Proeja

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Caminhando com o PROEJA: reflex玫es, desafios, atitudes

ISSN 2317-6741 (digital) ISSN 2317-5559 (impressa) PROEJA

Macei贸

v. 1

n. 1

jan./jul. 2013


Ministério da Educação Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica Instituto Federal de Alagoas

Reitor Sérgio Teixeira Costa

Conselho Editorial Presidente Manoel Santos da Silva

Pró-Reitoria de Pesquisa e Inovação Carlos Henrique Almeida Alves

Secretária Eunícia Canuto

Pró-Reitoria de Desenvolvimento Institucional José Carlos Pessoa

Revisores de textos Maria Luciane da Silva Maria Lucilene da Silva

Pró-Reitoria de Extensão Altemir João Secco Pró-Reitoria de Ensino Luiz Henrique de Gouvêa Lemos

Revisores de Normas Técnicas Maria Lucilene da Silva Eunícia Canuto

Pró Reitoria de Administração e Planejamento Wellington Spencer Peixoto

Bibliotecária Eunícia Canuto Produtor Gráfico Gilton José Ferreira da Silva

C183

Caminhando com o PROEJA: reflexões, desafios e atitudes, v. 1, n. 1, jan./jul. 2013. Maceió: IFAL, 2013. Semestral ISSN 2317-5559 – Versão impressa ISSN 2317-6741 – Versão digital disponível em: http://kentron.ifal.edu.br/index.php/proeja 1.

Educação – Periódicos. I - Instituto Federal de Alagoas. II – Educação de Jovens e Adultos. CDD 374

1. Educação – Periódicos. I – Instituto Federal de Educação de Alagoas.

Instituto Federal de Alagoas – IFAL A/C do Conselho Editorial EDUCTE Rua Odilon Vasconcelos, 103 Jatiúca

CDD 374

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Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva dos autores, compilados e organizados por Lúcia Kozow e não expressam, necessariamente, a opinião do Conselho Editorial.


Conselho Editorial Manoel Santos da Silva (Presidente) Maria Luciane da Silva e Maria Lucilene da Silva (Revisores de Texto) Eunícia Canuto (Bibliotecária; Revisor de Normas Técnicas) Gilton José Ferreira da Silva (Diagramador)


Apresentação

É com grande satisfação que apresento a publicação denominada Caminhando com o PROEJA: reflexões, desafios e atitudes, que se traduz em uma coletânea que abriga temáticas bastante significativas envolvendo a Educação de Jovens e Adultos, o Ensino Médio e a Educação Profissional. Reúne artigos nos quais os autores e coautores entrelaçam experiências em sala de aula e resultados que advêm do processo de pesquisa. É importante que pessoas comprometidas com a Educação nos Institutos Federais, tornem visíveis as suas reflexões, desafiem-se e tomem atitudes em relação aos que fazem e aos que pesquisam, no caso específico, sobre o PROEJA, na tentativa de exporem os seus créditos ao referido Programa e a necessidade de superar a dicotomia entre os avanços pretendidos e a operacionalização em cada localidade onde o Programa acontece. Vale registrar que no Brasil, ainda, perdura a ausência de consciência da importância de cultura letrada e a educação como direito de todos, sejam eles crianças, jovens, adultos e idosos. Isso se constitui um grande desafio, para quem reflete e pretende tomar atitudes. Nesta coletânea, para maior compreensão do leitor, os artigos foram agrupados em dois blocos:

1 Foco nos sujeitos alunos ou ex-alunos: a) SANTOS, Maria Reny, de forma muito precisa, em um artigo denominado A concepção de índio no programa nacional de integração da educação profissional com a educação básica na modalidade de educação de jovens e adultos (PROEJA), ao fazer uma releitura documental, mostra como o índio é visto no PROEJA e, para tanto, aponta referências significativas para a integração da educação profissional e tecnológica e o ensino médio indígena. Para a autora, ainda há um longo caminho a ser percorrido, no que diz respeito à educação indígena, para que aconteça a efetiva inclusão desse público à educação. Nessa direção, a escritora diz ser um desafio, ainda, a implementação e democratização do acesso a uma educação de qualidade voltada às necessidades indígenas; b) O artigo de BIANCHINI, Maria et al trata da Contribuição do PROEJA em Hospedagem do Instituto Federal de Sergipe para o desenvolvimento profissional dos concluintes de 2010-2011. É um recorte de uma pesquisa empírica, exploratória, com os egressos do curso de Hospedagem realizado no IFS, campus de Aracaju, no sentido de analisar a concepção desses egressos sobre o


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referido curso, tendo em vista a formação e a condição laboral desses ex-alunos. Para os exestudantes a contribuição do curso foi, sobretudo, nos aspectos social e emocional, no que concerne à melhoria da autoestima, maior socialização, realização pessoal, sensação de conquista, dentre outros pontos. No entanto, o que diz respeito à formação profissional, deixou a desejar, pela falta de acesso dos participantes a laboratórios didáticos, transporte para o deslocamento de visitas técnicas aos estabelecimentos hoteleiros da localidade e a ausência de aulas práticas, suportes indispensáveis para a formação e condição laboral dos participantes do curso. Para a autora, essas são condições que faltam também em outros cursos do IFs; c) Na sequência, SANTOS, Maria do Socorro, apresenta um trabalho que tem como objetivo compreender as representações sociais dos alunos sobre a Psicologia e a sua importância na educação profissional, tendo como sujeitos os ingressantes do curso de Hospedagem ofertado pelo IFAL de Maceió (2009-2010). Trata-se, ainda, de um estudo inicial, no dizer da autora, em que “[...] foi possível identificar elementos constitutivos de uma representação social da Psicologia aplicada à educação profissional ancorados num processo de valorização pessoal e fortalecimento de uma certeza da continuidade de um sonho, o término do estudo”, para sujeitos que tiveram repetidas entradas e saídas na escola dita regular; d) SANTOS, Maria do Socorro et al, abordam um estudo que foi também caracterizado como inicial, denominado Educação profissional de jovens e adultos: um novo cenário nos Institutos Federais de Educação que versa sobre o perfil dos alunos do PROEJA, do curso de Hospedagem realizado no campus Marechal Deodoro, em Alagoas (2010-2011). Discute, também, as representações sociais desses alunos, que são predominantemente mulheres (artesãs, domésticas, atendentes, dentre outras ocupações), sobre as suas repetidas saídas e voltas aos estudos. Como resultado destacou que essas pessoas guardam, nas suas memórias, representações negativas por não ter concluído os estudos e, consequentemente, ter abandonado a escola precocemente, devido os afazeres domésticos, sejam como filhas, sejam como esposas; e) KOZOW, Lúcia nos dá conhecimento dos dados de uma pesquisa quantiqualitativa que realizou, também no IFAL, campus de Marechal Deodoro, com alunos matriculados no curso oferecido pelo PROEJA, no calendário acadêmico em 2011. A sua curiosidade epistemológica caminhou na direção de levantar que contribuições o referido Programa deixou para esses sujeitos. Em suas considerações finais, a autora enfatiza que a pesquisa apontou como contribuição mais significativa a inserção digital, tão necessária à formação do trabalhador no enfrentamento do mundo do trabalho.


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f) O trabalho de CAVALCANTI, Ricardo Jorge e OLIVEIRA, Cristiano intitulado: Pesquisa-ação com o relato pessoal na educação de jovens e adultos: reflexões para o ensino de língua materna analisa as atividades de prática de retextualização de alunos da educação de jovens e adultos, objetivando nos dizeres dos autores a captação de aspectos linguísticos, textuais e discursivos produzidos nas modalidades oral e escrita na elaboração do gênero textual e tomam ousadamente a pesquisa ação como metodologia de um projeto interventivo que desenvolveram com os sujeitos alunos dos cursos de Informática e Processamento de Alimentos no IFAL campus Satuba. Para os autores o resultado foi gratificante uma vez que permitiu aos sujeitos-alunos um avanço nas suas práticas de oralidade e de escrita, nas mais variadas esferas do gênero textual relato; g) WHITE, Marlúcia, no seu artigo comenta como os fenômenos linguísticos, refletem sobre as questões escritas dos alunos do PROEJA, no IF de Sergipe, tendo como base a sociolinguística. O estudo mostrou que os alunos têm uma relação instável com a linguagem, considerando a norma padrão, exigida pela escola e a variedade linguística usada nas suas comunidades de fala. Isso faz com que as suas escritas apresentem marcas de oralidade, oscilando na necessidade de se escrever dentro da linguagem padrão: h) EGITO, Niedja comenta sobre a metodologia do ensino da língua inglesa, no trabalho de sala da aula de um curso de Cozinha (2011), realizado no campus do IFAL, em Marechal Deodoro. Mostra o desafio de atuar com os sujeitos jovens e adultos, tentando fazer um trabalho diferenciado em sala de aula, quebrando os mitos e tomando atitudes, na busca de uma metodologia que melhor atendesse a realidade desses sujeitos. Para ela, o desafio permanece e ainda há um longo caminho no que se refere ao ensino da Língua Inglesa com os sujeitos da EJA.

2 Foco nos sujeitos professores: a) GOMES, Maria de Fátima Feitosa Amorim e GOMES, Quitéria Meire Mendonça Ataíde tiveram a preocupação de realizar um estudo correlacionando o perfil de formação dos professores que lecionam nos cursos técnicos oferecidos na modalidade PROEJA, ofertados pelo IFAL, em 04 campi dentre os 14, que compõem o referido IFAL, tendo como base a proposta de Rehen (2009). Nesse trabalho exaustivo os autores buscaram correlacionar formação acadêmica, em nível de graduação, com a unidade curricular lecionada por cada docente que foi objeto de estudo na busca da identificação da interatividade do conhecimento docente adquirido na formação acadêmica, com as competências necessárias à prática profissional do aluno. Sintetizando sobre o resultado da pesquisa, já que os detalhamentos do trabalho, o leitor terá no texto, ficou explícito que nem todos os docentes pesquisados possuem formação adequada às unidades curriculares que lecionavam à


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época, nos cursos oferecidos, o que no entendimento dos autores evidencia-se a necessidade de um Programa de Formação Continuada para os docentes, envolvidos no PROEJA; b) No artigo denominado PROEJA: prática docente diferenciada de KOZOW, Lúcia, ela reflete sobre a atuação e o papel do professor que assume o PROEJA, tendo como lócus o IFAL de Marechal Deodoro, nos cursos de Hospedagem e Cozinha. Um dos pontos destacados pela autora são os impasses que os docentes encontram diante do perfil dos sujeitos que procuram esses cursos. Esses sujeitos têm as suas especificidades e suas histórias de vida e de escolarização marcadas predominantemente pelas injustiças sociais, o que requer uma atuação diferenciada dos professores, em sala de aula, sendo necessário como afirma a autora que, esses profissionais reconheçam a importância de “inventar e reinventar a sua prática levando em consideração a bagagem trazida pelos alunos”. Fica, portanto, a provocação para a obrigatoriedade da leitura de todos os artigos que compõem esta publicação, pela suma importância das contribuições acadêmicas que integram esta obra científica.

Profa. Dra. Marinaide Freitas (CEDU/UFAL)



Sumário A CONCEPÇÃO DE ÍNDIO NO PROGRAMA NACIONAL DE INTEGRAÇÃO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL COM A EDUCAÇÀO BÁSICA NA MODALIDADE DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (PROEJA) 9

Maria Reny Gomes dos Santos

A CONTRIBUIÇÃO DO PROEJA EM HOSPEDAGEM DO INSTITUTO FEDERAL DE SERGIPE PARA O DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DOS CONCLUINTES 2010/2011 Ma. Ilka Maria Escaliante Bianchini, Luis Carlos Gonçalves, Ma. Queila Pahim da Silva

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A PSICOLOGIA E A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DE JOVENS E ADULTOS: REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DOS ALUNOS SOBRE A DISCIPLINA Maria do Socorro Ferreira dos Santos

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EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DE JOVENS E ADULTOS: UM NOVO CENÁRIO NOS INSTITUTOS FEDERAIS DE EDUCAÇÃO Maria do Socorro Ferreira dos Santos, Ivanice Borges Lemos, Iane Sampaio Moreira Lima, Magda Renata Marques Diniz, Patrícia Lins Arroxelas Galvão

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O PROEJA NO IFAL CAMPUS MARECHAL DEODORO: ESBOÇO DE UMA REALIDADE Lúcia Kozow

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A PESQUISA-AÇÃO COM O RELATO PESSOAL NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: REFLEXÕES PARA O ENSINO DE LÍNGUA MATERNA Ricardo Jorge de Sousa Cavalcanti, Cristiano Lessa de Oliveira

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A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA E A RELAÇÃO FALA-ESCRITA EM TEXTOS PRODUZIDOS POR ESTUDANTES DO PROEJA Marlúcia Alves Secundo Whit

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O ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA EM TURMAS DE EJA Niedja Balbino do Egito

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PERFIL DOS DOCENTES DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL TÉCNICA DO PROGRAMA DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS DO INSTITUTO FEDERAL DE ALAGOAS Maria de Fátima Feitosa Amorim Gomes, Quitéria Meire Mendonça Ataíde Gomes

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PROEJA: PRÁTICA DOCENTE DIFERENCIADA Lúcia Kozow

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A CONCEPÇÃO DE ÍNDIO NO PROGRAMA NACIONAL DE INTEGRAÇÃO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL COM A EDUCAÇÀO BÁSICA NA MODALIDADE DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (PROEJA)

Maria Reny Gomes dos Santos*

Resumo Este trabalho tem como objetivo mostrar como o índio é visto no contexto do PROEJA e fornecer alguns referenciais para a integração da educação profissional e tecnológica e a educação de ensino médio indígena. O programa foi instituído pelo Governo Federal e implica na retomada da discussão nacional em torno da oferta de cursos de ensino médio, integrados à formação profissional. Para tanto, utilizamos como referencial teórico, além dos documentos federais que rezam sobre o referido programa, os autores Frigotto (2007), Paredes (1997), Paiva (2004), dentre outros, mostrando que ainda há um amplo caminho a ser percorrido no que diz respeito a educação indígena em direção à inclusão efetiva deste público à educação. Palavras-chave: Educação profissional. PROEJA. Índio.

Abstract This paper aims to show how Indians are seen in the context of PROEJA and provide some benchmarks for the integration of vocational and technological education and indigenous education school. The program was established by the Federal Government and implies the resumption of the national discussion around offering high school courses, integrated vocational training. Therefore, we use as theoretical, in addition to federal documents who pray on the program, the authors Frigotto (2007), Walls (1997), Paiva (2004), among others, showing that there is a broad way to go in respect to indigenous education toward inclusion of this effective public education. Keywords: Vocational education. PROEJA. Indian.

*Cientista social – Professora IFAL


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Introdução Na educação brasileira a proposta para um ensino profissionalizante introduz uma série de discussões políticas e sociais. Dentro desse contexto, é necessário fazer uma análise das leis educacionais, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN n. 9394/ 96), para entender a proposta educacional voltada para a comunidade indígena. Aqui faremos uma análise da forma como é tratada a educação indígena na proposta do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional, centrada na educação básica na modalidade da Educação de Jovens e Adultos (PROEJA). Para analisar como essa proposta trata a educação indígena que foi implantada pelo Governo Federal, com a intenção de retomar as discussões nacionais sobre a oferta de cursos profissionalizantes de nível médio, que é previsto pela portaria do Ministério da Educação n. 2.080 de 13 de junho de 2005, que determina as diretrizes para o oferecimento de educação profissionalizante integrada ao ensino médio, na modalidade de jovens e adultos (PROEJA), nos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, para a execução desse programa o que prevê a Lei Ordinária n. 11.892 de 29 de dezembro de 2008, é que os institutos busquem estabelecer uma relação entre educação profissionalizante, educação de jovens e adultos, cidadania e tecnologia moderna.

1 Proposta do PROEJA

O Decreto 2.208/1997 foi revogado e em sua substituição foi promulgado o Decreto 5154, de 23 de julho de 2004, que orienta estabelecendo as diretrizes e bases da educação nacional relacionada ao PROEJA. Retomando esse processo histórico, percebemos que a criação do Programa de Expansão da Educação Profissional (PROEP), implementado pela portaria MEC 1.005/97, no âmbito da Secretaria de Educação Média e Tecnológica - SEMTEC, em parceria com o Ministério do Trabalho e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), tinha como objetivo a criação ou adequação de 275 centros de educação profissional para a formação de 926.994 alunos em cursos técnicos, tecnológicos e de formação inicial ou continuada, distribuídos em escolas federais, estaduais ou comunitárias. A proposta do PROEP oferecia uma melhoria de políticas globais, redimensionamento da oferta da rede federal, reorganizaçao da rede estadual e apoio à educaçao comunitária e, para tanto, utiliza-se de dois subprogramas: Implementação de políticas globais (projetos nacionais) e Planos estaduais e projetos escolares. Segundo Mendonça (2005) o PROEP pautou-se pela transformação das escolas técnicas federais em centros de educação profissional tendo as seguintes características: Determinação da oferta de cursos em função da demanda; atualização permanente do currículo, de acordo com as características ocupacionais requeridas; integração com o mercado por meio de convênios (parcerias) com empresas e outros empregadores, para efeito de estágios, uso de equipamentos, treinamento de professores; venda ou compra de serviços; geração de receita própria significativa e progressiva autonomia de gestão financeira e de recursos humanos (MENDONÇA, 2005, p. 109).


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O Decreto 5154/04 traz uma proposta de integração curricular entre educação e trabalho, especialmente, através da criação do PROEJA. Esse programa previa, para 2006, a destinação de até 10% das vagas oferecidas em 2005, na rede federal de educação técnica para o ensino médio integrado à educação profissional para jovens e adultos. Ao tratar dessa questão, Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005) fazem uma análise a respeito do currículo integrado e defendem uma proposta que considere a unidade de conhecimentos gerais e conhecimentos específicos e numa metodologia que permita a identificação das especificidades desses conhecimentos quanto à sua historicidade, finalidades e potencialidades. Baseia-se, ainda, numa pedagogia que visa à construção conjunta de conhecimentos gerais e específicos (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005, p. 1098).

A Educação profissional articulada à educação de jovens e adultos pode ser analisada em diversos momentos da nossa história. O PROEJA leva em consideração que a EJA é uma condição histórica da sociedade brasileira e é composta por sujeitos que não completaram a escolarização por diversos motivos e são, em sua ampla maioria, da classe trabalhadora. Estaríamos, assim, visando a uma superação da maneira produtivista de oferta de oportunidade dos trabalhadores aprenderem e se disciplinarem para a maior acumulação do capital? O documento base nacional do PROEJA, referente ao Ensino Médio, aponta que a perspectiva é de “uma política de formação de cidadãos e cidadãs emancipados, preparados para a atuação no mundo do trabalho, conscientes de seus direitos e deveres políticos e de suas responsabilidades para com a sociedade e o meio ambiente” (MEC/SETEC, 2006, p. 4). Essa política, por sua vez, propõe um desafio de construção que deve ser pautado pelo direito à educação, que é comum a todos, superando, assim, a lógica de programas de governo que têm prazo de validade e que, primam pela construção de uma política pública de estado, almejando uma perspectiva de educação diferenciada, que objetive o desenvolvimento do ser humano e não o fortalecimento do mercado de trabalho. Sobre essa possibilidade, Machado (1989) diz que na concepção de Marx, o ensino politécnico, de preparação multifacética do homem, seria o único capaz de dar conta do movimento dialético de continuidade-ruptura, (...) seria o fermento da transformação: contribuiria para aumentar a produção, fortalecer o desenvolvimento das forças produtivas, e intensificar a contradição principal do capitalismo (entre socialização crescente da produção e mecanismos privados da apropriação). Por outro lado, contribuiria para fortalecer o próprio trabalhador, desenvolvendo suas energias físicas e mentais, abrindo-lhe os horizontes da imaginação e habilitando-o a assumir o comando da transformação social (MACHADO, 1989, p. 127).

O Documento que rege a base do PROEJA aponta os princípios do programa, citando os que orientam e caracterizam a sua proposta pedagógica, o trabalho como princípio educativo, apresentando o entendimento de que a condição humana do homem se dá pelo trabalho, disponível no site do MEC.


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2 PROEJA voltado para a educação indígena

Na história da educação profissionalizante no Brasil aconteceram diversas mudanças que ressaltam várias discussões na política brasileira, e que se referem às políticas públicas educacionais. Uma destas mudanças diz respeito às concepções que regem as políticas de educação indígena, em que se busca aliar educação de ensino médio e educação profissionalizante, objetivando atender o índio, visando os princípios e direitos da educação indígena e os princípios da formação integral, a atuação cidadã no campo de trabalho, o respeito à diversidade individual e coletiva, a educação profissional e técnica. Desse modo, torna-se possível a ideia de uma educação profissional, voltada para a comunidade indígena, que busca oferecer uma contribuição para uma vida sustentável em atendimento às suas necessidades para proporcionar-lhes melhoria de vida, bem como oferecer à comunidade uma melhor compreensão da nossa diversidade sociocultural. Em 2005, foi editada a portaria n. 2.080, que fixou as diretrizes para a oferta de cursos de educação profissional integrada com o ensino médio, na modalidade de educação de jovens e adultos nas escolas federais de educação profissional e, em 2006, o decreto 5.840, que criou o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA). Este foi o início de uma ação, efetiva, para consolidar o ensino na modalidade específica destinada a um público determinado: o trabalhador jovem e adulto. Frigotto (2007) destaca pontos no Decreto 5154/04: Na sua gênese, dentro das contradições da travessia, tratava-se de resgatar a perspectiva do ensino médio na perspectiva da educação politécnica ou tecnológica. Concepção refutada e abertamente combatida pelas forças conservadoras do governo FHC. Daí, contrariamente à perspectiva de aligeiramento e profissionalização compulsória da Lei n. 5.692/71 e do dualismo imposto pelo Decreto n. 2.208/97, o ensino médio integrado amplia de três para quatro anos este nível de ensino para permitir ao jovem uma formação que articule ciência, cultura e trabalho. Uma perspectiva, portanto, que supere tanto o academicismo quanto a visão de profissionalização adestradora. Tratava-se de avançar, tendo como parâmetro as condições materiais dos CEFETs, na concepção da educação politécnica ou tecnológica (FRIGOTTO, 2007, p. 1141).

O avanço na lei traz novas propostas pedagógicas nas instituições, visando, assim, à oferta de uma educação de qualidade voltada para o índio. Tal proposta é uma resposta à demanda concreta e insistente da comunidade indígena por uma educação voltada para a sua formação, para o seu conhecimento, ao respeito e à valorização do seu modo de vida. Para isso, faz-se necessário um projeto político-pedagógico que tenha a participação do índio, e leve em consideração as especificidades de seus problemas e o reconhecimento de suas dificuldades no convívio em sociedade, de maneira geral. Essa demanda acompanha o desejo crescente de que essa proposta venha a contribuir para a melhoria da qualidade de vida da comunidade, no sentido de formar o ser humano na sua integralidade física, mental, cultural, política e científico-tecnológica Assim sendo, uma proposta pedagógica voltada, especificamente, para a comunidade indígena, busca analisar a desigualdade de acesso à educação


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profissionalizante na educação de jovens e adultos (EJA), levando em conta os acontecimentos históricos anteriores, defendendo, assim, uma educação de qualidade para essa comunidade, que tenha como característica a formação específica (técnica) interligada com a formação geral, pois, o índio, apesar de ter um modo de vida particular, faz parte do mundo globalizado e necessita de uma formação profissional para o trabalho, por isso, essa proposta busca, também, o conhecimento da cultura geral e a identificação do seu papel na sociedade para assim melhorar a sua qualidade de vida, já que a escola tem essa responsabilidade devido ao seu papel social. Partindo dessas colocações, passamos a descrever as primeiras iniciativas da educação escolar indígena, que são resultantes das políticas do Estado, mas também de reivindicações dos indígenas. O início desse processo dá-se por volta da década de 1970, quando os grupos indígenas também reivindicavam outros direitos como o reconhecimento étnico, a posse da terra e a saúde. Quanto à educação voltada para os povos indígenas, esta foi reconhecida em lei pelo Estado nos anos de 1990, basicamente a partir da Constituição de 1988. Podemos ver que nos últimos anos, em Alagoas, esse processo de luta dos povos indígenas pelo reconhecimento étnico, pela posse da terra e por uma educação diferenciada vem sendo articulado como movimento nacional. A proposta do PROEJA considera que o curso de educação profissional integrada à educação escolar indígena possa considerar as diferenças, as potencialidades do conhecimento técnico cientifico, trazendo um número significativo de alunos indígenas para o curso a fim de que eles possam fazer parte da educação geral. Porém essa educação só é possível depois de algumas mudanças na educação profissionalizante brasileira, já que, antes, o ensino voltado para o índio tinha por meta habilitá-lo ao campo de trabalho onde executaria suas atividades e receberia os conhecimentos necessários para isso por meio de treinamentos, não havendo relação, nesse processo, com fatores sociais, culturais e econômicos das comunidades indígenas. Hoje essa educação preocupa-se com a formação integral e formação profissional numa perspectiva histórica-crítica, facilitando, assim, a formação de opinião e a criticidade do índio. Desse modo, foi criado um programa de PROEJA indígena para atender às necessidades do índio, para contribuir com a educação do seu povo, visando a uma proposta construída na comunidade com base na realidade local, o que tornaria possível o ensino articulado à educação profissional aliada à formação de tecnologia avançada. A Constituição Federal de 1988 garante uma educação diferenciada e voltada para as comunidades indígenas. Manfredi (2002, p.67), a respeito da educação articulada ao trabalho, afirma que os povos das civilizações indígenas “[...] foram os primeiros educadores de artes e ofícios para as áreas de tecelagem, de cerâmica, para adornos, [...] para as várias técnicas de cultivo da terra e para a produção de medicamentos”. Não se tratava de uma formalidade institucional como hoje existe através da escola. Os indígenas executavam e aperfeiçoavam atividades fundindo práticas de trabalho com socialização e convivência no interior das aldeias. Essa característica de sociabilidade presenciada nesse contexto foi se alterando à medida em que a colonização se implementou, trazendo consigo a cultura europeia. Refletindo sobre esse contexto histórico, consideramos necessária uma educação voltada para o anseio do índio, visto que esta necessidade está articulada à compreensão da nossa formação social. Essa perspectiva é


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reforçada por Frigotto (2007), para, assim, compreender a implementação da Educação Profissional no Brasil: Para entender a natureza da nossa dívida com a educação básica e a educação profissional e tecnológica, nas suas dimensões quantitativas e qualitativas e na sua relação, é preciso se dispor a entender o tipo de estrutura social que foi se conformando a partir de um país colônia e escravocrata durante séculos (FRIGOTTO, 2007, p. 1131).

Assim, com a promulgação da LDB de 1961, a separação entre ensino geral e ensino técnico é regulamentada através de dois ciclos, sendo o primeiro responsável pela formação geral. Já com a alteração através da Lei 5692/71, o ensino médio foi caracterizado como profissionalizante. Podemos analisar a especificidade apontada para a Educação de Jovens e Adultos e, pela primeira vez, regulamenta-se essa modalidade de ensino, mas com um caráter de suplência. Considerando as aspirações políticas do regime militar em vigor nesse período e a pouca possibilidade de participação da sociedade civil, devido ao caráter ditatorial, podemos dizer que o pensamento hegemônico de sociedade perpassou para a educação, já que para o país era importante promover o “milagre econômico”, participar da economia mundial e, portanto, a escola seria o instrumento disso. Ferreira (2008), em seu texto sobre educação escolar indígena em Alagoas, afirma que a educação escolar nasce com o propósito de homogeneizar costumes, línguas e a moral de grupos e povos por meio de um modelo educacional universal. Iniciado no mundo antigo, esse processo se consolida no período medieval, com um projeto mais definido e conduzido pela Igreja, que direciona a escola para os interesses que se ligam à sua proposta e a de parcelas de setores dominantes da época. Para Mendonça (2005) a nova proposta dissolve a relação entre educação geral e formação profissional no interior do sistema escolar, ao adotar um modelo que desarticula essas modalidades e atribui a função de ministrá-las às duas redes distintas com objetivos definidos: o Sistema Escolar e o Sistema de Formação Profissional. Manfredi (2002, p. 97) acrescenta que, na formação de recursos humanos para a absorção pelo mercado de trabalho, [...] a análise do decreto nº 2.208/97 nos permite deduzir que o que orienta todo esse processo de (des)ajuste do Ensino Técnico Profissional não é a transformação do trabalhador, mas, sim, o cumprimento das exigências dos organismos financeiros internacionais, evidentemente, com o aval do governo de Fernando Henrique Cardoso.

Dentro de uma proposta político-pedagógica de PROEJA as necessidades indígenas são inúmeras, pois esse público padece a falta de alternativas sustentáveis e de apoio, uma vez que esses povos indígenas sofrem a pressão da exploração capitalista em seus territórios, tendo ainda que enfrentar a grande homogeneização do ensino ocorrida no processo de escolarização de seu povo. Os povos indígenas e estudiosos da cultura indígena do Brasil têm dito que a educação escolar era um meio exclusivo de aculturação (conceito não mais em uso), e havia certa desconfiança e repulsa à escolarização. Nas duas últimas décadas, os índios, em especial os jovens indígenas, passaram a acreditar que a educação escolar, quando apropriada por eles e direcionada para atender às necessidades atuais de suas comunidades,


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pode ser um instrumento de fortalecimento das culturas e identidades e um canal de acesso à desejada autonomia dos sujeitos (FERREIRA, 2008, p. 208).

3 A proposta do proeja indígena

A proposta do PROEJA indígena tem como base a formação integral que prepara o índio para o exercício profissional em sua comunidade, levando em consideração que esse povo desenvolve formas próprias de reproduzir e transmitir saberes, possuindo idiomas próprios. Tradicionalmente, eles transmitem sua cultura, seus rituais, sua tradição e suas relações interétnicas, por meio da linguagem oral. Assim, mesmo não havendo escolas, eles conseguem passar seus conhecimentos no cotidiano de sua comunidade. Durante um longo período da nossa história, iniciando-se com os jesuítas, os índios eram educados para servir de mão de obra ou para incorporar os valores do grupo social dominante e o índio passou a ver a escola como um instrumento de opressão. Essa visão só começou a mudar a partir do surgimento de movimentos indígenas que lutaram por mudanças na Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional (LDB). Isso trouxe o reconhecimento de sua cultura e uma educação voltada e diferenciada para a sua comunidade, porém as discussões sobre essa educação voltada para o índio só tiveram destaque na década de 1980 quando a Constituição deu visibilidade ao reconhecimento dos seus direitos e de sua etnia, fato que tornou mais fortes as reivindicações por uma educação que atingisse realmente as demandas indígenas, pois, até então, as políticas aplicadas para o índio só agravavam cada vez mais a sua situação de desigualdade e opressão na nossa sociedade. Na educação escolar, foi dado aos índios o direito constitucional do uso dos seus idiomas, reconhecendo, assim, o processo de aprendizagem nas aldeias. A escolarização do índio pode ser uma forma de crescimento da conscientização e contribuição para uma comunidade emancipada, buscando a formação e qualificação profissional dessa parcela da sociedade brasileira, promovendo e valorizando o conhecimento da diversidade étnicocultural na educação de nosso país, garantindo, com isso, a sobrevivência de sua cultura e elevando a qualidade de vida de seu povo. Com a Constituição Federal de 1988, o índio passou a ter direitos sobre sua cultura, e as diretrizes da educação indígena passaram a ser: específicas, diferenciadas e interculturais. É válido ressaltar, porém, que todas essas mudanças foram o resultado de uma longa batalha dos movimentos indígenas em busca de uma educação que suprisse suas necessidades e respeitasse os seus costumes e a sua cultura. Os projetos aplicados às comunidades indígenas tiveram fracassos devido à ignorância e à falta de interesse pelo modo de vida dos índios e os problemas que eles enfrentavam. Ainda assim, esses povos resistiram com seu modo próprio de vida, mesmo tendo que enfrentar a desigualdade, as injustiças sociais e a concentração de renda num mundo globalizado. Os movimentos indígenas buscam soluções para alguns problemas das comunidades indígenas relacionadas à educação, por isso, espera-se que a proposta do PROEJA indígena seja uma reflexão e uma ação para a autonomia das comunidades


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possibilitando, assim, a continuidade da sua cultura e das suas tradições, sem ser descriminados em nossa sociedade.

Considerações finais

A principal dificuldade nos estudos sobre a concepção de índio no PROEJA é encontrar material organizado por uma comunidade indígena, por meio do qual pudéssemos avaliar melhor a visão desse programa dentro das comunidades onde ele está sendo aplicado. O material analisado e disponível situa a possibilidade de construção, pelo Estado, de uma educação diferenciada e voltada para o índio? Até que ponto o Estado estaria interessado em promover uma educação, que valorizasse a educação indígena, por meio dos conhecimentos que as comunidades possuem, e pela aplicação do viés normativo, possibilitando uma maior intervenção político-social? Até a promulgação da Constituição Federal de 1988, não se considerava uma educação voltada para a população indígena e o índio era subjugado e oprimido em nosso sistema educacional. O desafio percebido para avançar na possibilidade de maior intervenção do PROEJA na mudança efetiva desse quadro de desigualdade e opressão do índio é justamente superar a fragmentação dos programas, articulando a rede federal com redes estaduais e municipais, com parcerias com órgãos como o Ministério do Trabalho e Emprego, secretarias do MEC, SESU, SEB e outros, com políticas que permitam a emancipação e superação das desigualdades brasileiras. Desse modo, concordamos com Frigotto (2007) quando afirma que Há aqui pelo menos dois obstáculos a serem enfrentados pela sociedade e governo. Primeiramente, modificar as diretrizes promulgadas pelo Conselho Federal de Educação que induzem a compreensão do ensino médio a simples arranjos do Decreto n. 2.208/97, na perspectiva da articular e não do integrar e, em última instância, ao retorno do profissionalizante da reforma n. 5.692/71, um adestramento rápido com vistas ao mercado de trabalho. O segundo é quebrar a barreira de resistências das políticas estaduais, sob as quais está a prerrogativa da oferta do ensino médio (FRIGOTTO, 2007, p. 1145).

Resta-nos o desafio da implementação e democratização do acesso a uma educação de qualidade e voltada para as necessidades indígenas e ainda se faz necessário avançar no sentido de superar as desigualdades sociais e de oportunidades, rumo a uma sociedade igualitária onde se respeitem costumes, cultura e capacidades individuais.

Referências

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BRASIL. Decreto n. 5.154, de 23 de julho de 2004. ______. Decreto n. 5.478, de 24 de julho de 2005. ______. Decreto n. 5.840, de 13 de julho de 2006. ______. Decreto n. 6.095, de 24 de abril de 2007. ______. Decreto 2.208 de 17 de abril de 1997. ______. Parecer CNE/CEB n. 11/2000. ______. Portaria nº 2.080, de 13 de julho de 2005. CIMI. CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO. Com as próprias mãos: professores indígenas construindo a autonomia de suas escolas. Brasília, DF: CIMI, 1992. FERREIRA, Gilberto Geraldo. Educação escolar indígena em Alagoas. In: ALMEIDA, Luiz Sávio de e OLIVEIRA, Amaro H. Leite (orgs.): Índios do Nordeste: etnia, política e história. Maceió: EDUFAL, 2008 FRIGOTTO, Gaudêncio. A relação da Educação Profissional e Tecnológica com a universalização da Educação Básica. In: Educação e Sociedade. Campinas, v. 28, n. 100, p. 1129-1152, out. 2007. FRIGOTTO, Gaudêncio; CIAVATTA, Maria; RAMOS, Marise. A política de educação profissional no Governo Lula: um percurso histórico controvertido. In: Educação e Sociedade. Campinas, v. 26, n. 92, p. 1087-1113, out. 2005. MACHADO, Lucília R. de Souza. Politecnia, escola unitária e trabalho. São Paulo: Cortez, 1989. MANFREDI, Silvia Maria. Educação profissional no Brasil. São Paulo: Cortez, 2002. MENDONÇA. Celma Concesso. Real significado da reforma da Educação Profissional nos anos 90. In: Educação e trabalho na sociedade capitalista: reprodução e contraposição. Goiânia: UCG, 2005. PAIVA, Jane. Concepção curricular para o ensino médio na modalidade de jovens e adultos: experiências como fundamento. In: Ensino Médio: ciência, cultura e trabalho. Brasília: MEC, SEMTEC, 2004. PAREDES, José Bolívar Burbano. Aproximações teórico metodológicas para a elaboração de um currículo indígena próprio: a experiência de educação escolar na área indígena Krikati. In: Urucum, jenipapo e giz: a educação escolar em debate. Cuiabá: Entrelinhas, 1997.


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A CONTRIBUIÇÃO DO PROEJA EM HOSPEDAGEM DO INSTITUTO FEDERAL DE SERGIPE PARA O DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DOS CONCLUINTES 2010/2011

Ma. Ilka Maria Escaliante Bianchini* Luis Carlos Gonçalves** Ma. Queila Pahim da Silva***

Resumo Este artigo analisa o desenvolvimento profissional dos concluintes do Curso Técnico de Hospedagem na modalidade PROEJA, do Instituto Federal de Sergipe, dos anos 2010 e 2011. O lócus de investigação é o Instituto Federal de Educação de Sergipe, campus de Aracaju. Os procedimentos metodológicos foram de natureza qualitativa, com entrevistas semiestruturadas e pesquisa bibliográfica. Foi utilizada uma amostra de cinquenta por cento dos discentes do turno noturno. Palavras chave: Educação de Jovens e Adultos. Hospitalidade. Turismo.

Abstract This article analyses the professional development of last year students of Technical Course of Lodging in modality PROEJA from Sergipe Federal Education Institute, years 2010 and 2011. The local inquiry is the Federal Education Institute, Aracaju campus. The methodology procedures had been of qualitative nature, with semi struturalized interviews and bibliographical research. A sample of fifty per cent of students from the night turn was used. Keywords: Youth and Adult education. Hospitality. Tourism.

*

Docente do IFAL - ibianchini@yahoo.com.br Docente do IFS - lucagourmet@hotmail.com *** Docente do IFS - qpahim@yahoo.com.br **


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Introdução O objetivo deste trabalho foi analisar o desenvolvimento profissional dos concluintes do Curso de Hospedagem do Instituto Federal de Sergipe e, ainda, entender a dinâmica da educação profissional e tecnológica para a formação de jovens e adultos na área do turismo, analisando a concepção dos concluintes do curso de Hospedagem acerca da sua formação e identificar a condição laboral desses ex-alunos. A Educação de Jovens Adultos trabalha com sujeitos marginais ao sistema, com atributos sempre acentuados em consequência de alguns fatores adicionais como raça/etnia, gênero, cor, entre outros. Tendo seu projeto educacional fundado na integração entre trabalho, ciência, técnica, tecnologia, humanismo e cultura geral com a finalidade de contribuir para o enriquecimento científico, cultural, político e profissional como condições necessárias para o efetivo exercício da cidadania. Esse tipo de formação pode proporcionar ao indivíduo um novo olhar sobre sua realidade na busca da efetivação de sua cidadania. O aluno do PROEJA é apreendido como sujeito que busca uma formação de qualidade e gratuita, possibilitando inserção no mercado de trabalho e continuidade nos estudos. Ser escolarizado é condição básica para participar da sociedade com relativa independência e autonomia, o que implica, entre outras coisas, a possibilidade de empregarse, de usufruir (consumir) os benefícios da sociedade industrial e de manter o acesso aos variados bens culturais. Outra forte razão para a procura de programas de ampliação de escolaridade é à busca do reconhecimento social e da afirmação da autoestima. Este estudo foi desenvolvido através de pesquisa empírica, exploratória, de natureza qualitativa, com egressos do curso de Hospedagem do IFS. Foram entrevistados onze alunos das turmas de 2010 e 2011, totalizando uma amostra de cinquenta por cento de cada turma. A amostra foi aleatória, a partir de uma lista fornecida pela Instituição, com nomes e telefones. As entrevistas foram realizadas de acordo com a disponibilidade dos alunos. O instrumento de pesquisa utilizado foi um questionário, com questões semiestruturadas, agrupadas em blocos denominados de Informações Sócio Demográficas, Informações sobre a Educação Proeja e Pontos Fortes e Fracos do curso. Os dados foram tabulados e as informações avaliadas

1 A proposta do PROEJA e sua aplicabilidade no curso de hospedagem do Instituto Federal de Sergipe - IFS

De acordo com a Constituição Federal de 1998, o artigo 205 aborda a questão da educação A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988).

O artigo prescreve que todos tem direito a educação, e coloca a família e o Estado como atores responsáveis pelo processo, sendo que este último deve assegurar isso, coloca ainda, que a formação do cidadão é para a vida, afora da qualificação para o trabalho.


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Além do direito assegurado, a educação deve ser adequada à idade e promover a inserção da pessoa na sociedade, promovendo desenvolvimento socioeconômico para o aluno e seu ambiente A educação de adultos torna-se mais que um direito: é a chave para o século XXI; é tanto consequência do exercício da cidadania como condição para uma plena participação na sociedade. Além do mais, é um poderoso argumento em favor do desenvolvimento ecológico sustentável, da democracia, da justiça, da igualdade entre os sexos, do desenvolvimento socioeconômico e científico, além de um requisito fundamental para a construção de um mundo onde a violência cede lugar ao diálogo e à cultura de paz baseada na justiça (DECLARAÇÃO DE HAMBURGO, 1997).

O Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos - PROEJA foi instituído pelo Decreto nº 5.840, de 13 de julho de 2006 colocando que as Instituições devem passar a oferecer a modalidade que contempla uma orientação governamental de ações inclusivas, além de uma determinação de atender à demanda de jovens e adultos pela oferta de educação profissional técnica de nível fundamental e médio, da qual, em geral no atual modelo de educação, são excluídos. No seu parágrafo 1º, o Decreto Nº 5.840/2006 estabelece que As instituições referidas no caput disponibilizarão ao PROEJA, em 2006, no mínimo dez por cento do total das vagas de ingresso da instituição, tomando como referência o quantitativo de matrículas do ano anterior, ampliando essa oferta a partir do ano de 2007 (DECRETO 5.840/2006).

Sendo assim os Institutos Federais tiveram que abrir turmas que se adequassem ao Decreto e foram lançados cursos e programas de educação profissional com uma concepção de formação humana integral e que, ainda, levasse em consideração as características da região da oferta. As áreas profissionais escolhidas para a estruturação dos cursos serão, preferencialmente, as que maior sintonia guardarem com as demandas de nível local e regional, de forma a contribuir com o fortalecimento das estratégias de desenvolvimento socioeconômico e cultural (DECRETO 5840, 2006).

O Instituto Federal de Sergipe ofertou cursos também na área profissional de Turismo e Hospitalidade, considerando que Aracaju apresenta vocação para o turismo sendo considerada pelo Ministério do Turismo um destino indutor, uma capital que vem buscando se estabelecer no cenário nacional e internacional como um centro receptivo composto de atrativos turísticos naturais e artificiais.

2 A educação profissional e tecnológica na área do turismo e hospitalidade

O setor de Turismo e Hospitalidade engloba um complexo grupo de atividades econômicas e profissionais bastante inter-relacionadas entre si, a ponto de serem consideradas setorialmente ou, mais frequentemente, como uma só, mais abrangente, sob diferentes denominações - turismo e hotelaria, turismo e hospitalidade, hotelaria, restauração e turismo, hotelaria e gastronomia, indústria hoteleira, hospedagem, gastronomia e turismo, turismo de negócios e eventos, turismo, lazer e recreação, viagens e


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turismo, trade turístico, indústria do turismo, turismo, hospedagem e alimentação ou, simplesmente turismo ou serviços turísticos para todo o conjunto (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2000). As instituições de educação em turismo e hotelaria no Brasil são datadas na década de 1950 e teve seu início e forte desenvolvimento nas Regiões Sudeste e Sul do País, liderados, sobretudo pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial – SENAC. Os cursos do SENAC nos diversos estados das regiões atendiam à qualificação de quadros operacionais de base para hotéis e restaurantes, em diversos restaurantes-escola. No final da década de 1960, instalou, no Estado de São Paulo, seu primeiro hotel-escola. Na região nordeste na década de1960 e 1970 especificamente na Bahia na cidade de Salvador o SENAC começou a ofertar o curso de qualificação básica para os serviços de hotelaria e turismo, na década de 80 montou seu primeiro restaurante-escola. Para Dencker (2003) o fenômeno turístico envolve dupla perspectiva da viagem e da hospedagem. A autora ainda observa que a “hospitalidade, do ponto de vista analíticooperacional, pode ser definida como o ato humano, exercido em contexto doméstico, publico ou profissional, de recepcionar, hospedar e entreter pessoas temporariamente descoladas de seu hábitat.” O setor de turismo e hospitalidade é enquadrado do no setor terciário da economia local, conhecido como setor de serviços, segundo Conn (2008) junto com a indústria e agricultura compõe o PIB (Produto Interno Bruto). O processo produtivo na área de turismo está voltado não só para a criação de produtos a serem ofertados, como, sobretudo, para a prestação de serviços nos diversos estabelecimentos de uma localidade, onde colocamos a hotelaria em lugar de destaque. Segundo Castelli (2006) Propiciar uma hospitalidade adequada às exigências dos viajantes da atualidade é um desafio permanente para os meios de hospedagem. Dificilmente o hotel poderá atender as necessidades, desejos e expectativas dos viajantes, agregando valor à acessibilidade, sem uma estrutura física e um atendimento perfeitamente sintonizados (CASTELLI, 2006, p. 257).

O documento Subsídios para a Formulação de Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos Técnicos de Educação Profissional - Setor de Serviços (Projeto de Reforma da Educação Profissional - Acordo MEC/UNESCO, de 1997), assinala que o setor de Turismo implica preponderantemente no relacionamento do profissional com outro ser humano e não com uma máquina ou com insumos, como ocorre com trabalhadores de outros setores da economia. Daí decorre a importância relevante da capacidade de comunicação e relacionamento que devem ter estes profissionais, sob todas suas formas, seja a linguística, seja a interpessoal ou, ainda, a tecnológica. No mundo globalizado a concorrência está cada vez mais acirrada, fazendo com que as empresas se tornem mais competitivas. Castelli (2006) observa que para as empresas se manterem no mercado e satisfazerem seus clientes, elas precisam ser competitivas, oferecendo serviços e produtos cada vez melhores para encantar seus clientes. A informática aparece com resultados fantásticos para agilizar o processo de gestão de informações no meio hoteleiro, mas o empresário deve apostar e investir na qualidade humana, pois é ele quem que faz impulsionar a operacionalização do sistema hoteleiro, bem como confere a “hospitalidade” à prestação de serviço.


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3 O PROEJA de hospedagem e o desenvolvimento do cidadão

O Curso de Hospedagem do IFS, com duração de três anos, na modalidade PROEJA teve início em agosto de 2006 com duas turmas entrantes através de sorteio público dos candidatos, sendo cada turma com vinte alunos. Com esse tipo de seleção, na época, o CEFET se deparou com um problema: a dificuldade de leitura e escrita apresentada pelos selecionados, obrigando a Instituição a realizar cursos de reforço escolar. A partir de 2009, o processo seletivo de entrada passou a ser um prova com questões de português e matemática. Percebeu-se que, mesmo com as provas de seleção e aulas de reforço em português e matemática, os alunos ingressantes tinham, ainda, uma deficiência considerável nas mesmas disciplinas, o que ocasionou uma desmotivação inicial e evasão nos primeiros meses do curso. Quando os alunos percebiam que iam ser reprovados, também evadiam do curso, o que intensificou o esvaziamento das turmas.

Gráfico 1 - Evasão dos alunos dos diversos cursos do PROEJA nos anos de 2006 a 2010 45 30

Alunos 15 0

Matriculados Concludentes Não concludentes Evadidos

Fonte: Centro de Registro Acadêmico - CRA IFS

Gráfico 2 - Evasão dos alunos dos diversos cursos do PROEJA nos anos de 2007 a 2011 45 30

Matriculados

15

Concludentes

Alunos 0

Não concludentes

Evadidos

Fonte: Centro de Registro Acadêmico - CRA IFS

O Curso de Hospedagem do IFS visa a formação integral dos alunos tendo, entre suas características técnicas, a execução de atividades operacionais de recepção e atendimento a clientes, serviços de andares, comercial, critérios de qualidade na prestação de serviços, suporte ao hóspede durante sua estada, valorizando as características culturais, históricas e ambientais do local de sua atuação.


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A seguir serão apresentados os dados obtidos através da pesquisa de campo realizada nos meses de março e abril de 2012 com uma amostra de onze concluintes do curso de Hospedagem do PROEJA/IFS das turmas de 2010 e 2011 e a análise dos mesmos. O gráfico abaixo, com informações sociodemográficas, mostra que 55% dos entrevistados possuem idade entre 41 a 50 anos e 45%, entre 31 a 40 anos, o que caracteriza a função reparadora do PROEJA, que é exercida, segundo o parecer CNE/CEB nº 11/2000 e o Documento Base do programa, ao afirmar que a EJA seria uma modalidade de ensino onde o dever do Estado de garantir o direito de todos à educação seria exercido, reparando então a falha do Estado em momentos anteriores, onde não propiciou as condições para que a atual população de jovens e adultos tivesse tido acesso ao ensino na idade própria. Assim, os sujeitos atendidos pela EJA,caracterizam-se por pertencerem a uma população com faixa etária adiantada em relação ao nível de ensino demandado, constituindo um grupo populacional que tem sido reconhecido como integrante da chamada “distorção sérieidade”. Assim, compreende-se que o PROEJA é um programa que traz benefícios a uma população historicamente excluída do sistema educacional, elevando o nível de escolaridade da mesma. Gráfico 3 – Informações sócio demográficas Informações Sócio Demográficas: Idade

45% 55%

De 41 a 50 anos De 31 a 40 anos

Sobre a renda familiar destes educandos, constatou-se que a totalidade dos entrevistados possui renda entre um a três salários mínimos. O que comprova que um dos enfoques do PROEJA é a produção coletiva do conhecimento, voltada para a busca de soluções aos problemas das pessoas e das comunidades menos favorecidas, na perspectiva da edificação de uma sociedade socialmente justa, demonstrando que o programa se constitui em uma política social focalizada, estando em consonância com as estratégias prescritas pela atual política estatal brasileira para o crescimento econômico e redução da pobreza. Os discentes que se matricularam buscando formação no curso de Hospedagem na modalidade de jovens e adultos PROEJA/IFS são, na grande maioria, casados e com filhos, conforme o gráfico a seguir:


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Gráfico 4 – Informações sócio demográficas

Informações Sócio Demográficas: Estado Civil/ Filhos

Casados com filhos

Solteiros com filhos

Ao se questionar sobre a motivação pela procura do curso de Hospedagem PROEJA, verificou-se que 100% dos entrevistados optaram pelo curso por ser profissionalizante, o que lhes proporcionaria uma inserção no mercado de trabalho em uma área em expansão: turismo e hospitalidade, corroborando com o Documento Base do PROEJA que afirma que os egressos deste ensino devem ter uma formação para inserir-se de modos diversos no mundo do trabalho, inclusive gerando emprego e renda. Significa que a formação recebida deve possibilitar o exercício de trabalhos informais desvinculados da legislação trabalhista, sendo que o trabalho e a renda neste caso devem ser gerados pelo próprio indivíduo, pressupondo que muitos dos cursantes ou egressos do PROEJA não conseguirão uma colocação no mercado de trabalho, ou seja, um emprego formal. Dos onze alunos entrevistados, somente um continua a estudar fazendo curso prévestibular, o que demonstra que para esse público específico faz-se necessários outros programas para garantir a continuidade da educação. Cinquenta e cinco por cento dos entrevistados estão trabalhando e quarenta por cento estão fora do mercado de trabalho. Para eles, o mercado exige um nível muito elevado de qualificação, que vai além da educação profissional, abrangendo idade, experiência e aptidão para o trabalho. Ao se perguntar sobre os benefícios que o curso proporcionou, a resposta unânime foi o ganho social e emocional, exemplificados pela melhoria da autoestima, maior sociabilização, sensação de conquista e realização pessoal, o que demonstra que o PROEJA é um programa que visa elevar a escolarização e qualificar a população urbana para sua integração social e formação humana. Quanto ao questionamento do que faltou no programa do PROEJA todos responderam a falta de laboratórios didáticos, visitas técnicas em estabelecimentos hoteleiros e aulas práticas.

Considerações Finais

A pesquisa mostra uma deficiência no ensino do PROEJA que também atinge outras modalidades, a falta de disciplinas práticas, a falta de laboratórios que, justamente, conferem aos alunos a experiência necessária para alcançar com credibilidade o mercado de trabalho. As escolas foram “convidadas” a ofertar a modalidade sem ter ainda o devido preparo para esse tipo de curso e público.


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Apesar das lacunas deixadas pela falta da prática, a formação oferecida a estes sujeitos conseguiu se efetivar integrando os conhecimentos de formação geral e de formação profissional com qualidade, sendo assim possível prover os alunos com conhecimentos que antes não possuíam, ampliando o conhecimento destes sobre a realidade social e econômica, demonstrando inclusive as contradições presentes no sistema capitalista. Esses trabalhadores, ao possuírem emprego e renda poderão ter uma melhora de suas condições de vida, satisfazendo suas necessidades básicas de sobrevivência. Satisfeitas essas necessidades, esses trabalhadores, advindos de uma educação como a pretendida pelo PROEJA, que integre formação geral com educação profissional tomando o trabalho como princípio educativo, vivenciando no ambiente de trabalho e nos relacionamentos sociais as relações de exploração, poderão interpretar essa realidade com base nos conhecimentos adquiridos na escola, de forma a compreenderem a necessidade de transformação dessa sociedade desigual e podendo contribuir para a mudança da mesma. A educação profissional nesta perspectiva poderá ainda – ao menos para alguns trabalhadores estudantes e/ou egressos do PROEJA – contribuir para a inserção no mercado de trabalho, em ocupações formais e rentáveis, situação essa bastante improvável na vida dos alunos antes do curso.

Referências

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______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica. Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA Documento Base. Brasília: MEC/SETEC, 2009. ______. Decreto n. 5.840, de 13/07/2006. Institui, no âmbito federal, o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA e dá outras providências. CASTELLI, Geraldo. Gestão Hoteleira. São Paulo: Saraiva, 2006. COON, Mauro. Gestão estratégica de serviços de hotelaria. São Paulo: Atlas, 2008. DENCKER, Ada de Freitas; Bueno, Marielys Siqueira. Hospitalidade: cenários e oportunidades. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2003. LAKATOS, Eva Maria, MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia do Trabalho Científico: procedimentos básicos, pesquisa bibliográfica, projetos e relatórios, publicações e trabalhos científicos. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2001 MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Referências Curriculares Nacionais da Educação Profissional de Nível Técnico: Área de Turismo e Hospitalidade. Disponível em: <:http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf/turihosp>. Acesso em: 12 maio 2012. UNESCO. Declaração de Hamburgo e Agenda para o Futuro. CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO DE ADULTOS. Hamburgo, 1997.


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A PSICOLOGIA E A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DE JOVENS E ADULTOS: REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DOS ALUNOS SOBRE A DISCIPLINA

Maria do Socorro Ferreira dos Santos*

Resumo Esse trabalho tem como objetivo compreender as representações sociais dos alunos sobre a psicologia e sua importância na educação profissional, durante a dinâmica interativa construída pela professora e alunos do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação de Jovens e Adultos (PROEJA). Participaram 120 alunos ingressantes do Curso noturno de Hospedagem, no IFAL - Campus Marechal Deodoro. A metodologia utilizada foi de natureza qualitativa através de técnicas de dinâmica de grupo, observação participante e entrevistas semiestruturadas. O aporte teórico empregado para o entendimento das questões propostas foi o da teoria das Representações Sociais, por acreditar que a interação humana pressupõe representações e que só é possível sua classificação através da coletividade. A coleta dos dados ocorreu no inicio e no final do semestre letivo, nos anos de 2009 e 2010. Percebemos que os alunos/trabalhadores do PROEJA, ao retornarem à escola, trazem sentimentos de medo do fracasso e a representação da exclusão em seu discurso. Durante o semestre, trabalhando especialmente a autoestima destes alunos, outros sentimentos são reconfigurados/confrontados ajudandoos a escolherem um novo caminho. Palavras-chave: Educação. Psicologia. PROEJA. Abstract This study aims to understand the social representations of students about the psychology and its importance in professional education, during the interactive dynamics constructed by the teacher and students of the National Programme for Integration of Professional Education with Youth and Adults (PROEJA). 120 freshmen participated Course nightly lodging in IFAL - Campus Marechal Deodoro. The methodology was qualitative in nature using techniques of group dynamics, participant observation and semi-structured interviews. The theoretical understanding of employee issues for proposals was the theory of social representations, believing that human interaction representations and assumes that its classification is only possible through the collective. Data collection occurred at the beginning and end of the semester, in the years 2009 and 2010. We realize that students / workers PROEJA when they return to school, bring feelings of fear of failure and the representation of exclusion in his speech. During the semester, working especially the selfesteem of these students, other feelings are reconfigured by helping them choose a new path. Keywords: Education. Psychology. PROEJA.

* Doutoranda em Ciências Humanas - IFAL - Campus Marechal Deodoro


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Introdução

O presente trabalho tem como objetivo compreender as representações sociais dos alunos sobre a psicologia e sua importância na educação profissional, durante a dinâmica interativa construída pela professora e alunos, do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação de Jovens e Adultos (PROEJA). A disciplina Psicologia está no núcleo técnico da formação profissional em Hospedagem, e, por isso, os conteúdos selecionados têm como fundamentação teórica a Psicologia Social, especialmente, quando se trabalha alguns conceitos importantes, tais como: grupos, atitudes, comportamento organizacional, comunicação, liderança, entre outros. Para pensar na psicologia social como terreno fértil para implicações no estudo envolvendo a educação de jovens e adultos no âmbito da educação profissional e articular posteriormente com a Teoria das Representações Sociais (TRS), é necessário compreender que, no auge dos estudos e desenvolvimento de pesquisas em psicologia, especialmente em meados do século XX, ficam claras duas vertentes ou duas perspectivas desta ciência: uma americana, centrada nos modelos de uma ciência positivista, capaz de oferecer respostas rápidas e objetivas e, a segunda, caracterizada por uma concepção apoiada na teoria marxista, politicamente engajada em busca de explicações para os problemas sociais, desenvolvida na Europa. Segundo Almeida (2005), as duas vertentes inicialmente se opuseram à teoria das representações sociais, pois para a vertente americana esta área era vista como uma nova roupagem para o estudo das atitudes, conceito amplamente estudado na psicologia social e que durante muito tempo, devido a influencia do behaviorismo, negava os fenômenos mentais e suas especificidades. Já a segunda vertente resistia à ampliação da TRS por acreditar que os estudos neste campo eram marcados pelo viés idealista, cuja concepção na época, era dominado pelo mecanicismo das reações entre infra e superestrutura, marcando de maneira crítica o seu lugar. Segundo os estudiosos desta vertente, o campo de estudo das TRS era “considerado como povoado de puros reflexos ou de idealismos” (ALMEIDA, 2005, p. 121). Porém, esta resistência não se manteve por muito tempo, pois diversas pesquisas, eventos e grupos de estudiosos tornaram visível sua importância e influência, fazendo com que o conceito evoluísse e hoje, especialmente no Brasil, é considerada uma teoria amplamente investigada e encontra-se em expansão, não só no campo da Psicologia, mas na educação, enfermagem, serviço social, entre outras áreas das ciências.

1 Teoria das representações sociais: uma escolha O termo “Representações Sociais” foi inaugurado pelo psicólogo social francês Moscovici em seu trabalho intitulado La psychanalyse, son image et son public., em 1961. Partindo da tradição da sociologia do conhecimento, o autor começa a desenvolver uma psicossociologia do conhecimento e apresenta, inicialmente, o seguinte conceito:


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as representações sociais são entidades quase tangíveis. Elas circulam, se entrecruzam e se cristalizam continuamente, através duma palavra, dum gesto, ou duma reunião, em nosso mundo cotidiano. Elas impregnam a maioria de nossas relações estabelecidas, os objetos que nós produzimos ou consumimos e as comunicações que estabelecemos. Nós sabemos que elas correspondem, dum lado, à prática específica que produz essa substância, do mesmo modo como a ciência ou o mito correspondem a uma prática científica ou mítica (MOSCOVICI, 2003, p. 10).

Com este conceito, Moscovici (2003) pretendeu ultrapassar a dicotomia indivíduo/sociedade, pois a representação social é considerada como uma estrutura psicológica relativamente autônoma e simultaneamente pertencente a uma sociedade. Outra definição, considerada clássica pelos estudiosos da área é a de Jodelet, a grande responsável por manter atual a ideia inicial de Moscovici e dela é o mérito da sistematização e divulgação da teoria. Segundo a autora, esta teoria Trata-se de uma forma de conhecimento corrente, dito do ‘senso comum’ caracterizado pelas seguintes propriedades: 1 Socialmente elaborado e partilhado; 2 Tem uma orientação prática de organização, de domínio do meio (material, social, ideal) e de orientação das condutas e da comunicação; 3 Participa do estabelecimento de uma visão de realidade comum a um dado conjunto social (grupo, classe, etc.) ou cultural (JODELET apud ALMEIDA, 2005, p. 122).

A partir da definição de Representações Sociais (RS) como forma de conhecimento social, destacam-se três aspectos considerados importantes: a comunicação, a (re)construção do real e o domínio do mundo. Isto porque, como um código que serve para trocas, nomeação e classificação, contextualizadas pela história individual e coletiva, as RS são moduladoras do pensamento e regulam uma dinâmica social, onde existem congruências e conflitos capazes de operar mudanças sociais. Além disso, as RS “são entendidas como um conjunto de conhecimentos sociais, que possuem uma orientação prática e que permitem ao indivíduo se situar no mundo e dominá-lo” (ALMEIDA, 2005, p. 123). Além destes aspectos fundamentais, as RS assumem diferentes funções, pois permitem aos indivíduos compreenderem e explicarem a realidade, construindo novos conhecimentos. 

Função de saber – as RS são imprescindíveis nas relações humanas, uma vez que dão explicação, um sentido à realidade. Ao integrar saberes novos aos antigos faz deste novo saber algo compreensível.

Função identitária – as RS também permite construir identidade social do grupo, pois numa mesma sociedade existem diferentes grupos que possuem representações diferentes acerca de uma mesma realidade.

Função de orientação – as RS permitem aos indivíduos comunicarem e compreenderem-se, pois orientam os comportamentos e as práticas e definem o que é aceitável em um dado contexto social.

Função justificadora - as RS permitem justificar as ações sociais, ou seja, reforça a diferenciação social, preservando e mantendo a distância social entre os grupos.


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A partir da compreensão destas funções pode-se dizer que ao romper com a forma de conhecimento tradicional da psicologia, que concebia frequentemente o sujeito separado do contexto social em que vive, Moscovici provoca um debate sobre as dimensões individuais e coletivas do conhecimento social e da relação entre sujeito e objeto no processo de construção da realidade social. Ele propõe que lancemos um ‘olhar psicossocial’ sobre a realidade. Significa, portanto compreender a realidade como produto e produtora de dinâmicas psíquicas e sociais. É pensar o sujeito como um sujeito ativo, construtor da realidade social e nela construído (SANTOS, 2009, p. 51).

Neste sentido, o sujeito da RS é um sujeito que se constrói a partir das relações com o outro em um dado contexto social e em um momento histórico especifico. Diante desta conjectura, é imprescindível compreender ainda que esta construção está na base da gênese das RS a partir de dois conceitos essenciais: objetivação e ancoragem. Segundo Moscovici (2003, p.61) “ancorar é, pois, classificar e dar nome a alguma coisa. Coisas que não são classificadas e que não possuem nome, são estranhas, não existentes e ao mesmo tempo ameaçadoras”, em outras palavras, é o processo que transforma algo estranho em algo aparentemente familiar, implica integrar o objeto em um sistema de valores, quer dizer, “Um novo objeto é ancorado quando ele passa a fazer parte de um sistema de categorias já existentes mediante alguns ajustes” (ALMEIDA, 2005, p. 127). Enquanto que “objetivar é descobrir a qualidade icônica de uma ideia, ou ser impreciso; é reproduzir um conceito em uma imagem. Comparar é já representar, encher o que está naturalmente vazio, com substância” (MOSCOVICI, 2003, p. 71). Ou seja, é o processo que permite a tornar o que é novo, abstrato, complexo em imagem concreta e significativa, apoiando-se em concepções familiares aos indivíduos de um determinado grupo. Esses dois conceitos funcionam como um todo no processo de formação das RS onde os grupos sociais utilizam-se deles de modo simbiótico, com a finalidade de promover aproximação e familiarização com os mais diversos fatos situações vividas. Neste sentido, acredita-se que a teoria das Representações Sociais é indispensável para o desenvolvimento deste estudo, pois os alunos que fazem parte do PROEJA, estão inseridos num determinado contexto social, econômico, cultural e histórico e que se deparam com a realidade educacional em outro formato, Educação Básica associada à Educação técnica profissional. São sujeitos ativos no processo de apropriação da realidade objetiva e não meros processadores de informações externas.

2 Metodologia

A metodologia utilizada para este estudo foi de natureza qualitativa através de técnicas de dinâmica de Grupo, observação participante e entrevistas semiestruturadas. A coleta dos dados ocorreu em dois momentos: no inicio e no final dos semestres letivos de 2009 e 2010.


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Participaram deste estudo, os alunos ingressantes no turno noturno do Curso Hospedagem do IFAL, Campus Marechal Deodoro, perfazendo um total de 120 participantes.

3 Resultados e discussões

A discussão e análise dos dados possibilitaram compreender as representações sociais dos alunos sobre a psicologia e sua importância na educação profissional, durante a dinâmica interativa construída pela professora e alunos. A construção do objeto se deu a partir de questões indutoras antes da aplicação dos conceitos da psicologia (prática da professora em turmas novas) e depois, ao final do semestre, quando se havia trabalhados conceitos chaves da psicologia social durante o processo de ensino-aprendizagem. As questões: O que lhe vem à mente quando se fala em Psicologia, ou seja, o que é psicologia para vocês? O que é educação profissional? Ou, o que é PROEJA para vocês? Como vocês estão se sentindo aqui? São alguns exemplos deste processo. A escolha das categorias de análise foi realizada tomando como ponto de partida o tempo em que foi coletado, ou seja, no início do semestre, nas duas primeiras aulas, através de dinâmica de grupo investigativa; no segundo momento através de observação participante ao longo do período e no final do semestre, através de entrevistas semiestruturadas e dinâmica avaliativa do processo de ensino-aprendizagem no interior da disciplina de Psicologia. Assim, três categorias foram formadas: a)

Representação Social da Psicologia para ingressantes do PROEJA

b)

Representação Social da Educação Profissional no PROEJA

c)

Representação Social da psicologia na educação Profissional

3.1 Representação Social da Psicologia para ingressantes do PROEJA

No primeiro bloco de significações PSICOLOGIA encontrava-se ancorada ao sistema de valores construídos socialmente e historicamente sobre a loucura. Quase na sua totalidade, os alunos, objetivaram o conceito através do gesto, comportamento concreto do louco, apreendido e passado de gerações a gerações, associando, principalmente o profissional da psicologia a médico psiquiatra. Psicólogo é como doutor que cuida de doido. (Aluno 1) É quando agente ta doente dos nervos e procura o psicólogo para se tratar. (Aluno 2)


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É como um médico, mas não é, é aquele que trata as pessoas que estão mal da cabeça, mas não passa remédio. (Aluno 3) É quando agente ta “TAM, TAM” ai vai pra o psicólogo (risos). (fazendo o gesto, rodando o dedo próximo a cabeça) (Aluno 4)

Poucos faziam a diferença entre a ação do médico e a ação do psicólogo, os relatos estavam associados especialmente a problemas educacionais com filhos e a perdas emocionais. Eu já levei meu filho ao psicólogo na escola, ele só fez conversar. (Aluno 5) A escola me chamava direto quando meu filho dava problema. (Aluno 6) Eu fui no psicólogo quando perdi minha mãe. Tava com depressão. (Aluno 7)

É importante observar que estas falas remetem à representação da Psicologia como uma área relacionada a “problemas”, “doença”, ou associada a um grupo especifico da sociedade marginalizada e não compreendida, como os esquizofrênicos. Importante lembrar que estas associações foram construídas a partir de um imaginário social sobre a loucura, que, durante décadas até meados do sec. XX, fortaleceram conceitos pré-conceituosos e distantes do significado real da doença mental ou do sofrimento psíquico. Só no final do século, a partir da reforma psiquiátrica foi que esta concepção de “loucura” passou a ser ressignificada ou compreendida. Neste sentido, importante entender que estas questões, compreensão do que é a Psicologia para estes alunos são “naturais” e que o conhecimento do senso comum não se contrapõe ao científico, pois, como afirma Moscovici (2009) Ele se inscreve numa outra ordem de conhecimento da realidade, é uma forma de saber diferenciado tanto no que se refere a sua elaboração como na sua função. Enquanto o conhecimento cientifico é construído a partir de passos formalmente delimitados (que envolvem a formulação de hipóteses, a observação e/ou experimentação do objeto de estudo a sua validação, comprovação ou interpretação a previsão e aplicação dos resultados) e tem como função principal, conhecer a natureza e dominá-la, o conhecimento do senso comum é elaborado a partir dos processos de objetivação e ancoragem, segue uma lógica natural e tem como funções orientar condutas, possibilitar, a comunicação, compreender e explicar a realidade social, justificar a posteriori as tomadas de posição e as condutas do sujeito, e uma função identitária que permite definir identidades e salvaguardar as especificidades dos grupos (MOSCOVICI apud SANTOS, 2009, p. 53-54).

Esta lógica natural e estas funções apresentadas pelo autor podem ser visualizadas quando alguns dos alunos, em diferentes momentos afirmavam que se afastavam das pessoas que frequentavam o Psicólogo, por terem “medo” do convívio com aqueles que estavam “doentes mentalmente”.


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Eu não deixei mas meu filho brincar com o da vizinha porque ele tava indo para o psicólogo, ele era muito agressivo. Tinha medo. (Aluno 8) Meu marido ficava me chamando de doida porque eu ia conversar com o psicólogo no CRAS 1. (Aluno 9) Meu pai me chamava de doido porque o psicólogo foi conversar com ele sobre minhas notas e comportamento. (Aluno 10)

Mais uma vez se percebe a associação de problemas de natureza comportamental com a Psicologia, mas é preciso dizer que as representações “no seu interior cabem modulações individuais, as quais são forjadas nas inserções específicas dos sujeitos na sociedade, bem como em suas experiências particulares de vida” (ALMEIDA, 2005, p. 156). Para poucos alunos, a experiência com a psicologia foi significativa. Eu gostei de ir ao psicólogo, ele me ajudou muito quando eu perdi meu filho. (Aluno 11) Acho que foi importante pra mim, porque eu comecei a entender meus filhos adolescentes. (Aluno 12) Pra mim era um alivio. Eu chorava muito e falava, falava. (Aluno 13)

A partir deste conjunto de significações, podemos indicar como elementos constitutivos de uma representação social de psicologia como uma ciência que estuda problemas emocionais e mentais dos indivíduos e que está intrinsecamente relacionada à doença mental. Mesmo quando as experiências particulares trazem aspectos positivos, da ação/intervenção do profissional ou de lembranças que marcaram um período de vida, a associação negativa, infelizmente, continua ocorrendo.

3.2 Representação Social da Educação Profissional no PROEJA

Tomando como referência o Documento Base sobre PROEJA e frente ao processo de crescente exclusão social, desemprego juvenil, baixa escolaridade e desqualificação de mão de obra em diversos setores produtivos, importante saber que todo o conjunto de concepções e princípios traz temas importantes tratados na psicologia social e que É fundamental que essa política de educação profissional e tecnológica, nos moldes aqui tratados, também seja destinada, com o mesmo padrão de qualidade e de forma publica, gratuita, igualitária e universal, aos jovens e adultos que foram excluídos do sistema educacional ou a ele não tiveram acesso nas faixas etárias denominadas regulares, sendo esse o objetivo central desse documento base – uma política educacional para proporcionar o acesso do público de EJA ao ensino médio integrado a educação profissional técnica de nível médio (BRASIL, 2009, p. 33).


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Assim, a formação profissional é uma necessidade tanto pelas próprias condições objetivas dos jovens e adultos frente à contemporaneidade quanto pelas necessidades e exigências econômicas que emergem das mudanças na forma de organização do processo produtivo. Esta necessidade está ancorada ao sistema de valores construídos social e historicamente e que é somada hoje com tal programa, pois o conhecimento básico e a formação técnica juntos possibilitam um novo olhar sobre o mundo, construindo expectativas em busca de um futuro promissor. Diante desta realidade, percebe-se claramente que nosso aluno/trabalhador se apropria desta expectativa, pois dos alunos questionados sobre a sua atual realidade profissional, 52% estão desempregados ou trabalhando de maneira informal e dos 48% que estão trabalhando (serviços gerais, cozinheira, pedreiro, atendente, vendedor) 100% querem uma nova profissão ou fazer uma nova atividade. Gráfico 1- Realidade profissional atual

48%

SIM NÃO

52%

Fonte: Dados da pesquisa (2010)

Questionados sobre a proposta do PROEJA em associar a educação básica e profissional num só espaço educacional, quase a totalidade dos alunos participantes da pesquisa representam esta proposta como a grande oportunidade da suas vidas. È muito importante porque além de terminar o ensino médio, você ainda sai com um curso técnico ao mesmo tempo. (Aluno 14) Estou achando muito bom, porque uma oportunidade dessa ninguém acha. (Aluno 15) Oportunidade única para enriquecer meu aprendizado e melhorar minha vida pessoal e profissional. (Aluno 16) Para mim é muito importante porque agora eu posso e eu quero correr atrás de algo melhor para mim e pra minha família. (Aluno 17) Estou achando maravilhoso, é uma grande oportunidade para quem não teve chance de estudar. (Aluno 18)


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Porém é necessário lembrar que a modalidade EJA integrada à educação profissional na rede federal ainda é insipiente, pois a identidade dos Centros Federais vem se modificando ao longo dos anos (de Escolas, para Centros Federais para Institutos Federais) e traz em seu bojo, novas articulações, demandas e posturas diferenciadas de todos que fazem esta ampla “rede” de saber. Ao convidar a Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica para atuar como referência na oferta do ensino médio integrado, a educação profissional na modalidade EJA exige uma (re)significação do ser aluno/trabalhador EJA e do ser professor neste novo cenário, pois A concepção de uma política, cujo objetivo da formação está fundamentado na integração de trabalho, ciência, técnica, tecnologia, humanismo e cultura geral, pode contribuir para o enriquecimento cientifico, cultural, políticos e profissional das populações, pela indissociabilidade dessas dimensões no mundo real. Ademais, essas dimensões estão estreitamente vinculada as condições necessárias ao efetivo exercício da cidadania. (BRASIL, 2009, p.35).

É nesta perspectiva humanista, em busca desta dimensão vinculada ao exercício da cidadania que a Psicologia é trabalhada nesta modalidade. A seguir, a representação desta Psicologia após todo o trabalho metodológico conceitual durante o semestre letivo,

3.3 Representação Social da Psicologia na Educação Profissional

Durante o semestre letivo, diversos conceitos foram trabalhados: Psicologia Social, Psicologia Organizacional, Grupos, Equipes de Trabalho, Motivação, Liderança, Emoções, Atitudes, Comportamento Organizacional, Relações Humanas no trabalho, Comunicação eficaz, entre outros. A disciplina de Psicologia é oferecida no Modulo I dos cursos de Hospedagem e Cozinha na modalidade de PROEJA no campus de Marechal Deodoro no IFAL. Como metodologia escolhida, foram utilizados os seguintes métodos: a) b) c) d)

Aula expositiva dialogada Dinâmica de grupo (Investigativa, provocativa e avaliativa) Atividade em grupo Fóruns de Discussão teórica

Após a diagnose realizada nas primeiras aulas, foi trabalhada a autoestima dos alunos através da valorização de todas as ações e das mínimas conquistas evitando algumas causas da evasão sinalizadas por eles, como medo do fracasso, dificuldades com disciplinas difíceis e professores intolerantes (metodologia não adequada para o público), cansaço por causa do trabalho, adaptação com o comportamento diferenciado dos colegas, entre outras. Referenciando-se ao sexto principio do documento Base do PROEJA, que se deve considerar “as condições geracionais, de gênero, de relações étnico-raciais como fundantes da formação humana e dos modos como se produzem as identidades sociais” procurou-se o fortalecimento das relações sócio-afetivas com os colegas de turma e a segurança da qualidade de ensino que está sendo oferecido pela instituição.


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Após o trabalho com conceitos e a realização de dinâmicas de grupos, foi possível identificar elementos constitutivos de uma representação social da Psicologia aplicada à educação profissional ancorados em um processo de valorização pessoal e fortalecimento de uma certeza da continuidade de um sonho, o termino do estudo. Essa representação orienta práticas diferenciadas que possam facilitar o processo de ensino-aprendizagem, favorecendo a permanência destes alunos no programa, na escola. È possível considerar a Psicologia neste universo como um divisor de águas, capazes de ajudar estes jovens e adultos a consolidarem seus desejos e visualizarem novas perspectivas. Dentre os recortes, a seguir, pode-se observar tal fato: Depois que conheci a Psicologia passei a ver o mundo diferente. (Aluno 1) Aprendi com a psicologia a ter mais paciência com as pessoas. (Aluno 2) Nesta disciplina perdi o medo de falar na frente das outras pessoas. Agente ta aqui para aprender. (Aluno 3) Aprendi com a psicologia a saber como agir em grupo e a respeitar mais as pessoas. (Aluno 4) Quero continuar estudando, porque é muito bom saber das coisas, nunca pensei em estudar psicologia na minha vida. (Aluno 5) O assunto que eu mais gostei foi sobre o líder, aprendi que tem muitos tipos e agente tem que saber como conviver. (Aluno 6)

Diante destes aspectos é importante perceber que a Psicologia pode ser elemento chave na intersecção entre educação e trabalho, pois se deve compreender que a qualificação profissional desejada não é apenas profissional ou técnica, mas especialmente, social, humanista e cidadã. Neste sentido, é preciso pensar no PROEJA considerando: o trabalho como principio educativo; o direito ao trabalho como um valor estruturante da cidadania; a qualificação como uma política de inclusão social e um suporte indispensável do desenvolvimento sustentável, a associação entre a participação social e a pesquisa como elementos articulados na construção desta política e na melhora da base de informação sobre a relação trabalho-educação-desenvolvimento (BRASIL, 2005, p. 20-21).

Considerações Finais

O reconhecimento da necessidade de novos estudos nesta área é fundamental, principalmente se considerar a relação entre educação e trabalho numa perspectiva interdisciplinar; se compreender que homens e mulheres produzem sua condição humana


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pelo trabalho e que, para muitos, a educação profissional implica num fim de uma caminhada educacional e um começo de uma nova vida. Possibilitar discussões e reflexões sobre este cenário e especialmente sobre uma prática efetiva da vivência pessoal e profissional de jovens e adultos na sociedade traz à tona diversas possibilidades de intervenção já que estes alunos desejam a inclusão social, o reconhecimento social e a capacidade de serem produtivos numa sociedade moderna e globalizada. Sendo assim, é importante pensarmos que o grande desafio, hoje, no que se refere à realidade educacional, social e econômica dos países que estão em desenvolvimento é resgatar cidadania dos jovens trabalhadores e ampliar as políticas de inclusão social e desenvolvimento sustentável numa tentativa de se aproximar de uma realidade social de um país mais desenvolvido do que o nosso. Este é apenas um estudo inicial, poderemos ampliar possibilidades de inclusão social destes grupos que não tiveram a oportunidade de concluir seus estudos no período considerado ideal, porque precisaram trabalhar. Neste sentido, este cenário gerou uma série de desafios para todos os profissionais que passaram a trabalhar com este público, pois a gestão educacional exige uma nova postura do educador, voltada especialmente, para o processo de ensino e aprendizagem e a construção do conhecimento destes alunos que tem outras necessidades e que chegam aos Institutos Federais com outras expectativas, principalmente, porque ao retornar a escola veem a possibilidade de unir a educação e o trabalho num único sentido, a da inclusão numa sociedade que por muito tempo foi tão injusta.

Notas Centro de Referencia e Assistência Social – CRAS, instituição com equipe multiprofissional atuando na comunidade. 1

Referências

ALMEIDA, Ângela Maria de O. A pesquisa em representações sociais, proposições teórico-metodológicas. In. SANTOS, M. F. de S. e ALMEIDA, l. M. (Orgs.). Diálogos com a teoria da representação social. Ed. Universitária da UFPE, 2005. BRASIL. MEC/SETEC/PROEJA. Documento Base. Programa nacional de integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de educação de jovens e adultos. Brasília: SETEC/MEC, 2009. MOSCOVICI, S. Representações Sociais: Investigações em psicologia social. Petrópolis: Vozes, 2003. SANTOS, M. de F. de S. Representações Sociais e psicologia social. In. ALMEIDA, A. M. O. e JODELET, D. (orgs.) Representações sociais: Interdisciplinaridade e diversidade de paradigmas.Brasília, DF:Thesaurus, 2009.


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EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DE JOVENS E ADULTOS: UM NOVO CENÁRIO NOS INSTITUTOS FEDERAIS DE EDUCAÇÃO Maria do Socorro Ferreira dos Santos* Ivanice Borges Lemos* Iane Sampaio Moreira Lima* Magda Renata Marques Diniz* Patrícia Lins Arroxelas Galvão*

Resumo O trabalho tem como objetivo é apresentar o perfil dos alunos do Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade Educação de Jovens e Adultos (PROEJA), do Curso de Hospedagem, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Alagoas, campus Marechal Deodoro, além de discutir as representações sociais dos alunos acerca da volta aos estudos. A metodologia utilizada foi a quantiqualitativa, com a utilização de questionários semiabertos e discussão em grupo. Os dados coletados revelaram sentimento de exclusão, causando desmotivação e baixa autoestima desses alunos, além de dificuldade no processo de aprendizagem quando se deparam com novos desafios em sala de aula, associado à dificuldades em administrar o trabalho, família e atividades exigidas na escola. Os alunos/trabalhadores buscam se adequar ao novo formato de educação básica e educação profissional com demandas específicas e novas exigências. Mesmo encontrando na literatura muitas discussões sobre o tema da educação de jovens e adultos, são necessárias novas intervenções numa busca constante de uma educação continuada para os professores que também fazem parte dessa nova realidade dos Institutos Federais. Palavras chave: Educação Profissional. EJA. Trabalho. Abstract The paper aims to present a profile of students in the Integration Program of Professional Education in the School Type Youth and Adults Course Hosting, Federal Institute of Education, Science and Technology of Alagoas, campus Marechal Deodoro, and discuss the social representations of students about the return to school. The methodology used was the quantitative and qualitative, with the use of questionnaires and semi-open group discussion. The data collected revealed a sense of exclusion, causing low self-esteem and motivation of these students, as well as difficulty in the learning process when faced with new challenges in the classroom, coupled with the difficulties in managing work, family and activities required at school. Students / workers seek suit the new format of basic education and vocational education with specific demands and new requirements. Even finding many discussions in the literature on the topic of education for youth and adults, new interventions are needed in a constant search for continuing education for teachers are also part of this new reality of the Federal Institutes. Keywords: Professional Education. EJA. Work.

*Professores do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Alagoas (IFAL).


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Introdução

O objetivo deste trabalho é apresentar o perfil dos alunos do Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade Educação de Jovens e Adultos (PROEJA), Curso Hospedagem, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Alagoas, Campus Marechal Deodoro, além de discutir as representações sociais dos alunos acerca da volta aos estudos. Como metodologia utilizou questionário semiestruturado, técnicas de dinâmica de grupo, observação participante e entrevistas. A coleta dos dados ocorreu nos semestres letivos em 2010 e 2011, participaram da pesquisa turmas do curso de Hospedagem do Campus Marechal Deodoro/IFAL, cerca de 50% dos alunos matriculados, totalizando 80 alunos. O PROEJA é originário do Decreto n. 5478 de 24 de junho de 2005 que expôs a decisão governamental de atender à demanda de jovens e adultos pela oferta de educação profissional técnica de nível médio. O documento Base deste programa (2009) traz como alguns princípios norteadores: a) inclusão da população em suas ofertas educacionais promovendo e produzindo oportunidades que possam assegurar a permanência e o sucesso dos alunos nas diversas unidades escolares; b) inserção orgânica da modalidade EJA integrada à educação profissional nos sistemas educacionais públicos; c) ampliação do direito à educação básica, pela universalização do ensino médio; d) compreensão do trabalho como princípio educativo; e) utilização da pesquisa como fundamento da formação do sujeito contemplado nessa política, além de contribuir para a construção da autonomia intelectual desses sujeitos/educandos; f) condições geracionais, de gênero de relações étnico raciais, como fundante da formação humana e dos modos como se produzem as identidades sociais. Acredita-se que esse programa deve ser entendido diferentemente de outros já implementados pelo governo federal ao longo dos anos para atender a esse universo, pois, neste momento, a vinculação da escola média com a perspectiva do trabalho possibilita inúmeras discussões e reflexões sobre esse público-alvo e especialmente sobre uma prática efetiva da vivência pessoal e profissional desses alunos na sociedade, além de trazer à tona diversas possibilidades de intervenção, já que tal público deseja a inclusão, o reconhecimento social e a capacidade de serem produtivos numa sociedade moderna e globalizada.


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1 Representações sociais: uma leitura interdisciplinar

O aporte teórico empregado para o entendimento das questões propostas nesse trabalho foi a teoria das Representações Sociais, uma vez que ela fornece subsídios para vislumbrar a construção social da realidade, bem como para apreender o saber prático/tácito produzido pelos alunos/trabalhadores. O termo “Representações Sociais” foi inaugurado pelo psicólogo social francês Moscovici em seu trabalho intitulado La psychanalyse, son image et son public. Partindo da tradição da sociologia do conhecimento, o autor começa a desenvolver uma psicossociologia do conhecimento e apresenta, inicialmente, o seguinte conceito: as representações sociais são entidades quase tangíveis. Elas circulam, se entrecruzam e se cristalizam continuamente, através duma palavra, dum gesto, ou duma reunião, em nosso mundo cotidiano. Elas impregnam a maioria de nossas relações estabelecidas, os objetos que nós produzimos ou consumimos e as comunicações que estabelecemos. Nós sabemos que elas correspondem, dum lado, à prática específica que produz essa substância, do mesmo modo como a ciência ou o mito correspondem a uma prática científica ou mítica (MOSCOVICI, 2003, p. 10).

Em outras palavras, a representação é social no sentido de ser construída coletivamente como um produto das interações e dos fenômenos de comunicação numa dada sociedade e por refletirem o contexto ideológico, econômico, social desses mesmos sujeitos que interagem nos grupos que a formam. Com esse conceito, Moscovici (2003) pretende ultrapassar a dicotomia indivíduo e sociedade, pois a representação social é considerada como uma estrutura psicológica relativamente autônoma e simultaneamente pertencente a uma sociedade. Assim, toda representação é representação de alguma coisa, mas também de alguém que a constrói. Reafirma-se, portanto, a dimensão contextual em que se busca estudar a cultura e a história do objeto de pesquisa. É pensando em tais questões que se pode articular a proposta deste estudo, pois o trabalho e a educação são atividades fundamentais na constituição do homem e requerem uma visão interdisciplinar do sujeito, pois este deve ser compreendido em sua amplitude social, cultural, política e econômica. É importante dizer que a "Grande Teoria das Representações Sociais" está dividida em três correntes teóricas complementares: uma liderada por Jodelet, em Paris, mais fiel à teoria original; uma segunda, mais articulada com uma perspectiva sociológica, que é representada por Doise, em Genebra e uma terceira liderada por Abric, em Aix-enProvence, que enfatiza a dimensão cognitivo-estrutural (SÁ, 1998, p. 65). Segundo Sá (1998, p. 65), "não se trata, por certo, de abordagens incompatíveis entre si, na medida em que provêm todas de uma mesma matriz básica e de modo algum a desautorizam". Neste sentido, entende-se que os desacordos entre essas correntes não são insuperáveis, pois se encontram mais pontos de convergências e de uma possível articulação do que de distanciamento. Sendo assim, é possível por meio dessa teoria construir um olhar interdisciplinar envolvendo Educação e trabalho, pois, além de essa ser a base teórica que fundamenta este estudo é também o que sustenta e orienta a metodologia, principalmente por acreditar que


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"nesta busca, nada do metodológico nos é estranho. Não nos inibiremos de bater à porta de nossas colegas, a antropologia, a sociologia, a comunicação, a teoria literária, a linguística, a estatística, para utilizar os seus recursos" (ARRUDA, 2003).

2 Resultados e Discussões

2.1 O perfil: os alunos que buscam o PROEJA Percebe-se que, apesar da caracterização dada por idade, “jovens e adultos” não nos remete a uma questão de faixa etária, mas, principalmente, a uma questão de especificidade cultural. Isso porque as orientações educativas dirigidas para esse públicoalvo delimita quem é este jovem e quem é este adulto. Outro fator que chama a atenção é que a idade média dos alunos é de 18 e 29 anos: idade produtiva para o adulto e quando muitos estão formando suas próprias famílias. Gráfico1- Idade

12%

3% 18-28 anos 29-29 anos 50%

35%

40-50 anos acima de 51 anos

Fonte: Dados da pesquisa (2011)

Tais sujeitos, apesar de produtivos não são universitários, nem são profissionais qualificados que frequentam cursos de formação continuada ou especialização, ou voltaram à escola em busca de uma educação continuada. Esses jovens e adultos são, em sua maioria, mulheres que casaram muito jovem e que decidem buscar uma nova oportunidade de crescimento.


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Gráfico 2 - Gênero

18%

Masculino Feminino

82%

Fonte: Dados da pesquisa (2011)

Em sua maioria, são mulheres com filhos, trabalhadoras artesãs, domésticas, atendentes, cozinheiras, costureiras, ou que aceitam atividades enquadradas como serviços gerais e apresentam uma média de 10 anos afastadas da escola.

Gráfico 3- Tempo afastado da escola

9% 29%

18%

Menos de 4 anos 5 a 10 anos 11 a 20 anos Acima de 21 anos

44%

Fonte: Dados da pesquisa (2011)

2.2 As dificuldades da volta

Percebe-se que, ao retornarem à escola, esses alunos e alunas sentem medo do fracasso, uma sombra de seu passado em instituições educativas, isso é evidenciado pela representação da exclusão em cada discurso, ancorado nas representações negativas construídas culturalmente sobre a dificuldade de adaptação a regras, exigências e rotinas educacionais. Refletir sobre estas dificuldades, segundo Oliveira (1999), envolve transitar pelo menos por três campos: a condição de “não crianças”, a condição de excluídos da escola e a condição de membros de determinados grupos culturais. Ao retornarem à escola e se depararem com situações de aprendizagem e desafios diferentes das vividas no passado, como, por exemplo, o uso de novas tecnologias, esses alunos veem-se diante de fantasmas como intolerância e falta de motivação de alguns profissionais que não acreditam na sua capacidade de aprender e no seu sucesso ou, talvez, numa educação partilhada de afeto e respeito às diferenças. Além disso, são confrontados


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com suas próprias diferenças, precisando (re) aprender a respeitar os seus limites e os do outro colega que também se depara com diversos conflitos. Essa realidade pode ser analisada a partir de fragmentos de falas de diversos alunos durante as dinâmicas de grupo: Às vezes não consigo entender o que o professor ta falando, é muito difícil (aluno 1) A idade atrapalha, porque eu não sou muito novo, a cabeça não ajuda. (aluno 2). As vezes não venho porque não tenho onde deixar minhas crianças. (aluno 3) Fiquei um pouco nervoso quando voltei a estudar, achava que não tinha mais cabeça pra aprender. (aluno 4) Não faço as tarefas, tenho falta de tempo pra estudar, porque trabalho muito (aluno 5) Não continuei estudando porque meu marido não deixou. (aluno 6) Tenho dificuldade de ler ainda, as vezes não consigo entender as coisas que o professor manda agente ler ou fazer (aluno 7) A matemática continua difícil. Nunca aprendi. Já desisti por causa dela. (aluno 8) O cansaço físico, às vezes atrapalha e agente não tem coragem de vir. (aluno 9)

Neste sentido, pode-se perceber que os problemas encontrados pelos alunos nesse retorno estão ancorados nas representações negativas de algumas experiências educativas de um passado de fracasso e frustração somado à realidade de trabalhar e estudar ao mesmo tempo, além de administrar marido, filhos, afazeres domésticos, entre outros. Percebemos, ainda, que muitas dessas dificuldades surgem quando o professor não se sente preparado para enfrentar metodologicamente esse universo, que exige um olhar diferenciado do processo de ensino-aprendizagem.

Considerações Finais

O Documento Base do PROEJA (MEC/SETEC, 2009, p. 28) aponta vários caminhos para que se possa compreender a educação de jovens e adultos nos IFs, entre eles, destaca-se a necessidade da formação de professores para trabalhar com este público, pois, como diz o documento: “a formação de professores e gestores objetiva a construção de um quadro de referência e a sistematização de concepções e práticas político-pedagógico e metodológicas que orientem a continuidade do processo”. Nesse sentido, destaca que, para alcançar esse objetivo, “a ação se dará em duas frentes: um programa de formação continuada sob a responsabilidade das instituições proponentes e programas de âmbito geral fomentado ou organizado pela SETEC/MEC.” As instituições proponentes devem contemplar em seu Plano de Trabalho a formação continuada através de, no mínimo: a) a formação continuada totalizando 120 horas, com uma etapa prévia ao início do projeto de, no mínimo 40 horas;


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b) participação em seminários regionais, supervisionados pela SETEC/MEC, com periodicidade semestral e em seminários nacionais com periodicidade anual, organizados sob-responsabilidade da SETEC/MEC; c) [...] participação de professores e gestores em outros programas de formação continuada voltados para o PROEJA. A SETEC/MEC como gestora nacional do PROEJA será responsável pelo estabelecimento de programas especiais para a formação de formadores e para pesquisa em educação de jovens e adultos, através de: a) oferta de Programas de Especialização em educação de jovens e adultos como modalidade de atendimento no ensino médio integrado à educação profissional; b) cursos de pós-graduação (mestrado e doutorado). A SETEC/MEC será responsável pela articulação necessária para a concretização desses cursos, e junto com as instituições proponentes organizará a participação dos professores e gestores; c) fomento para linhas de pesquisa em educação de jovens e adultos. (MEC/SETEC, 2006, p. 29)

Acreditamos que possibilitar discussões e reflexões sobre esse cenário e, especialmente, sobre uma prática efetiva da vivência pessoal e profissional de jovens e adultos na sociedade, traz à tona diversas possibilidades de intervenção, já que esses alunos desejam a sua inclusão e reconhecimento social e a capacidade de serem produtivos numa sociedade moderna e globalizada. Sendo assim, é importante pensarmos que o grande desafio, hoje, no que se refere à realidade educacional, social e econômica dos países que estão em desenvolvimento é resgatar a cidadania dos jovens trabalhadores e ampliar as políticas de inclusão social e desenvolvimento sustentável numa tentativa de se aproximar de uma realidade social de um país mais desenvolvido do que o nosso. Este é apenas um estudo inicial, poderemos ampliar possibilidades de inclusão social desses grupos que não tiveram a oportunidade de concluir seus estudos no período considerado ideal, porque precisaram trabalhar. Nesse sentido, tal cenário gerou uma série de desafios para todos os profissionais que passaram a trabalhar com este público, pois a gestão educacional exige uma nova postura do educador, voltada, especialmente, para o processo de ensino e aprendizagem e a construção do conhecimento desses alunos que têm outras necessidades e que chegam aos Institutos Federais com outras expectativas, principalmente, porque ao retornar a escola veem a possibilidade de unir a educação e o trabalho num único sentido, o da inclusão numa sociedade que por muito tempo foi tão injusta.


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Referências

ARRUDA, A. Viver é muito Perigoso: A pesquisa em Representações Sociais no Meio do Rodamoinho. In. COUTINHO, M. P. L. et al. Representações Sociais: abordagem interdisciplinar. João Pessoa: UFPB, 2003. BRASIL, MEC/SETEC/PROEJA. Documento Base. Programa nacional de integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de educação de jovens e adultos. Brasília: SETEC/MEC, 2009. MOSCOVICI, S. Representações Sociais: Investigações em psicologia social. Petrópolis: Vozes, 2003. OLIVEIRA, Marta K. Jovens e adultos como sujeitos de conhecimento e Aprendizagem. Disponível em: <http://www.cinterfor.org.uy/public/spanish/region/ampro/cinterfor/temas/youth/doc/not/li bro286/libro286.pdf>. SÁ, Celso P. Núcleo Central das Representações Sociais. Petrópolis: Vozes, 1996.


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O PROEJA NO IFAL CAMPUS MARECHAL DEODORO: ESBOÇO DE UMA REALIDADE Lúcia Kozow*

Resumo Este artigo traz a luz uma pesquisa realizada no Instituto Federal de Alagoas (IFAL) campus Marechal Deodoro no calendário acadêmico 2011 e demonstra, através de alguns dados analisados, como se encontra funcionando o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA) que possui uma característica diferenciada da Educação de Jovens e Adultos (EJA) no sentido de que se interconecta a Educação Profissional (EP). Assim, a apresentação desses dados deve ser vista como uma contribuição para que através, do conhecimento da realidade, novas metas e objetivos mais amplos possam ser traçados no sentido de mudar, complementar ou aperfeiçoar o processo existente. Os dados expostos são significativos e demonstram que o referido programa cumpre com um dos principais objetivos a que se destina e mostra que há possibilidade e necessidade de melhorar em alguns aspectos. Palavras chave: PROEJA. Pesquisa. Resultados.

Abstract This article brings to light a survey conducted at Instituto Federal de Alagoas (IFAL), Marechal Deodoro campus, during the school year of 2011, and demonstrates, through some of the data analyzed, how the Programme for Integration of Professional Education is working with Basic Education in the form Education for Youths and Adults (PROEJA) that has a distinctive feature of Education Programme for Youth and Adults (EJA), once it is interconnected to the Professional Education. Thus, the representation of such data through the reality knowledge might be seen as a contribution for the development of new targets and broader objectives in order to make changes, supplement or improve the existing process. The data are very significant and shows that the Profession Education Programme meets with the main objective which was developed for and that there is a possibility and a need of improvement in all aspects. Keywords: PROEJA. Research. Results.

*Doutoranda em Linguística pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e professora do IFAL. luciaproeja@hotmail.com


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Introdução Um trabalho relacionado ao Programa Nacional de Integração Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA - (cf. decreto nº 5.840 de 2006) se caracteriza de maneira diferenciada porque nele se encontram pessoas que há muito tempo estavam fora da escola, por diferentes motivos, seja pela falta de oportunidades de freqüentar as aulas, seja porque o trabalho não permitia ou mesmo porque não se sentiam capazes. Os motivos são muitos, mas o importante é que se possa garantir a estas pessoas não somente o acesso a educação como também que este acesso se dê com qualidade. O objetivo fundamental deste trabalho é dar a conhecer os resultados de uma pesquisa realizada no Instituto Federal de Alagoas (IFAL) campus Marechal Deodoro que contou com a participação efetiva de 74% dos alunos matriculados no calendário acadêmico 2011, nas turmas do PROEJA. Esta pesquisa quanti-qualitativa foi realizada através de um questionário aplicado aos alunos em sala de aula, visando conhecer a realidade em que se encontram inseridos, para que se possa ter clareza a respeito do funcionamento do PROEJA no campus pesquisado, o que permitirá que se possa pensar um trabalho de forma mais direcionada, em que novas ações e tomadas de decisões possam surgir, resultando em uma melhora ou aperfeiçoamento da qualidade de ensino, além de uma contribuição mais eficaz junto ao público a que se destina. Neste sentido e dentro de uma visão epistemológica e ontológica tem-se a escola como um local de ingresso de alunos trabalhadores, visto que uma grande parte deles já se encontra no mercado de trabalho, incluindo-os numa modalidade especial que começa na escola e que vai acompanhar-lhes pela vida afora através dos conhecimentos por eles adquiridos, pois como diz Paulo Freire (1989:15) referindo-se a leitura e a escrita “ler e escrever implica uma nova leitura, a leitura da própria realidade”. Deste modo, estes alunos poderão e terão condições de fazer, através dos novos conhecimentos adquiridos, uma nova leitura da sua realidade, o que em consequência pode promover mudanças, que, seguramente, serão positivas. 1 A educação de jovens e Adultos (EJA) e a Educação Profissionalizante (EP) A Educação de Jovens e Adultos (EJA) interconectada à Educação Profissionalizante (EP) representa um grande e muitas vezes assustador desafio aos profissionais da educação e porque não dizer aos gestores de maneira geral que até então tinham ambos como campos distintos. Como pensar em campos distintos quando se vê e se tem, por exemplo, cidadãos sendo excluídos do mercado de trabalho porque não possuem qualificação, porque lhes faltam conhecimentos gerais e específicos e porque não dizer, porque não conseguem fazer uma leitura no sentido de interpretar determinada realidade, vencer um obstáculo que ora se apresenta por mais que aparentemente não demonstre um grau de dificuldade que o justifique. Estas são questões que devem servir como pontos de reflexão para que se prossiga em um trabalho que venha a trazer ou suprir uma necessidade que se encontra presente no cotidiano das pessoas que até então se encontravam à margem do acesso ao conhecimento,


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no sentido epistemológico do termo, e, que ao mesmo tempo possuem uma necessidade que se não se compara a este conhecimento, talvez o ultrapasse no sentido de que já se encontram no mercado de trabalho ou tentando a ele adentrar-se. Por outro lado, é necessário que os profissionais que atuam nessas duas modalidades de educação que, no sentido aqui mencionado, é único, a Educação de Jovens e Adultos (EJA) aliada ou diretamente conectada à educação Profissional (EP), precisam de algum tempo para entender ou conscientizar-se do trabalho a realizar e modificar o seu modo de pensar e agir, passando, assim, a compreender melhor a relevância social e pedagógica da integração resultante, o que representa um desafio de uma práxis pedagógica transformadora. Em complemento ao acima exposto, mencionamos e comentamos a seguir, alguns dados indicativos dos resultados da pesquisa. 1

Análise dos Dados

Apresentamos abaixo os gráficos com os dados obtidos e com os comentários e informações pertinentes:

Percentagem, %

Gráfico 1 – Distribuição da faixa etária no PROEJA, Marechal Deodoro, AL, 2011

45 40 35 30 25 20 15 10 5 0

42,02 30,25 19,33 7,56 0,84 18-25

26-35

36-44

45-54

>54

Faixa etária

Este primeiro gráfico se relaciona com a idade apresentada pelos alunos que se encontram frequentando as aulas. Como se pode verificar, se somarmos a faixa etária de 18 a 35 anos de idade temos o percentual de 72,27%, o que representa a grande maioria dos estudantes que participam do PROEJA. O que nos leva à constatação de que o programa está atingindo o seu objetivo que é oportunizar a este público o acesso à educação, principalmente por estar atingindo um grupo que se encontra em plena idade produtiva. Por outro lado, ainda que em menor proporção, também existem pessoas em idade avançada sendo igualmente beneficiadas pelo Programa, o que demonstra que, principalmente essas pessoas, carregam a marca da exclusão social, mas ao mesmo tempo se deve pensar que todas elas são sujeitos do tempo presente e do tempo futuro. É necessário que a educação venha, efetivamente, contribuir para transformá-las, de forma que possam, por seu intermédio, promover transformações significativas no mundo que as cerca.


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Gráfico 2 – Faixa de renda familiar dos alunos do PROEJA, Marechal Deodoro, 2011 70

61,16

Percentagem, %

60 50 40 30

23,14

20

11,57

10

4,13

0,00 0 <1SM

1SM

1-2SM

2-5SM

5-10SM

Salário mínimo, R$

Este gráfico representa a resposta para a pergunta sobre qual seria a faixa de renda mensal da família. Ele mostra que os 61,16%, que é um percentual bastante alto, representam a maior das faixas que sobrevivem com uma renda familiar correspondente a um salário mínimo vigente, e uma percentagem significativa de 23,14%, com menos de um salário mínimo, o que vem a ser confirmado através do gráfico seguinte (3) em que se pode perceber que o valor recebido através da bolsa auxílio vem a complementar a renda familiar. Ressalte-se que estes alunos se encontram em idade produtiva, tanto em nível de produção pessoal, quanto em nível de produtividade para o país. Algumas das famílias estão constituídas em média por até cinco pessoas e outras por um número maior, o que, em consequência, nos leva a pensar sobre em que ou quais condições de vida (sobre) vivem estas pessoas. Gráfico 3 – Utilização da Bolsa Auxílio do PROEJA, Marechal Deodoro, AL, 2011

45

40,88

40

35,77

Percentagem, %

35 30 25

21,17

20 15 10 2,19

5 0 casa

transport

material

o

Em que é utilizada a Bolsa Auxilio do PROEJA? Em resposta a esta pergunta, este gráfico mostra que a Bolsa Auxílio, que é recebida pelos alunos que frequentam as aulas regularmente no PROEJA, é mais usada como complemento da renda familiar do que com


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o que está diretamente relacionado à questão escolar. Neste sentido poderíamos dizer que ela não cumpre com o objetivo a que se destina. Entretanto, se somarmos os dados relacionados com transporte escolar e material escolar constatamos que, embora não de forma plena, ela cumpre com o objetivo a que se destina. Os autores De Conti e Rocha (2010, p. 53), em uma pesquisa realizada com alunos do PROEJA no Instituto Federal Farroupilha no campus São Vicente do Sul, indicam que a Bolsa Auxilio “além de ajudá-los com os gastos do transporte e material de consumo, serve como um fator motivacional muito importante”, no sentido de que os alunos anseiam pela inserção no mercado de trabalho e também pela continuidade dos estudos após a conclusão do curso. No campus Marechal Deodoro (IFAL) não se observa de maneira significativa que os alunos estejam voltados para seguir seus estudos após sua passagem pelo PROEJA. Em geral, eles não demonstram esta vontade. Talvez lhes falte mais motivação ou uma compreensão mais ampla sobre a proposta do Programa que veio para suprir a necessidade de qualificação para aqueles sujeitos que em idade adequada não tiveram acesso à educação. Por outro lado, se verifica claramente que a Bolsa Auxílio contribui para que os alunos tenham melhor frequência às aulas e permaneçam no curso até o seu término. Assim sendo, eles têm acesso ao conhecimento o que lhes proporcionará serem sujeitos ativos na construção de um conhecimento próprio, permitindo, futuramente, contribuir e intervir ainda mais, no mundo, através da educação.

Percentagem, %

Gráfico 4 – Local que os alunos do PROEJA acessam a internet, Marechal Deodoro, AL, 2011

45 40 35 30 25 20 15 10 5 0

39,47

26,32 15,79 11,40 1,75 nacesso

casa

ifal

trab

1,75 lhouse

o

3,51 sr

Este gráfico demonstra que uma porcentagem significativa de alunos está tendo acesso ao mundo globalizado, através do uso da internet (39,47%) e da informática de maneira geral por meio dos diversos programas existentes, proporcionados pela Instituição. Entretanto, ainda se faz necessário atingir um número também significativo que são aqueles


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que até então, por diferentes motivos, não estão se utilizando da informática (26,32%) e o mercado de trabalho, cada vez mais, demanda o conhecimento das novas tecnologias. Assim, cabe a escola encontrar uma forma de situar a internet como ferramenta de pesquisa e ensino incorporada às práticas pedagógicas, estimulando os alunos à aprendizagem, através do seu domínio, colocando-os ao alcance das informações quando e onde for necessário e dentro de um tempo cada vez mais curto, enfocando deste modo o instrumento como uma ferramenta de pesquisa e apoio ao ensino. Segundo Passos e Marchand (2010, p. 88) “é necessário transformar a cidadania digital em política pública, mas é preciso, primeiramente, reconhecer que a exclusão digital amplia a miséria e dificulta o desenvolvimento humano”. Neste sentido, vemos que um primeiro passo já foi dado quando contemplamos os dados acima (cf. gráfico 4), mas sabemos que ainda há muito por fazer e a vontade política, neste caso, é de fundamental importância. Gráfico 5 – Grau de satisfação dos alunos do PROEJA, Marechal Deodoro, AL, 2011 60

Percentagem, %

50

48,36 40,98

40 30 20 8,20

10

0,82

1,64

insatisfeit

sr

0 e

b

r

Grau de satisfação

Este gráfico deixa claro que o grau de satisfação dos alunos em estar frequentando as aulas na Instituição é bastante alto, com uma porcentagem dos que estão especialmente satisfeitos, somada aos que se encontram bastante satisfeitos correspondente a 89,34%, o que significa considerar que o trabalho está atendendo às expectativas do alunado e que as condições escolares oferecidas são bem aceitas. Entretanto, ainda existe uma porcentagem de alunos à ser trabalhada, o que significa dizer que se deve investigar o que está ocorrendo para em seguida empreender novos objetivos e metas, que venham a superar as dificuldades e/ou problemas existentes e que estão fazendo com que estes alunos se encontrem insatisfeitos.


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Considerações Finais

Diante do acima exposto, podemos considerar que o Programa de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA) que se encontra implantado, e, em pleno funcionamento no Instituto Federal de Alagoas (IFAL) campus Marechal Deodoro, atende aos propósitos a que se destina, no sentido de que está proporcionando não somente a inserção de uma camada da sociedade que se achava a margem no que se refere à inclusão escolar, mas sim, que lhes está proporcionando muitos benefícios como o acesso à inclusão digital, por exemplo, e oferecendo-lhes a superação do tempo perdido para que essas pessoas possam adquirir uma melhor formação e capacitação para o mundo do trabalho, o que vai abrir-lhes novas oportunidades. O que se pode perceber e como bem observam Machado e Oliveira (2010, p. 7) é que “as coisas acontecem quando há vontade política, meios ou recursos e se elas têm legitimidade perante a opinião pública”, pois em sentido contrário seria mais difícil realizar um trabalho nos moldes do PROEJA. Assim, o que se percebe é que há uma vontade política e que por mais que o processo de integração entre a Educação de Jovens e Adultos (EJA) com a Educação Profissional (EP) não representa uma tarefa fácil e de curto prazo, e que se apresente aos olhos de alguns como “andando a passos lentos”, é possível verificar através dos dados acima expostos que já se tem resultados significativos.

Notas i

Os gráficos que seguem foram organizados como contribuição ao presente trabalho pelo professor doutor Lúcio Bastos Madeiros do Instituto Federal de Alagoas (IFAL) campus Marechal Deodoro. ii

Tivemos um relato de uma aluna que usava a Bolsa Auxilio para pagar o seu aluguel. Também de outra que estava sobrevivendo com o que dela recebia, ou seja, deste auxilio vinha sua alimentação. O valor atual desta Bolsa é de R$100,00 (cem reais). O gráfico nº 2, acima exposto, mostra que a maioria dos alunos vive com uma renda de um salário mínimo e sabemos que isto não significa um valor para apenas uma pessoa.

Referências

BRASIL. Decreto 5.840 de 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/_Ato2004-2006/2006/Decreto/D5840.htm>. Acesso em: 16 jan. 2012. DE CONTI, Fabieli e ROCHA, Pedro Chaves da. Alunos do PROEJA e influência da bolsa de assistência estudantil. Em: SANTANA et al (orgs.). Refletindo sobre o PROEJA: produções de São Vicente do Sul. Editora Universitária/UFPEL, 2010. FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez Editora, 23. ed. 1989.


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MACHADO, Maria Margarida & OLIVEIRA, João Ferreira (orgs): A formação integrada do trabalhador: desafios de um campo em construção. São Paulo: Xamã, 2010. PASSOS, Josiane Coelho dos e MARCHAND, Patrícia Souza. Internet: um novo paradigma na EJA. In: BENEVENUTI, Juçara et al. (Orgs). Refletindo sobre PROEJA: produções de Porto Alegre: Pelotas: UFPEL, 2010.


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A PESQUISA-AÇÃO COM O RELATO PESSOAL NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: REFLEXÕES PARA O ENSINO DE LÍNGUA MATERNA

Ricardo Jorge de Sousa Cavalcanti* Cristiano Lessa de Oliveira**

Resumo O presente trabalho objetiva investigar atividades de prática de retextualização de alunos do Programa de Educação de Jovens e Adultos a fim de captar possíveis mudanças ocorridas textual e discursivamente nas suas produções, concebendo a argumentação como atividade fortalecedora das relações humanas nas mais diversas esferas de atuação social. Reconhece as atividades de investigação com vistas à produção de gênero textual como propulsoras às discussões acadêmicas para o ensino de língua materna, possibilitando um estudo com base nos saberes e conhecimentos linguísticos dos sujeitos da EJA para que se possa debater a importância de atividades cuja tônica seja a “integração” do oral ao escrito. Insere-se numa linha de pesquisa de cunho qualitativo, uma vez que enfatizamos o processo interacional e não o produto das interações realizadas no ambiente de sala de aula. Analisaram-se, via questionários de satisfação, as sensações dos sujeitos envolvidos nas atividades durante o período de atuação, de forma que pudéssemos observar a contribuição da pesquisa no que diz respeito ao desenvolvimento de aspectos de ordem textual, linguística e discursiva dos alunos colaboradores. Palavras-chave: Gêneros textuais discursivos. Relato pessoal. Educação de Jovens e Adultos. Abstract This study aims to investigate the retextualization students’ practice activities at Education Program for Youths and Adults in order to capture possible changes in their textual and discursive productions, designing the argument as empowering activity of human relations in several spheres of social action. Recognizes the research activities aiming at the genre production as positivity to the discussions for teaching academic language, enabling a study based on knowledge and language skills of YAE subjects so that we can discuss the activities importance whose root is "integration" from oral to written. Part of a line of qualitative research, because we emphasize the interactional process and not the product of interactions performed in the classroom environment. It was analyzed through satisfaction questionnaires, the subjects’ sensations involved in activities during the actuation period, so that we could observe the research contribution regarding the development of collaborator students in textual, linguistic and discursive aspects. Keywords: Textual discursive genres. Personal narrative. Youths and Adults Education.

*Mestre em Educação - UFAL - richardcavalcanti@hotmail.com ** Doutor em Linguística –UFAL - lessacristiano@hotmail.com


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Introdução O estudo dos gêneros, atualmente, ocupa um grande espaço no processo de formação de sujeitos com vistas às suas práticas linguageiras. Tal debate, certamente, se dá pelo fato de concebermos, em corroboração com alguns postulados das teorias de gêneros textuais/discursivos, que é por meio de tal estudo que vemos o gênero como ação retórica cuja materialização discursiva se presta ao entendimento das práticas de atuação social. Com esse intuito, o presente trabalho pretendeu tratar da teoria de gêneros textuais/discursivos de forma prática com os alunos inseridos no Ensino Médio Integrado da Rede Federal de Ensino. A bem da verdade, segundo Cavalcanti (2010, p. 41), “a escola é uma das agências sociais formadoras da cidadania”. Assim, percebemos, diante das falas de alguns professores e de algumas autoridades da área, que os alunos apresentam baixos índices de desempenho em leitura e escrita em contato com os gêneros escolarizados nos mais variados níveis de escolarização. Essa situação, ora apresentada, contempla discussões diacrônicas de algumas práticas de leitura e escrita nos ambientes escolares ao longo dos tempos. Antunes (2003 apud Cavalcanti, 2010) nos alerta que para se descobrir as regularidades do funcionamento interativo da língua, por meio de contato com textos orais e escritos, é necessário levar os alunos a práticas discursivas as mais diversas, de acordo com as situações em que se inserem. A autora analisa que a escola por muito tempo concebeu o ensino de língua materna de forma passiva, ou seja, com evidência a um mutismo, fazendo com que os sujeitos ficassem calados, apáticos. Esse fato se deu para atender às necessidades daquela época, já que o modelo de escola apresentado era sinônimo de passividade e, consequentemente, suas práticas reproduziam aspectos desvinculados do social, do cultural e do político. Na análise dessa autora: “A escola, como qualquer outra instituição social, reflete as condições gerais de vida da comunidade em que está inserida” (2003, p. 20). Nos dias de hoje, diante da grandiosa contribuição das ciências da linguagem e com o advento da Linguística Textual, as discussões giram em torno do sujeito leitor e produtor de textos a fim de despertar-lhe uma melhor desenvoltura em sua competência comunicativa. Os chamados textos escolarizados dão espaço a textos autênticos, cujo principal enfoque é o seu uso social, parafraseando as palavras de Kaufman e Rodrigues (1995). Essas autoras abordam sobre a necessidade de trânsito entre os textos didatizados e os autênticos. Corroboramos ainda com Antunes (2003) no chamamento da nossa atenção para: [...] apenas a fala informal não pode servir de suporte para o desenvolvimento da compreensão de como acontece a escrita de textos formais. Ou seja, só pelo contato com textos escritos formais é que se pode apreender a formulação própria da escrita formal. Consequentemente, só com textos orais os alunos não chegam à competência para o texto escrito (ANTUNES, 2003, p. 53).

Nesse sentido, a escola, como iniciante no processo de letramento formal, deverá proporcionar um contato do sujeito com textos das mais variadas esferas de atuação, visto que é no despertar da autenticidade que se reforça a ideia de autoria. Para Geraldi (2005), a


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atribuição do termo linguagem deve considerar a subjetividade, ou seja, a relação entre linguagem, funcionalidade, intersubjetividade e o papel mediador do homem com o mundo. Consequentemente, as práticas de língua(gem), levando-se em conta os postulados aqui ora apresentados devem estar calcados no trabalho com a lectoescrita de gêneros textuais. Tal trabalho visa a uma minimização da deficiência linguístico-textual dos alunos inseridos no ensino médio integrado, na modalidade de Educação de Jovens e Adultos. Com efeito, reconhecemos a viabilidade discursiva deste trabalho, cuja tônica permeia a teoria dos gêneros textuais, pelo fato de entendermos que é por meio de um projeto de intervenção que contribuímos socialmente para a mudança da realidade em voga. Com esse intuito, a presente pesquisa trata-se de atividades de retextualização com o gênero Relato Pessoal na Educação de Jovens e Adultos.

1 O processo de retextualização como ferramenta de transposição de modalidades

O processo de Retextualização é algo que está presente na sociedade e é peça fundamental para que a comunicação perdure. A presença da escrita é constantemente evidenciada em contextos sociais da vida cotidiana e está em paralelo com a oralidade. Mesmo se reconhecendo diferenças entre a língua falada e a língua escrita, convém ressaltar que, depois de algumas investigações, os resultados já evidenciaram que a questão é complexa e bastante variável, pois se percebe que as semelhanças são bem maiores que as diferenças entre as duas modalidades da língua (MARCUSCHI, 2005). Ainda segundo Marcuschi (2005, p. 45), as relações entre a modalidade de fala e a modalidade da escrita podem ser mais bem entendidas quando observadas no continuum dos gêneros textuais. Significa dizer que tanto a fala como a escrita apresentam um continuum de variações, ou seja, a fala varia e a escrita também. Tal processo vai desde os bilhetes ou cartas pessoais a artigos de revistas ou ainda receitas culinárias e conversações informais do cotidiano das pessoas, como também as formas variadas de conversação em uma academia, ou júri, como textos científicos nas áreas da medicina, comércio, burocracia oficial etc. Em suma, o estudo das atividades de retextualização se aplica ao entendimento das operações recorridas pelo sujeito em seu processo de transcrição (ou transcodificação) do oral ao escrito e vice-versa. O gênero em pauta – o Relato Pessoal – segundo Costa (2008, p.159), pode ser definido como: “narração (v.) não ficcional escrita ou oral sobre um acontecimento ou fato acontecido, feita geralmente usando-se o pretérito perfeito ou o presente histórico”. Nesse sentido, a escolha do gênero se deu pela nossa forte convicção, como pesquisadores, que é por meio de um gênero multimodal que podemos investigar o processo de transposição do oral ao escrito.


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2 A metodologia da pesquisa-ação e as categorias de análise

A pesquisa-ação se insere nas metodologias de pesquisa de base qualitativa. Dessa forma, houve a sensibilização dos sujeitos em salas de Educação de Jovens e Adultos, do turno noturno, para que se entendesse a pretensão de formação de um grupo de estudos, que inicialmente se encontraria quinzenalmente, por três horas, para trabalhar com aspectos linguísticos, textuais e discursivos em prol de um melhoramento de suas práticas linguageiras. As categorias investigadas neste estudo estão pautadas a partir de uma abordagem de cunho sociorretórico, em que no processo de oralização e transposição ao escrito são passíveis de observação. Intentamos observar nas aulas/oficinas realizadas as verbalizações dos colaboradores em todos os momentos, bem como as marcas de oralidade impressas nos seus textos escritos. Ademais, observamos suas sensações com relação à receptividade das práticas de língua(gem) dispostas pelos pesquisadores no tocante à disciplina Língua Portuguesa. Os aspectos de cunho interativo-conversacional foram apresentados aos colaboradores a fim de que se inteirassem de tais elementos presentes em textos orais e, por vezes, transportados ao escrito. Além disso, os alunos puderam ter uma melhor familiarização com o gênero em tela – o gênero Relato Pessoal – visto que lidamos com a teoria de gênero numa análise sociorretórica; e, desse modo, os alunos colaboradores foram estimulados a partir de uma ação social a verbalizar e a escrever os seus relatos pessoais. A bem da verdade, concebemos o gênero relato como predominantemente narrativo, mas há de se reconhecer a presença de sequências tipológicas expositivoargumentativas, cuja presença de tais elementos podem suscitar estudos de natureza argumentativa, pois em sua enunciação o relator pode se valer de avaliações e de coda. Este último aspecto como elemento predominantemente narrativo, enquanto que o primeiro se enquadra como argumentativo. Ressignificamos que elegemos as teorias da pesquisa-ação por vermos nesse aporte teórico-metodológico, parafraseando Ibiapina (2008), a possibilidade de construção e reconstrução de saberes socialmente elaborados. Portanto, o nosso trabalho pauta-se em oficinas de leitura e produção de textos, em que os alunos desenvolvem suas capacidades comunicativas, tornando-se capazes de ler, interpretar, produzir e oralizar fatos por eles vivenciados, posicionando-se criticamente com relação à realidade social em que estão inseridos. Nesse sentido, a visão pragmática¹ de língua esteve presente nas oficinas para que tanto professor quanto aluno se sentissem motivados a perceber os enfoques linguísticos, culturais e sociais que subjazem à língua. Tal ação, de fato, possibilita a contribuição da assunção da identidade linguística dos atores engajados. Ademais, entendemos que o local de aplicação da pesquisa é carente de ações que pleiteiem o trabalho com o texto como unidade de sentido; e é via extensão de ensino que podemos estreitar os laços entre Instituição e comunidade, e até mesmo entre educadores de áreas afins às teorias de estudo do texto. Ainda com relação à metodologia, inserimo-nos numa linha de pesquisa de caráter qualitativo, pelo fato, sobretudo, de haver ênfase no processo interacional e não no produto das interações realizadas no ambiente de sala de aula. Ao tratar da natureza da pesquisa


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qualitativa, Moreira (2002) aborda as características básicas dessa metodologia, apresentando os seguintes itens. A pesquisa qualitativa inclui: 1) A interpretação como foco. Nesse sentido, há um interesse em interpretar a situação em estudo sob o olhar dos próprios participantes; 2) A subjetividade é enfatizada. Assim, o foco de interesse é a perspectiva dos informantes; 3) A flexibilidade na conduta do estudo. Não há uma definição a priori das situações; 4) O interesse é no processo e não no resultado. Segue-se uma orientação que objetiva entender a situação em análise; 5) O contexto como intimamente ligado ao comportamento das pessoas na formação da experiência. Integrando o arcabouço teórico dos estudos qualitativos, a pesquisa-ação também é assumida como metodologia deste Projeto, uma vez que “além de compreender, visa a (sic.) intervir na situação, com vistas a modificá-la” (SEVERINO, 2007, p. 120). Nesse sentido, nosso trabalho analisa as atividades de prática de retextualização de alunos da Educação de Jovens e Adultos, objetivando a captação de aspectos linguísticos, textuais e discursivos produzidos nas modalidades oral e escrita na elaboração do gênero Relato Pessoal.

3 Contribuições da análise de conservação predominantemente orais/multimodais

para

o

estudo

de

gêneros

A área da Análise da Conversação, além de pertencer a um campo da Linguística que se detém nos aspectos discursivos da linguagem, apresenta também um arcabouço metodológico que lhe serve de base para análises e interpretações. Diante disso, ela dispõe de um procedimento metodológico característico, que auxilia o analista conversacional no tratamento dos dados. Para Cestero Mancera (2000), as investigações nessa área hão de realizar-se através de análises exaustivas de dados reais, em situações concretas de uso da língua. Assim, também tomamos os estudos conversacionais como procedimentos metodológicos, conforme já suscitado neste trabalho. As questões teóricas que envolvem esse campo conduzem a utilização de uma metodologia que se caracteriza por quatro passos: 1) a coleta de dados; 2) a transcrição minuciosa das gravações; 3) a análise dos dados; e 4) a apresentação dos resultados (CESTERO MANCERA, 2000). O primeiro passo diz respeito à coleta de dados, que necessitam ser gravados a partir de conversações ocorridas de forma natural. A gravação dos dados permite a observação continuada da interação, fator importante tanto para a transcrição quanto para o desenvolvimento das análises. O segundo passo se relaciona com a transcrição minuciosa do material coletado. Esse ponto é muito importante para a pesquisa, uma vez que permite a escuta repetidas vezes, facilitando a localização dos fenômenos estudados. Serão usadas as normas de transcrição de Marcuschi (1997), sabendo-se que não há uma melhor maneira de transcrever os dados, já que, para cada tipo de pesquisa, há uma forma mais adequada de transcrição. O terceiro passo é a descrição detalhada das interações a partir das transcrições, ou seja, a análise dos dados. As análises dizem respeito ao minucioso exame dos fenômenos estudados. O quarto passo diz respeito à apresentação dos resultados, finalizando as análises com as conclusões obtidas pelo analista da conversação. Os resultados são abertos,


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isto é, prestam-se a comparações com outros tipos de materiais e a réplicas por parte de outros analistas ou do próprio pesquisador em etapas posteriores. Nas pesquisas em Análise da Conversação, área investigativa na qual este trabalho se insere, é de fundamental importância que os dados falem e que, por intermédio de sua voz, os analistas conversacionais descrevam as realizações da linguagem que se efetivam nas interações faladas. De acordo com Fávero et al (2010, p. 99), o pesquisador pode iniciar seus trabalhos a partir de seus parâmetros teórico-metodológicos, entretanto, o que ele precisa “é estar aberto à possibilidade de discutir e rever seus princípios à luz das revelações do novo estudo”.

4 A língua portuguesa com vistas ao trabalho com os gêneros textuais/discursivos na educação básica

Durante muito tempo, o ensino da Língua Portuguesa esteve atrelado aos estudos sobre descrição, codificação e decodificação da língua. Esse posicionamento, tradicional e normativo, não leva em consideração vários fatores que, necessariamente, estão envolvidos no processo de ensinar e aprender uma língua como, por exemplo: o contexto de uso, as estratégias de leitura, tanto as de ordem linguística quanto as de ordem cognitivo discursiva, mobilizadas pelos leitores a fim de levantar possíveis hipóteses, validar ou não suas hipóteses, bem como preencher as lacunas que um texto pode apresentar (KOCH; ELIAS, 2006). Com o desenvolvimento dos estudos em Linguística, sobretudo, os de áreas como a Pragmática, a Linguística Textual, a Análise do Discurso, a Análise da Conversação, observa-se um novo olhar com relação à língua(gem), entendida, agora, do ponto de vista dos interlocutores, da interação que acontece entre os sujeitos. Nessa perspectiva, o texto assume um papel fundamental na constituição desses sujeitos, sendo o “lugar de interação de sujeitos sociais, os quais, dialogicamente, nele se constituem e são constituídos” (KOCH e ELIAS, 2006, p. 7). Em decorrência, a ação de ler um texto requer dos interlocutores muito mais do que o simples conhecimento linguístico por eles compartilhado. Para as referidas autoras, em todo e qualquer texto, há uma gama de implícitos, dos mais variados tipos, apenas detectáveis pela mobilização do contexto sociocognitivo, no qual estão inseridos os atores. Dessa forma, a linguagem não é mais considerada como expressão do pensamento, como um ato monológico e individual, nem como instrumento de comunicação, como meio objetivo para a comunicação, numa visão de que a língua é um código que transmite mensagens de um emissor para um receptor; mas deve ser entendida como processo de interação humana, “de interação comunicativa pela produção de efeitos de sentido entre interlocutores, em uma dada situação de comunicação e em um contexto sócio-histórico e ideológico” (TRAVAGLIA, 2006, p. 23). Esse é um posicionamento também defendido por Koch (2007, p. 7), quando afirma que o processo de produção textual “é concebido como atividade interacional de sujeitos sociais, tendo em vista a realização de determinados fins”. Essa característica representa a visão sociointeracionista da linguagem, segundo a qual a construção de um texto exige do sujeito


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a mobilização de inúmeras atividades cognitivo discursivas que irão dotar o material textual de elementos que serão responsáveis pela construção de sentido. Dessa forma, o sujeito produtor/organizador do texto realiza o processo de produção “sob a influência de uma complexa rede de fatores, entre os quais a especificidade da situação, o jogo de imagens recíprocas, as crenças, convicções, atitudes dos interactantes, os conhecimentos (supostamente) partilhados, as expectativas mútuas, as normas e convenções socioculturais” (KOCH, 2007, p. 7). Nessa perspectiva, surgem os gêneros textuais/discursivos como fenômenos históricos vinculados à vida cultural e social, sendo eventos sócio-discursivos, uma vez que se empregam nas mais variadas situações comunicativas e em qualquer contexto discursivo, observando sua dinamicidade, pois não sendo instrumentos estanques e enrijecedores da ação criativa, possibilitam toda uma mobilidade e uma transmutação ao mesmo tempo. Nesse sentido, consideremos a infinidade de gêneros atuais existentes dadas às mudanças tecnológicas se comparados com outras épocas; tomando por base o universo tecnológico onde estamos imersos. Os gêneros textuais/discursivos também podem ser observados à luz dos estudos retóricos, sendo definidos pelas semelhanças nas estratégias ou formas nos discursos, pelas semelhanças nas audiências, pelas semelhanças nos modos de pensar, pelas semelhanças nas situações retóricas, gerando assim certo problema a uma análise teórica, bem como a uma análise crítica (MILLER, 2009). A teoria de gênero como uma ação social engendra o conceito retórico de gênero na funcionalidade, ou seja, a convencionalização cuja utilização é aparente ao estudo do gênero. Nesse sentido, a ação retórica corresponde a uma situação e a um motivo, seja simbólica ou não, é interpretável a partir do contexto de situação e pela atribuição de motivos. Nesse sentido, o gênero Relato Pessoal é levado a efeito em momentos interativos de sala de aula de língua materna, cujo objetivo visou à captação das sensações dos alunos com base em sua imersão ao trabalho com tal gênero. Ademais, as atividades de retextualização foram usadas não somente para investigação das operações recorridas na transposição do texto oral ao escrito, mas também pelo enveredamento de um estudo no campo das sensações dos sujeitos com relação a disciplina Língua Portuguesa, com base na experiência didática vivenciada. Como podemos perceber, este trabalho está inscrito na categorização da produção oral/escrita do gênero Relato, por se dispor de sequências textuais expositivoargumentativas; e por crermos estar tratando de instrumentais importantes às práticas linguageiras dos alunos da Educação de Jovens e Adultos. Temos consciência de que para se chegar ao texto narrativo-argumentativo escrito foi necessário despertar o interesse pela leitura de textos em prosa; bem como uma melhor consciência sobre aspectos da oralidade durante as aulas/oficinas de língua materna realizadas. Com efeito, os alunos colaboradores puderam se sentir motivados às atividades de retextualização sugeridas pelos pesquisadores. Além do mais, temos a compreensão que enveredar por projetos de pesquisa cujos sujeitos colaboradores são alunos da Educação de Jovens e Adultos nos ampara nos princípios e conceitos instituídos no Documento Base para o trabalho com essa modalidade de ensino, em que:


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O processo de construção do conhecimento é individual, entretanto, ele é mediado por múltiplas formas de interação social, incluindo-se aí as práticas escolares propostas pela instituição, viabilizadas pelo educador e compartilhadas entre o grupo de alunos. A construção coletiva de conhecimento contribui para tornar os conteúdos significativos para o grupo, além de propiciar a cooperação entre os educandos, possibilitando avanços cognitivos e afetivos (SEPTEC/MEC, 2009, p. 29).

Diante disso, reconhecemos nessa concepção o princípio básico circunscrito ao longo desta pesquisa que é a interação. Essa interação em nosso trabalho é mediada, sobretudo, pela linguagem enquanto espaço comum de aproximação entre os interlocutores. Outro aspecto que nos despertou interesse como pesquisadores é a possibilidade de integrarmos aluno(s) do Curso Técnico (alunos bolsistas) com alunos da Educação de Jovens e Adultos nessa rede de relações de saberes. Por fim, reiteramos que o envolvimento em um trabalho de pesquisa cuja língua materna está no cerne das atenções da investigação, certamente, possibilita um repensar no currículo de ensino para a Educação de Jovens e Adultos, visto que o atendimento a tal modalidade de ensino é embrionária em nosso Campus e merece as atenções devidas a esses sujeitos cujos conhecimentos prévios subjazem ao conhecimento científico.

5 Sujeitos da pesquisa, relato das aulas/oficinas e análise das sensações dos colaboradores com relação à experiência didática

Neste tópico, apresentamos, sucintamente, os sujeitos colaboradores da pesquisa a fim de melhor caracterizá-los para entender as suas respostas no questionário de satisfação ao término da experiência didática. Em seguida, discutimos as aulas/oficinas no trabalho com o gênero textual/discursivo Relato Pessoal. Imprimimos, bem como, as sensações dos colaboradores com base no questionário de satisfação respondido ao final dos encontros. Os sujeitos envolvidos nesta pesquisa totalizam sete colaboradores. Alunos inseridos no Curso Médio Integrado PROEJA – Programa de Educação de Jovens e Adultos, com qualificação (em andamento) em Informática e em Processamento de Alimentos, do turno noturno. Os colaboradores, em sua maioria, são de faixa etária jovem, já que somados os percentuais de 57% (cinquenta e sete) para os que estão na faixa de 20 a 25 anos com 14% (quatorze) para os que estão na faixa de 26 a 35 anos, somam 71% (setenta e um). Além disso, todos os envolvidos na pesquisa, ou seja, a totalidade de colaboradores, trabalham. A sua maioria advém da rede pública de ensino (86%) e todos estudaram seu ensino fundamental em salas que funcionavam diurnamente. Esse último dado demonstra um tempo razoável que esses alunos migraram da escola para ocupar os seus espaços no mundo do trabalho. A disciplina que alegaram mais gostar no ensino fundamental foi História, enquanto a de maior dificuldade foi Matemática. Como esses sujeitos estão inseridos na fase II dos cursos mencionados, eles já puderam fazer uma avaliação atual da disciplina que mais têm afinidade e Língua Portuguesa ocupou o primeiro lugar seguido de Matemática. Como o trabalho teve categorias que versaram a AC (Análise da Conversação), tivemos o interesse de saber no questionário-perfil qual era a afinidade dos alunos com a oralidade; os resultados ficaram equilibrados entre os que gostavam de falar e os que


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alegaram só gostar de falar com pessoas com que têm aproximação. Ainda com relação à oralidade, perguntamos se nas aulas há mais uma valorização da oralidade ou da escrita; e, nesse sentido, os colaboradores avaliaram que havia uma supremacia da escrita em detrimento da oralidade. Esse dado apenas veio a reforçar aquilo que nós ao apresentarmos o projeto de pesquisa já suspeitávamos. Apenas um colaborador alegou haver um equilíbrio entre a oralidade e a escrita; isso demonstra um olhar desse colaborador mais aguçado a possíveis atividades realizadas nas práticas didáticas atuais, a exemplo do debate regrado, seminário, apresentação de trabalho, dentre outros gêneros multimodais (que intercalam o oral ao escrito e vice-versa). O projeto em tela, ao ser apresentado aos colaboradores, visou ao processo de produção de gêneros da modalidade oral na transposição do escrito; mesmo assim, os alunos ao responderem o questionário-perfil deixaram claro que gostaria de dominar melhor as regras gramaticais. Esse dado, a nosso ver, é importante, pois salientamos que as salas de PROEJA são campos investigativos ricos para o estudo das variações linguísticas, porém há de se reconhecer que a percepção entre o oral e o escrito, ora nas semelhanças, ora nas dessemelhanças são mecanismos de viabilidade nas aulas de língua materna.

6 Relato das aulas

Inicialmente, como na maioria das pesquisas-ações de cunho interventivo, planejamos que os nossos encontros acontecessem quinzenalmente, porém em dados momentos, por conta da própria dinâmica do calendário escolar da rede de ensino, por vezes, encontramo-nos semanalmente a fim de não perdermos a dinâmica da unidade didática proposta. Os encontros aconteceram às quintas-feiras, no turno vespertino, em torno de duas horas e meia a três de duração. Ao término da aplicação da pesquisa, totalizaram-se seis encontros de três h/a cada. O tempo de estada no lócus da pesquisa foi de quatro meses. Os encontros contaram com a presença dos pesquisadores, além dos alunos colaboradores. Os momentos foram divididos com base na teoria conexionista do ensino implícito e do explícito, com base na sequência didática com gêneros argumentativos de Cavalcanti (2010). O primeiro momento versou a apreensão de conceitos linguísticos, textuais e discursivos implícitos ao trabalho com gêneros da narrativa – em nosso caso, o gênero Relato Pessoal. No segundo momento, foram apresentadas as categorias concernentes à fala, à escrita e à noção de gênero textual. No último encontro, os pesquisadores aplicaram um questionário de satisfação aos colaboradores a fim de captar suas sensações com relação à experiência vivenciada. A seguir, demonstraremos alguns desses dados, discussão extremamente relevante ao entendimento de algumas práticas de ensino de língua materna na educação básica.


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7 Análise das sensações dos colaboradores

Como tratamos anteriormente, os colaboradores foram solicitados a responder a um questionário de satisfação ao término da unidade de ensino. Com base nele, pudemos apreender algumas sensações que se afinaram com as hipóteses iniciais ao nosso estudo, dentre elas: em que medida um projeto de intervenção pode ajudar os sujeitos inseridos na Educação de Jovens e Adultos a melhorarem as suas práticas de oralidade e de escrita. Nesse sentido, os colaboradores avaliaram as aulas como extremamente relevantes às suas práticas linguageiras cotidianas; além de alegarem que, com base na sequência aplicada, tiveram a oportunidade de perceber o gosto pela oralidade e pela escrita nas mais variadas esferas de circulação do gênero relato. Nesse sentido, reconhecemos que as gravações das verbalizações dos colaboradores nos encontros lhes serviram para refinarem a sua competência comunicativa; além de deixá-los conscientes das pausas e hesitações, naturalmente, presentes em seus textos transcritos. Entretanto, temos a consciência de que os alunos ficaram mais desenvoltos em seus relatos escritos, já que na escrita temos oportunidade de rever o discurso impresso. Tal alegação foi feita por eles ao responderem à pergunta com esse viés. Acreditamos que alguns já pensam que os textos utilizados na oralidade são mais espontâneos e ao mesmo tempo mais dinâmicos na ação verbal, visto que o tempo de planejamento do discurso, comparado ao discurso escrito, é bem menor. No tocante à pergunta sobre em que momento os colaboradores se sentiram melhor, eles alegaram se sentirem melhor no momento de leitura e interpretação de textos narrativos, bem como na escrita de relatos pessoais. Ainda nesse viés, o estudo dos marcadores da oralidade ocupou um espaço razoável pelos colaboradores, demonstrando assim a relevância de um estudo às categorias dos gêneros da oralidade, despertando assim uma atitude metalinguística entre os falantes. A fase do ensino explícito, ou seja, o momento em que eram conceituados os elementos constituintes dos textos lidos e escritos foi avaliado, na totalidade, pelos colaboradores como o melhor momento às suas aprendizagens. Quando perguntados sobre as suas sensações com relação à disciplina Língua Portuguesa, os alunos reforçaram algumas das suas respostas no questionário-perfil, isto é, demonstraram um grande interesse pela disciplina e, alguns alegando, tê-la como a que mais lhes ajudaria no seu dia a dia. A experiência foi tida pelos colaboradores como proveitosa na medida em que trabalhou com aspectos de ordem textual (a noção de gênero e sua forma composicional), linguística (marcadores conversacionais, aspectos morfossintáticos) e discursivos (a análise dos elementos constitutivos do discurso narrativo: sinopse, avaliação, ação complicadora e coda).

Algumas considerações finais

Intentamos, com este trabalho, despertar novos olhares para as práticas investigativas de língua(gem) na Educação de Jovens e Adultos, contribuindo de forma significativa na formação humana desses sujeitos, garantindo o acesso à educação pública, gratuita e de qualidade, conforme defende o documento base do Programa Nacional de


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Integração Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos, de 2009. A bem da verdade, estudos de investigação que privilegiam a linguagem como forma de crescimento intelectual e científico proporcionam aos sujeitos uma maior atuação na sociedade multifacetada que ora se apresenta. Desmitificar o privilégio da escrita perante a oralidade é um dos grandes motes deste estudo, já que tem como base estudos de natureza sociorretórica com a etno metodologia da Análise da Conversação. Além disso, valorizar as práticas linguageiras dos sujeitos da EJA contribui, significativamente, para um campo discursivo vasto em pesquisas de cunho acadêmico-científico no ensino de língua materna.

Notas ¹ A corrente linguística conhecida como Pragmática entende que “o estudo da linguagem deve ser realizado enquanto pratica social concreta, preocupando-se em examinar a constituição do significado linguístico a partir da interação entre falante-ouvinte (interlocutores) e do contexto situacional que determina os usos linguísticos nos momentos de comunicação” (SANTOS e OLIVEIRA, 2009, p. 15). A proposta de Projeto de Extensão coaduna-se com esse posicionamento teórico, pelo fato de assumir as práticas textuais enquanto atividades discursivas complexas, bem como considerar os sujeitos como atores sociais que, dialogicamente, constroem-se e são construídos no texto, “considerado o próprio lugar da interação e da constituição dos interlocutores” (KOCH, 2006, p. 11).

Referências

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KOCH, Ingedore Villaça. O texto e a construção dos sentidos. São Paulo: Contexto, 2007. KOCH, Ingedore Villaça e ELIAS, Vanda Maria. Ler e compreender: os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2006. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Análise da Conversação. São Paulo: Ática, 1997. _____ Da fala para escrita: atividades de retextualização. São Paulo: Cortez, 2005. MILLER, Carolyn. Estudos sobre: gênero textual, agência e tecnologia. Tradução e adaptação de Judith Chambliss Hoffnagel et al. Recife: UFPE, 2009. MOREIRA, Daniel Augusto. O método fenomenológico na pesquisa. São Paulo: Pioneira Thomson, 2002. OLIVEIRA, Cristiano Lessa de e SANTOS, Maria Francisca Oliveira. As relações pragmático-gestuais na construção de sentido, em contexto escolar. In: TAVARES, Roseanne Rocha (org.). Linguagem em uso. Maceió: EDUFAL, 2009. PLANTIN, Christian. A argumentação. Trad. Marcos Marcionilo. São Paulo: Parábola, 2008. SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho Científico. 23 ed. rev. e atual. São Paulo: Cortez, 2007.


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A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA E A RELAÇÃO FALA-ESCRITA EM TEXTOS PRODUZIDOS POR ESTUDANTES DO PROEJA

Marlúcia Alves Secundo White*

Resumo No estudo da relação fala/escrita em produções escritas de alunos do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA), do Instituto Federal de Sergipe, campus Aracaju, analiso fenômenos linguísticos com o objetivo de refletir sobre as questões de escrita, lócus dos muitos conflitos gerados no âmbito da escola, assim como motivo apontado como responsável pelo insucesso escolar. Esses dados são representativos do trabalho desses sujeitos com a modalidade escrita da língua e podem ser representativos da variedade linguística por eles usada em sua comunidade de fala. São esses dados, portanto, que identificam o tipo de relação que se estabeleceu entre esses sujeitos, a linguagem por eles usada e a representada pela escola. Palavras-chave: Proeja. Escrita. Variedade linguística.

Abstract In the study of speech / writing in written production of students of the National Program for the Integration of Professional Education with Basic Education in the Form of Youth and Adults (PROEJA), Federal Institute of Sergipe, Aracaju campus, analyze linguistic phenomena with order to reflect on the issues of writing, the locus of the many conflicts generated within the school as well as reason pointed as responsible for school failure. These data represent the work of those subject to the written language and may be representative of the linguistic variety used by them in their speech community. These data are, therefore, that identify the type of relationship established between the subjects, the language used by them and represented the school. Keywords: Proeja. Writing. Linguistic variety.

*Professora do IFS e Mestra em Linguística - marlucia.white@gmail.com


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Introdução

Os textos produzidos pelos estudantes em tela apresentam diferentes usos da língua na sua modalidade escrita que são considerados pela escola como deficiências linguísticas. Neste estudo, é interesse verificar a presença de fenômenos linguísticos como apagamentos, que têm marcado a interferência da fala na escrita desses sujeitos. Seriam esses fenômenos resultantes da variedade linguística usada em sua comunidade de fala? Seriam esses fenômenos apenas desvios ou simplesmente “erros” ortográficos? Seriam esses fenômenos resultantes da tentativa individual de adaptar-se à língua oficial ensinada pela instituição? Estas são questões relevantes, pois essa diversidade linguística tem contribuído para o insucesso de grande parte desses estudantes. Estariam essas dificuldades associadas à identidade social dos sujeitos e às condições de situação comunicativa? Daí a necessidade de se incorporar a este estudo a consideração de aspectos sociais relacionados à linguagem desses sujeitos. Língua e sociedade se interrelacionam. Esse é um dos pressupostos da Sociolinguística. Se a língua tem sua função social, ou seja, se ela estabelece contatos sociais entre os falantes ou entre os escreventes, é inegável a sua relação com a sociedade. A própria língua, tomada como sistema, acompanha a evolução da sociedade e reflete os padrões de comportamento de seus integrantes. Portanto, a língua tomada como heterogênea está condicionada a fatores extralinguísticos e está em constante variação. A escola acredita que o ensino de Língua Portuguesa deve restringir-se apenas à variedade padrão. Mas há uma visão unânime entre os linguistas de que a variação faz parte da natureza da linguagem e é resultado da diversidade dos grupos sociais. Para compreender e explicar o fenômeno da variedade linguística, pesquisadores dedicaram estudos ao modo particular como alunos falam e escrevem, ou seja, à maneira como usam a língua. A variedade linguística é cada um dos sistemas em que uma língua se diversifica, em função das possibilidades de variação de seus elementos (vocabulário, pronúncia, morfologia e sintaxe). A variação é inerente ao próprio sistema linguístico. Com o objetivo de mostrar que a variação é essencial à própria natureza da linguagem humana, surge a área da Sociolinguística, que estuda as relações entre língua e sociedade, particularmente no interior das comunidades de fala. Essa área está interessada na identidade linguística dos grupos sociais, assim como nos registros linguísticos e, certamente, pode dar explicação sobre a variedade linguística usada pelos estudantes do PROEJA em seus textos. Para Alkmim, uma pesquisa de natureza linguística que envolva comunidades que fazem uso da língua de formas diferenciadas é interesse dessa ciência, pois está preocupada com variedades linguísticas. Segundo essa autora, a Sociolinguística “encara a diversidade linguística não como um problema, mas como uma qualidade constitutiva do fenômeno linguístico” (ALKMIM, 2008, p. 33) . Abaurre, em diversos trabalhos (1985, 1987, 1988), discute a maneira como se refletem na escrita alfabética inicial algumas características fônicas segmentais das variedades linguísticas utilizadas pelos aprendizes da escrita do português. Interessa-me,


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portanto, refletir sobre essas marcas deixadas pelo aluno, refletir sobre o porquê dos estudantes dessa modalidade de ensino fazerem determinadas escolhas quando escrevem. Para Abaurre et al (2010, p. 211), a variação linguística é natural e decorre do fato de que as línguas são sistemas dinâmicos e extremamente sensíveis a fatores como a região geográfica, o sexo, a idade, a classe social dos falantes e o grau de formalidade do contexto. Embora a variação seja natural, os falantes de uma comunidade linguística têm, em geral, a expectativa de que todas as pessoas falem de uma mesma maneira. Essa expectativa pressupõe uma forma “correta” de uso da língua, o que implica a existência de formas “erradas”. A língua portuguesa falada no Brasil comporta essas variedades, que são consideradas legítimas pela Sociolinguística. Cada língua, no seu interior, se divide em modos particulares de fala. O Brasil é um país com diferenças regionais, culturais, econômicas, sociais e linguísticas. A escrita dos alunos dá testemunho desta realidade. Fatores externos, como o nível socioeconômico, escolarização, idade são variáveis que podem ter contribuído para a heterogeneidade linguística nos textos dos sujeitos de EJA. Contudo, as formas de variação podem projetar-se num contínuo, o que significa dizer que uma variável, como a ausência de concordância nominal, aparentemente exclusiva de falantes menos escolarizados, pode emergir na fala de usuários extremamente cultos (MOLLICA, 1998, p. 14). Para Labov, a variação não ocorre ao acaso, ela é motivada por um conjunto complexo de parâmetros, por condicionamento ou variáveis que favorecem ou inibem o emprego de variantes. (LABOV, apud MOLLICA, 1998, p. 14). É possível perceber que as variáveis são de natureza diversa e não agem isoladamente. Dessa forma, as marcas linguísticas sujeitas à variação dependem da ação das variáveis estruturais, sociais. Pesquisadores, como Mollica (2010), afirmam que o sistema linguístico é uma realidade sócio-histórica e está sujeito a variações, visto que uma língua jamais será usada de uma mesma maneira no tempo e no espaço. As características linguísticas particulares dos estudantes do PROEJA é fato. Sua forma singular de escrever pode ser originária de sua situação sociolinguística, quando colocam a escola em segundo plano, pois precisam trabalhar para sobreviver. Também não costumam ler, assim como não vinham praticando a escrita por logo espaço de tempo. É observável, na sociedade brasileira, a evidência da existência de variedades de prestígio, como a variedade padrão, também conhecida como norma culta, socialmente valorizada e requerida pelas instituições. Há as variedades não prestigiadas, que são vistas/consideradas por essa mesma sociedade como pobres, inferiores ou ainda como ‘língua de analfabetos’. É necessário compreender a origem social dessas questões e as circunstâncias que levaram determinados sujeitos a empregá-las em seus textos. Por isso o apoio da Sociolinguística. Por isso, essa reflexão também pode ser estendida à escrita dos sujeitos de EJA que, na tentativa de compreender o funcionamento da língua portuguesa oficial e assim poder atender às exigências da língua ensinada, passam a ser afetados pelo próprio processo de construção da sua própria linguagem. Nos fragmentos que seguem, selecionados de textos produzidos por estudantes do Proeja, campus Aracaju, é possível observar que o aluno oscila em relação à concordância


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nominal (ora pluralizando o adjetivo, ora pluralizando o substantivo), assim como em relação à concordância verbal.

(1) Eu sou uma pessoa que sempre procurei novas experiência(Ø) e novo(Ø) desafios e o curso de desenho civil me trouxe a oportunidade de... (AS, 20)

(2) Essa questão de que a Igreja Católica espursou os Indios do seu próprio abitar não é correto porque? Os índio(Ø) foram os primeiros abitantes das terras brasileira(Ø), foram eles quem povoaram... (JM, 43)

(3) (carga) “Horaria acima do Normal, Muitos deles não aguêntava tantos esforço repeatitivo acabava ficando doênte, sem” (falar) [...]dois mil trabalhadores, surgiu dois funcionário(Ø) com coragem e garra para luta(Ø) pelo direito do trabalhador (naquela mina) (AM, 40)

(4) Nasci em Aracaju-se em 1986 na ocasião meus pais tinha(Ø) acabado de chegar de São Paulo terra natal deles, durante a gravidez minha mãe acabou passando anemia para mim eu fiquei muito mal os médicos não tinha(Ø) (muita esperança.) (AS,26)


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(5) (Mãe) voutou e ficamos juntos denovo, mas as coisas ainda estava ruim pois minha mãe não tinha emprego fixo, então aos 13 anos fui trabalhar... ...(PH,21

(6)... todos os filhos sofreram muito e até hoje, sofre. Porque ele era tudo, pai, mãe, um herói que nunca podiamos ocutar. .(RS,32)

(7) Pois estou tentando tirar a primeira abilitação ou AB que irá me custa alguns dias, que ira do dia 23/08/10 ao 02/09/10. (M, 21

(8) Macelo ficou sem ação, os bandidos ao recolhe(Ø) seus pertence(Ø)., encontrou” (AM, 40)

(9) de passar meus conhecimento(Ø) para (AM, 40)

(10)

(11)

Dona Marlucia me descupe, não sou de escreve muito sou uma Pessoa de dialogo, acho melhor que esta escrevendo. (VS, 35)

Modalidade EJA. Um dos pontos negativos que emfrentamos e a falta de apoio da Instituição e de auguns professores que não acredita em nosso potencial. (MR, 33)


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(12) Professoura Maluce já estava a tanto tempo sem estuda quando a minha filha me escreveu pra fazer o curso pensei até que não iria passar pois estou aqui e com certeza irei terminar pois pretendo entra no mercado de trabalho qualificado. (TC, 46)

(13)

... onde o mundo vevia em armonia com a Natureza.... (AM, 40)

Neste último fragmento aparece a correção da professora na palavra vevia (a letra i foi escrita sobre o e), assim como na palavra armonia em que ela sobrepôs a referida palavra de acordo com a norma culta. Vejamos, a seguir, um quadro dos fatos observados.

1 Apagamentos selecionados dos dados de escrita de estudantes do PROEJA do IFS, Campus Aracaju <h> em início de palavra

<r> em final de verbo no infinitivo

<m> em final de verbo, na 3ª pessoa do plural

<s> em final de palavra (concordância no sintagma)

abitar / abtar ‘habitar abtantes ‘habitantes’ armonia ‘harmonia’ abilitação ‘habilitação’ abitava ‘habitava’

demonstra ‘demonstrar estuda ‘estudar’ podê ‘poder” entra ‘entrar’ desenrrola ‘desenrrolar’

’tinha ‘tinham acredita ‘acreditam’ aguentava ‘aguentavam’ acabaça ‘acabavam’ estava ‘estavam’ sofre ‘sofrem’

meus centimento ‘meus sentimentos nos mesmo ‘nos mesmos’ novas experiência ‘novas experiências’ novo desafios ‘novos desafios’ os indio ‘os índios’ terras brasilera ‘terras brasileiras’ os trabalhador ‘os trabalhadores’ novo caminhos ‘novos caminhos’

erra ‘errar’ acredita ‘acreditar’ esta ‘estar’

Autor: White (2012) O apagamento é um fenômeno que acontece em todas as línguas, é comum no Português Brasileiro falado, especificamente no seu uso oral. Mas aqui ele é bastante pressente nos fragmentos citados acima, recortados de textos escritos, produzidos por esses estudantes. Esse fenômeno é percebido tanto em indivíduos da zona rural quanto da zona


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urbana. Numa conversa informal, até mesmo os letrados podem cometer apagamentos. O esperado é que esse fenômeno seja menos recorrente na linguagem escrita, embora ele tenha ocorrido com muita frequência nos textos desses alunos, que estão matriculados em cursos técnicos de nível médio, como pode ser visto nos fragmentos acima. Tal fato pode ser percebido em muitos momentos, quando deixam de fazer a concordância tanto nominal quanto verbal, de acordo com os parâmetros da modalidade culta da língua, deixando para trás as marcas de plural em vários sintagmas nominais e verbais, apagando, principalmente, o <s> final de nomes e o <m> em verbos na 3ª pessoa do plural. Esse fenômeno também ocorre quando apagam o <r> final dos verbos, na sua forma infinitiva, ou ainda quando apagam o <h> inicial de palavras.

a) Apagamento do <h> em início de palavras Na primeira coluna, verifica-se a ausência do <h> em habilitação, habitantes, habitar, habitava e harmonia. Nesses casos, tal fato pode ter acontecido porque o grafema não representa som nenhum. Segundo Sacconi (1999), seu uso, em geral, só se justifica por razões históricas ou etimológicas. O <h> é um símbolo gráfico e não propriamente uma consoante; é conservado no início do vocábulo, em razão da etimologia e da tradição escrita do português. Na língua portuguesa existem palavras cuja grafia é determinada pela sua origem. As palavras iniciadas pelo uso do <h> fazem parte dessa relação. Assim, o desconhecimento dessas palavras contribuiu com os casos relacionados a esse tipo de apagamento. Como ele não é pronunciado, sua presença foi excluída pelo aluno. Temos então a oralidade influenciando a escrita, ou seja, uma não correspondência entre a fala e a escrita.

b) Apagamento de <r> em final de palavra A língua portuguesa, como qualquer outra língua natural, sofre variações fônicas, ou seja, de pronúncia, ora por fatores linguísticos, relacionados à própria estrutura da língua, ora por fatores não linguísticos, voltados para a questão social, como a ausência de escolaridade. Mas também a variação pode ser motivada por ambos os fatores. Há alguns componentes da língua que se constituem em variáveis que oferecem maior probabilidade para que a variação ocorra. Falo do apagamento do /R/ em posição pós-vocálica, especificamente o de posição final de vocábulo, e também do /S/ e do /m/ nas mesmas circunstâncias, sons representados entre barras e com letra maiúscula, seguindo Cristófaro-Silva (1999). Esses fatos linguísticos se refletem na escrita dos aprendizes, como veremos a seguir. O cancelamento do <r> em posição pós-vocálica, em final de vocábulo, particularmente de verbos no infinitivo, foi o fenômeno mais recorrente nos fragmentos analisados. Na segunda coluna desse primeiro quadro, como pode ser observado, esse tipo de apagamento apareceu com muita frequência, como em: demonstra, entra, estuda, podê, acredita, custa, recolhe, ajuda, esta, luta, facilita, demonstra, em que deveria estar escrito: demonstrar, entrar, estudar, poder, acreditar, custar, recolher, ajudar, estar, lutar,


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facilitar, demonstrar. Esse fenômeno linguístico é muito comum na expressão oral desses sujeitos. Consequentemente, aparece, com regularidade, nas suas produções escritas. Este é, portanto, um fenômeno bastante recorrente. O que realmente está acontecendo aqui? De acordo com a língua padrão, espera-se que as formas do infinitivo pessoal dos verbos sejam pronunciadas com um [r] final, que significa exatamente o infinitivo. Isso pode ocorrer em determinadas variedades do Português Brasileiro. Entretanto, não é o que ocorre com a variedade com a qual estamos lidando, já que a realização da pronúncia do [r] não acontece. Nessa variedade, o [r], desinência de infinitivo, é apagado. Contudo, é importante observar que a não realização dessa pronúncia é amplamente percebida, também, nas classes favorecidas economicamente, com escolarização. Dessa forma, o que o aprendiz faz ao grafar essas formas sem esse <r> final, requerido pela escrita padrão convencional, adotada pela escola, é transferir um fato da sua fala para a escrita. Uma análise fonética minuciosa mostraria que a distinção entre uma forma infinitiva e outra forma idêntica é mantida pelo alongamento da vogal final na forma infinitiva. Essas sutilezas da língua falada não são - e não poderiam ser – representadas na escrita, que tem como base uma variedade de prestígio. Em relação a esse fato, Mollica (1998) afirma que em pesquisa realizada sobre o apagamento do <r> realizada em uma escola, esse fenômeno ocorre, na escrita, mais entre os homens que entre as mulheres. Dessa forma, segundo essa pesquisadora, o sexo feminino utiliza, com mais frequência, a forma de prestígio tanto na fala quanto na escrita. Costa (2009), ao tratar do fenômeno do apagamento em algumas regiões do Brasil, afirma que o português brasileiro tem forte tendência para a supressão da consoante /R/ em posição pós-vocálica, já que, segundo ele, o falante, instintivamente, segue em direção ao padrão canônico da sílaba, que é uma consoante e uma vogal (CV). Tal fato é fortemente marcado na língua oral, ocorrendo mais nas formas verbais infinitivas, em posição final de palavra. Outro aspecto interessante, voltado para essa temática, vem de Bortoni-Ricardo (2006, p. 268), que chama atenção para o fato de que é necessário fazer a distinção entre problemas na escrita que decorrem da interferência de regras fonológicas variáveis e outros que se explicam simplesmente pela falta de familiaridade do alfabetizando com as convenções da língua escrita. Essa reflexão pode ajudar a explicar a causa da diversidade linguística nos textos dos estudantes do PROEJA. Não há dúvida de que na Língua Portuguesa muitos vocábulos oferecem dificuldades quando são empregados na linguagem escrita, visto que sua pronúncia é totalmente diferenciada do que está grafado. Essa complexidade entre som e letra acontece uma vez que nem sempre a correspondência entre eles é biunívoca, tema discutido também por Sousa (2000). Para Sousa (2000, p. 4), a escrita, quer produtiva ou reprodutiva, recorre a informações que colhe tanto do código oral como do escrito. A compreensão do problema ortográfico requer, por isso, que sejam aprofundados os processos ligados à percepção da fala, ao reconhecimento da palavra escrita, ou a fatos implicados na transcrição gráfica. Podemos pensar que, nos casos aqui citados, esses motivos tenham contribuído para esse comportamento linguístico, particularmente a influência da sua comunidade de fala. Como eles falam dessa forma, há momentos em que acabam transferindo isso para o texto escrito.


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Também podemos considerar o que afirmou Bortoni-Ricardo “falta de familiaridade do alfabetizando com as convenções da língua escrita”, visto que muitos desses alunos ficaram afastados da escola por longo tempo, como afirmei anteriormente. Mas ainda podemos perceber, a partir do exemplo 18, citado no primeiro quadro, “... passar meus conhecimento para o papel”, que o aluno conseguiu registrar o verbo passar. É possível que ele fale sem pronunciar o [r] final, como muitos de nós, mas ao escrevê-lo, o fez diferentemente. Pode ser o efeito da prática da escrita na escola. A partir dos fatos aqui expostos, afirmar que o apagamento é consequência direta da situação social desses estudantes parece coerente, já que, em geral, eles ficaram muito tempo fora da escola. Além disso, quando retornaram, cursaram o ensino fundamental de forma aligeirada, em curto espaço de tempo, sem uma prática consistente da escrita. Também quero reafirmar que a comunidade de fala à qual pertencem justifica o jeito como falam. Portanto, podemos afirmar que a forma como eles escrevem pode ser resultante da variedade linguística usada por eles na sua comunidade de fala. Mas quero acrescentar ainda, em relação ao apagamento, que este fenômeno pode estar ligado também às questões de escolaridade.

c) Apagamento de <m> no final da palavra Na terceira coluna, há o apagamento do <m>, morfema indicador de terceira pessoa do plural dos verbos, fato muito comum tanto na fala quanto na escrita desses estudantes. Mas também é comum observar em pessoas letradas, brasileiras, quando falam, o apagamento deste morfema. Tal dificuldade, na escrita, deixa transparecer a variedade usada por esses sujeitos e a sua relação com a linguagem: (i) na variedade falada por eles, essa regra de concordância é diferente em alguns pontos, ou seja, diferente das regras de concordância preditas pela norma-padrão, ou gramática Normativa; (ii) a relação deles com a variedade que a escola espera que se use na escrita é conflituosa.

d) Apagamento de <s> em final de palavra Na última coluna, observamos a ausência de grafia de <s> nos sintagmas nominais: meus sentimentos, novas experiências, novos desafios, terras brasileiras, as mesmas, dois funcionários, os índios, os trabalhadores, novos caminhos e seus pertences. Na língua falada, teríamos aí um [s] que significa PLURAL nos nomes. Em quase todos os casos, esse [s] deixa de ser representado, na grafia, no segundo elemento de um sintagma nominal. Entretanto, podemos também encontrá-lo registrado no segundo elemento do sintagma nominal, como nos exemplos “novo desafios”, “novo caminhos”, “a mesmas”. O apagamento ocorreu no primeiro elemento. Vejo, aqui, uma oscilação entre o que ocorre na oralidade e o que ocorre na escrita. Se esse fenômeno na oralidade é bem explicado pela Sociolinguística, o que ocorre na escrita, nesse caso, é diferente e já anuncia que a passagem desse aluno pela escola deixa, em sua escrita, sinais do efeito da escrita praticada na escola, embora ela não esteja,


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ainda, em consonância com a regra. Vemos, portanto, que esse aluno se afasta da oralidade e a escrita escolar começa a fazer efeito em seu texto. Do ponto de vista normativo, no sintagma nominal, deve haver concordância de número. O que ocorre na escrita desses aprendizes é o seguinte: na sua fala, não é efetuada a concordância de número e esse fenômeno, próprio de uma variedade não padrão, é transferido para sua escrita, na maioria dos casos estudados. Novamente, chamo a atenção para o fato de que, na fala, a não realização da concordância nominal de número é amplamente difundida. Ocorre em todas as classes sociais. Para embasar as minhas inferências, do ponto de vista da Sociolinguística, cito alguns pesquisadores, como Tarallo (1985), que revela que no português brasileiro a marcação de plural no sintagma nominal apresenta duas variantes, o [s] representando a presença do segmento fônico (marca de plural) e o [ø], significando a ausência desse segmento. Esse autor afirma que essa segunda variante geralmente está ligada aos falantes com pouca escolaridade e/ou àqueles que não estão sujeitos às pressões sociais. Se a variação linguística é tida como um fenômeno universal e pressupõe formas alternativas linguísticas denominadas variantes, ela abriga, portanto, um fenômeno variável. Tomando como exemplo a expressão “seus pertence”, do fragmento citado anteriormente – “Macelo ficou sem ação, os bandidos ao recolhe(Ø) seus pertence(Ø).”, verifica-se uma variável linguística de concordância nominal, ou seja, um fenômeno variável, que se realiza através de duas variantes possíveis, semanticamente equivalentes. Variante 1- seus pertences e Variante 2 - seus pertence(Ø). São duas formas linguísticas alternativas. Esse caso de concordância nominal foi usado para exemplificar a variável linguística, ou seja, o fenômeno variável, pois se realiza através de duas variantes, duas alternativas possíveis e semanticamente equivalentes. Tem-se a marca da concordância no sintagma nominal ou a ausência da marca dessa concordância. A variável é concebida como dependente, visto que o emprego das variantes não é aleatório, mas influenciado por grupo de fatores de natureza social ou estrutural. É isso o que acontece com os estudantes de EJA. Dessa forma, é plausível inferir o seguinte: a) esses alunos são oriundos de uma comunidade que faz uso de uma variedade em que não existe concordância no sintagma nominal; b)

passaram anos fora da escola, sem contato com a escrita escolar;

c) quando retornam à escola, trazem consigo esses hábitos de fala, que acabam sendo transferidos para a escrita, naturalmente. d) a passagem desses alunos pela escola deixa, em sua escrita, sinais do efeito da escrita escolar. O termo variável, segundo Mollica (2010, p. 11), pode significar “fenômeno em variação e grupos de fatores. Estes consistem em parâmetros reguladores dos fenômenos variáveis, condicionando positiva ou negativamente o emprego de formas variantes.” Os fatores que atuam na variação podem ser variáveis de natureza interna ou externa. Para Mollica (2010, p. 11), no conjunto de variáveis internas, encontram-se “os fatores de natureza fonomorfossintáticos, os semânticos, os discursivos e os lexicais.” Já no conjunto de variáveis externas, encontram-se os fatores que dizem respeito ao indivíduo,


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como etnia e sexo; os propriamente sociais, como escolarização, nível de renda, profissão e classe social; e, ainda, os contextuais, como grau de formalidade e tensão discursiva. Para Mollica (2010 p. 9-11), a Sociolinguística considera em especial como objeto de estudo exatamente a variação, entendendo-a como um princípio geral e universal, passível de ser descrita e analisada cientificamente. Para ela, variantes são as diversas formas alternativas que configuram um fenômeno variável. Como afirmaram Camacho (2008) e Bagno (2009), a Sociolinguística parte do princípio de que as alternâncias de uso são influenciadas por fatores estruturais e sociais. Dessa forma não há como separar o linguístico do social, aspecto já preconizado por William Labov. Para Tarallo (1998), as variantes são as diversas maneiras de se dizer a mesma coisa em um mesmo contexto, com o mesmo valor de verdade. O conjunto das variantes recebe o nome de variável linguística. O termo variável, para Mollica, pode significar fenômeno em variação. Para Camacho (2008), em todos os níveis de análise linguística existe o fenômeno da variação.

Considerações finais

A escrita dos estudantes do Proeja ora apresenta marcas de oralidade, que representam a influência da comunidade de fala a que pertencem, ora apresenta episódios singulares, que denunciam a sua relação com a linguagem. Sua relação com a linguagem é instável, uma vez que há uma norma-padrão que precisa ser usada na língua escrita, a qual eles não conseguem assimilar durante a produção de seu texto, já que são usuários de uma variedade particular. Essa relação com a variedade escolar contribuiu com os momentos de oscilação no uso dos recursos linguísticos, daí os movimentos de “idas e vindas”, um comportamento singular que evidenciou a instabilidade desse sujeito no trabalho com a modalidade escrita da língua. Dado o perfil sociolinguístico desses alunos, outras marcas deixadas em seus textos, como a ausência de plural nos sintagmas nominais e verbais, levam à hipótese de que tal fenômeno tenha ocorrido por esses alunos serem oriundos de uma comunidade que não faz uso dessa relação fala/concordância, como também pela falta de prática na escrita escolar. Percebe-se que esse sujeito não é somente um usuário da língua, ele é também afetado pela própria língua que usa. A partir do perfil desse sujeito, das reflexões sobre os episódios singulares analisados, das contribuições dos teóricos consultados e das discussões estabelecidas neste trabalho, é possível afirmar que dois fenômenos contribuíram fortemente para condicionar a escrita desses alunos: (i) a variedade por eles usada, diferente da variedade padrão, resultante da comunidade de fala a que pertencem; (ii) a sua relação com a linguagem que, como vimos, é bastante conflituosa.


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Referências

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O ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA EM TURMAS DE EJA Niedja Balbino do Egito*

Resumo Este artigo discute a metodologia de ensino de Língua Estrangeira para a clientela dos cursos de EJA. Tomamos como referência a turma de 2011 do 2º Módulo de Cozinha do IFAL Marechal Deodoro que está dentro do PROEJA - Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos e relacionamos com o que dizem os documentos legais que orientam a escolha metodológica dos profissionais de Língua Estrangeira para esse grupo tão específico. Palavras Chave: Metodologia de ensino. Língua Estrangeira. EJA.

Abstract This article discusses the foreign language teaching methodology for the EJA courses. We took as a reference the 2011 group attending the 2nd semester of the Kitchen Course at IFAL-MD, that is within the National Programme for Integration of Vocational Education with Basic Education in Youth and Adult Education and its relation with what the legal documents that guide the methodological choice of Foreign Language professionals says for this so specific group. Keywords: Teaching methodology. Foreign Language.EJA.

*Mestra em Educação Brasileira IFAL – MD


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Introdução

Falar de EJA em Alagoas ainda é muito difícil. Digo isso, depois de ter participado do I Seminário da Agenda Estadual de Desenvolvimento Integrado de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos em Alagoas, que aconteceu nos dias 19 e 20 de dezembro de 2011, no Centro Cultural e de Exposições Ruth Cardoso, no Jaraguá, pois nesse Seminário, entre outros temas, foi apresentada a História da EJA no Estado, pelas professoras Tânia Maria de Melo Moura e Marinaide Lima de Queiroz Freitas, ambas da Universidade Federal de Alagoas, e elas ratificam a dificuldade de resgate histórico desse tema, por falta de registros escritos. Para as professoras, embasadas em seus conhecimentos e envolvimentos pessoais1 na luta pelo ensino voltado a esse público e fruto também de algumas entrevistas com sujeitos importantes dessa modalidade de ensino, Alagoas nunca teve uma iniciativa estadual própria para lidar com esse público, preferindo, sempre, seguir as orientações de nível federal. No portal do MEC, podemos acessar a vários documentos de base, o que nos permitirá fazer uma análise preliminar sobre o ensino de Língua Estrangeira para Jovens e Adultos neste artigo.

1 Contexto atual

Apesar de terem sido realizadas campanhas nacionais entre 1946 a 1958, do 2º Congresso Nacional de Adultos, realizado no ano de 1958 e, ainda, da implantação do Plano Nacional de Alfabetização de Adultos entre os anos de 1958 e 1964, coordenados por Paulo Freire, só depois da V Conferência Internacional de Educação de Adultos, (V CONFINTEA), que ocorreu em 1997, e que reafirma a educação de adultos como direito e não como ação assistencialista, é que surge um dos principais documentos legais que orienta a Educação de Jovens e Adultos: a Resolução CNE/CEB Nº 1 de 5 de julho de 2000. Esse documento estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para essa modalidade e essa resolução é acompanhada do Parecer CNE/CEB 11/2000, onde se lê, no voto do relator que, além de a educação primária e secundária serem obrigatórias, acessíveis e gratuitas para todos, a educação de base para aqueles que não a possuem ou não puderam concluir o ciclo completo, deverá ser intensificada. É imprescindível ressaltar a criação da SECAD - Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, em julho de 2004, como um propulsor dos trabalhos e discussões em torno do tema da EJA. No segundo semestre de 2011, trabalhei com uma turma de PROEJA do Curso Técnico de Nível Médio Integrado em Cozinha do Instituto Federal de Alagoas em Marechal Deodoro, que forma o Técnico em Cozinha. O profissional desse curso sai qualificado para atuar na organização da cozinha, no pré- preparo da matéria prima, selecionar e higienizar os alimentos, preparar os alimentos, higienizar e preparar o espaço de trabalho, acondicionar os alimentos e decorar os pratos para o serviço. Além desse curso, em Marechal também é oferecido o curso de Hospedagem dentro da modalidade PROEJA. Por já estar em sala de aula com ensino de Língua Inglesa há mais de 20 anos e da experiência em trabalhar com Educação de Jovens e Adultos em


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uma escola da rede estadual de ensino tanto no nível fundamental quanto no médio, percebi que o PROEJA tem o diferencial da educação profissional integrada, o que me fez pensar na melhor metodologia para aplicar nessa turma. A discussão da questão metodológica é uma das mais difíceis, pois para aumentar a sua densidade, muitos autores têm questionado a relação entre teoria e prática na hora da escolha dos profissionais. Entre esses autores, Imbernón (2004) critica a ideia de um professor executor das inovações prescritas, ele é a favor de um professor participante da mudança, a partir de seu próprio contexto, num processo dinâmico. Por isso, Imbernón aborda profissão como um processo ideológico e aponta juntamente com o conhecimento científico a necessidade de se valorizar tanto o senso comum, quanto o saber artístico e estético, como também o saber que tem origem no próprio professor por meio de sua moral, sua ética e sua ideologia. Tardif (2002) concorda com Imbernón quando aponta 5 tipos de saberes (os curriculares, os disciplinares, os da formação profissional, os experimentais e os culturais) que os professores em geral possuem. Sabe-se que o desenvolvimento profissional do professor não é consequência apenas do seu desenvolvimento pedagógico, de seu autoconhecimento e compreensão ou do desenvolvimento cognitivo teórico que ele possui, mas é uma consequência de tudo isso, podendo ser limitado ou incrementado, dependendo da situação que sua carreira docente estiver enfrentando. É de conhecimento geral que o ensino de língua estrangeira é uma prática pedagógica específica, que depende não só de escolhas metodológicas corretas e de um bom material de apoio, mas também do bom desempenho dos professores na condução do ensino e de uma atitude positiva em relação à disciplina. À escola cabe supervisionar o planejamento desse professor. Quanto aos métodos, há de se questionar em que medida a escola pode supervisionar, mostrar interesse, propiciar e cobrar dos professores procedimentos adequados a um ensino produtivo de língua estrangeira para os alunos da EJA. O que na verdade acontece é que, muitas vezes, nem o próprio professor se interessa pela questão das escolhas metodológicas e suas adequações à realidade e ao alunado que tem, prefere a facilidade de usar os mesmos métodos que já usa nas turmas normais, o que traz consequências negativas não só para o aluno que não acompanha o programa, mas também para o professor que se sente frustrado com o produto do seu trabalho.

2 A evolução das abordagens/metodologias de ensino de língua estrangeira e seus reflexos no ensino brasileiro

Há atualmente uma enorme preocupação com a educação globalizada, em que o ensino de línguas volta a ser revitalizado. Percebe-se, então, que o conhecimento é a maior riqueza de um país, e que somente através do uso de línguas estrangeiras esse conhecimento pode ser divulgado e expandido. Até os PCNs do Ensino Médio reconhecem que: No âmbito da LDB, as Línguas Estrangeiras Modernas recuperam, de alguma forma, a importância que durante muito tempo lhes foi negada. Consideradas, muitas vezes, de maneira injustificada, como disciplina pouco relevante, elas adquirem, agora, a configuração de disciplina tão importante como qualquer outra do currículo, do ponto de vista da formação do indivíduo. Assim,


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integradas à área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, as Línguas Estrangeiras assumem a condição de serem parte indissolúvel do conjunto de conhecimentos essenciais que permitem ao estudante aproximar-se de várias culturas e, consequentemente, propiciam sua integração num mundo globalizado (BRASIL, 2000, p. 25).

Por causa da Internet, vê-se a necessidade de uma língua comum entre os povos, língua essa que possibilite a permuta de informações. Celani (1996, p.25) já alertava para a falta que o conhecimento de uma língua estrangeira faz. Afirma a autora que “[...] enquanto perdurar essa situação, estaremos, sempre, competindo em situação de inferioridade no colégio internacional, no qual, certamente, a língua de comunicação não é o português”. Chegamos então à Lei 9394/96. Reconhecemos que ela trouxe mudanças positivamente favoráveis ao ensino de línguas estrangeiras, principalmente o fato de tornar obrigatório o seu ensino a partir da 5ª. Série, hoje 6º ano, de acordo com a nova nomenclatura do Ensino Fundamental de nove anos. Na lei 9394/96, a língua estrangeira recebe um melhor tratamento, o dispositivo legal encontrado no título V, artigo 26 e parágrafo quinto diz que na parte diversificada do currículo será incluído, obrigatoriamente, a partir da 5ª. série, o ensino de pelo menos uma língua estrangeira moderna, cuja escolha ficará a cargo da comunidade escolar, dentro das possibilidades da instituição (BRASIL, 1996).

Certamente a tentativa de valorizar o ensino de língua estrangeira fica evidente através do avanço que se teve em relação à lei anterior, - lei 5692/71. Mas como foi o caminhar para chegar até essa obrigatoriedade? Que formatos assumiu esse ensino tão específico? Vejamos um pouco das 4 abordagens/metodologias mais presentes no Brasil.

2.1 A Abordagem/Metodologia tradicional Segundo Nicholls (2001, p. 35), a abordagem tradicional teve suas raízes no século V A.C, juntamente com o nascimento da gramática. Os tratados de gramática criados pelos Alexandrinos nos séculos III e II A.C. tinham por objetivo explicar os fatos linguísticos e preservar a língua culta da “corrupção”. A partir daí, surge o paradigma língua culta (língua “correta”, falada pelo clero e pelos nobres) e língua popular, considerada indigna de estudos. Tudo isso leva o ensino de línguas a ser considerado como uma decifração dos clássicos, e seu estudo considerado um processo de exercício mental. De acordo com Leffa (1988), há três passos essenciais para a aprendizagem da língua, de acordo com a abordagem tradicional: (a) memorização prévia de uma lista de palavras, (b) conhecimento das regras necessárias para juntar essas palavras em frases e (c) exercícios de tradução e de versão (onde no primeiro se passa o texto da língua alvo para a língua materna, e no segundo se passa o texto da língua materna para a língua alvo). Em resumo, essa abordagem tem uma clara influência do ensino das línguas clássicas e ênfase na nomenclatura gramatical.


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2.2 O método direto O método direto foi oficialmente adotado no Brasil como método de ensino das línguas vivas estrangeiras pelo Decreto nº. 20.833, de 21 de dezembro de 1931. Nicholls destaca do método direto as seguintes características:  a instrução era realizada totalmente na língua estrangeira, com exclusão absoluta da língua materna do aprendiz;  foi introduzido o diálogo como meio instrucional;  a apresentação oral do diálogo era apoiada em ilustrações pictóricas, miméticas e /ou gestuais;  os exercícios consistiam essencialmente de perguntas e respostas sobre os textos e diálogos estudados;  pela primeira vez, foi feita alusão à cultura como parte integrante da aprendizagem. Em resumo, o pressuposto principal é promover um ensino através do contato direto com a língua alvo (diálogos, textos, etc.) (NICHOLLS, 2001, p. 37).

2.3 Abordagem/Metodologia Estrutural A abordagem estrutural do ensino de línguas sustenta-se na teoria estrutural da linguagem – o estruturalismo – que teve como fundador Ferdinand de Saussure, com sua monumental obra, o Curso de Linguística Geral, publicado em 1916. Essa abordagem recebeu influências da psicologia behaviorista e deu grande contribuição para a descrição das línguas vivas modernas, inclusive para as línguas indígenas que não tinham forma escrita. Segundo essa visão, pela citada influência do behaviorismo, a língua se aprende pela formação de “hábitos”, de fora para dentro do indivíduo (SILVEIRA, 1999, p.47). Há uma tendência dos seus defensores de aproximar as etapas da aprendizagem da Língua Estrangeira às de aquisição da língua materna; logo, eles enfatizam o treino de habilidades linguísticas seguindo a ordem de aprendizado da língua nativa: compreensão oral, expressão oral, compreensão escrita e expressão escrita. Nessa abordagem, aprender uma língua é aprender as suas estruturas gramaticais. Sua principal técnica de ensino é o DRILL.

2.4 A Abordagem/Metodologia Comunicativa Segundo Silveira (1999, p.73), depois que as noções de competência e desempenho da teoria chomskyana foram se impondo, apareceu, a partir da década de 70, um maior interesse nos aspectos sociais da linguagem. Esse interesse pela interação social fez surgir, em seguida, a teoria dos atos de fala de Austin e Searle e a teoria conversacional de Grice. Como diz a autora, esse foi um período de total colorido social, político e econômico. a partir de 1975, são elaborados vários cursos de inglês e francês que utilizam conteúdos não mais centrados em itens gramaticais, mas em ‘atos de fala’ ou ‘funções linguísticas’(SILVEIRA, 1999, p. 74).


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Era uma metodologia baseada na sociolinguística interacional e na etnografia da comunicação. A noção básica que sustenta essa abordagem é a da competência comunicativa. Embora essa abordagem seja privilegiada nos documentos legais, vários fatores contribuem para sua não aplicação na sala de aula: reduzido número de horas, carência de professores falantes, número excessivo de alunos por turma, etc.

3 Principais documentos legais quanto à questão da Educação de Jovens e Adultos

A Educação de Jovens e Adultos tem estabelecido sua legalidade da seguinte forma: 1º- PARECER 05/97 do CNB - aborda a questão da denominação "Educação de Jovens e Adultos" e "Ensino Supletivo", define os limites de idade fixados para que jovens e adultos se submetam a exames supletivos, define as competências dos sistemas de ensino e explicita as possibilidades de certificação. 2º- RESOLUÇÃO CNE/CEB nº 1, de 5 de julho de 2000, estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação e Jovens e Adultos. 3º- PARECER CNE/CEB 11/2000, faz referência às Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos. 4º- LEI 11.692/2008 (LEI ORDINÁRIA), 10/06/2008, dispõe sobre o Programa Nacional de Inclusão de Jovens – PROJOVEM – instituído pela lei nº 11.129, de 30 de junho de 2005. 5º- DEC 5.840/2006 (DECRETO DO EXECUTIVO) 13/07/2006, institui no âmbito federal, o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos PROEJA e dá outras providências. 6º-DEC 6.093/2007 (DECRETO DO EXECUTIVO) 24/04/2007, dispõe sobre a reorganização do Programa Brasil Alfabetizado, visando à universalização da alfabetização de jovens e adultos de quinze anos ou mais, e dá outras providências.

Apesar de todos esses documentos estarem disponibilizados gratuitamente na internet para leitura e pesquisa geral, nem todos os professores conhecem seus conteúdos, o que dificulta a padronização do ensino nesse grupo. O que não se pode negar é que todos eles são unânimes na questão do oferecimento obrigatório da Língua Estrangeira para essa modalidade.

4 O que dizem os documentos legais quanto à questão da Metodologia para o Ensino de Língua Estrangeira na EJA

Como os alunos do EJA já estão, na sua maioria, atuando no mercado de trabalho, a abordagem comunicativa, por ser sociointeracional, é a mais interessante. Essa metodologia é destacada desde a Proposta Curricular do 2º Segmento (parte final do Ensino


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Fundamental), quando no volume 2, que inclui a proposta para Língua Portuguesa, Língua Estrangeira, História e Geografia, ela orienta que (...) essa proposta pressupõe inicialmente que a aprendizagem se dê em contextos sociais, históricos e culturais; assim abre espaço para que os jovens e os adultos, já engajados em diferentes aspectos da sociedade, possam perceber a aplicabilidade e a relação entre o que aprendem na escola e sua importância no dia-a-dia. Esse fato torna a aprendizagem significativa, pois os alunos são capazes de fazer relações e trazer de forma concreta suas realidades para dentro da escola (BRASIL, 2002, p. 73).

Essa visão segue para os PCNs do Ensino Médio que na página 26 diz: Torna-se, pois, fundamental, conferir ao ensino escolar de Línguas Estrangeiras um caráter que, além de capacitar o aluno a compreender e a produzir enunciados corretos no novo idioma, propicie ao aprendiz a possibilidade de atingir um nível de competência linguística capaz de permitir-lhe acesso a informações de vários tipos, ao mesmo tempo em que contribua para sua formação geral enquanto cidadão (BRASIL, 2000).

Como convencer professores, habituados a cumprir rotinas, a repensar sua metodologia para atender a essas orientações? Não basta ler o documento legal para que o professor se convença sobre a melhor metodologia a usar. Se fosse só isso, era só indicar a leitura do PCN + Ensino Médio: Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais, Linguagem, Códigos e suas Tecnologias e tudo estaria resolvido. Pois esse documento orienta que: O professor de língua estrangeira no ensino médio deve lançar mão de conhecimentos linguísticos e metalinguísticos dos alunos, estabelecer pontos de convergência e de contraste, assim como colocar o aluno frente a situações reais de uso do idioma, que ultrapassam o teórico e o metalinguístico. Ainda que em situação de simulação, a mobilização de competências e habilidades para atividades de uso do idioma – ler manuais de instrução, resolver questões de vestibular, solicitar e fornecer informações, entender uma letra de música, interpretar um anúncio de emprego, traduzir um texto, escrever um bilhete, redigir um e-mail, entre outras – deve ocorrer por meio de procedimentos intencionais de sala de aula (BRASIL, 2002, p. 91).

Nota–se nesta citação a importância dada à diversificação dos gêneros textuais. Infelizmente, o resultado dos avanços linguísticos que são descritos nos documentos de base legais não tem alcançado nossas salas de aula, o que continuamos vendo em termos de adoção de metodologia para o ensino de Língua Estrangeira é uma hegemonia de métodos tradicionais, a total indiferença quanto ao ensino da oralidade e, por fim, o consequente desinteresse dos alunos.

Considerações Finais

Neste trabalho, que trata especificamente do professor de Língua Estrangeira, escolhemos a questão da metodologia por se tratar de um dos pontos de maior discordância entre a comunidade acadêmica, e essa questão está envolvida nos saberes da formação profissional, pois se espera que o professor já saia do curso de Letras bem seguro quanto à sua futura prática. Pela ideia, há muito generalizada, de que o professor não é um ser


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acabado, essa definição ultrapassa a formação inicial e continua latente durante todo o tempo de vida do professor. Eu sou uma testemunha disso. A língua é um fenômeno oral por natureza. Mas aqueles professores que não se identificam com a abordagem comunicativa, acabam usando a metodologia com a qual estudaram: a tradicional, indo, assim, na contramão do desenvolvimento esperado do ensino de línguas. Onde fica, neste quadro, a perspectiva interdisciplinar? A valorização da fala, leitura, gestos, tradições, costumes, etc.? A afirmação dos direitos educativos das pessoas jovens e adultas na legislação nacional é evidente, mas apesar de tantos documentos legais e apesar do seu fácil acesso, pouco tem mudado. Poucos são os exemplos de professores que, apesar da falta de estrutura das escolas e da falta de motivação dos alunos gerada por anos e anos de estudo gramatiqueiro, conseguem criar situações reais de comunicação e estimular o aprendizado real da língua. A dificuldade de fazer um trabalho diferenciado na turma de Cozinha que mencionei foi a prova necessária de que a intenção de mudança não é facilmente recebida na comunidade escolar. A todo o momento, tive que lidar com comentários do tipo: “os professores que tive nunca fizeram isso”, “nós não estamos habituados a trabalhar dessa forma”, etc. Apesar de tudo, continuo no propósito de seguir as orientações de base legal, até porque também ouvi depoimentos de alunos que mostraram um maior interesse depois da mudança metodológica. Além do que, os alunos não têm culpa de desconhecer as orientações dadas pelos documentos legais, já que nem todos os professores têm esse conhecimento. Sei que ainda teremos muito que caminhar nesse terreno da EJA, principalmente no que se refere a um ensino que se pauta num código diferente do código usado nas outras disciplinas, que é a Língua Inglesa.

Notas 1

A professora Tânia Moura tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação de Adultos e a professora Marinaide Freitas leciona EJA na Graduação e no Mestrado em Educação Brasileira, foi diretora do Depto. de Educação de Jovens e Adultos (DEJA), da Sec. Mun. de Educação de Maceió (1996-2003), é líder do Grupo de Pesquisa Multidisciplinar em Educação de Jovens e Adultos (MULTIEJA) do CEDU-UFAL-CNPq e vice-líder do Grupo de Pesquisa Teorias e Práticas de Educação de Jovens e Adultos.


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Referências BRASIL. LDB. Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei no. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. DOU, 23 de dezembro de 1996. BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio, parte II. Brasília, MEC/SEB, 2000. BRASIL .Parâmetros Curriculares Nacionais + Ensino Médio: Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília, MEC/SEB, 2000. BRASIL. Proposta Curricular do 2º Segmento, v. 2. Brasília, MEC /SEF, 2002. CELANI, M. Antonieta A. A integração político-econômica do final do milênio e o ensino de língua(s) estrangeira(s) no 1º. e 2º. Graus. In: ABRALIN. Boletim da Associação Brasileira de Linguística. v. 1. Maceió: Imprensa Universitária, 1996. IMBERNÓN, Francisco. A formação docente e profissional: formar-se para a mudança e incerteza. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2004. LEFFA, Vilson J. Metodologia do ensino de línguas. In: BOHN, H. I.; VANDRESEN, P. Tópicos em linguística aplicada: o ensino de línguas estrangeiras. Florianópolis: UFSC, 1988. NICHOLLS, Susan M. Aspectos pedagógicos e metodológicos do ensino de inglês. Maceió: EDUFAL, 2001. SILVEIRA, M. Inez Matoso. Línguas estrangeiras: uma visão histórica das abordagens, métodos e técnicas de ensino. São Paulo/Maceió: Catavento, 1999. TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.


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PERFIL DOS DOCENTES DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL TÉCNICA DO PROGRAMA DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS DO INSTITUTO FEDERAL DE ALAGOAS

Maria de Fátima Feitosa Amorim Gomes * Quitéria Meire Mendonça Ataíde Gomes **

Resumo Educar jovens e adultos por meio do ensino técnico profissional exige do docente uma formação bastante peculiar, para lidar com alunos que estão fora da média de idade para cursar o ano em que se encontram matriculados, estão fora da escola por alguns anos, encontram-se desmotivados, com um baixo nível de conhecimento e grande dificuldade para aprender. Este estudo traçou o perfil de formação dos docentes do Instituto Federal de Alagoas, com o objetivo de contribuir com o direcionamento de um programa de formação continuada para aqueles profissionais que já fazem parte da instituição, bem como sinalizar as competências necessárias a serem requisitadas por ocasião de lançamentos de futuros editais para a seleção pública de candidatos. Palavras-chave: Educação técnica. Educação de Jovens e Adultos. Perfil do docente. Formação do docente.

Abstrat Educate young people and adults through professional technical education requires a quite peculiar, teacher training to deal with students who are outside the average age to attend the grade in which they are enrolled, are the ones who out of school for a few years, those who lack motivation, and the ones with a low level of knowledge and great difficulty to learn. This study outlined profile of the training of teachers of Federal Institute of Alagoas, aiming to contribute to targeting a continuing training programme for those professionals who are already part of the institution, as well as, flag the skills needed to be ordered in connection with future releases for public selection of candidates Keywords: Technical education. Adult education. Teaching profile. Training of teaching staff.

* IFAL Campus Marechal Deodoro - fatimanutre@gmail.com ** IFAL Campus Maceió - gomes.ataide@oi.com.br


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Introdução

O trabalho sempre foi alvo importante de estudo na história da humanidade por representar a confluência da economia e da inserção social. Iniciou com o trabalho doméstico e o artesanato e chegou ao modelo fabril, provocando a separação do trabalho manual e intelectual. Nesse percurso, grandes transformações ocorreram, surgiram diferentes atividades que exigiram a especialização dos profissionais (MANFREDI, 2003). Na era contemporânea, o trabalho assalariado se destaca entre as sociedades, embora, ainda seja praticado o trabalho doméstico e o trabalho autônomo. Com o aumento da população mundial, diminuiu a oferta de emprego, passando o trabalho autônomo a representar uma tendência na geração de emprego e renda, por meio do empreendedorismo (MANFREDI, 2003; REHEN, 2009). Com a evolução do trabalho, surgiram novas necessidades técnicas, impactando na formação educacional. Termos inovadores foram criados com o objetivo de facilitar o entendimento das soluções apresentadas pelos estudiosos da educação. Bauman (2001), ao comparar as características da educação atual com a passada, chamou-as de modernidade sólida e líquida. A modernidade sólida correspondia ao conhecimento durável, o certo e o errado eram distintos, as regras eram impostas, os indivíduos submetiam-se à obediência, aprendiam e incorporavam hábitos e os repetiam automaticamente. Os conteúdos uma vez aprendidos valiam por toda a vida, a memorização era imprescindível, tornando o conhecimento e a educação duráveis e permanentes. Segundo o mesmo autor, a modernidade líquida contrasta com a descrição anterior, é caracterizada pelas constantes transformações e pela flexibilidade. Essa velocidade requer adaptações constantes e significa descartar antigos hábitos e substituí-los rapidamente por outros. Decorar deixa de ser prioridade e dá espaço à criatividade, à inovação, à mudança e à busca de soluções para problemas imprevisíveis, assim, os avanços científicos e tecnológicos transformaram o ritmo do mundo, tornando-o mais veloz. O atual cenário da era do conhecimento, requer estratégias inovadoras na qualificação dos trabalhadores, que vão além do saber fazer e da disponibilidade em cumprir ordens, é preciso conhecer e saber aprender para tornar-se flexível, o que aumenta a responsabilidade do profissional. Sendo assim, o mundo corporativo exige um perfil diferenciado do trabalhador, para o qual a educação exerce um papel decisivo na relação educação e trabalho. A complexidade de aprender a trabalhar implica em compartilhar os esforços para garantir a formação continuada do indivíduo e na consequente elaboração de políticas públicas visando ao crescimento da sociedade (REHEN, 2009). Nesse contexto, a Lei de Diretrizes e Bases (1996) coloca a educação profissional na confluência dos principais direitos fundamentais do cidadão, como: o direito à educação e o direito ao trabalho. Parte da premissa de que a educação profissional deve ser orientada a partir do desenvolvimento da competência profissional necessária ao desenvolvimento da futura profissão.


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A educação profissional no século XXI retrata uma nova realidade, encontra-se internacionalizada, mutante nas transformações científicas e tecnológicas, exigindo uma nova formação docente, para que o aluno aprenda uma profissão a partir da escola (REHEN, 2009). De acordo com Perrenoud (1999), o conhecimento não basta para a atuação profissional eficiente, são necessárias competências que possam ser utilizadas de forma a integrar e mobilizar o conhecimento. Segundo Rehen (2009), a competência profissional é entendida como a capacidade do profissional em desenvolver habilidades, valores e atitudes, além de promover a mobilização, articulação e a integração dos conhecimentos na prática profissional. Para Manfredi (2003), significa a capacidade de mobilização dos saberes, voltada para o domínio de situações próprias do trabalho, como também fora deste, através das experiências vivenciadas. No resgate conceitual, a noção de competência resume-se ao desempenho individual, racional e eficiente tendo como finalidade à adequação entre fins e meios, objetivos e resultados. Conforme esclarece Meghnagi (1991), a competência profissional em contextos organizacionais específicos compõe as dimensões abaixo:     

domínio de conhecimento e habilidades básicas; capacidades básicas para desenvolver qualquer atividade de trabalho; competência e/ou habilidades e conhecimentos específicos relativos ao campo profissional; competências contextuais que podem ser operacionais e estratégicas. Com o grau de complexidade das exigências colocadas ao trabalhador, recai sobre as instituições de ensino, e principalmente ao docente, provocar as mudanças nos paradigmas educacionais.

Tais exigências sempre dificultaram a aplicabilidade das diretrizes curriculares e as políticas públicas direcionadas à educação profissional, que tinham como fator impeditivo questões referentes ao perfil e à formação do educador, que é o seu principal agente (REHEN, 2009). Os cursos técnicos que foram idealizados para formar profissionais para esse novo mercado, continuam sendo desenvolvidos por docentes sem conhecimento específico em pedagogia e com pouca habilidade em mediar situações de aprendizagem que facilitem a compreensão da competência para o trabalho futuro e a sua cidadania. O professor da educação profissional técnica precisa saber ensinar o que sabe fazer, o que implica em conhecimentos que vão além da sua formação e das experiências profissionais vivenciadas. As competências exigidas aos docentes da educação profissional devem garantir o conhecimento de tecnologias pedagógicas que favoreçam a aprendizagem contínua no decorrer da vida. Nesse contexto, os conteúdos programáticos da educação profissional técnica não podem ser resumidos a uma lista de conhecimentos a serem apresentados em disciplinas fragmentadas e utilizando unicamente o ambiente da escola (REHEN, 2009). Baseado em Freire (2000), o docente precisará, além do domínio pedagógico e do conhecimento, entender o cotidiano dos educandos. Delors (1998) sugere inserir na metodologia de ensino a resolução de problemas pelos alunos, o que os levaria a se situarem no contexto do trabalho e a fazerem relação com outras situações imprevisíveis.


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Diante do atual panorama da educação profissional técnica, que apresenta, de um lado, um trabalhador cada vez mais exigido em competências específicas que agreguem valor à sua formação e, do outro lado, um docente ainda não qualificado para atender a essas exigências, diversos autores têm se dedicado a estudar uma formação básica necessária ao docente a fim de sanar essa lacuna. Dentre os estudos avaliados, destacamos o da educadora Cleunice Matos Rehen (2009), que apresenta uma proposta de formação do docente para atuar na educação profissional técnica, partindo de três eixos fundamentais que, para ela, esse profissional deve possuir:  saberes disciplinares advindos de formação acadêmica específica;  saberes adquiridos pela experiência profissional relacionada com a sua área de formação acadêmica;  saberes pedagógicos e didáticos para a gestão das condições de aprendizagem e regulação interativa nos diversos ambientes de aprendizagem, com a escola e a empresa. Diante do exposto, este estudo teve como objetivo correlacionar o perfil de formação dos professores que lecionam nos curso técnicos de nível médio integrado, na modalidade Programa de Educação de Jovens e Adultos, ofertados pelo Instituto Federal de Alagoas, com a proposta de Rehen (2009). 1 Materiais e Métodos

a) Universo amostral O estudo teve como universo amostral os cursos técnicos de nível médio integrado, ofertados pelo Instituto Federal de Alagoas, na modalidade Programa de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA, localizados nos municípios de Maceió, Marechal Deodoro, Satuba e Palmeiras dos Índios, os quais foram visitados pelas pesquisadoras afim de esclarecer os objetivos do estudo para as suas respectivas coordenadoras. b) Coleta de dados Para a coleta de dados, foi elaborado um questionário composto de questões abertas e fechadas que possibilitaram a identificação do curso, da disciplina lecionada, a formação acadêmica, a experiência profissional e pedagógica do docente entrevistado. c) Tratamento estatístico Os dados foram tabulados e analisados por meio do programa Excel, versão 2010. 2 Resultados O Instituto Federal de Alagoas possui 14 campi, sendo um na capital Maceió e 13 no interior do estado. Dentre esses, apenas quatro oferecem cursos técnicos integrados à formação do nível médio, na modalidade PROEJA. De acordo com o levantamento dos dados, a Tabela 1 demonstra os cursos ofertados em cada campus pesquisado. A grade curricular dos cursos técnicos de nível médio integrado, ofertados nos municípios de Maceió, Marechal Deodoro e Palmeira dos Índios, é formada por três núcleos: um


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núcleo comum, onde constam as unidades curriculares pertinentes ao nível médio; um núcleo integrador, com unidades curriculares pertinentes ao mundo do trabalho, ou seja, informática básica, gestão organizacional, segurança no trabalho e um idioma estrangeiro, e, por último, um núcleo profissional, com as disciplinas relacionadas à educação profissional técnica. Os cursos são ofertados em seis módulos, cada módulo corresponde a um semestre, totalizando três anos de estudos, com a carga horária variando entre 2.320 horas a 2.800 horas. Tabela 1 - Cursos ofertados por campus do Instituto Federal de Alagoas, na modalidade PROEJA em 2012 CAMPUS Maceió Marechal Deodoro

Palmeira dos Índios Satuba

CURSOS OFERTADOS Curso Técnico de nível médio integrado em Artesanato Curso Técnico de nível médio integrado em Cozinha Curso Técnico de nível médio integrado em Hospedagem Curso Técnico de nível médio integrado em Eletrotécnica Curso Técnico de nível médio integrado em Informática Curso Técnico de nível médio integrado em Processamento de Alimentos

Os cursos ofertados no Campus de Satuba possuem uma grade curricular diferenciada dos demais. Estes são estruturados em quatro fases, sendo que cada fase corresponde a um semestre, dessa forma, os cursos são concluídos em dois anos, totalizando para cada um a carga horária de 1600 horas. As fases são formadas pelas unidades curriculares comuns ao ensino médio, uma unidade curricular integradora ao mundo do trabalho designada como empreendedorismo, ofertada na última fase do curso, e uma disciplina específica para a área profissional em estudo que permeia as quatro fases, nesse caso, Informática (para o Curso de Técnico em Informática) e Agroindústria (para o Curso Técnico em Processamento de Alimentos). Este estudo tem como alvo as unidades curriculares do núcleo profissional, por exigirem uma formação específica do docente para conseguir ensinar a fazer aquilo que sabe. Dessa forma, foi feita a correlação entre a formação acadêmica, em nível de graduação, com a unidade curricular lecionada pelo docente, na busca da identificação da interatividade do conhecimento do docente adquirido na formação acadêmica, com as competências necessárias à prática profissional do aluno a quem ele deve capacitar para o exercício profissional. Os resultados que serão apresentados foram avaliados à luz da proposta do perfil profissional do docente da educação técnica sugerido pela educadora Cleunice Matos Rehen, por representar a confluência dos grandes pensadores da educação aqui representados por Enguita, Manfredi, Bauman, Perrenoud, Meghnagi e Freire. Nesse sentido, a Figura 1 demonstra os resultados quanto à adequação da formação do docente em relação à unidade curricular lecionada, obtidos através das informações concedidas pelos próprios docentes. Os Campi de Palmeira dos Índios e Satuba apresentaram-se totalmente adequados na relação formação acadêmica e unidade curricular

lecionada, seguidos por Maceió e Marechal Deodoro que no Curso de Técnico em hospedagem apresentou o menor percentual de adequação.


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Gráfico1- Formação do docente em relação à disciplina lecionada de acordo com os cursos ofertados pelo IFAL em 2012 % de Adequação dos docentes em relação às unidades curriculares lecionadas

Maceió

Marechal Deodoro

Palmeira dos Indios

Técnico em Processamento de alimentos

Técnica em informática

Eletrotécnica

Técnico em hospedagem

Técnico em Cozinha

Formação de artesão

100,00% 90,00% 80,00% 70,00% 60,00% 50,00% 40,00% 30,00% 20,00% 10,00% 0,00% ADEQUAÇÃO

Satuba

Segundo Rehen (2009), o aluno procura a educação profissional para aprender a trabalhar em uma determinada profissão; as instituições educacionais organizam programas e currículos, e cabe ao docente mobilizar recursos pedagógicos específicos para atender aos currículos elaborados, de forma a promover situações de aprendizagem necessárias para o desempenho profissional desse aluno. Nesse caso, o docente é considerado como o indivíduo que domina o “saber ensinar, o saber disciplinar e o saber da profissão que os alunos estão aprendendo”. A Tabela 2, a seguir, apresenta dados relativos a três aspectos avaliados: primeiro, os resultados a respeito dos cursos de pós-graduação concluídos e em andamento pelos docentes; em seguida, a autoavaliação do docente quanto a possuir prática profissional na unidade curricular que leciona e, por último, se possui conhecimento pedagógico suficiente para capacitar alunos no desenvolvimento de habilidades técnicas a serem desenvolvidas em ambientes corporativos.


S

N

C

S

N

C

S

N

S

N

EP

71,4

28,6

-

57,0

43,0

-

7,2

92,8

-

57,0

53,0

64,3

-

35,7

83,3

16,7

-

100

-

-

7,2

83,3

9,5

83,3

16,7

100

-

-

50

35,8

14,2

50

42,8

7,2

-

92,8

7,2

78,5

21,5

50

7,2

42,8

80,0

-

30

70

-

-

80

20,0

30,0

70

70

-

30

-

-

50

50

-

-

100

-

100

-

-

-

100

-

100

-

67,0

-

33,0

33,0

-

-

67,0

33,0

67,0

-

33,0

100

Processamento de Alimentos

Técnico em Hospedagem

20,0

SATUBA

Técnico em Cozinha

C

Eletrotécnica

N

Informática

S

MARECHAL DEODORO

Formação de Artesão

CURSOS

Tabela 2 – Perfil acadêmico e profissional dos docentes da modalidade PROEJA do IFAL no ano de 2012 Pós-graduação Prática Conhecimento Profissional% Pedagógico Especialização % Mestrado Doutorado % % %

P. ÍNDIOS

MACEIÓ

CAMPI

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S – sim / N – não / C – cursando / EP – em parte

Os melhores resultados, quanto à presença de professores especialistas, foram alcançados pelos Cursos de Técnico em informática 100% e Técnico em Cozinha 83,3%, seguidos do Curso Técnico em Artesanato 71,4%. Apenas 50% dos docentes do Curso Técnico em Hospedagem possuem especialização, e os resultados mais baixos, 20% e 0% foram alcançados pelos docentes dos Cursos Técnico em Eletrotécnica e Processamento de Alimentos, respectivamente.


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Quanto à formação strictu sensu em nível de mestrado, foi realidade dos 100% dos docentes do Curso Técnico em Cozinha e em 67% no Curso de processamento de Alimentos. Percentuais mais baixos foram encontrados no Curso de Eletrotécnica 30% e entre 50% e 57% nos demais, conforme demonstrado na Tabela 2. Embora o Curso de Técnico em Cozinha tenha alcançado o índice de 100% (N=2) dos docentes com nível de mestrado, convém ressaltar que o curso ainda não teve nenhuma turma concluída, sendo assim, há disciplinas que não foram ofertadas, e o resultado representa apenas os docentes que lecionaram até o momento. No caso da formação do docente em nível de doutorado, o melhor resultado foi alcançado no Curso Técnico em Processamento de Alimentos, pois 33% dos docentes já possuem esse título; em seguida, apareceram os Cursos Técnicos de Artesão e Cozinha, com 7,2% dos docentes. Outro dado importante foi encontrado nos Cursos Técnicos de Cozinha, Hospedagem e Eletrotécnica, pois parte dos professores estão cursando doutorado. Rehen (2009) afirma que a formação de um professor para atender às expectativas de um mercado globalizado, numa sociedade rápida, fluida e flexível vai exigir dele um conhecimento muito além da formação inicial, pois não se forma um educador de uma só vez, em um só momento, as competências de um professor caracterizam-se por uma prática crítica e reflexiva, que deve ser de forma continuada, persistente e renovada. A prática profissional do docente na unidade curricular técnica que leciona é alvo de extrema importância neste estudo, por representar a construção das competências específicas que o docente deve possuir, afim de que possa formar trabalhadores a partir da escola. Relacionar a prática com a teoria, e sua consequente reflexão na ação, aumenta as chances de o docente poder contribuir na construção das suas competências para que perdurem ao longo da vida e para que no futuro essas competências possam ser conduzidas ao aluno que, a partir daí, também passa a fazer a relação teoria-prática e sua consequente reflexão na ação, o que significa refletir sobre suas práticas, analisar os seus efeitos e produzir ferramentas inovadoras. Com base nesse contexto, a Tabela 2 apresenta os resultados informados pelos docentes quanto à sua atuação como profissional na área em que se propõe a formar trabalhadores. Apenas 30% dos docentes do Curso Técnico em Eletrotécnica atuaram profissionalmente na área em que se propõem a capacitar pessoas; nos demais cursos, todos os resultados foram expressivos, chegando a atingir 100% no Curso Técnico de Informática. Cabe salientar que, embora uma parte dos professores tenha afirmado possuir prática profissional condizente com a unidade curricular lecionada, ao serem arguidos como adquiriram o domínio dos conhecimentos específicos para lecionarem, esses professores atribuíram o conhecimento ao ensino anterior da mesma unidade curricular em outros cursos ou instituição de ensino, ao estudo sobre o assunto, à realização de estágios ou ao exercício profissional no mesmo ambiente corporativo, porém em área diferenciada ao objeto em foco, não se configurando para o objetivo deste estudo como prática profissional efetiva, a ponto de capacitar o docente a ensinar aquilo que sabe fazer, por meio do relato de experiências vivenciadas no exercício profissional e na condução de discussões que levem o aluno a solucionar problemas inusitados.


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Segundo Perrenoud (1999 apud REHEN, 2009), entende-se formação continuada como um processo que tem início na formação inicial, mas que não termina neste espaço, ao contrário, prolonga-se pela vida profissional do docente e propicia o desenvolvimento da competência pedagógica, reflexão sobre a prática desenvolvida e possibilita inovações e possibilidades de mudanças nas ações realizadas. A formação continuada consolida o compromisso do professor com o aluno, além de demonstrar o seu interesse pelo autodesenvolvimento. Outro aspecto relevante a este estudo se caracterizou, quando os docentes foram indagados se consideravam possuir domínio pedagógico para fazer jovens e adultos aprenderem as competências necessárias ao contexto do trabalho que executarão após o término do curso, os resultados demonstraram que acima de 50% dos docentes entrevistados afirmaram possuir esse domínio. Quando os mesmos docentes foram questionados, posteriormente, quanto à participação em curso sobre didáticas e metodologias com vistas a conceber, construir e administrar situações de aprendizagem e ensino para cursos de educação profissional, as respostas não condiziam com as da questão anterior, ou seja, 100% dos docentes dos Cursos Técnicos em Informática e Processamento de Alimentos nunca participaram de cursos com abordagens pedagógicas e metodológicas para o ensino técnico profissional. Em seguida, aparece o Curso Técnico em Artesanato, com 88,88% dos docentes com a mesma afirmação, seguido do Curso Técnico em Cozinha, com 50% e o de Técnico em Hospedagem, com 44,44% dos docentes que não possuíam conhecimento didático pedagógico suficiente para trabalhar as competências necessárias ao desenvolvimento profissional do aluno. Ensinar a trabalhar implica em saber como se dá o trabalho naquela área, quais os processos produtivos envolvidos, quais são as reais necessidades, as contradições, os avanços tecnológicos, suas tendências e as suas relações com o mundo do trabalho. Aliado a esses conhecimentos, é necessária ao professor uma formação pedagógica como facilitadora da “[...] aplicação prática dos conteúdos, de forma crítica e reflexiva que leva à reformulação, ampliação, desconstrução, inovação, manutenção ou a transformação desses mesmos conteúdos” (REHEN, 2009).

Considerações finais

Os resultados deste estudo permitiram avaliar o perfil profissional dos docentes do ensino técnico profissional do Instituto Federal de Alagoas, na modalidade PROEJA, bem como identificar, dentre as três premissas, indicadas pela proposta da educadora em foco, aquelas que se encontravam adequadas e quais as que precisam ser trabalhadas pelo Instituto, a fim de sanar as lacunas existentes com vistas à melhoria da qualidade do ensino e a consolidar-se como referência nas profissões técnicas nas quais se propõe formar trabalhadores para o mercado brasileiro e internacional, visto que as competências na atualidade encontram-se globalizadas. Os resultados demonstraram que nem todos os docentes possuem formação adequada às unidades curriculares que lecionavam. Com relação à pós-graduação, a maioria


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dos docentes possui pós-graduação, está no nível lato sensu. Em nível de strictu sensu, há docentes com o título de mestre em todos os cursos, mas não na sua totalidade. Em nível de doutorado, apenas dois cursos apresentaram docentes com essa titulação e em outros três, uma parte dos docentes está com a formação em andamento. A maioria dos docentes afirmou ter experiência profissional na área em que lecionavam, porém as justificativas mencionadas não condiziam com essas afirmativas, também ficou clara a deficiência dos docentes quanto ao conhecimento pedagógico e metodológico, devido à falta de participação em cursos com essa finalidade Com base neste levantamento, é possível ao IFAL traçar um programa de formação continuada aos docentes que já fazem parte do quadro funcional, priorizando os programas de pós-graduação, principalmente em nível strictu sensu, e a possibilidade de os docentes que não possuem prática profissional ingressarem em cursos técnicos profissionais que proporcionem o desenvolvimento das habilidades e competências necessárias, bem como proporcionar cursos que desenvolvam métodos didático-pedagógicos visando ao alcance da excelência educacional. O estudo corrobora ainda com a formatação de futuros editais para concursos públicos, onde sejam explicitamente exigidas as competências necessárias ao desempenho técnico profissional do docente.

Referências

BAUMAN, Zigmunt. Modernidade líquida. São Paulo: Zahar, 2001. BRASIL. MEC. Lei de Diretrizes e bases da Educação Nacional, 1996. DELORS, Jacques. Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez/MEC-Unesco, 1998. ENGUITA, Mariano F. A face oculta da escola. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 15ª 15. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000. MANFREDI, Silvia Maria. Educação profissional no Brasil. São Paulo: Cortez, 2003. MEGHNAGI, Saul e outros. La competenza esperta – sapere professionale e contesti di lavoro. Roma: Ediesse, 1991. PERRENOUD, Philippe. Construir as competências desde a Escola. Porto Alegre: Artmed, 1999. REHEN, Cleunice Matos. Perfil e formação do professor de educação profissional técnica. São Paulo: SENAC, 2009.


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PROEJA: PRÁTICA DOCENTE DIFERENCIADA

Lúcia Kozow*

Resumo Este artigo propõe uma reflexão sobre a atuação e o papel do professor que labora junto ao Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA). Para tanto, inicialmente, abordamos algumas características apresentadas pelos discentes que frequentam o Programa no Instituto Federal de Alagoas (IFAL) campus Marechal Deodoro, mencionando alguns problemas encontrados pelos docentes na sua prática de sala de aula, tecendo algumas discussões e oferecendo algumas sugestões para resolução dos problemas encontrados. Por fim, será referenciada a questão pertinente à importância do papel representado pelo professor que atua junto a esta modalidade de ensino em sua perspectiva ontológica, levando-se em consideração a bagagem de conhecimentos, trazida pelos alunos, como marca e como potencialidade para o desenvolvimento de um trabalho em conjunto. Palavras-chave: PROEJA, docentes, prática didática.

Abstract This article proposes a reflection about the practice and the role of the teacher who works for the Programme for Integration of Professional Education at high school in the form Education for Youths and Adults (PROEJA). At first, we try to show some characteristic of the students who attend the Programme at Instituto Federal de Alagoas (IFAL), Marechal Deodoro campus, mentioning some problems faced by the teachers during their classes, showing some discussions on them and offering some suggestions to solve the problems teachers are faced with. Finally, the relevant question will be referred to the importance of the role played by the teacher who works with this type of education in his ontological perspective, taking into account the background knowledge, brought by students, as a brand and as a potentiality for the development of a teamwork. Keywords: PROEJA, teachers, teaching.

* IFAL – Campus MD - luciaproeja@hotmail.com


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Introdução

O presente artigo propõe uma reflexão relacionada aos caminhos a serem percorridos por todos aqueles que têm como desafio laborar junto ao Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA). Assim, ao referir-se à Educação de Jovens e Adultos (EJA), estaremos evidenciando uma abordagem de acordo com Ciavatta e Rummert (2010, p. 462) como “[...] o conjunto de ações formais destinadas à elevação da escolaridade básica” e, neste caso, em específico, acrescentando um olhar desafiador ao ensino profissionalizante que congrega alunos com características diferenciadas tais como a idade avançada e a falta de oportunidade de frequentar uma sala de aula para um estudo formal, associando assim o resgate da escolarização básica com a educação profissional. Além disto, o PROEJA, em se tratando de um programa que alia a Educação de Jovens e Adultos (EJA) com a profissionalização, tem como característica a necessidade da transformação de teorias em resultados práticos, no sentido de que se busca visualizar o emprego da aprendizagem através da colocação em prática de todos os conhecimentos adquiridos durante os anos de estudo. Para que se possa fazer um trabalho direcionado especificamente aos estudantes que participam do Proeja, é necessário a priori que o docente entenda o que significa esse programa, qual é a sua proposta, quais são os seus objetivos, suas características e concepção. Essas questões podem ser vistas através por meio dos documentos organizados e disponibilizados pelo MEC/SETEC e que servem como um guia informativo. Para tanto, como ponto de partida, vamos analisar as características dos discentes que frequentam as aulas na modalidade PROEJA, tomando como base de observação os cursos desenvolvidos no Instituto Federal de Alagoas (IFAL), campus Marechal Deodoro, bem como algumas questões pertinentes ao presente tema e relacionadas à visão de alguns pesquisadores conforme referências expostas ao final. Posteriormente, discorreremos a respeito de alguns problemas encontrados na prática docente, frente à modalidade de ensino que representa o PROEJA, promovendo algumas discussões sobre o assunto e propondo algumas sugestões para a resolução dos problemas mencionados. 1 Características dos discentes do Proeja no campus Marechal Deodoro e condições de aprendizagem

Os discentes que frequentam o PROEJA no IFAL, campus Marechal Deodoro, nos cursos de Hospedagem e Cozinha apresentam características bem heterogêneas i. Observamos e podemos dizer, ainda que de forma empírica, através do decorrer das atividades de sala de aula, que alguns demonstram ter bom raciocínio e discernimento diante das tarefas propostas, enquanto outros não conseguem formular ou desenvolver uma ideia simples ou mesmo acompanhar um simples raciocínio. Nesse sentido, os extremos dificultam o trabalho em sala de aula, em que muitas vezes aparece o sentimento de incapacidade, por parte do docente, que não consegue encontrar uma saída para resolver a questão.


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Desenvolver um trabalho com bons alunos é fácil, mas como fazer para que aqueles que apresentam dificuldades possam avançar? Como trabalhar em conjunto com ambos na mesma sala de aula e no mesmo horário? As perguntas, questionamentos e problemas são muitos e o encontro de soluções deve dar-se com trabalho contínuo. É necessário que haja uma ação conjunta com os diversos segmentos da Instituição, para que os professores possam exercer a sua função de forma mais equilibrada, que eles sejam instrumentalizados e capacitados para criar e desenvolver estratégias que possam garantir, se não total, pelo menos parcialmente, a aquisição de conhecimentos principalmente no que se refere aos alunos com problemas de aprendizagem. Ademais, as ausências dos alunos em sala de aula são ressaltadas como um problema que se pode considerar como um agravante relacionado à questão da aprendizagem, e que representam um caso comum no PROEJA. Muitas vezes não possuem uma justificativa plausível e acabam por dificultar, ainda mais, o trabalho a ser realizado, principalmente porque quando o aluno retorna, ele se encontra totalmente alheio às atividades que já foram realizadas, como por exemplo: não toma a iniciativa de verificar o que foi feito, de realizar algum trabalho solicitado, responder um exercício ou providenciar um material. Outro fator que também é importante colocar, e que é uma característica comum entre os alunos, é o fato de que, quando conseguem algum trabalho/emprego que implica uma remuneração, imediatamente desistem das aulas. Afinal, estas não representam uma prioridade na vida deles. O fato é “justificável” já que se trata de pessoas adultas e que necessitam trabalhar para sobreviver. O que causa estranheza é que não se observa, em muitos, por exemplo, a iniciativa de pelo menos tentar conciliar o trabalho e os estudos, o que parece demonstrar, e algumas vezes já foi possível comprovar através de questionamentos, é que alguns acham que o estudo não vai fazer a diferença na vida deles.

2 Problemas encontrados na prática docente

Uma das principais colocações observações dos docentes que atuam junto ao Proeja é a de que não estão preparados para trabalhar com o tipo de alunos que aí se encontram, isto é, que as características desses discentes os obrigam a procurar mudar ou diferenciar a prática até então empregada nas aulas das distintas disciplinas ministradas. Essas características se referem a fatos diversos, tais como o de que muitos alunos estiveram por vários anos fora da escola, que alguns possam supostamente apresentar distúrbios de aprendizagem, que outros necessitam receber o numerário oferecido pelo governo, a exemplo da existência de casos em que o valor recebido complementa a pouca renda ou é a única renda familiar disponível, além de outros aspectos não menos importantes. Duran (2007, p.118) baseada em Michel de Certeau (apud CERTEAU, 1996) nos diz que “[...] o cotidiano é aquilo que nos é dado cada dia (ou que nos cabe em partilha), nos pressiona dia após dia, nos oprime, pois existe uma opressão no presente”. Essa forma de sentir o dia a dia do trabalho no ambiente escolar necessita um olhar sério. É preciso que sejam proporcionadas, a professores e alunos, as condições necessárias para que possam


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trabalhar juntos, dentro de uma perspectiva de aprendizagem, e o que se observa é que muitas vezes essas condições não são ofertadas, seja porque o próprio sistema não permite ou não está devidamente preparado, e a saída se resume em improvisações. Reis (2011, p. 173) acrescenta que “[...] formar professores identificados, científica, pedagógica e criticamente com as necessidades dos estudantes em qualquer nível de ensino é o descompasso vivenciado na maior parte dos cursos de formação de professores brasileiros”. Quando se trata do PROEJA, parece que a situação, de alguma maneira, torna-se mais pontual. Afinal, os docentes afirmam que não tiveram a formação necessária para desempenhar o papel que lhes compete em sala de aula e reconhecem que se devem adotar novas formas ou estratégias de atuação junto a esse público diferenciado. Alguns professores, por exemplo, que são oriundos de um mestrado ou doutorado e que muitas vezes se tornam especialistas teóricos nas suas áreas específicas, não estão dispostos a fazer uma pesquisa direcionada ao ensino. Falar em PROEJA é falar de ensino diferenciado, e ocupar a docência nesse nível necessita antes de qualquer coisa e de qualquer conhecimento, a boa vontade, pois tudo começa através dela. Segundo Silva e Sant’Anna (2010, p. 71) “[...] a aprendizagem do sujeito da EJA obriga a mobilizar conhecimentos e a criar as condições, para que esses conhecimentos se inscrevam numa pessoa”. A construção do saber pedagógico parte da observação e da bagagem de conhecimentos trazidas pelos estudantes para que juntos, professores e alunos, se tornem sujeitos responsáveis por essa construção. Assim, para adequar-se a uma realidade que é nova e específica, os professores necessitam, além de uma capacitação voltada para o Proeja, também, como afirmam Silva e Franzoi (2010, p. 257) “[...] receber uma formação voltada às especificidades do público jovem e adulto”, além da necessidade de trabalhar o seu psicológico porque muitas vezes se tem a impressão de impotência diante de determinadas situações, como, por exemplo, o caso de determinado aluno que não consegue estabelecer o menor raciocínio diante de um texto simples, escrito em seu próprio idioma, sem mencionar, como ficaria uma atividade em outro idioma, visto que o currículo contempla os idiomas, inglês e espanhol. Por outro lado, como bem afirma o escritor Paulo Freire (1996, p. 145): “[...] jamais pude entender a educação como uma experiência fria, sem alma, em que os sentimentos e as emoções, os desejos, os sonhos devessem ser reprimidos”. Nesse sentido, cabe a cada docente uma reflexão a respeito do seu modo de agir. Será que se está levando à sala de aula a vontade de ensinar, os bons sentimentos que são próprios do ser humano, o querer que o aluno aprenda verdadeiramente, a descoberta sobre quem é o ser humano/aluno que aí se encontra para poder ajudá-lo a adquirir os conhecimentos necessários que possam fazer a diferença na sua vida, no contexto social? Todos esses pontos ou interrogantes devem servir como reflexão e devem ser dirigidos a todos indistintamente. Além disso, para suprir a grande lacuna existente, relacionada ao fato da dívida que a sociedade possui para com esta população trabalhadora, como bem enfatiza a professora Marinaide Freitasii com frequência em suas palestras, população esta que foi relegada a não receber conhecimentos senão aqueles estritamente necessários aos trabalhos exercidos no campo e nos espaços urbanos, é urgente que não somente os educadores mas toda a sociedade de maneira geral esteja atenta e mobilizada na busca de preencher este


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vazio, o mais breve possível, que continua ainda pendente e carente de conscientização de muitos. Oliveira e Franzoi (2010, p. 41) mencionam que segundo as estatísticas nacionais “[...] o maior número de sujeitos excluídos ou com trajetórias de insucesso escolar está nas regiões interioranas, associados a questões de raça, cor e gênero. Apesar da luta dos movimentos sociais, ainda persiste a dicotomia entre rural/urbano, campo/cidade”. No campus Marechal Deodoro, já é possível acompanhar a trajetória de alguns desses sujeitos advindos de lugares onde até a dificuldade do acesso ao transporte se faz visível, o que representa um ponto bastante positivo apesar de ainda pequeno diante do universo a ser contemplado. Uma ideia que parece fundamental e é bem colocada pelos autores Santos e Arenhaldt (2010, p.284), encontra-se em Documento organizado pela UNESCO referente ao pensamento pedagógico da humanidade para o futuro, é trazer para a reflexão os seguintes pilares da educação: aprender a conhecer; aprender a fazer; aprender a viver juntos; e, por fim, aprender a ser. Estas vias encontram-se interligadas e merecem estar sempre vivas nas mentes dos educadores para que possam utilizar-se delas na sua práxis pedagógica.

2.1 Discussões e sugestões para a resolução dos problemas encontrados

Para minimizar os problemas, com os quais os professores fatalmente se deparam ao iniciar um trabalho com alunos com as características acima mencionadas, primeiramente se faz necessário que esses docentes tenham acesso a uma capacitação específica e mesmo que sejam levados a uma conscientização a respeito do que circunda o Programa com suas especificidades e ideologia de criação. Segundo Silva e Sant’ana (2010, p.69), o fato de a escola estar recebendo estudantes de diferentes idades, e acrescentamos a isto a realidade de que estes estudantes estiveram afastados dos estudos por um tempo longo, tem causado alguns conflitos entre professores, coordenadores, direção e alunos, porque eles necessitam, indubitavelmente, de um tratamento diferenciado. Assim, é preciso que os professores ouçam o que os estudantes têm a dizer e conheçam um pouco sobre quais são as suas experiências de vida. Como afirmam Ciavatta e Rummert (2010, p.466) “[...] a formação humana exige da escola profundas reformulações para abrigar e potencializar a riqueza e a diversidade que para ela convergem quando recebe os alunos da classe trabalhadora”. É importante construir um olhar sobre esta nova realidade. É necessário desmistificar ideias pré-concebidas a respeito desse público. É fundamental que se lhes propicie o prazer de estar voltando a estudar, a frequentar uma escola, de se sentirem cidadãos capazes de adquirir conhecimentos, de construir uma nova vida e de crescer como seres humanos, tornando-se ainda melhores. Acima de tudo, é preciso que os docentes que atuam junto ao programa de jovens e adultos, como bem afirmam Ciavatta e Rummert (2010, p.466), possam levar em consideração a experiência dos estudantes numa abordagem dialética abandonando a visão dominante e até mesmo preconceituosa que acaba por desqualificar os saberes trazidos pela


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classe trabalhadora através de suas experiências de vida e criar novas relações que propiciem interagir com os sujeitos envolvidos no processo, adentrando o seu mundo, para ajudá-los a transformar os saberes existentes, aprimorando-os, além de acrescentar novos conhecimentos. Entretanto, o que costuma acontecer se processa da seguinte forma: algumas vezes o professor recebe um simples comunicado de que foi designado a dar aulas no PROEJA ou que já está contemplada alguma turma no seu horário, e ele sequer foi consultado. A colocação é a de que não há outro professor, ou seja, aquela matéria tem que ser ministrada porque se encontra na grade curricular e o professor da disciplina deve ministrá-la. Esse professor não se sente preparado para atuar junto a esse público ou simplesmente não é do seu interesse. Desse modo, mesmo que lhe seja proporcionada uma capacitação específica seguirá reticente. É interessante que haja primeiramente um trabalho de conscientização desse docente a respeito do público pertencente a essa modalidade, bem como que lhe seja propiciado um conhecimento amplo sobre o PROEJA. Para Silva e Franzoi (2010, p.258), “[...] não existem docentes para atuar nos cursos oferecidos no âmbito do PROEJA” porque o perfil que devem ter esses profissionais esbarra em diversas questões como, por exemplo, o fato de que não existe formação para atuar na educação profissional. Assim, caberá ao professor inventar e reinventar a sua prática levando em consideração a bagagem de conhecimentos trazida pelos alunos, onde deve ser estimulada “[...] a busca por uma aprendizagem significativa, resultante da soma do conhecimento novo a outros antigos já existentes” (cf. REIS, 2011 p. 187), abordando temas relacionados com o conteúdo da matéria, mas que ao mesmo tempo resultem interessantes, tornando, dessa maneira, o seu trabalho mais produtivo e com maior probabilidade de êxito frente aos objetivos propostos. Por outro lado, o que existe com relação à capacitação para os docentes da EJA, de modo prático e formal, ainda está se dando de maneira um pouco tímida, porém se observa que há uma preocupação por parte dos órgãos competentes como a CAPES/SETEC/MEC no sentido de apoio a projetos e a cursos de pós-graduação na área, fato este previsto em documentos que podem ser consultados em suas páginas virtuais. Ninguém contesta o fato de que o professor deve estar bem formado ou em constante formação e que isso não deve ser visto como apenas uma despesa a mais para o governo, mas, sim, como um investimento necessário e fundamental nesse processo que ainda se pode chamar de inicial diante do percurso que, todavia, está por percorrer. Os desafios são muitos diante de uma sociedade que se encontra em constantes transformações e é por isso que os docentes devem ver supridos os seus direitos, que é um dever do estado, de proporcionar-lhes uma capacitação continuada para poder exercer de maneira significativa a sua atuação junto aos sujeitos da EJA, defendendo uma educação centrada na pessoa humana. Tardif (2002) é enfático ao afirmar que não se pode mais separar o trabalho do professor da pessoa do professor, bem como ao assinalar a preocupação com o resgate ao valor profissional do professor. Apresenta também os saberes que constroem a profissão


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docente, onde aponta o primeiro deles como sendo os saberes da formação profissional e por último, os saberes experienciais que constituem a sua prática propriamente dita. Podemos verificar que, com relação ao primeiro saber apontado pelo autor acima, os professores que atuam junto ao PROEJA no campus Marechal Deodoro se encontram numa posição que poderíamos considerar como delicada, pelo fato de não possuírem uma formação profissional específica para atuarem junto aos sujeitos da EJA. De fato, o que os docentes se apropriam se refere ao que o autor acima coloca como os saberes experienciais, aqueles provenientes da sua práxis, do seu dia a dia da sala de aula, onde se aprende a trabalhar, trabalhando.

Considerações finais

Um trabalho direcionado ao PROEJA exige muitas discussões e acima de tudo, compromisso. Isso implica, necessariamente, investigar entre outros aspectos as reais necessidades dos sujeitos alunos, para identificar, entre outras coisas, como eles produzem os conhecimentos que aportam. Discutimos aqui um pouco a respeito da prática docente nessa modalidade de ensino não com a pretensão de esgotar o assunto, mas com a intenção de fazer uma abordagem chamando a atenção para as situações enfrentadas pelos docentes no seu cotidiano de sala de aula. (Usar 0pt entre parágrafos!) É importante, e diríamos até primordial, que as atenções não estejam voltadas somente para os alunos que frequentam o programa, mas também para os professores que atuam junto a eles, pois através por meio de uma boa aula, bem estruturada e devidamente ministrada, onde exista o intercâmbio de conhecimentos no processo de interação professor/aluno, é possível alcançar os objetivos desejados e que estão previstos no PROEJA. Portanto, analisar o perfil e as necessidades dos alunos que estudam no PROEJA, para solucionar os problemas encontrados e melhorar a qualidade de ensino, é de fundamental importância, mas não se pode relegar a um segundo plano o papel que o professor desempenha e o que isso representa ao longo do processo, para que se possa alcançar êxito. Assim, é urgente o avanço na tomada de consciência dos responsáveis por dotar os docentes das condições necessárias ao bom desempenho de suas funções frente ao desenvolvimento das atividades pertinentes a sua disciplina no PROEJA, o que representa uma questão relativa de comando e esforço político.

Notas 1

Conforme pesquisa realizada e exposta na presente publicação. Professora da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e pesquisadora na área de Educação de Jovens e Adulto s (EJA) 2


Caminhando com o PROEJA: reflexões, desafios, atitudes P á g i n a | 110

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