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Pão da Solidariedade

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ANGOLA

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Fome de justiça e de pão. Este é o título do “podcast” produzido pela Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil em vista da Campanha da Fraternidade 2023, que traz o tema “Fraternidade e Fome” e propõe o lema “Dai-lhes vós mesmos de comer”

(Mt 14,16). A série de entrevistas, produzidas por Frei Gustavo Wayand Medella, vai ouvir diferentes vozes de especialistas e conhecedores da questão com o objetivo de proporcionar o aprofundamento dos ouvintes na reflexão da temática da fome. Os episódios serão lançados semanalmente no Spotify.

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Dentre as temáticas abordadas estarão a questão da segurança alimentar, o compromisso cristão na superação da fome, o sentido do alimento e da alimentação na tradição cristã e franciscana, os modelos e propostas de combate à fome no Brasil, as obrigações do poder público e dos organismos oficiais nesta área, entre outras.

O primeiro entrevistado foi o Subsecretário Geral para as Campanhas da CNBB, Padre Patriky Samuel Batista, que faz uma apresentação geral da proposta e do tema da CF 2023.

Nesta entrevista, destacamos o segundo entrevis- tado, Frei José Francisco de Cassia dos Santos, diretor-presidente do Serviço Franciscano de Solidariedade (SEFRAS), que atua diretamente com ações de combate à fome.

Comunicações - Gostaria de começar esta conversa sobre o lema da Campanha da Fraternidade: ‘Dai-lhe vós mesmos de comer!’ (Mt 14,16). É um versículo do Evangelho de São Mateus. É uma ordem de Jesus muito expressa e direta a seus apóstolos no episódio da multiplicação dos pães. Frei José, de que maneira nós, os cristãos de hoje, devemos acolher esta ordem que vem do próprio Jesus?

Frei José - É um imperativo moral muito forte. Relaciono esse imperativo com a citação do Livro do Gênesis, onde Caim matou Abel, e depois Deus interpela Caim perguntando sobre seu irmão e ele responde: “Por acaso, eu sou o guarda do meu irmão?”. Levando em consideração que todo o projeto de Jesus revelou um rosto de Deus que é Pai e se Deus é Pai e pai de todos nós, somos todos irmãos, e o grande desafio nosso é restituir ou construir essa fraternidade que muitas vezes está fragilizada, mais ainda numa perspectiva da violência do que da paz. Então, penso que a nós, que somos limitados e pobres discípulos do Senhor, cabe olhar um pouco os gestos de Jesus e dos discípulos naquele momento conforme a citação. Penso que perceber que as pessoas têm necessidade – os discípulos perceberam isso – é o imperativo de Jesus e que eles mesmos poderiam providenciar o que era necessário. Então, perceber a necessidade, partilhar o que temos, é o que nos interpela e nos chama a atenção.

Comunicações - Dentre as muitas causas da fome no Brasil, quais delas você considera mais graves e difíceis de serem combatidas ou de serem superadas?

Frei José - O Brasil está entre os maiores produtores de alimentos do mundo. E aí os dados da Campanha da Fraternidade são muito importantes para ajudar a cada um de nós, enquanto Igreja, entender o que está acontecendo: a metade dos brasileiros está em insegurança alimentar. O que significa falar de insegurança alimentar? Significa que as pessoas não têm as refeições, as alimentações diárias garantidas e quando têm também falta a qualidade nutricional que é necessária. A insegurança alimentar pode ser classificada em nível leve, médio e grave. E quando falamos de grave estamos falando de pessoas que seriam os 33 milhões de brasileiros que passam fome, ou seja, que não têm exatamente o que comer. Isso nos faz perguntar por que o Brasil é um dos maiores produtores de alimentos no mundo e temos essa multidão de pessoas passando fome? Por um lado, a gente tem um desemprego altíssimo e as pessoas estão sem renda. Por outro lado, a comida se tornou bastante cara. Subiu muito o preço da alimentação. Nós podemos perceber, por exemplo, que um pacote de arroz dobrou de preço em pouco tempo. Então, se não tem renda, não se tem acesso à comida. Outro fator é que ela entra na lógica de mercado e vira simplesmente uma mercadoria que vai ser avaliada pela demanda, quer dizer, gera também uma competição no mercado, porque hoje, no Brasil, a comida virou commodities de produto de exportação. Então, a produção para vender o produto no mercado internacional também é um desafio. A gente tem aspectos econômicos, sociais, políticos, que estão muito implicados na questão da fome.

Comunicações - Frei José, além do socorro imediato das pessoas famintas, que outros tipos de atividades a Igreja pode organizar e propor para combater o drama da fome?

Frei José - Com a pandemia, a questão da fome foi se acentuando e nos questionou como poderíamos responder a ela. E, com isso, a gente acabou desenvolvendo um projeto que estamos chamando de “Pão da Solidariedade”, que é esse socorro imediato, como você falou, das pessoas com fome. E olhando para a realidade eclesial, agora da Campanha da Fraternidade, e andando pelas comunidades, partilhando e debatendo sobre esse tema, a gente entende que há uma grande sensibilidade no momento em que vivemos para a questão fome e há muita gente envolvida nisso. É um mutirão muito grande do ponto de vista eclesial, sem falar as outras inúmeras iniciativas que também vêm de outras igrejas, grupos religiosos e também comunidades, condomínios. Há muitas iniciativas nesse sentido e é bonito de se ver. Mas eu penso que nós precisamos atuar com muita ênfase nas causas da fome.

Nós, enquanto cristãos, precisamos nos comprometer também em discutir e gerar opinião pública para que possam surgir políticas públicas que deem conta de aplacar esse drama, porque só o Estado tem condição de atender a sociedade de forma universal. As iniciativas das Igrejas são muito importantes. Nesse momento, diria que a Igreja é a maior provedora das necessidades que estamos vivendo, mas por outro lado nós não temos condições de atender essa demanda. É necessário que nos conscientizemos como cristãos, como homens e mulheres de fé, para que, no dia a dia, possamos ter um engajamento na construção de políticas pú- blicas que deem conta de atender aos mais diferentes lugares e situações para saciar a fome, pois não é possível fazer isso sozinho. É preciso também chamar o Poder Público para a sua responsabilidade, para que ele execute as políticas que são necessárias. E o Poder Público, nós sabemos, ele só vai funcionar se a sociedade, se nós enquanto Igreja, tivermos um engajamento para provocar que isso aconteça.

Comunicações - Frei José, nós sabemos que a mesa da refeição é considerada um lugar sagrado. O que significa mesa e o alimento na constituição de uma pessoa e de um povo?

Frei José - Na nossa fé cristã católica, a gente pode falar de comida que vai da nutrição à divindade. A gente pode discutir as questões da alimentação sobre vários aspectos, porque ela perpassa toda nossa vida. Tem um estudo que mostra que nos últimos 5 mil anos da humanidade, três grãos da fome, viraram escravos. Moisés libertou o povo pelo deserto afora procurando a terra com leite e mel, ou seja, uma terra onde pudessem tirar o sustento. E a mesa para nós é o símbolo da nutrição, do encontro, da partilha, mas é também a experiência vivenciada daquilo que nos professamos e acreditamos enquanto fé. Então, a mesa é o espaço pedagógico mais perfeito, espaço daquilo que nós cremos e buscamos vivenciar.

Comunicações - De que maneira o SEFRAS trabalha no combate à fone?

Frei José - Nós sempre, nas nossas casas franciscanas de atendimento, privilegiamos que tivéssemos uma cozinha e um refeitório, levando em consideração toda essa dimensão da mesa eucarística, dessa partilha, dessa construção de vínculos, de tudo isso que gera uma grande espiritualidade. A mesa é um espaço dessa concretização, formam a base de toda a cultura, alimentação e a fé. Se olharmos os asiáticos, mais pelo Oriente, temos o arroz; se olharmos o Oriente Médio e uma parte significativa da África, nós temos o trigo; e na América, temos o milho. Então, arroz, trigo e milho formam a base da alimentação, da cultura e também do culto das várias regiões do mundo. E nós, sobretudo que somos herdeiros de uma evangelização que vem através da migração, das colônias que foram construídas na América Latina, temos o pão como elemento fundamental e o nosso culto é à mesa. Jesus nos deixou o memorial da Paixão do Senhor numa Ceia. Se a gente olhar bem a história, toda a construção dos nossos antepassados, na perspectiva da tradição bíblica do povo, as coisas estão muito ligadas, estão presentes. O que fez com que o povo fosse parar no Egito, e tornasse ali escravo, foi a fome. Eles foram atrás do celeiro do faraó para conseguir a comida. Por causa dessa espiritualidade. A pandemia nos chamou a atenção para que déssemos mais ênfase à demanda de alimentação, que ficou maior que as outras demandas em outros trabalhos. E tem se tornado cada vez mais um investimento pedagógico de superação da fome que se expressa na fome material, de saciar o estomago, mas de outras fomes. As pessoas que vivem de doações sentem-se humilhadas. Nesse tempo de pandemia, as pessoas nos procuraram na fila da distribuição de comida, quase que pedindo desculpa porque precisam de uma marmita. Com o Auxílio Emergencial do governo preferem pagar o aluguel para não ir para a rua, mas não sobra o que comer. Dar às pessoas acesso ao alimento é o início do caminho de saciar também outras fomes, como espiritualidade, cultura etc. As nossas casas hoje são espaços de acolhimento e cuidado das pessoas, sobretudo na questão da alimentação.

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