apresentação
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ste programa é o produto final de uma série de reuniões e debates que culminou com a realização, nos dias 19 e 20 de julho deste ano, do Seminário de Programa intitulado “Rio, uma cidade para os trabalhadores”. Esse movimento reuniu militantes, intelectuais marxistas e ativistas que, mesmo não estando nas fileiras do partido, se propuseram a construir um programa classista e socialista para subsidiar as candidaturas do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado na cidade do Rio de Janeiro. Sem sombra de dúvida, o presente programa tem uma grande importância para a campanha que o PSTU se propõe a apresentar para a cidade nestas eleições municipais. Esperamos que ele possa servir como referência e instrumento de debate para o conjunto dos trabalhadores da cidade do Rio de Janeiro, assim como para todos os ativistas que acreditam no socialismo como única forma de superar a desigualdade social. A nossa cidade terá, portanto, uma candidatura que não hesitará em apresentar um programa com um claro corte de classe – dos trabalhadores! – que repele qualquer tipo de aliança que ameace os princípios da luta pelo socialismo. É este o programa que será defendido por nossos candidatos a prefeito e a vice-prefeito, Cyro Garcia e Marília Macedo (16), respectivamente, assim como por nossos candidatos a vereador na cidade: Vera Nepomuceno 16123; Julio Anselmo 16016; Daniel Macedo 16007; Brayer Lyra 16001. Deixando de lado ideias e categorias ilusórias como a de “cidadão carioca”, que não faz senão diluir e apagar as reais contradições de classe existentes em nossa cidade, afirmamos claramente que o programa que aqui apresentamos é um programa político feito por trabalhadores e voltado para os trabalhadores. Não é possível “governar para todos”, e há que se escolher um lado. Nós, do PSTU, deixamos aqui nossa opção muito clara: Por um governo dos trabalhadores no Rio de Janeiro! Deixamos aqui o nosso sincero agradecimento aos companheiros Adriano Carmelo, Alessandra Camargo, Alexandre Pessoa, Aline Caldeira, Ana Flávia Seixas, André Vilar, Carlos Martins, Cleber Melo Danilo Firmino, Demian Melo, Felipe Brito, Felipe Demier, Fernanda Pradal, Isis Algott, Kenia Miranda, Marco Pestana, Maristela Abreu, Monica Lins, Mônica Olivar, Patricia Mafra, Patrick Galba, Rejane Hoeveler, Romulo Mattos, Sara Granemmann, Sergio Luis Pereira e Simone Silva, que estiveram envolvidos nesta tarefa levantando dados, elaborando textos, debatendo os temas e expondo os resultados no Seminário, contribuindo, assim, para a elaboração de um programa de classe, de luta e socialista. Agradecemos muito também à Virginia Fontes e a Marcelo Badaró, que aceitaram o convite e participaram da mesa de abertura do Seminário. Direção Municipal do PSTU-RJ Agosto de 2012
Publicação de responsabilidade do PSTU - Rio de Janeiro PARTIDO SOCIALISTA DOS TRABALHADORES UNIFICADO Elaborado para as eleições municipais 2012 rio.pstu.org.br riodejaneiro@pstu.org.br Tels.: 2232 9458 / 8357 0060 Rua da Lapa, 180, sobreloja - Lapa, Rio de Janeiro - RJ
sumário INTRODUÇÃO .................................................................................................. 07 UMA CIDADE PARA O CAPITAL................................................................... Trajetória histórica da segregação socioespacial no Rio de Janeiro. ........................ Anatomia da expropriação, acumulação primitiva, controle e repressão social e valorização do capital no espaço urbano. ............................................................... Moradia segregada para os mais pobres. ................................................................ Remoções de hoje são o higienismo do século XX. ............................................... A questão da moradia em um programa socialista. ................................................ Sobre a questão da “segurança pública”. .................................................................
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UM PROGRAMA SOCIALISTA PARA A SAÚDE PÚBLICA. .................... Sistema Único de Saúde – SUS: do discurso dito socialista à prática capitalista. ... Rio de Janeiro é a capital com pior avaliação no atendimento no SUS. ................. Clínicas da Família: Um modelo de saúde restritivo. ............................................. Unidades de Pronto Atendimento (UPA): Política de Saúde Eleitoreira. .............. Organizações Sociais: O câncer da saúde pública carioca. ..................................... Dinheiro da Saúde para as Organizações Sociais. .................................................. Epidemia de Dengue: De quem é a culpa? ............................................................ Por uma saúde sem opressões. ............................................................................... E onde fica a Saúde do Trabalhador? ..................................................................... Um programa socialista para a saúde da classe trabalhadora. .................................
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UM PROGRAMA SOCIALISTA PARA A QUESTÃO AMBIENTAL: POR UM GOVERNO SOCIALISTA DOS TRABALHADORES QUE ENFRENTE AS EMPRESAS POLUIDORAS E A LÓGICA DESTRUTIVA DO CAPITAL! ......................................................................... O capital coloca em risco o planeta e a humanidade. ............................................. Qual a razão de fundo dos problemas ambientais? ................................................ A lógica destrutiva do capital. ...............................................................................
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Conferências ambientais e Rio +20: O fracasso insustentável do desenvolvimento sustentável “Eco-capitalista”. ................................................................................. A política das soluções individuais e pontuais: Governos, empresários e “ecocapitalistas” unidos para jogar a responsabilidade no povo trabalhador. ........... O “Ecocapitalismo” de PV e congêneres: Verdes no discurso para dar cobertura a destruição capitalista do meio ambiente na prática. .............................................. Saúde, Saúde do Trabalhador e Meio Ambiente. ................................................... O Rio de Janeiro dos Megaprojetos – A natureza ameaçada pelo capital. ............. Programa municipal de redução de emissões: Uma farsa anunciada por Eduardo Paes! .. O problema do lixo urbano e da reciclagem. .......................................................... Um Programa ambiental classista e socialista. ....................................................... UM PROGRAMA SOCIALISTA PARA A EDUCAÇÃO PÚBLICA. .......... Rio de Janeiro tem dinheiro pra empresário, mas não tem pra educação. .............. Projetos de desmonte da educação pública no Rio de Janeiro. .............................. Ginásio Carioca. .................................................................................................... Escolas do Amanhã. .............................................................................................. Autonomia Carioca. .............................................................................................. O desmonte da educação especial. ......................................................................... Educação infantil. .................................................................................................. Rede pública e rede privada. .................................................................................. Um programa na defesa da educação para os trabalhadores. .................................. Programa para os profissionais de educação do município do Rio de Janeiro. ....... Somos todos iguais porque somos todos diferentes. .............................................. Educação e o combate à homofobia. .....................................................................
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UM PROGRAMA SOCIALISTA PARA A ARTE E A CULTURA CARIOCA. ........................................................................................................... 56 A gente não quer só comida!. ................................................................................. 56 O RIO PARA OS TRABALHADORES É UMA CIDADE QUE COMBATE A HOMOFOBIA!. ......................................................................... O que o Governo PMDB/PT significou para os direitos LGBT’s?. ...................... Violência homofóbica e criminalização da homofobia. .......................................... Trabalho e emprego. .............................................................................................. Assistência social. .................................................................................................. Direitos civis. .........................................................................................................
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Cyro Garcia em ato contra as privatizações em 1998: Um trabalhador que nunca mudou de lado
introdução Nas páginas que se seguem apresentamos uma análise sobre os principais temas da cidade e um conjunto de proposta que julgamos necessário para resolver de fato os principais problemas que atingem a classe trabalhadora de nossa cidade.
É importante reafirmar que estamos apresentando um programa para uma cidade, mas o projeto socialista não se restringe a uma cidade, nem mesmo a um país. O socialismo é um projeto para a humanidade.
Tampouco acreditamos que será no Porém faz-se necessário dizer que, plano das eleições que se dará o processo para que as propostas aqui apresentadas de transformação da sociedade. Qualquer nas partes temáticas do nosso programa mudança consistente, contrária à ampliação possam ter alguma viabilidade concreta, é do capital e à exploração do trabalho, só se vital que uma prefeitura dos trabalhadores concretizará se for empunhada como bandeira não pague a dívida do município com os das lutas dos movimentos organizados de bancos e grandes capitalistas, os quais se trabalhadores. apropriam privadamente de enorme parcela do orçamento estatal, impossibilitando No momento em que finalizamos esse efetivas políticas públicas nas áreas de saúde, programa, o funcionalismo federal realiza habitação, educação etc. Do mesmo modo, uma das maiores greves de sua história. uma prefeitura dos trabalhadores não deve Usaremos nossos horários eleitorais para respeitar a Lei de Responsabilidade Fiscal que, apoiar essa heroica batalha de nossa classe. na verdade, é uma lei de irresponsabilidade social, pois garante que grande parte da Se a eleição é uma trincheira de luta, verba que poderia ser investida nas políticas vamos a ela! públicas seja destinada justamente ao pagamento da dívida estatal com os mesmos banqueiros e grandes capitalistas.
uma cidade para o capital Em uma sociedade capitalista, o espaço urbano é constantemente pressionado pelas classes dominantes e seus representantes políticos envolvidos com as diversas esferas do Estado a funcionar como suporte para a acumulação/ reprodução de capital e a busca incessante pelo lucro. Dado o fato de que, constantemente, alteram-se as condições dessa acumulação/reprodução do capital, frequentemente emergem contradições entre a configuração das cidades e as necessidades dos capitalistas e suas empresas. Nos últimos anos, o Rio de Janeiro tem atravessado um período de aceleradas transformações em sua organização interna, as quais têm justamente como objetivo principal adequar o espaço e a estrutura urbanas às demandas do padrão de acumulação/reprodução de capitais atualmente predominante. Grosso modo, trata-se de dotar a cidade e sua administração de feições e características típicas das organizações empresariais, de forma a reproduzir as práticas e relações típicas do mercado capitalista, assim como de dotá-la dos mecanismos securitários que assegurem esse projeto de cidade – afastando, controlando, encarcerando ou eliminando os indesejáveis. Tais mecanismos incidem de forma seletiva sobre as diferentes partes da cidade e são dotados de maior ou menor nível de armamento e grau de violência visível. A manutenção da “ordem pública” é garantida pelo galopante policiamento das ruas da cidade pela guarda municipal dotada
de competências ampliadas. No entanto, a política mortífera de segurança segue em pleno vapor, seja de forma explícita nas áreas mais distantes do eixo central da cidade, seja de forma escamoteada pela implantação de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Nesse sentido, a cidade como um todo é organizada e apresentada tal qual uma empresa, que deve maximizar seus atrativos a fim de disputar, contra outras cidades-empresa, uma gama de recursos e investimentos por parte de grandes corporações, agências internacionais, instituições de financiamento, entre outros agentes. Exemplo disso são os constantes esforços para atrair grandes companhias multinacionais para o território carioca – sempre conduzidos em nome da “geração de empregos” e “dinamização da economia local”, resultados que, frequentemente, não se concretizam –, mesmo que à custa da cessão de valiosos terrenos de propriedade da prefeitura e da abdicação do recolhimento de tributos que poderiam ser diretamente investidos na saúde e na educação públicas, na moradia e transporte de qualidade para a maioria da população, por exemplo. A gestão empresarial da cidade, entretanto, não se limita a alterar a relação do poder público com o espaço urbano, tendo por objetivo fornecer melhores condições para a acumulação/reprodução de capital. Em muitos casos, a iniciativa privada é chamada a intervir mais diretamente, seja financiando políticas de segurança pública – como a instalação de UPPs
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e programas municipais vinculados a ela, a UPP Social – seja na organização de espaços até então públicos, como é o caso, por exemplo, do projeto Porto Maravilha, que concede poderes virtualmente ilimitados a um consórcio de companhias privadas para gerir toda a região portuária. Para viabilizar essas e outras diversas formas de valorização do capital, que podem partir da mercantilização do próprio espaço urbano, ou utilizálo como suporte para outras atividades, a Prefeitura – em ampla associação aos governos estadual e federal (todos estruturados politicamente pela aliança PTPMDB) – tem se utilizado de diversos mecanismos, que agora delineamos rapidamente (uma vez que serão abordados em seus pormenores em seções específicas desse texto). Em primeiro lugar, cabe destacar que a administração do atual prefeito Eduardo Paes em seu primeiro ano de mandato, propôs e logrou a criação da autarquia Guarda Municipal, de administração indireta da Prefeitura, modificando a organização da guarda municipal e ampliando suas competências. Essa iniciativa transformou a guarda em colaboradora das forças de segurança e dotou-a de poder de polícia, transformando-a em mais uma forca de vigilância do espaço “público”.1 1 Art. 2, inciso XII e XIII, Lei Complementar nº 100 de 15 de outubro de 2009. Vale destacar que tramita no Congresso Nacional, desde 2002, a PEC 534, proposta pelo PT e apoiada
A atuação do chamado “Choque de Ordem” ocorre nesse contexto de ampliação de competências da Guarda Municipal no Rio de Janeiro. Pedra de toque recente da administração do atual prefeito Eduardo Paes, essa política pública repressiva – inspirada no reacionário projeto “Tolerância Zero” implementado por Rudolph Giuliani na Prefeitura de Nova York –, se destina ao combate à chamada “desordem” presente no espaço urbano, identificada como uma das principais mazelas da cidade. Em termos práticos, o que se observa é a atuação do aparato estatal – tanto por meio dos agentes da Secretaria de Ordem Pública (SEOP), inovação administrativa de Eduardo Paes, quanto da Guarda Municipal – para a repressão às formas de vida e de trabalho não totalmente submetidas às grandes empresas capitalistas atuantes na cidade. Trata-se, por exemplo, do recolhimento das mercadorias dos camelôs, da perseguição e recolhimento compulsório de pessoas que vivem na rua,2 da coibição da atuação de vendedores ambulantes e outras atividades que garantem certa margem de autonomia e asseguram por amplo número de partidos, que propõe a ampliação das competências das guardas municipais em todo o país. 2 Ou “pessoas em situação de rua”. Essa expressão é utilizada pelos profissionais da assistência social (pelos críticos, claro) com base na ideia de que não se deve afirmar que essas pessoas “moram” nas ruas. Na verdade elas encontram-se nas ruas justamente como resultado da ausência de moradia digna, sistema de transporte eficiente e acessível economicamente etc.
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meios de sobrevivência básica aos trabalhadores descartados pelo mercado de trabalho formal. Essa demanda por “ordem” e atuação de órgãos de segurança se dissemina pelos diferentes espaços da cidade – centro, praias, praças públicas, mas incide de forma seletiva sobre a classe trabalhadora e suas estratégias de sobrevivência, muitas vezes criminalizando-as. Um segundo importante instrumento de remodelação do espaço urbano tem sido revestido de grande apelo ideológico, por simbolizar a suposta melhoria da situação do Rio de Janeiro. São os “megaeventos” que a cidade sediará nos próximos anos, com destaque absoluto para algumas partidas da Copa do Mundo de Futebol da FIFA, em 2014, e a totalidade das Olimpíadas de 2016. Sob a justificativa de preparar a cidade para receber esses eventos, e “não fazer feio” frente aos milhares de visitantes estrangeiros que os mesmos atrairão para a cidade, o espaço urbano tem sido objeto de inúmeras intervenções que, quase sempre, acarretam pesados ônus para a classe trabalhadora. Exemplos disso são as remoções conduzidas de forma totalmente arbitrária em terrenos que serão usados para a construção da infraestrutura para os eventos, o superfaturamento de obras financiadas com dinheiro público desviado de outras demandas urgentes e a própria construção/ remodelação de equipamentos esportivos que dificilmente serão acessíveis às parcelas mais pauperizadas da população, como ocorreu com o triste “legado” dos Jogos Pan-Americanos de 2007. Por fim, há que se mencionar um terceiro elemento, ainda que este não seja fruto da ação exclusiva da Prefeitura, mas produto de íntima parceria com os Governos Estadual, Federal e o capital privado. Com efeito, o projeto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP’s) insere-se com grande destaque nesse processo de transformação empresarial da cidade do Rio de Janeiro, cumprindo diversas funções bastante destacadas. É um projeto de ocupação militarizada e hierarquizada de áreas pobres e estratégicas para esse projeto de cidade. Entre suas funções, podese mencionar a garantia de uma suposta segurança, pela coibição do tráfico armado de drogas e pela vigilância policial hierarquizada e constante sobre os segmentos mais explorados da classe trabalhadora, para a realização dos “megaeventos” e a concretização de diversos empreendimentos privados (hotéis, condomínios de luxo etc.) nas áreas mais nobres da cidade. Nesse sentido, não é casual o fato de as UPP’s se concentrarem na Zona Sul da cidade, bem
como no entorno do Maracanã, já tendo valorizado enormemente os bens imobiliários dessas regiões. Em médio prazo, as UPP’s contribuem ainda para a ampliação da segregação espacial das classes sociais no Rio de Janeiro, pela via do encarecimento do custo de vida (moradia, alimentação, serviços etc.) nas áreas em que incidem, o qual conduz a um processo de remoção econômica da população mais pobre residente nas favelas ocupadas e seus arredores. Em resumo, pode-se dizer que o projeto das UPP’s expressa uma perspectiva policialesca e militarizada do trato da “questão social” por parte do Estado. Convém acrescentar que essa tentativa de administração policial-militar da pobreza acaba por criar verdadeiros “estados de exceção” – em que determinadas liberdades são negadas de forma seletiva a esses grupos e em que a última palavra é a do comandante e não dos moradores – em muitas localidades populares. Na prática, os trabalhadores e a juventude pobre que as habitam vêm sendo submetidos a um ordenamento jurídico bem distinto do que se costuma chamar de um “estado democrático de direito”, com cerceamento aos seus meios de subsistência, costumes, expressões culturais e modos de vida. Em suma, é possível afirmar, sem sombra de dúvida, que o Rio de Janeiro tem sido objeto de uma política amplamente articulada pelos governos municipal, estadual e federal, além de outros agentes, como empresas, fundações e agências internacionais, que objetivam estratificar cada vez mais a distribuição espacial de sua população e garantir condições cada vez mais favoráveis para a obtenção de lucros privados. Nos pontos seguintes, buscaremos esmiuçar melhor os sintomas e instrumentos desse processo, bem como apresentar alternativas políticas na perspectiva da defesa dos interesses da classe trabalhadora. Trajetória histórica da segregação socioespacial no Rio de Janeiro Como afirmado acima, o atual processo de reorganização do espaço urbano do Rio de Janeiro tem como um de seus objetivos principais a produção de um espaço progressivamente mais estratificado em termos da localização das classes sociais. Entretanto, ainda que tenha características próprias, as quais devem ser objeto de atento estudo, esse momento insere-se, também, numa linha de continuidade em relação a outras conjunturas, em que igualmente buscou-se ampliar a segregação espacial na cidade. Até o século XIX, a natureza da relação social
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escravista, pedra de toque de nossa organização econômico-social, impunha que senhores e escravos – apartados pela polarização entre direito quase absoluto e quase absoluta negação do direito – convivessem de forma relativamente próxima, especialmente nas áreas urbanas. Constituindo propriedade de seus senhores, os escravos tinham sua capacidade de circulação autônoma bastante restringida e seu acesso a bens imobiliários, vedado. Somava-se ainda a essas restrições o fato de que parte significativa da escravaria era empregada em tarefas domésticas, o que a situava no mesmo ambiente em que viviam as famílias mais abastadas, o que, ademais, possibilitava um controle mais rígido de suas articulações políticas. Por fim, é importante ressaltar que essa tendência ao relativo partilhamento do espaço era determinada pelas dimensões ainda reduzidas da área propriamente urbana, o que terminava por aproximar das regiões mais nobres da cidade mesmo os escravos dotados de maior possibilidade de movimentação, os chamados escravos de ganho. A partir da abolição da escravidão, concretizada em 1888, esse quadro se altera significativamente. Com a afirmação do assalariamento como nova base das relações econômicas, o trabalhador deixou de ser propriedade do patrão, não podendo mais este dispor daquele a qualquer momento. Tratar-se-ia, a partir daquele momento, da venda do direito de apropriação da força de trabalho do trabalhador durante determinado tempo legalmente delimitado. No restante de seu tempo, o trabalhador ficaria, então, “livre”, podendo aproveitar seu tempo para as atividades que escolhesse. Estabeleceram-se, dessa forma, as bases para a decisiva aceleração da segregação classista do espaço urbano. Na medida em que o trabalhador só estaria à disposição de seu empregador ao longo de uma quantidade determinada de tempo (oito horas diárias),3 seria possível que o mesmo tivesse sua moradia alocada a grandes distâncias do local de trabalho. Esse quadro era complementado pelo fato de que as horas gastas no deslocamento entre moradia e emprego seriam sempre subtraídas do tempo que o trabalhador disporia “para si”, e não daquele destinado ao exercício do trabalho. 3 Na maioria dos casos os trabalhadores tinham jornadas muito extensas de trabalho, constituindo parte importante da luta dos trabalhadores a regulamentação de 8 horas diárias. No Brasil, apenas na constituição de 1988 foi assegurada em lei a jornada de 8 horas diárias e 44 horas semanais.
Não à toa, um momento significativo da produção da segregação espacial da área urbana do Rio de Janeiro verificou-se logo na primeira década do século XX. Com efeito, durante o mandato do prefeito Pereira Passos (1902-1906), iniciou-se um ciclo de grandes intervenções urbanas concentradas no centro da cidade. Dentre essas intervenções, destacou-se a abertura da então chamada Avenida Central, atual Avenida Rio Branco, bem como a remodelação do porto carioca, buscando assegurar condições para exportação de matérias-primas e produtos agrícolas para o mercado externo. A viabilização dessas e de diversas outras obras foi sustentada por um intenso ataque aos cortiços e casas de cômodos, principais opções de moradia dos trabalhadores pobres na região central. Para o grande contingente populacional desalojado pela demolição dessas moradias, restaram duas opções principais. Por um lado, havia a possibilidade da ida para a região suburbana, implicando em dispêndio de tempo e dinheiro no deslocamento diário para o centro da cidade, que ainda concentrava a imensa maioria dos postos de trabalho. Nesse processo de relocalização de parcelas do proletariado, a concentração populacional da ocupação dos subúrbios resultou tanto na ampliação do espaço propriamente urbano, quanto em um grande crescimento da utilização do transporte ferroviário intraurbano. Por outro lado, para os que não podiam arcar com os custos desse transporte, restou a subida aos morros, resultando no aumento da densidade populacional das favelas já existentes ou na criação de novas, sempre em localidades desprovidas de serviços e de infraestrutura urbana adequados. Não à toa, o primeiro momento de grande crescimento das favelas da cidade se deu nas décadas de 1910 e 1920, reverberando as intervenções de Pereira Passos, que foram continuadas por seus sucessores – embora com intensidade reduzida – até o final da Primeira República, em 1930. Um exemplo dessa continuidade pode ser localizado na demolição do Morro do Castelo, finalizada em 1921 pelo prefeito Carlos Sampaio, sob a justificativa da necessidade do espaço para a organização da Exposição Comemorativa do Centenário da Independência do Brasil, um “megaevento” do período. Na Primeira Era Vargas (1930-1945), o processo de segregação espacial ganhou novo impulso. Em 1937, o Decreto 6.000, também conhecido como
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Código de Obras, estabeleceu um zoneamento da cidade, em que a região da Zona Sul ficou excluída da área industrial, a partir de então concentrada nos subúrbios ao norte do centro. Com isso, indústrias localizadas em bairros como Laranjeiras e Jardim Botânico transferiram-se para outras regiões, loteando seus antigos terrenos e revendendo-os com grandes margens de lucro, consolidando-se como espaços de moradia para a população dotada de renda média e alta. O mesmo decreto regulou também as construções nas favelas, impedindo quaisquer melhoramentos nos barracos, bem como o levantamento de novas moradias nessas áreas. Tratava-se de um evidente esforço para conter a permanência das parcelas mais pauperizadas do proletariado nas regiões de moradias reservadas para as classes dominantes (Zona Sul) e no coração administrativo e financeiro da cidade (Centro). Entretanto, como essa medida repressora não foi acompanhada por qualquer plano significativo de construção de habitações populares pelo Estado, as favelas continuaram se expandindo no Centro e na Zona Sul, mas doravante também com bastante fôlego na Zona Norte, como forma de aproximar seus moradores dos empregos disponíveis nas indústrias para lá deslocadas.
transporte coletivo de pequenas e médias distâncias.4 No mesmo período, a maioria das favelas cariocas conseguiu manter-se – e mesmo expandir-se – em grande parte como consequência da organização política de seus moradores em associações combativas, mas também devido a fatores ligados à dinâmica eleitoral do regime de natureza populista. A partir de 1961, no entanto, esse quadro alterouse profundamente, com a eleição de Carlos Lacerda para o posto de primeiro governador do recémcriado estado da Guanabara. Iniciou-se aí uma grande ofensiva contra as favelas – que se sustentaria até os anos finais da década de 1970 –, especialmente aquelas localizadas na Zona Sul (como Catacumba, Pasmado e Praia do Pinto, entre outras), com o fito de liberar mais espaços para a atuação do capital do ramo imobiliário, sendo os moradores das favelas transferidos para conjuntos habitacionais bastante distantes do centro expandido e mesmo da Zona Norte (como Vila Kennedy e Vila Aliança).
Na passagem dos anos 1940 para os 1950 até o final dessa década, o capital privado experimentou grande salto na sua atuação no setor da construção de moradias. Apesar da grave crise habitacional vivenciada há décadas pelos segmentos proletarizados da população, sua ação se concentrou na verticalização da “Nova Zona Sul”, principalmente o bairro de Copacabana, mas também Ipanema e Leblon. Nesse processo, foram construídos apartamentos voltados prioritariamente para as classes dominantes, mas também para as camadas médias, uma vez que o preço de cada unidade num edifício multifamiliar era acessível também a esse segmento, sem acarretar uma diminuição das margens de lucro do capital incorporador.
As décadas de 1950 a 1970 viram, ainda, outro processo decisivo para a estruturação do espaço urbano carioca em sua forma mais segregada. Tratase de sua metropolitanização, alcançada por meio da integração econômica a diversos municípios, principalmente da Baixada Fluminense (Duque de Caxias, Nova Iguaçu, São João de Meriti, entre outros), mas também Niterói e São Gonçalo. Em termos da distribuição espacial da população, a Baixada passou a funcionar prioritariamente como região de residência do proletariado empregado na cidade do Rio de Janeiro, especialmente de suas parcelas pior remuneradas, a partir de então ainda mais afastadas de seus locais de moradia, tendo, por isso, que lidar cotidianamente com o serviço ferroviário progressivamente sucateado, ou os longos engarrafamentos decorrentes da opção rodoviária predominante no modelo econômico e urbanístico nacional. Essa integração, por outro lado, jamais teve sua contraparte administrativa, o que significa que a Região Metropolitana permanece, até hoje, sem
Os anos 1950 marcam também a decisiva opção do governo brasileiro, principalmente durante a presidência de Juscelino Kubitschek (1956-1961), pela priorização do transporte rodoviário. Na cidade do Rio de Janeiro, essa diretriz nacional se traduziu pelo resgate da prática de grandes “cirurgias urbanas”, que visava dotar a cidade de vias capazes de suportar o intenso tráfego de ônibus, que rapidamente suplantaram os bondes como principal meio de
4 O governo JK subsidiou e estimulou a indústria automobilística multinacional no país. Próximo ao fim dos contratos do Estado com empresas privadas que operavam o sistema ferroviário, o governo suspendeu a concessão do serviço, com o objetivo de indenizar seus “operadores” que perderiam as benesses do acordo firmado com o governo. O governo concedeu a exploração privada do transporte rodoviário, depois estatizou para assegurar indenização para o setor privado e, na sequência, desmontou e sucateou o serviço ferroviário para favorecer a indústria automobilística.
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um órgão capaz de planejar e implementar políticas públicas condizentes com o fluxo de pessoas, ao mesmo tempo em que os serviços e a infraestrutura urbana tenderam a continuar altamente concentrados no centro expandido do Rio de Janeiro, bastante distantes dos principais locais de moradia da classe trabalhadora. As imensas dificuldades encontradas pela população trabalhadora para obter moradias no perímetro urbano do Rio de Janeiro, bem como as dificuldades enfrentadas por aqueles que se dirigiam à Baixada Fluminense, não impediram que o surto seguinte de expansão do mercado imobiliário fosse novamente concentrado na edificação de moradias voltadas para as camadas de maior renda. A partir de meados da década de 1970, as empresas desse ramo passaram a investir pesadamente na urbanização e construção de habitações na Barra da Tijuca, na Zona Oeste da cidade, incorporando paulatinamente esse bairro ao centro expandido da cidade (não à toa, das grandes vias que ligam esse centro ao restante da cidade – como a Avenida Brasil e a Linha Vermelha –, a Linha Amarela foi a última a ser inaugurada, já em 1997, embora já constasse do chamado Plano Doxiadis, elaborado a pedido do governador Carlos Lacerda, em 1965). Ao longo das décadas seguintes, as moradias nesse bairro passaram, cada vez mais, a assumir a forma de condomínios fechados, em que a segregação espacial classista se manifesta de forma ainda mais visível que no restante da cidade, em função dos muros e cancelas que os cercam. A incorporação da Barra da Tijuca ao centro expandido do Rio de Janeiro obedeceu, portanto, aos mesmos parâmetros que governam a organização do espaço urbano da cidade desde o início do século XX. Trata-se, como visto, de um processo de hierarquização do espaço, em que as classes sociais são intencionalmente segregadas em áreas de moradia estanques, além de ser o alvo da política mortífera de segurança pública que se intensifica desde a década de 1980 sob o lema do combate ao tráfico de drogas. Igualmente hierarquizados são a distribuição espacial da infraestrutura urbana e o acesso aos serviços básicos (água, esgoto etc.), cada vez mais raros à medida que nos afastamos do centro ampliado em direção às áreas mais distantes da Zona Oeste e da Baixada Fluminense. Nesse modelo organizacional, todos os ônus – como as altas tarifas, a péssima manutenção, o tempo dispendido nos engarrafamentos etc. – ligados aos longos deslocamentos em direção aos principais polos que
concentram a maior parte da oferta de empregos recaem sobre a classe trabalhadora, especialmente suas parcelas mais pauperizadas. É esse o modelo que vem sendo aprofundado pela gestão de Eduardo Paes (PMDB) à frente da Prefeitura do Rio de Janeiro (2009-2012). Servindose de diversas ferramentas estratégicas, dentre as quais se destaca a cortina de fumaça proporcionada pelos megaeventos, a qual esconde transformações na anatomia da cidade que terão um alcance muito mais duradouro, o governo de Paes não só tem colaborado para a intensificação dos mecanismos de controle social e a ampliação da segregação espacial, como entregado vastas áreas para a administração direta pela iniciativa privada, como o caso do Porto Maravilha. Anatomia da expropriação, acumulação primitiva, controle e repressão social e valorização do capital no espaço urbano. 1. Nas próximas linhas evidenciamos como a administração pública, através das diversas esferas, atua para:processar de maneira intensa a acumulação primitiva de capital através da expropriação e mercantilização do solo e dos seus recursos; 2. transferir, em larga escala, recursos públicos para apropriação privada, por meio da “Parceria Público Privada” (PPP) regulamentado pelo governo Lula, tendo como expoente, na atualidade, o projeto “Porto Maravilha”. Numa lógica em que o “público” (o povo) entra com o dinheiro e os empresários saem com o lucro. 3. Utilizar o braço policial e penal do Estado para a manutenção da “ordem pública” e a neutralização daqueles indesejáveis e precarizados que possam “ameaçar” o projeto cidade-empresa. Partimos da compreensão de que os problemas relacionados à desigualdade do acesso ao solo e aos recursos naturais, potencializados pelo adensamento humano, típicos da ocupação urbana, não têm solução sob o ordenamento da sociedade capitalista, não sendo possível soluções cosméticas e de reformas parciais inscritas nos códigos legais. Neste sentido, temos como pretensão apresentar um programa transitório que inscreva as necessidades atuais da classe trabalhadora numa perspectiva de luta imediata e histórica.
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A questão da moradia, ou mais precisamente, da ausência de moradias adequadas para a classe trabalhadora, está inscrita na necessidade da manutenção da taxa de lucros, via baixa remuneração do trabalho, produzidas e reproduzidas no nosso país e, particularmente, em nossa cidade. A elevada taxa de exploração e a baixa remuneração do trabalho precisam conviver e mesmo estruturam as condições precárias de moradia onde são produzidas e reproduzidas as condições de renovação da força de trabalho a ser explorada permanentemente. A reprodução da força de trabalho mantida em condições precárias tem “custos” de reprodução rebaixados, sendo parcialmente absorvidos por meio de sub-remunerações. As áreas de pobreza, favelas, áreas de risco, “moradores” de rua, são produto e necessidade da acumulação capitalista e da exploração em todas as esferas. Os espaços geográficos e o habitat, assim como as estratégias de controle e repressão social destinados aos trabalhadores estão inscritos nessa lógica. Os dados que dispomos evidenciam essa dinâmica de acumulação através das remoções e diversos mecanismos utilizados pela prefeitura e governo do estado para promover a especulação imobiliária, “limpar” e valorizar determinados espaços. Segundo dados oficiais da própria prefeitura, existe no munícipio um déficit habitacional de 220.000 moradias. Ou seja, um contingente populacional de uma cidade inteira de médio porte. A prefeitura calcula (de 2009 até hoje) em 8.400 as unidades construídas e entregues por meio do programa Minha Casa Minha Vida (até 6 salários mínimos). A prefeitura distribui essas unidades por meio de sorteio entre as 298.234 pessoas cadastradas em novembro de 2011. Como mostram os números, a política de Paes com relação à moradia é, quando muito, peça de publicidade. A diferença entre o número oficial de déficit (220.000) em relação ao número de inscritos (298.234) indicam subestimação dos dados oficiais com a demanda efetiva por novas habitações. Na mesma perspectiva, seguindo o ritmo de construções de todos os programas, que atingiram 2.100 unidades por ano (dos últimos 4 anos) demandaremos 142 anos (quase um século e meio), mantidas as condições atuais, para atender a demanda efetiva por moradia. No município existem 2.084.241 domicílios (IBGE 2010); o déficit de habitação é, portanto, de quase 15% (14,30%) do total dos domicílios atualmente existentes. A promessa do prefeito, no
dia 16 de junho de 2011, representando em Brasília todas as prefeituras do Brasil no lançamento da segunda etapa do programa “Minha Casa Minha Vida”, ao lado da Dilma Rousseff e Sérgio Cabral, foi ter como meta chegar a 55 mil unidades até 2012. As 8.400 moradias não são suficientes para os milhares de trabalhadores sem teto e/ou despejados. A prefeitura, o estado do Rio de Janeiro e o governo federal, sob o pretexto da realização da Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016, está promovendo uma série de intervenções no espaço urbano, com remoções de comunidades e expropriação de espaços e meios de vida fundamentais para a sobrevivência de famílias inteiras, inviabilizando condições elementares para sua sobrevivência. Nos planos da prefeitura, estão alocadas 12.196 famílias para serem removidas de seus locais de moradia. A maior parte das famílias a serem expulsas de suas casas (2.215) estão localizadas na Zona Oeste, na Barra da Tijuca, precisamente uma das áreas mais valorizadas e que “se pretende” valorizar ainda mais, removendo comunidades inteiras e “investindo” numa série de equipamentos e infraestrutura urbana com recursos públicos que aumentam exponencialmente o valor do metro quadrado de solo dessa região. Esse processo de expropriação, acumulação primitiva e especulação imobiliária é expresso de maneira contundente nos “valores” destinados ao pagamento de eventuais “indenizações” aos moradores dessas regiões: A prefeitura paga entre R$ 17.000, 00 e R$ 25.000, 00 (valor máximo) às famílias que são removidas dessas áreas, geralmente próximas de seu local de trabalho. Contrastando com os baixos valores de “indenizações”, os preços de aluguéis e para compra de imóveis na cidade do Rio de Janeiro saltaram vertiginosamente. Segundo dados do sitio Zap, especializado em negócios imobiliários, o preço médio de aluguel na cidade do Rio de Janeiro, entre 2008 e 2012, teve aumento de 106,2%; os valores para compra de imóveis alcançaram 172,5% de aumento no mesmo período. Cabe ressaltar que esses índices se referem ao preço médio de toda a cidade. Como as intervenções e remoções são destinadas a áreas prédefinidas, buscando valorizar determinadas regiões em detrimento de outras, esses índices tendem a ser muito mais elevados nas áreas de remoções, implantações de UPP’s e intervenção do poder público com obras de infraestrutura, mobilidade urbana, tornando impossível a vida de parte
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significativa da classe trabalhadora e da população em seus antigos espaços de vida e socialização. Moradia segregada para os mais pobres A política de Eduardo Paes para moradia busca segregar os mais pobres para a periferia oeste do município, impedir o crescimento da ocupação atual nas favelas e aprofundar a elitização derivada da especulação imobiliária na zona sul, no centro, na zona norte e na área da Barra da Tijuca, também na zona oeste. Para complementar a segregação socioespacial realiza, junto com o governo Dilma, a construção de unidades habitacionais do PAC, a construção e manutenção de infraestruturas urbanas e melhorias em alguns bairros. Essas atividades têm respetivamente os nomes de programa Minha Casa Minha Vida, Morar Carioca e Bairro Maravilha. Como parte da política nacional, a prefeitura facilita para a indústria da construção a isenção do Imposto sobre Serviços (ISS) e do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) para as unidades de habitação destinadas a famílias que ganham até seis salários mínimos. E reduz em 50% esses mesmos impostos para moradias cujas famílias ganham entre seis e 10 salários mínimos. As moradias de até 6 salários são uma quinta parte da meta para 2012 (55 mil), as outras são de até 10 salários, com redução de impostos e mais unidades construídas, gerando maior lucro para as construtoras. O programa Bairro Maravilha é de melhoras urbanas (calçadas, ruas asfaltadas, escadas, fachadas) que são em realidade a manutenção necessária da cidade, isto é, não mais que o dever da prefeitura. Além de valer-se da ideologia de “cidade maravilhosa” essas obras não são realizadas na cidade em seu conjunto. As obras são direcionadas para as zonas urbanas que ficam em áreas de influência dos grandes empreendimentos especulativos imobiliários (zona Sul, Norte e Barra da Tijuca). Os condomínios construídos pela prefeitura na Zona Oeste (Paciência, Santa Cruz, Cosmos, Inhoaíba) estão determinados pelos índices sócioeconômicos historicamente baixos. Os dados da própria prefeitura apontam para essa área uma concentração elevada de pessoas por domicílios, mais de 4 pessoas por dormitório. Também apresentaram os menores percentuais de domicílios atendidos pelas redes de água potável, esgoto e coleta regular de lixo.
Remoções de hoje são o higienismo do século XX Desde o prefeito Pereira Passos até hoje, com Eduardo Paes, é mantida e renovada, com diferentes palavras, uma política sanitarista e segregacionista com relação ao ordenamento do território e as classes sociais. Não é unicamente pelos eventos esportivos mundiais que o desalojamento da população pobre acontece. É parte do planejamento das classes dominantes para a cidade. Os capitalistas da primeira parte do século XX removiam os cortiços para evitar “doenças”, hoje despejam comunidades sob o pretexto de localização em “área de risco”. Qualquer palavra que usem só tenta ocultar que o solo urbano e sua propriedade é o centro da disputa para aumentar a renda urbana, a mais valia urbana. A sociedade capitalista faz do solo, recurso finito e natural para o conjunto da humanidade, uma mercadoria com particularidades pelas características das cidades de acordo com sua inserção na economia nacional e internacional. O valor do solo pode variar pela sua localização em relação aos lugares estratégicos como centros geopolíticos, de valor turístico, paisagístico, ou de valorização futura. A consequência histórica é que os moradores pobres, expulsos de uma região em particular, quase sempre terminam nas periferias geográficas, definidas de acordo com a época. Por exemplo, segundo Paes, os moradores da Comunidade do Metrô, no bairro da Mangueira, devem ser despejados porque o terreno pode ser lucrativo como estacionamento para o novo Maracanã; ou Vila Autódromo não fica bem na composição fotográfica do Parque Olímpico, grande investimento de valorização no futuro. As remoções calculadas pelo governo Paes representam dinheiro, para eles, seus aliados e as construtoras, compreendendo uma área de 2.344.091 m2 (2,4 km2 ou 16 Maracanãs aproximadamente). Duas comunidades alvo da política de remoções de Paes, Vigário Geral e Rocinha, são fruto de deslocamento de moradores removidos décadas atrás. Ou seja, os governos vêm submetendo à população pobre numa transumância, remoções de geração em geração. O irônico é que jogam a responsabilidade da ocupação urbana “desordenada” nos moradores mais pobres. Falam de construir cada vez mais moradias para superar o déficit habitacional que cresce associado à natureza do capital. O que definem como
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“crescimento desordenado” do espaço urbano é resultado da especulação imobiliária e de questões estruturais vinculadas às altas taxas de exploração da força de trabalho e não da falta de prudência ou ignorância dos ocupantes dessas áreas, dos trabalhadores moradores das favelas. Na perspectiva dos capitalistas, a moradia para o trabalhador é só o espaço para que a mão de obra durma e volte ao trabalho. Por isso é que milhares de trabalhadores com salários de fome só encontram espaços degradados, sem acesso a serviços públicos, restando o ingresso nos barracos mais baratos. Nessa lógica de acumulação cabe aos trabalhadores resolverem, de seu jeito, o déficit que o prefeito promete resolver, mas não resolve.
Entretanto, na realidade, essa política se converte muitas vezes em ações repressoras a moradias populares nas áreas de favela e são explicitamente atreladas pela prefeitura a grupos ou supostos grupos criminosos: “(As) construções irregulares são, em sua maior parte, a base financeira do poder paralelo, seja do tráfico ou da milícia. Esses grupos erguem imóveis irregularmente e cometem o crime de desmatamento para lotear o solo, gerando verdadeiras aberrações urbanísticas que degradam o meio ambiente e que não respeitam as regras estabelecidas.”5 Curiosamente, as demolições têm ocorrido em 11 morros de um total de 968 favelas da cidade, justamente aqueles localizados nas zonas consideradas nobres da cidade.
Conforme já mencionado, associadas às intervenções no espaço urbano são empregadas políticas de controle social e segurança pública em que a ação do governo do Estado e da Prefeitura combinam-se e complementam-se, incidindo de maneira seletiva sobre as estratégias de sobrevivência, a atuação política, as formas de vida e sobre a vida em si da população trabalhadora precarizada.
Em segundo lugar, a questão dos flanelinhas é tratada automaticamente de forma criminalizante, sendo considerada uma atividade que envolve contravenção penal, exercício ilegal da profissão, extorsão e ameaça. A prefeitura afirma categoricamente, sem meias-palavras: “a repressão aos flanelinhas é um caso de polícia.”6
No que se refere à atuação do governo municipal, mais especificamente, devem ser destacados dois conjuntos de políticas articulada direta ou indiretamente a sua atuação de controle e repressão social sobre os trabalhadores: O Choque de Ordem e a UPP Social. Quanto ao Choque de Ordem, criado por um dos primeiros decretos do prefeito Eduado Paes, essa política repressiva mobiliza uma equipe em torno de 2.000 servidores do município, e é formada por guardas municipais, policiais militares, fiscais e operários. Segundo a própria prefeitura, as ações têm como alvo: i) estacionamento irregular; ii) ocupação irregular do espaço público (uso indevido das calçadas com a ocupação de mesas, cadeiras e outros obstáculos que impedem a livre circulação dos pedestres); iii) urinar na rua; iv) demolições de construções irregulares/em áreas de risco e de proteção ambiental; v) publicidade irregular; e vi) flanelinhas. A política de demolições, a apreensão de mercadorias e a repressão a flanelinhas na cidade tem especial caráter. As demolições são abordadas no discurso oficial sob a suposta política de defesa civil de prevenção a deslizamentos e tragédias.
Por fim, a apreensão de mercadorias, que não é explicitamente uma das ações do choque de ordem, deriva da função de colaboração da guarda municipal com a policia militar, o que permite e promove esse tipo de repressão a estratégias de sobrevivência dos trabalhadores desempregados ou precarizados pela lógica do capital, sendo também tratada como uma questão criminal a despeito de seu caráter eminentemente social. Para coroar as ações repressivas do choque de ordem, temos a espetacularização da mídia dominante com divulgação de números e dados sempre anunciados como sinal de eficiência e acompanhados de cobranças por mais repressão. Na mídia, o trânsito e a favela aparecem como os dois principais temas do choque de ordem no início de sua implantação.7 No que se refere às questões de trânsito, também os trabalhadores informais têm sido sacrificados. As principais ações são de reboque 5 Ver: http://www.rio.rj.gov.br/web/seop/exibeconteudo? article-id=152881. Acessado em 15 de julho de 2012. 6
Idem.
7 Pablo Laignier e Rafael Fortes. A criminalização da pobreza sob o signo do “Choque de Ordem”: uma análise dos primeiros cem dias do governo Eduardo Paes a partir das capas de O Globo. Comunicação & Sociedade, Ano 31, n. 53, p. 5378, jan./jun. 2010.
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de carros. Um exemplo da seletividade dessa ação são os reboques dos veículos que servem de depósito aos trabalhadores ambulantes de áreas de intenso comércio na cidade, como a extensão da oral, que foram um dos primeiros alvos do choque de ordem. Os trabalhadores ambulantes nas praias da cidade também foram criminalizados pelo choque de ordem ao reagirem com protesto contra tal política. Um tema pouco realçado, mas que segue se recrudescendo como ação da administração do prefeito Eduardo Paes, é o recolhimento da população em situação de rua. Desde o início da implantação da política de tolerância zero do choque de ordem, houve o anúncio expresso do então secretário de Ordem Pública, Rodrigo Bethlem, sobre a “proibição a moradores de rua de dormir em calçadas, praias e viadutos”. Alguns dados sobre a administração dos invisíveis e indesejáveis aparecem posteriormente, conforme abaixo. Mas não se vê transparência alguma nos dados sobre as políticas dirigidas a essa população. De acordo com balanço de 2009, primeiro ano desse conjunto de políticas, divulgado pela Secretaria Especial de Ordem Pública, o órgão aplicou 743.559 multas, rebocou 25.570 veículos, demoliu 1.167 unidades construídas irregularmente (60 prédios, 28 casas e 248 barracas de comércio ilegal), apreendeu cerca de 64 toneladas de alimentos perecíveis, 40 mil peças de vestuário, 27 mil eletrônicos, 26 mil móveis, além de outros objetos como isopores e botijões de gás, apreendeu mais de 357 mil mídias consideradas produtos piratas e contrabandeados (546% mais que no ano anterior), e recolheu 5.491 adultos e 2.126 crianças das ruas da cidade. Em abril de 2011, ocorre o início da implantação das Unidades de Ordem Pública (UOP), o que transforma as operações de choque de ordem em atividade de controle permanente de determinadas áreas da cidade, por meio da “reformulação do treinamento da Guarda Municipal” para “agir de forma mais territorializada, identificando os problemas específicos de cada região, marcando o início de uma nova fase no combate à desordem na cidade.” Junto a essa transformação estratégica de controle sobre o espaço urbano e sobre a população a Prefeitura investiu em mecanismos tecnológicos. Todas as equipes das UOPs estão equipadas com rádios transmissores e palmtops (computadores de mão), acoplados a mini-impressoras, onde as irregularidades são registradas e transmitidas
imediatamente para uma central de controle da Guarda Municipal, além de contarem com viaturas, motos, bicicletas, cães treinados e equipamentos não-letais. Não há rotatividade de efetivo, garantindo que um determinado grupo de guardas cuide sempre da mesma área. Conforme afirmou o secretário de Ordem Pública, Alex Costa, “Partimos do princípio da UPP, onde a vigilância permanente é instalada em determinada região.”8 Os balaços das primeiras UOPs instaladas revelam a seletividade da repressão ao trabalho informal da classe trabalhadora precarizada. O primeiro exemplo é a UOP do bairro da Tijuca: Com ambulantes não autorizados, foram apreendidos 195 pulseiras de relógio, 45 cofres de barro, 18 óculos, 9 guarda-chuvas, leques, bandeiras, galhardetes de publicidades, potes de pasta para limpeza, portaCD, carrinho de ferro, 18 abacaxis, 12 dúzias de bananas, 28 tangerinas e 10 mamões. Além disso, agentes de Controle Urbano da Seop realizaram um trabalho de ordenamento do espaço público com relação ao comércio ambulante na região. Na segunda UOP implantada, no Centro, tem-se os mesmos tipos de repressão seletiva: Na primeira semana de operação, segundo notícia da própria prefeitura, guardas municipais apreenderam oito toneladas “de quinquilharias” e mercadorias com ambulantes não autorizados: 1.016 mídias, 22 latas de cerveja, 80 pacotes de biscoito, 3 kg de chocolate, 81 pacotes de balas, 13 kg de tangerina e 19 pulseiras de relógio. Agentes de Controle Urbano da Seop também realizaram um trabalho de ordenamento do espaço público com relação ao comércio ambulante autorizado na região. Foram também multados 939 veículos e rebocados 104 por estacionamento irregular na área de atuação da UOP.9 O balanço de 2010 a 2011 demonstra que em 2010, 21 pessoas foram presas, enquanto em 2011 foram realizadas 12 prisões. E segundo a Secretaria de Ordem Pública, as praias em 2011 tornaramse mais “organizadas”. Neste ano, foram realizados 5.054 reboques e mais de 18 mil produtos, como bebidas e alimentos foram apreendidos por ações do choque de ordem. Em três anos, os agentes do Choque de Ordem 8 Ver: http://www.rio.rj.gov.br/web/guest/exibeconteudo ?article-id=1737450. Acessado em 15 de julho de 2012. 9 Ver: http://www.rio.rj.gov.br/web/guest/exibeconteudo ?article-id=2112937.
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apreenderam 1.376.091 produtos, sendo 500 mil mídias piratas, e 139.736 alimentos. Entre o material apreendido estão panfletos, estruturas de ferro, óculos, capas de celular, bebidas, carnes, bonés, mochila, entre outros. A Seop atuou também para coibir essa atividade pelo fato de contribuir para o estacionamento irregular e conduziu 1.470 flanelinhas para as delegacias. E a conclusão não muito inesperada é de que “os números de criminalidade, segundo a Seop, também caíram nas áreas de atuação das Unidades de Ordem Pública.”10 A questão da moradia em um programa socialista O problema da moradia é apresentado pelo PT e sua base aliada como se fosse ser resolvido pelo programa Minha Casa Minha Vida, uma falácia vendida para milhares de trabalhadores com baixa taxa de juros, mas com intermináveis parcelas a pagar. Além disso, exibem-se dados que tentam mostrar que o déficit habitacional estaria diminuindo. Pelo contrário, cresce porque a pobreza e desigualdade são maiores a cada ano. Para o governo, o problema da moradia é um direito jurídico, já garantido na Constituição do Brasil (1988). Nessa base, os Planos Diretores, a Lei 10.257 (2001) e o Estatuto da Cidade seriam a concretização da reforma urbana, como se faltasse apenas aplicar a lei. Nada mais falso! “Pinheirinho” (São José dos Campos – SP) quase completou oito anos exigindo sua regularização, orçamento para infraestrutura básica, enfim, a sua legalização. Em troca, recebeu do PSDB o despejo violento, e do PT e do governo Dilma o descaso e a omissão criminosa, pois o que estava em jogo era o terreno grilado por Naji Nahas. O maior obstáculo para a reforma urbana socialista é expropriar os terrenos perto dos centros de trabalho e/ou de fácil acesso ao transporte público massivo, sem indenizar os especuladores de terrenos e de prédios abandonados. É preciso parar de entregar o orçamento do Estado a empresas, como tem sido com a Delta, e destiná-lo a associações de vizinhos e mutuários desempregados, que passem a trabalhar de maneira coordenada num plano de obras públicas, construindo e sendo remunerados na construção de suas próprias casas, em serviços de infraestrutura, com abastecimento de água, coleta e tratamento de 10 http://m.g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2012/06/em3-anos-prefeitura-ja-aplicou-quase-uma-multa-por-carro-norio.html
esgoto, coleta de lixo, além da construção de escolas e hospitais públicos. O caminho da reforma urbana passa pelos “Novos Pinheirinhos” em São Paulo, Brasília, Minas Gerais etc. e pelo controle do dinheiro público por parte dos moradores. A solução definitiva, porém, leva ao enfrentamento com a propriedade privada, que hoje é parte essencial das falcatruas da indústria da construção civil e do setor financeiro imobiliário. Sustentabilidade ambiental não significa grandes bairros com habitações amontoadas e apertadas, feitas segundo um modelo padronizado da prefeitura do Rio de Janeiro. Os bairros construídos pelos governos anteriores no município segregam a pobreza em bairros na periferia da área metropolitana. Esse modelo, baseado no consumo expansivo de solo, serve de estímulo para o uso do carro como meio de transporte. Com essa política, a presidente Dilma e a coalisão governante do PMDB aprofunda a crise ambiental construindo uma cidade estendida e a dependência da matriz energética do petróleo porque o transporte para a maioria é ônibus ou van. A reforma urbana de que os trabalhadores, em especial os sem teto, necessitamos exige a superação dos limites impostos pela sociedade capitalista. A luta pela terra para moradia implica a luta pelo socialismo. Apresentamos iniciativas que caminham na direção de uma reforma urbana no Rio, na perspectiva de um Brasil socialista: 1. Redução e congelamento dos aluguéis cobrados no mercado imobiliário. 2. Limitação do número imobiliárias por pessoa.
de
propriedades
3. Todo apoio às ocupações realizadas pelos trabalhadores organizados nos movimentos sociais! 4. Regularização das ocupações e/ou favelas no Rio sem ônus para os posseiros, tarifa zero em serviços de energia elétrica e gás em botijão ou encanado, abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto e lixo. 5. Não mais despejos de comunidades a serviço dos megaempreendimentos relacionados aos eventos esportivos de 2014 e 2016.
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6. Relocalização de comunidades caracterizadas como área de risco e/ou afetadas por enchente, por desmoronamento ou deslizamento, em locais próximos do lugar original de moradia daquelas comunidades, com obras de infraestrutura, no esquema da troca de chave por chave. 7. Destinar o 5% do orçamento municipal para moradia (para quem recebe entre 0 e 3 salários) e melhoramentos das moradias regularizadas. Garantia que o dinheiro público fique nas mãos das organizações das ocupações, não no bolso das empreiteiras. 8. Localizar e disponibilizar os vazios urbanos e imóveis ociosos e/ou baldios para moradia de interesse social (entre 0 e 3 salários) na zona centro e norte da cidade. 9. Expropriação sem indenização de áreas, terreno e prédios vagos ou abandonados na área central e zona norte do Rio, destinando-os para moradia. 10. Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) progressivo aplicado para imóveis ociosos e/ou baldios, sobretaxação das grandes fortunas. 11. Pagamento imediato de cheques-aluguel social às famílias com risco de perda total ou parcial da moradia, afetados com risco de enchente, por desmoronamento ou deslizamento ou por obras de infraestrutura. O cadastramento e o pagamento das famílias deve ser fiscalizado pelas organizações de trabalhadores e movimentos populares. 12. Programa emergencial de habitações para população em risco ambiental ou em deslocamento, construindo moradias temporárias com o “Programa de Arrendamento Residencial (PAR)”. A moradia temporária do PAR deve pôr fim ao “cheque de aluguel social” que não resolve a necessidade de teto emergencial para as famílias despejadas e condena a que cada família “se vire” com o dinheiro de aluguel social. 13. Plano emergencial de localização de lajes e/ ou pisos em capacidade estrutural de ser construídos para uso de moradia. Contra o preconceito do crescimento das favelas: subsídios para construção e melhoramentos das moradias existentes nas favelas. Acabar com a construção de “muros da vergonha”, sob o argumento cínico da defesa do meio ambiente.
14. Localização de prédios, lotes ociosos, para ser declarados como áreas de interesse social (para Zonas de Interesse Social) sujeitas a projetos de moradia popular em áreas consolidadas dos municípios e não na periferia. 15. Construção de moradias populares, articulados através de um plano de obras públicas, com apoio técnico e que absorva os trabalhadores desempregados, com remuneração digna, na construção de moradias, escolas, hospitais e espaços públicos para atender as demandas do nosso povo por esses serviços, pagos com o orçamento municipal e/ou com fundos que o governo federal, estadual e municipal destinem para habitação de interesse social. 16. Controle direto dos Planos Diretores Ambientais pelas organizações de trabalhadores e movimentos populares independente do governo federal, estadual e municipal para garantir que famílias tenham condições financeiras e técnicas para melhorar ou ampliar suas casas. 17. Realizar planos de obras emergenciais para regularização e recuperação de rios, córregos, riachos, canais, valões, vala etc. da zona oeste da cidade, atravessando as Baixadas de Guaratiba e Santa Cruz. que fazem parte da bacia que termina na Baía de Guanabara, 18. Plano emergencial de disposição de lixo e resíduos sólidos privilegiando a coleta nos bairros populares e limpeza de esgotos e bueiros, revistar a política municipal (Seropédica) e de outros clandestinos com disposição de lixo e resíduos sólidos ao a livre. O Plano deve ser realizado com co-gestão das organizações populares locais, dos trabalhadores organizados e grupos ambientais. 19. No governo Cyro a Secretaria Municipal de Habitação deve ser dirigida pelas organizações dos sem teto. A Secretaria Municipal de Obras deixará de ser uma instituição para a gestão de construção de obras em PPP, leiloadas e/ou em consórcios. A Secretaria Municipal de Obras será a empresa pública de construção de moradia de interesse social. 20. Retirada das chamadas “barreiras acústicas” das grandes vias, como a Linha Vermelha, que pioram as condições de vida (circulação de ar, iluminação natural etc.) daqueles ocultos por trás das barreiras, cujo real objetivo é esconder os pobres da cidade.
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Sobre a questão da “segurança pública” Apesar de as políticas de segurança serem de competência dos governos estaduais, o que vemos na cidade do Rio de Janeiro é que, com a eleição de Eduardo Paes, promovida também pelo governo do Estado, as políticas municipais de ordenamento urbano aproximaram-se e combinaram-se às políticas de segurança. Como já ressaltado, é neste contexto que ocorre a ampliação das competências da Guarda Municipal – assim como sua transformação em autarquia do governo municipal - e a instituição da política seletiva e repressora do Choque de Ordem, além da atuação conjunta da Prefeitura e do Governo Estadual nas favelas com UPP por meio do programa UPP Social. Nesse sentido, no programa de governo do Cyro, consideramos as questões relativas à segurança pública de forma a desmobilizar o aparato repressor construído pelo governo municipal nos últimos anos de forma a caminhar na direção de uma gestão não securitária das questões sociais no Rio de Janeiro, na perspectiva de um Brasil socialista: I. Unificação da Polícia Militar, Civil e Guarda Municipal em uma só polícia de caráter civil, isto é, desmilitarizada. II. Pelo fim das UPPs ou qualquer forma de ocupação militar nas comunidades. III. Que os agentes de segurança pública sejam eleitos democraticamente pelas comunidades IV. A guarda municipal deve ser reorganizada, ter suas competências restringidas e sua atividade reorientada para a prestação de serviços de auxílio aos moradores, de forma a fortalecer as organizações políticas locais (bairros) populares para a gestão das questões sociais específicas de cada região. Assim, a segurança e o ordenamento das áreas públicas resultará de políticas sociais e do fortalecimento das associações de trabalhadores e de bairros e não de uma política seletiva e repressora contra os trabalhadores precarizados. V. Que os policiais tenham o direito de se organizar em sindicatos e eleger seus representantes democraticamente. VI. Investimento públicos massivos em educação e saúde pública, saneamento básicos nas comunidades carentes destes serviços.
VII. Pelo Fim da UPP Social e desenvolvimento de um programa alternativo, com a independência total das associações de moradores para implementação de políticas sociais e reformas estruturais em relação a moradia, coleta de lixo, saneamento básico, transporte público no interior das favelas, respeitando as características de cada região, fortalecendo formas próprias dos moradores de lidar com as questões coletivas e garantindo a total independência das formas representativas dos trabalhadores nas favelas.
2012 - Profissionais da Saúde federal em greve no Rio fazem protesto na porta do Hospital Geral de Bonsucesso. Foto: Tania Rêgo/ Agencia Brasil
um programa socialista para a saúde pública Sistema Único de Saúde – SUS: do discurso dito socialista à prática capitalista
cerca de 8% do PIB nacional, uma vultosa quantia de recursos públicos e privados.
O direito à saúde possui três dimensões importantes, em primeiro lugar, é uma conquista democrática fruto da luta da classe trabalhadora, mas pode ser utilizado como um instrumento de conciliação de classes e também pode de ser concebido como um espaço de acumulação de capital, visto que, o setor envolve uma vultosa quantia de recursos públicos e privados. Deste modo, mais do que uma preocupação decorrente dos ideais humanitários de solidariedade, na sociedade capitalista, o direito à saúde passa a ser uma exigência dos processos de acumulação e reprodução de capital, o que lhe imprimi contornos mercantilistas.
O SUS é uma forma de constituir formalmente o direito universal a saúde, contudo, o Estado brasileiro assegurou a livre iniciativa privada e não regulamentou fontes de financiamento para sua garantia; e como consequência, o SUS é um refém da lógica capitalista, financeiramente rentável e entendido como valor de mercado, visto que, ele garante um expressivo mercado de serviços e empresas privadas. Assim, a saúde como direito tornou-se um privilégio individual de poucos que dispõem de poder financeiro ou politico e não um valor de caráter universal.
No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) não possui uma história diferente. A sua constituição se dá como uma conquista democrática fruto do acirramento da luta de classes, na década de 1980, expressa por uma sociedade que rompia com a ditadura militar e exigia o direito às liberdades democráticas. No entanto, se configura numa política de conciliação de classes, e não como um direito real. Visto que, não se concretiza como um sistema de saúde universal, mas sim, como uma política restritiva aos extratos mais pobres da população, com alguns serviços de excelência que essa mesma população não tem acesso. E sem dúvida é também um espaço de acumulação de capital que envolve
Rio de Janeiro é a capital com pior avaliação no atendimento no SUS Segundo dados da Secretaria Municipal de Saúde (2010), a cidade do Rio de Janeiro possui uma cobertura populacional pelo SUS de 63,5%. A cidade apresenta um quadro de saúde muito precário. O município conta com 2171 Unidades de Saúde 1 Principais Hospitais Municipais da Cidade: Centro - Hospital Municipal Souza Aguiar; Hospital Maternidade Oswaldo Nazareth; Hospital Maternidade Fernando Magalhães; Zona Sul - Hospital Municipal Miguel Couto – Gávea; Hospital Municipal Rocha Maia – Botafogo; Instituto Municipal Philippe Pinel – Botafogo; Zona Norte - Hospital Municipal Salgado Filho – Méier; Policlínica Municipal César Pernetta – Méier;
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que prestam serviços administrados pela esfera municipal, entre elas: hospitais, maternidades, policlínicas, centros de saúde, clinicas de saúde da família e outros. É importante ressaltar que a localização dessas unidades não obedece a critérios populacionais, mas socioeconômicos. Assim as unidades de saúde de maior complexidade tais como: hospitais, maternidades e reabilitação não estão localizados na Zona Oeste, para essa região de menor poder aquisitivo há o predomínio de postos de saúde e clinicas da família e/ou Programa Saúde da Família - PSF, que oferecem serviços de menor complexidade, assim, na cidade do Rio de Janeiro existem diferentes políticas de saúde para os diferentes estratos sociais.
o acesso ao pré-natal é tardio, os exames básicos nem sempre são feitos, a solicitação de exames complementares é superior à realização dos mesmos, e a orientação quanto ao parto é muito precária. Além disso, não há garantia de acesso à maternidade no momento do parto, o que por vezes, leva a mulher a uma verdadeira peregrinação que coloca em risco a sua saúde e de seu filho.
De acordo com os dados do Índice de Desenvolvimento do Sistema Único de Saúde IDSUS, estudo realizado pelo Ministério da Saúde (2011), o Rio de Janeiro obteve nota 4,33 (em 10), ocupando a última posição dentre as capitais brasileiras. Essa classificação leva em consideração dados de acesso à saúde e de efetividade dos serviços prestados.
A mortalidade infantil é um bom indicador das condições de vida de uma população, e mede a mortalidade de crianças menores que um ano. No Rio de Janeiro, observam-se as maiores taxas nos bairros da periferia como Santa Cruz, Campo Grande, Irajá, o que evidencia precariedade dos serviços de assistência nessas áreas, bem como o acesso à prevenção e à promoção de saúde.
Um dos maiores problemas enfrentados pelos trabalhadores que utilizam o SUS no Rio é a demora pelo atendimento e a dificuldade no acesso aos serviços. O IDSUS avaliou o acesso aos serviços de saúde e sua efetividade. Dois importantes indicadores que avaliam o acesso são o de “Cobertura populacional estimada pelas Equipes Básicas de Saúde”, que obteve a nota 2,36 e o indicador de “Razão de exames de mamografia realizados em mulheres de 50 a 69 anos e população da mesma faixa etária”, que obteve a nota 0,97. O IDSUS não avaliou o tempo de espera por uma consulta médica, porém estima-se que este possa chegar a quase três meses, dependendo da especialidade.
A mortalidade materna é outro bom indicador de qualidade de vida da mulher; mede a qualidade da assistência prestada no período de gravidez e puerpério, e ainda hoje chega a valores 50 por 100 mil nascidos vivos. Em 2010, assim como a mortalidade infantil, bairros como Campo Grande e Irajá, que se encontram na periferia da cidade, tiveram maiores taxas de mortalidade materna. Quando se comparam os dados totais do Rio, em 2010, tem-se que o número de mortes relacionadas à gravidez é duas vezes maior entre as mulheres negras, e o mesmo acontece quando comparadas as mortes no puerpério.
Um indicador relacionado com a efetividade dos serviços é a taxa de Incidência de Sífilis Congênita, o qual obteve a nota 1,94, que indica a qualidade do prénatal, pois a Sífilis Congênita pode ser diagnosticada e tratada precocemente, se o pré-natal for bem feito, com a realização dos exames necessários. Em geral, Hospital Maternidade Carmela Dutra – Lins de Vasconcelos; Hospital Municipal Paulino Werneck – Ilha do Governador; Policlínica Rodolpho Rocco – Del Castilho; Hospital Municipal Francisco da Silva Telles – Irajá; Hospital Maternidade Herculano Pinheiro – Madureira; Hospital Maternidade Alexander Fleming – Marechal Hermes; Barra e Jacarepaguá - Hospital Municipal Lourenço Jorge – Barra da Tijuca; Hospital Municipal Jurandir Manfredini - Jacarepaguá
Também avaliando a qualidade da assistência, há a “proporção de óbitos nas internações por infarto agudo do miocárdio”, que obteve nota 6,24. Esse valor mostra que a chance de morrer por infarto do miocárdio após ser atendido num hospital da rede pública carioca é de mais de 40%.
O Rio de Janeiro também é a capital campeã em mortalidade por tuberculose. A doença é responsável por uma taxa de 12,83 óbitos por 100 mil habitantes, no período de Jan/2011 a Mar/2012, um total de 129 óbitos. Mata muito mais que a Dengue, cuja taxa de mortalidade no mesmo período é de 1,04 por 100 mil, sendo 26 óbitos, no mesmo período. Além disso, o número de mortes por tuberculose entre a população negra, no Rio de Janeiro, em 2011 foi de 56, comparado a 25 mortes entre a população branca, novamente comprovando a diferença racial no acesso e na efetividade dos serviços de saúde. Os índices de tuberculose no município são vergonhosos, doenças que tem sua base na pobreza fruto da desigualdade social imposta pelo sistema capitalista.
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A situação dos hospitais municipais é muito preocupante. Dos 71 hospitais do município, 23 são de administração municipal. Existe uma investigação pelo ministério público para apurar tantas mortes. Os hospitais públicos da rede municipal superlotados, o que além de não garantir o atendimento à população expõe os pacientes a infecções hospitalares. Segundo pesquisa do CREMERJ realizada no Hospital Municipal Salgado Filho, no ano de 2010, 363 (42,5%) dos 854 pacientes internados por mais de 24 horas na emergência do hospital morreram devido a uma infecção hospitalar. No Centro de Tratamento Intensivo (CTI), o número de vítimas fatais chegou a 30% dos 289 internados. E qual a saída que Paes apresenta? Entregar os hospitais e as emergências dos mesmos, nas mãos das Organizações Sociais, que são alvo de denúncias de corrupção e desvio de verba pública. Enquanto a saúde agoniza Paes gastou R$ 30 milhões para o sorteio da Copa, promovido pela Geo Eventos, empresa vinculada da rede Globo. E doou R$ 130 milhões da prefeitura para o Museu do Amanhã, da Fundação Roberto Marinho. Clínicas da Família: Um modelo de saúde restritivo: A política prioritária do governo de Eduardo Paes para a saúde carioca foi a Estratégia de Saúde da Saúde, que no Rio de Janeiro, que no município recebe no nome de Clinicas da Família. Um equipamento de saúde que responde apenas a problemas de saúde de baixa complexidade, e ainda, não trabalha com atendimento de urgência e emergência. O que não responde ao problema das emergências superlotadas. Como promessa de campanha Paes disse que ampliaria então “Programa Saúde da Família”, que tinha cobertura de apenas 7%, e ainda, que criaria 60 consultórios de Saúde da Família, funcionando em três turnos. E ainda, colocaria os postos de saúde abrindo às 6h e fechando às 20h, com plantão permanente de clínicos, pediatras e ginecologistas. No site da Secretaria Municipal de Saúde anuncia 58 Clínicas da Família já inauguradas, porém só apresenta dados relativos ao funcionamento de 53 delas. A cobertura populacional pela Saúde da Família é de 1.051.841 habitantes (16,5% da população, segundo a estimativa de 2011, IBGE) relativos a 350.639 famílias, de acordo com o SIAB/ DATASUS (Abril 2012). De acordo com esses
dados, a cobertura está longe de atingir os 35% anunciados pela Secretaria Municipal de Saúde para o ano de 2012. As unidades continuam funcionando em horário comercial, o que dificulta o acesso da população que trabalha. As clínicas da família e PSF são gerenciadas por Organizações Sociais, entidades de direito privado, reconhecidas pela Lei Municipal 5026, de 19 de Maio de 2009, regulamentadas pelo decreto 30780, de 2 de Junho do mesmo ano. As Organizações Sociais são responsáveis pelos contratos de gestão de serviços em saúde, bem como pela contratação dos profissionais de saúde, que passa a ser feita por meio de contratos de trabalho precários e temporários, pautados na lógica de produtividade. As metas de produtividade no âmbito da saúde são radicalmente opostas à qualidade dos serviços prestados, pois trazem para o cuidado em saúde a lógica do capital, com cortes de gastos nos serviços básicos e aumento da produtividade nos serviços mais lucrativos, como exames complementares. Enquanto a prefeitura pinta um quadro maravilhoso sobre a cobertura da Saúde da Família e sobre a política pobre de combate à Dengue, os trabalhadores e trabalhadoras da cidade sofrem com o péssimo atendimento dos postos de saúde, das UPAs e dos hospitais públicos, cada vez mais precários, e cada vez mais geridos por organizações privadas. Unidades de Pronto Atendimento (UPA): Política de Saúde Eleitoreira No vácuo entre a atenção básica e a alta complexidade, associado ao caos dos hospitais da rede pública, entra a política eleitoreira das UPAS. Certamente, aumentar o acesso da população a serviços de saúde necessita ser uma preocupação constante, contudo, questionamos o que representam as UPAS na saúde do RJ e que melhorias reais trazem para a saúde da população. Como promessa de campanha Paes disse que construiria 40 Unidades de Pronto-Atendimento (UPAs) 24 horas, com cinco milhões de atendimento por ano, retirando das filas dos hospitais 20 mil pessoas/dia. Mais uma promessa não cumprida. O município conta com 11 Unidades de Pronto Atendimento (UPA), responsáveis por procedimentos de urgência e pronto-socorro. Muitas UPAs funcionam sem médicos, e com grandes filas para atendimento.
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Os dados da Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil são incompatíveis com a realidade do atendimento, pois são tão pobres e insuficientes quanto a qualidade do serviço de saúde prestado pelas UPAs. As Unidades de Pronto Atendimento representam atualmente uma estratégia política duvidosa do governo. A população assim como os trabalhadores do setor saúde tem dificuldades em entender o papel dessa unidade de saúde dentro do SUS, que inicialmente surge com o propósito de absorver a demanda das emergências dos grandes hospitais do Rio de Janeiro. Entretanto, tal projeto não tem se mostrado tão eficiente, os usuários chegam a esperar horas, os exames laboratoriais que antes eram feitos em muitas unidades já não são mais e, além disso, essas unidades não conseguem estabelecer um vínculo de referência e contra referência com o resto da rede SUS para que os usuários deem continuidade ao tratamento, conferindo o princípio da integralidade. As UPA são unidades pré-montadas com estrutura móvel, que possuem um alto custo para manutenção e ainda garantem o lucro das construtoras que monopolizam esse negócio. Apesar de não haver clareza nos investimentos dessa estrutura de saúde, seu financiamento mensal para manutenção varia de 1 a 2 milhões de reais. Segundo especialistas gastos muito altos que poderiam ser reavaliados com o intuito de se fazer investimentos adequados no SUS. Ao invés do gasto absurdo com as UPA uma política mais coerente seria a dura batalha contra o desmonte dos serviços de pronto atendimento, postos de saúde, urgência e emergência. Contudo, fortalecer o sistema público estatal não favorece os empresários da saúde. Organizações Sociais: O câncer da saúde pública carioca. As Organizações Sociais - OS representam a transferência de funções da administração pública estatal para o setor privado, e o aumento da exploração e ataques aos trabalhadores e a população de conjunto, pelos seguintes motivos: a) Põem fim a estabilidade, pois, determina que os trabalhadores sejam regidos pela consolidação das leis do trabalho (CLT) e não mais pelo regime jurídico único; b) cria a fragmentação entre os trabalhadores, pois cada fundação terá autonomia de criar seu próprio plano de cargos, carreira e salários; c) ferem os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS); d) fragiliza o Estado, visto que este fará a transferência de todo
o patrimônio público para o setor privado; e) criam metas de desempenho e produtividade estimulando a competição entre os trabalhadores e mercantilizando o direito à saúde. Ou seja, o objetivo final é garantir o setor saúde como um espaço de acumulação de capital, regido pela lógica empresarial e não social. O SUS é uma conquista da sociedade brasileira que precisa ser valorizada e defendida contra qualquer iniciativa que impeça o seu avanço na direção da universalização da saúde ou que atente contra os seus princípios e suas diretrizes. Dinheiro da Saúde para as Organizações Sociais A saída apontada por Eduardo Paes para resolver os problemas da saúde pública carioca é a entrega dos serviços de saúde para a administração da iniciativa privada. Em 2011 apesar da previsão orçamentária de investimentos da ordem de R$ 4 bilhões de reais em saúde, no diário oficial do município de 30/01/12, mostra que a execução orçamentária foi de R$ 1 bilhão e 875 reais. Menos da metade do declarado. O que corresponde a 19% da receita municipal, atendendo ao percentual mínimo de 15% estipulado pela EC 29. Mas para onde vai o dinheiro da saúde? Cerca de 40% do orçamento da Saúde é destinado às Organizações Sociais. Além de nenhuma transparência, a contabilização não esclarece o valor gasto com pessoal, pois todos os gastos com OS são contabilizados na categoria “Outras Despesas Correntes”. Ou seja, não é feita distinção entre o que é custeio ou gasto com pessoal, assim, a contratação das OS não responde as restrições da lei de responsabilidade fiscal, que é a justificativa utilizada pelos governantes e gestores para privatizar a saúde pública.
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Em R$ milhares constantes; FONTE: Prestação de contas 2009 a 2011 e PLOA 2012.
Recentemente a Revista Veja expôs dados do dossiê do Tribunal de Contas do Muncípio TCM que traz a tona a corrupção promovida pelas Organizações Sociais, entidades teoricamente sem fins lucrativos, que a prefeitura contratou para gerenciar o programa de saúde da família e unidades de pronto atendimento do município do Rio de Janeiro. As treze gestoras privadas contratadas sem processo de licitação controlam um orçamento no montante de 2,7 bilhões de reais. Desse total 600 milhões de reais foi parar sob a administração do Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde (IABAS) que administra cinco UPAS localizadas nas zonas Norte e Oeste. O dossiê expõe irregularidades na contabilidade e na contratação de serviços (quarteirização). A investigação aponta que no período de fevereiro/2010 a junho/2011, em duas UPAS administradas pela IABAS há mais de 1,2 milhões de reais em notas duplicadas ou triplicadas. Embora esses sejam dados específicos da IABAS, essa é a prática recorrente dessas empresas terceirizadas que administram o recurso público, propinas, desvio de verbas, notas duplicadas ou triplicadas. Por isso, defendemos não a auditorias ou processos de licitação transparentes, mas a rescisão dos contratos com as Organizações Sociais e sua abolição da gestão da saúde pública. Pois essas são empresas corruptas que desviam para próprio bolso o dinheiro que serviria para melhorar o precaríssimo atendimento de saúde pública no Rio de Janeiro. Epidemia de Dengue: De quem é a culpa? A saúde da população do município do Rio de Janeiro está intimamente ligada às interferências e aos desastres ambientais que ocorrem na cidade. O SUS no município, assim como em outras esferas, sofre um vertiginoso processo de privatização com a implantação das OS´s (Organização Social) que deixa a situação já frágil da saúde da população carioca mais suscetível ainda a diversas enfermidades.
Na campanha eleitoral de 2008 Paes se comprometeu em evitar uma nova epidemia de dengue. A partir da criação um gabinete integrado contra a dengue e um plano emergencial de combate ao mosquito. Com contratação emergencial de 1.850 agentes de saúde para isso. E ainda, que os postos de saúde e todas as unidades de saúde seriam equipadas para fazer exame de sangue para diagnosticar a doença. Resultado da promessa de campanha não cumprida – Epidemia de Dengue em 2012. Segundo dados da Secretaria Municipal de Saúde (2012) até 1 de junho de 2012, pós epidemia de dengue, foram registrados 82.680 casos, com sendo 19 mortes. Esses dados indicam que 13% da população carioca foi infectada pelo mosquito. O número real possivelmente é muito superior visto que uma parcela expressiva da população só procura os serviços de saúde em caso de agravamento da doença. A epidemia de dengue, não surpreende mais pela abrangência e pelas mortes. É historicamente uma tragédia anunciada e esperada! Enquanto a tragédia se repete, o atual prefeito Eduardo Paes (PMDB), candidato de Sérgio Cabral (PMDB), decreta que um dos (co) responsáveis por resolver o problema da dengue é a população carioca: “Continuamos pedindo a colaboração, que é nesta corresponsabilidade, de fazer a prevenção, de olhar na sua casa e ver se tem criadouro do mosquito” ( Jornal Estadão, edição on-line, 16 março de 2012). Sabemos que a persistência e a progressão desta virose estão condicionadas à sobrevivência e reprodução do seu vetor (transmissor), a fêmea do mosquito Aedes aegypti, no ambiente. Sendo que ainda não existe uma vacina para a dengue, o combate aos criadouros tem sido a melhor estratégia. O mosquito Aedes aegypti reproduzse em reservatórios de água espalhados na cidade, e especialmente nas áreas pobres e em expansão urbana (na maior parte das vezes desordenada), sem infraestrutura, onde a coleta de lixo deficiente, a falta de sistema de esgoto e abastecimento de água
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eficiente contribui para o surgimento da epidemia. O fato da população ter de armazenar água em grande quantidade e em condições precárias aumentam as chances de se condicionarem locais para reprodução do mosquito. Segundo estudos da Fiocruz, a infraestrutura de habitação guiada pelo capital especulativo é determinante para a conformação da segregação sócio espacial, resultando em formas diferenciadas de receptividade e vulnerabilidade à dengue. Deste modo, o Rio de Janeiro sofre com a ausência de politicas públicas socioambientais de saneamento do espaço urbano, exemplificada pela ineficiência da coleta de lixo e pela distribuição irregular e injusta da água, levando a população a armazená-la. Assim, instalam-se os criadouros do mosquito. Somase a isso a ausência de uma política habitacional, permitindo que imóveis fiquem fechados para especulação imobiliária nos quais os mosquitos proliferam. A população pode ajudar a combater os focos dos mosquitos, mas essa medida representa apenas a ponta do iceberg no processo e outros fatores precedem a esta. Além do mais, é responsabilidade do governo garantir assistência devida em educação ambiental para toda a população em suas escolas públicas, as quais faltam professores bem remunerados e estão em condições precárias de ensino. Outro fator importante é a relação com o clima da cidade, que segundo estudos da Fiocruz nos verões quentes e secos parecem propiciar a dengue no Rio de Janeiro. A proposta medíocre e eleitoreira anunciada, por Paes, durante a fracassada “Rio+20” para redução de emissão de gases estufa (que contribuiria para menor interferência no clima) não caminha em sentido de atenuar um dos determinantes da epidemia. A Constituição Federal, em seu artigo 196, dispõe que a saúde é dever do Estado, logo, a evolução da epidemia de dengue é consequência da omissão do Estado, embora o governo e a mídia culpem a população. É indiscutível a responsabilidade direta do prefeito Eduardo Paes, e posteriormente do governador Sérgio Cabral, que deveriam promover ações de controle do vetor e ofertar serviços de saúde públicos de qualidade para atender a população doente. O exemplo da epidemia de Dengue se estende a
outras diversas doenças de impacto na cidade do Rio de Janeiro, como a leptospirose e sua relação com as enchentes que sempre acometem os bairros pobres onde residem os trabalhadores da cidade. Por uma saúde sem opressões Além da exploração dos trabalhadores, o capitalismo e a burguesia extraem seus lucros em cima dos setores oprimidos da classe trabalhadora. Apesar da disseminação da ideologia de que não há mais opressões no mundo moderno: “o machismo no Brasil acabou com o advento de uma presidente mulher”, a “democracia racial” e mais claramente aqui na nossa cidade o “rio sem homofobia”; para os oprimidos é bem claro que as opressões permanecem, e pior se aprofundam. Essa falsa ideia de que não há mais opressões colabora bastante para o aprofundamento das mesmas. No campo da saúde é bastante brutal como o capitalismo segue matando a classe, e ainda mais as mulheres, negros e negras e LGBTs. As políticas de saúde adotadas pelos governos segue sendo insuficientes e inconsequentes para dar fim a desigualdade no acesso e assistência aos setores oprimidos. O pior é que ainda propagandeiam grandes vitórias nesse sentido. Na cidade do Rio de Janeiro, a mortalidade materna em 2010 era de 50,1 mortes a cada 100.000 nascidos vivos, em 2010 foi para a taxa de 59.6 (DATASUS). Mais da metade das mortes são mulheres negras. A taxa considerada ideal pela OMS (Organização Mundial da Saúde) é de 20/100.000. Enquanto isso, a política do prefeito Eduardo Paes é o projeto Cegonha, que revela a intenção de focar a política de saúde da mulher na mulher-mãe reforçando a idéia da vocação a maternidade e ao lar em detrimento das mulheres que não pretendem ter filhos, e que apesar de ter a intenção de reduzir a mortalidade materna tem dois grandes problemas. O primeiro é que devemos perguntá-lo se o principal problema da mortalidade materna é o transporte até as maternidades no momento do parto ou se é a cobertura e condições das maternidades. Se as mulheres deixam de fazer o pré-natal por falta de estrutura (os postos de saúde realizam consultas precárias, sem laboratórios, perdendo exames), informação e pela necessidade de trabalhar, ou porque falta de um cadastro. É verdade que as mulheres trabalhadoras não têm dinheiro para a passagem até os postos e hospitais para realizar o pré-natal.
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Mas isso tem raiz num problema de fundo que é a privatização dos transportes públicos e das péssimas condições de vida a que os trabalhadores estão submetidos. Para resolver esse problema, é preciso ter transporte público, gratuito e de qualidade, e acesso ao posto de saúde (com qualidade) próximo a residência dos trabalhadores. O segundo problema deste projeto é que abre a possibilidade de constrangimento ou mesmo criminalização das mulheres que decidem realizar o aborto, já que há um registro de todas as gestantes. O aborto é outra questão grave que acomete as mulheres trabalhadoras. O aborto é uma questão de direito da mulher sobre seu próprio corpo e de saúde pública. As mulheres ricas podem realizar abortos clandestinos em condições dignas, pois podem pagar. Às mulheres trabalhadoras restam condições insalubres e toda sorte de medicamentos, chás, e até mesmo penetração de objetos para retirada do feto, ou seja, medidas bárbaras e inseguras, que levam muitas vezes a complicações e mortes. A questão da violência é outro campo que “escolhe” os setores oprimidos. O estupro no estado do rio cresceu 88% nos últimos 11 anos. Hoje com a lei Maria da Penha, conquista dos movimentos sociais (mas muito lapidada pelo governo até sua aprovação), as mulheres poderiam denunciar e ter direitos garantidos em casos de agressão e violência. No entanto, poucas mulheres conseguem de fato se beneficiar da lei, visto que o investimento do governo pra implantação da lei é muito menor do que a necessidade. No Rio há apenas 3 delegacias da mulher e 2 casas abrigo. Para grande maioria das mulheres agredidas todos os dias não há medidas concretas para sua segurança e sobrevivência. A violência é também a principal causa de morte dos homens jovens, e muito maior para a juventude negra. Em 2000, 58% das mortes por agressão foram de homens negros, em 2004 foram 63%. Para a população LGBT, a violência também é um grave problema, principalmente transexuais e travestis e homossexuais masculinos. Dados nacionais apontam que um LGBT morre a cada 36hs. Fora as agressões físicas e morais cotidianas. As lésbicas sofrem do “estupro corretivo”, um ato de homofobia e machismo contra as mulheres que transgridam o papel submisso e “feminino” que a mulher “tem que cumprir” para agradar aos homens. A situação de moradia da população negra é outra questão importante, pois também irá determinar as
condições de saúde deste setor em muitos aspectos. Os dados de saneamento básico apontam que 17% dos domicílios chefiados por homens negros não tem abastecimento de água de uma rede geral. O escoamento de esgoto por fossa rudimentar, vala, rio ou outro se produz em 19,1% dos domicílios chefiados por homens negros, 15,9% por mulheres negras, 13,4% por homens brancos e 9.6% por mulheres brancas. Não há coletas de lixo diretas em 19.8% e 17.7% dos domicílios chefiados por homens e mulheres negras respectivamente, contra 13.7 e 10.2 de homens e mulheres brancas respectivamente. As doenças mais prevalentes nos setores oprimidos são negligenciadas pelas políticas de saúde. As mulheres jovens no Brasil seguem morrendo de câncer de colo de útero, uma doença curável e preventível com uma boa cobertura e acesso às unidades de saúde, e tendo hospitais de referência que deem seguimento aos casos iniciais. No entanto, boa parte das mulheres, apesar do “acesso universal” do SUS chegam ao atendimento em estágios já muito avançados e sem possibilidade de cura. Os hospitais muitas vezes não têm recursos para realizar exames mais especializados a tempo. A saúde da população LGBT é completamente focalizada nos programas de HIV que atendem majoritariamente aos gays e transexuais, mas não tem um programa de atendimento integral a essa população. Neste sentido vale considerar dois aspectos: primeiro que há estudos que os gays e transexuais hoje têm conhecimento e usam medidas de proteção, mais do que a população em geral, e que também já não há mais grupos de risco para a contaminação do HIV e sim comportamento de risco, em que os heterossexuais estariam muito mais expostos devido a falta de proteção (uso de camisinha). Refletindo uma grande hipocrisia no real combate a contaminação do HIV, o governo simplesmente fecha os olhos. O outro aspecto é que essa política desconsidera qualquer tipo de política para as lésbicas, sendo este setor completamente invisível ao sistema de saúde. Sem estudos ou ações sobre DSTs (Doenças Sexualmente Transmissíveis) neste grupo. Não há formação dos profissionais de saúde em atender os LGBTs, e o que acontece é que este setor é discriminados no acesso á saúde. As transexuais são muito marginalizadas em qualquer tentativa de acesso ao sistema de saúde, enfrentando problemas com o nome social e
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também com o cuidado de doenças que não sejam relacionados ao HIV, pois é somente este aspecto que o sistema enxerga.
da classe trabalhadora. É preciso uma política séria e consequente para estes setores, não podemos tolerar mais mortes por machismo, racismo e homofobia!
As travestis não tem acesso a hormonioterapia e aplicação de silicone, sendo submetidas a aplicações clandestinas de silicone industrial e automedicação, procedimentos muito perigosos, levando a deformações e a mortes. A cirurgia de mudança de sexo é feita em somente um hospital público no Rio de Janeiro, tendo uma fila de espera muito grande, o que leva as mulheres transexuais trabalhadoras a procedimentos clandestinos ou a uma situação moral muito fragilizante.
*mortalidade materna é o número de óbitos de mulheres devido a complicações da gravidez, do parto e do puerpério (relacionados ou não a gravidez, excluindo-se as mortes acidentais), observados durante um determinado período de tempo normalmente, 1 ano civil -, referido ao número de nados vivos ou nascimentos totais do mesmo período.
Apesar de para a ciência não haver mais grupos de risco pro HIV, o sistema não permite doação de sangue de LGBTs, especialmente de homens, o que é uma homofobia institucional muito grave, que deixa inclusive de salvar vidas.
O município do Rio de Janeiro tem um diferencial entre outros municípios do estado que é a concepção da Lei Orgânica Municipal (05 de abril de 1990) anterior à lei Orgânica de Saúde (lei nº 8080 de dezembro de 1990) quanto à competência para as ações de saúde do trabalhador. A lei municipal define inclusive o papel deste como organizador, como fiscalizador dos locais de trabalho, enfim, define a competência do município para o setor de Saúde do Trabalhador. No entanto, há um hiato de tempo entre uma determinação legal, que era um processo avançado, e a incorporação desta na estrutura do setor saúde.
A população negra sofre de algumas doenças e condições que já estão estabelecidas com o recorte racial. Desde diabetes e hipertensão arterial (doenças que acometem boa parte da população e são responsáveis pelas mortes relacionadas ao aparelho circulatório, primeira causa de morte no Brasil e no mundo), até tuberculose (os negros e negras tem duas vezes mais chance de “pegar” tuberculose que a população branca), câncer de colo de útero, mortalidade infantil, HIV, anemia falciforme e outras. Mesmo assim, o sistema de saúde recolhe poucos dados sobre essa população (o quesito “raça/cor” nas fichas médicas é pouco valorizado e os sistemas de informação em saúde dão pouca relevância ao tema). Além disso, não há uma política de saúde voltada para atender as especificidades e as necessidades dos negros e das negras, relegando a esse setor a manutenção de doenças preventíveis e a um maior montante de mortes em relação aos brancos. De uma maneira geral, não há uma pesquisa consequente sobre as informações de saúde das mulheres, negros e negras e LGBTs, sendo uma das grandes limitações inclusive para apontar a situação de saúde mais fidedigna destes setores. O governo, por exemplo, não gera dados de violência contra os LGBTs. No caso da violência às mulheres gera apenas dados indiretos. Para maioria das doenças que mais atingem a população e/ou matam normalmente não há um recorte racial, a não ser com o cruzamento de certos dados. Infelizmente, isso só contribui para mais marginalidade e mortes para um amplo setor
E onde fica a Saúde do Trabalhador?
A atenção à Saúde do Trabalhador é operacionalizada, na conjuntura atual, pela implementação da RENAST - Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador, concretizada no esforço atual de estruturação do seu eixo estratégico: a rede nacional de CERESTs – Centro de Referência em Saúde do Trabalhador. O Município do Rio de Janeiro conta com dois Cerests, o que está abaixo da meta do Plano de Ação da Renast no período de 2009 – 2011. Plano que pressupõe, entre outras metas, a implantação de novos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador; de novos serviços Sentinela em Saúde do Trabalhador; Ampliação das notificações dos agravos relacionados ao trabalho no Sistema Nacional de Agravos e Notificação SINAN (Portaria de nº 777/2004 do Ministério da Saúde) e das unidades sentinela; Criação dos Serviços de Vigilância em Saúde do Trabalhador e ampliação do “Projeto de Atenção à Saúde do Trabalhador nas Emergências” para os 04 grandes hospitais sob gestão municipal e demais serviços de emergência, visando sua habilitação como unidades sentinelas, bem como desenvolver nos hospitais universitários ações de sensibilização
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junto as equipes das UPAs para a notificação dos agravos relacionados ao trabalho. Destarte que, o município tem uma característica econômica, política e social principal: o setor de serviços é o que mais emprega. Os postos de trabalho do setor de serviço vêm tomando conta em detrimento da indústria e do trabalho rural. Atribuem-se esta característica a questão de ter sido capital do país e ter a maior rede de saúde pública da América latina e uma ampla rede de educação. O município do Rio de Janeiro apresenta um amplo conjunto de hospitais públicos, o que tem relação com o fato de ter sido Distrito Federal até 1960. Esse conjunto de hospitais, único no país tanto em termos quantitativos quanto de composição, compreende: a) o maior grupo de hospitais federais não universitários do país, originários do INAMPS e dos programas do Ministério da Saúde; b) um conjunto expressivo de hospitais estaduais, que pertenciam ao antigo Estado da Guanabara e passaram para a administração da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro no momento de fusão dos dois estados em 1975; c) uma rede de hospitais municipais importantes. Tem uma presença mais forte no setor de serviços; uma visibilidade muito grande do trabalho informal que no setor de serviço é característico. Tem o trabalho domiciliar com pequenas fábricas, como por exemplo, de vestuário, tem o processo de desorganização do uso e ocupação do solo; de ocupação e de distribuição de atividades produtivas; presença do trabalho infantil nas ruas. Enfim, uma complexidade evidenciada no conflito capital e trabalho ocasionando a ampliação de doenças e acidentes de trabalho. O número de acidentes de trabalho registrados no Rio de Janeiro cresceu 45,2% em apenas 2 anos, de acordo com procuradores do Trabalho que atuam no Rio de Janeiro. Os setores da construção civil e as unidades hospitalares públicas são as áreas em que a incidência de denúncias recebidas pelo Ministério Público do Trabalho e representa a maioria dos casos investigados. A construção civil é responsável por grande parte desta estatística, agravada com as obras dos megaeventos esportivos (Copa do Mundo e Olimpíadas) e do Programa de Governo, como o PAC – Programa de Aceleração do Crescimento, liderando as taxas de acidentes de trabalho fatais,
não fatais e anos de vida perdidos. Dados mais recentes revelam que na Região Sudeste o número de trabalhadores na construção civil é de 2.476.137, aumentando consideravelmente desde a última estimativa. Dados disponibilizados pelo Ministério da Previdência Social fornecem um quadro mais amplo. Por meio do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), é possível notar que os acidentes de trabalho na construção civil cresceram 69,3% entre 2006 e 2008. O número de óbitos aumentou 25% no mesmo período e os acidentes que causaram incapacidade permanente subiram 37%. Impressiona ainda mais o salto de acidentes que causaram afastamento de empregados por mais de 15 dias de 2006 a 2008: 122%. A intensificação do trabalho no canteiro de obras, o aumento da carga horária e a exigência por prazos facilita a ocorrência de acidentes. O ritmo muito intenso traz novos problemas para a saúde do trabalhador como LER [Lesão por Esforço Repetitivo], Dort [Distúrbios Osteo-musculares Relacionados ao Trabalho] e hérnia. Segundo a Organização Internacional do Trabalho, todos os anos morrem, no mundo, mais de 1,1 milhão de pessoas, vítimas de acidentes ou de doenças relacionadas ao trabalho. Esse número é maior que a média anual de mortes no trânsito (999 mil), as provocadas por violência (563 mil) e por guerras (50 mil). Destaca-se, dentre os muitos outros, o problema das máquinas e equipamentos obsoletos e inseguros, responsáveis por cerca de 20% dos acidentes de trabalho graves e incapacitantes registrados no Brasil. Os trabalhadores que sobrevivem a esses infortúnios são também atingidos por danos que se materializam em sofrimento físico e mental; cirurgias e remédios; próteses e assistência médica; fisioterapia e assistência psicológica; dependência de terceiros para acompanhamento e locomoção; diminuição do poder aquisitivo; desamparo à família; estigmatização do acidentado; desemprego; marginalização; depressão e traumas. Também têm crescido os acidentes durante o trajeto de ida para o serviço e de volta para casa, conforme os indicadores fornecidos pelas empresas por meio da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), que é obrigatória. Em 2008, foram 88.742 e, em 2010, 94.789, 7% a mais. A Previdência, no entanto, contabiliza em torno de 200 mil por ano os casos que não são comunicados, mas são identificados
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e classificados como acidente pelos médicos peritos e funcionários do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) quando o segurado pede o benefício. O número das vítimas que se machucam e morrem enquanto trabalham, porém, é bem maior. Os dados da Previdência só anotam os casos de empregados registrados ou que venham a comprovar o vínculo empregatício, que gerou o pagamento de algum benefício decorrente de acidente, como auxíliodoença, auxílio-acidente, auxílio-suplementar, aposentadoria por invalidez e pensão por morte. Há muitas ocorrências que não são comunicadas, pois os empregados ficam afastados temporariamente com salário pago pelas firmas, sem recebimento de benefício previdenciário. Ficam de fora também das estatísticas os acidentes envolvendo os demais trabalhadores brasileiros – autônomos, profissionais liberais, servidores públicos, empregados domésticos e todos aqueles que atuam na informalidade nas cidades e nas lavouras. Eles representam 60% da força de trabalho.
do Estado. Em defesa do SUS 100% estatal, gratuito e de qualidade sob o controle real dos trabalhadores. Pela efetivação dos princípios do SUS. Pelo acesso universal a medicamentos gratuitos. 3 – Mais verbas para a saúde estatal: Que sejam investidos 15% da arrecadação do município em saúde. Suspensão imediata do financiamento das Organizações Sociais. Não a contribuição social (substituta da CPMF), que o financiamento da saúde venha a partir de impostos pagos pela burguesia, e instituídos por lei. Nenhum dinheiro público para a iniciativa privada. 4 – Contra a Privatização: Pela reestatização da saúde pública municipal. Concursos públicos já! Contra a terceirização das relações de trabalho, por meio de OS, OSCIPS, ONG, fundações, cooperativas, entre outras. Contra a lei de responsabilidade fiscal, que restringe o funcionalismo público. Reestatização dos equipamentos privatizados. Pela quebra dos contratos com as Organizações Sociais. Gestão pública estatal. Estatização da rede privada.
Ressalta-se que, a Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho publicada recentemente através do Decreto n 7.602, de 07 de novembro de 2011 e assinada pela Presidente da Republica Dilma Rousseff e os ministros do Trabalho, da Saúde e da Previdência Social, construída de forma tripartite, promete integrar as ações de Saúde e Segurança do Trabalho dos três ministérios e traz entre os seus princípios a universalidade. Ela propõe que a segurança e saúde alcancem a todos os trabalhadores, incluindo informais e o servidor público, buscando com isso eliminar a subnotificar e ampliar ações de proteção à saúde do trabalhador.
5 – Em defesa da participação popular: Pela construção de conselhos populares de saúde sob o controle dos trabalhadores! Não ao controle social instituído pelo SUS, que ilude, imobiliza e coopta os trabalhadores e usuários do SUS.
Um programa socialista para a saúde da classe trabalhadora
7 – Opressões: Denuncia e punição do assédio moral e sexual. Contra toda forma de opressão seja ela de gênero, racial ou devido à orientação sexual.
1 – Gerais: Não ao pagamento da dívida pública, que os recursos sejam destinados a saúde, educação e habitação, para possibilitar melhorias na qualidade de vida da população fluminense. 6% do PIB para saúde, pública, estatal e laica! Que os recursos do petróleo e do pré-sal sejam destinados a melhorar as condições de vida e saúde da população fluminense. Reforma urbana que promova o saneamento do espaço, com distribuição eficiente de água, coleta regular de lixo e uma politica habitacional que combata a especulação imobiliária. 2- Direito à saúde: A Saúde é direito de todos e dever
6 – Direito à organização: Pela carga horária máxima de 30 h semanais para todos os trabalhadores da saúde, sem redução salarial. Em defesa dos trabalhadores terceirizados! Piso nacional com isonomia salarial e de carga horária para trabalhadores de mesma escolaridade. Pela construção e efetivação do plano de cargos, carreiras e salários do SUS, construído pelos trabalhadores.
7.1. Mulheres - Pelo direito de ser mãe: pela legalização e regulamentação do aborto com assistência especializada provida pelo SUS e pela disponibilidade na rede pública de métodos anticoncepcionais.Ampliação da licença maternidade para todas as trabalhadoras, inicialmente para seis meses (com projeção para um ano), sem isenção fiscal. Ampliação da licença paternidade. Por uma política efetiva de proteção a mulher vítima de violência, com direito a abrigo e creche. Pelo atendimento sem preconceito às prostitutas no SUS.
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7.2. Negros & Negras – Contra o racismo institucional. Pela efetivação do Programa Nacional de Saúde da População Negra. Por politicas de saúde assegurem a assistência a doenças prevalentes na população negra. Pelo resgate do conteúdo do estatuto da igualdade racial no tocante à saúde, principalmente no que tange ao financiamento. 7.3. LGBTs – Que o SUS atenda as especificidades da população LGBTs. Atendimento de saúde especializado a vítimas de violência homofóbica. Uso do nome social de travestis e transexuais em todas as unidades de saúde, respeitando sua identidade de gênero! Punição a quem desrespeitar o nome social! Pelo fim do critério de proibição de doação de sangue por LGBT’s. Pela despatologização da transexualidade e ampliação da oferta de cirurgia de mudança de sexo pelo SUS, com acompanhamento especializado e sem burocracia. Pela ampliação das campanhas de prevenção a DST/AIDS e revogação da portaria da ANVISA que proíbe a doação de sangue por LGBT’s. Por uma política de redução de danos voltada às travestis, com cirurgia de implante de silicone pelo SUS como alternativa ao silicone industrial e acompanhamento multiprofissional para administração segura de hormônios. Que o Ministério da Saúde debata com todos os servidores da saúde, sindicatos, e movimento LGBT organizado e garanta: capacitação de todos os profissionais para garantir um atendimento digno a todos os LGBTs; toda assistência médica e psicológica às vítimas de homofobia. Pela distribuição gratuita de camisinhas em todas as unidades de saúde, escolas, universidades e outros locais públicos 8 - Saúde do Trabalhador - Pela ampliação da proteção à saúde do trabalhador! Pela ampliação dos CEREST em todas as Áreas de Planejamento (AP) do Município, onde o trabalhador possa ser atendido de forma integral por uma equipe multidisciplinar. Pela criação de Comissões de Saúde do Trabalhador nos locais de trabalho dos servidores públicos com plena participação do trabalhador. Introdução de estratégias que visem o resgate do saber operário. Por ambientes de trabalho sadios, seguros, onde acidentes seja fruto do acaso! Contra o abuso patronal na imposição de ritmos de trabalho alucinantes, que induzem ao aumento de doenças e acidentes de trabalho. Pelo reconhecimento e nexo causal das doenças do trabalho! Combate ao trabalho escravo erradicação do trabalho infantil e proteção ao trabalho do adolescente. Combate aos acidentes e ambientes insalubre no trabalho; Combate a todas as formas de assédio moral.
um programa socialista para a questão ambiental:
Por um governo socialista dos trabalhadores que enfrente as empresas poluidoras e a lógica destrutiva do capital! Há uma avassaladora campanha na mídia sobre a questão ambiental, principalmente depois que ficou claro o fenômeno do aquecimento global, embora alguns poucos cientistas (em geral ligados a corporações capitalistas) insistam em negar o fato. Agora a palavra de ordem é o “desenvolvimento sustentável”, que, segundo dizem, está ligado à utilização de formas mais limpas de energia em substituição dos combustíveis fósseis, como reciclagem, consumo consciente, entre outras coisas. O problema é que não existem saídas individuais, não há uma forma consequente de enfrentar o grave problema ambiental sem enfrentar as empresas poluidoras. É preciso um governo socialista dos trabalhadores que enfrente as empresas poluidoras e a lógica destrutiva do capital. O capital coloca em risco o planeta e a humanidade Para o Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas da ONU, até o fim deste século a temperatura média na Terra deve subir entre 1,8º e 4ºC. Se essa elevação atingir 5ºC, a Floresta Amazônica pode reduzir-se em mais de 50%. As emissões de gás carbônico (CO2) são a principal causa do aquecimento global. A região que mais tem sofrido com o aquecimento é o Ártico. A quantidade de gelo (em extensão e espessura) nesta região já diminuiu em mais de 42%. O mesmo acontece com as geleiras formadas nas cordilheiras (cadeias de montanhas) do planeta e com a Antártida. O
derretimento do gelo elevará o nível dos oceanos, desalojando populações moradoras das áreas litorâneas mais baixas, conformando e ampliando os refugiados ambientais. Por conta deste e de outros fatores, inúmeras espécies animais e vegetais estão desaparecendo do planeta: corais, florestas, mamíferos, peixes e aves, além dos insetos. Um em cada quatro mamíferos corre o risco de extinção, 70% das plantas também estão sob essa ameaça. Qual a razão de fundo dos problemas ambientais? Por não disporem dos meios de produção, os trabalhadores, para não morrerem de fome, têm de vender sua força de trabalho e receber em troca apenas uma pequena parte da riqueza por eles produzida. Isso possibilita o lucro ao capitalista e a miséria para a ampla maioria da população mundial. Ademais, para permanecer no mercado e aumentar a acumulação de capital, o capitalista tem que inovar sua produção incorporando mais máquinas e tecnologia (capital constante), que manipulam uma proporção crescente de matérias-primas. A substituição do homem pela máquina reduz o número de trabalhadores contratados, aumentando o exército industrial de reserva e a miséria. Com o aumento da miséria a população mais pobre tem que ocupar áreas impróprias para a sobrevivência humana: lagos, encostas de morros etc.
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2011 Vazamento de petróleo na Bacia de Campos destrói vida marinha
Para elevar seus lucros, a burguesia aumenta acentuadamente sua produção e faz com que os trabalhadores empregados consumam cada dia mais. Por isso, o investimento crescente em propaganda. A busca de lucros crescentes provoca a universalização acelerada das necessidades, que se traduz em forte consumo e apropriação intensa da natureza, reduzindo a disponibilidade de recursos naturais, fontes de energia, água e espécies animais e vegetais. O resultado é a fragilização dos ecossistemas, pois ficam mais homogêneos, perdendo sua riqueza, complexidade e, por conseguinte, capacidade de proteção e autorrecomposição. A produção capitalista está sustentada em uma matriz energética resultante da Revolução Industrial da segunda metade do século XIX: os combustíveis fósseis, petróleo, gás e carvão vegetal. A produção de energia elétrica mundial se sustenta no carvão vegetal (40,8%), gás natural (20%) e petróleo (5,8%), somando 66,6% de queima de combustíveis fósseis. Além disso, os automóveis são majoritariamente movidos pelos derivados do petróleo. A queima desses combustíveis, junto a outras causas, aumenta a temperatura da Terra, provocando o aquecimento global. Mudar essa matriz implica em enormes custos para estas empresas, além do enfrentamento com o setor petrolífero. Além disso, seria necessária uma mudança radical no planejamento urbano, onde em especial o transporte público teria que ser expandido, modernizado e melhorado para desestimular o transporte individual – o transporte automotivo
é um dos maiores consumidores de combustíveis fósseis (gasolina, óleo diesel etc.). Evidentemente, isso não seria feito pelas empresas privadas, pois os grandes interesses capitalistas predominam sobre o interesse social e ambiental, por isso elas teriam que ser estatizadas. Em resumo, o consumo crescente de mercadorias, estimulado pela acumulação capitalista, faz com que o ritmo da produção supere em muito o ritmo da natureza em recompor-se. Esta diferença de ritmos gera os problemas ambientais no capitalismo contemporâneo. Quanto mais intenso o ritmo da apropriação capitalista, maior a possibilidade de acidentes com grandes proporções de danos ambientais. Em 2010, uma plataforma de petróleo da British Petroleum explodiu no Golfo do México, causando o maior derramamento de petróleo do mundo. O mesmo ocorreu em março e abril deste ano na bacia de Campos, quando um vazamento causado pela empresa americana Chevron revelou as consequências nefastas da política de privatização do petróleo implementada pelo governo federal de Lula e continuada por Dilma. Mas não é apenas a natureza em si que sofre. A burguesia saqueia não só o meio ambiente como também seu principal componente, o trabalhador. É por isso que 862 milhões de pessoas passam fome constantemente, aumentando a 2 bilhões durante as crises econômicas. Assim como animais e
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plantas, a vida humana está em risco. Comunidades inteiras vivem à beira da extinção: índios, esquimós, tribos africanas, comunidades tradicionais etc.: são os refugiados do capitalismo e dos problemas ambientais. Mais de 2 bilhões de pessoas moram em favelas, 3 bilhões vivem na pobreza. 80% das doenças em países subdesenvolvidos relacionam-se à qualidade da água, provocando 3 milhões de mortes ao dia. De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef ), menos da metade da população mundial tem acesso a esgoto sanitário e água potável. Segundo estimativas do Water Magenement Institute, em 2025 um total de 1,8 bilhões de pessoas viverão em absoluta falta d’água no mundo. A fome mata mais de 25 mil pessoas a cada dia no mundo. Para a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), US$ 30 bilhões anuais seria o investimento necessário para evitar conflitos futuros em torno de alimentos. Isso levaria alimentos a quase 900 milhões de pessoas. Estima-se também que US$ 1,3 trilhão seriam suficientes para proteger os mais importantes ecossistemas mundiais pelos próximos 30 anos. Segundo o relatório da Agência Internacional de Energia, a redução à metade das emissões mundiais do gás carbônico exigiria um investimento de US$ 45 trilhões até 2050, ou seja, US$ 1,1 trilhão por ano. Para a organização Clean Energy, a mudança da matriz de geração de energia elétrica sustentada no carvão e petróleo demandaria um total de recursos de US$ 4,4 trilhões distribuídos durante 22 anos. Muito? Depende. Comparemos com o interesse social e o volume gasto para salvar os bancos. Poe exemplo, apenas num “pacote” em outubro de 2008, oito países da Europa destinaram mais de US$ 2 trilhões para socorrer os bancos. A problemática ambiental também está relacionada com a distribuição de riqueza no mundo. Na África a média de consumo diário de água fica entre 10 a 15 litros. Em Nova York este número cresce para 2 mil litros. Segundo Paulo Nogueira Neto, ex-secretário nacional do meio ambiente do Brasil, se o padrão de consumo dos EUA fosse estendido aos 7 bilhões de habitantes do planeta, faltaria energia e alimentação. De acordo com o relatório da ONG WWF (2008), mantido o atual nível de consumo e degradação ambiental, os recursos naturais do planeta entrarão em colapso já a partir de 2030.
O resultado da excessiva dominância econômica sobre a natureza é a aceleração das catástrofes ambientais. Aproximadamente 90% das vítimas desses desastres vivem em países subdesenvolvidos. Estes fenômenos estão cada vez mais relacionados à produção do lucro capitalista dominado pelas nações imperialistas. Mas os diversos governos e países imperialistas culpam a natureza ou mesmo a população afetada. No Haiti o terremoto que matou mais de 200 mil pessoas foi tido como produto de uma praga de Deus. A realidade é que o enorme número de mortos foi decorrente das sucessivas politicas de ocupação militar e saque daquele país que fizeram com que a população passasse a viver nas piores condições possíveis, ficando mais vulnerável ao terremoto. No Rio de Janeiro as fortes chuvas provocam a morte de centenas de pessoas. Imprensa e governo culpam os mortos por terem ocupado as encostas dos morros, tirando as responsabilidades dos verdadeiros culpados que não investem em moradia decente para a população pobre, que é obrigada a optar entre morar em favelas ou na rua. Muitas alternativas estão sendo propostas. Algumas, diferentemente do discurso apresentado, trazem muitos problemas. O etanol, produzido a partir da cana de açúcar e outros produtos, além de queimar grandes volumes das sobras (folhas e restos vegetais), provocando também aquecimento, ainda gera problemas sociais em decorrência da enorme exploração dos trabalhadores empregados nesta produção. Ele se tornou mais uma fonte de enriquecimento aos donos do agronegócio. O mesmo ocorre com o biodiesel, que é a aposta “ambiental” dos governos federal e do Rio de Janeiro, que afirmam estar reduzindo emissões com a implementação de uma frota de ônibus “híbrida” (Biodiesel + derivados de petróleo). As hidrelétricas desalojam populações inteiras, inundam milhares de hectares de florestas (matando a biodiversidade presente) e, ainda que menores, emitem gases que provocam o efeito estufa. Dependendo do projeto e da área inundada, uma hidrelétrica pode ser muito degradadora. É o caso da hidrelétrica de Balbina no Amazonas, que emite mais carbono que uma usina termelétrica (que consome diesel). Não basta buscar “tecnologias limpas”, sem discutir quem controla as tecnologias e os meios de produção. A lógica destrutiva do capital Muitas vezes é desnecessário explicar para um trabalhador o quanto ele é explorado. Todo mundo que encara uma jornada de trabalho, as horas no
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trânsito, além do ritmo infernal nas fábricas e demais locais sabe muito bem disso. E do mesmo jeito que o capitalismo é um sistema baseado na exploração dos trabalhadores e na reprodução das opressões, é também um sistema baseado numa lógica destrutiva em relação ao meio ambiente. Isso porque como o que move o capitalismo é a busca desmedida pelo lucro, as condições humanas e do meio ambiente são postas de lado; ou melhor, são encaradas apenas como um meio do capital obter sua valorização. Essa mesma lógica desmedida é o que gera as crises constantes, o que leva os capitalistas e os governos de todo o mundo a pressionar pela redução dos salários, extinção dos direitos sociais, sem falar no desemprego. Para reduzir os custos e se tornar mais competitivas num mundo em crise, as empresas acabam tornando mais frouxas as medidas de segurança no processo de trabalho, com grandes prejuízos para os trabalhadores, e também para o meio ambiente, como mostra claramente o desastre do vazamento de petróleo na costa americana. Além do caráter explorador, o capitalismo também se caracteriza pelo imperialismo, que faz com que os países centrais, como EUA, Japão e os países mais ricos da Europa superexplorem os trabalhadores dos países da periferia do sistema. Isso fez com que todo o globo terrestre se tornasse um campo para a exploração capitalista. Afinal, como diz de forma até cínica uma propaganda do HSBC, “o mundo inteiro é uma terra de oportunidades”. Nessa lógica imperialista houve um grande desenvolvimento da indústria armamentista, que se tornou um grande motor para que o capitalismo se recuperasse das diversas crises ao longo da história, como a Grande Depressão dos anos 1930, que só acabou com o grande massacre da II Guerra Mundial (1939-1945). Por outro lado, essa expansão da indústria das armas também serviu para garantir o domínio sobre todos os outros países da cadeia imperialista. E nessa tarefa foram também ajudados pelas classes dominantes dos países da periferia, que se associaram ao imperialismo para explorar suas próprias populações, funcionando como verdadeiros “capitães do mato”. Essa corrida armamentista permanente foi apontada pela revolucionária Rosa Luxemburgo, e depois por outros como Trotsky e Moreno, como o crescimento de forças destrutivas. Um sinal da irracionalidade à qual o sistema capitalista havia chegado. A questão é que a lógica destrutiva do capital já ultrapassou o terreno da indústria bélica e adentrou
a produção de mercadorias de uma forma geral. Além do fato da base energética utilizada no planeta ser preponderantemente baseada em combustíveis fósseis, cada vez mais as mercadorias têm sido fabricadas para durarem o mínimo possível. É só ver o ritmo frenético com que computadores pessoais, celulares e uma infinidade de outras mercadorias são trocados a cada ano (ou semestre), o que obviamente traz graves consequências para o meio ambiente. Trata-se de acelerar o ciclo de reprodução do capital, fazendo com que o tempo de produção das mercadorias assuma um ritmo frenético, contrabalançando os desequilíbrios próprios do sistema e que levam a que a taxa de lucro periodicamente caia. Assim, as mercadorias são cada vez mais fabricadas para quebrarem o mais rápido possível, impondo sua rápida substituição no mercado. Essa obsolescência programada é portanto um dos métodos que o capital vem utilizando para deter a queda histórica de seus lucros. Se olharmos bem, até a chamada linha branca de eletrodomésticos (fogão, geladeira etc.), além da indústria automobilística, funciona nesta lógica da obsolescência programada. No caso da indústria automobilística, esta induz os consumidores a trocar de carro todo o ano, com dramáticos desdobramentos ambientais nas principais metrópoles e cidades. Em países como Brasil o quadro não é diferente, pois aqui a burguesia optou por não investir na rede ferroviária como meio de transporte de massas em razão do transporte rodoviário, e mesmo a malha metroviária no país é uma verdadeira piada de mau gosto. É, aliás, entendendo esta lógica do capital, de cortar custos em todas as pontas, que se explica o porquê de serem sempre lotados esses meios de transporte. Assim, pensar uma política ambiental é também pensar em grandes investimentos em transportes de massa que atenda não só o volume de passageiros, mas também o bem estar dos trabalhadores. A alternativa não se dá através de movimentos por um “consumo consciente”, de pouco alcance e que em geral é carregado de ilusões pequeno-burguesas. Não que não seja importante escolher muito bem o vamos consumir, buscando excluir de nossa alimentação os transgênicos, toda a sorte de vegetais submetidos aos agrotóxicos etc. Mas esta escolha não é acessível a todos, pois em geral estes são os alimentos mais caros. Trata-se, pois, em primeiro lugar de entender como é que a própria lógica destrutiva do capital pode criar coisas monstruosas como os transgênicos,
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que colocam em risco a segurança alimentar dos povos do planeta. Não se trata de coisas que brotam do nada, mas da ação de empresas e seus respectivos setores de Tecnologia e Desenvolvimento (T&D), como a Monsanto, uma das maiores fabricantes de transgênicos do mundo, e que iniciou sua carreira de horrores fabricando um herbicida conhecido como Agente Laranja, com o qual o imperialismo norteamericano atacava a população do Vietnan nos anos 1960 e 1970. E no caso da Monsanto existe este mórbido elo entre a produção destrutiva ligada à indústria armamentista e a produção destrutiva expandida a todos os setores da produção capitalista. Não há como combater a destruição do meio ambiente sem combater o capitalismo e sua lógica destrutiva. Conferências ambientais e Rio +20: O fracasso insustentável do desenvolvimento sustentável “Eco-capitalista” Discursos vazios e declarações de boas intenções. Assim como a conferência de Copenhagen (COP 15) em 2009, a Rio+20 (Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável) terminou em fracasso. Após dias de debates, a reunião de cúpula chega ao fim deixando clara a total incapacidade dos governos de todo mundo em levar adiante uma alternativa à exploração desordenada dos recursos naturais. Diante da fragilidade dos compromissos estabelecidos, revelou-se uma grande hipocrisia a “preocupação” de estadistas e diplomatas com o meio ambiente. Enquanto o capitalismo segue promovendo a barbárie ambiental, o teatro montado pela ONU não pôde dar respostas nem mesmo no marco da “economia verde” ou do “desenvolvimento sustentável”. Apesar dos discursos entusiasmados, o documento firmado pelos 188 países presentes não dita qualquer meta concreta a seus signatários. O texto “O futuro que queremos” não compromete nenhum governo com qualquer medida em suas 53 páginas de saudação à bandeira da “sustentabilidade”. Em tese, os chamados ODS (Objetivos do Desenvolvimento Sustentável) deverão ser estabelecidos em 2013 e, supostamente, implementados a partir de 2015. A grande decisão da Rio+20, portanto, foi a de adiar as decisões.
Não poderia mesmo ser diferente. Ao redor do planeta, governos são financiados e aliados de empresas e corporações, justamente as que mais poluem e causam danos ambientais de todo gênero. Mesmo sendo obrigados a darem respostas políticas à crescente crise ambiental, as grandes lideranças do capitalismo mundial não podem tomar medidas contra elas mesmas. Além da ausência de metas, há outro aspecto revelador da hipocrisia da conferência. A proposta de compor um fundo para financiar políticas em favor do meio ambiente foi vetada. A proposta consistia na formação de um caixa de US$ 30 bilhões por ano, uma quantia modesta em comparação ao que tem sido lançado no resgate dos bancos. Ao comentar essa polêmica, o embaixador brasileiro André Correa do Lago reconheceu que “a crise influenciou a Rio+20”. A histórica intransigência dos países ricos, precisamente os que mais poluem, em assumir compromissos e destinar recursos, mesmo que em favor de políticas paliativas e muito parciais, foi reforçada pelo contexto da crise econômica mundial. Obama ou Merkel sequer prestigiaram a conferência. Dos demais países membros do G7, apenas a França enviou representantes. Aparentemente, para esses governos salvar bancos é uma demanda mais urgente. Responsável pelo discurso final do evento, Dilma se esforçou para transparecer um ar de vitória à reunião. Na defensiva, a presidente se limitou a repetir que “o documento que aprovamos não traz qualquer retrocesso”. E em uma grandiloquência incongruente com o vazio de resoluções tomadas, declarou – ainda – que “o documento, ‘O futuro que queremos’, torna-se hoje um marco no conjunto dos resultados das conferências”. De todo jeito, seria embaraçoso para Dilma portarse como uma alternativa à esquerda no interior da Rio+20. O legado recente de seu governo, no que toca o meio ambiente, com o Código Florestal, os transgênicos e os privilégios ao agronegócio, não capacitaria Dilma a abordar o assunto com menos hipocrisia. A artificialidade de seu discurso foi tão grande que contrastou até mesmo com declarações de muitos dos chefes de Estado presentes. Os negociadores da União Europeia, por exemplo, reconheceram que o texto final foi “pouco ambicioso” – uma crítica oportunista, diga-se de passagem, já que também assinaram o documento.
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E, assim, a Rio+20 terminou em sorrisos amarelos e gerando pouquíssima expectativa ao seu redor. É mais uma conferência ambiental que deixa claro que, se depender dos governos capitalistas, a humanidade está condenada à barbárie. Para que a sede insaciável por lucro não destrua até mesmo as condições de vida humana sobre a Terra, é preciso que fique cada vez mais claro que a luta por preservar o meio ambiente é uma luta contra o capitalismo. A única coisa que esse sistema nos reserva é mais e mais agressão ao planeta. Ou então aguardar mais 20 anos por uma nova reunião de cúpula. A política das soluções individuais e pontuais: Governos, empresários e “ecocapitalistas” unidos para jogar a responsabilidade no povo trabalhador Como os capitalistas sabem que não podem parar de destruir o meio ambiente sem reduzir seus lucros recentemente, principalmente a partir de fracassos das conferências ambientais (como a de Copenhagen e a Rio +20), desenvolveu-se uma artimanha ideológica que visa jogar a responsabilidade de combater a destruição do meio ambiente nos ombros dos trabalhadores: É a política das soluções individuais, o famoso “cada um precisa fazer a sua parte”, tendo como linha de frente campanhas do tipo “consumo sustentável”, utilização de bicicletas etc. As ações pontuais e localizadas são insuficientes para resolver os problemas ambientais. Isso significa que o PSTU é contra as pessoas buscarem mercadorias menos degradantes da natureza? Que utilizem bicicletas para ir ao trabalho? Que somos contra a coleta seletiva do lixo? Que substituamos as sacolas plásticas por sacolas retornáveis nas compras de supermercados? Não. Apenas temos claro que essas atitudes, ainda que louváveis do ponto de vista individual, não resolverão os problemas ambientais. A catástrofe do meio ambiente e social não será detida por propostas de um “capitalismo ecológico”, com rosto humano como propõem os “ecocapitalistas” (PV e congêneres). O sistema não pode superar a crise que provocou, pois isso significaria colocar limites à acumulação capitalista. É preciso travar uma luta sem tréguas contra o capital e as empresas imperialistas. Para deter a destruição ecológica, fazse necessário uma ação estatal firme de defesa do meio ambiente, enfrentando as empresas poluidoras e tomando o trabalhador como central, mas numa relação não conflituosa com a natureza. Tudo o que os “ecoliberais” não querem.
A lógica “ecoliberal” não admite qualquer punição ou intervenção do Estado que atinja os lucros dos empresários. Apenas “incentivos” são admitidos, pois, na lógica destes senhores, não se pode atribuir juízos de valor à riqueza de ninguém. Em outras palavras estão dizendo que os ganhos obtidos com a devastação indiscriminada da natureza feita pelas madeireiras, por exemplo, são tão legítimos quanto o salário suado de qualquer trabalhador. Esta lógica vai ter como resultado final uma dupla premiação dos poluidores e dos destruidores da natureza que, além de terem feito fortuna com a destruição do planeta, agora receberão incentivos e “bônus” para reduzir (ou terceirizar a redução) do seu impacto nefasto no meio ambiente. É o caso dos chamados créditos de carbono, que são na prática uma forma de os governos autorizarem as empresas poluidoras continuarem destruindo o meio ambiente, desde que negociem a compra de alguns “créditos” de carbono que “compensem” a destruição causada, uma verdadeira farsa a serviço da destruição das condições de vida no planeta. O dilema entre socialismo ou barbárie vale também para a problemática ambiental. O fim da exploração irracional dos recursos do planeta só pode ser alcançado por um mundo socialista, baseado na propriedade social dos meios de produção e no planejamento econômico estatal que garanta a racionalização da exploração dos recursos do planeta. Evidentemente, nosso modelo não pode ser aquele aplicado pelas ditaduras estalinistas no Leste Europeu que destruíram a natureza tanto quando os países capitalistas. Se não é a única possibilidade histórica, o socialismo é a única chance de salvar a vida humana e o meio ambiente. Mas é possível o Estado enfrentar as empresas em defesa do meio ambiente e das condições de vida no planeta? Afirmamos que sim, mas somente um Estado que seja vinculado aos trabalhadores em oposição ao Estado capitalista que vemos hoje, este sim, impotente diante da destruição do meio ambiente. O “Ecocapitalismo” de PV e congêneres: Verdes no discurso para dar cobertura a destruição capitalista do meio ambiente na prática Seguindo lógica do lucro e diante do apelo ambiental que envolve um grande número de pessoas, diversas empresas e bancos adotam o discurso do desenvolvimento sustentável e até realizam algumas ações de proteção ambiental, para o qual contam o
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apoio de centenas de ONGs. A questão é que fazem isso buscando consumidores que têm a preocupação de preservar a natureza.
lucrando, criam (falsos) “modelos” de solução, com o discurso de participação democrática e “responsável” da sociedade civil.
Os investimentos nestas ações são insignificantes perto do capital dessas empresas, demonstrando que não passam de campanha de marketing. Outras, usando o discurso da responsabilidade ambiental, contratam populações tradicionais para coletarem produtos das florestas que servem de matériasprimas para suas mercadorias. Pagam um preço irrisório e ganham muito ao transformá-los em cosméticos, remédios etc. É o caso da Natura, cujo principal executivo foi candidato a vice-presidente na chapa de Marina Silva (PV) em 2010.
Assim, o modelo da “terceira via” (combinado com o Estado Mínimo) aparece como saída para salvamento do planeta.
Para nós, do PSTU, não é possível nenhum desenvolvimento capitalista sustentável, ainda mais defendendo um programa que busque atender aos interesses dos grandes capitais. Lucro e responsabilidade socioambiental são coisas que não andam juntas. A proposta de desenvolvimento sustentável do PV não se sustenta. Mas isso sequer é uma novidade. A trajetória do PV não nos leva a gerar expectativas em torno de um verdadeiro e coerente programa ambiental. No Rio de Janeiro o PV sempre esteve por trás de inúmeros processos de utilização da fachada “ambiental” para dar um verniz “verde” aos governos que permitem a destruição do meio ambiente. Vive de namoros com o Democratas, partido herdeiro da ditadura militar. César Maia, então prefeito carioca, apoiou publicamente Fernando Gabeira (PV) na última disputa pela prefeitura da cidade. Como defender o meio ambiente de mãos dadas com os representantes políticos de seus principais destruidores? Saúde, Saúde do Trabalhador e Meio Ambiente O debate do desenvolvimento sustentável, ou da sustentabilidade da economia verde se baseia numa construção ideológica que busca esconder o caráter de exploração do capital sobre o trabalho. Uma sustentabilidade que produz cada vez mais a instabilidade do ser humano, onde a redução de direitos e políticas públicas, financiadas plenamente por recursos públicos, tende a ser coisa do passado. Essa realidade é fruto de uma lógica capitalista em que o lucro está acima da vida e que à grande crise econômica os governos burgueses respondem com planos de austeridade. Os ataques em todos os países vêm de uma mesma fonte e obedecem a uma mesma razão: salvar os ricos e superexplorar os pobres, os trabalhadores. Na perspectiva de se manterem
Devemos analisar essa saída capitalista por dois ângulos, de imediato: O primeiro, que envolve a sociedade civil (conceito que precisa ser melhor analisado), geralmente concretizado através de trabalhos de organizações não governamentais (ONGs). E o segundo, não apenas avaliar os impactos ambientais de uma maneira mais geral e abstrata, mas relacionálos ao processo produtivo, do modelo econômico capitalista. Estudos demonstram que o impacto do uso da força de trabalho, pelas ONGs, em todo o mundo, travestido de trabalho voluntário, envolve trilhões de dólares, como descrevemos a seguir: Alguns dados são significativos: levantamento realizado em 2006 estimava que o 3º setor movimentava US$ 1,33 trilhão por ano no mundo, com cerca de 300.000 ONGs, 1,5 milhão de empregados e 42 milhões de voluntários, sendo no Brasil R$ 10,9 bilhões/ ano (Pró-Cidadania, 2006)”. (VASCONCELOS, 504:2011). Em um cenário de desemprego estrutural, a ampliação do terceiro setor torna-se um elemento fundamental no processo de acumulação do capital e da exploração da força de trabalho. “Nos países desenvolvidos hoje os voluntários produzem de 5% a 10% do Produto Interno Bruto em bens e serviços sociais.” (KLIKSBERG apud VASCONCELOS, 507:2011.) Em Israel o voluntariado produz 10% do PIB, na Noruega 70% da população faz trabalho voluntário e nos EUA as ONGs aportam 20 bilhões de horas de trabalho anuais, equivalente ao que 9 milhões de trabalhadores em tempo integral despenderiam (VASCONCELOS, 2011).11 1 Vasconcelos, Luiz Carlos Fadel de; Oliveira, Maria Helena Barros de (orgs). Saúde, Trabalho e Direito: uma trajetória crítica e a crítica de uma trajetória. Educam, 2011. FIOCRUZ/ENSP/ESCOLA POLICTÉCNICA DE SAÚDE JOAQUIM VENÂNCIO. Avaliação dos impactos sócios ambientais e de saúde em Santa Cruz decorrentes da instalação e operação da empresa TKCSA. Membro do GT ENSP: Marcelo Firpo de SouzaPorto e Marco Antonio C. Menezes. GT da ESJV: Alexandre Pessoa Dias e André
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Mas, para além do caráter econômico direto do papel exercido pelo terceiro setor, há o caráter político-ideológico de descaracterização da relação capital-trabalho, portanto, da perspectiva de luta de classes. Assim, com o discurso de que “não estamos mais num estágio de luta entre as classes” o chamado ao “conjunto” da sociedade, na responsabilidade de salvar o planeta, insere-se no jogo político e econômico. Tanto para as mais diversas áreas dos direitos sociais, quanto para a do meio ambiente, a “saída” apresentada pelo capital é a desresponsabilização do Estado. Os direitos sociais, como exemplo da saúde, passam a ser mercadorias, onde ao Estado cabe a facilitação de abertura de novos nichos para o setor privado (ver nos capítulos sobre saúde e educação o debate sobre OS e OSCIP’s implementado pela gestão Paes). Sobre o segundo ângulo, o desenvolvimento dos sistemas produtivos, tem como contrapartida a deterioração da qualidade de vida e trabalho. Faz-se necessária a relação entre esse modelo a sua relação com a saúde do trabalhador. Assim, para falar de sustentabilidade é necessário falar dos processos produtivos/cadeias produtivas, não apenas analisando as condições imediatas dos trabalhadores, mas todo o processo de produção. Relacionar meio ambiente e a relação saúdetrabalho é também ampliar e superar a concepção da saúde ocupacional. É preciso superar o discurso “ambientalista” calcado em visão supraclassista, que chama a sociedade civil à responsabilidade de um mundo “mais saudável”, sendo o Estado apenas um agente regulador mínimo. O discurso e a ideologia ambientalista do desenvolvimento sustentável, ao tirar a luta de classes do foco, e assim enfraquecer novos direitos à saúde no trabalho, transferiram a luta para o campo do direito ambiental, cujo resultado concreto é considerar o efeito sobre todos, desconsiderando os efeitos mais imediatos dos processos produtivos predatórios sobre a classe trabalhadora. É no processo produtivo,na relação saúde-trabalho, que está a base entre a vida e desenvolvimento. Foi o desenvolvimento das forças produtivas no capitalismo que impactou a condição de vida no planeta, com sua destruição. Foi a necessidade imperiosa de lucro, pautada na superexploração Campos Búrigo. Setembro de 2011.
da força de trabalho, com desregulamentação dos direitos sociais e trabalhistas, aumento da miséria, desemprego estrutural e todas as políticas que visam salvar o capital de sua crise de produção, que impôs a destruição desenfreada dos recursos naturais. Portanto, não se pode falar da luta em defesa do meio ambiente, sem falar da contradição capitaltrabalho e da relação saúde-trabalho. Foram as lutas da classe trabalhadora que garantiram seus direitos, bem como somente numa sociedade socialista será possível ter uma política ambiental, onde a vida seja realmente um bem superior a qualquer outro.
O Rio de Janeiro dos Megaprojetos – A natureza ameaçada pelo capital O atual modelo de desenvolvimento econômico brasileiro tenta se vender como algo parecido com uma busca incessante pelo crescimento da economia através do aumento da produção e do consumo. Nesta suposta busca, o governo federal aproveita para ganhar um fôlego extra para retardar os efeitos da crise mundial do capitalismo sobre o país e garantir o lucro dos grandes empresários e investidores. Neste sentido, aproveitando a manutenção da alta das commodities no mercado internacional durante a última década e buscando atingir as metas de crescimento esperadas para a sustentação do modelo, o Governo Lula/Dilma priorizou a exploração de nossas reservas naturais de petróleo, gás e minérios, a expansão do agronegócio e o desenvolvimento das indústrias eletrointensivas de siderurgia e metalurgia. Esta estratégia levou a uma “primarização” de nossa pauta de exportações e ao aumento da dependência externa de nossa economia que passou a ser controlada pelas variações no mercado mundial de commodities. Dentro desta lógica de priorizar o comércio exterior de produtos primários, o governo federal também passou a financiar grandes empreendimentos que podem dotar o país de uma infraestrutura logística e energética que diminua o custo da produção e garanta a “competitividade” destes produtos, sem deixar, assim, de aumentar o lucro de empresários e investidores e de aproveitar para fortalecer a indústria da construção civil em benefício das principais empreiteiras do país. Para tal, se apoia no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) lançado no início do segundo mandato do Presidente Lula, em 22 de janeiro de 2007, como um
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conjunto de medidas que buscava elevar as taxas de crescimento econômico do país através do aumento do investimento público e privado em infraestrutura, da adoção de uma política econômica voltada para o estímulo ao financiamento e ao crédito e da execução de ajustes fiscais e tributários que garantissem a segurança dos investidores brasileiros e estrangeiros. Em 29 de março de 2010, o Programa de Aceleração do Crescimento iniciou sua segunda etapa, denominada PAC 2, concentrando ainda mais recursos para o investimento em infraestrutura logística e energética para impulsionar a instalação de grandes empreendimentos por todo o país. Contudo, para atingir as metas e objetivos a que se propunha e viabilizar num curto prazo os empreendimentos previstos pelo PAC, o Governo Lula/Dilma desconstruiu toda a Política Nacional de Meio Ambiente, sobretudo, pela flexibilização da legislação ambiental brasileira, pelo esvaziamento de atribuições dos órgãos ambientais federais e pela falta de condições de trabalho para os servidores do IBAMA, Instituto Chico Mendes (ICMBio) e Ministério do Meio Ambiente (MMA) executarem suas funções. Ao optar por um modelo de desenvolvimento econômico predatório, o Governo Federal, obviamente, também intensificou a apropriação do território e dos recursos naturais pelo Capital, ampliando a desigualdade social e a degradação do meio ambiente e acirrando os conflitos socioambientais por todo país. Neste contexto, podemos afirmar que o Estado do Rio de Janeiro, através do Governador Sérgio Cabral e de seu Secretário de Estado do Ambiente, Carlos Minc, tem procurado garantir todas as condições que o coloquem como parceiro preferencial do Governo Federal na aplicação deste modelo de desenvolvimento, promovendo a instalação de diversos empreendimentos que têm gerado significativos impactos socioambientais. Podemos citar, por exemplo, os seguintes casos como emblemáticos: - Complexo Portuário-Industrial do Açu (CPIA): considerado como a maior obra portuária do continente americano, está sendo construído pela LLX, empresa logística do Grupo EBX do empresário Eike Batista, no município de São João da Barra/RJ, trazendo diversos conflitos socioambientais para o noroeste fluminense, como a desapropriação de pequenas propriedades rurais, na maioria das vezes com uso de violência por parte das forças policiais do Governo do Estado do Rio
de Janeiro e da “segurança patrimonial” da empresa. Este empreendimento foi licenciado pelo INEA, desconsiderando todos os evidentes impactos socioambientais para a região, ao que cabe lembrar as relações de Eike Batista com vários governos estaduais e com o governo federal, sendo este um dos financiadores da campanha que reelegeu Sérgio Cabral em 2010. - Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro – COMPERJ: considerado como a maior obra do PAC no Estado do Rio de Janeiro, vem sendo construído pela PETROBRAS numa área de 45 milhões de m2, no município de Itaboraí/RJ, desde 2008, após ter sido licenciado pela FEEMA, atual Instituto Estadual do Ambiente (INEA). O controverso processo de licenciamento do COMPERJ até hoje é questionado, pois a FEEMA desconsiderou que ao redor da área proposta para sua instalação existe uma das maiores concentrações de Unidades de Conservação do estado, sendo a última região do entorno da baía de Guanabara com a presença de manguezais e uma boa qualidade ambiental, como também desconsiderou a inexistência de recursos hídricos adequados na região. A atual localização para o COMPERJ foi aprovada pela FEEMA para atender unicamente aos critérios econômicos da PETROBRAS e aos critérios políticos do Governo do Estado do Rio de Janeiro, ao invés de considerar as questões técnicas que levavam a optar por sua instalação em Campos/RJ, alternativa locacional mais viável social e ambientalmente. Desde então, o licenciamento do COMPERJ é alvo de uma Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal. Com o início da instalação do COMPERJ, especialmente de seu sistema de dutos e terminais marítimos, se acirraram os conflitos do empreendimento com os pescadores artesanais da região, tendo a Associação Homens e Mulheres do Mar da Baía de Guanabara (AHOMAR) se destacado na luta contra os impactos socioambientais que estavam sendo provocados pelo empreendimento na região. Desde o final do ano passado, este conflito se intensificou ainda mais, quando a PETROBRAS solicitou ao INEA a construção de uma hidrovia no Rio Guaxindiba, nos limites da Área de Proteção Ambiental de Guapimirim e da Estação Ecológica Guanabara, para o transporte de equipamentos pesados necessários para a instalação do COMPERJ. Imediatamente, o Conselho Gestor destas Unidades de Conservação demonstrou ser contrário a esta
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proposta e suas equipes técnicas elaboraram um parecer que negava esta autorização. Porém, diversas pressões políticas do Governo do Estado do Rio de Janeiro, através do INEA, e da PETROBRAS tentavam reverter esta situação, quando, no final de semana que encerrava a Rio+20, dois pescadores, lideranças da AHOMAR nesta luta, foram brutalmente assassinados, se somando tragicamente aos outros dois militantes desta associação que já haviam sido mortos em decorrência destes conflitos. Alexandre Anderson de Souza, presidente da associação, faz parte do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, vivendo 24 horas por dia com escolta policial, justamente, por sofrer constantes ameaças de morte sempre que os pescadores intensificam suas denúncias sobre os impactos relacionados ao Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro – COMPERJ. O COMPERJ e os diversos outros empreendimentos instalados no entorno da Baía de Guanabara, em sua grande maioria relacionada à indústria do Petróleo e Gás, como a Refinaria Duque de Caxias (REDUC) e um número significativo de estaleiros e terminais marítimos, vem rapidamente aumentando a área de exclusão para a pesca na Baía de Guanabara e podendo levar a extinção desta atividade na região, já bastante comprometida pelo descaso das autoridades. - Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA): O grande boom do setor siderúrgico faz parte de uma nova divisão internacional do trabalho com a chamada fase quente da siderurgia, na exportação do aço como commodity metálica. Assim, o Brasil, China, Coreia do Sul e China possuem um importante papel (vide relatório produzido sobre TKCSA no ano de 2011 por técnicos da Fiocruz e Uerj). Localizada no litoral do Rio de Janeiro essa companhia representa uma nova fonte de riscos e fontes de danos aos trabalhadores da empresa e aos moradores da região. Como são voltadas essencialmente para a exportação, sua localização litorânea se faz necessária, aumentando assim o impacto sobre as populações que dependem da vitalidade dos ecossistemas, como pescadores, indígenas e quilombolas (como a siderúrgica de Pecém no Ceará. Segundo esse mesmo relatório, a TKCSA é considerado um dos maiores empreendimentos privados do setor produtivo na América latina, voltado à produção prevista de 5
milhões de toneladas anuais de aço para a exportação. A ThyssenKrupp Steel, maior empresa alemã na produção do aço, tem mais de 73,13% das ações, e a Vale do Rio Doce, a maior em produção de minério, possui 26,87%. Geralmente os processos de licenciamento envolvem muitos conflitos, em razão dos impactos ambientais, de saúde e de trabalho, como está sendo o caso da TKCSA aqui no município. Conflitos que tem envolvido os órgãos públicos, facilitadores do licenciamento indevido, a empresa e seu sistema próprio de segurança (milícias), instituições de ensino e pesquisa e os diversos setores dos movimentos sociais. Um avançado processo de criminalização dos movimentos e dos pesquisadores que se colocaram junto da população da região da zona oeste da cidade, denunciando as graves consequências da permanência de uma empresa desse tipo, tanto para os arredores quanto para os que nela trabalham. Segundo o dossiê da Fiocruz, dados do INEA (Instituto Estadual do Ambiente)* já apontavam a saturação da bacia aérea da região derivadas dos poluentes industriais existentes antes mesmo da instalação da TKCSA no tocante às partículas totais e inaláveis, ou seja, os valores de qualidade do ar se aproximavam às normas do CONAMA e ultrapassavam os valores de qualidade da legislação europeia. Além de um licenciamento acelerado, a não consideração do impacto à pesca, à agricultura e ao turismo da região, poderiam afetar a saúde dos trabalhadores e dos moradores na região. No caso de Santa Cruz, a TKCSA foi instalada em área que já possuía diversas comunidades de baixa renda, inclusive com habitações contíguas ao complexo siderúrgico e que lá permaneceram após o início do empreendimento. A tudo isso, acrescentase o problema de contratação de mais de 120 trabalhadores chineses sem contrato de trabalho e operários subempregados. Várias denúncias MP estão em curso no Ministério Público. Há processos que denunciam o adoecimento da população local, em especial crianças e idosos. Os órgãos públicos seguem em enorme lentidão para dar respostas a toda essa tragédia. Programa municipal de redução de emissões: Uma farsa anunciada por Eduardo Paes! Diante da catástrofe anunciada do aquecimento
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global o governo municipal de Eduardo Paes lançou em janeiro de 2011 uma política de redução de emissões de gases de efeito estufa. Trata-se de um problema sério, haja vista que o Rio de Janeiro ostenta taxas de poluição do ar superiores a de Cubatão e São Paulo (SP).22 A política, que consta da lei 5248 de 27/01/2011 prevê a redução da emissão destes gases no município de Rio de Janeiro em 8% até o final de 2012, 16% até o final de 2016 e 20% até 2020, em relação aos níveis 2005 levantados em estudos realizados pela COPPE/UFRJ. Mas o que poderia parecer a princípio uma boa iniciativa em defesa das condições ambientais vai se mostrando uma grande farsa. Primeiro, a própria lei, em seu artigo 6º, §4º estabelece, por exemplo, que “as emissões provenientes das empresas integrantes do Complexo Siderúrgico da Zona Oeste serão contabilizadas em separado das demais emissões do Município e observarão metas diferenciadas de redução”, o que abre espaço para que estas empresas possam seguir emitindo a quantidade de gases que considerarem conveniente para manter seus lucros. Além disso, o programa não prevê qualquer sanção concreta para as empresas que não reduzirem suas emissões, ficando na prática esta redução circunscrita aos projetos da prefeitura, tais como: Campanha pela substituição da utilização de carros por bicicletas, e incentivos fiscais para a adoção de matrizes energéticas mais limpas. Segundo o citado estudo da COPPE3 os principais segmentos emissores de gases são o transporte rodoviário (53,41%), seguido da indústria (17%), conforme quadro 1 (ao lado):
Mas o pior é a falta de uma perspectiva real de enfrentamento do problema: O programa não prevê qualquer medida efetiva para atacar as emissões dos principais setores poluidores, transportes rodoviários e indústria, que respondem por mais de 70% das emissões de gases de efeito estufa, somente as tradicionais medidas de incentivos “ecoliberais”: “fomento de padrões sustentáveis de produção”, “geração de receitas e benefícios econômicos com a utilização dos créditos de carbono”, “incentivo ao uso de transportes não motorizados” e ao “uso racional do automóvel”, ou seja, sempre preservando os interesses dos empresários poluidores e jogando a responsabilidade pela redução da poluição na população. Entendemos que uma verdadeira política de combate à poluição do ar e as emissões de gases de efeito estufa deve enfrentar quem de fato responde pelas emissões: O modelo de transporte rodoviário e as indústrias poluidoras. Neste sentido defendemos a construção de um metrô que integre toda a região metropolitana do Rio e viabilize o deslocamento dos trabalhadores com conforto e gerando baixas emissões de gases, com verbas que atualmente são remetidas aos banqueiros na forma de juros da dívida. Defendemos também a reestatização do transporte rodoviário municipal para que sejam garantidas tanto a redução das emissões como a melhoria dos serviços, com o fim do motorista júnior (acúmulo das funções de motorista e cobrador) e outras medidas que visam aumentar os lucros dos empresários em detrimento da segurança da população. Em relação
Ocorre que segundo a própria norma instituidora do programa, o mesmo dependerá de um sistema de medição que ainda não entrou em funcionamento, de modo que, ainda que alguma medida efetiva tenha sido tomada pelas autoridades municipais, não é possível medir seus impactos na redução de emissão de gases de efeito estufa. Ou seja, tratase de um programa que foi pensado para não ser cumprido. 2 Fonte: www.estadao.com.br/noticias/cidades,rio-tem-maispoluicao-do-ar-que-sao-paulo-aponta-oms,777727,0.htm 3 COPPE (2011). Inventário e Cenário de Emissões dos Gases de Efeito Estufa da Cidade do Rio de Janeiro. Disponível em: http://www.rio.rj.gov.br/web/smac/exibeconteudo?articleid=148024
Quadro 1 - Emissões de GEE do setor de Energia por subsetor (Gg CO2eq)
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às indústrias defendemos um programa de redução obrigatória de emissão de gases e resíduos, que seja administrado pelo conselho popular ambiental, e que puna os que não cumprirem suas metas com multas e expropriação, conforme o caso.
O problema do lixo urbano e da reciclagem Um aspecto especialmente perverso da lógica “ecoliberal” política é o que Paes chama de “criação de mecanismos de trabalho e renda beneficiando a população mais desassistida envolvida com a reciclagem e coleta de resíduos”, o que na prática vai resultar nas chamadas cooperativas de catadores de lixo, financiadas em conjunto com o governo federal, através do BNDES. Trata-se da construção de uma relação de trabalho brutalmente precarizada onde o trabalhador “catador” sequer é contratado, não tem salário (recebe de acordo com o que conseguir recolher no dia), e é levado a sobreviver recolhendo lixo reciclável das latas de lixo antes do recolhimento pela Comlurb. O município do Rio de Janeiro, através da Comlurb, só consegue reciclar pífios 0,26% do lixo produzido (a meta “ambiciosa” de Eduardo Paes neste terreno é chegar a algo entre 1,5 e 2%) e a taxa de reciclagem sobe para 3% com o trabalho dos catadores. Por dia são produzidos algo em torno de 9 toneladas de lixo na cidade.4 Esta situação prova que sem uma intervenção do Estado, ou seja, seguindo a lógica “ecoliberal”, não existe política de reciclagem séria. Defendemos a criação de uma empresa municipal de reciclagem que trabalhe em conjunto com a Comlurb viabilizando a coleta seletiva e a contratação dos catadores para que estes tenham condições dignas de trabalho e salário. Um Programa ambiental classista e socialista Afirmamos que a luta ambiental deve se juntar às demais lutas dos trabalhadores. Ela deve ser parte ativa do movimento classista, cuja tarefa básica é garantir o livre acesso dos recursos naturais às pessoas que deles necessitam para viver dignamente. Propomos: 1. Por uma verdadeira política municipal de combate à poluição do ar e às emissões de gases 4 Fonte: www.g1.globo.com/rio-mais-limpo/noticia/2012/04/ rio-promete-aumentar-em-5-vezes-a-coleta-seletiva-ate-a-copa-de-2014.html
de efeito estufa deve enfrentar quem de fato responde pelas emissões: O modelo de transporte rodoviário e as indústrias poluidoras. Neste sentido, em relação às indústrias, defendemos um programa de redução obrigatória de emissão de gases e resíduos, que seja administrado pelo conselho popular ambiental, e que puna os que não cumprirem suas metas com multas e expropriação, conforme o caso. (Politica de transporte abaixo) 2. Imediata criação do “COPAM – Conselho Popular Ambiental Municipal”, um órgão de participação popular direta, com membros eleitos pela população, com poder para destituílos a qualquer momento. Esse órgão será responsável por avaliar e deliberar sobre todas as questões ambientais do Rio de Janeiro, com poder de veto a qualquer empreendimento que possa comprometer recursos naturais ou o livre acesso aos mesmos. O Conselho Popular deverá ser formado por representantes da população envolvida e da classe trabalhadora com poderes de decisão sobre questões com consequências ambientais (instalação/construção de meios limpos de transporte de massas de qualidade e de plantas industriais; produção menos destrutiva etc.), garantindo que estas iniciativas atendam ao critério do bem estar da população trabalhadora e não aos interesses dos capitalistas nos âmbitos local, regional e nacional e funcionar em substituição ao atual Conselho Municipal de Meio Ambiente (CONSEMAC), desmoralizado e impotente diante do desprezo da administração Paes; 3. Imediata aprovação de um tratado de redução significativa da emissão dos gases de efeito estufa. Sanções econômicas e políticas àqueles que se negarem a assinar. 4. Mudança progressiva e acelerada da matriz energética, substituindo os combustíveis fósseis por fontes alternativas. Essa nova matriz deve ser financiada e controlada pelo Estado. 5. Transporte público estatal, eficiente, moderno e barato à população, utilizando combustíveis menos degradantes da natureza. Construção de um metrô que integre toda a região metropolitana do Rio e viabilize o deslocamento dos trabalhadores com conforto e gerando baixas emissões de gases, com as verbas que atualmente são remetidas aos banqueiros na
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forma de juros da dívida. Defendemos também a reestatização do transporte rodoviário municipal para que sejam garantidas tanto a redução das emissões como a melhoria dos serviços, com o fim do motorista júnior (acúmulo das funções de motorista e cobrador) e outras medidas que visam aumentar os lucros dos empresários em detrimento da segurança da população. 6. Reforma urbana e planejamento urbano para acabar com a especulação imobiliária e melhorar as condições sociais e ambientais das cidades. 7. Não às compensações ambientais, que permitem que empresas continuem poluindo desde que criem ações que compensem essa poluição, o que na realidade não acontece. 8. Repudiamos a lei federal nº 9.433/97 em seu artigo 1º que estabelece que a “água é um recurso com valor econômico”, colocando-a, assim, nas possibilidades de exploração pelo grande capital. 9. Defesa de um novo sistema de licenciamento ambiental, onde toda e qualquer obra que possa causar grandes alterações físicas, químicas e/ou biológicas no meio ambiente, bem como afetar a vida e a cultura das comunidades, devam ser aprovadas pelas mesmas, após a análise técnica e científica do projeto. Atualmente, a participação popular é meramente consultiva. 10. Revogação de todas as concessões e outorgas para a exploração econômica de fontes de água potável. Estatização, sob o controle dos trabalhadores, dos sistemas de captação, engarrafamento e distribuição. 11. Redução dos limites de tolerância para lançamento de efluentes em corpos d’água, visando a preservação dos ecossistemas e, consequentemente, da vida e saúde humanas. 12. Imediata cassação da licença da TKCSA, e medidas que obriguem as empresas envolvidas nos outros megaprojetos (Porto do Açu e Comperj) a respeitar a necessidade de preservação ambiental. 13. Criação de uma empresa municipal de reciclagem que trabalhe em conjunto com a Comlurb viabilizando a coleta seletiva e a contratação dos catadores para que estes tenham condições dignas de trabalho e salário.
Por um governo socialista dos trabalhadores que enfrente as empresas poluidoras e a lógica destrutiva do capital!
2011 Professores estaduais fazem protento na ALERJ durante greve da categoria
um programa socialista para a educação pública A educação é um espaço de valorização humana, fundamental para a vida das pessoas. É papel da escola pública valorizar e contribuir para o desenvolvimento integral das capacidades humanas, se configurando como um espaço de construção do conhecimento científico que estimule crianças e adolescentes ao conhecimento historicamente acumulado. A escola pública deve ser o espaço da vivência coletiva, de aprendizado coletivo e de respeito ao coletivo, rompendo com a lógica social individualista e meritocrática estabelecida na sociedade capitalista. Este espaço de formação humana precisa ser conformado com o intuito da garantia de um ensino de qualidade, com preocupação com a boa alimentação das crianças e adolescentes e que estes tenham a sua disposição bibliotecas qualificadas e profissionais e professores qualificados bem remunerados, com formação permanente que tenham o reconhecimento e a valorização do seu trabalho pedagógico. No entanto, a conformação de uma educação bem estruturada, desinteressada e unitária apenas dedicada a formação humana livre das pressões do mercado e do capital só é possível em uma sociedade sem classes sociais. Mas, a educação crítica pode ser um elemento importante na luta pelo fim do capitalismo.. Nas sociedades capitalistas o Estado atua como regulador das relações sociais a serviço da
manutenção das relações capitalistas em seu conjunto. Neste sistema, as mais diversas desigualdades são fundamentais para seu funcionamento. A desigualdade educacional, por exemplo, é uma forte justificativa para a desigualdade social. Além disso, os trabalhadores e a elite possuem educações diferentes e adequadas ao papel que irão desempenhar nessa sociedade fundada na exploração do trabalho humano. A crise econômica e social por que passa a economia mundial faz parte de uma crise estrutural do sistema capitalista. Nesse sentido, a miséria e a fome que atingem cerca de 16 milhões de brasileiros é consequência da ação da rapina das elites e do imperialismo que, para aumentar as taxas de lucro, aumentam as taxas de exploração, promovendo o saque de recursos públicos e de capital com o pagamento das dívidas públicas e isenção de impostos. Para atender a esse “custo”, governos cortam na carne orçamento para folha de pagamento e investimento em serviços públicos. Dilma Roussef, em 2011 e 2012, cortou o orçamento em R$ 50 e R$ 55 bilhões respectivamente. Cortes que foram brutais para os serviços públicos, entre eles, a educação. É nesse contexto que se insere a crise da educação pública no Brasil. A burguesia e seus governos não se contentam em reduzir verbas e avançam com ataques para sucatear e privatizar ainda mais a educação. Para enfrentar
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esta destruição da educação é preciso destinar as verbas públicas para as áreas sociais, possibilitando investimentos para a educação da maioria da população, assim como investimentos na valorização dos professores e profissionais de educação. A defesa da escola estatal pública, gratuita, de qualidade e laica em todos os níveis é hoje um patrimônio de toda a classe trabalhadora, e não só dos profissionais de educação. O capitalismo é incapaz de conceder essa reivindicação, embora esta seja uma bandeira liberal-democrático-burguesa. Por isso, a luta por essa reivindicação é hoje parte das bandeiras de mobilização de toda a classe trabalhadora contra o domínio do capital. Rio de Janeiro tem dinheiro pra empresário, mas não tem pra educação A educação na cidade do Rio de Janeiro foi o carro-chefe da propaganda eleitoral do prefeito Eduardo Paes no ultimo pleito. Após as intensas mobilizações contra a aprovação automática, que evidenciaram o caos na qualidade do sistema educacional, as promessas de campanha de Paes centraram-se na valorização dos profissionais de educação e na melhoria da qualidade das escolas públicas da cidade. Mas, ao assumir a prefeitura, Eduardo Paes, que é aliado de Dilma e Cabral, deu continuidade à implementação dos planos de reajustes neoliberais na educação, que seguem as diretrizes da Conferência Mundial de Educação para Todos, do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), concretizados na aplicação do Plano Nacional de Educação (PNE). O objetivo central da aplicação desses planos é impulsionar a privatização do sistema público de educação municipal, possibilitando a transferência de verbas públicas para as empresas privadas, aprofundando dessa forma o desmonte da educação pública. O PDE é o primeiro plano governamental brasileiro que envolve todos os eixos da educação, inclusive o ensino superior. A imposição da lógica dos organismos internacionais como o Banco Mundial e o BIRD, atendendo aos interesses das grandes empresas, desencadeou uma série de medidas que tem imposto mecanismos de controle das escolas, a gradativa desqualificação da carreira docente e a progressiva terceirização. Logo no início de seu mandato o prefeito
tentou aprovar na câmara dos vereadores a gestão privada das escolas municipais, repassando para as OSCIP’s (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público), ONG’s e fundações o controle administrativo e financeiro das escolas. Porém, mesmo após ser derrotado pelas mobilizações dos trabalhadores da educação, o prefeito, seguindo a lógica produtivista da gestão privada, instituiu o PROPAR (Programa Municipal de Parceria Público Privadas) e o Plano de Metas com o objetivo de incrementar o processo de privatização, como veremos abaixo, e assim acelerar o repasse de dinheiro público para as empresas privadas. Nesse contexto, os planos que instituem as parcerias públicas privadas introduzem na educação municipal uma série de inovações que modificam as práticas, as metodologias e as relações no cotidiano escolar. Esses planos intensificaram a presença de empresas no interior das escolas, que aplicam a concepção da gestão empresarial e estabelecem uma infinidade de projetos “técnico-pedagógicos”, o que tem provocado maior pressão sobre profissionais por melhores resultados através do estabelecimento de índices de desempenho, inaugurando a prática da meritocracia. A profunda crise por que passa a escola pública é atribuída à falta de compromisso, despreparo e má formação dos professores e ainda à falta de apoio dos pais e interesse dos estudantes. Nesse sentido os sucessivos governos tentam se isentar da responsabilidade pela decadência do ensino público municipal. Eduardo Paes, por exemplo, nem mesmo aplica os 25% do orçamento na educação, como previsto em lei orçamentária. Para solucionar o problema da qualidade precária das escolas, que enfrenta dificuldades para proporcionar aos estudantes o acesso aos conhecimentos mínimos necessários ao seu desenvolvimento, medidas de controle que se pautam pela produtividade são aplicadas sem a devida avaliação das condições de funcionamento das escolas, e ainda das condições de vida e trabalho dos profissionais e da realidade socioeconômica e cultural dos alunos. Projetos pedagógicos em “parceria” com a iniciativa privada são desenvolvidos nas escolas sem a participação dos profissionais, que passam a desempenhar o papel de reprodutores de
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metodologias, conteúdos curriculares e avaliações preparadas pelas empresas.
ciências. O abismo entre a escola para ricos e a escola para pobres é cada vez mais visível.
Professores e alunos não são mais sujeitos no fazer pedagógico. De forma autoritária são aplicados projetos, provas, currículos e apostilas de maneira uniforme, sem considerar a realidade, necessidades e especificidades das comunidades, escolas, turmas e alunos. A diversidade de concepções pedagógicas é ignorada, destruindo completamente alguns princípios constitucionais como a liberdade e autonomia de ensino e aprendizagem e a pluralidade de ideias.
Sabemos que a transformação desse quadro está inserida no contexto de uma profunda transformação da sociedade. A garantia do direito à educação pública universal, laica e de qualidade para os trabalhadores, somente será possível através da implantação de um governo comprometido com os interesses dos trabalhadores. Por isso a apresentação de um programa de educação para a população, que seja capaz de transmitir os conhecimentos científicos, tecnológicos, filosóficos e culturais acumulados historicamente pela humanidade e que possibilite a construção da consciência crítica a serviço da transformação da sociedade, constituise numa gigantesca e urgente tarefa dos ativistas revolucionários de nossa cidade.
As péssimas condições de trabalho, como salas de aula superlotadas, falta de professores e funcionários, a estrutura física inadequada das escolas, insuficiência de recursos financeiros, didáticos e tecnológicos, adicionados aos baixos salários, ao cerceamento da autonomia do fazer pedagógico das escolas, falta de política permanente de formação em serviço para os profissionais, falta de licenças e estímulo para que o professor continue estudando em cursos de pósgraduação, às violências cotidianas de diferentes ordens, à desvalorização social e profissional o assédio moral e política da meritocracia, vêm causando a insatisfação profissional e o estresse, o que têm provocado o adoecimento da categoria e acentuado ainda mais a queda da qualidade da escola pública no município do Rio. De forma articulada, essas medidas estabelecem o ranking entre as escolas, baseados em instrumentos de avaliações externas como a Prova Rio e Prova e Provinha Brasil. Como consequência dessas políticas, vemos a gradativa destruição de conquistas históricas dos profissionais da educação, como a autonomia docente, a isonomia salarial, reajuste anual de acordo com as perdas salariais, data base, paridade para os aposentados e pensionistas, plano de carreira. As políticas sociais, especialmente a educacional, nunca foram prioridades para os governos. Contudo, no Rio de Janeiro, a implantação das reformas neoliberais na educação pública agravou de forma dramática a já caótica situação das escolas e degradaram ainda mais a qualidade de ensino que é oferecida para a população, não sendo capaz de garantir as funções mais básicas da educação formal, como o ensino e aprendizagem da leitura e escrita, o desenvolvimento do raciocínio lógico e de conhecimentos elementares da sociedade e das
Projetos de desmonte da educação pública no Rio de Janeiro Atualmente existem aproximadamente 90 projetos das parcerias público privadas operando nas escolas municipais. Entre eles se destacam as parcerias com as Fundações Roberto Marinho, Ayrton Senna, Sangari, Volkswagen, Natura, Uerê, Alfa e Beto, entre outras. Os diversos projetos comercializam pacotes pedagógicos que envolvem cursos de formação profissional, material didático, suportes de reforço escolar. Parte deles é destinada a corrigir as distorções idade/série e constituem-se em verdadeiros engodos que, além de iludirem a população, são constituído sem fundamentação científica nas pesquisas educacionais. Vejamos os principais projetos do governo de Eduardo Paes para a Educação no Rio de Janeiro. Ginásio Carioca Existem em funcionamento até o momento dezoito ‘ginásios cariocas’ experimentais. Essas escolas funcionam em regime de horário integral para alunos do 6º ao 9º ano. No entanto, o simples funcionamento em horário integral não significa a resolução dos problemas da educação. Um consistente projeto de melhoria da qualidade da educação, mesmo no capitalismo, precisaria envolver os seus profissionais nos diagnósticos e na proposta pedagógica. No Ginásio Carioca os professores são polivalentes, com carga horária de 40
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horas semanais, sendo obrigatório o cumprimento de 8 horas diárias. Eles administram disciplinas por área de conhecimento, a saber, Humanidades que compreende Português, História e Geografia; Exatas que compreende Matemática e Ciências, e Artes, Esportes, Música, Inglês. Professores polivalentes é a expressão da desprofissionalização. O discurso da utilização das competências no mercado de trabalho transformando um trabalhador em vários potencializando assim a exploração, adentra as escolas e transforma em generalista, professores especializados em determinadas áreas de conhecimento. Utilizam a metodologia da Educopédia, que dá ênfase ao conteúdo de português, matemática, ciências e inglês. Essa prática demarca um controle dos saberes socialmente produzidos. Hierarquiza os conhecimentos a partir de uma lógica utilitária que se dá para o mercado. É um retrocesso, pois fere todos os avanços de produção do conhecimento das múltiplas áreas e, em especial, esvazia o ensino de áreas como história e geografia, que produzem reflexões sobre as dimensões social e política. Ao escolher um instrumental científico em detrimento de outros, tal organização representa um controle sobre as diferentes formas de pensar o mundo formatando modos de se pensar a realidade, rompendo com a lógica de complexificação dos saberes, que permite ao sujeito a escolha e a autonomia para se colocar no mundo.
que são do Estado. Desprofissionaliza a prática pedagógica e estabelece uma relação utilitária e arriscada com estagiários ainda em formação. O aluno aprendiz, o estagiário, é alguém em fase de aprendizagem também, logo, a presença do docente das turmas é fundamental para a sua formação. A prática do graduando não é a docência. As oficinas precisam ter sentido para quem as oferece e para os estudantes que a recebem. Elas não podem ser oferecidas apenas para preenchimento de “tempo ocioso” ou como experimento de conhecimentos da vida cotidiana. Como afirmava Paulo Freire, no processo de ensino e aprendizagem todo mundo ensina e todo mundo aprende, mas para que isso aconteça este processo precisa acontecer como algo compreendido por todos os envolvidos. Por isso é imprescindível o planejamento envolvendo parceiro mais experiente do estagiário: o professor, que é o responsável pela execução de situações didáticas. O voluntariado é a descaracterização do público e transforma o espaço escolar em área caritativa e filantrópica. Escola é um espaço de profissionais da educação, que planejam, pesquisam e atuam com a chancela do Estado. Voluntariado é episódico, bancados com dinheiro público e ao mesmo tempo fogem ao controle dos agentes públicos – os profissionais da educação. Escola é instituição do Estado, é pública, não é lugar de caridade, é lugar do exercício de um direito social.
Nessas escolas os professores perderam na prática o direito à lotação, ou seja, de permanecer na escola em que trabalha. Para permanecerem em suas unidades, em que muitos trabalhavam há anos, foram obrigados a assinar termo de compromisso em implantar o projeto. “Desterritorializar” o sujeito é uma forma de disciplinar e exercer o controle. Trata-se de uma prática autoritária de domesticação dos profissionais da educação, retirando direitos e burocratizando as suas opções através de um dispositivo de ordem: a assinatura de um termo.
Não são estabelecidos critérios mínimos para a oferta dessas oficinas. Atividades como rádio, basquete de rua, horta, judô, artesanato, pintura, jornal, artes marciais etc. são oferecidas sem que haja qualquer conexão com o programa político pedagógico da escola ou com os objetivos educacionais. Na verdade são projetos que exercem a função de depósito de crianças e jovens que correm o grave risco de vulnerabilidade dentro do espaço escolar, cujo caso mais emblemático foi o da Escola Roma.
Escolas do Amanhã
O recrutamento de pessoas não qualificadas para o trabalho pedagógico, além de se uma forma de desviar verbas públicas, é uma estratégia para suprir a carência de profissionais qualificados e garantir de forma precária o funcionamento das escolas em horário integral.
Atingem 151 escolas em áreas conflagradas, funcionando em regime de horário integral com atividades de oficinas no contraturno. Essas oficinas são administradas por estagiários, voluntários e moradores das comunidades. Há um uso instrumental das pessoas, dando responsabilidades
O horário integral é algo muito valioso para ser utilizado como artifício de controle das crianças
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e adolescentes e de propaganda de governo. É um tempo precioso para se trabalhar as múltiplas áreas de formação humana e para a atualização dos conhecimentos e conteúdos das diferentes disciplinas pelos alunos, e não deve ser desperdiçados em projetos que em nome de objetivos privatistas ignoram propostas pedagógicas mais consequentes. Autonomia Carioca Em parceria com a Fundação Roberto Marinho, esse projeto funciona com a metodologia de telecurso, funcionando na prática como os antigos sistemas supletivos para estudantes que estão com a idade defasada para a série escolar. Trata-se de mais um artifício que transforma professores em “profissionais polivalentes” somado ao completo desrespeito a produção intelectual uma vez que o processo de aprendizagem é desenvolvido utilizando tecnologia e material pedagógico produzido pela própria fundação sem a participação do professor. A proposta é transformar o professor em um mero repassador de informações. Em muitas escolas, os aparelhos de informática para os alunos estão até hoje armazenados nos armários, já que as mesmas têm que utilizar recurso do SDP que são insuficientes para a garantia de necessidades mínimas das unidades. O verdadeiro processo de aprendizagem requer autonomia e não há forma de realizá-la através de pacotes didáticos prontos. Os recursos tecnológicos são,de fato,direito dos nossos estudantes e precisariam ser utilizados como suportes potencializadores de aprendizagem. Para isto seria necessária a participação criativa e autônoma dos profissionais que mobilizam esses recursos, no entanto estes recursos são utilizados de forma a descaracterizar a produção intelectual do profissional envolvido com o único intuito de promover uma formação humana de baixo nível apenas direcionada a formar uma mão de obra básica para a geração de lucro ao capital. O material didático a ser utilizado no processo de aprendizagem deve ser selecionado pelo professor em seus projetos com os alunos e periodicamente avaliado pelos profissionais e alunos para promover ajustes. Vale ressaltar, que a prefeitura da cidade tem a sua própria empresa de produção didática televisiva e computacional promovida com dispêndio de dinheiro público e não há explicação para a utilização de materiais de empresas privadas a não ser tratar a educação como mais um negócio. Não é a toa, que
o Todos Pela Educação, projeto de parceria entre o Estado e setores do empresariado foi efetivado. O grande argumento utilizado para a configuração desta parceria: a necessidade da entrada em cena da sociedade civil (no caso, o empresariado) no apoio a superação da idade defasada na formação e absolutamente falso. Para se obter respostas positivas neste quesito deve-se envolver e potencializa a ação do especialista da área de conhecimento: o professor. Na realidade esta questão tem origem na história de abandono da rede pública de educação, nas incessantes iniciativas de tratar a educação como negócio e na desmoralização do principal elemento de superação da situação, o profissional de educação. Não será a mídia educativa patrocinada pelos órgãos privados que buscam colaborar para o controle da formação e da descaracterização do professor como intelectual capaz de conduzir o processo de aprendizagem junto aos alunos, ao mesmo em que visam a redução de pagamento impostos. A distorção idade/série se aprofunda se não houver intervenção pedagógica, e as contradições que envolvem um grupo de alunos não são as mesmas que envolveram outro grupo. As condições a que um grupo de alunos esteja submetido, seja elas de ordem financeira, de atendimento de suas necessidades básicas ou de questões familiares indicam que será o profissional envolvido com cada grupo que terá a capacidade de perceber tais contradições e indicar projetos pedagógicos que possam apoiar a superação dos problemas. A padronização dos métodos, dos projetos e das políticas pedagógicas não conseguirá obter resultados positivos. O programa de televisão e a apostila pronta não reconhecem as especificidades de aprendizagem de cada aluno. Os nossos alunos não têm tempo a perder, e os nossos professores não são atores globais com um script pronto, não podem ser alienados do seu fazer com programas midiáticos, antes de tudo devem ser reconhecidos como os potencializadores da criação e da produção de conhecimento.
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A organização do Projeto Autonomia Carioca: ALUNOS
Acelera 2: Alunos do 6º e 7º ano Acelera 3: Alunos do 8º e 9º ano
PROFESSOR
Um único professor ‘polivalente’ que desenvolve todas as disciplinas
TECNOLOGIA
Um notebook por aluno ou grupo de 3. No entanto, grande parte dos equipamentos dos alunos não funciona até hoje
CONTRATURNO
Preferencialmente oficinas de Letramento e Matemática administradas por estagiários ou pessoas da comunidade que são encaminhados pelas CRS’s (Coordenadorias Regionais)
AVALIAÇÃO
Provas de Aceleração e Provas Rio, elaboradas especialmente para os alunos do Autonomia. Como não pertencem às turmas regulares, as provas Brasil não são aplicadas para esses alunos
O letramento é algo muito valioso para os professores que entendem e praticam a alfabetização como um direito dos alunos. A matemática possui uma linguagem própria que exige conhecimento específico de quem ensina. Os estagiários, ainda estudantes, e, principalmente, pessoas da comunidade não são as pessoas com a formação profissional para proporcionarem a produção do conhecimento nessa área. Nem todos podem e devem ensinar, por isso o magistério. Geralmente a freqüência desses alunos nas atividades, é muito baixa, na maioria dos casos 2 ou 3 alunos permanecem nessas oficinas. A ausência dos estudantes é a expressão de que nossos alunos querem aprender e sabem quando o exercício do ensino é realizado por quem sabe fazer. Os projetos, que visam corrigir a distorção idade/ série, além de garantir a transferência de recursos públicos para a iniciativa privada, têm o objetivo também de mascarar índices de reprovação, evasão e desempenho e dessa forma garantir mais recursos do governo federal. A aprovação automática é um mecanismo que continua sendo aplicado nas escolas municipais através do funcionamento desses projetos. Este mecanismo em nada ajuda a superar as dificuldades no processo individual de aprendizagem, pelo contrário, é um fortalecedor da exclusão já que interfere direto na auto-estima do estudante. O desenvolvimento da aprendizagem não se dá de forma padronizada, cada um tem seu tempo, facilidades e dificuldades na aquisição de cada tipo de conhecimento. Não se trata de defender a reprovação, mas de respeitar os processos e o desenvolvimento de cada aluno garantindo sua manutenção na escola.
Porém, o real intuito está longe de ser a preocupação com a formação humana, os resultados positivos significam o aumento do repasse financeiro da união para o município e números estatísticos que os governos burgueses gostam de utilizar para mostrar resultados de seus governos. Enquanto tenta-se produzir resultados estatísticos positivos faltam aproximadamente 25.000 professores nas escolas cariocas. Porém, em vez de realizar concursos públicos que respondam à demanda, a prefeitura utiliza, além dos projetos de aceleração, formas de trabalho precarizado, como a contratação de oficineiros, estagiários e trabalho voluntário. Dessa forma a educação é progressivamente transformada em mercadoria, espaço em que os projetos privatistas promovem a destruição da escola pública do município do Rio de Janeiro. O desmonte da educação especial A educação inclusiva faz parte das diretrizes do Plano Nacional de Educação - PNE. Com o discurso de promover a educação inclusiva, escolas e turmas de educação especial estão sendo desativadas. Essas escolas promoviam uma inserção social de fato, como fazem o Instituto Benjamin Constant e o INES (Instituto Nacional de Educação de Surdos), que mobilizaram no último ano uma campanha nacional pelas suas manutenções como espaço educativo de referência. Ser referência não significa dizer que os que lá estão recebam um atendimento que fere os princípios da inclusão, tal afirmação desconsidera as especificidades de produção científica educativa que essas instituições fornecem para o conjunto da comunidade científica, e mais, a inclusão não é um
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objeto exclusivo de ideias bem intencionadas, mas a inclusão precisa revelar a prática possível, pois alguns de nossos estudantes precisam estar incluídos para a vida fora da escola, algo que para muitos só será possível em ambientes que tratem especificamente as suas condições físicas e cognitivas. Seguindo a lógica do PNE para a educação especial, o governo apresenta uma proposta “inovadora”, mas na verdade está inserida nos planos de retirada de direitos historicamente conquistados. Ao desconsiderar o que os profissionais especialistas dizem sobre as múltiplas formas de inclusão, os governos aproveitam da mais cara proposição que a inclusão traz, que é o tratamento da diferença com igualdade de condições de aprendizagem. O que queremos dizer com isso: algumas crianças podem e devem estar em turmas denominadas regulares, e outras não, pois precisam de uma estrutura física e de profissionais dedicados as suas especificidades. As formas de socialização dessas crianças são diversas, o que vão aprender e utilizar para a vida também. As famílias e os profissionais qualificados para tanto são os personagens mais importantes para inseri-los no cotidiano, pois tem condições de estabelecer as escolhas ou as orientações do que vem a ser melhor para elas, impulsionando sua autonomia para que elas próprias possam – e em alguns casos não serão autônomas na perspectiva completa do ser autônomo – decidir sobre a sua atuação no mundo. A aplicação do projeto de educação inclusiva está respaldada pelas diretrizes do PNE e do Conselho Nacional de Educação - CNE, que determina que os alunos portadores de necessidades especiais educacionais sejam matriculados em turmas regulares. Defendemos que é uma conquista que as crianças e adolescentes com determinadas especificidades possam estar incluídas, pois se trata de um direito delas e um elemento único de formação do conjunto dos outros estudantes. Mais do que isso, defendemos que as escolas tenham profissionais específicos para as ações de inclusão nas turmas regulares. Em escolas como o CAp da UERJ esse trabalho vem sendo chamado de ensino colaborativo, em outras como bi-docência, o que revela as possibilidades de trocas pedagógicas que as escolas da rede podem fazer no sentido de construir os melhores caminhos para uma inclusão verdadeiramente inclusiva. Esse campo de formulação está em franca construção e não deveria ser pensada como mecanismo de captação de recursos e diminuição de gastos públicos, como a prefeitura quer fazer, já que o decreto do CNE prevê
o financiamento duplo para cada aluno “integrado” em turmas regulares. Alunos merecem verbas, não são captadores de recursos ou fonte de economia. Pensamos que o município deve ser um promotor de novas políticas e de debates que promovam a nível nacional mudanças nas formas de se entender e praticar a educação inclusiva. O município do Rio de Janeiro é a maior rede pública da América Latina, é o grande cartão-postal do país, mas que hoje pratica políticas para boa imagem no mercado, eliminando de seus interesses aqueles que realmente precisam da intervenção pública. O que dizer de nossos meninos que estão entregues ao crack? Devem ser escondidos nos abrigos forçados e confinados em seus direitos? Eles também não seriam alvos da educação especial? Ou seriam vítimas de uma sociedade que aparta os indesejáveis? A inclusão é um conceito muito amplo e sua utilização implica em reconhecer a existência de que existem estudantes que estão fora do sistema. No entanto, para estar fora do sistema não precisam ser portadores de uma patologia ou de uma necessidade especial. As políticas educacionais atuais excluem alunos que estão frequentando turmas regulares. O que é o regular e o normal? Tal questão só existe porque muitos estão fora do sistema de direitos e nesse sentido tirar os espaços de inserção social de algumas crianças por conta da subversão das concepções de inclusão é excluir também. Todos devem ser incluídos, mas todos ter as suas diferenças respeitadas como elemento de formação humana. A nossa concepção de educação inclusiva não parte dos esconderijos, não parte da inclusão sem qualidade. Apartar as crianças e adolescentes vítimas de dependência e da violência a que a sociedade desigual impõe também é uma forma cruel de excluir. Da mesma forma, determinar a inclusão de alunos que necessitam de um atendimento especial sem os investimentos necessários é uma das mais perversas formas de exclusão. A inclusão desses alunos especiais em turmas regulares da rede está sendo realizada de forma desumana já que a mesma não apresenta a mínima estrutura necessária. Não existem transportes adequados, escolas adaptadas que garantam a acessibilidade, profissionais de braile, intérpretes de libras, equipes multidisciplinares como psicólogos, neurologistas, psiquiatras, pedagogos, fonoaudiólogos, terapeutas educacionais,
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fisioterapeutas, agentes educadores especializados e salas de recursos equipadas. Além disso, a inclusão desses alunos em turmas superlotadas tem causado graves problemas nas escolas, visto que a segurança física e emocional desses alunos fica prejudicada, além de em muitos casos inviabilizarem o processo de pedagógico do conjunto dos alunos. Não há como trabalhar com turmas com mais que 10 alunos onde existam crianças incluídas, além da necessidade concreta da bi-docência. A formação permanente de todo o corpo docente é uma medida mais que necessária para fortalecer a rede municipal. A inclusão de alunos especiais potencializa esta necessidade. O Instituto Helena Antipoff, importante instituição com histórico de pesquisa e atendimento da educação especial, deve ser revitalizado e se transformar no núcleo de apoio aos profissionais de educação que precisaram ser professores pesquisadores apoiando a formação permanente dos profissionais que estão localizados no cotidiano escolar e na promoção de políticas públicas que apóiem, de fato, a inclusão. Educação infantil A educação infantil enfrenta a mesma realidade de destruição e desmonte das escolas de primeiro segmento, a inauguração de novos Espaços de Desenvolvimento Infantil (EDI) e creches é o centro da campanha eleitoral de Paes para o Rio. Porém, é nesse segmento que ocorre com maior intensidade o processo de privatização, a partir da implantação das parcerias com as ONG’s, que fornecem trabalhadores terceirizados para as creches. Esses profissionais atuam como professores sem a formação necessária. Nesse cenário, as creches municipais constituem-se em um espaço de guarda e cuidados das crianças sem que a mesma cumpra a sua função no desenvolvimento integral da criança pequena. O governo tenta iludir a população com a propaganda de construção de mais creches, mas o que acontece de fato é que as vagas são criadas artificialmente com a implantação de Programa de Infância Completa – PIC e EDI’s. Embora as lutas dos trabalhadores de creches tenham obrigado a prefeitura a realizar concursos públicos para o preenchimento dos cargos de agentes educadores nas creches, a situação de trabalho dos
concursados é determinada pela superexploração, pelos baixos salários e pela pressão para que cumpram a dupla função, atuando também como professores sem formação necessária e, por conseguinte, sem remuneração para tal. Parte das vagas ofertadas para as creches são extremamente precárias, já que não são produto da construção de mais creches, mas sim da utilização em salas de aulas das escolas, que funcionam como anexas, estilo “puxadinho” nas unidades escolares, sem a mínima estrutura necessária para o atendimento dessa faixa etária. Há ainda o atendimento feito pelo sistema PIC, onde as crianças que não conseguiram matrícula nas creches são atendidas somente aos sábados. Esse programa parece ter a única intenção de iludir a população no sentido de cumprir de forma precária seus anseios pela creche pública. Rede pública e rede privada Enquanto a rede pública é sucateada e extinta, a rede privada de ensino aumentou o número de vagas, demonstrando mais uma vez que os trabalhadores ficam cada vez mais distantes de uma educação de qualidade. Apesar de hoje em dia a educação ter mais do que nunca um perfil de separação de classes – pobres na escola pública e os demais na rede privada – o aumento do número de escolas particulares não é sinônimo de aumento de qualidade do ensino. Apesar de o senso comum dizer que a escola privada é melhor do que a pública, a maioria destas escolas privadas possui péssimas condições e profissionais mal pagos. Em muitos casos, a rede privada absorve parte dos investimentos públicos que deveriam ser exclusivamente utilizados pela rede pública, na forma de isenções de impostos e bolsas de estudos. Vale ressaltar, que mesmo nas escolas públicas a entrada do capital já se consolida. O Movimento Todos pela Educação com suas fundações e as organizações não governamentais são hoje uma realidade nas políticas para o sistema básico de educação. Enfim, a situação da educação é precária e permanece sendo precarizada. A sociedade civil (no caso empresários) se apresentam como salvadores com seus projetos que geram esmolas para o investimento na educação e redução do pagamento de impostos
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para a burguesia. Os profissionais de educação vão sendo desprofissionalizados e desrespeitados tanto do ponto de vista de remuneração salarial quanto da sua relação com o seu trabalho. E por fim, as crianças e adolescentes recebem uma educação frágil, precarizada e depois são responsabilizados pela incapacidade de entrar no mercado de trabalho. Para lutar contra a destruição da educação apresentamos a seguir um programa que defenda a educação para os trabalhadores, mas também pensamos ser necessário para garantir este programa que se atenda as reivindicações dos profissionais de educação que serão os grandes responsáveis pela superação da atual crise da educação.
12. Incentivo à formação de grêmios autônomos. 13. Fim da municipalização do ensino fundamental. 14. Máximo de 20 alunos por sala de aula do 1º ao 5º ano, e de 25 por sala do 6º ao 9º ano. Máximo de 8 crianças em cada sala de educação infantil / creche, com dois profissionais. 15. Pelo fim de avaliações externas e meritocráticas dos trabalhadores da educação e da política de premiação (ou bonificação)! Por uma avaliação democrática, sem a intromissão de empresas privadas!
Um programa na defesa da educação para os trabalhadores
16. Contra qualquer forma de rebaixamento da qualidade do processo educacional, como por exemplo, o ensino à distância e as telessalas!
1. Ensino público, estatal, gratuito, laico e de qualidade em todos os níveis.
17. Contra a privatização, as fundações, OSCIP’s e OS nas escolas e creches.
2. Aplicação de 15% do PIB para educação! Aplicação dos 10% já!
18. Por uma nova legislação educacional – contra os PCN’s, LDB e EC 14.
3. Aplicação de 35% do orçamento do município na educação.
19. Contra o movimento empresarial “Todos pela Educação”, que atrela a verba da educação a fundos e a avaliações externas.
4. Contra a mercantilização do ensino! Pela estatização do sistema privado de ensino! 5. Por uma escola pública, laica e unitária.
20. Contra o Plano Nacional de Educação que quer transformar a educação em mercadoria.
6. Verbas públicas do município serão aplicadas somente nas escolas públicas!
21. Contra o PDE (Plano de Desenvolvimento da Educação) e a desigualdade de estrutura e qualidade nas escolas públicas.
7. Fim dos contratos das Parcerias PúblicoPrivadas (PPP’s)
22. Pela revogação das deliberações da Confederação Nacional da Educação (CONAE)
8. Contra a política de fundos e o Fundeb! Pela devida utilização dos impostos!
23. Pelo piso salarial 5 salários mínimos para os professores e 3,5 para os funcionários administrativos.
9. Contra a intervenção de agências internacionais de financiamento, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Banco Mundial e outros organismos multilaterais na educação nacional. 10. Total autonomia didática, administrativa nas escolas!
pedagógica
e
11. Gestão democrática nas escolas e creches, com eleição direta da direção, das coordenadorias e do conselho escolar ou colegiado, com mandato de dois anos e revogável a qualquer momento.
24. Por uma educação que combata os preconceitos de gênero, orientação sexual e etnia. 25. Pela Criação da disciplina de educação sexual nas escolas públicas, com orientações sobre gravidez precoce sem conteúdo opressor. 26. Criação de creches nos locais de trabalho e de estudo nas estruturas dos municípios. 27. Promoção de políticas para combater o fim da evasão escolar. 28. Instituição de disciplinas obrigatórias relativas
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à educação de cultura e história afrobrasileira e indígena e educação ambiental nas grades curriculares e na formação profissional de todos os professores. 29. Escola em tempo integral para todos, em todos os níveis de educação, com atividades culturais, esportivas, assistência psicológica, fonoaudiológica, odontológica e social, com todos os profissionais concursados. 30. Existência obrigatória de equipes multidisciplinares de profissionais de supervisão escolar, orientação pedagógica e secretaria escolar. 31. Fim de qualquer forma de aprovação automática. 32. Fim dos projetos de aceleração da educação do governo municipal, como o Autonomia. 33. Fim de projetos como Ginásio Carioca. 34. Criação de um Conselho Municipal de Educação autônomo, composto por profissionais de todos os níveis e pela comunidade escolar, para elaboração de políticas públicas de educação, fiscalização e normatização da educação. Programa para os profissionais de educação do município do Rio de Janeiro 1. Incorporação de gratificações e bonificações aos salários e extensão dos mesmos aos aposentados 2. Jornada semanal de 20 horas para os professores. Que se cumpra a Lei do Piso Nacional: 1/3 da carga horária dedicada à hora atividade 3. Plano de carreira unificado com progressão por tempo de serviço e formação com 15% entre os níveis 4. Regularização do pagamento de todas as dívidas trabalhistas com os servidores da educação 5. Concursos públicos imediato para professores e funcionários 6. Qualidade na merenda escolar. Cozinhas escolares melhor equipadas. Concurso para cozinheiras escolares e fim do convênio com a Comlurb. 7. Concurso para agente auxiliar de creche 8. Enquadramento de formação para as agentes
auxiliares de creche 9. Realização de concursos classificatórios com pontuação na forma de títulos para profissionais que atuem como contratados ou terceirizados 10. Estruturação tecnológica, formação continuada e concurso público para as funções técnicas, administrativas e pedagógicas 11. Garantia da isonomia de salários; Paridade para os Aposentados 12. Garantia de lotação e remoção para todos os profissionais de educação, respeitando-se os critérios de classificação nos concursos e a antiguidade nas escolas. Concurso público de remoção realizado anualmente 13. Garantia da autonomia pedagógica que garanta a pluralidade das concepções teóricas e práticas 14. Formação continuada e presencial do profissional de educação, em universidade pública e com licença remunerada 15. Fim das terceirizações e do estágio probatório 16. Fim das Parcerias Público privadas 17. Os profissionais de educação terão livre acesso à cultura 18. Auxílio transporte e auxílio alimentação para os profissionais de educação 19. Aumento da gratificação de difícil acesso e reavaliação das áreas contempladas 20. Contra o fechamento e demolição do Iaserj, patrimônio dos trabalhadores 21. Atendimento especializado na rede pública de saúde (Iaserj) para as doenças do trabalhador da educação (alergias, problemas de coluna, problemas vasculares, problemas vocais, síndrome do pânico, stress, síndrome de Burnout, depressão etc.) 22. Garantia de assistência à saúde com a volta de investimento no IASERJ
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Somos todos iguais porque somos todos diferentes: Um programa para a Educação Especial 23. Promoção de concurso de profissionais especializados em Educação Especial.Construção de infraestrutura adequada para receber crianças com qualquer tipo de necessidade especial. Redução do número de alunos em turmas com crianças com necessidades educacionais especiais e garantia de dois docentes. 24. Contra o fim das escolas especiais! 25. Reformas e construção de escolas com quadras de esportes, bibliotecas, laboratórios que garantam a acessibilidade de alunos portadores de necessidades especiais; 26. Equipes multidisciplinares com psicólogos, assistentes sociais, orientadores educacionais, supervisores educacionais, terapeutas ocupacionais, fisioterapia, fonoaudiólogos, proporcional ao número de alunos; Educação e o combate à homofobia 1. Realização de um encontro municipal com a comunidade escolar e entidades do movimento para construir o respeito à diversidade sexual nas escolas através da criação de um kit antihomofobia e de ações que combatam a evasão escolar! 2. Por uma educação laica! Inclusão da história da sexualidade nos currículos escolares! 3. Que a homossexualidade seja tratada nas escolas municipais sem preconceitos, e que as escolas tenham em seu currículo temas sobre a história da sexualidade e sobre os homossexuais na história (na política, arte, literatura, história, etc.). 4. Contra a aprovação da Lei Municipal proposta por Carlos Bolsonaro que proíbe a distribuição de qualquer material anti-homofóbico nas escolas do Rio de Janeiro (PL 1082/2011)
“A arte que temos hoje como dominante é a arte feita à imagem e semelhança do capital, e [está] sendo usada pela burguesia para encobrir a verdadeira realidade em que vivem milhões e milhões de trabalhadores e camponeses, milhões de pessoas marginalizadas e oprimidas no mundo inteiro.” León Trotsky
“Homem na encruzilhada olhando com esperança e alta visão para a escolha um novo e melhor futuro”. Pintura de Diego Rivera, 1934, Afresco.
um programa socialista para a arte e a cultura carioca A gente não quer só comida! Nas últimas décadas, constata-se uma invasão do capital e da mercantilização em todas as esferas da produção artística e cultural. Esta invasão sufoca a produção de grupos das mais variadas estirpes artística que intencionam promover sua arte e cultura impedindo que a maioria da população tenha acesso ao que não é controlado pelo capital. O domínio da burguesia sobre a produção, distribuição e controle do acesso aos denominados “bens artísticos” criou e desenvolveu uma verdadeira indústria cultural, cujo sentido último é a acumulação do capital nas mãos dos empresários culturais à custa do embrutecimento material e espiritual da enorme maioria da população. Não é por outro motivo que reality shows são difundidos intensamente pela televisão com o intuito de promover o individualismo e a competição. Também não é diferente com a criação diuturna de grupos musicas que lucram milhões em poucos meses e, tão celeremente como haviam surgido, desaparecem na medida em que tantas outras vão brotando. O mercado cultural cria diariamente novas necessidades e curiosidades, uma infinita gama de produtos culturais que, são empurradas para as massas com o intuito de estas consumam este tipo de ‘arte’ promovendo grandes lucros aos ‘empresários culturais’. O discurso da propriedade intelectual e
dos direitos autorais fica, assim, a serviço da garantia desse lucro; para isto, a indústria cultural utiliza-se de campanhas contra a pirataria, além da própria Justiça e de medidas governamentais. Os altos preços das peças teatrais e shows de melhor qualidade impõem que a classe trabalhadora não possa incluir este tipo de atividade em suas vidas. No Brasil de hoje, 93% da população segue sem nunca ter ido a uma exposição de arte, 78% sem nunca ter visto um espetáculo de dança, e 92% assume que não frequenta museus e teatros. O desenvolvimento científico e artístico da sociedade deve servir à emancipação humana. No capitalismo, com a atual situação de submissão estética aos interesses da classe dominante, o que se percebe é a transformação da arte e da cultura em instrumentos de barbárie. O capitalismo não pode conceber a libertação da arte e da cultura. Seu dever é garantir a boa qualidade cultural para a sociedade burguesa enquanto que para a massa o necessário é a utilização da cultura como mecanismo de controle da possibilidade de levante contra a exploração. Afinal para que se mantenha e se reproduza o capitalismo para os trabalhadores apenas é necessário alimentação e um pequeno grau de saúde que permita a produção do lucro; o lazer e o acesso a arte e a cultura são privilégios apenas da burguesia. Por isso, a produção cultural no capitalismo pretende apenas atender a interesses particularistas. Seja do ponto de vista da
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indústria ‘cultural’ que beneficia setores privados, seja do ponto de vista do oferecimento de arte de boa qualidade a apenas um setor da sociedade de classes, a burguesia. Sem dúvida, a produção de meios que garantam o acesso à cultura a maior parte da população, a classe trabalhadora, deve ser de responsabilidade do Estado e não de grupos de capitalistas culturais que só objetivam atingir altos índices de lucros. Entretanto, a responsabilidade estatal pelo amplo acesso à cultura não significa que deve ser o Estado quem dite as “regras” da criação artística, até porque ditar regras para a produção artística e cultura impede a possibilidade de uma verdadeira criação autônoma e livre que é a necessidade central de uma produção artística de boa qualidade. Uma construção artística livre não pode sofrer interferência nem Estado nem do mercado, essa ‘ente abstrato’ que hoje a tudo domina e a todos impõe seus despudorados princípios. A arte deve ser uma expressão autêntica da sensibilidade humana, e não um instrumento nas mãos de empresas e corporações capitalistas. Uma política cultural coerente deve permitir a todo artista viver dignamente de sua arte, sem ter que, resignadamente, se render aos ditames da indústria cultural para prover sua família. Propomos, assim, que o emprego das verbas destinadas à cultura pelo orçamento estatal seja decidido por um comitê de artistas eleito democraticamente por toda a comunidade artística nacional. Este é um importante mecanismo para evitar que burocratas estatais e uma minoria de privilegiados dessa comunidade continuem a decidir em nome de todos os artistas do país. No município do Rio de Janeiro, como em outras tantas grandes capitais do mundo pode-se ver os efeitos do capitalismo que explora, oprime e priva os trabalhadores de todos os direitos necessários a vida digna, como saúde, educação e moradia. O acesso a cultura e arte é um mecanismo de garantir lucro e atender a burguesia, vide a situação do Canecão que durante 39 anos ocupou o terreno público pertencente a Universidade Federal do Rio de Janeiro a preços irrisórios, enquanto promovia todo o tipo de falcatrua para não pagar impostos. Após anos na justiça, os empresários ainda conseguem manter o espaço desativado por medidas judiciais absurdas mesmo com a decisão favorável para a UFRJ. A privação de questões básicas de sobrevivência como o atendimento hospitalar digno, o direito
a educação básica de qualidade faz com que seja secundarizado o direito a cultura e a arte. No entanto, este direito deve ser garantido para que a classe trabalhadora já brutalizada pela barbárie da violência do capital. Estes homens e mulheres trabalhadoras que lutam para garantir moradia e alimentação que batalham para por seus filhos na escola, sonhando para eles uma vida melhor que a sua, para pagar os impostos ao Estado que é leniente com os empresários, mas duríssimo com o trabalhador, precisam do acesso a arte e a cultura como forma de não restarem embrutecidos pelo sistema. Pode parecer contraditório que diante de um quadro como este que a população carioca queira lutar pelo direito à arte e á cultura. No entanto, são os trabalhadores, mais que os parasitas burgueses, que necessitam do direito de após horas de trabalho pesado ter acesso a produção cultural e artística livre e de alto nível que lhe garanta pensar, sonhar e liberar sua sensibilidade, o que só contribuirá para a sua emancipação. As pequenas medidas populistas na história desta cidade em oferecer espaços de cultura e arte às áreas mais afastadas do centro e da zona sul sequer se consolidaram. Nunca houve nesta cidade uma intenção séria de qualquer governante no intuito de popularizar a arte e a cultura. Segundo dados apresentados por pesquisadores da Fiocruz e da UFRJ1, dos 119 teatros do município, 102 estão localizados nas AP1, 2 e 3, ou seja, no centro, na zona sul e Barra da Tijuca, dos 48 centros culturais, 44 estão localizados no centro e na zona sul. Além da distância, a maioria da população se defronta com outra questão: os altos preços dos ingressos para os espetáculos fazendo com que boa parte da classe trabalhadora nunca tenha entrado num teatro, museu e jamais tenha tido acesso a uma exposição de arte. A lógica do capital e do lucro afasta os trabalhadores do acesso à cultura, como da educação, saúde e moradia. A produção artística e cultural deve ser livre da interferência do Estado, mas também não deve ser aprisionada e gerida por empresários que apenas visam lucro e o atendimento a parcela 1 Peres, Fabio de Faria; Melo, Victor Andrade Espaço, lazer e política: desigualdade na distribuição de equipamentos culturais na cidade do Rio de Janeiro. Revista Digital – Buenos Aires – Año 10 – nº 93 – Febrero de 2006 . http://www. efdeportes.com
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burguesa da sociedade. O Estado tem o dever de incentivar, financiar e garantir o acesso a cultura para os trabalhadores e dar condições para que todo aquele trabalhador ou trabalhadora que queira se dedicar a produção cultural obtenha condições para fazê-lo. Nas atividades esportivas a situação não é diferente. Os olheiros do futebol, esporte mais popular no Brasil, visitam constantemente, favelas e bairros pobres da cidade em busca de novos talentos. Criando uma expectativa nas crianças e nos jovens não de desenvolvimento da atividade esportiva, mas de ascensão social. E quando se descobre um talento este passa a ser propriedade de clubes e cartolas e se este consegue atingir a tão sonhada ascensão social é porque garantiu muito dinheiro aos empresários do esporte. Enquanto isto, os ingressos para os jogos atingem índices exorbitantes que impedem estes mesmos meninos de assistirem seus times e seus ídolos do futebol. Sabemos que sem uma sociedade socialista onde o bem estar humano e não o lucro seja sua preocupação central não poderemos atingir o atendimento a todas as necessidades humanas. E vemos tanto as atividade culturais, quanto a arte e as atividades esportivas como parte fundamental destas necessidades. Mas, na nossa luta diária contra o capitalismo não podemos nos submeter a visão dos empresários e de seus representantes no governo de que estas questões não são importantes. Nossa cidade vive uma realidade muito peculiar, pois vem cada vez mais recebendo investimentos para ser a porta do Brasil para o exterior. A burguesia vende a cidade, justamente, por suas belezas naturais, mas também pelas opções cultura e de lazer que a cidade oferece, como o carnaval, o funk, o futebol e a arte carioca em geral. E é por isso que apresentamos em nosso programa “UMA CIDADE PARA OS TRABALHADORES” medidas emergenciais para que a cultura, a arte e o esporte deixem de ser um privilégio da burguesia carioca e os artistas e os trabalhadores e trabalhadoras cariocas possam usufruir do encantamento desta cidade em todos os seus aspectos.
1. Resgatar a cultura como direito universal. A cultura deve ser tratada como um serviço público, tal como a saúde e a educação, e financiada pelo Estado de forma ampla, com orçamento próprio e compatível. Com isso, as “leis de incentivo”, baseadas na renúncia fiscal serão abolidas.
2. Por um plano de obras públicas que construa centros culturais em todos os bairros, que não sejam apenas reprodutores, mas produtores e irradiadores da cultura. Construção de bibliotecas, cinemas, teatros e museus em todos os bairros, cuja administração será eleita pelos trabalhadores da região. A periferia deve ser prioridade, para corrigir o déficit atual. 3. Que todas as escolas públicas sejam também centros de cultura completos, geridos pelos trabalhadores e abertos à comunidade, em que os estudantes possam desenvolver suas potencialidades artísticas. As escolas contarão com um agente de cultura para promover a integração da escola com as peças artísticas da cidade.
4. As Lonas Culturais devem ser administradas pelos trabalhadores em cultura do bairro, que devem eleger uma comissão que pode ter o mandato revogado a qualquer momento pelos trabalhadores, e não da forma que está agora que não sabemos quem são os poucos que tem o domínio disso, servindo mais de cabides de empregos para cabos eleitorais de vereadores;
5. Que o Canecão seja transformado em um espaço de cultura e arte para o conjunto da população com preços que garantam a presença da classe trabalhadora e que seja gerido pelos trabalhadores e estudantes da UFRJ garantindo a liberdade artísticas e promovendo a presença da maioria da população carioca em sua platéia. 6. Pelo fim da censura a cultura popular das comunidades! Pelo retorno dos bailes funk das favelas! Pelo incentivo a produção de funk sem machismo, homofobia e racismo!
7. Os grandes teatros, cinemas, centros culturais, museus e galerias devem ser estatizados, e administrados por comissões de artistas e demais trabalhadores em arte eleitos pelos trabalhadores; mantidos com tarifas acessíveis para toda a população. Sem qualquer tipo de dirigismo cultural, o Estado deve providenciar a esses equipamentos toda a verba necessária para seu funcionamento. 8. Defesa de toda a liberdade em arte. Não deve haver qualquer privilégio a qualquer grupo, escola ou corrente artística. Tampouco discriminação às correntes artísticas.
9. Defesa de todas as formas de organização independente dos artistas e trabalhadores da arte e da cultura.
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10. Defesa dos grupos amadores e independentes, livrando-os da pressão econômica, para que possam se desenvolver livremente. 11. Criar escolas de artes populares em todas as regiões da cidade, dando apoio aos artistas locais; 12. Garantia de remuneração digna e aposentadoria para os compositores de samba e demais trabalhadores de barracão, pois estes que fazem a festa que encanta o mundo, quando passa o carnaval continuam vivendo na dura realidade das favelas e sem emprego, enquanto a burguesia no último carnaval embolsou US$ 650 milhões;
13. Os clubes de futebol cariocas devem ser abertos para os trabalhadores, garantindo o acesso, principalmente, dos jovens desta cidade ao esporte, estatização de todos os clubes que tenham dívidas públicas; 14. Criação de uma gravadora pública municipal, destinada a gravar os artistas populares;
15. Criação de locais fechados e seguros que possam ter a apresentação de pipas, sem cerol, seria os “pipodrómos”, um em cada região administrativa, pois isto diminuiria os acidentes que envolvem as crianças e adolescentes de nossa cidade. 16. Fim dos monopólios privados de produção e exploração da arte e da cultura. Os meios de produção da arte e da cultura devem estar nas mãos dos trabalhadores.
17. Abaixo a ingerência de organismos internacionais e multinacionais. Fora UNESCO e BIRD do financiamento das obras do patrimônio histórico. 18. Defesa do mais profundo internacionalismo na arte e da mais estreita relação entre artistas de todo o mundo. 19. Por um orçamento próprio para a cultura, indo de 0,06% para 2% do orçamento nacional. Para isso, o governo deve parar imediatamente de pagar os juros da dívida externa.
Quadro 1: Equipamentos culturais, segundo as Áreas de Planejamento e Regiões Administrativas
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Gráfico 1: Distribuição total, segundo Área de Planejamento
Gráfico 2: Distribuição total de equipamentos, segundo Região Administrativa
Fonte: http://www.efdeportes.com/efd93/rio.htm
o Rio para os trabalhadores é uma cidade que combate a homofobia A opressão sofrida por lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis não é apenas uma questão de tolerância de uma parte da população. O sistema capitalista é o principal beneficiado com o preconceito e a violência a que estas pessoas são submetidas. Se nossa época é marcada por uma profunda desigualdade social, pela miséria, a fome e o desemprego crônicos, isso se deve às relações de exploração dos proprietários sob os trabalhadores. Mas essa exploração, para ser levada ao seu limite e não encontrar maiores resistências necessita de um conjunto de ideologias que divida a classe trabalhadora e enfraqueça sua luta. Assim, os preconceitos (como a discriminação de LGBT’s) são disseminados e reforçados cotidianamente de forma a fragmentar os trabalhadores e legitimar a exploração e a dominação que sofrem pelo capital, impedindo que se unam para lutar contra este estado de coisas. Qualquer ataque à classe trabalhadora tem um efeito ainda mais brutal sobre os setores oprimidos, por isso a luta contra a exploração capitalista é inseparável da luta contra as diferentes formas de opressão, e vice-versa. Portanto, as diferentes formas de opressão precisam ser entendidas como parte de uma engrenagem muito maior que permite a reprodução da sociedade de classes, onde a miséria é o único caminho apontado para aqueles que vivem do próprio trabalho.
O que o Governo PMDB/PT significou para os direitos LGBT’s? A Prefeitura de Eduardo Paes do PMDB oportunistamente apoiou-se nas políticas do governo federal e incorporou a reprodução de um discurso anti-homofobia para a cidade do Rio de Janeiro. Contudo, o programa “Carnaval sem Preconceito” foi a única campanha lançada pela prefeitura e deriva do espírito do programa “Brasil sem Homofobia”, lançado logo no início do governo Lula, em 2004, pela Secretaria Especial de Direitos Humanos. É um Programa de Combate à Violência e à Discriminação contra GLTB e de Promoção da Cidadania Homossexual e é constituído das seguintes ações: a. apoio a projetos de fortalecimento de instituições públicas e não-governamentais que atuam na promoção da cidadania homossexual e/ou no combate a homofobia; b. capacitação de profissionais e representantes do movimento homossexual que atuam na defesa de direitos humanos; c. disseminação de informações sobre direitos, de promoção da auto-estima homossexual; d. incentivo à denúncia de violações dos direitos humanos do segmento GLTB . Lula também foi responsável pela I Conferência Nacional LGBT, que serviu para que o movimento
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Militantes do PSTU na Parada Gay de Fortaleza, 2011. Foto: Blog Molotov
discutisse em nível local, regional, estadual e nacional, propostas de políticas públicas, sem que houvesse nenhum compromisso dos governos em cumprilas, uma vez que a Conferência não é deliberativa. Ou seja, a Conferência serviu para “domesticar” um setor cada vez mais descontente com a Frente Popular, e para forçar a atuação do movimento pela via institucional. A única medida concreta aprovada pela Conferência que chegou perto de sair do papel foi o kit “Escola sem Homofobia”, que foi vetado por Dilma para evitar um imbróglio com as bancadas evangélicas e da família (ligada aos setores mais conservadores da Igreja Católica).
LGBT que possa reverter-se em voto nos períodos eleitorais. Nos locais onde já existe Parada, aumentou a participação do governo – o aumento do financiamento da Parada de SP pelos governos de Geraldo Alckmin e Gilberto Kassab e do RJ pelos governos de Sérgio Cabral e Eduardo Paes ilustram bem essa realidade. No entanto, a entrada do governo na organização das paradas contribuiu para a despolitização do evento, concretamente o desejo destes governos é transformar a Parada Gay em um acontecimento cultural da cidade esvaziando a possibilidade de denuncia do sistema capitalista que estes governos sustentam.
Como resultado da I Conferência, vários governos estaduais e municipais, inclusive os de direita, seguindo a lógica da Frente Popular absorveram figuras do movimento para dentro do governo e da institucionalidade, aumentando a burocratização e onguização das direções do movimento LGBT. Na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, a prefeitura lançou o “Carnaval sem preconceito” e depois o selo “Rio sem preconceito” voltado a qualificar estabelecimentos comerciais. Eduardo Paes também criou uma Coordenadoria Especial da Diversidade Sexual ligada diretamente ao seu gabinete, cujo Coordenador e Carlos Tufvesson . Outra iniciativa fomentada pela política do governo federal foi o incentivo e apoio financeiro e político as paradas do orgulho LGBT por parte dos governos estaduais e municipais com o intuito de cooptar o movimento e construir uma base política no movimento
A chegada de Dilma à presidência aprofundou a experiência da vanguarda com a Frente Popular, aprofundando assim as contradições no movimento LGBT. Diante da polêmica com setores religiosos no segundo turno, Dilma publicou a “carta ao povo de deus”, um forte ataque aos movimentos de combate às opressões, onde se compromete a não intervir em questões polêmicas para evangélicos e católicos, como a legalização do aborto e a união civil de casais homossexuais. Dilma cumpre a promessa feita ao “povo de deus”: vetou o kit anti-homofobia e, para não se chocar com a bancada homofóbica (que faz parte da base aliada do governo), nunca se pronunciou publicamente sobre a questão dos LGBT’s (todos os discursos associados à Dilma foram feitos por terceiros, em especial pela Ministra Maria do Rosário, da Secretaria Especial de Direitos Humanos).
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Na figura da senadora Marta Suplicy (PT-SP), que se auto reivindica “madrinha do movimento LGBT brasileiro”, a Frente Popular mostrou seu papel mais nefasto: junto com o bispo Marcelo Crivella (cantor gospel, pastor da Igreja Universal, senador pelo PRB-RJ e atualmente ministro da pesca do governo Dilma) e a ABGLT1, Marta alterou, em 2011, o PLC 122/062, retirando do projeto artigos que criminalizariam o discurso homofóbico nas igrejas e nos veículos de comunicação de massas – abrindo brechas, inclusive, para retrocessos na lei que criminaliza o racismo – sob a justificativa de que esse projeto seria mais “palatável” pelos homofóbicos do Congresso, sendo, portanto mais fácil de ser aprovado. Diante da confusão que a discussão do PLC 122 no senado causou, mesmo na sua versão “mutilada”, e diante do repúdio geral do movimento LGBT, Marta voltou atrás, e hoje defende o PLC122 com o texto original (que era a nossa bandeira e de outros setores na vanguarda do movimento diante dessa alteração). Enquanto isso, o Brasil segue sendo o país onde mais homossexuais são assassinados no mundo: somente em 2011, o GGB3 contabilizou 282 mortes, um aumento de 118% nos últimos 6 anos (122 em 2007), sendo que esses dados são declaradamente subestimados: devido ao fato de homofobia não ser crime e não existir enquanto figura jurídica, os crimes homofóbicos são registrados como lesão corporal, homicídio, etc. Esse levantamento é feito a partir de informações do movimento, de jornais, e outros mecanismos, assim, essas 266 mortes representam apenas a ponta de um grande iceberg, segundo o próprio GGB. A violência contra LGBTs tem aumentado, por isso, o centro de nossa política para o combate à homofobia deve ser a criminalização da homofobia. 1 ABGLT: Associação Brasileira de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais, entidade que surgiu a partir de organismos de unidade de ação movimento LGBT, com o apoio de várias forças que atuavam nesse movimento, inclusive nós, hoje altamente burocratizada e hegemonizada pelo PT e pelos tucanos. 2 PLC 122/06: Projeto de Lei que propõe a criminalização da homofobia, através da inclusão da homofobia na lei que criminaliza o racismo e os crimes de ódio. É a reedição de um projeto de lei de 2001, ou seja, a criminalização da homofobia está há 11 anos tramitando no Congresso Nacional. 3 Grupo Gay da Bahia, ONG que faz levantamentos estatísticos de violência e assassinatos de LGBTs anualmente no Brasil. O site do GGB (www.ggb.org.br) publica anualmente um boletim, com informações sobre cada um dos assassinatos.
Na contra-mão, os setores mais à direita do PSOL, capitaneados por Jean Wyllys (ganhador de uma edição do degradante reality show Big Brother Brasil e deputado federal pelo PSOLRJ), têm colocado no centro uma política mais rebaixada, mas que talvez agrade mais a classe média: uma campanha pelo casamento igualitário. Não há dúvida de que casamento igualitário é um direito e deve ser defendido, mas, diante da crescente violência que temos observado em nosso país, a criminalização é a maior necessidade dos LGBT’s da classe trabalhadora e da juventude, as maiores vítimas da homofobia nos locais de trabalho, nas ruas e nas escolas. A criminalização da homofobia é uma questão de defesa da vida e, por isso, deve ser a prioridade. Jean Wyllys, que nunca foi ativista do movimento, fez duras críticas ao movimento LGBT por não priorizar a luta pelo casamento, e recentemente se pronunciou contrário à criminalização da homofobia. Em que pese o PSOL tenha setoriais LGBT em alguns estados, inclusive com algum grau de combatividade em alguns lugares, é Jean Wyllys que tem auxiliado os candidatos na elaboração de um programa LGBT, assim, onde houver um programa LGBT do PSOL, este deve se centrar na questão do casamento e da adoção, e não da criminalização. A partir disso é importante concluir que a Prefeitura de Eduardo Paes incorporou o discurso anti-homofobia fomentado pelo Governo Federal e encabeçou pouquíssimas ações institucionais para construir a imagem de uma prefeitura antihomofóbica e, assim, cooptar o movimento e consolidar votos, e não para combater a homofobia de fato através da promoção de uma educação pública, gratuita e de qualidade onde a classe trabalhadora LGBT seja respeitada, cursando até o fim seus estudos; ou através da oferta de uma saúde pública, estatal, laica e de qualidade onde os LGBT’s da nossa classe sejam atendidos nas suas especificidades sem preconceito; ou através
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de ações contundentes contra violência física e moral aos LGBT’s. Isso acontece porque a “política LGBT” de Eduardo Paes está voltada a conquistar votos e lucro para o mercado pink que explora as grifes de roupa, as boates, restaurantes, saunas e a parada do Orgulho LGBT do Rio de Janeiro. Por isso, a prefeitura em quatro anos não produziu um único dado sobre a situação dos LGBT’s na saúde, educação ou sobre violência. Da mesma forma, o prefeito nada falou sobre a Lei Municipal proposta por Carlos Bolsonaro que proíbe a distribuição de qualquer material anti-homofóbico nas escolas do Rio de Janeiro (PL 1082/2011), assim como não utiliza a Lei Estadual 3406/2000 que estabelece penalidades aos estabelecimentos que discriminem pessoas em virtude de sua orientação sexual para coibir a homofobia em nossa cidade. Mais uma vez fica claro de que lado que a política da prefeitura está voltada a atender aos interesses da burguesia carioca. Violência homofóbica homofobia
e
criminalização
da
Existem em alguns estados e municípios leis que punem a homofobia. Essas leis representam avanços, e servem como arma para os LGBTs que sofrem opressão nas relações de trabalho e em estabelecimentos comerciais. Ressaltamos que estas leis não equivalem à criminalização da homofobia, pois estabelecem punições administrativas (que equivalem mais ou menos a uma infração de trânsito, por exemplo), uma vez que só o Congresso Nacional pode estabelecer punições penais. No estado do Rio de Janeiro existe a Lei Estadual 3406/2000 que prevê penalidades administrativas aos estabelecimentos que desrespeitarem a orientação sexual. Devemos exigir a aplicação ampla divulgação desta lei em locais visíveis nos estabelecimentos comerciais e prédios públicos (da mesma forma que em alguns estados e municípios são divulgadas leis anti-fumo, leis sobre proibição de bebidas alcoólicas para menores e legislação sanitária). Devemos exigir também a criação de uma lei no mesmo sentido mais com caráter mais amplo para o município. Além disso, devemos denunciar os limites da legislação existente e apontar para a reivindicação da aprovação do PLC 122/06 pelo Congresso Nacional, para criminalizar definitivamente as práticas homofóbicas. Por isso, defendemos: • Aprovação da criminalização da homofobia já! • Pela ampla divulgação da lei estadual 3406/2000,
que multa os estabelecimentos comerciais que praticam homofobia, através de cartazes obrigatórios a serem afixados em local visível em estabelecimentos comerciais e prédios públicos! • Total assistência do município às vítimas de homofobia, envolvendo a Saúde, Educação e Assistência Social! • Punição administrativa aos atos homofóbicos dos servidores públicos municipais! • Pelo fim da homofobia institucionalizada na polícia e forças armadas! • Pela produção de dados socioeconômicos sobre a população LGBT do Rio de Janeiro! Trabalho e emprego Nas relações de trabalho a opressão contra LGBTs ganha uma forma particularmente cruel. Já nos processos de seleção homossexuais são discriminados e deixados de fora das relações de trabalho. Quando empregados, sofrem pesadamente com o assédio moral e sexual, humilhação, perseguição e, em função disso, diversas formas de super-exploração. O preconceito também serve como estímulo, de maneira explícita ou velada, às demissões destes trabalhadores. Assim como os demais setores oprimidos, LGBTs estão presentes nos postos de trabalho mais precarizados, como salões de beleza, comércio, redes de fast-food, empresas de telemarketing e empresas terceirizadas4, além do mercado de trabalho informal e da prostituição. Deste modo, o peso dos ataques da patronal aos trabalhadores recai de modo mais intenso sobre os trabalhadores LGBTs. Defendemos: • Salarial para trabalhado igual! Contra a precarização das relações de trabalho! • Aplicação de multa às empresas que demitirem, assediarem ou deixarem de contratar por homofobia! • Cotas para transexuais e travestis, sem isenção fiscal, como alternativa a prostituição! 4 Ao contrário dos demais setores oprimidos, não existem dados a respeito da relação desse setor com o mercado de trabalho. O que temos é uma constatação: lojas de shopping, call-centers e empresas de terceirização (em especial o setor de limpeza) empregam muitas mulheres, negros(as) e LGBTs.
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• Contra o assédio moral e sexual – contra as diferentes formas de perseguição, humilhação e discriminação sofridas pelos LGBTs em locais de trabalho. Punição para assediadores, com agravamento quando o assédio for homofóbico, machista e/ou racista. • Contra as demissões de trabalhadores, principalmente aquelas motivadas pelo preconceito. • Punição a empresas que pratiquem homofobia Assistência social Em que pese a assistência social seja, por si só, assistencialista e insuficiente, é necessário que tenhamos políticas voltadas à assistência àqueles que sofrem cotidianamente com a homofobia. Ser LGBT muitas vezes resulta em expulsões de casa, maus-tratos, e não são poucos aqueles, em especial quando se trata das travestis e transexuais, que tem acabam por ter na prostituição a única forma de sobrevivência. Também não são poucos os suicídios resultantes da opressão na família, na escola e no trabalho, e não são poucas as vítimas da violência homofóbica de ordem psicológica e física. Assim, defendemos: • Criação de centros de referência para LGBT, com equipes multiprofissionais, em especial nos locais do município onde os LGBTs estão mais vulneráveis (geralmente nos centros de prostituição e nas periferias, é preciso precisar em cada cidade). • Casas-abrigo municipais para LGBTs em situação de rua, e oferta de alternativas à prostituição. • Toda assistência às vítimas de homofobia! Estabelecimento de procedimentos específicos entre as unidades do SUAS5 (como os CRAS6 e centros de referência) e a atenção básica à saúde 5 SUAS: Sistema Único de Assistência Social. É o sistema de assistência social brasileiro, baseado no SUS. Mais informações podem ser obtidas em www.mds.gov.br/assistenciasocial/ suas. 6 CRAS: Centro de Referência de Assistência Social. É uma unidade de assistência social descentralizada, voltada à proteção social básica e proteção e atendimento integral à família (a descrição é bonita, mas a realidade normalmente não é exatamente essa).
Direitos civis Como dissemos antes, os direitos civis estão historicamente no centro do movimento LGBT historicamente. Basicamente, as principais reivindicações do movimento, a começar pela criminalização da homofobia, são reivindicações por igualdade de direitos com os heterossexuais. Dessa forma, em que pese boa parte dessas reivindicações dependa do Congresso Nacional, devemos encontrar formas de incluir essas reivindicações em nosso programa, a partir de políticas municipais, mas que apontem para um problema mais geral, nacional. Portanto, defendemos: • Trabalhadores iguais, direitos iguais! • Em defesa do casamento civil, união civil e adoção para casais LGBT’s, com garantia da licença maternidade e paternidade! • Alteração do nome civil para transexuais e travestis sem burocracia! Travestis e transexuais também têm o direito de votar! • Igualdade de direitos para casais homossexuais no município • Igualdade de direitos para servidores municipais com união estável • Pela utilização do nome social de travestis e transexuais em todo o âmbito do município. Pela criação de um documento emitido pela prefeitura, com nome social para travestis e transexuais, que sejam válidos em todos os serviços municipais. • Proibição de cobrança de sobretaxas e outros dificultandores para LGBTs ao alugar imóveis A forma como vemos a violência desferida contra lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis nos obriga a adotar uma postura diferente da maior parte dos grupos que existem hoje no Brasil. Não nos detemos na reivindicação de pequenas melhoras, por mais importantes que sejam, tampouco travamos a luta por dentro do capital e de seu Estado, assim como não acreditamos na luta isolada dos que sofrem com as mazelas do capitalismo. Queremos travar uma luta contra as bases econômicas e ideológicas que sustentam a violência cotidiana sofrida pelo proletariado, em seu conjunto, unindo trabalhadores do campo e da cidade, mulheres e homens, negros, índios e brancos, heterossexuais e homossexuais contra o inimigo comum que é a burguesia. Por isso,
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lutamos pelo socialismo. E também é por isso que nosso programa busca inserir cada ponto da luta específica dos LGBT’s dentro de um conjunto de reivindicações maiores, conectando as necessidades mais imediatas aos problemas mais profundos da sociedade.