Chams Biografias - ed. 01 - ano I

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BIOGRAFIAS A história de quem fez e de quem ainda está fazendo a América

Waldomiro Zarzur

Ragueb Chohfi

Ano I . Nº 1 . Junho 2011

Assad Abdalla


O trem que trazia os imigrantes, atravĂŠs da Serra do Mar, era como a Ăşltima caravana, atravessando o deserto rumo ao desconhecido e ...


foto: sp turis/caio silveira | arte: wilson roberto santos


EDITORIAL

Sentimento do Editor Esta é a primeira edição de mais um derivativo CHAMS. Editar uma obra que aborde toda a história de nossa imigração é tarefa para um museu. Portanto, interminável. Encontramos um caminho razoável: biografias individuais. Começamos com Waldomiro Zarzur, Ragueb Chohfi e Assad Abdalla. Ragueb e Assad eram já reverenciados em vida, e sua memória permanecerá, claro, por sua obra. Os três serão lenda, incontestavelmente. Afinal, a história não é só feita por chefes de estado. Esses outros, os empresários e trabalhadores, são os que constroem com seu suor a riqueza da nação. Esse foi um primeiro passo à frente, após o período de saques e conquistas de imperadores. Permitimo-nos, agora, expressar nossas impressões sobre esses três personagens que tivemos a oportunidade de conhecer, pessoalmente ou não. Waldomiro Zarzur A história de Waldomiro Zarzur não deve somente ser entendida como a trajetória de um empresário bem sucedido. É preciso, nos dias de hoje, ser focada em seu momento histórico, numa época em que a realidade do mercado imobiliário de São Paulo era muito diferente da atual, e, claro, muito menos sofisticada e complexa. A história humana registra inúmeras construções revolucionárias em sua época e massacradas na posteridade, tal é o avanço da realidade. É claro que ele não está pulando de alegria pela demolição dos edifícios Mercúrio e São Vito. Afinal, uma reforma não seria melhor para atender, hoje, as reivindicações do movimento dos Sem Teto, por exemplo? O acerto do que será feito no local, o futuro responderá.

É preciso ainda lembrar que nesses 60 anos de atividade, com certeza cheios de pecados e virtudes, sobressai um fato fundamental. Todos os edifícios por ele lançados, foram entregues. E numa época em que não existiam os financiamentos de hoje, mas inflação e mágicas de planos econômicos. Ragueb Chohfi Lembro-me dele a partir de nossa chegada à Rua 25 de Março. Em 1958, Etapas mudava sua redação para essa rua, número 817, Edifício Elias Zarzur, no 10º pavimento. Nessa época eu já trabalhava na redação da revista, enquanto estudava também, e tinha como chefe Jamil Marum. Chegava caminhando à 25 pela Ladeira Porto Geral. Na mesma calçada pouco antes do 817, sempre à porta do seu estabelecimento, simpático e atencioso com todos, Ragueb Chohfi. Quando ele passou a me conhecer, ouvia sua inconfundível saudação: “Como vai, titio?” Ele já tinha entregue o comando dos negócios a seus filhos. Porém, não há dúvida que seu sorriso trazia fregueses para dentro da loja. Mais tarde, já na ausência dele, a firma mudou-se para a Rua Santo André, hoje Abdo Schahin. A recordação importante é que o filho Lourenço ficava lá no fundo, e de sua sala enxergava tudo. Dizem que tinha o estoque na cabeça. Sua memória está perpetuada na cidade através da Praça Ragueb Chohfi e da importante avenida da zona leste que leva o seu nome e tem cerca de 6 km saindo do Largo São Mateus e terminando em Guaianazes. Essa avenida passou a ter esse nome por ser lindeira a uma área de um milhão de metros quadrados, onde existe o Parque São Lourenço, abriga área de 400 mil metros de armazéns.

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EDITORIAL

Assad Abdalla Tive a honra de escrever a orelha do livro de sua biografia, mas não a oportunidade de conhecê-lo pessoalmente. É a mesma situação de meu filho que nunca viu o Pelé jogar. Porém vi a continuação de sua presença em sua esposa Corgie — mulher de uma simplicidade contagiante — e em seus filhos. Entre eles, Wagih e seu filho Silvio na inauguração do iconostácio da Catedral Ortodoxa; Ernesto, desde seu trabalho na York e sua preocupação, até hoje, com o futuro do Club Homs. E a incansável Nabiha, em sua luta para a construção do Sanatório Sírio em Campos do Jordão, que deu origem ao Hospital do Coração — HCor — hoje uma referência. Ainda seu neto Carlos, filho de Ernesto, que guarda com carinho em sua residência toda a memória da família. Finalmente, o agradecimento de parcela razoável da população de São Paulo, quando em 1927 ele vendeu para Alfredo Schurig a área que viria a ser o futuro Parque São Jorge. Mais ainda, por essa razão toda a família e sucessão é corinthiana. Seja eterna sua memória — adágio corinthiano. Estes são os três personagens abordados nesta primeira edição. Muita coisa ainda tem para ser contada sobre esta imigração. Essa galeria se amplia após a 2ª Guerra Mundial com a presença de muçulmanos e druzos; além dos maronitas pós guerra civil libanesa. Só para lembrar, a mesa de Mustafa Orra às refeições estava sempre lotada de fregueses de sua loja. A Sultan começou com outro Mustafa Orra, pai do atual executivo, Ahmad Chauki. Said Dargham mascateava de bicicleta. A origem da Consigáz é Nassib Kadri distribuindo botijões, primeiro de carroça e depois num Fusca. Conta Mustafa Mourad que,

quando jovens, iam para Santos pela serra velha e, sob o nevoeiro, alguns iam a pé para indicar o caminho. Os maiores confeccionistas de jeans no Brasil estão no Brás e são todos libaneses. A viúva Raquel Fares ainda comanda com mão de ferro a Marabráz, e todos os filhos a reverenciam! Mas tudo isto será abordado em próximas edições. Post Scriptum 1 — No dizer de Florestan Fernandes, como mascates eles acharam o espaço para lutar pela vida, sobreviver e triunfar. Muitos voltavam para sua terra, mas nem todos conseguiam permanecer. Sentiam falta do trabalho e retornavam. Post Scriptum 2 — Ainda de memória, na 25, Niazi Chohfi, Adibo Ares, Otávio Andere e os irmãos Alexandre e Michel Berbari, vizinhos do 817, além de Salim Rizkallah, na Florêncio de Abreu. Claro, os irmãos Schahin na Basílio Jafet e os irmãos Saccab no Tecidos São Jorge, cujo nome permanece até hoje. Só uma palavra, Família Jafet. Caros leitores, perdoem-nos pelas omissões. Existe uma galeria de imortais. Boa Leitura,

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Raul Tárek Fajuri Publisher


Fundadora:

Mariana Dabul Fajuri 14.02.1899 11.11.1997

SUMÁRIO

12 Waldomiro Zarzur A trajetória do nome que é sinônimo do crescimento de São Paulo no século XX com sua gigantesca participação no mercado imobiliário

Etapas: out/1955 Chams: out/1991

Publisher - Raul Tárek Fajuri Editora-Chefe - Leila Saraiva Fajuri

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Editor - Marco Barone Redação - Luiz Paulo Rodrigues Revisão - Micaela Fajuri de Bruyn Ferraz

Ragueb Chohfi

Colaboradora - Mariana Ferrari

A história de um dos mais brilhantes comerciantes da área têxtil do País que se transformou num símbolo da amizade árabe com os brasileiros na região da 25 de Março

Direção de Arte - Wilson Roberto Santos Diretor Comercial – Ramiro Elias Fajuri

Chams Biografias é uma publicação de Chams Empresa Jornalística Ltda. Administração, redação, departamento comercial e assinaturas: Av. Brigadeiro Luís Antônio, 2050, cj 105 - ala A - São Paulo SP CEP 01318-002

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Telefax/Tronco: (11) 3459 7488 Celulares: (11) 7881 3521

Assad Abdalla

internet: www.chams.com.br chams@chams.com.br

Os conceitos emitidos em entrevistas e artigos refletem unicamente a opinião de seus autores. A posição desta Revista é de total isenção, tendo como objetivo a livre exposição de idéias.

O caminho de uma das figuras que chegou a 25 de Março ainda no século XIX e que, de mascate a empresário, venceu todas as adversidades

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Uma cidade de várias nações Marco Barone O editor fala sobre a chegada da imigração árabe no País

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Assis Féres e o poema “O Mascate” Claude Hajjar A vice-presidente da Fearab América faz uma leitura do célebre poema

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Neta de imigrantes Leila Saraiva Fajuri A Editora-Chefe fala de sua experiência como descendente



ARTIGO

Uma cidade de várias nações Mais que simples cidadãos, os imigrantes árabes ajudaram na construção da cidade de São Paulo e do Brasil Imigrantes que aportaram em busca de um sonho e ajudaram a fazer o que este País é hoje, umas das maiores potências econômicas do mundo

A história da relação do Brasil com os países do Oriente Médio é antiga e teve início ainda com Dom Pedro II. Grande admirador da cultura árabe, o imperador esteve duas vezes naquela região. Em 1871 visitou o Egito e, em 1876, o Líbano, a Palestina e a Síria. Ele fez questão de externar sua admiração pela cultura árabe. Ainda em Beirute escreveu ao amigo e diplomata francês Joseph Gobineau, que estava em Atenas: “A partir de hoje, começa um mundo novo. O Líbano ergue-se diante de mim com seus cimos nevados, seu aspecto severo, como convém a essa sentinela da Terra Santa”. Foi a partir dessa visita que se abriu um novo mundo ao povo árabe, já tão sofrido com guerras. Apesar de o primeiro registro de imigrantes árabes ter acontecido em 1845, foi a partir de 1880 que começou a imigração para todo o território brasileiro, mas com grande incidência em São Paulo. Na verdade, os que vinham não tinham a intenção de ficar, mas a de me-

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Marco Barone Editor

lhorar de vida, ganhar algum dinheiro e voltar ao seu país de origem. Muitos realmente fizeram isso e até tinham um nome, os “torna-viagens”. Mas isso não foi a regra, pois os árabes, em sua maioria, chegaram para fincar raízes e fazer história em uma terra que os acolheu de braços abertos e que viria a ser testemunha e beneficiária da evolução daqueles que aqui chegavam para deixar suas marcas de grandes empreendedores. Os primeiros imigrantes vieram munidos de muita perseverança e de vontade de trabalhar e vencer nesta terra. Não demorou, com a força de trabalho, alcançaram posições de destaque em diversas áreas. Tornaram-se parte da liderança política, cultural e econômica nacional e se inseriram em todos os ramos de atuação. Hoje, participam de todas as instâncias da vida cultural e social brasileira: do comércio à medicina, da literatura à pesquisa acadêmica, da engenharia à arte, da comunicação ao debate das questões candentes de seu país de adoção.


ARTIGO

Não são mais os estrangeiros que chegaram de uma terra distante. Viraram brasileiros e aqui refizeram suas histórias. Claro, sem nunca se esquecer de onde vieram e dos laços que deixaram em suas terras. Laços afetivos ou familiares, de pais ou irmãos que continuaram no Oriente Médio. Aqui em São Paulo, a primeira geração de imigrantes se localizou mais na região central, próximo ao Parque Dom Pedro. Era mais fácil a adaptação perto dos seus, daqueles de quem conheciam a língua e os costumes. Mas não demoraram a fazer com que sua tradição e sua língua começassem a ser entendidos e aceitos pelos brasileiros. Esses primeiros imigrantes começaram como comerciantes e pequenos fomentadores de construções de casas, lojas e sobrados na região. Os primeiros imigrantes árabes se instalaram na Rua Florêncio de Abreu. Como era de se esperar, a valorização da área tornou os aluguéis muito caros e fez com que os comerciantes tomassem uma rua paralela: a 25 de Março. Ainda hoje, árabes e descendentes são donos de mais da metade dos imóveis do “maior shopping a céu aberto da América Latina”. Uma cultura se espalha Com o tempo, a própria melhoria de vida e a certeza de investimentos certeiros e de garantia futura fizeram com que os imigrantes – já com raízes fincadas e filhos nascidos no Brasil – começassem a comprar terrenos em outras regiões. Na zona leste, o Tatuapé e a Penha eram tidos como áreas de lazer, em razão do Rio Tietê, por isso a grande procura por terrenos nesses bairros. As famílias, que moravam na região central, tinham nesses bairros

espaço e tempo para piqueniques. Foi uma tendência lógica comprar terrenos nesses bairros, mesmo que não fosse inicialmente para morar. Mas isso começou a acontecer, pois muitos desses imigrantes, além de morar, lotearam a região e vendiam terrenos para brasileiros. Ainda hoje são fortes a presença e a influência da comunidade no progresso da região. Na região sul, o Ipiranga foi o foco. O bairro sempre teve tradição de possuir indústrias de tecelagem, uma evolução na vida de comerciantes prósperos. Com os Jafet, o bairro começou a ter um novo progresso. Aliás é uma família pioneira, também na Rua 25 de março, a primeira loja aberta foi a do libanês Benjamin Jafet, em 1887. Nos anos seguintes, Benjamim trouxe para o Brasil os irmãos Basílio, João e Nami. Foram eles os responsáveis pelo progresso do Ipiranga, pois compravam terras na região para montar suas fábricas. Para atender os seus empregados, construíram casas para seus dois mil operários, bem como verdadeiros palácios para sua moradia. Muitas dessas construções existem ainda hoje e até são tombadas pelo patrimônio histórico. Ao enriquecerem, os árabes começaram a vir para a região da Avenida Paulista, ao lado dos ditos “barões do café”, e bairros próximos, como Vila Mariana e Paraíso e os recém-inaugurados Jardim Paulista e Jardim América. Uma visão interessante, pois, dessa forma, conseguiam estar próximos de seus clientes, as famílias ricas da cidade. Mas eles se espalharam mais e chegaram até Pinheiros, onde construiram casas germinadas e pequenos prédios, para uso próprio e investimento.

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Não tem como não associar o crescimento desse segmento [o comércio] no final do século XIX à chegada dos imigrantes. Mas eles não ficaram somente nisso. Os mais velhos não largaram esse mercado, mas faziam questão de que seus filhos tivessem outras atividades


ARTIGO

Os primeiros imigrantes vieram munidos de muita perseverança e de vontade de trabalhar e vencer nesta terra. Não demorou, com a força de trabalho, alcançaram posições de destaque em diversas áreas

Do comércio à diversificação O comércio foi a porta de entrada dos imigrantes no Brasil. Foi o porto seguro e fonte de progresso e riqueza de todas as famílias que aqui chegaram. Não tem como não associar o crescimento desse segmento no final do século XIX à chegada dos imigrantes. Mas eles não ficaram somente nisso. Os mais velhos não largaram esse mercado, mas faziam questão de que seus filhos tivessem outras atividades. Era normal, em uma família grande, que um dos filhos continuasse com o negócio da família, mas os demais tinham de ter outras profissões. Essa segunda geração, já no século XX, entre as décadas de 30 e 40, começou a pender para outras profissões. Muitos descendentes se destacaram em áreas como a saúde, direito e até na política. Pela necessidade de se reestruturar, ampliar fontes de renda, e muito para administrar e aproveitar de alguma forma os terrenos e propriedades já adquiridos, começam a surgir os primeiros médicos, advogados e engenheiros na comunidade. No caso do ramo da construção, muitas famílias ajudaram a mudar a arquitetura da cidade. Empresas que tiveram no passado grande interferência e participação no progresso da cidade e ainda hoje estão ligadas a grandes lançamentos. Dessa forma, prédios, hotéis e alguns dos melhores hospitais da capital foram empreendidos pela coletividade. Essa característica pode ser vista ainda hoje, pois o setor da construção, com suas incorporadoras e construtoras, tem forte influência de famílias tradi-

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cionais de origem árabe e marcam o mercado paulistano. No setor da saúde muitos descendentes se destacaram e tiveram participação ativa na evolução da medicina no Brasil. Não só pessoalmente, mas também contribuindo para a formação de alguns dos principais centros médicos do País, que estão na vanguarda mundial, como o Hospital Sírio-Libanês e o Hospital do Coração, só para citar dois exemplos de muitos espalhados pela cidade. Algumas das mais renomadas bancas de advogados têm à frente nomes da colônia. Essa tradição começou no passado, pois muitos filhos caminharam para o Direito. Nomes que ficaram na história do País e que até enveredaram, em razão de sua influência, para o campo político. O Brasil deve muito aos seus imigrantes, não só árabes, mas também judeus, italianos, portugueses, japoneses, alemães, espanhóis, entre outros, que aqui se tornaram brasileiros e fizeram deste País sua nova nação. Imigrantes que aportaram em busca de um sonho e ajudaram a fazer o que este País é hoje, umas das maiores potências econômicas do mundo. A história brasileira e da cidade de São Paulo – o grande exemplo da imigração no Brasil – e seu progresso não se medem exclusivamente pela participação da colônia árabe. Somos uma miríade de raças, povos e culturas. Fundamental para isso foram todos os imigrantes que para cá vieram em busca de uma vida melhor e de esperança, trazendo a saudade de suas terras natais e a ligação com as suas origens. Esses povos construíram uma nova nação, um novo lar.


ARTIGO

Cantando e vendendo [Colaboração de Elie Nasrallah e Ricardo Kabbach] Ala daloona, Ala daloona Raho el habaib, ma wadadona Ala daloona, Ala daloona Raho el habaib, ma wadadona Vamos chegando, vamos chegando Hotel Fernando, ‘stou brocurando Chega na braça, não vende nada Come banana com marmelada Ala daloona, Ala daloona Raho el habaib, ma wadadona Ala daloona, Ala daloona Raho el habaib, ma wadadona Vamos comigo, vamos comigo Uma cachaça, não tem berigo Combrei vestido, malhor artigo Saia e blusa, combinaciona Ala daloona, Ala daloona Raho el habaib, ma wadadona Ala daloona, Ala daloona Raho el habaib, ma wadadona Filha da dona, uma beleza Filha da dona, uma beleza Dona Maria, sopa gostosa Brimeira brato, sopa gostosa Segunda brato, não estou enxergando Ala daloona, Ala daloona Raho el habaib, ma wadadona Ala daloona, Ala daloona Raho el habaib, ma wadadona * Trata-se de uma paródia em ‘bartuguês’ de uma canção muito conhecida, Ala Daloona

Sua origem ninguém sabe ao certo, mas estes versos, com pronúncia perto do que seria o sotaque dos imigrantes árabes no Brasil, era cantada por mascates em suas andanças pelo País. Até mesmo os caixeiros que andavam pelas ruas da cidade de São Paulo, na primeira metade do século XX, entoavam esses versos. No Brasil do final do século XIX os comerciantes que vendiam, geralmente tecidos, eram, em sua maioria, de origem árabe. Eles tinham como base a cidade de São Paulo, onde ficavam as lojas, na região da Rua 25 de Março, e viajavam pelo País. A eles se dava o nome de “mascates” ou “caixeiros viajantes”. “Mascates” eram mercadores ambulantes e vendedores de "porta a porta", também chamados de “turcos da prestação”. A origem do termo "mascate" vem do árabe “El-Matrac”, o vocábulo usado para designar os portugueses que, auxiliados pelos libaneses cristãos, tomaram a cidade de Mascate (no atual Omã) em 1507, levando mercadorias. Embora o vocábulo seja utilizado em Portugal com o mesmo significado, o nome "mascate" ficou sempre associado à imigração árabe no Brasil, resultante do grande contingente de imigrantes proveniente do Líbano e da Síria que se dedicaram a essa atividade. O mascatear introduziu inovações que, hoje, são traços marcantes do comércio popular, como as práticas da alta rotatividade e alta quantidade de mercadorias vendidas, das promoções e das liquidações. Inicialmente os mascates visitavam as cidades do interior e as fazendas de café, levando apenas miudezas e bijuterias. Com o tempo e o aumento do capital, começaram também a oferecer tecidos, roupas prontas e outros artigos. Esse tipo de comerciante também tinha outra denominação, eram os caixeiros-viajantes, pois chegavam em lugares que não tinham comércio ou para abastecer pequenas lojas com produtos de fora do País ou produzidos em grandes cidades. Antigamente, quando não havia a facilidade do transporte entre cidades, os caixeiros-viajantes eram a única forma de transportar produtos entre diferentes regiões fora das grandes cidades. O nome pode ter origem na língua e no sotaque árabes. Esses mercadores trabalhavam para os outros, carregando nas costas uma grande caixa, com produtos de armarinhos da região da Rua 25 de Março e outros produtos. Daí a expressão “caixeiro-viajante” ou “Caxi” para os libaneses. Essa canção conta o dia a dia deles. Se vendessem bem, comiam bem – no caso, a sopa de Dona Maria. Se não tivessem sucesso, quando sentiam fome, sentavam-se na calçada e comiam um pão com banana.

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WALDOMIRO ZARZUR WALDOMIRO ZARZUR

Waldomiro zarzur: O nome do mercado imobiliรกrio de Sรฃo Paulo

fotos: arquivo pessoal/clรกudio cammarota/luiz paulo rodrigues

A paisagem urbana da capital paulista tem sua marca POR MARCO BARONE

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N

a primeira metade do século XX a cidade de São Paulo tinha uma colônia árabe com atuação muito forte no comércio. Os imigrantes chegavam à cidade e se estabeleciam na região entre as ruas Santa Ifigênia e 25 de Março, no Centro, onde as lojas de tecidos e armarinhos eram maioria. Nessa época, um descendente de libaneses deu um novo rumo a sua história e à história da cidade. Seu pai, Feiz Zarzur, chegou a São Paulo em 1910. Agricultor no Líbano, o patriarca Feiz, nascido em Hamra, Zahle, se dedicou ao comércio. Influenciado pelo irmão, Elias, que já estava no Brasil, com uma loja na Rua Santo André, hoje Abdo Schahin, Feiz começou como caixeiro viajante, rodando o interior do Estado. Após algum tempo casou-se com Adele Chadoud, irmã da esposa de Elias. O casal teve nove filhos (seis homens e três mulheres), sendo Waldomiro o segundo mais velho. O nome Waldomiro Zarzur está inexoravelmente escrito na história da cidade e no processo de verticalização pelo qual São Paulo passou na segunda metade do século XX. Muitos dos prédios, e o maior de todos (o atual Palácio W Zarzur), têm sua assinatura. O mercado imobiliário paulistano tem sua marca. São mais de 60 anos de plena atividade no segmento, com mais de 500 edifícios comerciais e residenciais, totalizando cinco milhões de metros quadrados.

Uma nova geração – uma nova história

Como era comum em algumas famílias numerosas, na primeira geração de brasileiros de origem árabe, alguns dos filhos davam continuidade ao comércio ou à indústria familiares, enquanto outros buscavam destinos profissionais diversos, e se tornavam advogados, médicos ou engenheiros. Seguindo essa linha, Waldomiro Zarzur se formou em Engenharia Civil e Elétrica pelo Instituto Mackenzie. Em 1943, antes mesmo de se formar, Waldomiro e mais cinco colegas da faculdade – Aaron Kogan, Oswaldo Fiosi, Homero Lopes, José Barone e Nelson Neves Guimarães – fundaram a Construtora Mackenzie. Como nenhum deles tinha diploma, os projetos eram assinados pelo engenheiro Otávio Godoy. A empresa se dedicava às construções das famílias e durou três anos. Fechou antes mesmo de se formarem. Em 1947, Waldomiro e Aaron deram início a uma sociedade profícua, a Zarzur & Kogan, com sede no edifício Martinelli, que durou até 1960, quando Aaron Kogan faleceu. Eles começaram a realizar obras maiores, tanto privadas, como públicas. Conforme relata Waldomiro, no final dos anos 40, o mercado estava direcionado para os arranha-céus. Seria a solução para a falta de moradias e, por isso, a empresa, que se voltou também para este segmento, obteve tanto êxito. Incorporando e construindo, foram pioneiros no lançamento CHAMS BIOGRAFIAS 13

A história de Waldomiro Zarzur está intimamente ligada ao progresso da cidade de São Paulo, mas ele não se limitou às fronteiras. Obras de Zarzur podem ser vistas em diversas cidades

de unidades para a classe média com financiamentos a longo prazo. Isso muitos anos antes do Banco Nacional da Habitação (BNH) ou do Sistema Financeiro da Habitação (SFH). São desta época o lançamento dos prédios Mercúrio, São Vito, Satélite (em terreno de Camilo Dacache), o complexo da Rua Paim, o Gama, entre inúmeros outros. O intuito era possibilitar moradia digna para a classe média, perto do centro, com uma prestação que coubesse no bolso dessa parcela da população. A construtora tem ainda em seu currículo obras únicas, que deixaram marcas na cidade de São Paulo, como a Igreja Melquita Nossa Senhora do Paraíso (hoje, Catedral), o pedestal de


WALDOMIRO ZARZUR

granito onde se apóia a estátua eqüestre de Duque de Caxias, o primeiro prédio do Hospital Albert Einstein, o velódromo do Parque do Ibirapuera, o Ginásio da Penha, o Grupo Escolar Engenheiro Goular e o Palácio Zarzur & Kogan, hoje W Zarzur, no Vale do Anhangabaú. Uma revolução para a época e, ainda hoje, o maior arranha-céu do Brasil. A história de Waldomiro Zarzur está intimamente ligada ao progresso da cidade de São Paulo, mas ele não se limitou às fronteiras. Obras de Zarzur podem ser vistas em diversas cidades, como Santos (Conjunto Habitacional para o Iapi e Edifício Stella); Guarujá (Edifício Paquetá e Edifício Gisele); São Vicente (Edifício Internacional); Embu (Sesc) e, em Guarulhos, a Ponte da Vila Maria, sobre o Rio Tietê.

O casal Waldomiro & Ilda Zarzur em seu casamento em 1957 com seus pais Feiz & Adele Zarzur e Elvira Haddad Pinheiro & Joaquim Flávio Pinheiro

Uma nova empresa, um novo início

Com a morte de Aaron Kogan, em 1960, Waldomiro não quis ter sociedade com outras pessoas, apenas parcerias. A atual empresa, a Waldomiro Zarzur Engenharia e Construções Ltda., foi fundada em 1971. Quem anda pela cidade despercebido pode não notar a interferência de Waldomiro na paisagem urbana de São Paulo. Um olhar mais detalhado, no entanto, mostrará que a cidade tem muito do estilo e do toque dele. Waldomiro Zarzur, mais que um grande engenheiro, é um construtor de ícones e símbolos para São Paulo.

Waldomiro & Ilda Zarzur com seus 5 filhos

Construindo uma família

Em 1957 Waldomiro Zarzur, que recém completou 90 anos, casou-se com Ilda Pinheiro. Paulista de Ibitinga, sua mãe era de origem libanesa, família Haddad, e o pai era fazendeiro da família Pinheiro, uma das fundadoras da cidade. O casal teve cinco filhos, três homens e duas mulheres. Roberto, administrador de empresas, casado com Andréa Lutfalla, e pais de Juliana, Guilherme e Leonardo; Ricardo, econo-

Waldomiro entrega o diploma de engenheiro a seu filho Renato

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mista, casado com Shirley Cury, e pais de Otávio, Ivan e Stephany; Gisele, casada com Gilberto Maluf, pais de Natalie, Bianca e Elisa; Adele, atualmente casada com Reynaldo Kherlakian, e mãe de Isabella, Arthur e Lucas, filhos de seu primeiro casamento com Antonio Carlos Curiati. O filho mais velho, Renato (falecido em 1989), era engenheiro formado pela FAAP. Waldomiro inclusive custeou a festa de formatura de toda a turma de Renato, que havia sido suspensa pela diretoria da faculdade devido a bagunça dos alunos no seu último dia de aula. Waldomiro foi paraninfo da turma e, cada pai entregou o diploma a seu filho. Bodas de ouro do casal, celebrada em setembro de 2007

Waldomiro & Ilda com filhos e netos em suas bodas de ouro

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WALDOMIRO ZARZUR

Ao lado, o aranha-céu Palácio W. Zarzur, o mais alto da América Latina e o 198° mais alto do mundo. Acima, a vista do edifício que alcança toda a cidade de São Paulo. Destaca-se no lado direito a região da Rua 25 de Março

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Uma das principais preocupações de Ilda e Waldomiro é preservar a união da família, o que os levam a providenciar viagens ao exterior, pelo menos uma vez ao ano, reunindo toda a família, incluindo, filhos, netos, babás etc.

O prédio quase tem outro endereço

Um dos marcos da cidade, o atual Palácio W Zazur, quase não tem o endereço atual. O arranha-céu de 170 metros e 51 andares foi concluído na década de 1960. Sua principal entrada fica na Avenida Prestes Maia, mas quase foi erguido do outro lado da rua. O terreno onde foi construído tinha sido um depósito da Companhia Antártica de Bebidas e era objeto de um espólio envolvendo uma família de 15 a 20 pessoas. Zarzur e seu sócio Aaron Kogan conseguiram comprar o terreno por um acordo com todos os herdeiros. Nesse meio tempo, Assis Chateaubriand, dono dos Diários Associados, ofereceu a eles o terreno do outro lado da avenida, mas o preço e as vantagens construtivas do terreno em frente, mesmo com o empecilho do espólio, fizeram com que os empreendedores ficassem com a

primeira idéia. Assis Chateaubriand fez então o que pode para atrapalhar a obra, que só saiu graças à influência do então prefeito Adhemar de Barros. Zarzur conta que durante a construção do arranha-céu houve quem tentasse demovê-lo. “Diziam que as regras da engenharia não permitiam um prédio tão grande de concreto. Tinha de ser estrutura metálica”, lembra. “Depois, houve uma campanha desgraçada contra nós; insinuaram até que a construção iria derrubar o Viaduto do Chá. Tudo sem qualquer base técnica.” Ele lembra que Figueiredo Ferraz, quando prefeito de São Paulo, quis fazer uma passagem que ligasse o Viaduto Santa Ifigênia à entrada do prédio, mas Waldomiro viu que isso não seria estruturalmente bonito e não quis.

segurança ímpar

Nos anos 70 a cidade passou por duas grandes tragédias: os incêndios dos edifícios Andraus, em 1972, e Joelma, em 1974. Houve uma comoção e logo a boataria chegou ao Palácio Zarzur e Kogan. Dizia-se que a próxima vítima seria o Palácio. Waldomiro Zarzur provou que a técnica de construção CHAMS BIOGRAFIAS 17

usada no edifício impediria, caso acontecesse um sinistro desse tipo. Se o fogo se espalhasse, ficaria restrito a um andar, pois a técnica usada na construção – toda em concreto e com espaldares entre os andares – impede a proliferação do fogo. Inclusive, para desassociar o nome de uma conotação negativa, o engenheiro decidiu rebatizar o prédio, que virou Mirante do Vale. Hoje rebatizado como Palácio W Zarzur.

Experiência ajuda fornecedores

A interferência positiva de um bom empreendedor não fica exclusiva aos seus projetos e às suas iniciativas. Um bom empreendedor é capaz de perceber que os fornecedores também podem melhorar. E foi isto que Waldomiro fez. Como ele inovou no conceito construtivo, muitos fornecedores de insumos e matéria-prima não tinham produtos que pudessem atender a essas novidades. Dessa forma, Zarzur funcionou também como promotor de inovações. Se não as criando, pelo menos instigando quem o fizesse a produzir o que ainda não existia, ou melhorar o que já era feito. Em razão da verticalização e dos


WALDOMIRO ZARZUR

Uma viagem pela história Os empreendimentos realizados por Waldomiro Zarzur marcaram o mercado imobiliário paulistano. Destacamos aqui, alguns dos mais importantes:

Palácio W Zarzur (Palácio Zarzur & Kogan originalmente, depois Mirante do Vale), no Vale do Anhangabaú

Condomínio Privilège, no Brooklin

Mercúrio e São Vito, no Parque Dom Pedro

Ponte de Guarulhos, em Guarulhos

Edifícios 14-Bis, Demoiselle e Caravelle, na Rua Paim, Bela Vista

Cine Júpiter (antigo Cine Yara), na Penha

Edifício Waldomiro Zarzur, na Avenida Faria Lima

Galerias Espiral, na Bela Vista; Ambassador, no Itaim; do Brás, no Brás; Vivien Tereza, na Vila Mariana

Lorena Flat, nos Jardins Igreja Nossa Senhora do Paraíso, no Paraíso Monumento a Duque de Caxias, no Centro

Hospital Albert Einstein, no Morumbi

Garagem Automática da Luz, na Avenida Prestes Maia Edifícios do Tribunal de Justiça e da Corregedoria da Polícia Civil, ambos na Rua da Consolação

Velódromo do Ibirapuera, no Parque do Ibirapuera

prédios com muitos pavimentos, como os que ele começou a construir, muitos desses produtos precisaram ser adaptados. Lembremos que em São Paulo o mais comum era a construção de prédios até oito andares e para ter prédios maiores era necessário também mudar os insumos que se usavam. Dessa forma, cimento, vergalhões, entre outros, tiveram de se adequar às novas tecnologias construtivas introduzidas por sua empresa. Por outro lado, alguns fornecedores precisaram mudar seus produtos para atender a essa demanda. Um exemplo disso foi o fornecedor de válvulas de banheiro Oriente. Nos primeiros projetos ainda era comum as descargas por bacias, por meio de cordinhas. Isso ficou ultrapassado e a empresa criou, dentro do que já se fazia em outros países, as válvulas de descarga com registro acoplado na mesma peça. Além de proporcionar a criação e a compra do produto, Zarzur ajudou na sua colocação e aceitação pelo mercado.

Uma cidade mais bonita e sem enchentes

Waldomiro Zarzur é, acima de tudo, um entusiasta da cidade de São Paulo. Ele consegue enxergar beleza no árido Centro, força na pujante Zona Leste, frescor na Zona Sul, beleza na Zona Norte e crescimento na Zona Oeste. Mas gostaria de fazer algo diferente pela São Paulo que tanto ama e uma delas é encontrar uma solução para a ocupação do Centro. Zarzur é favorável a que se valorize o Centro, uma coisa que as grandes metrópoles de todo o mundo fazem. Para isso, incentivar a reforma de antigos prédios, transformando-os em moradias é um excelente caminho. Para ele, o Centro precisa de condições de vida noturna. Coerente com este pensamento, um de seus projetos é transformar o

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

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Palácio W Zarzur, onde sua firma ocupa o 44º e o 45º andares, em um condomínio misto, com salas comerciais e apartamentos. Isso também evitaria a deterioração comum em edifícios antigos, principalmente no Centro. Muitos outros espaços poderiam seguir o mesmo caminho, em um processo de mudança parcial de uso, colaborando com o renascimento da região. Outra preocupação sua é a questão das enchentes, principalmente nas partes lindeiras (ao redor) do Rio Tamanduateí, adentrando a Várzea do Glicério. Ele pensa que seria possível a construção de um grande lago que ocupasse essa parte central. Formar-se-ia uma grande área de lazer que não só iria resolver o problema das inundações, como contribuiria para estabilizar o clima e a umidade do ar na região. É claro que esse projeto envolveria a desapropriação de uma grande área e dependeria da

vontade pública e do apoio da iniciativa privada. Segundo ele, alguma coisa precisa ser feita para que a cidade volte a ser habitável, acabando com o trânsito caótico e o problema habitacional da população. Acrescenta ainda que toda a cidade também deveria passar por transformações. São Paulo é uma metrópole escura, sem luz. Deve-se deixar a cidade mais clara e bonita. Pode-se valorizar a periferia, desde que se criem condições para que as pessoas trabalhem perto de onde moram. Precisa de mais residências espalhadas pela Capital. Mas isso depende de parcerias entre os setores público e privado, melhorando a infraestrutura e os transportes na cidade.

Operação Duque de Caxias

Uma dos mais imponentes monumentos da cidade também tem o

dedo de Waldomiro Zarzur: a estátua em homenagem a Duque de Caxias, na Praça Princesa Isabel. A obra de Victor Brecheret está em um pedestal que foi construído pelo escritório Zarzur & Kogan. A estátua, que mede 15,88 metros X 4,10 metros X 13,20 metros, com mais de 40 toneladas, estava há anos guardada em um armazém da prefeitura. O então prefeito Adhemar de Barros convidou os sócios para colocar a estátua em pé. O interessante é que ela seria erguida no Largo do Paissandú, em 1943, mas dez anos depois se percebeu a incompatibilidade entre o local e a dimensão do monumento. A estátua foi feita em quatro partes e montada no local. O pedestal de granito também é de grandes dimensões (25,28 m X 6,7 m X 11,51 m) e seus quatro painéis – de autoria de Brecheret – representam as campanhas militares de que Caxias participou.

Ao lado, o monumento em homenagem a Duque de Caxias, durante a construção e, em 2011. Com passagens da história do herói nacional, está localizado na Praça Princesa Isabel, região central de São Paulo

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WALDOMIRO ZARZUR

Para montar o cavalo, todo feito em bronze, a Zarzur & Kogan contratou o Liceu de Artes e Ofícios que desenvolveu uma técnica de solda e fixação inédita. Os perfis de sustentação do cavalo, também em bronze, têm quatro metros de altura e espessura de 20 cm. Um dia antes da estátua ser colocada no alto do pedestal, Zarzur ofereceu um almoço a todos os operários que trabalharam na obra, realizado dentro do próprio pedestal.

Construindo de graça

Uma das obras construídas por Waldomiro de que ele gosta de falar é a da Catedral Greco-Católica Melquita, a Igreja Nossa Senhora do Paraíso, na região da Avenida Paulista. Foi erguida em 1952 graças a participação e doação de um grupo de 18 proeminentes da colônia árabe que formavam um Conselho, entre eles Waldomiro Zarzur e seu pai, Feiz. O bispo à época em reunião pediu uma contribuição de cada um. Como ninguém se manifestou, o Bispo pediu que Waldomiro encabeçasse a lista. Ele começou com Cr$ 50 mil (50 mil cruzeiros). Como era o menos abastado, o Bispo tinha esperança que as doações aumentassem de valor. Todos se fixaram nos mesmos 50. O arquiteto Banedito Calixto de Jesus Neto fez o projeto (o mesmo que projetou a Basílica de Aparecida) e sua empresa foi contratada para erguer a nova igreja. Eles tinham um orçamento de CR$ 300 mil e teve de trabalhar por empreitada. Conseguiu manter os custos dentro da previsão, mas entregou o prédio sem pintura e sem o altar, que ficou para ser feito por um pintor/escultor italiano chamado Massela que, segundo ele mesmo dizia, era irmão do Papa Pio XII. Perguntado quanto ganhou por essa obra, respondeu “só experiência”.

A Catedral Greco-Católica Melquita, Igreja Nossa Senhora do Paraíso, na região da Avenida Paulista, construída na década de 1950 em alvenaria autoportante

Cine Júpiter: o luto marcou a obra

A Penha recebeu diversas obras do escritório Zarzur & Kogan. Nesse bairro foram construídas diversas escolas e lojas, mas o que marcou a memória do construtor foi a construção do Cine Júpiter (a princípio Cine Yara) na Rua João Ribeiro, 440 (hoje, nesse endereço, funciona uma loja de departamentos). Eles foram contratados por José Chammas, um empresário local, para construir um cinema no bairro da zona leste. Essa foi a primeira grande obra da empresa. Com capacidade para 1.770 espectadores, o cinema dispunha de CHAMS BIOGRAFIAS 20

um balcão superior apoiado em vigas de 12 metros em balanço – uma tecnologia inovadora para a época. Quando estavam terminando a cobertura, Chammas, feliz com o progresso das obras, foi inspecionar o telhado e deu um passo em falso, caindo de uma altura de dez metros, vindo a falecer. A família, em sua homenagem, decidiu continuar a obra e realizar o sonho do empresário, a inauguração do cinema, que aconteceu em 1949.

Mercúrio e São Vito

Talvez mais marcantes que o próprio Palácio W Zarzur, os edifícios


Mercúrio e São Vito – construídos na zona cerealista da Capital – também fizeram história no mercado imobiliário paulistano. Quando construiu o Edifício Mercúrio, na Avenida do Estado, próximo ao Parque Dom Pedro, em 1952, Zarzur provocou curiosidade principalmente pela quebra de paradigmas. Como um prédio tão fino e alto pode ser erguido? Uma curiosidade que não ficou restrita ao Brasil. Impressionados com o projeto, arquitetos italianos vieram a São Paulo estudar o Mercúrio e conhecer a técnica construtiva usada pelo escritório de Waldomiro Zarzur. Ainda durante a construção duvidaram de sua exequibilidade e, Waldomiro, mostrou-lhes o prédio pronto. Na época, foi considerado o edifício “mais esbelto do mundo”. Seu projeto previa um prédio de aspecto “fino”, porém com segurança e solidez estrutural, o que causou

A primeira grande obra da Zarzur & Kogan, o Cine-Júpiter, no tradicional bairro da Penha, zona leste da capital paulistana

Dois marcos arquitetônicos de São Paulo, os edifícios Mercúrio e São Vito foram motivo de observação pela inovação de sua construção. Apesar de características distintas, ambos formavam um único bloco arquitetônico, como visto na foto ao lado. Recentemente, a prefeitura de São Paulo os demoliu para reurbanização da região central

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WALDOMIRO ZARZUR

polêmica numa época em que a construção de altos edifícios em estrutura de concreto armado era uma tecnologia inovadora. O terreno onde futuramente seria construído o São Vito era de um médico do interior, de sobrenome Dourado, e das Indústrias Matarazzo, que tinham um poço que abastecia de água a unidade fabril da Lapa, na atual Avenida Francisco Matarazzo. Um duto de aproximadamente oito quilômetros, com canos de 20 polegadas. As únicas exigências da empresa foram que Zarzur não atrapalhasse o funcionamento do sistema e deixasse espaço para que caminhões e maquinário pudessem entrar para consertar ou trocar os canos. Com o tempo, o sistema foi aposentado. O São Vito tem arquitetura influenciada pelo modernismo e foi concebido como solução para o problema da moradia popular, embora também tivesse doze conjuntos comerciais. Lançado em 1955, era uns dos prédios mais imponentes da cidade de São Paulo. Os prédios, atualmente já com sua demolição concluída, ocupavam uma quadra toda, sem deixar recuos. Os dois edifícios tinham em comum os térreos e as sobrelojas destinados ao comércio e escritórios isolados do uso residencial, separados por uma laje. Apesar de terem características diferentes, eles compunham um único bloco arquitetônico. O Mercúrio, construído em 1952, tinha um projeto inicial para ser um prédio de quatro pavimentos, com o térreo destinado ao comércio e os demais andares com 18 apartamentos de quarto e sala. A proposta foi alterada por Waldomiro Zarzur para um melhor aproveitamento vertical, com 25 andares e apartamentos de dois cômodos. Já o São Vito, construído em 1954, teve seu projeto modificado

duas vezes, mas foi construído com 27 andares e 690 quitinetes de 35 m2 cada. Três elevadores serviam originalmente o prédio. O último andar é uma área livre de 800 metros quadrados, com auditório, que chegou a ser usada para eventos nos anos 1960, sendo palco inclusive de shows de artistas famosos em sua época áurea. A idéia básica era vender as unidades para investidores que alugariam os apartamentos para trabalhadores da região central, lógica utilizada em projetos urbanísticos atuais de levar as pessoas a morar próximo de seu trabalho e evitar assim seu deslocamento pela cidade.

Edifício Satélite

Outra construção do seu escritório que marcou época no cenário urbano da capital é o Edifício Satélite, no Glicério. Situado na Praça Conde de Sarzedas, foi construído na segunda

metade dos anos 50 em um terreno de propriedade de Camilo Dacache, dono de grande área na região. O Satélite veio para atender um adensamento populacional no bairro, bem próximo ao centro da cidade. Na área central da cidade, nessa época, se construíam muitas quitinetes e o Conde de Sarzedas seguiu essa tendência. Mas tinha, à época, características que o diferenciavam: fachada limpa, sem detalhes, revestida com uma mescla de pastilhas cerâmicas de diversas cores. Possui dezenas de unidades distribuídas, em uma planta complexa, ao longo de corredores, formando uma implantação do tipo pente. Os apartamentos apresentam diferente medidas, o que distinguia o prédio dos demais construídos nesse período. Infelizmente o tempo e a falta de cuidado dos moradores foram inclementes e o Satélite está bem decadente, com sinais de encortiçamento, mas a estrutura se mantém firme.

O Edifício Satélite se diferenciou à época das edificações da região por apresentar uma fachada clean e apartamentos com diferentes tamanhos

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A escola Waldomiro Zarzur Ele nunca foi professor de uma faculdade, mas de seu escritório saíram diversos profissionais que lá passaram como estagiários e se tornaram grandes empresários ou profissionais do setor imobiliário. Esse é um dos seus maiores orgulhos, ter formado uma “escola de incorporadores”. A seguir alguns depoimentos de quem esteve na “Escola Waldomiro Zarzur”. Esses depoimentos farão parte de um livro que está sendo finalizado sobre a vida do empreiteiro:

“A fase que passei no escritório foi de muito aprendizado e me marcou muito à época. Além de amigo, foi um excelente professor, praticamente um catedrático” – Fábio Fakhoury, sobrinho e sócio da ZKF “Ele transmitiu muito conhecimento para muita gente. De lá saíram engenheiros bem sucedidos, já que seu escritório era uma verdadeira escola” – Ernesto Kalache – sócio da ZKF “Ele fazia um acompanhamento do nosso trabalho, analisava, corrigia e mostrava o caminho certo. Ensinava, orientava e alertava para a vida prática. Ele ensinava como as coisas realmente aconteciam” – Cláudio Zarzur, sobrinho e sócio da ZKF “Trabalhei por seis anos na Zarzur & Kogan e tive a felicidade de continuar a universidade no escritório. Devo muito do meu trabalho e evolução ao que aprendi com ele” – Omar Maksoud

“Falar de Waldomiro é fácil, difícil é transmitir em curto espaço tudo aquilo que ele representa para a cidade e para a comunidade. Ele levou às gerações que o sucederam toda a experiência e pioneirismo na condução de seus negócios” – Roberto Zarif “Aprendi muita coisa, mas uma lição dele ficou na minha memória: ‘muito mais importante do que o aprendido na escola, é saber se você tem iniciativa e bom senso’” – Raul Tárek Fajuri “Ele é uma pessoa que a gente admira. A gente aprendia muito com ele. Em minha opinião, existem firmas que se transformaram em verdadeiras escolas e a Waldomiro Zarzur é uma delas. Muitas pessoas que saíram de lá montaram suas próprias empresas” – Demetrio Feres Fraiha “Ele construiu muito. Muitos engenheiros que trabalharam com ele cresceram muito. Ele sempre fez do escritório uma escola” – Ernesto Zarzur, irmão

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WALDOMIRO ZARZUR

Edifício Racy

Uma mistura de dois estilos mundialmente reconhecidos: Le Corbusier e Oscar Niemayer. Assim pode ser definido o Edifício Racy, situado na Avenida São João, no Centro. Ele tem o conceito de unidade habitacional do arquiteto francês e das fachadas onduladas do brasileiro. Os dois estão entre os principais arquitetos do século XX. Com 14 pavimentos de uso residencial, 140 apartamentos de dois dormitórios cada, o Racy tem um destaque especial: seu hall de entrada. Considerado monumental, o espaço é ladeado por imponentes escadas laterais. Seu uso é misto, com os cinco primeiros andares reservados ao comércio e serviços, separados da parte residencial por um terraço-jardim, parte coberto por uma marquise que contém um playground. No projeto inicial estava previsto um cinema, o Eden, que teria entrada pela Rua Helvétia.

O Edifício Racy, ao lado, reuniu a influência de dois gênios da arquitetura mundial, o francês Le Corbusier e o brasileiro Oscar Niemayer

Maquete do Edifício Racy

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Foi construído por encomenda para Simão Racy, dono da indústria de Papel Simão, e foi erguido em uma época em que não se pensava no Minhocão (Elevado Costa e Silva). Isso levou o edifício a uma certa decadência, mas sem perder sua beleza e imponência.

Conjunto da Rua Paim

O complexo da Rua Paim, o primeiro condomínio residencial da região, na Bela Vista, tem com três torres: o 14 Bis (o maior, com 27 andares), o Demoiselle (menor, com 13 andares) e o Caravelle (o de melhor padrão, com 14 andares). São, no total, 977 apartamentos e os três blocos apóiam-se em pilotis nos andares térreos. Os edifícios 14 Bis e Demoiselle têm uso misto, pois os pavimentos térreos possuem lojas. O Caravelle tem um estacionamento no térreo. Aqui também a empresa inovou: como não tinha todos os recursos para a compra do terreno, pagou uma parte com unidades dentro do empreendimento (hoje tão comum, em troca de área construída). Além disso, foi uma das primeiras a vender unidades na planta – uma ação também comum nos dias de hoje. Para facilitar a venda desse empreendimento e adequar o condomínio ao poder aquisitivo do público-alvo, classe média da época, e ao mercado com renda mais baixa, resolveu construir unidades menores e assim adequar as prestações do financiamento às condições do comprador. Uma prática comum hoje em dia: quanto menor a área útil, menor o valor prestação.

Um toque de Zarzur em Santos

Waldomiro Zarzur não teve sua história feita somente na cidade de São Paulo. O litoral também recebeu a sua marca construtiva. O Conjunto Habitacional para o

antigo Iapi (Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários) não foi projeto dele, mas foi totalmente erguido com a expertise Zarzur & Kogan. Inaugurado em 1957, o conjunto é composto por cinco blocos paralelos em forma de lâminas. O empreendimento foi inaugurado com a presença do então presidente da República, Juscelino Kubitschek. Em Santos, a empresa também

O Conjunto Habitacional para o antigo Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários, em Santos, contou com todo o know-how da Zarzur & Kogan. Na inauguração esteve o então presidente Juscelino Kubitschek

O Grupo Escolar do Canindé foi a primeira obra da empresa para o projeto estadual de construções de escolas

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construiu o Condomínio Stella, na praia do Gonzaga e, no Guarujá na Avenida Pugliese, o Edifício Paquetá, cujo painel do hall de entrada foi executado por L. Horto, em 1959.

De pontE a escolas: isso também é Zarzur

Apesar de os edifícios residenciais serem o forte dos sócios da construtora Zarzur & Kogan, a empresa, entre as décadas de 50 e 60,


WALDOMIRO ZARZUR

também partiu para outras frentes, como a construção pesada. Durante um período, da Zarzur & Kogan também saíram projetos e construção de escolas públicas, principalmente na zona leste da cidade, igrejas, hospitais e pontes. A Ponte da Vila Maria, na Via Dutra, construída em 1954, durante o governo de Jânio Quadros, foi um desafio para a empresa. A ponte sobre o leito do Rio Tietê ligaria as cidades de São Paulo e Guarulhos e foi feita pouco tempo depois de os sócios Waldomiro Zarzur e Aaron Kogan terem se formado e montado o escritório da empresa. A obra teve grandes dificuldades para ser feita, devido à formação do solo. Era preciso escavar grandes volumes de rocha por meio de explosões. Foram usados mais de 3 mil m3 de concreto na sua construção. Nesse período a empresa também se dedicou à construção de escolas públicas. A expertise em edifícios residenciais foi utilizada na construção do Instituto Estadual de Educação Nossa Senhora da Penha, no bairro da Penha, na zona leste. O projeto do arquiteto gaúcho, radicado em São Paulo, Paulo Eduardo Corona, pensava na escola ocupando um terreno em declive, com área de mais de 4,7 mil m2. Um desafio e tanto para os construtores. O projeto de Corona teve grande influência da arquitetura de Le Corbusier. Na época foi uma das escolas melhor equipadas da cidade, contando com laboratório de química, sala de história natural, classe especial para surdos e mudos, biblioteca, quadras poliesportivas, piscina, entre outros diferenciais. Esse foi o primeiro trabalho da empresa para o Convênio Escolar, projeto do governo estadual para a construção de escolas, com o objetivo de criar espaços que expressassem as novas formas de educação. Pelo convênio, Zarzur também construiu o Grupo Escolar do Canindé.

A Ponte de Guarulhos representou um desafio para a empresa, pois havia sido recém-criada quando surgiu o projeto

Uma obra de velocidade

Waldomiro Zarzur é, acima de tudo, um entusiasta da cidade de São Paulo. Ele consegue enxergar beleza no árido Centro, força na pujante Zona Leste, frescor na Zona Sul, beleza na Zona Norte e crescimento na Zona Oeste

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Em 1954, para comemorar o quarto centenário da cidade, muitas obras estavam em andamento, entre elas o Parque do Ibirapuera. O escritório Zarzur & Kogan tentou candidatar-se para a construção de alguns dos projetos de Oscar Niemayer, mas a família Matarazzo, patrocinadora das obras, estava presa a um grupo que não deixava espaço para ninguém entrar. Segundo Waldomiro, “o Ciccillo Matarazzo estava preso a um grupo em quem ninguém entrava, só aceitavam as propostas dos amigos. As outras nem eram abertas”. Depois de participar de diversas concorrências e perder – Waldomiro credita isso também, ao pouco tempo que a empresa tinha, pois foi inaugurada em 1947 – foram escolhidos para construir o Velódromo do Ibirapuera. Na


O Velódromo do Ibirapuera ainda hoje é um dos poucos construídos no País. Ao lado, imagem de sua construção ao lado do ginásio do Ibirapuera. Abaixo, imagens da construção da pista de atletismo, da arquibancada no dia de sua inauguração

época, era o único equipamento do gênero no Brasil destinado a corridas de bicicleta. Construído totalmente em concreto pré-moldado, tinha pista de 500 metros, com inclinações transversais variáveis, arquibancadas e pistas de atletismo.

Um hospital referência mundial

Em 1959 Aaron Kogan leva ao escritório o médico Manoel Tabacow Hidal, que tinha o sonho de construir um hospital e até já possuía uma área destinada para CHAMS BIOGRAFIAS 27


WALDOMIRO ZARZUR

esse objetivo. Situada no, à época, inóspito bairro do Morumbi, o terreno fora doado por Ema Gordon Klabin. Em 1º de abril desse mesmo ano foi assinado o contrato de projeto e construção do que viria a ser o Hospital Albert Einstein. Estavam presentes o arquiteto Rino Levi, responsável pelo projeto, Aaron Kogan, alguns proeminentes da colônia esraelita em São Paulo e médicos. Antes de começar a obra, o projeto foi alterado de um para dois blocos superpostos. Assim, no inferior ficariam os serviços e no superior, o hospital. Logo no início das obras, em maio de 1960, ocorreu o falecimento de Aaron Kogan. Foi um golpe para Waldomiro, mas isso não o enfraqueceu, nem a sua equipe, que deram prosseguimento à construção do Hospital. O Albert Einstein foi inaugurado em 1974 com a presença do então presidente da República, Emílio Garrastazu Médici, e do governador de São Paulo, Laudo Natel.

Durante as obras [Hospital Albert Einstein], em maio de 1960, ocorreu o falecimento de Aaron Kogan. Foi um golpe para Waldomiro, mas isso não o enfraqueceu, nem a sua equipe, que deram prosseguimento à construção do Hospital

O Hospital Albert Einstein, que foi inaugurado em 1974, também é um marco para Waldomiro Zarzur. Foi durante este projeto que ele perdeu seu grande parceiro, Aaron Kogan

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Galerias: as precursoras dos shoppings

Nos anos 60, um dos destaques da empresa foi a construção em série de uma tipologia muito usual naquela época: as grandes galerias. Eram conjuntos multifuncionais que combinavam prédios de residências e escritórios sobre estruturas que abrigavam estabelecimentos comerciais diversificados e equipamentos de lazer. Foram as precursoras dos shopping centers, mas com a vantagem de permitir total contato com a cidade por meio de suas ruas internas. Essas construções continuaram até a década de 80 e resultaram em cinco empreendimentos espalhados pela cidade: – Galeria Ambassador: localizada na Avenida Santo Amaro, zona sul, foi construída em 1965. Possui 18 andares, mais subsolo. Abriga residências, escritórios, lojas e lazer. Tem 20 apartamentos, 17 lojas, seis escritórios, oito consultórios médicos e um cinema. – Galeria do Brás: construída em 1969, se localiza na Avenida Celso Garcia, zona leste. Ocupa dois blocos residenciais paralelos, separados por jardim circundado por lojas no térreo. Possui quadra poliesportiva, garagem no subsolo. – Galeria Espiral: com construção datada de 1964, está situada na Avenida Brigadeiro Luis Antônio, região central. Ela foi um desafio arquitetônico, pois ocupa terreno estreito, com oito metros de frente. Em forma de lâmina, o prédio tem três andares de galerias, que se comunicam por meio de rampas circulares, criando mezanino com pilares sustentando 11 andares destinados ao uso residencial. Uma laje com um terraço-jardim separa a parte comercial da residencial, composta por 44 unidades de 80 m2. – Galeria Vivien Tereza: localizada na Vila Mariana, zona sul, na Rua

As grandes galerias marcaram uma época e dão origem aos shoppings centers. Ao lado, a galeria Vivien Tereza, localizada no bairro da Vila Mariana, zona sul de São Paulo

A galeria Ambassador, no bairro de Santo Amaro, também na zona sul da capital, mostra o conceito de agregar ao mesmo espaço, residências e espaços comerciais

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WALDOMIRO ZARZUR

Domingos de Moraes, o projeto de Jorge Wilheim foi inaugurado em 1961. Multifuncional, tem 18 andares mais o subsolo. São 65 apartamentos, 40 salas para escritórios e 53 lojas nas galerias e um cinema. Dos apartamentos aos flats No final da década de 60 a cidade de São Paulo já era um grande centro de negócios para onde vinham visitantes de todo o País e do Exterior. Era o princípio do que viria a ser chamado de turismo de negócios. Nessa época, Waldomiro estava a pleno vapor na construção de prédios residenciais, mas sentiu uma nova possibilidade. Em 1969 ele construía o Edifício Ilda – nome de sua esposa – que foi inicialmente um condomínio residencial de 20 andares. Pela sua localização – perto da Avenida Paulista – e pelo que já vislumbrava no futuro, ele realizou um retrofit e transformou o prédio em um flat, o Century Paulista Flat. O Lorena Flat nasceu de um projeto inicial de condomínio de apartamentos de um e dois quartos na Avenida Rebouças, próximo ao Hospital das Clínicas. Quando Waldomiro foi procurado pelo amigo fundador e diretor clínico do Hospital Sírio Libanês, Daher Cutait, médico que estava organizando um congresso internacional de Gastroenterologia e precisava hospedar todos os convidados em um só lugar, próximo da Faculdade de Medicina da USP, ele terminou o mais rápido possível a construção, que já estava no acabamento, e abrigou todos os médicos convidados do evento. Daí nasceu o Lorena Flat. Reconhecimento do setor em âmbito mundial Que Waldomiro Zarzur é tido como um dos responsáveis diretos pela verticalização e progresso da cidade todo mundo sabe, mas não que

Lorena Flat, construído em frente ao Hospital das Clínicas, que em sua inauguração hospedou os médicos do Congresso Internacional de Gastroenterologia, promovido pelo professor Daher Cutait

Sua visão Waldomiro Zarzur sempre esteve atento às necessidades do mercado. Isso o levou a realizar a venda direta, com sua própria empresa financiando os compradores. Outro exemplo disso foi ao lançar um prédio residencial no Brás, inicialmente com apartamentos de dois dormitórios. Ao perceber maior procura por três dormitórios, mesmo com a fundação feita, conseguiu modificar a planta para atender a demanda.

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Que Waldomiro Zarzur é tido como um dos responsáveis diretos pela verticalização e progresso da cidade todo mundo sabe, mas não que também foi merecedor de diversos prêmios no Brasil Edifício Ilda, onde hoje encontra-se o Centuty Plaza Flat, está localizado próximo à Avenida Paulista

também foi merecedor de diversos prêmios no Brasil e no Exterior. Sua competência ultrapassa fronteiras. Em 1993 recebeu o International Construction Award, concedido pela indústria imobiliária da Espanha. Esse prêmio é uma distinção e um símbolo de qualidade internacionalmente reconhecido e foi criado como forma de promover e estimular as melhores empresas do segmento em âmbito mundial que, ano após ano, superam seus próprios resultados. Mais recentemente, em 2004, Waldomiro recebeu nova honraria mundial. Ele foi agraciado com o Golden Award for Technology and Quality, em Genebra, na Suíça. O prêmio é concedido a empresas que dedicam seus esforços ao desenvolvimento e à aplicação de novas tecnologias no setor da construção. Essas empresas são pioneiras e transferem

e no Exterior. Sua competência ultrapassa fronteiras

A trajetória de Waldomiro também encontrou o reconhecimento internacional com prêmios obtidos na França, Espanha e Suíça: o Golden Award for Technology and Quality, o Diamond Award for Quality Commitment and Excellence e o International Construction Award

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WALDOMIRO ZARZUR

know how para outros países, contribuindo para a inserção de nações que não dispõem dessas inovações.

À esquerda, o edifício de escritórios Waldomiro Zarzur, localizado na Avenida Faria Lima e, à direita, o edifício Acrópolis, obra mais recente de Waldomiro Zarzur

Inovação como marca Outra grande marca de Waldomiro Zarzur é descobrir tendências. No início dos anos 2000 uma nova geração de empreendimentos aparecia no mundo, os chamados condomínios-clube. Waldomiro Zarzur percebeu que a preocupação com segurança e a necessidade de se ter toda a infra-estrutura de lazer próxima já era uma necessidade real. Dessa forma, começou a construção do condomínio Privilège, no Brooklin, um dos primeiros lançamentos, nesse segmento. São três torres de apartamento – cada um com varandas de até 40 m², outra novidade – com todo tipo lazer e conforto dentro do próprio complexo. Um olhar à frente Os negócios da empresa se diversificaram, principalmente a partir do final do século XX. Como o cenário da construção civil mos-

O edifício Privilège, no bairro do Brooklin, zona sul de São Paulo, aproveitou todo o espaço do terreno para o conjunto de três prédios e respectivo parque

O mercado imobiliário paulistano tem sua marca. São mais de 60 anos de plena atividade, com mais de 500 edifícios comerciais e residenciais, totalizando cinco milhões de metros quadrados

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trou-se novamente favorável a empreendimentos de grande porte, e adotando sempre, em todos seus projetos, o comprometimento com a responsabilidade social e a sustentabilidade, a Waldomiro Zarzur, agora se assumindo como Grupo W Zarzur passou a atuar em outros negócios, iniciando seus investimentos no ramo de energia. Atualmente

conta com cerca de 400 MW, em São Paulo, Rio de Janeiro e Mato Grosso, sendo que em 2010 iniciou-se a operação de duas usinas hidrelétricas, no Estado de São Paulo (Queluz e Lavrinhas), com capacidade de geração de 30MW cada uma. No setor de agronegócios a empresa atua na cultura de soja, arroz, feijão, milho, girassol, laranja, nos

Estados de São Paulo e Mato Grosso, totalizam área de mais de 50 mil hectares, além da criação de gado. Os noventa anos de Waldomiro Zarzur Nada como encerrar uma matéria com uma festa. E nesta página retratamos o aniversário de noventa anos de Waldomiro, ao lado de sua família.

Na foto de cima, o aniversariante e a esposa Ilda, com filhos, netos e a matriarca da família, Martha Zarzur Saccab e, na de baixo, com os irmãos. A comemoração aconteceu no dia 24 de abril de 2011, no Bar Inglês do Clube Atlético Monte Líbano

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ARTIGO

Assis Féres e o poema “O Mascate”

Claude Fahd Hajjar, Psicóloga, psicoterapeuta, pesquisadora de temas árabes e Vice-Presidente de Fearab América

A leitura do poema épico de Assis Féres intriga, surpreende e ilumina(1)

Inspirado na vida de “Seu mascate”, este poema revela com pinceladas fortes a vida áspera destes comerciantes do sertão

O uso magistral que faz da língua portuguesa anda a par com sua generosidade: para cada palavra inusual empregada, onde poderíamos nos defrontar com uma dificuldade de sentido, encontramos, no rodapé uma nota explicativa de cada verbete e seu contexto, configurando um dicionário. Por exemplo, no início do poema, temos a Epítome, assim explicada: “Síntese geral do trabalho e delineamentos da abertura de cada parte do livro” (P.12)(2) Eis a epítome: Epítome O tronco deste poema, - Ser ou efígie?- não sei. Será no tempo o diadema De tudo o mais que eu anelei? - Rei de um idioma sem nome. De uma lâmpada sem origem, e Virá deste intento virgem

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Que me tritura e consome Nas voragens, a tais desvelos, Quer lhes relate um sistema, Quer sintam a gesta, os apelos, Dos feitos d’arte; e tais zelos Nos sublimados contextos Dos quadros que esculpirei? E aqui sobra , d’alma, o emblema, Aquele timbre nos textos; e Meu novo idioma num idioma, - Um tal étimo literário; e O dito nos revela a soma Da experiência – itinerários, A esta linguagem extrema, Que exime , o livro de todos, De quaisquer hiatus a rapsodos e Que é o mapa de étnicas puras, À neurologia do empenho, Nessas árduas instruturas. O tronco deste poema, - Ser ou efígie? Não sei. - Será, no tempo, o diadema, e De tudo o mais que eu amei?


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Essa introdução ao poema, sintetiza os veios de seu percurso e sinaliza que vai ser através desta criação poética a busca da resolução de tantas questões, que vão desde a origem e raízes, ao idioma empregado, de um uso deste idioma que enlace amor e história de uma forma própria e singular, até o luto pela morte de seu pai, “o mais querido dos seus mascates”. Inspirado na vida de “Seu mascate”, este poema revela com pinceladas fortes a vida áspera destes comerciantes do sertão. Não há calor, frio, vento ou

chuva que o impeça de seguir a sua trilha, num burro, trem, charrete ou caminhão; o importante é seguir, caminhar, desvendar, criar novos amigos, suprir as necessidades alheias, apresentando também o ainda novo. Na caixa, ele leva esperança, sonhos, em forma de máquinas e livros, cheiros e cores, sedas e gazes. Veste a alma e adorna o corpo, das gentes e das casas; participa de casamentos, noivados e cerimônias, do luto ao nascimento. Presencia grandes colheitas e duras estiagens, aprendendo com o tempo a se amalgamar com o outro, a

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Féres, com sua escrita reinventou-se como americano árabe. Foi um sonhador profundo e sagaz, e não se esquivou dos temas palpitantes de seu tempo

servi-lo hoje e talvez, vir a receber bem depois, só com a colheita suficiente. Este espírito aventureiro, tolerante e adaptável, era ansiosamente esperado pela mata adentro onde não havia rádio, cinema ou TV; o sertanejo, entrava em contato com o mundo lá fora através destes viajantes ou enfrentando um longo trajeto até a cidade mais próxima, nem sempre fácil ou possível. Na pena do autor, o mascate foi um bandeirante e um desbravador, que, ao caminhar por novas e desconhecidas trilhas, se deparava com ameaças e perigos, advindos dos homens, animais ou da própria natureza. O clima tropical foi cantado no poema de Feres com uma destreza própria daqueles que escrevem com a alma; ao descrever a sua umidade, seus mistérios e armadilhas, ele recria fidedignamente o cotidiano destes atores e desbravadores do sertão. 1“Revela toda uma história De um povo mourejador; Luminoso, em sua glória, É aquele tronco, ao lavor; Quando nos veio do oriente Terra facundia de Deus, Encontrou a terra nascente, Que lhe abriu os braços seus. 2. Ontem não tinha o progresso, Que temos hoje, afinal, Não havia o bom sucesso No sertão descomunal; A luta dos braços - com a terra, Era uma coisa gigante; Diz o passado que aterra: “O homem era um Bandeirante” ..... Este poema foi uma homenagem que ele fez ao “seu mascate” o pai Jorge Rouco ou Jorge Al Omari, assassinado

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em junho de 1927. Com efeito, neste dia Assis Féres passa de jovem adolescente, a um homem de catorze anos, cuja meta é alcançar e punir os culpados. Mas não bastava tão somente isto, ele precisava compreender, aprender com esta dor profunda que lhe fora cravada no peito. Através do poema ele vai resolver uma “dívida” inconsciente e atávica de seu pai com suas origens e ele, filho, de se integrar cada vez mais em sua brasilidade e americanidade. 18“Vinham os homens em massa, Às grandes terras da América, Desbravadores do oceano, Desembocando nas selvas; Vinham com as traças quiméricas, Ao encontrar, à flor do solo, As arcas de “Alis Kahan”, Os gonsos* dos Marco Polo, Ou esse ouro sem jaça, Apercebido em seus planos. 19 Um dia veio o holandês, O afro assoma com o italiano, E não nos distando o inglês; E aqui formam um triedro, O indio , o nego e os ibérios? E hoje, porém, - absorvidos Por outros núcleos mais fortes Daqueles timbres amorfos?”....... Uma pausa na leitura e brota uma pergunta: quem foi Assis Féres? Assis Feres nasceu em 11 de agosto de 1912 em Belo Horizonte, MG. Seus pais, George Abdalah Féres Haddid e Faustina Elias Curie Féres Haddid, eram imigrantes originários da cidade libanesa de Trípoli. Por volta de 1878, George Féres instalou-se em Minas. Depois da morte de seu pai, Assis estuda um período em São Paulo, retor-


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nando mais tarde a Uberlândia, onde foi colaborador da Tribuna (1929) e do Jornal O Triunfo (1931). Antes da segunda Guerra Mundial, a mãe e irmãos retornam ao Líbano; Assis Feres, ao sentir a liberdade da vida no Brasil, erra por suas plagas, e transita de Minas a Goiás e de lá ao Rio e São Paulo. Nestas suas andanças conhece e reconhece mais o povo brasileiro, seus intelectuais e suas preocupações. Entre seus amigos destacamos Cassiano Ricardo, Gaetano de Gennaro, Ibrahim Nobre, Menotti Del Picchia, Milton Campos, Paulo Bomfim, Pedro Aleixo, Ragi Abujamra, Samuel Atlas, Sergio Milliet, Jamil Al Mansur Haddad, Taleb Ajaleli. Conhece Guimarães Rosa e Guilherme de Almeida, e este dizia: que não fosse o nome árabe do Poeta, seria ele membro da Academia Brasileira de Letras. Em 1942, seu espírito errante e livre o conduz aos países da América do Sul, seguindo o seu projeto da integração Latino- Americana. Chegou a Montevidéu em 1943, e no mesmo ano publicou, em Buenos Aires, o livro de poesias intitulado “Doutro lado do sonho”, que mereceu o “Prêmio Internacional de Obras Célebres”. Casou-se, em Santiago do Chile, com a pianista Olga Chaim Gerab em início de 1944; viveram lá até 1950, quando retornaram a São Paulo. Tiveram três filhas, Glorian Féres, poeta, Opázia Chaim Féres e Olgária Féres Matos, figuras de relevo no panorama intelectual do Brasil. Faleceu em São Paulo em 1978. Féres, com sua escrita reinventou-se como americano árabe. Foi um sonhador profundo e sagaz, e não se

esquivou dos temas palpitantes de seu tempo, como direitos humanos, integração da América Latina, etc. Viveu no período da Nahda, o Renascimento árabe, que foi inspirado no movimento literário liderado por Jubran Kalil Jubran nos EUA; assim como conviveu com o movimento modernista brasileiro. O contagio, neste caso, foi saudável: pode-se dizer que Féres e seus pares, foram protagonistas de um profícuo momento brasileiro da Nahda. Em nenhum momento afastou-se do seu eixo central: a elevação e a divulgação da cultura árabe - um imperativo em sua obra, e a integração destas raízes na brasilidade, e na América. Assim trouxe novas luzes para a busca de explicações e a sede de saber que os seus pares na imigração viviam e que ainda hoje nos concernem. Este espírito atento e indomável fez da poesia arte ao reverenciar de forma lírica a mulher; e fez dela ciência ao lançar um olhar filosófico sobre devir.

Na pena do autor, o mascate, foi um bandeirante e um desbravador, que, ao caminhar por novas e desconhecidas trilhas, se deparava com ameaças e perigos, advindos dos homens, animais ou da própria natureza

(1) O épico ‘O Mascate” de Assis Féres, foi publicado em cantos esparsos na Revista Laiazul e temos disponível apenas o primeiro canto. Na integra, compreende 13 cantos a maior parte inéditos. (2) Estudos sobre o poema: FERES, O. C.: Recuperação de uma obra: O MASCATE - Poema de Assis Féres; 3; 1385; Português; MEGALE, H. (Docente);FILOLOGIA DE TEXTOS MEDIEVAIS E MODERNOS; Filologia aplicada a textos medievais; Edição e tradução de textos medievais; BARCELOS, J. C. (Outro Participante); CESCHIN, O.H.L. (Docente); COLI JUNIOR, J. S (OutroParticipante); MEGALE, H. (Docente); NABHAN, N. N (Outro Participante); www.unincor.br/recorte/artigos/edicao2/2OpaziaFeres.htm www.bicen-tede.uepg.br/tde_arquivos/3/TDE-2008-03-10T111431Z-125/Publico/MIRIAMNAMUR.pdf

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RAGUEB CHOHFI

Ragueb Chohfi: A história de um empreendedor

fotos: arquivo pessoal/luiz paulo rodrigues

Um dos primeiros comerciantes da Rua 25 de Março, Ragueb tinha a vontade de crescer e ajudar o País que o adotou a progredir também POR MARCO BARONE

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O

começo do século XX foi marcante para muitas famílias árabes, pois foi na sua primeira metade que muitos imigrantes daquela região vieram para o Brasil. O ano de 1904 foi o início de uma nova vida para o sírio de nome Ragueb Chohfi, nascido em Homs, a cidade com maior número de famílias vindas para o Brasil. Ragueb veio para cá com 14 anos de idade e trouxe na bagagem pouco dinheiro, mas muita tenacidade e vontade de vencer na nova nação que escolhera. Como muitos que aqui chegaram do Oriente, ele não conhecia uma palavra do idioma local, mas tinha vontade de aprender. Para isso usou sua profissão. Como mascate, aprendeu a língua e os costumes daqui e desenvolveu uma habilidade que o

acompanhou para o resto de sua vida: o comércio. Passou dois anos como mascate até abrir sua primeira loja. Depois desse período estabeleceu-se, com um negócio próprio, aos 16 anos, na Avenida Brigadeiro Luis Antonio, com uma pequena loja de varejo. Desse primeiro comércio saiu para um novo endereço, na Rua da Consolação, já no ramo de armarinhos e tecidos. Esse segmento passou a ser sua especialidade e o transformou em um dos principais empresários do País na primeira metade do século passado. Em 1922 abriu o que viria a ser a base de um grande grupo empresarial. Na Rua 25 de Março, tradicional endereço da comunidade e do segmento de tecidos, abriu a Tecidos Ragueb Chohfi. Essa empresa prosperou e chegou a figurar entre as 150 maiores companhias do Brasil e, tam-

Ragueb Chohfi não se destacou somente como comerciante e homem de negócios. Ele atuou intensamente na comunidade como benemérito em obras sociais e representante da coletividade em entidades, clubes e associações empresariais

Lourenço Chohfi e o então prefeito Jânio Quadros, durante assinatura do decreto que deu o nome de Ragueb Chohfi à praça na Rua 25 de Março em 1988

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RAGUEB CHOHFI

bém, como a maior distribuidora de tecidos do País. A Companhia Têxtil Ragueb Chohfi chegou a ter 11 filiais instaladas nas principais capitais brasileiras. Seu quadro de colaboradores teve mais de 1,2 mil funcionários, comercializando cerca de 13 milhões de metros de tecidos por mês, além de produtos confeccionados para os mercados de casa e vestuário. Quem o conhecia dizia que, no meio dos enormes fardos de tecidos amontoados uns sobre os outros, ele mais parecia uma criança ou um comandante feliz por estar entre seus soldados. Em um artigo intitulado “Ragueb, o homem coração”, publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 30 de outubro de 1983, poucos dias depois da morte de Ragueb, o poeta e pensador Salomão Jorge, amigo do comerciante, disse sobre este: “Ragueb fundiu a sua bondade inata na bondade do povo leal e franco que generosamente o recebeu, como acolhe os filhos de todas as raças que, com sementes do trabalho, ajudaram a fertilizar a terra dadivosa”.

Ragueb Chohfi, então presidente da Câmara de Comércio Árabe Brasileira, recebe o ministro Severo Gomes

Abaixo, a Ragueb Chohfi recebe a visita do governador de São Paulo, Laudo Natel

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Um monumento à amizade Em 1922, a coletividade sírio-libanesa doou ao Brasil um monumento histórico referente ao centenário da independência brasileira. Essa obra foi denominada “Monumento à Amizade Sírio Libanesa”. Hoje tombada, a escultura do italiano Ettore Ximenez retrata a chegada desses imigrantes ao Brasil. Com aproximadamente 14 metros de altura, figuras em bronze

e pedestal de granito rosa, no seu topo há um índio simbolizando o Brasil e um homem representando a comunidade sírio-libanesa, amparados por uma figura feminina que retrata a República. Nela se vê uma embarcação utilizada pelos fenícios que foram os primeiros a ensinar ao mundo a construção de navios, a arte de navegar e a invenção do alfabeto. Junto

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à embarcação foi erguida uma estátua de Hiram, rei de Tiro, que descobriu as Ilhas Canárias. Foi considerada, à época, a mais bela entre todas as homenagens oferecidas ao Brasil. Sua inauguração oficial ocorreu em 3 de maio de 1928, e ficou por muito tempo no jardim em frente ao Palácio das Indústrias. Em 25 de Março de 1988, por um decreto do então prefeito de São Paulo Jânio Quadros, a praça na confluência da Rua 25 de Março com a Ladeira General Carneiro foi rebatizada com o nome de Praça Ragueb Chohfi – um dos primeiros comerciantes a se estabelecer na rua. O monumento então foi restaurado e, sob o patrocínio da empresa Têxtil Ragueb Chohfi, foi transportado da primeira localização à Praça Ragueb Chohfi, onde se encontra atualmente. Na nova inauguração estiveram presentes todos os filhos de Ragueb, comerciantes locais, vereadores, representantes eclesiásticos, diplomáticos e empresariais e o então vice-prefeito Claudio Lembo, representando o prefeito Jânio Quadros. A praça é mantida pela União dos Lojistas da 25 de Março e Adjacências (Univinco), por Lourenço Chohfi e pela Prefeitura de São Paulo.


RAGUEB CHOHFI

A crise verga, mas não abate

Mas chegar a esse sucesso empresarial não foi fácil. Ragueb, como muitos, precisou trabalhar duro, mas prosperou e se destacou na comunidade e na economia nacional. A crise de 1929, que teve início na Bolsa de Valores de Nova York, afetou o mundo todo e não foi diferente com o Brasil. Ragueb enfrentou a grande depressão – como ficou conhecido esse período – e passou momentos difíceis. Ele perdeu quase tudo que até então havia conquistado, mas desânimo não fazia parte de seu vocabulário. Encarou o pior de frente e, com muita vontade de vencer, recomeçou. Nessa nova fase aprimorou os negócios, ampliando sua produção. Isso fez com que superasse outro período negro da história mundial, a Segunda Guerra Mundial, em 1939. A partir daí, ele começou a introduzir os filhos no negócio. Seu primogênito, Lourenço, foi o primeiro a entrar, em 1941. A pequena empresa passa a ser uma sociedade anônima e muda de nome, para Cia. Têxtil Ragueb Chohfi. A década de 60 marca a entrada de Raul, outro filho de Ragueb, na empresa para cuidar da parte administrativa, e o começo de um crescimento exponencial. Em 1964 constrói uma nova instalação na região da 25 de Março, essa para servir a matriz, na antiga Rua Santo André, que hoje é conhecida como Comendador Abdo Schahin.

Um negócio familiar, mas nacional

Em 1971, seu outro filho, Nagib, com formação em engenharia, entra para a empresa para cuidar do patrimônio imobiliário da companhia. Agora, com o apoio e força para trabalhar dos filhos, Ragueb vislumbra uma atuação em âmbito nacional. A empresa fabrica e/ou distribui tecidos, artigos de cama, mesa e banho,

malharia e confecções com a mesma política de preços e prazos praticada pelas filiais de São Paulo. Iniciando seu processo de “nacionalização”, a empresa inaugura, em 1967, sua unidade de Goiânia, capital de Goiás. Depois vieram as filiais de Uberlândia/MG, Maringá/PR, Cuiabá/MT, Porto Alegre/RS, Recife/PE, Salvador/BA, Rio de Janeiro/RJ, Belo Horizonte/MG e Fortaleza/CE, além de novas instalações na Marginal Pinheiros e na Rua 25 de Março, ambas em São Paulo. Tinha, como fornecedores, empresas como Hering, Coteminas, Santista, Vicunha e Cia Cedro Cachoeira. Eram grandes distribuidores de tecidos e chegaram a ter mais de 50 mil clientes em sua carteira. Em 1955, Ragueb passou o comando de seus negócios aos filhos Lourenço e Raul. Faleceu no dia 15 de outubro de 1983, aos 91 anos de idade, mas seu exemplo de honra e caráter foi passado para os filhos e netos, que mantiveram isso nos negócios. Mas o tempo e a concorrência internacional foram inclementes com a companhia fundada por Ragueb Chohfi. O início dos anos 90, que marcou o começo da globalização da economia e a abertura do mercado interno para os produtos estrangeiros, fez com que a empresa

Além do Monumento à Amizade Sírio-Libanesa, a praça Ragueb Chohfi, na página anterior, também exibe o busto em bronze do comerciante, que foi um dos pioneiros da região. Outra homenagem está no bairro de São Mateus, na zona leste de São Paulo, onde há uma avenida que leva o nome do imigrante sírio que também ajudou a fazer a história de toda a cidade.

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amargasse grande prejuízo. Embora trabalhando e esperando melhorias no setor, mas sem poder competir com juros altos, forte inadimplência, inúmeros pacotes econômicos, contrabando desenfreado e concorrência desleal, a Ragueb Chohfi, aos poucos, foi se desmobilizando para honrar compromissos. Começaram a vender os ativos imobiliários, além de parte do patrimônio pessoal dos sócios, para cobrir todo o prejuízo gerado na operação da empresa. A Cia. Têxtil Ragueb Chohfi chegou a ser considerada a maior atacadista no ramo de tecidos, mantendo-se, por muitos anos, em primeiro


Festa de aniversário com colaboradores e fornecedores

Quando o pouco é muito No tempo de Ragueb Chohfi muitos negócios foram fechados no fio da barba, na base da confiança e, claro, muitos deles entraram para o imaginário das pessoas que conviveram com ele. Alguns “causos” podem ter sido verdade, mas outros podem ter beirado o campo do exagero. O que nunca se saberá, ao certo, que história pode ser colocada de uma ou outra forma. Esta é contada por amigos

dele. Dizem que em uma reunião no Club Homs – local onde se fecharam muitos negócios na colônia –, Ragueb e um grupo de amigos recebiam uma comitiva de empresários do Rio Grande do Sul que viera fazer negócios em São Paulo. Um desses empresários, que já conhecia Ragueb de nome, propôs um negócio para ele: que vendesse, em sua loja na Rua 25 de março, peças que ele fabricava. Ragueb, percebendo que ali poderia haver uma boa oportunidade, disse que aceitaria o negócio, mas que precisaria de uma peque-

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na amostra para conhecer o produto e testar no mercado. Mas aí residiu a grande diferença. A pequena amostra que Ragueb pediu foi de 400 peças, coisa ínfima para o comerciante. Mas a realidade era outra para o fabricante. Ele não tinha a menor condição de fabricar aquele montante, pois para ele a produção desse total nunca seria considerada uma “pequena amostra”. Ele não estava aparelhado para isso e não poderia honrar o pedido. O negócio não foi feito, mas Ragueb até tentou ajudar o moço.


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lugar no setor. Lourenço continuou no ramo têxtil até 1998 – a empresa encerrou as atividades no ano de 2000 –, quando decidiu atuar no setor imobiliário junto com os irmãos.

Mais que um negociante, um benemérito

Ragueb Chohfi não se destacou somente como comerciante e homem de negócios. Ele atuou intensamente na comunidade como benemérito em obras sociais e representante da coletividade em entidades, clubes e associações empresariais. Foi presidente por três gestões, de 1966 a 1974, da Câmara de Comércio Sírio-Brasileira, atual Câmara de Comércio Árabe-Brasileira. No cargo, foi responsável pela aquisição da atual sede da entidade e deu maior ênfase ao comércio dos países árabes com o Brasil, aumentando substancialmente o regime de troca entre as nações. Foi fundador do Club Homs, tendo feito inúmeras doações à entidade.

Também foi fundador do Esporte Clube Sírio e colaborou com a compra da atual sede, no bairro de Indianópolis. Foi conselheiro vitalício do Lar Beneficente Sírio (atual Lar Sírio Pró-Infância) e conselheiro administrativo da Igreja Ortodoxa de São Paulo, dando apoio à construção da catedral. Participou ativamente da construção do Hospital do Coração e do Hospital Sírio-Libanês, fazendo donativos e participando de campanhas para a conclusão das obras. Seus filhos também continuaram com essa conduta. O primogênito de Ragueb, Lourenço, afirma que o exemplo do pai serve como guia. Ele cita uma frase dita pelo pai quando ele ainda era jovem e que se mantém com a mesma força da época em que foi dita: “A pessoa só poderá vencer na vida com trabalho, honestidade e agradecimento a Deus, porque Ele nos deu muito mais do que merecemos. Portanto, devemos olhar sempre em frente com otimismo”.

Quem o conhecia dizia que, no meio dos enormes fardos de tecidos amontoados uns sobre os outros, ele mais parecia uma criança ou um comandante feliz por estar entre seus soldados

A fachada da loja filial, na cidade de Porto Alegre - RS. Na foto aparecem Ragueb e seu filho Lourenço

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Neta de imigrantes De minha avó paterna, Henriette Traugott, herdei o tipo físico, dizem que também a teimosia. Era uma alemã miudinha, nascida em Darmstad e que chegou aqui em 1892. Lecionou francês em um internato para meninas, em Poços de Caldas (MG). Casou-se com Joaquim Inácio da Fonseca Saraiva, português de Veiga da Cumieira, perto de Vila Real, e para isto teve de abrir mão de sua nacionalidade germânica, de sua fé luterana e traduzir o nome para Henriqueta. Minha mãe é filha de libaneses de Zahle, Selem e Nazira Carone. Se hoje é comum a união de uma patrícia com um barasili, na época do casamento de meus pais não era. Meu pai, Jorge Saraiva, foi levado à casa de minha avó materna pelas mãos de seu grande amigo Juvenal Sayon e de Eduardo Rizk, então noivo de minha tia Sálua, para aprender a jogar bridge, que era o que lá se fazia três noites por semana. Naquele tempo não existia namoro e, de repente, depois de um ano de bridge, meu pai pediu minha mãe em casamento. Simplesmente minha avó, que já era viúva, não sabia o que fazer: ensinar bridge era uma coisa, casar fora da colônia era outra. Consentia ou não? Durante quinze longos dias, meu pai ficou aguardando a resposta. Minha avó morava na Praça Osvaldo Cruz e todo fim de tarde, ele dava voltas na praça, enquanto minha mãe ficava na janela. E minha avó não se decidia. Ele então recorreu a outro amigo patrício, Nicolau Tuma, que finalmente conseguiu convencê-la. Talvez minha avó temesse que meu pai afastasse minha mãe do convívio com os seus. Mas se deu o contrário. Ele se integrou perfeitamente na colônia e, em 1948, entrou sócio do CAML. Quando minha mãe nasceu, minha avó pediu a meu avô que lhe pusesse o nome de Olga — conforme ela, um nome de princesa. Meu avô fez o registro e entregou a certidão para minha avó que, não sabendo ler em português, a dobrou e guardou. Ninguém nunca soube o que aconteceu (acho que tampouco meu avô sabia ler em português), só que na hora de preparar os papéis do

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Leila Saraiva Fajuri Editora Chefe

casamento, se descobriu que minha mãe, que a vida inteira havia sido Olga, tinha sido registrada como Amélia. Meu pai conversou com o Juiz de Paz, que no nome de casada incluiu o Olga, e ela ficou sendo Amélia Olga. Mas falando ainda em casamento, vou falar sobre o de meus avós. Com apenas dezesseis anos, Selem veio na primeira leva de libaneses, praticamente só homens, para ‘fazer a América’. Foi mascate e depois abriu uma lojinha na 25. Fez amizade com um italiano que vendia bananas, na loja ao lado. Os dois pensavam em casar mas, como afirmava o vizinho, “Estes brasileiros não dão as filhas para se casar conosco. Eu mandei buscar uma noiva na Itália. Peça para sua gente lhe mandar uma”. Realmente, no fim do século XIX as famílias brasileiras tinham um grande preconceito em relação aos imigrantes. Meu avô pensava no assunto, quando chegou a noiva do italiano — assustadoramente feia. Temeroso de que lhe mandassem uma assim, resolveu voltar. Vendeu a loja e retornou ao Líbano. O pouco dinheiro que levou daqui, em Zahle, era muito. Construiu uma casa e começou a procurar uma noiva. Viu Nazira de longe, na igreja, e se apaixonou. Logo a pediu em casamento. Meus avós se casaram, tiveram dois filhos, mas Selem não agüentou a vida sem perspectivas do Líbano e voltou para cá, no começo do século XX. Minha mãe foi a terceira filha, a primeira a nascer aqui, em 1904. Mas por que estou abordando aqui esses pequenos “causos”? Porque são dessas curtas histórias que é feita a nossa história, e é dessa mistura de tantos povos que é feito o nosso povo. E é aonde reside a nossa garantia. A garantia de saber que no futuro não estaremos divididos em facções étnicas ou religiosas, se antagonizando. Que maravilha termos a liberdade de cultuar nossas origens, mas sempre inseridos nesse contexto maior que é a pátria brasileira. A alegria de dançarmos dabke e samba, de comer tabuli e feijoada, além de macarronada, sushi, bacalhoada e tudo de bom que o mundo tem para nos oferecer.


ASSAD ABDALLA

Assad Abdalla: Arriscando no desconhecido

fotos: arquivo pessoal/clรกudio cammarota

Ao realizar o desejo de construir uma vida nova no Brasil, provou que a coragem pode transformar o homem POR MARIANA FERRARI

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“A

visão nasce com o indivíduo. Alguns a têm e outros simplesmente não a enxergam” (1). Assad Abdalla sabia que tinha essa visão e mostrou ao mundo que era um homem sem medo de arriscar. E sua coragem rendeu frutos em uma história de sucesso. O ponto inicial foi 1870. Após 20 anos do casamento de Abdalla Haddad e Zahra Salem, nasceu Assad Abdalla, o quinto de seis filhos (Mariam, Jorge, Tacla, Kalil e Assma). Se ele tivesse seguido a nomenclatura familiar, usaria na assinatura o sobrenome Haddad (que, em árabe, significa ferreiro). Mas não o fez e preferiu adotar o nome do pai, Abdalla, para não ser confundido com outro homem, também chamado Assad Haddad, que terminou por ir à falência, em 1900. A personalidade forte, herdada do pai começava a aparecer desde cedo. O pequeno Assad tinha apenas 12 anos de idade e 1,58m de altura quando foi obrigado a largar o único ano de estudo para ajudar no sustento da família. O primeiro emprego foi de ajudante na padaria do próprio pai e, a partir daí, cada trabalho conquistado exigiu mais dedicação e esforço. Foi aprendiz de sapateiro e

tecelão, até que, com 15 anos de idade, decidiu procurar um serviço na obra em que seus outros dois irmãos trabalhavam. O problema era que Assad, além de muito novo, parecia ser fisicamente mais fraco que os irmãos, por ser mais baixo e ter ossos finos. E o trabalho exigia alguém forte, porque as construções em Homs, na Síria, eram de pedra e não de tijolos. O chefe da obra recusou o pedido de emprego, mas Assad insistiu, propondo ao empregador que se não acompanhasse o ritmo dos outros companheiros, não precisaria receber salário. Como não teria nada a perder e talvez ficasse até no lucro, o chefe mudou de idéia e contratou o adolescente. A rotina na obra fez com que Assad apreendesse a valorizar o tempo e o dinheiro. Com raciocínio rápido, passou a observar cada detalhe do serviço e logo começou a receber o pagamento que precisava para sustentar a família. E acabou dando-se muito bem no ramo: com 25 anos de idade já era feitor da prefeitura de Homs e proprietário de duas casas. Ele não estudou, mas era um engenheiro nato, e quando ocupou o cargo resolveu o problema do acúmulo de água nas ruas da cidade após as chuvas, trocando a vara de três meCHAMS BIOGRAFIAS 47

Assad tinha a visão do presente e também a do futuro. Por isso, trabalhou duro por toda a vida para deixar um legado a seus filhos e marcar seu nome na história do comércio e da indústria paulista e nacional

tros com que se media o desnível do chão, por um barbante com o dobro da extensão, dando o caimento certo para o escoamento das águas. Mas voltando aos seus 15 ou 16 anos, os invernos em Homs eram tão rigorosos que várias obras na cidade ficavam paralisadas neste período. Mas então como ganhar dinhei-


ASSAD ABDALLA

ro para ajudar nas despesas de casa neste período? Assad não poderia esperar o frio passar para só assim voltar a trabalhar. Por isso, juntando a necessidade à ambição, procurou serviços temporários em aldeias vizinhas. A cada pequeno trabalho feito, recebia cereais ou até animais como forma de pagamento e, para conseguir dinheiro, vendia este “salário” na cidade. Foi quando Assad descobriu seu grande tino comercial, iniciando-se a trajetória de conquistas daquele que seria um dos maiores comerciantes do Brasil. Em 1894, uma epidemia de Cólera se espalhou por todo o Oriente Médio, matando milhares de pessoas. Assad quase foi mais uma destas vítimas fatais. Ao contrair a doença, teve que ficar em casa, sob os cuidados do pai, Abdalla. Assad conseguiu se curar, mas em seguida seu pai contraiu a doença e morreu. Após a fatalidade, com as irmãs Tacla e Assma já casadas e com o sustento garantido, Assad decide transformar em realidade um desejo antigo: viajar para a América, apesar do orgulho que sentia de sua pátria e de seu povo. Como não conseguiu licença para a viagem, junto com seu primo Nagib Salem, buscou um caminho alternativo: de diligência, foram até Trípoli, e de lá embarcaram para Marselha, na França, até chegarem a Santos, o destino final. A viagem não foi nada confortável. Na terceira classe, dormiam em beliches nos fundos do navio com pessoas que enjoavam e vomitavam ali mesmo. Discretamente, ele subia e dormia no convés.

PERSISTÊNCIA

Em 1895, a região da Rua 25 de Março, em São Paulo, abrigava a maior parte dos imigrantes sírios. Mas quem pensa que a vida deles logo que chegavam ao Brasil era fácil, engana-se. Como geralmente não conheciam o ofício do comércio e muito menos sabiam falar o português,

OS PROVÉRBIOS Na memória de Assad, existiam mais de 2500 provérbios e sempre havia pelo menos um que poderia ser aplicado a cada situação do dia-a-dia. Sobre o trabalho: “Deus abençoa o trabalho completo, mesmo que ele seja de graça.” Sobre o tempo e o dinheiro: “Para cada centavo conquistado, gasta-se uma tonelada de cérebro.” Sobre a humildade: “Satisfaça-se com o pouco, que muito virá em seguida.” Sobre a caridade: “Se acreditas que já fizeste tudo o que poderias fazer, então és um escravo sem trabalho.” Sobre o companheirismo: “Procure o companheiro, antes do caminho.” Sobre a educação: “O homem morre e não termina seu aprendizado.” Sobre a amizade: “O amigo certo é para as horas incertas.” Sobre o dinheiro: Sobre tua cabeça, o dinheiro te afunda sob teus pés, te levanta.

aceitavam qualquer tipo de emprego braçal que aparecesse para ganhar algum dinheiro ou iam ser mascates. No início da vida longe da Síria, Assad e Salem carregavam caixas pesadas nas costas e debaixo dos braços, praticamente o dia todo. Ainda de madrugada, partiam a pé da Rua 25 de Março e andavam quase sete quilômetros até o bairro da Penha, mascateando. Segundo lembranças de Nagib Salem, retiradas da apostila com o depoimento de Nabih Assad Abdalla, “Assad e eu sentávamos de manhã cedo na guia, encostávamos a caixa no chão e comíamos pão com banana, enquanto esperávamos o raiar do sol, pois as freguesas ainda estavam dormindo. Assad preferia trabalhar CHAMS BIOGRAFIAS 48

em dias de chuva, quando muitos mascates desistiam de sair a pé pela cidade e, assim, com menos concorrência, conseguia aumentar as vendas e ganhar mais dinheiro. Ele dizia que a preguiça traz a pobreza e o trabalho com afinco traz a riqueza” (1). Muitos imigrantes não aguentaram a rotina pesada e voltaram à terra natal. Mas Assad teve mais paciência. Via no sucesso de outros imigrantes que prosperaram com grandes lojas a esperança de também ter o seu momento. Por isso, aprendeu o português e resolveu ficar no Brasil. E a insistência deu certo. Poucos meses depois de chegar a São Paulo, ele e Nagib já trabalhavam por conta própria.


Assad Abdalla comprou o terreno próximo à Avenida Celso Garcia, entre 1913 e 1914, onde mais tarde seria criado por ele aos poucos o Parque São Jorge, vendido ao Sport Club Corinthians Paulista. Ao lado, a planta original do local e o documento de venda para o Corinthians

A PRIMEIRA SOCIEDADE

Após economizar dinheiro com anos de trabalho, Assad se associou aos parentes Nagib Salem, Nagib Haddad e Salim Salomão para criar a firma Assad Abdalla & Cia. Os quatro sócios montaram duas lojas, uma na Rua 25 de Março e outra na atual Ladeira General Carneiro. No início, elas forneciam mercadorias, principalmente aos mascates recém-chegados ao Brasil, e o serviço ia até altas horas da noite, porque os vendedores voltavam tarde do expediente. Com o tempo, as lojas passaram a comercializar tecidos e, aos poucos, o sonho do progresso começava a se concretizar.

UM DESACORDO E UMA NOVA RAZÃO SOCIAL

Assad foi um homem que sempre deu o valor justo a todo dinheiro que ganhou e fazia questão de ensinar isso à esposa Corgie e aos filhos. Desde 1906, guardava anualmente metade dos lucros que tinha e aplicava o valor em imóveis. Para isso, calculava muito bem pagamentos e

despesas com alfândega (já que também importava mercadorias) e costumava acertar as contas pendentes em dia. Mas, certa vez, não encontrou o dinheiro que imaginava achar no cofre da empresa. A suspeita de roubo logo foi deixada de lado com a revelação de Nagib Salem: ele havia emprestado a quantia, separada em uma conta da firma, ao cunhado, que precisou de ajuda para não falir. Assad ficou chateado, só que mais aborrecidos ainda ficaram os outros dois sócios, que sugeriram a expulsão de Nagib Salem da sociedade. Como isso não aconteceu, eles passaram a pressionar e a cobrar cada vez mais exigências de Assad. Queriam, por exemplo, ficar apenas com os créditos de curto prazo e com as dívidas de longo prazo. Para evitar a destruição do nome da empresa, Assad cedeu a todos os pedidos de Nagib Haddad e Salim, mas fez questão de manter a sociedade com Nagib Salem. Contudo, após certo tempo, Assad decidiu terminar o negócio com Nagib Haddad e Salim. A separação dividiu a Assad Abdalla & Cia. em CHAMS BIOGRAFIAS 49

dois grupos. Nagib Haddad e Salim ficaram com a loja na Rua 25 de Março, enquanto Assad e Nagib Salem ocuparam o imóvel na Ladeira General Carneiro, com um novo nome: Assad Abdalla & Nagib Salem.

ENFRENTANDO AS TURBULÊNCIAS

A situação confortável que Assad vivia antes da briga pareceu ter acabado. Logo após o racha, o prédio da Ladeira General Carneiro, após aguaceiros torrenciais, ameaçou desmoronar e a prefeitura interditou o local. As mercadorias foram retiradas do prédio e transferidas para uma antiga loja de bananas na Rua 25 de Março, comprada por Assad para estocar todo o material. Muitos produtos se estragaram, mas o clima de reconstrução pós-chuvas fez com que tudo o que estava no depósito, inclusive as bananas, fosse vendido. Assim, o estoque pôde ser renovado e a empresa voltou a crescer. Os antigos sócios, aliviados com a separação, passaram a se preocupar com o novo concorrente (mas velho conhecido).


ASSAD ABDALLA

Acima Assad & Corgie Abdalla com os filhos Ernesto e Nabiha (sentados) e Wagiha, Josephina, Malvina, Wagih, Helena, Rosa e Nabih (em pé). Ao lado, a família anos mais tarde

[...] com 25 anos de idade já era feitor da prefeitura de Homs e proprietário de duas casas. Ele não estudou, mas era um engenheiro nato, e quando ocupou o cargo resolveu o problema do acúmulo de água nas ruas da cidade após as chuvas

A Assad Abdalla & Nagib Salem expandiu os horizontes comerciais. Além de vender produtos a mascates da cidade, começou a fechar negócios com clientes do interior. Isso em uma época na qual São Paulo ainda não era o principal centro de comércio do País, mas sim o Rio de Janeiro. Observando esse panorama brasileiro, Assad passou a viajar constantemente para a então capital do País a fim de comprar mercadorias nacionais e importadas, enquanto Nagib Salem cuidava da loja. A idéia de ir ao Rio foi um sucesso pois, desta forma, ele podia comprar e vender mais barato. Apesar de estar no comando de uma empresa, Assad valorizava cada centavo. Embarcava à noite no trem, dormia sentado (para economizar dinheiro com duas possíveis estadias) e voltava no dia seguinte, também de trem. Assad Abdalla CHAMS BIOGRAFIAS 50

também percebeu que muitos clientes atrasavam os pagamentos por causa de dívidas e decidiu virar credor de alguns deles e até de bancos. Entre 1908 e 1912, Assad arriscou fazer três viagens à Europa — sem saber falar praticamente nada em inglês, francês ou alemão — para abastecer a loja com mercadorias estrangeiras, vindas principalmente da Inglaterra (tecidos de algodão e lã, além de ferragens), da Alemanha (instrumentos de corte) e da França (tecidos e armarinhos). Mas os principais produtos da Assad Abdalla & Nagib Salem eram as roupas brancas e pretas, já que na época muito homens ficavam viúvos após partos difíceis de suas esposas, além do algodãozinho cru, que era distribuído para todo o Brasil com a marca 141. São Paulo só se tornou o centro comercial do País após a 1ª Guerra


Sentados: Corgie Abdalla, Helena Abdalla Haddad, Nabiha Abdalla Chohfi, Josephina Abdalla Abras, Assad Abdalla. Em pé: Wagiha Abdalla Abras, Nabih Assad Abdalla, Malvina Abdalla Dabus, Wagih Assad Abdalla, Rosa Abdalla Abdalla, Odete Abdalla Zarzur e Ernesto Assad Abdalla

Mundial e, principalmente, com a Revolução de 1932. Antes disso, dificilmente um freguês deixaria de comprar suas mercadorias no Rio de Janeiro, que era muito forte em tecidos, para ir a São Paulo. Mas em 1932, com a queda do câmbio e com o salto industrial, São Paulo conquistou espaço firme no comércio. A cidade era uma das poucas que conseguia reunir diversos tipos de indústrias em um só lugar, ao contrário de vários países do mundo, como a Inglaterra (que tinha regiões especializadas na produção de certos tipos de produtos).

ASSOCIANDO-SE AOS FILHOS

E foi também neste ano de 1932, paralelo ao crescimento de São Paulo, que Assad terminou a sociedade com Nagib Salem e começou outra, primeiro com os filhos Nabih e Wagih e, mais

tarde, também com o filho Ernesto. Desta forma, a Assad Abdalla & Nagib Salem virou Assad Abdalla & Filhos. A vontade de crescer não tinha fim. Quatro anos depois da sociedade com os filhos, Assad decidiu expandir os negócios para além das vendas e passou a produzir tecidos em uma nova fábrica em Salto, cidade do interior paulista. A Fiação e Tecelagem Salto cresceu tanto que, em 1940, a família deu vida a outra fábrica, instalada no bairro do Tatuapé, em São Paulo. O novo projeto garantiu mais lucros e o sucesso foi tão rápido que, dois anos depois, esta fábrica mudou de estrutura e se transformou na Têxtil Assad Abdalla S.A. Assad tinha a visão do presente e também a do futuro. Por isso, trabalhou duro por toda a vida para deixar um legado a seus filhos e marcar seu nome na história do comércio e da inCHAMS BIOGRAFIAS 51

dústria paulista e nacional. Em 1946, compraram a Cia. Fluminense de Tecidos em Niterói, no Rio de Janeiro. A partir daí, Assad começou lentamente a transferir o comando dos negócios aos filhos, que já estavam preparados para assumir tamanha responsabilidade, e passou a se dedicar a projetos filantrópicos em São Paulo. Assad Abdalla faleceu em 1950, aos 80 anos de idade, mas legou a seus sucessores sua experiência e conhecimentos técnicos de uma vida dedicada ao trabalho. Os filhos continuaram expandindo os negócios da família: em 1951, fundaram a Indústria York S.A. de Produtos Cirúrgicos; em 1956, compraram a Plásticos York; em 1977, uniram a Têxtil Assad Abdalla S.A com as duas empresas York, criando o grupo conhecido como York S.A. Indústria e Comércio. Em 1990, o complexo York foi dividido em duas sedes


ASSAD ABDALLA

Assad & Corgie Abdalla, que se conheceram após o casamento de Nagib Salem, quando Assad convenceu seu avô a enviar a jovem junto com sua irmã, Nahdi

– uma em São Paulo, produzindo itens de saúde e higiene, e outra de artigos plásticos em Salto, ocupando o lugar da fábrica de tecidos da família, que foi desativada no mesmo ano. A cada conquista, a lembrança dos conselhos de Assad era fundamental para um bom negócio: “Dê o seu trigo ao padeiro,

mesmo que ele roube a metade, pois a outra metade volta boa. Enquanto que se entregares a um não padeiro, estragarás a partida toda” (1).

UMA FAMÍLIA SÍRIOBRASILEIRA

Mesmo tendo tirado o sobrenoCHAMS BIOGRAFIAS 52

me Haddad de sua assinatura, ele voltou a fazer parte do destino de Assad Abdalla já que em 1903, se casou com a prima Corgie Ibrahim Haddad. Mas estas famílias Haddad, apesar do nome idêntico, eram bem diferentes. Os familiares do lado de Assad eram mais conservadores:


não bebiam, fumavam ou jogavam, além de abaixarem os olhos quando as mulheres falavam, em sinal de respeito. Já os da parte de Corgie, segundo Nabih Assad Abdalla (filho do casal), eram “ferreiros de profissão e por tradição”: bebiam, dançavam, jogavam gamão (taule) e eram pacíficos e serenos (1). Assad e Corgie se conheceram após o casamento de Nagib Salem. Quando voltou da Síria para o Brasil, Nagib comentou com Assad, que na época também pensava em se casar, sobre Corgie e a irmã dela, Nahdi. Interessado em conhecê-las, Assad conseguiu convencer o avô a mandar as duas jovens para o Brasil e se casou pouco tempo depois. Assad era um homem muito educado e religioso, tendo até pensado em ser padre. Só que, com o tempo, acabou abandonando a idéia do seminário. Mas a educação dos filhos seguiu esta linha religiosa e conservadora. Até hoje, nenhum deles fuma. Assad pensava e dizia à família que a esposa deveria ficar com as tarefas domésticas ou trabalhar com costura e que os filhos tinham que estudar. Ele acreditava que “deixar como herança aos filhos a riqueza do saber é bem melhor do que lhes deixar a fortuna do dinheiro, porque as fortunas passam, mas o saber permanece”(2). Nabih gostava muito de ler romances, como os do detetive Sherlock Holmes, mas precisava fazer isso escondido, porque o pai achava este tipo de leitura uma forma de perder tempo. A solução que Nabih encontrou para comprar os livros foi trabalhar na loja de tecidos do pai e economizar o dinheiro que ganhava. Depois das viagens que realizou à Europa, Assad mandou os filhos estudarem na Inglaterra. No início do casamento, o casal vivia no andar superior da loja, na Ladeira General Carneiro (antiga Ladeira João Alfredo) e dormiam e acordavam cedo para trabalhar,

A CORAGEM E O ESPÍRITO DE LUTA FAZEM PARTE DO DNA FAMILIAR Assad Abdalla nasceu com a coragem no sangue. Isso porque o pai, Abdalla Haddad, era um homem que enfrentava as injustiças sem medo, mesmo que elas não tivessem nada a ver com ele. Certa vez, uma história curiosa aconteceu com Abdalla Haddad no mercado de melancias. Ele viu dois homens baterem em outro, que não tinha condições de se defender. Mesmo com 70 anos de idade, Abdalla interferiu na briga e surrou os dois agressores que fugiram. O episódio poderia ter acabado aqui, mas não foi o que aconteceu. Após a luta, a dupla ainda registrou queixa e Abdalla Haddad teve que comparecer a um julgamento. Ao ver os envolvidos, o juiz declarou aos dois agressores: “Vocês apanham de um ancião como este e ainda têm a coragem de prestar queixa? Saiam já daqui” (1). Das irmãs Mariam, Tacla e Assma temos três histórias para contar. Mariam e as galinhas Certa vez, durante o jantar, Mariam ouviu um barulho vindo do galinheiro da chácara em que morava. Como algumas galinhas já tinham sido roubadas antes, Assad, que também jantava na casa, correu para buscar uma espingarda. Mas Mariam, sem esperar o retorno do irmão, pegou um pau de escova e saiu sozinha no meio da noite para procurar os invasores, que fugiram assustados com o barulho. Tacla e a cigana Quando tinha 12 anos de idade, Tacla viu uma cigana desconhecida entrar na casa em que viviam e tentar sequestrar a irmã Assma, que ainda era pequena. Antes que o rapto acontecesse, Tacla correu e mordeu o seio da cigana, até que esta caísse no chão e fosse presa. Assma e o financiamento Assma e o marido tinham seis armazéns no bairro da Penha. Para a construção destas lojas, ele pediu um financiamento a uma empresa francesa. Mas com a desvalorização crescente da moeda brasileira, cada prestação aumentava em mil réis e o casal não teve mais condições de pagar o empréstimo. Por isso, os armazéns foram a leilão. Assad participou e arrematou os imóveis. Assim, Assma passou a trabalhar com Assad e, com muitos anos de esforço, conseguiu pagar o saldo da dívida.

diferentemente dos vizinhos portugueses. Assad contou a Nabih uma vez que “ao fechar as venezianas para dormir, lá pelas nove horas da noite, dois portugueses estavam conversando embaixo de um lampião de gás e CHAMS BIOGRAFIAS 53

na madrugada seguinte, ao abrir a veneziana, lá estavam os dois falando.” Por isso, Assad costumava dizer: “nunca dê corda a um português, porque ele não pára de falar” (1). O primeiro imóvel que o casal


ASSAD ABDALLA

alugou ficava na Rua São Caetano e tinha um estilo oriental. Mas a casa também abrigou outro integrante: Zahra Salem, a mãe de Assad, que havia chegado da Síria recentemente e que adorava fazer passeios com o casal. Quando Assad ficou sabendo do desejo que Zahra tinha de conhecer Jerusalém, fez questão de economizar dinheiro para levá-la até lá. Conseguiu a quantia e acompanhou a mãe na jornada, comprando um jumento para que ela realizasse os trajetos de forma confortável, enquanto ele fazia o mesmo caminho a pé. Corgie trabalhava em casa, também com tecidos, além das tarefas domésticas. Com amostras e retalhos trazidos da empresa por Assad, ela costurava babadores e aventais e depois os vendia. Em 1904, com um ano de casamento, nasceu Nabiha, a primeira filha do casal que, pouco tempo depois, morreu vítima de coqueluche. Mas, no ano seguinte, Assad e Corgie tiveram outra menina, também chamada Nabiha e, na sequência, mais nove filhos: Nabih, Wagih, Wagiha, Josephina, Malvina, Helena, Rosa, Ernesto e Odette.

“PRETENDES COMPRAR O BRASIL TODO?”

Esta era a pergunta que Nagib Salem fazia a Assad. A vontade de investir cada vez mais em imóveis parecia ser infinita. Em 1906, seguindo a regra de deixar metade do lucro anual para a loja e o resto no fundo de reserva, Assad comprou a primeira casa na Rua S. Lázaro, travessa da Rua São Caetano. Seis anos depois, conseguiu comprar o primeiro dos locais que, mais tarde, formariam a atual região do Parque São Jorge. Esta aquisição foi uma chácara de portugueses, que englobava o terreno que ia desde a Avenida Celso Garcia até o Rio Tietê. O espaço era simples: possuía apenas uma casa rústica, um galinheiro e algumas plantas.

Depois da chácara, Assad e Nagib compraram aproximadamente mais um milhão de metros quadrados de terreno, entre 1913 e 1914, também na região da Avenida Celso Garcia. Em uma parte dessa área, Assad plantou inúmeros pés de frutas, mas como os sócios não entendiam bem o negócio, os alimentos eram frequentemente roubados. Isso fez com que Assad decidisse abrir várias ruas nesse terreno, sendo a Rua Síria a principal delas. Desta forma, aos poucos, o Parque São Jorge estava sendo criado. Nele também foram construídos um lago, uma venda de comidas (com sanduíches e doces), uma praça esportiva (cujo terreno quase foi oferecido ao Esporte Clube Sírio, mas acabou vendido ao Es-

porte Clube Corinthians Paulista) e duas quadras. E, a partir daí, outras casas e lojas foram sendo compradas e construídas, ano após ano.

A RELIGIÃO POR TRÁS DE UM HOMEM DE SUCESSO

Assad Abdalla era um homem que conhecia muito bem várias passagens da Bíblia. Ele chegou a decorar histórias e provérbios de Jesus Cristo e dos apóstolos. Mas o mais interessante de tudo era que Assad tinha prazer em dividir esta sabedoria com a família, os amigos e até com os clientes. Periodicamente, convidava algumas pessoas a participar de uma roda de leitura de versículos da Bíblia e do Evangelho, na loja em São Paulo.

O QUE FALAM SOBRE ASSAD ABDALLA Abdulmassih Haddad, cunhado: “Assad Abdalla está entre os melhores homens de Deus e é merecedor de suas bênçãos, aqui e em toda a eternidade”(2) Nabih Assad Abdalla, filho: “Pai! Devo-lhe toda a minha gratidão por gastar com meus estudos na Inglaterra, privando-se, sem se importar, de coisas suas. Esta mão que me estendeu supera todas as fortunas, levando-me a reconhecer seu oferecimento para sempre”(1) Bispo Dom Ignácio Harika, grande amigo: “Assad Abdalla foi um dos maiores orgulhos de Homs e o maior benfeitor que já existiu em terras de imigração. Frequentemente, ele repetia esses versículos sagrados: ‘o que o homem não pode fazer, Deus o faz’. Ele acreditava que graças a sua fé em Deus e a sua autoconfiança poderia desempenhar os mais importantes trabalhos e até mesmo mover montanhas”(2) Jornal “Al Saeh”, em Nova York: “Assad Abdalla adotou a caridade como se fosse uma Constituição. Prosseguiu incentivando projetos da colônia síria, as fundações educacionais, filantrópicas, religiosas e sociais com uma verdadeira cascata de doações monetárias e, em alguns casos, com sua simpatia e carinho”(2) Salua Salemi Atlas, na festa de inauguração da ala “Assad Abdalla” no Orfanato Sírio: “Enquanto alguém fica feliz com o poder e a fortuna, Assad fica mais feliz com o gasto do dinheiro em benemerência”.(2)

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UM HOMEM BOM

O comércio e a família não eram as únicas preocupações na vida de Assad e Corgie. Os dois também se interessavam muito em ajudar as pessoas e, por conta disso, foram homenageados pelos filhos, em 1977, com a criação da Associação Comendador Assad Abdalla e Corgie Haddad Abdalla. Durante a vida no Brasil, o casal participou de várias obras e projetos beneficentes, porque, para Assad, o dinheiro só tinha valor se agregasse honestidade, verdade, honra e filantropia. Fez um número enorme de doações, e a comunidade sentia sua bondade sincera, sem intenções de aparecer ou de ganhar fama. Além de doar, em 1942, um avião para o treinamento de jovens pilotos ao Clube Civil de Aviação de Belo Horizonte, ele integrou projetos da comunidade síria no Brasil e foi reconhecido por ela como o Patriarca da Imigração Síria. Mas, também com muita humildade, respondia a todos que o glorificavam demais: “não fiz nada e tudo o que peço a Deus é que prolongue minha vida para me possibilitar realizar os grandes projetos que minha alma deseja”. O pedido foi atendido e alguns desses projetos viraram realidade. Igreja Nossa Senhora Ortodoxa e Conselho da Comunidade Ortodoxa Em 1902, bem antes de se tornar um grande comerciante, Assad Abdalla fez a primeira contribuição para a construção da primeira igreja ortodoxa de rito antioquino no Brasil, a Igreja Ortodoxa Antioquina da Anunciação à Nossa Senhora. Na época, comprou 50 ações, que somavam o valor equivalente a um décimo do capital dele. Por conta disso, também chegou a ser membro e presidente do Conselho da Comunidade Ortodoxa. Catedral Ortodoxa de São Paulo Em 1933, Assad Abdalla começou a realizar o sonho de construir

Diploma oferecido pelo governo da República Árabe Síria em Damasco à viúva de Assad Abdalla, Corgie, dia 14 de agosto de 1956. O texto do diploma mostra o hino nacional sírio escrito em árabe e francês. [Segundo tradução de Padre Ibrahim, da Catedral Ortodoxa]

uma Catedral Ortodoxa em São Paulo e pedia constantemente a Deus que o deixasse vivo para ver a obra pronta. Para isso doou mais de seis milhões de cruzeiros. As filhas Wagiha e Josephina cederam lustres à Catedral e o filho Ernesto, o relógio. Muitas pessoas ficaram com medo dessa obra, porque o projeto dela era muito grandioso. Mas Assad não desistiu do desejo e ainda fundou a Fraternidade Ortodoxa de São Paulo Apóstolo, entidade que CHAMS BIOGRAFIAS 55

deveria levar adiante o plano de construção da Catedral. Quando as obras finalmente começaram, sob o comando do engenheiro Paulo Taufik Camasmie, Assad se empenhou bastante: não se atrasava ou faltava e acompanhava o trabalho dos operários de perto, tudo isso durante os dez anos de construção. Nessa época, as igrejas no Brasil costumavam realizar missas às 8h da manhã. Assim que foi possível, a Catedral ainda em obras fazia suas


ASSAD ABDALLA

Primeira Cautela da Têxtil Assad Abdalla

celebrações ao meio-dia, com uma hora de duração, aproveitando a pausa para o almoço dos pedreiros. Em 30 de maio de 1943, a Catedral foi inaugurada e, até hoje, além de ser uma das maiores catedrais ortodoxas do mundo, é um marco da cidade de São Paulo. Mas o local ainda recebeu outro presente. Em 1967, um belo iconostácio passou a decorar a Catedral. O painel em mármore, criado por artistas italianos, foi encomendado por Wagih e Sílvio (filho e neto de Assad, respectivamente) em uma viagem à Europa. A peça possui imagens sagradas baseadas na arquitetura bizantina de igrejas do rito ortodoxo, que foram feitas pelo pintor russo, residente no Brasil, Wladimir Krivutz. Sanatório Sírio Assad doou aproximadamente

300 contos de reis para a construção do Sanatório Sírio, em Campos do Jordão, São Paulo. Além deste valor, também fez contribuições constantes, até o fim da vida, à entidade. Club Homs Assad realizou dois grandes projetos: doou cerca de 100 contos de reis para a construção do Club Homs e, após a execução do prédio, ainda presenteou a instituição com muitas doações. Tamanha ajuda fez com que Assad fosse nomeado presidente honorário pela diretoria do Clube. Orfanato Sírio Em 1925, inaugurava-se o prédio do Orfanato Sírio, doado por Bechara Moherdáui. Neste dia, Assad ofereceu à entidade 20 contos em nome da esposa Corgie. E, CHAMS BIOGRAFIAS 56

a partir disso, as doações não pararam mais. Quatro anos depois, contribuiu com a construção de três casas, cujos aluguéis foram destinados ao Orfanato. Em 1935, levantou um prédio de dois andares no centro da entidade para a criação de salas de aula e salões de festas. Já em 1948, construiu outro prédio, no valor de 1200 contos, também de dois andares, para mais salas de aula e dormitórios. Esta foi a última obra no local, mas as doações à entidade eram constantes e, por conta de todo este empenho, Assad se tornou presidente honorário do Orfanato por 20 anos.

(1) Apostila com depoimento de Nabih Assad Abdalla (2) Assad Abdalla — sua obra e sua vida, de Jorge Haddad Debs e Chaker Al Debs


... a hospedaria (hoje Memorial do Imigrante), era apenas uma pausa no meio do caminho. Como um oรกsis, onde se recuperavam as forรงas para seguir em frente.


foto: sp turis/caio silveira | arte: wilson roberto santos


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