, após a litispendência, ou de má-fé, o réu deslocou a coisa, tem de entregá-la onde estava. As custas e despesas paga-as o possuidor; somente as custas e despesas de ocasional afastamento correm contra o autor (iohannes Biermann, .Sachenredil, 271; RarI Maenner, .Sachenrecht, 225). 9. Onus da prova. (a) O autor tem de provar a propriedade da coisa; portanto, que a adquiriu. Se o réu admite, não precisa prová-la o autor. A retratação, ou a anulação da confissão, exclui que o haja admitido; por conseguinte, não tem mais o réu de refutar. Se o réu afirma que o autor perdeu a propriedade, cabe-lhe o ônus da prova (G. Planck, Kommentar, Q ed., 111, 477; RarI Maenner, Sachenrecht, 222). A presunção legal exerce importante papel, tratando-se de imóveis, ou de titulos sujeitos a registro; a presunção, hominis, de que o possuidor era proprietário, também. O domínio, que se invoca, pode ser pleno, útil, resolúvel, ou nu (L. 33, D., de rei vindicatione, 6, 1). A prova do domínio é a prova da aquisição. Se, na petição, expressou a causa, a prova, que pode dar, é somente essa, e a sentença desfavorável não lhe impede propor ação por outra causa; se não a expressou, a prova é a de qualquer uma das causas de adquirir, e a eficácia da coisa julgada, se a há, exclui a propositura de outra ação, se a sentença não se limitou a tomar a prova feita como explicitação do pedido, aparentemente indeterminado. Provada a aquisição, presume-se que o domínio continua de pertencer ao adquirente (Sernel dominus sem per dominus; Ordenações Afonsinas, Livro III, Titulo 58, § 6:” ... aquele, que foi em algum tempo Senhor da cousa, presume-se ainda agora o ser, até que se mostre o contrario”; Ordenações Manuelinas, Livro III, Titulo 40, § 3; Ordenações Filipinas, Livro III, Título 53, § 3). Se o modo de aquisição é derivado, tratando-se de bens móveis, a prova de que não era dono quem transferiu a propriedade incumbe a quem o alega: tem-se de ilidir a prova do autor, e, pois, com a prova em contrário à série de proprietários, elidi-la. Tratando-se de imóveis, a prova do registro basta, porque a exclusão
da fé pública tem de ser em virtude de alegação e prova pelo réu. O registro a favor do que transferiu pode ser alegado pelo autor, porque há a presunção legal. A ação de retificação ou cancelamento do registro pode ser exercida pendente ação reivindicatória. (b) Tem o autor de alegar e provar a posse do demandado. Basta que prove a posse ao tempo da propositura da ação. Se o réu alega tê-la perdida, o ônus de o provar é seu (Johannes Biermann, ,Sachenrecht, 269); bem assim se pretende que é apenas servidor da posse (cf. G. Planck, Kornmentar, Q ed., III, 478). Se o proprietário não está certo — ou não pode provar —de que a coisa se acha com a outra pessoa, tem, primeiro, de propor a ação exibitória (actio ad exhibendum). A actio ad exhibendurn permite que o autor reconheça a coisa (L. 12, §3, D., ad exhibendum, 10, 4). O reivindicante tem de provar a sua propriedade. Se adquiriu o que constava do registro como do outorgante, já é terceiro em relação a quem se diga com direito contra o que outorgou ao reivindicante. Se o registro foi obtido e o direito de alguém havia de passar à frente do que alegara o outorgante, o registro a favor do outorgado é atacável por obtido de má-fé. Tais os princípios. Não se pode exigir ao que é, segundo o registro, adquirente que prove o domínio do antecessor. Tem de provar o seu: se o outorgante não era dono, mas constava do registro, o outorgante é dono, originariamente. Por isso mesmo, exorbitou a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 26 de agosto de 1927 (RT 63/347), ao aventurar, em matéria tão delicada: “Quando o reivindicante funda a sua propriedade em um modo derivado de aquisição, deve provar também o direito de quem lhe transmitiu o domínio da coisa reivindicanda. Se este também não o adquiriu de um modo originário, a prova precisa remontar até onde se possa reconhecer a usucapião”. Com isso inverteu o ônus da prova; mais: esvaziou de conteúdo a fé pública do oficial do registro. O título do domínio do autor é o documento que há de instruir o pedido inicial.
§ 20. Legitimação passiva na ação de reivindicação 1.Possuidor mediato e possuidor imediato. A ação é contra o possuidor da coisa, quer mediato, quer imediato (Johannes Biermann, Sachenrecht, 3º ed., 269; G. Planck, Kommentar, 3ª ed., III, 478; diferente Otto Wendt, Der mittelbare Besitz des Búrgerlichen Gesetzbuches, Archiv for die civilistische Praxis, 87, 68 s.). Exerce-se contra um dos compossuidores se tem ele o poder fático de dispor (Otto Warneyer, Kornmentar, II, 195), ou, fora daí, contra todos eles. Não é preciso que o possuidor o seja em nome próprio, ou que a tenha tirado ao autor. Não se pode exercer contra o servidor da posse (Johannes Biermann, Sachenrecht, 3ª ed., 269; G. Planck, Kommentar, 4ª ed., III, sem razão, Hermann lsay, Die Geschtiftsfohrung, 269), salvo se esse não vem com a nomeação á autoria (E. Rossteutscher, Die Passivlegitirnation hei rei vindicatio, 13 s.). O não-possuidor, que se diz possuidor (qui liti se obtulit), tendo sido intimado a depor, e confessa, ou não comparece, salvo se há anulação por erro, ou dolo, ou violência, em ação própria, pode ser condenado à entrega (L. 25, 26 e 27, D., de rei vindicatione, 6, 1; Borges Carneiro, Direito Civil de Portugal, IV, 43; J. H. Correia Teles, Digesto Português, 1, § 880, 112; Otto Warneyer, Kommentar, II, 195); aliter, se negou a posse e ficou provado que não possuia. A alienação da coisa após a litispendência, na ação de reivindicação, que é ação de eficácia condenatária, com Iorea executiva, considera-se em fraude de execução. O autor, que obteve, trânsita em julgado, sentena de reivindicação, não precisa fazer citar os sucessores do teu condenado; salvo se trata de ação de restauração de autos (Otto Warneyer, Kommentar, 11, 196). Sobre a ação movel contra o possuidor imediato, tem-se a nomeação à autoria; conta o sucessor, a denunciação da lide. 2. Possuidor imediato e “Lauda tio Auctoris”. O possiidor imediato, contra o qual se propôs a ação de reivindicação pode vir com a laudatio auctoris. Para que o possuidor imtiato, ou mediato de grau inferior, que do autor houve a posse, seja legitimado passivo, basta que se trate de reivindicação. A ação é que há de ser julgada procedente, ou improcedente, por ter havido, ou não, negação da propriedade e conseqúenie mutatio causae possession is. Se o possuidor imediato, ou mediato de grau inferior, não houve do autor o titulo, não é es;encial que se cite a pessoa que para o réu seria o possuidor mediato de grau superior, mas pode o réu nomear à autoria (Iaudatio auctons) a esse. A sentença, na ação de reivindicação que não correu contra o possuidor próprio, não tem força de coisa julgada contra ele, nem contra os possuidores mediatos não citados.
§ 21. Objeto da ação de reivindicação 1. Objeto de direito e ação de reivindicação. Objeto da ação de reivindicação é coisa determinada e apropriável, se bem que o proprietário de coisas inalienáveis possa reivindicar. Pode tratar-se de coisa imóvel ou de coisa móvel, inclusive coisas coletivas, suscetíveis de descrição, porém não partes integrante e individualizáveis. Qualquer separação, que, em direito, se permita, há de preceder à propositura da ação de reivindicação. Tratando-se de patrimônios, ou de coisas coletivas, tanto é reivindicável o todo quanto o são as coisas componentes, individualizáveis. A discussão dos juristas romanos (Pietro Bonfante, Corso di Diritto Romano, li, 2, 299) é intempestiva para o sistema jurídico brasileiro, que conceitua a universalidade patrimonial, e, pois, que explicitamente acolheu a categoria jurídica (cf. Domenico Barbero, Le Universalitá Patrimoniali, 1 s.). A reivindicação somente pode ser do imóvel próprio, ou de parte integrante do imóvel próprio, e não de parte integrante do imóvel de outrem (e. g., 1ª Câmara Cível do Tribunal de Apelação de Minas Gerais, 11 de outubro de 1945, RF 113/159). Pense-se o mesmo quanto a bem móvel. 2. Individuação do bem reivindicando. Na ação de reivindicação, tem-se de provar o dominio, não a posse; nem se pode satisfazer o juiz com a regra: “Presume-se dono quem possui”, porque tal regra não está em nosso sistema jurídico (sem razão, a 3ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 18 de março de 1952, RT 82/278), e nada mais perigoso do que se enxertarem no sistema juridico regras jurídicas que pertencem a direito estrangeiro (com razão, a Corte Suprema, a 1º de agosto de 1939, RD 123/71; a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, a 2 de agosto de 1948, RF 120/135: “Reivindica quem é dono e contra quem mal possui. O possuidor, portanto, só poderá ser compelido a largar a posse quando houver prova de domínio oferecida pelo contendor”; 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Bahia, 29 de abril de 1947, RT Bahia, 38/443). Não se precisa mdividuar ao todo quando satisfatória a individualização da parte divisa do imóvel que se quer reivindicar (Câmara Cível do Tribunal da Relação de Minas Gerais, 2 de julho de 1932, RF 59/189). Tem-se de indicar de modo suficiente o que se vai reivindicar: ou pela determinação da área e pelas confrontações (2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, 20 de junho de 1947, RF 116/417; 22 de agosto de 1947, 119/75: “É sabido que, na rei vindicatio, deve o autor alegar e provar o domínio de coisa individualizada, dandolhe os sinais e, se tratar de imóvel, as afrontações ou individuando-se por outro modo (2ª Turma, 10 de setembro de 1948, RT 125/345).
§ 22. Defesa e exceções do demandado 1. Objeção radical. o demandado em ação de reivindicação pode objetar (= defenderse) que ele, e não o autor, é proprietário e essa defesa envolve exame da relação jurídica de propriedades com as consequências para a eficácia da sentença. No fundo, a objeção é a afirmação da legitimação ativa.
2. Objeção ao “ius Possidendi”. Pode o demandado em vez de objetar à alegação de propriedade objetar à alegação do ius possidendi. Se o demandado nada alega contra a propriedade do demandante, ou se alega sem fundamento, ou sem razão, passa-se ao exame do que alegou quanto ao direito de possuir. A existência de direito de posse, por parte do demandado, exclui, na medida em que existe, o direito do demandante. Não se trata de exceção, que apenas encobriria a eficácia do ius possidendi. A revindicação só se dá, então, sem a entrega da posse objetada.
3. Legitimação a possuir por parte do demandado. O possuidor pode objetar à entrega da coisa se ele ou o possuidor mediato, de que lhe vem a posse, é legitimado perante o proprietário a possuir (cf. L. 20, D., de adquireflda zel amittenda possessiofle 41, 2; Novela XVIII, cap. 10). Costuma-se dizer que se trata, ai, de exceção do demandado, exceção suspensiva; e foi isso repetido séculos e séculos, com alusões a textos romanos. Em verdade, a despeito de o endossarem tantos juristas (e. g., além dos franceses e italianos, G. Planck, Kornrnentar, 4ª ed., III, 472 s.; Th. Kipp, em 8. Windscheid, Lehrbuch, 1, 212 s.; Ernst Suppes, DOer
Einredebegriff, 22 e 50 s.; kaI1 Maenner, Sachenrecht, 2225; Paul Langheineken, Ansprucbufld Em rede, 293; Konrad l$jelRFig, Anspruch und Klagrecht; ~, nota 7, e 317, nota 6; AAndreas von Tuhr, Der Allgemeinº fel!, 1, 299 5.; Ernst Zitelflrnann, Ausschluss der Widerrechtlic:hkeit, Archiv for die civilis tiscbe Praxis, 99, 33; H. C. liirsch, Die Ubertrogung der Lnechtsausúbung, 211, s.), quem tem direito de posse, mediata ou imediata, não é titular de exceção, que encubra a eficácia do direito do proprietário, é titular de direito, temporârio ou não, Oque algo retirou ao direito do proprietário; portanto, há mais do que simples encobrimento, Já assim, , August Thon (Rechtsnorrn und subjektives Recht 276 s.; Die rechtsverfolgende Einrede, fahrbOcher for die Qogrnatik, 28, 55), CarI Crome (System, 1, 189), Felix Prieóeflthal (Einwendung und (Einrede, 42 s.), Heinrich Siber (L)er Rechtzwang im Schulduerhãltnis, 133 s.; Die Passlvlegitimótion bei der rei vindicatio, 257), Achille Rappaport (Die Ein,ede aus dem fremden Rechtsverhdltnis, 32 s.); e, com estudo mais completo do assunto, Margarethe Scherk (Die Línfede aus dem Recht zum Besitz, Jherings Jahrbocher, 67, e 357 s.). (No § 986 do Código Civil alemão, a expressão verweigern, recusar, levou os intérpretes, ter a objeção do direito de posse como exceção. Algum não só por isso; persistiam no velho erro. O demandante, que vem contra si o direito de posse de outrem, não tem contra titular desse, na extensão em que o direito existe, qualquer pretensão reivindicatória. É preciso evitar-se o erro do Código Civil alemão e o da doutrina alemã, que, em vez de obviar a ele, dual relevo, contra a obra da ciência, que veio de August Thon e Leo Raape, Gebrauchs— und Besitzoberlassung, fherings iaprbzcher, 71, 166 sj. 4. Alegação de aquisição ao autor. O réu pode opor que comprou ao autor a coisa, ou seja Porque esse mesmo a alienou, ou Porque o autor sucedeu àquele de que o reu a houve. Os textos romanos falam de exceptio rei veditde et traditae, se o autor não era proprietário, e, depois, adquiriu a propriedade. Há, hoje, se só esse elemento faltava ao suporte fático, venda e compra ineficaz contra o verdadeiro , mas eficaz contra o vendedor não-proprietário, que, tendo a tradição da coisa, está em situação de quem vai contra o ato próprio e é repelido pela exceptio rei venditae et tradine. Se houve a aquisição pela superveniência da aquisição da coisa pelo nãodono vendedor, não há pensar-se em exceção, nas, sim, em defesa: proprietário é o réu.
5. Alegação de direito de pose. A defesa pode consistir em alegação de direito de posse: (a) Se o possuidor tem direito de possuir, frente a quem quer que seja (direito real), oi. frente ao proprietário (direito pessoal), como se é usufrutuário, credor pignoratício, ou anticrético, usuário, ou titular de creito de habitação, ou se é locatário, ou comodatário. Se o imóvel foi vendido e entregue, porém ainda não se procedeu a ( registro, discute-se a tradição criou direito de posse, ou se s cria exceção. Entendia Martin Wolff (Lehrbuch, 27º — 3ª eds, III, 278) que se trata de espécie (nova) de exceptio rei uendibe et traditae (desaparecida a espécie da L. 1, D., de exceptimne rei venditae et traditae, 21, 3: “Marcellus scribit, si alienum undum vendideris et tuum postea factum petas, hac exceptione recte repeliendum”, a que se referiam J. H. Correia Teles, gesto Português, 1, § 877, 111 s., e Lafaiete Rodrigues Pereir; Direito das Coisas, 1, 228). O possuidor pode defener-se, ou alegando que o autor não é proprietário, ou que ele réu, tem direito à posse, como usufrutuário, usuário, titular 4 direito à habitação, possuidor como locatário, ou por outro titulo de posse imediata, ou direito de retenção. A exceptio rei iidicatae concerne a uma dessas alegações, se há a respeito sentença trânsita em julgado. A exceptio rei venditae et traditce opera como exceção: não se nega a propriedade do autor, nas afirma-se que se pode pedir e se tem direito à execução da obrigação pela coisa certa, e a exceção consiste nisso. A despeito do nome, cabe em quaisquer ações de restituição, se o réu pode pedir o adimplemento da obrigação de prestar coisa certa, ou aquilo de que se quer a restituição. As Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 13, § 6, falaram de venda “e quaisquer outras avenças”; e já assim se entendia no direito afonsino Ordenações Afonsinas, Livro IV, Titulo 45, § 3: “... nom taõ somente ham lugar nos contrautos das compras e vendas, mais ainda nos contrautos dos arrendamentos, e afforamentos, e escaimbos, e aveeriças, e quaaesquer outros semelhantes, em que sé da, ou leixa húa cousa por outra”. Aí, é dos contratos comutativos que se cogita; mas a obrigação de prestar, por parte do autor, não é somente oriunda deles. Se o réu tem a posse da coisa que adquiriu, tem a exceção rei venditae et traditae. Se o reivindicante, ainda que se creia verdadeiro dono da coisa, sucedeu, por titulo universal ou singular, ao que alienara a coisa, o demandado tem objeção contra o reivindicante como teria contra o sucedido, ou exceção rei venditae et traditae, se só isso teria contra o sucedido (L. 71, D., de rei vindicatione, 6, 1; L. 3, § 1,
D., de exceptione rei venditae et traditae, 21, 3: “Pari ratione venditoris etiam successoribus nocebit, sive in universum ius sive in eam dumtaxat rem successerint”, onde a última proposição é interpolação). Naturalmente, é preciso que tenha havido a entrega ou a tomada de posse em virtude de ato válido (L. 1, § 5, D., de exceptione rei venditae et traditae 21, 3). Para que exista o direito de posse, segundo (a), basta que o demandado a tenha adquirido por ato judicial, ou de justiça de mão própria; e. g., se o adquirente, em vez de pedir imissão na posse, entrou nas terras compradas e se instalou nelas, ou de outro modo delas tomou posse (Martin Wolff, Das Recht zum Besitze, 7 5.; Th. Kipp, em 8. Windscheid, Lehrbuch, 1, 1008; sem razão, Leo Raape, Gebrauchsund Besitztiberlassung Jherings Jahrbocher, 71, 164 s.). Se trata de direito real, esse tem eficácia frente a todos, e, pois, frente ao proprietário. Se trata de direito pessoal. é preciso que exista frente ao proprietário ou antecessor na situação jurídica, se sucessão houve no dever e na obrigação. Se foi cedida a pretensão de entregar, o possuidor pode opor ao novo proprietário o direito que tinha contra a pretensão cedida. Idem, quanto ao constituto possessório. Alugou A a B a máquina de descaroçar algodão, para o tempo da safra, e, depois, alienou a máquina a C, cedendo a C a pretensão reivindicatóriS, ou por constituto possessório. Se C quer reivindicar a máquina, antes da safra, esbarra com o direito de B. Se A arrendou a coisa móvel a C, e, depois, alienou a B, C pode objetar a B, que a vem reivindicar. No direito imobiliário é diferente: o locatário, ou outro titular de direito pessoal, somente pode opor o seu direito de posse àquele que não é figura da relação jurídica em que é sujeito ativo o titular do direito de posse, a prazo definido a locatio, foi incluída a cláusula de vigência em caso de alienação e consta ela do registro público. (b) Se o possuidor não está em relação jurídica, que lhe dê o direito de posse contra o proprietário, conforme em (a), mas houve a posse imediata a quem está na relação jurídica de (a) frente a proprietário, pode objetar à reivindicação. Assim, se A alienou a B a fazenda, dando-lhe a posse, antes do registro do titulo, e B a arrenda a C, pode C objetar a A, que a vem reivindicar. Se A alienou a B e B a C, sem que A tenha entregue a B a posse, C, que a adquiriu, judicialmente ou por justiça de mão própria, pode objetar a A, porque B podia tê-la pedido judicialmente (assim, Martin Wolff, Das Recht zum Besftze, 17, 5.; Margarethe Scherk, Die Einrede aus dem Recht zum Eesitz, Jherings Jahrbocher, 67, 323 e 350). (e) O réu, na reivindicação, pode opor o seu direito de retenção por benfeitorias e despesas. Pode haver direito à indenização sem que exista direito de retenção. 6.Extinção da pretensão à reivindicação. A pretensão a reivindicar extingue-se: a) se o que a tem, ou a tem e exerce, logra a posse, pela entrega ou não; b) se a propriedade se extingue; e) se o demandado adquiriu direito de posse (e. g., se tendo sido transferida, condicionalmente, a posse, a condição se realiza). Se bem que não haja sucessão nas relações jurídicas, existe nos direitos, pretensões, ações e exceções. Por isso, não há extinção de pretensão se a propriedade se transfere, ou a posse (Konrad HelRFig, Lehrbuch, 1, 289; Martin Wolff, Lehrbuch, 27ª— 32ª eds., III, 280; sem razão, Andreas von Tuhr, Der Allgenieine Teil, 1, 228, nota 32, que merece resposta: há, da parte do réu, dever de entrega, que é transmissível; como dever, efeito da relação possessória, que é o suporte fático. A prescrição da pretensão reivindicatória não extingue a pretensão: trata-se de exceção; portanto, só se encobre a eficácia daquela. Só há ciência onde há conceitos precisos).
§ 23. Eficácia da sentença reivindicatória
1. Força da sentença reivindicatória. A sentença, na ação de reivindicação, que é executiva, cumpre-se quanto aos que foram réus; e não contra quem não foi parte, nem tem de sofrer a força e a eficácia da sentença. Se houve fraude à execução, outra questão é: aí, toda alienação ou gravame é ineficaz. Por isso, fugiu aos princípios o acórdão da 3ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 20 de junho de 1933 (RT 89/282), quando disse: “Nas ações reivindicatórias, pode a execução ser promovida não só contra o réu vencido como contra os terceiros que dele receberam a coisa. Do contrário, seria fácil aos réus iludirem a vitória do autor, porque, condenados à entrega, passariam o objeto a outrem, obrigando o autor à propositura de nova ação e assim sucessivamente’. Se em outro processo (e. g., processo de divisão) já foi entre as mesmas partes julgado o domínio, há coisa julgada material (4ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 5 de maio de 1949, RT
181/ 242).
2. Dever de assistir no retificação do registro do imóvel. O possuidor que alienou o imóvel tem de assistir ao proprietário na retificação do registro. Subentende-se: se tal retificação é possível, pois, se o terceiro adquiriu a propriedade, não subsiste ação de retificação.
3. Alienação antes de reivindicação. O que alienou de boa-fé,e a titulo oneroso, responde pelo preço recebido; se de má-fé, pelo valor do imóvel mais perdas e danos. Se a titulo gratuito, não tendo o terceiro adquirido a propriedade, cabe a reivindicação. Se a titulo oneroso, estando de má-fé o terceiro, não houve aquisição, por ter sido outorgado pelo não-dono estando de má-fé o terceiro, segundo os principias.
4. Reivindicatóridade e ação declaratória a da propriedade. A questão de se saber se a pretensão reivindicatória, exercida, leva, sempre, consigo a pretensão declaratória, têm-se dado diferentes respostas. A declaração de propriedade, para ter a força que se há de esperar, há de ser exercida erga omnes, o que exigiria o procedimento edital. A declaração de propriedade, para força apenas inter partes, é como fotografia parcial; a relação jurídica é entre o proprietário e todos, mas só se vê e se declara (= se focaliza, e se fotografa o raio da relação jurídica entre o proprietário e o demandado). Tal é a declaração que se faz na ação de limites. Na demanda de entrega ao proprietario (Herausgabefrloge) não está implicita, escreveu Martin Wolff, (Lehrbuch, III, 276), a declaração judicial da propriedade; o que se pode dar é a cumulação. Ao primeiro exame parece que a afirmação é precipitada e não se entenderia que se pudesse entregar a coisa, judicialmente ao que não alega esbulho, se não se declara, antecipadamente, em questão prévia inclusa no mérito, a propriedade do autor Ocorre, porém, que — por vezes — não se pediu a declaração, nem o réu articulou de tal modo a defesa que na ação de reivindicação se obtêm sentença sem a força de coisa julgada (G. Planck, Konimentar, III, 476; Johannes Biermann, Sachenrecht, 267; K. Rober, ~J. v. Staudingers Kommentar, III, 467; K. Maenner, Das Sachenrecht, 222, nota 6; Henrich Dernburg, Das Búrgerliche Recht, III, 413). Observe-se, todavia, que isso é raro. Na prática do direito brasileiro, quasempre se concebe a petição de reivindicação com o pedido de declaração. J. H. Correia Teles (Doutrina das Ações, § 69, 102) parecia concebê-la com a questão prévia, mas à nota 1 aludia às dificuldades da prova do domínio. A atribuição de eficácia de coisa julgada, sempre, à sentença que se profira na ação de reivindicação, teria o grave inconveniente de se ter com força de coisa julgada, em contrário ao pedido a sentença desfavorável, que seria declaratória do não-domínio ou outro direito real, em vez de ser, tãosó, declaratória de não caber a entrega. Note-se a diferença de conteúdo. (Quem, por exemplo, propõe ação de execução de título cambiário e perde tem contra si a sentença, que é declaratôria da não-executividade, e não de não ser devido o quanto do titulo, salvo se foi isso objeto de discussão nos embargos do devedor, sendo a ação executiva por títulos de crédito ação de força executiva por adiantamento de cognição.) Se a prova que se deu foi a do registro, a sentença favorável ao autor não exclui a ação de retificação do registro — o que a ação declaratôria negativa do direito do réu excluiria, e até a sentença desfavorável ao réu na ação declarativa positiva, proposta por ele ou pelo proprietário. A carga 3 de declaratividade, na ação de reivindicação, é pois para id quod pleurumque fit. A cumulação da reivindicatória com a declaratória pode dar-se: primeiro julga-se essa; depois, aquela, se bem que na mesma sentença (Konrad HelRFi9, Anspruch und Klagrecht, 32; Lehrbuch, 1, 3ª1; sem razão, Lothar Seuffert, Kommentar zur Ziuilprozessordnung 9ªed., 1, 359).
§ 24. Cumprimento da sentença reivindicatória 1. Sentença favorável na ação de reivindicação. A característica da sentença favorável, na ação de reivindicação, é a vindicação da coisa: o juiz toma, para o autor, a posse, vindica a coisa. Se a execução com essa tomada é impossível, porque o réu não era possuidor ao tempo da citação, nem se tornou depois, até ao tempo da sentença não há pensar-se em sentença favorável de reivindicação. Se a execução se impossibilitou depois da
citação, por perecimento da coisa, com responsabilidade do possuidor-réu, tem esse de satisfazer perdas e danos; bem assim, se acudiu à citação sem ter a posse, e não o alegou, sendo condenado. Aqui, não se trata de ação de indenização, mas de execução da sentença de reivindicação. Toda responsabilidade por fato anterior à citação só é apurável em ação de indenização, se não foi matéria da petição mesma de reivindicação.
2Impossibilitação da reivindicação. Se a reivindicação da coisa se torna impossível a) pelo perecimento dela, ou b) por ter sido consumida, ou c) pela transformação que lhe tirou a individualidade, que era a sua (e. g., especificação), ou d) pela perda da posse, tem-se de apurar o tempo em que ocorreu a impossibilidade. Se ocorreu antes da citação, o possuidor de boa-fé não responde pela perda ou deterioração da coisa, ainda que a tenha causado, ao passo que o possuidor de má-fé responde, ainda que acidental a perda ou a deterioração, salvo se provar que do mesmo modo se teria dado, estando a coisa na posse do reivindicante (aliter, L. 40, D., de hereditatis petitione, 5, 3; L. 15, § 3, D., de rei vindicotione, 6, 1; L. 12, § 4, D., ad exhibendum, 10, 4: “tanto magis si apparebit eo casu mortuum esse, qui non incidisset, si tum exhibitus fuisset”, que foi interpolado; e L. 14, § 1, D., depositi vel contra, 16, 3: “cum interitura esset ea res et si restituta esset actori, outra interpolação; Lafaiete Rodrigues Pereira, Direito das Coisas, 1, 223). Depois da citação, o possuidor de boa-fé respondia como o possuidor de má-fé (cp. L. 45, D., de rei vindicatione, 6, 1, sobre o possuidor de boa-fé e a litiscontestação), se a sua boa-fé desapareceu: não temos o princípio da paridade da sorte dos possuidores após a Iitiscontestação (L. 25, § 7, D., de hereditatis petitione, 5, 3: “post motam controversiam omnes possessores pares fiunt”), ou após a citação.
3. Condenação em indenização. Havendo condenação em perdas e danos, ou em frutos, tem-se de liquidar e executar essa parte da sentença (J. H. Correia Teles, Doutrina das Ações, 101, nota 1, in fine; Teixeira de Preitas, Doutrina das Ações, 37).
4. Possuidor imediato. Réu na ação. O possuidor imediato pode ter direito de posse imediata, e não ter direito de posse mediata como proprietário. De modo que o possuidor imediato, com direito a isso, se esbulha a posse do proprietário, pode ser condenado na ação de reivindicação, cuja sentença dará ao proprietário a posse mediata. Se o possuidor imediato não tem direito de posse imediata, porque o possuidor mediato lhe deu sem poder dar-lha, o pedido do proprietário e a decisão judicial têm de ser no sentido de se entregar a coisa ao possuidor mediato, salvo se esse não a tem mais, ou não na quer, ou se não a querem todos os compossuidores, ou um dos compossuidores solidários. Assim, se o locatário sublocou a coisa, a ação é para que o sublocatário entregue a coisa ao locatário, se não cabe alguma das espécies referidas. Se o credor pignoraticio aliena a coisa, dá-se o mesmo (Martin Wolff, Das Recht zum Besitze, 20 5.; Margarethe Scherk, Die Einrede aus dem Recht zum Besitz, Jherings JahrbOcher, 67, 301 s. e 357 5.; sem razão, Achille Rappaport, Die Em rede aus dem fremden Rechtsverhàltn is, 209 s., e Andreas von Tuhr, Der Allgememne Teu, III, 307, nota 5. Sentença contra o possuidor mediato. A sentença contra o possuidor mediato só se dirige à entrega da posse mediata, que é o que o demandado tem, a posse mediata e, com ela, a pretensão à entrega da posse imediata, que o demandado tenha, passam ao demandante. E erro dizer-se que o proprietário, em principio, há de pedir a cessão da pretensão à entrega da coisa (posse imediata); primeiro, porque a figura da cessão é inadequada; segundo, porque pode tal pretensão ainda não existir. A adjudicação da pretensão de entrega é que perfaz o cumprimento da sentença, quando já há tal pretensão. Fora daí, o que passa ao proprietário é somente a posse mediata, com superveniência da pretensão a poder ser exigida a posse imediata. O possuidor mediato somente pode ser demandado pela posse imediata se essa proveio dele (e. g., alugou a coisa, ou depositou).
§ 25. Reembolso de gastos ao possuidor 1. Problema técnico do reembolso. O direito romano iniciou a solução do problema do ressarcimento aos possuidores, em caso de recuperar a coisa o proprietário. Deu-lhes apenas exceção, direito de retenção, até que lhes sejam abonados os gastos. Não havia a pretensão e a ação de ressarcimento, nem o direito subsidiário a satisfazer-se na coisa. O sistema jurídico brasileiro tem as três figuras. Para a solução do problema, são conceitos indispensáveis o de boa-fé e o de má-fé, os de benfeitorias e gastos necessários, úteis e voluptuários.
O conceito de boa-fé e o de má-fé são os mesmos de que falamos a propósito da ação de indenização contra os possuidores. 2. Quando há direito ao reembolso. De reembolso ao possuidor somente se pode cogitar se a) o proprietário ratificou os gastos, ou se b) foi recuperada (~não só se foi entregue a coisa. Antes de se compor um desses fatos, há direito a reembolso, não, porém, pretensão; •por isso mesmo, não começa de correr a prescrição (Hans Reichel, Unklagbare Ansprúche, Jherings Jahrbticher, 59, 434 s., pensava em pretensão existente, ainda sem ação, mas em verdade, o possuidor nem pode exigir, nem alegar compensação; e Martin Wolff, Lehrbuch, III, 293, em pretensão ainda não plena, cessivel e penhorável). Existe o direito a ser reembolsado; esse direito é que se cede e penhora, ou por outro modo se constringe. Claudius von Schwerin (Schuld iind Haftung, 26) via, aí, responsabilidade real pura, o que foi aproximar-se da verdade. A construção ficou por ser explicada. A análise dos efeitos mostra-nos que a inversão é que é o fato e entra no mundo jurídico, com duas linhas diante de si, ou a aquisição da propriedade da coisa pelo possuidor, com a integração dos gastos ex tunc, ou a não-aquisição, com a recuperação da posse pelo proprietário, ou, pelo menos, a ratificação por ele, surgindo a pretensão. Não se argumente, contra isso, que o possuidor que recuse o reembolso oferecido incorre em mora accipiendi. Claro é que incorre; mas oferecer o reembolso é ratificar. Por outro lado, o que entra na massa concursal é o direito, e não a pretensão ou ação, se aquela e essa não nasceram. (a) A ratificação dos gastos é ato de aprovação, exercício de direito formativo gerador, em declaração unilateral receptícia, de conteúdo líquido ou a liquidar-se, ou em manifestação de vontade. (A ratificação pode ser declaração de vontade, ou simples manifestação, o que tem grande importância para se saber se houve a escolha que a lei permite, ou se prescindiu dela, renunciando-se.) O possuidor que oferece a coisa ao proprietário, se tem direito de retenção, ou se não no tem, pode fazer reserva do direito ao reembolso; o próprio possuidor de má-fé pode fazer tal reserva, posto que não poderia reter a coisa. Martin Wolff (Lehrbuch, 111, 294) sustentou que só tem a faculdade de oferecer com reserva da pretensão o possuidor que tem direito de retenção: só pode fazer reserva quem pode reter. Mas tal opinião é inadmissível, pois faria dependente de existir exceção o afirmar a pretensão, ou o direito mesmo. Se fosse verdadeira a coincidência, a simetria seria ocasional. Contra ele também E. Brodmann, em G. Planck (Kommentar, 4ª ed., III, 515). Se o possuidor não usou da exceção, sim, não pode, depois da condenação, recusar-se a fazê-lo, pretextando o direito de retenção. (b) Se o proprietário recupera a coisa, nasce ao possuidor, que perde a posse e a que, pois, se elimina uma das linhas de que falamos, a pretensão ao reembolso. Não importa apurar-se como se deu a recuperação (entregar, pôr à disposição, ato de justiça de mão própria, achada, aquisição por terceiro que negociou com o proprietário, desforço). Se trata de possuidor mediato, a cessão da pretensão de entrega pelo possuidor imediato é recuperação pelo proprietário cessionário. Se o possuidor é imediato e foi ele que inverteu, não basta reconhecer a posse mediata do proprietário para que se tenha como recuperada por esse a posse. Se mudou o proprietário, o novo proprietário é devedor e obrigado a reembolsar o que se inverteu ao tempo do seus antecessores, quer tenha adquirido, quer derivativa quer originaria-mente, a propriedade. Naturalmente, há de observar-se a lei. Quanto ao proprietário anterior, se não ratificou os gastos, nem recebeu a coisa, libera-se com a transferência da propriedade, ao passo que o novo proprietário, ainda que ignore os gastos, fica sujeito a ressarci-los. Se o antecessor ratificou os gastos, são responsáveis pessoal e solidariamente o antigo e o novo proprietário. (c) Se o proprietário não ratifica os gastos, nem aceita a coisa, o possuidor não pode constrangê-lo a reembolso dos gastos, ainda em se tratando de benfeitorias necessárias. Mas o possuidor, que passa a reconhecer o direito à posse, por parte do proprietário, ou a propriedade que lhe compete, ou que resolve entregar a coisa, tem o caminho da ação de condenação com preceito cominatório, para que, dentro de prazo que o juiz marque, o proprietário ratifique, recebendo ou não a coisa, ou que o deixe satisfazer-se sobre a coisa. Se o proprietário nega que o direito a reembolso exista ou que exista no quanto pedido, segue-se o rito ordinário; e a decisão é declarativa, porque só concerne ao direito, e não à pretensão, o que seria prematuro. Diversamente do direito atual, sob o Código de 1939, na ação de reivindicação, não havia reconvenção, de jeito que pudesse o réu pedir a
condenação do autor ao que lhe dava de ser reembolsado; tinha ele apenas a alegabilidade do desembolso, pois a ação de reembolso ainda não nasceu. Se o réu não contestava, ou ratificava as contas, julgavam-se as contas, declarativamente. Se o réu aceita a coisa, o possuidor, que tem direito de retenção, podia e pode exercê-la. Aliás está implícita a reserva do seu direito. Proferida e trânsita em julgado a sentença que fixou o quanto, pode o autor continuar na posse, se o réu a rejeitou, ou, se foi apurado o saldo, ir com a execução nos próprios autos. Essa execução é em pedido condenatório-executivo, porque, com a ratificação, ou com a aceitação da coisa, ou com a eficácia da cominação, já surgiu a pretensão. Posto que a decisão seja eficaz contra o proprietário-réu, ou posteriores proprietários, é decisão em ação pessoal, por não ser real o direito do possuidor ao reembolso (sem razão, Th. Wolff, Das Zurúckbehaltungsrecht im Konkurse, Leipziger Zeitschrift, II, 109, e Eckels, Der Verwendungsanspruch, Zentralblatt, IX, 211). O direito de satisfazer-se depende de ainda ser o possuidor o que o invoca. Se não subsiste a posse, não no há mais. A pretensão pode ter nascido (o proprietário ratificou os gastos, ou recuperou a posse); pode ter-se extinguido o direito de se satisfazer sobre a coisa, não ter nascido a pretensão ao reembolso e ter desaparecido o próprio direito ao reembolso (a posse passa a outrem, e não ao proprietário). Com a recuperação da posse, o que fez os gastos recupera o direito ao reembolso e a satisfazer-se. 3. Benfeitorias necessárias e gastos necessários. Benfeitorias necessárias e gastos são os que têm por fim conservar a coisa, ou evitar que se deteriore ou explorá-la na forma da exploração anterior, no que é necessário (Eugen Fuchs, Leipziger Zeitschrift, 23, 300, foi além: incluiu o que é proveitoso à exploração, na sua linha de crescimento). Por exemplo: ferragens de animais, consertos de telhado e paredes, construção de muro obrigatório (juridicamente necessária) ou premente, canalização indispensável, juros hipotecários. Os impostos e taxas são carregados a quem tem o fruto da coisa, salvo, quanto a essas, se concernem à coisa e a prestação, a que correspondem, se insere no valor do bem e persiste como aumento. Por exemplo, a contribuição de melhoria. No direito comum, havia apenas, frente à rei vindica tio, a exceção (exceptio dou) pelas impensae necessariae (excluído o ladrão; aliter, hoje); e ao possuidor de boa-fé, pelas impensae utiles. Quanto às impensae voluptuariae, só havia ius toilendi. No direito luso-brasileiro, as benfeitorias e gastos úteis se ainda existentes, eram levantáveis e dedutíveis ao próprio possuidor de má-fé (Álvaro Valasco, Decisienum Consultationum, 1, 192, contra o direito comum; Ordenações Filipinas, Livro IV, Titulo 48, § 7; MeIo Freire, Institutiones, IV, 65: “impensas tamen necessarias in rem factas omnine deducit, et utiles exstantes, sed eo tantum casu, si possint sine laesione prioris status auferri”; Borges Carneiro, Direito Ciuil de Portugal, IV, 223, se o proprietário não preferia indenizá-las, cf. nota a, sobre a luta doutrinária; J. H. Correia Teles, Doutrina das Ações, 106, no sentido da alteração do direito, permitindo-se a repetição dos gastos úteis, e assim Lafaiete Rodrigues Pereira, Direito das Coisas, 1, 226, que, sem razão, citou a Meio Freire). O Código Civil de 1916, art. 517, restaurou a boa doutrina. Manuel Álvares Pêgas (Resolutiones Forenses, V, 435 s.) deu noticia de julgados do século XVII (1646 e 1647), que Borges Carneiro citou; mas nem o julgado de Beja (8 de outubro de 1646), nem o da Casa de Suplicação (916 de junho de 1647) permitem que se pense em se ter sustentado a pretensão do possuidor de má-fé à repetição dos gastos úteis. As benfeitorias úteis, levantáveis, podiam ser tiradas pelo possuidor de má-fé (L. 38, D., de rei vindicatione, 6, 1), e o direito luso-brasileiro o recebeu; porém o Código Civil de 1916, no art. 517, negou ao possuidor de má-fé o próprio ius tollendi quanto às benfeitorias voluptuárias (verbis “nem o de levantar as voluptuárias”). A alteração no sistema jurídico foi profunda: o possuidor de má-fé perde-as; naturalmente, se antes da citação, não as tirou sem dano; se, tirando-as, causou dano, responde por ele. Se o reivindicante consente, pode o possuidor de má-fé levantar as úteis e as voluptuárias, mas abre mão de direito. Tal reivindicante ou renunciou a direito, ou doou o valor dele. Os gastos para a obtenção de frutos não são benfeitorias; são despesas que serviram à produção e custeio dos frutos percebidos, ou despesas de produção e custeio dos frutos pendentes, que se hão de deduzir do valor deles. O tratamento do possuidor de má-fé, no que respeita à dedução, só é diferente em que se têm por percebidos os frutos que, por culpa sua, deixou de perceber. 4. Direito de retenção que tem o possuidor com benfeitorias. Se o possuidor tem direito à indenização de benfeitorias, há de ressarci-las o proprietário. Para isso, tem o possuidor de boa-fé, quanto às benfeitorias úteis e às necessárias, direito de retenção. Tal regra jurídica é para as espécies em que se não hajam regulado entre as partes o ressarcimento e o quanto. O possuidor de má-fé somente tem direito às benfeitorias necessárias, sem
direito de retenção. O direito de retenção é exceção do possuidor de boa-fé. Pode ser afastado com a caução. Não tem direito de retenção, ainda pelos gastos necessários, o possuidor de má-fé. A arrematação exclui o direito de retenção, porque o preço da coisa se deposita. O concurso de credores do proprietário também o‘eIs, Der Verwendungsanspruch, Zen tralblatt, Komnientar zur Konkursordnung, 5ª ed., a pretensão ao ressarcimento de despesa de ação; só o era de exceptio dali. Cedo, ‘cisionum Consultationum, 1, 192) se insurgiu ymum: ex ilIa lege” — as Ordenações Manueli6, § 7 — “puto factum, ut in praxi non lelioramentorum utilium, inducta de iure com viderim hac iudicari, sed simpliciter iuberi ‘brasio fieri sine laesione prioris status, sive ‘:“(estabelecido que a pretensão ao ressarcimento dotada de ação, se não se usou em tempo do K (Borges Carneiro, Direito Civil de Portugal, L.afaiete Rodrigues Pereira, Direito das Coisas, (retenção era em toda a extensão da pretensão benfeitorias e gastos. O possuidor de má-fé indenizado das benfeitorias necessárias, por~omo réu, na ação de reivindicação a ação de ressarcimento; porém negaretenção. Pode, contudo, alegar a compentas por antecessor do demandado. O demando demandante o abono das benfeitorias e (antecessor jurídico na posse fizera, se algum ma das consequências legais devendo-se ate nãos princípios de transmissibilidade aos ter todavia, pode alguma relação jurídica entre possuidor atual ter excluido a transferência desse e ação, a despeito da transferência jurídica da atual, Martin Wolff, Das Recht zum Besitze, não-jurídica é irrelevante, na espécie. Se o possuidor imediato se faz possuidor mediato (e. g. aluga o prédio), o direito ao ressarcimento de benfeitorias e gastos não se transfere ao possuidor imediato, mas é de se reconhecer direito de retenção, em nome do possuidor mediato (Martin Wolff, Lehrbuch,27º — 32º eds., III, 292).
§ 26. Valor das benfeitorias 1. Valor atual e valor de custo. O reivindicante obrigado a indenizar benfeitorias e mais gastos tem opção entre o seu valor atual e o seu custo. A regra jurídica foi inspirada em Johann Voet (Commentarius ad Pandectas, 1, 337 s.), posta no sistema jurídico luso-brasileiro através de M. A. Coelho da Rocha (Instituições, II, § 44ª, 353) e inserta no Código Civil português, art. 449, § 4ª: “O valor das benfeitorias será calculado pelo custo delas, se este não exceder o valor do benefício ao tempo da entrega. No caso contrário, não poderá o evicto haver mais do que esse valor”; e no Código Civil brasileiro de 1916, art. 519: “O reivindicante obrigado a indenizar as benfeitorias tem direito de optar entre o seu valor atual e o seu custo”. O Código Civil não distinguiu, como o português (o art. 4ª só é referente às benfeitorias úteis), para o suporte fático do art. 519, benfeitorias necessárias e úteis; nem as distinguia M. A. Coelho da Rocha. Dir-se-á que a inversão necessária o foi ao tempo em que se fez — foi, então, preciso fazê-la, e conservou ou resguardou a coisa; se, hoje, o seu valor é ínfimo, houve desembolso, que se devera ressarcir. Foi esse argumento que prevaleceu onde quer que se haja estabelecido o reembolso sem mais haver aumento de valor, ou sendo ínfimo. E. g., no direito alemão, se houve a inversão necessária e a casa se incendiou, o autor reivindicante tem de ressarcir os gastos que outrora foram necessários, tenha o possuidor, ou não, pretensão de ressarcimento contra outras pessoas. Em vez disso, no direito brasileiro, se necessária a benfeitoria, ou despesa, a diminuição do valor dela faz nascer ao demandante torna ineficaz (Eckels, Der Verwendungsanspruch, Zentralblatt,9, 204; E. Jaeger, Kommentar zur Konkursordnung, 5ª ed., 1, 771, nota 44). No direito comum, a pretensão ao ressarcimento de despesas não era dotada de ação; só o era de exceptio dou. Cedo, Alvaro Valasco (Decisionum Consultation um, 1, 192) se insurgiu contra o direito comum: “ex ilIa lege” — as Ordenações Manuelinas, Livro IV, Título 6, § 7 — “puto factum, ut in praxi non servetur abrasio melioramentonim utilium, inducta de iure communi, nec unquam viderim hac iudicari, sed simpliciter iuberi solui, sive possit abrasio fieri sine laesione prioris status, sive non”. Assim, ficou estabelecido que a pretensão ao ressarcimento de despesas era dotada de ação, se não se usou em tempo do direito de retenção (Borges Carneiro, Direito Civil de Portugal, IV, 223, nota (a); Lafaiete Rodrigues Pereira, Direito das Coisas, 1, 227). O direito de retenção era em toda a extensão da pretensão de ressarcimento de benfeitorias e gastos. O possuidor de má-fé tem o direito de ser indenizado das benfeitorias necessárias, portanto a alegá-lo, como réu, na ação de reivindicação, ou na de indenização, ou propondo ação de ressarcimento; porém nega-se-lhe o direito de retenção. Pode, contudo, alegar a compensação. 5.
Benfeitorias feitas por antecessor do demandado. O demandado pode exigir do demandante o abono das
benfeitorias e gastos que o seu antecessor jurídico na posse fizera, se algum valor persiste. E uma das consequências legais devendo-se atender, se for o caso, aos princípios de transmissibilidade aos herdeiros e legatários. Todavia, pode alguma relação jurídica entre o antecessor e o possuidor atual ter excluído a transferência desse direito, pretensão e ação, a despeito da transferência jurídica da posse (e. g., contratual, Martin Wolff, Das Recht zum Besitze, 19). A sucessão não-jurídica é irrelevante, na espécie. Se o possuidor imediato se faz possuidor mediato (e. g. aluga o prédio), o direito ao ressarcimento de benfeitorias e gastos não se transfere ao possuidor imediato, mas é de se reconhecer direito de retenção, em nome do possuidor mediato (Martin Wolff, Lehrbuch, 27º — 32º eds., III, 292). 2. Boa-fé, Má-fé. Na indenização, o possuidor de má-fé põe-se na posição do gestor de negócios, de modo que os gastos têm de ser conforme a vontade real, ou presumida, do dono: não basta, portanto, a necessidade objetiva, se é de presumir-se, ou é certo que o proprietário, nas circunstâncias do momento, não os faria. Ao possuidor de boa-fé, esse, pois que ignora a relação jurídica em que se acha o proprietário, abona-se todo gasto objetivamente necessário, de acordo, aliás, com o sistema jurídico.
3. Benfeitorias úteis e gastos úteis. Quanto às benfeitorias e gastos úteis, aumentam eles o valor da coisa, e não se abonam ao possuidor de má-fé: fê-los porque os quis fazer, sabendo que não era legitimado a possuir. Abonam-se ao possuidor de boa-fé, se, ao tempo do reembolso, subsiste o aumento de valor; se só em parte subsiste, cabe ao proprietário escolher entre o valor atual e o custo. O possuidor suporta o risco de ter feito despesas, que, embora úteis, não eram indispensáveis. O fundamento é outro que aquele que se referiu para a incidência da regra jurídica em caso de reembolso de despesas necessárias. As benfeitorias úteis podem ser levantáveis sem detrimento da coisa. Se, antes da ação, o possuidor de boa-fé as levantou, toilitur quaestio. Se não as levantou, o proprietário tem facultas alternativa (creditoris): ou ressarcir, ou sofrer o ius toilendi do possuidor de boa-fé. Diferente é o que se passa com as benfeitorias voluptuárias: separáveis sem dano, o possuidor tem o ius toilendi; se não exerce, o proprietário, que fica com elas, tem de as ressarcir. 4. Benfeitorias voluptuárias. As benfeitorias voluptuárias podem ser levantadas (lus tollendi) pelo possuidor de boa-fé, ou, se não no foram, têm de ser ressarcidas, uma vez que o proprietário as quis. O possuidor de má-fé não tem, no direito brasileiro, ius tailendi. 5. “Mora Accipien di” do proprietário. A regra jurídica sobre a opção entre o valor atual e do custo deixa de incidir, em parte (temporalmente) se há mora accipiendi do proprietário. Assim, se o demandante cai em mora, a opção é entre o custo e o valor antes da mora; portanto, o reembolso é devido tal como o seria a esse momento, ainda que o valor aumentativo haja, após a mora, desaparecido. A reembolsabilidade é ao possuidor em nome próprio. Se o possuidor em nome alheio fez benfeitorias, são elas, no limite em que as podia fazer, imputadas ao de que o possuidor, de que houve a coisa, se pode reembolsar.
§ 27. “ius Toliendi” 1. Conceito de “ius Tollendi”. O “ius tollendi” é o direito de retirar a coisa móvel que se uniu a outra, móvel ou imóvel. O direito de retirar, de toler (em bom português antigo), é direito pessoal (Johannes Biermann, Sachenrecht, 232; G. Planck, Komrnentar, 4ª ed., III, 417; Martin Wolff, Lehrbuch, 27º —32º eds., III, 230; sem razão, E. Kretzschmar, Das Sachenrecht, 231; E. Endemann, Lehrbuch, 8ª — 9ª eds., II, 1, 542). O ius toliendi do que tem a posse da coisa em que fez a instalação, que pode retirar, supõe a pretensão á tolerância (~atenção ao étimo!), de direito das obrigações. Têm-no o locatário, o comodatário, o usufrutuário, o usuário, o titular do direito de habitação, o credor pignoratício, o fiduciário e o possuidor de boa-fé. No direito brasileiro, exclui-se o ius tollendi do possuidor de má-fé: se o proprietário lhe permite toler, trata-se de negócio juridico gratuito ou oneroso, pois o possuidor de má-fé não tem direito, sequer, ao ressarcimento das benfeitorias voluptuárias e úteis que subsistam ao tempo da propositura da ação pelo proprietário (a retirada, antes, pertence ao mundo fático, e
só a ele). A regra jurídica, não-escrita, é a seguinte: tem direito de levantar, ou de toler, quem quer que tenha perdido direito real e haja unido à coisa, móvel ou imóvel, alguma coisa móvel, que possa ser retirada, ou o possuidor, qualquer que seja a causa jurídica da posse, ou o dono da coisa que outrem uniu, com assentimento do possuidor, ou do titular de direito real, ou antes da posse desse, ou daquele, que fora possuidor ou titular de direito real, se está em circunstâncias fáticas de poder levantar a coisa móvel. Só há ius tollendi se há poder efetivo, fático, de levantar a coisa móvel. Quem não pode retirar, ou já não no pode não tem ius tollendi. E preciso, portanto, que não se confundam o ius tollendi (Wegnahmerecht) e a pretensão a que se tolere a retirada da coisa. A pretensão à tolerância subsiste quando já o ius tollendi se acabou; com a volta da posse, o ius toliendi de novo se liga à pretensão à tolerância. Vulgarmente, os juristas falam do ius toliendi como prius: se ele acaba, porque o titular do ius tollendi perde a posse, também cessa a pretensão a que se tolere a retirada. Ora, esse raciocínio é falso, porque o é a afirmação de ser prius o ius toilendi: o ius toilendi é posterius; é pretensão à tolerância + ação direta, por ser possuidor de boa-fé. Se não é mais possível a ação direta, porque não tem a posse, ou, pelo menos, o poder fático de retirar, o que é titular da pretensão à tolerância, o direito de retirar cessa, mas fica o que antes já era e compunha, como um dos elementos, o ius tollendi: a pretensão à tolerância.
2. Se não foi o dono da coisa que a uniu á outra. Discute-se o que é dono da coisa, sem ter sido quem uniu a coisa àoutra, pode exercer o ius tollendi. A uniu a coisa de B à fazenda de C. A e B têm direito a retirar a coisa, ou só a tem A? Nega a B o ius tollendi E. Brodmann (em G. Planck, Kommentar, 27º — 32º eds., III, 417), ainda que abrindo exceções. Afirma-o, sem outras considerações, Martin Wolff (Lehrbuch, III, 230, texto e nota 7). Os escritores alemães não completaram o estudo que o assunto merecia. O ius tollendi depende do poder fático de retirar; portanto, da posse. Mas a posse tem de ser de boa-fé. Se o que vendeu máquinas, com reserva de domínio, está de posse do estabelecimento, com boa-fé, claro é que tem — como possuidor de boa-fé, que é — o ius tollendi: tem pretensão à tolerância — posse de boa-fé. Se o que vendeu máquinas, com reserva de domínio, não tem posse do estabelecimento, ou não na tem de boa-fé, o que se pode discutir é se lhe assiste pretensão à tolerância, e não ius tollendi. Pois que é dono das máquinas, tem a pretensão reivindicatória e a pretensão à tolerância, que, aí, está contida no direito de propriedade; não tem o ius toilendi.
3. Pretensão a toler. A pretensão a toler é pessoal; tanto não é real que pode existir a favor de quem não é proprietário da coisa a ser retirada. Se a coisa passou a ser parte integrante essencial de outra, o direito de separar envolve direito de apropriação; a retirada faria voltar ao titular de tal direito a propriedade da coisa que se inseriu na outra, e o proprietário reivindicante somente pode excluir o direito de apropriação ressarcindo os gastos do possuidor, pelo valor deles ou pelo valor da parte integrante essencial, se tivesse sido separada, à sua escolha (a expressão “toler’ é velhissima na língua). 4. Interesse no toler. O ius tollendi supõe utilidade para o seu titular. Por isso mesmo, onde a separação deixa de ser útil ao titular do direito, esse desaparece. Quem rasga o papel da parede, que pusera, não exerce, abusivamente, direito de toler (confusão, lamentável em Martin Wolff, Lehrbuch, III, 297, com “chicana’); não tem tal direito, ainda que a parede fique intacta. A doutrina de Celso (L. 38, D., de rei vindicatione, 6, 1) foi excelente: “Edificaste ou plantaste em fundo alheio, que, ignorando que o era, havias comprado (imprudens emeras) e, depois, se reivindica: bom juiz resolverá de diversos modos segundo as pessoas e as causas. Imagina que também o dono tivesse de fazer o mesmo: para recobrar o fundo, devolverá os gastos, até onde se fez de mais valor, ou, se mais valor se lhe acrescentou, só o que gastou. Imagina o pobre que, tendo de entregar (o fundo), haja de se privar de seus lares (la ribus) e sepulcros dos seus avós: basta que se te permita retirar daquelas coisas as que possas, desde que não fique mais deteriorado o fundo do que se tivesse sido edificado. Mas determinamos que, se o dono está disposto a dar tanto quanto o possuidor há de perceber daquelas coisas deixadas, se lhe conceda tal direito (potestas): e não se é indulgente com a malícia, se (por exemplo) quiseres arrancar o estuque, que puseste, e as pinturas, sem que hajas de conseguir mais do que o que fazes” (“neque malitiis indulgendum est, si tectorium puta, quod induxeris, pinturasque corradere velis, nihil laturus nisi ut officias’). Celso fez a malicia elemento que retira ao suporte fático do ato-fato de construir e plantar o que o faria entrar no mundo jurídico, ou nele permanecer. Arrancar os papéis de parede, como raspar ou remover pintura, não é abuso do direito, é ato sem qualquer direito. Pode-se pensar em abuso do direito de toler, mas é outra coisa, como se o que tem instalação, que pode arrancar, a arranca de modo irregular, causando dano.
5. Indenização em caso de “ius toflendi”. O possuidor tem pretensão à indenização do valor das benfeitorias. Se o proprietário o presta, o ius tollendi desaparece. O possuidor de boa-fé somente pode recusar a indenização e exercer o seu ius tollendi se trata de benfeitorias voluptuárias, separáveis sem qualquer detrimento para o bem. Quanto às benfeitorias úteis, o possuidor indenizado do valor delas não as pode retirar. O proprietário pode pedir o depósito em consignação, ou propor a ação declaratória do quanto devido.
§ 28. “Utílis rei vindicatio” 1. “Utilis rei vindicatio” e Direito Romano. Em direito romano, havia casos em que excepcionalmente se dava ao titular do direito de obrigação a escolha entre cobrar a coisa (ação pessoal) ou pretender a coisa prometida (devida) como já sua. Assim, a mulher, dissolvido o casamento, quanto às coisas alienadas pelo marido de modo ilegítimo (L. 30, C., de iure dotium, 5,12); o pupilo, no tocante àquilo que o tutor adquire com o dinheiro dele (L. 2, D., quando ex facto tutoris vel curatoris minores agere vel conveniri possunt, 26, 9: “Si tutor vel curator pecunia eius, cuius negotia administrat, mutua data ipse stipulatus fuerit vel praedia in nomen suum emerit, utilis actio ei, cuius pecunia fuit, datur ad rem vindicandam vel mutuam pecuniam exigendam”). Na L. 2, “vel praedia in nomen suum emerit’ e “ad rem vindicandam vel” foram interpolações. Tratava-se de ius singularis, de privilegius personae (Rudolf von Jhering, Rei vindicatio utilis, Jahrbdcher fúr die Dogmatik, 1, 175; Eugen Drey, Die utilis actio ad rem vindicandam des Pfleglings, 4). Também os soldados, quanto ao que quer que tivesse sido adquirido por outrem com dinheiro deles (L. 8, C., de rei vindicatione, 3, 32). Nota-se que, ou se tratasse de rei vindicatio utilis, como pensava E. Windscheid (Die Actio, des rãmischen Zivilrechts, 214 s.), ou de simples carga executiva da ação de condenação (= ação de condenação com carga imediata de executividade, tal como podemos traduzir, em termos de hoje, a teoria de Rudolf von Jhering, Rei vindicatio utilis, Jahrbúicher fdr die Dogmatik, 1, 120), a utilis rei vindicatio denuncia a incompleta estruturação romana. Ã interpretação de E. Windscheid sucederam a da “propriedade fictícia”, que remonta à Glosa e a Rindevater, a da cessão da rei vindicatio ao pupilo, ao soldado ou à mulher casada (quasi cessa rei vindicatio. A. von Buchholtz, Versuche, 206; J. A. Pritz, Erlãuterrungen, II, 294; principalmente, Heinrich Dernburg, Das Pfandrecht, 1, 325 s., reforçamentos de argumentação em E. Schulin, (iiber einige Anvendungsfàlle der Publiciana in rem actio, 166, que todavia lançou a sua teoria) e da Publiciana actio com a replicatio contra a exceptio dominii (E. Schulin, 160 s.). Segundo a teoria de E. Schulin, quando o legitimado (pupilo, mulher, ou soldado) vai contra o adquirente e esse alega domínio (exceptio doniinii), o autor lança a replicatio. Tal redução da utilis rei vindicatio à Publiciana actio desatende a que emprestar-se àquela qualquer ficção é forçar os textos romanos; e a crítica de Ph. E. Huschke (Das Recht de Publicianischen Ríage, 33 s.) e de A. Brinz, que Eugen Drey (Die utilis actio ad rem vindicandam des Pfleglings, 51) reexaminou, foi definitiva.
2. As teorias em torno das fontes romanas. A teoria de Rudolf von Jhering fazia da rei uindicatio utilis simples “fortalecimento” da ação pessoal, algo entre pedir o adimplemento e reivindicar, algo de “execução” cumulada à ação condenatória. Não seria real a ação, o que de modo nenhum se ajustaria aos textos (e. g., L. 2, verbis “ad rem vindicandam vel”). No entanto, teve a teoria alguns seguidores (e. g., Leonard Jacobi, Der Begriff der Bereicherung, JabrbWzher for die Dogmatik, IV, 159 e 230 Fastenrath, De rei uindicatione utili, 8-14 e 62; G. Hartmann, Die Obligation, 133 s. e 148). A teoria da propriedade fictícia (ou domínio fingido) apanhou excertos da Glosa (Acúrsio, à L. 7, pr., D., qui potiores in pignore vel hypotheca habeantur, 20, 4; Bártolo de Saxoferrato, à L. 7: “non est vere pupilli, licet posset eam vindicare utili vindicatione”). A teoria de E. Chr. Westphal (Versuch, 3º ed., § 100, nota 120) e outros, que parece ter tido raízes em A. Faber, identificava a utilis actio ad rem vindicandam com a ação pignoratícia, mas em verdade não supunha falência do tutor, ou do marido, ou do adquirente de bem do soldado, nem há por onde se sustentar, com os textos, a identificação. Mostraram-no bem Sprengel (Dissertatio de iure pupilli, 12 s. e 28 s.), Karl SelI (Rõmische Lebre der dinglichen Rech te, 3ª8), Eph. Chr. von Dabelow (Ausfúhrliche Entwicklung der Lehre uom Concurse de Glàubiger, 360 s.) e A. C. J. Schmid (Handbuch, 273 sj. Aliás J. C. Balduíno (De pignoribus et
hypothecis, 3ª) já havia escrito, com toda previsão de futuras confusões: “Talis certe vindicatio magis dominii quam pignoris ius subesse significat”. A teoria que identificava a ação útil de reivindicação com a ação de separação no concurso de credores, com o pedido de separação ou de restituição concursal, foi inspirada a Eph. Chr. von Dabelow (Ausfúhrliche Entwicklung der Lebre vom Concurse der Glàubiger, 361) pela leitura da L. 8, C., de rei vindicatione, 3, 32, da L. 55, D., de donationibus inter virum et uxorem, 24, 1, e da L. 2, D., quando ex facto tutoris vel curatoris minores agere vel conueniri possunt, 26, 9. O erro foi semelhante ao da teoria que recorria àidentificação com a ação pignoratícia. Seja notado que o autor da teoria ficava perplexo diante da indecisão romana, e perguntava ~por que se havia de dar ação útil se o pupilo adquiria, ao parecer de tantos juristas? Fez-lhe feição aquele meiotermo que seria a ação de separação no concurso (o Absonderungsantrag), a ação de restituição em falência, para espécies em que não há o domínio. A teoria da redução da utilis actio ad rem vindicandam a espécie de ação dominical cedida (quasi cessa rei vindicatio) tinha de supor “cessão legal” ao pupilo, o que de modo nenhum se poderia admitir no direito justinianeu. Para que se admitisse, como se admitiu, a utilis actio ad rem vindicandam, era preciso que o sistema juridico concebesse — no plano da eficácia — como adquirido pelo pupilo o que o tutor ou curador adquirira. A ação era utilis porque se procurava, então, esse resultado. Todavia, a construção da Glosa ou foi um tanto além dos textos, ou aquem deles. Bártolo de Saxoferrato, à L. 7, pr., contradizia-se com o que escrevera quanto à L. 2: “Tutori emente aliquid de pecunia pupilli efficitur ipsius pupilli”, non est vere pupilli, licet posset eam vindicare utili vindicatione”. Acúrsio, à L. 7, com toda a convicção, lançou: “... sed potest eas eligere, ... nec sunt in veritate suae”. A construção jurídica era difícil, porque o seria para os próprios juristas romanos. Responder à questão — “tinha o pupilo a propriedade, ou não ?“ — era tão embaraçante para os contemporâneos quanto para eles. Assim, foi surpreendente a afirmação de Olearius (Dissertatio de rei vindicatione non cornpetenti alteri, cuius pecunia res acquisita fuit, 18): “... succedunt pupilli am minorennes quippe qui in re a tutore vel curatore proprio nomine, pupilíari tamen pecunia emta dominio gaudent et per consequens rei vindicationem instituere valent”. A concepção da aquisição ex lege também está em E. Carpzov (Iurisprudentia forensis, 1, c. XI, def. 21), Peter MúlIer (Dissertatio de re pecunia aliena comparata, 27 sã e E. A. Meissner (Vollstdndige Darstellung der Lebre, vom stillschweigenden Pfandrechte, 223). Todavia, Peter Mfiller ainda empregava “rem tanquam suam”, se bem que E. Carpzov fosse incisivo: “Rei a tutore pecunia pupilíari emtae dominium pupillo acquiritur, cui et propterea reivindicatio competit”. Também J. L. Schmidt (Rechtliche Abhandlung uon Separatisten, 131) e Sprengel (Dissertatio de iure pupilti, 11 s.), que frisou a diferença da eficácia entre a Publiciana in rem dc tio e a utilis actio ad rem vindicandam, que se equipara à rei vindicatio directa, posto que, adiante, se contradiga: “actio, qua dominium petitur” (33 e 35) A pendulação foi devida à obra inacabada do direito romano, à sua maneira de criar direitos sem lhes dar, de um só lance todo o colorido. A evolução ter-se-ia de operar através da concepção do patrimônio, em sua consistência contemporânea. 3. As espécies de aquisição com dinheiro alheio e com dinheiro brasileiro. O direito brasileiro superou, com os arts. 56 e 57 do Código Civil de 1916, todos os outros sistemas jurídicos, dispensando as teorias de Rudolf von Jhering, de B. Windscheid, de E. Schulin, da quasi cessa rei vindicatio, a identificação da utilis actio ad rem vindicandam com a ação de penhor e com o pedido de separação no concurso. Quanto à restituição do dote editaram-se regras jurídicas especiais (Tratado de Direito Privado, Tomo VIII, § 931, 2, onde se precisou a diferença entre a ação de reivindicação e a ação hipotecária, bem como entre aquela e a pessoal de restituição). Se trata de imóvel e terceiro o adquiriu por registro, o que é difícil ocorrer, não tem cabimento a pretensão reivindicatória, que se extinguiu com o nascimento do domínio de outrem. Quanto a bens do incapaz, que o pai, mãe, tutor ou curador alienou, tem-se de distinguir: a) se o pai ou mãe, tutor ou curador, que representa, alienou ilegalmente, o registro foi de negócio jurídico nulo e ineficaz, nulo por infração da lei e ineficaz por se tratar de bem alheio; b) se a alienação foi por pai, mãe, tutor ou curador, que apenas teria de assistir, o negócio jurídico foi ineficaz, pois que se alienou coisa alheia, e o problema há de ser tratado com todos os outros problemas de alienação de coisa alheia.
A questão da ação útil de reivindicação supõe que haja entrado dinheiro ou outro valor para o patrimônio do cônjuge, ou do incapaz, e o outro cônjuge, ou o titular do pátrio poder, tutela ou curatela haja, com ele, adquirido bem, A noção de patrimônio, fortalecida no sistema jurídico brasileiro, obriga-nos a que — respeitados os princípios que regem a aquisição e a perda da propriedade imobiliária ou mobiliária — se tenha como operada, de regra, a sub-rogação real. Assim, se o marido, que vendeu, legalmente, imóvel pertencente ao dote da mulher e do domínio dela, em vez de adquirir outro bem, em que se opere a sub-rogação sem óbices, em nome da mulher, e adquire em seu nome, tem-se de perguntar, primeiro, se terceiro adquiriu, ou não, ao marido esse bem, pelo registro. Se terceiro o adquiriu, não há qualquer problema de reivindicação. Se ainda não se deu aquisição por terceiro, cumpre distinguirem-se a espécie em que já se operou o registro e a espécie em que ainda não se operou o registro (= houve o negócio juridico obrigacional de aquisição e não houve acordo de transmissão, ou houve negócio jurídico de aquisição de acordo de transmissão e não houve registro). Se ainda não se fez o registro e já houve, ou não, acordo de transmissão, a ação vai contra o marido, e a mulher ou exige o preço, que foi desviado de seu património, ou o bem. Não há, aí, reivindicação. Se já se registrou a aquisição em nome do marido, há a reivindicação, sem as dúvidas que havia em torno da construção jurídica do fato correspondente à L. 30, C., de iure dotium, 5, 12: a mulher reivindica, pedindo que se proceda à retificação do registro, mas é aconselhável que inclua explicitamente (cumulação explícita), o pedido de declaração da propriedade. de qualquer patrimônio é sub-rogada pelo que se adquiriu com seu valor, e vice-versa. A inadmissibilidade da extensão de eficácia contra o terceiro, que adquiriu a propriedade, é conseqUência do princípio de não poderem ter domínio exclusivo sobre a mesma coisa duas pessoas. A discussão do direito comum quanto a não ser dirigivel contra o terceiro que sucedeu singularmente (Heinrich Dernburg, Das Pfandrecht, 1, 326), ou poder ir contra ele (Fastenrath, De rei vindicatione utili, 12; E. Schulin, Uber einige Anwendungsfâlle der Publiciana in rem actio, 174 s.) está, no direito brasileiro, superada. O óbice é objetivo: se houve, ou não, aquisição por terceiro. Se o pai, tutor ou curador adquire bem, com dinheiro ou valor pertencente ao incapaz, dá-se, ai, a subrogação real. Se, em vez de constar o nome do incapaz, consta o do titular do pátrio poder, tutela ou curatela, também se há de perguntar se alguém adquiriu a propriedade, pelo registro no registro de imóveis. Se tal não ocorreu, há ou a ação do incapaz, ou pessoa que o fora, para exigir o preço ou o bem adquirido, ou, se o titular do pátrio poder, tutela ou curatela já obteve registro em seu nome, a ação de reivindicação, que corresponde à utilis acho ad rem uindicandarn da L. 2, D., quando ex facto tutoris veZ curatoris minores agere vel conveniri possunt, 26, 9: “Se o tutor ou o curador, havendo dado em mútuo dinheiro daquele cujos negócios administra, houver estipulado ou comprado prédios em seu próprio nome, dá-se àquele de quem foi o dinheiro a ação útil, para reivindicar a coisa ou para exigir o dinheiro emprestado”. No sistema jurídico brasileiro, a coisa que se tira limitados como na classe das reivindicações, porque o conteúdo do direito enfitêutico até certo ponto apanha o prédio mesmo. O que importa é que não se dê à reivindicatória, proposta pelo enfiteuta, maior conteúdo que à de vindicação do direito enfitêutico.
Capitulo V Ação de vindicação da enfiteuse
§ 29. Ações que competem ao enfiteuta contra o senhorio 1. Ação de vindicação. O enfiteuta tem a ação de vindicação, que recebeu nos primeiros tempos, o nome de actio vectiga lis. Vindicação da enfiteuse, mas — pelo direito e pela posse, extensos, que tem o enfiteuta — algo como vindica tio rei. Se alguém se diz possuidor e se opõe à posse do enfiteuta, ou a toma, tem esse a ação de vindicação, que tanto se pode exercer contra o senhorio como contra terceiro (Manuel Bagna Quaresma, Thesaurus quotidianarum, c. 4, nº 68 e 69; Manuel Álvares Pêgas, Resolutiones Forenses, III, 33ª; João Rodrigues Cordeiro, Dubitationes iuris, d. 38, nº 4). Pode parecer que haja contradição em se repelir a concepção da enfiteuse como “segundo domínio” ou
“dominio útil”, e admitir-se a reivindicação do prédio enfitêutico. No direito romano, havia a ação de que fala a L. 66 pr., D., de evictionibus et duplae stipulatione, 32, 2 — a actio quae de fundo uectigali proposita est — sobrevivente à fusão dos dois institutos, o de direito público e o de direito privado, crendo Otto Karlowa (Rãmische Rechtsgeschichte, II, 1269 s.) que não se cogitara da ação vindicativa, especial, para a enfiteuse constituída por particulares. Trata-se de questão de nome: vindico tio emphyteutici, como se fala de vindicatio seruitutis ou de uindicatio ususfructus; ou rei vindice tio. A ação vindicativa do direito enfitêutico tanto se pode colocar na classe das vindicações de direitos reais A ação do enfiteuta é bem a utilis rei petitio (L. 16, D., de servitutibus, 8, 1: “Ei, qui pignori fundum accepit, non est iniquum utilem petitionem servitutis dari, sicuti ipsius fundi utilis petitio dabitur, idem servari convenit et in eo, ad quem vectigalis fundus pertinet”): “não é iníquo”, disse Juliano, “que ao que recebeu o fundo em penhor se dê a petitio utilis de servidão, assim como se lhe dá a utilis petitio do próprio fundo. O mesmo convém que também se observe a respeito daquele a quem pertence o fundo vectigal”. A ação reivindicatória, proposta pelo enfiteuta, é ação de se pedir o direito real limitado de enfiteuse, considerado res, na adjetivação, porque o prédio mesmo é entregue. A ação reivindicatória proposta pelo senhorio, ou é para que se lhe restitua o prédio como prédio seu, embora gravado de enfiteuse, ou para que se lhe restitua como alodial, se o senhorio não admite a enfiteuticação. Se quem é enfiteuta move ação de reivindicação, porque entende que é dono, e não enfiteuta, a sua ação nada tem com a antiga actio vectigalis. 2. Imissão na posse. Antes de o enfiteuta obter o registro, ou antes de o outorgante-comprador obtê-lo, não há direito real limitado, ou não lhe foi transferido, respectivamente. A ação épessoal. Pode o outorgado providenciar para o registro e pedir, depois, imissão na posse.
3. Ação Publiciana. Também cabe, na proteção ao enfiteuta, a ação Publiciana (L. 12, § 2, D., de Publiciana in rern actione, 6, 2: “In vectigalibus et in aliis praediis, quae usucapi non possunt, Publiciana competit, si forte bona fide mihi tradita est”): “Em prédios vectigais e outros que não se podem usucapir”, disse Paulo, “compete a Publiciana, se porventura me foram entregues de boa-fé”. 4. Ações de evicção e de redibição. O enfiteuta tem ação de evicção contra o senhorio. Réu em ação sobre o direito enfitêutico, tem de litisdenunciar o senhorio. O contrato bilateral que está à base da constituição da enfiteuse pode dar ensejo às ações por vícios redibitórios (a ação redibitória e a quanti minoris). 5. Ação confessória. A estrutura da ação confessória merece a máxima atenção. O dono do prédio pode defender-se com a actio negatoria contra quem afirme ter direito real limitado em bem de seu domínio. Nada impediria que exercesse a reivindicação se o possuidor se afirmasse dono; mas a ação de reivindicação seria excessiva e inadequada se o possuidor não se diz dono, mas apenas titular de servidão, usufruto, uso ou habitação, ou, até, enfiteuse. O titular de qualquer desses direitos tem a ação confessória, a actio confessoria, contra o proprietário da coisa ou o enfiteuta. É posterior à vindicatio servitutis, à vindicatio usufructus e assim por diante, que somente no direito justinianeu se chamou actio confessoria (L. 23, §§ 10 e 11, D., ad legem Aquiliam, 9, 2).
§ 30. Ações do senhorio contra o enfiteuta 1. Pretensão e ações do senhorio. Contra o enfiteuta tem o senhorio as ações de cobrança de foro, do laudêmio ou das indenizações, e tais ações, no que tocam a foro ou laudêmio, ou são a) a condenatória; 14 a executiva de cognição inicial incompleta, pois que o titulo é extrajudicial; c) a ação de comisso, que é constitutiva negativa e apenas tem por fito a extinção da enfiteuse; d) a ação desconstitutiva-executiva por incursão em comisso, em que se somam a ação de comisso e a de vindicação, dando-nos a figura de ação desconstitutiva-executiva, com carga de eficácia imediata de executividade. Se o senhorio somente propôs a ação de comisso, de que se fala em c,l, há, com a sentença, desconstituição da relação jurídica de enfiteuse, condenatoriedade e declaratividade. A ação que tem de ser proposta, depois, é a ação de reivindicação. Para que a ação d) tenha eficácia de coisa julgada material não é preciso que ao pedido se junte o de declaração.
Em sua pureza de confessoriedade, a actio confessoria não teria a cláusula de restituição. Otto Lenel (Das Edictum perpetuum, 3º ed.,190 s.) chegou a pensar nisso; mas, em verdade, a confessória podia conter e provavelmente continha tal cláusula, se havia falta de posse ou ofensa à posse. Em todo caso, convém atender-se a que a restituição se pode dar ainda que o enfiteuta tenha posse, porque o senhorio lhe negue a posse de enfiteuta. O enfiteuta tem a ação confessória para que se lhe julguem as servidões ativas do prédio enfitêutico, e a ação negatória para que não se admitam servidões passivas contra direito. Bem assim quanto ao usufruto, ao uso, à renda imobiliária e à habitação. A ação de vindicação é a que tem de ser proposta depois da sentença na ação c), porque falta a carga mediata de executividade, e “emphyteuta, qui incidit in commissum, ab eo tempore vitiose videtur possidere respectu domini directi, et ideo iuste dominus potest ingredi fundum ratione suae civilis, et licite turbare emphyteutam in ea naturali iniusta” (Pedro Barbosa, Commentarii ad Interpretationem Tituli Pandectarum de Iudiciis, 408). No direito anterior, não se exigia, para a ação de cobrança de foros e laudêmios, a plena cognitio, o que se vê em Manuel Gonçalves da Silva (Commentaria, II, 204: “Limitatur tandem, ut non procedat, si agatur actione personali ex contractu emphyteutico pro pensionibus, et iuribus dominialibus; tunc enim probatur dominium per solam investituram, et non potest emphyteuta domino referre quaestionem dominii”), que se apoiava em Alvaro Valasco (Quaestionum luris emphyteutici, 9, nº 15) e em Pedro Barbosa. Hoje, não podemos manter tal proposição, porque a alegação e a prova do direito real limitado têm de ser feitas, quer na ação condenatória típica, quer na ação executiva do título extrajudicial, cuja cognição não-plena se completa, tanto mais quanto o registro é essencial. Quanto a terceiro, é preciso que exista o direito real limitado, o que só se prova com a certidão do registro: a escritura pública, por si só, não basta (Gabriel Pereira de Castro, Decisiones, 122), ainda que antiga a investidura. Perderam interesse as questões sobre ter eficácia de coisa julgada material, ou não, a decisão em que se atendeu ao reconhecimento da dívida de foro pelo réu; o reconhecimento poderia ser da dívida, não da relação juridica real. O senhorio pode vindicar a enfiteuse outrem que o enfiteuta se diz enfiteuta (L. 1, § 1, D., si ager vectigalis, id est ernphyteuticarius, petatur, 6, 3:”... tamen placuit competere eis in rem actionem adversus quemvis possessorem. .“). A ação vai contra o possuidor, que se diz e não é titular do domínio, ou contra quem se diz titular do direito real, provindo ele domínio de outrem. Se o que se diz enfiteuta não nega o direito de domínio de quem se trata e a sua afirmação poderia coexistir com a do dono, a ação a propor-se é a negatória, ainda que possuidor (cf. L. 5, § 6, D, si usus fructtis petetur vel ad altum pertinere negetur, 7, 6). No sistema jurídico brasileiro, assim é, porque a enfiteuse inclui no rol dos direitos reais limitados. 2. Ação de comisso. A classificação da sentença de comisso como sentença declarativa proveio da convicção, hoje posta por terra, de não haver sentença constitutiva com eficácia ex tunc. Raciocinava-se: se a eficácia da sentença na ação de comisso éex tunc, tal sentença somente pode ser declarativa. Abstraia-se da purga da mora, mas admitia-se a remissão do comisso, e ressaltava a contradição. Verdadeiramente, a força da sentença de comisso é a força constitutiva negativa, embora tenha o juiz de fixar desde quando se iniciam os efeitos da extinção. A purgabilidade da mora, na ação de comisso, é inderrogável. Por outro lado, não há regra jurídica que corresponda à das Ordenações Filipinas, Livro IV, Titulo 3ª, onde se fazia depender da anuência do senhorio a purgação; de modo que, no direito de hoje, a purgação pode ser requerida antes da demanda de comisso, ou após a citação, até se contestar o feito. O pacto de poder purgar a mora, até ser concluso o feito, ou encerrado o debate oral, ou, no segundo grau de jurisdição, até antes do julgamento, vale; não o pacto de impurgabilidade até a contestação da lide (no direito anterior, em sentido contrário, Manuel de Almeida e Sousa, Tratado Prático e Crítico de todo o Direito Enjitêutico, 1, 463, que se deixou levar pelo que escreveu o Cardeal de Luca). A solução luso-brasileira (e, hoje, brasileira) é a melhor, por ser a mais equidosa. No direito canônico, admitia-se a purgação em brevíssimo tempo após a expiração do último ano dos a que haviam de corresponder as pensões
em débito, para se cogitar de comisso. A. C. J. Schmid (Handbuch des gegenwdrtig gelten den gemeinen deu tschen burgerlichen Rechts, 1, 57) entendia purgável a mora até a propositura da ação pelo senhorio; Ludwig Arndts (Gesammelte, civilistische SchriJten, 245), até qualquer declaração do senhorio quanto ao exercício da pretensão à decretação do comisso. A solução que as Ordenações Filipinas deram para as enfiteuses eclesiásticas é a mais técnica; e generalizou-se, vindo até hoje.
§ 31. Ações Possessórias
1. Enfiteuse e posse. O Código Civil de 1916 conservou a enfiteuse, que é um dos cânceres da economia nacional, fruto, em grande parte, de falsos títulos, que, amparados pelos governos dóceis a exigências de poderosos, conseguiram incrustar-se nos registros de imóveis. Discutiu-se o senhorio tem ou não posse imediata, o que importava em negar-se-lhe ou afirmar-se-lhe ser possuidor. Ou ele é possuidor, e, então, é possuidor imediato; ou não tem posse, como enfiteuta. Se afirma que tem posse, o enfiteuta é possuidor imediato; se lha nega, a posse do enfiteuta seria própria, como a do proprietário, que também seria. Já a respeito do direito romano havia divergência entre os juristas: uns entendiam que a posse que se protegia ao enfiteuta era a posse da coisa, e outros a viam como iuris possessio, com conteúdo de detenção da coisa, à semelhança do que se passava com o usufruto (Ludwig Arndts, Gesammelte civilistische Schriften, 277-317). Jus predii, a enfiteuse, para F. C. von Savigny (Das Recht des Besitzes, 7ª ed., 119), gerava posse, contra o que fora de esperar-se. No direito contemporâneo, a discussão mais versou sobre o direito de superfície, que não temos; mas ela se reflete na doutrina da enfiteuse, que o Código Civil de 1916 conservou. Já em outros termos se põe a questão: o enfiteuta é possuidor próprio, ou possuidor de coisa alheia? Ou, melhor: enfiteuta é possuidor imediato, por ser mediato o senhorio, ou o senhorio não tem posse? Às expressões “temporariamente e mal Zeít (Código Civil alemão, § 868), alguns atribuíram que tem posse própria quem exerce o poder fático perpetuamente, o que seria decisivo, no direito alemão, para o direito de superfície, se não há condição nem termo, e, no direito brasileiro, para a enfiteuse, que é perpétua (assim, Otto Wendt, Der mittelbare Besitz, Archiu fúr die civflistiscl-ie Praxis, 87, 61. Quanto ao direito de superfície, a doutrina alemã acabou por assentar ser o dono do prédio possuidor mediato e possuidor imediato o superfíciário quanto ao prédio, ou à parte do prédio em que tem o direito de superfície ou de construção. O não-dono do prédio, que tem a posse própria, pode usucapir; o superficiário, ou o terceiro, que não tenha a posse mediata, pode ser repelido, possessoriamente (Otto von Gierke, Die Bedeutung des Fahrnisbesitzes, 7; Th. Kípp, em B. Windscheid, Lehrbuch, 1, 796; Ferdinand Kniep, Der Besitz des BGB., 135; Martin Wolff, Lehrbuch, 27º — 32º eds., III, 25; O. Planck, Kommentar, III, 84; contra, Karl Maenner, Sachenrecht, 269). A enfiteuse é perpétua, posto que possa acabar pelo comisso, pelo falecimento do enfiteuta sem deixar herdeiros, salvo o direito dos credores, ou pelo resgate, ou, ainda, pela excepcional renúncia. De regra, o senhorio tem a posse mediata ou indireta. Um dos argumentos nesse sentido ocorreu a J. O. C. Gondim Neto (Posse Indireta, 101 s.): se já se iniciara o prazo para usucapião pelo outorgante, tem-se de levar em conta o tempo após a outorga. Outro argumento é o de não se poder negar ao senhorio a ação possessória contra o enfiteuta, que se diga proprietário, e, a fortiori, contra o terceiro, conluiado, ou não, com o enfiteuta. posse própria seria conceberem-se duas posses próprias. Podem eles perder a posse, ou receber, sem posse, o direito. 2. Ação possessória contra o senhorio. Se o senhorio, qualquer que seja a causa, toma posse que cabe ao enfiteuta, tem esse ação possessória. Ainda que apenas se trate de turbação. Ou por obras em casa própria que tenha no prédio enfitêutico. Os herdeiros do enfiteuta recebem o direito real limitado e a posse. As ações transmitem-se aos herdeiros e nascem-lhes como ao decujo nasceriam (cp. Alvará de 9 de novembro de 1754). O enfiteuta é possuidor imediato, que se pode mediatizar. O senhorio é possuidor mediato. Só o senhorio tem posse própria. A posse do enfiteuta está no plano das outras posses que correspondem aos direitos reais. Afirmar-se que o senhorio não tem posse é inadmissível; afirmar-se que o enfiteuta tem
Capítulo VI Ação de execução da hipoteca anterior ou da hipoteca do prédio adquirido
§ 32. Conceito e natureza 71. Ação de execução da primeira hipoteca ou da hipoteca do prédio adquirido. Cumpre que se não confunda com as ações de remição da hipoteca anterior, ou da hipoteca do prédio adquirido, a ação de execução da primeira hipoteca, ou da hipoteca do prédio adquirido. Ali, há ações constitutivas negativas, porque desde logo desaparece a hipoteca. Aqui, houve impugnação do preço oferecido e há a licitação. Arrematado o imóvel e depositado, de acordo com a lei, o preço, manda o juiz cancelar a hipoteca, sub-rogando-se no produto da venda os direitos do credor hipotecário. Há 5 de executividade, 4 de mandamentalidade e 3 de condenatoriedade. A ação de remição do imóvel hipotecado, conforme dissemos no Tomo 111, 687, é constitutiva: tem 3 de declaratividade, 5 de constitutividade, 1 de condenatoriedade, 4 de mandamentalidade e só 2 de executividade (Tomo III, 269-303, quanto à remição dos direitos reais de garantia em geral). Compreende-se que à execução se chame exceptio execussionis, porém, não ação de excussão à ação de execução. A ação do credor com a garantia hipotecária ou a pignoraticia é ação executiva como qualquer outra. Como se há de excutir é outro assunto. Se alguém tem interesse em que se abale, se empurre, se esprema objetivamente a execução, compreende-se que excetue por excussão. Quem vai cobrar, executivamente, o crédito com garantia hipotecária ou pignoraticia, vai executá-lo forçadamente, como faria qualquer credor com legitimação ativa à execução. Começa-se pela chamada excussão do bem sujeito à dívida garantida; depois, pode ir-se contra o resto do bem, e, outrossim, contra o que não foi o devedor principal (exceptio excussionis personalis). Cf. Davi Mévio (Decisiones super causis praecipius ad Tribunalregium Wismor debotis, P. 2, dec. 285), G. F. Hõfichen (Creditoris hvpothecarii aequale ius in bonis debitoris qeneraliter et specialiter obligatis, § 6), A. F. J. Thibaut (Ueber die unbestimmte Verbindung eines General-Pfandes mit einem Special-Pfande, und umgekehrt, Archiu ftir die civilistische Praxis, 17, 1 s.) e Gustav Simon (Uber die Selbstãndingkeit des Pfandsrechts, Archiu, 41, 32 s.).
2. Pressupostos da ação de execução do imóvel hipotecado. Para que isso aconteça, é preciso que, tendo sido citado o credor, haja a impugnação, no prazo que e tem, e o credor requeira a licitação; mas havemos de entender que na oposição está implicito o requerimento da licitação. Por isso, se o credor, citado, comparecer e impugnar o preço oferecido, o juiz mandará proceder-se a essa licitação. A Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, contém no art. 268 ius coqens. Licitação aí está em sentido próprio, tal como se usava nas ações divisórias romanas. O circulo de licitantes não compreende mais do que os credores hipotecários, os fiadores e o adquirente. A venda do imóvel faz-se, então, a quem der maior preço. Em igualdade de condições, prefere-se o adquirente, que assine ou exima do gravame aquilo que adquire. Se não há licitante, os credores têm de receber o crédito proposto pelo adquirente. Foi, assim, executada a divida, a que se referiu a hipoteca, o que fez de execução a ação, ao passo que, com o simples recebimento do que foi licitado, a execução se operou.
Capítulo VII Ação de vindicação de direito real limitado
§ 33. “Ususfructus Vindicatio”, “Usus Vindicatio”, “Habitationis Vindicatio” 1. Vindicação. A vindicação do usufruto, do uso ou da habitação está para esses direitos reais limitados como a reivindicação para o domínio. Nos nossos dias, já não se precisa do interdictum quem fundum, que era de mister
ao tempo em que regia o princípio de liberdade do demandado: a executividade está, hoje, na própria ação. A ação de vindicação era a ação protectiva romana na forma originária. A ação confessória foi pós-clássica. Hoje, a ação vindicatória do usufruto, por exemplo, tem de ser concebida à semelhança da vindicatória do domínio, já sem se necessitar do interdictum quem fundum. Nem a negatória poderia substituir a rei vindicatio, nem a confessória poderia fazer as vezes da vindicatória do usufruto. As ações confessória e negatória são compósitas. Se a ofensa foi só à posse, só a ação possessória cabe. Se houve esbulho do usufruto e não mais se pode empregar a ação possessória, ainda cabe a de vindicação. 2. “Actio Confessoria” e ações no direito anterior. A respeito do usufruto, do uso e da habitação, direitos reais, o direito contemporâneo debulhou as ações que se misturavam na actio confessoria. Manteve-se a ação compacta, mas as ações-elementos puderam ser tratadas separadamente, revelando-se-lhes a independência. a) Há a ação declara tória positiva, com que se pede a afirmação da existência da relação jurídica de usufruto, de uso ou de habitação, espécie da ação declaratória típice. O interesse é o de se declarar que existe a relação jurídica, real, de usufruto, de uso, ou de habitação. À pessoa contra cujo prédio alguém diz ter usufruto, uso ou habitação, toca a ação declaratória negativa. b) Há a ação de condenação pela ofensa ao direito de usufruto, de uso, ou de habitação, em que a matéria de a) é questão prejudicial. c) Há a ação de indenização por perdas e danos, em que a) e b) são questões prejudiciais, ou pelo menos a). d) Há a ação cautelar, preparatória ou incidental, ou independente, para que preste caução o ofensor, ou o que ameaça ofender. e) Há a ação condenatória com preceito cominatório. Se o titular do direito de usufruto, uso ou habitação, já obteve sentença favorável na ação declaratória, de que se falou em a), não precisa propor a ação condenatória cominatória, sobrevindo os pressupostos para essa — basta requerer a expedição de mandado cominatório, que se processa nos próprios autos, por se tratar de efeito imediato, mandamental, da sentença declaratória. fl Há a ação de vindicação do usufruto, do uso, ou da habitação. g) Há a ação conjessória, que é cumulação de pedidos, com preponderância do elemento condenatório, de modo que a), b), c), d), e e) se cumulam, funcionando a) como questão prejudicial. Ação condenatóriadeclarativa, com eficácia mediata executiva, sendo c) e d) seguranças pendente a lide. 1) O réu pode opor ter sido constituído o usufruto, o uso, ou a habitação, por pessoa que não era o dono do bem, nem veio a tornar-se dono. Tratando-se de bem imóvel, adquirível pelo registro, ou de bem móvel que se adquira pela posse de boa-fé, o que é excepcional (e. g., titulos cambiários e cambiariformes), a aquisição do próprio usufruto, uso, ou habitação, rege-se pelos princípios que regem a aquisição do domínio. 2) Pode opor qualquer causa de extinção, porém não lhe é dado, em reconvenção, alegar a causa de extinção, porque a extinção depende de sentença constitutiva negativa. h) Há a ação de ofensa ao usufruto, uso, ou habitação, que é àsemelhança da ação negatória do dono do prédio usufruido, usado ou habitado (Tratado do Direito Privado, Tomo XVIII, § 2.238, )— ação que tem o usufrutuário, o usuário, ou habitador, ainda se não tem posse do bem usufruido, usado ou habitado, contra o dono desse bem, ou contra terceiro, ainda sem o elemento da culpa do réu e ainda que somente seja possuidor. i) Há as ações possessórias, que competem ao possuidor como usufrutuário, usuário ou habitador, sem se ter de entrar na apreciação do titulo, e não há, no sistema jurídico brasileiro, a exceção de usufruto, uso, ou habitação, ad instar da exceção de domínio (exceptio domin ii), ou para o efeito de verificação de melhor posse, se há dúvida. A posse do usufrutuário, do usuário e do habitador, de regra, é imediata, mas se pode imediatizar, como se o usufrutuário, o usuário, ou o habitador, aluga o bem usufruído, usado ou habitado. O possuidor do usufruto, do uso, ou da habitação, pode obrar em legitima defesa e fazer-se justiça de mão própria. A posse do usufruto, do uso, ou da habitação, além dos limites do registro, se é exigido, contém a posse nos limites do registro e o excesso. j) Há a ação de retificação do registro. O usufrutuário, o usuário e o habitador têm a ação de nunciação de obra nova. 3. Ações de alguém por frutos que lhe pertencem. Se os frutos são do usufrutuário, do usuário, ou do habitador, já separados, as ações que lhe tocam são as do proprietário do bem móvel, principalmente a ação de reivindicação. Se deles se apropriou possuidor imediato, tudo se passa conforme a posse de boa-fé e a posse de má-fé. Sempre tais ações são exercidas no interesse do usufrutuário, do usuário, ou do habitador, e não no interesse do proprietário; inclusive, por vezes, contra esse. As exceções que o possuidor imediato teria contra o proprietário também as tem contra o usufrutuário. Não tem o usufrutuário, o usuário, ou o habitador, de chamar a juízo, para exercer as suas pretensões, o dono do bem gravado. Se a ação contra ele pode conduzir à evicção, então, a citação do dono do bem é como
constituinte do usufruto, uso, ou habitação, e a denunciação da lide pode dar-se, de acordo com as regras jurídicas de direito processual civil. Se a ofensa é tal, que tanto atinja o usufrutuário, o usuário, ou o habitador, como o dono do bem usufruido, usado, ou habitado, então o litisconsórcio necessário compõe-se, e tem o titular do direito real limitado o dever de pedir a citação, e pode o juiz providenciar para a integração. Tratando-se de apólices da dívida pública ou títulos semelhantes, de cotação variável, só se podem alienar mediante acordo entre dono e usufrutuário, ou usuário, de jeito que, nas ações sobre a propriedade deles, são litisconsortes necessários o dono e o titular do direito real limitado. O usufrutuário, o usuário, ou o habitador, pode defender-se contra credores que forem contra o bem, se os credores o são do dono, ou do enfiteuta, para objetar que existe direito real limitado, incólume, portanto, a execuções contra o uso e o fruto, ou contra o uso, ou contra a habitação. Se os credores o são do usufrutuário, para objetar que o usufruto é intransmissível, portanto inexecutável, posto que sejam penhoráveis os frutos. Se os credores o são do usuário ou do habitador, para objetar que de modo nenhum se pode penhorar o uso, ou a habitação. 4. Legitimação passiva. O que importa é que haja negação do ius in re, porque, se a ofensa foi só à posse, só ação possessória é de propor-se; mas, se houve esbulho da posse e aquela negação, ainda que não mais se possa demandar possessoriamente, cabe a vindicação do usufruto, do uso, ou da habitação. Pode ser demandado quem quer que haja tirado a posse, e não só o dono do bem usufruido, usado, ou habitado.
§ 34º. Domínio e direitos reais limitados 1. Impropriedades conceptuais do passado. Teve-se de evitar a concepção de que os direitos reais limitados eram partes do domínio. Nem tudo que se retira de uma res se há de considerar res. Reivindicação é vindicação do domínio, da res. 2. Independência dos direitos reais limitados. Os direitos reais cortam algo da res, mas nem tudo que se corta se torna parte. 3. Direito pessoal e direito real. O direito pessoal é direito a ato, ou conduta, de outrem: dirige-se contra o devedor. De modo que a conduta desse dá o conteúdo do direito. O direito real tem como conteúdo a coisa, de modo que a prestação da parte contrária (e. g., de quem tem de restituir a coisa) apenas é consequência do direito. No direito pessoal, há relação entre duas pessoas ou mais. No direito real, entre uma ou mais pessoas e todos, podendo dar-se que a infração por um ou alguns o torne ou os torne obrigados. No condomínio e nas outras categorias de compropriedade, coexistem os direitos pessoais da comunhão e o direito real de cada comuneiro. Idem, na sociedade que tem bens. Mas, naquelas, a relação de direito real é o prius, e os direitos pessoais, posterius; nessa, a relação de direito pessoal é que é prius, e os direitos reais, posterius. Quando a obrigação do devedor sai do âmbito patrimonial, a estrutura político-jurídica da nossa civilização a concebe como de direito de família ou de direito público; ou, se ainda admitia escravidão, o obrigado deixava de ser devedor (pessoa obrigada) para ser coisa, objeto de relação de direito real. O texto de Paulo (L. 3, pr., D., de obligationibus et actionibus, 44, 7) diz muito: “Obligationum substantia non in eo consistit, ut aliquod corpus nostrum aut servitutem nostram faciat, sed ut alium nobis obstringat ad dandum aliquid vel faciendum vel praestandum”. Os direitos que têm por objeto bem corpóreo, ou incorpóreo, que seja “coisa”, são direitos reais; daí dizerem-se direitos sobre coisa. Há senhorio sobre a coisa, ilimitada ou limitada-mente. O domínio vem em primeiro lugar: é o direito real que não desaparece com a restrição feita pelos direitos reais limitados, porque esses são feitos com alguns (não todos) dos seus elementos. A relação jurídica a que correspondem os direitos reais limitados é entre o titular do direito e todos: o sujeito passivo do direito é total. Na servidão, o dono, agora, do prédio serviente apenas é sujeito passivo, agora, da relação juridica de direito real limitado. Através do tempo, os sujeitos passivos da mudam, como podem
mudar, se o direito é transmissível, o sujeito ativo. Mas, em verdade, o sujeito passivo é total. Se é terceiro que dá a coisa em garantia (penhor, caução de títulos, hipoteca, anticrese), não é devedor, no plano do direito das obrigações, mas é devedor, no plano do direito das coisas. Os que, extremando divida e responsabilidade, entendem que o dono da coisa dada em garantia não assumiu dever, empregam o termo “dever” em sentido demasiado restrito, ou apagam, por penhor à novidade, a relação jurídica de direito material, para somente verem — o que é erro agravado — o que se vai passar no plano do direito processual (e. g., A. Menzel, Das Anfechtungsrecht der Clã ubiger, 26 5.; Francesco Carnelutti, Diritto e Processo, 299 5.; G. G. Auletta, Reuocatoria Civile e Fallimentare, 99 s.). Sujeitar bens à execução é assumir, no plano do direito das coisas, dever, se bem que não no plano do direito das obrigações, salvo fato jurídico superveniente que o crie. Tal relação jurídica, de direito material, é ineliminável. A existência de direitos reais limitados que nova lei crie não infírma o princípio do “numerum clausus” dos direitos reais limitados. O princípio apenas diz que é preciso que se crie algum direito real, para que a lista cresça. Os autores e julgados que, da existência de outros direitos reais limitados, pretendem concluir que o princípio do numerus clausus desapareceu, incidem em grave confusão. O número é fechado, clauso, porque não se podem criar, sem lei, outros direitos reais. Os direitos reais que resultam de direitos reais, ou que são, em verdade, pretensões ou ações, ou exceções, como o direito de preferência, o de retenção e os de vizinhança, acessórios, não abrem exceção ao princípio.
§ 35. Diferença de conteúdo 1. Domínio. O domínio é o direito mais extenso, de jeito que, tirando-se-lhe elementos para a constituição de quaisquer direitos reais limitados, algo fica. O conteúdo de qualquer desses direitos reais limitados cabe no conteúdo do domínio; o conteúdo do domínio somente em parte cabe no conteúdo dos direitos reais limitados. Todos os direitos reais limitados têm limites de conteúdo, interiores ao conteúdo do direito de domínio; por isso, são limitados. Limitados e de conteúdo contido no conteúdo do domínio; sem que se possa dar exaustão, aos direitos reais limitados restringem, por dentro, o domínio. A convicção romana de que tais direitos haviam de ter como titular quem não fosse dono da coisa foi superada. O direito real limitado é direito in re, porém não necessariamente in re aliena. Não é proprietário, o dono nesse momento, que há de tolerar o direito real; é qualquer dono, ou não, a qualquer ocasião. 2. Bens móveis e bens imóveis. Os direitos reais limitados sobre bens imóveis reputam-se bens imóveis. Os direitos reais limitados sobre bens móveis consideram-se móveis, para efeitos legais. 3. Bens corpóreos e bens incorpóreos. Os direitos reais limitados sobre bens corpóreos não são bens corpóreos; são, como os direitos reais limitados sobre bens incorpóreos, bens incorpóreos: o objeto deles são direitos, elementos da aproveitabilidade dos bens corpóreos. Os direitos reais limitados, se o bem, que éobjeto deles, é corpóreo, são direitos sobre bem corpóreo; porém o direito mesmo não é corpóreo. A corporeidade, aí, concerne ao objeto, e não ao direito. Não é parte do domínio o usufruto, o uso, ou a habitação (e. g., Kaser, Geteiltes Eigentum im alteren rõmischen Recht, FestschriJt Júr Paul Koschaker, 1, 458, s.), nem o usufruto se époder só sobre os frutos pendentes (e. g., 5. Riccobono, Lezioni di Istituzioni di Diritto Romano, 377), o que explicaria o salva rerum substan tia. Também Pampaloni procurou, citando Paulo, L. 4, D., de usu Jructu et quemadmodum quis utatur fruatur, 7, 1 (“in multis casibus pars dominii est”) e outros textos, mostrar que o usufruto, na época clássica, era parte da propriedade. O fato de existir a vindicatio ususfructus nada prova a favor da tese da pars domínii: vindicava-se o usufruto, não a res. Cf. Roberto de Ruggiero (Usufrutto e Diritti Aflini, 56 s.) e Pietro Bonfante (Corso di Diritto Romano, III, 54 s.). 4. Comunhão. A comunhão de usufruto pode ocorrer como as outras, se o direito real foi constituído a favor de
duas ou mais pessoas, físicas ou jurídicas, sem se proceder à divisão do bem, ou do patrimônio objeto do usufruto. E o co-usufruto. Também se estabelece se a constituição foi a uma só pessoa, física ou jurídica, sobre parte indivisa de bem, ou de patrimônio, e posteriormente o constituinte outorga usufruto da outra parte a outra pessoa. Se entre os que usam e fruem o bem, ou o patrimônio, há pessoa ou pessoas que não são usufrutuários (o dono, ou o enfiteuta), não há co-usufruto, ou comunhão de usufruto: há comunhão de uso e de fruição entre dono (ou enfiteuta) e usufrutuário. Tampouco há co-usufruto se alguém tem o uso ou a habitação e outrem o usufruto. O co-usufruto trata-se como a comunhão de propriedade ou condomínio. Se o bem ou patrimônio está em comunhão pro diviso, ou o usufruto é sobre cada parte divisa, ou sobre o todo, o que retira ao usufruto a multiplicidade, ainda que se dê comunhão pro indiviso do usufruto, a despeito da comunhão pro diulso do domínio. Tem A o domínio dos doze apartamentos, mas constituiu usufruto do todo a B ou a B e C. No co-usufruto, cada titular é usufrutuário de quota indivisa e o exercício é cessível, como o seria o do usufruto sobre o todo. Todavia, nenhum co-usufrutuário pode, sem prévio assentimento dos outros, dar posse, uso ou fruição de propriedade a estranhos. Qualquer deles pode usar livremente da coisa ou do patrimônio, conforme seu destino, e sobre a coisa, ou o patrimônio, exercer os direitos compatíveis com a indivisão e propor a vindica tio ususfructus. Se um dos usufrutuários falece, deduz-se o que for do outro ou dos outros usufrutuários. Cada usufrutuário tem de concorrer para as despesas de conservação ou de divisão do bem e suportar os ônus a que esteja sujeito o bem, na proporção da sua parte indivisa. Se algum deles não se conforma com as despesas de conservação e com os ônus, divide-se o bem, respondendo pelas despesas de divisão o quinhão de cada um. As dividas contraídas em proveito da comunhão por um obrigam o contraente, e tem esse ação regressiva contra outros.
§ 36. “Servitutis Vindicatio” 1. Vindicação da servidão. No sistema juridico romano, a forma originária deve ter sido a uindicatio servitutis (L. 1 e L. 2, § 1, D., si servitus vindicetur vel ad alium pertinere negetur, 8, 5), e não a confessória (L. 2, pr.). O nome actio confessoria épós-clássico e a generalização não pesa a favor dos juristas pós-clássicos, se bem que ainda não justinianeus. A vindicação da servidão tem de ser concebida, hoje, como ação, que é, para o direito real limitado, que é a servidão, como é, para o domínio, a ação de reivindicação. A vindicatória de domínio, a rei vindicatio, quando havia o princípio de liberdade do demandado, precisava do interdictum quem fundum. Davase o mesmo com a vindicatio servitutis (cf. Fragmenta Vaticana, 92, s.). Nos nossos dias, aquele princípio não mais existe, razão porque a executividade está na própria ação. A ação negatória não substituiria a de reivindicação, salvo dilatando-se-lhe o conceito. Também a ação confessória não substituiria a vindicação da servidão sem semelhante dilatação. Quem exerce a ação negatória não reivindica; nem vindica quem exerce a confessória: quem exerce a confessória pede que se faça alguém proceder como se afirmada estivesse pelo ofensor, em vez de negada, a servidão. A confessória em que se alega que se tomou a servidão, a posse toda da servidão, é vindicatória, porque corresponde, no plano do petitório, à ação possessória de esbulho. A ação confessória, como a ação negatória, é compósita. Não se poderia estudar em sua natureza sem lhe apararmos todos os elementos (ações acessórias) que se foram adicionando e acabaram por se fundirem sob o mesmo nome e conceito. Não é de espantar que K. J. Seitz (Zur Kritik der heutigen Negatorien — und Confessorienklagen, 13 s.), tão interessado em sustentar a tese da inversão da fórmula, para elas, haja pensado em não serem ações, mas meios jurídicos. Queria, talvez, mostrar o conglomerado que se tornou. O que importa é que haja negação do ius in re. Se a ofensa foi só à posse, só a ação possessória cabe (Chr. A. Hesse, Die Rechtsverhàltnisse zwischen Grundstúcknachbarn, 332 s.). Se há esbulho da posse, ainda que não possa mais ser empregada a ação possessória, cabe a servitutis vindica tio, preforma da ação confessória.
2. Legitimação passiva. Na vindicação de servidão, pode ser demandado quem quer que haja tirado a posse, e não só o dono ou possuidor do prédio serviente, como se daria na confessória (ainda confundia as duas ações, razão por que admitia a ação confessória contra quem não era possuidor próprio ou impróprio, ou servidor da
posse no prédio serviente, MeIo Freire, Institutiones, IV, 69).
Capítulo VIII Ação de imissão na posse
§ 37. Conceito e origens 1. Conceito da ação de imissão na posse. A ação possessória, em contraposição às petitórias, nasce da posse, e de modo nenhum tem por fito assegurar o direito à coisa. Nada tem com esse direito. Apenas se pode dizer que a tutela possessória repele o não-direito “formal’ (Rudolph Sohm, Institutionen, 16~ ed., 431) do réu. Os interdicta adipiscendae possession is, que supõem ainda não se ter a posse e têm por fito obtê-la, são de natureza petitória — fazem valer direito à posse, seja o direito de propriedade (interdictum quem fundum), seja o direito de penhor (interdictum Salvianum), seja o de herança (interdictum quorum bonorum, interdictum quod legatorum). A discussão entre os que lhes vêem possessoriedade, ou não, parte de premissas falsas. O interdito Salviano, por exemplo, assegurava a posse contra o colonus, porém não firmado na posse: a posse era fim, e não causa. Não se tratava de proteger o direito real de penhor, e, sim, o direito a que hoje chamamos de “penhora”. Porém, não sendo o fato da posse a causa de pedir (de interdizer, melhor diremos), seria errado falar-se de ação possessória. (Sobre a evolução posterior da actio in rem Salviana, cf. Otto Lenel, Das Edictum perpetuum, 2º ed., 470 s., e M. Fehr, Beitrâge, 136.) O bonorum possessor, que não tinha as ações herdadas do defunto, nem a petição de herança, à medida que se assemelhou ao herdeiro, teve meios processuais que o protegessem. O mais velho foi o interdito quorum bonorum, para obter a posse das coisas herdadas. Assim, entre outras vantagens, adquiria a de ser réu, na ação de petição de herança, e a de usucapir pro herede. O interdito atacava, pois, a posse de outrem. Nada tinha de possessório. Antipossessório seria ele, em vez de possessório. Tipicamente petitório. Posteriormente, Adriano estabeleceu a missio in possessionem scripti heredis, para assegurar o pagamento do imposto; e o remédio jurídico permaneceu, depois de extinto por Justiniano o tributo. Também essa missio era petitória. Porque o interdito quorum bonorum não podia ser exercido contra pretensos legatários, criou-se o interdito quod lega torum (cf. Otto Lenel, Das Edictum perpetuum, 2º ed., 436). As missiones in possessionem, as missões ou imissões de posse, nunca foram ações possessórias, porque não eram efeito da posse as pretensões a que serviam, não se baseavam na posse. Com a adoção da saisina (Alvará de 9 de novembro de 1754; Assento de 16 de fevereiro de 1786; Código Civil de 1916, art. 1.572; nosso A Saisina no Direito Brasileiro, 25 s.), ficou sem razão de aplicação o interdito adipiscendae possessionis a favor dos herdeiros. Manuel de Almeida e Sousa (Tratado dos Interditos, 43-45) queria ainda no seu tempo, sem discuti-lo, que se usasse o interdito quod Iegatorum; mas em verdade, ou o legatário recebeu do testador, por disposição especial, a posse, e então as ações são as possessórias, ou não a recebeu, e a ação, que tem, é a de pedir o legado (domínio e posse). Sobre isso, nossos Tratado dos Testamçntos, III, 469-471, e Tratado de Direito Privado, XV, § 1.758, 2; LVI, § 5.648, LX, § 5.960, 4. Quanto ao fideicomissário, só recebe ele a posse no momento da entrega dos bens; e a posse, que ele recebe, é a que, pela saisina, recebera, o fiduciário. Esse pede o bem, não a posse. A ação de imissão, a missio in possessionem, é ação executiva. Não há simples Veto, que parasse, por assim dizer-se, no mandamento; há mais: há o Imito! O juiz manda que se execute a sentença mesma, porque só a execução a exaure. Não a exauriria o simples mandamento, como se passa na sentença de manutenção e na sentença proferida do interdito proibitório, ou no mandado de segurança. As ações de missão de posse são, todas, ações executivas; e executivas são as sentenças que, em tais ações, acolhem o pedido. Quem tem, ou aquele a quem tomaram a posse, não pede imissão. 2. Origens. A afirmação de que a ação de imissão na posse não existia, em nosso direito, era leviana. Acabara a
aplicabilidade da missio in possessionem pedida pelos herdeiros; não a rnissio in possessioneni em geral (cp. Ordenações Pilipinas, Livro IV, Título 58, §§ 3 e 4). Sempre que havia direito à posse, pedia-se posse. Juristas e juizes pecam, muitas vezes, por emitir enunciados a posteriori, como se fossem principio a priori. Que é que se pedia quando cessava a posse direta de outrem? Daí a atitude que tomamos, em 1918 (nota à Doutrina das Ações, de 3. H. Correia Teles, 198), contra Teixeira de Preitas — que riscara do rol das ações as de imissão na posse —Antônio Joaquim Ribas (Da Posse, 243), Edmundo Lins (RF 15/270) todos os que, nos livros ou nos tribunais, repetiram, sem investigações, sem argumentos, a eliminatória simplista (e. g., Tribunal de Justiça de São Paulo, 22 de maio de 1925, RT 55/109). Já alguns Códigos de Processo Civil estaduais (Distrito Federal, art. 543; Maranhão, art. 415; Bahia, art. 414; Minas Gerais, art. 691; Pernambuco, art. 571) haviam, antes do Código de 1939, arts. 381-383, emendado a mão. O Código de 1939 veio confirmar que tínhamos razão. Andou errada, porém, a lei unitária, o Código de 1939, em incluir, no Titulo XIII, relativo às ações possessórias, as ações de imissão na posse, que não são, nem nunca foram, possessórias. O Código de 1973 atendeu à nossa crítica. Em nenhum dos textos em que há referência à imissão na posse (e. g., arts. 625, 738 — III, 879 — 1, 998) se cogita da ação de imissão, mas a ação de imissão é ação de direito material e pode ser proposta sempre que haja direito à entrega da posse. Os casos principais de pretensão a obter a posse são: a) a do adquirente do bem, se o alienante ainda não lha entregou (a doutrina tem assente, por exemplo, que o comprador, antes da transferência, não é possuidor do bem); b) a do administrador nomeado para haver dos antecessores a posse das coisas administradas (o dono do negócio não precisaria disso, tem posse); c) a do mandatário, para haver do mandatário anterior o objeto do mandato; d) a do credor pignoratício, por substituição de outro, contra esse outro; e) a do comitente contra o comissário de compras; f) a do vendedor, para haver a posse da coisa, depois de sentença na ação de redibição. 3. Missão na posse e imissão na posse. Os praxistas costumavam empregar missão na posse e imissão na posse. Aquela expressão é mais correta e mais rente ao latim. Dela também usou 3. J. C. Pereira e Sousa (Primeiras Linhas, 1, 9, nota 29).
§ 38. legitimações ativa e passiva 1. Legitimação ativa. São legitimados ativos à ação de imissão na posse: os adquirentes de bens, para haverem a respectiva posse, contra os alienantes ou terceiros, que os detenham; os presentantes e os representantes das pessoas jurídicas de direito privado, para haverem dos seus antecessores a entrega dos bens pertencentes à pessoa jurídica; os mandatários, para receberem dos antecessores a posse dos bens do mandante, contra o ex-inventariante. 2. Comparação com os interditos possessórios. O que distingue as ações de imissão na posse das ações possessórias é que, nas ações possessórias, prova-se a posse e a turbação ou a violência, ou a posse e a ameaça, ao passo que, nas de imissão, não se tem a posse, e, pois, não se há de provar que se tem, nem se tem de alegar (ônus de afirmar), nem, ainda, de provar (ornas probandi) que houve violência, turbação, ou ameaça. A base estão o direito e a pretensão a ter a posse da coisa. Por isso mesmo, é da máxima relevância advertir-se em que, tendo havido tradição, simples, brevi manta, longa manta, ou por efeito de constituto possessório, ou outro ato de transmissão (o “acordo em transferir a posse a B” = acordo de transferência da posse), não há pensar-se em ação de imissão na posse. Ter-se-ia de propor, em caso de ofensa, ou ameaça, ação de esbulho, de manutenção, ou o interdito proibitório. Não se há de pedir imissão no que já se tem, ou já se tinha. A ação de imissão na posse, no direito processual civil de 1939, corria durante as férias (1º Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 17 de junho de 1952, RT 203/314; 1º Grupo de Câmaras Civis, 4 de novembro de 1952, 207/151). Sob o Código de 1973, não. Apenas atos processuais urgentes, prejudicáveis pelo adiamento, é que se podem nelas praticar; e. g., a efetivação da medida liminar, elemento contenutistico da decisão de
antecipação da tutela jurisdicional executiva, suposto o dado da urgência (Código de 1973, arts. 173, II, e 273, 1). A imissão na posse é um dos “atos análogos” aos de que fala o art. 173, II, do Código de 1973.
3. Conteúdo da ação. Tendo-se, no Código de 1939, apontado três espécies de ações de imissão, suscitou-se a questão de se saber se a) só existiriam essas três espécies, ou b) seriam apenas essas, dentre as existentes, as a que se conferiu o rito da ação de imissão na posse, ou c) se qualquer pretensão à imissão na posse justificaria que se usasse o remédio jurídico processual. A resposta a) implicaria interpretar-se como lei de direito material, o que seria absurdo: as pretensões à imissão na posse nascem, transformam-se e acabam no direito que as gerou, e de ordinário pertencem a ramo não-processual do direito. Existem muitas pretensões à posse fora dos casos de que acima falamos. E às pretensões correspondem ações. Qual a forma de processo que lhes dá de competir, é outra questão: se não na têm especial, têm a do rito comum. As duas restantes soluções mereciam maior exame, porque eram, precisamente, questões de interpretação da lei processual, e se ligavam ao seguinte problema técnico: Quando a regra processual sobre forma enumera as ações que têm certo rito ~exclui sempre as outras, da mesma denominação e natureza, que não foram enumeradas? A resposta é negativa: se o dístico do capítulo ou titulo, ou o conceito central da regra, concerne à forma, havemos de considerar taxativa a regra jurídica; se alude à pretensão, de modo nenhum. Não se pode meter na classe das ações executivas de títulos extrajudiciais pretensão executiva que lá não está, porque a lei limita àqueles casos o uso da forma executiva (ação executiva stricto sensta), ao passo que compete a “ação” de imissão na posse àquelas pessoas que têm a pretensão de direito material. Teixeira de Freitas, com o peso todo do seu gênio jurídico, que avulta, ímpar, no século XIX americano, resolveu, na sua edição da Doutrina das Ações de J. H. Correia Teles (138), suprimi-las do livro, e declarou que as suprimiria ainda por outro motivo que o de não serem possessórias. A nossa discordância foi apenas gota de água. Os Códigos estaduais, com o contacto da realidade, vieram descobrindo as espécies, primeiro as dos incisos 1 e II, depois a do inciso III (Minas Gerais, art. 691, 3ª). A afirmativa de Antônio Joaquim Ribas (Da Posse, 255), “a missio possessionis dos romanos entre nós não existe” (invocando a Ordenação do Livro III, Titulo 15, pr.), passou a sofrer outras brechas, no plano processual. No plano do direito material era falsa: sempre houve pretensões à imissão na posse. Se A transferiu a 8, não a propriedade e a posse, mas só a posse, e 8 pede que se lhe dê a posse, não é de interdito de reintegração que se trata, pois independe do ilícito do ato alheio. As duas pretensões, a de reintegração e a de imissão, de modo nenhum se confundem. O que é preciso notar-se é que as imissões na posse não compreendem as condictiones possession is. A solução c) impõe-se; e aos juizes há de recomendar-se o cuidado de revelar, na múltipla legislação de agora, as pretensões e as ações de imissão na posse, para lhes dar o devido tratamento. Cabia o rito do Código de 1939, art. 382, sempre que houvesse direito ou pretensão a obter posse. Sob o Código de 1973, nenhuma referência há às ações de imissão na posse, que seguem o procedimento comum (Código de 1973, art. 271). 4. Natureza da ação. A ação de imissão na posse, quaisquer que sejam os casos de imissão na posse, é executiva lato sensu. Se a ação não foi contestada, a pretensão é julgada e o juiz ordena a expedição do mandado de imissão na posse. Tal resolução judicial é sentença. Se contra o executado, senso latu, a matéria da objeção era parcial, ainda mais restrita do que noutras ações executivas de cognição incompleta (Código de 1939, art. 383, parágrafo único). Hoje, passa-se diversamente. Há plenitude máxima de defesa, cabendo v. g. na contestação a dicção da matéria preliminar do art. 301, 1 a XI, e, no mérito, de todas as razões de fato e de direito que consubstanciem objeção e exceção de direito material à pretensão executiva deduzida em juízo. De modo que, não havendo contestação, a cognição é completa. Não há preclusão da pretensão processual a afirmar o contrário. Não se pense, absolutamente, em ficta confessio. Assim, se não era elemento para exceção, nem para defesa contra ação de imissão, o estar abandonado o bem por algum dos legitimados passivos (5ª Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 10 de maio de 1940, AJ 56/350), no direito atual é-o. Se o réu não contesta, mas o juiz não se satisfaz com a prova, “pode” deixar de ordenar se expeça o mandado: o rito é comum. 5.Adquirentes de bens, sem posse. Os adquirentes dos bens, apresentando, e. g., o título do domínio — excluídos
os sucessores em virtude da saisina, porque fora reviver-se o interdito adipiscendae possession is, supérfluo em tais casos (sem qualquer razão,A.L. da Câmara Leal, Comentários, V, 105), mas incluídos aqueles a quem se fez a entrega do legado sem se transmitir a posse — podem pedir a imissão na posse: a) se a posse não lhes passou com a aquisição, tal como ocorre ao arrematante estranho à execução (2ª Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 15 de julho de 1941, RT 133/119; 3ª Câmara, 11 de março de 1942, 140/121); aliter, a ação teria de ser alguma das ações possessórias; b) se não está em mora de receber a posse; c) se o réu não tem outro direito à posse (locação, mandato, depósito etc.) que se oponha ao petitório da posse (se pede a imissão para exercicio de direitos de proprietário baseado na relação de locação, e. g., a posse imediata do locatário não é obstáculo). Pode ser útil ao autor pedir somente a posse mediata, se essa está separada da propriedade (oliter, a ação é uma das ações possessórias). Para que o pedido abranja a posse mediata e a imediata, é preciso que o possuidor direto (imediato) já não tenha direito a essa. Adquirentes não são apenas os adquirentes do domínio. Mas, sim, quaisquer adquirentes de direito a que haja de corresponder posse; e. g., o enfiteuta, o usufrutuário, o usuário, o locatário, o sublocatário. Em alguns acórdãos, disse-se que o título de domínio é elemento indispensável à prova da ação de imissão na posse (e. g., Câmara Civel do Tribunal de Justiça do Ceará, 15 de março de 1951, RF 145/356; Câmaras Civis Reunidas do Tribunal de Justiça de São Paulo, 12 de novembro de 1951, 139/295). Mas, ainda com fundamento em texto de direito processual anterior, a ação de imissão toca a quaisquer adquirentes que tenham direito à posse; e. g., o adquirente da enfiteuse, do usufruto, ou do uso, ou da habitação, ou da servidão (Tratado de Direito Privado, XVIII, § 2.250, 1). O adquirente que tem a ação de imissão na posse não é só o adquirente do domínio, ou de direito real que contenha o direito à posse. Também há adquirentes de direito pessoal com direito à posse. Desde que a posse não seja prometida, mas já se haja atribuído ao adquirente do direito pessoal o direito à posse, nasce ao outorgado o direito à posse. Os contratos reais não o podem atribuir, porque a transmissão da posse é elemento essencial deles. Nos contratos consensuais, o pacto de outorga do direito à posse dá a ação de imissão. As Ordenações Filipinas, Livro IV, Titulo 58, § 3, abrangiam todas as espécies, e não só as dos acordos de transmissão do domínio e posse (verbis “ou por título semelhante”). Aqui, há um ponto que merece a máxima atenção. O outorgado, nos contratos consensuais, não tem pretensão à imissão na posse; nem a têm os outorgados nos contratos reais, porque já a receberam. O locatário não poderia pedir a posse da casa que alugou; nem exercer ação possessória, se não lhe entregou as chaves, ou por outro modo não lhe transferiu a posse o locador. A tutela do locatário, que receber a posse do bem locado, é a tutela possessória. A tutela do locatário, que assinou, com o locador, o contrato de locação e não recebeu a posse da casa, é somente pessoal. Não tem ele a ação de imissão na posse. Para que ele tenha ação de imissão na posse, é preciso que se diga, por exemplo, no contrato, ou pacto posterior, que “acordam locador e locatário em que na data tal o locatário se imita na posse . Se foi dito “acordam locador e locatário em que se transferira a posse’, ou a posse transferiu, ou há o direito à imissão (em principio, transferiu-se; de maneira que já tem o locatário as ações possessórias). O dono do prédio rústico ou urbano tem o penhor legal dos bens móveis que o rendeiro, ou inquilino, tem, guarnecendo o prédio. Pode efetivá-lo antes de o pedir ao juiz, se há perigo na demora (Código Civil de 1916, art. 779). É a imissão extra-judicial de posse. A imissão judicial de posse, nas espécies do art. 776, II, do Código Civil de 1916, é integrativa do penhor legal. Pode ir contra o terceiro (Manuel Gonçalves da Silva, Commentaria, IV, 446; J. E. de Retes, De Interdictis, 1, 37, em Gerard Meerman, Novus Thesaurus, VII, 505). O adquirente do domínio, da enfiteuse, do usufruto, do uso ou da habitação, que não está obrigado a respeitar o contrato de locação, tem ação de imissão na posse contra quem fora locatário (Manuel Gonçalves da Silva, Commentaria, 265 s.). Nos casos de reserva de dominio, pode o alienante pedir imissão na posse, se já lhe cabe direito à posse (Manuel Gonçalves da Silva, Commentaria, IV, 188). Bem assim, ao pré-contraente comprador, a que se conferiu o direito à posse, desde logo, ou quando paga certa prestação, ou a certo momento. O pré-contraente comprador não tem a ação de imissão na posse (Câmaras Civis Reunidas do Tribunal de Justiça de São Paulo, 12 de novembro de 1951, RF 13ª/295; RT 196/350), se não se lhe atribuiu direito à posse.
A cessão de herança, com a transferência da propriedade e da posse, ainda que se exclua algum direito, ou alguns dos bens descritos no instrumento da cessão, desde que se transcreva, é titulo hábil para a imissão na posse, que há de ser proposta contra o cedente ou o terceiro que está na situação de tenedor. Há posses de patrimônio, e a posse da herança é uma delas (sem razão, a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Bahia, a 14 de novembro de 1950, RDI 11/227). O que não dá a ação de imissão na posse é o simples acordo de transmissão da propriedade imóvel não registrado, ou a cessão da herança não registrada (Tratado de Direito Privado, Xl, § 1.244, 15). Em virtude da saisina, a posse da herança vai aos herdeiros: têm eles posse e podem invocar a proteção possessória. Não têm ação de imissão na posse, salvo se a herdaram do decujo o direito à posse (e. g., o decujo adquirira prédio, sem ter tomado posse). A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, a 20 de novembro de 1950 (DJ de 21 de agosto de 1952) e a 5ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 13 de outubro de 1950 (RT 189/66 1) entenderam que a certidão de quinhão hereditário, devidamente registrado no Registro de Imóveis, constitui prova bastante de domínio a ser amparado pela ação de imissão na posse. A postergação de princípios é evidente: nos negócios entre vivos, pode haver a transmissão da propriedade sem se ter transmitido a posse, razão bastante para que o adquirente precise da posse, a que tem direito; na sucessão hereditária não há isso, porque o herdeiro legítimo e o herdeiro testamentário têm a saisina, isto é, a eles se transmitem, ao se abrir a sucessão, o domínio e a posse da herança. Quem tem posse não precisa ser imitido nela. Se o decujo perdera a posse, a ação a propor-se éa de reintegração, e não a de imissão na posse. Se o decujo havia adquirido o domínio, e não a posse, de modo que lhe competia a ação de imissão na posse, então o herdeiro, legítimo ou testamentário, lhe sucede no domínio e na pretensão a se imitir na posse. A ação de despejo, que também é executiva lato sensu, parece-se com as ações de imissão na posse, posto que aquela suponha a falta de pagamento ou outro fundamento semelhante, e tenha como finalidade necessária a restituição da posse (o elemento de condenação vem na primeira plana, com o pedido de sentença executiva). Aliter, quanto à ação de depósito. A ação dirige-se contra o alienante ou o terceiro que tenha posse oriunda do alienante (certa a 1º Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 11 de agosto de 1941, RF 88/446). Se nenhuma derivação existe entre os tenedores atuais e o alienante, a ação não é própria. Se são possuidores imediatos, só se justifica a ação para o reconhecimento da posse mediata. Diante das regras jurídicas de direito emergencial, tem-se dito que o adquirente não tem a ação de imissão para haver a posse do prédio. Sem razão: estamos no plano do exame da situação possessória; se há locação, por força de lei geral, ou de regra jurídica emergencial, há posse mediata do locador. O adquirente tem interesse em ser imitido na posse mediata, embora continue a posse imediata do locatário. A legitimação passiva do terceiro é, pois, dependente da ligação de titulo. Se houve venda de imóvel e acordo de transmissão, é preciso que se siga tomada de posse, ou tradição breve manu, ou longa manu, ou constituto possessório, para que a posse transfira: um perde posse, outro toma posse. Se não há a brevis manus, ou a longa manus,, nem a tradição simples, nem o constituto possessório, dá-se — a despeito do acordo de transmissão — a vacua possessio (cf. Papiniano, na L. 18, D., de vi et de vi armata, 43, 16), porque o acordo permitiu ao adquirente entrar na posse (in vacuam possessionem ire). Se o possuidor, ou tenedor do bem, ou o próprio vendedor, impede que o adquirente entre na posse, o caminho que ele tem é o da ação de imissão na posse, para haver a respectiva posse, contra os alienantes ou terceiros que a detenham. Até se dar a imissão, o ato do possuidor ou tenedor, que impede a posse pelo adquirente, é contra a posse do vendedor, que tem o interdito, e não contra a posse do comprador, que, ex hypothesi, ainda não tem a posse. Mas Papiniano, que falava de vacua possessio, não via perdida a posse do vendedor antes, o que lhe obscurecia o pensamento. As passagens revelavam princípio geral, e não se haviam de interpretar como só referentes ao arrendamento (cf. Otto Wendt, Das Faustrecht, Jahrbúcher ftir die Dogmatik, 21, 232, contra Leo Schmidt, Uber das possessorische Klagrecht des juristischen Besitzers gegen seinen Reprásentanten, 1 s.).
Se o vendedor perdeu a posse, ou se não a perdeu, équestão de fato, que pode ser resolvida afirmativa ou negativamente, a despeito do acordo de transferência. Entende-se que o adquirente adquiriu, e, pois, o alienante perdeu a posse o adquirente está em situação (fática) de poder assumi-la quando queira. Se houve acordo de transmissão da posse, em que A transferiu, por ele, a posse, tal acordo é eficaz, e não se há de confundir com o acordo de transmissão da propriedade, ou com a promessa de transferência da posse. Se a coisa já está sujeita ao eventual poder fático de outrem, a obtenção do poder fático sobre ela elimina o poder fático preexistente. Tal eliminação já é consequência da obtenção, motu prop rio, pelo outorgado, razão por que pode ocorrer, ainda, que o outorgante não queira. As fontes romanas, com respeito àposse de bens móveis, empregam trodere rem como trodere possessionem; quanto aos bens imóveis, a tradição da posse éexpressa por inducere in possessionem, mittere in possessionem. Surge, por vezes, tradere vacuam possessionem, inducere in vocuam possessionem. Pretendeu provar 1(. Esmarch (Vacuae possessionis traditio, 71s.) que a vacuae possessionis traditio significava o acordo tendente à deixação da posse, pelo qual se transferia ao outorgado a posse como objeto patrimonial, e não como tença, donde adquirir ele o direito de uso e o fruto da coisa, o de apoderar-se, unilateralmente, da coisa e outros efeitos jurídicos (posição de réu, legitimação à execução de caução, tutela interdital em relação ao tradente). Contra ele, manifestaram-se Otto Wendt (Das Faustrecht, Jherings Jahrbticher, XXI, 233) e L. Pininski (Der Tatbestand des Sachbesitzerwerbs, 1, 309 s.); mas em parte acorde, H. Brunner (Zur Rechtsgeschichte, 1, 119, nota 3). Em verdade, o acordo de transferência tem os efeitos como acordo, precisando, porém, que o outorgado possa obter o poder fático. Obtém-no, por exemplo, pondo fora os tenedores sem posse, ou notificando o possuidor imediato que a posse mediata lhe foi transferida, ou o possuidor imediato e o mediato de grau inferior, ou aquele e os possuidores mediatos de graus inferiores, de que lhe foi transferida a posse mediata de grau superior. O alienante do imóvel não perde a posse, que foi transferida em acordo de transferência, enquanto há obstáculo da sua parte ou da parte de algum possuidor de grau inferior a que o outorgado assuma o poder. Essa é a razão por que há a imissão na posse a favor de tal outorgado contra o outorgante e os que se opõem, e não ainda a tutela possessória. Se, porém, houve momento em que o poder fático podia ser assumido e ser exercido, todo ato posterior é ofensa à posse, como se o alienante entregou as chaves e, no intervalo entre a entrega das chaves e a chegada do outorgado, mudou ou mandou mudar pelo locatário a fechadura, ou de seu arbítrio a mudou o locatário. Tudo isso tem grande relevância para se saber se o adquirente há de propor ação possessória, ou se somente lhe assiste a ação de imissão na posse. Se houve longa manu troditio, éde afastar-se a ação de imissão: a ofensa foi à posse. 6. Terceiro. Terceiro, contra o qual se pede imissão na posse, é o terceiro que houve a posse própria, oriunda do alienante. Se o terceiro tem posse própria, que não adveio da posse do alienante, por titulo próprio, como em caso de usucapião, ou titulo de transmissão por outrem, não há ação de imissão na posse contra ele (cf. 2º Turma do Supremo Tribunal Federal, 4 de abril de 1950, RT 203/651; OD 74/ 177; RF 132/82). Se o alienante não tinha posse, não cabe imitir-se na posse o adquirente (2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, 13 de fevereiro de 1950, RF 139/302). É erro dizer-se que se dirige contra quem detenha a coisa (e. g., Turma Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, 8 de setembro de 1950, AF 19/172). É o caso, por exemplo, de quem adquiriu a propriedade das terras, se na escritura pública se disse que o alienante acordava na transferência da posse, e tal alienante, que podia transferir a propriedade e a transferiu, posse não tinha. Isso, que acima dissemos, somente concerne à ação de imissão na posse em que é demandante o que pede posse própria. Mas há os demandantes de posse imprópria, e, então, o terceiro pode ser possuidor impróprio. Por outro lado, pode dar-se que haja escalonamento de posses e tenha de ser pedida a imissão em duas ou mais posses. A ação de imissão, dirigida contra o terceiro, supõe litisconsórcio passivo (alienante e terceiro). É
necessária a citação do terceiro, que é parte. Daí ser de repelir-se a dispensa da citação, como fez a 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 18 de junho de 1948 (RF 122/ 167), que chegou a ponto de falar de dispensa da “notificação”. A 1º Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 13 de março de 1951 (RT 192/223), considerou terceiros a viúva e filhos de sócio de firma falida, que se achavam no prédio, após ter sido esse arrematado em leilão. A 1ª Câmara do Tribunal de Alçada de São Paulo, a 26 de agosto de 1952 (RT 205/435), teve como terceiro o confinante que recebeu o título do alienante comum; mas a decisão afastou-se dos princípios (cf. 3ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 16 de outubro de 1952, RT 206/306). Se o bem está locado a terceiro, ou terceiro tem posse imediata que não se extingue com a transmissão do domínio, a sentença favorável na ação de imissão na posse, notificada a ele, somente pode ter a eficácia de declarar que a posse própria passara ao adquirente, de modo que a posse imediata fica dependente dela. Não é a ação própria para se ir contra o locatário, após a aquisição do domínio, ainda por desapropriação, se a locação não cessa com a transmissão. Dai ter-se de ler com reservas o acórdão da 3ªCãmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 13 de novembro de 1952 (RT 208/148).
7. Administradores. Administradores, diretores, com direito e dever de posse, representantes, que não sejam somente para atos exteriores aos estabelecimentos (excluido, portanto, o que somente é procurador judicial, ou procurador para recebimento de contas etc.). Pessoas jurídicas de direito privado, não o administrador ou o “representante” da sociedade irregular contra algum dos membros dela, mas, sim, o administrador ou o representante dos membros dela contra o antecessor na administração ou representação. O administrador ou representante das fundações, das sociedades em que o Estado seja acionista ou nomeie algum diretor, se não perderam o caráter de fundação ou sociedade de direito privado, têm a ação de imissão na posse. Contra o novo administrador ou representante nomeado pelo governo cabe a ação contra o antecessor, a despeito da fonte da posse. Cumpre observar-se que os órgãos das pessoas jurídicas somente pedem imissão da pessoa jurídica em bens de que tem ela o direito à posse. Não pedem imissão na posse imediata para eles, porque não são possuidores de tais bens. A ação, que podem propor, é de imissão na tença. Se o que foi órgão da pessoa jurídica se recusa a entregar ao novo órgão a coisa de que tem a tença, está a mudar a causa detentionis: foi tenedor, continua tenedor; e quer-se fazer possuidor. Contra tal ex-órgáo tem a pessoa jurídica, por seu orgão, a ação de esbulho, ou o interdito proibitório. E terceiro, que esbulha ou ameaça esbulhar a posse da pessoa jurídica, de que fora órgão. Convém que se encareçam algumas precisões: (a) O órgão da pessoa jurídica presenta, não representa; é tenedor da posse, e não possuidor. O presidente ou diretor da empresa que tem as chaves do cofre, ou dos armazéns, não é possuidor do cofre, ou dos armazéns; é tenedor, porque possuidor é a pessoa jurídica, e ele apenas é órgão. Tem posse o viajante, encarregado de vendas, que tem poderes de transportar e de guardar, em seu próprio nome; obter, se apenas opera como órgão. (b) O administrador da fazenda ou da usina não é órgão: é mandatário e pode ser que represente o dono da fazenda, ou da usina em certos negócios jurídicos. Esse é possuidor. 8. Mandatário. A ação é restrita ao mandatário com direito àposse direta, digamos imediata, contra o mandatário com posse direta. Pode ser exercida contra o mandatário, ou outro possuidor direto, que a tenha havido do mandatário antecessor ao novo. O réu usará da nominatio auctoris (Código de 1973, arts. 62-69), assaz importante em tais casos. a) Não toca ao mandante contra o mandatário, b) nem ao mandatário contra o mandante. e) Também não é legitimado passivo o terceiro. Nos casos de a) e e), são as ações possessórias que têm de ser usadas.
Se o réu alega direito de retenção e o prova, a sentença é com ressalva, para que o autor pague, antes, o que o mandatário desembolsou no desempenho do mandato. O juiz não pode, só por isso, negar a imissão; dá-lha, com a ressalva.
§ 39. Procedimento
1. Propositura. O titulo de domínio concerne a uma das espécies. Os documentos de outorga, às outras. Tais documentos provam, de início, o direito à posse, ou só à posse imediata. Em vez de o original, podem ser produzidas certidões ou cópias, extratos ou públicas-formas, que hajam obedecido às regras jurídicas processuais. As regras das leis civis ou das leis comerciais são estranhas ao assunto, que é de prova no processo, salvo quando para se provar a pretensão de direito material. Os documentos são os que provam o direito à posse: podem ser a certidão do registro do usufruto, do uso, ou da habitação, ou qualquer outro documento que seja título do direito, de que se irradia a pretensão à imissão na posse. A citação do “terceiro” é indispensável para que haja eficácia sentencial contra ele. Sem a citação, não está ele na relação jurídica processual. O “terceiro” que não foi citado pode oferecer embargos de terceiro e pode apelar (3ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 9 de agosto de 1951, RT 194/881), porque é o caso do terceiro prejudicado. O terceiro pode alegar na contestação a inexistência ou nulidade do título (1ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 18 de setembro de 1951, RT 196/201), não a anulabilidade. Pode opor a ineficácia absoluta ou a ineficácia contra terceiros. Se o autor não junta à petição inicial o documento que prove o seu direito à posse, pode dar-se a extinção do processo sem julgamento do mérito (2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 31 de julho de 1951, RF 141/258), com base nos arts. 267, 1, 283, 284 e 295, VI, 2ª parte, do Código de 1973. 2. Alternativa. A imissão na posse tem caráter de alternativa: defender-se ou demitir-se da posse. 3. Perdas e danos. Se foram pedidas perdas e danos, tem o juiz de decidir sobre elas. Como, porém, já se precipita o curso do processo, saltando-se até a sentença, pela abstenção precludente do réu, permite a lei que se liquidem na execução, isto é, na ação de execução de sentença. Para isso, é preciso que a sentença, que imite na posse o autor, também o condene ás perdas e danos, embora iliquidamente. A cognição do pedido de indenização é indispensável, para servir de titulo executivo. Se a sentença não condenou, título executivo não existe. Ter-se-á de intentar a ação de condenação (para haver perdas e danos), a fim de se obter o título executivo, que a sentença, na ação de imissão na posse, ex hypothesi, não produziu (efeito executivo, que seria, da sentença de condenação). 4. Liquidação de perdas e danos na execução. A imissão antecipada não obsta a que a) estando provadas in limine as perdas e danos, o juiz condene o teu, desde logo, a pagar as que se liquidarem na execução; ou b) se estão alegadas, porém não foram provadas, se prossiga, a despeito da saida do mandado de imissão; ou c) se o autor o requerer, se deixe a outra ação de condenação a cognição da pretensão a “perdas e danos”. Por vezes aludimos, em diferentes obras, às sentenças de condenação mutiladas ou amputadas, em que se condena quanto ao mi debeatur, ou à injuria, ou à culpa, se deixam fora da sentença o damnum e o quantum debeatur. Aqui, é a lei mesma que deixa toda a liberdade ao autor (não ao juiz) no separar os elementos fáticos da condenação. De modo que prevalece o princípio de ser o autor quem marca os limites do seu pedido. O juiz continua adstrito ao princípio Tantum iudicaturn quontum disputatum. Se o infringe, mutila, amputa a
condenação. Pergunta-se: se não há contestação, pode o juiz, desde logo, ordenar que se expeça o mandado de imissão na posse, como se regrava no Código de 1939, art. 383? O juiz profere a sentença, com o conhecimento direto do pedido, se ocorre a eficácia da revelia (arts. 330, II, e 319), se não há necessidade de provas, a serem produzidas em audiência. A resposta pode só se referir ao pedido de imissão, por ser necessária a prova em audiência quanto ao pedido de indenização de perdas e danos. Se o processo prossegue, quanto às perdas e danos, partem-se o pedido e o processo respectivo: o pedido de imissão é julgável desde logo, e da decisão cabe recurso de agravo, restrito ao ponto julgado; a sentença sobre as perdas e danos é apelável. Não há duas apelações, o que seria contra os princípios; há duas ações automaticamente, em vez de provocadamente (art. 105) separadas. Os dois processos reunidos tiveram sorte diferente,tendo um chegado a seu termo e outro continuado, por lhe faltar substanciação. Esse fato é frequente nos casos de cumulação objetiva (Konrad HeRFig, Lehrbuch, 1, 271). Sob o Código de 1939, art. 383, contestada a ação de imissão, a causa tomava o curso ordinário; hoje, passa-se diversamente: a causa, com ou sem contestação, tem o rito comum. Se foi proferida a sentença logo após a contestação, sem ser de acordo com as regras jurídicas processuais, há nulidade (2ª Câmara do Tribunal de Alçada de São Paulo, 7 de maio de 1952, RF 147/293). A causa toma curso normal: (o) quanto aos dois pedidos de imissão na posse e de perdas e danos, se os há, uma vez que o réu contestou; (1,) quanto ao pedido de imissão na posse na espécie em que a falta de prova só ocorreu quanto ao pedido de imissão; (c) quanto ao pedido de perdas e danos na espécie em que a falta de prova só ocorreu quanto ao pedido de perdas e danos. Não se pode condenar nas perdas e danos desde logo, e não imitir, de modo que não há esse outro caso de perdas e danos. Não impede isso que, tendo havido o processo normal, o juiz possa condenar a perdas e danos e não à imissão, pela mudança de circunstâncias durante o processo (morte do autor ou outra causa de terminação da legitimação ativa à imissão, perecimento do objeto da posse etc.). Os arts. 326-328, 444-446 são aplicáveis. Se o juiz não entende satisfatória a cognição, no caso de não contestação, (d) é normal o rito para ambas as ações. A sentença favorável, na ação de imissão na posse, não faz coisa julgada material sobre o domínio, só o faz sobre a posse (=‘ tem eficácia declarativa mediata quanto à posse). A sentença desfavorável faz coisa julgada material contra o direito à posse, e não quanto ao direito de domínio, salvo se houve contestação fundada em haver nulidade manifesta do título (ou inexistência do titulo) e foi isso decidido: então, a sentença é declarativa negativa do direito à posse, e, excepcionalmente do domínio. Fora daí, não. A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, a 2 de janeiro de 1951 (DJ de 20 de outubro de 1952), decidiu que, se a ação de imissão na posse toma curso ordinário, havendo controvérsia sobre o dominio do autor, e o juiz reconhece (sic) o título do autor, a ação se torna petitária, reúne os elementos da reivindicação, e como tal há de ser julgada. Primeiramente, observemos que a ação de imissão na posse é sempre petitória, e não possessória (Tratado de Direito Privado, X, § 1.154). Em segundo lugar, não pode haver controvérsia sobre o titulo, porque a contestação, salvo quando intentada a ação contra terceiro, somente pode versar sobre nulidade manifesta do documento produzido. O que a 2ª Turma fez foi atribuir força de coisa julgada material à decisão, no tocante ao domínio do autor; mas o domínio não foi declarado no julgamento, o que foi declarado foi o direito à posse. 5. Terceiro e imissão na posse. A ação de imissão na posse contra terceiro, que tem posse manutenível, é ação impropriamente proposta, de modo que a defesa do possuidor terceiro éa defesa possessória. A alegação da impropriedade da ação é uma delas (ilegitimidade da parte). Os terceiros a quem cabe legitimação ativa são os que têm posse oriunda do alienante. É vaga, quase sempre, a referência ao terceiro, e aí está um dos mais delicados problemas de direito processual. A figura desse tertius vai do terceiro que se opõe no sentido dos opoentes, em intervenção de terceiro (Código de Processo Civil de 1973, arts. 56 e 61), até o terceiro que não mais étertius, porque é parte e tem de sujeitar-se à execução imissiva. Esse pode ser o sucessor a título universal ou singular, que talvez use do que lhe permite como denunciação da lide, se foi citado como réu, ou, se está com os pressupostos legais, nomeie alguém à autoria. Pode ser o que adquiriu a coisa litigiosa, pois essa aquisição vale, porém é ineficaz contra a parte contrária ao alienante, até que esse vença, se vencer e passar em julgado a sentença. A demanda contra o terceiro, não implica tratamento igual de todos os terceiros, nem pré-exclui as espécies em que o terceiro não é
tertius processual, mas parte, e, pois, se sujeita, como o réu, à execução. Naturalmente, o terceiro que pode “contestar” é o terceiro-parte; se foi posto como parte sem o ser, opõe a sua exceção de ilegitimidade de parte cumulada àcontestação. Fora daí, há de vir, com a ação adequada, de oposição ou de embargos de terceiro. Tem de proceder conforme foi tratado pelo autor, pedindo que se repila o tratamento que se lhe deu, se inadequado.
6. Alegação de ineficácia do título. A defesa tem de consistir nas afirmações sobre a ineficácia do título. Naturalmente, o réu pode discutir a existência e extensão do direito do autor à posse própria, ou à posse imediata, inclusive no tempo e no espaço. A própria eficácia do título pode ser atacada. Não só quanto à forma; também quanto ao fundo. A natureza executiva lato sensu da ação de imissão na posse sugeriu a Manuel de Almeida e Souza (Tratado dos Interditos, 47) que recorresse ao Tractatus de Executionibus, de Silvestre Gomes de Morais (Livro 1, cap. 4, nº 8). Abrindo-o (1, 99), lá se encontra o caso de ingresso na posse do penhor, propria auctoritate, e se faz claro que o débito deve ser “líquido”. “Nulidade manifesta”, expressão do Código de 1939, art. 383, parágrafo único, é toda invalidade absoluta pronunciável de ofício. Toda defesa que somente consista em questão de direito tem de ser atendida. As anulabilidades têm de ser apreciadas em processo próprio, porque, aí, não é a imissão que está em causa, é o negócio jurídico em seus defeitos. A sentença, então, será desconstitutiva, e não declarativa e executiva. Quanto à indenização que foi paga, fez coisa julgada material a sentença, e a anulabilidade do título não autorizaria o réu a não dar a posse; e, pronunciada a anulação, a sentença proferida na ação de indenização admista à de imissão não deixa de impor a sua força material de coisa julgada. O direito não tem solução direta contra isso, como não tem para o desrespeito da sentença (nacional) contra os bons costumes, fora da ação rescisória. O mais importante estudo da matéria é o de Paul Oertmann (Ausbeutung der Rechtskraft, Archiv ftJr BÍ)rgerliches Recht, 42, 1-27). No mesmo sentido, em geral, do que afirmamos, Konrad HelRFig (System, 1, 784), F. Hamburger (Die Ausbeutung der RechtskraJt, 15), Gustav Wurzer (Ungerechtfertigte Durchbrechung der Rechtskraft, Jherings Jahrbucher, 65, 419). Sem razão os que pensam em nova ação de indenização proposta pelo réu da outra (R. Graszynski, § 826 BGB und die Rechtskraft des Urteils, 29 s.). Ou em excep tio do li, na execução. No direito brasileiro, só o abuso do direito processual pode valer o réu vitorioso na ação de anulação do negócio jurídico ou de resolução, resilição ou rescisão do contrato. Mas, então, é preciso que concorram os pressupostos das regras jurídicas sobre responsabilidade das partes por dano processual. Ou a ação rescisória da sentença.
7. Exceções, inclusive de retenção. Escusado é dizer-se que o réu pode alegar qualquer exceção processual e o direito de retenção (assim, o antigo Código de Processo de Pernambuco, art.575, c). Capítulo IX Ação de vindicação da posse
§ 40. Conceito e natureza da ação de vindicação da posse
1.Conceito. Nas leis estabelece-se que, no caso de perda, ou furto, de coisa móvel, ou titulo ao portador, o que tiver perdido, ou a quem se haja furtado, pode reavê-lo da pessoa que o detiver, salvo a essa o direito regressivo contra quem lho transferiu. Não se trata da rei vindica tio; e sim de algo semelhante, porém não idêntico à actio Publicia na. Discutiu-se o possuidor mediato também podia propor a ação chamada vindicatória da posse. No que ela aludisse à propriedade, teria de ser afirmativa a resposta. No sistema jurídico regulou-se a nominatio auctoris, que aí tem pleno cabimento. O possuidor imediato somente tem de continuar no processo se o autor não aceita a litisnomeação, ou se o litisnomeado nega a qualidade que lhe foi atribuida. Diferentemente pensavam os Protokolle alemães (III, 333): “Ainda quando o senhor da posse entre no processo, continua sujeito próprio do processo o possuidor primeiramente acionado”, em evidente contradição com o § 76 da Ordenação Processual Civil alemã. O sistema jurídico brasileiro não nos permitiria pensar com os Protokolle. A saida do primeiro citado não é, porém, ipso iure; pede ele ao juiz que a relação jurídica processual cesse quanto a ele. Se o possuidor mediato se apresenta e assume o papel de réu, o primeiro citado pode afastar-se. Aliás, ao possuidor mediato é dado, sem citação, entrar no processo e tomá-lo a si (Paul Sokolowski, Die Philosophie irn Priuatrecht, II, 435, nota 471). 2.
Natureza da ação de vindicação da posse. Trata-se de ação executiva com 3 de declaratividade, 1 de
constitutividade, 2 de condenatoriedade, 4 de mandamentalidade e 5 de executividade. Ai ressalta a sua similaridade com a ação condenatória de execução da sentença, o que as faz ações executivas típicas. Apenas o elemento condenatório é maior, sem que consiga ser peso de eficácia mediata. A eficácia mandamental é que importa, porque em ambas é 4, como acontece à ação de apreensão de títulos ao portador, à de imissão na posse e a de desapossamento contra terceiro.
3. Pretensão e ação vindicatória da posse. A pretensão e a ação vindicatória da posse supõem posse anterior e posse postenor, entre as quais se trava a discussão. Autor é o que alega, primeiro, a anterioridade da posse, só nas espécies de vindicação. São transmissíveis, entre vivos e a causa de morte, pretensão e ação. Não se exige a prova da boa-fé ao que alega ter adquirido antes do demandado: tal boa-fé presume-se. Por outro lado, não importa a aquisição em boa-fé pelo demandado, nem, a fortiori, a boa-fé posterior. A sentença favorável não diz que o demandado não tinha posse; e sim que não a tem temporalmente anterior à do autor.
4. Ação petitária da posse. A ação de vindicação da posse é petitória, e não possessória. Não há, no sistema jurídico, quanto aos bens móveis, somente a ação de reivindicação; há, também, a vindicatória da posse, que se entronca no velho direito germânico, na concepção da Gewere. Trata-se de proteção à posse anterior. Perdeu-se a posse; mas o que a perdeu, naqueles casos, pode recuperá-la, possessoriamente a petitoriamente. O autor tem de provar que possuiu a coisa e perdeu a posse por tê-la perdido, ou por lha terem furtado; e não importa que o possuidor atual esteja de boa-fé e sempre tenha estado. Pode tratar-se de possuidor anterior mediato, como de possuidor anterior imediato, como se A locou a coisa a B e B a vendeu a C, que estava de boa-fé, inclusive se o possuidor mediato nunca teve a posse imediata (e. g., se a adquiriu pelo constituto possessório). A ação pode ser exercida contra o compossuidor se, na espécie, a ação possessória não-petitória o poderia ser (Otto von Gierke, Die Bedeutung des Fahrnisbesitzes, 51; Kasimir Janiszewski, Schutz des fniiheren Besitzes, 10). O réu pode opor que possuia antes do autor, pode opor que usucapiu, ou que a coisa deixou de existir por se ter inserido em imóvel, sem mais se poder separar. Proveio a ação de vindicação da posse da ação germânica mobiliária da Gewere, perdida involuntariamente (Sachsenspiegel, II, 36; E. Delbrtick, Die dingliche Ria ge, 42 5.; Paul Laband, Die vermõgensrechtlichen Klagen nach den sàchsischen Rechtsquellen des Mittelalters, 106 5.; Andreas Heusler, Institutionen, II, § 118; Eugen Huber, Die Bedeutung der Gewere, 12 5.; Heinrich Pflúger, Die sogenannten Besitzklagen, 458 s. e 462 5.; Otto von Gierke, Die Bedeutung des Fahrnisbesitzes, 70 s.). O réu tem a chamada exceção de domínio (Otto von Gierke, Die Bedeutung des Fahrnisbesitzes, 62; Kasimir Janiszewski, Schutz des Jríiheren Besitzes, 43; sem razão, P. Miethke, Wesen und Umfang der Riage des 5 1.007 des BGB., 36). Se o réu se defende com alegação de posse anterior, pode o autor referir-se a sua, antes da que perdera por último e da que o réu sustenta. Tratando-se de alegação de propriedade, só há uma propriedade, de modo que só importa a última. (a) A pretensão e a ação de vindicação da posse são distintas da pretensão e da ação de esbulho, embora todas nasçam da posse (ius possession is) e suponham privação do poder fático corporal. A sentença, na ação possessória de esbulho restabelece, provisionalmente, o estado anterior possessório, inclusive dá ensejo à reintegração antes de ser ouvido o esbulhador; a ação de vindicação da posse permite todas as objeções petitórias (aliter, a ação de esbulho, pois só no caso de não-domínio evidente se abre exceção à regra da prova somente da posse, e a sentença decide, definitiuamente, quanto à posse). Trata-se de ação vindicatória da posse, mas não de ação de pedir a posse como ius posstdendi. Assim como, na reivindicação, o reivindicante alega e prova que a propriedade é sua (= que é proprietário; = que tem a propriedade), na vindicatória da posse, o demandante, vindicante, foi possuidor, alega e prova que teve a posse, e vai contra o que tem posse posterior. Daí ter-se falado de “pretensão e ação de melhor direito à posse”, de “pretensão e ação petitórias da posse”, ou de “pretensão e ação do direito à posse” — expressões, essas, que devemos examinar e criticar com todo cuidado e com todo o rigor técnico. A pretensão ou ação de vindicação da posse não é pretensão ou ação possessória, isto é, não é a pretensão ou ação que nasça no plano em que está o princípio da conservação do fático; já vem depois, quando já se adquiriu o lus possessionis e se faz respeitar esse direito à posse, que se teue, sem mais se precisar de invocar
aquele principio, que é rente à vida fática. A ação que provém da violação do principio da conservação do fático éa de esbulho, ou a de turbação; a ação de vindicação da posse é a que emana do tus possessionis, efeito do fato jurídico stricto sensu da posse, de modo que já é aplicação do princípio de que a todo direito corresponde ação que o assegura. A ação de reivindicação e a de imissão na posse nada têm com o existir do fato da posse; são ações do direito de propriedade, para haver a posse da coisa, ou para recebê-la de outrem. A ação de esbulho vai contra o terceiro, sucessor conscius (ciente), ou terceiro ciente (conscius), embora não sucessor. A ação de vindicação da posse pode ir contra o que não teve conhecimento do esbulho; portanto, nela, não precisa ser invocada a regra jurídica sobre conhecimento do esbulho. (b) A pretensão e a ação de reivindicação supõem a propriedade e o estar outrem com a posse; a pretensão e ação vindicatórias da posse só supõem posse e estar alguém com posse temporalmente inferior, isto é, posteriormente adquirida. Ainda se a propriedade não pode ser alegada e provada pelo dono —o que foi desapossado por furto, ou roubo, ou o que perdeu a coisa, pode vindicar a posse. Trata-se de direito de ter o posse, derivado da posse, que sobrevive à perda do poder fático corporal. Sempre que o demandante invoca o direito de propriedade e a posse, entende-se que cumulou as duas ações: a de reivindicação e a vindicatória da posse. Se não se alegou aquele direito, ou só se referiu (sem alegação e, pois, sem ônus da prova) — há-se de entender que só se propôs a vindicatória da posse. Se o demandante, proprietário da coisa, nunca teve a posse, tem de reivindicar; não pode propor a vindicatória da posse. A reivindicação dar-lhe-á a posse, porque lhe dá a propriedade, e o proprietário tem o ius possidendi, para que possa exercer o ius utendi, fruendi et abutendi. Não tinha, pela hipótese, o ius possession is. Tal acontece ao que adquiriu o imóvel sem ter recebido a posse: ou exerce a pretensão à imissão na posse, contra o alienante ou terceiros que os detenham; ou a ação de reivindicação contra o alienante, que lhe dê ensejo a isso, ou contra o terceiro possuidor. A vindicatória da posse cabe, ainda que falte qualquer direito real (se trate de possem propriedade, ou se trate de direito de crédito), ou falte qualquer direito (está na casa como locatário, de boa-fé, e não tem contrato, ainda verbal, de locação). Além da diferença das alegações na ação de reivindicação e na de vindicação da posse, naquela mais se atende ao ter-se adquirido a propriedade, nessa mais ao ter-se perdido a posse do bem. 5. Origem da ação de vindicação da posse. No 1 Projeto alemão, § 945, havia ação publiciana, a que se substituiu, sob o § 1.007 do Código Civil, a ação de vindicação da posse, a que correspondeu o art. 521 do Código Civil brasileiro de 1916. É a Besitzrechtsklage, ação de direito de posse. Note-se que já se saiu do mundo fático; já se está no mundo jurídico. Não se pense, todavia, como alguns juristas (e. g., Bernhard Matthiass, Lehr buch, 4ª ed., II, 79; Friedrich Endemann, Lehrbuch, II, 1, 182; Otto von Gierke, Die Bedeutung des Fahrnisbesitzes, 19), que se trate de ação substitutiva da ação publiciana. São diferentes e sem ligação histórica. No sistema jurídico brasileiro, acentua-se a distinção de técnica sistemática com a inserção do art. 521 no titulo da posse. A actio Publiciana é sombra de reivindica tio; à ação de vindicação da posse não no é. Nem a ação de vindicação da posse prende à chamada ação publiciana da Prússia, a “preussische Publiciana’: não há luta entre títulos, na ação do art. 521 (cf. CarI Feustel, Der Anspruch aus § 1.007 BGB., 46; Wilhelm Giese, Besitzrechtsschutz im BGB., 9-23; A. Peipers, Die Besitzrechtsklage nach § 1.007 BGB., 5). Na ação de reivindicação e na ação Publiciana, o fundamento é o título, e não a posse: o que mais importa é a aquisição da propriedade; na ação de vindicação da posse, a posse anterior é que mais importa, de modo que a perda da posse é o fundamento. A ação Publiciana atendeu a que fatos da vida mostram ser insuficiente a tutela do proprietário. Nesse princípio de tutela do que não é propriedade ou poder não ser propriedade também se inspirou a ação de que falamos. A ação de vindicação da posse nem é a ação publiciana nem lhe faz as vezes. No 1 Projeto do Código Civil alemão (§ 945), é certo que se concebera ação publiciana e foi em lugar dela (Motive, III, 629), que se pôs a do § 1.007 do Código Civil alemão; mas isso não justifica que se considere a vindicatória da posse, como alguns juristas alemães, ação Publiciana, ou sucedâneo dela (e. g., Bernhard Matthiass, Lehrbuch, @ ed., 11, 79; Friedrich Endemann Lehrbuch, 11, 1, 182; Otto von Gierke, Die Bedeutung des Fohrnisbesitzes, 19). No Brasil, a colocação dela no título da posse, e não no da propriedade, mostrou que se não anuiu em qualquer confusão. No sistema do direito romano e no direito comum (Emst Selmar Goldmann, Publicianischer Schutz, 56; A.
Peipers, DieBesitzrechtsklage, 2; nosso Dos Títulos ao Portador, 2º ed., II, 162), como no velho e no novo direito brasileiro, a ação Publiciana não precisaria de regra juridica especial: a ação Publiciana é ação do possuidor com titulo contra o possuidor sem titulo e tal não ocorre com a vindicatória da posse, conforme a doutrina inteira (e. g., Otto von Gierke, Die Bedeutung des Fahrnisbesitzes, 46 e 70; Cari Feustel, Der Anspruch mis 1.007 SOB., 46; Wilhelm Giese, Besitzrechtsschutz im SOB und actio in rem Publiciana, 9-23; A. Peipers, Die Sesitzrechtsklage, 5); o único traço comum entre as duas pretensões e ações é a posição da relatividade diante da pretensão e ação reivindicatórias — essa exige alegação e prova do domínio, a Publiciana satisfaz-se com a alegação e prova da aquisição regular da posse, e a vindicatória da posse, com a alegação e prova da mais antiga (= melhor posse). Nas duas, supõe-se relativa superioridade da posse: igual ou melhor posse; se igual, mais antiga. Esse principio de relatividade da proteção do direito de posse éque está à base de toda a teoria da proteção vindicatória da posse e vem sendo revelado desde o pretor Publício, através da Gewere alemão (Eugen Huber, Die Bedeutung der Gewere, 10; cf. Hans Neikes, Die Riage aus § 1.007 des SOB, 7 s.) e do Código Civil alemão (§ 1.007), do suíço, art. 93ª, e do brasileiro de 1916 (art. 521). Há duas espécies de ação vindicatória da posse: uma contra o possuidor de má-fé; outra, contra o possuidor de boa-fé. Nem uma nem outra se confunde com a ação publiciana, ação do que será (ou talvez já seja) proprietário (Hans Neikes, Die Klage aus § 1.007 des SOB, 56 s.), nem, sequer, procederam da Publiciana prussiana. Nelas, só se há de alegar e provar que se adquiriu antes e, pois, melhor (salvo exceção) a posse da coisa (A. Peipers, Die Besitzrechtsklage, 106; Wilhelm Scherer, Unterschiede zwischen der actio Publiciana und der Klage aus § 1.007 des SOB, Be 5.; Otto Volk, Der Anspruch des frúheren Besitzers aus § 1.007 des SOB, 1 e 26 s.). 6. Posse imediata e posse mediata. O ex-possuidor, que pretende a coisa perdida, furtada ou roubada em ação de vindicação da posse, pode ser o possuidor mediato, dono ou não da coisa, ou o imediato (usufrutuário, locatário, depositário, credor pignoratício etc.). Assim, a opinião de 0ff o Wendt (Der mittelbare Besitz, Archiu lar die ciuilistische Praxis, 87, 40), que excluia da legitimação ativa o possuidor mediato, não tinha base (cf. Benno Mugdan, Die gesammten Materialien, III, 516) e foi repelida (Otto von Gierke, Die Bedeutung des Fahrnisbesitzes, 53; Emil Strohal, Der Sachbesitz, 4 s.). Têm-na o locador, o locatário e o sublocatário; o herdeiro; o cessionário da pretensão à entrega, pois que, se não há, no Código Civil brasileiro de 1916, a regra jurídica do Código Civil alemão, § 870, éporque nela consiste um dos postulados da teoria da posse no direito brasileiro (nosso Dos Títulos ao Portador, 2º ed., II, 164); o adquirente segundo o art. 200 do Código Comercial e pelo constituto possessório; o terceiro que adquiriu a posse, sem mandato, dependente de ratificação em virtude de regra jurídica especial; o devedor pignoratício com direito de excutir. 7. Fim da tutela vindicotária da posse. A finalidade da pretensão vindicatória da posse é à semelhança da pretensão à entrega, que tem o proprietário, na ação de reivindicação — razão por que as regras juridicas sobre frutos, benfeitorias e deterioração ou destruição da coisa são do mesmo conteúdo, se bem que um valor tenha a posse e outro valor a propriedade. As regras jurídicas sobre direito de retenção também são as mesmas. Pode a ação de vindicação da posse cumulada com a de propriedade (reivindicação); sem razão, contra a doutrina vitoriosa Johannes Biermann (Sachenrecht, 306), G. Planck (Kommentar, Q ed., III, 53ª), Konrad HelRFig (Wesen und subjektive Begrenzung der Rechtskraft, 3ª4), Otto von Gierke (Die Se-deu tung des Fahrnisbesitzes, 65). Também com a de esbulho (Johannes Biermann e G. Planck, nos lugares citados; Martin Wolff, Lehrbuch, 27º-32º eds., III, 64; diferente, K. Kober, J, o. Staudingers Kommentar, 7ª-8ª eds., III, 510).
§ 41. Legitimação à pretensão e à ação de vindicação da posse 1. Legitimação ativa. Legitimado ativo é o possuidor anterior da coisa perdida, furtada ou roubada, seja de toda a coisa, ou seja de parte dela, possuidor único ou compossuidor, mediato ou imediato. Se o possuidor imediato foi vitima da perda, furto ou roubo, conserva a pretensão e a ação, ainda que se torne possuidor mediato; o possuidor como dono tem-nas, ainda se passou a grau inferior, ou a possuidor imediato. O legitimado há de alegar o seu direito de posse; e o que creu em ter adquirido esse direito, embora não no tenha, tem-nas e pode exercê-las; e. g., o que se apossou de coisa perdida, crendo-a abandonada. A sentença não diz que o réu não tenha a posse; diz que alguém alegou e provou tê-la perdido. No direito brasileiro só se admitiu a vindicatória da posse nos casos de perda, ou furto (inclusive roubo), e não em todos os outros casos de involuntária perda da posse do bem. Quem perdeu ou a quem foi furtado coisa móvel ou título ao portador, pode reavê-los da pessoa que os detiver,
salvo a esta o direito regressivo contra quem lhos transferir. A pretensão e a ação dirigem-se contra o possuidor de boa-fé, ou contra o de má-fé. A vindicação da posse pode ser proposta pelo compossuidor contra terceiro e contra o outro ou os outros compossuidores (Kurt Schreiber, Der Mitbesitz, 46).
2. Posse imediata e posse mediata. A ação de vindicação da posse pertence ao possuidor imediato como ao mediato. Aquele pede a vindicação para lhe ser reentregue a coisa; esse, para que se entregue àquele, salvo se já não teria a posse, ou se não quer ou não a pode ter. O servidor da posse não tem legitimação ativa, posto que a tenha quanto à ação de esbulho (Johannes Biermann, Sachenrecht, 303; G. Planck, Komrnentar, III, 531; Otto Wameyer, Kommentar, II, 218; E. Ostertag, no Kommentar de Max Gmúr, V ed., IV, III, 83). O possuidor mediato, que nunca teve a posse imediata, e. g., por tê-la recebido do possuidor imediato por constituto possessório (= teve-a instantaneamente), pode exercer a ação de posse anterior (cf. Hans Engelhardt, Welche Rechte stehen dem Oberbesitzer zu?, 40). O servidor da posse (sem razão, Max Gàrtner, Der gerichtliche Schutz gegen Besitzverlust, 179) e o órgáo da pessoa jurídica não na têm. Nem a eles compete a legitimação passiva (Otto von Gierke, Die Bedeutung des Fahrnisbesitzes, 52; Carl Crome, System, 246, nota 45; Georg Liebezeit, Die Rechte des Eigentiirners, 76), o que não afasta pensar-se em caução de rato. A ação é exercivel contra o incapaz e por um cônjuge contra outro (Hugo Kress, Besitz und Recht, 222). Não pode usar da ação de vindicação da posse quem não é possuidor, como o funcionário público a respeito dos bens do Estado ou de uso comum do povo (A. Peipers, Die Besitzrechtsklage nach § 1.007 BGB., 44). No direito brasileiro, se o absolutamente incapaz alienou a coisa, não se há de pensar na ação de vindicação da posse (duvidoso, o direito alemão, cf. Kasimir Janiszewski, Schutz des frúheren Besitzers, 23): a ação a propor-se é a de reivindicação. Quanto ao relativamente incapaz, pode ter posse e perdê-la, inclusive por ato jurídico de alienação. Não há pensar-se em ação de vindicação da posse, se a alienou. Se lhe foi tirada por furto ou roubo, ou se perdeu a coisa, é legitimado a ela. 3. Legitimação passiva. Legitimado passivo, na ação vindicatória da posse, é o possuidor de agora, mediato ou imediato, como dono ou não, possuidor único ou compossuidor. O autor alega e prova a posse anterior e a perda, ou o furto, ou o roubo da coisa, o que logicamente exclui que o demandando haja dele adquirido a posse, que ora tem. Se o legitimado passivo alega e prova que adquiriu de outrem a posse, há objeção ao direito de posse do demandante; e esse tem de contra-objetar, e. g., alegando e provando que o tradente ao demandado não era, em relação a ele, possuidor (ladrão, esbulhador, possuidor imediato que perdera a coisa, não podendo, pois, transferir a posse). Entendia Otto von Gierke (Die Bedeutung des Fahrnisbesitzes, 56 s.) que o ônus da prova da melhor posse cabe, sempre, ao demandado. Mas o demandado, que alega ter direito real sobre a coisa, não tem de provar a eficácia também em frente ao demandante: o demandante é que há de provar que não tem eficácia quanto a si; salvo se a alegação e prova concerniam a tempo em que o direito real não poderia ter sido criado. Assim, nem se há de enunciar que o ônus da prova vá, sempre, ao demandante, como Otto von Gierke (Die Bedeutung des Fahrrzisbesitzes, 56 s.) e Johannes Biermann (Sachenrecht, 304), nem, como E. Brodmann (em G. Planck, Kommentar, Q ed., III, 532) e Martin Wolff (Lehrbuch, 27ª-32ª eds., III, 61), ao demandado. Se o demandado alega que a coisa fora adquirida ao demandante antes de tê-la perdido, ou ao demandante ter sido furtada, ou roubada a coisa, é claro que tem o demandado o ônus da prova. Se o demandado alega que, antes da perda, ou furto, ou roubo, de que fora vítima o demandante, havia ele perdido, ou a ele lhe havia sido furtada, ou roubada a coisa, também o ônus da prova lhe incumbe. Se o demandante contra-objeta que já antes lhe fora furtada, ou roubada, ou a perdera, tendo readquirido a posse, de que ora se trata, anterior à do demandado, o ônus da prova incumbe ao demandante: a contra-objeção é sua; o ônus da prova é seu, se não o alegara, ou o alegara, porém não no provara, na petição ou depois. Se o legitimado passivo é possuidor atual, e tem, além disso, jus possidendi, como proprietário, o usufrutuário, o usuário e o titular do direito de habitação, também se trata de objeção (jnão exceção!), ainda se posterior à posse do demandante a aquisição do direito à posse (herança, usucapião). Assim, a primeira objeção, por mais radical, que o demandado pode fazer, é a negativa da posse anterior do demandante; a segunda, é a de
ser proprietário e, pois, ter o ius possidendi, ainda que por herança, ou usucapião, ou adjudicação. A alegação de direito à posse o demandante pode contra-objetar (negá-lo), ainda que só em parte, e. g., dizer que o demandado é dono, mas lhe alugara a coisa, ou que o demandado é credor pignoratício, mas lhe emprestara a coisa. (No Código Civil alemão, § 1.007, alínea 2t primeira parte, alude-se à objeção de propriedade, mas deixou-se de prever o revide do demandante; por outro lado, lendo-se Otto von Gierke, Die Bedeutung des Fahrnisbesitzes, 56 s. e 62, é preciso ter-se cuidado em repelir-se o conceito de “melhor” direito à posse, que é inadmissível). A alegação de abandono pelo demandante é objeção. Mas o abandono pelo possuidor mediato, sem ato do possuidor mediato abaixo dele, ou do possuidor imediato, não é completa objeção (Johannes Biermann, Sachenrecht, 304; G. Planck, Kommentar, Q ed., III, 532; Martin Wolff, Lehrbuch, 27º-32º eds., III, 60; sem razão RarI Maenner, Das Sachenrecht, 23ª, nota 88; Otto von Gierke, Die Bedeutung des Fahrnisbesitzes, 60). A legitimação passiva do que deixou de possuir a coisa para dificultar a vindicação é assente em jurisprudência (e. g., 1º Grupo de Câmaras Civis do Tribunal de Apelação de São Paulo, 20 de agosto de 1940, TU 132/143; 1º Câmara Civil, 15 de setembro de 1941, 137/535). 237 4. “ius Possession is” e “ius Possidendi”. Do fato jurídico stricto sensu da posse derivam efeitos, um dos quais o ius possession is, que não se confunde com a pretensão à entrega da posse, nem com a pretensão à imissão, que são petitórias. Os sistemas jurídicos entendem que a ordem fática há de ser provisionalmente assegurada, razão por que dá aos possuidores a legitima defesa e a justiça de mão própria e a tutela estatal. Além dessa eficácia, há a eficácia do ius possession is, de que cogita a ação de vindicação da posse, aí petitória. Na execução da sentença, observam-se as regras jurídicas sobre ações possessórias. Se o bem podia dar frutos, e. g., aluguéis, e o possuidor tem de restitui-los, arbitra-se-lhes o valor, se deixou de os perceber. 5. Perda da posse e ação de vindicação da posse. A perda involuntária da posse, que permite a ação de vindicação da posse, é a que resulta de furto ou roubo, ou perda da coisa, não a resultante da entrega da coisa por erro, ou dolo, ou simulação, ou fraude, ou, em geral, por abuso de confiança. Assim, fora da perda da coisa, a ação de vindicação da posse cabe, por exemplo, se houve extorsão (RarI Binding, Die Ungerechtigkeit des Eigentumserwerbs, 17), isto é, abtenção da coisa com ameaça de dano, ou extorsão com seqúestro da pessoa, ou furto ao possuidor próprio ou impróprio ou furto ao possuidor impróprio pelo possuido? próprio ou outro possuidor impróprio, ou pilhagem. Não, o que foi entregue por erro, dolo, simulação, ou fraude (aliter, pela coação, Karl Binding, Die Ungerechtigkeit des Eigentumserwerbs, 18 s.), o que foi alienado pela pessoa a quem o confiou o decujo ou seu sucessor, o alienado pelo herdeiro ou qualquer deles, o que ao proprietário ou possuidor próprio ou impróprio tirou o representante ou mandatário (aliter, o que ele tirou a qualquer possuidor mediato, sem que dele fosse representante ou mandatário). Quanto aos bens que o titular da posse mediata inferior ou da posse imediata tira ao possuidor próprio ou mediato superior, a opinião que permite a ação da vindicação da posse é a verdadeira (L. Kuhlenbeck, Das Btirgerliche Gesetzbuch, II, 97; Karl Binding, Die Ungerechtigkeit des Eigentumserwerbs, 3ª; sem razão, Karl Wieland, Kommentar, IV, 513; cf. nosso Dos Títulos ao Portador, Manual, 2º ed., Tomo XVI, 177).
6. Jurisprudência em torno da ação de vindicação da posse. A jurisprudência seguiu com acerto a interpretação que demos, contra os intérpretes anteriores, à ação de vindicação da posse. A 2º Turma do Supremo Tribunal Federal, a 11 de abril de 1944 (RT 161/844; RF 101/72), frisou que a apropriação indébita não se inclui no conceito de furto ou de roubo, tal como se acha no art. 521 do Código Civil de 1916, bem assim a 20 de julho de 1944 (JSTF 23/156) e a 28 de maio de 1946 (RF 109/51); cf. 3ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 28 de agosto de 1947 (RT 170/602: “O principio, que prevaleceu no direito francês, En Jait de meubles possession uaut titre, não foi acolhido pelo nosso direito; e assim, quem adquire “coisa móvel” deve ter a mesma cautela que tem quando adquire imóvel, exceto quanto ao tempo necessário à usucapião. O legítimo dono da coisa móvel pode reavê-la e sem indenização, salvo na hipótese do parágrafo único do art. 521 do Código Civil, quando o objeto for comprado “em leilão público, feira, ou mercado”, hipótese em que terá de pagar ao possuidor o preço por que o comprou. Nem se diga, como faz o apelante, que se deve dar ao texto legal interpretação que lhe empreste maior amplitude, devendo, assim, considerar-se Barretos como um mercado de gado”. Se assim fosse, haveria cidades privilegiadas onde as coisas furtadas poderiam ser compradas sem risco: Barretos, para o gado; São Roque, para o vinho; Santos, para o café; Ilhéus, para o cacau; e Cubatão, para as
bananas”), 4ªCâmara, 22 de abril de 1948 (RF 122/181; RT 174/189: ‘Não pode reaver de terceiros o título, pelo art. 521 do Código Civil, escreve , quem não o perdeu, nem foi vítima de furto ou roubo, ou quem ficou privado da posse por abuso de confiança, falsidade ou estelionato etc., porque em todas estas hipóteses a confiara em quem, depois ou simultaneamente, a enganou alguém há de sofrer os prejuízos da infidelidade da pessoa lhida, há de ser quem a escolheu, e não terceiro”). Não se havia de tirar do art. 521 do Código Civil de 1916, onde, ex argumento, se pré-excluiu a vindicação da posse da coisa alienada pela pessoa a quem o proprietário a confiou (abuso de confiança), que a alienação pelo não-dono, que tem a posse imediata, ou o serviço da posse, transfira a propriedade. Não está isso no direito brasileiro, de modo que se tem de repelir o que se escreveu no acórdão da 4ª Câmara, acima referido: “Consoante ensina Carvalho Santos, quem é vitima de um estelionato, abuso de confiança etc., faz uma alienação, transmite, apesar dos pesares, a propriedade da coisa e, sem ser mais proprietário, não poderá intentar qualquer ação de reivindicação, o mesmo se podendo dizer quanto à posse”. Não se confunda a vindicação da posse com a ação de reivindicação, que é vindicação da propriedade. Aliás, a ação de reivindicação pode extinguir-sem se extinguir a propriedade. O art. 521, parágrafo único, disse: “Sendo o objeto comprado em leilão público, feira ou mercado, o dono, que pretender a restituição, é obrigado a pagar ao possuidor o preço por que o comprou”. Portanto, supõe: a) existência de leilão em que se adquire a coisa, b) não-nulidade do leilão (4ªº Câmara Civil da Corte de Apelação do Distrito Federal, 4 de novembro de 1935, AJ 37/421), c) não ter sido decretada a anulação do leilão, d) não ter sido o adquirente que, como possuidor, que já era, promoveu o leilão (3ª Câmara Civil da Corte de Apelação de São Paulo, 12 de abril de 1935, RT 98/481), porque, então, há causa anterior contra o promovente e obrou com fraus legis. Não há, no art. 521, parágrafo único, regra jurídica de presunção de boa-fé: o art. 521 nada tem com o conceito de boa-fé (errado, o acórdão da 4ª Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 25 de fevereiro de 1932, RT 82/257: “A lei estabelece uma presunção de boa-fé e uma presunção de má-fé, ou, melhor, de conhecimento ou ignorância do esbulho. Presume-se a boa-fé na hipótese do parágrafo único do art. 521 do Código Civil, isto é, quando a coisa em questão haja sido comprada “em leilão público, feira ou mercado”, hipóteses em que o dono deverá indenizar o possuidor. Presume-se a má-fé quando a situação jurídica da coisa possa ser esclarecida nos registros públicos e o adquirente, apesar do que consta do registro, adquira a non domino”). 7. Petitoriedade da ação e prescrição. A ação de vindicação da posse é petitória da posse (cf. Friedrich Lenz, Der Rechtsbesitz ausserhalb des BGB., Archiv fúr Búrgerliches Recl-zt, 33, 422; CarI Crome, Die Juristische Natur der Miethe, Jherings Jahrbúcher, 37, 62). É ação de direito à posse, e não ação possessória. O que se pede é a restituição da posse. A sua natureza e a sua eficácia são de ação real, e não de ação pessoal. Pode ser cumulada com a ação nata do direito, não com a ação de reintegração (Otto von Gierke, Die Bedeutung des Fahrnisbesitzes, 65). A restituição que se dá, quanto à posse, é definitiva. A prescrição da ação de vindicação da posse é a da ação que corresponde ao direito a que a posse vindicanda alude. Éação de direito à posse. Real, mas subordinada à existência do direito a que se refere a posse em vindicação. Se a posse vindicanda é posse própria, a pretensão vindicatória prescreve segundo os princípios sem que se exclua poder ter havido, antes de se completar o prazo prescricional, usucapião. Se a posse vindicanda é posse imprópria, não há solução única para todas as espécies: a ação do possuidor como usufrutuário, se deixa prescrever a ação real para a retomada do bem, segundo a lei também prescreve; mais: perde-se o próprio usufruto.
§ 42.Ação de víndicação da posse de título ao portador 1. Perda e furto de títulos ao portador e ação de vindicação da posse. Quem perdeu ou a quem foi furtado título ao portador pode reavê-lo em ação vindicatória da pessoa que o tem ou possui. Se foi proposta a recuperatória, antes de ser contestada é livre a desistência; depois, depende do consentimento do reu. Tem-se
procurado ver nas duas ações, a de amortização e a de vindicação, bis in eadem re. Analise-se a situação: a) o portador (tenedor) do título era conhecido e foi citado, compareceu e contestou, de modo que não houve procedimento edital — somente pode contestar as afirmações do autor de ter sido injustamente desapossado, e alegar direito em leilão público ou em bolsa ou aquisição em virtude da boa-fé, por só se permitir a vindicação possessória em caso de furto ou perda; o portador previamente conhecido comparece e não contesta, entregando ao autor o titulo, o que torna inútil a continuação do processo; c) o portador previamente conhecido comparece, não contesta, mas entrega o título ao juízo, caso em que, para efeitos quanto a terceiros se tem de instalar o procedimento edital (não mais identidade do sujeito passivo); o processo começou pelos editais e alguém, que tinha o título, não compareceu; e) o processo começou pelos editais e alguém, que tinha o titulo, compareceu, dizendo tê-lo achado ou furtado; J) alguém, que tinha o título, compareceu, dizendo, por exemplo, tê-lo comprado a terceira pessoa (que o guardava como possuidor direto do autor). Só no caso b) a ação de amortização obsta à de vindicação mas, ainda assim, porque essa seria inútil. Nos demais, ou se dá diferença na legitimação passiva, ou na causa. 2. Ação vindicatória da posse. Só se permite a vindicação da posse nos casos de perda e furto (incluído o roubo, pois esse éo sentido de direito civil). Coisas perdidas e, pois, títulos ao portador perdidos são os que escapam à posse imediata (direta) de alguém, sem intenção do possuidor e sem ato de outrem (por acaso, no sentido vulgar). Se deixamos, no jardim, uma coisa e nos esquecemos de apanhá-la, perdê-mo-la. A vindicação da posse é autorizada para que o acaso não seja reconhecido como fonte de perda da posse. Sobre questões de direito material, nossos Dos Títulos ao Portador, 2ª ed., 11, 183-192, e Tratado de Direito Privado, Tomo XXXIII, §§ 3.758-3.762. 3. Ação de direito à posse, e não ação possessória. A ação de vindicação da posse é ação de direito à posse, e não ação de posse. Por ela pede o autor a restituição da posse. Tem eficácia real e não pode ser cumulada com a possessória de reintegração da posse. Mas pode ser cumulada com a ação nata do próprio direito (vindicação do usufruto, do penhor, ação pessoal de direito à restituição da coisa). O que a caracteriza é a restituição definitit’a do titulo (Otto von Gierke, Die Bedeutung des Fahrnisbesitzes, 65). Exercida pelo titular de direito pessoal (e. g., o depositário do título ao portador), não converte o direito pessoal em real, apenas o reveste de proteção eficaz perante todos (Otto von Gierke, Die Bedeutung des Fahrnisbesitzes, 70; CarI Crome, Die juristische Natur der Miethe, Jherings Jahrbúcher, 37, 64 s.)
4. Ação vindicatória específica. A ação de que se trata, é vindicatória, sem se confundir com a reivindica tio, tanto que dela pode usar o que tem direito pessoal ao título ao podador e o perde, ou se lhe é furtado (CarI Crome, System, III, 241). Protege o direito à posse do título ao portador. Nela foram fundidos os conceitos de ação real e de ação pessoal, para maior utilidade têcnica e social (Dos Títulos ao Portador, 2º ed., II, 195). 5. Perda e furto, abuso de confiança, diferença de tratamento. O sistema jurídico submetera as coisas furtadas e as perdidas a regime diferente daquele que se refere às coisas confiadas à posse de outrem (abuso de confiança). Essa é uma das distinções entre a ação de vindicação da posse e a ação de amortização. Assim, não cabe a ação de vindicação da posse o tenedor do titulo o adquiriu do credor pignoratício, do depositário, do mandatário, do comissário, do comodatário, do tutor, do depositário público. Cabe, se quem alienou o título era apenas servidor da posse (criados, trabalhadores, operários, em relação aos títulos que estão ao seu alcance). Esse é ponto da mais alta relevância na distinção (Karl Wieland, Kommentar, IV, 513; Franz Leonhard, Vertretung beim Fahrniserwerb, 109, nosso Dos Títulos ao Portador, 2º ed., II, 170, onde se tem a discussão sobre o caso dos direitos de fábricas, bibliotecários e outros casos. Entram na classe dos títulos ao portador furtados os que foram subtraidos: por extorsão; com extorsão e seqUestro da pessoa; por furto ao possuidor não-proprietário; por furto imputado ao proprietário, quando e. g., possui o título o usufrutuário, o fiduciário, o credor pignoraticio; por pilhagem. Não entram na classe dos títulos furtados: os que foram entregues pelo possuidor, ainda sob a influência de erro, dolo ou fraude, ou outro defeito de vontade, exceto violência (RarI Binding, Die Ungerechtigkeit des Eingentumserwerbs vom Nichteigentcimer, 18 5.); os que foram alienados pelo titular da posse derivada, conheça esse, ou não, a posse que tem (Karl Wieland, Kommentar, IV, 513; nosso Dos Títulos ao Portador, 2º ed., II, 177); os que foram alienados pela pessoa a quem o decujo confiou, ou pelos herdeiros, ou pelo inventariante. São vindicáveis os cupões separados, ainda se antes de vencidos. Se divisíveis os títulos, continuam suscetíveis de vindicação possessória as partes, quer tenha sido anterior, contemporânea, ou posterior ao furto a separação.
A ação de vindicação da posse não se estende aos casos de abuso de confiança ou de apropriação indébita (2º Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Paraná, 22 de maio de 1945, Paraná J 42/67). 6. Melhor posse e uindicação. A pessoa contra quem se exerce a ação é a que tem consigo o titulo ao portador, e o autor alega, contra ele, ter melhor posse. O réu pode opor: a) que o possui de boa-fé e justo título, sem interrupção e pacificamente e usucapiu; b) que o possui, ainda sem título, e independente de boa-fé, por tempo suficiente à usucapião. O possuidor pode, para o fim de contar o tempo, acrescentar à sua posse a do seu antecessor. A posse intermédia de boa-fé não obsta à vindicação da posse (Dos Títulos ao Portador, 2º ed., II, 197 e 198; Tratado de Direito Privado, Tomo XXXII). 7. Natureza da regra jurídica sobre vindicação da posse. Mesmo se inserta em lei processual civil a regra jurídica sobre vindicação da posse não é regra de direito processual. Assim, apenas explicita a doutrina de direito material, tal como a expusemos em 1921.
8. Prova a ser feita. A prova que se tem de fazer na ação de vindicação da posse, que é a ação que corresponde à pretensão de direito material mostra bem a natureza da ação. Ê fundada na posse, e não na propriedade. Cabe quando não se possa usar, ou não se prefira usar da ação comum de reivindicação das coisas móveis (o título ao podador é uma delas). No direito brasileiro, permite-se contra o possuidor de boa-fé (aliter, no direito alemão). Estão sujeitos à vindicação da posse as debêntures, os bilhetes de loterias, as guias de exportação (Dos Títulos ao Portador, 2ª ed., II, 205-207) e outros títulos. Capítulo X Ação do titular do direito de preferência para haver do terceiro a coisa
§ 43. Precisões conceptuais
1. Executividade de ação do titular do direito de preferência. Se a coisa foi alienada, sem se atender ao direito de preferência, tem o titular de tal direito a ação de reivindicação, porque dela uma das espécies é a ação do titular do direito de preferência exercível contra terceiro. Também lhe cabe a ação para pedir a indenização. Aquela é executiva: tem 3 de declaratividade, 2 de constitutividade, 4 de condenatoriedade, 1 de mandamentalidade e 5 de executividade. A ação para haver do terceiro a indenização é condenatória, com 3 de executividade. Não há altematividade de pretensão do prejudicado no seu direito de preferência (exigir a coisa ao terceiro, ou pedir ao alienante perdas e danos); apenas se figura o caso de ser direito real o de preferir, ou de ser pessoal. A primeira proposição é inútil, porque repetiria, apenas, o direito material, sem ter estabelecido, como fora de esperar-se, a forma do processo para a ação de reivindicação. A segunda não o é menos. A interpretação que atribui ao sistema jurídico ter elevado os direitos pessoais de preferência, tal como se criam no direito material, à categoria de direitos reais aberra dos princípios, porque a reivindicação é, aí, somente a que a lei de direito material autoriza: é sanção do direito material de que não se extinguiu, e é erga omnes, contra os efeitos do negócio juridico que o violou. Aquela interpretação (Ataliba Viana, Ações Especiais, 43; Jorge Americano, Código, II, 117) não vale, ainda para se dizer que o legislador processual não podia fazê-lo (J. M. de Carvalho Santos, Código, IV, 289). O legislador podia fazê-lo; apenas, quanto a legislador processual, não podemos, ainda na dúvida, entender que redigiu regras de direito material; temos de supor que não as formulou, salvo se são expressas. Nesse momento, seria legislador de direito material, e não processual, como ocorre noutras regras do Código. 2. Terceiro demandado. Se a ação do titular do direito de preferência é contra terceiro, tudo muda: o peso 5 de executividade passa à frente. Escusado parece advertir-se que, se o terceiro adquiriu o bem imóvel, quando já
o alienante constava do registro sem o dever de respeitar o direito formativo, a reivindicação não pode ir contra ele. 2. Duas ações. Conforme antes dissemos, não há a alternatividade cogente das ações: pode ser usada a de reivindicação, cumulando-se-lhe a de indenização, ou separadamente.
§ 44. Ação do titular do direito de preferência contra o obrigado e ação do obrigado 1. Eficácia das duas ações. Acima falamos (§ 43) da ação do titular do direito de preferência contra o terceiro. Aqui, abstraiamos de ser terceiro o demandado: ou a ação é do próprio obrigado, ou é do titular do direito contra o obrigado. No Tomo III, 685, mostramos os pesos das duas sentenças: na ação do obrigado à preferência, há 4 de declaratividade, 5 de constitutividade, 1 de condenatoriedade, 2 de mandamentalidade, 3 de executividade; na ação do titular do direito de preferência, 4 de declaratividade, 5 de constitutividade, 2 de condenatoriedade, 1 de mandamentalidade, 3 de executividade. Por onde se vê que, no caso de óbice, pode advir a ação executiva, devido ao peso 3. Ambas são ações constitutivas. Senado um processo e a solução foi a de distinguir-se do possuidor de boa-fé o de má-fé. Mas muitas discussões, ainda hoje, existem quanto à aplicação do senatus-consulto, desde então, às causas hereditárias.
Capitulo XI Ação de petição de herança
§ 45. Precisões quanto a dados históricos
1. Direito romano e sistemas posteriores. Uma vez que, com a morte de alguém, havia herdeiro ou herdeiros, tinha-se, no direito romano, de se conceber a tutela jurídica do direito à herança, com a hereditatis petitio ou uindicatio hereditatis. Com ela, adquiria-se a herança ou os bens pertencentes a ela, indo-se, pois, contra quem os possuia. Evidentemente, tinha de ser respeitada a posse de quem a tinha em virtude de algum titulo (e. g., credor com direito de penhor, locatário). Em suma: também havia a hereditatis petitio do fideicomissário universal (hereditatis petitio fideicommissoria e a hereditatis petitio do bonorum possessor). A entrega da herança podia ser pelo próprio possessor pro herede ou pelo possessor pro possesso re. Havia as ações derivadas, por exemplo, de herança de usufruto, de créditos. O autor da ação tinha de afirmar e provar que herdara. À semelhança do que se passava com a rei vindicatio, havia, na hereditatis petitio, o direito de defesa. Se não ocorria sua alegação, o herdeiro usava o interdictum quam hereditatum, com o qual o Pretor obrigava o possuidor a restituir as coisas hereditárias. Podia acontecer que alguma alteração ou algumas alterações tivessem ocorrido em bem ou em bens da herança, ou mesmo destruição. Já no antigo direito romano se levantava a questão da responsabilidade do possuidor e o .Senatus consultum Juventianum, cujo nome se deve a um dos autores, o jesuíta Juventius Celsus, da época de Adriano. 2. Mudanças e consequiências. No direito romano e no direito comum, havia lapso entre a dilação e a aquisição da herança. O sucessível ficava na posição jurídica de pessoa a quem se deferia a herança, a quem a herança era delata (delata hereditas). Daí em diante podia adir, aceitar (L. 151, D., de verborum significatione, 50, 16: “Delata hereditas intellegitur, quam quis possit adeundo consequi’). Não há nos textos a expressão dela tio hereditatis. Empregou-se para se falar de chamada à herança, quer haja, ou não haja, depois, a adição. Mas no direito comum atendia-se a que os sui heredis, sem prejuízo do benefici uni abstinendi, se tornavam, desde logo, herdeiros. Se não havia sutis heres, a herança jazia, era hereditas iacens, enquanto não ocorria a adição. Havia apenas a proteção do patrimônio, como seria quanto a patrimônio de pessoa viva.
Tudo isso passou. Antes da aceitação, todos os direitos —reais ou pessoais — estão transferidos, no momento da morte. A herança não jaz sem dono, de jeito que o conceito de herança jacente mudou. Quando, no tempo em que se espera o nascimento do herdeiro concebido, ou de alguma decisão sobre a legitimação ativa de alguém à herança, ou em que se aguarda a personificação de sociedade ou fundação, criada pelo decujo, ou outro ato que acaso seja necessário, a herança já é de alguém: apenas não se sabe se é o beneficiado pela lei, ou pelo testamento, ou se algum dos herdeiros legítimos, ou de outrem, que é herdeiro legitimo, ou de herdeiros testamentários. Não é a sucessão “que está em suspenso , expressão que repelimos e aparece em Theodor KippMartin Wolff (Lehrbuch, II, 3, § 8, VIII), mesmo se há de admitir o instituto da hereditas iacens, tal como existia no direito romano (e. g., Gustav Schwartz, Kritisches Ober Rechtssubjekt und Rechtszweck, Archiu ftir Búrgerliches Recht, 35, 68 s.). Apenas se espera a manifestação de vontade do herdeiro: aceita, ou não aceita. A herança não está sem dono até que haja a aceitação, como pareceu a Konrad HelRFig (Die Vertrãge auf Leistung na Dritte, 244) e a F. Bemhãft (Zur Lehre von den Fiktionen, 244 s.).
3. Direito brasileiro. Foi o Alvará de 9 de novembro de 1754, seguido do Assento de 16 de fevereiro de 1786, que introduziu no direito luso-brasileiro a transmissão automática dos direitos, que compõem toda a propriedade, a posse, os introduziu no direito luso-brasileiro a transmissão automática dos direitos, que compõem o patrimônio da herança, aos sucessores, legítimos ou não, com toda a propriedade, a posse, os direitos reais e os pessoais. O que era propriedade e posse do decujo passa a ser propriedade e posse do sucessor a causa da morte, ou dos sucessores, em partes ideais, ou conforme a discriminação testamentária. Dá-se o mesmo com os créditos transferíveis e as dívidas, as pretensões, as obrigações e as ações. Alguns juristas pouco esclarecidos sobre a teoria da posse, tal qual está no direito brasileiro, dizem que, enquanto se procede ao inventário e à partilha, a posse, no caso de comunhão de bens, incumbe ao cônjuge sobrevivente, e, nos demais casos, ao inventariante. Há, aí, grave confusão entre posse mediata e posse imediata, posse própria e posse imprópria. O cônjuge sobre-vivente, na comunhão de bens, tem a posse própria, que lhe cabia (composse própria), e, com a morte do cônjuge, passa a ter a posse imprópria, imediata, sobre a parte que era do falecido. Quanto ao inventariante, que é herdeiro, tem ele a posse própria e a imediata da parte ideal que lhe toca, ou dos bens que lhe foram deixados com discriminação, e a posse imprópria imediata de todos os bens que lhe foram entregues para inventário e partilha. Se o decujo não tinha posse imediata de algum ou de alguns bens, o cônjuge, ou o inventariante herdeiro, não passa a tê-la. Apenas se intercala entre os outros herdeiros e o possuidor imediato, que como tal continua. No tocante ao que lhe cabe, como parte indivisa ou divisa, tem ele a posse própria, e o possuidor imediato continua como possuidor imediato. Com a sucessão, o domínio e a posse da herança transmitem-se, imediatamente, aos herdeiros legítimos e testamentários. Morto o decujo, qualquer titularidade de direito transmissível a causa de morte e a posse transmitem-se aos herdeiros, legítimos ou testamentários Herdeiro não pede, aí, imissão na posse, porque posse ele tem. Pode exercer ação de esbulho, ou de turbação, ou qualquer ação possessória. Todavia, se o decujo precisava pedir imissão na posse, tem o herdeiro de pedi-la, porque o que se lhe transmitiu foi direito à posse, e não a posse. Se o decujo tinha ação a propor, ou se a propusera, o herdeiro insere-se na posição jurídica do falecido, no momento mesmo em que se dá a morte. Se contra o decujo pendia ação, o herdeiro torna-se parte, como o decujo o era. Se o herdeiro falece, mesmo antes de aceitar a herança, com os seus sucessores ocorre o que ocorrera com a pessoa de que herdara. Se algum co-herdeiro propõe ação contra possuidor ou tenedor de bens da herança, não tem importância qualquer alegação de só ser do demandante uma fração da herança, porque o herdeiro da parte tem legitimação para exercer qualquer ação no tocante ao todo da herança. Resta saber-se, tendo o falecido discriminado bens que encheriam as partes ideais, persiste o princípio da legitimidade do herdeiro quanto ao todo. Temos de distinguir: a) a deixa de partes ideais que teriam de ser diminuídas se, quanto ao bem posto noutra parte ideal, adviesse a perda da ação, pelo herdeiro, como demandante, ou como demandado, e b) a deixa de partes ideais, que não sofreriam subtração em caso da perda por outro herdeiro, no que se refere a bem discriminado ou a bens
discriminados na sua parte. Instituída herdeira qualquer entidade de direito privado ou público, desde que já personificada, a herança insere-se automaticamente no patrimônio da pessoa jurídica. O que pode ocorrer é que ela renuncie à herança; mas, ai, tudo se passa como a respeito de qualquer pessoa física. Na transmissão da propriedade e da posse, o que se transmite é o de que o decujo era titular, e também se transmitem as dívidas do decujo, as pretensões e ações contra ele, porque a herança compreende o ativo e o passivo. Aliás, não só a propriedade, em sentido exato e estreito, se transmite: transmitem-se todos os direitos, pretensões, ações e exceções, de que era titular o falecido, se transmissíveis. A referência a “domínio” seria infeliz. O que se transmite é o patrimônio, atendida a limitação no tocante ao passivo. Se o falecido havia, por exemplo, vendido algum bem, responde ao comprador o herdeiro, ou respondem os herdeiros. Se houve o negócio jurídico bilateral e o acordo de transmissão, o terceiro, que o obtivera, tem direito ao registro da escritura pública, ou de outro instrumento suficiente, se do registro é que resulta a transmissão. Quem é titular do direito que lhe resulta de acordo de transmissão é legitimado a exigir do oficial do registro, ou da repartição em que o registro haja de ser feito, que o registro ou outra formalidade legal se faça (cf. 1’ Turma do Supremo Tribunal Federal, 6 de novembro de 1952). Quanto ao imposto de transmissão da propriedade, a causa de morte, a invocação da regra jurídica sobre a saisina foi erro da 1’ Turma, a 4 de julho de 194ª (RJB 92/29). A posse, a que se refere a saisina, é qualquer posse, a imediata e a mediata, a própria e a imprópria (e. g., a do locatário, a do depositário), bem como qualquer direito à posse, ou à reaquisição da posse. Reduzir a saisina à posse “estado de fato”, foi erro em que incidiu a 1’ Câmara Cível do Tribunal de Apelação de Minas Gerais, a 19 de junho de 1941 (RF 88/467). O cessionário do direito à posse, como o terceiro a que se fez tradição da posse, pode opor embargos de terceiro (2ª Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 13 de novembro de 1945, RT 161/237).
§ 46. Legitimação ativa 1. Legitimação dos herdeiros quanto ao todo da herança. O assunto é de grande relevância se os herdeiros são necessários, porque, aí, as partes ideais têm de ser iguais. Se fala de ser indivisível o direito dos herdeiros até que se ultime a partilha, isto é, até que seja julgada e trânsita em julgado a sentença, há as duas espécies escapas: a de preexistência de partilha amigável e a da individuação do bem ou dos bens inclusos na parte ideal. Chamadas, simultaneamente, à herança, duas ou mais pessoas, será indivisível o seu direito, quanto à posse e ao domínio, até que se ultime a partilha. Qualquer dos co-herdeiros pode reclamar a universalidade da herança ao terceiro, que indevidamente a possua, não podendo este opor-lhes, em exceção, o caráter parcial do seu direito nos bens da sucessão. No direito romano, domínio e posse da herança não se transferiam aos herdeiros pelo simples fato da morte. No direito posterior, continuou o lapso e, no direito luso-brasileiro, foi o Alvará de 9 de novembro de 1754, com a contribuição do Assento de 16 de fevereiro de 1786, que iniciou a nova época em que se colocou o direito brasileiro. Os direitos que automaticamente se transmitem a causa de morte são todos os direitos que se incluem na herança. O que pode acontecer é que se protraia a entrega do bem, mas, em tais espécies, o herdeiro incumbido da prestação é proprietário e possuidor até que ocorra a transmissão. Enquanto se procede a inventário, a posse imediata fica com o cônjuge, ou com algum herdeiro, que a tenha, ou com o inventariante. Não se confunda com a posse própria dos herdeiros a posse imediata, que, a respeito dos bens que não são herdados pelo possuidor, ou dos bens em propriedade comum com o cônjuge sobrevivente, tem o herdeiro, ou o inventariante, ou o cônjuge, de que falamos, ou talvez, mesmo, terceiro, como o locatário, ou o depositário. A posse que passa aos herdeiros, automaticamente, não éa titulo provisório, é posse própria, definitiva, que pode ser mediata (e. g., o decujo alugara o bem), ou apenas imediata (e. g., o decujo era arrendatário das terras). Se o bem era em comunhão matrimonial, a posse imediata continua com o cônjuge, sem que se pré-exclua a eventual composse com os herdeiros, como se esses a tinham ao tempo da abertura da sucessão, ou se a tomaram
depois, por ser conveniente à defesa dos seus direitos. Alguns juristas têm falado de posse provisória pelo cônjuge sobrevivente, mas o que se atribui ao cônjuge sobrevivente, se o regime de bens era o da comunhão, e, sendo mulher, convivia com o marido ao tempo da morte desse, é a legitimação a ser nomeado inventariante. Se de alguns bens não tinha ela a posse, por serem incomunicáveis, adquire-a o cônjuge ao ser nomeado inventariante. Se esses bens estavam sob a posse de algum herdeiro, ou de alguns herdeiros, a posse que o cônjuge sobrevivente adquire com a nomeação para inventariante é a posse imprópria mediata, e não a posse imediata. Se o bem era comum e com algum herdeiro estava a posse imediata, sem dever cessar à abertura da sucessão, o cônjuge sobrevivente continua com a posse própria mediata, que era a sua. 2. Herdeiros testamentários. Tratam-se em pé de igualdade herdeiros legítimos e herdeiros testamentários. A devolução, num e noutro caso, obedece ao mesmo princípio. Da unicidade de conteúdo da regra jurídica tira-se que domínio e posse, ali e aqui, se sujeitam à mesma instantaneidade de transmissão. Mas a aceitação é igualmente indispensável: não há herdeiros que herdem sem querer; o que não o quiser, não herda. Saber quais os que devem herdar legitimamente é coisa fácil. Provado o parentesco, tudo está resolvido. As dúvidas, de ordem doutrinária, são, praticamente, nenhumas. Mas, se a herança é ex testamento, pode a letra depender da interpretação. Donde embaraços. Maiores, se há herdeiros legítimos que impugnam, por nulidade ou anulabilidade, o testamento. Enquanto pende a ação de nulidade, ou de anulação, o tempo cone, e os herdeiros testamentários podem ser afastados com a res iudicata. No § 6,1, de legitima adgnatorum successione, 3, 2, decidia-se: se o defunto não fez testamento, a proximidade determina-se pela época da morte (“Proximus autem, si quidem nuílo testamento facto quisque decesserit, per hoc tempus requiritur, quo mortuus est is cuius de hereditate quaeritur”). Mas, se o fez, épela época em que se tornou certo que nenhum herdeiro, em virtude deste testamento, existe: pois é só então que se pode considerar que morrera intestado (“quod si facto testamento quisquam decesseri per hoc tempus requiritur, quo certium esse coeperet nuílum ex testamento heredem extaturum: tum enim proprie quisque intellegitur intestatus decessisse”). As vezes, 50 se decide muito tempo depois (“quod quidem aliquando longo tempore declaratur”), e, no intervalo, acontece, não raro, que morre o mais próximo, de modo que se torna mais próximo o que dantes não era (“in quo spatio temporis saepe accidit, ut proximiore mortuo proximus esse incipiat, qul moriente testatore non erat proximus”). Nem esse é o bom princípio, nem o acolhe a lei brasileira. A sentença que decreta a nulidade ou anula o testamento é de eficácia declaratória e força desconstitutiva ex tunc. Os efeitos são desde a morte do testador: o que era nulo, ou anulável, nulo ou anulado está desde o dia da morte, pois a própria anulação pela coação, ou pelo dolo, opera desde todo o princípio: não há testamento; a ineficácia existe, não houve momento de eficácia que reside a força cancelante da sentença anulatória. Ato unilateral, nem sequer se lhe pode aplicar a ressalva de interesses dos aparentemente beneficiados, salvo os princípios gerais de in rem versio. Ainda nos casos de condição suspensiva, ou resolutiva, e renúncia, tudo se passa como se o hereditando ab origine tivesse morrido intestado. Se o único herdeiro renuncia, devolve-se ao que, sem ele, seria herdeiro no dia da morte do testador. Deixou B cem apólices a A, sob a condição de doutorar-se aos vinte e cinco anos. Mas A não o consegue. A condição não foi satisfeita. Se os vinte e cinco anos se completaram no ano seguinte do falecimento do decujo quem sucede a B . Os que viviam ao tempo em que morreu, ou os que vivem ao tempo em que falha a condição? Aqueles, e não esses. (a) Nada tem o direito brasileiro, no que concerne à transmissão causa mortis, com o direito romano: o principio é o de transmitirem-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários, o “domínio” e a “posse” (entenda-se a propriedade ou outra titularidade e a posse). (b) Como o direito francês, que, nesse ponto, é o mais germânico, temos a saisina; porém, não a restrição aos herdeiros legítimos e aos legatários universais, no caso do Código Civil francês, art. 1.006. A imissão na posse é proposta contra o que se diz herdeiro ou legatário com posse, sem no ser; ou contra o que se diz possuidor sem ter posse. Por isso mesmo, não serve para se tirar a posse de outrem. Contra titulo possidentem non datur interdictuni adipiscen doe. Seria absurdo usá-la para se retirar a posse ao que está a usucapir (Manuel Mendes de Castro, Pra ctica Lusitana, II, 243): “ ... contra titulo possidentem non datur hoc interdictum, sed contra eum, qui possidet pro possessore, vel pro haerede .. sic non competit contra eum, qui rem usucaptam habet iusto errore, qui error iustus pro titulo habetur ad usucapionem..
A posse passa aos herdeiros legítimos e testamentários. Se só os há legítimos, fácil é saber-se quais são. Se pende algum processo de habilitação, ou de investigação de paternidade ou maternidade, de que aquela dependa, só a sentença fará certo o direito, e com ela é que se pede a imissão na posse, se bem que o herdeiro assim reconhecido tenha sido proprietário e possuidor desde a abertura da sucessão. Se só existem herdeiros testamentários, imitem-se na posse todos os que a houveram do decujo por força do testamento que se mandou cumprir. Daí a importância do “cumpra-se”. O que é, segundo o testamento herdeiro, ou legatário com posse, tem direito à imissão enquanto não passa em julgado a sentença que declara a nulidade ou anula o testamento Após esse trânsito, os que são herdeiros legítimos, ou testamentários, segundo outro testamento, é que podem propor o remédio adipiscendae. Se há terceiros legítimos e testamentários, cada um tem o direito à imissão segundo o seu titulo. Uma vez que o testamento dá a posse, desde logo, a algum legatário, cabe-lhe o remédio adipiscendae, à semelhança do que ocorre com os beneficiados, em atos entre vivos, com a cláusula constituti. Desde o dia da morte do testador, é do legatário a coisa legada, com os frutos que produzir. Pode dar-se que haja condição ou termo para a aquisição (o que não se confunde com a condição ou termo para a execução do legado). Se o legado foi de crédito, transmite-se a titularidade desde a morte do testador. O que pode acontecer é que haja termo ou condição para a aquisição.
3. Herdeiro desconhecido e herdeiro ausente. Nem o fato de se desconhecer quem é o herdeiro, nem o de estar ausente o sucessível, implica ficar a herança sem transmissão. Só há herança se alguém herda, porque isso resulta do principio da saisina. Se o desconhecido não se apresenta, ou se o que se cria ausente não existia, ou renunciou, há quem seja herdeiro, inclusive, se faltam os suscessíveis parentes, cônjuge e suscessíveis testamentários, a entidade estatal, o Fisco.
4. Atitude volitiva dos herdeiros. No momento em que ocorreu a morte do decujo, a herança transferiu-se aos herdeiros, automaticamente. Tem-se de conceituar o que se passa em síntese que atenda ao elemento germânico da saisina e às reminiscências da aditio e da repudiatio. A expressão “renúncia”, que hoje se emprega, não é má, porque se supõe direito nascido, a que a declaração unilateral de vontade põe fora. A adição, a aceitação, também é declaração unilateral de vontade. Não se pode deixar de ver que a própria terminologia romana, ao tempo, portanto, em que não havia a saisina, vacilava. Na L. 24, § 2, D., de minoribus viginti quinque annis, 4, 4, em texto interpolado, empregou-se repudiaverit hereditatem, e, na L. 1, § 4, D., ut in possessionem legatorum vel fideicommissorum servandorum causa esse liceat, 36, 4, “si certum sil repudiatam vel omissam hereditatem”. No sistema jurídico brasileiro, a expressão “renúncia” atende ao que se passa, porque houve a transmissão; apenas, ai, a renúncia tem eficácia ex tunc. Para que se possa abrir herança, é preciso que tenha morrido o decujo. Não há adição prévia ou anterior à abertura da sucessao. Nem vale promessa de adição. Se há ou houve a morte, a promessa vale e é adição, e não promessa de negócio jurídico unilateral. O praetermittere e o omittere não ficariam bem; e o repudiare seria equívoco. Há o spatium deliberandi, que é aquele a que corresponde o termo judicial. A aceitação da herança pode ser expressa ou tácita; a renúncia tem de constar, expressamente, de escritura pública, ou termo judicial. Frisemos que foi absurda a opinião de Ernst Stampe (Un gere Rechts — und Begriffsbildung, 55 s.; Besprechung, Juristische Wochenschrift, 51, 22), para quem a aceitação da herança seria aceitação de oferta, e a renúncia, rejeição. Não há qualquer relação jurídica entre o decujo e o herdeiro, quer legítimo, quer testamentário, ou o legatário, mesmo porque o decujo não mais existe. Além disso, seria relação jurídica contratual, o que se teria de repelir. A herança transmite-se aos herdeiros e legatários, mas a renúncia tem eficácia negativa ex tunc: quem renuncia nunca foi herdeiro ou legatário. Tem-se de considerar o beneficiado como se não existisse, de modo que, modo A, com a renúncia pelo filho único, B, herdeiro legitimo, não se afasta a transmissão da herança a C, ou a C e D, netos do decujo e filhos de B. Mais: se A tinha outros filhos e
todos renunciaram, os filhos do renunciante vêm à sucessão por direito próprio. No direito romano, a aceitação, a adição, era pressuposto necessário para que se desse a transmissão da herança. No direito brasileiro, a adição pode ser tácita e, se o decujo, A, deixou a B, e, na sua falta, a C, e morre B após A, o que se há de entender é que E adiu à herança, a despeito de ter morrido sem expressar a sua vontade, ou, mesmo, na ignorância da deixa. Os sucessores de E podem adir, ou renunciar à herança, porque se lhes transmitiram todos os direitos, deveres e ônus do herdeiro falecido. Pode dar-se, porém, que o testador haja instituído herdeiro a B, com fideicomisso, ou sob condição suspensiva, que se não verificou. Aberta a sucessão, passado o tempo fixado por lei, qualquer interessado pode pedir que o juiz fixe prazo, conforme as regras jurídicas, para que o beneficiado declare se recusa, ou não, a herança ou o legado. Se nada expressou, tem-se como adita a herança. 5. Transmissão da herança e aceitação. A transmissão da herança, automática, como é, faz nascer o direito de aceitar ou de renunciar. Se o sucessível aceita, não mais pode renunciar; igualmente, se deixou expirar o prazo judicial para a manifestação unilateral de vontade sem renúncia. A expiração do prazo (o advento do termo judicial) é aceitação. O juiz, ao fixar o termo para a manifestação unilateral de vontade do herdeiro, cuja omissão aceitação é, tem de atender às circunstâncias. Não pode ser curto, nem maior do que se fixa a lei, porque há de ter tempo o herdeiro, para verificar se convém, ou não, aceitar, e o limite atende a que se inicia com o conhecimento, O herdeiro pode estar fora do país, ou servindo em guerra, ou em missão especial, ou estar desaparecido, ou ausente, e, em todas essas espécies, tem de haver notificação, inclusive através de carta precatória. É preciso que a renúncia parta de quem pode renunciar. Se o testador deixou os bens para se constituir sociedade ou fundação, ou a sociedade, ou a fundação, há de ter tempo para que possa satisfazer exigências de personificação, e o presidente, ou a diretoria, não pode renunciar à herança, porque seria permitir-lhe destruir a fundação (Ernst Zitelmann, Aligemeiner Teu, 72). A aplicação dos bens na criação e personificação é missão do testamenteiro e do próprio juiz.
§ 47- Conceito e natureza da ação de petição de herança 1. “Hereditatis petitio”. A hereditatis petitio, que se deferia ao herdeiro civil, era uindicatio hereditatis, pela qual se obtinha a entrega da herança ou dos objetos pertencentes a ela, por parte do possuidor, mas apenas dirigida contra quem tivesse, necessariamente, de discutir o direito do autor, não contra o que pudesse alegar propriedade, direito de penhor, ou outro direito real, ou pessoal, de que lhe adviesse a posse. Na época antiga, mais estreita era a limitação à legitimação passiva. Ao tempo das Iegis actiones, tratava-se de juízo duplo: vindicatio, contravindicatío; de modo que se exigia que o autor afirmasse o seu direito (uindicatio) e o réu o seu (contravindicatio). O demandado havia de ser possuidor pro herede. Com o procedimento formular, a hereditatis petitto deixou de ser juízo duplo; de jeito que não era pressuposto da legitimação passiva o ter de afirmar-se herdeiro o demandado. Desde que o demandado possuia a herança, ou o bem da herança, sem poder apresentar titulo de seu direito à posse, somente negando o direito do autor a hereditatis petitio podia ser dirigida contra ele. Portanto; contra os que se consideravam os verdadeiros herdeiros ou co-herdeiros (pro herede possidentes) e os que sabiam que o não eram (pro possessore possidentes), quer o revelassem, quer o não revelassem, restringindo-se a lide à discussão do direito do autor (Gaio, IV, 144: “... pro herede autem possidere videtur tam is qui heres est, quam is qui putat se heredem esse; pro possessore is possidet, qui sine causa aliquam rem hereditariam, vel etiam totam hereditatem, sciens ad se non pertinere, possidet”). Na L. 11, D., de hereditatis petitione, 5, 3, Ulpiano diz: “Possui na qualidade de herdeiro o que crê que é herdeiro”. Mas pergunta-se acaso também possui na qualidade de herdeiro o que sabe que não é herdeiro: opina Arriano, no Livro Segundo dos Interditos, que ele responde (Arrianus .. .putat teneri); de cujo direito usamos, escreve Próculo. De fato, considera-se que também o possuidor dos bens (bonorum possessor) possui na qualidade de herdeiro. Porém, possui como possuidor o possuidor de má-fé. O texto de Gaio diz que possui na qualidade de herdeiro não só o que é herdeiro, mas ainda o que se crê tal, e possui como possuidor o que, sem causa, possui coisa hereditária, ou mesmo toda a herança, que ele sabe não lhe pertencer. A redação que a codificação justinianéia deu à L. 11 está errada e a parte final o põe em evidência. O possuidor que, sabendo não ser herdeiro, se diz herdeiro, não possui
na qualidade de herdeiro, mas pro possessore, não é possessor pro herede. A parte final — “Pro possessore vero possidet praedo” — choca-se com o “is, qui scit se heredem non esse, pro herede possideat, quaeritur”. A hereditatis petitio sempre deu ensejo a discussões. No próprio direito justinianeu há contradições (e. g., tida como incluída nas actiones in rem, a L. 25, § 18, D., de hereditatis petitione, 5, 3, admitia que atingisse praestationes personales). Ora se falava de petitio, ora de vindicatio. Por outro lado, refletia-se a questão que se levantava a propósito da rei vindicatio: seria necessário, para a responsabilidade, que a posse existisse no momento da iitis contestatio e no da sentença (Sabinianos), ou bastaria que houvesse em qualquer dos dois momentos, ou, mesmo, em nenhum (Proculianos). Cf. Max Kaser, Restutuere ais Prozessgegenstand, 108 s. Entre os argumentos contra a natureza real da hereditatis petitio levantou Santi Di Paola (Saggi in materia di “hereditatis petitio”, 10) o de, ao tempo dos jurisconsultos clássicos, bastar à legitimação passiva o ter os pretia (L. 16, § 1, D., de hereditatis petitione, 5, 3: is qul pretia rerum hereditarium possidet... petitione hereditatis tenetur”). O autor invocava o seu direito à herança, mesmo se o demandado apenas possuía uma só res hereditaria, razão por que apanhava o que fosse adquirido post li tem contestatam. Que há antinomia entre Gaio, II, 52, e Gaio, IV, 144, a propósito do que seja possuidor pro possesso re, não se pode ocultar, mas há explicação para os dois textos: quem sabia não ser herdeiro e computava como tal, era possuidor pro herede (II, 52); a propósito do interdicturn quorum bonorum, verificava-se a boa ou a má-fé do legitimado passivo (IV, 144). Santi di Paola (66 s.) negou a existência clássica da legitimação passiva do possuidor pro possessore, invocando a L. 12, D., de iureiurando siue voluntario sive necessario sive iudiciali, 12, 2; mas, aí, sem razão, por não ser bastante o argumento. A hereditatis petitio, nos tempos clássicos, era formular, e, assim, faltava-lhe a eficácia prejudicial (cf. Matteo Marrone, L’efficacia pregiudiziale della sentenza nel processo civile romano, Annali Palermo, 24, cap. II, §§ 3 s.). O possuidor pro herede é o que possui como se fosse herdeiro, ainda que não o seja. O possuidor pro possessore não possui como titular de herança, nem a sua posse supõe titulo que lhe dê a posse. Para Joseph Dénoyez (La possession “pro herede aut pro possessore dans linterdit “quorum bonorum”, Studi in Onore di Vicenzo Arangio-Ruiz, [1, 287 s.), o titulo pro possessore concerne a quem sabe que lhe não toca a sucessão, de modo que, no plano sucessório, nenhuma razão teria para se imitir na posse: a posse pro herede aut pro possessore era a que teria de ser restituida, se, em vez de se tratar de interdito quorurn bonorum, se tratasse de petição de herança (cf. Joseph Dénoyez, Le Défendeur à la Pétition d’Hérédité Priuée en Droit Romain, 14 s.). Em verdade, as novas regras jurídicas sobre os pressupostos da legitimação ativa para a hereditatis petitio, concernentes àpessoa do demandado, só aparecem com precisão em Papiniano, Paulo e Ulpiano. A expressão praedo, que está na L. 11, § 1, D., de hereditatis petitione, 5, 3, tem a definição na L. 25, §3: trata-se de quem quer que, sem causa, tomou a posse de coisas hereditárias, sabendo que não tinha direito à herança. O que é certo é que os textos concernentes à hereditatis petitio sofreram interpolações (cf. Giannetto Longo, L’Hereditatis Petitio, 32 s. e 35). Contra Santi di Paola (Saggi in Materia di “Hereditatis Petitio”, 1 s.), Max Raser (Die Passivlegitimation zu “hereditatis petitio”, Zeitschrift der Sauigny-Stiftung, 72, 94 s.) entendeu que, no direito clássico, a petição de herança não ia somente contra o possuidor pro herede, mas, também, contra o pro possessore. Invocou, principalmente, a L. 10, D., si pars hereditatis petatur, 5, 4 (Papiniano), e a L. 13, §§ 1, 3, 8, 11 e 12, D., de hereditatis petitione, 5, 3 (Ulpiano). Para os Proculianos, a hereditatis petitio podia ser exercida contra quem afirmava ser possuidor pro herede, mesmo se o não era. Para os Sabinianos, havia a condenação, na última espécie, com base na clausula dou. Mas a inquirição no tocante à posse dos bens hereditários provém do Baixo Império, de 346, com o Codex Theodosianus. Tudo isso levou Mano Talamanca (Studi suila Legittirnazione Passi u’a alia Hereditatis Petitio, principalmente 138, nota 303) a afastar qualquer redução da hereditatis petitio a remédio jurídico processual. Para ele, só no Baixo Império há o controversiuni moDere, com que se inicia a processualidade do conceito da hereditatis petitio: o possuidor pro possessore, que é demandado pelo herdeiro, sem negar que esseja herdeiro, recusa-se a restituir os bens hereditários. O demandado tinha de afirmar o direito sobre a coisa, ou a herança toda, ou não o afirmar, tal como se passava na rei vindicatio. Se não o afirmava, o herdeiro ia com o interdictum quam hereditatern, pelo qual o Pretor constrangia o possuidor a restituir as coisas hereditárias (Ulpiano, Fragmenta Vindobonensia, 4). Já então
o demandado não mais podia alegar não ser herdeiro o autor: perdera a oportunidade de negar-lhe tal qualidade.
2. Fusão de ações. Hoje, se o herdeiro pede a herança e ganha o pleito, a sentença já tem carga de executividade suficiente para não ser preciso o interdicturn quam hereditateni. A ação de petição de herança tem a força executiva e as eficácias condenatória e declaratória, imediata aquela e mediata essa. No direito romano, tal resultado era obtido com o uso do interdictum quam heredita tem, se o réu não afirmava o seu direito. Dele não se precisa no direito contemporâneo. No sistema jurídico brasileiro, estabelece-se a ampla sub-rogação dos bens adquiridos pelo possuidor com o valor dos bens da herança, e vice-versa; de modo que a vindicação apanha a herança tal como é, no momento. A despeito da multiplicidade dos objetos que a compõem, a herança é universalidade, e a pretensão a ela, pretensão unitária. O adquirente da herança adquire o todo, ou quota; a ação do comprador da herança ou da quota é ação unitária, isto é, para haver herança ou a quota prometida. A vindicação é no todo, e não de bens especificados. Restituindo-se o todo, ou quota da herança, restituemse bens objeto de direitos reais e de direitos pessoais, corpóreos e incorpóreos, et omnia iura et actiones (direitos, pretensões, ações e exceções). 3. Ação de petição de herança e ação declara tória do direito hereditário. A ação de petição de herança, como a ação de reivindicação, de modo nenhum se confunde com a declaratória do direito do herdeiro (= declaratória da relação juridica de propriedade em que é sujeito ativo o herdeiro). A petição de declaração da relação jurídica pode ser incluída na petição de herança, porém não é necessário. Se o foi, há cumulação, devendo-se julgar, primeiro, a ação declaratória; depois, a de petição de herança. Nada obsta a que se suscite incidentalmente. Se não foi pedida a declaração, o que é raro, porque os formulários luso-brasileiros de longa data inserem o pedido de declaração (e. g., Gregório Martins Caminha, Tratado da Forma dos Libelos, 90, “pede recebimento etc., e ele A. ser declarado herdeiro do dito E, seu pai, e o R., condenado que abra mão dos ditos bens, e com os frutos da indevida ocupação, até a real entrega e restituição, e com as custas por que protesta etc.”). Note-se a finura do jurista prático do século XVI: aludiu à eficácia declarativa, que tem de ser um dos pedidos; depois, à eficácia condenatória; finalmente, a eficácia executiva (“real entrega e restituição”). A restituição ocorre, entre possuidor e herdeiro, e não pode aquele, se não foi declarada a propriedade, volver a discutir a entrega. Mas pode ir com a ação declaratória negativa, para que, depois, munido da sentença, peça a condenação à entrega. Ainda mais: se foi restituído o bem a, a decisão favorável ao que se disse herdeiro não basta para que se restitua o bem b ou o c, também pertencente à herança (cf. Rudolf Leonhard, Der Erbschaftsbesítz, 162; Konrad HelRFig, Anspruch und Rlagrecht, 408 5.; E. Brodmann, em G. Planck, Kommentar, V, 218; Theodor Kipp, em L. Enneccerus, Lehrbuch, 19ª-21º eds., II, 3, 205; Otto Warneyer, Kommentar, II, 1074; sem razão, Eduard Hólder, Ober Ansprache und Einrede, Archiu fúr die ci vilistische Praxis, 93, 23; L. Hartmann, Die rechtliche Natur des Erbschaftsanspruchs, 77). Quanto aos objetos singulares, dificilmente se deixa de caracterizar a declaração. 4. Natureza da ação de petição de herança. Na L. 7, C., de petitione hereditatis, 3, 31, lê-se: “Hereditatis petitionem, quae adversus pro herede vel pro possessore possidentes exerceri potest, praescriptione longi temporis non submoveri, nemini incognitum est, cum mixtae personalis actionis ratio hoc respondere compellat. A ceteris autem tantum specialibus in rem actionibus vindicari posse manifestum est, si non agentis intentio per usucapionem vel longum tempus explosa sit”. Ninguém desconhece que a petição de herança, que se pode exercer contra os que a possuem pro herede ou pro possesso re, não pode ser afastada pela prescrição de longo tempo, pois a razão dessa ação pessoal mista leva a responder-se assim. Mas é claro que pode ser reivindicada por especiais ações reais, se a demanda do autor não há sido repelida pela usucapião ou pela prescrição de longo tempo. A incerteza, na doutrina, era profunda, porque havia divergência dos textos: ora inclusa nas actiones in rem, ora nas actiones mixtae. Aqui e ali, interpolações. J. H. Correia Teles (Doutrina das Ações, ed. de , 155), invocou a L. 7, C., de petitione hereditatis, 3, 31, para dizer que a prescrição era a de trinta anos, como a de reivindicação. Repetiu o Teixeira de Freitas (Doutrina das Ações de Correia Teles, nova ed., 73). O erro dei. H. Correia Teles tinha de ser corrigido. Na L. 25, § 18, D., de hereditatis petitione, 5, 3. Ulpiano foi claríssimo: “A
petição de herança, embora seja ação real, tem prestações pessoais, por exemplo, a daquelas coisas que se exigiram aos devedores; e também a dos preços (“Petitio hereditatis, etsi in rem actio sit, habet tamen praestationes quasdam personales, ut puta eorum quae a debitoribus sunt exacta, item pretiorum”). O argumento do texto da L. 7 a favor de ser ação pessoal a ação de petição de herança, que é exercício, hoje, da pretensão real à herança, é nenhum, diante da transmissão dos bens ao herdeiro automaticamente, com a morte do decujo. A diferença entre a posição do herdeiro, em direito romano, e a que tem no sistema jurídico brasileiro e em todos os sistemas jurídicos que colhem a saisina, é fundamental na investigação da natureza da ação de petição de herança do direito hodierno. Poderia haver dúvidas quanto a ser real, ou não, a hereditatis petitio se não houvesse textos explícitos sobre ser in rem actio; não as deve haver, de modo nenhum, hoje. Grande mal foi que não tivesse chegado até nós a fórmula da hereditatis petitio; mas há os textos e o fato de ninguém estar obrigado à defesa da coisa reclamada pelo autor mostra que a ação era real, se bem que ainda se tivesse, na falta de defesa, de se lançar mão do interdictum quem fundam, ou da actio ad exhibendum, a que o demandado não se podia esquivar, ou de simples mandado, se a coisa se achava in iure (no tribunal). Tudo isso está superado. A petição de herança é, no sistema jurídico brasileiro, ação de vindicação, como a reivindicatória. Aliás, era-o no direito romano, a despeito de texto da L. 7, pois o demandado não tinha dever de defesa.
5. Prescrição da ação de petição de herança. A prescrição da ação de petição de herança apresenta problemas técnicos de grande relevância: ou a) o sistema jurídico desconhece a pretensão à herança, a hereditatis petitio, e então não há pensar-se em pluralidade de pretensões singulares, isto é, sem laço, cada uma delas referente à violação do direito do herdeiro a determinado objeto ou a determinados objetos ou b) há a concepção da herança como universalidade de direito, portanto, necessariamente, a da pretensão unitária à herança (= a petição de herança). A solução do direito brasileiro é, evidentemente, a última, com a incidência, também da regra jurídica sobre a saisina. No direito alemão, onde há regra jurídica de prescrição da pretensão à herança — porém não regras jurídicas escritas que correspondam às do direito brasileiro — houve discussão em torno de haver, ou não, no sistema jurídico alemão, a pretensão unitária de petição de herança. Sustentaram só existir, no direito alemão, pluralidade ou soma de pretensões singulares contra o possuidor ou possuidores da herança Konrad HelRFig (Anspruch und KIagrecht, 47 s.), Julius Binder (Die Rechtsstellung des Erben, III, 363 s.), Franz Leonhard (Erbrecht, 144 s.), Friedrich Lent (Die Gesetzkonkurrenz, 1, 2.421) e Andreas von Tuhr (Der Allgememe Teu, 1, 273 s.). Mas tal opinião não podia ser admitida e repeliram-na F. Ritgen (em G. Planck, Btirgerliches Gesetzbuch, V, 154; Kommentar, @ ed., V, 217), F. Kretzschmar (Das Erbrecht, 2º ed., 306); Theodor Kipp (L. Enneccerus, Lehrbuch, 12º ed., V, § 66, e II, 2, das 9~-11º eds., 204) e Otto Warneyer (Kommentar, II, 1074). Há, portanto, a pretensão unitária à herança, a que corresponde prescrição unitária. A herança é património. Se alguém retira qualquer bem, ou bens, corpóreos ou incorpóreos, da herança, de uma só vez, ou em diferentes ensejos, ofende o direito conjunto (Gesom trecht) do herdeiro, isto é, sobre o patrimônio. A cada novo ato ou ato-fato tem o ofensor a posição de sujeito passivo da pretensão e da ação de petição de herança, devendo restituir tudo de que antes se apoderou como se herdeiro fosse, ou como seu fosse. Daí início da prescrição somente ser a partir do último ato de tomada de posse (Th. Kipp, em L. Enneccerus, Lehrbuch, V, § 66, 1).
6. Coisa julgada e sentença na ação de petição de herança. A respeito da sentença na ação de petição de herança passa-se o mesmo que a respeito da ação de reivindicação: a declaração de propriedade, para que tivesse a eficácia erga omnes, teria de ter sido em procedimento com edital; mas, ainda entre as partes, pode dar-se que a carga de declaração não tenha sido bastante para a eficácia de coisa julgada material, por se não ter pedido tal declaração, ou na petição, ou na defesa. Se houve cumulação de reivindicatória, ou da ação de petição de herança, com a declaratória, julga-se primeiro essa, depois aquela. A carga de declaratividade 3 é id quod plerum que fit. 7. Ações de restituição, fora da ação de petição de herança. O herdeiro pode propor, e. g., em vez da ação de petição de toda a herança, a ação concernente a determinado bem, isto e, a de propriedade, a ação de
enriquecimento injustificado, a de indenização por ato ilícito (E. Herzfelder, em J. von Staudingers Kornmentar, V, 269) e, no direito brasileiro, as ações possessórias, salvo se já se prescreveu a ação de petição de herança.
§ 48. Legitimações ativa e passiva
1. Legitimação ativa na ação de petição de herança. Quem quer que herde, legitima ou testamentariamente, pode pedir a herança se outrem a possui com ofensa ao direito do herdeiro. Qualquer co-herdeiro pode exercer a ação de petição (hereditatis petitio partiaria), porque se trata de universitatis vindica tio. No direito brasileiro, além do art. 57, o Código Civil de 1916 tem o art. 1.580, parágrafo único, que diz: “Qualquer dos co-herdeiros pode reclamar a universalidade da herança ao terceiro, que indevidamente a possua, não podendo este opor-lhe, em exceção, o caráter parcial do seu direito nos bens da sucessão”. Se a coisa não é adequada à entrega a um dos herdeiros, sem certa segurança, pode o réu depositar em consignação, em nome dos co-herdeiros, como se trata de dinheiro ou títulos ao portador; ou requerer ao juiz que nomeie depositário, ou ordene abertura de inventário. O co-herdeiro que transfere a quota hereditária perde a legitimação ativa (Otto Warneyer, Kommentar, II, 1.074); não, porém, o que apenas prometeu transferir e ainda não se deu a transferência. No direito romano, a L. 54, pr., D., de hereditatis petitione, 5, 3, permitia a ação ao que comprava ao fisco a herança, e, no direito comum, discutiu-se o que adquiria ao herdeiro podia, como cessionário, exercer a hereditatis petitio (afirmativamente, W. Francke, Exegetisch-dogmatischer Kommentar Ober den Pandektentitel de hereditatis petitione, 3ª7; A. Brinz, Lehrbuch der Pan dekten, 2º ed., II, § 400, nota 14; B. Windscheid, Lehrbuch, 9~ ed, III, 54ª, que mudara de opinião na 6~ ed., 614, nota 16; F. Pringsheim, Die Rechtsstellung des Erwerbers eines Erbteils, 670). Já J. H. Correia Teles (Doutrina das Ações, § 122, nota 1) respondia certo. O Estado, quando é o herdeiro, pode pedir a herança, se não é o caso de arrecadá-la, o que é mais breve. Para a legitimação passiva na ação de petição de herança são pressupostos: a) o de ter a pessoa algo da herança de que se trata; b) o de não provir de direito de herança a aquisição. Tem legitimação processual ativa o inventariante (salvo o dativo), o síndico da falência do morto ou do herdeiro, o administrador no concurso de credores e o testamenteiro, bem como o curador da herança do morto ou do herdeiro (Paul Meyer, Das Erbrecht, 365 S.; Otto Warneyer, Kornmentar, [1, 1074; sobre o curador da herança, Rudolf Leonhard, Der Erbschaftsbesitz, 146), ou o curador dos bens do ausente.
2. Legitimação passiva. A ação de petição de herança dirige-se contra quem não tem título para herdar e possui algo que pertence à herança, ainda que se tenha apossado do bem antes da morte do decujo, salvo se o houve por transmissão ao tempo em que vivia o decujo. Não importa se o possuidor estava de boa-fé, ou não (F. Herzfelder, iI von Staudingers Komrnentar, V, 276). Não se pode ir com a ação de petição de herança contra o inventariante, o testamenteiro, ou o curador da herança, de que se trata; mas é possível ir-se contra o inventariante, ou o testamenteiro, ou o curador da herança de outrem. A responsabilidade do possuidor da herança transmite-se aos herdeiros, dentro das forças da herança que se lhe transmitiu. Se, porém, o herdeiro do possuidor da herança assume a posse da herança, por sua conta, e não só em virtude da saisina, a sua responsabilidade pode ser a de possuidor de má-fé, se sabe, ou se, pelas circunstâncias, havia de saber que a herança não pertencia ao decujo, e, pois, não se lhe transmitiu. A posse pelo inventariante ou pelo testamenteiro não é posse pelo herdeiro, salvo se esse já interveio no processo, ou se admitiu o seu nome na declaração de herdeiros, tendo posse, além da que tem como sucessor do possuidor da herança. Quem adquiriu a herança (o patrimônio ou parte dele) mediante negócio jurídico, ou por herança do possuidor da herança, é tratado como esse. Os principios que regem a responsabilidade em caso de boa-fé ou de má-fé são os mesmos. Se, em virtude da cessão da herança, um bem se entregou ao cessionário, a ação de petição da herança pode ir contra o cessionário. Se a alienação foi por pessoa que não era herdeiro, o cessionário não é legitimado passivo
se nada se lhe transferiu: não se fez possuidor, nem compossuidor. Bem assim o que adquiriu do que se dizia herdeiro algum bem sem ser como bem da herança. E preciso que haja a transmissão do elemento patrimonial ou de quota do patrimônio (porção aparente da herança). Não se leva em conta a boa-fé ou má-fé do possuidor para se decidir quanto à sua legitimação passiva, o que só se há de considerar em ação regressiva do cessionário, ou de evicção. É tratado como o cessionário o legatário do possuidor da herança (Emil Strohal, Das deutsche Erbrecht, 3º ed., II, 383). Os herdeiros das pessoas que foram e seriam legitimadas passivas à ação de petição de herança também o são, quer se achem ou não de boa-fé, mas somente respondem segundo as forças da herança. § 49. Alegações e provas
1. Prova e ônus da prova. O autor deve alegar e provar: a) a morte do decujo, ou a declaração de ausência, caso em que legitimado ativo é o curador ou quem seria o herdeiro, ou um dos herdeiros, e obteve sucessão provisória (antes apenas é interessado em provocar ou reclamar contra a inatividade do curador); Li) o seu direito hereditário, portanto, se há parentes mais próximos, não serem os herdeiros; c) o ter bens da herança, pro herede, o réu. Se o demandado alega e prova existir outra pessoa que vem antes do demandante, na ordem de sucessão, o ônus de provar que tal pessoa não herdou toca ao demandante (Th. Kipp, em L. Enneccerus, Lehrbuch, II, 3, 207; Otto Warneyer, Kornmentar, II, 1076; sem razão, Franz Leonhard, Erbrecht, V ed.,14ª; Die Beweislast, 432). A ação cabe ainda que, no momento da propositura, o que se diz herdeiro ainda não haja tomado posse dos bens (Otto Warneyer, Kommentar, II, 1076), no que a ação de petição de herança, até certo ponto, se distingue da ação de reivindicação. Pense-se no caso do fideicomissário. É indiferente se o demandado cria ou não em seu direito de herança. O possuidor da herança pode haver tomado posse, unilateralmente, e não importa distinguir-se o caso em que o bem já estava com o herdeiro, demandante, ou ainda não lhe passara a posse imediata ou mediata intercalar (e. g., algum possuidor imediato, inclusive o herdeiro insciente do seu direito, havia transferido ao demandado a posse imediata ou mediata). A posse do possuidor da herança pode ser em nome próprio, ou em nome alheio, ou mediata ou imediata; inclusive se, antes da morte do decujo, tinha o possuidor da herança como sendo do decujo algum bem, ou alguns bens. O coherdeiro pode ser legitimado passivo na ação de petição de herança se algo obteve com a alegação de ser o único herdeiro, ou de ter maior porção do que aquela a que tem direito. Outrossim, pode ser exercida a ação para se conseguir a composse. 2. Bens objeto da ação de petição de herança. A ação de petição de herança pode ser proposta ainda que os bens do falecido somente consistam em posses ou em direitos de crédito. A herança é bem imóvel. Não é preciso que fosse proprietário o decujo. Se o devedor da herança se diz herdeiro do crédito, contra ele pode ir a ação (Karl Blumenstein, Der Erbschaftsanspruch nach deni BGB., 10; Rudolf Leonhard, Der Erbschaftsbesitz, 148). Não é possuidor pro herede o que seria herdeiro se não tivesse renunciado à herança. Responde ao herdeiro como gestor de negócios sem poderes os meramente conservativos. Quem retratou a renúncia ou obteve sentença desconstitutiva é possuidor pro herede. Os herdeiros declarados indignos são legitimados passivos na ação de petição de herança. Idem, aquele que seria herdeiro se não tivesse sido decretada a invalidade do testamento, ou não houvesse sido permitida pelo Estado a aquisição do bem, se a lei exige a permissão.
§ 50. Eficácia sentencial 1. Eficácia da sentença na ação de petição de herança. O possuidor da herança tem de restituir tudo que obteve da herança. Provado que algo obteve, cabe-lhe o ônus de alegar e provar por que não pode restituir e por
que razão não tem de restituir. Se tinha exceções contra o decujo, inclusive direitos de toler e de reter, continua tendo-as e pode exercê-las contra o demandante. Idem, se as tem contra o herdeiro, e. g., se é legatário de determinada coisa, porque, tendo direito a pedi-la e já a tendo, pode retê-la. Se o possuidor da herança, que tem de restituir, não mais o pode, tudo se passa à semelhança da reivindicação (no direito alemão, segundo os princípios do enriquecimento injustificado, Código Civil alemão, § 2.021). À matéria dedicou o Código Civil de 1916 regras jurídicas expressivas; mas a discussão entre incidirem as regras jurídicas sobre reivindicação ou as regras jurídicas sobre enriquecimento injustificado perde parte do interesse que tem noutros sistemas jurídicos, devido ao Código Civil de 1916, art. 966, que remeteu aos arts. 510-519; mas é assaz relevante, por se não ter de apurar, no sistema jurídico brasileiro, se houve, ou não, enriquecimento. Os princípios da mora são os ordinários.
2. Restituição dos bens. A obrigação do legitimado passivo, quanto à restituição dos bens e do que foi adquirido com o valor dos bens, é real; não se trata de obrigação pessoal de transferir o possuidor da herança ao herdeiro os bens ou aquilo que com o valor dos bens adquiriu: o direito é real; real o dever; real a pretensão e real a ação do herdeiro. O que se adquiriu passou imediatamente ao herdeiro, por força do principio de sub-rogação real. Com isso, o direito brasileiro evitou os inconvenientes das ações pessoais, e não os há no fato de se operar, automaticamente, a sub-rogação real, porque ela só ocorre se aquilo com que se adquiriu era da herança. Está-se portanto, assaz longe do direito romano, que só se preocupava com o saber se o valor se destinava, ou não, à herança (cf. C. F. A. Koeppen, Lehrbuch, 33ª; W. Francke, Exegetisch-dogn-iatischer Kommentar, 264 s.). Na L. 14 (Paulo), D., de hereditatis petitione, 5, 3, falou-se de pedir a herança ao devedor à herança, por ato lícito, ou por ato ilícito. Na L. 16, § 1 (Ulpiano), diz-se que é legitimado passivo na ação de petição de herança o que possui preço de bens de herança (‘qui pretia rerum hereditariarum possidet”), bem como o que cobrou de devedor da herança (“qui a debitore hereditario exegit”). Na L. 16, § 5, informa Ulpiano que, segundo Juliano se alguém vendeu a coisa, possuindo-a ou não, tendo, ou não, recebido o preço, pode ser demandado. Na L. 20, § 2, na L. 22, na L. 23, § 1 (incluindo a pena convencional, por tardio adimplemento), na L. 25, pr. (pacto comissório) e § 18, na L. 30, na L. 31, § 5, na L. 3ª, § 1, na L. 35 e na L. 40, § 2, insiste-se no assunto. A ação de petição de herança já era real (L. 25, § 18), mas a sub-rogação não se dava automaticamente como hoje, no sistema jurídico brasileiro. Dai a L. 25, § 18, em que Ulpiano fala da in rern actio, que é a de petição de herança, embora haja prestações pessoais, como a das coisas que exigiram aos devedores e a dos preços. A ação de petição de herança continua de ser real; mas as tais personales praestationes, a que se referia Ulpiano, passaram a ser reales, por força do Código Civil, art. 56. Se o possuidor da herança cedeu ineficazmente, ou inualidamente, pode o herdeiro pedir o sub-rogado, embora possa ter de ratificar, se a ratificação é possível. Não precisa ratificar para reclamar, mesmo porque pode obter o sub-rogado e perder a ação contra a pessoa a quem ineficaz ou invalidamente se cedeu (G. Planck, Kornmentar, V, 227); sem razão, R. Beyer (Die Surrogation hei t./errnãgen, 133). Se nada custou à herança a aquisição, nem procedeu dela, por efeito de algum fato jurídico que se prenda à herança, não há subrogação. Nem há sub-rogação se o possuidor adquire para a herança com recursos seus, sem ter ocorrido confusão, comistão ou adjunção, acessão ou outra relação de bem a bem O crédito, as pretensões e ações pessoais adquiridos com meios de herança sub-rogam-se a esses. Ainda que tenham provindo de lei ou de transferência legal. O crédito, as pretensões e as ações vão diretamente à herança, em virtude do Código Civil, art. 56; portanto, não passam pelo possuidor da herança. O que se adquire devido a direito, pretensão ou ação pertencente à herança, ou como substitutivo, em caso de perda, destruição, dano ou subtração de bem pertencente à herança, pertence ao herdeiro. Idem, se o devedor paga a divida à herança, depois de prescrita, ou o vendedor de animais entrega animais em substituição dos que morreram, se bem que, in casu, não mais devesse a prestação (e. g., tendo sido feita a tradição). Se tesouro foi encontrado no bem da herança pelo possuidor da herança, metade pertence a esse, metade ao herdeiro. Se quem encontrou foi terceiro, metade é do terceiro, metade do herdeiro. Se foi o próprio herdeiro que o achou, todo o tesouro é seu.
Os frutos não estão subordinados ao principio da sub-rogação, mas às regras jurídicas quanto ao direito do possuidor de boa-fé aos frutos percebidos, quanto à responsabilidade do possuidor de má-fé pelos frutos, percebidos ou que deixou de perceber (sem razão, R. Beyer, Die Surrogation bel Vermõgen, 128 s.). Mas o que se adquiriu com os frutos pertencentes ao herdeiro sub-roga-se a esses.
3. Boa-fé do possuidor da herança. A boa-fé, em se tratando de possuidor da herança, consiste em não saber, ao adquirir a posse, que não é herdeiro, ou não saber sem negligência grave. O que, pelas circunstâncias, devia saber que não era herdeiro, iniciou de má-fé a posse. Se, depois de estar na posse da herança, vem a saber que não é herdeiro, passa a ser considerado possuidor de má-fé. O herdeiro necessário, que descobre testamento e o queima, é possuidor de má-fé. O herdeiro legítimo, que descobre testamento e o queima, é possuidor de má-fé, quanto a toda a herança, se o testamento, podendo exclui-lo, ou excluiu. Se o testamento não podia exclui-lo (herdeiro necessário), ou só o excluiu em parte, quanto ao que lhe cabe não há pensar-se em pretensão à petição de herança contra ele, mas é possuidor de má-fé quanto ao resto da herança. Em todo o caso, pode ser invocada contra o herdeiro regra jurídica sobre exclusão da herança. Se o possuidor da herança obteve bem da herança, corpóreo ou incorpóreo, por ato ilícito, a sua responsabilidade é segundo a lei. Idem, se obtém bem da herança por ato de esbulho. Se a má-fé não se estabelecera, a litispendência não faz surgir, sempre a responsabilidade do possuidor de má-fé: desde a citação, o possuidor de boa-fé ou de má-fé responde pela entrega da coisa e pelos frutos.
4. Gastos do possuidor. O que o possuidor da herança gastou com a herança, por se crer herdeiro, ou entra na classe das benfeitorias necessárias, ou na classe das benfeitorias úteis, ou das voluptuárias, segundo o Código Civil de 1916, arts. 516-519. No direito romano (L. 25, §§ 11 e 12, D., de hereditatis petitione, 5, 3), tinham de ser atendidos os princípios do enriquecimento injustificado, de modo que não respondia o possuidor da herança de boa-fé se nada adquiriu com os meios e só os gastou. No direito alemão, o § 2.021 está na mesma esteira. No direito brasileiro, nem há a regra jurídica desse § 2021 do Código Civil alemão, nem a da L. 25, §§ 11 e 12, do Digesto. O que se consegue de simplificação é muito. Se o possuidor da herança fez prestações por conta de dívidas da herança, com meios da herança, a sua responsabilidade é a de gestor de negócios alheios. Se o credor adquiriu a prestação, o herdeiro devedor está liberado; se não a adquiriu, não se liberou o herdeiro devedor, mas pode ele ratificar o ato do possuidor da herança, liberando-se em virtude da aquisição pelo credor. Se o herdeiro não se libera, cabe-lhe condictio indebiti contra o credor. Se o credor volve a cobrar a divida, pode esse defender-se ratificando o ato do possuidor da herança. Se o possuidor da herança pagou, com meios seus, tem direito a reembolsar-se, porém não à sub-rogação (pessoal) nos direitos do credor: não é terceiro interessado. Se o possuidor da herança paga dívida que o herdeiro não seria obrigado a pagar, mas cujo pagamento é irrepetível, não tem condictio indebiti contra o credor, mas responde ao herdeiro pelo que prestou com meios da herança, ou se o fez com meios seus, não tem condictio indebiti contra o herdeiro. Se o possuidor da herança pagou, com meios seus, divida inexistente, como seria oriunda de negócio jurídico, e esse é nulo, tem condictio indebiti contra o credor, porém nada tem a haver do herdeiro, nem responde por seu ato. Se pagou com meios de herança, tem a condictio indebiti contra o credor e responde na ação de petição de herança. Se o credor devolve o que recebeu, cessam aquela e essa.
§ 51. Herança vacante e petição de herança 1. Ação declaratória e petição de herança vacante. A ação pela qual se pedem os bens da herança, se já transitou em julgado a sentença que a devolveu, como vacante, à Fazenda Publica, é declaratória condenatória: não é executiva, como a hereditotis petitio, nem é condenatória, porque a sentença em ação declaratória a que se cumulou, como sucessiva, a de condenação, apenas se há de referir às custas. A sentença de devolução de bens vacantes tem, portanto, a eficácia de tirar ao herdeiro a pretensão à executividade.
Se a herança foi arrecadada e entregue a alguém, por presunção de morte, ou por morte, a ação de petição de herança pode ser proposta, mas houve prevenção da jurisdição, e propô-la é afastar o meio mais simples do pedido de entrega pelo que recebera ou da habilitação do herdeiro. A base de ambos está a pretensão de universalidade (do património); ali, do patrimônio próprio; aqui, da herança. Ali, a pretensão é correlativa à pretensão de herança, à petição de herança, não é, rigorosamente, pretensão de herança, ou petição de herança. Se morre — antes do exercício da pretensão do patrimônio, da universitatis petitio — a pessoa cujos bens haviam sido arrecadados, a pretensão de universalidade desaparece. Se quem sucedeu provisória ou definitivamente não é o herdeiro, tem pretensão à herança, desde a morte, o verdadeiro herdeiro.
2. Precisão. Enquanto vive quem recebeu os bens arrecadados, não há prescrição. Com a morte começa a correr a prescrição contra o verdadeiro herdeiro, se outrem já havia provisória ou definitivamente sucedido; se a morte ocorreu antes da tomada da posse, somente dessa data se inicia o curso da prescrição (Th. Kipp, em L. Enneccerus, Lehrbuch, V, § 66, in fine). Não há exigir-se que o decujo haja tido conhecimento da arrecadação (obter, no direito alemão, que tem a regra jurídica do § 2.031, primeira parte, in fine, a propósito de um ano após o conhecimento da declaração de morte). Se alguém se apresentou como se fosse o dono dos bens, ausente ou tido por falecido, a pretensão à universalidade existe contra esse falso dono dos bens e começa de prescrever, desde que entra na posse dos bens.
§ 52. Posse e usucapião
1. Usucapião e petição de herança. A usucapião pelo possuidor da herança, quanto a bem que faz parte do monte hereditário, não se produz enquanto não prescreve a ação de petição de herança, porque o bem, ex hvpothesi, é elemento do patrimônio, e não pode dele sair para ser adquirido pelo sujeito passivo da ação de petição de herança. Se assim não se entendesse, a noção de patrimônio vindicável seria sem razão de ser. O possuidor tem dever de devolver a coisa, o que obsta à preclusão do prazo para a usucapião: se a ação de petição de herança prescreve, a usucapião opera-se.
Na L. 1, § 1, D., quorum bonorum, 43, 2, Ulpiano disse, a respeito do interdito restitutório: “Hoc interdictum restitutorium est et ad universitatem bonorum, non ad singulas res pertinet et appellatur ‘quorum bonorum’ et est apiscendae possessionis universorum bonorum”. Esse interdito é restitutório e se refere àuniversalidade dos bens, não às coisas singulares; chama-se quorum bonorum e é para adquirir a posse da universalidade dos bens. A posse pode recair sobre universitas iuris. Se a posse do bem, em nome próprio, que tem o possuidor da herança, é apenas a posse na qualidade de herdeiro (pro herede), falta-lhe a posse que permita a usucapião da coisa singular: com a prescrição da ação de petição de herança, a usucapião pode operar-se; antes, não. A vindicatio universitatis, enquanto proponível, obsta àaquisição originária de cada bem que pertence à herança. O direito brasileiro tem a usucapião do patrimônio quando cessa a reivindicabilidade dele. O tempo não corre enquanto não prescreve a ação. Seria absurdo que se adquirisse ainda há ação para reivindicar. Prescrita a ação, começa a correr o prazo para usucapião. 2. Posse de coisa singular. Pode acontecer que o bem singular seja elemento da herança, mas sobre ele tenha posse de coisa singular o possuidor da herança. A usucapião pro herede não aproveita ao possuidor da herança, contra o herdeiro, ou contra os herdeiros, e Gaio (II, 57) explica que, aí, o herdeiro pode, pedindo a herança contra o que usucapiu, obter a coisa usucapida, como se não o tivesse sido (“et ideo potest heres ab eo, qui rem usucepit, hereditatem petendo perinde eam rem consequi, atque si usucapta non esset”). Não deixa de espantar que alguém adquira propriedade sem poder opor o direito real, que é erga omnes, a determinada pessoa, mas
logo se apaga a impressão molesta se adverte em que o possuidor da herança é demandado pelo direito real imobiliário sobre a herança, que é patrimônio. Usucapiu o bem singular, mas é sujeito passivo na reivindicação do patrimônio. O interdito quorum bonorum restituia a posse da universalidade, como a restituem, hoje, a ação possessória do possuidor de patrimônio e as ações vindicatórias de patrimônio, entre as quais está a ação de petição de herança. A explicação científica somente pode ser a de não ficar imune à ação de reivindicação do patrimônio, e. g., à hereditatis petitio, o possuidor das res singularis, que é elemento da universitas, O termo revocarentur, que está em Gaio (II, 57), não traduz o que se passa, nem condizia com a terminologia romana. Na L. 13, D., de mortis causa donationibtas et capionibus, 3ª, 6, Juliano figura o caso contrário: usucapião pelo donatário da coisa alheia, doada a causa de morte; aí, o dono não pode reclamá-la. Na L. 18, D., de rei vindicatione, 6,1 (Gaio), figurou-se o caso da usucapião após aceitação do juízo, para dizer que caberia a restituição. A usucapião pode dar-sem ter corrido todo o prazo para a prescrição da ação de petição de herança, conforme dissemos no Tratado de Direito Privado, Tomo XI, § 1.195, 3, mas a usucapião do bem singular não extingue a ação de petição de herança. Nem se precisa da figura da revoca tio, de que se valeu Gaio; nem há propriedade relativa: o que se dá é que a propriedade do patrimônio, que, como toda propriedade é erga omnes, não pode ser suplantada se o sujeito passivo não tem a exceção de prescrição. O conceito de ineficácia relativa traduz melhor que o de propriedade relativa, mas, em verdade, o que ocorre é que a coisa singular usucapida continuou pertencente àherança, como patrimonio. Não importa se a herança é jacente. A definição de herança jacente como a herança de que ainda não se conhecem os herdeiros, ou se os herdeiros legítimos ou testamentários renunciaram, é fonte de confusões. A renúncia não faz jazer a herança, pois é bem possível que nenhuma dúvida haja sobre quem sucede. Odesconhecimento de quem seja herdeiro, ou se vive, é que pode tornar duvidoso a transmissão. Duvidosa, subjetivamente; porque, objetivamente, a herança passa aos herdeiros legítimos ou testamentários, automaticamente. E preciso que se ignore quem seja, ou que exista quem seria o herdeiro, ou que não tenha adido, a despeito das circunstâncias de jazimento. Cf. Bartolomeú Dusi (La Ereditâ Giacen te, VIII e 60 s.). Se o herdeiro, que se ignore exista, toma a posse de bem que lhe cabia e coube, embora seja jacente a herança, não furta, nem rouba: tirou o que era seu, a posse. No direito de hoje, de modo nenhum a herança é res nulius, nullus in bonis, sine domino; houve a transmissão pela saisina, a despeito de se ignorar, ou, mesmo, de se discutir quem foi e éo herdeiro, ou quem foram e são os herdeiros. Se o bem não é incluso na herança, o ato é criminoso. Outrossim, o ato contra a posse imediata que caiba a outrem, ou ao próprio inventariante. Assim, se invocássemos a regra jurídica da L. 6, D., expilatae hereditatis, 47, 19, que é de Paulo (“rei hereditariae furtum non fit sic nec eius, quae sine domino est”), estaríamos a dar-lhe conteúdo que ela não tinha. Outro ponto em que a herança jacente hodierna se distingue, totalmente, da herança jacente do direito romano, é no tocante à personalidade. O próprio direito romano vacilava. Os textos serviram a muitas interpretações, inclusive aqueles em que se aludia à sobrevivência do decujo. De qualquer maneira, a herança seria ente que personae uive Jungitur. No direito de hoje, com a saisina, quer para os herdeiros legítimos, quer para os herdeiros testamentários, ultrapassou-se o direito romano, com a aquisição ipso iure pelos herdeiros legítimos, necessários, e o direito germânico, com a transmissão aos filhos legítimos, herdeiros feitos por Deus (mortuus saisit vivum). Tal, por exemplo, o direito francês, à feição do qual, em parte, se concebeu a regra jurídica do direito brasileiro (cf. Grand Coutuniier, 28: “La coutume par la quelle le mort saisit le vif, son héritier, n’a pas lieu in successionibus ex testamento, sed ab intestato”.
3.
Pretensões do herdeiro. O herdeiro tem a pretensão à petição de herança e tem a pretensão à restituição das
coisas singulares, e não só a exceção do direito romano, a exceptio quod praeiudicium no fiat hereditati. A diferença de conteúdo entre a ação de reivindicação e ação de petição de herança é inapagável. Tem-se de pôr o problema no direito romano e no direito brasileiro: no direito romano, não era preciso que a ação de reivindicação tivesse outra fonte que a herança, de modo que o demandado restituiria, singularmente, o que teria de restituir, universalmente; no direito contemporâneo, há quem o exija, para que o herdeiro possa, na qualidade de herdeiro, reivindicar (e.g. Heinrich Dernburg, Uber das Verhâltnis der hereditatis petitio zu den erbschaftlichen Singularklagen, 121); porém, não é de admitir-se a limitação, nos outros sistemas jurídicos, e, principalmente, nos que têm a saisina, como o brasileiro. No direito de hoje, não há, tampouco, pensar-se em exceptio; há a ação. O herdeiro pode exercer a ação de reivindicação do bem imóvel ou do bem móvel contra o possuidor da herança, como possuidor das res singularis: expõe-se a que o possuidor da herança alegue ter usucapido, como res singularis. Tudo que dissemos atende a princípios que estão à base do sistema jurídico brasileiro, no tocante à sucessão, quer legítima, quer testamentária. A transmissão da propriedade e da posse é automática, e tem-se de tratar o direito de propriedade, quer móvel quer imóvel, como se tivessem sido observados todos os requisitos, na transmissão entre vivos, para que ela se dê. A saisina exerce papel de grande relevância, principalmente porque o direito brasileiro não distingue, a respeito dela, propriedade móvel, nem propriedade e posse, nem herdeiros legítimos e herdeiros testamentários. Capítulo XII Ações do pré-contraente vendedor e do pré-contraente comprador
§ 53. Fundamentos da ação do prê-contraente vendedor ou comprador
1. Promitente vendedor ou comprador. O pré-contraente vendedor promete vender; não vende. Se já recebeu todas as prestações, ou todo o preço, nasce-lhe a pretensão a liberar-se. Se o promitente comprador não quer receber o bem, a mora accipiendi não tem o efeito de resílição ou de resolução estrito senso de pré-contrato. O pré-contraente vendedor que recebeu todas as prestações e apresenta documento do registro, pode propor ação com a notificação do pré-contraente comprador, para, no prazo legal, que corre em cartório, receber a escritura definitiva de venda e compra. Se, no prazo, não é assinada, a escritura, o bem prometido é depositado, por conta e risco do pré-contraente comprador que responde pelas despesas judiciais e pelas custas do depósito. Não tendo havido discussão, contraditório, o depósito tem de ser julgado, de acordo com o que estatui na lei processual. A argumentação de Luís Machado Guimarães (Comentários, IV, 501, s.) sobre ser inaplicável o processo de consignação em pagamento, porque o promitente quer liberar-se com a transmissão do domínio, e não com a posse, não tem fundamento: consigna-se quando se quer entregar o domínio, como também quando se quer entregar a posse; e a entrega da posse é apenas mais frequente do que a do domínio, por haver contratos de transmissão de posse, e alguns reais, ao lado dos consensuais. Também não pode o juiz dizer Non liquet (a lei não tem solução), a pretexto de lacuna ou obscuridade da lei. 2. Relações jurídicas. A construção da relação jurídica de direito material, que existe entre o promissário e o promitente da venda (o termo “compromissário” é impróprio, ambíguo), exige toda cautela. Porque a influência da lei estrangeira pode perturbá-la; e não é certo que o art. 15 da Lei uruguaia nº 8.758, de 17 de junho de 1932, seja o que está nos arts. 15 e 16 do Decreto-Lei brasileiro nº 58 ou Decreto nº 3.079, através do projeto de Waldemar Ferreira (arts. 16-18). A ênfase, com que se falou do direito real que se conferia ao comprador dos lotes, de modo nenhum corresponde ao sistema da legislação brasileira. Por outro lado, a pesquisa da “vontade do legislador” é método condenado de interpretação (nosso Subjektivismus und Voluntarismus im Recht, Archiu for Rechts und Wtrtchaftsphilosophie, 16, 522-544). Menos ainda, o de pesquisa do que pensou... o deputado
uruguaio A ou B. Não há, nem houve antes do Código Civil brasileiro de 1916, o direito real de que fala a lei uruguaia (art. 1: “La promesa de enajenacíón de inmuebles a plazos desde la instrucción en ei registro, confiere aí adquirente derecho real respecto de cualquier enajenación o gravamen posterior . Por outro lado, devemos evitar discussões de direito estrangeiro, que não corresponde ao nosso (e. g., o italiano). O que importa é o conjunto de regras jurídicas dos arts. 3ª5-3ªª do Código de Processo Civil de 1939, que o Código de 1973, art. 1.218, 1, manteve. Quanto à pretensão de direito material, regem as leis especiais. Ganha-se em não se trazerem para os comentários do Código as tentativas de construção anteriores a ele. Sobre o direito material, Tratado de Direito Privado, Tomo XIII. A ação para que o promitente vendedor outorgue a escritura definitiva toca a qualquer pré-contraente comprador de imóvel a prestações, ainda que não se trate de imóvel loteado (2º Turma do Supremo Tribunal Federal, 9 de maio de 1944, OD 30/290; 4ª Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 30 de abril de 1944, DJ de 4 de setembro de 1944; 2º Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, 16 de dezembro de 1942; RT 156/317; 1º Câmara Cível do Tribunal de Apelação de São Paulo, 27 de novembro de 1944, e Grupo de Câmaras Civis, 4 de junho de 1945, 156, 633 e 161, 625; mas sem razão as Câmaras Reunidas do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 8 de junho de 1945, a 3ª Câmara Civil, a 30 de agosto de 1944, 155, 694, a 1º Câmara Civil, a 12 de março de 1945, 156, 281, RF 102/4ª3). Cf. Decreto-Lei nº 58, de 10 de dezembro de 1937, art. 22: “Os contratos, sem cláusula de arrependimento, de compromisso de compra e venda e cessão de direitos de imóveis não loteados, cujo preço tenha sido pago no ato de sua constituição, ou deva sê-lo em uma ou mais prestações, desde que inscritos a qualquer tempo, atribuem aos compromissários direito real oponível a terceiros, e lhes confere o direito da adjudicação compulsória nos termos dos arts. 16 desta lei, 640 e 641 do Código de Processo Civil.’ Contrato preliminar, ou melhor, pré-contrato (Voruertrag, nome proposto por Heinrich Thól), pactum de contrahendo, entende-se o contrato pelo qual uma das partes, ou ambas, ou todas, no caso de pluralidade subjetiva, se obrigam a concluir outro negócio jurídico, dito negócio visado ou contrato visado. A nossa definição corrige o erro das outras definições, que, aludindo a contrato principal, excluem o contrato preliminar para declarações unilaterais de vontade. Não é contrato preliminar o que apenas estipula certa forma especial, ou cedo estalão de preços, ou qualidades. Mas é contrato preliminar o em que se promete a alguém contratar com terceiro. O que é essencial à noção de pré-contrato é que se obrigue alguém a concluir negócio jurídico. Quando se promete vender ou comprar (pactum de vendendo vel emendo), tratando-se de promessa entre A e B, sem haver qualquer elemento que medeie entre prometer e concluir (e. g., no exemplo acima, C; na promessa entre A e B, a condição de incluir o nome de A em lista de subscritores de empréstimos) ,há pré-contrato? As confusões entre pré-contrato e contrato com permissão não presente são freqtientes, com prejuízo da técnica e da boa aplicação das leis. O assunto cresceu de importância depois do art. 1.006 do Código de Processo Civil de 1939, que hoje está no Código de 1973, art. 641. Para bem se fixar a diferença, examinemos espécies: (A) No direito suíço, a promessa de emprestar (pactum de mutuo dando) é condicio iuris do contrato de mútuo; não précontrato: o promitente obrigou-se a entregar soma de dinheiro, não a contratar; de modo que, não sendo real o contrato, há pretensão à coisa, não ao contrato. No direito brasileiro, o mútuo é contrato real, e a promessa de contratar ou pré-contrato tem cabimento. (E) A venda e compra, no direito brasileiro, à diferença de outros sistemas jurídicos, tem como condicio iuris o pacto de “dar”, porque o contraente vendedor se obriga a “transferir o domínio” (Código Civil, art. 1.122) — não é contrato real, como o mútuo: a obrigação decorrente é entregar. (Tal é a construção da nossa lei, embora o povo se creia dono da coisa logo que assina o contrato, sem pensar na hipótese de outro, que também compre e registre primeiro.) A principio, no século XVII, as teorias extremaram-se —uns queriam que só houvesse pacto de contrahendo, e outros, como, em 1688, Michael Grassus (De pacto futuri contractus praeparatorio, 12) e acentuavam existirem pacto praeparatoria. l-Ieinrich Thôl (Handelsrecht, 1, § 62, nº 1), que criou o nome “précontrato” viu nele o primeiro de dois contratos, um atual e outro futuro. Josef Unger falou de contrato que obriga à conclusão de outro contrato, se o beneficiado o quer. Não se pode sustentar isso, a priori; depende da bilateralidade, ou não. Por outro lado, também não se pode dizer que o segundo contrato seja eficaz desde que o primeiro tenha eficácia retroativa, como Michael Grassus queria (De pacto futuri contractus praeparatorio, 54). Promessa de fazer contrato de venda e compra é algo de supérfluo, diante de regra jurídica como a do art. 1.122 do Código Civil; porque importa superfluidade... prometer nova promessa de prestar. Mais: como se daria com a promessa de prestar fiança: prometer é apenas “prometer”. A promessa de contratar, o pré-contrato, aparece nos contratos reais, que são o tipo do contrato principal, se alguma promessa o precedeu. Quando o
legislador suíço incluiu o art. 22, primeira parte, do Código das Obrigações, abrangeu, com a regra “a obrigação de fazer convenção futura pode ser contratualmente assegurada”, muito pouca coisa; porque o dito Código ignora os contratos reais. Em verdade, quando alguém promete vender (aqui, tanto no direito suíço quanto no brasileiro) e a promessa contém identidade do prédio vendido, satisfazendo todas as exigências do registro de imóveis, venda houve e cabe a apresentação do titulo para a transferência. O pré-contrato somente aparece a) se vendeu o lote A, ou a extensão x, sem se determinar e sem constar do registro de locação ou o critério para se determinar ou explicitar x, ou não determinou o preço; ou E’) se não foi satisfeito outro requisito, e. g., a forma de instrumento público (contrato formal), ou quando se promete declaração unilateral de vontade. Fora os casos acima, c) o contrato real é o suscitador eventual, mas típico, de pré-contratos. De modo que os pré-contratos já existiam no regime do Código Civil quanto aos casos a), b); e c); e em quantidade maior do que no direito suíço, a despeito de sua regra jurídica explícita. E eram obrigatórios, tendo sido a mais inominável injustiça a espoliação dos que compraram lotes, de mais de mil cruzeiros e não foram admitidos a registrar e os que obtiveram promessa de venda e compra de lotes de menos de mil cruzeiros, e não se lhes reconheceu o direito à indenização dos danos pelo fato de se lhes não entregar a mais um caso de pecado social pela negligência técnica dos juizes. Nenhuma sociedade anda ceda quando frauda o seu próprio direito. ,Que vieram fazer o Decreto-Lei nº 58, de 10 de dezembro de 1937, e o Decreto nº 3079, de 15 de setembro de 1938? Só se referiram à venda e compra; e, segundo os princípios de interpretação do contrato de venda e compra nos países em que tal contrato não é real, a “promessa de venda” deve interpretar-se como venda, desde que o imóvel esteja exatamente determinado ou se a forma “substancial” foi observada. Os diplomas de 1937 e 1938 trouxeram o registro do loteamento para fazer determinável a indicação numérica dos lotes, ou indicações semelhantes — função que nada tem com o direito material ou com o direito processual, por ser de “administração pública”. Trouxeram elas a modificação do sistema do Código Civil, cindindo o contrato consensual de venda em promessa e contrato real? E cedo que, quando o art. 16 do Decreto nº 3.079 disse que o promitente seria obrigado à escritura definitiva nos dez dias seguintes à intimação, essa escritura ou a) seria efeito de direito material (contrato real), de venda e compra que o Código Civil desconhecia, ou E’) seria eficácia de direito processual. Sob a sistemática processual então em vigor, se não fosse satisfeito o mandado de declaração de vontade, o juiz adjudicaria o lote ao promissário e a carta de adjudicação era, como é no direito atual, “titulo de propriedade” (Decreto-Lei nº 58, de 10 de dezembro de 1937, art. 16, § 2º). No caso da solução a), a escritura também “transferiria”, porque — note-se bem isso, que é o resultante da discussão da natureza do pré-contrato, contrato preliminar, ou Vorvetrag — se a venda e compra não é real, só se pensaria em pré-contrato se não foi determinado o prédio, ou o preço, ou se algum requisito da transmissão de propriedade falha (não se confundam, porém, transmissão de propriedade e efeitos contra terceiro). Tendo separado promessa de contratar e contrato de venda, o falso principio de que as promessas de venda têm de seguir as regras de forma dos contratos ou negócios principais (assim, a promessa de emitir notas promissórias haveria de ser... em notas promissórias!) teria de ser posto de lado. Antes do decreto-lei, haveríamos de entender como “promessas” os contratos de venda e compra sem a forma que deviam ter e contratos as promessas que tivessem todos os requisitos. (Quanto a haver pré-contrato se não foi observada a forma do contrato formal, a discussão entre Siegmund Schlossmann, Uber den Vorvertrag, Jherings Jahrbúcher, 45, 1 s., e Ferdinand Regelsberger, Pandekten, 4ª9, nota 22, Heinrich Degenkolb, Der Begrifi des Vorvertrags, 3ª s, e Zur Lehre vom Vorvedrag, Archiv ffir die ciuilistische Praxis, 71, 76 e tantos outros, terminou pela perda da tese de Siegmund Schlossmann, cf. Bernhard Matthiass, Lehrbuch, 6ª e 7ª eds., 1, 107, G. Planck, Kommentar, 4ª ed., 1, 319, Otto Warneyer, Kommentar, 1, 202.) O princípio é o seguinte: a promessa de contratar não ésujeita a outras exigências de forma que as exigências de forma das obrigações em geral (H. Gôpped, em 1872, Fr. Eisele, Heinrich Degenkolb, Ferdinand Regelsberger, que pôs claro estar a aformalidade da promessa de contrato formal ligada à diferença de “fim de forma”), salvo se a lei pré-exclui a diversidade de forma entre o pré-contrato e o contrato, ou resulta da igualdade de “fim” (sobre a doação, RarI Adier, Realcontract und Vorvertrag, Jherings Jahrbucher, 31, 255 s.). No direito brasileiro atual, o art. 63ª do Código de Processo Civil de 1973 aplica-se à promessa de venda e
compra: mais se pode cogitar, nele, utilmente, de promessa de contratar se o contrato principal é real; porque promessa de contratar consensualmente, com os mesmos requisitos, é executável como contrato consensual. O art. 63ª do Código de Processo Civil de 1973 não faz formais as promessas de contratos formais: apenas dá ação especial, com o prazo, se os requisitos do segundo contrato estão satisfeitos. Se não estão, tem de haver a ação do art. 641 do Código de Processo Civil de 1973. O pré-contrato é apenas espécie de pré-obrigação (tal o título do livro de Wolfgang Stintzing); de modo que as pretensões de que se tratam podem resultar de negócio jurídico que não seja contrato, e. g., promessa de recompensa, disposição mortis causa. As vezes “apontamentos” (Punktation), com intuito de contratar, ou, em geral, de obrigar-se, bastam, se há vinculação, para perfazê-lo (Heinrich Degenkolb, Der Begriff des Vorvertrags, 47, 48 s., B. Windscheid-Th. Kipp, Lehrbuch, 1, § 310, 271-273), mas, aí, há o plus.
3. Pré-contraente comprador e sua pretensão de direito materia!. A pretensão do promissário, no art. 346, que, salvo em relação ao procedimento, continua em vigor por força do art. 1.218, 1 do Código de Processo Civil de 1973, é de alguém fazer, e não de dar; de modo que, em direito material, a figura é a do pré-contrato. Já vimos que o efeito do art. 346 ou é de direito material, e então temos de entender que o legislador fez “contrato real” o de lotes de terrenos, ou é de direito processual, e então a sentença é executiva. Uma das consequências de se classificar a eficácia do art. 346 como processual é ter-se de interpretar a eficácia do art. 641 do Código de Processo Civil de 1973 como a de colar a sua pretensão a todas as obrigações pré-contratuais, ou, melhor, prénegociais. Essa solução é a verdadeira. Tinha-se procurado ver no art. 881 do Código Civil de 1916 obstáculo à aplicação do art. 1.006 da lei processual de 1939, hoje art. 641 do Código de Processo Civil de 1973. De modo nenhum: o terceiro do art. 881 do Código Civil de 1916 não é o juiz. A confusão entre lei de direito material e lei de direito formal é responsável por essa malversação. Claro que em nenhum caso de aplicação do art. 1.006 do Código de 1939, hoje art. 641, do Código de 1973 se permitiria que outrem executasse à custa do devedor a prestação, de modo que nunca se aplicaria o art. 1.006, hoje art. 641, se fossemos adotar a interpretação errônea que faz a regra de direito material do art. 881 do Código Civil obstar ao art. 1.006 do Código de Processo Civil de 1939, hoje art. 641 do Código de 1973. Nem o art. 1.220 do antigo Código Civil italiano obstaria a regra que acaso existisse, como o texto brasileiro, no Código Civil, como pareceu a Luis Machado Guimarães (Comentários, IV, 4ª3), mesmo porque legem babem us. Aliás, ainda antes dele, o art. 69 do Código Civil não obstava a essas sentenças executivas. O autor pareceu preferir a concepção de contrato sozinho (IV, 490 e 495), mas faltou-lhe ter discutido o âmbito do art. 1.006. Se fosse, pré-contrato seria impossível, absurdo (Otto Warneer, Kommentar, II, 31). O mal em parte resulta das discussões italianas, sempre doutrina alemã que se fricciona com o Códice Civile, de fonte napoleônica, produzindo a incompreensão entre duas mentalidades jurídicas de tempos diferentes. Também não é cedo que a legislação sobre lotes haja derrogado o art. 134, II, do Código Civil de 1916, pois os contratos preliminares são aformais (formlos); ou o art. 1.088, que é regra de direito material, sobre pré-contrato (leia-se a fonte, bem mais explícita, no Esboço de Teixeira de Freitas, art. 1.930, gênio que viu os mais graves problemas com luz de jurista do seu século e do seguinte): o art. 1.006, hoje art. 641, vem colar outra força processual e realizar o que Francisco de Caídas, no século XVII, Manuel Gonçalves da Silva, no século XVIII, J. H. Correia Teles e Leite Velho, no século XIX, queriam, aliás de acordo com a boa tradição lusitano-brasileira. Note-se que Teixeira de Freitas via o problema dos apontamentos (Punktotion), em 1860, ligado ao dos pré-contratos. No ari. 15 do Decreto-Lei nº 58 lê-se que os pré-contraentes compradores têm o direito de, antecipando ou ultimando o pagamento do preço, e estando quites com os impostos e taxas, “exigir a outorga da escritura de venda e compra”. Ai, há duas regras juridicas: uma, que concerne à antecipação possivel de pagamento (ius cogens), com a conseqUente ação do art. 396, depositado previamente o que faltava ser pago (depósito preparatório); outra, que é para o caso de já estarem pagas todas as prestações, ou só faltar a que há de coincidir com a assinatura da escritura definitiva, espécie em que só se têm de pagar os impostos e taxas. O acórdão da 2º Turma do Supremo Tribunal Federal, a 6 de abril de 1951 (DJ de 1º de dezembro de 1952), em que o voto vencedor diz que o art. 15 do Decreto-Lei nº 58 foi substituido pelo art. 396 do Código de Processo Civil de 1939, é sem qualquer sentido. O pré-contrato de venda e compra de terrenos loleados ou não loteados é pré-contrato, como qualquer outro. As ações especiais que se atribuiram aos outorgados, se houve registro, é que dependem de ter sido registrado o pré-contrato. As ações oriundas do pré-contrato existem por si, desde que o pré-contrato começou a ser eficaz, como os outros pré-contratos- Quando a 2º Turma do Supremo Tribunal Federal, a 3 de maio de 1949,
disse que, sem o registro, o outorgado comprador não tem ação, havia de entender-se que não tem a ação do art. 396, não as outras ações que são comuns aos pré-contratos (e. g., ação de condenação, por inadimplemento do pré-contrato, ação do art. 1.006 do Código de 1939, hoje art. 41 do Código de 1973; ceda, a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 18 de julho de 1950, RDI lI, 314, ambíguo, o acórdão da IA Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 16 de maio de 1950, RT 187/704). Resulta dos arts. 1º e 22 de Decreto-Lei nº 58 que as ações especiais só se referem aos pré-contratos de venda de lotes a prestações, mas alcança os pré-contratos de venda de quaisquer imóveis, ainda se o pagamento não é a prestações, se foi feito o registro de que falam os arts. 22 do Decreto-Lei nº 58, de 10 de dezembro de 1937, e 167, 1, 9 e 18, da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (cf. 2º Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 13 de fevereiro de 1951, RT 190/782). O fato de o direito conferir aos pré-contraentes as ações especiais de modo nenhum elimina as ações próprias dos pré-contratos em geral, inclusive a ação condenatória com cominação e a do art. 1.006 do Código de Processo Civil de 1939, hoje art. 641 do Código de 1973 (sem razão, a 4ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 7 de fevereiro de 1952, RT 20/437). 4. Pré-contrato em forma particular. Não tinham razão os que não admitiam a pretensão do ari. 396 quando a promessa de venda e compra de imóveis a prestações foi feita por instrumento particular e devia o contrato de venda e compra ser por instrumento público. Já vimos que a simetria entre forma do contrato-escopo e forma do contrato preliminar não existe. A opinião isolada de Gutemann, lá do fundo de 1847, não vale a pena ser ressuscitada, a despeito dos erros da jurisprudência e da doutrina brasileira, antes de 1938. O art. 1.006, § 2º, nada teve com o art. 396, lei especial; nem tem com o art. 639 do Código de 1973. O que importa é que se trate de venda e compra de imóvel loteado segundo a Legislação especial ou segundo o art. 22 do Decreto-Lei nº 58, na redação que lhe deu a Lei nº 649, de 11 de março de 1949, art. 12, que foi explícita. A jurisprudência anterior, que veio até há pouco (e. g., 3º Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 8 de setembro de 1949, RT 182/714), está obsoleta. Fora dai, a ação do art. 346 não cabia (2ª Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 25 de agosto de 1942, RT 140/222) nem cabe (u.g., Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, art. 27, § 3º) Concorrendo os pressupostos, era utilizável a ação do art. 1.006, ou a do § 2º e, hoje, a dos arts. 641 e 639.
5. Natureza da sentença. O caso do pré-contrato subsume-se nas regras jurídicas do art. 641, a despeito do esclarecimento do art. 63ª. Trata-se de sentença executiva. Os comentadores, não acostumados com o art. 1.006 do Código de 1939, que correspondia ao § 894 da Ordenação alemã e ao § 367 da Lei austriaca de Execução, invocaram brocardos sobre a não-fungibilidade da vontade, ou sobre não se obrigar ao “ato” precisamente. Ora, não é ai que bate o ponto; nºo se trata de querer pelo obrigado, nem há declaração de vontade pelo juiz, nem ficção; há apenas, e abertamente, execução. O direito austriaco desconhecia isso; desconhecia-o, em parte, o direito brasileiro anterior a 1939. Tal sentença não precisa de registro para produzir efeitos de escritura de venda e compra. A sentença tem muito de condenação, mas, quanto à eficácia, prepondera à executividade. (Já dissemos que não há dilemas da forma “é condenatôria ou executiva”, salvo em termos de preponderância.) O registro é meramente reafirmatório quanto à transmissão, após a coisa julgada formal (cp. Leo Rosenberg, Sachenrecht, 201, IV, 6, b; Otto Warneyer, Kommentcr, II, 31: “o consentir no registro” é, ai, parte intrínseca do consentimento, do consensus, aliás pelo juiz. Efeitos contra terceiros, esses, sim, dependem da ordem do registro). 6. Sentença com força executiva. A sentença do juiz, no caso do art. 346, § 1º. do Código de Processo Civil de 1939 (verbis “se nada alegar”), é executiva lato sensu, como posto que também condenatória e com efeitos (§ 1º, c). , de mandamento (§ 1º, c) 7. Cláusulas do pré-contrato. A providência do art. 346, § 1º, a), vale como declaração de vontade do promitente a prestações —como de vendedor — para todos os efeitos das regras jurídicas do Código Civil, como geradora do negócio jurídico da venda e compra. Ao comprador e ao vendedor continuam as pretensões que perdurariam ou nasceriam com a transmissão da propriedade por ato pessoal (efetivo) dele (e. g., vícios redibitórios, evicção). A execução opera, ainda que haja parte da sentença que apenas seja julgamento com força de coisa julgada
material (Rudolf PolIak, System, 1026), ou se o processo correu contra o representante, ou o administrador, ou à revelia, ou com o nomeado à autoria; O.Neumann — L. Lichtblau, Kommentar zur Exekutio —, ed., 1119; sem razão Theodor Kipp, Verurteilung zur Abgabe von Willenserklúrungen, 43). 8. Execução, e não ficção. À semelhança de escritura pública, digamos. A ficção operaria como verdade. Porém não há ficção: há execução. Observe-se que a ação do art. 346 é cumulação de ações: há a execução do pré-contrato e há a execução do contrato a que se condena o réu e se executa; não se executa só o pré-contrato, como daria na espécie do art. 64, do Código de Processo Civil de 1973 (antes, art. 1.006 do Código de 1939) —executam-se o pré-contrato e o contrato, que é objeto da execução segundo o art. 641 (antes, art. 1.006). A a) ação do art. 346 entra, pois, na classe das ações de dupla execução sucessiva, ao lado da b) ação do art. 64 do Código de 1973 (antes, art. 1.006, § 2ª A diferença entre elas é apenas de rito: a) sumário (Código de 1973, art. 275, 11, g); Decreto-Lei nº 58, de 10 de dezembro de 1937, arts. 16 e 22; Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, art. 25), b) ordinário (Código de 1973, art. 271).
Quando se adjudica o lote já se executa o contrato, e não só o pré-contrato. O elemento mandamental desaparece (art.346, § 1º, b). 9. Propriedade gravada. “Se a propriedade estiver gravada de ônus real, o memorial será acompanhado da escritura pública em que o respectivo titular estipule as condições em que se obriga a liberar os lotes no ato do instrumento definitivo de venda e compra” (Decreto nº 3.079, art. 1º § 4º) A “notificação” é clara, e faz pade da execução da promessa de contratar, no caso do § 4º do art. 346. Para os casos de servidão ou outro direito real (Decreto n0 3.079, art. 11, g), o promissário autor pode pedir que se cancele, se consta do registro público. Entenda-se que se cancele, parcialmente, a hipoteca, livrando-se o objeto do pré-contrato, e não para que o vendedor o faça ou responda por perdas e danos. 10. Notificação. A notificação é ao credor, e não ao promitente, ora vendedor executado; porque o credor concordou com a liberação (Decreto nº 3.079, art. 11, g). Se o credor não atender, pode apresentar impugnação que traga. Os dois citados são tratados independentemente, e pode dar-se que o credor hipotecário, por exemplo, seja litisconsorte na impugnação do cancelamento. 11. Impugnação. Sob o Código de 1939, se o promitente impugnava (“alegações” seria o termo, a seguir-se o art. 346, §§ 2º e 3º), a lei concebia essa impugnação à semelhança formal dos embargos do devedor nas execuções de sentença e chamava às alegações do promissário “contestação” (art. 346, § 2º). Passa-se diversamente sob o Código de 1973. Na atual sistemática a ação executiva do art. 346 segue o rito sumário, de modo que a impugnação do pré-contraente vendedor, com objeção, ou exceção de direito material, ou uma e outra, é na resposta oral ou escrita que se oferece na própria audiência, se não obtida a conciliação, sem pré-exclusão de réplica e tréplica pelo pré-contraente comprador, ou dúplica pelo pré-contraente vendedor.
§ 54. Procedimento e alegações 1. Procedimento e instrução. Se no suporte fático há pré-contrato, Vorvertrag, de que se irradiem pretensão e ação de direito material à adjudicação do bem imóvel, segundo a legislação especial (e. g., Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, art. 25; Decreto-Lei nº 58, de 10 de dezembro de 1937, arts. 16 e 22), o sistema jurídico processual concebe-lhes o procedimento comum sumário (Código de 1973, art, 275, II, g)). Na petição inicial, o pré-contraente comprador apresentará o rol de testemunhas e, se requerer perícia, formulará quesitos, podendo indicar assistente técnico. O juiz designará a audiência de conciliação a ser realizada no prazo de trinta dias, citando-se o pré-contraente vendedor com a antecedência mínima de dez dias e
sob a advertência de que o não-comparecimento injustificado implicará reputarem-se verdadeiros os fatos alegados na petição inicial, se o contrário não resultar da prova dos autos ou da livre convicção motivada do juiz. As partes comparecerão pessoalmente, podendo-se representar por preposto com poderes de transação. Obtida a conciliação, será reduzida a termo e homologada por sentença, podendo o juiz ser auxiliado por conciliador. Não obtida, o pré-contraente vendedor oferecerá a resposta escrita ou oral, acompanhada de documentos e rol de testemunhas e, se requerer perícia, formulará seus quesitos, podendo indicar assistente técnico. E-lhe dado formular pedido na própria contestação, se fundado nos mesmos fatos referidos na petição inicial. Não sendo hipótese de extinção do processo ou de julgamento antecipado da lide, decididas na audiência as questões processuais, com recorribilidade tão-somente por meio de agravo retido, terá o perito o prazo legal de quinze dias para apresentação do laudo, se útil essa diligência probatória à composição da lide. Havendo necessidade de produção de prova oral, será designada audiência de instrução e julgamento para data não-excedente de trinta dias, salvo óbice em face da produção probatória pericial. Os atos probatórios realizados nessa audiência poderão ser documentados mediante taquigrafia, estenotipia ou outro método hábil de documentação, fazendo-se a respectiva transcrição se o juiz a determinar. Não sendo possível essa documentação dos atos probatórios, os depoimentos serão reduzidos a termo, do qual constará apenas o essencial. Findos a instrução e os debates orais, o juiz proferirá a sentença na própria audiência ou em dez dias. Procedente a pretensão do pré-contraente comprador, tem ela peso 5 (força) de executividade, 4 de condenatoriedade (efeito imediato), 3 de declaratividade (efeito mediato) e, sem maior importância, os pesos 2 de constitutividade e 1 de mandamentalidade. Porquanto se trate de sentença executiva, não há posterior ação de execução. A sentença, em adjudicando ao pré-contraente comprador o bem imóvel, já executa o pré-contrato e o contrato. Basta-lhe o cumprimento, porque ela é o título para o registro no Registro de Imóveis (cp. Decreto-Lei nº 58, de 10 de dezembro de 1937, art. 16, § 2º, parte final, e Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, art. 168).
2. Mora e ação do outorgado pré-contraente. A respeito da mora nos pré-contratos inclusos nos arts. 16 e 22 do Decreto-Lei nº 58 regem o art. 14 do mesmo Decreto-Lei, que diz: “Vencida e não paga a prestação, considera-se o contrato rescindido” —queria dizer “resolvido” — “trinta dias depois de constituído em mora o devedor”, e o § 1º, que acrescenta: “Para este efeito, será ele intimado a requerimento do compromitente, pelo oficial do registro, a satisfazer as prestações vencidas e as que se vencerem até a data do pagamento, juros convencionados e custas da intimação”. No § 2º, permite-se a purga da mora. O devedor somente se expõe à resolução depois de trinta dias, contados do dia seguinte à interpelação, de jeito que tem trinta dias para purgar a mora, É o prazo sobressalente, o Nachfrist dos textos alemães e suíços. Os pré-contratos não podem encudar esse prazo. Seria de discutir-se é dilatável, por convenção explícita ou implícita; mas a melhor solução é considerar-se cogente o art. 14. Idem, no que concerne à mora nos pré-contratos referentes a loteamentos e desmembramentos do solo urbano (Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, art. 32). Quando a lei especial, tratando de certos negócios jurídicos,cria prazo sobressalente, necessariamente derroga a lei geral, que o não tinha. O prazo é sobressalente exatamente por isso: o direito comum não o tinha; e a só aplicação da lei geral, que o não tem, feriria o direito do devedor, a quem a lei beneficiou com o prazo especial. O que é preciso é que o pré-contraente comprador ofereça o restante do preço ou o preço — o que se subentendia, sob o Código de 1939, art. 346, se pedia a intimação do pré-contraente vendedor “para dá-la (a escritura definitiva de venda e compra) nos cinco dias seguintes”, que corriam em cartório. Se, nos cinco dias, o pré-contraente vendedor alegava que se havia de liquidar, antes, o débito, tinha o précontraente comprador cinco dias para a contestação (§ 2º), seguindo-se a prova no tríduo, se fosse preciso (§ 3º). Liquidada a dívida, tinha o prê-contraente comprador de depositar o preço, ou o restante do preço, tal como se fixou. O depósito ou a) se fazia logo após os cinco dias, se não houvesse qualquer alegação do précontraente vendedor que levasse à contestação pelo pré-contraente comprador, ou b) dependia de liquidação, a que se havia de proceder, para que o depósito se fizesse antes da adjudicação, isto é, depois de o juiz julgar improcedentes as alegações ou a alegação do pré-contraente vendedor e ordenar que se depositasse o que se liquidou, ou c) havia alegações do pré-contraente vendedor e tinham de ser julgadas antes, fazendo-se o depósito, se improcedentes, antes da adjudicação.
O art. 346 do Código de Processo Civil de 1939, na concepção da ação de adjudicação, afastou-se da técnica legislativa da ação de consignação em pagamento: na ação de consignação em pagamento, a citação, que antes da Lei nº 8.951, de 13 de dezembro de 1994, era para receber o pagamento “sob pena de ser feito o respectivo depósito”, é, na hipótese do art. 893,1 e II, do Código de Processo Civil, “para levantar o depósito ou oferecer resposta”; na ação de adjudicação, a citação era, no rito traçado no direito processual anterior, para o citado outorgar a escritura definitiva nos cinco dias seguintes, que corriam em cartório. Se o pré-contraente vendedor outorgava a escritura nos cinco dias, tollitur quaestio. Se não a outorgava, nem alegava matéria relevante, o juiz ordenava o depósito da dívida e, cumprido o despacho, adjudicava ao comprador o bem. Não era preciso que se depositasse, logo após a intimação, a quantia devida, porque ainda se esperava que o pré-contraente vendedor anuísse em outorgar, nos cinco dias, a escritura, e era na ocasião de ser assinada que se prestava o devido. Não havia, nem há no direito atual, consignação em pagamento; havia depósito prévio para a adjudicação, se ela tivesse de ocorrer. Processualmente, à alegação de iliquidez da divida, tinha o juiz de ouvir, em cinco dias, o intimante, seguindo-se as provas, se preciso. Após a liquidação, uma vez que se prontificou o intimante a assinar a escritura (ninguém pode intimar outorgante e assinar a escritura sem se dizer pronto a assinar, portanto prestando o que ainda deve), é que se depositava o que fora liquidado. Se o intimante se apressou, depositando, isso não o prejudicava, porque o juiz ordenaria o depósito do restante, antes de deferir o pedido de adjudicação. Sob o direito vigente, processual e material, deixando injustificadamente o pré-contraente vendedor de comparecer à audiência de conciliação, serão reputados verdadeiros os fatos alegados pelo pré-contraente comprador na petição inicial, salvo se o contrário resulta da prova dos autos ou da convicção motivada do juiz, que proferirá desde logo a sentença (Código de 1973, art. 277, § 2º, e arg. da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, art. 20, parte final). Ainda que se verifique a revelia, ela será ineficaz e a ação não será acolhida se o précontraente comprador não cumpriu a sua prestação nem a ofereceu nos casos e formas legais (cp. Decreto-Lei nº 58, de 10 de dezembro de 1937, art. 16, § 1º).
Capítulo XIII Ação de dissolução e liquidação das sociedades
§ 55. Sociedades e dissolução 1. Sociedades de direito privado e sociedades de direito público. O assunto abrange quaisquer sociedades, personificadas ou não, exceto as sociedades cujo processo de dissolução e liquidação seja regulado pelo direito constitucional ou pelo direito administrativo. Não estão excluidas aquelas cuja dissolução e liquidação se rejam pelo direito público, se o processo não pertence ao direito constitucional ou ao administrativo. Não se distinguem as sociedades civis e as comerciais. Ao direito material respectivo é que toca determinar os casos de dissolução e liquidação em seus pressupostos básicos. O processo é ordinário se a ação é de dissolução das sociedades se não se previu outro rito no contrato ou instrumento constitutivo; e o processo da execução de sentença é o da liquidação. 2. Dissolução “Ipso iure”. Se a dissolução é ipso iure, o procedimento, em princípio, restringir-se-ia à liquidação. Mas o Código de 1939, seguindo a trilha do antigo Código de Processo Civil do Distrito Federal, cogitou de declaração. O art. 937 da revogada lei do Distrito Federal distinguia a declaração e a decretação, aquela referente à dissolução pleno iure, e essa dependente de sentença: ... a declaração, ou a decretação.. Odilon de Andrade (Código, II, 135) frisou: “Alguns Códigos não fazem depender de ato algum do juiz a dissolução da sociedade, quando esta se opere de pleno direito. Uma vez ocorrido o fato determinante da dissolução, qualquer interessado requererá a liquidação da sociedade. Este Código, mais corretamente, exige que o juiz declare a dissolução no caso de ocorrer de pleno direito, ou a decrete, no caso contrário” (também,
Comentários, VII, 405). Não nos parece que o tivesse exigido o Código do Distrito Federal, nem que o exija o de agora, para a dissolução. Se a dissolução resulta da lei, a ação e a sentença que a proclamam são declarativas: a sociedade está dissolvida, subsistindo apenas a responsabilidade social para com terceiros, pelas dividas que tenha contraído. Se a dissolução depende de sentença, a ação e a sentença são de constituição, com forte elemento constitutivo, ou, ás vezes, condenatórias. O Código de 1939, com a ambiguidade (aliás, equivocidade) do art. 655 — verbis: “poderá ser declarada’ — não apagou a diferença, que resulta do direito material e dele mesmo. Já tivemos ensejo de observar que há ações que têm pedido mais forte do que o pedido da ação que deveria ser proposta. Por exemplo: pede-se a decretação de separação judicial, a despeito de casamento inexistente; uma vez que a questão da existência do casamento é prejudicial, claro que o juiz pode, na ação de separação judicial, declarar a inexistência do casamento, tornando-sentença declarativa, em vez de constitutiva negativa, a que proferir. Se foi pedida a dissolução de sociedade civil ou comercial, em ação constitutiva negativa, também se passa isso. A questão de ter existido e existir a sociedade (na qual se inclui a de estar dissolvida ipso iure) é prejudicial; porque seria absurdo “decretar-se a dissolução” de sociedade que não existiu ou se dissolveu. Não se desconstitui o que já está desconstituído. Daí poder o juiz, ainda se foi proposta ação de dissolução (constitutiva negativa), declarar a inexistência da sociedade, inclusive decretar a sua nulidade ipso iure, ou declarar a sua dissolução ipso iure, isto é, independente de ato judicial integrativo da desconstituição. A liquidação judicial é só o que se pode pedir, se a sociedade já foi dissolvida de pleno direito e nenhum ato integrativo se exige; porém, como a liquidação se tem de basear em cognição da dissolução (existência anterior + cessação da existência), está claro que só se pode liquidar o que resta de sociedade que existiu e cessou de existir. Duas prejudiciais inelimináveis, a de ter existido (declarativa) e a de não existir mais (outra declarativa). E a esse elemento de prejudicialidade que se referia o antigo Código de Processo Civil e Comercial do Distrito Federal, sem atender a que a ação, num caso (sociedade já dissolvida ipso fure) e noutro caso, é de liquidação, o último com cumulação de ações (a de dissolução, que é constitutiva negativa, e a de liquidação) sucessiva eventual: se não estava dissolvida a sociedade, ou se não se pode decretar a dissolução, não cabe liquidação. Se foi pedida a declaração da dissolução da sociedade, ou a decretação, com o pedido de liquidação, tem-se aquela decisão como um passo para a ação executiva. Aquela ação é prejudicial, isto é, nela se prejulga. Se há o pedido de declaração ou de decretação da dissolução, sem que se tenha de liquidar ativo e passivo da sociedade, o assunto é estranho às ações executivas. 3. Liquidação judicial. Quando se promove a liquidação judicial, é preciso que exista a cognição do juiz. Dai, se prefere a liquidação judicial, ou se a lei a impõe, tem de precedê-la cognição do juiz, com elemento de declaração ou de constitutividade negativa necessário a que se ingresse no processo Liquidatário. 4. Legitimação ativa. Qualquer interessado, ainda o credor da sociedade ou do sócio, pode pedir a declaração ou a decretação da dissolução e liquidação, desde que alegue e prove o interesse. É nula a cláusula contratual que vede o pedido de Liquidação judicial (3º Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 19 de janeiro de 1943, RT 14ª/296).
5. Subsistência do sociedade. A liquidação pertence à própria sociedade e essa é tratada como se fora subsistente até que termine a liquidação. Tal subsistência constitui um dos problemas técnicos mais delicados do direito das sociedades. Alguns entendem que se trata de a) continuação da personalidade jurídica, sem mais outra; outros, de 14 mera sucessão universal a favor dos que têm direito ao restante do patrimônio, dando-se apenas lapso para a entrega dos bens que se liquidarem (Otto von Gierke, Vereine aMe Rechtsfdhigkeit, 2º cd., 47, nota 87; Konrad HelRFig, Wesen und Subjektive Beyrenzung der Rechtskrajt, 203, 5.; Pranz Bernhóft, Fiktionen, 23 s.); ainda há opinião c) que entende acharem-se os bens em estado de execução voluntária ou forçada, pelos liquidantes, à semelhança do que ocorre quando o Estado retira à pessoa física ou jurídica os bens penhorados — apenas, nesse caso, a razão da execução é a falta de personalidade da sociedade dissolvida. A construção o) é a mais vulgar; pode dizer-se que ainda dominante; tem, na doutrina, entre os grandes juristas, a Ernst Zitelmann (Das Recht des
BGB, 68) e a Andreas von Tuhr (Der Allgerneine TeU, 1, 565). No Brasil, essa opinião foi a da 2º Câmara Cível da Corte de Apelação do Distrito Federal, a 20 de outubro de 1905 (D 99/293) e a 20 de agosto de 1907 (D 105/296). 1 X. Carvalho de Mendonça evitou discutir (Tratado de Direito Comercial Brasileiro, II, 281), mesmo porque eram vagos os termos do Código Comercial, art. 355, in Me, e do Decreto nº 43ª, de 4 de julho de 1891, art. 156. Clovis Bevilacqua (Código Civil Comen todo, 1, 236) considerou extinta a personalidade, sem, porém, dizer como construia, se conforme b) ou conforme c), que é a verdadeira, pelo menos em nosso direito, a despeito da jurisprudência que repete a opinião ci), sem lhe reconhecer, na realidade, as consequências. O que continua é a sociedade, não a pessoa jurídica. Conhece-se fato semelhante no trato das sociedades irregulares. A subsistência é mera facilidade formal, Mcdium, em que se restringe o número de atos praticáveis. Aliás, as dificuldades crescem quando, mantendo-se a lenda da continuação da personalidade, se consideram os casos de dissolução pleno fure por lei que reputa “ilícita” a sociedade, ou de sentença passada em julgado que a dissolveu por falta de número legal de membros etc. 6, Dissolução de pleno direito. A dissolução de pleno direito tem de ser declarada, pois que já se operou, e ai nenhum poder de constituição negativa tem o juiz. Por outro lado, a cognição é fácil, não precisando de delongas e discussões. Ouvem-se os interessados, em quarenta e oito horas. Conclusos os autos, o juiz decide. A sentença é declarativa; a eficácia, ex tunc. Dela cabe apelação. A expiração do prazo é causa de dissolução ipso iure (3º Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 2 de junho de 1943, RT 148/148), salvo se concebido diversamente. 7. Dissolução dependente de sentença. A dissolução dependente de sentença tem de ser decretada. A ação é constitutiva negativa com elemento condenatório assaz forte. A eficácia, ex nunc. Dela cabe a apelação (A expressão “dissolução contenciosa’ não é feliz. Nem toda dissolução, que não é pleno iure, é contenciosa. Se contenção está ai por disputa, casos há em que se disputa a respeito de dissolução de pleno direito, e outros em que há acordo quanto à dissolução dependente da sentença. O problema técnico consistia em se empregarem dois conceitos que correspondessem à dissolução pleno iure e à dissolução dependente de ato judicial. Somente isso). Declara-se a dissolução ipso fure, ao passo que se decreta a nulidade ipso jure ou não, porque a sociedade dissolvida não é, enquanto o ato nulo (e. g., a sociedade nula ipso iure) é, posto que nulo. A liquidação das sociedades é execução da sentença de dissolução, seja declarativa (dissolução ipso fure), seja constitutiva negativa (dissolução decretada). A única diferença entre ela e as outras liquidações está no seu objeto, que são os haveres e obrigações das sociedades dissolvidas. De regra (1) há de ser nomeada liquidante a) a pessoa que, pelo contrato social, ou pelos estatutos, tenha de o ser, e fixada conforme o contrato a forma da liquidação e partilha. Naturalmente, se não está previsto, à lei dispositiva b) cabe dizer quem deve ser nomeado e como se há de liquidar e partilhar. Se faltam leis dispositivas de direito material e c) indicação pelos sócios ou acordo sobre liquidação e partilha, então, e só então, se recorre d) à lei processual sobre liquidação. Excepcionalrnente, pode alguma lei (2) excluir o primado da regra do contrato social ou dos estatutos, funcionando como derrogatória da regra geral de primado da declaração de vontade dos contratantes. E, então, 1 us cogens, em vez de ser, como na espécie b) de (1), 1 us dispositivum. A espécie c) é negocial, sendo pressuposto necessário a unanimidade. A espécie (2) elidiria as outras. Se não há lei cogente, isto é, se não (2), nem indicação segundo a), ou c), nem lei dispositiva, espécie b), então — e somente ai — tem de ser aplicada a regra jurídica processual cogente, se não há concordância geral. A regra jurídica do art. 657, § 1º, do Código de Processo Civil de 1939, e as semelhantes, supõem, portanto, falta de disposição legal ou contratual. Se o direito material adota (1) a), somente na falta de disposição do contrato social, ou dos estatutos, é que se recorre à lei dispositiva b), se há tal lei, ou, se não há, à indicação pelos sócios c). A nomeação é apenas para o caso de não ocorrer (1) a), nem (1) c). O mesmo raciocínio cabe a respeito da forma de liquidação e partilha. As leis de direito material costumam inserir em seu corpo regras do tipo (1) a), e essas regras jurídicas criam direito subjetivo, pretensão e ação a favor dos que pretendem contrair sociedade e disciplinar-lhe a dissolução e a
liquidação. As regras fixadoras de autonomia da vontade são regras como as demais, suscetíveis de ser infringidas como direito em tese e como direito em aplicação concreta. A liquidação ou foi desnecessária, porque nada se tinha a liquidar, e credores não havia, ou, se os havia, assumiram os socios, pessoalmente, as dividas, ou algum ou alguns deles espontaneamente as assumiram, ou incide a regra de direito material, regra jurídica sobre responsabilidade dos sócios pelas dividas contraídas. Nas relações com os sócios, a liquidação foi pré-excluída ou encerrou-se no momento em que os socios explícita ou implicitamente a deram como tal. Nas relações com terceiros, ou as dívidas líquidas têm de ser pagas por aqueles que as assumiram, ou, se há dívidas ilíquidas, têm de ser pagas pelos que as assumiram, após liquidação perante os responsáveis, ou, líquidas ou ilíquidas, não foram assumidas espontaneamente e então incide o art. 1.407 do Código Civil. Se o executado aliena o bem penhorado, alienação que é ineficaz em relação ao exeqüente, mas vale, pode o exeqüente consentir em que se dê a substituição do executado pelo terceiro adquirente. Se há questão pendente entre o executado e terceiro que se diz com direito ao bem, e a penhora foi posterior à litispendência, o exequente pode intervir, como assistente litisconsorcial, na ação pendente. Depois da expedição da cada de adjudicação ou de arrematação, o exequiente, ou o arrematante, faz-se parte, em substituição.
8. Ação de liquidação. Se o juiz declara, ou decreta, a dissolução, na mesma sentença nomeia liquidante a pessoa a quem, pelo contrato, pelos estatutos, ou pela lei, competir tal função. Se a lei, o contrato e os estatutos nada dispõem a respeito, o liquidante é escolhido pelos interessados, por meio de votos entregues em cartório. A decisão toma-se por maioria, computada pelo capital dos socios que votaram, e, nas sociedades de capital variável, naquelas em que houver divergência sobre o capital de cada sócio, e nas de fins não econômicos, pelo número de socios votantes, tendo os sucessores apenas um voto. Se forem somente dois os sócios e divergirem, a escolha do liquidante será feita pelo juiz entre pessoas estranhas à sociedade. Em qualquer caso podem os interessados, se concordes, indicar, em petição, o liquidante. A liquidação das sociedades é execução da sentença de dissolução, qualquer que ela seja. A única diferença entre ela e as outras liquidações está no seu objeto — os haveres e obrigações das sociedades dissolvidas. Se a dissolução ocorreu pleno iure, ou não, é sem relevância para a liquidação (salvo lei emergencial, que então seria restrita à abrangência dos seus artigos); porque em ambos os casos a sociedade está dissolvida. Se, feita a liquidação, algum credor deixou de apresentar-se e do crédito dele não tinha informação o liquidante, e está extinta a sociedade, e, com ela, a pessoa jurídica, pode o credor não satisfeito ir, em ação condenatória, ou executiva, se cabe, contra os socios, e, se houve culpa do liquidante, contra esse, para haver indenização dos danos.
§ 56. Procedimento 1. Liquidante. De regra (1) há de ser nomeada liquidante a) a pessoa que, pelo contrato social, ou pelos estatutos, tenha de o ser. Assim, a V Turma do Supremo Tribunal Federal, a 18 de dezembro de 1941 (RF 91/109). Naturalmente, se não está previsto, à lei dispositiva b) cabe dizer quem deve ser nomeado. Se faltam lei dispositiva de direito material e c) indicação pelos sócios, então, e só então, se recorre d) à lei processual sobre liquidação. Excepcionalmente, pode alguma lei (2) excluir o primado da regra do contrato social ou dos estatutos, funcionando como derrogatória da regra geral de primado da declaração de vontade dos contraentes. E, então, ius cogens, em vez de ser, como na espécie b) de (1), ius dispositivurn. A espécie c) é negocial, sendo pressuposto necessário a unanimidade. A espécie (2) é a mais forte e elide as outras. No momento em que se nomeia ou se escolhe o liquidante, traspassam-se a esses os poderes dos socios gerentes. Se trata da mesma pessoa, há continuidade quanto à titularidade, não, porém, quanto à fonte dos poderes. Se no contrato social foi dito que seria o liquidante sócio ou estranho, em caso de dissolução da sociedade,
somente a unanimidade pode escolher outra pessoa (cf. Tribunal de Justiça de São Paulo, 6 de março de 1947, RT 167/240).
2. Escolha feita pelo juiz. Se são dois os sócios e divergem, a escolha é feita pelo juiz, e há de recair em pessoa estranha à sociedade. Aliás, pode ocorrer que a lei de organização judiciária possui liquidante judicial, outro fato de burocratização dos cargos em processo. A lei não cogitou do desempate, ou da atribuição ao juiz, se quatro ou seis ou oito, e assim por diante, são os sócios; ou se, ainda sendo ímpar o número deles, a votação empatou. Procede-se a nova votação, por meio de novos votos entregues em cartório. Salvo exclusão do problema, por indicação do liquidante. A simples divergência entre os três ou mais sócios não dá ao juiz a nomeação de estranho (2º Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 21 de março de 1944, RT 154/135). A indicação sucessiva é possível; não a plural conjunta. No sistema jurídico, prevalece a unicidade de encarregado da função em juízo, salvo outra regra de direito material. A 1ª Câmara Cível do Tribunal de Apelação de Minas Gerais, a 29 de maio de 1941 (RF 89/187), decidiu que o juiz pode deixar de atender a essa indicação, ou outra, se o liquidante indicado poderia, por alguma razão, ser destituído. Seria destituição prévia; salvo causa de direito, e não de fato, dificilmente se justificaria em decisão de plano. 3. Inventário e balanço. O dever de levantar inventário dos bens e fazer o balanço da sociedade possui dois propósitos: a) o de estabelecer a base para a liquidação do ativo e passivo, bem como para partilhas; b) o de documentar o estado do patrimônio que se confiou ao liquidante. O valor probatório de qualquer relação de bens ou dívidas, apresentada pelo liquidante, rege-se pelos princípios gerais. O inventário, que ele (ou o seu preposto, mas em seu nome) levanta, contém comunicações de conhecimento, a que o art. 319 do Código de Processo Civil de 1973 (antes, Código de 1939, art. 209) é aplicável. A função do liquidante, se quanto aos negócios (quantitativamente), é mais restrita do que a de gerência, ou direção, uma vez que se restringe ao fim de liquidar, é, qualitativamente, mais relevante: tem desembaraço que aquela não teria. Por outro lado ainda quanto ao número de atos, o liquidante pratica atos de liquidação, que àquele seriam vedados. Não se pode, portanto, cogitar de substituição funcional do liquidante à gerência, ou direção. Quanto aos contratos pendentes, executa-os, ou faz executá-los, como se fosse a associação, mas sem se precisar da ficção da personalidade dessa. 4. Dever de cobrar e dever de solver. O dever de cobrar e de solver atende à finalidade precípua da liquidação. Inclui-se o dever de acionar. O liquidante tem capacidade processual; a sociedade dissolvida não a tem, nem a teria, se dissolvida não estivesse. Pode ele ter capacidade postulacional. Têm os liquidantes, nas sociedades de responsabilidade ilimitada, poder de exigir dos sócios pessoalmente responsáveis as somas necessárias à extinção do passivo social, se o patrimônio social foi insuficiente? A questão que surgia no direito brasileiro e noutros sistemas jurídicos não mais se pode apresentar no direito brasileiro, porque o art. 660, II, segunda parte, do Código de Processo Civil de 1939, foi explícito. Apenas temos de acrescentar que o poder de exigir vai até as partes correspondentes ao que se não pode haver do sócio insolvente. A liquidação é para a extinção do passivo e divisão do patrimônio resíduo. Uma vez que há responsabilidade ilimitada, não se justificaria que não pudessem os liquidantes exigir o que os credores o poderiam. Os poderes do liquidante são os de exigir, judicialmente ou não, o que devem os sócios responsáveis ilimitadamente; inclusive o de propor ação contra o sócio devedor, por sua quota, por sua quota na responsabilidade subsidiária e por sua quota na responsabilidade pelo que não pode pagar o sócio insolvente. Os liquidantes têm de respeitar o critério da prestação conforme as quotas, bem como os outros princípios legais contratuais. Se os liquidantes ofenderem interesses dos sócios, como se exigirem mais do que era necessário à satisfação das dividas sociais e despesas do processo, respondem pelos danos. 5.
Proposta da forma de divisão ou da partilha. Ao liquidante incumbe propor a forma da divisão, ou da
partilha, ou do pagamento dos sócios, depois que se liquide a sociedade. Para isso, tem de apresentar: a) relatório dos atos e operações, que se realizaram, ou já em via de realização; b) balanço final; c) o plano de distribuição.
6. Audiência dos interessados. Feito o inventário e levantado o balanço, os interessados são ouvidos no prazo legal e o juiz decide as reclamações, se as comporta a natureza do processo, ou, em caso contrário, remete os reclamantes para as vias ordinárias. A audiência dos interessados somente concerne às comunicações de conhecimento do liquidante, contidas no inventário e no balanço final. As reclamações consistem noutras afirmações que contradigam as do liquidante. Se essas afirmações são sobre direito ou sobre fato, cumpre distinguir: que todas as afirmações de direito, quaestiones iuris, podem ser decididas no processo; que se podem decidir no processo todas as quaestiones facti que não dependam de prova fora da reclamação mesma (e. g., depoimento pessoal, testemunhas, pericias). Somente nesse caso tem poder o juiz para remeter as partes às vias ordinárias.
7. Processo da divisão e partilha. A divisão e a partilha dos bens sociais são feitas de acordo com os princípios que regem a partilha dos bens da herança. Os bens que aparecerem depois de julgada a partilha são sobrepartilhados pelo mesmo processo estabelecido para a partilha dos bens da herança. As regras jurídicas processuais sobre divisão e partilha são aplicáveis.
8. Sobrepartilha. A função do liquidante somente cessa com o registro da extinção da sociedade. Todavia, se depois de julgada a partilha, e mesmo depois de feito o registro da extinção, aparecem bens que pertencem à sociedade, ou a sócio subsidiariamente responsável, reabre-se a liquidação, sem que isso implique repersonificação da sociedade, ou ressurgimento dessa.
9. Liquidação das sociedades, processo. Não havendo contrato ou instrumento de constituição de sociedade que regule os direitos e obrigações dos sócios, a dissolução judicial será requerida pela forma do processo ordinário, e a liquidação faz-se pelo modo estabelecido para a liquidação das sentenças. As sociedades a que a lei se refere, de regra, são as sociedades sem personalidade, ditas sociedades irregulares (com contrato escrito, porém não registradas) ou de fato (sem contrato escrito), distinção, ai, sem valor prático. As sociedades sem personalidade jurídica existem no plano da vida dos fatos, sem ingressar no plano dos sujeitos de direito. Têm algo de constituição, de atração e de deliberação em atos coletivos de maioria. Mais: a) a responsabilidade dos sócios é restrita às quotas; b) o patrimônio pertence a eles, e não à sociedade, pessoa jurídica, porque essa pessoa não existe; c) não há pretensão a dividir ou partilhar; d) o nome delas é pseudônimo, ou melhor, o nome aparente dos seus nomes, de modo que, ainda adquirindo bens imóveis, foram eles, e não elas, que adquiriram; e) podem demandar e ser demandadas, pois que têm capacidade processual, posto que não sejam partes — ao contrário das pessoas jurídicas que podem ser partes — e não têm capacidade processual; fl os negócios juridicos concluídos em nome delas obrigam o que tomou parte neles, ou solidariamente, os que tomaram parte; g) o contrato delas pode não ser escrito, bem como os estatutos — inclusive pode pensar-se em estatutos tácitos — sendo de interpretar-se, segundo o fim social, o comportamento e tipo da sociedade (Otto von Gierke, Vereine ohne Rechtsfàhigkeit, 2º ed., 74); h) os dirigentes são gestores de negócios, como tal as representam, sem serem representantes legais; i) se o contrato ou os estatutos não dispõem diferentemente, a maioria resolve, ainda para substituir os gestores (diretores, gerentes); j) os membros da direção ou gerência só respondem pela culpa in concreto (Andreas von Tuhr, Der Allgemeine Teu, 1, 575: qualquer culpa); 1) o patrimônio écomum e podem elas adquirir se não é preciso negociar (e. g., é comum o prêmio do bilhete de loteria, que foi passado à“sociedade”); m) o gerente pode abrir conta em banco em seu nome, porém com a nota de pertehcer à comunidade etc. A sociedade sem personalidade jurídica repousa, algumas vezes, em realidade psicológica que muitas sociedades personificadas não conseguem — tal como ocorreu aos sindicatos operários, no tempo em que foram proibidos, e ocorre às sociedades secretas de todos os tempos. Pessoa jurídica pode ser membro de sociedade sem personalidade; os membros mudam segundo o contrato, ou os estatutos, ou conforme assentimento da maioria (Otto von Gierke, Vereine ohne Rechtsfàhigkeit, 16, só o admite, na falta de convenção, por unanimidade); os membros podem desligar-se livremente.
No caso de insolvência, abre-se concurso de credores. Há dissolução da comunhão; as regras sobre a partilha são todas de direito dispositivo, caracteristica digna de nota. Sobre essa flacidez juridica do período liquidatório foi possível adotar-se, para a liquidação, o procedimento da liquidação das sentenças, apoiando-se, pois, no elemento condenatório da sentença de dissolução, em vez de se apoiar no efeito declarativo ou constitutivo, que prevalece nas sentenças de dissolução de sociedades personificadas ou na de liquidação das sociedades por ação. A sociedade a que não corresponde contrato por escrito é sociedade de fato, porque se puseram em comum, no mundo fático, as contribuições dos sócios. Não tem personalidade jurídica, porque essa somente pode resultar do registro, ou de lei que a crie e a faça pessoa jurídica. A mão-comum ocorreu, o que estabeleceu situação que há de ser atendida. O ser sócio, por si só, não basta (5ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 19 de dezembro de 1958, RT 283/3ª4), a despeito de todos os sócios responderem pelas dívidas comuns (Tribunal de Apelação do Rio Grande do Norte, 13 de abril de 1943, RTA VII, 325), salvo se o terceiro sabia que a responsabilidade não era ilimitada. Na sociedade de fato, se um dos sócios demanda, pela restituição daquilo com que contribuiu para o patrimônio, a comunidade, ou pelo recebimento dos lucros que advieram da mão-comum, não se supõe a sociedade tal como se devera ter constituído, diante da exigência legal do instrumento, mas a situação jurídica resultante de terem as pessoas procedido como se sócios fossem. Pode bem ser que o sócio tenha emprestado à comunidade, ou pago despesas comuns (cf. 4ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 31 de agosto de 1950, RT 190/186). Quando há a dissolução, não é da sociedade, em sentido próprio, mas da situação que se criara. O que se liquida e’ “sociedade” que não entrou, como sociedade, no mundo jurídico, mas existe como comunidade, que tem de passar por liquidação. A expressão “sociedade de fato” leva a pensar-se em que, juridicamente, ela existe, e isso não ocorre.se o contrato ou os estatutos não dispuseram diferentemente, se há de entender, ainda em caso de dúvida, que o patrimônio está duradouramente destinado ao fim delas.
§ 57. Sociedade não-personificada 1. Dissolução da sociedade sem personalidade jurídica. A dissolução da sociedade sem personalidade jurídica pede-se por ação de rito ordinário. O elemento condenatório ressalta. Os membros réus podem alegar, entre outros argumentos contrários à pretensão de dissolver a) que há razão para se excluir o autor ou se excluirem os autores, sem se dissolver a sociedade, pois, de regra, ela subsiste, a despeito da mudança dos membros; b) que o autor deseja ou os autores desejam a quota, ou as quotas, com que entrou ou entraram, e a quota dele, ou deles, tem de acrescer aos demais, exatamente por ser esse o preceito (dispositivo) em matéria de afastamento do membro de sociedades não personificadas (Eduard Hólder, Natúrliche und Juristische Personen, 169 s.; Otto von Gierke, Vereine oPine Rechtsfãhigkeit, 3ª s.; Paul Knoke, Der Eintritt eines neuen Gesellschafters, Archiv fúr Búrgerliches Recht, 120, 180 s.); c) que a sociedade já foi registrada, e não há causa de dissolução (se há causa de dissolução, o argumento é inoperante); d) que não é impossível, nem ilicito, nem se tornou ilícito, nem impossível o fim social. Existe dissolução da sociedade sem personalidade? Dissolver, ai, é dissolver o laço social; não a pessoa juridica. O elemento constitutivo apanha o vínculo social em si, antes de qualquer personificação. Se é o maior ou menor o elemento de condenação, não importa: o elemento constitutivo negativo —excepcionalmente o declarativo, nos casos de dissolução ipso fure — prepondera”. Dissolvida a sociedade não personificada, os réus são condenados à restituição das quotas. Se a sentença é desfavorável ao autor, e foi pedida, em reconvenção, a exclusão do autor, não recebe esse qualquer compensação pecuniária por se desligar ou ser desligado, uma vez que, nas sociedades não personificadas se o contrato ou os estatutos não disposeram diferentemente, se há de entender, ainda em caso de dúvida, que o patrimonio esta duradouramente destinado ao fim delas. De regra, a morte ou retirada do membro não é causa de dissolução. A existência pode ser provada por testemunhas, circulares, circunstâncias etc.
2. Natureza da sentença de dissolução da sociedade não-personificada. A sentença é constitutiva negativa, em ação constitutiva, e executa-segundo as regras jurídicas concernentes àexecução de sentença. O processo da liquidação das sociedades personificadas, ainda o das sociedades anônimas, se a constituição delas é por ações, não lhes é aplicável. Se alguma sociedade existe, não se pode liquidar sem deixar de existir, antes de se liquidar, ou como fim mesmo da liquidação. A liquidação voluntária — chamemos assim à que os sócios ou acionistas promovem, sem ser por acidente da vida que o imponha — é semelhante à liquidação e execução das outras obrigações. Os sócios ou acionistas adiantam-na à dissolução. A liquidação forçada é como a liquidação e execução forçadas das outras obrigações, razão por que foi possivel adotar o processo das execuções de sentença. Na sociedade que está voluntariamente a liquidar-se, o fim da liquidação coexiste com o fim da sociedade, como a eliminá-lo; na sociedade dissolvida, que se liquida, o fim da liquidação se substituiu ao fim da sociedade, porque houve — antes da liquidação — o fato da dissolução ipso lure, que fez não existirem relações que existiam, ou a eficácia constitutiva negativa da sentença de dissolução. Daí resulta a liquidação, ação executiva.
Capítulo XIV Ação de despejo
§ 58. Dados históricos e natureza da ação de despejo 1. História e natureza da ação. Ação específica da locação de casas (Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 24), os processualistas portugueses estenderam-na a todas as pretensões à desocupação da coisa, porque a essas (entendiam) se ajustava. As Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 24, referiam-se à pretensão, sem se referirem à ação, menos ainda à forma de processo. No fundo, o que se operou foi generalização do “lançar fora” pelo Alcaide, naquela feição ríspida, despótica, com que era o “senhor da casa” que “mandava” o Alcaide, e a lei punha o Alcaide, diretamente, a serviço desses “senhores de casa”. E isso “logo, logo; o fato, e mais mobília na rua”, como, nas expressões de Manuel de Almeida e Sousa (Ações Sumárias, 1, 305), o queria a Ordenação do Livro IV, Título 24, em contradição flagrante com a outra, a do Livro IV, Título 23. A geração de juristas que veio depois temperou-a com a admissão de embargos ao mandado de evacuando, até que o reacionarismo do fim do século XVIII e começo do século XIX engendrou o Assento de 23 de julho de 1811, arquitetado pela pena interesseira dos “desembargadores” do tempo. Os embargos passaram a ser em suspensão. A primeira questão, que surgia, em 1939, era a de se saber se o Código de então manteve a ação de despejo, em todos os casos de posse imediata de prédios, ou se somente nos de locação. A opinião continuou dividida por muito tempo, como estava nas legislações processuais. O Supremo Tribunal Federal admitia-a no caso de locação e de empréstimo gratuito (comodato). A V Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo a 13 de outubro de 1941 (RT 13ª/469), só a permitia em caso de locação. Qual a ação para o comodante retomar o bem comodado? No direito grego, havia a ação condenatôria pelas perdas e danos (E. Platner, Der Prozess und die Klagen bei den Attikern, II, 378) e a ação condenatória por inadimplemento do contrato (M. H. E. Meier e G. Fr. Schômann, Der attische Prozess, 2º ed., 699). Se o comodatário insistia em ficar com o bem, podia ser pedido; se o comodatário não entregava o bem, havia a ação para haver os frutos; se, vencido pela segunda vez, não prestava o bem, cabia, para uns, a reivindicação (e. g., A.Heffter, Die athendische Gerichtsverfassung, 264, ou, para outros, a executiva pessoal (H. F. Hitzig, Das griechische Pfandrecht, 140), ou, para outros, uma das duas (M. H. E. Meier e G. Er. Schómann, Der attische Prozess, V ed., 967). A ação seria a executiva pessoal, ao que se pode tirar dos textos de alguns discursos e do Tratado das Leis de Teofrasto. No direito romano, a ação do comodante era pessoal, a actio commodati directa, com a intentio in facturn concepta e, mais tarde, concebida in ius (Otto Lenel, Das Edictum perpetuum, 3º ed., 252 s.). Os direitos do
comodatário podiam ser em iudicium contrariurn. Na L. 3, § 1, D., commodati vel contra, 13, 6, dizia Ulpiano: “Si reddita quidem sit res commodata, sed deterior reddita, non videbitur reddita, quae deterior facta redditur, nisi quid interest praestetur: proprie enim dicitur res non reddita, quae deterior redditur”. Se foi restituida (redada) a coisa comodada, mas deteriorada, não se tem como restituida a que foi restituida em estado de deterioração, se não se satisfaz o que interessa: porque com propriedade se diz que não foi restituida coisa que deteriorada se restituiu (cf. L. 10). Na L. 13, pr., Pompônio referiu-se à condenação à restituição, mas a favor do comodatário se foi perdida a coisa comodata (o contrato não seria, então, contrato real). Na L. 17, § 5, Paulo aludiu ao pagamento do valor da coisa comodada se foi perdida quando estava com o comodatário. Nas Ordenações Filipinas, Livro IV, Titulo 53, § 2, estava escrito: “E porque este contrato se faz regularmente em proveito do que recebe a coisa emprestada, e não do que a empresta, fica obrigado aquele, a que se empresta, guardá-la com toda a diligência, como se fosse sua. E não somente se lhe imputará o dolo e culpa grande, mas ainda qualquer culpa leve e levíssima, assim pela coisa principal como pelo acessório. E portanto, se um emprestasse uma égua a outro, a qual consigo levasse um poldro, a mesma obrigação terá na guarda do poldro que na da égua” (a) A ação de despejo é ação executiva pessoal. Toca aos locadores de imóveis. De modo que se há de indagar se há, no sistema jurídico brasileiro, ação executiva pessoal, que possa ser exercida pelo comodante. Nas Ordenações Filipinas, os textos em que se fundava a ação de despejo não se referiam ao como-dato (Livro IV, Título 23, §§ 1 e 2, e Título 24, pr. e § 1; Livro 111, Título 30, § 3, in une). Alusão a comodato e locação somente aparecia nas Ordenações Filipinas, Livro IV, Titulo 54, pr., e §§ 1, 3 e 4, na esteira das Ordenações Afonsinas, Livro IV, Titulo 75, mas nela não se trata, absolutamente, de despejo. No § 4, prevê-se mesmo que algum terceiro, ao ser demandado o comodatário, intervenha e se diga dono da coisa, ou oponha embargos à entrega, caso em que se daria o seqUestro, se móvel o bem. Se imóvel, o terceiro teria de propor ação depois de entrega ao comodante. Por onde se vê que se tratava de ação pessoal de restituição. As regras jurídicas das Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 54, pr., e §§ 1, 3 e 4, vieram de leis dos imperadores Zenão, Diocleciano e Maximiano. Se o comodatário diz que a coisa é sua, ou que dela tem posse própria, ou que dela tem posse imprópria, que não é a que lhe atribuira o comodante, então há ofensa ao domínio e à posse, ou só à posse, e cabem as ações concernentes àquele, ou a essa. No Livro IV, Titulo 54, § 3, as Ordenações Filipinas, previram esse caso de alegar o comodatário, o locatário ou o arrendatário que é dono da coisa (verbis “não lhe poderá dizer o a que assim foi emprestada, alugada ou arrendada, que a coisa é sua, e que lhe pertence por Direito por algum titulo”). Na ação de restituição do bem comodado, não cabe tal objeção, porque o que se há de julgar é a existência e a eficácia do contrato de comodato. Daí acrescentar o texto reinicola: “E posto que alegue tal razão, não lhe será recebida; mas será em todo caso obrigado de entregar a coisa ao senhor dela, de quem a recebeu e, depois que lha entregar, lha poderá demandar”. Já estava na L. 25, C., de locato et conducto, 4, 65: “Si quis conductionis titulo agrum vel aliam quamcumque rem accepit; possessionem debet prius restituere et tunc de proprietate litigare”. Se o comodatário deixa de entregar e alega outra causa de posse, já seria de empregar-se o interdito unde vi (cf. Manuel Gonçalves da Silva, Commentaria, 1, 231, a propósito do locatário). Se diz que é dono, a ofensa é ao dominio, e tem o ofendido a ação de reivindicação. Se, durante ação commodati, o comodatário desocupa o prédio, ou deixa de possuir, pode o comodante requerer, mcidentalmente, a missio in possessionem. Transita em julgado a decisão que decidiu sobre mora do comodatário e o condenou a pagar aluguéis durante o tempo em que demorar a restituição (Código Civil de 1916, art. 1.252), não passa ele a ser locatário para se prevalecer dos benefícios das leis, mas está sujeito a despejo por falta de pagamento e outras infrações de dever de locatário. Para o início da dívida dos aluguéis, podia ser usada a ação criminatória, como antes e como hoje, porque a cominação é de direito material, ou ser cumulado o pedido, na ação de condenação a restituir, ou concebido como pedido de declaração (declaram-se a mora e a divida de aluguéis, que serao arbitrados na ação condenatória). O Código de Processo Civil de 1939 não se prestava, nem se presta, a que se estendam os arts. 350-353 ao comodato, ou as relações possessórias, oriundas de outro contrato. O Código de Processo Civil de 1973, art. 1.218, II, manteve-os. Só se referem à locação (3ª Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul,
13 de maio de 1943, RF 97/689; IA Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 5 de junho de 1944, RT 153/221; IA Câmara Civil, 30 de outubro de 1944, 155/605; 3ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 18 de setembro de 1947, RDI II, nº 4/220; IA Câmara Civil, 15 de março de 194ª, 180/3ª0; Tribunal de Justiça de Minas Gerais, 17 de março de 194ª, RF 131/173). (b) No estado atual, a pretensão do locador à desocupação nasce, exemplificativamente: (1) com a terminação do prazo do contrato igual ou superior a trinta meses; (2) com a transgressão de cláusula do contrato, do distrato ou de regra jurídica legal; (3) com o emprego do prédio locado em uso diferente daquele que se convencionou, ou resultante de presunção hominis, ou de uso e costume; (4) com a danificação do prédio pelo locatário; (5) com a falta de pagamento do aluguel e demais encargos no prazo marcado, ou segundo o costume do lugar; (6) com opor-se o locatário à realização de reparações urgentes determinadas pelo Poder Público, que não possam ser normalmente executadas com a permanência do locatário no imóvel ou, podendo, ele se recuse a consenti-las; (7) se por tempo indeterminado a locação, tendo havido aviso de trinta dias de antecedência; (8) se o adquirente do prédio, não obrigado a respeitar a locação, procedeu na forma do caso (7), com o prazo de noventa dias para a desocupação; (9) no caso de o locatário se afastar fora do prazo, pagando —se não está imune — a multa pactuada, segundo a proporção do art. 924 do Código Civil ou a judicialmente fixada, à sua falta. À pretensão do caso (6) o Código de 1939 conferiu a ação condenatória cominatória. As pretensões dos casos (2), (3), (4) e (9) supõem cognição completa, de modo que não cabe despejo antecipado, salvo em execução da sentença condenatória. A exceção, em (2), fica por conta do descumprimento de distrato celebrado por escrito, assinado pelos figurantes e duas testemunhas, com o prazo mínimo de seis meses para a desocupação contado da subscrição do instrumento. Nos casos (1), (5), (7) e (8) poderia o Código de 1939 ter adotado a forma do art. 350; porém não no fez, salvo para o caso (5). De modo que a ação de despejo apenas apresentava a particularidade do art. 350 e a especificidade da execução da sentença de acolhimento. Nos casos (1) e (2), davase o mesmo que a respeito dos outros casos, exceto o (5). Longe estava, pois, de ser “processo especial”. No terreno da ciência, a questão está em se saber se a ação de despejo é ação executiva lato sensu, em que a execução é posposta; ou se é de mandamento. No Código de 1939, teve de ser concebida como executiva, porém no direito brasileiro anterior era ação de mandamento. Cumpria-se, como a ação do art. 1.006 do Código de 1939 (hoje, art. 641 do Código de 1973), executiva, com a execução posposta, à diferença das ações executivas de títulos extrajudiciais. Mas o assunto merecia exame: a ação de despejo, conforme o art. 350, tinha eficácia executiva contemporânea à sentença; no art. 351, assemelhava-se à imissão na posse, a cujo assunto se havia de recorrer. A execução tinha prazo de dez dias, sem que se tratasse de actio iudicati (ação de execução de sentença): apenas aequitatis causa se intercalou o decênio; a ação mesma (art. 350) é executiva. Na sistemática atual, a ação de despejo pode ter eficácia executiva antecedente à sentença (Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, art. 59, § 1ª, I a V), ou, o que é regra, eficácia executiva contemporânea ao ato sentencial. Procedente a pretensão do legitimado ativo, a sentença, que é executiva, não se executa. Cumpre-se, com a notificação do legitimado passivo para a desocupação no prazo judicial. Findo esse prazo, contado da notificação, efetua-se o despejo do prédio, se necessário com o emprego de força, inclusive arrombamento. O recurso de apelação não suspende essa eficácia. Tem-se dito que o contrato de locação basta para a prova do domínio ou do direito sobre o imóvel (RF 67/298); porém há confusão: o locador, de modo nenhum, tem de provar propriedade, — tem de provar a locação; se locou, sem ter o direito de fazê-lo, de modo que o locatário teve de contratar com quem não podia locar, a matéria é de defesa, e obriga o locatário a provar a sua afirmação. No caso de não haver contrato escrito, a prova incumbe ao locador. Aliás, não contestado o seu direito de locar, isento do ônus da prova está o locador. O art. 129 do Código de 1973 (antes, art. 115 do Código de 1939) pode ser aplicado. Sem razão, Jorge Americano (Comentários, II, 197), sobre a necessidade de ser citado o cônjuge do réu e de ser a ação proposta pelos cônjuges. O art. 81 do Código de 1939 não autorizava tal ilação (hoje art. 10), pelas razões que então expusemos, mas, com a comunhão, ou se figurante, o cônjuge é parte. A distinção “rústicos” e “urbanos” não é a das Instruções de 1ª de setembro de 1830; resulta do efetivo destino do prédio, abstraindo-se da localização. 2. Legitimação ativa. Legitimado ativo, para a ação de despejo, é quem locou o prédio, ou quem sucedeu a quem o alugou, na pretensão à restituição e ao pagamento, se a ação é por inadimplemento. Não importa se é proprietário, ou não, salvo regra jurídica diversa, v. g. Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, arts. 9º, IV, 47, IV, 53, 11, e 60; a posse mediata, que se supõe, pode ser posse própria ou não.
O art. 12 do Código de Processo Civil de 1973 incide, bem assim os arts. 51-55 do mesmo Código. As Câmaras Cíveis Reunidas do Tribunal de Apelação do Ceará, a 4 de setembro de 1946 (RF 114/47 1), julgaram que não pode o condômino, sem os demais, propor o despejo do prédio; os argumentos foram sem valia e não feriram o ponto principal: o Código Civil de 1916, art. 63ª, dá ao condômino a defesa de posse, e o art. 623, II, a reivindicação. Não há invocar-se aquele, nem esse adigo, porque a ação de despejo, por inadimplemento de contrato, é ação executiva, com forte elemento condenatório, precisando de litisconsórcio dos condôminos. Se o prédio está na posse do demandado em virtude de pré-contrato de venda e compra, e não de locação, ou em virtude de outro contrato, não há pensar-se em ação de despejo (IA Turma do Supremo Tribunal Federal, 31 de maio de 1951, RF 138/459), ainda em se tratando de comodato e não obstante o art. 1.252 do Código Civil, a respeito da mora e obrigação de pagar aluguéis, (ambíguo, o acórdão da 2º Turma do Supremo Tribunal Federal, 1º de junho de 1951, RT 215/465; permitindo a ação de despejo, a IA Câmara do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, 12 de julho de 1951; com razão, a jurisprudência que pré-exclui, radicalmente, a ação de comodante, e. g., 8ª Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 26 de janeiro de 1951; 4ª Câmara Cível, 31 de julho de 1951; 1ª Câmara do Tribunal de Alçada de São Paulo, 31 de outubro de 1951 e 5 de novembro de 1952, RT 197/378, e 200/4ª3; 10 Grupo de Câmaras, 19 de março de 1952; 2º Câmara do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, 9 de maio de 1952). Certamente, tratando-se de posse por entrega do prédio vendido, ou objeto de promessa de venda, não há pensar-se em ação de despejo (2º Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, 28 de maio de 1951, JM V, 484), ou se o contrato é de comodato. 3.
Legitimação passiva. A ação dirige-se contra o locatário e quem quer que por ele esteja no prédio.
A ação de despejo á ação executiva pessoal. O foro é o do lugar da situação do imóvel, se outro não foi eleito negocialmente. Se o contrato de locação cessa com a morte do locatário, a ação contra o cônjuge sobrevivo e contra os herdeiros, ou inventariante, pode ser a de despejo. Não se pode tirar outra conclusão, a despeito de haver cessado a relação jurídica de locação (cp. Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Ceará, 4 de fevereiro de 1952, DDI 15/78). Na ação de despejo não é mister citar-se o fiador (Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Ceará, 28 de fevereiro de 1952, RT 215/330; 3º Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 21 de maio de 1953, 215/153). Se o locatário se faz substituir na posse imprópria por terceiro, não lhe transfere a posse de locatário, posto que se possa dar que o terceiro adquira, à semelhança do que se passa com o sublocatário, a posse imediata. Se esse terceiro deposita em consignação os aluguéis, devidos, tem-se tal depósito como a favor do locatário (cp. Código Civil, art. 930 e parágrafo único; 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 21 de novembro de 1950, DJ de 16 de abril de 1953). 4. Pendência da ação de despejo. Estando pendente ação de despejo, nada obsta a que o locador proponha outra ação de despejo, por outro fundamento. Se a causa de pedir foi falta de pagamento, pode comunicar ao juízo que outros alugueis se venceram sem serem pagos (1ª Câmara Civel do Tribunal de Apelação de Minas Gerais, 22 de fevereiro de 1945, RF 102/405), o que é útil se ainda a tempo de purgação de mora. Na ação de despejo não cabe pedido de redução de aluguéis (Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Ceará, 24 de agosto de 1950, cf. 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, 10 de maio de 1951, JD 1, 7).
§ 59. Procedimento
1. Citação do fiador. Se não houve cumulação de pedidos executivo e condenatório, a citação do fiador, na ação de despejo, para a qual não tem legitimação passiva, não a transforma em ação de cobrança dos aluguéis, ou de multa (2ª Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio de Janeiro, 2 de março de 1943, BJ 28/170). A única eficácia é a da mora, pelo elemento de interpelação que há na citação. Quanto a essa citação, a exemplo da intimação e notificação, desde que autorizado no negócio jurídico, farse-á mediante correspondência com aviso de recebimento, ou, tratando-se de pessoa jurídica ou firma individual, também mediante telex ou fac-símile, ou, ainda, sendo necessário, pelas demais formas previstas no Código de 1973, art. 221, 1,11 e III.
2. Relação jurídica de locação. Se nenhuma relação jurídica de locação existe entre demandante e demandado, ainda que só oral o negócio jurídico, não há pensar-se em ação de despejo, que é ação dos locadores (cf. 1ª Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 5 de junho de 1944, RT 153/211). O fato de cessar a fiança por si só não dá a ação de despejo (IA Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 10 de junho de 1944, RT 153/318). Se havia obrigação de dar fiador, é preciso que se obtenha, antes, a resolução do contrato de locação, o que pode ser em ação constitutiva negativa (ação de resolução do contrato, Código Civil, art. 1.092, parágrafo único), ou em ação cominatória. 3. Rito processual da ação de despejo: princípio e exceção ao princípio da ordinariedade. Lia-se no art. 350: A ação de despejo, uma vez contestada, prosseguirá com o rito ordinário, e, se não o for, os autos serão conclusos para sentença Parágrafo único: “O juiz conhecerá, entretanto, diretamente do pedido, proferindo sentença definitiva, quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência’. (Decreto nº 890, de 26 de setembro de 1969; sobre locação de prédios urbanos, Lei nº 4.494, de 25 de novembro de 1964; e sobre ação de despejo de prédios não vendáveis, Decreto-Lei n0 4, de 7 de fevereiro de 1966). Hoje, as ações de despejo seguem o rito ordinário, com as modificações previstas na Lei & 8.245, de 18 de outubro de 1991, nos arts. 59-66, e. g. 58, 1 (curso processual nas férias forenses), 11 (foro competente), 111 (valor da causa), IV (modalidades de citação, além de intimação e notificação) e V (eficácia nãosuspensiva recursal), 59, § 1ª, I a V (tutela antecipada mediante caução), 61 (reconhecimento jurídico do pedido), 62 (u.g., cúmulo de pedidos, emendatio morae, antecipação da tutela), 64 (execução provisória do despejo, caucionada ou não), 65 (cumprimento da sentença de despejo). O processo tramita durante as férias forenses (Código de 1973, art. 174, III, e Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, art. 58, 1) e não se suspende pela superveniência delas. 4. Pluralidade de réus. Podem ser dois ou mais os réus, como se o contrato de locação é a duas ou mais pessoas que são locatários da mesma casa ou apartamento, mesmo se cada um ocupa uma parte. Não era certo dizer-se que, nas ações de despejo por falta de pagamento de aluguel, o processo não era ordinário (e. g., L. A. de Andrade e J. J. Marques Filho, Locação Predial Urbana,152): era preciso que se juntassem dois pressupostos — o ser por falta de pagamento e não ter o locatário contestado.
5. Preclusão e não confissão. A sentença da Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, art. 63, se o réu não contestar o pedido no prazo legal, tem de atender ao art. 319 do Código de 1973 (antes, do art. 209 do Código de 1939). Não há confissão; há preclusão. Se existe algum litisconsorte unitário, que contestou, o art. 319 não incide (Código de 1973, art. 320, 1). Não assim se apenas figura litisconsode não-unitário ou assistente. Também não se tira desde logo o mandado de despejo, se há litisdenunciação e o litisdenunciado contesta, ou se há oposição. A ação de despejo, ai, pois que o réu não contestou é ação de condenação mais ação executiva, à semelhança das ações executivas de títulos extrajudiciais, mas sem adiantamento da cognição. 6.
Prazo para a contestação e outras regras jurídicas. Em todos os casos de ação de despejo o prazo para a
contestação é o do Código de Processo Civil, porque as ações de despejo têm o rito ordinário. As regras juridicas a ele concernentes e as gerais são de aplicar-se. Se, a despeito da contestação, a questão for unicamente de direito, ou sendo de direito e de fato, não há necessidade de se produzir prova em audiência, o juiz conhece diretamente do pedido (Código de 1973, art. 330,1). O prazo para a contestação é de quinze dias (art. 297). Os arts. 301, 302, 303, 322, 323 e outros são invocáveis, porque, a despeito de estar fora dos textos do Código de 1973, o procedimento rege-se por ele (Lei nº 8.245, de 8 de outubro de 1991, art. 59).
7. Exceção de benfeitorias necessárias ou úteis. O direito material permite a exceção de benfeitorias necessárias e de benfeitorias úteis, se feitas, essas, com o consentimento expresso (não precisa ser escrito) do locador (Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, art. 35). A sentença deve ser concebida, se as reconhecer, como sentença condicional, salvo se o autor prestou caução. (As sentenças condicionais dão ensejo a questões interessantes de coisa julgada material. Se, por exemplo, o réu não quer receber o dinheiro que corresponde às benfeitorias, o autor tem de consigná-lo para que se libere. Liberando-se, a sentença executa-se puramente. Se o réu propõe ação para haver o valor das benfeitorias, a despeito de não ter o direito de retenção, a coisa julgada material da sentença, na ação de despejo, é evidente, exceto quanto a esse ponto da obrigação sem direito a retenção. Se foi executado o despejo, o fato da prestação do valor das benfeitorias não fica provado somente porque se executou o despejo. O fato não foi apreciado pela sentença na ação de despejo). Se o locador não consentiu explicitamente, mas, conhecendo as benfeitorias feitas, de algum modo as aprovou (afastado o incabível consentimento pelo silêncio), pode-se pedir indenização, porque a pretensão a essa é mais extensa que a pretensão à retenção consignada no art. 35 da Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991. O Acórdão da 4~ Câmara Cível da Corte de Apelação do Distrito Federal, de 16 de julho de 1939 (Ad 31/381), deve ser entendido com cuidado. Não se transfere implicitamente, com o contrato de alienação do prédio, a obrigação de indenizar benfeitorias; permanece, como obrigação, com o alienante. Salvo se o contrato de alienação, ou outro negócio jurídico, importou em sucessão subjetiva passiva. Contra o adquirente exerce-se o direito de retenção por benfeitorias feitas, ainda que se haja de entender que no preço pelo imóvel se computou o valor delas (sem razão, 2º Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 2 de setembro de 194ª, tU 183/257; 2º Câmara, 16 de maio de 1950, 187/281; 3º Câmara Civil, 27 de junho de 1950, 188/722, e 2º Grupo de Câmaras Civis, 27 de novembro de 1950, 190/723; 1ª Câmara do Tribunal de Justiça do Paraná, 10 de janeiro de 1950, Paraná I 51/3ª2; com razão, 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 16 de outubro de 1946, Ad 81/116; e 5~ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 17 de outubro de 1947, RT 172/716). Se o contrato foi registrado, contendo explicitações que importem sejam as despesas pagas pelo adquirente, por se terem de ultimar as obras, ou por existir prazo para o pagamento, o adquirente responde. Outrossim, se o contrato de locação foi registrado segundo a Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, art. 8º. As exceções de benfeitorias necessárias, ou úteis, feitas essas com o consentimento do locador, não se processam em embargos à execução, como erradamente decidiu a 4ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 31 de janeiro de 194ª (RT 179/193). 8. Reconvenção. Discutia-se cabia a reconvenção nas ações de despejo, que são ações executivas. Oferecem elas a particularidade de haver cognição sem adiantamento, à diferença das ações executivas de títulos extrajudiciais, em que se não admitia, sob o Código de 1939, reconvenção. E interessante observar-se que a discussão a respeito sempre versou e versa a propósito do art. 192, V, do Código de 1939, hoje extinto (ações “que versarem sobre imóveis, ou direitos a eles relativos”), em vez de a propósito do art. 192, IV (ações “executivas”). De um lado, havia os que as incluíam na classe das ações sobre direitos relativos a imóveis (4ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo 22 de maio de 1947, RF 144/155; 1º Câmara Civil, 22 de novembro de 194ª, RT 184/238; 2º Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Paraíba, 30 de agosto de 1948, RF 132/400). Do outro lado, os que sustentaram que o art. 192, V, só se referia aos direitos reais (3ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 4 de maio de 1948, RT 174/678; 2º Câmara Civil, 187/752; Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 4 de setembro de 1944, OD 31/379 e 421). Ora, o art. 192, IV, não apanhava as ações executivas que não cabiam no conceito de ações executivas stricto sensu, que era o do art. 192, IV. O legislador não “sabia” que ações de
despejo são ações executivas e não as viu separadas da ação de cognição, da condenatória ou da constitutiva negativa, a que se cumula. De modo que ao art. 192, IV, as ações de despejo escapavam; nem se alegue que, na espécie do art. 350, não podia haver reconvenção. Se reconveio o réu, contestou, e o art. 350 não incidia. Sob o Código de 1973, já é impertinente a discussão, porque não mais se tem o art. 192 do Código de 1939, que, de lege ferenda, atacáramos. Na ação de despejo não cabe pedido de redução de aluguéis, (Câmara Civel do Tribunal de Justiça do Ceará, 24 de agosto de 1950, cf. 1º Turma do Supremo Tribunal Federal, 10 de maio de 1951, JD VI, 7). 9. Litispendência e coisa julgada. 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 14 de novembro de 1950, julgou que se não podia propor ação para haver a coisa tocada para uso próprio se outra ação fora proposta. E isso objeto de exceção de litispendência. Se as ações de despejo têm fundamentos diferentes e se executa a sentença proferida numa delas, a outra prossegue, mesmo porque a sentença na ação já julgada pode não ser confirmada no segundo grau de jurisdição (4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 12 de setembro de 1950, Di de 20 de setembro de 1951).
10. Abandono do posse do prédio antes de se proferir a sentença. Lê-se na Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, art. 66: “Quando o imóvel for abandonado após ajuizada a ação, o locador poderá imitir-se na posse do imóvel.” Ocorre por vezes que o locatário abandona o prédio antes da execução do despejo, de modo que se dá a execução parcial pelo próprio obrigado. Se, porém, isso acontece antes da sentença, a relação juridica processual perde o objeto, ou parte do objeto, que era o despejar. Nem sempre seria de aconselhar-se a desistência, ou a sentença sobre a desaparição do objeto do pedido ou da causa de pedir; porque o despejo nem sempre os exaure. A decisão do juiz tem, nesse caso, o caráter da sentença, escasseado, em relação à do art. 63, o elemento de condenação. Falta-lhe, por isso, força material de coisa julgada. E sentença no estado em que se acham os autos; não importa em desistência, de modo que o art. 26 do Código de 1973 como o art. 55 do Código de 1939, éinaplicável (1ª Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 11 de novembro de 1940, RT 128/4ª7). Abandono não é declaração unilateral de vontade. 11. Imissão na posse. A missio in possessionem do art. 66 éincidental, no que se distingue das missiones in possessionem, que são objeto de ações, ações que também não são ações possessórias, mas ações de direito á posse. O abandono pode ter-se dado a despeito de permanecerem alguns móveis no prédio, ou se o locatário entregou as chaves ao vizinho (7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 19 de junho de 1951, DJ de 7 de fevereiro de 1952). A lei não diz que a ação se julga extinta com a imissão, porque não depende das circunstãncias, que o juiz aprecie, o deixar de julgar procedente a ação, por já ser desnecessária a tutela jurídica. O abandono pode ser sem retirada das alegações, que hão de ser examinadas. Se julga desnecessária, supérflua, a ação de despejo, não mais há necessidade de tutela jurídica. Se houve apreciação do mérito, ou de extinção do processo em julgamento do mérito, o recurso é o de apelação. No art. 66 há missio in possessionem incidental. Bem assim, no caso de quem, movendo ação de restituição real ou pessoal, requer, incidenter, que se lhe entregue a coisa cuja posse foi abandonada. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 28 de março de 1961 (DJ de 30 de abril), teve ensejo de julgar reclamação em que se alegou ter havido alegação de abandono do prédio sem se ter dado prova disso. A imissão fora durante viagem da reclamante, com arrombamento da casa, e não se provara abandono. O acórdão citou os nossos textos acima. 12. Prazo para desocupar. Diz o art. 63 da Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991: “Julgada procedente a ação de despejo, o juiz fixará prazo de trinta dias para a desocupação voluntária, ressalvado o disposto nos parágrafos seguintes.” No § 1º: “O prazo será de quinze dias se: a) entre a citação e a sentença de primeira instância houverem decorrido mais de quatro meses; ou b) o despejo houver sido decretado com fundamento nos incisos II
e III do art. 9º ou no § 2º do art. 46.” No § 2º: “Tratando-se de estabelecimento de ensino autorizado e fiscalizado pelo Poder Público, respeitado o prazo mínimo de seis meses e o máximo de um ano, o juiz disporá de modo a que a desocupação coincida com o período de férias escolares.” No § 3º: “Tratando-se de hospitais, repartições públicas, unidades sanitárias oficiais, asilos, estabelecimentos de saúde e de ensino autorizados e fiscalizados pelo Poder Público, bem como por entidades religiosas devidamente registradas, e o despejo for decretado com fundamento no inciso IV do art. 9 ou no inciso II do art. 53, o prazo será de um ano, exceto no caso em que entre a citação e a sentença de primeira instância houver decorrido mais de um ano, hipótese em que o prazo será de seis meses.” No § 4º: “A sentença que decretar o despejo fixará o valor da caução para o caso de ser executada provisoriamente.” E o art. 65 complementa: “Findo o prazo assinado para a desocupação, contado da data da notificação, será efetuado o despejo, se necessário com o emprego de força, inclusive arrombamento.” No § 1º diz-se: “Os móveis e utensílios serão entregues à guarda de depositário, se não os quiser retirar o despejado.” No § 2º: “O despejo não poderá ser executado até o trigésimo dia seguinte ao do falecimento do cônjuge, ascendente, descendente ou irmão de qualquer das pessoas que habitem o imóvel.” A Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, refletiu a consciência do povo em suprimir a violenta execução imediata do despejo; e está claro, no § 1º, que adotou a regra jurídica de se removerem para depósito os móveis e utensílios encontrados acabando com o “lançar fora”, tão impróprio de povo civilizado. A adoção da notificação para a execução do despejo mostra que o legislador mereceu louvores, aqui e ali, por sua boa intenção. Há missio in possessionem, sem a barbaria do “lançar fora”. Na ação de despejo, a citação do réu só é de exigir-se inicialmente. Para a evacuação do imóvel tinha-se de proceder à notificação, conforme o art. 168, § 1º, do Código de Processo Civil (Tribunal Federal de Recursos, 6 de novembro de 1950, DJ de 28 de setembro de 1951). 13. Habitantes do prédio. Têm de ser notificadas as pessoas que habitam o prédio, e não só o réu entenda-se. Se o prédio está habitado, porém não estão presentes os réus e as pessoas, tratando-se, como se trata, de notificação, e obedecendo essa à forma das citações, cumpre distinguir: a) a casa está habitada e ausentes o réu e as pessoas, tendo havido, desde o começo da causa, citação edital ou com hora certa, e tendo sido nomeado curador especial; b) a casa está habitada e não se encontraram o réu e as pessoas (sem ter havido a citação por edital, ou com hora certa, ou tendo havido, mas tendo comparecido o réu e contestado, e há a suspeita de ocultação do réu, se habita só, ou do réu e das outras pessoas; c) no caso de b), se não se suspeita de ocultação, porém ocorre um dos pressupostos da citação edital quanto ao réu; d) a casa está desabitada. No caso a), a notificação é ao curador especial e a quem estiver habitando a casa, regendo-se pelas regras sobre citação edital ou com hora certa, se ninguém se achar no prédio. No caso b), a notificação se faz com hora certa. No caso c), tem-se de supor que há algum dos pressupostos para a citação edital, ou suspeita de ocultação, com as notificações segundo as espécies dos casos anteriores. A sentença do art. 66 é executiva lato sensu, parece-se com a de imissão na posse; de modo que a execução é inerente a ela e se notifica o réu (art. 65), não se cita o réu, como ocorre na execução de sentença. Se o réu está fora, sem ser caso de citação edital, ou com hora certa, cabe requerer-se precatória para a notificação? Sim, desde que se não admitiu fosse notificado o réu ou notificadas as pessoas que habitam, mas o réu e as pessoas que habitam, se presentes essas. A natureza dessa notificação a pessoas que não foram partes funda-se na mesma razão que ditou ao legislador a regra jurídica do art. 93 do Código de 1939; hoje, arts. 50 e 54 do Código de 1973. Essas pessoas podem ser assistentes do locatário (Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, art. 59, § 2º). Todas elas têm de ser notificadas. Tinha-se lido o arE 352 do Código de 1939 como se “presentes” quisesse dizer “serem encontrados”, porém sem razão: a pessoa que habita — ou está presente, ou ausente; se está presente, notifica-se; se está ausente, dá-se o caso de desaparecimento, sem deixar representante ou procurador (Código de 1939, art. 579; Código de 1973, arts. 1.159 e 1.160); se faleceu tem o autor de comunicá-lo, antes do despejo, ao juiz competente (art. 1.142 do Código de 1973). Esse foi e é o sistema do Código. Nada tem com o direito processual (anterior) do Estado de São Paulo (art. 1.04ª: “possuidores” das coisas). O Código de 1939 inovou; dai dizermos: tem sistema; não no destruam. Trouxe ele, nesse ponto, a melhor nível o direito brasileiro, de modo que, se o autor tem de despejar hotel, o conteúdo dos quartos ou apartamentos somente será removido se houve notificação, uma vez que presente estava o hóspede; se não estava, ausente é, e a lista das pessoas em tais situações deve ser entregue no
juízo competente, para que se proceda na forma da lei. Assim ordenamos, quando éramos juiz, no caso da aquisição do edifício da antiga Bolsa, pelo Banco do Brasil, ainda antes do Código; porque, se assim não se fizesse, teriam de ser arrombados os cofres de aluguel e lançados à rua valores, segredos etc., pois não estavam ali as pessoas interessadas. Sendo essas milhares, recorremos ao edital de notificação. O direito é para servir à vida e aos homens; não para a prejudicar, ou os ferir.
14. Retirada ou depósito. Na letra da lei, só há a alternativa: retirar as coisas o locatário, ou serem entregues à guarda de depositário. 15. Prazo irrenunciável e indispensável. O prazo é de direito processual, de modo que os negócios jurídicos de direito material não no podem dispensar. No caso Pereira v, González, a Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, a 22 de agosto de 1941 (RF 92/122), julgou que a notificação com o prazo pode ser dispensada no contrato de locação. Nada mais contrário aos princípios de direito processual que pensar-se em serem afastáveis por prévias estipulações das partes os prazo5 processuais. Decisão contra direito literal (contra o art. 63); também contra o art. 35, parágrafo único, do Código de 1939 (hoje, art. 186 do Código de 1973. Dizia a última regra que “a parte capaz de transigir poderá renunciar, depois de proposta a ação~ ao prazo estabelecido exclusivamente em seu favor”. Diz hoje O art. 186 do Código de 1973: “A parte poderá renunciar ao prazo estabelecido exclusivamente a seu favor”. O do art. 63 é um desses. Foi criado exclusivamente a favor do réu, locatário. Só é renunciável depois de proposta a ação.
16. Óbice ao despejo. Na ação de despejo não há os embargos do devedor: há, apenas, contestação. Na contestação é que se alega falta ou nulidade da citação inicial (a ação de despejo é composta de duas ações, uma das quais executiva: nela, a execução é fase, e não actio ludica ti), pagamento, novação compensação com execução aparelhada, concordata judicial, transação e prescrição. Bem assim, o direito de retenção (cl. Conselho de Justiça do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 25 de outubro de 1948, RF 123/462; confuso o acórdão da Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Ceará, a 28 de fevereiro de 1.952 J e D VII, 152; 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 6 de outubro de 1950, RDI 12/72; 1º Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, 25 de agosto de 1952, RFJ 1, 145; 6~ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, U de julho de 1951, RT 13ª/945; 4~ Câmara Civil, 31 de julho de 1952, 204/131; sem razão: o Tribunal de Justiça do Espírito Santo, a 3 de agosto de 1950, RT 189/925, RTJES V, 386; e a V Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais a 27 de setembro de 1951, JM V,476). Se a sentença reconheceu o direito de retenção por benfeitorias, a sentença de despejo não pode ser executada sem que se satisfaça o locatário (8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 7 de novembro de 1950, DJ de 31. de agosto de 1951; 1º Câmara de Alçada de São Paulo, 20 de fevereiro de 1952, RT 200/526). Se o locatário não alegou na contestação as benfeitorias, preclui o direito de retenção (2º Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, 5 de junho de 1952, Paraná J 56/380).
§ 60. Direito de retenção 1. Retenção pelo locatário e alienação do bem. Discute-se o direito de retenção é oponível ao adquirente do bem locado. O 2º Grupo de Câmaras Civis do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 23 de novembro de 1950 (RT 190/723), respondeu negativamente, em longa esteira de acórdãos de outros tribunais (e. g., Relação do Recife, 12 de julho de 1873; Supremo Tribunal Federal, 24 de maio de 1924, R.STF 73/84; 3º Câmara da Corte de Apelação do Distrito Federal, 16 de maio e 23 de novembro de 1927, RCJ V, 369, RD 84/570, e 88/366; 5ª Câmara Civil da Corte de Apelação de São Paulo, V de setembro de 1937, RT 109/622 4ª Câmara Civil, 8 de setembro de 1937, 110/192; Tribunal de Justiça de Alagoas, 27 de março de 1851, RJB 92/148; 2ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 2 de setembro de 1949). Contra as Câmaras Civeis Reunidas do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, a 23 de abril de 1942; a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 19 de maio de 1914; a 3ª Câmara Cível da Corte de Apelação do Distrito Federal, a 18 de junho de 1928 (RD 93/331), frisando sempre ser real o direito de retenção, a Turma do Supremo Tribunal Federal, 8 de outubro de 1946 (RF 110/99), e a 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 22 de abril de 1949 (127/102).
O ius retentionis é exceção que pode irradiar-se de direito real, ou de direito pessoal. Não há, portanto, estar-se a perder tempo em discussões que não partam do exame dos fatos, das relações jurídicas; e apenas pretendem sustentações simplistas. Os sucessores, entre vivos ou a causa de morte, do credor, que é quem tem a pretensão à prestação da coisa retenda e é devedor que há de prestar o que dá ensejo ao ius retentionis, estão sujeitos a esse. Adquirente do bem retendo expõe-se à retenção. Por isso mesmo, os credores do dono ou o credor da coisa retenda, só tendo os direitos que esse teria, não podem escapar à eficácia do direito de retenção.
2.Credores do dono ou titular do crédito sobre a coisa retenda. Os credores quirografários só têm sobre os bens do devedor (aí, credor do devedor, titular do direito de retenção) pretensão executiva sobre os direitos que o devedor mesmo tem, pretensão executiva imediata ou dependente de sentença de condenação. Por isso mesmo, o direito de retenção tem eficácia contra eles. Não importa indagar-se, em princípio, se o objeto retendo é bem móvel ou imóvel, nem há razão para se verificarem datas de títulos, salvo para se saber se há ineficácia de atos do credor-devedor subordinado ao direito de retenção, ou revogabilidade em concurso. Nas leis de falência, costuma-se atender a isso, dizendo-se que os créditos de que se irradia direito de retenção têm privilégio especial. Esse privilégio especial é apenas reconhecimento da sua eficácia, no que toca à res retenda, porém com atribuição ao crédito. O Decreto-Lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945 (lei de falências), art. 102, § 2º, III, atribui privilégio especial aos “créditos a cujos titulares a lei confere o direito de retenção, sobre a coisa retida”; e acrescenta: “o credor goza, ainda, do direito de retenção sobre os bens móveis que se acharem em seu poder por consentimento do devedor, embora não esteja vencida a dívida, sempre que haja conexidade entre esta e a coisa retida, presumindo-se que tal conexidade entre os comerciantes resulta de suas relações de negócios”. O art. 102, § 2º, 111, do Decreto-Lei nº 7.661, contém duas regras jurídicas distintas, e convém trata-las em separado, por andarem, em livros e jurisprudência, assaz encambulhadas. (a) A primeira é a que concerne a todos os créditos de que se irradia direito de retenção, em virtude de lex specia lis, ainda que tal (ex tenha sido revelada pela jurisprudência. “Créditos”, diz o art. 102, § 2º, III, IA parte, do Decreto-Lei nº 7.661, “a cujos titulares a lei confere o direito de retenção”. O privilégio especial é sobre o bem retido, quanto à prestação sobre que continuou a posse do devedor, contra o credor e devedor na relação jurídica de que exsurgiu o direito de retenção. (b) A segunda regra jurídica, que está no art. 102, § 2º, III, 2º parte, do Decreto-Lei nº 7.661, enuncia princípio geral de criação de ius retentionis: lá se diz que “o credor goza, ainda, do direito de retenção sobre os bens móveis que se acharem em seu poder por consentimento do devedor, embora não esteja vencida a divida, sempre que haja conexidade entre esta e a coisa retida, presumindo-se que tal conexidade entre os comerciantes resulta de suas relações de negócios”. A lei falencial atendeu ao princípio geral, não-escrito, da criabilidade do direito de retenção por negócio jurídico (direito de retenção negocia 1, em vez de legal). A 2º parte do art. 102, § 2º III, do Decreto-Lei nº 7.661, não é apenas regra jurídica de direito comercial, nem só se cogita de direito de retenção entre comerciantes. No primeiro enunciado o credor goza ... do direito de retenção sobre os bens móveis que se acharem em seu poder por consentimento de devedor, embora não esteja vencida a divida, sempre que haja conexidade entre esta e a coisa retida” há regra jurídica comum ao direito civil e ao comercial; mais ainda: ao direito público. No segundo enunciado “presumindo-se que tal conexidade entre comerciantes resulte de suas relações de negócios”, há regra jurídica sobre ônus de prova: se credor e devedor são comerciantes, presume-se (presunção iuris tantum) que há conexidade; portanto, que há direito de retenção. A lei de falências é lei processual comercial, mas os direitos, pretensões, ações e execuções, a que ela alude, podem ser civis, comerciais ou de direito público. Resta saber-se os credores concursais, ou não, podem penhorar e fazer vender o bem retido. Ou a) se considera que a penhora e a venda são possíveis e extinguem a dívida, ou b) se subordina a venda à prévia solução do crédito do retentor, ou se admitem a penhora e a venda, tendo o arrematante ou adjudicatário de solver a dívida, salvo se o juízo previu que do preço se subtrairá o que baste para satisfazer o retentor. Contra a), é fácil argumentar-se que o direito de retenção existe e é de mister que o sistema jurídico atenda a essa existência, portanto à sua eficácia; ou não existe. Admitir-se a penhora por credores do credor, cuja
pretensão não foi satisfeita pela reten tio da prestação, com a consequência de se extinguir o ius retentionis, cinamitaria princípios. A solução b) retarda a medida constritiva da penhora e desatende a que os dois créditos têm de ser tratados com igualdade. A solução c) cinde-se, ou não. Ou se entende que se faz a penhora e se vende o bem, ou se adjudica, devendo a) o adquirente solver a divida do executado ao retentor, antes de receber o bem, ou 1,) se deposita todo o preço, para que o levantem executado e retentor, conforme os seus créditos. Como em b), Charles Legrand (Du Droit de Rétention, 80 s.), 5. Gualtier (Du Droit de Rétention, 162), Paul Barry (Le Droit de Rétention en Droit Civil Françats, 183). Como em a), Antonio Butera (DeI Diritto di Ritenzione, 474 s.) e A. F. Carneiro Pacheco (Do Direito de Retenção, 105). O Código Civil argentino, art. 3.942, estatuiu: “El derecho de retención no impide que otros acreedores embarguen la cosa retenida, v hagan la venta judicial de elIa; pero eI adjudicatario, para obtener los objetos comprados, debe entregar eI precio aí tenedor de ellos, hasta la concorrencia de la suma por la que éste sea acreedor”. E a solução a). A solução 1,) era a que mais atendia à lei processual de 1939 (Código de 1939, art. 977: “O preço da arrematação não poderá ser levantado, se houver protesto por preferência, ou rateio”). No Código de Processo Civil de 1973 não há regra jurídica que diga o mesmo. Mas o art. 709, II, não admite que o credor levante o dinheiro depositado se sobre os bens alienados há qualquer privilégio ou preferência, instituído anteriormente à penhora.
3. Credores privilegiados e titulares de direitos reais. Quanto aos credores privilegiados e titulares de direitos reais, a doutrina dividiu-se entre a) os que atendiam à prioridade, só tendo eficácia contra o credor hipotecário o direito de retenção anterior à constituição do direito real (e. g., A. Colin e H. Capitant, Cours Elémentaire de Droit Civil, 4ª ed., II, 777; Paul Barry, Le Droit de Rétention, 186 s.); b) os que distinguiam direito de retenção sobre móveis e sobre imóveis (Aubry et Rau, Cours de Droit Civil Français, 5ª ed., III, 195); c) os que entendiam que o direito de retenção é oponível a quaisquer credores do que sofre a retenção e contra quaisquer titulares de direito real (e. g., 5. Gualtier, Du Droit de Rétention, 164; Charles Legrand, Du Droit de Rétention, 81 s.; A. F. Carneiro Pacheco, Do Direito de Retenção, 97 e 195; L. Zara, Du Droit de Rétention, 123 S.; Clovis Bevilacqua, Código Civil Comentado, III, 387; Afonso Fraga, Direitos Reais de Garantia, 481-489). Em princípio, porque tem a posse, o titular de direito de retenção não pode ser tratado, no tocante a benfeitorias, senão como possuidor. Ocorre que há o art. 1.564 do Código Civil, onde se diz: “Do preço do imóvel hipotecado, porém, serão deduzidas as custas judiciais de sua execução, bem como as despesas de conservação com ele feitas por terceiro, mediante consenso do devedor e do credor, depois de constituída a hipoteca”. Dai se pretendeu tirar que as despesas necessárias e úteis feitas pelo possuidor de boa-fé e as necessárias feitas pelo próprio possuidor de má-fé não podem ser atendidas, se não consentirem o hipotecante e o titular do direito de hipoteca. Essa interpretação não merece acolhida e tem de ser afastada. Admitiu-a Amoldo Medeiros da Fonseca (Direito de Retenção, 298 s.) mas o art. 1.564 do Código Civil supõe negócio jurídico com o terceiro, no qual sejam figurantes o dono do prédio e o titular do direito de hipoteca. Noutros termos: supõe-se tudo se passar no mundo jurídico; não no mundo fático. No mundo fático somente se podem invocar princípios que regem a posse e, se impõem ao dono do prédio, a fortiori aos titulares de direitos reais limitados. Resta o problema dos direitos de retenção que se não originam de simples posse. Aí, está-se em pleno mundo jurídico. Supõe-se que não haja qualquer dúvida sobre o domínio, ou a enfiteuse, se hipotecante é o enfiteuta. Supõe-se mais que a escritura de constituição de hipoteca não aluda à dívida do hipotecante de que possa surgir direito de retenção. O direito de retenção é de quem tem direito de posse e exige pagamento do que lhe cabe por dívida do credor, de modo que, por exemplo, o locatário possa reter, materialmente, a coisa, ou opor o seu direito de retenção, para que a penhora o respeite, reconhecendo-lhe posse mediata, invocado o art. 1.199 do Código Civil. Então, ou foram consentidas pelo locador as benfeitorias úteis, ou não no foram. Se o não foram, tollitur quaestio. Se o foram, tem de pagá-las o locador, exercendo o locatário o direito de retenção. O contrato de locação, em que se consentiu, ou o pacto posterior de consentimento de benfeitorias úteis, pode ser registrado antes da constituição da hipoteca, e tem eficácia erga omnes. Se não foi registrado, o titular do direito de
hipoteca pode ir contra o contrato ou o pacto por fraude contra credores, ou simulação, inclusive para provar que as benfeitorias não foram úteis. Se as despesas de conservação do bem locado (não as despesas necessárias propriamente ditas) foram feitas depois de constituída a hipoteca, rege o art. 1.564 do Código Civil: só se deduzem do preço se devedor e credor consentirem. Se o credor não consentiu, a despeito de as ter permitido o devedor, direito de retenção há, em virtude do art. 1.199, e o art. 1.564 não atinge possuidores que se tenham de tratar como simples possuidores. Em suma: só às despesas de conservação propriamente ditas, que foram feitas por possuidores que não teriam, quanto a elas, direito de retenção (= não foram necessárias nem úteis), e as que não foram feitas por possuidores, se há de entender referir-se o art. 1.564. Ainda as despesas necessárias e úteis feitas por terceiro não-possuidor, se o foram para evitar perigo iminente (Código Civil, art. 1.3ª0), ou por vontade presumida do dono e do titular do direito de hipoteca (art. 1.331). É preciso não se perder de vista que não só donos e possuidores podem ter direito de retenção. O dono, que tem de prestar, e tem crédito, com o pressuposto de conexidade de que se tratou, faz-se retentor. Por igual, o possuidor, que tem de prestar e é titular de crédito, com o pressuposto de conexidade, pode reter. Mas direito de retenção também compete a quem somente retém. 4. Conteúdo de regra jurídica sobre suspensão do despejo. No Código de 1939 disse o art. 353: “Sob pena de suspensão ou demissão, os oficiais não executarão o despejo até o sétimo dia seguinte ao do falecimento do cônjuge, ascendente, descendente ou irmão de qualquer das pessoas que o habitem, e sobrestarão, até nova ordem, quando houver no prédio pessoa acometida de enfermidade grave”. Nenhuma exceção à regra jurídica do art. 353, ao contrário do que ocorria com a regra jurídica do art. 164 do Código de 1939 (hoje, art. 217 do Código de 1973) que cedeu no caso de se ter de evitar o perecimento do objeto. Hoje, na Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, o art. 65, § 2º, estatui: “O despejo não poderá ser executado até o trigésimo dia seguinte ao do falecimento do cõnjuge, ascendente, descendente ou irmão de qualquer das pessoas que habitem o imóvel.” Regra jurídica imperativa e pleni-eficaz. Nem pode o oficial de justiça escapar à sanção se “suspeita” ser falsa a informação. Ao autor, se duvida do que se alega, somente é dado produzir prova de não-óbito ou, provado o óbito, de não-parentesco.
5. Enfermidade grave. Se a pessoa doente ou alguma outra (da casa, ou de fora) não comunicava a enfermidade grave, de modo que o ignorasse o oficial de justiça, devia ele, depois, suspender a execução do mandado, se notasser grave o estado do doente, segundo parecesse a pessoa de instrução comum. Grave, aí, entendia-se, e indiferentemente, ou quanto ao prognóstico, ou quanto à necessidade de isolamento. No caso de moléstia transmissível, de denúncia obrigatória, devia o oficial de justiça proceder de acordo com os deveres resultantes das leis sanitárias, ainda que tivesse de comunicá-lo ao juiz, para que resolvesse. Despejo não se executava com prejuízo para a saúde pública, se havia meios de o prevenir. O art. 353 não podia ser interpretado extensivamente; somente se referia à enfermidade grave (2º Câmara Civel do Tribunal de Justiça do Paraná, 15 de fevereiro de 1951, Paraná J 53/459). Capítulo XV Ações de divisão e ações de demarcação de terras
§ 61. Divisão e pretensão à divisão 1. Divisão de terras e ação de divisão. Quando a coisa é comum e pode ser dividida, sem sacrifício do seu destino, têm os condôminos a pretensão á divisão. Cada um deles tem a sua. Todos concorrem com o mesmo fim abstrato (“dividir”), que cada condômino enche com afirmações (de fato e de direito), que podem ser diferentes. Por isso mesmo, se não acordam sobre a venda da coisa, que é, aí, partilha da coisa pelo valor, nem sobre o discrime concreto, material, das partes indivisas, tocantes a cada um deles, surge a ação de partilha ou de divisão, como surgiria, se a coisa fosse “indivisível” ou imprópria ao seu uso, se dividida, a ação de venda da coisa comum. A ação divisória, actio communi dividundo, ou a de partilha (inter vivos), somente cabe, no direito brasileiro, onde não cabe a de venda compulsória, e vice-versa. É verdade que podem as partes ter combinado
dividir a coisa, sacrificando-lhe o destino próprio (e. g., destruindo o palácio que lá está, com o seu parque, para construir casas de pequeno aluguel); mas, aí, a vontade das partes, o negócio jurídico, destruiu, antes, o destino da coisa. Esse não é mais obstáculo à divisão. Também é possível que a ação de divisão não se possa exercer, por ser a coisa “juridicamente indivisivel”, como acontece se isso resultou de ato de última vontade ou entre vivos, ou de tombamento, ou de lei especial. Todas essas questões pertencem ao direito material. A indivisibilidade pode resultar de lei de proteção a monumentos históricos ou de valor artístico. A ação de partilha, examinada a fundo, é ação que entra na classe das ações executivas, lato sensu. O título, com que se pede, é título executivo. Na ordinariedade dos casos, há iudicium duplex. Se todos pediram a divisão, apenas preferiram a divisão sem demanda”, em jurisdição dita voluntária, e os atos dos condôminos, que alterem a situação anterior ou a firmem, são negócios jurídicos de direito material processualmente tratados. A ação de divisão, proposta por um só, ou por alguns, quando os outros não querem dividir, não é ação dúplice. Os outros não estão a exercer a pretensão de dividir, que lhes compete. Nem se podem ter, indiferentemente, como autor e réu. Repete-se, nos livros, que a ação é sempre dúplice, sem se atender ao que se passa no terreno das realidades. A ação para separação das propriedades partibus indivisis, no caso de concordância de todas as partes, é sempre iudicium duplex; também o é a ação proposta por um, dois ou mais comuneiros, quando a relação contratual entre os comuneiros se extingue com a saida de um. A afirmativa de que há, sempre, juízo dúplice é simplismo que não olha os fatos. O elemento condenatório às vezes aparece, mais do que o de adiudicatio. Voluntaria iurisdictio transit in contentiosam interventu iusti adversarii.
2. Legitimação passiva. Os comuneiros, qualquer que seja a comunhão (de domínio, de pretensão pessoal, de posse, ou do que for), têm obrigações de suportar a divisão, e a ação de partilha é o exercício da pretensão à divisão e a “execução” da obrigação de suportar a divisão. Segundo, no direito material, a partilha tem efeitos ex tunc ou só ex nunc, os juristas perturbaram-se com o que se passava no plano do direito material e foram levados a pensar na eficácia declarativa, ou na eficácia constitutiva da ação de partilha. Ainda os desencaminhava a errada concepção privatística do processo e o fato de estarem, no direito processual, a pensar como se estivessem no plano do direito material. Para que a ação de partilha fosse declarativa, teria de já ter havido partilha e estar-se a declarar tal existência: ão é isso o que se dá; o elemento declarativo existe, mas antes da parte típica da sentença, que é partilhar, e tal elemento érestrito à existência da comunhão e à existência da pretensão àpartilha. Para que a ação de partilha fosse constitutiva, seria preciso que houvesse outra construção, ajustável às leis, que a de se entregar e receber o partido, em troca do partivel que cabia a cada um dos comuneiros. Ora, a noção de constitutividade dificulta pensar-se em que não se alterou, a de execução facilita-o. O juiz retira da esfera jurídica de B o que era de A, e da esfera jurídica de A o que era de B. Se a eficácia de direito material é ex tunc, ou ex nunc, depende desse direito, e não do direito processual. A concepção da ação de partilha como ação constitutiva não passa de romanismo. Qualquer dos condôminos pode pedir a divisão; e a venda da coisa comum. 3. Divisão e partilha de coisas móveis. O Código de 1973, como o de 1939, e como a Ordenação de Execuções austríaca, omitiu o processo da ação de divisão e da de partilha das coisas móveis; mas a lacuna tem de ser preenchida por meio de interpretação da lei (Rudolf Pollak, .System, 1023).
§ 62. Ação de demarcação de terras 1. Demarcação e ação de demarcação. A ação de demarcação, actio finium regundorum, possui elemento executivo e elemento constitutivo, assaz fortes, razão por que alguns escritores pensavam tratar-se de ação constitutiva (e. g., Rudolf Pollak, System, 1025), como sustenta a maior parte dos juristas, lendo o direito de hoje através de óculos romanizantes; e não de ação executiva (e. g., Rudolph Sohm, Institutionem, 16ª ed., 416, nota). A pretensão dirige-se no sentido de se dizerem quais os limites —na acepção técnica, restrita — não só de se declararem, como aconteceria em pura ação declaratória. O art. 570 do Código Civil de 1916, que corresponde, em parte, ao § 920 do Código Civil alemão, de modo nenhum inibe de pensar-se em ação executiva. Pelo menos, dir-se-á, não é fundamental que haja certeza objetiva e somente desconhecimento (incerteza subjetiva). O ar-
gumento é falho; porque sempre se supõe isso e a partilha da área cujo título não se pode apurar é só expediente — expediente que serve a’” execução”. Nem, ainda, havemos de concebê-la como ação divisória. No próprio direito romano, a ação de demarcação somente era divisória se, faltando prova de domínio, quanto a alguma parte do prédio, essa se tinha de dividir como se fosse comum (G. E. Puchta, Pandekten, § 374, 557 e 558; “Por esse último resultado possível, é ação divisória a de demarcação”). Hoje, de modo nenhum é ação divisória (Rudolph Sohm, Institutionen, 16ª ed., 416 e 564). A declaratividade (no sentido do direito material) absorveu qualquer outro elemento histórico. (1) Lendo-se os juristas romanos, vê-se que as formas praeiudiciales e as em que havia adiudicatio omitiam a condem natio, em casos em que, perante a ciência de hoje, seria sem razão de ser tal omissão, e em casos em que se menosprezava o elemento condenatório. Compreende-se bem que se não inserisse a condem natio nas controvérsias praeiudiciales correspondentes a ações declarativas típicas (e. g., quando se discutia se “aliquis libertus sit”; cf. Gaio, IV, 44). Tudo, aí, concernia, e tudo, aí, se limitava, a questão de existência, evidente na fórmula: “An Numerius Negidius Libertus Auli Ageri sit” (Leopold Wenger, Institutionen, 133). Ações havia em que predominava, ou (quase) só estava a adiudicatio, de modo que se não aludia à condemnatio. Também aí os juristas romanos negligenciavam a respeito do que lhes parecia negligenciável. Gaio (IV, 42) definia a adiudica tio como aquela parte da fórmula (ea pars formulae) que permite ao juiz adjudicar a coisa a alguns dos litigantes (“qua permittitur iudicirem alicui ex litigatoribus adiudicare”) e dava exemplos (“velut”): a ação familiae erciscundae inter coheredes, a inter socios communi dividundo, a inter uicinos finium regundoruni. A despeito de não haver pesquisado a natureza das ações, conforme a sua eficácia, dispondo dos nossos recursos recentes, o jurista romano atendia à preponderãncía, como o próprio processo formular lhe mostrava ser a trilha a seguir-se. A condem natio ficava a todas as outras ações, em que aparecia, como elemento prevalecente, o ter o réu de dar, de fazer, ou de prestar. O elemento condenatório eventual da ação finium regundorum não bastava para que o processo formular mudasse a fórmula, nem, no plano sistemático, a classe de tal ação. (2) Se pomos o problema da classificação das ações de demarcação como problema de direito material, na dicotomia constitutividade e declaratividade, que então é apenas distinção entre eficácia ex tunc e eficácia ex nunc, a ação de demarcação é declarativa. Porém, no plano do direito processual, em que esses momentos (tunc, nunc) não exercem função discriminativa, a ação de demarcação não é constitutiva, nem, sequer, é declarativa. O elemento executivo prepondera. Não há enunciado de existência; há cumprimento de obrigação entre os demarcantes. Hoje, temos de atender ao que se sabe no tocante à classificação quinária das ações e das sentenças. (3) A distinção entre a ação de reivindicação e a de demarcação tem preocupado os juristas, quando os confins ou limites são incertos. Desde o inicio de qualquer exame, devemos ter em vista que a distinção entre aposição de marcos e fixação (ou retificação) de limites está nos próprios conceitos. A ação para se aporem marcos é pessoal, ao passo que a de fixação (ou retificação) de limites é real. A actio finium regundorum só abrangia a fixação de limites; não havia a de avivamento de marcos. No direito romano, a actio finium regundarum era, pois, ação mista (condemnatio + adjudica tio). A confusão com as ações divisórias obscureceu o problema da classificação da actio finium regundorum, até que A. Faber chamou a atenção para o fato de não haver comunhão na confusio finium. Dele aos contemporâneos fez longa estrada a explicação da ação real, na qual haveria sempre controvérsia sobre a propriedade. 2. Natureza da ação. (1) A doutrina, querendo aproveitar a dicotomia petitório e possessório, às vezes alude à ação de regramento de limites como petitória, e à de aposição de marcos (dita de aviventação) como possessória. Mas falta rigor científico e valor prático a essa caracterização das duas ações. A ação de fixação parece-se com a reivindicação e é possível que envolva pedido claro de reivindicação, o que lhe acentua a petitoriedade; mas esse catalogamento prejulgaria a questão de ação de demarcação em caso de posse. A ação de fixação de limites tem por fito eliminar dúvidas sobre limites, e, pois, suprimir a confusio
finium, que existia desde muito, ou desde todo o começo, porque desde muito deixaram de existir, ou nunca existiram, marcos, ou porque foram recentemente destruidos. Ação perpétua, imprescritível, posto que a posse não promíscua possa dar causa a ações possessórias e à usucapião de parte ou de todo o terreno do vizinho. Isso éresponsável pela reconvenção (de reivindicação) por parte do que é réu na ação de usucapião, ou pela contestação e pela exceção de prescrição, quando o autor da ação de fixação de limites ou de aviventamento de marcos incluiu pedido que importa reivindicação. Leis, v.g., o Código de 1973, no art. 946, 1, falam de ação de fixação de limites sem proceder à cisão entre a ação de fixação que estabelece os limites e a ação de fixação que os retifica, distinção que tem suas raízes noutra, entre a actio finium regundoruni “simplex” e a actio finiun-i regundorum “qualificata”. A quem tem o direito de propriedade e outrem lhe invade a esfera jurídica, apossando-se do que é seu, nasce-lhe a ação de reivindicação, porque tem o proprietário a pretensão reivindicatória. A quem, dono de terras, precisa de aviventar rumos apagados, ou de renovar marcos destruidos ou arruinados, nasce-lhe a ação de demarcação, porque ao proprietário assiste a pretensão demarcatória. Na ação de demarcação, pode surgir a questão de confusão parcial do terreno, e tem de ser resolvida como questão prévia de mérito, que se decide diante de provas (Antônio Lopes Leitão, Liber utilissimus iudicibus et advocatis ad praxirn de ludicio Finium Regundorum, 177). Porém, não é a invasão que se vai apreciar, é a confusão de limite. A afirmativa de que a demarcação é adaptação da reivindicatória tem de ser repelida, energicamente. Historicamente, são inconfundíveis a rei vindicatio e a actio finium regundorum: se é certo que, na L. 2, § 1, D., finium regundorum, 10, 1, Ulpiano permitia ao juiz da demanda, quando não pudesse determinar os lindes, dirimir a controvérsia por meio de adjudicação; mais ainda, para fazer desaparecer a obscuridade das antigas linhas (per aliam regionem fines dirigere), adjudicar e condenar (hoc facere per adiudicationem et condemnationem), não se pensou em rei vindicatio. No caso de confusão, os limites, em falta de outro meio, determinam-se de conformidade com a posse; e, não se achando ela provada, o terreno contestado se reparte proporcionalmente entre os prédios, ou, não sendo possível a divisão cômoda, se adjudicará a um deles, mediante indenização ao proprietário prejudicado. Também aqui não há discussão, disputa; as partes estão diante de situação que lhes cria, e ao juiz, perplexidade. Tem de ser vencida. Apresentou-se, assim, ao legislador o problema da técnica legislativa. No direito anterior, propendia-se para certo arbítrio judicial, não somente em caso de confusão, como em caso de ser necessário regularizar o terreno (J. H. Correia Teles, Doutrina das Ações, ed. de 1918, 281). O Código Civil de 1916 não foi até ai. Só admite a função do juiz segundo o art. 570, em caso de confusão de limites. No § 6, 1., de olficio tudicis, 4, 17, no caso do rio que muda constantemente o curso, para estabelecer, duravelmente, a paz entre os vizinhos, podia ele adotar limites mais oportunos. Também até aí não foi o Código Civil. A mudança de curso, no caso, de limites arcifinais, pode ser causa de confusão de limites; porém, então, é a confusão de limites que se faz pressuposto suficiente. Se o pedido se refere a aviventar rumos, ou a renovar marcos destruidos ou arruinados, ou a que existe confusão de limites, a ação a propor-se é a ação de demarcação. Se, em vez disso, o pedido atribui ao réu ter invadido o terreno, somente a ação de reivindicação poderia aproveitar ao autor, uma vez que, no processo de ação de demarcação, não poderia o juiz, de modo nenhum, deferir pedido de reivindicação, porque tal pedido, ex hypothesi, não foi feito. Se, na ação reivindicatória, o juiz decide que há confusão de limites, tal juiz julgou improcedente a reivindicação: o que lhe foi pedido pelo autor foi a reivindicação, ele não Iba deu; tanto importa acrescentar que caberia a demarcatória (o juiz da ação de demarcação poderia pensar contrariamente) quanto dizer que caberia a ação possessória, ou ação de indenização, ou alguma ação restitutória que não fosse a de reivindicação. (2) Outro ponto que merece estudo é o da existência de marcos, antigos ou novos, e de precisar o autor não de aviventálos, mas de retificá-los. Note-se que, aqui, não se cogita de retificar limites, porém de retificar marcos. Não há dúvida que se deve a Millet (Traité du Bornage, 3º ed., 70), ter chamado a atenção para esse conceito; e enunciou ele que a existência de marcos, seja antiga, seja recente, é obstáculo à ação de demarcação. Essa proposição não falha se acusam de mudados os marcos, porque então se nega a existência regular de marcos. O adjetivo, que lhe faltou, melhoraria o enunciado: se o autor admite a existência regular de marcos, exclui ele mesmo a ação de demarcação. Demarcar é “assinalar, determinar e pôr marcos (Antônio de Morais e Silva, Dicionário da Língua Portuguesa,
1, 542); não se pede que se assinalem marcos onde estão determinados, nem se põem onde já estão postos. A 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 28 de julho de 1950 (RD 11/213), e a P Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a 9 de agosto de 1951 (RF 142/303), julgaram que, havendo muro em toda a extensão do lado, não cabe ação demarcatória. Da posse, sim; mas com os limites constantes dos títulos podem não coincidir os muros, como se foi vendida área, e não unidade cercada, ou se o muro foi feito por pessoa que não era o dono. Por exemplo: os prédios, com duas construções, estavam alugados a B, que, para maior comodidade, ou conveniência estética, destruiu o muro que existia, e levantou outro que dividisse por igual o terreno, ou que passasse pela linha que lhe fez feição. A certeza objetiva de limites, de que falam alguns julgados (e. g., 8~ Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 21 de setembro de 1951, RF 147/226), é relativa, porque e ática. Só existe se houve, alguma vez, certeza subjetiva, ou ato humano de divisão, e no mundo f ático não se operou qualquer mudança. Ainda mais. Pode haver interesse legítimo em que se substituam marcos ou sinais existentes por outros mais duradouros, ou em que se renove o acordo dos confinantes sobre os marcos ou sinais existentes. Por isso, andou bem a IA Turma do Tribunal Federal de Recursos, a 20 de março de 1951 (Di de 4 de outubro), em frisar que, a despeito de haver marcos, se o confinante não os acha claros e precisos, e os outros, algum ou alguns deles, entendem que sim, há controvérsia sobre a demarcação (no mesmo sentido, acertadamente, a 6~ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 19 de dezembro de 1952, RT 211/323). A reivindicatória somente é de pedir-se, cumulativamente, se algum dos confinantes sustenta que tem mais posse do que resultaria do direito à posse, constante do título.
§ 63. Divisão e demarcação voluntária
1. Jurisdição voluntária. As açôes de divisão e de demarcação com acordo dos interessados são de jurisdição voluntária, iudicium duplex, com que tanto se confundem as ações de divisão, ou melhor, de destacamento, e a de demarcação, que são ações de execução com elemento eventual de condenação, embora possam contar com a aquiescência dos citados; confusão faziam, no século XIX, Alberto Carlos de Meneses (Prática dos Tombos, 2a ed., 78) e Antônio Joaquim de Macedo Soares (Medição e Demarcação das Terras, 7).
2. Natureza da ação. A construção processual, se há acordo das partes, é a de ação executiva lato sensu, ou melhor, execução de moto próprio, perante o juiz. Ou a divisão planejada seja a que seria executável em processo de ação executiva, lato sensu, com elementos de condenação, ou seja a que, por vontade própria, adotaram as partes, a sentença é de execução. Ou o juiz executa a transformação da comunhão pro indiviso em quinhões separados a); ou executa a propriedade separada de cada um, em substituição à comunhão pro indiviso b). A diferença entre essas duas espécies está em que, no caso a), a sentença nada tem com a declaração de vontade em ato comum, segundo o conceito de J. E. Kuntze; ao passo que, no caso b), a sua função é a de agente do Estado na constituição de um negócio jurídico. Num e noutro caso, “execução”. A construção como ação declarativa imitaria o direito material (Código Civil, art. 631), porém, não explicaria a transformação da propriedade indivisa em propriedades autônomas, feita em juízo.
§ 64. Natureza da sentença de divisão 1. Natureza da sentença. A sentença em juízo contenciosa é executiva e tem efeito constitutivo. Tem força de executividade, à semelhança das outras resoluções adjudicatórias~ além da força de coisa julgada formal. A decisão não tem efeitos contra terceiros, nem mesmo constitutivos (Rudolf Pollak, System, 1024). Em todo caso, cumulada com a vindicatio fundi, os efeitos da sentença sobre o pedido prejudicial podem atingir opoentes e outros intervenientes. A sentença que homologa o acordo divisório é executiva. Os que a dizem declarativa são vítimas de
discussões doutrinárias já superadas. Tem eficácia imediata de declaração, porém não força: a força é executiva. Já é tempo de não empregar velhos temas a jurisprudência (e. g., 2º Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 13 de novembro de 1951, RT 197/242). A certidão da sentença de divisão ainda não tem a eficácia real da operação feita. Só o registro põe termo à indivisão. Daí não ser exato que a certidão, ainda não registrada, já goze da presunção legal de ser titular do direito real quem obteve a divisão. 2. Fases da ação de demarcação. Se as terras estão com divisas e áreas certas, é preciso atender-se a que a ação de demarcação tem duas fases, uma das quais, a primeira, tem sentença declarativa (Código de 1973, art. 958), com a carga 5 de declaratividade 3 de constitutividade, 4 de condenatoriedade, 2 de mandamentalidade e 1 de executividade. Se a sentença, na segunda fase (Código de Processo Civil, art. 966), julga que as divisas estão bem traçadas, reputa verdadeiros os marcos ou sinais, aviventa-os e impõe-nos aos interessados. A ação é procedente, ainda que nada se precise fazer a mais: porque é muito dizer que o que está, faticamente, no terreno, demarcando-o, está certo. Por isso mesmo, grave foi a decisão da 2º Turma do Supremo Tribunal Federal, a 9 de maio de 1950 (DJ de 28 de fevereiro de 1952), que achou ser caso de improcedência da ação se sinais materiais há e não há confusão. O elemento constitutivo da sentença, na segunda fase, é o de todas as sentenças; pequeno, mas ineliminável: a executividade é força de sentença, ainda se as conclusões da sentença dizem que tudo estava bem porque então juridiciza o que só era fático e de qualquer modo executa. A descrição é declarativa, quer se tenham posto marcos, ou traçados, quer se achem bons os que estavam (a carga de declaração é 4, em qualquer espécie).
Capítulo XVI Ação de quem perdeu ou a quem foi furtado título ao portador
§ 65. Dados e conclusões 1. Títulos ao portador. Título ao portador é a declaração unilateral de vontade pela qual a quem apresente o escrito se promete a prestação. A pretensão nasce com a apresentação, porque, antes disso, existe apenas a declaração de vontade ao público, ligada ao papel ou outra substância, que se possa transmitir de mão a mão, brevi manu, com as duas qualidades de “instrumento de declaração” e de “coisa”. Nenhuma teoria, que suponha o vínculo direto entre o subscritor (ou o emissor) e o unus ex publico, pode servir à solução das dificuldades imensas, que surgem desde a assinatura do titulo até a sua apresentação, ou da reentrada em circulação e nova apresentação ao subscritor (ou emissor). O assunto pertence ao direito material, e dele tratamos no livro Dos Títulos ao Portador, em 1921, e, depois, no Tratado de Direito Privado, Tomos XXXII e XXXIII. Segundo o método deste livro, temos de circunscrever o estudo ao texto, sem sairmos do campo das ações. As principais pretensões ligadas ao titulo ao portador são as seguintes: a) do subscritor, para haver o título que lhe foi subtraído, portanto título não emitido; b) do possuidor, para reaver o título, de que foi injustamente desapossado (titulo perdido ou furtado, em senso lato); c) do que foi injustamente desapossado do titulo, para substituição; d) do possuidor, para, mediante a apresentação e em consequência dela, ser-lhe entregue a prestação prometida; e) do possuidor, para que, apresentado o título, lhe sejam entregues os outros títulos, ou o outro titulo, em caso de substituição cartular, ou desse e de títulos-filhos, em virtude de bonificação, ou de sorteio; f) do possuidor, em caso de destruição parcial do título, para a substituição. O Código de Processo Civil trata da ação que corresponde à pretensão c), da ação correspondente à prestação b), e da pretensão fl, que se pôs no art. 912. Não se trata das outras, exceto, quanto a alguns deles, no processo executivo de títulos extrajudiciais, quando haja a cláusula ao portador, ou endosso ao portador, ou em branco. A pretensão a que se não pague a importância do capital ou seu interesse (Código Civil, art. 1.509) entra no caso da letra c): é conexa à pretensão àsubstituição da cártula.
2. Perda e furto de títulos ao portador e ação vindicatória da posse. O Código de Processo Civil de 1973 incluiu no seu texto a regra jurídica sobre a vindicação da posse de títulos ao portador, de modo que não excluiu a regra jurídica do art. 342 do Código de 1939, que entendia fazer de direito processual o que era e éde direito material, e está no art. 521 do Código Civil de 1916. O art. 521 do Código Civil não foi derrogado. Contém a pretensão de direito material. O art. 907 diz qual a via processual para a pretensão à tutela jurídica. Também se pôs claro que o pedido das providências do art. 908 não obsta à ação de quem foi desapossado de título ao portador. Se foi proposta a recuperatória, antes de ser contestada, é livre a desistência; depois depende do consentimento do réu (art. 267, § 4º). Tem-se procurado ver nas duas ações bis in eadem re. Analise-se a situação: (1) o portador (tenedor) do título era conhecido e foi citado, compareceu e contestou, de modo que não houve procedimento edital — somente pode contestar as afirmações do autor, como o ter sido esse injustamente desapossado, e alegar direito, ou aquisição em virtude da boa-fé, por só se permitir a vindicação possessória em caso de furto ou perda; (2) o portador, previa-mente conhecido, comparece e não contesta, entregando ao autor o titulo, o que torna inútil a continuação do processo; (3) o portador previamente conhecido comparece, não contesta, mas entrega o título ao juízo, para que se apure quem tem direito, caso em que se tem de instalar o procedimento edital (não há identidade do sujeito passivo); (4) o processo começou pelos editais, e alguém, que tinha o título, não compareceu; (5) o processo começou pelos editais, e alguém, que tinha o título, compareceu, dizendo tê-lo achado ou furtado, ou isso se prova; (6) alguém, que tinha o titulo, compareceu, dizendo, por exemplo, tê-lo comprado a terceira pessoa (que o guardava, como possuidor direto do autor). Só no caso (5) a ação de amortização e substituição do titulo ao portador obsta à vindicação da posse, mas, ainda assim, porque essa seria inútil. Nos demais, ou se dá diferença na legitimação passiva, ou na causa. Permite-se a vindicação da posse nos casos de perda e furto (incluído o roubo, pois esse é o sentido de direito civil). Coisas perdidas, e, pois, títulos ao portador perdidos sao os que escapam à posse imediata (direta) de alguém, sem intenção do possuidor e sem ato de outrem (por acaso, no sentido vulgar). Se deixamos, no jardim, uma coisa, e nos esquecemos de apanhá-la, perdê-mo-la. A vindicação da posse é autorizada para que o acaso não seja reconhecido como fonte de perda da posse. Sobre questões de direito material, nossos Dos Títulos ao Portador, 2º ed., II, 183-192, e Tratado de Direito Privado, XXXIII, §§ 3.770-3.787. A 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 25 de setembro de 1951 (Di de 20 de março de 1952), disse que “a reivindicação de títulos ao portador somente pode ser exercida contra o adquirente de má-fé, ou contra aquele em que se não presume a boa-fé, porque sabia ou devia saber que o título pertencia a terceiros”. A generalização desabusada fere, aqui e ali, o sistema juridico brasileiro. Não se tem, no direito civil brasileiro ou no próprio direito comercial brasileiro, a regra jurídica geral da aquisição da propriedade com a simples prova de boa-fé. Os títulos cambiários e cambiariformes ao portador são tratados segundo disse o acórdão; os outros, não (cf. Tratado de Direito Privado, XV, § 1.746). A ação de vindicação da posse é ação de direito à posse, e não de posse. Por ela, pede o autor a restituição da posse. Tem eficácia real, e não pode ser cumulada com a possessória da reintegração da posse. Mas pode ser cumulada com a ação nata do próprio direito (vindicação do usufruto, do penhor, ação pessoal de direito à restituição da coisa). O que a caracteriza éa restituição definitiva do título (Otto von Gierke. Die Bedeutung des Fahrnisbesitzes, 65). Exercida pelo titular de direito pessoal, e. g., o depositário do título ao portador, não converte o direito pessoal em real, apenas o reveste de proteção eficaz perante todos (Otto von Gierke, Die Bedeutung des Fahrnisbesitzes, 70; CarI Crome, Die Juristische Natur der Miethe, iherings Jahrbúcher, 37, 64 s.). A ação é vindicatória, sem se confundir com a reivindicatio, tanto que dela pode usar o que tem direito pessoal ao título ao portador e o perde, ou se lhe éfurtado (CarI Crome, System, III, 241). Protege o direito à posse do título ao portador. Nela foram fundidos os conceitos de ação real e de ação pessoal, para maior utilidade técnica e social (Dos Títulos ao Portador, 2º ed., II, 195; Tratado de Direito Privado, XXXIII, §§ 3.762-3.770). O Código Civil de 1916 (art. 521) submeteu as coisas furtadas e perdidas a regime diferente daquele que se refere às coisas confiadas à posse de outrem (abuso de confiança). Essa éuma das distinções entre a ação de vindicação da posse e a ação possessória de reintegração. Assim, não cabe a ação de vindicação da posse o tenedor do título o adquiriu de credor pignoratício, do depositário, do mandatário, do comissário, do comodatário, do tutor, do depositário público. Cabe, se quem alienou o titulo era apenas servidor da posse (criados, trabalhadores, operários, em relação aos títulos que estão ao seu alcance). Esse é ponto da mais alta relevância na distinção (Karl Wieland, Kommentar, IV, 513; Franz Leonhard, Vertretung beim Fahrniserwerb, 109; nosso Dos Títulos ao Portador, 2º ed., II, 170 s., onde se tem discussão sobre o caso dos direitos de
fábricas, bibliotecários etc.). Entram na classe dos títulos ao portador furtados os que foram subtraidos: por extorsão; com extorsão e seqúestro da pessoa; por furto ao possuidor não-proprietário; por furto imputado ao proprietário, quando possui o titulo usufrutuário, o fiduciário, o credor piúnoratício; por pilhagem etc. Não entram na classe de títulos furtados: os que forem entregues pelo possuidor, ainda sob a influência de erro, dolo ou fraude, ou outro defeito de vontade, exceto violência (Karl Binding, Die Ungerechtigkeit des Eigentumserwerbs vom Nichteigentumer. 18 s.); os que foram alienados pelo titular da posse derivada, conheça esse, ou não, a posse que tem (Karl Wieland, I-(ommentar, IV, 513; nossos Dos Títulos ao Portador, 2º ed., II, 177, e Tratado de Direito Privado, XXXIII, §§ 3.770 e 3.784); os que foram alienados pela pessoa a quem o decujo confiou, ou pelos herdeiros, ou pelo inventariante. São reivindicáveis, ou vindicáveis, quanto àposse, os cupões separados, ainda se antes de vencidos. Se divisíveis os títulos, continuam suscetíveis de vindicação possessória as partes, quer tenha sido anterior, quer contemporânea, ou posterior ao furto, a separação. A ação de vindicação da posse não se estende aos casos de abuso de confiança ou de apropriação indébita (2º Câmara Civel do Tribunal de Apelação do Paraná, 22 de maio de 1945, Paraná J 42/67). § 66. Posse e Prova
1. Melhor posse e vindicação . A Pessoa contra quem se exerce a ação de vindicação da posse é a que tem consigo o titulo ao portador, eo autor alega, contra ela ter melhor posse. O réu pode opor: a) que o possui , de boa-fé e justo titulo, há tres anos, sem interrupção e pacificamente ( Código Civil de 1916, art. 618; b) que o possui, ainda sem titulo e independente de boa-fé, há cinco ( Código Civil, art. 619; Lei nº 2.473, de 7 de março de 1955, art.1º) O Possuidor pode, para fim de contar tempo, acrescentar à sua posse a do seu antecessor (Código Civil, arts. 553 e 619). A posse intermédia de boa-fé não obsta àvindicação da posse (Dos Títulos ao Portador, 2º ed., II, 197 s.; Tratado de Direito Privado, XXXII, §§ 3.656, 5; XXXIII, §§ 3.764, 2, e 3.753, 4).
2. Prova a ser feita. A prova que tem de ser feita na ação de vindicação da posse, que é a ação que corresponde à pretensão de direito material do art. 521 do Código Civil de 1916, mostra bem a natureza da ação. É fundada na posse, e não na propriedade. Cabe quando não se possa usar, ou não se prefira usar da ação comum de reivindicação das coisas móveis (o título ao portador é uma delas). No direito brasileiro, permite-se contra o possuidor de boa-fé (aliter, no direito alemão). Estão sujeitos à vindicação da posse as debêntures, os bilhetes de loteria, as guias de exportação.
3.Perda e desapossamento. Quem é proprietário de titulo ao portador e o perde não deixa de ser proprietário, porque o que ele perdeu foi a posse. Quem tem a posse do titulo ao portador, ou apenas a tença, como acontece com o empregado ou outra pessoa que foi buscar ou levar o título ao portador, que é de A, ou de que B é possuidor, perdeu a posse, ou, como tenedor, fez perder-se a posse de A, dono, ou de B, que só era possuidor.
Capítulo XVII Ação de nunciação de obra nova
§ 67. Conceito e natureza da ação nunciativa 1.“Operis novi nuntiatio”. A fonte psicológica da nuinciação de obra nova está no desforçamento da defesa contra o ato de outrem. Nesse ponto, é um dos mais velhos institutos do homem — o de jogar pedras à obra que prejudica. A fonte material está no protesto contra a atividade inovante (operis novi nuntiatio). Não importava (nem importa, hoje) que o trabalho consista em edificar, ou em demolir. Dirigia-se à pessoa presente, ainda o proprietário do prédio, se partia do enfiteuta, do superficiário, o usufrutuário (H. Burckhard, Die operis novi nuntiatio, 86), ou do credor pignoraticio (não, diz-se, entre comproprietários). A pretensão, a que correspondia, era a do uso exclusivo da propriedade, ou a da servidão negativa (servitus non altius aedificandi, seruitus ne luminibus, ne prospectui officiatur, servitus oneris ferendi; porém, não servitutes uiae). O simbolo do iactum
lapilli o lançar das pedrinhas. Discute-se ainda a realidade a que correspondeu — se o jogar a pedra a) em protesto, se tirar as pedras do edifício e lançar fora b), ou ambos 41. A primeira explicação tem por si a opinião de J. Cujácio; a segunda está em Charles Mainz (Cours de Droit romain, II, 527, nota 31); a terceira é a que nos parece a mais razoável, porque o con te udo matenal do protesto, psicologicamente indiferente, jogar a pedra ou destroçar as pedras, importava menos que o conteúdo psíquico. A prova disso, que sustentamos contra a) e contra b), está em que as fontes se prestam a dois conteúdos materiais; dilapidar e dispersar as pedras. Per manum, dizia a L. 5, § 10, D., de operis novi nuntiatione, 3ª, 1; isto é, acrescentava, lapilli iactum. A defesa própria veio até hojq, conservando-se a nunciação per iactum lap 1111, como desforçamento extrajudicial até o § 4 das Ordenações Filipinas, Livro III, Titulo 78 (verbis: “denunciar ao edificante lançando certas pedras nº obra, segundo direito e uso da terra”), ato repentino (Livro IV, Título 58, § 2). Á nunciação sem ser com pedras, ou verbal, atribuiam os juristas portugueses demissão da posse do nunciado, e~n vez do ato conservativo da nunciação com pedras. Porém, se-ia inútil tal distinção, quanto à posse, entre a nunciação per manurn seu lapilli iactum e a nunciação solis verbis. Seja como fir, a prática tinha a nunciação de obra nova por jacto de pedras como subsidiária, isto é, quando o magistrado não pudesse atuar a tempo, e isso mesmo nas aldeias. Em geral, essa antiqualha processual já está a desaparecer dos códigos civis. Quanto ao sócio e ao comu-ieiro, diz-se que o direito romano excluia a ação de nunciaçãj de obra nova entre eles; e isso foi repetido através dos séculos Parece que se deve a Antônio Cardoso do Amaral ter sido o primeiro, em Portugal, a advertir em que a regra jurídica tinha de ser repensada. No caso de construção (ou demolição) que exceda o uso conforme o destino do bem e compatível com a indixisão, se é o caso, não temos dúvida em aceitála, proposta pelo sócio ou pelo comuneiro, se a destinação do prédio é para vijenda ou partes de indústria. Aqui vai conselho, ainda útil, de Manuel de Almeida e Sousa (Tratado dos Interditos, 95); “Cuanto a mim, a melhor precaução de que deve usar aquele jue pretende fazer uma nova obra, e teme que lha embarguem, é fazer duas uniformes plantas da obra futura; requerer com ela~ ao juiz, que se citem os que teme se lhe oponham (a que s comunica uma das plantas, ficando outra na mão do escrivã)), para que declarem em tal termo, que lhe fique assinado, as objeções que têm, ou em que parte, a que se execute a obra na forma da planta: com a cominação de que, nada objetando,serem lançados, e se lhe pôr perpétuo silêncio, e não poderen mais embargar a obra”. O caminho, que hoje se tem, é o da ação com preceito cominatório, pois ai é que se há de basear a provocatio. 2. Cumulação objetiva. Na ação de nunciação de obra nova, há cumulação objetiva: a ação de embargo da obra, que é mandamental; a de demolição à custa do nunciado, que é executivacondenatório; a de cominação da pena para o caso de infração do preceito, que é condenatória eventual; a de indenização, que é condenatória, ou, de regra, executiva. 3. “Opus”. Obra nova não é só a construção, mas todo facere (Chr. A~ Hesse, Die Rechtsverhãltnisse zwischen Crundstucksnachbar!1, 4ª; Aebli. Cautio damni infecti, 11). A. L. 15 D., ad exhibendum, 10, 4, fala de busca de tesouro; a L. 17, § 2, D., si seruitus vi ndicetur vel ad alium pertinere neqetur, 8, 5, de vicinidade; a L. 18, de condução de água. O dano pode ser causado por ato no espaço que corresponde àpropriedade alheia, ou por ato em outro espaço. O que é preciso, para se caracterizar a imissão contrária a direito, é que se exceda, no exercício de direito, ou não, o que se poderia fazer em terreno próprio: invade-se com o ato mesmo, ou com os efeitos do ato; há, numa e noutra espécie, ultrapassar de senhoria (Chr. A. Hesse, Die Rechtsverhãltnisse zwischen Cru ndstúcksnachbarfl, 2ª ed., 264; Joseph Werr, Das Recht des Eigentúmers zur Vertiefung seines Cru ndstOcks, 12).
§ 68. Fundamentos e Procedimentos
1. Pretensão de nunciar e seus fundamentos. A ação de nunciação de obra nova é uma das ações de que pode usar o que tem pretensão a que se lhe respeite a situação jurídica, ou mesmo possessória, quando se quer construir ou demolir. A ação supõe a pretensão de nunciar, de protestar, que é espécie daquela. Espécie primária porque vem do lactum lapilli —, das pedrinhas que se lançavam, ou se atiravam, sendo de crer que o diminutivo pertence à fase em que já era simbólico o facto. Essa pretensão de protestar, nunciando, desaparece com a terminação da obra. Não se diga que renasce ao serem feitos consertos, ou retoques, ou acréscimos, ou remendos. Nasce outra. E porque a pretensão se apaga que a ação não pode existir. Surgindo de
novo pretensão de nunciar, a ação ressurge. São pressupostos da ação de nunciação de obra nova o ter-se iniciado obra e o não estar terminada. Assim como o titular do domínio e o de direito de enfiteuse, usufruto, uso, habitação e anticrese, como o possuidor próprio ou impróprio, podem nunciar a obra o comuneiro e o sócio. A Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Ceará, a 15 de maio de 1952 (J e D VI, 76), negou ao condômino a ação de nunciação de obra nova. Absurdo! O próprio sócio pode nunciar a obra que o outro sócio intenta na coisa comum (J. H. Correia Teles, Doutrina das Ações, § 208, nota 1, que corrigia a Manuel Gonçalves da Silva, Commentaria, III, 158 e Peliciano da Cunha França, Additiones aureaeque Illustrationes, II, 320). Na L. 28, D., de communi dividundo, 10, 3, Papiniano foi claro: “Disse Sabino que nenhum dos donos pode fazer, de direito, o que seja contra a vontade do outro. Donde ser evidente que há direito de proibir: porque se sabe que, em igualdade de circunstâncias, melhor causa é a do que proibe. Mas, ainda em coisa comum, pode proibir um sócio ao outro sócio que algo faça, posto que não possa obrigar a que destrua a obra feita se, quando a podia proibir, deixou de fazê-lo: e por isso poderá ressarcir-se do dano pela ação de divisão de coisa comum. Mas, se consentiu em que fizesse, não tem, sequer, a ação pelo dano. Todavia, se ausente o sócio, fez (obra) em prejuízo dele, então também é obrigado a demoli-la”. In re communi neminern dominorum iure facere quicquam muito altero posse. Certo, Johann Voet (Com mentarius ad Pandectas, II, 546: “.. cum utique socius in re communi quid faciens, etiam in alieno facere, dicendus sit, dum res communis pro parte aliena est, et id, quod re communi fit, non alia ratione illicite fieri videatur, quam quia et quatenus res communis non ad facientem opus novum, sed ad alterum socium pertinet”). Interesse na nunciação tem quem quer que possa ser prejudicado pela obra. 2. Em que se baseia a pretensão de nunciar. A pretensão de nunciar não se baseia na posse, posto que também a tenha possuidor. O Código de Processo Civil de 1939, seguindo o exemplo de alguns Códigos estaduais (Distrito Federal, art. 54º; São Paulo, art. 630; Pernambuco, art. 576; Paraná, art. 373; Rio de Janeiro, art. 1.370; Sergipe, art. 312), excluiu a ação do rol das ações possessórias (aliter, Minas Gerais, art. 696; Rio Grande do Sul, art. 538; Bahia, art. 419). Não se trata de ação possessória: considerar possessória tal ação seria confundir a causa de pedir a legitimação ativa ocasional: algumas vezes, dela usa o possuidor. O relator do Recurso extraordinário nº 8.696, Ministro Orosimbo Nonato, em 19 de maio de 1950 (Di de 20 de março de 1952), em voto unanimemente adotado, disse: “Quanto ao art. 573 do Código Civil ... Trouxe à balha o MM. Juiz, para argumentar, que de sua exegese conjugada com o art. 384 do Código de Processo Civil se dessume caber a nunciação também ao possuidor. De mim tenho, forte em , que a pretensão de nunciar não se funda na posse, posto que também a tenha o possuidor. Considerar possessória a ação, ensina ainda , é confundir a causa de pedir com a legitimação ativa ocasional: algumas vezes autor dela será o possuidor”. O art. 384 do Código de 1939 é, hoje, o art. 93ª do Código de 1973. Pertence a ação a quem “pretenda impedir” que o prédio de sua propriedade ou posseja “prejudicado” pela obra nova. Portanto, supôe ainda não ultimada a obra. Porque não se impede o concluído. Tal sempre fora a linha histórica do instituto. A obra, desde que se estão a preparar os materiais, pode ser embargada, como frisava Antônio Mendes Arouca (Adnotationes Practicae, à L. 2, § 1º, D., 1, 8, nº 21); não, porém, se já ultimada, conforme a lição romana; mas Arouca explicava, noutro livro (Aliegationes luris, 24), que os acréscimos e retoques faziam nova a obra (“quia qualitas de novo adveniens novam facit aedificationem”), explicação que o bondoso Antônio Mendes Arouca tirou de Miguel de Reinoso (Observationes Practicae, 3ª), sem pertinência: não se trata de mudança da coisa, mas de novo por si. Se há acréscimo, ou retoque, é o acréscimo ou retoque que se há de impedir. Fora dai, a afirmação de Antônio Mendes Arouca fora e é falsa. Na jurisprudência há julgados que concluíram pela improcedência da ação se a invasão do terreno foi mínima (e. g., Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 25 de julho de 1950), o que dá a indenização. Mas a solução é julgar-se procedente a ação, e, reputando-se mínimo o prejuízo, indenizar-se (ainda que se não haja, aí, pedido indenização). 3. Obra nova. Por obra nova havemos de entender, como o próprio direito romano, a edificação (no sentido lato) e a demolição: “aut aedificando aut detrahendo”. O que importa é que se mude o status quo. Não o status quo possessório, a despeito das parecenças. Reparação e’ “obra nova”, desde que o prejuízo resulte dela.
4. Relação de vizinhança. A referência a prédio vizinho bem mostra que a pretensão a nunciar se liga à relação de vizinhança. Está por trás direito de vizinho. Aliás, a L. 8, D., de operis novi nuntiatione, 3ª, 1, punha-o em relevo. Qualquer vizinho, do lado, da frente, do fundo, de cima, de baixo; ainda o do prédio de longe, sobre que se haja servidão. Pode dar-se que o prejuízo seja o prédio distante: não se pode pré-excluir a tutela jurídica à pretensão nunciativa. Onde quer que se possa ter, concluída a obra, ação de indenização ou de restituição ao estado anterior, há a ação de nunciação de obra nova, se ainda não se concluiu. 5. Servidão de obra nova. Alguns comentadores criticaram o Código Civil brasilçiro de 1916 por haver omitido (!) a alusão à obra nova que tende a constituir servidão. Sem razão, porque isso se inclui no conceito de “prejuízo”. A ação negatória de servidão é outra coisa. O titular de servidão tem a ação de nunciação de obra nova (6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 1ª de novembro de 1949, DJ de 18 de setembro de 1952), inclusive em se tratando de servidão tigni immittendi (3º Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 31 de agosto de 1950, RT 189/299). As escavações, extrações de minerais e as sondagens podem ser nunciadas (cf. Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, 16 de abril de 1951, J de 1951, 230). 6. Embargo extrajudicial. Trata-se de justiça de mão própria, que lembra o iactum lapilli. Em vez das pedrinhas, há o iactum de palavras: o prejudicado — entenda-se a pessoa já prejudicada, ou que vai ser prejudicada, uma vez que a obra já se iniciou, ou vai se iniciar — notifica verbalmente o prejudicante, seja o dono da obra, ou seja o construtor, que aí o representava, para que não continue na iniciativa, ou na obra. Quatro são os pressupostos: a) o que já se iniciou ou vai se iniciar já começou a causar danos ou pode causar ao nunciante; b) é injusta tal medida; c) a notificação é verbal, escrita ou não escrita, perante duas testemunhas; d) notificado é o responsável pela obra (proprietário, usufrutuário, usuário, o titular do direito de enfiteuse, habitação ou de anticrese, o locatário), ou em caso de construções, o responsável pela obra ou simples encarregado presente. 7. Pluralidade de nunciados. Se duas ou mais são as pessoas que estão prejudicando, ou vão prejudicar, tem-se de verificar se a obra é uma só, caso em que basta o embargo extrajudicial a qualquer delas, ou se as obras são separadas, e, então, a notificação verbal tem de ser a todas, para que, com a ciência do ato, se abstenham dos atos embargados. 8. Ratificação. Notificação houve, extrajudicial, com os pressupostos legais. Tem o nunciante extrajudicial de, dentro de três dias, requerer a ratificação em juízo, sob pena de cessar o efeito do embargo extrajudicial. Basta a entrada em juízo, dentro do prazo, para que tenha o notificado, ou tenham os notificados, de atender ao embargo. Se o juiz demorou o despacho, e não houve culpa do requerente, a eficácia continua. 9. Legitimação ativa pelo direito real ou pela posse. Se o direito real, domínio ou direito real limitado com a posse, e atingido pela edificação, por outrem, em imóvel vizinho, existe, o titular é legitimado ativo. Idem, quem não é dono do imóvel, nem tem direito real com posse, mas tem posse. O prejuízo pode ser às terras, às construções, a represas, a cercas ou muros, a instalações elétricas ou telefônicas e a servidões, ou, mesmo, a algum fim a que o imóvel é destinado. Pergunta-se é legitimado ativo quem tem posse mediata mesmo se não é posse própria? A resposta há de ser afirmativa, porque o seu interesse é de quem possui e semelhante ao de quem é dono e não tem posse imediata. Outra pergunta jo pré-contraente comprador que registrou o negócio jurídico é legitimado ativo? Uma vez que a eficácia é erga omnes, não se lhe pode negar a legitimação ativa. Dá-se o mesmo se o pré-contrato é de locação e já foi registrado. Há promessa de posse com eficácia quanto a todos, e, pois, quanto a vizinhos. 10. Condomínio ou outra co-propriedade. Em caso de condomínio, ou de co-uso, ou de co-usufruto, ou de coenfiteuse, ou outra comunhão de direito real, o comuneiro pode ir à nunciação de obra nova para impedir que outro, ou outros, ou os outros prejudiquem o que é comum a todos ou a parte divisa. O prejuízo pode ser às partes indivisas, ou à parte divisa, ou a partes divisas.
11. Município. Se algum particular, pessoa física ou jurídica, vai construir ou destruir, em contravenção da lei, ou de regulamento, ou de postura, cabe a ação de nunciação de obra nova exercível pelo Município, mesmo se a nunciada é a União, Estado Federado, o Distrito Federal, Território ou outro Município.
§ 69. Medidas aplicáveis e processo
1. Embargo da obra. O embargo é para se não continuar na construção, ou na demolição, porque o edictum nuntiationis novi operis em prohibitio, ne quid in futurum in re praesenti fiat, como se veio sempre a repetir, desde os mais velhos juristas, através de Antônio Cardoso do Amaral (Summa seu Praxis ludicum, verbo “Nunciatio”, nº 1) e Manuel Álvares Ferreira (De Novorum Operarum Aedificationibus Nuntiationibus, II, L. 4, D. 1, nº 4). Não importa que o autor não tenha razão: ao nunciado cabe atender ao mandado do juiz. Não se precisa recorrer a argumentos para fundamentar esse dever, não estando completa a cognição do juiz; supérfluo, pois, estar-se a dizer, com os velhos juristas que, “ln dubio praesumitur nuntiatio iuste, riteque facta”, e falso, porque, se a presunção fosse a base, se cairia na afirmação de se poder prosseguir, sabendo-ser injusta: se prossegue, obra-se a risco próprio. E assim é que se hão de entender as frases de Agostinho Barbosa e do Padre Batista Fragoso, no século XVII (Regiminis Reipublicae, 1, L. 7, D. 21, nº 18). Embargada a obra, só mandado judicial do mesmo juiz ou da instância ad quem pode levantar o embargo. A evidência da sem-razão somente pode ser apreciada a final. A caução não ésuspensão do embargo; é substituto do seu efeito.
2. Auto de embargo. No auto de embargo tem-se de pedir que seja demolido o que se nuncia, ou reconstruído. A obra nova compreende a edificação e a demolição, toda mudança de status quo. 3. Pedidos do nunciante. Os pedidos podem ser quatro: a) o específico da ação de nunciação de obra nova, que é o embargo da obra (ação de mandamento); b) o de demolição, ou reconstrução, que faz parte da ação de nunciação de obra nova, como ação executiva sem adiantamento da prestação jurisdicional; c) o de cominação de pena, no caso de transgressão do preceito; d) o de indenização de perdas e danos que a obra embargada causara. O pedido c) é sanção normal do pedido a). Os pedidos e) e d) podem ser cumulados. O art. 936, 1, do Código de Processo Civil, misturou o embargo, que antes pusemos na letra o); por sua especificidade, e a decisão final quanto à reconstrução, a modificação, ou a demolição, assunto da letra b). Depois, frisou os dois outros pedidos, que são e) e d). O pedido de indenização é cumulado. Não se entende implícíto no pedido de cominação de pena. A ação de nunciação de obra pode ser julgada improcedente, sem que o seja a de indenização (Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, 16 de abril de 1951, J de 1951, 230), e vice-versa. Se a obra foi contratada por administração, a responsabilidade do dono da obra é solidária com a do construtor (Supremo Tribunal Federal, 25 de janeiro de 1951, RF 146/126). 4. Apreensão e depósito de materiais e produtos retirados. Se vai haver demolição, ou corte de madeiras, ou extração de minérios, ou algo semelhante, pode o autor incluir no pedido a apreensão e depósito dos materiais e produtos retirados. Não importa a quem pertencem esses materiais ou esses produtos, porque se incluem na avaliação das indenizações, quer para se saber qual o prejuízo que ao nunciante adviera, ou adveio, ou qual ou quanto que se há de abater ao que o nunciado há de prestar como indenização. 5. Notificações e intimações. O construtor que foi notificado tem de ser intimado pelo oficial de justiça, porque assim se ratifica a notificação. Os operários também intimados (cf. L. 1, § 5, D., de operis novi nuntiatione, 3ª, 1; outrossim, L. 5, L. 10 e L. 11). No Código de Processo Civil de 1939, falava-se de notificação ao dono da obra e construtor, se presentes, e de “ciência aos operários encontrados”, o que exprobrávamos. Tinha-se de notificar ou de intimar. O Código de 1973: (art. 938) preferiu: intimação; porque notificação já houvera quanto ao nunciado,
ou, na sua falta, a do construtor. No estado atual, há a notificação seguida do auto do art. 938, eventualmente a troca de fotografias, e depois a citação do dono da obra, que pode estar ou não estar presente. Não importa: a origem do instituto só exige a nunciação in re praesen ti, na presença da coisa. A citação obedece aos princípios comuns. O “proprietário”, a que se refere o art. 938, in fine, équalquer titular do direito à nunciação. Propretário, dono ou titular de direito real limitado, ou possuidor, o que melhor se diz no art. 934. Tem de ser citado para contestar, mesmo se foi notificado.
6. Estado da obra embargada. O estado da obra embargada tem importância: a) porque é preciso haver começado e não estar terminada; b) porque por seu estado é que se sabe se houve, ou se pode haver, prejuízo ao autor; c) porque, se é reedificação da obra antiga sem lhe mudar a forma (secundum pristinum statum), não cabe a nunciação de obra nova (Antônio Cardoso do Amaral, Summa seu Praxis ludicum, verbo “Nunciatio” nº 3; Manuel Gonçalves da Silva, Commentaria, III, 159; Repertório das Ordena ções, verbis “Obra nova”, III, 3ª2); d) porque o réu mesmo pode precisar de alegar o estado em que se achava a obra quando foi embargada. Exemplo do caso c) está nas reconstruções de cercas divisórias (3º Câmara Civel do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, 12 de junho de 1941, OD 10/423). 7. Justiça ou injustiça da nunciação. O primeiro momento em que o juiz tem de verificar a justiça ou a injustiça da nunciação é o momento da diligência, a que o juiz pode estar presente (historicamente, o substituto da parte). Quando se lê, em Manuel Álvares Ferreira (L. V, d, 2, nº 44; VI, d, 5, nº 14), e no próprio Manuel Gonçalves da Silva (Commentaria, III, 163), que a contestação cria situação nova, isso resulta de não ter sido pedida, antes, a demolição; e persiste na mente dos dois juristas a época em que o nunciado, recebendo a pedra, podia atentar, se imediatamente (reminiscência das duas defesas próprias). Assim, até o momento de se assinar o auto, podem os notificados expor o seu direito, inclusive oferecendo documentos, que devem constar, em menção, do auto; e intervir para que dele também constem pormenores do estado da obra, que lhes interessem. As duas cognições — a provisória e a completa — são típicas da nunciação de obra nova. O antigo direito limitava aquela a três meses, ligando a ela a caução de opere demoliendo, e sem razào plausível. Aliás, o Desembargo do Paço já admitia a caução dentro dos três meses, atendendo, em parte, às reclamações, pois que Manuel Alvares Ferreira (L. V, d. 2, nº 25) já pretendia introduzi-la em muitos casos. Manuel de Almeida e Sousa (Tratado dos Interditos, 95), sempre prático, advertia: “A melhor providência que podem ter os nunciados (deixando de recorrer ao tribunal, que manda informar, ouvida a parte, e em tanto passam os três meses) é, deixando-se de cotas, contestar logo os artigos de nunciação e requerer que o nunciante em três meses faça certo o seu direito sob pena de prosseguir a obra com caução”. 8. Auto circunstanciado. A exigência desse auto circunstanciado em que se concretizam o exame e a medição da obra, formando-se a prova em que se baseia a primeira cognição do juiz, provém de M. A. Coelho da Rocha (Instituições, II, § 606, 475). Passada a diligência e lavrado ou intimadas as pessoas, mandado na sentença final, ao nunciante. Pode haver a o auto para que foram notificadas o juiz somente pode cassar o seu com a cognição completa contrária caução (art. 940). 9. Estado da obra. Realizada a diligência, o auto prova o estado da obra. Já existe o processo, a relação juridica processual; não se estabeleceu, ainda, a relação jurídica processual em ângulo, se não foi o sujeito passivo (e. g., foi o construtor, e não o dono da obra). Essa angularidade da relação nasce com a citação do dono da obra. Dono da obra não é sempre o proprietário; pode ser, e. g., o usufrutuário, o locatário. A legitimação passiva depende da fonte das instruções para fazer a obra. Naturalmente, a regra jurídica sobre nomeação da autoria (nominatio auctoris) é aplicável.
10. Rito processual da nunciação. A consequência dos arts. 935 ou 936, 937 e 938, in fine, é que, feita a diligência da verificação do estado da obra e citado o réu, a relação jurídica processual em ângulo está formada, com os efeitos que foram assunto dos arts. 266, 219, § 1º, e 264. É então que se produz a litispendência. Nenhum poder, até a sentença, tem o juiz para suspender o embargo (caução é substituição do efeito). No direito anterior a 1939, o processo era sumário e devia terminar em três meses.
11. Pretensão a afirmar o contrário. O réu tem de ser citado para contestar. Não há, portanto, preclusão da pretensão a afirmar o contrário. Pode haver aplicação do art. 453 e §§ 1º, 2º e 3º. 12. Pluralidade de legitimados passivos. Se a obra é de duas ou mais pessoas, que são legitimados passivos, a propositura da ação contra uma atinge as outras, posto que não se haja inserto no Código de Processo Civil de 1973 o que estava no art. 341 do Código de 1939. Salvo, compreende-se, se uma das obras éseparável, porque, então, há, para a nunciação, pluralidade das obras, e seria necessária a relação jurídica de responsabilidade, que, na hipótese, não existe. Se a obra é uma só, a despeito de cada um dos legitimados passivos ter chamado a si a execução, ou ter-se encarregado dela, então, a notificação e a citação de um basta. Feita a diligência de verificação do estado da obra, citado o demandado e findo o prazo legal, quer haja contestação, quer não, o processo com a relação juridica processual em ângulo, tem o rito ordinário, e nenhum poder tem o juiz, até a sentença, para suspender o embargo (a caução, se ocorreu, substituiu o efeito).
13. Eficácia sentencial. A eficácia preponderante da sentença favorável na ação de nunciação de obra nova, se só se manda que pare a obra, ou não se inicie, é mandamental; se decreta a demolição do que se edificou, ou a restauração do que se destruiu, a eficácia executiva é que prepondera, vindo depois a condenatória (4) e a mandamental (3). Atenda-se que, uma vez feita a cominação do preceito, a sentença é condenatória eventual, e, quanto à indenização, executiva-condenatória, Há a solidariedade processual, ainda que não exista em direito material. É preciso, porém, que se trate de obra pro indiviso — conceito diferente de comunhão pro diviso do futuro prédio. Na feitura da casa de apartamentos, a obra e comum e pro indiviso (há donos da mesma obra), posto que os donos da obra venham a ser, depois, donos de apartamentos. Ainda depois da comunhão pro diviso dos apartamentos há parte pro indiviso do prédio que permite a solidariedade processual. O direito de regresso há de existir quanto ao que o réu pagou, em virtude de condenação, de despesas e de custas. Cabe-lhe esse direito, ainda que seja vencedor, pelas despesas que sofreu. O nunciado pode deixar de litisdenunciar, mas a omissão não lhe atinge o direito de regresso. Só esse direito independe da litisdenunciação. Sem essa, o que deveria ser litisdenunciado e não foi não está obrigado a admitir como eficaz a sentença em tudo mais que se refere às suas relações com a parte. 14. Pluralidade subjetivo ativa. A pluralidade subjetiva ativa estabelece solidariedade, atenuada pela limitação do quanto levantável. A cumulação subjetiva (litisconsórcio ativo, ai, é como em demanda comum, devendo seguir o mesmo curso os processos incoados — o litisconsórcio é necessário, com a representação eventual de todos (menos um) por um. O requerimento para que se levantem as quotas é ato de comunicação de vontade de cada um, e não constitui ação de execução de sentença, mas apenas expediente do juiz da sentença que condenou à multa ou à indenização. A própria sentença, na ação de perdas e danos, é de força executiva, e não só de efeito, de modo que não se precisa de actio iudicati. 15. Se não foi contestado o pedido. Na ação de nunciação de obra nova, se o demandado não contesta, presumem-se admitidos por ele os fatos alegados pelo autor, sem ser preciso que conste do mandado essa presunção para o caso de não advir contestação (art. 285), nem que haja revelia (art. 319). O juiz julga no prazo de cinco dias (art. 803). 16. Relevância da remissão. A remissão ao art. 803 estabelece a presunção da veridicidade dos fatos alegados
pelo autor se não houve contestação. Nenhum outro pressuposto se exige. O que se teve por fato foi o igual tratamento na ação de nunciação de obra nova e nas ações de medida cautelar.
17. Caução pelo nunciado. A caução não depende, hoje, de ter transcorrido determinado tempo, como seria antes de 1939. Permite-se, a qualquer tempo, o requerimento de continuação da obra, prestada a caução. Portanto, no momento mesmo em que se ultima o auto (não durante, nem antes). Não importa o grau de jurísdição, ainda se já pendente recurso extraordinário. Mas ~a própria sentença favorável, recorrida, da ação rescisória não lho permite, porque seria fora da causa? A resposta tem de ser a permissiva da caução, não porque a sentença rescindida já esteja desconstituida, e sim porque a falta de completitude de cognição, nos casos de se querer a continuação da obra e no caso da sentença rescindente ainda sujeita a recurso, se equivalem. 18. Objeto da caução. A caução é de demolir, ou de construir, devendo abranger os gastos de demolição e de construção, os prejuízos desde a obra nova até ultimação dos trabalhos demolitórios ou construtivos.
19. Prejuízo causado e caução. Na apreciação de prejuízo, de modo nenhum se levam em conta alegação e prova da “injustiça da nunciação”, erro em que incorreu Antônio Joaquim Ribas (Da Posse, 305, nota 27). Citou ele o Alvará de 24 de julho de 1713, que não diz isso (10: “Licença para se continuarem algumas obras, que fossem embargadas, com a caução de opere demoliendo”). Nem o Repertório das Ordenações (1, 80) o poderia ajudar. O Repertório fala de não se aplicar a pena “si constiterit evidenter de iniustitia et malitia nuntiantis”, mas isso, que o Repertório tirou de Graciano e de Manuel Mendes de Castro nada tem com a caução; refere-se à cognição final. Ao próprio Antônio Joaquim Ribas, que cita Pascoal Meio Freire, bastaria ler esse (Institutiones, II, 80). ~Donde vem o erro de Antônio Joaquim Ribas? De confundir a suspensão da diligência do embargo, se o notificado faz, ali mesmo, a prova da injustiça, e a suspensão de efeito do embargo, mediante o substitutivo da caução. E isso o que está em Antônio Cardoso do Amaral e em Manuel Gonçalves da Silva (Commentaria, III, 161).
20. Continuação da obra e do processo. Tomada a caução, a obra pode continuar, e o processo prossegue. Joaquim Inácio Ramalho (Praxe Brasileira, 447) disse que “pode o nunciado, antes de contestar ou contrariar, requerer vistoria na obra para ser logo desembargada; e, se pelo exame for evidente que se requereu o embargo por emulação, manda-se passar mandado de levantamento, julgando-se por sentença a vistoria; sendo-lhe, porém, duvidosa a justiça, manda-se continuar o processo”. Citou Antônio Gomes e Manuel Gonçalves da Silva (Commentaria, III, 161, 162). Porém essa interpretação do texto de Manuel Gonçalves da Silva (que está no Livro III, Título 78, § 4, nº 42-46) já perdeu qualquer valor: primeiro, porque a caução, hoje, se pode prestar a qualquer tempo, não havendo mais o interstício de três meses; segundo, a diligência do embargo da obra nova compreende, o art. 938, lavrar o auto, com força probatória material, que só a cognição em processo ordinário pode destruir, razão por que se faz ordinário o processo. E verdade que Antônio Gomes, o jurista português, professor em Salamanca, atacou o velho direito, que fechava a porta à caução nesses três meses, e rompeu-a (Opus super legibus Tauri, L. 46, nº5 34 e 36) com ataque à prova, nos três meses (cp. Antônio Cardoso do Amaral, .Summa seu Praxis ludicum, nº 8, e Manuel Gonçalves da Silva, Commentaria, III, 161: “si vero qui aedificat, vult satisdare, et nunciator non vult recipere satisdationem, nec se offert aliquid probare, per quod opus bene impeditum fuisse demonstret; tunc statim nuntiatus poterit aedificare, non elapsis tribus mensibus; et in istis casibus iura antiqua manent incorrecta”). Como se vê, a tal vistoria, antes de contestar, foi engano de Joaquim Inácio Ramalho, sem base em Manuel Gonçalves da Silva; menos ainda Antônio Gomes. O “non elapso tempore trium mensium” significava não-terminado o prazo de três meses (Ordenações Pilipinas, Livro 1, Titulo 68, § 42: “...sem seguir a demanda”, ou “deixar de falar a ela três meses inteiros”). O que escusava de demolir ou de construir era algum ato de contraditório (Manuel Gonçalves da Silva, Commentaria, III, 162): “si constet de maIo iure nuntiantis, et bono iure nunciati notorie, et clare per instrumentum indubitabile, vel confessionem partis in iudicio factam, aut rem iudicatam, vel per accessum ad locum, et per evidentiam facti”. A lição era de Antônio Gomes, porém nada tinha com a permissão de se atender ao réu antes de o autor prosseguir. Tanto assim que, ainda nos casos de notoriedade da injustiça na nunciação, sobre esse ponto devia decidir o juiz, citada a parte, conforme explicou Manuel Gonçalves da Silva:
et super ilIo debet procedere iudicis declaratio, citata parte, qui attento maIo iure nuntiantis notorio et claro, remittat nuntiationem”.
21.Regulamentos administrativos. Se a nunciação coincide com a proibição de obra em virtude de lei de direito administrativo, ou de alguma redação legal de direito privado, a caução há de ser afastada, porque haveria infringência de lei no próprio ato do juiz que permitisse o prosseguimento mediante caução. Dá-se o mesmo se a obra era demolitória ou modificativa, e com isso se ofenderia regulamento administrativo ou outra regra jurídica cogente.
Capítulo XVIII Outras ações executivas
§ 70. Ações executivas
1. Referência. Seria imprudência dar o número das ações executivas. Temos apenas de referir as que mais se usam. Aqui, mostramos algumas delas, sem desenvolver dissertação em tomo de cada uma. O que importa é que se conheçam, a fundo, as classes das ações, livrando os que estudam direito, no Brasil, das defeituosas, e até mesmo repudiáveis, classificações dos juristas estrangeiros. 2.Direito processual e direito material. O direito material éque vem em primeiro plano, posto que haja ações que o direito processual criou, como a ação de embargos do devedor e a ação rescisória de sentença e de outras decisões.
3.Ação de cobrança de determinadas dívidas. Por vezes, o legislador, atendendo ao interesse público, atribui executividade a algumas ações, que, sem isso, seriam, por exemplo, ações condenatórias. Uma vez que em lei se atribui a executividade a algum titulo, é o que acontece, por exemplo, com a letra de câmbio, a nota promissória, a duplicata, a debênture, o cheque; a escritura pública ou outro documento público, assinado pelo devedor; o documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas; o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública ou pelos advogados dos transatores; os contratos de hipoteca, de penhor, de anticrese e de caução, bem como de seguro de vida e de acidentes pessoais de que resulte morte ou incapacidade; o crédito decorrente de foro, laudêmio, aluguel, ou renda de imóvel, bem como encargo de condomínio, desde que comprovado por contrato escrito; o crédito de serventuário de justiça, de perito, de intérprete, ou de tradutor, quando as custas, emolumentos ou honorários forem aprovados por decisão judicial; a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, de Estado Federado, do Distrito Federal, de Território, ou de Município, correspondente aos créditos inscritos na forma da lei; todos os demais títulos, a que, em regra jurídica expressa, a lei atribui força executiva (Código de Processo Civil de 1973, art. 585, 1-Vil). Aí estão as ações executivas de títulos extrajudiciais. Mas a parte final refere-se a outras leis. Por exemplo: a Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965, no art. 75, estatui que “o contrato de câmbio, desde que protestado por oficial competente para o protesto de títulos, constitui instrumento bastante para requerer a ação executiva”, e, mais, no § 2º, que, “pelo mesmo rito, serão processadas as ações, para cobrança dos adiantamentos feitos pelas instituições financeiras aos exportadores, por conta do valor do contrato de câmbio, desde que as importâncias correspondentes estejam averbadas no contrato, com anuência do vendedor”. O art. 1.218 do Código de Processo Civil de 1973 é de relevância, porque remete ao Código de 1939, textos que incluem ações executivas, e. g., arts. 655-674.
§ 71. Eficácia executiva imediata
1.Distinção. A despeito de ser no mesmo processo e, portanto, na mesma sentença, qualquer que seja a sua força eficacial, a executividade imediata, sem se poder pensar em necessidade da propositura de outra ação, cumpre que se não confundam com as sentenças que são executivas (5 de executividade) as sentenças que apenas tenham 4 de executividade. As que têm 3 levam à necessidade de outra ação. Há ações declarativas de cujas sentenças favoráveis resulta, desde logo, a execução. São ações de 5 de declaratividade e 4 de executividade: a ação de habilitação em inventário e partilha, a ação de habilitação incidente se tem saisina o sucessor, a ação de habilitação de herdeiros. Não é fácil ocorrer tal peso de eficácia executiva de sentenças declarativas. E preciso que a 5 de declaratividade se some o peso 4 de executividade. 2. Ações constitutivas, mandamentais e condenatárias. Pensemos agora em ações constitutivas que têm 4 de executividade, o que fez se executar desde logo o que corresponde ao elemento executivo: a ação de alimentos provisionais, a ação de resolução de concordata (sentença completa), a ação de anulação com (eventual) cumulação de ação de restituição, a ação de decretação de nulidade, e ação de arrematação, a ação de decretação de abertura de falência, a ação de separação consensual, a ação rescisória de sentença executiva. Passemos às ações condenatórias. São elas as ações em que, de regra, somente há 3 de executividade. Quem fala de ação executiva quasempre supõe ter sido condenado o devedor, ou terem-se colado as duas ações, a de conhecimento e a de execução, como acontece com as ações executivas de títulos extrajudiciais. Há, porém, ações condenatórias com 4 de executividade: a ação de resposta à imprensa e as ações penais. As ações mandamentais, em que a executividade é 4, são raras: ação de entrega de objetos próprios, ação de posse em nome do nascituro. As ações executivas quasempre procedem de sentenças condenatórias que têm 3 de executividade.