“DE UM CURSO A UM DISCURSO” Revista de Psicologia EDIÇÃO 3
“DE UM CURSO A UM DISCURSO” Revista de Psicologia EDIÇÃO 3
Copyright©2011 by Núcleo de Publicações Acadêmicas do Centro Universitário Newton Paiva 1ª Edição 2011
Centro Universitário Newton Paiva Unidade Juscelino Kubitschek - Campus Carlos Luz, 220 Belo Horizonte – Minas Gerais
EDITORIAL Apresentamos a 3ª publicação eletrônica da Revista do Curso de Psicologia que contempla artigos que foram elaborados pelos alunos a partir das práticas de estágios desenvolvidas em 2010 e 2011. Estes trabalhos foram apresentados publicamente na Jornada de Psicologia em novembro de 2011, evento que consiste em um espaço vivo e dinâmico e ocorre anualmente no curso de Psicologia, objetivando a transmissão e a discussão do saber produzido a partir da prática destes estágios. Nesta 3ª edição, destaca-se o momento histórico vivido pelos psicólogos no Brasil que é a marca da travessia para os 50 anos de profissão. Assim, estes trabalhos foram agrupados na Revista “De um Curso a Um discurso” Território de uma profissão - Psicologia 50 anos, de forma a colocar, mais uma vez, a escrita para inscrever toda esta trajetória da profissão e da formação dos alunos de Psicologia pelos caminhos da escuta dos sintomas da sociedade contemporânea. Comissão Editorial
EXPEDIENTE PROFESSORES SUPERVISORES Denise Leitoguinho Rossi Fernando Dório Francisco Viana Genilce Cunha Geraldo Majela Martins Ghoeber Morales Gustavo Teixeira Inês Seabra Marcelo Castro Margaret Couto Maxleila Reis Raquel Neto Alves
COMISSÃO EDITORIAL Délcio Fernando Guimarães Fabrício Ribeiro Fernando Dório Junia Maria Campos Lara Geraldo Majela Martins Marluce Godoy Maxleila Reis Merie Bitar Moukachar
Revisão de Português Vanderléa Martins da Rocha
Edição Núcleo de Publicações Acadêmicas do Centro Universitário Newton Paiva Cinthia Mara da Fonseca Pacheco Emerson Luiz de Castro Eustáquio Trindade Netto Juniele Rabêlo de Almeida Marialice Nogueira Emboava Editora de Arte e Projeto Gráfico Helô Costa - 127/MG Diagramação: Fillipe Gibram Geisiane de Oliveira (estagiários da Central de Produção Jornalística da Newton Paiva - CPJ)
núcleo de publicações acadêmicas CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA
EXPEDIENTE Presidente do Grupo Splice Antônio Roberto Beldi reitor Luis Carlos Souza Vieira
Pró-reitor Acadêmico Sudário Papa Filho
Secretário Geral Dorian Gray Rodrigues Alves
Coordenadora do Curso de Psicologia Júnia Maria Campos Lara
Coordenadora da Clínica de Psicologia Merie Bitar Moukachar
Coordenação do Centro de excelência para o ensino Fernanda Amaral Ferreira
SUMÁRIO
Núcleo Psicoterapêutico
Sublimação do resto: a transformação pela arte. Laila Sampaio Parreiras, Larissa Abreu Luciano Ferreira, Rúbia Ingrácia Athayde da Cunha, Sarah Luisa de Noronha Veloso, Vanessa Cristina Soares Machado, Inês Seabra............................................................................................................................................... 11
Dependência Amorosa Feminina Adalgisa Kelly da Silva dos Reis, Genilce Rodrigues Cunha....................................................................................................... 16
Casa, casada e cansada, um deslizar de significantes para amar e trabalhar – entrevistas preliminares, a transferência e a entrada em análise. Adriana Arcanjo Santarelli, Geraldo Majela Martins................................................................................................................ 19
O Desejo da Histérica. Ana Rafaela Pinheiro Brasil, Geraldo Majela Martins.............................................................................................................. 22
Gabrielle uma Mulher? André Fernando Gil Alcon Cabral, Geraldo Majela Martins..................................................................................................... 24
A construção da autenticidade do cliente no processo psicoterapêutico. André Gil Viana, Raquel Neto Alves....................................................................................................................................... 27
Diogo e a compulsão: um modo de ser no mundo. Caroline Naiara Vieira Chaves Pinto, Fernando Dório Anastácio.............................................................................................. 29
Autismo Infantil: da segregação à inclusão social - novas perspectivas na visão analítico-comportamental. Adriene Faria Passos Martins, Maxleila Reis Martins Santos.................................................................................................... 32
O adolescente infrator e a responsabilidade sobre o ato. Karina E. Carvalho Rosa, Fernando Dório Anastácio............................................................................................................... 35
Adolescência e algumas questões existenciais. Luciana Neves Ferreira, Fernando Dório Anastácio................................................................................................................ 39
Inautenticidade: Estudo clínico de Joana. Pollyana Magalhães Nobi, Fernando Dório Anastácio............................................................................................................. 42
Relação terapêutica: Um fator decisivo para o desenvolvimento psicoterapêutico. Cárita Barbosa Otoni Gonçalves Guedes, Fernando Dório Anastácio...................................................................................... 44
Transtorno obsessivo-compulsivo: uma visão analítico-comportamental. Carla Daniela Monteiro Saldanha, Maxleila Reis Martins Santos............................................................................................. 47
Transtornos alimentares: uma visão da análise do comportamento. Hallana Simões Pires, Maxleila Reis Martins Santos............................................................................................................... 50
Resistência e Transferência no Processo Psicanalítico. Ludmilla Pereira Cunha, Geraldo Majela Martins................................................................................................................... 53
“Eu sou a última”: o sintoma da criança como resposta ao discurso do Outro. Bárbara Coelho Ferreira, Margaret Pires do Couto................................................................................................................. 55
O desespero humano na construção da autenticidade. Bárbara Cristina Caldeira dos Santos, Raquel Neto Alves........................................................................................................ 57
Vou ter que conviver com essa mulher? O feminino em Freud a partir de um fragmento clínico. Bruna Luciana Domingues Brandão, Geraldo Majela Martins.................................................................................................. 59
A importância das entrevistas preliminares na clínica psicanalítica. Carla Ribeiro Mosso, Geraldo Majela Martins........................................................................................................................ 62
O Obsessivo e a Morte. Caroline Turatti Cardoso, Margaret Pires do Couto................................................................................................................. 64
A terapia comportamental infantil ao longo da história. Damiana Cristine Ferreira, Maxleila Reis Martins Santos........................................................................................................ 66
Transferência e ética: uma análise clínica. Daniel Bruno dos Reis, Geraldo Majela Martins..................................................................................................................... 68
O impacto na vida adulta do abuso na infância. Diéferson Artur Brandão, Raquel Neto Alves.......................................................................................................................... 70
O manejo da transferência: via de uma psicanálise. Dionne Maria Pinto de Carvalho, Geraldo Majela Martins...................................................................................................... 73
Identificação da repetição em casos clínicos. Eduardo Alves Guimarães, Geraldo Majela Martins............................................................................................................... 76
Construindo conhecimento sobre o compartilhamento do desconhecimento clínico. Eli Chagas de Oliveira, Geraldo Majela Martins..................................................................................................................... 80
Atualização: a compreensão em relação ao outro. Francis Mara Lopes Barcelos, Raquel Neto Alves................................................................................................................... 82
A frustração e o temor do psicoterapeuta iniciante: é minha culpa quando o cliente desiste? Grazielle Medeiros Santiago, Raquel Neto Alves..................................................................................................................... 84
Quando a vontade de desistir de existir é mais forte do que a vontade de ser – no – mundo. Ismael Cândido Filho, Raquel Neto Allves.............................................................................................................................. 90
A negativa da jovem homossexual: de qual lugar (ele) o pai me escuta? Joana D’arc Ferreira da Silva, Geraldo Majela Martins. ..........................................................................................................94
Plantão Psicológico itinerante: reconstruindo projetos de vida. Leonardo Camilo Ede de Oliveira, Ghoeber Morales dos Santos............................................................................................... 97
Depressão. Leopoldo Américo de Souza, Raquel Neto Alves.....................................................................................................................100
Eu te devoro: a mulher no tênue limite entre a devastação e o amor. Leziane Parré de Souza, Margaret Pires do Couto................................................................................................................. 102
A árvore que queria ter as folhas diferentes: considerações sobre inibição, sintoma e ansiedade em psicanálise. Lidiane Corina Gonçalves da Cruz, Geraldo Majela Martins....................................................................................................104
De uma coisa eu sei: sou mulher...muito macho!?! Lorena Regina Queiroz, Geraldo Majela Martins....................................................................................................................106
Angústia da Separação. Luciana Soares Martins Fróes, Geraldo Majela Martins..........................................................................................................108
Depressão: uma perspectiva analítico comportamental. Luíz Felipe Silva Melo, Gustavo Teixeira................................................................................................................................111
Lembranças carregadas e sentimentos. Luiz Flávio Chinelato, Geraldo Majela Martins.......................................................................................................................113
Mudando contingências: um caso de transtorno do pânico. Luzia de Fátima Costa Ferreira, Maxleila Reis Martins Santos................................................................................................115
Relações Alienadas. Marcela Oliveira Caetano Martins, Raquel Neto Alves...........................................................................................................118
Sintoma: um caso clínico. Marcielle Raquel da Costa Maia, Geraldo Majela Martins.....................................................................................................120
Um modo de existir obsessivo. Marcos Tocafundo, Raquel Neto Alves.................................................................................................................................122
Efeitos da autoimagem nas percepções vividas. Maria Elisa Costa Soares, Raquel Neto Alves........................................................................................................................124
Quando a melancolia bate forte: os limites da escolha e o medo da morte. Natanael Magalhães Soares, Raquel Neto Alves...................................................................................................................127
Entrevistas Preliminares. Dayana Soares A. da Silva, Geraldo Majela Martins..............................................................................................................129
Plantão Psicológico sob o enfoque da análise do comportamento. Maria Christina Bittencourt Lima, Ghoeber Morales dos Santos................................................................................................133
A histeria: objeto de desejo do Outro. Rejane de Melo Moreira, Geraldo Majela Martins................................................................................................................... 135
A solidão na contemporaneidade Rogéria Aparecida Lázaro, Raquel Neto Alves..........................................................................................................................137
Confrontando com a impotência do outro. Sandra Siani Passos Novais, Geraldo Majela Martins................................................................................................................139
Do amor transferencial freudiano à evocação de um analista. Sandro de Carvalho Moreira, Geraldo Majela Martins..............................................................................................................142
Relacionamentos virtuais: a ausência do outro. Selma de Oliveira Fróes, Raquel Neto Alves.............................................................................................................................145
A transferência na clínica. Sibele Fideles Fernandes, Geraldo Majela Martins...................................................................................................................147
O adolescente e a crise do pai. Soraia Rocha de Souza, Margaret Pires do Couto.....................................................................................................................149
Angústia e desamparo: um caso clínico. Tatiane dos Santos Valadares, Geraldo Majela Martins............................................................................................................152
Um caso de homossexualidade masculina. Vanessa Bruno da Silva, Geraldo Majela Martins.....................................................................................................................154
Ofensa sexual e violência intrafamiliar contra a mulher. Viaviane Cristina Felizardo Martins, Genilce Rodrigues Cunha...................................................................................................156
“Eu não quero saber” Wellber Barros Pinheiro, Margaret Pires do Couto...................................................................................................................159
Núcleo de Gestão
Considerações acerca da importância da profissionalização de pequenas empresas familiares. Heloísa Cristina Vieira de Andrade, Denise Leitoguinho Rossi....................................................................................................162
Núcleo de Políticas de Saúde
O Diálogo e a Ética contra a Violência Escolar. Camila Marques dos Reis Rocha, Cárita Barbosa O. G. Guedes, Frederico Braga Dantas, Geiza Patrícia Santos, Heloisa Cristina Vieira de Andrade, Francisco Viana.......................................................................................................................................................170
Sublimação do resto: a transformação pela arte “Toda arte se caracteriza por um certo modo de organização em torno do vazio.” - François Regnault Laila Sampaio Parreiras1 Larissa Abreu Luciano Ferreira Rúbia Ingrácia Athayde da Cunha Sarah Luisa de Noronha Veloso Vanessa Cristina Soares Machado Inês Seabra2
RESUMO: Este artigo tem por objetivo analisar, à luz da Psicanálise, o documentário “Lixo Extraordinário”. A partir do filme, nos interrogamos sobre a função da arte para promover uma discussão sobre a ética nas relações. Para tal, relacionamos o documentário com as temáticas da ética, da sublimação e do capitalismo na sociedade moderna. Palavras-chave: Sublimação, Capitalismo, Lixo, Resto, Ética, Arte, Sujeito.
INTRODUÇÃO “Filmado ao longo de dois anos (agosto de 2007 a maio de 2009), Lixo Extraordinário acompanha o trabalho do artista plástico Vik Muniz em um dos maiores aterros sanitários do mundo: o Jardim Gramacho, na periferia do Rio de Janeiro. Lá, ele fotografa um grupo de catadores de materiais recicláveis, com o objetivo inicial de retratá-los. No entanto, o trabalho com esses personagens revela a dignidade e o desespero que enfrentam quando sugeridos a reimaginar suas vidas fora daquele ambiente. A equipe tem acesso a todo o processo e, no final, revela o poder transformador da arte e da alquimia do espírito humano”3. Vik faz uma seleção minuciosa de quais personagens do Jardim Gramacho seriam fotografadas para a realização do trabalho artístico. Durante o documentário, o artista nos apresenta Tião, Zumbi, Magna, Isis e Suelen, os catadores de material reciclável, vulgo “lixo”. A proposta de Vik foi de fazer com que os retratos desses trabalhadores fossem utilizados como moldes para a construção da arte que foi montada a partir da utilização do lixo recolhido no aterro sanitário. O resultado deste trabalho teve uma repercussão internacional, e uma das obras foi vendida e bem avaliada em um leilão no Reino Unido. A SUBLIMAÇÃO Para Laplanche (1992), sublimação4 é o processo que explica as criações humanas que não têm relação explícita com um outro destino dado à sexualidade. Surge de uma derivação da pulsão sexual, uma vez que esta só é sublimada se tiver como
objetivo não a satisfação imediata, mas a construção de produções socialmente valorizadas. A arte moderna é um exemplo desse tipo de deslocamento, em que a transformação de vários objetos é considerada arte, não só a pintura e a escultura com as técnicas tradicionais. Segundo Roudinesco (1998), ao conceituar a sublimação em 1905, Sigmund Freud teve como objetivo especificar como surgiam as criações artísticas, intelectuais e literárias. O termo “sublimação” foi criado para definir, principalmente, o enobrecimento dos homens, porém restringia-se aos criadores e artistas. Segundo Nasio (1989), a sublimação é um conceito fundamental para a psicanálise: É a única noção psicanalítica capaz de explicar que obras criadas pelo homem – realizações artísticas, científicas ou mesmo esportivas -, distantes de qualquer referência à vida sexual, sejam produzidas, ainda assim, graças a uma força sexual nascida de uma fonte sexual. As raízes e a energia do processo de sublimação, portanto, são pulsionalmente sexuais (pré-genitais: orais, anais, fálicas), enquanto a conclusão desse processo é uma realização não-sexual conforme aos ideais mais consumados de uma dada época. [...] O conceito de sublimação responde fundamentalmente à necessidade, para a teoria psicanalítica, de dar conta da origem sexual do impulso criador do homem (NASIO, 1989, p.77 -78). Além dessa conceituação, há um segundo aspecto citado por Freud (1976), considerando que a sublimação é, também, Revista de Psicologia l 11
uma das defesas do eu que funcionava inversamente à descarga completa da pulsão. Sendo assim, a sublimação possui dois vieses de pensamento: a sublimação é a forma positiva e elaborada da pulsão direcionada à sociedade ou é um mecanismo de defesa mediador dos excessos da pulsão. Nasio (1989) aponta que frente aos excessos do conteúdo sexual, à sua descarga direta e total, e ao sofrimento de não-satisfação que este conteúdo pode causar, o sujeito se protege por meio dos mecanismos de defesa associadas às barreiras psíquicas. Esses mecanismos podem ser: reversão em seu oposto, retorno em direção ao próprio eu, o recalque e a sublimação. O processo da sublimação consiste em uma mudança de alvo, um desvio; aquela pulsão que possui o objetivo de satisfação sexual é desviada para uma finalidade não-sexual, de forma a ser bem vista socialmente, como uma produção das pulsões inconscientes. Freud (1914/1986)5 explica que “a sublimação é um processo que diz respeito à libido objetal e consiste no fato de o instinto se dirigir no sentido de uma finalidade diferente e afastada da finalidade da satisfação sexual”. O autor formula que esse processo consiste na obtenção de prazer por meio de atividades psíquicas superiores, intelectuais, artísticas, científicas ou ideológicas. É essa mudança de um alvo sexual para um não-sexual tem um papel de suma importância para a civilização. Segundo a teoria psicanalítica de Freud (1905/1986), o mecanismo da sublimação se torna possível mediante a sexualidade infantil. Ao passar pela fase fálica6, a criança constata a diferença sexual, ela teoriza sobre o nascimento dos bebês e tem-se origem o período das pesquisas sexuais infantis, é neste contexto que surge a pulsão do saber, explica Cruxên (2004). A criança vai usar da energia pulsional, da escopofilia, sublimada no período de latência em epistemofilia (amor ao saber). No período de latência, a criança evita o corpo para não entrar em contato com qualquer conteúdo sexual, sendo assim ela irá mudar o foco da libido como uma das maneiras de postergar o contato com o conteúdo sexual. Nasio (1989) descreve as duas condições para que haja a sublimação. A primeira delas é o que ele chama de “intervenção do eu narcísico”; para que seja feita a mudança de alvo do processo, é necessário que o sujeito retire a libido investida no objeto sexual, fazendo com que ela volte ao próprio sujeito para posteriormente ser direcionada a um objeto não-sexual. O narcisismo se faz necessário na medida em que a libido precisa retornar ao sujeito para que haja a troca de alvos, e, consequentemente, a dessexualização. A segunda condição descrita pelo autor citado é a necessidade do ideal do eu para dar origem e continuidade ao processo da sublimação. O ideal do eu, formado a partir da passagem pelo Complexo de Édipo, é o que vai fornecer ao sujeito o ideal da cultura e do simbólico, fornecendo referência à subjetivação da 12 l Revista de Psicologia
identificação da criança com o masculino ou feminino de acordo com a sociedade vigente. É a partir do Ideal do Eu que surge a passagem de uma satisfação sexual para outra intelectual. “Esses ideais sociais, interiorizados e inscritos no eu do criador, são parte integrante da formação psíquica fundamental que Freud denomina de ideal do eu” (NASIO, 1989, p. 86). No entanto, vale lembrar que uma vez que é desencadeada a sublimação, o ideal do eu deixa de lado o processo por ele iniciado. Para Nasio (1989, p.87), Lacan considera que a sublimação “eleva o objeto à dignidade da coisa”. Nasio (1989, p. 87) explica que a obra da sublimação vai iniciar no observador o mesmo desejo do criador ao construí-la. Elevar o objeto narcísico à dignidade da Coisa quer dizer, então, que a marca do eu do criador, objetivada na obra de arte, abre no outro a dimensão intolerável de um desejo de desejo, de um desejo em suspensão, sem nenhum objeto designado. O objeto imaginário e narcísico, verdadeira condensação dos três componentes que são a força pulsional, o narcisismo do criador e a forma acabada da obra, dissolve-se e se dissipa então no vazio da emoção intensa e poderosa que suscita no admirador fascinado. No documentário, Vik destina ao lixo um lugar sublime. É por meio dessa retirada do excesso que, ao mesmo tempo, aponta para o objeto de arte, que surge o sujeito e o desejo. Este é justamente o método do analista e do artista. No documentário, a violência é retomada pelo viés da arte, por meio das imagens de Sebastião Salgado, Marat, Basquiat etc. A arte subjetiva um pouco a violência sem palavras da guerra, da pobreza, das tragédias, do lixo. O CAPITALISMO O capitalismo é o sistema econômico e social que surgiu na Europa entre os séculos XI e XV. Na Baixa Idade Média, o Sistema Feudal entrava em crise devido ao crescimento demográfico, o aumento da produção e o nascimento do comércio. Devido à tamanha crise, os servos se viam obrigados a fugir dos nobres em detrimento à grande exploração por eles sofrida; a consequência dessa fuga, somada com a intensificação das atividades comerciais, fez surgirem novas cidades, denominadas burgos, que fortificavam seus moradores, os burgueses. Com o tempo, esses burgueses começaram a acumular capital, formando o que hoje conhecemos burguesia. Marx, um dos principais teóricos da humanidade, desenvolveu estudos grandiosos sobre a questão do capitalismo e da classe burguesa, construindo conceitos que hoje são essenciais para o entendimento dessa temática, como a alienação e o papel da ide-
ologia no sistema capitalista. Segundo Quintaneiro (2002, p. 47): A sociedade capitalista baseia-se na ideologia da igualdade, cujo parâmetro é o mercado. De um lado, está o trabalhador que oferece no mercado sua força de trabalho, do outro, o empregador que a adquire por um salário. A idéia de equivalência na troca é crucial para a estabilidade da sociedade capitalista. Os homens aparecem como iguais diante da lei do Estado [...]. Mas, embora o processo de venda da força de trabalho por um salário apareça como um intercâmbio entre equivalentes, o valor que o trabalhador pode produzir durante o tempo que trabalha para aquele que o contrata é superior àquele pelo qual vende suas capacidades. Tal conceito de ideologia se relaciona diretamente com o conceito de alienação. Alienação: [...] ação pela qual um indivíduo, um grupo, uma instituição ou uma sociedade se tornam alheios, estranhos, enfim, alienados aos resultados ou produtos de sua própria atividade, natureza na qual vivem outros seres humanos e também a si mesmos. (BOTTOMORE, 1988, P.5) Em condições de alienação, o trabalho faz com que o crescimento da riqueza objetiva se anteponha à humanização (do homem e da natureza), sirva crescentemente como meio de exploração (ao transformar-se em capital), e só se realize como meio de vida. [...] O propósito último da crítica-prática é mostrar o caminho da humanização, a fim de que os homens possam assumir a direção da produção, orientando-a segundo sua vontade consciente e suas necessidades e não de acordo com um poder ‘externo’ que regule a atividade que caracteriza a espécie. (QUINTANEIRO, 2002, p. 54) De acordo com Quinet (1999), o capitalismo possui uma política liberal, do neo-liberalismo, em que cada um é por si e contra todos. Dessa forma, o capitalismo é segregador na medida em que é regulado pelo mercado, separando os que têm acesso aos produtos da ciência, dos que não têm. O discurso capitalista esclarece uma concepção de funcionamento social em que o indivíduo se adapta a uma realidade dada. Privilegia não o sujeito, mas o indivíduo consumidor que, em sua dimensão de consumido, não encontra lugar para o seu pathos (sofrimento), para formular deman-
das, remetido que fica à colagem do objeto da demanda ao objeto do consumo. (ROSA, et.al, 2005, p. 39) O LIXO EXTRAORDINÁRIO A realidade mostrada no documentário mostra o resultado do sistema capitalista dominante no mundo. O Brasil é um país que vem crescendo de forma progressiva, mas apresenta uma das principais características do capitalismo: a divisão desigual de renda. O filme “Lixo Extraordinário” apresenta o resto do que é consumido pelos que têm, em detrimento dos que não têm. As pessoas que trabalham no Jardim Gramacho vivem do resto e estão misturadas a esse resto. Essa afirmação pode ser percebida na cena em que se mostra o aterro sanitário, à distância. Nesta imagem, não se tem a distinção do que é lixo, do que é gente. Ao se aproximar daqueles trabalhadores, o artista Vik Muniz faz a proposta de um trabalho que transforma o resto em arte. Os quadros, quando vistos de longe, propiciam ver os retratos que foram compostos pelos restos deixados pelos outros. Entretanto, não se observa uma identificação das pessoas retratadas com o que é produzido por aquele trabalho artístico. Elas não se reconhecem ali, na medida em o trabalho não produz ressonância em suas vidas cotidianas. Assim, pergunta-se: Qual o resultado deste trabalho? A cozinheira fala deste estranhamento, quando diz que o seu retrato vai aonde ela nunca foi. Após o encerramento do trabalho, ela voltou a cozinhar para as pessoas que trabalham no Jardim Gramacho. O trabalho, a obra de Vik, vira também um resto, um retrato na parede. A sociedade permeada pelo discurso capitalista, de acordo com Quinet (1999, p. 4), ao colocar a mais-valia no lugar da causa do desejo, essa sociedade transforma cada um num explorador em potencial de seu semelhante para dele obter um lucro de um sobretrabalho não contabilizado. Os trabalhadores do Jardim Gramacho denunciam o real insuportável que quer ser tamponado pelo discurso capitalista, o sujeito da falta, que ali aparece no meio de tantos restos. O capitalismo trabalha com a ideia de completude, já que preconiza a possibilidade do sujeito consumir o que deseja. Portanto, “o sistema capitalista incita a produção de um indivíduo, um sujeito não dividido, mas fundido com seu objeto, um objeto que se pode comprar.” (ROSA, et al., 2005, p. 39). Assim, a realidade do lixo pode apresentar-se como ameaçadora para o narcisismo do sujeito, que terá que se deparar com a diferença do outro. Tal realidade adversa poderá reacender a angústia de separação, e a ilusão de uma relação em um mundo Revista de Psicologia l 13
ideal pode dar lugar ao terror paranóide, conforme afirmado por Fagundes (2006, p. 30). Diante disso, vemos que o artista apenas convida as pessoas que trabalham com o lixo para viverem a experiência sem saberem que ia acontecer com elas ao final. Ele lhes apresenta algo que é valorizado pela sociedade capitalista, a arte, sociedade essa que não quer se a ver com os restos que produz. O lixo é algo com o que não queremos nos dar, pois é aquilo que as pessoas rejeitam. Mas a obra de arte feita com os restos deixados pela sociedade de consumo capitalista pode ser valorizada, se o artista tiver a sensibilidade, que Vik teve de retirar a imagem bela do lixo. No Brasil, muitas pessoas vivem no lixo e do lixo, usandoo como recurso para sobrevivência. Os trabalhadores do Jardim Gramacho dão tratamento ao lixo produzido pelos outros, o que é de grande importância do ponto de vista ambiental, mas ao representarem a divisão socioeconômica existente, são eles os excluídos do consumo dos quais vivem dos restos. A questão do Brasil é mais social do que econômica, o problema da divisão de riquezas é grave, e as pessoas do lixo representam essa desigualdade. O documentário traz o lado da construção da obra de arte, a sublimação, frente ao real do lixo. As obras de arte são valorizadas pelo público, mas os personagens retratados continuam excluídos do consumo capitalista, já que fazem parte dos que não têm o capital. Podemos ver aí a violência do sistema capitalista e seu discurso, que produz excluídos e alimenta o mercado com essa exclusão do capital e dos bens de consumo. A violência desse discurso está na apresentação de uma realidade indiscutível, em que a verdade do sujeito deverá passar pela lógica do capital e do lucro. As mulheres retratadas no filme citaram por diversas vezes que seria melhor trabalhar com o lixo do que serem prostitutas, já que o estudo e melhores chances profissionais não pertenciam à gama de escolhas ofertadas a elas, explicitando também o modo como a moral da classe média é valorizada no discurso de quem está equiparado ao que é excluído dessa sociedade. Os discursos que são expostos aos sujeitos do capitalismo avançado indicam o modo de laço constituído por uma cultura que os empurra violentamente para o gozo, sob a forma de consumo, de lucro ou de sofrimento (ROSA, et.al, 2005, p. 35). “Na violência o sujeito é colocado em posição de não poder obter prazer ou de só buscá-lo como defesa contra a morte” (FAGUNDES, 2004, p. 29). Assim, o sujeito é destituído do lugar de sujeito desejante, ficando na posição de objeto. Assim, os trabalhadores poderão se identificar com a posição de objeto, de resto, de nada. Mas, o trabalho com a arte propõe 14 l Revista de Psicologia
outra saída: a via da sublimação. O discurso capitalista ao contrário deixa de fora o sujeito, o exclui. No filme, todos os personagens são pessoas simples, com nomes de deuses ou nomes pomposos - Zumbi, Magna, Isis e Suellen. Devemos pensar na questão do nome como forma de elevar a pessoa a uma condição diferente da que ela ocupa na realidade, em que o significante empresta ao sujeito uma identidade, uma significação. A contradição ali aparente é que traz a riqueza do filme: anonimato e identidade acontecendo ao mesmo tempo, a valorização de uma profissão não muito valorizada traz identidade para seus atores. Várias questões continuam sem uma resposta apenas. Seria apenas uma via sublimatória ou serviria ao sistema? A arte teria que ser politizada? E o que seria a “política” da arte? O documentário foi uma via social utilizada para a promoção do artista na sociedade ou a intervenção que ele promoveu realmente mudou as pessoas? A arte reproduzindo a violência ou reproduzindo o sofrimento, ou a arte como intervenção no espaço urbano, na comunidade, como nos propôs Vik Muniz, sempre modifica a realidade dos que entram em contato com ela. CONCLUSÃO Certamente que as intervenções podem não se constituir como saídas sublimatórias para todos, mas a arte pode ser mais um recurso para o sujeito lidar com a realidade insuportável, com as violências sofridas em diversos níveis e contextos. A arte não tem idade, nem cor, nem sexo, nem classe social. A arte possibilita que alguém como Vik saia de um lugar hostil onde viveu para recriar outras e novas realidades, que nos emocionam e embelezam a tristeza do mundo à nossa volta. REFERÊNCIAS BOTTOMORE, Tom (org.) Alienação. In: ______. Dicionário do Pensamento Marxista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. 2. Ed. 1988. cap. 1, p. 5 - 8. FAGUNDES, José Otávio. A psicanálise diante da violência. In: KHOURI, Magda Guimarães. Leituras Psicanalíticas da Violência. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004. p. 21-39. FREUD, Sigmund (1905). A sexualidade infantil. In: Um caso de histeria, Três ensaios sobre a teoria da sexualidade e outros trabalhos. Edição Standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud: Rio de Janeiro: Imago, 1986. Versão Eletrônica: CD ROM. FREUD, Sigmund (1915). Os instintos e suas vicissitudes. In: A história do movimento psicanalítico, artigos sobre metapsicologia e outros trabalhos. Edição Standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud: Rio de Janeiro: Imago, 1986. Versão Eletrônica: CD ROM.
FREUD, Sigmund. Neurose e Psicose. In____.O Ego e o Id e Outros trabalhos. Vol 19. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1976. p. 185 – 234. LAPLANCHE, J. A sublimação - Problemáticas III. (Tradução Álvaro Cabral). 1ª Edição brasileira. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 1-212. LIXO EXTRAORDINÁRIO. Direção: Karen Harley, João Jardim, Lucy Walker. Produção: Hank Levine, Angus Aynsley. [S.I.]: O2 Filmes / Brasil, Reino Unido 2010. 1 DVD. NASIO, Juan David. Os 7 conceitos cruciais da psicanálise. 2ª edição. 1989. Jorge Zahar Editor: Rio de Janeiro. 171 p. QUINET. Antonio. A ciência psiquiátrica nos discursos da contemporaneidade. Disponível em: <http://www.estadosgerais.org/historia/161-a_ciencia.shtml.> Acesso em: 16 abr. 2011. ROSA, Miriam Debieux, CARIGNATO, Taeco Toma, BERTA, Sandra Letícia. Ética e política: A psicanálise diante da realidade, dos ideais e das violências contemporâneos. Ágora. Rio de Janeiro: Janeiro/junho, vol. IX, n.01, jun. 2006. SINOPSE. O LIXO EXTRAORDINÁRIO. Disponível em: <http://www.lixoextraordinario.net/filme-sinopse.php>. Acesso em: 17 abr. 2011. SUBLIMAÇÃO. Laplanche, J. In:______. Vocabulário de Psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 1992, p. 494 – 497. SUBLIMAÇÃO. Roudinesco, E. In:______. Dicionário de Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998, p. 734-735. QUINTANEIRO, Tania (org.) Karl Marx. In: ______. Um toque de clássicos: Marx, Durkheim e Weber. Belo Horizonte: Editora UFMG. 2002. cap. 1, p. 27-65.
NOTAS DE RODAPÉ 1. Acadêmicos do 9º período do curso de psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2. Professora Supervisora do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 3. Retirado do site: http://www.lixoextraordinario.net/filme-sinopse.php 4. Termo derivado das belas-artes (sublime), da química (sublimar) e da psicologia (subliminar), para designar ora uma elevação do senso estético, ora uma passagem do estado sólido para o estado gasoso, ora, ainda, um mais-além da consciência. (ROUDINESCO, 1998, p. 734). 5. CD-ROM 6. Conceito aprofundado por Freud em A sexualidade infantil, 1986
Revista de Psicologia l
15
Dependência Amorosa Feminina Adalgisa Kelly da Silva dos Reis1 Genilce Rodrigues Cunha2 resumo:Este artigo objetiva aprofundar e pensar em questões relacionadas à dependência amorosa, enquanto escolha do parceiro. Tal trabalho procura compreender as influências de ordem familiar e social, revelando os possíveis reflexos na hora de escolher o parceiro para se viver, ou seja, as influências sociais diante das escolhas como mulher. Palavras-Chave:Família, Escolha, Parceiro, Mulher.
Este artigo objetiva aprofundar e pensar em questões e relações situacionais na vivência e dependência da mulher em função do parceiro. A mulher tem vivido um processo de evolução, teve várias conquistas ao longo dos anos, porém, em alguns momentos, se mostra frágil, se anula, vive um processo de dependência em função do olhar do outro, ou seja, do seu parceiro. Observamos que a experiência proposta pelo Centro Universitário Newton Paiva, estágio VII, clínica sistêmica, nos auxiliou em estudos e reflexões baseados em atendimentos clínicos, nos quais parte da demanda que a cliente apresentava se dava pela escolha do parceiro. Para entendermos tal evolução e dependência, visualizamos a família como base para compreender o papel da mulher na sociedade e como a mesma se reconhece. É importante delinear a evolução do conceito de família no ocidente. “A família moderna ou burguesa desenvolveu-se a partir do século XV e XVI e, com mais vigor no século XVII” (ARIES, 1986, apud GOMES, 2006). O autor afirma que, no período anterior ao citado, não havia sentimento de família tal como na atualidade. O sentimento de família relacionava-se com a vida na casa e seus cuidados. Um maior valor era atribuído à linhagem, sendo essa a concepção de família existente em toda a idade média. Durante esse período, as trocas afetivas eram realizadas dentro da comunidade, cabendo à família, a conservação dos bens e a ajuda mútua para garantia da sobrevivência. Com o enfraquecimento dos laços de linhagem, a família burguesa torna-se “a célula social, a base dos estados, o fundamento do poder monárquico” (ARIES, 1986, apud GOMES, 2006, p. 20). Nesse sentido, foi atribuído à família burguesa o valor antes atribuído à linhagem. Paralelamente, há um gradual aumento de autoridade paterna, no que se refere ao casamento dos filhos. Principalmente entre a aristocracia, os casamentos eram arranjados pelos familiares e não tinham como motivador o amor: eram negócios de família. Também crescia a autoridade do marido, tornando mulheres e filhos cada vez mais submetidos. Assim, a partir do século XIV, observa-se uma gradativa e 16 l Revista de Psicologia
lenta degradação da mulher. “Esse movimento duplo, na medida em que o produto inconsciente e espontâneo do costume, manifesta sem dúvida uma mudança nos hábitos e nas condições sociais” (ARIES , 1986, apud, GOMES, 2006, p. 20). A partir da revolução industrial e do capitalismo, surge a família moderna, especialmente caracterizada pela separação entre o lar e o mercado de trabalho. O lar se torna um refúgio diante da competitividade inerente ao capitalismo. A partir do século XVII, a reforma dos costumes concomitante a uma reorganização da casa “deixaram um espaço maior para a intimidade, que foi preenchida por uma família reduzida aos pais e às crianças, da qual se excluíam os criados, os clientes e os amigos. (ARIÈS, 1986, apud GOMES, 2006, p. 20-21). Segundo Angelo (1995), a escolha do parceiro expressa um jogo extremamente sutil e sofisticado, em que a atenção culturalmente induzida para perceber elementos específicos de interesse no aspecto ou comportamento de determinada pessoa é acompanhada de uma “desatenção” igualmente seletiva por todos os elementos de seu caráter e do relacionamento com essa pessoa que poderiam tornar a relação problemática. Angelo (1995, p. 47) cita em sua obra que a escolha do parceiro se baseia então num jogo de “vazios” e “cheios” que permitem, justamente por meio de sua interação dinâmica, que o relacionamento prossiga e evolua, ou que, pelo contrário, seja interrompido. Neste último caso, às vezes, é justamente o trauma ligado a essa conclusão que se torna a premissa indispensável para uma contínua busca de reconstrução do relacionamento interrompido, sob forma de aspiração a alcançar o suposto “paraíso perdido”, identificado no “infeliz” vínculo realizado. Tal distanciamento perdido nos permite entender a importância das escolhas no percurso da vida, nesse caso, direcionado para a escolha do parceiro. Isso nos faz refletir e compreender como os aspectos históricos da vida pessoal e social de cada sujeito incorporam valores e funções transmitidos pelo mito – da história da família de origem suas moda-
lidades de enfrentar os processos de união e separação entre seus vários membros. Se pudermos desfazer-nos da cortina de nevoeiro das tantas projeções que fazemos na vida e conseguirmos olhar verdadeiramente para o outro, veremos que ele, na sua individualidade terra-a-terra, é uma criatura maravilhosa. O problema é que, por serem muitas as pessoas e ficarmos cegos por nossas projeções, raramente podemos ver o outro claramente, em toda sua profundidade e nobreza. (JOHNSON, 1987, p. 42) Ângelo (1995, p.48) aborda que os conteúdos são estruturados de modo a promover a mencionada função seletiva sobre a atenção, na medida em que sugerem a que características dar atenção na escolha do parceiro, características essas que devem satisfazer as expectativas implícitas nos elementos do mito. Como mencionado na obra de Ângelo, (1995, p. 48), o mito familiar depende da sua força e riqueza: quanto mais “articulado” for, tanto maiores serão as possibilidades de desenvolvimento e escolha; quanto mais forte for um dos seus componentes, tanto mais predominará sobre os outros na busca de satisfação. Isso parece estar relacionado também com o grau de diferenciação alcançado pela pessoa e com sua capacidade de elaboração do mito: ou seja, com seu grau de autonomia e identificação e com a maneira como estruturou e resolveu seus vínculos com as figuras familiares mais significativas. Em geral, com o passar do tempo, a escolha de um parceiro se torna cada vez mais complicada e sujeita a maior número de exigências. Já em um segundo momento, Papp (2002, p.194) nos fala que todos os casamentos implicam a descoberta e a subsequente discussão sobre as diferenças; lidar com elas nos casamentos heterogêneos também requer a superação dos conflitos entre ambos os mundos. “Todo paraíso tem sua queda, todos eles têm algum tipo de serpente. É da natureza do paraíso que seu oposto apareça logo” (JOHNSON, 1987, p. 27). Segundo Papp (2002, p. 194), no mundo ocidental, o conceito moderno de casamento está baseado na ideia central de amor. De acordo com tal conceito, o matrimônio é o resultado de uma escolha livre. Trata-se de uma decisão individual feita pelo casal, a qual tem como objetivo promover a felicidade, a intimidade e autorealização de ambos. Em nosso mundo, o casamento implica a separação ou afrouxamento dos laços com a família ou com a tradição de origem. O outro é o mundo da origem – raça, religião, cultura e/ou nacionalidade, que traz consigo responsabilidades e lealda-
des coletivas diversas. Chamaremos esse mundo de “inter”. Esse mundo opõe-se fortemente ao caráter individual da ideologia moderna do amor. O “inter” é regido pelo conceito de uma rede de ligações em que cada individuo faz parte de uma história e de uma tradição familiar e nacional, vivendo essa lealdade comunal. O casamento não acontece apenas entre duas pessoas, mas também entre duas famílias. Nesse mundo, as necessidades da comunidade substituem as necessidades do indivíduo. (PAPP, 2002, p.194). A escolha do parceiro, homem que acompanhará a mulher ao longo do percurso da vida, se dá em função dos traços de origem, desde o seu nascimento, acrescentado de fatores sociais ao longo do seu desenvolvimento, além de experiências vividas ao lado de pessoas próximas que influenciaram a sua formação, conforme exemplo citado, a família. ... Algumas vezes, eles, de fato, atravessam as fronteiras; outras vezes, eles passam por essa transição na sala da própria casa. mergulhados em um mundo desconhecido, cada parceiro “turista” percebe todo o tipo de detalhes que as pessoas do lugar não notam ou não têm como certas... (PAPP, 2002,p. 194). Retratamos e buscamos compreender o quanto a sociedade influencia em nossas escolhas, assim como, também, as referências humanas, neste caso estudado, a família de origem ou quem cumpre este papel nesta importante instituição. A mulher, desde os primórdios, vem desenvolvendo seu papel, buscando ser independente, livre, protagonista de sua vida, embora aspectos sociais ponderem ou interfiram em sua vida, pessoal, social, além de refletir nas escolhas que a mesma faz, ao buscar o parceiro para conviver. Concluímos e observamos a importância de um aprofundamento no tema para que mulheres interessadas em compreender ou questionar suas escolhas consigam identificar, como foi construída essa identidade para optar por determinado parceiro. REFERÊNCIAS JOHNSON, Robert A. She. A chave do entendimento da psicologia feminina. São Paulo: Mercuryo, 1987. JOHNSON, Robert A. He. A chave do entendimento da psicologia masculina. São Paulo: Mercuryo, 1987. PAPP, Peggy; trad. Daniel Àngel Etcheverry Burguño. – Casais em perigo: novas diretrizes para terapeutas. Porto Alegre: Artmed, 2002.
Revista de Psicologia l
17
ANDOLFI, Maurizio; ANGELO Claúdio; SACCU, Carmine. Tradução Silvana Finzi Foá; O casal em crise. São Paulo: Sumus, 1995. ARIÈS, PHILIPE. O amor no casamento. In: BÉJIN, A.; ARIÈS, P. Sexualidades Ocidentais. Tradução Lygia Araújo Watanabe; Thereza Christina Ferreira Stummer. ed. 2 São Paulo: Brasiliense, 1986b, p. 153-162. GOMES, Junia Cristine. Dependência Amorosa Feminina. Belo Horizonte, 2006.
NOTAS DE RODAPÉ 1. Acadêmica do 10º período do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2. Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva
18 l
Revista de Psicologia
Casa, casada e cansada, um deslizar de significantes para amar e trabalhar – entrevistas preliminares, a transferência e a entrada em análise Não é a toa que Freud dizia que, um dos objetivos da análise da neurose é do sujeito poder amar e trabalhar.- Antonio Quinnet Adriana Arcanjo Santarelli1 Prof. Geraldo Majela Martins2 resumo:Este artigo foi elaborado a partir do estágio supervisionado em clinica psicanalítica II, sob supervisão do professor Geraldo Martins, no I e II semestre do ano de 2010. O objetivo deste texto é o de articular conceitos da teoria psicanalítica com um atendimento clínico, tendo como foco principal uma neurótica, que demanda a cura ao analista. Abordaremos a importância das entrevistas preliminares, como principal instrumento de conhecimento estrutural, de aceitação do analista pelo analisando e a relevância das mesmas no estabelecimento da transferência para a conseguinte entrada em análise. Palavras-chave: Entrevistas preliminares, Neurose, Transferência, Entrada em análise.
A sensação de insegurança e de incapacidade do graduando em psicologia, de conduzir atendimentos clínicos, sob as lentes da teoria da psicanálise, provoca angústia, mas também promove o posicionamento do mesmo como o sujeito que deve responder de um lugar, em que o saber é sempre suposto. A escuta do primeiro discurso revela a necessidade de uma prática que Freud chamou de Análise de Prova, a que Lacan mais tarde denominou Entrevistas Preliminares. A pessoa que vem procurar a análise como vetor de possível cura para seu sofrimento espera senão a extirpação imediata do que o causa, pelo menos, um alívio significativo do que se apresenta como sintoma. Na análise de prova, o que o analista tem que provar é se diante do discurso que lhe é apresentado, o setting analítico, e suas ferramentas de trabalho - transferência e associação livre poderão dar conta de reinventar uma psicanálise que se adéque àquele sujeito que a demanda, bem como, se há a disposição do analista em se doar como objeto e se tornar um ideal de eu, daquele que endereça uma queixa que lhe causa sofrimento. Este adiamento no processo de análise da queixa que demanda é também um tempo o qual J. A. Miller (1987) dirá que Freud e Lacan apontam como importante, para o diagnóstico da estrutura do analisando – neurótico, psicótico ou perverso - para uma melhor condução da psicanálise. Não se deve pensar nesta prática inicial como um momento de estigmatização do sujeito. Mas, como um momento em que o analista interpreta a autoavaliação que o analisando traz em seu discurso.
O analisando enunciará sua entrada em análise através de um chiste, um sonho, um ato falho, um esquecimento ou uma repetição de atos passados. Sendo este o chamado, ato analítico, uma comprovação simbólica da abertura do inconsciente e da instauração do analista como tal, através da transferência. Freud, no texto de 1922, afirma que a transferência positiva é o que dá assistência à compulsão, à repetição na “luta” desta última em superar o recalcamento. Segundo J.A.Miller, (1987), na transferência de repetição, o inconsciente usa de disfarces para representar seu desejo, neste caso, utilizando o analista como ator convidado à trama e, enviando, a este, uma mensagem que denuncia aquilo que a consciência teria rejeitado, se o inconsciente tivesse apresentado tal como deseja. Esta atualização, em ato, do recalque, no presente, o que às vezes ouvimos como retorno do recalcado, demonstra que o analista não ocupa mais para o analisando o papel de pessoa, mas de significante de identificação, colocado pelo próprio inconsciente em outra posição, a de um decifrador do sintoma. E foi com o ato da repetição que Sara3 anunciou sua entrada em análise. Nas sessões, repetia exaustivamente os significantes cansada, casa e casamento. Embora confessasse que não tinha muitas tarefas, Sara não entendia por que sempre se encontrava cansada. Sara é uma neurótica histérica, de 44 anos, mãe de um casal de filhos. Casou-se com Alberto, que se tornara alcoolista e logo passou da agressão verbal para a física. No terceiro ano do Revista de Psicologia l
19
casamento, Sara manda Alberto embora, pois estava cansada de sofrer. Neste período, se percebe enamorada por Marcio, um amigo de Alberto. Mantém com ele uma relação mais intima e Marcio se oferece para assumir o romance e a família, mas Sara diz que teve medo de recomeçar e volta para Alberto, pois, com ele, ela já sabia lidar. Sara apresenta certa resistência em falar do passado, principalmente do que viveu com o marido, diz que falar é lembrar, e lembrar é sofrer por algo que já passou “Sofrer duas vezes”. Diz “o casamento esta bom, meus filhos cresceram, estão estudando, não me dão trabalho, meu marido não bebe mais e trabalha em uma oficina onde o salário é bom, embora não reconheça meu trabalho em casa, estamos melhor, o sexo com ele é bom, tudo esta como deveria estar, já te disse não é dotora que eu gosto de comodidade”. Freud (1914), no texto “Recordar, repetir e elaborar”, explica que o recordar e o repetir são regulados pelas resistências, mas que esse é um movimento necessário para que determinados conteúdos sejam elaborados, possibilitando o aparecimento de outros. Sara diz que, em dois outros momentos, se envolveu em relações amorosas que não passaram do flerte e dos beijos e abraços, embora em um deles tenha se sentido bem “balançada”, nunca foi mais além, por medo de grandes mudanças em sua vida, diz preferir a comodidade, do que já lhe é conhecido, e por isso não larga o marido. Sara reclama muito de ter que cuidar de uma tia idosa, “no começo eu gostava, mas depois começou a ficar cansativo”. A relação com a tia demanda muito tempo e atenção, uma modificação constante na rotina da família. Um dia, a tia foi levada para casa de parentes e Sara denunciava em seu discurso o alivio por tê-la distante. Sara ficou irritada quando soube da interrupção do tratamento, devido às férias escolares de julho, dizendo ser um espaço de tempo muito grande. Na primeira semana de agosto, em contato telefônico, Sara diz que está trabalhando fora e que gostaria de retomar o tratamento. Durante as sessões, Sara se apresenta feliz e fala sobre a empresa e os colegas de trabalho, diz não se sentir mais cansada. Seus sintomas desapareceram e ela está bem. Começa a apontar que tem sido difícil perceber que estava perdendo seu tempo de descanso, em sábados tão bonitos, para falar do passado. Uma série de assuntos trabalhados nos meses anteriores começou a ser reeditada, por assim dizer, pois agora Sara os nomeava e se implicava neles. Conta que está flertando com um colega de trabalho mais novo que ela e se senti bem em saber que ainda provoca interesse, principalmente por ele ser um homem mais jovem. Sara pensa em retomar os estudos e a voltar a cantar no coral. Fala que se sente bem e que tem dado conta de per20 l Revista de Psicologia
ceber seus problemas e de se a ver com eles sem sentir os “sintomas”. Percebo que Sara está se “cansando” de nossa relação e resistindo, faço uma intervenção perguntando se ela quer se livrar de mim. Sara se mostra embaraçada e diz que sabe da importância da continuidade do tratamento e da analista em sua vida, mas que tem sido sacrificante se abster de tempo que poderia gastar consigo e sua família. Proponho uma situação problema, para que esta pudesse refletir sobre a desistência do tratamento. Sara fala de sua percepção sobre ainda não estar completamente curada, ainda não se sente como era antes de seu diagnóstico. Agradece meu acolhimento e atribui à analista a melhora por ela percebida. Outra vantagem ainda da transferência é que, nela, o paciente produz perante nós, com clareza plástica, uma parte importante da história de sua vida, da qual, de outra maneira, ter-nos-ia provavelmente fornecido apenas um relato insuficiente. Ele a representa diante de nós, por assim dizer, em vez de apenas contar (MILLER,1997,p. 203). O processo da análise havia chegado a um estágio que colocava em discussão o posicionamento de Sara diante do mundo. É possível dizer que, de alguma forma, a necessidade de mudança foi percebida, mas não “aceita”. Mudar o estado de coisas, de sua comodidade, seria abrir mão de vários ganhos secundários que estava tendo com sua postura passiva e impotente; por isso, a resistência se fez necessária. Freud (1912), no texto “A dinâmica da transferência”, diz da resistência como sendo outra forma da transferência, podendo ocorrer para manter o estado de coisas, que foi o caso de Sara, ou porque conteúdos inconscientes se tornam vulneráveis, podendo se tornar conscientes, o que é inaceitável pela consciência. No processo analítico ocorre a introversão, isto é, a parte da libido que é direcionada à realidade, capaz de se tornar consciente, é diminuída, retornando ao eu e aumentando aquela relacionada ao inconsciente. Nesse processo, a libido regride pontos de fixação infantis; o analista busca rastrear a libido, tornando-o consciente e útil à realidade. No ponto em que as investigações da análise deparam com a libido retirada em seu esconderijo, está fadado a irromper um combate; todas as forças que fizeram a libido regredir se erguerão como resistências ao trabalho da análise, a fim de conservar o novo estado de coisas. [...] Mas as resistências oriundas desta fonte não são as únicas, ou, em verdade, as mais poderosas. A libido à disposição da personalidade do indivíduo esteve sempre sob a influência da atração de seus complexos inconscientes (ou mais corretamente, das partes desses complexos pertencentes ao
inconsciente) e encontrou um curso regressivo devido ao fato de a atração da realidade haver diminuído. A fim de liberá-la, esta atração inconsciente tem de ser superada, isto é, o recalque das pulsões inconscientes e de suas produções, que entrementes se estabeleceu no indivíduo, deve ser removida (FREUD, 1912/1969, p.114). Nas duas marcações posteriores, Sara não compareceu. Sara anuncia que aquilo que antes lhe servia e lhe causava certo prazer começa a lhe ser cansativo, referindo-se ao tempo demandado nas sessões analíticas, e que, portanto, haverá um corte na relação com a analista. Nossa relação é interrompida para não provocar mudanças. Como em sua relação com Márcio e os outros homens com os quais namorou e que foram descartados tão logo se apresentava a Sara o momento de escolha entre o certo e o duvidoso. Como com a tia idosa, que a principio lhe conferia um prazer de se sentir útil e valorizada, mas que, aos poucos, se tornou carga pesada de cansaço e que foi imposta a cuidados de outrem. Sara tira de cena tudo e todos que só serviram para tamponar o enorme buraco da falta que se lhe apresentava, e que ela, como boa histérica, tem consciência de sua existência, mas resiste em se a ver com a responsabilização que uma implicação própria (retificação subjetiva ou em Lacan Histerização), nas consequências que se apresentam e a confrontam. Sara busca na repetição a atualização de seu sintoma e uma forma de resignificação do desejo. O deslizar dos significantes cansada, casa e casada, que têm em comum o prefixo casa e que Sara sempre utilizou em seu discurso, denuncia um descontentamento da mesma para com as tarefas, cansativas, de casa e o não reconhecimento, como boa esposa, pelo marido, logo, de sua condição de casada. Sara busca na relação com outros parceiros a ajuda de se perceber como mulher desejada. A análise promove um movimento no qual Sara, na conquista de seu trabalho em uma empresa, onde tem um reconhecimento, se permiti voltar a amar – um jovem homem. E voltar a trabalhar – nos estudos e a amar a música. Desta maneira me contento em saber que Sara deu conta de atualizar seu sintoma e com um mínimo de retificação subjetiva, partiu, após breve análise de sua neurose, dando conta de trabalhar e amar.
FREUD, S. Recordar, repetir e elaborar (1914). In:______ O caso Schereber, artigos sobre técnicas e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1969. p.109-111. LACAN, Jacques. - mais, ainda. In ______. O Seminário - livro 20. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, p. 121-135. LACAN, Jacques. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. In:______. O Seminario - livro 11. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, p 55 a 65. MILLER, Jacques-Alain. A transferência de Freud a Lacan. In:______. O percurso de Lacan - uma introdução. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1987. p. 55-71 MILLER, Jacques-Alain. O método psicanalítico. In:______. Lacan Elucidado. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997. cap. 3, p. 220 a 261. MILLER, Jacques-Alain. O sujeito suposto saber. In:______. O percurso de Lacan - uma introdução. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1987. p. 55-71. NASIO, J. D. Cinco Lições sobre a teoria de Jacques Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993. QUINET, Antonio. As 4+1 Condições da Análise. Rio de Janeiro. Jorge Zahar: 2000. p. 7-34.
NOTAS DE RODAPÉ 1. Acadêmica do curso de psicologia do Centro Universitário Newton Paiva em 2010. 2. Professor supervisor do curso de psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 3. Todos os nomes, do relato do caso, são fictícios criados apenas, para melhor compreensão do leitor.
REFERÊNCIAS A repetição na teoria de Freud: o retorno do recalcado e a compulsão à repetição. Disponível em: http://opus.grude.ufmg.br/opus/opusanexos.nsf/. Acesso em: 28 nov. 2010. FREUD, S. A dinâmica da transferência (1912). In:______ O caso Schereber, artigos sobre técnicas e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1969. p.109 - 111. Revista de Psicologia l
21
O desejo da Histérica Ana Rafaela Pinheiro Brasil1 Geraldo Majela Martins2 RESUMO:Com este artigo objetivamos pontuar o lugar do desejo na histeria. Utilizaremos com este intuito um fragmento de caso clínico, no qual a paciente demarca este desejo, um desejo sempre insatisfeito. Palavras-chave: Histeria, Desejo, Insatisfação.
1. INTRODUÇÃO Este artigo é um trabalho de conclusão do estágio VII, supervisionado pelo professor Geraldo Majela Martins. Objetiva-se com este artigo trabalhar o lugar do desejo na clínica da histérica. Renata é uma paciente de 37 anos, que recorre à clínica de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva com a queixa inicial de se sentir deprimida após a traição de seu marido no início desse ano. A paciente diz ter ouvido uma ligação entre o marido e a suposta amante, e depois, ao indagá-lo sobre o ocorrido, o marido assumiu a traição, mas diz ter se arrependido. Após esse fato, o relacionamento, que até então era tranquilo, segundo a própria paciente, se transformou. Ela passou a desconfiar de todas as atitudes do marido, invadindo também sua privacidade ao vigiar suas ligações. Renata conta que durante algum tempo ficou fixada na ideia de descobrir quem era a amante, mesmo considerando que ela não seja em nada melhor que ela. A paciente diz não ser perfeita, pois, como todos, ela tem defeitos, mas acha que para seu marido não existe mulher melhor que ela. Nas primeiras sessões, a paciente deixa claro que não entende como as situações chegaram a esse nível, já que ela e seu marido levavam uma vida relativamente tranquila. Na época do acontecido, ela diz ter pensado em se separar, mas que logo negou essa idéia, pois não iria voltar para a casa dos pais. Optou por continuar com o marido, porque, segundo a paciente, o marido a ama. Mesmo considerando que são muito diferentes em alguns sentidos, diz que não conseguem ficar um longe do outro. Renata pontua que eles estão casados, mas não são companheiros. Por terem gostos diferentes, um não acompanha o outro em certos eventos. Ela admite que o marido tem feito muito esforço para tentar acompanhá-la, mostra interesse em estar com ela, porém é ela que, por vezes, afasta o marido de suas atividades. Ela, por sua vez, que tanto reclama da falta de companheirismo, não acompanha o marido nas atividades em 22 l
Revista de Psicologia
que ele requisita sua presença. O que fica marcado na fala de Renata sobre este assunto é que ela, ao mesmo tempo em que vê a necessidade de estar mais presente na vida do marido, não faz nenhum esforço em direção a este, como também não da espaço para que ele se insira nas atividades que ela costuma fazer. A paciente em suas falas mostra que se sente frustrada por pensar uma coisa, mas agir de forma diferente. Diz que “quando percebo, eu já falei o que não devia, ou deixar de fazer uma coisa que no fundo sabia que devia ter feito” (sic). Pode-se citar como exemplo dessa fala, o fato de Renata não acompanhar o marido em churrascos e campeonatos, para os quais ele solicita a sua companhia. Renata diz que deixa de ir, primeiro por não gostar do ambiente que o marido frequenta e que vai contra suas crenças, e segundo por desconfiar que uma vizinha deles seja a suposta amante do marido. Ela deixa de sair com o marido, mas depois se arrepende por não ter ido e diz que pode ser tudo fruto de sua imaginação. Temos a hipótese de se tratar de um caso de histeria, pois, como sabemos, a histérica sempre fala em sua relação como sendo triangular, não consiste somente entre ela e o marido, mas também existe uma outra mulher em cena e, no caso da paciente, é a amante do marido que ocupa este lugar. Colete Soller (2006) afirma que a histérica reconhece que é um sujeito falta-a-ser, mas que ela se considera como sendo o que possa ser o que falta ao Outro, e no caso da paciente que citamos, esse Outro seria o marido. O lugar que ela ocupa então é o de complemento do desejo masculino, já que ela identificase com o desejo do Outro. A paciente, ao afirmar que sabe que não é perfeita, mostra esse posicionamento histérico de reconhecer que é um sujeito falta-a-ser, mas a paciente se coloca na posição de objeto de completude de seu marido, e podemos afirmar este seu posicionamento, quando ela diz que o marido nunca vai encontrar uma mulher assim como ela, que é boa mãe, esposa e dona de casa.
O que define a histérica é a vontade que ela tem, inconsciente, de deixar o gozo insatisfeito. A relação da histérica com o desejo, como sendo o de mantê-lo sempre insatisfeito, pode ser percebido no caso clínico quando a paciente diz que não faz certas coisas, como acompanhar o marido aos campeonatos dos quais ele participa e ir a festas, mas depois se arrepende e fica se perguntando por que não fui? Segundo Colete Soller (2006), “recusar-se aquilo que se diz querer, já aponta um desejo”. Renata, ao se recusar a sair com o marido para bares ou outros lugares em que a vizinha possa estar, indica que a paciente queria manter seu desejo de insatisfação. Não se encontrando com a vizinha, ela permanece com a dúvida se ela era ou não amante de seu marido. Este comportamento da paciente evidencia que a histeria preserva o desejo insatisfeito, a falta, que é o que a sustenta. Ela goza na falta, mesmo que para isso tenha que pagar o preço do desprazer de um desejo não satisfeito. A relação da histérica com seu conjugue é marcada por uma estratégia de subtração por parte dela, o movimento de sedução e recusa. Renata diz, durante as sessões, que quer participar mais da vida do marido, ser mais companheira, porém quando surgem as oportunidades para que ela saia com ele, ela recua. Ela mesma diz que inventa desculpas e tenta enrolar (sic) o marido de qualquer forma, mas que depois sente-se frustrada, pensando que poderia ter agido de forma diferente, mas não sabe o porquê de fazer o que faz. Segundo Nasio (1991), a histérica impõe na relação afetiva com o outro a lógica doentia de sua fantasia inconsciente. Uma fantasia em que a histérica desempenha o papel de vítima infeliz e insatisfeita. Pode-se confirmar isso quando a paciente diz ficar vigiando o marido, achando que ele pode estar com outra pessoa, e quando ele chega em casa, fica sem conversar com ele, julgando que tenha feito algo errado, mesmo que todos os indícios apontem o contrário. Mas porque do desejo de vivenciar constantemente a insatisfação? Nasio (1991) nos explica que como a histérica é um ser de medo, para atenuar sua angústia, ela não encontra outra forma senão manter em suas fantasias e em sua vida, o estado de insatisfação, mesmo que seja doloroso. Esse medo que o sujeito histérico experimenta é nada menos que o medo de vivenciar a satisfação de um gozo máximo. Para manter essa ameaça de um gozo pleno e temido afastado de si, o que a histérica faz é criar, mesmo que inconscientemente, um cenário em sua fantasia para provar para si e para os outros que só existe o gozo insatisfeito. Para manter essa insatisfação, esse descontentamento, a histérica coloca o Outro como sendo sempre decepcionante em relação as suas expectativas. O que a paciente Renata faz é colocar o seu marido nessa posição de
Outro, que por mais que tente sempre a frustra. Ela detecta toda e qualquer falha no marido, o menor sinal que for de fraqueza, criando e inventando o que percebe. Durante as sessões, Renata dizia que o marido era um homem bom, que não tinha vício com bebida nem cigarro, colocava comida dentro de casa, porém, mesmo que ele fosse “bom” por um lado, por outro ele tinha vício em jogar sinuca. Renata pontua que, por vezes, esquece o que ele tem de bom para assinalar para ele e para os outros sobre suas falhas. Nasio (1991) assinala que o desejo histérico é o de localizar o ponto de insatisfação de uma mulher em relação ao homem amado. CONCLUSÃO Podemos concluir, a partir das considerações feitas acerca do fragmento clínico, que a paciente nunca se permiti satisfazer seu desejo, fica sempre insatisfeito, caracterizando-se assim dentro da clínica das histéricas. REFERÊNCIAS SOLER, Colette. O que Lacan dizia das mulheres. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. 245 p. NASIO, Juan David. A histeria: Teoria e clínica psicanalítica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 1991. 172 p.
NOTAS DE RODAPÉ 1. Acadêmica do 10° período do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2010. 2. Professor Supervisor de Estágio do Centro Universitário Newton Paiva 2010.
Revista de Psicologia l
23
Gabrielle uma mulher? André Fernando Gil Alcon Cabral1 Geraldo Majela Martins2 RESUMO:Este escrito objetiva correlacionar o feminino no filme Coco avant Chanel, sob uma perspectiva psicanalítica. Enunciam-se as construções teóricas elaboradas por Freud e Lacan, juntamente às suas considerações sobre a mulher antropológica. Aborda-se a não subversão da mulher ao gozo em sua complementaridade fálica, elucidando a suplementaridade no feminino. Palavras-chave: Feminino, Coco-Chanel, Gozo, Mulher. Neste escrito, pretende-se abordar o filme Coco Chanel, sob o olhar da psicanálise, partindo-se de uma concepção freudiana sobre o feminino, até os escritos lacanianos sobre o gozo suplementar. Coco avant Chanel é uma produção francesa, dirigida por Anne Fontaine, do ano de 2009. O filme é baseado no livro de Edmond Charles-Roux e retrata a história da personagem Gabrielle, também conhecida como Coco. Gabrielle passa parte da infância e puberdade juntamente com sua Irmã em um orfanato dirigido por freiras. Seu pai, após deixá-las, nunca mais retornará para vê-las. A cena inicial do filme demonstra a observação de Coco pelo chapéu das freiras, em sua exoticidade e estranheza. Talvez o que possibilitou a Coco sua grande geniosidade com tais ornamentações. Em sua vida adulta, canta e encena em um bar de uma pequena província francesa, onde conhece Étienne Balsen, porta de entrada para a la haute société. Coco desejava o teatro parisiense, renegando sua habilidade com a moda, o que leva a personagem a tentativas frustradas em teatros e restaurantes. Gabrielle muda-se temporariamente para a fazenda de Balsen, nos arredores de Paris, onde conhece o inglês Arthur Capel, conhecido como Boy. Coco terá um romance com o inglês, que, apesar de se casar com outra mulher, incentivará Gabrielle a abrir seu negócio na moda parisiense, ajudando-a a custear os investimentos. Gabrielle continuará seu romance com Boy até o momento em que o empresário inglês falece tragicamente. Coco, com sua confecção em Paris, torna-se uma das grandes designers francesas e do mundo. O feminino traz aos leitores particularidades que em nada se referem à vestimenta, status, beleza ou ornamentos “carnavalescos”, como descritos pela personagem Coco. De acordo com Kaufmann (1996), diante da falta da mãe, a criança é colocada por essa como objeto a complementá-la. Com a chegada do pai - intervenção da lei- libera-se a criança de sua permanência como objeto de gozo deste Outro. Assim, 24 l
Revista de Psicologia
a menina, diferentemente do menino, não apresenta qualquer objeto viril. Diante dessa falta de virilidade, a menina se faz amar pelo pai, tentativa de receber dele a falta. Soler (2005), em sua leitura freudiana, descreve que a mulher-mulher é aquela a esperar sua restituição fálica pelo parceiro. O filho é endereçado a ela pelo homem, mas sem que ela se autoproporcione. O feminino consiste em dizer obrigado a restituição do objeto concedido. Lacan refere-se à mulher feminina como aquela a incorporar, diante a ausência do pênis, o falo simbólico para o homem, ocupando o lugar de significação da castração de seu parceiro. Diante a ausência de desejo, existe a possibilidade para o homem ou para a mulher existir enquanto objeto a se acoplar diante ao desejo do Outro. Balsen elege Coco como objeto de desejo, mas não a elege como objeto causa de desejo. Obviamente, Coco permanece com traços que lembram a esse resto de gozo, mas não se torna objeto a, em que se acoplaria a tentativa de mais gozar. O medo de Balsen em perdê-la em nada aponta para a perda de sua causa, mas para a perda de um objeto, que a castração da realidade lhe impõe. A pronúncia de Coco a Irmã situou-se com “a única coisa interessante no amor é fazer amor”, prosseguindo “pena que para isto se precise de um homem”. Esse fragmento traz a perversidade do desejo na qual o amor silencia. De acordo com Valas (2001), o desejo visa o outro enquanto objeto para sua satisfação, enquanto o amor vela o escândalo de tal perversidade. O desejo foraclui o sujeito da relação, enquanto o amor o mascara. A personagem Coco menciona: “sempre soube que não seria a mulher de ninguém”. Esse fragmento retira a possibilidade do feminino em Coco, como objeto causa de desejo. Gabrielle recusa o pedido de casamento ofertado por Balsen, insurgindo-se contra todos os significantes fálicos oferecidos pela cultura. Como mulher visionária, Coco demonstra que a mulher está para além da castração simbólica, porém, mesmo que em sua renúncia, Gabrielle permanece fora do feminino.
Coco inovadoramente veste-se de homem, como aquela a dizer de um semblante que não pretende. Menciona, por vezes, todas as jóias que a donzela utiliza em sua ornamentação a provarse desejada pelo outro. Corta o espartilho que sufoca para que o ar entre mesmo que obscurecido sobre a falta de sedução. Coco renuncia ao semblante feminino, mas não a feminilidade, “melhor ser amante que esposa”. Em um fragmento retirado do filme, demonstra-se a encenação em um teatro, em que a atriz, amiga de Coco, anuncia: “tenho um amante com habilidades de marido”. Amante é correlato ao desejo de um homem por uma mulher, capaz de tornar a mulher cívica em uma mulher feminina. Marido reúne as significações fálicas de um reconhecimento prevalecente em uma época sócio-histórica. Ao dizer da idiotice da mãe por ter se casado por amor, Coco refere-se às traições de seu pai. A personagem traz em questão o não desejo do pai pela mãe, a não eleição desta mulher ao status de objeto de gozo. A não transmissão da habilidade com a feminilidade é o que está em questão. A possibilidade do feminino para Gabrielle encontra-se em ser amante, em uma identificação com as mulheres de seu pai. A mãe enquanto esposa em nada aponta para esse continente negro. Para Soler (2005), a mulher antropológica não existe como mulher de desejo, essa é sempre falicisada, ou seja, que atende ao desejo do outro, como ser uma boa esposa, comportando-se ao desejo social com suas convenções. Eis a feminilidade, como aquela que deve mover o sujeito a seu próprio desejo. A máscara da sedução, semblante da relação dos sexos, segundo Soler (2005), somente terá seu desfecho no ato da cópula. Lacan corrobora Soler ao citar a não existência da relação sexual. A incompatibilidade entre o gozo fálico e o gozo suplementar demonstra a não existência da relação sexual, apontando para a satisfação individual, na qual cada parte da cópula goza em sua subjetividade. Para Valas (2001), a mulher contém um gozo dual, sendo o fálico complementar ao do homem, e o Outro gozo, suplementar, estando mais-além do falo. Para Valas (2001), o gozo fálico permiti-se a partir da cifragem do gozo corporal, pelo significante fálico pós-castração simbólica. O gozo fálico ligado à linguagem se manifesta pela satisfação verbal. A nível erótico está localizado no pênis e no clitóris, existindo para a mulher a possibilidade de um Outro gozo, que nada se refere à vagina. Para Soler (2005), o gozo fálico não se encontra somente no nível erótico, mas segundo a autora, presentifica-se nas realizações do sujeito correlato as satisfações capitalizáveis. Ainda que pelo bordear deste gozo, prevalecem somente significantes capazes de enunciá-lo mantendo seu caráter inefável.
Balsen, ao oferecer seu cavalo de maior estima para Coco, oferta-lhe a possibilidade de gozar falicamente, em uma organização pelos significantes do ter. Coco recusa, expressando-se contrariamente ao desejo social, consistindo para ela, algo além das considerações capitalizáveis, além deste gozo no qual o homem está acometido. Gabrielle, ao trocar o vestido presenteado por Balsen por uma de suas criações, escuta do mesmo “que pena, quase parecia uma mulher”. Rispidamente, Coco dirigi-se a Balsen mencionando “vão achar que não lhe custo caro”. Esta é a lógica deste gozo cultural presente até os dias atuais. De acordo com Soler (2005), citando Lacan, a mulher é uma invenção da cultura, tendo como resultante de seus símbolos e imagens a metáfora fálica. Uma cultura organizadora e organizada pelos significantes do Outro, que após a cifragem do gozo pela lógica fálica, permanecem em condensação neuróticas de ter e ser. O gozo fálico é aquela que a castração deixa ao ser falante. A música cantada por Coco remete a este significante que se acopla ao sujeito como pontuado por Boy “o ruim dos apelidos é que eles não nos deixam mais”. O significante “Coco”, concedido por seu pai carinhosamente, desloca-se em sua representação, no qual coco não mais se refere ao som emitido por seu pai ao acordá-la. Este significante desliza para a representação de um cachorro, significado de esposa. O significante “Coco” está em identificação com sua mãe, enquanto o significado está para esposa. Coco renuncia ao pedido de Balsen para se tornar esposa, e aceita a causa de Boy em ser amante. Gabrielle insurge contra a posição de mãe, e torna-se as “mulheres” de seu pai. Gabrielle é chamada por Balsen através de sua música, neste lugar de cão fiel, que entretém em seu trocadero. A jovem mesmo que em insurgência “estou farta de entreter estes degenerados”, carrega o significante “Coco”. Cachorro fiel capaz de entreter Balsen. A música cantada no salão da casa de Balsen, em um de seus fragmentos, se refere a “alguém viu Coco?”. Momento que todas no salão divertiam-se ignorando e colocando Coco na posição de dejeto. Coco não se viu, somente se ouviu. Gabrielle quando criança foi abandonada por seu pai em um convento, aguardando a chegada deste todos os domingos. Diante ao não desejo do pai, Coco não se faz desejar, como também a amar a homem algum. Na última cena, do desfile realizado por Coco, ela está sentada às escadas enquanto seu rosto perde as cores em uma cena monocromática. Coco obscurecida, com um sorriso pálido, permanece a observar seu feito, com o vazio sobre o feminino. Nesta cena, confirma-se a fala de sua amiga no cabaré, “quer algo, mas não sabe o quê”. Revista de Psicologia l 25
Convocada ao lugar de objeto na relação sexuada com o outro, a mulher não o aceita ou fantasia que não o é, pois ser o falo é ser objeto e ser objeto é não ser sujeito de desejo. Com tais afirmações, ainda permanecem a questão sobre o que realmente deseja uma mulher. REFERÊNCIAS COCO AVANT CHANEL. Direção: Anne Fontaine. Intérpretes: Audrey Tautou; Benoit Poelvoorde, Alessandro Nivola. Roteiro:.Anne Fontaine. Warner Bros/ Haut et Court. 2009. I DVD(105min.), son.,color.,legendado. KAUFMANN, Pierre. Dicionário enciclopédico de psicanálise: o legado de Freud e Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996. SOLER, Colette. O que Lacan dizia das mulheres. Rio Janeiro: Zahar. 2005. VARGAS, Patrick. As dimensões do gozo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
NOTAS DE RODAPÉ 1. Acadêmico do 10º período do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 2. Psicanalista e Professor do Curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva.
26 l
Revista de Psicologia
Diogo e a compulsão: um modo de ser no mundo Caroline Naiara Vieira Chaves Pinto1 Fernando Dório Anastácio2 resumo:Este artigo tem como objetivo apresentar uma análise da compulsão como um mecanismo que surge para tamponar algum sofrimento ou angústia, bem como entender, a partir do estudo de um caso clínico, como os fenômenos presentes em uma vivência ritualizada são experienciadas pelo cliente. Para isso, utiliza-se como fundamentação teórica a Psicologia Existencial-fenomenológica. Palavras-chave: Psicologia existencial; Compulsão; Sofrimento. 1. INTRODUÇÃO A Psicologia Existencial considera, de acordo com Romero (2001), que o homem é um ser livre, que sempre tem a possibilidade de escolher, considerando os determinantes e as limitações. Ou seja, é uma liberdade de escolha dentre as opções que lhe são possíveis, incluindo o “não escolher”. Essa filosofia de liberdade convoca o homem à responsabilidade, pois cada indivíduo deve se responsabilizar pelas opções feitas e pelas consequências advindas dessas. Ainda de acordo com o mesmo autor, a psicologia existencial coloca a existência como prioridade em relação e essência, por entender que a visão essencialista pode rotular a pessoa, considerando que seus traços são determinantes e apontam para um diagnóstico categórico, que tende a enquadrar o indivíduo. Já o olhar existencialista acredita que é por meio da existência que o sujeito pode se construir. Os traços podem ser considerados coadjuvantes e suas potencialidades podem, ou não, ser desenvolvidas. Assim, o homem se configura aqui como um ser de possibilidades, responsável por suas escolhas e por sua construção no mundo. Os fenômenos que envolvem esse projeto vital devem ser considerados como parte da existência de cada indivíduo. “A Psicoterapia Existencial é fundamentalmente um modo prático de investigar a existência humana concreta, a fim de conhecê-la, compreendê-la e torná-la mais produtiva e satisfatória [...]” (RUDIO, 2001, p. 88). Diante disso, a Psicologia Existencial pode adotar o método fenomenológico para o processo psicoterapêutico. Esse método é caracterizado, de acordo com Rudio (2001), pela observação e compreensão do fenômeno vivido pelo cliente. “[...] é o mais apropriado para analisar e caracterizar a existência humana no que ela tem de mais original, como aquilo que nos afeta, nos compromete e nos incumbe de um modo inexorável [...]” (ROMERO, 2001, p. 50). Os fenômenos falam por si só e mostram a forma como o sujeito vivencia suas experiências. No entanto, não implica na explicação ou interpretação da conduta ou da expressão de uma pessoa. Cabe ao indivíduo buscar o sentido para suas vivências. Deve-se compreender o fenômeno, o
que para Privat (1992), significa perceber a intenção dele. A partir dessas considerações, pretende-se compreender o modo de ser do homem por meio do relato e estudo de um atendimento clínico, considerando a abordagem Existencial-fenomenológico como o suporte para as intervenções. Diogo tem 43 anos, apresenta como queixa uma compulsão, desde os 20 anos de idade, por ”pornografia”, que é descrito por ele como sendo se masturbar vendo revistas, filmes e sites pornográficos. Isso tem dificultado o seu desempenho no trabalho. Tais dificuldades o têm deixado frustrado, já que esse não consegue realizar o que tinha planejado para conquistar seus objetivos. Além disso, durante as sessões, o mesmo relata que a compulsão tem atrapalhado o seu convívio com sua filha e esposa, sendo que esta última sabe do seu problema, mas prefere não falar sobre o assunto. Diz ainda que tem uma vida sexual satisfatória com sua esposa, não percebendo assim a compulsão como uma forma de satisfação sexual biológica. Inicialmente, o cliente relata ter dificuldade em realizar projetos profissionais, o que lhe traz frustração e tristeza. Relata que consegue colocar uma meta, porém, na hora de cumpri-la, ocupa-se da masturbação para não fazer o que havia planejado. Para o cliente, esse comportamento é uma fuga de algo que ele não sabe o que é e que ele não consegue controlar. Coloca ainda que o sentimento que tem é de que ele procura se fazer infeliz. Demonstra ser metódico e ter dificuldades em lidar com imprevistos ou situações diferentes daquelas anteriormente planejadas. No decorrer dos atendimentos, Diogo demonstra dificuldade em lidar com o que não lhe parece lógico, que não tem uma resposta racional. Um exemplo dessa dificuldade é quando o cliente procura, durante as sessões, dar uma resposta para a sua compulsão. Indagações como “será que quero ser um coitado?”(sic) são vistas pelo cliente como irracional. “Como pode isso? Eu tenho capacidade, posso crescer, sei que posso e quero isso. Não tem lógica eu querer ficar como um coitado”(sic). Revista de Psicologia l
27
Tratando da sua relação com o seu grupo social, Diogo relata que os outros dizem que ele tem muitas qualidades, que é uma boa pessoa, porém ele não consegue perceber isso. Relata ter dificuldade de aceitar elogios, apesar de sempre dizer, durante as sessões, que é elogiado. Diz participar de projetos sociais ligados à sua igreja e se sente feliz com isso, mas “não sabe o porquê de, mesmo ficando feliz, às vezes para de fazer esses trabalhos. Diante desse questionamento, o cliente traz, a cada sessão, uma resposta para a compulsão. Porém, nenhuma delas consegue aliviar seu sofrimento por muito tempo, o que o frustra e o angustia. Mas é essa angústia que o move para a busca, não de uma resposta, mas de um sentido para suas experiências. Com uma relação terapêutica já estabelecida, o cliente começa a se movimentar, o que possibilita intervenções que o ajudam a buscar sentido para sua compulsão. No entanto, o cliente insiste em uma racionalização daquilo que ele não consegue explicar a partir do uso do sentimento, do pessoal. Começa então a tratar seu problema como uma prática, já que para ele é incômodo tratá-lo como masturbação ou pornografia. A queixa trazida por Diogo remete a uma questão existencial que o aflige, pois trata-se de experiências que, apesar de lhe proporcionarem prazer, são vivenciadas de forma sofrida. Além disso, o cliente não percebe a intenção desses atos. Para Rodrigues (2008), compulsão, de acordo com a definição feita DSM3, envolve comportamentos repetitivos. “[...] Os comportamentos repetitivos e atos mentais têm, como finalidade prevenir ou reduzir experiências de ansiedade ou sofrimento [...]” (RODRIGUES, 2008, p. 182). Ou seja, a compulsão aparece para tamponar algo que o cliente não “quer” mostrar. No caso Diogo, tem-se um histórico de comportamento ritualizado, já que o cliente relata que ainda criança fazia uso de álcool com bastante frequência, que perdurou aproximadamente 10 anos. Posteriormente, ao abrir mão do álcool, começa a utilizar drogas ilícitas, o que dura por volta de 2 anos. Portanto, é possível perceber que os rituais sempre fizeram parte da vida do cliente, apesar do sofrimento sentido por ele. Isso leva a pensar que essa pode ser a forma que ele escolheu para se colocar no mundo. Mesmo diante de outras possibilidades, o cliente não consegue se movimentar de forma diferente, levando a compulsão para o centro de suas vivências. Porém, para Diogo, se tornou impossível continuar com essas experiências intensas, que têm lhe trazido mais sofrimento do que prazer. 2. CONCLUSÃO O processo terapêutico se desenvolve tendo em vista que o cliente consiga perceber o sentido da compulsão em sua vivência, bem como o que ela tenta tamponar. Diogo estabelece uma 28 l Revista de Psicologia
identificação positiva com a terapeuta, o que possibilita um vínculo terapêutico e um melhor desenvolvimento do processo. São trabalhadas com Diogo questões voltadas para a sua responsabilização, bem como a forma com que ele lida com as relações afetivas em sua vida, trazendo suas reflexões para o nível dos sentimentos. Esse movimento possibilita um crescimento do cliente, que consegue perceber a pornografia como não sendo o mais importante, mas sim o que está por volta dela. Embora não seja nomeável, o cliente percebe que ele utiliza da pornografia para evitar algum desprazer maior, apesar de seus rituais sexuais e masturbatórios serem atos que lhe trazem angústia e sofrimento. Foi possível, no decorrer das sessões, trabalhar para que Diogo tirasse o ato masturbatório do centro de suas relações e não buscar apenas remover os rituais, como queria a princípio, por meio de respostas lógicas. Além disso, o cliente consegue perceber que existem fatores não tão visíveis que envolvem a compulsão. Diogo consegue dizer das suas reflexões sobre sua vida, envolvendo e nomeando os sentimentos presentes, o que contribui para o seu desenvolvimento e de suas escolhas, de acordo com suas possibilidades. REFERÊNCIAS PRIVAT, Eduard. O que é fenomenologia? Uma metodologia da compreensão. 3. ed. São Paulo: Editora Moraes, 1992, cap. 3, p. 49-69. RODRIGUES, Joelson Tavares. Compulsividade: a marca de um tempo? In: FEIJOO, Ana Maria Lopez de, et al. (Org.). Intervenções fenomenológico-existenciais para o sofrimento psíquico na atualidade. Rio de Janeiro: GdN editora, 2008, cap. 7, p. 182-201. ROMERO, Emílio. As abordagens do psicopatológico e a questão do modelo epistêmico. In: ______. O inquilino do imaginário: as novas formas de alienação. 3. ed. São Paulo: Lemos Editorial, 2001, cap. 1, p. 11-38. ROMERO, Emílio. O enfoque fenomenológico existencial em psicopatologia. In: ______. O inquilino do imaginário: as novas formas de alienação. 3. ed. São Paulo: Lemos Editorial, 2001, cap. 2, p. 39-62. RUDIO, Victor Franz. O que se entende por “Psicoterapia existencial?” In: ______. Dialogo maiêutico e psicoterapia existencial. São José dos Campos: Novos Horizontes, 2001, cap. 1, p. 88-108.
notas de rodapé 1. Acadêmica do 10° período do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2. Professor supervisor de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 3. Manual Diagnóstico e Estatístico de transtornos mentais, publicado pela APA
A construção da autenticidade do cliente no processo psicoterapêutico A tarefa terapêutica está na relação de cuidar. Cuidar é acompanhar, é estar junto, é receber. É estar aberto à pessoa. - Pokladek André Gil Vianna1 Raquel Neto Alves2 resumo:Este trabalho tem a intenção de debater sobre a temática da liberdade à luz da fenomenologia-existencial. Poderemos ver que a liberdade é aprendida quando o cliente interage com o meio, se auto-observando e se implicando no processo psicoterapêutico. Palavras-chave: Liberdade, autenticidade, Clínica psicológica.
INTRODUÇÃO O ser humano traz em si possibilidades de transformação, pois é o único ser que tem a autoconsciência, que é a capacidade de distinguir entre o “eu” e o mundo. Somente os seres humanos têm a capacidade de aprender com o passado e planejar o futuro, ou seja, é capaz de sair de si mesmo e contemplar a sua historia, influenciando assim seu desenvolvimento como pessoa e, em menor extensão, a marcha de acontecimentos em seu país e na sociedade como um todo (MAY, 1987, p.70-71). Com essa condição inerente a cada ser humano, é possível uma transformação da realidade vivida. Os atendimentos na clínica buscam resgatar a possibilidade do ser humano de transformação. Buscam fazer crescer os possíveis de cada um, deixando bem claro que o processo de transformação é do cliente. O terapeuta é somente um agente facilitador neste processo. A clínica psicológica propicia ao cliente um aumento na possibilidade de transformação, de autoconhecimento, e, consequentemente, o exercício de sua liberdade, propiciando ao cliente ser mais autêntico. O eixo que norteia as ações na clínica, no estágio VII escolhido pelo estagiário, é o fenomenológico-existencial. O Existencialismo, como Filosofia, tem suas origens em Kierkegaard, e pode ser entendida como uma doutrina antirracionalista, que tende a desprezar o discurso especulativo da metafísica e o raciocínio frio das ciências positivas. O que pode ser observado nos atendimentos com a cliente, desde o início do processo, é sua dependência em relação à família e a insegurança em se expor nas mais variadas situações
do seu cotidiano. Nos atendimentos, ela relata sua vontade de conseguir fazer o que deseja e dizer o que sente sem estar presa ao que o outro vai pensar dela. Se sente aprisionada e quer estar livre para fazer o que realmente deseja. Diante de tais relatos e da necessidade da cliente em lidar com a angústia e responsabilidade por suas escolhas e assim tornar-se mais autêntica, vamos definir o que é liberdade. Liberdade é uma palavra usada amplamente no cotidiano. No senso comum, significa ausência de dificuldades ou fronteiras que possam impedir algo, seja algo que se gostaria de fazer ou aquilo que se pensa em relação a alguma coisa. O dicionário online de português traz as seguintes definições: “1 Faculdade de fazer ou de não fazer qualquer coisa, de escolher, Independência; 2 Poder de exercer livremente a sua vontade; 3 Liberdade de opinião, de pensar, direito de exprimir cada um seus pensamentos, suas convicções. A liberdade também é vista como consciência para dar opiniões religiosas, as quais a pessoa considera verdadeiras, está relacionado ao direito de manifestação de opiniões políticas. Borges (2009, p. 15) afirma que essas “concepções de liberdade estão voltadas à manifestação sem impedimentos, e sem que exista punição. Diz-se que uma escolha é livre, quando não houve influência ou coação de outrem”. Na Filosofia Sartreana, o conceito de liberdade está relacionado à liberdade da pessoa, que, por sua vez, é livre quando tem consciência para escolher, ou seja, intencional. Mas uma observação deve ser feita, não há liberdade comum a todos, pois não há uma essência da liberdade, cada um tem suas possibilidades. Certamente, eu não poderia descrever uma liberdade que fosse comum ao outro e a mim; não poderia, pois, considerar Revista de Psicologia l
29
uma essência de liberdade. Ao contrário, a liberdade é fundamento de todas as essências, posto que o homem desvela as essências intramundanas a transcender o mundo, rumo às suas possibilidades próximas. (SARTRE, 1999, p. 542) Podemos concluir, então, que o homem só o é pela sua condição de ser livre. Ao afirmar suas escolhas livremente, ele se faz, e, consequentemente, o homem é produto de sua liberdade, pois é na ação livre que o homem escolhe seu ser, que se constrói como indivíduo. “A verdadeira liberdade não é a liberdade de obtenção, mas a liberdade de eleição” (PERDIGÃO, 1995, p. 89). A cliente, no seu processo, começou a interrogar suas implicações no que ocorria em sua vida, não mais se preocupava em simplesmente fazer o que quer, sem levar em consideração o outro; após três anos, ela relata que as suas escolhas e o que ocorre em sua vida é de sua responsabilidade. A escolha em Sartre é importante para se entender a liberdade, pois essa gera no ser uma angústia, pois a escolha revela para o ser a liberdade, ou seja, desvela ao Ser que não pode vivenciar tudo o que é possível, revela então ao Ser, o sentimento de ambiguidade que o assola, pois esse antecede qualquer escolha. O que pode ser observado nos atendimentos é que a cliente avança no processo, se implica e faz suas escolhas, conseguindo se colocar. A angústia, ao mesmo tempo que impulsiona o Ser para atualizarse, o paralisa quando se vê de frente a responsabilidade das escolhas. Pode-se escolher mal em liberdade, e com isso pode advir o remorso e o arrependimento. A angústia então surge como sentimento inerente ao existente diante das possibilidades históricas que se abrem para cada um em sua existência concreta. Entretanto, se a angústia decorre a descoberta individual da liberdade plena, ela só pode ser como salienta Sartre, fenômeno “raro”. Isso porque essa liberdade só é descoberta reflexivamente, quando, engajado no mundo, em vez de realizar meus possíveis (se se quiser, meus fins ou meu futuro), eu os apreendo como meus. (MOUTINHO, 1995, p. 76) Percebe-se que a angústia é um tema importante no Existencialismo. Ela não é vista como um sintoma que deve ser eliminado, mas sim como a marcação de um limite que sinaliza, no instante que ela aparece, a possibilidade de mudança. Pode-se dizer que a responsabilidade é que o Para-si assume as consequências da escolha, é uma condição do Ser, assim como a liberdade. Sartre (1997) atesta que: “é insensato pensar em queixar-se, pois nada alheio determinou aquilo que sentimos, vivemos ou somos”. Essa concepção nos mostra que o Ser em construção é responsável pelo seu projeto existencial e está condenado a escolher sua trajetória. Na maioria das vezes, esse Ser, 30 l Revista de Psicologia
devido à angústia que essa condição traz, foge às responsabilidades por meio da má-fé. Sartre (1997) salienta que: [...] tal responsabilidade absoluta não é resignação: é simples reivindicação lógica das conseqüências de nossa liberdade. O que acontece comigo, acontece por mim, e eu não poderia me deixar afetar por isso, nem me revoltar, nem me resignar. Além disso, tudo aquilo que me acontece é meu; deve-se entender por isso, em primeiro lugar, que estou sempre a altura do que me acontece [...] (SARTRE, 1997, p.678). A fuga à responsabilidade e à angústia gerada pelo processo de escolha, como dito acima, é chamado de má-fé, e essa, por sua vez, aliena a liberdade, pois o Ser não reconhece o que lhe acontece como sua responsabilidade. O medo da liberdade, a fuga da angústia que ela provoca, leva o homem à atitude de má fé. Esta má-fé é uma atitude paradoxal, irresponsável, uma mentira, uma ilusão de escolha para com o homem e com o mundo. É uma mentira que o homem conta para si próprio. Após três anos de atendimento, a cliente se implica mais no seu processo e se coloca diante das situações de forma mais incisiva, sendo mais autêntica. A condição autêntica não é assumida de uma vez por todas, pois a existência é marcada pela ambiguidade do existir autêntico e inautêntico. Como dito acima, cabe ao homem escolher a cada instante ser ou não ser autêntico. A cliente ainda apresenta algumas situações nas quais não se posiciona da maneira como queria, mas é importante observar nas sessões que ela está atenta às suas escolhas, e também àquilo que poderia ter feito diferente, ou seja, está se tornando responsável pelo seu projeto e não mais vítima das situações. Isso permite ao Ser se tornar autêntico no seu cotidiano. O Dasein não se perde na impessoalidade, no medo e no espanto. Agindo por parâmetros coletivos, o Ser, seguindo a massa, foge à possibilidade de uma existência mais autêntica Ao agir preso pelos olhares dos outros, o Ser se perde e vive na inautenticidade, e consequentemente, gera neste Ser uma angústia, o espanto, que o move para a mudança. Assim, se apropria de seu Ser de forma singular. Essa singularidade, o Ser autêntico, emerge no momento em que se assume a responsabilidade e a busca por meio da ética, que foi constituída pelas suas experiências. O estágio na clínica possibilita não somente ao cliente, mas também ao aluno, o crescimento nessa relação terapeuta-cliente. O espaço de supervisão possibilita uma troca de experiências e
pontuações importantes do professor e dos colegas. O que se pode concluir com as intervenções na clínica é que as pessoas têm oportunidade de se conhecer e viver de forma mais autêntica, ou seja, o cliente e suas relações se estabelecem de forma mais saudável. REFERÊNCIAS BORGES, A. T; CAPELLI, D. C; AZEVEDO, M. K; VIEIRA, J. A. O conceito de liberdade no existencialismo sartreano. Akrópolis, Umuarama, v. 17, n. 1, p. 13-20, jan./mar 2009. HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Tradução de Márcia Sá Cavalcante Schuback; Petrópolis: Vozes; Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2006. JEAN Paul Sartre: Vida e obra. Disponível em: <http://www.culturabrasil. pro.br/sartre.htm>. Acesso em: 21 nov. 2010.
LIMA, W. M. Liberdade e dialética em J. P. Sartre. Maceió: EDUFAL, 1998. MAY, Rollo. O homem a procura de si mesmo. 13ª edição.Petrópolis, RJ: Vozes, 1987. MOUTINHO, Luiz Damon Santos. Sartre: existencialismo e liberdade. São Paulo: Moderna, 1995. PERDIGÃO, P. Existência e liberdade: uma introdução à filosofia de Sartre. Porto Alegre: L&PM. 1995. ROGERS, Carl R. Psicoterapia & relações humanas: teoria e prática da terapia não-diretiva. Vol1, Belo Horizonte, interlivros, 1977.
SARTRE, J.-P. O ser e o nada: ensaio de ontologia fenom enológica. Petrópolis: Vozes, 1997. SILVA, José Maria de Jesus e. O humanismo existencialista de Jean Paul Sartre. Disponível em: <http://cynthia_m_lima.sites.uol.com.br/jeanps.htm>. Acesso em: 21 set. 2010.
NOTAS DE RODAPÉ 1. Acadêmico do 10º período do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2. Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva
Revista de Psicologia l
31
Autismo Infantil: da segregação à inclusão social - novas perspectivas na visão analítico-comportamental Adriene Faria Passos Martins1 Maxleila Reis Martins Santos2
resumo: Admitir que um filho é acometido por alguma “anormalidade” é uma contingência que traz em si diversos comportamentos encobertos de culpa, impotência e infelicidade aos pais. Este trabalho pretende apresentar, baseado em revisão bibliográfica, novas perspectivas para crianças acometidas pelo autismo, tendo em vista que quanto antes o diagnóstico ocorre, maiores as possibilidades de a criança conseguir mudanças relevantes. O objetivo da Análise do Comportamento na intervenção dessas crianças é possibilitar, por meio da psicoterapia, novas aprendizagens acerca da patologia, sem fazer desta uma limitação, o que reflete maior autonomia e independência em relação aos pais, além da aprendizagem de habilidades sociais básicas. Palavras-chave: Autismo, Limitações, Método ABA, Programa TEACCH, Programa de Intervenção PECS (Sistema de Comunicação por Figuras), Análise do comportamento.
INTRODUÇÃO Com o nascimento de um filho, muitas expectativas são depositadas na criança. Muitos mimos, carinho e novas aprendizagens lhe são transmitidas e espera-se que ela aprenda por reforçamento e pelos modelos parentais. No entanto, diferentemente do esperado, percebe-se que a criança aparenta certa “anormalidade” e para justificar esta incógnita, muitos pais se esquivam com inúmeras justificativas. O autismo do filho coloca a família frente a uma série de emoções de luto pela perda da criança saudável que esperavam. Apresenta, por isso, sentimentos de desvalia por ter sido escolhida para viver essa experiência dolorosa. (KRYNSKY3 1969, citado por, SPROVIERI, 2001, p. 265). Diante desse sentimento de impotência comum nas famílias das crianças com autismo, um tipo de Transtorno Invasivo do Desenvolvimento, este trabalho busca oferecer conhecimentos sobre o tema, apresentando possibilidades de tratamento para a criança. Em questionário semi-estruturado, feito por Schimidt; Bosa (2003), com pais e mães de crianças com autismo, observou-se nesses preocupação com o futuro do filho quando eles não mais puderem prover-lhe cuidados e proteção no futuro, na dependência deste em relação aos pais e aceitação dos mesmos na sociedade. Contudo, os resultados foram díspares em relação aos sintomas da criança: para os pais, o que mais lhes aflige são os comportamentos autoabusivos da criança, enquanto para as mães o 32 l
Revista de Psicologia
que lhes causa maior aversão é a hiperirritabilidade da criança em idade mais avançada (6 a 12 anos). Cabe salientar que, com diagnóstico precoce, a possibilidade de um bom prognóstico é consideravelmente maior. De acordo com Schimidt; Bosa (2003), o termo autismo significa “ausente” ou “perdido” e caracteriza-se por um comprometimento severo das habilidades de interação social recíproca, habilidades de comunicação, interesses e alta frequência de atividades estereotipadas. Jr (1995) descreve o percurso histórico desse transtorno até os dias atuais. Plouller foi quem introduziu o termo autista nos estudos psiquiátricos de pacientes ensimesmados. Leo Kanner em 1943 adjetivou o quadro, referindo-se a ele como “Distúrbio Autístico do Contato Afetivo”. Entre 1949 e 1954, passa a se referir a este mesmo quadro como “Autismo Infantil Precoce”. Ritvo4 (1976, citado por JR, 1995) traz uma visão acerca do autismo que revoluciona as anteriores, caracterizando-o por um distúrbio de percepção, do desenvolvimento, do relacionamento social, da fala, da linguagem e da motilidade. Ajuriaguerra5 (1973, citado por Jr, 1995) enquadra o autismo dentre as psicoses infantis, com características de transtorno da personalidade, dependente de uma desordem da organização do Eu e da relação da criança com o mundo circundante. Em 1985, sofrendo influência da psicanálise, Bleuler conceitua o autismo como sendo um afastamento da realidade com predomínio de vida interior. O DSM-III-R(1989), focado em caracterizações descritivas, nomeia o autismo infantil como um “Distúrbio Global do Desenvolvimento”. Ferreira (2010) citando a Classificação Internacional de
Doenças- CID-10, seguindo os padrões do DSM-III-R, define o autismo como “Transtorno Invasivo do Desenvolvimento com características de anormalidade qualitativa na interação social recíproca e nos padrões de comunicação e por repertório de interesses e atividades restritas, repetitivas e esteriotipadas”. Ballone (2004) cita a quarta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais-DSM-IV (1994), que classifica o autismo como Transtorno Invasivo do Desenvolvimento, envolvendo graves dificuldades ao longo da vida. Conforme o DSM-IV (1994): A - Dentre os critérios atuais para diagnóstico do autismo, é necessário que a criança se enquadre em pelo menos 6 de 12 critérios sugeridos. Dentre eles, faz-se necessário que existam 2 critérios que sejam do item 1 e pelo menos um critério dos itens 2 e 3 do referido Manual. 1) Déficits qualitativos na interação social, manifestados por: a. dificuldades marcadas no uso de comunicação não-verbal b. falhas do desenvolvimento de relações interpessoais apropriadas no nível de desenvolvimento c. falha em procurar, espontaneamente, compartilhar interesses ou atividades prazerosas com outros d. falta de reciprocidade social ou emocional 2) Déficits qualitativos de comunicação, manifestados por: a. falta ou atraso do desenvolvimento da linguagem, não compensada por outros meios (apontar, usar mímica) b. déficit marcado na habilidade de iniciar ou manter conversação em indivíduos com linguagem adequada c. uso estereotipado, repetitivo ou idiossincrático de linguagem d. inabilidade de participar de brincadeiras de faz-de-conta ou imaginativas de forma variada e espontânea para o seu nível de desenvolvimento 3) Padrões de comportamento, atividades e interesses restritos e estereotipados: a. preocupação excessiva, em termos de intensidade ou de foco, com interesses restritos e estereotipados b. aderência inflexível a rotinas ou rituais c. maneirismos motores repetitivos e estereotipados d. preocupação persistente com partes de objetos B. Atrasos ou função anormal em pelo menos uma das áreas acima presente antes dos três anos de idade. Interação social Linguagem usada na comunicação social Ação simbólica ou imaginária Todavia, ainda hoje, o autismo encontra um grande impasse para ser enquadrado em uma nosografia, circundando a polêmica da psicogenicidade e organicidade; há ainda aqueles que defen-
dem uma multideterminação orgânica, dinâmica e social. Pimentel e Jr. (2000) evidenciam o fato de muitas vezes a manifestação sintomatológica ser perceptível pelos pais apenas por volta dos 3 anos de idade, embora o DSM-IV indique a possibilidade do diagnóstico aproximadamente aos 18 meses de idade. Devido ao fato do autismo se evidenciar ainda na infância, faz-se necessário o acolhimento aos pais dessas crianças, já que o trabalho psicoterápico desenvolvido pela Análise do Comportamento requer treino e reforços nas diversas instâncias de convívio da criança. Para a instalação dos comportamentos deficitários nessas crianças, há vários modelos de intervenções descritos na literatura, alguns deles serão apontados neste artigo: ABA, TEACCH e PECS. Conforme o Manual “Ajude-nos a aprender” - Programa de Treinamento da Análise do Comportamento Aplicada – ABA (2006), todo treino relativo a mudanças comportamentais nessas crianças objetiva a instalação de comportamentos socialmente habilidosos e, consequentemente, torná-las menos dependentes de seus familiares. Conforme Kwee (2006), o Programa de Tratamento e Educação para Autistas e Crianças com déficits relacionados à Comunicação (TEACCH) é uma abordagem transdisciplinar psicoeducativa, envolvendo esferas de atendimento educacionais e clínicos. O programa foi criado em 1966 por Eric Shopler, e colaboradores da Universidade da Carolina do Norte (EUA). O programa consiste na observação comportamental das crianças em diferentes settings, lidando com diferentes estímulos. Foi proposta a participação dos pais, por serem considerados importantes elementos para o processo. Outro programa de intervenção e ensino é a Análise do Comportamento Aplicada (ABA- Applied Behavior Analysis), o programa analisa e explica a associação entre o ambiente, o comportamento e a aprendizagem. O objetivo é proporcionar a familiares e crianças com autismo, sem acesso a especialistas na síndrome e sem condições financeiras, conhecimento sobre o assunto, orientações e treino para lidar com a criança e prepará-la para as contingências da vida. Por último, segundo Camargos (2000), o Programa de Intervenção PECS (Sistema de Comunicação por Figuras), também é uma alternativa de baixo custo para trabalhar com crianças com desenvolvimento atípico. O programa foi desenvolvido como resposta às dificuldades encontradas em treinamentos para jovens autistas com os programas que eram disponíveis na época. O PECS, versão adaptada do PCS - Picture Communication System, consiste em um manual de treinamento de comunicação alternativa por troca de figuras para crianças com autismo e outros distúrbios de comunicação. Os desenhos são em preto e branco, acompanhados de Revista de Psicologia l 33
escrita, e representam objetos, ações, pessoas e sentimentos. Percebe-se como existe a preocupação da comunidade científica na implementação e melhoria das propostas de intervenção destinadas a crianças com comportamentos atípicos, possibilitando a elas novos reforçadores para a aprendizagem e a convivência no âmbito social. Segundo o Manual ABA (2006), o ambiente familiar e de treino habitual da criança devem tornar-se reforçadores por si só. Os familiares e o próprio terapeuta deverão estar ao lado da criança em atividades que sejam prazerosas para ela, de modo que a presença desses torne-se uma fonte de reforço positivo propício ao treino. As tarefas de aprendizagem devem ser intercaladas primeiramente com atividades mais fáceis até atingir um grau maior de dificuldade de modo a progredir gradualmente o nível de exigência da criança. As atividades às quais a criança será submetida deverão inicialmente ser reforçadas imediatamente após o comportamento almejado ocorrer, dessa forma não se corre o risco de reforçar um comportamento indesejado, ocorrido posterior ao esperado. Caballo (2008) mostra a relevância da continuidade do ensino para uma criança autista, mesmo que esse processo seja marcado por algumas tentativas frustradas no início do aprendizado. Assim, o afinco da família em atender prontamente toda vez que a criança demandar atenção ou tentar algum tipo de interação fará com que as atividades se tornem reforçadores sociais importantes, o que, consequentemente, transmitirá à criança segurança e acolhimento na relação. Conclui-se que o objetivo principal da Análise do Comportamento na intervenção das crianças com autismo é a possibilidade de oferecer a elas e a seus pais o aprendizado de como lidar com esse transtorno sem fazer dele uma limitação, proporcionando à família e a própria criança maior independência e autonomia em habilidades sociais básicas. REFERÊNCIAS CABALLO, Vicente E. O treinamento em habilidades sociais. In: ______. Manual de técnicas de terapia e modificação de comportamento. São Paulo: Santos 2008, cap. 18, p. 386-398. CID 10. In: Virtual Psy. Disponível em: <http://virtualpsy.locaweb.com.br /cid. php?busca=AUTISMO.> Acesso em 18 out. 2010. FERREIRA, Marcos. Transtornos Invasivos do Desenvolvimento.Disponível em: < http://neuronios-saudemental.blogspot.com/2010/01/transtornos-invasivos-do.html>. Acesso em 30 ago. 2010. JR, Francisco Baptista Assumpção. Conceito e classificação das síndromes autísticas. In: ________. Autismo Infantil. São Paulo: Memnon,1995, cap.1, p. 3-16. JR, Francisco B. Assumpção; PIMENTEL, Ana Cristina M. Autismo Infantil. Revista
34 l
Revista de Psicologia
Brasileira de Psiquiatria, Belo Horizonte, 2000, vol. 22 (Supl. I), p.37-39. KWEE, Caroline Sianlian. Abordagem transdisciplinar no autismo: o programa TEACCH. Mestrado em Fonoaudiologia pela Universidade Veiga de Almeida, RJ, 2006. LEAR, Kathy. Ajude-nos aprender: Programa de Treinamento em Análise do Comportamento Aplicada-ABA-. Tradução de Ana Vilela et al.2 ed. Brasil, 2006.152 p. SCHMIDT, Carlos; Bosa Cleonice. A investigação do impacto do autismo na família: Revisão crítica da literatura e proposta de um novo modelo. Interação em Psicologia, Universidade Federal do Rio Grane do Sul, 2003, 7(2), p.111-120. SPROVIERI, M. H. & Assumpção Jr., J. F. B.Dinâmica familiar de crianças autistas. Arquivos de Neuropsiquiatria, São Paulo, vol. 59, nº 2 A.p. 230-237, jun., 2001. CAMARGOS, Walter. O programa de intervenção: o PECS e as adaptações propostas. In: Os efeitos do PECS associado ao Curriculum Funcional em pessoas com autismo infantil. São Paulo,2000, p. 25-34.
NOTAS DE RODAPÉ 1. Acadêmica do 10º período do curso de Psicologia do Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2. Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 3. Krynski S. Deficiência mental. Rio de Janeiro: Zahar, 1969 4. RITVO, E.R.; ORNITZ, E.M.- Medical Assesment. In: Ritvo, E.R-. Autism: diagnosis, current research and management. New York, Spectrum,1976 5. AJURIAGUERRA, J. – Manual de psiquiatria infantil. Barcelona, Toray- Masson, 1973
O adolescente infrator e a responsabilidade sobre o ato Karina E. Carvalho Rosa1 Fernando Dório Anastácio2 resumo:Este artigo tem por objetivo discutir a relação que o SER adolescente tem com o mundo no qual está imerso, suas responsabilidades consigo mesmo, com suas escolhas e suas relações. O texto considera a importância das dimensões do existir e traz como exemplo um caso atendido na clínica do Centro Universitário Newton Paiva. Palavras-chave: Adolescência; Ato Infracional; Autoafirmação; Fenômeno e Fato; Relação Temporal.
1.INTRODUÇÃO A adolescência é uma etapa do desenvolvimento humano, dentre outras, que apresenta formas, específicas e particulares, de estar-no-mundo. Essas formas são definidas, em parte, pelas necessidades do sujeito que as está vivenciando, dentro do seu contexto sociocultural; sendo assim, não podemos esquecer que estes adolescentes trazem em suas histórias alguns aspectos que orientam a direção que irão tomar na procura de novos referenciais, de novas possibilidades, de novas formas de se colocarem diante da condição de sujeito de sua própria história, na busca do seu lugar no mundo. O sujeito nessa fase se depara com novas possibilidades de se relacionar no mundo e com o mundo, isso requer uma habilidade que, muitas vezes, terá que desenvolver ou aprimorar, de acordo com suas experiências da etapa anterior – na infância. Esse jovem se depara com novos desafios, com novas escolhas em seu contexto familiar, profissional, amoroso, em relação à sua identidade grupal, político-social e outros. É verdade que a adolescência implica num desabrochar de possibilidades inéditas, na procura de novos referenciais e objetos de identidade – de novas formas de relação homem-mundo. Contudo, não esqueçamos que o indivíduo já está marcado por uma história que o condiciona em alguns aspectos e que o orienta já em certas direções (ROMERO, 2004, p.81). Considerando o tema proposto neste artigo, faz-se necessário um olhar atento para o contexto sociocultural deste ser em construção. O adolescente que infringe a lei, de uma maneira transgressora, violenta e perigosa, está em busca do seu lugar no mundo, mesmo que esta escolha não seja bem aceita pelo outro e reconhecida como lícita pela sociedade. A questão é a relação que esse adolescente tem com as possibilidades que se apresentam a ele, as consequências de suas escolhas e como tudo
isso vai lhe afetar. Quais são suas perdas e ganhos diante de suas escolhas? Como este SER se compromete com seus deveres e responsabilidades? Se não levamos em consideração o meio em que esta pessoa se encontra, perdemos o referencial que move este indivíduo, o molde que contorna este ser-no-mundo, que se caracteriza como um ser existencial, um ser de “pré-sença” no mundo, um ser-com. O “eu” não se constitui sem o outro, sem o mundo no qual ele se relaciona “na base deste ser-nomundo determinado pelo com, o mundo é sempre o mundo compartilhado com os outros. O mundo da presença é mundo compartilhado” (HeideggeR, citado por FEIJOO, 2000, p. 79). As pessoas nascem e desenvolvem-se num contexto social que os condiciona e configura. Se não se leva em conta este contexto, o percurso de uma vida nos parece incompreensível. No contexto estão todos os fatores externos, de tipo social, que influenciam o indivíduo (ROMERO, 2004, p. 67). Entretanto, não podemos ter uma visão simplista de que o mundo de uma pessoa pode ser descrito pelo seu ambiente, o ambiente é somente um dos elementos do mundo. “A existência enquanto estar-no-mundo envolve a unidade entre o indivíduo e o meio em quatro dimensões da existência” (Teixeira, 2006); a física (Umwelt), que é o mundo natural e a relação do indivíduo com o ambiente e os aspectos biológicos do existir; a social (Mitwelt), o mundo que envolve as atitudes e os sentimentos em relação aos outros; a psicológica (Eigenwelt), o mundo da relação consigo próprio, a existência subjetiva de si mesmo e a dimensão espiritual (Ueberwelt), que é o mundo da relação com o desconhecido. A existência individual é a maneira como vamos construindo nossas relações com essas dimensões. Um outro ponto importante no desenvolvimento é o processo de autoafirmação, que é a necessidade de afirmação do próprio ser, que, no decorrer do processo da vida, vai se refletir Revista de Psicologia l 35
na sua dignidade, no seu amor próprio. A autoafirmação é a confiança em si mesmo, essa confiança está intimamente ligada às formas de poder, estabelecidas por este sujeito. A consciência que o ser tem de si mesmo, de sua responsabilidade diante de suas escolhas e de suas capacidades é de extrema importância para o desenvolvimento do self (eu) neste novo mundo que se apresenta para este adolescente. (...), o homem só se torna um eu (self) na medida em que participa de seu desenvolvimento e coloca o seu peso sobre esta ou aquela tendência, por mais limitada que possa ser esta escolha. O eu nunca se desenvolve automaticamente; o homem só se torna um eu na medida em que possa sabêlo, afirmá-lo e fazê-lo valer (MAY, 1986, p. 116). Quando falamos em adolescente, não podemos deixar de mencionar a relação que esse estabelece com o poder, não só o poder sobre os outros, mas também o poder sobre si mesmo, sobre seus atos, suas decisões, seu próprio ser. O poder, segundo May: é a capacidade de causar ou impedir mudanças. Tem duas dimensões. Uma é o poder como potencialidade, ou o poder latente. Trata-se de um poder que ainda não foi totalmente desenvolvido, é a capacidade para causar uma mudança em algum momento futuro (...). A outra dimensão é o poder como realidade (MAY, 1986, p. 82). O poder pode ser entendido como a capacidade de afetar, influenciar ou mudar outras pessoas; sendo assim, podemos entender como a relação de poder desperta um interesse nesse adolescente que quer se colocar e ser aceito pelos seus semelhantes.
como as questões aparecem para ele e como ele é afetado por elas. É levado em consideração o fenômeno, “o que aparece” e não o fato; esses dois termos, neste sentido, “não podem ser tomados como sinônimos: ‘fato’ é o que se diz estar presente na realidade e ‘fenômeno’ é o que está presente na consciência do indivíduo” (RÚDIO, 2001). A base do trabalho que o fenomenologista, realiza como terapeuta, não se encontra nos ‘fatos’, mas nos ‘fenômenos’ que lhes são transmitidos pelo relato do cliente. Conhecer e compreender o ‘mundo interior’ do cliente é conhecer e compreender os ‘fenômenos’ que povoam a sua consciência tal como ele os conhece, compreende e sente. Chama-se de ‘campo fenomenológico’ ou de mundo fenomênico’ ao conjunto destes fenômenos existentes na consciência do indivíduo (RÚDIO, 2001, p. 110). O indivíduo se comporta como resposta ao significado que ele atribui à sua existência; nesse caso, temos que considerar a relação deste sujeito com a sua obra, seu projeto existencial. Para tanto, entende-se que o SER deve ser compreendido na sua relação com o outro ou alteridade, com seu espaço, com o tempo – nas perspectivas presente, passado e futuro – na relação com a finitude, a solidão, a liberdade e o projeto (as angústias existenciais). A compreensão, objetivo e meio do diagnóstico, é, em certo sentido, criação e obra. Cliente e psicólogo são os coautores do processo de diagnóstico, que busca apreender o individuo em sua realidade. Deste modo, a hermenêutica descreve os mesmos passos do conhecer da obra. O seu objetivo é fazer eclodir a verdade que reside dentro da obra da compreensão (AUGRAS, 1981, p.95). CASO CLÍNICO
Cada pessoa existe numa teia interpessoal análoga aos campos magnéticos de força; e cada uma atrai, repele, liga-se e identifica-se com outras. Assim, considerações tais como as de status, autoridade e prestígio, são básicas para o problema do poder. Tenho usado a expressão ‘sensação de significação’ para referir-me à convicção de uma pessoa de que conta para alguma coisa, de que exerce algum efeito sobre os demais e pode ser reconhecida por seus semelhantes (MAY, 1986, p. 83). No processo terapêutico do caso a seguir, foi usada como base a teoria existencial-fenomenológica, trabalhou-se com a perspectiva do cliente, como ele percebe e sente a sua realidade, 36 l Revista de Psicologia
O cliente, que aqui chamarei pelo nome fictício de Pedro, tem 15 anos, é o único homem entre as três irmãs, mora com a mãe, as irmãs e um sobrinho. Está cumprindo, há um ano e nove meses (informação dada pelo cliente), em regime fechado, medida socioeducativa por porte ilegal de arma e tráfico de drogas. Dá início aos atendimentos no primeiro semestre de 2010, na Clínica de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. As primeiras sessões foram pouco produtivas, pois o cliente pouco falava e respondia com monossílabos, causando, em mim, uma dificuldade inicial como terapeuta, pois precisei lidar com longos momentos de silêncio durante as sessões. Entretanto, o silêncio também é uma forma de dizer, de se colocar diante do outro. Neste mo-
mento, ele se deparava com uma situação estranha a ele, e o silêncio foi uma tentativa de superação desse estranhamento. Após algumas sessões, decidi mudar minha postura, deixando o cliente, no seu próprio silêncio, não perguntando nada sobre sua semana (como fazia rotineiramente). Diante do meu silêncio inicial, Pedro se incomoda e me interroga “você não vai falar nada?” (sic) “pode falar, estou aqui” (respondeu a terapeuta) “como foi sua semana?” (perguntou o cliente, como eu sempre fazia). Após essa sessão, a relação terapêutica teve inicio, ele conseguiu revelar, por meio de uma fala mais verbal, seu atual modo de ser no mundo, seu modo de existir; ele conseguiu dizer um pouco mais a respeito de sua situação no CEAD (Centro de Atendimento ao Adolescente), refere-se aos atos infracionais com naturalidade, trazendo para o espaço terapêutico sua atual condição de “adolescente infrator”. A partir do contexto social vivenciado por ele, a infração era uma das opções que se apresentavam a ele. A questão maior não é o ato criminal em si, mas sim a forma que este adolescente escolhe para se posicionar. Por que se colocar no mundo pelas vias do não permitido? Qual a relação que este indivíduo tem com o não permitido? Por que escolher comportamentos e ações que não se adaptam aos padrões determinados pela sociedade e, consequentemente, danosos para si mesmo? “Onde eu moro é comum as pessoas andarem armadas, é uma proteção. Eu tinha uma arma porque a noite podiam entrar em minha casa e quem ia proteger a minha família? Ás vezes a gente saía pra rua e quebrava alguns carros pra roubar rádio e fazer umas confusões no supermercado, só por diversão, era engraçado pra mim e pro meu grupo, não era nada demais”. (sic). Diz ter sido pego outras vezes e que a primeira vez, ele tinha dez anos. A relação que Pedro tem com sua realidade é de passividade, visto que ele usa do poder – do porte de arma, do tráfico de drogas etc. – para manter sua permanência neste contexto e não ter que assumir a responsabilidade de mudar sua relação com o mundo. Neste caso, o poder do outro sobre ele revela-se de extrema importância “...se eu não participasse o que iriam pensar de mim? Não queria passar como covarde.” (sic). Pedro, nas primeiras sessões, demonstrou dificuldade de falar sobre sua suas relações afetivas com a família, evitando o assunto, falando muito superficialmente sobre esse tema ou simplesmente não respondendo às indagações que eu lhe fazia nos atendimentos. Sua relação com a mãe é de respeito e carinho, percebo isso pela maneira como ele se refere à mãe nos seus relatos. Demonstra uma preocupação em relação à aceitação desta mãe a respeito de suas escolhas e afirma não questioná-la. “o que minha mãe fala é lei... minha mãe nunca aceitaria isso... o que ela (mãe) vai pensar sobre isso?” (sic). Sobre a família ampliada, fala sobre as tias
maternas e primos, que também estão envolvidos com o tráfico e uso de drogas. Quanto ao pai, evitou falar sobre o fato de ele ter falecido, e que só ficou sabendo de sua morte recentemente. Entretanto, esse morreu quando Pedro tinha três anos de idade. Pedro cresceu acreditando que seu pai havia abandonado a família e nunca mais voltado, versão dada pela sua mãe e sustentada por muito tempo. Não consegue expressar seus sentimentos quanto a esse fato, apenas justifica a posição de sua mãe, dizendo que ela não teve escolha, pois ele era muito pequeno; a única coisa que ele conseguiu colocar é que, durante este tempo todo, ele ficou esperando o pai voltar. Apresenta uma posição impassível quando colocado, pela terapeuta, diante das consequências de suas escolhas, como, por exemplo, o cumprimento da medida socioeducativa. Ele não conseguia estabelecer uma relação entre seus atos como uma escolha sua e sim como um processo natural daquele momento. Perceber-se isso quando ele diz que muitas coisas, com as quais ele se envolveu, foram por estar sob influência de seus companheiros, como se ele não tivesse escolha; ele relata que fazia as coisas que os outros também faziam, não tinha uma preocupação se era certo ou errado, ele não se implicava nas suas próprias decisões. Esse adolescente busca nas suas relações interpessoais uma aceitação, um reconhecimento do outro, em algumas situações, ele abre mão de suas vontades por medo de frustrar o outro. Com sua mãe, seus amigos de gangue, com este outro interno ele ainda nega sua condição existencial com medo do julgamento do outro. Percebemos como reflexo desse modo de estar no mundo a dificuldade que Pedro apresenta em se situar nas perspectivas temporais: o seu passado, presente e futuro se entrelaçam. “O futuro? O que é o futuro? Eu não fico pensando no que vai acontecer e também não me lembro do que aconteceu no passado. Pra que ficar pensando no que já passou e no que ainda não aconteceu? Daqui a pouco eu posso estar morto, eu não sei o que vai acontecer comigo, ninguém sabe. E o meu presente é esperar, eu não posso fazer nada, eu estou preso” (sic). Pedro, neste momento, nega sua liberdade, liberdade de se libertar, liberdade para ESTAR COM os outros, com as possibilidades de ser e coexistir; ele não consegue se posicionar diante de sua própria existência, nota-se uma passividade em relação ao projeto de vida, ao vir a ser. O futuro não faz sentido para ele, não causa angústia – angústia que movimenta o Ser, que mobiliza a liberdade, a escolha – a sua relação com seu passado, presente e futuro se apresenta neste momento de uma forma exterior a ele, com uma perspectiva irreversível. Uma das propostas trabalhadas nos atendimentos de Pedro é exatamente a construção de uma visão mais autêntica nas suas dimensões espaciais, temporais e afetivas. Trabalhar essas dimenRevista de Psicologia l 37
sões como extensão do Ser, como condição da sua existência e transformação e se implicar diante de seus projetos, foi o desafio proposto por mim, como sua terapeuta. Este é um processo que visa a autoconsciência, a autonomia, o sentido de sua existência, tornando-se assim mais autêntico nas relações consigo próprio e com os outros. Para isso, foi necessário construir a possibilidade da fala para esse jovem, para que ele pudesse reconstruir, destruir, construir novamente seu modo de ser no mundo. A fala nos torna possível, nos liberta dos pactos que imobilizam o homem e impedem seu reposicionamento necessário para transcender sua realidade. Tal passagem, porém, não é feita sem dificuldade, pois o homem mergulhado na facticidade, tende a recusar seu próprio ser, cujo sentido se anuncia, mas ainda se acha oculto. A angústia retira o homem do cotidiano e o reconduz ao encontro de si mesmo. A angústia surge da tensão entre o que o homem é e aquilo que virá a ser, com dono do seu próprio destino (ARANHA, 1991, p. 305). 2. CONCLUSÃO Através dos encontros terapêuticos, cliente e terapeuta construíram uma relação de confiança e respeito, que é imprescindível para um encontro genuíno. Este trabalho se reflete em pequenas questões do seu dia a dia no centro de internação, como, por exemplo, a escolha de cursos oferecidos pela instituição, seu comprometimento com a terapia, suas relações com outros internos e com os funcionários do centro e também com suas perspectivas futuras na formação profissional, nas relações familiares e sociais. REFERÊNCIAS ARANHA, M. L. de Arruda; MARTINS, M. H. Pires. Filosofando: Introdução a Filosofia. São Paulo: Moderna, 1993. AUGRAS, Monique. O ser da compreensão. Petrópolis: Vozes. 12. ed. 1981. 96 p. FEIJOO, Ana Maria Lopez Calvo. A Escuta e a Fala em Psicoterapia. Uma proposta Fenomenológica – Existencial. São Paulo: Vetor, 2000. MAY, Rollo. Poder e Inocência: Uma Análise das Fontes da Violência. Rio de Janeiro: Guanabara S.A.1986. ROMERO, Emílio. A formação de si e os desafios da etapa adolescente e juvenil. In:__ Estações no Caminho da Vida: O desenvolvimento dos Afetos nas Diferentes etapas da Vida. São José dos Campos: Della Bídia, 2005. TEIXEIRA, José A. Carvalho. Introdução à psicoterapia existencial. In: Análise Psicológica. XXIV, 2006.
38 l
Revista de Psicologia
NOTAS DE RODAPÉ 1. Acadêmica do 10º período do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2. Professor supervisor de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva
Adolescência e algumas questões existenciais Luciana Neves Ferreira1 Fernando Dório Anastácio2 RESUMO:Este artigo tem como finalidade compreender a relação da adolescência com os conceitos existenciais de liberdade, responsabilidade e dimensão corporal, como esses conceitos são vivenciados na adolescência, a partir da interlocução com um caso clínico. Para a elaboração deste estudo, foram utilizados embasamentos teóricos da Abordagem Existencial Fenomenológica e a vivência de uma adolescente no setting terapêutico. Palavras-chaves: Adolescência; Liberdade; Responsabilidade; Dimensão Corporal.
1. INTRODUÇÃO O trabalho a seguir terá como objetivo articular as vivências clínicas de uma adolescente, adquiridas a partir de atendimentos psicoterápicos com algumas questões existenciais, como liberdade, responsabilidade e com sua vivência corporal, e de que maneira essas questões podem estar interligadas diretamente com sua existência. A cliente que chamaremos de T., a fim de preservar sua identidade, chega à clínica de psicologia acompanhada pelo seu pai, buscando atendimento psicoterápico, dizendo que precisava conversar com alguém sobre as questões que a angustiava. A adolescente T. tem doze anos e encontra-se em uma fase de mudança, está saindo da fase infantil e passando para a adolescência, trazendo consigo questões dessa mudança. Sua demanda inicial está relacionada justamente com essa transição, questionando sobre a autoridade dos pais, do excesso de responsabilidades que julga ter, e sobre a privação de liberdade por parte dos mesmos. A adolescente chega com um conflito muito grande em relação a sua mãe, pois essa se encontra doente, (sic) “está com depressão”. Depois desse adoecimento de sua mãe, T. retrata que toda sua vida mudou, principalmente, seu relacionamento com ela, e o relacionamento com seus familiares em geral. Segundo T. ela passou a ser a grande responsável pelo cuidado da mãe, dos medicamentos, da casa, de acompanhá-la em seu tratamento. T. diz não achar ruim cuidar da mãe, porém acha muito “pesado” para uma menina de sua idade. Ela acredita que a doença da mãe desorganizou, de certa forma, sua família, e que ela assumiu um papel muito denso, o de cuidar o tempo todo dela. Por causa da doença de sua mãe e de alguns conflitos entre seus pais e as outras pessoas de sua família, ela deixou por muito tempo de ver seus avós, tios e primos. Essa privação, segundo T., foi uma das coisas mais difíceis que ela enfrentou. T. percebe a mãe como mantenedora de sua doença, ou seja, para
a adolescente, a mãe, de certa forma, não deseja melhorar, e vê como aquela que acaba por privá-la de ser criança, pois a mãe não tolera barulho, não gosta que ela brinque com seus primos. Assim, para ela, fica muito difícil de fazer o que realmente gosta. Além das questões retratadas anteriormente, T. também traz consigo questões que estão diretamente relacionadas com a adolescência com a sua transformação corporal. Conforme Romero (2005, p.91) Na adolescência aprendemos, devagar, a relacionarmos com os outros enquanto pessoas. Antes, na infância, éramos figuras vicárias, ramificações do tronco parental, dependência de casa familiar. Tanto a lei como os adultos consideram a criança como irresponsável, ou de responsabilidade muito limitada. Dessa forma, pode-se perceber que T. ainda encontra-se com um conflito entre a infância x adolescência. Ela se percebe muito madura para sua idade e que realiza coisas que outras pessoas com sua mesma idade cronológica normalmente não realizam, como a responsabilidade de cuidar da mãe, porém não assume seus atos e suas escolhas como sendo seus, colocando sempre os pais como responsáveis pela sua vida, retirando de si qualquer responsabilidade do sucesso ou fracasso da mesma. Questões Sobre Liberdade e Responsabilidade Em uma visão sartreana, o ser é visto como ser de ação, e a condição essencial da ação é a liberdade, dessa forma a base da estrutura humana se forma a partir das escolhas que o homem faz de si mesmo e de seu modo de ser. Assim, nessa visão, retirase toda a consequência da existência humana de um terceiro, e sim é o homem que se constrói como sujeito, e é ele que dá o Revista de Psicologia l
39
sentido para sua vida. “O homem está desamparado porque não encontra nele próprio nem fora dela nada a que se agarrar”. [...] “ou seja, não existe determinismo, o homem é livre, o homem é liberdade.” (SARTRE, 1987, p.9). Nessa visão, a existência humana vai preceder a essência, e a liberdade vai ser vista como explicação para fundamentar essa essência. Dessa forma, a liberdade é fundamento de todas as essências, e que essas são desvendadas a partir as possibilidades próprias. Sartre (1997, p. 545) retrata que A liberdade é precisamente o nada que é tendo sido no âmago do homem e obriga a realidade-humana a fazerse em vez de ser. Como vimos, para a realidade-humana, ser é escolher-se: nada lhe vem de fora, ou tampouco de dentro, que ele possa receber ou aceitar. Está inteiramente abandonado, sem qualquer ajuda de nenhuma espécie, à insustentável necessidade de fazer-se ser até o mínimo detalhe. O homem não poderia ser ora livre, ora escravo: é inteiramente e sempre livre, ou não o é. O homem é visto como totalmente responsável pelo o que é, ou seja, responsável pela sua existência. Dessa forma, as escolhas feitas pelo sujeito são vistas como responsabilidade dele, responsabilidade de escolher ser isso ou aquilo. A questão da responsabilidade está vinculada diretamente com as consequências das escolhas realizadas, ou seja, com a questão da liberdade. Tudo aquilo que acontece com o ser humano é consequência das escolhas que esse fez durante seu processo de existência. Conforme Moutinho (2001, p.77-78) Responsabilidade é tomada por Sartre no sentido de “consciência de ser o autor de um evento ou um objeto”[...]. O “coeficiente de adversidade” das coisas, já que é também colorido pela liberdade, tampouco pode ser tomada como desculpa por um fracasso, uma resignação, uma revolta. Mesmo o fracasso, qualquer que seja a situação e a adversidade, remete à milha liberdade, e a consciência disso é a responsabilidade. Assim o ser humano vai carregar a consciência que é o autor de sua própria vida, e que o sucesso ou o fracasso da mesma é de sua própria responsabilidade. Essa consciência pode, por vez, trazer certa angústia, por isso muitas sujeitos tentam fugir dessa responsabilidade, negando-a ou a deslocando para outra pessoa. Essas questões podem ser bastante angustiantes no período da adolescência. Como já foi retratado, essa fase é de mudança, deixa-se a fase de criança, em que eram os pais que decidiam 40 l Revista de Psicologia
tudo, escolhiam para a criança o que deveriam ou não fazer, repassando assim a responsabilidade para os mesmos. Agora, já na adolescência, algumas coisas começam a mudar, ainda não são vistos como adultos, porém também não são mais crianças. A adolescente T. traz à clínica questões relacionadas com esses temas, diz se sentir com muita responsabilidade, segundo a mesma, é ela a responsável pela organização de toda casa, pelo cuidado com a mãe doente, é a intermediária dos conflitos dos pais e entre outras funções. Todavia questiona também que apesar de achar ter muita responsabilidade, (sic)” Acho que tenho muita responsabilidade, para uma menina de 12 anos”, não se sente livre para escolher fazer o que realmente gostaria, ainda se acha submetida totalmente às vontades dos pais. Nesse sentido, pode-se esperar que seja no contexto terapêutico que T. poderá tomar consciência que ela sim realiza escolhas, mesmo que essas, a princípio, não sejam para ela as melhores. Assumir suas escolhas com responsabilidade proporciona que ela possa perceber mais as ações como suas, e que mesmo nesse impasse infância x adolescência o sujeito deve enxergar que é ele o autor da sua vida, e que as escolhas feitas por ele nesse processo vão constituir toda a sua existência como ser humano. É compreender que deslocar a responsabilidade de suas escolhas e de seu modo ser livre não mudará o fato que ela será ainda responsável por essas escolhas, pois mesmo quando escolho não escolher, ainda estou escolhendo, e assumindo a responsabilidade dessa escolha. Vivências Corporais Pode ser percebido que a adolescente T., dentro do contexto terapêutico, trouxe várias questões relacionadas com sua dimensão corporal. Nessa dimensão, o sujeito vai estabelecer com o seu corpo um espaço interno e ao mesmo tempo um espaço externo, pois serve como meio de comunicação para o mudo. Como relatado por Augras (1993), “o corpo tem como função estabelecer a relação entre o eu e o mundo exterior. Manifestação da individualidade, garantia da identidade, o corpo expressa toda a ambigüidade existencial”. Assim em uma visão Existencial – Fenomenológica, o corpo é compreendido como uma expressão da manifestação da subjetividade e é nesse corpo que se vai experienciar as percepções de si e do mundo. Considerando que a adolescência é uma fase em que essas mudanças ocorrem de forma bem veemente, ela traz consigo exatamente esse conflito da infância x adolescência. Segundo Romero (2001), para a fenomenologia, o corpo é o local onde se organiza a existência humana. Assim para ele,
O que nos interessa é o corpo experimentado, imaginado, valorizado-vivido. Para nos o corpo não é mera figura expressiva, denunciando um suposto psiquismo subjacente nem é puro instrumento material da ação: é o veículo de nosso ser-no-mundo, é existência encarnada (ROMERO, 2001, p.136). Assim o corpo pode ser compreendido como o lugar em que o sujeito vai vivenciar toda a sua existência. A adolescente T. vai trazer um dilema entre crescer e não crescer, seu corpo como suporte físico-biológico está todo preparado para encarar a adolescência, porém a vivência trazida por ela é de um corpo que ainda não quer amadurecer. Existe uma luta constante em querer por sua parte continuar sendo criança. Seu corpo, a partir da dimensão da práxis, está vinculado apenas ao brincar, livre de preocupações. Encarar esse corpo em desenvolvimento seria assumir que já não se é mais criança, assim algumas questões são trazidas por ela com certo sofrimento, por exemplo, a menarca, que para ela é vista como um marco, agora já não sou mais criança. A questão corporal da adolescente T. pode estar interligada diretamente com a questão de liberdade e responsabilidade, pois assumir que seu corpo já está fisicamente pronto, consequentemente seria assumir que está pronta para crescer e assumir suas escolhas, como pode ser visto em uma de suas falas: (sic) “Essa é a melhor fase, não precisa se preocupar com nada, a gente só está preocupado em brincar e se divertir, não existe cobrança com nada”. Dessa forma, percebe-se que para a adolescente, encarar seu crescimento é perceber que agora ela terá que tomar o rumo de sua própria vida. A contradição também perpassa por esse âmbito, pois em várias vezes ela trouxe para o setting terapêutico a vontade da maior idade, para assim se sentir mais dependente dos pais. CONCLUSÃO Pode-se analisar que o momento da adolescência traz consigo o momento de compreender melhor vivências que perpassam pela vida do sujeito. Nessa fase, é importante compreender como o adolescente se confronta com sua vivência, e a partir a forma como ele percebe seu corpo, suas escolhas, sua liberdade e sua responsabilidade diante sua vida. Fazer com que o adolescente possa compreender seu processo de existência, é possibilitá-lo ter uma maior reflexão diante sua posição como autor, diretor e ator de sua própria história. Perceber que mesmo na trama da adolescência já se constitui um ser capaz de escolher por si só a direção de sua existência, passar então assumir com responsabilidade suas ações perante a ele pró-
prio e ao mundo. É encarar que todos, independente da idade, já escolhemos, e que essas escolhas vão afetar minha história e a das demais pessoas que me cercam. Perceber isso é compreender que não existe justificativa ou culpado pelas consequências de minhas escolhas. Assim permitirá que, mesmo na adolescência, o sujeito possua a mesma responsabilidade pelos seus atos do que uma pessoa adulta. É compreender que não existem fases ou períodos de nossa vida que nos façam mais ou menos responsáveis pelos nossos atos, conforme relatado por Sartre, todos nos somos seres condenados a ser livres. Assim, a partir dessa compreensão, poderemos analisar o homem não mais como aquele sujeito determinado, mas sim como um ser capaz de construir seu próprio destino. Dessa forma, nunca seremos um ser acabado, sempre se poderá olhar para o sujeito como um ser em desenvolvimento, capaz de transformar-se em qualquer momento a partir das escolhas que fizer. REFERÊNCIAS AUGRAS, Monique. O espaço. In: ______. O Ser da Compreensão. 3 ed. . Petrópolis: Vozes,1993. p. 38-54. MOUTINHO, Luiz Damon Santos. Sartre: existencialismo e liberdade. São Paulo: Moderna, 2001. p. 120. ROMERO, Emílio. O corpo vivido. In:______. As dimensões da vida humana: existência e experiência. 3 ed. . São José dos Campos: Novos Horizontes, 2001. 385 p. ROMERO, Emílio. A formação de si e os desafios da etapa adolescente e juvenil. In:______. Estações no Caminho da Vida: o desenvolvimento dos afetos nas diversas etapas da vida. São Jose dos Campos: Della Bídia, 2005. p. 79-137. SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo; A imaginação; Questão de método. 3 ed. . São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. 191. SARTRE, Jean-Paul. O ser e o nada: ensaio de ontologia fenomenológica. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1997. p. 782.
notas de rodapé 1. Acadêmica do 8º período do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva.
2. Professor supervisor de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva
Revista de Psicologia l
41
Inautenticidade: Estudo clínico de Joana Pollyanna Magalhães Nobi1 Fernando Dório Anastácio2 resumo:Este artigo tem como objetivo apresentar o caso clínico de Joana, a partir da abordagem fenomenológica existencial, bem como conceituar e elencar o termo inautenticidade ao caso. Palavras-chave:Autenticidade; Inautenticidade; Fenomenologia Existencial. 1.INTRODUÇÃO Este artigo será apresentado em decorrência do estudo do caso clínico de Joana, tendo a abordagem fenomenológica existencial como pressuposto teórico. Propõe-se estabelecer relação entre o termo inautenticidade e as relações interpessoais trazidas pela adolescente aos atendimentos psicoterapêuticos. Joana, 12 anos, foi trazida à clínica de Psicologia da Newton Paiva por sua mãe com duas queixas iniciais apresentadas pela própria mãe: sua dificuldade em lidar com o assunto sexualidade com a filha, que se encontra em uma fase de transição da infância para a adolescência, em que as curiosidades sobre o assunto começam a ser maiores, e as dificuldades de aprendizagem na escola apresentadas por Joana. Ao iniciar o atendimento, Joana escuta o que a mãe traz à psicoterapia e ao ser questionada sobre o que pensa ou o que tem a dizer sobre o assunto, a mesma não faz nenhuma observação. No decorrer das sessões, foi possível perceber que essa atitude acontece em todos os momentos em que ela está na presença da mãe. Durante as sessões, Joana menciona que sua dificuldade com os estudos está relacionada à sua troca de escola, de uma pública para uma privada, sendo esse o motivo pelo qual não tira notas boas na atual escola. Joana reside com sua mãe e seu padrasto. Seu pai biológico foi assassinado há alguns anos. Joana foi criada, a maior parte da sua vida, somente pela mãe. As duas moravam com a avó materna, e a mãe precisava trabalhar o dia inteiro para o próprio sustento e o sustento da filha, tendo pouco tempo para estarem juntas. A mãe menciona que devido a sua falta de tempo e o desgaste no trabalho, não tinha muita paciência com a filha e, por muitas vezes, a agredia sem motivos aparentes. Essa realidade mudou há alguns anos quando a mãe de Joana se casou novamente com o atual marido, esse apresenta uma condição financeira tranquila, que garante o sustento da casa e a manutenção de Joana em uma boa escola particular, sem que seja necessário que sua mãe saia de casa para trabalhar. 42 l
Revista de Psicologia
2. MÉTODO FENOMENOLÓGICO EXISTENCIAL Os atendimentos à Joana foram realizados a partir do método fenomenológico existencial, sob a orientação do Professor Fernando Dório. Segundo Forghieri (1984), o conhecimento científico iniciou-se com a necessidade de ser uma ciência empírica, tudo o que se apresenta no mundo precisava ser comprovado empiricamente para ser considerado e reconhecido como ciência. Menciona que com a Psicologia não foi diferente. No seu surgimento, utilizava o método experimental, que era fundamental no estudo do ser humano, o que implicou considerá-lo como um objeto entre outros objetos na natureza. Diante disso, a autora menciona o surgimento, com Husserl, da Fenomenologia, método que contesta o método experimental para aplicação nas ciências do homem, especialmente a Psicologia. Forghieri (1984, p.15) cita que Husserl “nega a existência tanto do sujeito quanto do mundo, como puros e independentes um do outro. Afirma que o homem é um ser consciente e que a consciência é sempre intencional, ou seja, ela não existe independentemente do objeto, mas é sempre consciência de algo”. Ainda segundo a autora, basear-se no método fenomenológico existencial é acreditar que o homem não é algo pronto, mas um conjunto de possibilidades que se atualiza no decorrer da sua existência. É livre para escolher em muitas possibilidades, levando em consideração que cada escolha significa um ato de renúncia às outras possibilidades. É possível perceber que, no decorrer dos atendimentos, Joana está em constante desenvolvimento de suas potencialidades e reconhece cada vez mais suas possibilidades. 3. O SER AUTÊNTICO E INAUTÊNTICO É perceptível, no decorrer dos atendimentos, que sempre que a mãe de Joana se coloca presente para dizer algo que a incomoda sobre a filha, Joana mantém-se em silêncio, e não se posiciona sobre o que é trazido. Diante do não posicionamento
da cliente, é importante apresentar o conceito de autenticidade do ser descrito por Sartre. Angerami (1985) menciona que para Sartre, “o homem autêntico é aquele que se submete à conversão radical através da angústia e assume sua liberdade”. Sartre distingue três tipos de inautenticidade:
mos e assumimos a responsabilidade da eleição do que somos e do que decidimos fazer, cita que para Sartre, a liberdade (na edição brasileira Saint-Genet – ator e mártir) não é senão “o que nós fazemos daquilo que fizeram conosco.” A autora menciona que para Sartre,
Uma, que deriva do não reconhecimento da dualidade entre nosso ser-para-nós e nosso ser-para-outrem. A outra baseia-se na confusão entre nosso estar-no-mundo e nosso estar-no-meio mundo; mas esta forma de inautenticidade decorre do não reconhecimento de nossa situação ambígua com um em-si-para-si e nosso ser como para-si (ANGERAMI, 1985, p. 28).
o fundamento para chegar à compreensão é a concepção de que o indivíduo se encontra inteiro em todas as suas manifestações; portanto, a partir de qualquer ato, de qualquer aspecto vivido pelo sujeito, é possível chegar à sua significação, ou ao seu projeto originário. Assim é que, para Sartre, a personalidade é considerada sempre como um fenômeno resultante da dialética entre objetividade e subjetividade (FEIJOO, 2008. p.204).
É possível perceber que a atitude de Joana em não se posicionar quando está frente a frente com sua mãe diz de uma inautenticidade, uma vez que esta assume a mesma postura na maioria dos acontecimentos em sua vida. A inautenticidade pode ser vivenciada por uma queda objetiva ou subjetiva. Para Heidegger (2000, apud SOARES, 2004, p. 582), a queda subjetiva pode “ocorrer quando a pessoa vive em grande parte, em função dos ditames dos outros, deixando que esses determinem o seu modo de existir. Isso significa omitir-se da responsabilidade de ser-si-próprio”. Quanto à queda objetiva, pode ser caracterizada a partir de “uma eleição por um objeto que anestesie os conflitos existenciais, associada ao valor simbólico que o mesmo representa na dimensão imaginária de cada pessoa em particular”. (HEIDEGGER, 2000 apud SOARES, 2004, p. 582). É comum, também, a cliente demonstrar indiferença diante de fatos que dizem respeito a ela, sempre que questionada sobre seu pensamento sobre algo, diz que para ela tanto faz ou que não sabe. Escolher não saber ou escolher não lidar diretamente com os fatos que ocorrem à sua volta e que principalmente dizem respeito a ela é escolher ser indiferente, não ter consciência, e, segundo Angerami (1985), a consciência é exatamente o que distingue radicalmente o homem dos outros seres. Escolher ou opinar sobre algo necessita do uso da liberdade, e para Sartre, a liberdade do ser é uma condição, que pretende erigir a sua moral da responsabilidade e do compromisso. “O subjetivismo de Sartre revela-se extremo: “tudo o que acontece é meu”, “tudo o que me acontece acontece por mim””. (ANGERAMI, 1985, p. 28). Na psicoterapia, vem sendo trabalhado com Joana sua dificuldade em assumir as responsabilidades de sua própria vida e assumir sua liberdade, a fim de auxiliá-la a apropriar-se dos acontecimentos que estão diretamente ligados a ela, bem como possibilitar maior compreensão das diferentes possibilidades existentes para lidar com diversas situações. Segundo Feijoo (2008), elege-
Ainda segundo a autora, “ninguém nasce determinado a priori: a personalidade é resultante de um processo histórico de construção do ser, realizado através do jogo dialético entre a objetividade [...] e a subjetividade [..]” (FEIJOO, 2008, p. 205). As escolhas e a subjetividade do ser são fundamentais para sua construção como sujeito. A Psicoterapia de base fenomenológica existencial age como facilitadora para uma libertação da dependência subjetiva da cliente dos outros, possibilitando-a separar o que é seu e o que é do outro, para que tenha consciência que o que lhe acontece é posterior a uma escolha sua. REFERÊNCIAS ANGERAMI, Valdemar Augusto. Psicoterapia existencial: noções básicas. São Paulo: Traço, 1985, 99 p. FEIJOO, Ana Maria Lopez Calvo de. Interpretações Fenomenológico-Existenciais para o Sofrimento Psíquico na Atualidade. Rio de Janeiro: GDN, 2008, p. 202-2012. FORGUIERI, Yolanda Cintrão, (Org). Fenomenologia e Psicologia. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1984, p. 07-26. SOARES, Astréia; BARBOSA, Márcio Venício (Org.). Iniciação científica Newton Paiva 2002/2003. Belo Horizonte: Centro Universitário Newton Paiva, 2004, p. 632.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do 10º período do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 2 Professor supervisor de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva.
Revista de Psicologia l
43
Relação terapêutica: Um fator decisivo para o desenvolvimento psicoterapêutico. “... os olhos do meu cliente encontram os meus, sem palavras e ainda assim, tanto é “falado” entre nós! Há o encontro de algo profundo dentro de mim com alguma coisa profunda dentro de outra pessoa. Nesse encontro no silêncio, uma fala autêntica pode acontecer, uma interpenetração e fusão de nossos espíritos humanos, que enriquecem a ambos, que nos torna inteiros.” - Rich Hycner Cárita Barbosa Otoni Gonçalves Guedes1 Fernando Anastácio Dório2 RESUMO:Este artigo tem como objetivo apresentar a relação terapêutica como algo fundamental no processo psicoterapêutico. A importância do desenvolvimento da relação terapêutica foi percebida no decorrer de vários atendimentos clínicos que foram feitos na Clínica de Psicologia Newton Paiva, durante o estágio curricular supervisionado pelo professor Fernando Dório. Contudo, o artigo irá apresentar as bases teóricas, sem a apresentação dos casos clínicos.
Palavras-Chave: Autenticidade. Autoconhecimento. Base Dialógica. Eu-Tu. Eu-Isso. Relação Terapêutica.
Este artigo tem como intuito apresentar a importância da relação terapêutica para o processo psicoterápico. É um tema que abrange muitos fundamentos que envolvem a psicologia, porém o foco principal do artigo será a apresentação dos principais embasamentos de uma relação terapêutica, de base dialógica, tais como, o “encontro”, o Eu-Tu, a autenticidade e o autoconhecimento. Um dos conceitos essenciais para a formação da relação terapêutica é a abordagem dialógica. De acordo com Hycner: A psicoterapia dialógica define-se basicamente por uma abordagem, atitude ou postura em relação à existência humana em geral, e ao processo de psicoterapia em particular. É um “modo de ser”. Nunca poderá haver uma afirmação final e total na abordagem dialógica. Por sua própria natureza, é um processo em andamento, exigindo respostas únicas para situações únicas. No âmago dessa abordagem reside a crença de que a base última de nossa existência é relacional ou dialógica por natureza: somos todos fios de um tecido inter-humano.Isso não significa obscurecer a singularidade. Ao contrário, uma abordagem dialógica consagra a singularidade do indivíduo dentro do contexto do relacional [...]. (HYCNER, 1995, p.31) É perceptível que é fundamental a relação que o indivíduo tem com outras pessoas e que é por meio dessa que ocorre a existência. No caso do psicoterapeuta, é de suma importância 44 l
Revista de Psicologia
que compreenda o indivíduo e o contexto no qual está inserido, realizando, assim, o diálogo, sendo este não necessariamente a fala, mas o contato com o cliente. Para isso, se faz necessário estar presente no “entre”. Aquilo que nos une como seres humanos não é, necessariamente, o visível e o palpável, mas sim a dimensão invisível e impalpável “entre nós”. (HYCNER, 1995, p. 29). Portanto, o psicoterapeuta deve disponibilizar o espaço para que o cliente “entre”, ou seja, emerja na relação para questões do cliente, e somente assim começa uma relação terapêutica. Nos vários conceitos que a abordagem existencial-fenomenológica apresenta, existe um essencial para a formação da relação terapêutica, que é o Eu-Tu. Segundo Buber (citado por Hycner), A experiência Eu-Tu é estar tão plenamente presente quanto possível com o outro, com pouca finalidade ou objetivos direcionados para si mesmo. É uma experiência de apreciar a “alteridade”, a singularidade, a totalidade do outro, enquanto isso também acontece, simultaneamente, com a outra pessoa. É uma experiência mútua: é também uma experiência de valorizar profundamente, estar em relação com a pessoa, é uma experiência de “encontro” (BUBER citado por HYCNER, 1995, p. 33). A citação acima possibilita a reflexão sobre a necessidade que o cliente tem de sentir o terapeuta presente para compreender a sua experiência, é um “estar com”, ou seja, o “encontro” com o terapeuta não é simples e por acaso, mas algo construído,
algo que tem como objetivo compreender a singularidade, a subjetividade do cliente, para assim auxiliá-lo. O cliente espera algo mais do que “desabafar”, ele deseja uma pessoa que não o julgue, que o compreenda, que tenha uma relação com ele, para assim dividir os seus mais obscuros e lindos sentimentos e vivências. “[...] não basta estar ao lado do outro, mas é necessário entrar na intimidade desse outro, participar da sua vida.” (BINSWANGER citado por GIOVANETTI, 2007, p.5). Contudo, é necessário destacar a diferença entre participar e “dirigir” a vida de uma pessoa. É imprescindível que o terapeuta entenda as vivências do seu cliente, sem realizar escolhas para o mesmo, para, assim, auxiliá-lo no percurso da sua vida. “[...] podemos dizer que o terapeuta também se posta para servir o cliente, no sentido de que vai dispor de toda a sua inteligência e de toda a sua preparação profissional para ajudá-lo a se encontrar no seu modo de ser.” (GIOVANETTI, 2007, p.5). Logo, “a Psicoterapia Existencial procura cumprir seus objetivos de um relacionamento entre terapeuta e cliente que tem a feição de um verdadeiro “encontro humano” (RUDIO, 2001, p. 104). Para que o terapeuta realize este “encontro humano”, para que ele apóie o seu cliente e faça o seu papel com excelência, é necessário obter algo que a abordagem existencial-fenomenológica conceitua de autenticidade e também será essencial o desenvolvimento pessoal ou o autoconhecimento. Rudio conceitua o “ser autêntico” da seguinte forma: Autêntico é, portanto, o homem que elabora de modo consistente suas escolhas e decisões, que age coerentemente de acordo com as mesmas e que assume efetivamente a responsabilidade por aquilo que pratica (RUDIO, p. 94). A autenticidade do terapeuta fará com que o cliente se implique no processo. Sendo essa autenticidade não apenas coerência, mas um estar com o cliente, estar ao lado dele na construção, desconstrução e reconstrução de suas escolhas, apresentando possibilidades na sua caminhada. Rudio nos apresenta isso de forma muito clara, O objetivo principal do terapeuta existencial, no seu “encontro” com cliente, é ajudá-lo a romper a solidão em que ele se encontra, tentar ser um companheiro solidário de sua caminhada pela vida, cooperar para que se abram para ele novos horizontes e para que possa adquirir determinadas qualidades humanas que são imprescindíveis para a elaboração de uma vida produtiva. A tarefa principal do terapeuta existencial no “encontro” é procurar compreender o seu cliente, não apenas no que ele manifesta diretamente por
palavras e gestos, mas também no significado, nem sempre claro, que ele dá á vida e que se revela, de forma ampla, pelo seu próprio modo de ser e de agir (RUDIO, 2001, p. 104 - 105). Acerca dos conceitos expostos e de tudo o que foi apresentando, é fundamental falar sobre o “desenvolvimento pessoal” ou o autoconhecimento, pois, sem esse, a autenticidade não seria construída. O autoconhecimento é de suma importância para que o terapeuta compreenda o seu modo de agir durante o atendimento clínico. Segundo Romero (1999), “o terapeuta precisa ter formação e um desenvolvimento de sua personalidade que supõe a internalização e o exercício de determinados saberes, que são os chamados saberes-atitudes do terapeuta”. Portanto, para obter o autoconhecimento, o terapeuta terá que realizar um desenvolvimento pessoal. A terapia, a autoanálise, auxilia muito neste processo. Entender o que faz parte do processo do cliente e o que não faz parte, não é uma tarefa fácil, mas torna-se possível, quando o terapeuta realiza uma escolha de estar com o cliente, de caminhar junto com ele e de se desenvolver para ter um resultado eficaz do seu trabalho psicológico. Ainda de acordo com Romero, o autoconhecimento é a chave mestra do desenvolvimento e do bem estar social; mas não qualquer grau de autoconhecimento, pois no sujeito menos esclarecido existe uma certa compreensão de sua realidade íntima. Desde o momento em que nos tornamos conscientes de nossa existência como indivíduos, ao redor do final da infância, e suposta uma capacidade intelectual normal, todos têm um saber básico do que lhes acontece. Este conhecimento elementar vai se tornando progressivamente mais rico e complexo no decorrer dos anos juvenis até alcançar um patamar satisfatório segundo seja o projeto de vida da pessoa, segundo as exigências que lhe impõe sua realidade social, seu ofício, seu status, sua instrução formal. [...]. Precisa então de uma proposta de desenvolvimento para conseguir um patamar mais alto. É uma proposta deliberada, consciente e responsável, que exige da pessoa um esforço persistente e disciplinado (ROMERO, 1999, p. 44). Com tudo o que foi exposto, é essencial que o psicólogo invista no autoconhecimento, assim ele terá atitudes que não sejam pessoais na psicoterapia, é necessário também a separação do seu conceito de formação pessoal e o que de fato ocorre no atendimento ao seu cliente, somente assim, ele conseguirá atender, sem julgamentos e com compreensão das experiências de cada Revista de Psicologia l 45
cliente. O autoconhecimento possibilita ao terapeuta a sensibilidade para com os problemas humanos subjetivos, ao invés de buscar a compreensão de condutas incomuns dos seus clientes. O tema Relação Terapêutica nos invoca a refletir sobre muitos âmbitos da psicologia, mas a finalidade deste artigo foi de expor a essência da relação, para assim obter um processo terapêutico eficaz. A liberdade de estar com o cliente, de apresentar que ele é fruto das suas próprias escolhas, de fazer com que ele veja que as possibilidades e escolhas estão diante dele, torna possível a construção de um processo, seja na clínica ou nas suas experiências de vida. O crescimento pessoal se torna possível quando nos colocamos abertos ao outro, portanto somos processo e fruto das nossas escolhas. REFERÊNCIAS GIOVANETTI, JP. A relação terapêutica na perspectiva fenomenológicoexistencial. Belo Horizonte, Texto mimeografado, 2007, 14 p. HYCNER, Richard & JACOBS, Lynne. A base Dialógica. In: Relação e cura em Gestalt-Terapia. São Paulo, 1995. 49 p. ROMERO, Emílio. Neogênese: o desenvolvimento pessoal mediante a psicoterapia. 2.ed. São José dos Campos: Novos Horizontes, 2001. 361 p. RÚDIO, Franz Victor. Diálogo maiêutico e psicoterapia existencial. 2. ed. São José dos Campos: Novos Horizontes, 2001. 136 p.
NOTAS DE RODAPÉ 1. Acadêmica do 10º período de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2. Professor supervisor do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva.
46 l
Revista de Psicologia
Transtorno obsessivo-compulsivo: uma visão analítico-comportamental Carla Daniela Monteiro Saldanha1 Maxleila Reis Martins Santos2 resumo:O objetivo desse artigo é caracterizar o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e apresentar as intervenções mais utilizadas pelos analistas do comportamento. O TOC é o quarto transtorno psiquiátrico mais frequente na população mundial. Esse transtorno será analisado a partir da análise do comportamento, uma vez que a mesma se mostrou de grande eficácia no tratamento do TOC nos últimos anos. A importância desse trabalho se deve ao aumento do número de pessoas diagnosticadas com esse transtorno. Palavras-chave: Transtorno obsessivo-compulsivo, Análise do comportamento, Tratamento.
INTRODUÇÃO Transtorno obsessivo-compulsivo, conhecido como TOC, de acordo com DSM IV (1997), é um problema crônico em que o indivíduo sofre desconforto e ansiedade, por não conseguir interromper pensamentos e/ou rituais obsessivos. O TOC acomete na mesma proporção homens, mulheres e crianças. Estimou-se que, em 20% dos casos, ele tem início na infância e desses, o sexo masculino tem maior probabilidade de ser afetado. Entretanto, o maior número de casos registrados tem início na adolescência e inicio da fase adulta, e esse transtorno é considerado atualmente como o quarto diagnóstico psiquiátrico mais frequente no mundo (ZAMIGNANI; VERMES, 2002). Segundo Zamignani; Labatte (2001), os comportamentos obsessivos são comportamentos/pensamentos, ideias ou imagens (essas podendo ser auditivas ou visuais) sempre persistentes, causando ansiedade ou sofrimento ao indivíduo. Já as compulsões são comportamentos abertos ou encobertos repetitivos, em que o indivíduo sente-se forçado a executar algum comportamento que não é de sua vontade. Desse modo, a compulsão pode, ou não, ser estereotipada, e esses comportamentos têm como função a prevenção de eventos de fuga/esquiva de estímulos ou obsessão (pensamentos) incômodos, assim, quando o ato de compulsão acaba, o indivíduo, geralmente, sente um alivio temporário de ansiedade. Os sintomas mais frequentes encontrados em um indivíduo diagnosticado com esse transtorno são: os rituais de checagem e verificação, a necessidade de ter objetos em um determinado lugar alinhados e simétricos, rituais de limpeza e lavagem, medo de contaminação, preocupação em se ferir ou ferir os outros etc. A presença de uma ou mais compulsões e/ou obsessões citadas acima é um fator gerador de sofrimento ao portador desse trans-
torno e aos seus familiares. Segundo Zamignani; Vermes (2002), frequentemente as pessoas acometidas com esse transtorno escondem de amigos e familiares essas ideias e comportamentos, por vergonha e por terem noção do absurdo das exigências autoimpostas. Muitos desconhecem que esses problemas fazem parte de um quadro psicológico tratável e cada vez mais responsivo a medicamentos específicos e à psicoterapia. As obsessões tendem a aumentar a obsessões ao passo que a execução de compulsão reduz. Porém, se o indivíduo resiste à realizacão de uma compulsão ou é impedida de fazê-la, surge intensa ansiedade. De acordo com Silva; et al (2006), o indivíduo pode perceber que a obsessão é irracional e reconhecê-la como um produto de sua mente, experimentando tanto a obsessão quanto a compulsão como algo fora de seu controle e desejo, o que causa muito sofrimento. Dessa forma, esse problema passa a ser incapacitante, no momento em que as obsessões podem consumir tempo e interferirem significativamente em sua rotina normal, assim como em seu trabalho, nas suas atividades sociais ou nos relacionamentos com amigos e familiares. A análise do comportamento interpreta os comportamentos do TOC basicamente como comportamentos de esquiva. Na visão de Zamignani; Vermes (2003), as contingências de esquiva servem como manutenção das respostas relacionadas à queixa do obsessivo-compulsivo, entretanto a função de esquiva não é a única função mantenedora dos comportamentos de ansiedade, para esses autores outras funções também podem manter os comportamentos-problema. O terapeuta comportamental deverá investigar todas as possíveis consequências ambientais que mantêm classes de respostas. Para Chacon; et al (2001), a Terapia Comportamental tem Revista de Psicologia l
47
sido reconhecida pela efetividade no tratamento do transtorno obsessivo-compulsivo. Os bons resultados obtidos no tratamento de clientes a ela expostos se dá a partir das técnicas comportamentais principalmente àquela denominada exposição com prevenção de respostas (EPR). O procedimento de exposição com prevenção de respostas consiste no enfrentamento sistemático e gradual dos estímulos causadores da ansiedade, é recomendado como principal estratégia de intervenção (ZAMIGNANI; ANDERY, 2005). A EPR, de acordo com Abreu (2010), refere-se à exposição gradativa e sistemática a eventos ansiogênicos. O novo comportamento acontece com a prevenção de respostas, que seria o impedimento da emissão dos comportamentos compulsivos. Dessa forma, as obsessões e a urgência em ritualizar diminuiriam de frequência. Após a extinção do comportamento- problema, muitos relatam um vazio característico após terem sido submetidos à EPR. Existem outras estratégicas de intervenção propostas por Zamignani e Vermes (2003), tais como: variações no uso de técnica de exposição com prevenção de respostas (EPR); a relação terapêutica como instrumento de intervenção, a instalação de novos repertórios sociais e o fortalecimento de repertórios já existentes e a extensão da análise e intervenção aos familiares e outras pessoas envolvidas com o cliente. No caso de atendimento de indivíduos acometidos pelo TOC, para Chacon; et al (2001), uma alternativa ao terapeuta analítico-comportamental seria a exposição do cliente a episódios aversivos, desse modo ele poderia enfrentar os eventos eliciadores de ansiedade e entrar em contato com reforçadores naturais importantes. A partir disso, o trabalho em ambiente natural facilita ao profissional observar diretamente as possíveis contingências que mantêm os comportamentos-problema do cliente e apresenta a ele consequências imediatas. As combinações entre os tipos de atendimento, consultório e extra-consultório, podem ser diversas, dependendo da necessidade do cliente. Em alguns casos, a combinação de atendimento em consultório e em ambiente natural pode ser bastante eficaz, em outros, as sessões podem ser desenvolvidas com sucesso dentro do consultório ou ainda o trabalho pode requerer atendimento primordialmente externo (CHACON; et al, 2001). O aspecto mais distinto da Terapia analítico-comportamental, na visão de Wolpe (1981), é o comando feito pelo terapeuta em relação à estratégia geral da terapia quanto ao controle de seus detalhes à medida que prossegue o tratamento, desenvolvendo uma avaliação funcional criteriosa dos comportamentos-problema ao longo do seu histórico e desenvolvimento. Quando um tipo de técnica falha em obter mudança em comportamentos, imediatamente 48 l Revista de Psicologia
outra é tentada. Em contrapartida, quando há mudanças comportamentais desejadas, essa técnica é mantida e/ou reforçada. Na visão de Prazeres; Souza; Fontenelle (2007), a técnica de exposição e prevenção de resposta resulta em benefícios significativos ao indivíduo com predominância de pensamentos obsessivos e sua modalidade em grupo também produz redução significativa dos sintomas obsessivos e compulsivos. As considerações relativas às intervenções analítico-comportamentais, feitas ao longo deste artigo, têm como meta não apenas apontar a extinção ou fazer a diminuição da frequência e intensidade de respostas obsessivo-compulsivas e de outras respostas. A análise e a alteração de padrões comportamentais mais amplos, além do quadro de TOC, que provavelmente vêm trazendo sofrimento ao indivíduo e às pessoas relacionadas a ele, são primordiais para um maior sucesso em relação aos resultados alcançados com a terapia e para uma melhora na qualidade de vida. REFERÊNCIAS ABREU, Paulo R. Técnicas e Terapia Comportamental: passado e presente. 2010. Disponível em: <http://www.iaccsul.com.br/content-layouts/35-coluna-iacc/48tecnicas-e-terapia-comportamental-passado-e-presente.> Acesso em: 8 dez. de 2010. CHACON, Priscila. et al. Subtipos clínicos do TOC e suas implicações para o tratamento. In: GUILHARDI, Hélio José, et al. Sobre Comportamento e Cognição: expondo a variabilidade. 2001.v.8.cap.29.p.213-223. PRAZERES, Angélica Marques; SOUZA, Wanderson Fernandes de, FONTENELLE, Leonardo F. Terapias de base cognitivo-comportamental do transtorno obsessivo-compulsivo: revisão sistemática da última década. Rev. Bras. Psiquiatr. [online]. 2007, vol.29, n.3, p. 262-270. Disponível em: <http://www.scielo.br/ pdf/rbp/v29n3/2420.pdf.> Acesso em: 17 de mar. de 2010. SILVA, Dácio, et.al. Transtorno obsessivo – compulsivo (TOC): características, classificação, sintomas e tratamento. Rede Psique. 2006. Disponível em: <http:// www.redepsi.com.br/portal/modules/smartsection/print.php?itemid=325.> Acesso em: 11 de nov. 2010. WOLPE, Joseph. Prática da terapia comportamental. 4. ed. Brasiliense, 198. 326 p. ZAMIGNANI, Denis Roberto; ANDERY, Maria Amalia Pie Abib. Interação entre Terapeutas Comportamentais e Clientes Diagnosticados com Transtorno Obsessivo-Compulsivo. Psicologia: Teoria e Pesquisa.. Jan-Abr 2005, Vol. 21 n. 1, p. 109-119. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/ptp/v21n1/a15v21n1.pdf. >Acesso em: 11 de nov. 2010. ZAMIGNANI, Denis Roberto; LABATTE, Maria Cecília Sampaio. O grupo de apoio a familiares e portadores de TOC e Síndrome de Gilles de La Tourrette. In: GUILHARDI, Hélio José, et al. Sobre Comportamento e Cognição: Expondo a variabilidade. 2001, v.8, cap.39, p.365-371.
ZAMIGNANI, Denis Roberto; VERMES, Joana Singer. A perspectiva analíticocomportamental no manejo do comportamento obsessivo-compulsivo: estratégias em desenvolvimento. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva. v.4 n.2 São Paulo dez. 2002.Disponível em: <http://pepsic.homolog.bvsalud. org/scielo.php?pid=S1517-55452002000200006&script=sci_arttext.> Acesso em: 11 de Nov. de 2010. ZAMIGNANI, Denis Roberto; VERMES, Joana Singer. Proposta analítico-comportamentais para o manejo de transtornos de ansiedade: analise de casos clínicos. In: SADI, Hérika de Mesquita; CASTRO, Nely Maria dos S. de. Ciência do comportamento: conhecer e avançar. Santo André, SP: ESETec,2003, v.3, cap.13, p.117-136.
NOTAS DE RODAPÉ 1. Acadêmica do 10º período do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2. Professora Supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva
Revista de Psicologia l
49
Transtornos alimentares: uma visão da análise do comportamento Hallana Simões Pires1 Maxleila Reis Martins Santos2 RESUMO:Este trabalho tem como objetivo abordar os transtornos alimentares mais comuns na atualidade. Os transtornos alimentares mais relevantes em nosso contexto sociocultural são: a anorexia nervosa, a bulimia nervosa e a obesidade. Esses transtornos serão analisados a partir da Teoria Comportamental, uma vez que essa se mostrou de extrema eficácia no tratamento desses transtornos desde a década de 90. A relevância deste trabalho se deve ao significativo aumento do número de casos constatados nos últimos anos, principalmente entre os adolescentes. Palavras-chave:Comportamento, Transtornos alimentares, Anorexia, Bulimia, Obesidade, Terapia Comportamental Técnicas e tratamento.
INTRODUÇÃO Nos últimos anos, alguns comportamentos associados à alimentação e à imagem do corpo têm sido bastante divulgados nos meios de comunicação. As mídias, em geral, têm direcionado todos os seus “esforços”, especialmente para o público jovem, exatamente porque é nessa fase da vida que as pessoas costumam apresentar suas primeiras manifestações dos transtornos alimentares. Os transtornos alimentares mais comuns na atualidade são a anorexia nervosa, a bulimia nervosa e a obesidade. A Organização Mundial de Saúde estima que atualmente haja cerca de 180 milhões de obesos no mundo, e ao contrário da anorexia e da bulimia nervosas, a obesidade não é classificada como um transtorno mental. Ela é considerada uma doença crônica, multifatorial, caracterizada pelo acúmulo excessivo de tecido adiposo no organismo. Segundo Ballone (2007), a grande maioria dos casos de obesidade ocorre entre indivíduos na faixa etária infantil. Ela também acomete indivíduos de outras faixas etárias, mas a preocupação com as crianças é maior em virtude da repercussão negativa em sua autoestima. De acordo com o DSM – IV (1997, apud, Silva, 2005), a anorexia e a bulimia nervosas são caracterizadas como uma perturbação no comportamento alimentar, com presença de diversas alterações psicológicas associadas, que, frequentemente, necessitam de intervenção psicológica e/ou psiquiátrica. Segundo Ballone (2007), esses transtornos acometem, em sua grande maioria, pessoas do sexo feminino, principalmente adolescentes e adultas jovens, e essas representam mais de 90% de todos os casos de anorexia e bulimia. Além dos comportamentos que estão relacionados às preocupações com a aparência, indivíduos diagnosticados com transtornos alimentares costumam apresen50 l
Revista de Psicologia
tar outros transtornos psiquiátricos. De acordo com o DSM –IV (1997), é comum a comorbidade com o transtorno depressivo maior, transtorno delirante, fobia social e transtorno obsessivocompulsivo (TOC). Apesar de termos disponíveis em literatura resultados satisfatórios no tratamento desses transtornos na abordagem Comportamental, existem discussões atuais a respeito de como este tratamento é feito. Yano e Meyer (2003), apud, Moriyama (2007) apontam que estes resultados insatisfatórios ocorrem porque os terapeutas substituem os sintomas, pois enfocam os diagnósticos psiquiátricos e apenas lidam com as respostas ou comportamentos-problema, sem a realização de uma análise funcional particular. Moriyama (2007) aponta novas possibilidades no tratamento dos transtornos alimentares, sugerindo uma proposta fundamentada nos princípios do Behaviorismo Radical, sendo esses transtornos compreendidos como classes de resposta que foram desenvolvidas pelo indivíduo a partir de suas interações com o contexto em que vive. O DSM-IV apresenta a descrição topográfica dos comportamentos-problema dos transtornos alimentares e, embora adequadas às propostas de intervenção psiquiátrica, não especificam quais comportamentos estão atualmente ocorrendo, como eles variam entre situações ou como diferentes contextos influenciam a frequência, intensidade e duração das respostas características dos transtornos alimentares (Lappalainen; Tuomisto ,2005, apud, Abreu; Cardoso,2008). Estudos como o de Fester; Nuremberger; Levitt (1962, apud Heller e Kerbauy, 2000) fazem uma análise do comportamento alimentar. Segundo os autores, o comportamento alimentar pode ser aprendido, e os mesmos propõem a reeducação do paciente por meio de técnicas de autocontrole. Essas
técnicas referem-se a comportamentos específicos que diminuem a probabilidade de emissão do comportamento a ser controlado, que varia dependendo do transtorno alimentar do sujeito. Os desempenhos específicos referem-se à manipulação das condições que influenciam o comportamento indesejado. Segundo Heller; Kerbauy (2000), esse programa é vantajoso porque, quando o autocontrole do comportamento alimentar já está instalado no sujeito, permite que o mesmo mantenha seu próprio comportamento sob controle, além de ser capaz de reiniciar os desempenhos aprendidos se forem novamente necessários. Tentar especificar a relação entre os transtornos alimentares e o contexto nos quais esses são função, será o primeiro ponto a ser trabalhado pelo analista do comportamento. Assim, o profissional fará uma análise funcional do comportamento-problema, investigando os eventos antecedentes e consequentes a ele. Além disso, é importante investigar as contingências passadas que instalaram os comportamentos que compõem o transtorno. Lembrando que é importante fazer essa análise em relação às contingências presentes, mas também investigar as contingências passadas que foram instaladoras desses comportamentos que compõem o transtorno. Na maioria das vezes, os transtornos alimentares são tratados com psicoterapia associada à medicação. No caso de tratamento de anorexia e bulimia nervosas, a quase totalidade dos pacientes veem o tratamento como uma ameaça, pois imaginam que o objetivo do mesmo é engordá-los. Segundo Silva (2005), o terapeuta não pode interpretar essa oposição, no sentindo de sentir que esta ameaça recai sobre o próprio terapeuta, pois ela é gerada pela forma distorcida como os pacientes se veem. Ainda segundo a autora, é preciso “negociar” a estratégia terapêutica com o paciente para que um vínculo de confiança seja criado, facilitando assim o tratamento do transtorno alimentar. Dado o início do tratamento, é esperado que o paciente diminua sua preocupação com a imagem corporal, e, com isso, recupere seu padrão alimentar regular. Assim, aos poucos, ele alterará seus hábitos alimentares e reaprenderá a se relacionar com os alimentos. Para isso, o terapeuta comportamental deverá identificar e corrigir as condições que favorecem o desenvolvimento e a manutenção das alterações comportamentais que caracterizam os transtornos alimentares. Segundo Silva (2005), as técnicas comportamentais que são mais utilizadas são: a reestruturação cognitiva (o paciente faz uma reavaliação e correção de suas cognições distorcidas, permitindo assim que ele possa perceber que, na maioria das vezes, estava desvalorizando sua capacidade de enfrentamento de determinada situação), treino de assertividade, exposição e prevenção de respostas. Todas essas técnicas devem ser adaptadas de acordo com a especificidade de
cada caso, seja em relação ao tipo do transtorno alimentar ou quanto ao perfil do paciente. Para o sucesso do tratamento, é preciso que haja um bom vínculo entre terapeuta e paciente, o mesmo precisa sentir-se aceito, compreendido e confortável. Segundo Silva (2005), o tratamento dos transtornos alimentares pode ser feito com psicoterapia em grupo ou individual. Isso depende do diagnóstico médico e da gravidade de cada caso. Os terapeutas comportamentais têm percebido o atendimento em grupo vantajoso, pois assim que os resultados positivos começam a surgir, o paciente sente a necessidade de inserir o “social” em sua vida, e o grupo acaba sendo um grande facilitador nesse sentido. A grande maioria dos casos de transtornos alimentares se inicia na adolescência, porém no tratamento de crianças é necessário que as técnicas utilizadas sejam adaptadas à idade da criança. Silva (2005) indica a utilização de desenhos, jogos, histórias e brincadeiras que fazem parte do mundo infantil para que assim a criança se sinta à vontade para interagir com o terapeuta. A autora ainda sugere que a participação dos pais seja intensa, uma vez que sua colaboração é muito necessária para a realização das tarefas propostas para serem feitas em casa. Sendo apresentada uma noção geral de como o terapeuta comportamental trabalha com os transtornos alimentares, se faz necessária uma explicação um pouco mais detalhada de acordo com o tipo de transtorno. No tratamento da anorexia nervosa, o foco do atendimento é a recuperação nutricional em função da debilitação física apresentada pelo paciente. Normalmente, os pacientes com esse transtorno são levados à internação por estarem em condições físicas muito precárias. Antes da necessidade de internação, é comum que os pacientes neguem a doença. A psicoterapia individual (ou em grupo), a orientação nutricional, o acompanhamento de um clínico geral e a psicofármacos são utilizados na maioria dos tratamentos de pacientes anoréticos. Sujeitos diagnosticados com bulimia nervosa costumam não precisar de internação hospitalar, pois o seu grau de gravidade é menor se comparado à anorexia nervosa. O tratamento desse transtorno tem como objetivo a redução dos episódios de ingestão alimentar descontrolados, auxílio no controle dos comportamentos compensatórios (por exemplo, o uso de laxantes), e tratamento dos sintomas do transtorno. O tratamento com uma equipe multidisciplinar também se faz necessário. Todos os profissionais inseridos no tratamento deste tipo de paciente devem adotar uma postura não julgadora para que assim não seja reforçada a rigidez autopunitiva dos mesmos, pois é comum em sujeitos diagnosticados como bulímicos o comportamento autopunitivo em situações em que cederam às suas vontades, como, por exemplo, quando comem alguma coisa que consideram bastante calórica. Revista de Psicologia l 51
O tratamento com sujeitos obesos exige que o profissional busque a modificação dos hábitos alimentares do paciente, o início da atividade física e a redução do peso. Para a modificação desses hábitos, são utilizadas algumas técnicas que também são utilizadas no tratamento da anorexia e da bulimia nervosas. O terapeuta comportamental deve estar atento aos sentimentos (comportamentos) de vergonha e inferioridade, que são bastante comuns em sujeitos obesos. É preciso que ele diminua sua exposição às condições que facilitam a alimentação inadequada. Técnicas de prevenção de recaída devem ser utilizadas. O tratamento também deve ser feito com uma equipe multidisciplinar, assim como dito acima sobre a anorexia e bulimia nervosas. Por fim, é fato que estudos na área dos transtornos alimentares se fazem necessários, uma vez que o número de casos, independente do tipo de transtorno, aumenta a cada dia. Este trabalho enfocou os três tipos de transtornos mais comuns atualmente, porém é preciso ressaltar que existem outros tipos de transtornos que também são importantes e devem ser estudados, como, por exemplo, o transtorno dismórfico corporal, mas que não era foco deste artigo. Os atendimentos feitos por psicólogos comportamentais, apesar de sua eficácia disponível em literatura, devem ser repensados, uma vez que não pode-se ater ao “rótulo” do diagnóstico médico, levando então em consideração a importância de uma análise funcional do comportamento-problema e avaliação do repertório geral, dentre outras técnicas já citadas anteriormente neste trabalho. REFERÊNCIAS ABREU, Paulo Roberto; CARDOSO, Luciana Roberta Donola. Multideterminação do comportamento alimentar em humanos: um estudo de caso. Psicologia: teoria e pesquisa. Brasília, v. 24, n. 3, set. 2008. Disponível em: <http://www. scielo.br/scielo.php?pid=S0102-37722008000300012&script=sci_arttext> . Acesso em: 7 nov. 2010. ADES, Lia; KERBAUY, Rachel Rodrigues. Obesidade: realidade e indagações. Psicologia USP, São Paulo, v. 13, n. 1, 2002. Disponível em: <http://www.scielo.br/ scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-65642002000100010&lng=en&nrm =iso&tlng=pt>. Acesso em: 7 nov. 2010. BALLONE, G.J. Transtornos alimentares. In: PsiqWeb Psiquiatria Geral. Disponível em: <http://www.psiqweb.med.br/site/?area=NO/LerNoticia&idNoticia=82>. Acesso em: 7 nov. 2010. HELLER, Denise Cerqueira Leite; KERBAUY, Rachel Rodrigues. Redução de peso: identificação de variáveis e elaboração de procedimentos com uma população de baixa renda e escolaridade. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva. Disponível em: <http://revistas.redepsi.com.br/index.php/RBTCC/ article/viewFile/288/228>. Acesso em: 7 nov. 2010. MORIYAMA, Josy de Souza. Processo terapêutico analítico-comportamental em
52 l
Revista de Psicologia
dois casos de transtorno dismórfico corporal. Campinas: PUC-Campinas, 2007. Trabalho de conclusão de curso de doutorado. 233 p. REIS, Adriana Alcantâra dos; TEIXEIRA, Eveny da Rocha; PARACAMPO, Carla Cristina Paiva. Auto-regras como variáveis facilitadoras na emissão de comportamentos autocontrolados: o exemplo do comportamento alimentar. Interação em Psicologia. América do Norte, 9 out. 2005. Disponível em: <http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/ index.php/psicologia/article/view/3286/2630>. Acesso em: 7 nov. 2010. SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Mentes insaciáveis: anorexia, bulimia e compulsão alimentar. 2. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005. 272 p.
NOTAS DE RODAPÉ 1. Acadêmica do décimo período do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2. Professora e supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva
Resistência e Transferência no Processo Psicanalítico Ludmila Pereira Cunha1 Geraldo Majela Martins2 RESUMO:Este artigo pretende examinar o conceito de transferência e resistência tratado no processo psicanalítico. Verificar a noção de transferência e resistência na clinica psicanalítica, sendo entendida como conjunto da relação que o paciente estabelece com o analista. Palavras – chave:Psicanálise, Resistência, Transferência. Este artigo surgiu a partir de um caso clínico do estágio VII – Abordagem em Psicanálise, orientado pelo professor Geraldo Majela Martins. Este pretende examinar o conceito de transferência e resistência tratado no processo psicanalítico. Segundo Freud, o sujeito apresenta mecanismos de defesa, estes são a resistência e a transferência, que fazem parte fundamental do tratamento psicanalítico. Antes de conceituar a transferência, Freud descobriu a resistência em análise, apesar do sintoma, que se instala no intuito de tampar a angústia, ter se constituído no retorno do recalcado, esse mesmo sintoma é composto pela matéria- prima do conteúdo reprimido. Os sintomas contêm o recalque, no sentido de contenção, de barreira, mas o sintoma também contém o recalcado no sentido de estar no seu conteúdo. Freud descobriu primeiro a resistência em análise, contra esse material reprimido, mas percebeu que é justamente essa resistência, que desloca um saber para o outro, que constitui a transferência, sendo resistência um sinônimo de transferência. A transferência é uma suposição de saber endereçada ao analista. O analisando, sob transferência, deposita um saber sobre si no analista, um ideal – do – eu, sendo o que sabe sobre o sujeito, está no próprio discurso do inconsciente, porém apresentado como falta, como não–sabido. Mas essa é a lógica de uma análise, o analisando aponta esse lugar de saber para o analista, com uma demanda de amor, mas o analista, embora acolha, não ocupa esse lugar apontado pelo analisando. O analista, em sua ausência como sujeito, ausência essa que sinaliza a disponibilidade do analista para escutar o outro, presencia isso que você sublinhou o tempo todo, justamente porque, sem isso, não haveria análise. Uma análise se autoriza desde o momento posterior de entrada em análise, ou seja, quando o sujeito encaminhado por alguém ou identificado por algo do analista como seu nome, sua fisionomia, sua voz, seu jeito de falar. A transferência já se estabelece até mesmo antes do primeiro contato, quando já não
vem o aval de transferência daquela pessoa que o sujeito elege para indicar um analista. É a transferência que autoriza a função do analista. O analista, antes mesmo desse lugar de semblante da falta, de semblante do objeto, fica numa posição de depositário do saber, saber este que se presentifica como discurso do inconsciente como não sabido, como não–saber, mas endereçado ao analista como o “representante” desse saber inconsciente. O analista é fabricado pelo discurso do analisando como um depósito desse saber não sabido, que é nada mais nada menos que o sujeito inconsciente que está lá deitado no divã. Na Clínica Psicanalítica, entendemos por defesa tudo o que é usado pelo analisando na tentativa de fugir do sofrimento, das lembranças que contêm o foco de seus traumas. Freud, em seus trabalhos, usou os termos “defesa” e “resistência” como sinônimos. A defesa age por meio do ego, ou seja, o ego do analisando na tentativa de fugir de uma lembrança dolorosa chama uma força repulsora que afaste essa ideia/lembrança patogênica. Daí o conceito de que toda defesa é uma tentativa do sujeito de fugir do que lhe traz dor, de esconder as ideias e pensamentos causadores ou relacionados aos seus traumas. As defesas podem acontecer tanto de forma inconsciente quanto conscientemente. E é papel do analista derrubar essas resistências e chegar ao foco do problema: a lembrança dolorosa causadora do trauma. Existem vários exemplos de resistências na clínica psicanalítica, entre eles temos o silêncio do analisando. O que ele não quer falar? O que o faz não querer falar? A postura do analisando no divã, a sua inquietação, falar somente de assuntos triviais e relacionados ao meio externo, evitar certos assuntos. Um dos assuntos mais evitados é justamente o que diz respeito às fantasias sexuais com o analista, a ausência de sonhos, falta ás sessões por vários motivos e mais várias situações causadas pelo analisando, algumas vezes até de forma inconsciente para evitar chegar na descarga de tudo o que tem lhe causado dor. Um exemplo da minha experiência, para ilustrar a questão transferência/ resistência, é de uma cliente que chega ao conRevista de Psicologia l
53
sultório e permanece muda, após algum tempo, ela afirma que tem síndrome do pânico, pois “sente medo de tudo de menos de água” (sic). Essa cliente diz que veio para ter um espaço no qual possa falar exatamente sobre os seus medos. Só que essa fala nomeada “medo de tudo de menos de água” (sic), devido às incessantes associações, é o que lhe causa maior repugnância, é seu objeto fóbico, sua resistência à análise. Então, embora o lugar que essa cliente me coloca seja de escutar seu medo de tudo “de menos de água” (sic), em transferência, é justamente essa fala que a repugna ouvir, é sua própria resistência à análise. A resistência está presente em maior ou menor grau em todo o processo analítico, desde o início até a sua conclusão. A resistência se opõe ao processo analítico, ao analista e ao ego racional do paciente. A clínica psicanalítica, em verdade, serve de campo onde as resistências atuam. Então, cabe dizer que a clínica psicanalítica se caracteriza pela análise completa das resistências, descobrir como o paciente resiste, a que ele resiste e porque age assim. Na transferência, entendemos uma situação em que um sujeito transfere para o outro sentimentos que, em verdade, não estão dirigidos a esta pessoa e sim a outra pessoa do passado. No caso da clínica psicanalítica, o analisando transfere para o analista sentimentos e emoções que, na verdade, são de uma relação vivida (ou deixada de viver) com um ente ou pessoa próxima que fez parte de sua infância primitiva, segundo Freud. São, em geral, sentimentos de relações que não foram bem resolvidas. O analisando, em vez de recordar uma experiência passada, ele a revive e recria, no entanto, envolvendo outra pessoa que não a originária e isso pode ser caracterizado como um tipo de defesa. A reação transferencial é sempre uma relação objetal, ou seja, relação que pode conter emoção, impulso, desejo, atitude, fantasia e defesas contra isso tudo. Ela se dá sempre de forma inconsciente e cabe ao analista reconhecê-la. Embora em alguns casos o analisando até possa perceber que está exagerando em algum sentimento, ele não entende o porquê disso. Muito embora a transferência esteja sendo abordada dentro da clínica psicanalítica, ela pode acontecer também fora dela.
transferencial que são: a intensidade de sentimentos ou ausência total do mesmo, a inconstância e a tenacidade. Para que um fenômeno psíquico seja enquadrado como transferência, é necessário que apresente quatro características básicas: que seja uma variação de relacionamento objetal, que seja sempre uma repetição de um relacionamento passado com o objeto, que apresente um deslocamento, visto que esse é o processo fundamental nas relações transferênciais, que seja sempre um fenômeno regressivo. A transferência é um fenômeno imprescindível no processo analítico. Sem a transferência, não há análise. È ela que indica a direção a ser tomada pelo analista visto que é através dela que os processos inconscientes se atualizam e abrem as portas para o surgimento do conflito psíquico e sua resolução. A transferência segue mais ou menos o ritual “recordar, repetir, elaborar”. A transferência revela a constituição do sujeito, de sua demanda e de seu desejo, só a partir dela é possível que o sujeito descubra a estrutura de seu desejo. A resistência tal qual a transferência são mecanismos de defesa e são imprescindíveis para a realização do tratamento psicanalítico. Sem elas, não há psicanálise. Uma aparece na tentativa de encobrir e se defender de lembranças dolorosas, a outra como a repetição de uma relação objetal passada, e as duas são fundamentais para a clínica analítica. REFERÊNCIAS FREUD, Sigmund (1920). Fragmento da análise de um caso de histeria. In:______ Obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro, Imago. 1996 p.19116 (edição Standard brasileira das obras psicológicas Sigmund Freud, Vol. 7). FREUD, Sigmund. [1912]. A dinâmica da transferência. In:______ Obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro, Imago. Vol. XII 1996 p. 111119. (edição standard brasileira das obras psicológicas Sigmund Freud, Vol. 12). Fundamentos Freud. In: ______ Resistência. Disponível em: http://www.fundamentosfreud.vilabol.uol.com.br/resistencia.html. Acesso em: 17 nov. 2010. Psicanálise. In:_______Psicanálise online. Disponível em <http://www.geocities. com/psicanaliseonline/profissi.htm>. Acesso em 17 de nov. de 2011.
NOTAS DE RODAPÉ Se o paciente coloca o analista no lugar do pai (ou da mãe), está também lhe concedendo o poder que o superego exerce o ego, visto que os pais foram, como sabemos, a origem do seu superego. O novo superego dispõe agora de uma oportunidade para uma espécie de pós-educação do neurótico (FREUD, 1930, p.49). A transferência é sempre uma repetição e sempre será inadequada. Então podemos citar algumas características da reação 54 l Revista de Psicologia
1. Acadêmica do 10º período de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 2. Professor e supervisor de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva.
“Eu sou a última”: o sintoma da criança como resposta ao discurso do Outro Bárbara Coelho Ferreira1 Margaret Pires do Couto2 RESUMO:Este artigo pretende apresentar as construções teóricas que se fizeram possíveis, por meio da prática do Estágio Diagnóstico e Tratamento das Dificuldades Escolares, realizado na Clínica de Psicologia Newton Paiva. Esta prática permitiu a experiência de atendimentos na clínica com crianças encaminhadas para atendimento psicológico com queixa escolar, sob a luz da Psicanálise. O objetivo deste trabalho é investigar, a partir de um caso clínico, os conceitos relevantes no processo de tratamento com crianças, considerando a peculiaridade do caso que será apresentado. Enfatiza-se a forma com que a criança vem responder ao discurso do Outro e os efeitos disso na vida do sujeito que responde fracassando na escola. Palavras-chave: Criança, Dificuldade Escolar, Sintoma, Outro.
INTRODUÇÃO A clínica com crianças nos aponta para um modo particular de saber-fazer da Psicanálise, já que as crianças são trazidas à clínica através do discurso do Outro, que se encarrega de oferecer uma série de significantes para descrever esse sujeito. Assim, a demanda inicial é algo que tangencia a subjetividade desse Outro que nos apresenta a criança. Na clínica que trata das dificuldades escolares, o discurso dos responsáveis pela criança acerca da queixa que a leva a procurar o tratamento, vem com aval e encaminhamento da instituição escolar, o que nos suscita um questionamento sobre o manejo que norteará esta clínica: somos autorizados a intervir junto aos pais e professores? Qual o efeito destas intervenções para a criança? Prosseguiremos sem responder a essas perguntas, mas orientados sobre o indicativo de que o analista servirá de anteparo entre o Outro e a criança, sempre inventando novas formas de intervenção, seguindo a peculiaridade de cada caso. Lacan (1969) nos adverte que o sintoma da criança é uma resposta ao que há de sintomático na relação do par parental ou faz articulação com o que diz respeito à subjetividade da mãe. O sintoma, de acordo com Lacan (2003, p. 369), “é o dado fundamental da experiência analítica – se define, nesse contexto, como representante da verdade”. Para ampliar as discussões acerca da criança e seu sintoma, tomemos como exemplo o caso de Sara3, uma criança que, aos 7 anos, foi encaminhada pela escola para atendimento psicológico na Clínica de Psicologia Newton Paiva. Sara apresenta problemas de aprendizagem na escola, e a demanda inicial para atendimento é trazida por sua avó paterna, que diz da sua dificuldade
em lidar com a situação de fracasso escolar da neta. A avó possui a guarda de Sara e seus irmãos e diz sobre o histórico de negligências que seus netos já vivenciaram. Conta que a mãe das crianças os agredia e chegou ao ponto de abandonar os filhos. A partir disso, foi preciso uma intervenção junto a Justiça, e a avó solicitou a guarda dos netos juntamente com o pai das crianças, que, de acordo com o discurso dela, é um “retardado” e que sempre teve problemas psicológicos. De acordo com relatos da avó, Sara é a neta que lhe dá mais trabalho já que é a “menorzinha”. Ao contar da sua preocupação com a neta, diz que Sara não aprende na escola, não lembra das coisas que são ensinadas e se faz de “bebêzinha”. A avó mostrase incomodada com a posição de Sara e diz que dentre os seus irmãos ela é a pior. Fala sobre o seu medo do que possa acontecer com Sara no futuro, essa preocupação com a neta atualiza a preocupação com o filho, pai de Sara, que fez muitos anos de tratamento psicológico e não se curou. Algo da fantasia desse Outro materno coloca essa criança num lugar de dejeto, do pior. Lacadée (1996) aponta que a criança então fica sendo correlata do objeto do fantasma da mãe, já que a função de mediar do pai não tem operado, e assim, a criança é tomada no fantasma da mãe e vem realizar a presença do objeto a em seu fantasma. Sara, durante os atendimentos, se mostra uma criança tímida, apresentando certa dificuldade na fala, que por ora parece algo relacionado ao aparelho fonador, sendo que isso se apresenta com a troca de algumas letras como “r” e “s” ou, como palavras conectadas numa frase. Sara conta histórias infantis durante as sessões, com destaque para a história do filme “A Feirurinha”. Ela relata que nesse filme Feiurinha é uma princesa que morava Revista de Psicologia l
55
com os pais num castelo, e uma bruxa foi pegá-la e a levou para outro castelo, onde ela ficava presa, sem comida e não conseguia dormir à noite. Sara fala que essa história é triste, que Feiurinha sofreu muito, mas que foi libertada. Na mesma sessão, Sara resolve brincar de “Escravos de Jó” e diz que gosta dessa brincadeira, porque os escravos foram libertados. É sabido que a lógica do inconsciente opera de outra maneira e Sara consegue dizer através de suas histórias e brincadeiras algo de sua singularidade, ponto fundamental de sua própria história, que é marcada pelo aprisionamento a este Outro devastador. Ao final dessa sessão, Sara diz “essa história é uma lenda. Lenda é uma coisa que alguém inventa”. Assim, é possível reiterar que essa história carrega consigo um pedaço do Outro, e de seus caprichos, dos quais Sara faz uma tentativa mínima de se libertar, no momento em que diz que cansou dessa história de Feiurinha, que não gosta mais de ver esse filme e que os outros colegas da escola insistem em assisti-lo novamente. Neste momento, ela afirma “eu quero saber de outros filmes, com outras histórias”. A intervenção no momento foi dizer que ela mesma poderia construir sua história. Além das histórias contadas por Sara, a paciente canta algumas músicas nos atendimentos, sendo a mais curiosa delas um trecho da música de título “Quem eu sou”: “Não quero mais saber, o que eles vão dizer/ Sobre o que eu vou fazer ou sobre o que eu não vou ser/ O caminho é longo eu sei/ E eu vou fazer valer” e continua em outros versos: “São tantos desencontros/ São tantas linhas tortas/ Formando a identidade que eu sempre sonhei pra mim”. Esta é a pergunta que está posta: descobrir quem se é para que se possa construir algo acerca da verdade que o sujeito carrega. Estando às voltas com isso, o sujeito deve encontrar uma solução viável para saber-fazer com seus sintomas na vida. A verdade deve ser inscrita de uma resposta frente a alguma coisa que não está lá, que não pode ser dita em termos de uma representação significante e é, face a esta representação significante em falta, no lugar desse vazio, que vão se articular o lugar e a questão do sujeito, mesmo que seja ao preço de um sintoma. É aí que o sujeito vai colocar a questão da legitimidade de sua existência: quem sou eu, onde estou, onde é meu lugar? Ele terá sempre uma dúvida sobre sua concepção, sobre a sexualidade de seus pais, sobre a legitimidade de sua existência. (LACADÉE, 1996, p. 76.) Após essa sessão, tenta-se introduzir para a paciente algo do funcionamento do inconsciente, dizendo do interesse de Sara, interrogando melhor sobre o seu interesse sobre essa pergunta “Quem eu sou?”, presente na música. Sara se mostra surpreendida 56 l Revista de Psicologia
com esse questionamento e começa a dizer da sua história e ao contar sobre a família, ela fala “eu tenho dois irmãos. Uma irmã mais velha, um irmão do meio e eu, eu sou a última”. Neste momento, se intervém com uma pergunta sobre este lugar que ela ocupa “como assim você é a última?”, Sara não responde a essa pergunta, mas diz algo de sua posição, que é corroborada pelo discurso da avó que sempre aponta que Sara está regredindo, que entre os irmãos ela é a pior. A avó então, se apresenta deste lugar de um Outro gozador que lhe coloca neste lugar de resto: a última. Nos últimos atendimentos com Sara, sua avó pede para conversar com a estagiária e diz da sua preocupação com a neta, pois está percebendo que ela está fazendo xixi na roupa. Conta que Sara está prestes a perder mais um ano na escola, já que suas notas estão muito baixas. Sara se mostra bastante acanhada quando a estagiária se dirige a ela questionando sobre o conteúdo trazido pela avó. A mesma disse que fica nervosa, e não consegue segurar o xixi. Diz que quando está na escola, fazendo alguma atividade com a qual tem dificuldade, fica ansiosa e com medo da avó. Percebe-se que a angústia é um afeto que retorna no corpo, já que a criança frente ao seu medo desse Outro devorador atua fazendo xixi na roupa. Sara exemplifica essa situação contando sobre uma questão da prova que realizou na escola e tirou nota baixa. Segundo ela, a questão era sobre “os eleitos”. Diz que não conseguiu fazer e ficou muito nervosa com essa situação. A criança nesse momento se interroga sobre o seu sintoma: “Não gosto de ficar assim. Será que eu vou tomar bomba de novo? Não sei te falar o que acontece não”, neste momento a estagiária afirma que é preciso construir algo sobre isso que ela está dizendo. Assim, faz-se preciso que o sujeito comece a fazer dessa dificuldade um sintoma a fim de poder ter acesso ao seu inconsciente. REFERÊNCIAS LACADÉE, Philippe. Duas Referências essenciais de J. Lacan sobre o sintoma da criança – O Seminário “A relação de objeto” (1956/1957) e “Duas notas sobre a criança” (1969). Opção Lacaniana, nº 17, Novembro de 1996. LACAN, Jaques. Nota sobre a criança. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. p. 369-370.
NOTAS DE RODAPÉ 1. Acadêmica do 10º período do Curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2. Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 3. Nome fictício para preservar a identidade da paciente
O desespero humano na construção da autenticidade Bárbara Cristine Caldeira dos Santos1 Raquel Neto Alves2 resumo:A proposta deste artigo é uma compreensão do desespero humano na tentativa de construção da autenticidade. Há várias formas de desespero que auxiliam na construção da nossa autenticidade, mas há outras que nos levam à inautenticidade. O desespero é algo inerente a nós seres humanos, é preciso saber manejá-lo para que ele nos leve à autenticidade.
Palavras-chave: Desespero humano, Condição humana, Autenticidade A proposta deste artigo é a apresentação de um caso clínico relacionado à teoria do desespero humano proposto por Kiekergaard, a angústia e a culpa de Boss e a autenticidade de Jadir Lessa. Inicialmente, abordaremos a teoria de Kierkegaard (1988, p.199), que diz que “o desespero é a doença mortal” e “quando o perigo cresce a ponto de a morte se tornar esperança, o desespero é o desesperar de nem se quer poder morrer”. R, 45 anos, ao contar sua historia, diz que o pior momento de sua vida foi há 20 anos, quando seu companheiro faleceu e logo em seguida seu pai, uma pessoa que, segundo ela, era “unha e carne”. Após o velório de seu pai, R percebeu que estava sozinha a partir dali e teria que tomar conta de dois filhos pequenos e da casa. Ao pensar nisso, R pega todos os remédios (de pressão, diabetes etc.) e toma. Quando perdemos alguém nosso eu é provocado à tristeza, pois, temos de ser um eu sem o “outro” e o nosso desespero se torna agora um enorme vazio, pois, morto o “outro”, provocanos também o abandono. Para Kierkegaard (1988, p.200), “a perda não é desespero declarado, mas é dela própria que ela desespera”. Essa afirmação fica evidente na fala de R quando ela diz que, naquele momento, sua vontade era realmente morrer, mas, ao acordar no hospital, se arrepende e decide encarar o desafio que a vida lhe propôs. Neste momento, fica claro que o desespero de R é o de não poder morrer, pois havia muito a ser feito. Para Kierkegaard (1988, p.199), “esta destruição de si própria que é o desespero é impotente e não consegue os seus fins”. Sua tentativa de morte física fracassou, mas não a impediu que vivesse para a morte, pois a partir daí R passou a viver para os filhos e para o trabalho se anulando totalmente. Em relação a isso, Kierkegaard (1988, p.199) pondera que:
pode fazer, e a própria impotência é uma segunda forma da sua destruição, na qual o desespero pela segunda vez erra seu alvo, a destruição do eu: é, pelo contrário, uma acumulação de ser, ou a própria lei dessa acumulação. Após ficar viúva, R passa a ser muito assediada por homens solteiros e casados, o que a incomodava muito e a fazia se sentir culpada. Ela decide então tentar se esconder de alguma maneira e passa a comer compulsivamente e sem perceber ela passa de uma pessoa de aparência magra, segundo ela, para uma pessoa obesa. Para Boss (1988, p.16 e17): Há tempos os sentimentos de angústia e culpa dos nossos pacientes se recolheram em proporção cada vez maior para o esconderijo do interior do corpo e daí somente falam na linguagem estranha dos assim chamados distúrbios funcionais [...] Perguntei a ela durante quanto tempo isso aconteceu, mas ela diz não saber dizer. O que sabe é que deu certo e ela ficou “invisível” e parou de ser cobiçada, de ser vista pelos outros e por ela mesma. Segundo ela, durante esses vinte anos, não se olhou mais no espelho. A respeito da destruição de si mesmo Kierkegaard, diz que: Bem longe de consolidar o desespero, pelo contrário, o insucesso do seu desespero em destruí-lo é uma tortura, reanimada pelo seu rancor; porque é acumulando sem cessar, no presente, o desespero pretérito que ele desespera por não poder devorar-se nem libertar-se do seu eu, nem aniquilar-se.
A sua vontade própria é destruir-se, mas é o que ela não Revista de Psicologia l
57
R acumulou em seu cotidiano o trabalho e devorou a comida na tentativa de se anular e conseguiu com isso a obesidade, nenhum lazer e nenhum amigo. Ela dedicou sua vida ao acúmulo e ao mesmo tempo à culpa, pois, quando arriscava algo, vinha junto um enorme sentimento de culpa e angústia. Sobre isso, Boss (1988, p.17) diz que “hoje, todavia, angústia e culpa ameaçam se esconder mais e mais sob a fachada fria e lisa de um tédio vazio e por traz da muralha gélida de sentimentos desolados completa insensatez de vida”. A fibromialgia foi algo que R conseguiu também por conta de sua obesidade e de seu modo de viver entediante e vazio. Para as psicólogas Ana Maria Canzonieri Maeda; Maria Isela Garcia Fernandez (2010), pode-se pensar a fibromialgia: [...] como uma sensação alterada de dor, resultante das alterações sofridas por um indivíduo suscetível, proveniente de diversos agentes estressores, causando a dor como a manifestação do conflito vivido internamente. A manutenção da dor parece estar ligada diretamente ao suprimento das necessidades do indivíduo. Pela insuportabilidade psíquica do conflito vivenciado, o indivíduo deixa de entrar em contato com a causa do problema, ele apresenta dificuldades para enxergar seu sofrimento, convertendo, assim, a dor emocional em um sofrimento físico. R, agora, é consciente da finalidade de seu sofrimento, disse que algumas pessoas alertaram que a sua dor não tem nenhum motivo clínico, mas algo emocional, sugerindo a ela que fizesse terapia como tratamento alternativo e complementar. Além disso, ela relata que, quando está perto do seu neto de quatro anos, não sente dor alguma. Não é possível relatar a história de R em toda a sua riqueza de detalhes, mas a partir do que citamos, percebemos que é uma história de muito sofrimento e busca de superação, e que há ainda muito a superar. R está se cuidando, se olhando no espelho, já emagreceu, se permite ser vista e, o mais importante, ela se enxerga e está consciente de que é responsável por essa parte da história de sua vida que tanto a marcou e que agora a faz olhar para frente. No entanto, ainda há muito a se fazer. Prosseguindo no caminho, sempre com o auxilio de profissionais, ela conseguirá superar situações limites. Quanto mais consciência houver, tanto mais eu haverá; pois que, quanto mais ela cresce, mais cresce a vontade, e haverá tanto mais eu quanto maior for à vontade. Num homem sem vontade, o eu é inexistente; mas quanto maior 58 l
Revista de Psicologia
for à vontade, maior será nele a consciência de si próprio. (KIERKEGAARD, 1988) Ser consciente de si permite caminharmos para a autenticidade, pois o “ser humano pode ser feliz quando escolhe ser autêntico e torna-se um indivíduo que cria e recria a si mesmo” e esse processo é construído para que a felicidade e a autenticidade sejam conquistadas. (LESSA s/d) R conquista sua felicidade quando decide aceitar e expressar seus próprios pensamentos e sentimentos, e para concretizar sua transformação, ela precisa “se auto-conhecer e se auto-determinar, transformando seus pensamentos e sentimentos em vontade própria e sua vontade em projetos de vida”. (LESSA, s/d) Seus projetos de vida ainda são ideias e vontades, mas para R esse é o primeiro de muitos passos que ela dará em direção à conquista de sua autenticidade e, consequentemente, de sua felicidade. REFERÊNCIAS BOSS, Medard. Angústia, culpa e libertação: (ensaios de psicanálise existencial). 4. ed. São Paulo: Duas cidades, 1988. p. 77. KIERKEGAARD, Soren Aabye. Diário de um sedutor - Temor e tremor - O desespero humano. São Paulo: Abril Cultural, 1979. p. 279.
NOTAS DE RODAPÉ 1. Acadêmica do 10º período do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2. Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva
Vou ter que conviver com essa mulher? O feminino em Freud a partir de um fragmento clínico Bruna Luciana Domingues Brandão1 Geraldo Majela Martins2 resumo:Pretende-se neste artigo discorrer sobre a sexualidade feminina, partindo-se dos textos de Freud sobre a Sexualidade feminina (1931) e Feminilidade (1933) no intuito de estudar o Édipo na menina, mediante um fragmento clínico de um caso atendido na ClinicaEscola de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. Palavras-chaves: Complexo de Édipo da menina, Sexualidade feminina, Insatisfação.
Este artigo foi produzido a partir da prática de atendimento decorrente da disciplina Estágio Supervisionado VII – Abordagem em Psicanálise II, do Centro Universitário Newton Paiva, sob orientação teórica psicanalítica do Professor Geraldo Majela Martins, que teve início no 2° semestre de 2010 e término no 1° semestre de 2011. Em seu texto sobre a Feminilidade (1933), aponta que, de acordo com sua natureza peculiar, a psicanálise não tenta descrever o que é a mulher - seria essa uma tarefa difícil de cumprir, mas se empenha em indagar como é que a mulher se forma, como a mulher se desenvolve desde a criança, dotada de disposição bissexual. Ele nos apresenta que há nas meninas o complexo de Édipo, levanta um problema a mais que nos meninos, ademais, a comparação com o que acontece com os meninos nos mostra ser o desenvolvimento de uma menininha em mulher normal mais difícil e mais complexo. Rita3, 27 anos, procura a clínica de Psicologia, pois, segundo ela, apresenta dificuldade em dizer não e por ser uma pessoa muito nervosa e ansiosa. Durante os atendimentos, no que concerne a essa queixa, Rita relata que devido a sua história pregressa, sofria preconceito por parte dos colegas, devido “ao seu nariz grande” (sic). Esses a chamavam de nariguda, nariz de tucano, enfim, essas nomeações a incomodavam a ponto de atender às demandas de outras pessoas para que essas gostem dela, mesmo não estando essas congruentes com aquilo que pensava. Diante desse posicionamento, Rita aponta que como não falava o que pensava, na hora que devia, acumulava sentimentos que numa situação inoportuna, de maneira impulsiva, eclodiam, e ela acabava por agredir verbalmente outrem. Daí a sua fama de estressada. Nos atendimentos, Rita apresenta os seus relacionamentos afetivos de maneira conflituosa. Nesses relacionamentos, Rita relatava atritos, em que se observa, em cena, uma hostilidade
para com outra mulher. Diante dos embaraços com o feminino, Rita afirma: “Vou ter que conviver com essa mulher?” Nessa perspectiva, discorremos neste trabalho a partir de um fragmento clínico, no intuito de exemplificarmos, a partir de uma discussão teórica acerca da maneira pela qual a mulher aparece no Édipo da menina. Para tanto, nossa pergunta é, o que é o Édipo da menina? Segundo Freud (1924), a crença na universalidade do pênis é pré-condição necessária para a constituição do Complexo de Édipo em ambos os sexos. Na menina, o Édipo não termina com a castração. O principal acontecimento se dá com a separação da mãe, que remete à separação original do seio materno. Segundo Freud, tendo em vista que a mulher não se consola com essa separação, a mulher carrega com ela a marca do ressentimento por ter sido deixada na insatisfação. Esse ressentimento, esse ódio primitivo, desaparece sob efeito do recalcamento, e surge novamente por ocasião do complexo de castração. Cabe ressaltar que, ainda em Freud (1924), para a menina, o complexo de castração despertado pela visão do pênis nos meninos a levará a um sentimento de inferioridade e a querer compensar sua falta pela inveja do pênis. Na menina, o complexo de castração a faz voltar-se para o pai para tentar substituir a falta do pênis: o desejo de ter um filho do pai, como substituto do pênis é, portanto, o promotor do Édipo feminino. Ainda em 1924, Freud ressalta que em toda a relação entre uma menina e seu pai há que se considerar que houve antes, com igual ou maior intensidade, uma relação de amor com a mãe. Mais tarde, Freud (1931), em seu estudo intitulado Sexualidade feminina, dá ênfase à intensidade e longa duração da ligação pré-edipiana da menina à mãe. Observa que, antes de surgir a ligação da menina com o pai, existia uma forte ligação desta com a mãe, sendo que, em muitos casos, esta persiste para além dos Revista de Psicologia l
59
quatro ou cinco anos: “Tínhamos de levar em conta a possibilidade de um certo número de mulheres permanecerem detidas em sua ligação original à mãe e nunca alcançarem uma verdadeira mudança em direção aos homens” (FREUD, 1931, p. 260). Ainda de acordo com o mesmo autor, é preciso considerar que existem mulheres que estacionam em sua ligação materna e jamais completam a mudança de objeto. Segundo André (1998), a relação pré-edípica com a figura materna, dizendo que “o destino da menina aparece, assim, como o de uma metáfora impossível ou de uma luta permanente para se elevar do registro metonímico para o da metáfora” (ANDRÉ, 1998, p. 186). Diferenciando ainda esta relação primária de uma fusão ou comunhão, ressaltando tratar-se antes “de uma luta ferrenha cujo objetivo, em última instância, é o de determinar quem vai devorar o outro” (ANDRÉ, 1998, p.186-187). Trata-se, dessa forma, de uma relação marcada pela ambiguidade amor-ódio, ambiguidade referida por Freud (1924) e esta é mais uma dificuldade a ser enfrentada pela menina: se, por um lado, para que ela possa se endereçar a um homem, faz-se necessário esta ruptura analisada por Freud com relação à figura materna, por outro, ela deverá identificar- se a esta figura “odiosa”, a fim de construir sua feminilidade. Perante aos embaraços do complexo de Édipo, a menina constitui, assim, um processo identificatório em duas vertentes: uma marcada pela fase pré-edípica, na qual a mãe é tomada como primeiro objeto de amor; e outra, advinda do complexo de Édipo, em que a mesma mãe será vista como uma rival a ser eliminada para que a menina possa ocupar-lhe o lugar junto ao pai. Diante dessa relação conflitiva e de acordo com o modo pelo qual a menina significa sua castração, segundo Freud (1931), restam a ela três saídas possíveis do complexo de Édipo: renunciar à sexualidade, reivindicar o pênis ou complexo de masculinidade ou aceitar a feminilidade. O primeiro caso é caracterizado, sobretudo, por uma atitude de desvalorização da menina em relação à mãe, à medida que constata sua falta de pênis, o que a leva ainda a relegar sua atividade masturbatória a um plano secundário, já que seu clitóris também perde seu valor diante da impossibilidade de ostentá-lo como objeto fálico na mesma proporção que o pênis ocupa para o menino. Assim, como consequência última, ocorre o recalque, por parte da menina, de grande parte de suas inclinações sexuais. Já no tocante à renúncia ao pênis, será definido como um momento no qual a menina se recusa a reconhecer a falta de pênis materno e, consequentemente, sua própria falta, rebelando-se de modo a acentuar sua masculinidade prévia, apegando-se a uma atividade clitoridiana e refugiando-se numa 60 l Revista de Psicologia
identificação com sua mãe fálica ou com seu pai, permanecendo, desta maneira, vítima da esperança de um dia ainda vir a ter um pênis e conserva, desse modo, uma relação intrínseca com a inveja do pênis – emergente do momento em que a menina vê o traço identificatório do sexo do pai. É quanto à última saída pela feminilidade, apresentada por Freud (1933), pode ser explicada pela capacidade da mulher em proceder a um deslizamento simbólico, abrindo mão do objeto materno e se dirigindo ao pai, figura á qual endereçará seu desejo por um filho, como representante do estabelecimento de um desejo feminino por excelência. “[...] Sua felicidade é grande se, depois disso, esse desejo de ter um bebê se concretiza na realidade; e muito especialmente assim se dá, se o bebê é um menininho que traz consigo o pênis tão profundamente desejado” (FREUD, 1933, p. 128). Rita, em seu discurso, traz de forma recorrente a reedição do Édipo atualizado, numa disputa fálica com outras mulheres, uma hostilidade endereçada à figura feminina, seja a mãe, a irmã, a exnamorada do seu namorado, enfim, o Outro rival, em conflito, é sempre o outro do feminino. Rita, numa identificação com o pai, escolhe exercer a mesma profissão desse para atendê-lo naquilo que nenhum outro filho fez, e segundo relata, a relação com o pai é diferente da sua relação com a mãe, haja visto que aquele se mostra mais amoroso com Rita. “Minha irmã sempre foi mais ligada à minha mãe e eu ao meu pai” (sic). Segundo ressalta Freud (1931), a menina somente chega ao amor do pai pela via do amor da mãe. Essa mudança de objeto de amor ocorre a partir da percepção da própria castração. Ou seja, a menina fica em falta da mãe, na entrada de um terceiro na relação, o pai ou aquele que pode ocupar esse lugar. É na medida em que o desejo da mãe se volta para esse outro que a menina percebe que não completa a mãe, que não é tudo para a mãe. É só quando se dá conta de que sua mãe não é completa, mas faltante, assim como ela mesma, que então pode abandonar seu apego primário à mãe e tomar o pai como objeto. Assim, faz-se considerar pelo fragmento clínico, que atualização de uma cena edipiana, em que a menina rivaliza com mãe e elege o pai como seu objeto, aquele que lhe dará o que a mãe não pode – o falo – advém na cena analítica via repetição lá onde o sujeito desconhece, pois repete fora de qualquer intencionalidade, mas que está presente no seu cotidiano através dos seus relacionamentos. É preciso então que num processo analítico, Rita possa resignificar seus embaraços com o Édipo feminino a fim de compreender que a convivência com essa outra mulher- a mãe simbólica – foi preciso, mas que é necessário separar-se dela e eleger o pai simbólico como objeto de amor.
REFERÊNCIAS ANDRÉ, Sergio. Uma menina e sua mãe. In:______. O que quer uma mulher?. Tradução de Dulce Duque Estrada. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. cap. 10, p. 170-188. FREUD, Sigmund. A dissolução do Complexo de Édipo (1924). In:______. O Ego e o id- uma neurose demoniaca do século XVII e outros trabalhos. Tradução Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1976. p. 191-202. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 19). _______. Sexualidade feminina (1931). In:______. O futuro de uma ilusão, O mal-estar na civilização e outros trabalhos. Tradução Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1976. p. 257-282. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 21). _______. Feminilidade (1933). In:______. Novas conferências introdutórias sobre psicanalise e outros trabalhos. Tradução Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1976. cf XXXIII, p. 113-134. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 22).
NOTAS DE RODAPÉ 1. Acadêmico do 10º período do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 2. Professor supervisor de estágio do Curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 3. Observamos que, considerando o sigilo necessário, todos os nomes referidos neste texto são fictícios.
Revista de Psicologia l
61
A importância das entrevistas preliminares na clínica psicanalítica Carla Ribeiro Mosso1 Geraldo Majela Martins2 resumo:O objetivo desse artigo é caracterizar a importância das entrevistas preliminares nos atendimentos clínicos. As entrevistas preliminares são de suma importância para a entrada em análise. Palavras-chave: Transferência, Entrevistas, Preliminares, Clínica Psicanalítica, Sintoma.
Este artigo surgiu a partir de um caso clinico do estágio VII – Abordagem em psicanálise, orientado pelo professor Geraldo Majela Martins. Este pretende examinar o conceito das entrevistas preliminares e a importância dessas para a entrada em análise. As entrevistas preliminares nem sempre tiveram essa nomenclatura, foram inicialmente chamadas por Freud de “análise de prova” ou mesmo “tratamento de ensaio”. Já em Lacan obtivemos a nomenclatura utilizada atualmente. De acordo com Freud (1913), para que o processo de análise aconteça e se atinja um determinado objetivo, torna-se necessário um período que o antecede, no qual seja possível traçar um caminho para que o analista possa cumprir sua promessa de cura. Freud (1913), no texto “Sobre o início do tratamento”, refere-se à prática de um tratamento de ensaio para evitar a interrupção da análise, a fim de se conhecer o caso e decidir sobre a possibilidade de sua analisabilidade; como exemplo, a falta de compreensão interna (insight) do paciente poderia ser um empecilho. Esse período, o qual Freud (1913) nomeava de tratamento preliminar é, ele próprio, o início da análise e, portanto, considera a regra fundamental da associação livre. É neste momento da entrevista que acontece o primeiro contato entre analisante (paciente) e analista. Etapa importante para o restante do processo de análise. Isso porque esse primeiro contato abre espaço para a transferência de análise, que até o momento ainda não está, de fato, instalada. No entanto, não podemos dizer que não há transferência, pois se o analisante chegou até o consultório deste analista em especial, isso se deve ao fato de que algo da transferência ocorreu, mesmo que de maneira mais frágil, e que ela se consolida no decorrer do processo, ou seja, se o analisante voltar na próxima sessão. Como sabemos, a transferência é a mola propulsora do tratamento. Ela pode ser positiva ou negativa, e por isso temos a relação entre amor/ódio, que são afetos para a psicanálise. 62 l Revista de Psicologia
A queixa inicial do sujeito quase sempre demanda uma palavra de cura, livrando o paciente do seu sintoma. Ele espera o auxílio de alguém, que supõe-se saber algo do sofrimento dele, podendo tratá-lo. Mas isso não é o suficiente para que a análise ocorra. Logo, essas entrevistas iniciais servem para investigar os motivos que trazem o paciente àquela consulta, é a mola mestra que vai direcionar o analista a montar suas hipóteses iniciais. Este primeiro contato pode ser exatamente o momento no qual se detectará o que é possível ou não ser “tratado” em termos psicanalíticos, podendo, além disso, proporcionar em si mesmo um resultado terapêutico. A postura do analista, neste primeiro contato, deve voltar-se para a escuta, a receptividade ao discurso do sujeito, mantendo, segundo Freud (1913), uma ‘atenção uniformemente suspensa’, ou seja, uma atenção flutuante. Este discurso direcionado ao analista é diferente dos outros, devido ao sentido novo que ele adquire aos ouvidos do psicanalista. Seu posicionamento é que vai determinar se o atendimento vai servir apenas para tamponar o sofrimento psíquico que o sujeito traz ou se irá abrir espaço para que a sua subjetividade seja revelada e que este possa se implicar em suas questões. Portanto, o analista não deve criar interpretações precipitadas, pois é o paciente que dá sentido às suas experiências. A função sintomal compreende questões sobre a demanda e analisabilidade. De acordo com Lacan, há apenas uma demanda verdadeira para se dar início a uma análise: a de se desvencilhar de um sintoma. Quinet (2000) afirma que para Lacan, a analisabilidade é função do sintoma e não do sujeito e deve ser buscada, a partir da transformação do sintoma do qual o sujeito se queixa em sintoma analítico. Isso significa que é preciso que: “a queixa se transforme numa demanda endereçada àquele analista e que o sintoma passe de estatuto de resposta ao estatuto de questão para o sujeito, para que este seja instigado a decifrá-lo” (Quinet, 2000, p.16).
A partir do momento em que o analista entra em contato com este ‘candidato à análise’, concretiza-se esta dupla escolha (tanto do analista, aceitando o indivíduo em análise, quanto pelo analisando, que se deixa analisar por aquele em específico), o sujeito será levado a elaborar sua demanda de análise, o que seria caracterizado na prática como um fator de histerização (Quinet, 2000). Quinet (2000) afirma que é necessário que a queixa se transforme em demanda, endereçada àquele analista, e que o sintoma saia da posição de resposta para a de uma questão para o sujeito. Assim, esse mesmo sujeito será incitado a decifrá-la. O analista entra como um questionador deste sintoma. Outra função das entrevistas preliminares compreende a função diagnóstica. Segundo Freud (1913), existem razões diagnósticas para começar o tratamento desta forma, pois nos casos de neurose com sintomas histéricos ou obsessivos, há certa dificuldade em diferenciá-los das chamadas demências precoces (esquizofrenia, parafrenia). Portanto, torna-se necessário a realização de um diagnóstico diferencial, em particular, o diagnóstico diferencial entre neurose e psicose na medida em que a forma de conduta frente ao caso se torna diferente para cada uma dessas estruturas clínicas. Contudo é preciso que o analista sustente esta posição de sujeito suposto saber para transformar a transferência demandante em transferência produtora pelo trabalho da associação livre – regra fundamental da psicanálise. É importante ressaltar que o analista vai ‘tomar este lugar de saber’ emprestado, não devendo nunca se identificar com essa posição, o que, para Quinet (2000), seria um erro. A função diagnóstica das entrevistas preliminares se institui como um papel de direção da análise, ou seja, ela só terá sentido se servir de respaldo para a condução da análise. Essa tática do analista no direcionamento da análise está correlata com a transferência, na qual o diagnóstico está intimamente ligado. Porém, este só pode ser investigado no registro do simbólico, atentando para o que Lacan anuncia ao dizer que um sujeito é incurável, pois não se pode curar o inconsciente. Cabe ao psicanalista o desafio de articular as entrevistas preliminares ao contexto em que está inserido e aproveitar a eficácia desta prática terapêutica.
QUINET. Antonio. As 4 + 1 condições da análise. 8. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000 p.7- 34.
NOTAS DE RODAPÉ 1. Acadêmica do 10° período do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 2. Professor supervisor de estágio do curso de Psicologia o Centro Universitário Newton Paiva.
REFERÊNCIAS FREUD, Sigmund. Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise. In:______ Obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996, p.123-133. (Edição standard brasileira das obras psicológicas Sigmund Freud, Vol.12). FREUD, Sigmund. Sobre o início do tratamento. In:______ Obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996, p.137-158. (Edição standard brasileira das obras psicológicas Sigmund Freud, Vol.12). Revista de Psicologia l
63
O obsessivo e a morte Caroline Turatti Cardoso1 Margaret Pires do Couto2
RESUMO resumo:Este trabalho tem como objetivo caracterizar a estrutura de neurose obsessiva, articulando com um caso a partir da experiência de estágio VI na Clínica de Psicologia Newton Paiva. Para compreender essa estrutura, é preciso considerar a relação com o pai, a dívida e a morte. Daremos ênfase nas fantasias de morte muito presente na estrutura. Palavras chave:Obsessivo, Morte, Dívida, Pai, Fantasia.
Para Ribeiro (2003), a neurose obsessiva é um sofrimento psíquico que aponta para os impasses do sujeito com o desejo inconsciente. Segundo Lacan (1999), existe no inconsciente cadeias significantes que são estruturantes, que incidem sobre o organismo, transformando-se em sintomas. “A fantasia efetivamente, é o suporte, o índice de certa posição do sujeito” (GAZZOLA 2002, p.148). Segundo Gazzola (2002), é o ponto de partida constituindo-se a imagem que atinge o sujeito no campo do Outro. O autor caracteriza como um tempo de parada, um tempo suspenso, uma imagem fixada para sempre. É a imagem parada desse momento de ação no qual o sujeito estava prestes a se constituir em relação ao seu desejo. O sujeito então paga um preço para sustentar sua posição de ser desejante. Segundo Gazzola (2002), para compreender o obsessivo, é preciso considerar a relação com o pai, a dívida e a morte. Ele se identifica com o pai morto, põe-se assim a fazer-se de morto em vários sentidos. Primeiramente, para o autor, o obsessivo se recusa a fazer-se de mestre ou senhor para enganar a morte. Ele está sempre adiando seu desejo para só servir-se dele no dia em que seu mestre morrer, no dia que ele poderá ocupar o lugar de seu mestre. Naturalmente, isso nunca acontecerá, pois a melhor forma de enganar a morte é estar morto. É um paradoxo, pois ele escolhe a posição de escravo para não perder a vida, mas acaba tornando-se morto-vivo. Conforme Lacan (1999), o obsessivo bruto é aquele que se queixa de empecilhos, bloqueios, inibições, medos, dúvidas e proibições. Um exemplo de um obsessivo bruto é o caso de Marcos, 65 anos, taxista, aposentado, que chegou a Clínica de Psicologia Newton Paiva para acompanhamento psicológico para o filho Leonardo. Em um primeiro contato, relatou sobre medos, medo de 64 l
Revista de Psicologia
ser chamado atenção, medo do cliente que entrava no táxi, medo de falar em público e ainda o medo da polícia. Relatou que é membro dos Alcóolicos Anônimos há trinta e dois anos e muitas vezes, ao falar em público, sentia uma tremedeira, ficava nervoso e a língua enrolava. Marcos já foi casado e possui sete filhos. Uma filha é casada, mora com a mãe e o marido e recebe pensão do pai. Quando indagado sobre o porquê pagar pensão a essa filha, este alega que a pensão é vitalícia e enquanto puder pagar, diz que vai pagar. Possui outros três filhos com sua ex-mulher, com quem permaneceu muitos anos casado, e ainda mais três filhos mais novos de outra mulher, com quem tem um relacionamento conjugal. Marcos trabalhou seis anos fazendo alguns “bicos” e depois adquiriu sua própria franquia. Para ele trabalhar durante o dia, foi muito difícil, mas depois acostumou. Afirmou que não servia para trabalhar durante a noite, devido à violência e aos assaltos. No trabalho, ao “puxar a fila”, expressão utilizada pelos taxistas, significando se aproximar para a próxima corrida, um de seus colegas chamava de “velho muxiba e pé na cova”. Diziam que está fazendo hora extra e que só puxava o carro quando desejava. Todos os colegas de trabalho são novos e para Marcos no futuro não haverá mais velho, pois estão morrendo muito cedo. Afirmou que ainda tem medo de sair à noite e, pelas duas ou três horas, ser assaltado por motos, como já viu, descarregarem a arma. Relatou que há dois anos fez uma corrida onde foi assaltado. Marcos disse que não poderia fazer a corrida, pois tinha que entregar o carro. O rapaz insistiu e dentro do carro mostrou que portava uma arma, o assaltante questiona se estava com medo e que desejava matá-lo. Marcos responde que não teria condições de dirigir porque estava muito nervoso. O rapaz pede para seguir
e indagando se era realmente homem. As palavras do rapaz “você não é homem não? Vai borrar as calças?” ficaram marcadas. Ainda para Lacan (1999), há sempre um a cena em que o sujeito é apresentado no roteiro sobre formas diferentemente mascaradas, na qual ele é implicado nas imagens diversificadas, na qual um outro ou um semelhante e também como reflexo do sujeito é presentificado. Nas sessões seguintes, ele relatou vários episódios de assalto com outros colegas taxistas. O cliente afirmou que sofria muito com tudo isso e ainda disse que “taxista sente muito medo”. Contou de outra situação que levou outro passageiro em um lugar afastado e que pediu para subir o morro, o cliente insiste dizendo que iria permanecer no carro até o rapaz pegar o dinheiro, que se encontrava no local. O paciente então vai embora preservando sua vida. Podemos perceber que em todas as situações há um enquadramento da cena, ao insistir o sujeito acaba cedendo e é roubado, levando tudo que lhe restava. Para ele, em um assalto é preciso entregar tudo para viver. Pode-se perceber que entregar tudo para o outro é entregar a própria vida. Marcos estava às voltas com a morte e como estratégia tinha que oferecer a vida e morrer ou servir ao Outro, que ele supunha ter que se fazer de escravo. Podemos pensar que Marcos, como todo obsessivo, se apresenta como escravo, um escravo do trabalho, e, ao mesmo tempo, como seu próprio patrão, dedicando-se em média nove a dez horas em sua jornada. Para Lacan (1999), para o obsessivo, o trabalho é poderoso, sendo feito para liberar o tempo de navegação a todo pano que será o das férias. A passagem pelas férias revela-se habitualmente quase perdida. Caso não seja o trabalho, o sujeito pode buscar outras saídas, uma delas é tornar-se escravo da bebida. Marcos relatou de um amigo, também aposentado, que passava as manhãs no bar até a hora do almoço e de tarde levava duas garrafas de cerveja para casa. Marcos responde que não pode e não quer ter uma vida como essa. Marcos é um escravo não só do trabalho, mas também um escravo que serve sua própria mulher. Nos atendimentos, referiase a ela como patroa. Dessa maneira, podemos pensar que Marcos encontrava na mulher, a quem servia, e no trabalho, se tornando escravo, modos de regular a sua própria pulsão. Portanto, era um escravo que ora encontrava-se com o pé na cova fugindo para não se haver com o seu próprio desejo. O medo, então, se apresentava como um sintoma para dar conta dessas angústias. E ao mesmo tempo o medo é o sintoma para tratar a “tremura”. Tanto o medo e a “tremura” são significantes que dizem da verdade do inconsciente. O medo apresentado da polícia seria então uma resposta ao pecado moral? Qual é
o crime que esse sujeito cometeu para ter tanto medo da policia? O tratamento, então, fará surgir o que é da ordem do desejo, pois a todo momento Marcos foge ao se deparar com ele tentando defender-se da castração. Portanto, o objetivo essencial na estrutura obsessiva é a manutenção do Outro. Segundo Gazzola (2002), o que será importante trabalhar durante o período do tratamento é despertá-lo do seu sono de morte, retirar assim, o pé da cova de forma que se torne vivo no tempo presente. REFERÊNCIAS GAZZOLA, Luiz Renato. O Obsessivo, o tempo e sua morte. In:______. Estratégias na neurose obsessiva. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. p.145-159. GAZZOLA, Luiz Renato. O pai, a dívida e o gozo. In:______. Estratégias na neurose obsessiva. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. p.40-73 LACAN, Jacques. O desejo e o obsessivo. In:______. O seminário: livro 5: As formações do inconsciente. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. p. 417-434. RIBEIRO, Maria Rita Carneiro. A neurose obsessiva. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. p. 75.
NOTAS DE RODAPÉ 1. Acadêmica do 10° período do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2. Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva
Revista de Psicologia l
65
A terapia comportamental infantil ao longo da história Damiana Cristine Ferreira1 Maxleila Reis Martins Santos2 resumo: Este artigo tem como objetivo apresentar um breve histórico da psicoterapia comportamental infantil ao longo de sua existência. Neste intuito, serão apresentados dados do referencial teórico Analítico Comportamental e apontamentos históricos que revelam o processo de desenvolvimento da Psicoterapia Infantil. Palavras-chave: Modificação do Comportamento, Psicoterapia Comportamental Infantil, Criança. INTRODUÇÃO Mudanças na forma de interação entre crianças e adultos podem ser percebidas ao longo da história da humanidade, devido ao papel social destinado às crianças no decorrer dos anos. As diferentes formas de interação entre adultos e crianças trouxeram reflexos também para a interação dos terapeutas infantis e seus clientes. Dados históricos revelam épocas em que a infância era um período ignorado pela sociedade. Esse comportamento social era justificado devido ao fato de que a criança, no período da antiguidade, era vista como “fruto de um estigma, pois representava o pecado da carne, que lhe dera origem, o pecado original” (RIZZO, 2003, p. 21). Devido a essa intrínseca natureza pecaminosa, acreditava-se que a criança necessitava de uma educação corretiva e disciplinadora, que deveria ser feita por meio de vigilâncias constantes. Ainda de acordo com a autora citada acima, foi a partir das guerras napoleônicas que se iniciou o movimento de valorização da criança, pois havia sido exterminado um grande contingente de homens nos confrontos, surgindo assim a demanda de novos soldados que pudessem defender o Estado-Igreja. Nos dias atuais, o lugar ocupado pela criança vem se desenvolvendo a cada dia, sendo essa resguardada por políticas públicas e leis de proteção à criança. O papel social da criança ao longo da história refletiu nas formas de atuação dos terapeutas nos atendimentos infantis. Passa-se agora a delinear o desenvolvimento da psicoterapia infantil ao longo da história, desde o seu surgimento (Modificação do Comportamento) até os dias atuais (Psicoterapia Comportamental Infantil – PCI), sob o enfoque da Análise do Comportamento. Williams; Madsen (apud, CONTE e REGRA, 2000, p. 79) afirmam que a Modificação do Comportamento era caracterizada 66 l
Revista de Psicologia
como uma tentativa de replicação de princípios de aprendizagem e métodos experimentais desenvolvidos em ambientes artificiais (ambientes controlados). O foco de intervenção na psicoterapia era uma resposta (a queixa) ou uma classe de resposta específica e que visava a sua modificação. Cada queixa era tratada de maneira isolada, não levando em consideração o todo envolvido. Na Modificação do Comportamento, os problemas das crianças restringiam-se às preocupações dos pais, por esse motivo os trabalhos dos terapeutas não levavam em consideração as opiniões e questionamentos da criança. O trabalho de intervenção no decorrer do processo psicoterápico se dava exclusivamente com os pais, sendo de forma indireta a participação da criança no processo. As entrevistas na Modificação do Comportamento eram feitas com os pais, que definiam as queixas a serem trabalhadas no decorrer do processo. As crianças não participam de forma ativa nem mesmo na “delimitação” dos comportamentos-queixa, as interações da criança com o ambiente e a posição da criança frente às queixas apresentadas pelos pais não eram consideradas. Nas entrevistas preliminares, nas quais o terapeuta passa a ter acesso às dificuldades da criança, era o adulto o responsável pela definição e delimitação do comportamento-queixa a ser trabalhado. Visando ao levantamento de dados precisos quanto às queixas apresentadas pelos pais, utilizavam-se check-lists e inventários que abarcavam uma multiplicidade de comportamentos-problema observáveis nos quadros de depressão, agressividade, ansiedade e timidez (WATSON; GRESHAM, apud GADELHA; MENEZES, 2004, p.59). Recursos lúdicos não eram utilizados no processo de modificação do comportamento infantil, pois, como foi mencionado acima, a participação da criança no processo psicoterápico se dava de maneira indireta, e os comportamentos encobertos e
os relatos verbais dessas muitas vezes não eram considerados no decorrer do processo de intervenção e de definição do comportamento-problema, sendo utilizadas apenas técnicas precisas, que podiam ser medidas no decorrer do processo de intervenção. De acordo com Gadelha e Menezes (2004, p. 59), foi em 1960 que a terapia comportamental infantil firmou-se como modelo psicoterápico, passando a analisar de forma funcional o comportamento da criança em relação ao ambiente no qual ela está inserida. Neste momento, a criança passa a participar do processo psicoterápico de forma ativa. Na Psicoterapia Comportamental Infantil, as crianças - enquanto agente ativo no processo psicoterápico - participam de todo o processo, desde o levantamento da queixa até os momentos da intervenção propriamente ditos. De acordo com Silvares; Gongora (apud, GADELHA; MENEZES, 2004, p. 59), as crianças passam a ser informantes de seus próprios comportamentos, sentimentos e relacionamento social, não dependendo mais exclusivamente dos relatos dos pais para a obtenção de dados quanto as suas vivências individuais. Nesse tipo de entrevista, a criança pode fornecer informações adicionais quanto a sua forma de interação. A participação da criança enquanto agente do processo psicoterápico exigiu dos terapeutas uma atuação embasada nas particularidades infantis (desenvolvimento motor; comportamental; sensorial e emocional), na qual as estratégias lúdicas passam a ser uma importante forma de atuação. Dentre os recursos lúdicos na Análise do Comportamento, há o uso da fantasia no exercício clínico e este “[...] pode ser abordado como estudo científico quando descreve e explica o comportamento (englobando comportamento verbal e não verbal e o sentir e o perceber) conduzindo à compreensão do fenômeno de maneira econômica” (REGRA, 2001, p.187). O fantasiar tem sido útil na avaliação e também no processo de intervenção clínica, possibilitando ao terapeuta maior conhecimento das possíveis variáveis controladoras do comportamento da criança, viabilizando assim uma intervenção mais precisa. De acordo com os dados acima, percebe-se que a Psicoterapia Comportamental Infantil foi se desenvolvendo ao longo dos anos, sendo influenciada pela cultura (papel social desempenhado pela criança ao longo da história da humanidade) e ainda pelo desenvolvimento conceitual do eixo epistemológico que a sustenta – Análise do Comportamento.
GADELHA, Yvanna Aires; MENEZES Izane Nogueira de. Estratégias lúdicas na relação terapêutica com crianças na terapia comportamental. Disponível em: <http://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/index.php/cienciasaude/article/viewFile/523/344. Acesso em: 3 mar. 2011. MADSEN JR., C. H. (1965). “Positive reinforcement in the toilet training of a normal child: A case report”. In: ULLMANN, L. P. e KRASNER, L. (orgs.). Case studies in behavior modification. Nova York: Holt, Rinehart and Winston Inc. RIZZO, Gilda. A Creche: breve histórico. In:______. Creche : organização, currículo, montagem e funcionamento. 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. cap. 1, p.19-43. WATSON, T.S. & GRESHAM, F. M. Handbook of child behavior therapy. New York: PLENUM PRESS, 1998. WILLIAMS, C. D. (1965). “The elimination of tantrum behavior by extinction procedures”. In: ULLMANN, L. P. e KRASNER , L. (orgs). Case studies in behavior modification. Nova York: Holt, Rinehart and Winston, Inc.
NOTAS DE RODAPÉ 1. Acadêmica do 10° período do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2. Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva
REFERÊNCIAS CONTE, Fátima Cistina de Souza; REGRA, Jaíde A. Gomes. A psicoterapia comportamental infantil: Novos Aspectos. In: SILVARES, Edwiges F. M. et al.(Org.). Estudos de caso em psicologia comportamental infantil. Campinas: Papirus, 2000, v. 1, cap. 4, p. 79-136. Revista de Psicologia l
67
Transferência e ética: uma análise clínica Daniel Bruno dos Reis1 Geraldo Majela Martins2 RESUMO: Este trabalho procura fazer algumas considerações a respeito da transferência e seu manejo, levando em consideração um caso clínico atendido na Clínica de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. Ressalta-se a importância do manejo transferência em decorrência da situação analítica já instituída desde o primeiro atendimento. Palavras-chave: Manejo, Transferência, Ética, Psicanálise.
A grande preocupação dos jovens psicólogos está em torno do que fazer em relação ao seu paciente para ajudá-lo a melhorar. Sempre se tem a preocupação do que dizer, de como interpretar, como intervir para assim produzir um efeito terapêutico na vida do cliente. Mas é preciso pensar melhor sobre esta atitude em relação aos pacientes. Freud escreve em 1914 o texto “Observações sobre amor transferêncial”, no qual vai discutir a questão da transferência e da postura que o analista deve ter diante de seu paciente. Logo no primeiro parágrafo do texto, ele escreve: Todo principiante em psicanálise provavelmente se sente alarmado, de inicio, pelas dificuldades que lhes estão reservadas quando vier a interpretar as associações do paciente e lidar com a reprodução do reprimido3. Quando chega a ocasião, contudo, logo aprende a encarar que as únicas dificuldades realmente sérias que tem de enfrentar residem no manejo da transferência (FREUD, 1914, p. 177). Outro ponto importante a ser ressaltado diz respeito às considerações de Lacan (1998) sobre o tratamento analítico quando escreve o texto “A direção do tratamento e os princípios de seu poder”. Neste texto, Lacan vai fazer apontamentos sobre as entrevistas preliminares, retificação subjetiva, mas o que se pretende ressaltar é a questão da ética do desejo em que está pautada a psicanálise em relação a seus pacientes. Em um dos tópicos do texto Lacan aponta que “é preciso tomar o desejo ao pé da letra” (LACAN, 1998, p. 626). Levando em consideração esses apontamentos, temos um caso clínico. Ricardo, um rapaz de 33 anos, procura o atendimento na Clínica de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. No primeiro atendimento, Ricardo diz que tem uma história para contar. Ele relata sobre seus empregos, diz que é professor do Estado e que até pouco tempo trabalhava em outra em68 l
Revista de Psicologia
presa da qual teve que sair devido a uma mudança nos horários na escola em que leciona. Ricardo então relata algo que vem lhe trazendo maior incômodo, seu namoro. Segundo ele, namora uma pessoa que tem “uma doença do pânico”, a qual não consegue compreender. Dessa forma, sua namorada não quer que ele a veja em crise, portanto eles não têm se encontrado há algum tempo. Ricardo diz que precisa saber de um especialista sobre esta tal doença para entender o que se passa com sua namorada, pois sente falta dela e ela não o quer ver. Na semana seguinte, Ricardo telefona para a clínica e desmarca o atendimento, deixando marcado para a próxima semana, quando também não comparece sem avisar. No dia em que deveria haver um atendimento, Ricardo novamente não comparece nem faz um contato para desmarcar. Então, na semana que deveria ser seu atendimento e durante o horário reservado, o terapeuta tenta um contato e ele atende ao telefone surpreso, diz que teve um compromisso que pretendia ligar, mas acabou esquecendo. Neste momento, algo poderia ter sido dito – mas você pretendia ligar não é – apontando assim para o desejo, que está claro na preocupação em mesmo não vindo ligar e avisar, pedindo uma remarcação. Mesmo assim, ele não comparece no atendimento seguinte. Ligou desmarcando e disse que gostaria de remarcar. Ao telefone, numa quarta-feira, Ricardo pede que seja atendido na sextafeira. Diante da impossibilidade de horários, fica marcado para a segunda próxima, mas ele não comparece também. Numa ligação durante o horário que seria o de seu atendimento, Ricardo diz ter se esquecido completamente que havia marcado aquele dia e horário. Claro, não era esse o dia e horário que ele havia solicitado. Ele sugere outro dia na semana seguinte, e seu atendimento fica marcado. Algo da transferência está posto em questão nestes atendimentos, mas sobre o qual não é possível dizer nada. A transferência está estabelecida, mesmo que não tenha sido retificado alguma coisa, ou que alguma formação do inconsciente tenha
aparecido para legitimá-la. Ricardo não compareceu aos atendimentos seguintes, mas ligou, desmarcou e remarcou. Entretanto não foi ver o terapeuta. É preciso lembrar que na primeira sessão diz que precisa entender melhor porque sua namorada não o quer ver. Realmente é uma grande questão para o tratamento em psicanálise o manejo da transferência como coloca Freud. Em muitos textos sobre as entrevistas preliminares, encontra-se grande preocupação de seus autores de estabelecer bem sobre esse ponto como sendo fundamental para o início de uma análise. Fala-se de retificação subjetiva e a importância para que haja a histerização do discurso, podendo assim ser instituído para o analista o lugar do sujeito suposto saber e assim se estabelecer a transferência. Mas e quando o próprio paciente, sem retificar-se, estabelece a neurose de transferência, age a partir dela sem ao menos apontar uma formação do inconsciente que a formalize? Da mesma maneira, é preciso ter em vista que o manejo da transferência por parte do analista seja cuidadoso. Caso contrário, surge o que alguns gostam de chamar de contra-trasferência. Sobre a transferência amorosa, Freud (1914) diz que “[...] o fenômeno significa um esclarecimento valioso e uma advertência útil contra qualquer tendência a uma contratransferência que pode estar presente em sua própria mente” (FREUD, 1914, p. 178). Que na verdade acredita-se ser algo que está do lado do analista e é nada mais nada menos que sua própria transferência. Que é claro é contra a do paciente. Freud (1914) aponta três aspectos essenciais da transferência: que ela é suscitada pela situação analítica; que é intensificada pela resistência; e que falta-lhe alto grau de consideração pela realidade. Pode-se pensar sobre este primeiro aspecto e o caso apresentado. Que a transferência é suscitada pela situação analítica. Ricardo já aponta os caminhos de seu tratamento, estabelecendo a transferência logo de inicio. Tem-se então uma situação analítica constituída pela transferência não formulada de Ricardo. Este sujeito vem já para o tratamento de certa forma, pronto, como o pretende deixar as entrevistas preliminares, retificado e transferido. Depois de não vir, esquecer de ligar e finalmente esquecerse de seu horário, Ricardo vem à sessão. Nesta sessão, ele logo pergunta se o terapeuta se lembra das coisas que contara na primeira vez que veio. Então diz que sua namorada melhorou do pânico, mas que, agora, está com outro problema. Diz ele que ela inventou outra coisa que está atrapalhando seu relacionamento e que ele não sabe se vai continuar. Ela agora quer que ele mude de religião, que seja da dela. Ricardo conta que está participando de um processo seletivo na área de informática, nova para ele, mas que tem dúvidas sobre isso, não sabe se será bom.
Ricardo novamente retoma a questão com a namorada, diz que é uma situação complicada, que já foi na igreja dela, mas não entende sua imposição sobre a questão religiosa. Ele diz que não sabe o que faz, pois pode mudar de religião e eles terminarem. Ele diz que não sabe se vai continuar, pois a situação é complicada, eles não se beijam, não pegam na mão, muito menos têm relação sexual. Mais uma vez ele diz que não sabe se vai continuar. É preciso dizer: e então, nós continuamos na semana que vem? Ele diz que sim e então essa sessão é finalizada. Ele realmente não sabe se continua, a situação é complicada. Com sua namorada e seu tratamento. Ele aponta isso durante toda a sessão. A questão é apontar de alguma forma para seu desejo, manejar a transferência na situação analítica e assim caminhar para que o paciente subjetive seu sintoma e se torne desejante. Esta é a ética da psicanálise. A isso que se referiu Lacan (1998), a ética não é da cura como se pretende naturalmente. O sintoma é aquilo que diz do sujeito, é sua causa. É preciso sim subjetivá-lo, sê-lo, se tornar a causa e assim desejar. REFERÊNCIAS FREUD, Sigmund. Observações sobre o amor transferêncial. In:______. O caso Schreber, artigos sobre técnica e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 173 – 190. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 12). LACAN, Jacques. A direção do tratamento e os princípios de seu poder. In:______ Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. p. 807-842.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmico do 10º período de psicologia no Centro universitário Newton Paiva. 2 Professor supervisor de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 3 Lê-se recalcado.
Revista de Psicologia l
69
O impacto na vida adulta do abuso na infância Diéferson Artur Brandão1 Raquel Neto Alves2
RESUMO: Este artigo trata do abuso sexual infantil e suas consequências na vida adulta. Inicialmente, foi realizado um estudo bibliográfico sobre o assunto no intuito de definir o abuso sexual infantil. Nesse estudo, também trataremos de algumas consequências do abuso sexual na criança, como excesso de agressividade ou de medo, além de outras que afetam a pessoa já adulta. Em seguida, será feito um estudo de caso, tendo em vista relatos de uma cliente atendida no período de aproximadamente um ano na Clínica de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva, onde foi realizado o Estágio Supervisionado de Psicologia. Tais atendimentos foram baseados na abordagem Existencial-Fenomenologica. Palavras-chave: Abuso sexual infantil, Transformação da autoimagem corporal
INTRODUÇÂO Uma criança pode sofrer diferentes tipos de abuso. Um deles é o abuso sexual infantil, que, ao contrário do que muitas pessoas pensam, não se configura apenas por um abuso físico, mas também por um abuso mental, conforme afirma Glaser (1991 apud Amazarray e Koller, 1998). Uma pessoa que sofre abuso na infância pode possuir traumas que, futuramente, na vida adulta, podem acarretar consequências impactantes. O objetivo deste artigo é justamente pesquisar algumas dessas consequências. Primeiramente, definiremos o conceito de abuso sexual, para, em seguida, trabalharmos com suas consequências. Assim, após uma pesquisa bibliográfica sobre o assunto, será feito um estudo de caso, com base na teoria existencial-fenomenológica, no qual serão analisados relatos feitos pela cliente J. R. N.3 no período de aproximadamente um ano (agosto de 2010 a junho de 2011), em que se realizou o estágio supevisionado na Clínica de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. A cliente J. R. N., aparentemente, tenta transformar a sua autoimagem corporal de modo a não ser desejada sexualmente. Dessa forma, após uma pesquisa teórica sobre esse assunto, observaremos, por meio da análise dos relatos da cliente, se tal característica, em sua vida adulta, é para afastar o desejo do outro. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Segundo Benjamin Sadock e Virgini Sadock (2008, p.405) “A maioria dos casos de abuso sexual envolvendo crianças nunca é revelada devido ao sentimento de culpa, vergonha, ignorância e tolerância da vítima”. Entretanto, o abuso sexual infantil é mais comum do que se pensa. O abuso infantil pode ser definido de várias formas, uma delas é quando a criança é mal-tratada de forma violenta tanto 70 l
Revista de Psicologia
física quanto psíquica. Assim, para que tenha ocorrido abuso não é necessário que obrigatoriamente ocorra violência física. Outro fator que caracteriza abusos sexuais é que crianças abusadas não compreendem a atividade sexual em sua totalidade e, por isso, não estão aptas a concordar com elas. Ainda sobre a definição de abuso sexual, vejamos três características apontadas por Watson (1994 apud Amazarray e Koller 1998): Watson (1994) define abuso sexual como qualquer atividade ou interação onde a intenção é estimular e/ou controlar a sexualidade da criança. Além disso, segundo esse autor, devem ser observados três fatores, a fim de distinguir atos abusivos de atos não-abusivos: - Um poder diferencial, implicando em que uma das partes exerce controle sobre a outra e que a relação não é mutuamente concebida e compreendida; - Um conhecimento diferencial devido à idade cronológica mais avançada do agressor, a um maior avanço desenvolvimental do mesmo ou a uma inteligência superior à da vítima; - Uma gratificação diferenciada, reconhecendo que o propósito da relação é a satisfação do agressor e que qualquer prazer por parte da vítima é acidental e de interesse para o prazer de quem abusa.(AMAZARRAY; KOLLER, 1998) Dessa forma, para esse autor, para haver abuso deve haver também: 1) controle do autor em relação à vítima; 2) agressor com idade ou conhecimento superior à vítima; 3) sentimento de satisfação restrito ao agressor. Definido o que é abuso sexual, cabe agora tratar de suas
consequências. Ainda Segundo Benjamin Sadock e Virgini Sadock (2008), é difícil se provar que uma criança sofreu algum tipo de abuso sexual, entretanto há algumas características que podem denunciar tal ato. Crianças que, por exemplo, têm conhecimento detalhado sobre o ato sexual, incomum para sua faixa etária, podem já ter sido abusadas. Além disso, tais crianças comumente são agressivas e têm medo de adultos, principalmente homens. Benjamin Sadock e Virgini Sadock (2008) também afirmam que crian-
ças que sofrem abuso físico ou sexual exibem muitos transtornos psiquiátricos, incluindo ansiedade, comportamento agressivo, ideação paranóide, transtorno de estresse pós-traumático, transtornos depressivos e maior risco de comportamento suicida.
Pode-se afirmar também que um adulto que foi abusado sexualmente na infância pode apresentar problemas com relação à transformação de sua imagem corporal. Por exemplo, uma pessoa que possui algum histórico de abuso sexual devido ao fato de em sua infância ter tido o corpo desejado por alguém poderá, na vida adulta, transformar sua imagem corporal de modo que esta não desperte desejo em outrem. Ela prefere que seu corpo esteja fora dos padrões de beleza, diferentemente daquele corpo que um dia foi alvo de interesse, ficando, assim, mais distante de possíveis interesses. Isso ocorre porque o corpo do indivíduo está diretamente ligado às suas emoções e atitudes, como afirma Schilder (1950 apud Erthal 1989, p.60): “A topografia do modelo postural do corpo será a base de atividades emocionais. Nossas emoções e ações são inseparáveis da imagem corporal”. A seguir, traremos um estudo no qual investigaremos as possíveis consequências do abuso sexual infantil na vida adulta de J. R. N, cliente atendida durante o estágio supervisionado de psicologia. A abordagem teórica nos atendimentos é a Existencial-Fenomenológica, definida por Erthal (1989) como uma abordagem psicoterápica que: tem como princípio básico a compreensão do cliente na sua totalidade (visão holista), e não numa coleção de parte, partindo do seu próprio ângulo, analisando a estrutura de sua existência humana. Referindo-se ao homem como criador de si mesmo e do seu mundo, procura compreendê-lo a partir dessa verdade. Seu objetivo é, portanto, decifrar os padrões de comportamento para então chegar ao projeto ou imagem que o indivíduo tem de si mesmo. Parte da experiência apoiando-se, principalmente, na compreensão pré-ontológica que o homem tem da pessoal humana (filosofia de base). (ERTHAL, 1989, p. 72) Assim, a abordagem existencial-fenomenológica trabalha com uma visão de que o ser humano é um ser-no-mundo. Dessa forma, essa teoria visa fazer com que a pessoa seja capaz de transformar o que é oferecido pelo mundo, tendo assim uma existência autêntica.
DISCUSSÃO Nos atendimentos realizados à J. R. N na Clínica de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva, esta relatou episódios de abuso sexual sofridos em sua infância. Durante um determinado atendimento, a cliente relata que uma vez estava brincando com suas amigas em um local próximo a sua casa quando um homem, que era seu vizinho e conhecido da vizinhança, convidou-a para ir até a sua casa. Chegando lá, ele lhe mostrou seu órgão sexual e começou a falar várias coisas para ela. Ela conta que não fez nada e que ele nem tirou a roupa dela, pois sua amiga começou a chamá-la do lado de fora da casa. A cliente relata que o homem lhe disse para não contar o que havia ocorrido a ninguém sobre forte ameaça de machucá-la e à sua família também. J. R. N conta que sua mãe foi buscá-la e fez várias perguntas sobre o que havia ocorrido dentro da casa daquele homem. A cliente disse que não conseguia falar nada do que aconteceu com medo de que o homem pudesse fazer mal a ela ou a sua família. J. R. N também relatou que sua mãe a levou para o banheiro, deulhe banho e perguntou novamente o que havia ocorrido. Como ela não falava nada, sua mãe começou a lhe bater. Ela conta que nem conseguia chorar e apanhou calada. Em outro atendimento, a cliente conta que, quando era adolescente, tinha um corpo magro e bonito. Morava com sua mãe, e seu padrasto tentou violentá-la sexualmente. Um dia, este a chamou no quarto e, chegando lá, ela o viu nú. Nesse momento, ele a pediu para também tirar a roupa. Assustada, J. R. N se retirou, conseguindo sair sem que nada acontecesse. Ela disse que contou o episódio para a mãe, mas que esta não acreditou e que acusou, ainda, J. R. N de estar se oferecendo para o padrasto. Então, mãe e filha começaram a discutir, e J. R. N é agredida. Em outro atendimento, J. R. N. disse que hoje em dia não consegue sentir vontade de manter relações sexuais com seu noivo. A cliente relatou que fica muito tempo sem ter nenhuma relação sexual com esse. Eles se encontram, dormem juntos, mas ela quase nunca sente vontade de ter intimidade com ele. Assim, às vezes, faz sexo para agradá-lo e, vez ou outra, quando sente vontade, necessita de seguir certa sequência, ou seja, não pode ser muito tarde, eles têm que tomar banho antes, e ela precisa estar muito bem disposta. J. R. N. também relatou que seu noivo estava comentando que ela deveria começar a emagrecer, pois, quando eles começaram a namorar, ela pesava 20 kg a menos. Ele acredita que ela está perdendo o controle da situação e que corre o risco de ficar obesa. Ela, então, contou que tem uma amiga que fez redução de estômago e que estava pensando em continuar engordando para poder chegar no peso em que o plano de saúde poderia Revista de Psicologia l
71
cobrir uma cirurgia de redução de estômago. Ela disse, ainda, que não consegue seguir dietas, frequentar academia, fazer exercícios físicos em geral e que seria mais fácil ganhar peso e fazer a cirurgia do que ter que perder quilo por quilo. Os relatos de J. R. N. sobre problemas entre essa e seu noivo, hoje em dia, parecem ter origem em sua infância. Como vimos no estudo bibliográfico, crianças que foram sexualmente abusadas podem carregar traumas na vida adulta. Quando J. R. N. se recusa a fazer sexo com seu noivo, faz para agradá-lo ou mesmo somente após impor algumas condições, parece estar evitando o contato que a traumatizou em sua infância. Também, à medida que J. R. N. descuida-se de seu corpo, ela deixa de ser desejada, o que também é uma forma de evitação. CONCLUSÃO Este estudo, que teve como base a Teoria Existencial-Fenomenológica, tentou compreender que adultos que sofreram abusos na infância podem trazer consigo traumas marcantes em sua existência. No caso estudado, percebeu-se que J. R. N., além de não desejar fazer sexo com seu noivo, transforma sua imagem corporal de modo a não ser desejada. Tal estudo é válido, pois mostra que problemas trazidos pelos clientes podem ser reflexos de situações conflitantes que os afetaram na infância. REFERÊNCIAS AMAZARRAY, Mayte Raya; KOLLER, Silvia Helena. Alguns aspectos observados no dessenvolvimento de crianças vítimas de abuso sexual. Psicologia Reflexão e Crítica. Vol. 11. N. 003. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil. 1998. ERTHAL, Tereza Cristina Saldanha. Terapia Vivencial: uma abordagem existencial em psicoterapia. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1989. SADOCK, Benjamin J.; SADOCK, Virgini A. Manual Conciso de Psiquiatria Clínica. 2 ed. Porto Alegre: Artmed, 2008.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmico do 10º período do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 3 Por questão de privacidade, manteremos o nome da cliente em sigilo
72 l
Revista de Psicologia
O manejo da transferência: via de uma psicanálise Dionne Maria Pinto de Carvalho1 Geraldo Majela Martins2 RESUMO: Este trabalho é uma apresentação de um caso clínico, acontecido durante o ano de 2010. O tema a ser abordado neste caso será a transferência, tendo como pano de fundo a irrupção da resistência, no decorrer do processo de tratamento. Os textos de Sigmund Freud serão os norteadores teóricos desta apresentação. Palavras-chave: Transferência, Resistência, Psicanálise, Clínica.
Este artigo é fruto de um Atendimento Clínico realizado na Clínica de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva - Estágio Supervisionado VII – Abordagem Psicanalítica II, no segundo semestre de 2010, sob a supervisão do Professor Geraldo Majela Martins. Iremos tratar do termo transferência a partir de um fragmento clínico, relacionando-o com as contribuições teóricas de Sigmund Freud, em torno de todo o processo analítico para demonstrar a relevância deste tema e o seu manejo no desenvolvimento da clínica. Patrícia Mendes procurou a clínica solicitando ajuda, pois se considera muito tímida e não sabe lidar com esse fato, pois se isola das pessoas porque não sabe o que falar com elas, julga não ter assuntos interessantes como os outros. Acreditava que o seu trabalho iria facilitar algo, mas aconteceu o contrário, trabalha com telemartking e isso colaborou mais ainda para se sentir isolada. No decorrer dos atendimentos, Patrícia se revela uma pessoa que sabe sim o que falar. E denuncia a falta de estrutura de sua casa. Muitas vezes ela fala que assume o papel de mãe. Pelo fato de Patrícia ser a única que está trabalhando em casa, ela assume a função de mantenedora da casa. E isso coloca o pai em uma posição inferior. O pai, os irmãos e o namorado são considerados, em vários momentos, como moleques. Patrícia considera-os imaturos e que levam a vida muito na brincadeira. Relaciona seu jeito mais sério com o jeito de sua mãe. Outra questão importante que Patrícia apresenta nas sessões é do seu desejo de casar-se. Ela gosta muito de descrever vários casamentos que frequenta, nos mínimos detalhes. Porém se mostra angustiada quando alguém a questiona sobre seu casamento. Muitas vezes, fala que quer casar, sair de casa, ter o seu próprio canto, onde poderá viver sossegada, livre dos problemas de sua casa. Alega que no momento não pode sair de casa, pois
seus pais precisam de sua ajuda, e o outro motivo é porque o namorado está desempregado e não consegue juntar dinheiro para o casamento. Apesar de deixar explícito em várias sessões o desejo de se casar, ela, algumas vezes, questiona se isso irá acontecer realmente, e se seria o namorado o futuro marido, assume que gostaria que fosse, mas confessa que nada na sua vida sai do lugar, que seus colegas já se formaram, outros se casaram, e ela, até agora, não fez nada. Em outra sessão, Patrícia defende seu namorado, como também sua família, dizendo que sua relação amorosa dá muito certo, pois eles convivem muito bem. Em outro momento, ela também traz que sua família é muito unida e estruturada. Para elucidar todo este movimento na Clínica de Patrícia, utilizaremos o conceito de transferência de Sigmund Freud, em A dinâmica da transferência (1912), em que relaciona a transferência na análise como a resistência mais poderosa ao tratamento. Neste estudo, Freud (1912) descreve uma situação psicológica durante um tratamento: [...] a parte da libido que é capaz de se tornar consciente e se acha dirigida para a realidade é diminuída, e a parte que se dirige para longe da realidade e é inconsciente, e que, embora possa ainda alimentar as fantasias do indivíduo, pertence, todavia ao inconsciente, é proporcionalmente aumentada. A libido (inteiramente ou em parte) entrou num curso regressivo e reviveu as imagos infantis do indivíduo. O tratamento analítico então passa a segui-la; ele procura rastrear a libido, torná-la acessível à consciência e, enfim, útil à realidade. No ponto em que as investigações da análise deparam com a libido retirada em seu esconderijo, está fadado a irromper um combate; todas as forças que fizeram a libido regredir erguer-se-ão como Revista de Psicologia l
73
“resistências” ao trabalho da análise, a fim de conservar o novo estado de coisas (FREUD, 1912, p.136-137). Para Freud (1912), a resistência acompanha o tratamento passo a passo. E a análise tem que lutar contra essas resistências, em cada associação isolada, em cada ato da pessoa em tratamento, em que há uma representação de forças que estão lutando no sentido de restabelecimento e as que lhe opõem. Seguindo a teoria de Freud (1912), a resistência pode se fazer sentir tão claramente que a associação seguinte tem de levá-la em conta e aparecer como um conciliação entre suas exigências e as do trabalho de investigação. E é neste ponto que para Freud (1912) que a transferência entra em cena. Quando algo do processo complexivo se transfere para a figura do médico, a transferência é realizada e produz a associação seguinte e se anuncia por sinais de interrupção. Freud, em seu texto Observações sobre o amor transferencial (novas recomendações sobre a técnica da psicanálise III), 1915, descreve uma reflexão sobre o amor transferencial. Como orientação, o analista deve-se manter atento quando surgir quaisquer demonstrações de afeto no atendimento. Freud (1915) nos explica que: Para o médico, o fenômeno significa um esclarecimento valioso e uma advertência útil contra qualquer tendência a uma contratransferência que pode estar presente em sua própria mente. Ele deve reconhecer que o enamoramento da paciente é induzido pela situação analítica e não deve ser atribuído aos encantos de sua própria pessoa; de maneira que não tem nenhum motivo para orgulhar-se de tal ‘conquista’, como seria chamada fora da análise (FREUD, 1915, p. 209-210). Freud (1915) considera a transferência amorosa como um momento importante, pois trata de uma relação de amor, porém o analista tem que saber manejá-la. A paciente quando se sente envolvida pelo médico, ela pode tornar-se muito dócil, porém repentinamente ela perde toda a compreensão do tratamento e todo o interesse por ele. E é neste ponto em que pode constituir a expressão de resistência. Um evento deste tipo se repete inúmeras vezes no decorrer de uma análise. Segundo Freud (1912), repetidamente, quando nos aproximamos de um complexo patogênico, a parte desse complexo capaz de transferência é trazida para a consciência e defendida com grande obstinação. Isto não quer dizer que necessariamente este elemento selecionado para a resistência transferencial seja o único de especial importância patogênica. 74 l Revista de Psicologia
Quanto mais um tratamento analítico demora e mais claramente o paciente se dá conta de que as deformações do material patogênico não podem, por si próprias, oferecer qualquer proteção contra sua revelação, mais sistematicamente faz ele uso de um tipo de deformação que obviamente lhe concede as maiores vantagens – a deformação mediante a transferência. Essas circunstâncias tendem para uma situação na qual, finalmente, todo conflito tem de ser combatido na esfera da transferência (FREUD, 1912, p. 139). Assim, para Freud (1912), a transferência, na maioria das vezes, no processo analítico, é como a arma mais forte de resistência, e conclui-se que a intensidade e persistência da transferência constituem efeito e expressão de resistência. Tendo em vista toda a dinâmica deste processo de transferência, retornamos ao caso clínico de Patrícia. A paciente em questão encontra-se em um momento em que ela começa a abrir mão da queixa do outro, para se organizar a partir da relação amorosa. Assim ela começa a agir como estabilizador dos problemas apresentados e começa a contornar o que antes ela denunciava. Diante do exposto, podemos considerar que tudo que a paciente faz que pode interferir na continuação do tratamento é necessário uma atenção especial. Ou seja, uma escuta mais sensível, pois a paciente nos mostra o caminho para análise e quando aparece a resistência no processo, ela está nos mostrando que está lidando com algo da angústia, da pulsão de morte, e este momento é de suma importância para o analista, pois é no manejo desta transferência que possibilitará a entrada em análise. Nesses termos, Freud (1912) afirma que, no processo de procurar a libido que fugira do consciente da paciente, penetramos no reino do inconsciente. O médico tenta compelir a paciente a ajustar as pulsões emocionais ao nexo do tratamento e da história de sua vida, a submetê-las à consideração intelectual e a compreendê-las à luz de seu valor psíquico. Essa luta entre o médico e o paciente, entre a compreensão e a procura de ação, é travada nos fenômenos da transferência, e é nesse campo que a cura da neurose tem que ser conquistada. REFERÊNCIAS FREUD, Sigmund. (1912). A dinâmica da transferência. In:______. O caso de Schreber, artigos sobre a técnica e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1969. p.131-143. (Edição standart brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 12) FREUD, Sigmund. (1912). Observações sobre o amor transferencial (novas recomendações sobre a técnica da psicanálise III). In:______. O caso de Schre-
ber, artigos sobre a técnica e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1969. p.131-143. (Edição standart brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 12)
NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 2 Professor supervisor de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva.
Revista de Psicologia l
75
Identificação da repetição em casos clínicos Eduardo Alves Guimarães1 Geraldo Majela Martins2 RESUMO: Este artigo tem como objetivo comentar a identificação da repetição, termo psicanalitico, num fragmento clínico atendido na Clínica de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. Serão comentados tanto o caso quanto o conceito da repetição e a sua identificação. Palavras-chave: Entrevistas Preliminares, Repetição, Transferência, Caso clínico Maria.
O fragmento clínico ao qual se refere este artigo foi trazido à Clínica de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. Durante as entrevistas preliminares, Maria revelou que estava passando por problemas conjugais, que era casada há 23 anos, tinha dois filhos dessa relação, sendo um rapaz e uma moça, que fazia trabalhos artesanais, não exercia a profissão para a qual se formara (pedagogia), vivendo integralmente para sua família. Maria relatou, durante os atendimentos, que seu marido não dialogava com ela, que ela raramente conseguia manter uma conversa com o mesmo, isso ocorrendo também da parte dele com os filhos. Porém, essa situação a incomodava mais pela forma como ele a tratava, ou seja, com os filhos ainda havia um pouco de contato, mas com ela isso nunca ocorria. Segundo ela, essa situação vinha se arrastando desde o casamento dos dois, mas agora ela não suportava mais. No decorrer da entrevista, foram mencionados alguns fragmentos, os quais abordaremos no decorrer deste trabalho, que puderam caracterizar a repetição existente na vida de Maria. Mas, voltando aos relatos de Maria durante as entrevistas preliminares, Maria disse se sentir angustiada e ter sofrido três ataques que a levaram a ser atendida em hospitais. Ela disse que sentia taquicardia, palpitações, desmaio, mas que seus exames clínicos não acusaram qualquer alteração física. Diante da situação de tristeza e apatia de Maria, transparente para seus filhos, ela resolveu procurar então a Clínica de Psicologia por indicação da sua filha. Ela disse que a filha não suportava mais vê-la tão triste e sem vida, como vinha ocorrendo nos últimos dias. Maria relatou também que seus dois filhos estavam com casamento marcado, o que, segundo ela, não tinha problema algum em acontecer, pois isso acabaria acontecendo mais cedo ou mais tarde (sic). Antes de passarmos para a articulação da repetição com o caso de Maria, faz-se necessário esclarecermos a repetição dentro da abordagem psicanalítica, o que tornará mais claro o enten76 l
Revista de Psicologia
dimento do estudo desse caso. A palavra repetição origina-se do latim repetere, que significa “fazer ou dizer de novo”, de re-, “outra vez”. mais petere “procurar, demandar, atacar”. Tem ainda a derivação também do latim repetitione, declinação de repettio, repetição, do mesmo étimo de petere, atacar. Repetir designou originalmente atacar de novo. Nos pedidos de repetição em shows, pede-se bis, do latim bis. De acordo com GREGORIM (2001), repetição é um substantivo feminino que significa reprodução, repetência. Consta ainda o termo muito utilizado em inglês “replay”, utilizado em informática, significando recurso em que um caractere é repetido automaticamente enquanto a tecla estiver sendo pressionada. No contexto psicanalítico, conforme ROUDINESCO (1998), a compulsão à repetição provém do campo pulsional, do qual possui o caráter de uma insistência conservadora. (...) em Mais além do princípio do prazer, Sigmond Freud relacionou desde muito cedo as idéias de compulsão (Zwang) e repetição (Wiederholung) para dar conta de um processo inconsciente e, como tal, impossível de dominar, que obriga o sujeito a reproduzir sequências (atos, idéias, pensamentos ou sonhos) que, em sua origem, foram geradoras de sofrimento, e que conservaram esse caráter doloroso (ROUDINESCO, 1998, p. 656). Na doutrina freudiana, a ideia de repetição refere-se a uma das dimensões que deram origem à noção de inconsciente. Freud (1893) defrontou-se com a repetição durante o tratamento da jovem Dora. Esse fato novo desempenhou um papel importantíssimo na teoria e na técnica psicanalítica. Enquanto estava preocupado com a recordação dos acontecimentos passados do paciente, este desenvolvia um outro mecanismo, não tão evidente mas igualmente importante, de cujo significado e alcance Freud sequer
suspeitava: ‘O paciente não recorda coisa alguma do que esqueceu e recalcou, mas expressa-o pela atuação ou atua-o (acts it out). Ele o reproduz não como lembrança, mas como ação; repete-o sem, naturalmente, saber que o está repetindo’ (GARCIA-ROZA, 1986, p.22). A repetição teve sua importância a partir de 1893, quando Freud e Josef Breuer fizeram uma abordagem sobre a histeria. Eles, ao falarem da rememoração de um sofrimento moral ligado a um antigo trauma, chegaram à célebre conclusão de que É sobretudo de reminiscências que sofre a histérica (FREUD, 1893). Para o psicanalista, (...) a transferência é, ela própria, apenas um fragmento da repetição e que a repetição é uma transferência do passado esquecido, não apenas para o médico, mas também para todos os outros aspectos da situação atua (FREUD, 1914, p. 197). Com dificuldades de ligar a neurose obsessiva à sexualidade, Freud utiliza o termo compulsão em 1894 através de uma carta a Wilhelm Fliess, em que ele, a fim de ilustrar sua colocação, evoca um caso clínico no qual aborda a “micção compulsiva”. Mais tarde, Freud (1914) dirá que, Devemos estar preparados para descobrir, portanto, que o paciente submete-se à compulsão à repetição, que agora substitui o impulso a recordar, não apenas em sua atitude pessoal para com o médico, mas também em cada diferente atividade e relacionamento que podem ocupar sua vida na ocasião – se, por exemplo, se enamora, incumbe-se de uma tarefa ou inicia um empreendimento durante o tratamento (FREUD, 1914, p. 197). Conforme ROUDINESCO (1998), Freud, em seu “Projeto para uma psicologia científica”, desenvolveu a ideia de facilitação, na qual podemos discernir a prefiguração da compulsão à repetição. Para a psicanalista francesa, algumas quantidades de energia conseguem transpor as barreiras de contato, com isso ocasionando uma dor, mas também abrindo uma passagem que tenderá a se tornar permanente e, como tal, fonte de prazer, apesar da dor sistematicamente reavivada (ROUDINESCO, 1998, p. 657). É importante mencionar que a ideia de repetição, passível de ser assimilada à do destino, foi contemporânea da descoberta do
Édipo. Isso foi tratado por Freud em uma carta datada de 15 de outubro de 1897, na qual constava Encontrei em mim, como em toda parte, sentimentos amorosos em relação à minha mãe e de ciúme a respeito de meu pai, sentimentos estes que, penso eu, são comuns a todas as crianças pequenas (ROUDINESCO, 1998, p. 657). Ainda nessa mesma carta, Freud complementa seu pensamento afirmando que Se realmente é assim é compreensível, a despeito de todas as objeções racionais que se opõem à hipótese de uma fatalidade inexorável, o efeito cativante de Édipo rei (...). A lenda grega apoderou-se de uma compulsão que todos reconhecem, porque todos a sentiram” (ROUDINESCO, 1998, p. 656). Foi então em 1914 que Freud começou a fazer um estudo autônomo sobre a repetição. Ele identificou a permanência dessa compulsão à repetição, a qual estaria ligada à transferência, mas que não constituiria a totalidade da mesma. Para Freud, Se a ligação através da transferência transformou-se em algo de modo algum utilizável, o tratamento é capaz de impedir o paciente de executar algumas das ações repetitivas mais importantes e utilizar sua intenção de assim proceder, in statu nascendi, como material para o trabalho terapêutico (FREUD, 1914, p. 200). No do texto “Recordar, repetir, elaborar” (Freud, 1914), a repetição recebe uma definição bem clara ao ser colocada como Ela é uma maneira de o paciente se lembrar, maneira ainda mais insistente na medida em que ele resiste a uma rememoração cuja conotação sexual lhe desperta vergonha (ROUDINESCO, 1998, p. 656). Ainda em “Recordar, repetir, elaborar” (Freud, 1914), Freud escreveu que é no manejo da transferência que encontramos o principal meio de barrar a compulsão à repetição e transformá-la numa razão para lembrar. No manejo da transferência, a compulsão se torna insignificante ou mesmo útil, podendo a mesma manifestar-se com liberdade, revelando-nos tudo o que se dissimula de patogênico no psiquismo do sujeito. Jaques Lacan (1992) fez da repetição um dos quatro conceiRevista de Psicologia l 77
tos fundamentais da psicanálise. Ele observou que a repetição inconsciente nunca é uma repetição no sentido habitual de reprodução do idêntico: a repetição é o movimento, ou melhor, a pulsação que subjaz à busca de uma objeto, de uma coisa (das Ding) sempre situada além desta ou daquela coisa particular e, por isso mesmo, impossível de atingir (ROUDINESCO, 1998, p. 658). Lacan (1992) distingue duas ordens de repetição. Uma sendo dominada pelo acaso e outra que ocorre no momento oportuno. Este tipo de repetição que ocorre no momento opurtuno pode ser assimilado ao trauma, ou seja, ao choque imprevisível e incontrolável. Segundo Garcia-Roza (1986), Lacan critica a afirmação de que a transferência é uma repetição, pois mesmo estando presente na transferência, os conceitos são distintos, ou seja, se na transferência dá-se uma repetição de protótipos infantis, essa mesma repetição não seria uma reprodução de situações reais vividas pelo paciente, mas sim equivalentes simbólicos do desejo inconsciente. Garcia-Roza dirá que: O que se repete , faz-se num ato que só toma sentido em relação a analista, o que implicaria, pelo menos, que fizéssemos uma distinção entre repetição do mesmo e repetição diferencial. Se transferência é repetição, ela é uma repetição diferencial, e somente sob este aspecto a repetição toma um sentido positivo e pode constituir-se como um instrumento no sentido da cura (GARCIA-ROZA, 1986, p. 23). De acordo com Roudinesco (1998), a repetição só pode ser simbolizada, esvaziada ou domesticada através da fala, e sua repetição traduz a busca dessa simbolização. Ainda segundo Roudinesco (1998), se esta repetição permite escapar à lembrança do trauma, ela só pode consumar-se ao revivê-lo ininterruptamente, como um pesadelo, na fantasia ou no sonho. Após esclarecermos a repetição, passemos então a articular a mesma com o caso de Maria. Maria, durante os atendimentos, relata que há algum tempo, mais precisamente passados 12 anos, havia sido acometida de depressão, o que a levou a submeter-se a tratamento psiquiátrico, sendo inclusive medicada durante quase três anos. Perguntada sobre o que ocorreu nessa época, Maria revela que foi quando sua mãe havia morrido, levando-a a este estado de sofrimento psíquico por não conseguir elaborar a perda da mãe. Podemos identificar aqui uma repetição ocorrendo em Ma78 l Revista de Psicologia
ria, que, da mesma forma que não suportou a morte de sua mãe há doze anos, sofre agora novamente com a perda da mãe sendo manifestada diante da eminência da perda de seus dois filhos que estão com casamento marcado. A perda da mãe, no caso, seria ela não ter mais os filhos e perder a maternidade. Maria relatou durante as entrevistas que as coisas mais importantes em sua vida são os seus filhos. Ela, inconscientemente, teme a perda dos filhos e faz disso a última coisa em que quer pensar. Ela chega, inclusive, a numerar a ordem de importância em sua vida, sendo a primeira coisa mais importante os filhos, a segunda coisa a família e, por último, as demais coisas. Em outra situação relatada por Maria também se pode perceber a repetição se manifestando. Maria relatou que sempre foi muito organizada, perfeccionista e controladora. Segundo ela, isso causava incômodo em seus filhos e em seu marido. Ela disse que seus filhos chegaram inclusive a chamá-la de chata e de controladora. Mas, ao ser questionada pelo estagiário sobre ser ou não controladora e como se submeteria diante de um controle, Maria se diz inconformada com o fato de ser controlada. Ela relatou que sua mãe era muito controladora e organizada, tentando impor a ela várias vezes esse controle exagerado, fazendo com que ela “batesse de frente com sua mãe por isso” (sic). A forma de agir e de controlar é mais uma manifestação da repetição em Maria que, tal como sua mãe, mostra-se controladora e organizada ao extremo. Ela relatou que chegou até mesmo ao ponto de organizar o casamento de seu filho, bem como resolver tudo na vida tanto dos filhos como na vida do marido. A manifestação da repetição é bastante comum em atendimentos clínicos. Conforme foi exposto acima, a repetição, um dos quatro conceitos fundamentais na psicanálise, facilitará o trabalho do psicanalista durante os atendimentos nos quais o cliente, através da associação livre, trouxer para o analista esses relatos. Importante também é lembrar que a repetição na transferência é também alusão a algo que não se consegue mais, podendo ser tanto um objeto quanto uma satisfação pela qual o sujeito procura e procurará durante toda a sua vida. Sendo assim, esses dois termos, Transferência e repetição, estiveram e sempre estarão presentes em estudos, discussões e, principalmente, nos atendimentos psicanalíticos, pois a repetição através da transferência é uma outra forma de se lembrar. REFERÊNCIAS FREUD, Sigmund (1893-1895). Estudos sobre a histeria. Tradução Christiano Monteiro Oiticica. Rio de Janeiro. Imago, 1974. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud). FREUD, Sigmund (1905 [1901]). Pós-escrito. In: ______. Fragmento da análi-
se de um caso de histeria, Três ensaios sobre a teoria da sexualidade e Outros Trabalhos. Tradução de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1972, p. 109-119. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 7). FREUD, Sigmund (1912) O caso de Schereber, artigos sobre a técnica e outros trabalhos. In: ______. A dinâmica da transferência (1912). Tradução de José Otávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago, 1969, p.131-143. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 12) FREUD, Sigmund (1914). O caso de Schreber, artigos sobre técnica e outros trabalhos. In: ______. Recordar, repetir e elaborar (novas recomendações sobre a técnica da psicanálise II) (1915 [1914]). Tradução de José Otávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago, 1969, p. 193-203. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 12). FREUD, Sigmund (1915). Observações sobre o amor transferencial (novas recomendações sobre a técnica da Psicanálise III. In: ______. O caso de Schreber, artigos sobre técnica e outros trabalhos. Tradução de José Otávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago, 1969, p. 207-222. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 12). GARCIA-ROZA, Luiz Alfredo. Acaso e repetição em psicanálise: uma introdução à teoria das pulsões. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1986. LACAN, Jacques. A transferência no presente. In: _____. O Seminário livro 8 – A transferência. 1992. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991; p. 169-181. NEIVA, Edméa Garcia; CARVALHO, Sandra Helena Terciotti. Michaelis Dicionário Prático da Língua Portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 2001. ROUDINESCO, Elisabeth; PLON, Michel. Dicionário de Psicanálise. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. p. 766-770. SANTOS, Lúcia Grossi dos. O conceito de repetição em Freud. São Paulo: Escuta; Belo Horizonte: Fumec, 2002. Repetição. Disponível em http://www.caras.com.br/edicoes/882/textos/25074. Acesso em 05/04/2011 Repetição. Disponível em http://origemdapalavra.com.br/palavras/repeticao. Acesso em 05/04/2011.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmico do 10º período do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 2 Professor supervisor de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva.
Revista de Psicologia l
79
Construindo conhecimento sobre o compartilhamento do desconhecimento clínico Eli Chagas de Oliveira1 Geraldo Majela Martins2 RESUMO: Neste artigo trataremos da experiência discente nos estágios clínicos no curso de Psicologia, abordando-a num conhecimento que nasce a partir de situações de compartilhamento do desconhecimento envolvido na relação clínica entre o estagiário e seu paciente. Falaremos a respeito da situação de insegurança vivida pelo estagiário, como fator de estimulação para a continuidade de estudos e busca de assistência profissional, bem como do decorrente manejo clínico obtido tanto a partir de leituras técnicas quanto da sensibilidade profissional no exercício do atendimento. Palavras-chave: Psicanalista, Paciente, Repressão, Resistência, Sofrimento.
Este artigo foi realizado a partir do Estágio Supervisionado VII – Abordagem Psicanalítica II, do 10º período do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva, 1º semestre de 2011, sob orientação do professor Geraldo Majela Martins. O estágio clínico acadêmico, curricularmente desenvolvido pela formação universitária no curso de psicologia, além da oportunidade discente de enlace entre conteúdo teórico e demandas da vida psicológica da clientela assistida, se mostra uma fonte de informações novas, tanto para atendente quanto para atendido. Ao paciente, além do tratamento de sua queixa e a experiência no processo analítico, oferece-se o autoconhecimento. Ao discente-psicanalista, além do exercício prático a partir do conteúdo teórico e do apoio elucidador pelo mestre supervisor, apresenta-se vasto desconhecimento derivado da situação de atendimento clínico, quer pela compreensível lacuna de conhecimento embutida na própria formação em face do fator tempo, quer pela novidade do manejo da situação analítica. Este artigo retrata uma experiência prática de um discente estagiário no curso de Psicologia. Após alguns anos de estudo da psicologia, motivados pela expectativa do exercício profissional, o contato inicial com uma amostra de pacientes constitui fonte de prazer e de temor pelo discente. Prazer pela concretização do sonho, por si mesma envaidecedora. Temor pela responsabilidade, neste momento superdimensionado pela insegurança decorrente, relativa às demandas psicológicas das pessoas atendidas. Este momento constitui-se rico em estudo, pesquisa e confabulação com o professor supervisor. Se por um lado as novas informações teóricas inerentes ao processo e o apoio docente vão construindo uma autoconfiança no aluno, paralelamente vai crescendo também uma expectativa interior de obtenção de resultados que venham confirmar sua evolução formativa. Essa vaidade discente é tecnicamente incon80 l
Revista de Psicologia
veniente e sempre conta com imediata orientação do professor supervisor no sentido de orientá-la para uma frieza profissional que garanta proteção emocional ao aluno e o maior auxílio possível no momento ao paciente. Freud (1912) assim aborda este assunto: O sentimento mais perigoso para um psicanalista é a ambição terapêutica de alcançar [...] algo que produza efeito convincente sobre outras pessoas [...] isto torna-lo-a impotente contra certas resistências do paciente, cujo restabelecimento, como sabemos, depende primordialmente da ação recíproca de forças nele (FREUD, 1912, p. 153). A frieza profissional mencionada é um instrumento técnico de manejo clínico, diante de resistências do paciente a demandarem posicionamento reativo do analista. Se por um lado resistências do paciente cobram manejo clínico recíproco do estagiário atendente, o próprio estado psicológico deste último pode determinar dificuldades na percepção do material disponibilizado pelo paciente, a partir da afetação por suas próprias resistências. Torna-se sensível ao estudante de psicologia a importância de sua submissão à análise como forma de depurar sua capacidade de escuta e análise. Freud (1912) assim se manifestou a respeito desta questão: O médico [psicanalista] não pode tolerar quaisquer resistências em si próprio que ocultem de sua consciência o que foi percebido pelo inconsciente [...] seleção e deformação que seria mais prejudicial que a resultante da concentração da atenção consciente (FREUD, 1912, p. 154). Outra experiência que costumeiramente alcança o estagi-
ário é uma tendência a produzir orientações educativas ao seu paciente, visando conceder-lhe melhores orientações para suas potencialidades liberadas no tratamento, às vezes pelas vias da sublimação. Tal procedimento limita sua autonomia de vida e, muitas vezes, desqualifica suas naturais potencialidades. Freud (1912) apresenta considerações éticas ao assunto ao recomendar que: Como médico [psicanalista] tem-se acima de tudo de ser tolerante com a fraqueza do paciente, e contentar-se em ter reconquistado certo grau de capacidade de trabalho e divertimento para uma pessoa mesmo de valor apenas moderado. A ambição educativa é de tão pouca utilidade quanto a ambição terapêutica [...] esforços no sentido de usar o tratamento analítico para ocasionar a sublimação do instinto [pulsão] estão longe de ser aconselháveis em todos os casos (FREUD, 1912, p. 158). Não raro o paciente vê-se ansioso pela celeridade do seu processo terapêutico, motivado pela suspensão de seu sofrimento ou como subproduto neurótico, passando a expor seu desejo neste sentido para o discente-analista. Tal manifestação, além de nova, chega ao atendente como cobrança expressa de sua competência clínica. Freud (1913) acrescenta que: Abreviar o tratamento analítico é um desejo justificável [...] opõe-se-lhe um fator muito importante, a saber, a lentidão com que se realizam as mudanças profundas na mente – em última instância, fora de dúvida, a ‘atemporalidade’ de nossos processos inconscientes (FREUD, 1913, p. 172). A disponibilidade de tempo para o tratamento psicoterapêutico é vantajoso, senão impositivo, para o trabalho do psicanalista e para os resultados a serem obtidos por parte do paciente, em face da própria realidade dos processos inconscientes. Tal realidade, além de garantir tranquilidade ao estagiário em suas ambições no investimento clínico a favor de seu paciente, deve ser informada em tempo próprio ao atendido em prol de seus benefícios e expectativas. Mesmo quando a experiência reprimida é do conhecimento consciente do paciente, o tempo continua sendo uma necessidade inerente à própria realidade mental, como nos assevera Freud (1913): Os pacientes conhecem agora a experiência reprimida em seu pensamento consciente, mas falta a este pensamento qualquer vinculação com o lugar em que a lembrança reprimida, de uma ou outra maneira, está contida. Nenhuma mudança é possível até que o processo consciente de pen-
samento tenha penetrado até esse lugar e lá superado as resistências da repressão (FREUD, 1913, p. 185). Freud (1913) prossegue falando do sofrimento como algo de grande valia para o processo terapêutico, necessário ao paciente como força propulsora do seu empenho em busca de seus próprios objetivos no tratamento, entre eles a supressão do próprio sofrimento (se não o maior deles): A força motivadora primária na terapia é o sofrimento do paciente e o desejo de ser curado que deste se origina. [...] O tratamento analítico [...] fornece as quantidades de energia necessárias para superar as resistências [...] e dando ao paciente as informações no momento correto, mostra-lhe os caminhos ao longo dos quais deve dirigir essas energias. O tratamento só merece o nome de psicanálise se a intensidade da transferência foi utilizada para a superação das resistências (FREUD, 1913, p. 186). Fica caracterizado, assim, um conhecimento de ordem prática, com referências na Teoria Psicanalítica e também enriquecido nos atendimentos clínicos. Constitui matéria teórica e da sensibilidade do profissional, da intimidade do atendimento psicanalítico, ora definindo-se pela padronização técnica psicanalítica, ora como manejo casual, ditado pela intuição do psicanalista ou pela consideração dos processos mentais e da subjetividade do paciente. É este o espaço da Clínica, onde a criatividade é convidada de honra do inesperado, do desafiador, da persistência no sofrimento mental, apresentando-se pelas vias da presença de espírito, da sensibilidade e da teoria diferenciada pela intuição e pela implicação sutil com o mais original de cada ser humano. REFERÊNCIAS FREUD, Sigmund. (1912). Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise. In ______. O caso de Schreber, artigos sobre técnica e outros trabalhos. Tradução de José Octávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago. 1974. p. 149-159. (Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud, 12). ______, Sigmund. (1913). Sobre o início do tratamento (novas recomendações sobre a técnica da psicanálise I). In ______. O caso de Schreber, artigos sobre técnica e outros trabalhos. Tradução de José Octávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago editora Ltda. 1974. p. 164-187. (Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud, 12).
NOTAS DE RODAPÉ 1 Aluno do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 2 Professor Supervisor do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva Revista de Psicologia l
81
Atualização: a compreensão em relação ao outro Francis Mara Lopes Barcelos1 Raquel Neto Alves2
RESUMO:Este artigo tem como objetivo abordar como é o outro na abordagem fenomenológico-existencial, pretendendo compreender como o indivíduo é afetado pelo outro. Uma compreensão de si fundamentada no reconhecimento da coexistência, e, ao mesmo tempo, uma constituição do ser como ponto de partida para a compreensão do outro, tornando-se possível a atualização. Na convivência humana, muitas vezes, o homem ocupa uma posição que não é de sua preferência por justamente não compreender o outro. Dessa forma, leva-o a fazer idealizações do outro conforme sua particularidade de valores. Quando o indivíduo se reconhece e percebe a alteridade, pode-se construir dentro do processo. Palavras-chave: Indivíduo, Coexistência, Alteridade. Autoconsciência, Existencial.
O outro é uma alteridade no qual eu me encontro e me diferencio. É em relação com o outro que eu me compreendo. O outro não é só aquele que está fora de mim, mas sim os vários outros eus que sou e não reconheço em mim. O mundo está entre o eu e o outro, na relação. É no mundo com o outro que tudo acontece e é sempre na relação que se produz movimento. Assim cada um vive num mundo que constrói. De acordo com Augras (1978), o mundo humano é essencialmente mundo de coexistência. O homem defini-se como ser social, e o crescimento individual depende, em todos os aspectos, do encontro com os demais. A compreensão de si fundamenta-se no reconhecimento da coexistência, e, ao mesmo tempo, constitui-se como ponto de partida para a compreensão do outro. O outro fornece um modelo para a construção da imagem de si. Por ser outro, contudo, ele também revela que a imagem de si comporta uma parte igual de alteridade. [...] Ser e não ser, exprime o fato de que o não-ser é inseparável do ser. Para que se compreenda o significado do termo “existir”, é preciso que haja conhecimento do fato de que ela (a pessoa) poderia não existir, de que se encontra passível, a cada momento, de despencar no abismo que a separa de uma possível destruição, e jamais poderá escapar ao fato de que a morte virá em algum momento desconhecido no futuro. (MAY, 2000, p.115) A percepção da existência na outra pessoa ocorre num nível diferente do nosso conhecimento de suas peculiaridades. 82 l Revista de Psicologia
Um conhecimento dos sentidos e das escolhas da outra pessoa é sempre rico para sua compreensão. Uma familiaridade com seus padrões de relacionamentos interpessoais é altamente relevante; uma informação a respeito de seu condicionamento social, o significado de certos gestos especiais e ações simbólicas é importante. Mas tudo isso é transportado a um nível diferente quando nos confrontamos com o mais doloroso e real dos fatos, ou seja, a própria pessoa ali presente, em carne e osso. Quando descobrimos que nosso volumoso conhecimento acerca da pessoa subitamente a transforma em um novo modelo por causa desse confronto, isso não significa que o conhecimento estivesse errado; ao contrário, ele passa a ter conteúdo, forma e significado a partir das expressões peculiares à realidade da pessoa em questão. No caso de “A”, cliente em tratamento, atendido por mim na Clínica de Psicologia Newton Paiva desde o início de 2010, ela chegou com a demanda de que após ficar viúva, estava com muitas dificuldades no relacionamento com as filhas, principalmente com a filha mais velha. Moram numa mesma casa, e a filha mais velha tem dois filhos. Nessa relação quase não existe diálogos devido às dificuldades de expressão dos seus sentimentos numa posição autêntica. “A” constrói no seu mundo inter-relacional uma insistência para que sua filha mais velha ajuste-se a ela, quer que a filha crie seus netos do jeito que ela a criou, não a toma como pessoa, mas como objeto. Nesse aspecto, no decorrer do tratamento, houve crescimento no sentido, no qual aparece a possibilidade de reflexão, que um relacionamento envolve sempre mútua percepção e que também é o processo de serem mutuamente afetadas pelo contato. O enfoque fenomenológico-existencial na psicoterapia sus-
tenta que o objetivo central da terapia é ajudar a promover o entendimento do próprio modo de ser no mundo. Falar do ser humano enquanto existência é considerá-lo em sua essência mais fundamental, ou seja, é concebê-lo enquanto abertura para que o mundo se dê, singularmente, sempre envolvido de forma afinada com suas emoções. É nessa abertura que o homem constrói as suas relações e os sentidos de sua existência. Nessa abertura, que é sempre relacionada com os outros, é que acontecem as escolhas que fazemos ao exercer nossa liberdade. Porém não somos nós que escolhemos tudo o que acontece em nossas vidas. Não escolhemos o lugar onde nascemos, a família que temos. Não escolhemos o momento de nos despedirmos de pessoas queridas que falecem. Não escolhemos a concretização do nosso medo mais tenebroso, embora, por vezes, ele se concretize. E não são só acontecimentos frustrantes, carregados de angústia, que chegam sem pedir licença. Nosso arbítrio nada conta também em situações agradáveis, que simplesmente acontecem. Aquele encontro casual com alguém do passado de quem sentimos muita saudade, a proposta de emprego naquela hora mais inusitada, as mudanças inesperadas que chegam para desarrumar tudo e depois percebemos o quão melhor ficou depois delas. Por tudo isso, vamos percebendo que não conseguimos escolher tudo, que não temos esse poder, que viver implica estar aberto aos acontecimentos que nos afetam de uma determinada maneira e responder a eles a partir de nossa compreensão. Posso compreender algo que aconteceu como favorável e acolher o sentido disso que me chega, apropriar-me desse acontecimento. Mas também posso compreender algo que acontece como ameaçador e então eu escolho não me relacionar com aquilo. Viver, então, é ser afetado o tempo todo por aquilo que escolhemos e por aquilo que não escolhemos. Nesses casos, Existir é oscilação. Essa oscilação se traduz em momentos de familiaridade em que nos sentimos abrigados, tranquilos, sabemos como agir, temos certa previsibilidade do acontecer e momentos de estranhamento nos quais não sabemos o que fazer diante de uma situação, nos sentimos desamparados, sem referências para caminhar frente ao desconhecido. Querer negar ou anular essa oscilação, inerente ao existir humano, é o maior dos absurdos, pois é descaracterizar a essência do ser humano, e transformá-lo em qualquer coisa que siga à risca um projeto previamente determinado, passo a passo, sem surpresas, com tudo sob controle, o que é impossível para a realidade humana. De acordo com Romero (2001), a apreensão de nós na situação é que denominamos compreensão. Essa é justamente a característica precípua da consciência. Ser consciente é saber localizar–se na trama de relações que constituam a situação, articulando nossa conduta de um modo consequente. É no desconhecido
de nossas vidas que temos a oportunidade de experimentar novas possibilidades de ser e agir no enfrentamento da angústia. É a partir do estranhamento que podemos construir novos caminhos significativos e importantes fontes de autoconhecimento. Atualmente, a cliente “A”, no decorrer do tratamento, consegue construir em seu mundo próprio o que significa a falta do marido na sua vivência, consegue dar sentido a essa falta, o que possibilita uma abertura para que sua autenticidade apareça nas contingências. Consegue construir em seu mundo próprio menos culpa e ter um reconhecimento do ser mulher, saindo assim de uma visão anteriormente tão somente do ser mãe. No seu reconhecimento do ser mulher, a cliente “A” consegue namorar atualmente e mostra uma auto-imagem deteriorada, que a impede de perceber o olhar do outro, o desejo do outro. Diante dessa angústia, o trabalho dentro do processo continua no sentido do autoreconhecimento. “A” começa a se interrogar na busca de novas compreensões. Uma das alegrias da vida, numa época de angústia, é o fato de sermos forçados a tomar consciência de nós mesmos. Quando a sociedade contemporânea, nessa fase de reversão de padrões e valores, não consegue dar-nos uma nítida visão do que somos e do que devemos ser, vemo-nos lançados à busca de nós mesmos.
REFERÊNCIAS AUGRAS, Monique. O ser da compreensão: fenomenologia da situação de psicodiagóstico. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1993. MAY, Rollo. O homem à procura de si mesmo. 13. ed. Petrópolis: Vozes, 1987. p. 230. ROMERO, Emílio. O inquilino do imaginário: formas de alienação e psicologia. 3.ed. rev. e ampl. São Paulo: Lemos, 2001. p. 330.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmico do 10º período do Curso de psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva
Revista de Psicologia l
83
A frustração e o temor do psicoterapeuta iniciante: é minha culpa quando o cliente desiste? Grazielle Medeiros Santiago1 Raquel Neto Alves2 RESUMO:Este artigo é resultado de pesquisa bibliográfica e prática clínica, dos estágios VI e VII de psicoterapia, na abordagem fenomenológico-existencial. O objetivo é compreender os motivos do abandono do processo psicoterapêutico pelo cliente, levando-se em consideração que os atendimentos são realizados por estudantes do curso de Psicologia no início de sua prática em psicoterapia. Palavras-chave: Psicoterapeuta, Cliente, Crise, Pós-modernidade, Formação.
A humanidade foi submetida a enormes transformações neste fim de milênio, principalmente a partir do século XVIII, com o advento da Modernidade. Essas mudanças influenciaram a sociedade ocidental contemporânea para aquisição de um novo estilo de vida e valores sociais. O modo de vida moderno teve sua maior crise a partir da década de 60, e a partir de então foi denominado de vida pós-moderna. A pós-modernidade, por meio da ideia de que a razão pode explicar tudo e que a evolução tecnológica e o progresso científico podem trazer a felicidade, gerou uma sociedade que valoriza o consumo, a superficialidade, nega a finitude e evita o tédio a qualquer custo, buscando o prazer desenfreado e imediato. (GIOVANETTI, 2010) O cliente que procura a clínica vive neste contexto social pós-moderno e dificilmente consegue perceber as contradições desse estilo de vida. A busca por resultados rápidos é consequência de uma sociedade marcada pelos excessos, em que o tempo não pode ser desperdiçado sem que se tenha um objetivo a priori, em que não há limites e projetos, e sim a ideia de que se deve viver o momento a qualquer custo, mas sem refletir sobre as consequências dessas ações. (GIOVANETTI, 2010) Até que se torne um psicoterapeuta, o aluno de Psicologia precisa lidar com suas expectativas em relação ao papel que deverá desempenhar após concretizar sua formação. Essas expectativas se transformam ao decorrer da graduação e influenciam o modo como o estudante aprende a contornar as diversas situações que serão vivenciadas na clínica. (ZARO, 1980) Na prática da psicoterapia, pode ocorrer de um cliente não comparecer mais às sessões, mas é necessário que o estudante supere seu medo de que tenha sido incompetente, de que o cliente não confie ou não tenha gostado dele, pois geralmente isso pouco ou nada tem a ver com o que realmente o cliente pensa, mas com a inexperiência e a ansiedade gerada pela ima84 l
Revista de Psicologia
gem construída de que o terapeuta deve ter todas as respostas, e isso faz com que o iniciante crie essas fantasias. (COREY, 1986; ZARO, 1980) Segundo Sartre (1970), “a existência precede a essência”, pois não há uma natureza humana, ou seja, uma essência. O homem nasce, existe ao transformar-se continuamente, e apenas se define quando morre. Sendo assim, o homem é aquilo que se faz de si mesmo e o que ele mesmo projeta. A sociedade pósmoderna valoriza o presente, sem dar importância à realização de um projeto de vida. A maioria das pessoas que procura ajuda na psicoterapia está vivenciando momentos de crise em seu modo de existir. Na vida pós-moderna, não há espaço para vivenciar o luto decorrente das perdas, do envelhecimento e da morte, entre outras situações em que essa ruptura no modo de existir da pessoa possa demonstrar o adoecimento proporcionado pelo estilo de vida contemporâneo. Segundo Alves (2010) [...] Há nas crises o perigo da paralisação em um tempo e um espaço já vividos, e também a oportunidade de se lançar a uma construção nova, no que ainda não é por meio do trabalho do luto do que se foi. É uma encruzilhada onde a pessoa terá de se posicionar e fazer escolhas diante da situação nova. A possibilidade de se reorganizar de uma maneira mais ampla existe ao lado do perigo de fazer o mesmo de uma forma ainda mais limitada e estreita. (ALVES, 2010, p. 97) Esse é o momento em que geralmente as pessoas veem a possibilidade de passar por um processo psicoterapêutico e, na maioria das vezes, pretendem alcançar a solução rápida de todos os seus problemas. Acreditam que o psicoterapeuta é um
especialista que detém todas as respostas e, que em um passe de mágica, resolverá todos os seus problemas, dependendo apenas da exposição desses. Geralmente, os sintomas que despertam sua busca por ajuda aparecem para alertá-los sobre questões mais profundas que dizem respeito ao adoecimento de sua existência. (COREY, 1986) De acordo com Corey (1986, p.251), os clientes [...] À medida que a terapia progride, descobrem que precisam ser atuantes durante todo o processo, pois devem selecionar seus próprios objetivos, realizar grande parte do trabalho nas sessões de terapia e estar dispostos a estender este trabalho para além das sessões, em sua vida lá fora. Por essa razão, alguns clientes descobrem o valor dos ‘deveres de casa’, [...] instrumentados no sentido de levá-los a pôr em ação sua nova aprendizagem. Outros abandonam a terapia, ou acham-na trabalhosa demais. Para que o processo psicoterapêutico ocorra de forma eficaz, é necessário um comprometimento tanto do psicoterapeuta quanto do cliente, que deverá responsabilizar-se e implicar-se em sua própria mudança. O psicoterapeuta iniciante, que pretende implicar-se mais que o cliente na psicoterapia, torna esses clientes dependentes e despreparados para lidar com as situações do cotidiano. Isso geralmente acontece ao psicoterapeuta inexperiente que procurou a Psicologia por necessidades pessoais, como a vontade de ser amado, protetor ou útil. (ZARO, 1980) De acordo com Zaro (1980), várias são as razões pelas quais alguém procura tornar-se psicoterapeuta. Algumas vezes, a pessoa acha que possui características valiosas para exercer a profissão, como sensibilidade e compreensão ou por achar que é bom ouvinte. Para outras, os motivos são a curiosidade sobre o comportamento humano. Há aqueles estudantes que procuram o curso buscando o seu próprio tratamento ou até o poder de manipular ou de ser útil para as pessoas. Segundo Sartre (1970), o homem é condenado a ser livre e é responsável por suas escolhas a todo instante. Até mesmo não escolher é uma escolha. O cliente pode escolher paralisar-se diante da crise e abandonar a terapia ou implicar-se e progredir no processo psicoterapêutico. Independente do tempo de experiência que o psicoterapeuta possui, ele não consegue ter sucesso com todos os clientes. (COREY, 1980) Devido ao medo de parecer incompetente perante o cliente, o supervisor ou colegas, o aluno que inicia seus atendimentos como psicoterapeuta pode temer que os clientes abandonem a psicoterapia, indicando com isso que fracassaram em sua missão. No entanto, a psicoterapia é uma responsabilidade compartilhada,
e tanto ele quanto o cliente precisam entender que os resultados da psicoterapia dificilmente são obtidos imediatamente, sendo o cliente também responsável pelo rumo dos atendimentos. (ZARO, 1980) Há ainda situações em que a falta de habilidade e a inexperiência do psicoterapeuta iniciante podem ser fatores que influenciarão o cliente a abandonar a terapia. O fato de que sua insegurança e falta de conhecimento o fazem agir de forma a distanciar-se do cliente, não interagindo em seu discurso, achando que isso o prevenirá de cometer algum erro, pode ser percebido pelo o cliente como gasto inútil de seu tempo e dinheiro, além de que isso pode resultar em uma generalização pelo cliente de que a Psicologia é uma farsa e que todos os profissionais agem da mesma forma, não contribuindo em nada para a resolução de seus conflitos. (COREY, 1986; ZARO, 1980) Zaro (1980) afirma que o processo pelo qual o estudante passa até se tornar um psicoterapeuta é complexo e requer uma mudança no estilo de aprendizagem, que inicialmente se concentra nas teorias e depois passa à prática, que é bem diferente. Além do mais, para que o estudante alcance o domínio das habilidades de psicoterapeuta, é necessário um grande envolvimento na prática, compartilhando com o supervisor todos os pontos em que houver dúvidas e, sempre se lembrando, que no início o estudante não deve se cobrar pela excelência, pois a habilidade só poderá ser adquirida ao longo do tempo, se houver um treino constante. Tanto Zaro (1980) quanto Corey (1980) consideram a supervisão, aliada à própria psicoterapia e aos constantes estudos e leitura para a ampliação dos conhecimentos e para o aperfeiçoamento da prática, fundamentais para se formar um bom psicoterapeuta. Além disso, consideram que mesmo após o término do curso e com o treinamento constante das habilidades, é necessário, no decorrer de toda a vida profissional, constante investimento na carreira profissional, adquirindo novos conhecimentos e permanecendo aberto às novas possibilidades de crescimento. REFERÊNCIAS ALVES, Raquel Neto. Limites e possibilidades nas situações de crise. In: FEIJOO, Ana Maria Lopes Calvo de. (org.) Tédio e Finitude: da filosofia à psicologia. Belo Horizonte: Fundação Guimarães Rosa, 2010, p. 97-129. COREY, Gerald F. Técnicas de aconselhamento e psicoterapia. 2. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1986, p. 32. GIOVANETTI, José Paulo. Desafios do terapeuta existencial hoje. In: FEIJOO, Ana Maria Lopes Calvo de. A prática da psicoterapia. São Paulo: Pioneira, 1999, cap. 4, p.163-178. GIOVANETTI, José Paulo. O tédio existencial na sociedade contemporânea. In: FEIJOO, Ana Maria Lopes Calvo de. (org.) Tédio e Finitude: da filosofia à psicoRevista de Psicologia l
85
logia. Belo Horizonte: Fundação Guimarães Rosa, 2010, p. 233-261. SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. Coleção os pensadores São Paulo: Nova Cultural, 1987. ZARO, Joan S. et al. Introdução à prática terapêutica. São Paulo: Pedagógica e Universitária. 1980, p. 192.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do 10º período do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva
86 l
Revista de Psicologia
Quando a vontade de desistir de existir é mais forte do que o desejo de ser-no-mundo smael Cândido Filho1 Raquel Neto Alves2 RESUMO: Este trabalho é um estudo sobre o suicídio a partir da abordagem fenomenológico-existencial, que compreende a pessoa como um ser de possibilidades e limites. O suicídio a princípio é visto como uma transgressão ao projeto existencial e à vida. A partir dos estudos de sociólogos, filósofos, psicólogos, psiquiatras será apresentado o que se entende por suicídio, como a pessoa que tenta o suicídio se sente diante do fracasso existencial, os sentimentos de vergonha, de culpa e de incapacidade frente à situação vivenciada e a necessidade de criar novos projetos para continuar na condição de ser-no-mundo. Palavras-chave: Suicídio, Fenomenologia existencial, Vergonha, Culpa, Escolha.
Não sei quando começou, mas o fenômeno suicídio sempre me instigou. O que me ocorre no momento é uma lembrança do incômodo que vivenciei ao ser apresentado, ainda criança, na escola, ao poema de Alphonsus de Guimarães intitulado Ismália. Solidão, abandono, angústia, desespero, desesperança são os sentimentos que me vêm em mente ao lê-lo. Esses são também os sentimentos vivenciados por uma cliente que atendi em psicoterapia, na abordagem fenomenológico-existencial, na Clínica Escola do Centro Universitário Newton Paiva, poucos meses depois de ela ter tentado suicídio. Para preservar a identidade dessa cliente, usarei o pseudônimo Marta para denominá-la. De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde, divulgados pela UOL Ciências e Saúde: cerca de 3.000 pessoas por dia cometem suicídio, o que significa que a cada 30 segundos uma pessoa se mata (...). A agência da ONU (...), por ocasião do Dia Mundial para a Prevenção do Suicídio, que as estimativas revelam que para cada pessoa que consegue se suicidar, 20 ou mais tentam sem sucesso. A OMS estima que a maioria dos mais de 1,1 milhão de suicídio a cada ano poderia ser prevista e evitada. (...) Segundo a OMS, a média de suicídio aumentou 60% nos últimos 50 anos, em particular nos países em desenvolvimento. O suicídio é atualmente uma das três principais causas de morte entre os jovens e adultos de 15 a 34 anos, embora a maioria dos casos aconteça entre as pessoas de mais de 60 anos. A organização lembra que cada suicídio ou tentativa provoca uma
devastação emocional entre os parentes, amigos, causando um impacto que pode perdurar por muitos anos.3 A depressão é apontada como a principal causa de suicídio. A OMS (Organização Mundial da Saúde) e a Associação Internacional para a Prevenção do Suicídio (AIPS), em pesquisa realizada em 2006, apontaram também os transtornos bipolares, o abuso de drogas e álcool, a esquizofrenia, os antecedentes familiares, os contextos socioeconômicos e educacionais pobres ou fragilidades física e salutar, como fatores relacionados à situação vivenciada por pessoas que cometeram suicídio. Na obra de Rodrigues (1993), encontra-se assim resumidos os três tipos de suicídios: O suicídio egoísta resulta de que os homens não vêem mais razão de ser na vida; o suicídio altruísta de que esta razão lhes parece estar fora da própria vida; o terceiro tipo de suicídio, (o anômico) decorre do fato de estar desregrada a atividade dos homens, e é disto que eles sofrem. (DURKHEIM, apud RODRIGUES, 1993, p. 121 - 122) Marta, a cliente do caso em questão, chega ao atendimento apresentando-se como depressiva. Com uma voz fraca, trêmula, ela falou: “Desde pequena pensava em me matar, sou depressiva”. Nas sessões posteriores, foi necessário trabalhar com a cliente que na existência humana nada é determinado, nenhum ser humano é. Na condição humana, nós estamos, somos seres de possibilidades, fadados pela condição de liberdade e em cada Revista de Psicologia l
87
contexto estamos numa vivência. O homem é um ser livre e essa condição existencial, juntamente com a morte, a solidão e o projeto vital, são considerados angústias fundamentais inerentes a todo ser humano. Leia o que nos diz Yalom (2007): A liberdade, como um dado, parece a própria antítese da morte. (...) a liberdade, sob uma perspectiva existencial, está vinculada à angústia ao afirmar que, contrariamente à experiência cotidiana, não entramos para um universo bem-estruturado com um grandioso desígnio eterno para finalmente deixarmos. A liberdade significa que a pessoa é responsável por suas escolhas, ações e condições de vida. (...) ser responsável é “ser autor de”, cada um de nós sendo assim o autor de seu próprio plano de vida. Nós somos livres para sermos qualquer coisa, exceto não sermos livres – nós estamos, diria Sartre, condenados à liberdade. (YALOM, 2007, p. 16) Yalom (2007) continua sua explanação sobre liberdade afirmando que: “A liberdade não apenas requer que aceitemos a responsabilidade por nossas escolhas de vida, como também pressupõe que a mudança demanda um ato de vontade”. (YALOM, 2007, p. 16) A cliente não conseguia reconhecer que a sua condição era produto das escolhas que ela havia feito ao longo da sua existência. Ela atribuía ao ex-noivo a responsabilidade sobre o ato que cometera. Na perspectiva da fenomenologia existencial, o suicídio é considerado um ato de escolha pessoal. Não se deve explicar o suicídio como sendo uma ação provocada por força inconsciente ou por motivação não identificada. Angerami (1986) destaca o que Sartre afirmou a esse respeito: Somos a realidade de nossos fenômenos em tanto quanto o observamos na consciência. Dessa maneira a autodestruição é uma manifestação humana, mas não como afirmam alguns teóricos “inconsciente” e “obscuro”, ao contrário, assumida pela condição de liberdade. O homem está condenado a ser livre. Condenado, porque não se criou a si próprio; e, no entanto livre, porque uma vez lançado no mundo, é responsável por tudo quanto fizer. (ANGERAMI, 1986, p. 39) Frente à angústia do término de um relacionamento de 13 anos, da frustração de ter o projeto de se casar e constituir uma família interrompida, Marta se jogou em um abismo: sentia-se como uma mulher feia, incapaz de ser amada e desejada. Nada mais lhe fazia sentido. Falava angustiada que não valia mais a pena 88 l
Revista de Psicologia
viver e escolheu então ingerir uma boa quantidade de veneno para matar ratos. “Queria acabar com tudo”. Senti que nesse momento era preciso que eu me colocasse inteiramente entregue ao processo, demonstrando suspensão dos meus preconceitos, como é proposto pela abordagem fenomenológico-existencial. O fato de ela estar buscando atendimento sinalizava a mim que havia ali uma pessoa com desejo de encontrar novas razões para ser-no-mundo, apesar da vergonha e da culpa que ela declarava estar vivenciando. Coloquei-me pronto a escutá-la, esse era o meu papel como psicoterapeuta. Segundo Erthal (2004), o objetivo da psicoterapia vivencial é: (...) maximixar a autoconsciência para fomentar a possibilidade de escolha; e facilitar autodescoberta e regulação do “self”. A terapia ajuda o cliente a aceitar os riscos e responsabilidades de suas decisões e, acima de tudo, aceitar a liberdade de ser capaz de usar suas próprias possibilidades de existir. (ERTHAL, 2004, p. 30) Viver sobre o estigma de ser suicida ou ter ao seu lado uma pessoa estigmatizada por ter cometido tal ato não é tão fácil, pode gerar incômodos, preocupações e insegurança. Era necessário ajudar Marta a desvelar seus sentidos. A culpa de caráter individual, experimentada por quem tentou o suicídio, causa constrangimento. Marta se sentia culpada, envergonhada e recriminada pelo olhar do outro. A clássica composição de Adoniran Barbosa e Osvaldo Moles ilustra a vivência de Marta nesse momento da sua existência: De tanto levar frechada do teu olhar / Meu peito até parece sabe o quê? / Táuba de tiro ao álvaro / Não tem mais onde furar /Teu olhar mata mais do que bala de carabina / Que veneno e estriquinina / que peixeira de baiano / Teu olhar mata mais que atropelamento de automóver / Mata mais que bala de revórver (BARBOSA e MOLES, 1960) Essa música demonstra o que o olhar do outro pode causar. Como “táuba de tiro ao Álvaro”, era como se sentia a cliente, que afirmou: “o olhar dos outros me fulminam, me levam para o fundo do posso. Às vezes tenho vontade de sumir”. Sartre (1997) escreve que “o olhar que os olhos manifestam, não importa sua natureza é pura remissão a mim mesmo” (SARTRE, 1997, p.333). Em outro trecho, o autor apresenta: “(...) basta que o outro me olhe para eu ser quem sou” (SARTRE, 1997, p.338). A maneira como se é visto pelo outro tem implicações em nossa existência. Não significa que vivemos em função do outro, mas como viver em sociedade é coexistir, precisamos reciproca-
mente dessas trocas de olhares. O homem é um ser social, a vivência humana no mundo implica na coexistência. Augras (2009) reporta Heidegger que “chama a atenção para o fato de que mesmo sem a presença do outro, o ser no mundo é o ser com os outros” (AUGRAS, 2009, p. 56). Diante do tribunal eterno, é como se sente a pessoa estigmatizada pela tentativa do suicídio. Vergonha, culpa, fracasso, constrangimento, incapacidade são sentimentos que assombram a existência de Marta após ter a sua tentativa de suicídio interrompida. A vergonha revela muito da maneira como nos vemos. Sobre isso Sartre (1997) escreveu: A vergonha ou o orgulho me revelam o olhar do outro e, nos confins desse olhar, revelam-me a mim mesmo; são eles que me fazem viver, não conhecer, a situação do ser-visto. (...) a vergonha (...) é vergonha de si, é o reconhecimento de que efetivamente sou este objeto que o outro olha e julga. (SARTRE, 1997, p. 336) Envergonhar-se é reconhecer-se da maneira como se é visto pelo outro. A vergonha cola a pessoa ao olhar do outro, impedindo que essa se perceba e se reconheça pelo seu próprio olhar. Marta vivenciava isso, um estado de alienação. A fusão de si com o olhar do outro eliminava a sua autoconsciência e impedia que ela percebesse outras possibilidades no momento atual e no futuro. A culpa é também um sentimento inerente à condição humana, que, assim como a agústia, pode paralisar ou mobilizar a pessoa rumo ao inimáginavel. Para Romero (2001): O sentimento de culpa é outra temática afetiva que dilacera o espírito de quem percorre as vias descendetes da melancolia. (...) Não é um setimento gratuito, que emanaria de uma suposta falta incosciente. Não. Via de regra, a culpa tem uma razão de ser: o sujeito cometeu uma falta, um erro, ou de alguma maneira não soube cumprir seu dever. Não se pense que todo sentimento de culpa se direciona pelo lado da depressão. Há uma culpa que emana da pura consciência da responsabilidade – consciência que nos adverte dos “maus passos e dos desvios” que amiúde caracterizam nossa caminhada”. (ROMERO, 2001, p. 272) A partir do que nos afirmou Romero (2001) no trecho acima, podemos considerar que uma pessoa que tentou suicídio pode se sentir culpada por reconhecer que não foi capaz de cuidar da sua própria vida. O fim pode trazer o começo, esse é um dos princípios básicos da abordagem fenomenológico-existencial. Era essa possibilidade
que Marta não conseguia vislumbrar. Não enxergar e não reconhecer essa possibilidade fazia com que ela perdesse o desejo de serno-mundo. Era preciso então ajudá-la a compreender que quando sentisse que já não existia mais razão para existir, era justamente nesse momento que deveria começar a trilhar novos caminhos. REFERÊNCIAS ANGERAMI, Valdemar Augusto. Suicídio: uma alternativa à vida, uma visão clínica-existencial. 1. ed. São Paulo: Traço, 1986, p. 112. v. VI. (Série Psicoterapias Alternativas). AUGRAS, Monique Rose-Aimée. O Ser da compreensão: fenomenologia da situação de psicodiagnóstico. 13. ed. Petrópolis: Vozes, 2009. p. 96. BARBOSA, Adoniran e MOLES, Osvaldo. Tiro ao Álvaro. Manaus: EMI Music Brasil LTDA, série Bis, 2005. CD 1. DA EFE. OMS: 3.000 pessoas por dia cometem suicídio no mundo. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/ultnot/cienciaesaude/ultnot/efe/2007/09/10/ ult4429u1004.j>htm . Acesso em: 8 nov. 2010. ERTHAL, Tereza Cristina Saldanha. Treinamento em psicoterapia vivencial. 1. ed. Campinas: Editora Livro Pleno. 2004. p. 158. GUIMARAENS, Alphonsus de. Ismália. Disponivel em: <http://www.releituras. com/alphonsus_ismalia.asp.> Acesso em: 8 nov. 2010. RODRIGUES, José Albertino (Org.). Durkheim. 6. ed. São Paulo: Ática, 1993, p. 208. ROMERO, Emílio. O Inquilino do Imaginário: Formas de Alienação e Psicopatologia. 3. ed. São Paulo: Lemos Editorial, 2001, p. 330. SARTRE, Jean-Paul. Entre quatro paredes. Tradução de Alcione Araújo e Pedro Hussak. 5. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, p. 127. SARTRE, Jean-Paul. O ser e o nada – Ensaio de Ontologia Fenomenológica. Tradução de Paulo Perdigão. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1997. p. 782. YALOM, Irvin D. O carrasco do amor e outras histórias sobre psicoterapia. Tradução Maria Adriana Veríssimo Veronese. 1. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2007, p. 286.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do 10º período do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 3http://noticias.uol.com.br/ultnot/cienciaesaude/ultnot/efe/2007/09/10/ult4429u1004.jhtm
Revista de Psicologia l
89
A negativa da jovem homossexual: de qual lugar (ele) o pai me escuta? Pai! Senta aqui que o jantar tá na mesa Fala um pouco tua voz tá tão presa Nos ensina esse jogo da vida Onde a vida só paga pra ver... 1 Joana D’arc Ferreira da Silva2 Geraldo Majela Martins3 RESUMO: Partindo das considerações de Freud sobre a homossexualidade, verifica-se que esta é uma posição libidinal, assim como o é a heterossexualidade. Este estudo tem como objetivo analisar por meio de um fragmento de caso clínico a relação de uma jovem homossexual e seu pai. Para tanto farei menção ao desfecho do complexo de Édipo na menina e as saídas da mulher para lidar com seu complexo de castração. Palavras-chave: Homossexualidade, Feminilidade, Castração, Complexo de Édipo.
1. INTRODUÇÃO Este artigo foi produzido na disciplina Estágio Supervisionado VII, sobre a orientação do professor supervisor Geraldo Majela Martins. O que é a homossexualidade feminina? Como o analista deve receber a mulher na clínica, independente de sua opção sexual? São questões pertinentes com a nossa contemporaneidade e com as quais FREUD (1920) já se envolvia ao considerar a homossexualidade nas mulheres e nos relatando de forma ética esta questão considerada em sua obra “A psicogênese de um caso de homossexualismo numa mulher”. O caso que se apresenta na clínica de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva trata de uma moça de 19 anos, que traz no primeiro atendimento a queixa de ser muito nervosa e ter picos de choro durante vários momentos do dia. Reclama da mãe que a proíbe de viajar com os amigos do cursinho e de jogar vôlei, esporte pelo qual a jovem diz ter muita inclinação. Durante os próximos atendimentos, fala sobre sua família, tem duas irmãs, uma é freira e a outra é moto-girl. Tem também três irmãos, um casado e o outro mais velho é mecânico e ainda convive com os pais. Quanto ao irmão mais novo, a jovem diz ser o xodó de sua mãe, que o trata de maneira diferenciada, esse tem dezesseis anos, e quando nasceu, as atenções da mãe se voltaram todas para ele. A mãe é dona de casa e cuida da avó doente que veio a falecer poucos dias depois que ela inicia a análise. A mãe entra em um quadro depressivo e falece três meses após a morte 90 l
Revista de Psicologia
da avó. O pai é dono de um bar na própria residência e trabalha fazendo uns bicos para complementar o orçamento. Diz que o pai conversa pouco, não é de muito diálogo. Ao falar de sua vida amorosa, trouxe uma questão importante para ela, quando revela que o seu problema nesta não são os meninos, e sim as meninas, uma moça especificamente. Referindo-se a esta namorada, a paciente mostra-se cortês, amável, assumindo uma posição masculina diante deste objeto escolhido e amado. Assim, a jovem traz esta questão conflituosa quando diz que se sua família souber de sua preferência sexual seria uma quebradeira, e ninguém iria entendê-la. Como o pai não a escuta de sua posição de mulher, a jovem vive esta negativa, se faz homem, ressentida com este pai, renega sua feminilidade e encontra outro objetivo para a sua libido, como bem nos lembra FREUD (1920) no caso da jovem homossexual. O que angustia a paciente é que também desta posição não consegue falar com o pai as coisas que precisam ser ditas, e ele (o pai) permanece distante enquanto ela fica com um nó na garganta de não poder conversar com este pai de nenhuma posição, nem da feminina e nem da masculina. A paciente estende também essas reclamações de não ser escutada pelo sexo masculino também aos irmãos e aos médicos que cuidaram de sua mãe em seus últimos momentos de vida. Ela traz essas questões dizendo que os irmãos não são muito humanos, não dão atenção devida para o avô, e que os médicos não sabem escutar os seus pacientes na rede pública de saúde.
O problema que se apresenta para a jovem de que o pai não a escuta é levantado por ela em algumas das sessões. Em uma delas, ela diz estar brava com seu pai que resolveu pintar a casa no feriado, justo no dia que ela pretendia passar o dia com a namorada. Quando a sua mãe era viva, ele (o pai) não se preocupava nem um pouco com a arrumação da casa, a mãe falava e ele não a escutava. Eu falo e ele não me escuta. Termina dizendo que mulher fala e ele (o pai) não escuta. FREUD (1920, p.209) também nos relata um trecho no caso da jovem homossexual, pontuando que ela “era na realidade uma feminista; achava injusto que as meninas não gozassem da mesma liberdade que os rapazes e rebelava-se contra a sorte das mulheres em geral”. 2. AS SAÍDAS DA MULHER DIANTE DA CASTRAÇÃO Ao discorrer sobre a sexualidade humana, FREUD (1924) chega ao ponto crucial desta, ou seja, o complexo de Édipo, cuja importância da cena edípica aparece na trama da subjetividade. Assim o complexo de Édipo se caracteriza por sentimentos contraditórios de amor e hostilidade. Na menina o desfecho edipiano é uma intensificação de sua identificação com a mãe, o que fixará o seu caráter feminino. Quando o menino se depara com os órgãos genitais femininos, o efeito da castração fica adiado, pois a ausência de pênis mostra que ele tem, mas pode perder. A menina acredita que a castração já ocorreu, já que não possui o pênis, mas também passa pelo complexo de Édipo, acreditando que o que ela perdeu e está sob a forma de clitóris vai crescer um dia, e este é o órgão principal das meninas e ficará tão grande quanto o do menino. Para Freud: Estando assim excluído, na menina, o temor da castração, cai também um motivo poderoso para o estabelecimento de um superego e para a interrupção da organização genital infantil. Nela, muito mais que no menino, essas mudanças parecem ser resultado da criação e de intimidação oriunda o exterior, as quais a ameaçam com uma perda de amor (FREUD, 1924, p.223). E diante desta perda de amor, a menina busca uma compensação e desliza nos desejos de possuir um pênis e dar um filho ao pai. E estes desejos ficam investidos no inconsciente da menina e como cita Freud: “a vida sexual das mulheres ainda se encontra mergulhada em impenetrável obscuridade” (FREUD, 1925, p.304), pois ao falar sobre a fase fálica nos meninos, Freud afirma que os mesmos mecanismos são desconhecidos nas meninas. (FREUD, 1925). E ainda é levantado um questionamento de que o complexo de Édipo nas meninas tem o mesmo objeto,
ou seja, a mãe. Mas porque então a menina se aproxima do pai? Pela inveja do pênis que ela vê no menino, porque deseja ter um também. (FREUD, 1925) Se a menina recusa a castração e não absorve esta inveja do pênis em uma formação reativa do complexo de masculinidade, as consequências podem ser catastróficas para seu desenvolvimento psíquico normal. (FREUD, 1925) Pela inveja do pênis, a menina também se afasta da mãe, culpando-a por não ter dado a ela o órgão masculino. E mais as mulheres não usam a masturbação com a mesma frequência que os homens e que: “a solução do problema poderia ser auxiliada pela reflexão de que a masturbação, pelo menos do clitóris, é uma atividade masculina, e que a eliminação da sexualidade clitoridiana constitui precondição necessária para o desenvolvimento da feminilidade”. (FREUD, 1925, p.317) E qual seria então o ideal de feminino? De masculino? Para Freud: Há muito tempo compreendemos que o desenvolvimento da sexualidade feminina é complicado pelo fato de a menina ter a tarefa de abandonar o que originalmente constituiu sua principal zona genital – o clitóris – em favor de outra, nova, a vagina. Agora, no entanto, parece que existe uma segunda alteração da mesma espécie, que não é menos característica e importante para o desenvolvimento da mulher: a troca de seu objeto original – a mãe – pelo pai. A maneira pela qual essas duas tarefas estão mutuamente vinculadas ainda não nos é clara (FREUD, 1931, p.233). O certo é que todos os seres pela sua disposição bissexual, tanto de características femininas e masculinas, não encerram em si cem por cento de feminilidade e cem por cento de masculinidade. (FREUD, 1925). Mas algumas mulheres ainda continuam a investir no objeto mãe e nunca alcançam uma diferenciação em relação aos homens e “a mulher só atinge a normal situação edipiana positiva depois de ter superado um período anterior, que é governado pelo complexo negativo”. (FREUD, 1931, p. 234) O fato é que a mulher passa por duas fases até atingir a sua feminilidade, primeiro ela tem uma peculiaridade masculina, pois as principais ocorrências genitais da infância se relacionam ao seu clitóris, segundo, mais tarde, a mulher assume seu outro órgão sexual, que é a vagina. Nesta busca constante de satisfação, de suprir algo que falta, o falo, o pênis, a mulher tem este encontro com a feminilidade. “A Psicanálise não tenta descrever o que é uma mulher – seria tarefa difícil de cumprir - mas se empenha em indagar como é que a mulher se forma como a mulher se desenvolve desde a criança dotada de disposição bissexual”. (FREUD, 1932, p. 117). AconRevista de Psicologia l
91
tecem na vida da menina-mulher certas regressões ao período pré-edipiano, em que se alterna masculinidade e feminilidade, o que é chamado por Freud de “o enigma da mulher”. Este enigma talvez narcísico leva a mulher ao encontro do sexual, o homem – o masculino. A agressividade e a inveja sempre presente do pênis afeta a escolha objetal da mulher, ela sente mais necessidade de ser amada do que amar. A vaidade é algo relevante no caráter sexual que envolve o feminino, pois valorizando seus encantos, a mulher lida melhor com sua inferioridade sexual original, colocando a vergonha como pano de fundo, como ocultação de sua deficiência genital. A menina, com o desejo de possuir um pênis, volta-se para o pai na esperança de conseguir um. Ao se dar conta de que o pai também é fálico, há um desapontamento, totalmente necessário para a menina se tornar feminina, o que força a menina a regressar a seu complexo de masculinidade anterior, o que leva a crer que este caminho que leva à feminilidade está exposto a perturbações presentes nos fenômenos que compõem a sexualidade infantil e o trajeto da menina está num período masculino dos primórdios da infância. (FREUD, 1932) O feminino descrito por Freud desenvolve então uma técnica interessante, inventa o trançar e o tecer. Tecituras no corpo que entrou na puberdade com pelos emaranhados, tecituras de tecidos cobrindo o sexual, a feminilidade, que aponta e mostra que a travessia da menina no Édipo foi satisfatória. Freud afirma que: A fase da ligação afetuosa pré-edipiana, contudo, é decisiva para o futuro de uma mulher: durante essa fase são feitos os preparativos para a aquisição das características com que mais tarde exercerá seu papel na função sexual e realizará suas inestimáveis tarefas sociais. (FREUD, 1932, p. 133). Livre a menina agora mulher escolhe o seu marido, casa-se, em conformidade com o ideal narcisista do homem que um dia a menina sonhara em se tornar. Quando nasce o filho, e se este é menino, a mulher obtém satisfação sem limites. “Uma mãe pode transferir para o seu filho aquela ambição que teve de suprimir em si mesma, e dele esperar a satisfação de tudo aquilo que nela restou do seu complexo de masculinidade”. (FREUD, 1932, p. 132) Dessa maneira, Freud descobre com a Psicanálise que os sintomas representam um substituto para as pulsões, cuja força tem sua origem num instinto sexual e que a natureza dos histéricos mostra um grau de repressão sexual superior à quantidade normal. (FREUD, 1905) Entre tantas descobertas da Psicanálise, a questão do femi92 l
Revista de Psicologia
nino intrigava Freud. A feminilidade aparece em sua obra como enigma não desvendado. Deste enigma tem-se que o desejo feminino de satisfazer a falta não cessa, assim como não cessam as invenções do feminino na contemporaneidade. Da cena edipiana, a menina trouxe a castração, a falta original. O enigma feminino remete a mulher ao encontro do sexual, um sexual imaginário e preciso, com o ideal narcísico de suprir uma falta. O que quer a mulher se afinal o Édipo produz o homem, mas não uma mulher? A castração no menino acaba com o Édipo. Na menina, a castração a insere no complexo de Édipo. E tudo isto não vem sem consequências para a menina: quando a menina reconhece a sua ferida narcísica, ela instala-se num sentimento de inferioridade; a menina sente ciúmes de seu pai e inveja outras mulheres, pois acha que o seu clitóris é um equivalente de um pênis; a menina se desliga desta mãe culpando-a por não ter dado a ela um pênis; e enfim ao se deparar com a inveja do pênis a menina acaba abandonando a masturbação clitiroana e vai de encontro a sua feminilidade. 3. CONCLUSÃO As escolhas sexuais que o sujeito faz na vida são da ordem do inconsciente. E diante de tantas escolhas objetais, a descoberta do Complexo de Édipo demonstra bem que o desejo que orienta estas mesmas escolhas são consequências de cenas edípicas. A mulher, diante da castração, pode encontrar várias saídas: a primeira é a maternidade, na qual ela faz uma equação entre filho=falo; a segunda é escolha de seu objeto amoroso, que primeiro era centrada na figura do pai, mas que agora é centrada na figura de um parceiro amoroso, o que leva esta mulher ao encontro de sua feminilidade com o abandono da sua zona erógena que era o clitóris pela sua vagina; a terceira saída é a que passa pela via do corpo, localizando neste toda a libido e formando os sintomas histéricos, dentre os quais podem ser citados as crises nervosas, as enxaquecas, a depressão, as fobias, a anorexia, a bulimia, a compulsão por compras e a tendência da mulher na contemporaneidade de se achar alto suficiente, negando a sua falta primordial; a quarta saída que se expressa como uma negativa é a identificação ao pai assumindo uma posição masculina. Pode-se concluir que a homossexualidade é um destino pulsional ligado à posição edipiana. E cabe a psicanálise e a sua ética não tentar direcionar uma cura para o sujeito homossexual, mas tentar entender como é este mecanismo de reviver o complexo de Édipo de cada sujeito, pois este mecanismo funciona sob a égide do inconsciente, devendo ser respeitada a posição subjetiva deste sujeito que procura clínica numa situação de extrema angústia. O recorte da jovem relatada no caso clínico, ao reviver seu complexo de Édipo na puberdade, sugere-nos que esta sofreu gran-
de desapontamento. O pai não poderia lhe dar o falo. Diante deste desapontamento, acabou se afastando do pai, identificando-se com ele e assumindo uma posição masculina.Ressentida ela renuncia sua feminilidade, pune a mãe que a proíbe de tudo e vinga-se de seu pai, assumindo uma postura viril e tendo uma voz ativa, numa posição que deveria ser passiva, ou seja, do feminino. Desta posição a jovem tenta se posicionar na clínica e diante de seu pai, relatando sua angústia e embaraço diante deste pai que não a escuta como mulher. A jovem então assume a posição de negativa tentando responder a questão de qual lugar (ele) o pai a escuta. REFERÊNCIAS FREUD, Sigmund. (1905). Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. In:______. Um caso de histeria , Três ensaios sobre sexualidade e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1972. p. 123-236. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 7). ______. (1920). A psicogênese de um caso de homossexualismo numa mulher. In:______. Além do princípio de prazer Psicologia de grupo e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1972. p. 183-212. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 18). ______. (1924). A dissolução do complexo de Édipo. In:______. O ego e o id e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1972. p.215-300. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 19). ______.(1925). Algumas conseqüências psíquicas da distinção anatômica entre os sexos. In:______. O ego e o id e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1972. p. 303-320. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 19). ______. (1931). Sexualidade feminina. In:______. O futuro de uma ilusão, O mal-estar na civilização e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1974. p. 231-251. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 21). ______. (1932). Conferência XXXIII - feminilidade. In:______. Novas conferências introdutórias sobre psicanálise e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1974. p. 113-134. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 22). JÚNIOR, Fábio. Novelas. Música: Pai. Gravadora Som Livre. CD 2005.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Fábio Júnior 2 Acadêmica do 10º período do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 3 Professor supervisor de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva
Revista de Psicologia l
93
Plantão Psicológico itinerante: reconstruindo projetos de vida Leonardo Camilo Ede de Oliveira1 Ghoeber Morales dos Santos2 RESUMO: O objetivo deste trabalho foi discutir como, por meio do atendimento de plantão psicológico itinerante e de atendimentos especializados e continuados, a superação da situação de vulnerabilidade e risco social dos indivíduos em situação de rua pode ocorrer, com vistas à promoção de sua autonomia e reinserção social. Palavras-chave: situação de rua, plantão psicológico, análise do comportamento, autonomia.
INTRODUÇÃO Há vários anos, com o intuito de buscarem uma melhor qualidade de vida, muitas pessoas deslocam-se de um lugar para o outro. Uma grande parte dessas acaba parando nas ruas por vários motivos, sejam eles sociais, econômicos, políticos e/ou culturais. Esses motivos adversos de nosso país induzem à violação de direitos e produzem efeitos de marginalização. Diante das poucas oportunidades de construir melhorias sociais, a incerteza do futuro e a perda da dignidade viram a rotina dessas pessoas que vivem nas ruas. Mas, afinal de contas, como é possível identificar uma população de rua? Tem-se a resposta através do próprio conceito da expressão. De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (2006, p.7), o conceito de população em situação de rua é definido como “grupo populacional heterogêneo constituído por pessoas que possuem em comum a garantia da sobrevivência por meio de atividades produtivas desenvolvidas nas ruas, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a não referência de moradia regular”. Por meio de um contato pessoal com este grupo no campo de estágio, percebi que a rua, mesmo apresentando contingências coercitivas extremamente intensas, oferece uma ampla quantidade de reforços positivos, tais como concessões de alimentos, peças de roupas, benefícios do governo como o BPC/ LOAS (Beneficio de Prestação Continuada), entre outros. Tais reforços podem contribuir para que esses grupos permaneçam nas ruas, tornando-se, dessa forma, a garantia da sua subsistência, e, por vezes, acabam por patrocinar alguns vícios, como a compra de drogas ilícitas e lícitas. Sintetizando a ideia de controle do comportamento por suas 94 l
Revista de Psicologia
consequências citadas acima, Moreira e Medeiros apresentam o conceito de reforço como um tipo de consequência do comportamento que aumenta a probabilidade de um determinado comportamento voltar a ocorrer. Entretanto, ainda segundo Moreira e Medeiros “o reforço não se dá apenas com a apresentação de estímulos [...], mas também pela retirada de estímulos do ambiente” (MOREIRA; MEDEIROS, 2007, p.65). Ao tratar do reforço, Skinner diz: Alguns reforços consistem na apresentação de estímulos, no acréscimo de alguma coisa, por exemplo, alimento [...] estes são denominados reforços positivos. Outros consistem na remoção de alguma coisa, por exemplo, muito barulho [...], estes se denominam reforços negativos. (SKINNER, 2007, p. 81) Um dos principais motivos que levam as pessoas a permanecerem na situação de rua é a dependência do álcool e das drogas. Ao realizar o uso desses psicoativos, além de causar uma redução na ansiedade, quando usados de forma excessiva, alteram o nível de consciência do indivíduo. Com isso, a compreensão de perguntas simples, como as de identificação do sujeito, nome, idade, história etc., são muitas vezes distorcidas ou esquecidas. Outra dificuldade observada se dá em relação às atividades solicitadas aos moradores de rua e que requerem uma compreensão de conteúdo, planejamento e execução, como, por exemplo, atender a um encaminhamento realizado para acessar a rede socioassistencial ou a uma clínica de reabilitação. Geralmente a reabilitação dos usuários que permanecem nas ruas é ineficiente devido à falta de suporte em relação à deman-
da desses. Com uma internação de permanência-dia, uma vez por semana, o usuário, no fim da tarde, geralmente volta a entrar em contato com os estímulos eliciadores e reforçadores que mantêm comportamentos como os de usar álcool e outras drogas. Uma das possibilidades de ação que podem ser implementadas por um serviço de plantão psicológico é a intervenção clínica a esses usuários extraconsultório. O acesso às informações sobre o cotidiano e as contingências externas ao setting terapêutico que controlam e mantêm determinados comportamentos permitirão ao terapeutaplantonista, através de um processo de ampliação de repertório comportamental, selecionar respostas adaptativas e desenvolver habilidades sociais do indivíduo, possibilitando que esse aprenda a observar seu ambiente de forma apropriada. O plantonista terá acesso diretamente, de uma forma não primordialmente verbal, àquilo que não pode ser observado diretamente no consultório, ficando o plantonista, nesses casos, sujeito ao relato verbal do cliente, que pode não ser fidedigno ao que de fato ocorre em sua vida. Deve considerar também outro aspecto dessa população de rua. Em geral, essa população foi exposta a consequências punitivas pela família por vários motivos, como, por exemplo, não trabalharem ou serem traídos por seus companheiros. Essas situações, que fazem com que pessoas desistam de tudo o que conquistaram, até mesmo de sua dignidade e identidade para que algo ruim não aconteça. Porém, ao entrarem em contato com as ruas, esses cidadãos não esquecem seus problemas, e o que se observa, muitas vezes, é que os problemas se potencializam, bem como outros são gerados. De acordo com Moreira e Medeiros (2007), a punição é um tipo de consequência do comportamento que torna sua ocorrência menos provável. Como, por exemplo, moradores de rua que procuram os albergues municipais para dormir com segurança, comer, manter a higiene pessoal, mas acabam sendo agredidos fisicamente por outros moradores de rua ou acabam pegando doenças de pele, tuberculose e piolho. Assim, o morador desiste de ir a esses albergues para evitar o estimulo punidor. Assim como no caso do reforço, existem dois tipos de punição: A punição positiva é uma contingência em que o comportamento produz a apresentação de um estímulo que reduz sua probabilidade de ocorrência futura [...]. Já na punição negativa, a conseqüência de um comportamento é a retirada de reforçadores (de outros comportamentos). Essa conseqüência tornara o comportamento menos provável no futuro (MOREIRA; MEDEIROS, 2007, p. 70). Diante desta realidade, o Estado não se omite. Pelo contrá-
rio, oferece alternativas para essa população superar a situação em que se encontra. Entretanto, muitas vezes acaba esbarrando na falta de continuidade das propostas e dos acompanhamentos realizados pela assistência social, resultando, assim, em uma frustração de ambas as partes, além do prejuízo que é gerado aos cofres públicos. De acordo com a Lei Orgânica de Assistência Social (2009), o Estado oferece a esta população benefícios como: bolsa família, bolsa moradia, benefício de prestação continuada, aposentadorias, abrigamento, albergamento, tratamento para a saúde física e mental, regularização da documentação pessoal, emprego, cursos profissionalizantes para uma capacitação profissional e reinserção no mercado de trabalho. No entanto, a falta de saúde psíquica por parte desses indivíduos dificulta muitas vezes o acesso a esses benefícios. A grande maioria dos serviços prestados fica na superficialidade, se propondo apenas a um atendimento assistencial aos moradores de rua, que se resume a orientações/informações dos direitos daqueles. Assim, a verdadeira demanda não é atendida, uma vez que não é realizada a escuta técnica do relato do cidadão que se encontra em estado de emergência. O Estado não consegue, de maneira isolada, realizar com sucesso a promoção social desses moradores de rua, pois falta a esse capacitação técnica. Assim sendo, não seria mais apropriada a realização de uma parceria com instituições privadas que detêm esta técnica? A atuação dessas duas organizações proporcionaria uma abordagem em conjunto entre a assistência social, instrumento já disponibilizado e implementado pelo Estado, e os profissionais que realizam, por exemplo, atendimentos de plantão psicológico, meio tecnicamente qualificado que pode contribuir para a potencialização da promoção social. Tal parceria poderia suprir os aspectos faltantes de cada um desses serviços. Através de uma só atividade, seria possível informar os direitos desses cidadãos e promover um atendimento profissional capaz de promover uma melhoria na saúde física e psicológica para que consigam acessar esses benefícios. Além disso, o conhecimento do repertório de comportamento dessa população em situação de rua e das contingências externas, observadas diretamente pelo profissional (psicólogoplantonista), poderia proporcionar o desenvolvimento da autonomia deste cidadão para que haja a elaboração de projetos de vida individuais e um desenvolvimento saudável, verdadeiramente concreto. O Plantão Psicológico é um serviço de atendimento terapêutico que “viabiliza um atendimento de tipo emergencial – compreendido como um serviço que privilegia a demanda emocional imediata do cliente” (CURY, 1999, p. 120), assim como a qualRevista de Psicologia l
95
quer cidadão que deseje esse atendimento, proporcionando escuta, amparo e cuidados em saúde mental. Ter-se-ia, assim, de um lado toda a estrutura já oferecida pelo Estado, através de seus programas, benefícios e demais atividades, bem como a disponibilidade de profissionais conhecedores de todo o seu funcionamento, e de outro a capacidade técnica dos profissionais plantonistas no oferecimento de suporte psicológico. REFERÊNCIAS BRASIL. Lei Nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Lei Orgânica de Assistência Social - LOAS Anotada/2009. Dispõe sobre a organização da Assistência Social Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS/SNAS, 2009. CURY, Vera Engler. Plantão psicológico em clínica-escola. In: MAHFOUD, Miguel (Org.) Plantão psicológico: novos horizontes. São Paulo: Companhia Ilimitada, 1999, cap. 6, p. 115-131. MINISTÉRIO do Desenvolvimento Social e Combate à fome – MDS. 2º Censo da População de Rua e Análise Qualitativa da Situação dessa População em Belo Horizonte. Belo Horizonte: O Lutador, 2006. MOREIRA, Márcio Borges; MEDEIROS, Carlos Augusto. Princípios básicos de análise do comportamento. Porto Alegre: Artmed, 2007. 224 p. SKINNER, Burrhus Frederic. Ciência e Comportamento Humano. 11. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. 489 p.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmico do 10º período do Curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professor supervisor de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva
96 l
Revista de Psicologia
Depressão “Antidepressivos tratam a dor da depressão, mas não curam o sentimento de culpa e nem tratam a angústia da solidão.” (Augusto Cury em “O Futuro da Humanidade”) Leopoldo Américo de Sousa1 Raquel Neto Alves2
RESUMO: Este artigo é resultado de pesquisa bibliográfica e prática clínica dos estágios VI e VII. O objetivo é contribuir para o desenvolvimento da escuta e compreensão sobre a realidade de um modo de ser depressivo do cliente, suas angústias, seu tédio e suas vivências melancólicas. Palavras-chave: Depressão, Angústia, Melancolia, Tédio.
Este artigo apresenta os resultados de pesquisas e de estudo reflexivo com a finalidade de descrever e compreender as vicissitudes das angústias, melancolia e tédio dominantes na tristeza e depressão, utilizando-se da escuta fenomenológica como método no atendimento clínico. O termo depressão é muito utilizado na contemporaneidade e de tal forma mencionado - muitas vezes, insistentemente; que talvez venhamos até a acreditar que já saibamos de fato o seu real significado. De acordo com o dicionário Houaiss (2011), é definida como ato ou efeito de deprimir (-se); estado de desencorajamento, de perda de interesse, que sobrevém, por exemplo, após perdas, decepções, fracassos, estresse físico e/ou psíquico, no momento em que o indivíduo toma consciência do sofrimento ou da solidão em que se encontra; problema psíquico que se exprime por períodos duráveis e recorrentes de disforia depressiva, surgindo concomitantemente com problemas reais ou imaginários ou com experiências momentâneas de sofrimento, podendo ser acompanhado de perturbações do pensamento, da ação e de um grande número de sintomas psiquiátricos; sensação de prostração física ou abatimento moral. De certa maneira, no senso comum, a visão a respeito da depressão é praticamente a contida nesse indicativo. Não está incorreta, aliás, traz em seu conteúdo uma definição razoável do seu significado mais comum até mesmo para os acadêmicos de Psicologia. Entretanto, buscaremos examinar um pouco mais. Analisaremos os mecanismos e contextos nos quais a depressão venha a se instalar ou a se apresentar. Com base nos estudos de Romero (2001), percebe-se uma trilha a ser percorrida para atingir a depressão. São as vivências dominantes na tristeza e na melancolia. Pode ser uma condição
emocional transitória ou uma estrutura que vai se modificando, que chamaríamos de estado melancólico, ou ainda como uma depressão neurótica. Sentimentos vários passam ao longo desse trajeto e caracterizam o modo de existir depressivo. Existe toda uma trupe de palavras que nos remetem ao lado sombrio, nebuloso e cinzento da vida. Palavras como tristeza, melancolia, depressão. Há também outras de gênero similar como ausência, nostalgia, distância, perda. Não se esgotando o repertório, há ainda as vivências de abandono, fracasso, solidão, morte. As formas preliminares das vivências dominantes que podem nos afligir, quando nos encontramos neste estado, podem ser delineadas pelo desencontro, o desarraigo (o que foi arrancado pela raiz), o efêmero, a orfandade, o lamento da ruptura, da separação, da perda, a culpa, a autodesvalorização, a autoagressão, o sentimento de solidão e a morte. Romero (2001) ainda nos esclarece sobre a reação depressiva, episódica e circunstancial, e a de efeito prolongado. O autor nos inquire a refletir sobre quem de nós não passou por uma crise depressiva ou não ficou uma vez sequer deprimido em sua existência, ou triste, ou desanimado. Afirma que essa é a graduação progressiva do processo. São aparentemente similares, mas são estados de temperamentos levemente diferentes. Ainda segundo Romero (2001), estados de ânimos depressivos, sejam eles passageiros, circunstanciais, há possibilidade de todos virem a experimentar, inclusive uma vivência mais prolongada nesse aspecto é possível a qualquer ser humano vivenciar, dependerá da influência e magnitude da perda. Outro assunto é apresentar traços que caracterizam e que orientam para uma visão depressiva do mundo, levando a pessoa que mantém constantes vivências nesse sentido, na direção de perceber e sentir a realidade de uma maneira e forma predominante. Mormente a isso, poderíamos tentar nomear como Revista de Psicologia l
97
neurose depressiva. Na relação com o mundo, o indivíduo depressivo não consegue se nutrir emocionalmente de maneira adequada, o que leva gradativamente a uma falta de sentido na relação com o meio externo. O poder criativo natural fica aprisionado e adormecido diante da dificuldade de identificação de limites, necessidades e vontades. O peso do ter substitui a leveza do querer. Romero (2001, p. 80) tem uma definição simples para alienação, significado importante para discernimos o ato de alienar-se na depressão. Para o autor, alienar-se é tornar-se alheio à sua própria realidade. O cliente depressivo aliena-se a um mundo de dores e doenças, muitas vezes inexistentes, que diz nunca saber da origem dos sintomas. Para o autor Ballone (2005), depressão é uma doença do organismo como um todo, que compromete o físico, o humor e, em conseqüência, o pensamento. A depressão altera a maneira como a pessoa vê o mundo e sente a realidade, entende as coisas, manifesta emoções, sente a disposição e o prazer com a vida. Ela afeta a forma como a pessoa se alimenta e dorme, como se sente em relação a si próprio e como pensa sobre as coisas. É, portanto, uma doença afetiva ou do humor. Os transtornos depressivos constituem um grupo de patologias com alta e crescente prevalência na população geral. Conforme a Organização Mundial de Saúde, haverá nas próximas duas décadas uma mudança dramática nas necessidades de saúde da população mundial, devido ao fato de que doenças como depressão e cardiopatias estão substituindo os tradicionais problemas das doenças infecciosas e de má nutrição. Considera-se que a depressão maior na infância e na adolescência apresenta natureza duradoura e percorre, em muitas e diversas direções, afetam múltiplas funções e causam significativos danos psicossociais. (Organização Mundial da Saúde, 1993). De acordo com Meleiro (2000), a depressão é um dos distúrbios psiquiátricos mais comuns na prática médica. Estima-se que cerca de 9% dos homens irá apresentar alguns de seus sintomas em determinado momento ao longo de suas vidas. Todavia, estar subestimada, visto que a taxa de depressão não detectada e não tratada pode ser mais elevada, especialmente em populações específicas como a de idosos (10%), a de pessoas com doenças físicas (20% a 50%) nas quais os pacientes podem atribuir, inadequadamente, os sintomas depressivos à própria doença orgânica. Ainda na visão de Meleiro (2000), a depressão é um dos maiores problemas de saúde do mundo. De uma forma ou de outra, cerca de 17% da população tem um ou mais episódios de depressão suficientemente grave 98 l Revista de Psicologia
durante sua vida. Para a maioria das pessoas, esses episódios são relacionados a algum acontecimento adverso, como a morte de uma pessoa próxima, a perda de um emprego, a falta temporária de perspectivas, o sofrimento com doenças crônicas, etc. Desenvolver a autoconsciência não é liberar supostos impulsos reprimidos ou lembrar experiências recalcadas. É uma saída progressiva da ignorância, do olhar ingênuo ou da atitude dogmática. (ROMERO, 2001, p.114) Quando nos deparamos com manifestações de depressão em uma pessoa que nos consulta, precisamos esclarecer antes de tudo se ela está passando por um momento de desânimo – algo passageiro e circunstancial – ou se é o caso de uma reação depressiva compreensível, decorrente de eventos que a abalaram. Ou ainda, se trata de um quadro depressivo tipo neurótico. Por vezes, precisamos descartar a hipótese de um quadro psicótico, que é a quarta modalidade que pode adquirir a configuração depressiva. Esse tipo de distinção é muito pertinente, pois nem toda depressão tem caráter clinico. Há formas mascaradas de depressão, as quais a pessoa sabe amenizar com um bom humor ou apenas experimentando tédio, quando não simplesmente uma apatia morna e insípida. (ROMERO, 2001, p.265) Independente de todas as formas de manifestações depressivas, é importante ressaltar que o indivíduo está em estado de sofrimento. Quando uma pessoa procura um psicoterapeuta no intuito de encontrar um lenitivo ou mesmo saber o porquê de sua constante maneira depressiva e que norteia sua visão de mundo, temos que envidar nossos esforços no sentido de ouvir e estudar com atenção àquele que nos confia suas angústias e mazelas existenciais. Esse é o dilema vivenciado por E.M.R., 39 anos, do sexo feminino, que relata ter depressão “desde sempre” e que em alguns períodos se sente feliz e que posteriormente são seguidos de muita tristeza. Segundo ela, vive em função dos outros. E.M.R. casou-se aos vinte e dois anos, teve duas gravidezes mal sucedidas. Diz sentir-se apoiada pelo marido. Adotou um filho logo em seguida à morte do último filho, que viveu apenas duas semanas após o parto. Quando inquirida em relação ao tempo em que se sente assim, relata que é desde que se entende por gente. E.M.R. relatou já haver consultado dois psiquiatras, entretanto nenhum deles lhe deu a atenção necessária. A partir dessa narrativa, é importante trazer à memória conforme Faour (1969, p.15) afirma: “Se alguém tem o trabalho de abrir a boca, articular um pensamento e emitir um som – a fala é uma das atividades mais complexas para o cérebro humano – é por necessidade. Se alguém se dá o trabalho de falar, o mínimo que temos a fazer... é escutar”. E.M.R. queixa-se de sentir fortes dores no peito, diarreia e uma angustiante tristeza sem fim. Ela mantém com a depressão uma re-
lação muito amiúde, tratando-a como um ente que faz parte quase permanente de sua vida. Inclusive, já manifestou o desejo de desaparecer. Entre uma crise e outra, chegou a solicitar, por três vezes, sessões extras, sendo atendida. A escuta da cliente, ao longo de oito meses, possibilitou uma boa relação psicoterapêutica, em que a cliente passou a demonstrar mais confiança e a se empenhar na psicoterapia. Recentemente E.M.R. relatou haver se lembrado de um fato relevante que se passou na infância, por volta dos seus seis a sete anos. Ela sofreu abusos sexuais. Entenda-se abuso como qualquer conduta sexual contra uma criança. Quando seus pais, que eram feirantes itinerantes, viajavam para pequenos municípios próximos ao seu, deixavam-na aos cuidados de um tio-avô, já falecido, que a acordava com carícias íntimas sob suas roupas. Para delinearmos mais amiúde o quadro, é importante ressaltar que a mãe de E.M.R. se fazia muito ausente por partilhar com o marido o ofício de feirante. E.M.R. nunca confidenciou isso a ninguém, pois disse que não se lembrava, fato que ocorreu somente agora durante o processo terapêutico. Esse caso vivido no setting nos reporta à afirmação do quanto a presença da mãe é necessária, vital para o desenvolvimento físico e psíquico do imberbe: Há um tempo certo para nos separarmos de nossa mãe. (...) é nossa mãe, de quem podemos suportar qualquer coisa, menos o abandono. (...) Ela nos deixa antes de sermos capazes de entender que vai voltar. (...) Ela nos abandona para trabalhar, etc. (...) O que fazemos, sem dúvida é sobreviver. É claro que sobrevivemos às ausências temporárias. Mas essas ausências nos ensinam um temor que pode nos marcar para toda a vida. E quando nos seis primeiros anos de vida, somos privados constantemente da mãe que precisamos, e cuja presença desejamos, podemos ser tão prejudicados emocionalmente. (...) Na verdade, essa privação nos primeiros anos de vida tem sido comparada a uma queimadura ou a um ferimento extenso. A dor é inimaginável. A cicatrização é difícil e lenta. O prejuízo, embora não fatal, pode ser permanente. (VIORST, 1986, p.20, 21) Torna-se possível constatar que E.M.R., além de ver-se privada da presença da mãe em período considerável, e vítima constante dos abusos do tio-avô na infância, foi extremamente afetada. Como consequência, pode-se inferir que pessoas como E.M.R. possuem razões para sentir-se desvalorizadas, apresenta baixa autoestima, autoconfiança reduzida e também uma tendência a transitar por roteiros poucos propensos a manifestar seus sentimentos. Nesse círculo vicioso, segundo ROMERO (2001), o sentimento
de culpa é outra temática afetiva que dilacera o espírito de quem percorre as vias descendentes da melancolia. Bem como a tristeza costuma estar presente, igualmente no ânimo depressivo, embora na depressão intensa o que se experimenta seja uma espécie de vazio, algo que o próprio agente qualifica como “uma incapacidade para sentir”. CONCLUSÃO Diante do exposto, a experiência clínica com E.M.R. nos leva a refletir um pouco mais sobre as realidades individuais, sobre as condicionantes existenciais de cada cliente diante suas vivências. Vemo-nos diante de premissas que deverão ser analisadas detidamente nos diversos contextos; histórico, socioeconômico, transgeracional, da realidade e existencial; em que as oportunidades e probabilidades não são igualmente disponibilizadas a todos. Há um trabalho árduo à frente, do qual não podemos nos furtar. A escuta precede a fala, portanto tem sido uma experiência inestimável, e assim se torna ameno descobrir que nessa área estamos sempre aprendendo, crescendo, pois não nos é fácil tornarmos seres humanos. REFERÊNCIAS BALLONE, G. J. Depressão Infantil: Estratégias de Intervenção. Médico psiquiatra, professor da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, SP: Disponível em: www.psiqueweb.med.br. Acesso em: 2011. FAOUR, Carla. A arte de escutar. Rio de Janeiro: Agir, 2009, p. 157. HOUAISS. Dicionário eletrônico: Houaiss da Língua Portuguesa. 2.0a; 2011. MELEIRO, C. J. Depressão humana. Disponível em: www.medic.com.br. Acesso em: 2000. Organização Mundial da Saúde. Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10. Descrições Clínicas e Diretrizes Diagnósticas. Porto Alegre: Artes Médicas; 1993. ROMERO, Emílio. O inquilino do Imaginário: Formas de Alienação e Psicopatologia. 3° Edição Rev e Ampl. São Paulo: Lemos, 2001. VIORST, Judith. Perdas necessárias. 30ª Edição. São Paulo: Melhoramentos, 2003, p. 335.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmico do 10º período do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva
Revista de Psicologia l
99
Eu te devoro: a mulher no tênue limite entre a devastação e o amor “O homem é para uma mulher, tudo o que vocês quiserem, uma aflição pior do que um sinthoma [...] trata-se mesmo de uma devastação” (LACAN, 2007, p. 98). Leziane Parré de Souza1 Margaret Pires do Couto2
RESUMO: A proposta desse artigo é apresentar um caso clínico abordando o tema da devastação feminina, a partir do gozo feminino, que pode tanto favorecer para a mulher o encontro com o prazer sexual quanto promover uma experiência de devastação. Diante desse gozo e na falta de um significante que defina o que é ser uma mulher, a devastação pode se apresentar como uma resposta tanto nas relações entre mãe e filha quanto nas relações amorosas.
Palavras-chave: Devastação, Mulher, Feminino, Gozo.
INTRODUÇÃO O termo devastação vem de ravage, termo francês derivado do verbo ravir, que significa encantar ou arrancar algo. Segundo o dicionário Larousse, quer dizer arrasar, fazer estragos. A devastação e o amor são questões frequentes na clínica com mulheres por estarem sob o mesmo registro: o do sem limite e da falta de significante no Outro. A paciente que motiva a escrita deste trabalho nos evidencia a mulher diante da questão com o feminino e suas atuações na busca de uma resposta que lhe afirme o que é ser mulher. A partir de sua estrutura, se nega ao gozo fálico e vai em busca de um gozo pleno, completo, todo. Nessa busca, abre mão de seu casamento em prol da loucura do gozo devastador por meio do encontro com O Homem3 que a satisfaça. Sabemos, por meio da teoria psicanalítica, que a menina diante da falta articulada ao significante, apela para o Outro materno por um significante que a represente enquanto mulher. Ou seja, a menina direciona para a mãe a demanda para que esta lhe aponte aquilo que possa designá-la como mulher. O esperado significante que representa o feminino não pode ser dado pela mãe, simplesmente por não existir um significante que o represente. Dessa forma, a mulher tem que se fazer mulher, feminina, e o faz de forma singular, uma a uma. Soler (2006) recorre a Lacan ao afirmar que a mulher, diante da falta do significante que a define, incorpora a diferença sexual, bem como sua posição de ser o falo para o Outro. As relações entre os sexos giram em torno de ter ou ser o falo, no entanto permanecem 100 l
Revista de Psicologia
nas bordas daquilo que falta ao Outro. A autora também recorre a Freud discorrendo sobre a demanda de amor própria da condição do feminino, lembrando que na falta fálica, a mulher tem como possibilidade ser aquilo que falta ao Outro, ao homem. Portanto, a mulher anseia ser desejada pelo Outro, porém, quando convocada no lugar de objeto na relação sexual, pode não aceitar, o que implica numa saída histérica. Por outro lado, quando ela atende ao desejo do Outro, ou seja, quando a mulher consente em ocupar esse lugar para o homem juntamente com o sentimento de ser amada e desejada por ele, pode conseguir uma significação fálica e dar consistência ao seu ser-mulher, configurando assim uma saída pelo feminino. O gozo feminino, ilimitado, em excesso, tem efeito de devastação, ao passo que o encontro com o homem, pela via do amor, pode possibilitar alguma inscrição que limite esse gozo. Lacan, em seu Seminário 20, situa o sujeito feminino como aquele que tem acesso a um outro gozo, fora da lógica fálica; o gozo do Outro ou gozo feminino “não pode ser dito, é rejeitado naquilo que subsiste entre os ditos, a título de indizível, de fora-dalinguagem”. (ANDRÉ, 1998, p.214). Dessa forma, as mulheres têm acesso a um modo de gozo real, altamente destrutivo, pelo excesso da pulsão de morte diante da falta de modulação simbólica. Nesse mesmo Seminário 20, Lacan diferencia o gozo fálico e o gozo feminino, sendo o primeiro marcado pela significação do falo e o segundo denominado de suplementar, sendo exclusivo da mulher. É suplementar por ser o gozo da mulher não-toda, uma vez que não se submete à linguagem.
Ao contrário do gozo fálico, o gozo outro, suplementar, “ultrapassa” o sujeito. Para começar, por ser heterogêneo à estrutura descontínua dos fenômenos regulados pela linguagem, com a conseqüência de que esse gozo não é identificatório. (SOLER, 2006, p. 56) Diante desse gozo e na falta de um significante que defina o que é ser uma mulher, a devastação pode se apresentar como uma resposta tanto nas relações entre mãe e filha quanto nas relações amorosas. Para a mulher, o amor e a devastação estão intimamente ligados por situarem-se, conforme já dito anteriormente, no registro da falta de significante no Outro. Freud ([1917-1918] 2006), em seu texto “O Tabu da Virgindade”, discorre sobre a expressão “sujeição sexual” para falar da possível dependência que geralmente uma pessoa cria em relação à outra a partir da relação sexual. Acontece mais comumente com as mulheres, podendo se estender por um longo período e “[...] ir até a perda de toda vontade independente e até fazer a pessoa sofrer os maiores sacrifícios de seus próprios interesses.” (FREUD, [1917-1918] 2006, p. 201). Essa sujeição pode ocorrer pela associação de fraqueza de um com o egoísmo excessivo do outro. Tal questão levantada por Freud nos remete a nossa paciente, que, mesmo após separar-se do marido, ainda se submete aos pedidos deste pela relação sexual. Ela sempre cede, mesmo diante da angústia que a acomete após o ato. Queixa-se da falta de prazer, porém não se nega a oferecer-lhe seu corpo como objeto de gozo. Conforme Drummond (2007) “De qualquer forma a devastação implica em dificuldades do sujeito nas relações de troca, em colocar o corpo na troca amorosa, no relacionamento sexual e na maternidade”. (DRUMMOND, 2007, p.9). A mulher também pode ficar diante de um abismo perturbador, no qual não consegue estabelecer uma medida entre ser mãe e ser mulher. Segundo Soler (2006), esse abismo é característico do gozo da devastação: É esse o núcleo da devastação: é o gozo outro que devasta o sujeito, no sentido forte de aniquilá-lo pelo espaço de um instante. Os efeitos subjetivos desse eclipse nunca faltam. Vão da mais leve desorientação até a angústia profunda, passando por todos os graus de extravio e evitação. (SOLER, 2006, p. 185) No entanto, embora a vida não seja feita apenas de bons encontros amorosos, é possível à mulher construir sua feminilidade e manter seus relacionamentos a partir de laços que suportem a castração, pois assim como a pulsão visa à satisfação, o amor visa ao encontro. Conforme Barros (2008), em seu texto Tinha sido apenas um sorriso... e nada mais!, “fazer laços não é natural, mas
acontece”. Sabemos que o viver junto, o encontro com o outro em sua singularidade, causa estranhamento, mal-estar. No entanto, o homem não vive só. Sabemos também que é necessário criar laços, como fios que nos amarram a vida para adiar e tratar o encontro com a morte. O amor nos coloca numa situação paradoxal, pois, ao amarmos, nos colocamos mais à mercê do outro e, consequentemente, ao alcance dos infortúnios e das dificuldades da vida, arriscando-nos a sofrer com as vicissitudes, os desencontros, as decepções e as desilusões. Mas é possível o sujeito assumir outra relação com os objetos para sua satisfação pulsional que não passe pela via do gozo catastrófico. Para isso, é necessário que o sujeito reconheça sua castração e faça escolhas amorosas calcadas na sua condição de sujeito desejante, fazendo uso do discurso amoroso, dando-lhe uma medida humana para se enlaçar na vida.
REFERÊNCIAS ANDRÉ, Serge. O que quer uma mulher? Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. BARROS, Fernanda O. Tinha sido apenas um sorriso... e nada mais!. In: JORNADA DE DIREITO E PSICANÁLISE, 5, 2008, Curitiba. Anais... Curitiba: Lumen Juris, 2008. p. 10. DRUMMOND, Cristina. A devastação. Disponível em :http://www.ebp.org. br/biblioteca/pdf_biblioteca/Cristina_Drummond_A_devastacao.pdf. Acesso em: 19 nov. 2010. FREUD, Sigmund (1917-1918). O Tabu da virgindade. In: _____. Cinco Lições de psicanálise, Leonardo da Vinci e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 2006. p.197-215. (Edição standart brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 11). LACAN, Jacques. O seminário, livro 20: mais ainda (1972-1973). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985.
MILLER, Jacques-Alain. A criança entre a mãe e a mulher. Opção Lacaniana. São Paulo: Revista Brasileira Internacional de Psicanálise, n.21, abr.1998. SOLER, Colete. O que Lacan dizia das mulheres. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do 10º Período do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 3 Grifo nosso
Revista de Psicologia l
101
A árvore que queria ter as folhas diferentes: considerações sobre inibição, sintoma e ansiedade em psicanálise Lidiane Corina Gonçalves da Cruz1 Geraldo Martins2
RESUMO: As páginas que se seguem fazem parte de um artigo, baseado na experiência de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. A proposta deste trabalho é descrever e analisar os relatos de um caso clínico relacionado com temas da abordagem psicanalítica, tais como inibição, sintoma e ansiedade.
Palavras-chave: Inibição,
Sintoma, Ansiedade.
1 - INTRODUÇÃO Começaremos a construção do artigo com uma metáfora, conto muito antigo dos irmãos Grimm, que descreve a história de uma pequena árvore, que insatisfeita de não produzir folhas bonitas e vistosas, decide não produzir mais nenhuma. E assim permanece até cair em declínio. O estágio de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva proporcionou a experiência de caso clínico que muito se assemelha a história dessa árvore, tão insatisfeita consigo mesma. A cliente K. chegou ao atendimento de psicologia da Newton Paiva no ano de 2011. Resolveu procurar o atendimento por conta própria, pois se sentia paralisada, inerte, incapaz de fazer qualquer coisa para melhorar a sua qualidade de vida. No decorrer dos atendimentos, os relatos transitavam por outros temas, mas sempre retornavam a sua condição paralisia diante da vida. Além da própria impressão sobre sua dificuldade de lidar com as demandas da vida, a cliente trouxe ao atendimento, também, a impressão que seus familiares tinham sobre seus medos e fraquezas. Um relato descrito em um dos atendimentos deixa clara a queixa do cliente, “tenho medo de tudo e não se explicar o porquê, e, por causa disto não consigo fazer planos, me sinto paralisada”. Os relatos se seguem, abordam sempre o mesmo tema, isto é, o sofrimento por não conseguir sair do lugar. As queixas de paralisia e inércia estavam em torno de tudo o que ela pretendia fazer. Quando tentava agir ou fazer algo para mudar, os resultados não lhe agradavam, como as folhas da árvore da história dos irmãos Grimm. Em outro atendimento, a cliente relata um episódio, no qual não se permitiu ao menos tentar uma oportunidade de trabalho, mesmo estando necessitando de um para arcar com suas despesas básicas. Ela relata que mes102 l
Revista de Psicologia
mo se tentasse, não conseguiria agradar o contratante, porque não sabia fazer nada de bom. Com as queixas recorrentes sobre esta inércia diante da vida, surge um questionamento: esses relatos descrevem um processo de inibição da libido ou de uma construção patológica? Podemos fazer um ensaio que responda a esse questionamento, a partir de uma distinção entre a inibição, a ansiedade e o sintoma. Inibição ou sintoma: considerações sobre o caso clínico Freud (1976), em Um estudo autobiográfico, inibições, sintomas e ansiedade, faz uma distinção entre a inibição e o sintoma. De acordo com o autor (1976, p.107), “Os dois conceitos não se encontram no mesmo plano. A inibição tem uma relação especial com a função, não tendo necessariamente uma implicação patológica [...]. O sintoma por outro lado, realmente denota a presença de algum processo patológico.” A esse respeito, podemos perceber que a inibição está intimamente ligada á função a qual está relacionada. Ou seja, a inibição não está relacionada a uma patologia, mas sim à restrição normal do desenvolvimento. A inibição está relacionada às funções do ego, e essas funções podem sofrer perturbações que têm características bem específicas ou mais gerais, como, por exemplo, na passagem seguinte quando Freud descreve a inibição no trabalho. Na inibição no trabalho, fato com o qual tantas vezes temos que lidar como um sintoma isolado em trabalho terapêutico, o indivíduo sente uma diminuição de seu prazer nele, ou se torna menos capaz de realiza-lo bom, ou então experimenta certas reações tocantes ao mesmo, como a
fadiga, a tonteira, o enjoo, se for obrigada a prosseguir com o mesmo (FREUD, 1976, p. 108).
O autor destaca, ainda, a relação que há entre a inibição e o sintoma. O sintoma pode se manifestar por meio da inibição, mas nem toda inibição se trata, necessariamente, de um sintoma. A inibição pode também ser uma reação a uma situação que estimule a ansiedade. Nesse caso, a inibição serviria como um mecanismo que precede, e, ao mesmo tempo, prevê a ansiedade (FREUD, 1976). A inibição, de acordo com essas descrições supracitadas, não tem uma relação direta com uma condição patológica. Pode se tratar apenas de restrição libidinal a uma determinada função. Na história da arvorezinha, as folhas têm uma determinada função para ela, como, por exemplo, nutrir, dar vida e outros. Porém ela deixa de produzi-las por uma perturbação funcional, isto é, uma falta de inclinação para se nutrir por uma retirada libidinal. Já quanto ao sintoma, uma das principais características é que esse é uma construção substitutiva do inconsciente para que conteúdos sexuais, que foram barrados pelo recalque, consigam retornar à consciência, e, assim, encontrar satisfação. Para que esses conteúdos consigam driblar o recalque e retornar à consciência, eles passam por um processo de transformação tão intenso, que a satisfação, que era esperada por via do prazer, pode se transformar em desprazer (FREUD, 1976). A pulsão, que é expulsa para o inconsciente, sofre transformações para voltar à consciência, a fim de buscar satisfação. Essa transformação faz com que o sintoma se deforma de tal maneira, que não seja reconhecido pelo sujeito como uma construção do próprio inconsciente. Mas, ao contrário, passa a representar uma manifestação desprazerosa (QUINET, 2000). A inibição, por vezes, pode ser uma dessas formas de satisfação da pulsão, que o sujeito não reconhece como tal. Essa inibição pode se manifestar de forma exacerbada e acarretar prejuízos ao desenvolvimento do sujeito. Essa paralisia generalizada, que não diz de um processo normal de inibição da função, tem a característica de um processo patológico. A árvore que descrevemos na história, bem como a cliente acompanhada na experiência clínica, manifesta essa inibição semelhante. A árvore deixa de produzir as folhas a ponto de chegar à inexistência. A inércia da cliente a acomete a ponto de abstê-la de se responsabilizar por sua própria existência (FREUD, 1976).
mantém uma conexão com ansiedade, uma vez que é uma forma de prevenção ao aparecimento dessa. Além disso, a inibição pode também ser uma forma de manifestação sintomática, na qual o sujeito deixa de investir integralmente a libido em uma determinada função do ego. A metáfora utilizada a partir da ilustração da árvore, que não dá mais folhas, porque considera que elas não cumprem sua função, poderia então estar relacionada a uma condição de simples inibição, ou também de um sintoma, quando ela opta pelo perecimento no lugar de criar alternativas a partir daquilo que realmente a ela pertence. O cliente chega ao atendimento de psicologia revestido de um sintoma ou de uma inibição. E, muitas vezes, busca ajuda por já se encontrar em estado de perecimento como acontece no conto de fada. Trata-se apenas de um conto de fada, mas o inconsciente muito se assemelha a ele, por ter uma escrita e uma linguagem própria, que muito se aproxima da ordem da ficção. REFERÊNCIAS FREUD, Sigmund. Um estudo autobiográfico: e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1976. 197 p. FREUD, Sigmund. O caminho da formação de sintomas. Rio de Janeiro: Imago, 1976, p. 98 – 102. QUINET, Antonio. A descoberta do inconsciente: do desejo ao sintoma. Rio de Janeiro: Zahar, 2000, p. 117 – 151. ESTÉS, Clarissa Pinkola. Contos de fadas dos irmãos Grimm. São Paulo. Disponível em: http://pt.scribid.com/doc/7073929/Irmaos-Grimm-Varios-Contos. Acesso em: 31 de maio de 2011.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professor Orientador do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva
Considerações Finais A inibição é um processo normal de restrição do desenvolvimento. Não está diretamente relacionada a um sintoma, mas Revista de Psicologia l
103
De uma coisa eu sei: sou mulher...muito macho!?! O desejo jamais é o desejo da mulher; O desejo nunca se dirige ao Outro como tal, mas antes, provém dele. O que visa ao desejo é o significante pelo qual o outro aparece ele próprio enquanto desejante e, por conseguinte como desejável. Quanto à feminilidade, esta jamais pode ser situada senão num mais-além do desejo. SERGE ANDRE Lorena Regina Queiroz Lana de Araújo1 Geraldo Majela Martins2 RESUMO: Este artigo tem como pretensão encadear uma construção psicanalítica diante um atendimento realizado pela autora. Procurando destacar a posição histérica viril como a paciente se colocava diante da analista, enfatizado a feminilidade ou até a falta da mesma. Palavras-chave: Mulher, Histérica, Identificação viril.
Este artigo tem por objetivo analisar um atendimento realizado na clinica de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva, durante o ano de 2010, supervisionado pelo professor Geraldo Majela Martins, procurando abordar as estratégias de uma neurose histérica atual. Cada sujeito em sua sessão traz algo estrutural à medida que fala, porém para que tenha uma analise, é necessário que aquele que se dispõe a escutar retire-se do lugar do saber, isto é, retirarse do discurso do mestre e até mesmo do discurso universitário, para um discurso que permite que o próprio paciente erga sua subjetividade, o que a teoria lacaniana definiu como discurso do analista. Portanto este texto não pretende construir um saber sobre as questões enigmáticas trazidas pela paciente, apenas encadear uma construção baseada no atendimento. “Sou a única mulher no meio de vários homens, tenho 39 anos e cuido de todos os homens, tive que dizer ao meu pai que não era a esposa dela quando minha mãe morreu, e aos meus irmãos que não era a mãe deles, mesmo sendo a mais nova. Sempre fui assim a mulher macho, por isso estou aqui quero ser mais feminina, ser mais mulher, parar de agir como um homem, mas o que é ser uma mulher? Pois não quero ser igual a você, uma bonequinha de luxo que parece que vai quebrar, não uso salto igual a você, nem sou tão doce como você me parece ser. Quero ser menos forte, mas não ser frágil como uma mulherzinha.” Esses são os primeiros dizeres de Maria3 quando pergunto o que lhe trouxe a clínica, são dizeres que a afligia, pois pronunciava uma contradição, Maria era um homem no corpo de uma mulher, um corpo que não dava conta de sua situação fálica, isto é, a paciente estava inscrita na lógica da castração, agindo como um ser fálico, o que produzia uma insuficiência. Porém essa insuficiência também dava uma sustentação a 104 l
Revista de Psicologia
sua questão, pois Maria ficava rodeada por homens que designou como ser único, isto é, como ser fálico. Dessa forma, Maria vivia em um eterno conflito: o que é ser uma mulher? De acordo com Soler (2005), nos sabemos o que uma mulher tem, o marido e os filhos, sabe-se que isso constitui sua felicidade, mas também a inscreve na troca fálica, assim esta felicidade não é o que a mulher quer. “Ela deseja ser única, ser exaltada do amor até a morte” (SOLER, 2005 p. 21). É a tentação de um amor tão total, tão absoluto quanto irrespirável, que varre para longe não só as mediocridades do compromisso, mas esvazia matando qualquer diferença e aniquilamento da falta. O que pronuncia o impossível, o impossível em ser uma mulher. Na primeira sessão, Maria apresenta-se com um moletom bem largo, chinelo e cabelos amarrados, uma posição bem máscula. Porém em sua terceira sessão, a paciente chega ao atendimento com um vestido longo, cabelo solto e uma sandália com um salto, completamente diferente do que se apresentou nos primeiros dias, de tal modo, que a terapeuta não a reconheceu de imediato. Nesta sessão, Maria chorou muito e disse de sua dificuldade em escolher o que quer fazer da vida, nesta sessão, diferentemente das anteriores, se mostrou uma mulher frágil que não sabia o que queria da vida. Dessa forma, sua estrutura neurótica foi confirmada por se apresentar dividida. Com isso, posso dizer que o mal-estar de Maria impõe a ela mesma, o que Quinet (2005) afirma: O neurótico ama seu sintoma como a si mesmo porque este lhe é caro – o que é constatável, na analise, em sua dificuldade em abandoná-lo-, uma vez que seu capital está investido no sintoma. Este é caro como amante (o melhor amigo) e porque aí se encontra seu capital, ou
seja, é ai que sua libido está investida. É o que Freud denomina de benefício primário do sintoma, e que Lacan chama de gozo do sintoma (QUINET, 2005 p. 88). Dessa forma, para transformar o sintoma de Maria em um sinthoma, segundo Quinet (2005), é necessário que a queixa se transforme em demanda endereçada ao analista e que o sintoma passe de estatuto de resposta ao estatuto de questão para o sujeito, para que este seja instigado a decifrá-lo. E a partir daí o sintoma será questionado pelo analista, que procurará saber a que esse sintoma está respondendo, que gozo esse sintoma vem delimitar. Acredito que seja possível esta transformação já que paciente demanda uma transferência, mesmo que negativa com a analista. Maria vem ao consultório em busca de uma guerra viril, porém a terapeuta não assume este papel de rivalidade, na tentativa de retirá-la deste lugar masculinização do gênero feminino que a teoria freudiana denominou como identificação viril. Com isso, a paciente apresenta-se mais feminina nas sessões seguintes, como já relatado acima. Em sua última sessão, Maria me diz que está apaixonada por um homem, e que saiu da empresa do seu pai e estava trabalhando em outro lugar, um salão de beleza. Diz que se sentia confiante e decidida em o que fazer da vida. Não sei o que aconteceu com ela, se realmente resolveu todas as suas gavetas. Todavia, nesta última sessão, Maria me mostrou que não devemos em análise, “feminilizar apenas as passíveis de feminilizar”. ReferÊncias COLER, Colette. O que Lacan dizia das mulheres. Tradução: Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. QUINET, Antonio. As 4 + 1 condições da análise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do 10º Período do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professor supervisor de estágio do Curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 3 Nome fictício
Revista de Psicologia l
105
Angústia da separação Luciana Soares Martins Fróes1 Geraldo Majela Martins2 RESUMO: Este artigo pretende apresentar as manifestações de angústia frente às escolhas, decisões e desejos de um paciente da Clinica de Psicologia. Discute-se também o ato de nascer como primeira experiência da angústia. Para isso partiremos de Freud e Lacan para entendermos os conceitos de angústia na Psicanálise. Palavras – chave: Angústia, Psicanálise, Castração, Clínica de Psicologia.
INTRODUÇÃO O paciente B. tem 27 anos e mora na região do Grajaú, procurou a clinica de psicologia com a queixa de um término de relacionamento de seis anos com a sua noiva, e não sabia o que fazer. No decorrer das sessões, B. levou muito mais que a queixa inicial, que era o término de relacionamento, trouxe os medos que ele sempre tem quando está sozinho, falou sobre a separação dos pais e como a mãe o tratava sempre de forma autoritária. O paciente relata que os pais se separaram quando ele tinha dois anos de idade e ele ficou morando com a mãe. Diz também que a mãe o colocava contra o pai e contra a família do pai. Até que um dia ele o denunciou por causa de pensão alimentícia, e o pai foi preso. B. diz que sofreu muito com isso tudo, pois não queria fazer isso com o pai. B. traz a questão da mãe como sendo uma pessoa que decidia tudo, “ela me trata como se fosse um cachorrinho”, sempre mandou na sua vida e fez as escolhas por ele. Hoje o paciente está noivo de uma moça que ele mesmo relata ser igual à mãe, sempre resolve as coisas para ele, manda e desmanda na sua vida. Agora que eles terminaram, ele traz esta angústia da separação, continua ou não com este relacionamento, o qual remete tanto a sua mãe. ANGÚSTIA DA SEPARAÇÃO Segundo Freud (1926), o ato de nascer é a primeira experiência de angústia, sendo esta a fonte da sensação da angústia. Freud (1926) ressalta que a angústia é um sinal de perigo que provém do mundo externo ou de impulsos internos, relata que perigos internos possuem uma característica comum, envolvem a separação ou perda do objeto amado, ou uma perda do seu amor, uma perda ou separação que poderá de várias maneiras conduzir a um acúmulo de desejos insatisfeitos e, dessa maneira, há uma situação de desamparo do nascimento - ocorre por ocasião de uma separação da mãe, que remonta a uma fase particular do desenvol106 l
Revista de Psicologia
vimento do aparelho psíquico. Nesse viés, Freud (1926) aponta que o trauma da castração é o responsável pelas diferentes reproduções da angústia, seja ela angústia automática ou mera sinalização produzida pelo eu. Sendo assim, a angústia referenciada a uma situação de castração não implica numa unicidade quanto a sua origem; mantém-se a ideia de uma angústia sinal, isto é, produzida pelo eu com o intuito de evitar novas situações traumáticas. Para Freud, No entanto, não posso ver como objetar contra uma dupla origem da ansiedade – uma, como conseqüência direta do momento traumático, e a outra, como sinal que ameaça com a repetição de tal momento (FREUD, 1926, p 119). Em seu texto “Inibição, sintoma e angústia”, Freud (1926) aborda a questão da castração em relação à angústia e expõe essa ideia, inicialmente, a partir do caso “Pequeno Hans”, em que o temor da castração iminente determinou um recalque que resultou em um sintoma: a fobia. Freud afirma que, Somente no tocante a ‘Little Hans’ é que podemos dizer com certeza que aquilo que sua fobia eliminou foi os dois principais impulsos do complexo edipiano, sua agressividade para com o pai e seu excesso da afeição pela mãe. (FREUD, 1926, p.129) Nesse caso, a angústia é gerada por um perigo externo (castração) que deriva de um perigo interno, o desejo incestuoso pela mãe e a agressividade com o pai. Freud relata, A afirmação que acabo de fazer, no sentido de que o eu foi preparado para esperar a castração, tendo sofrido perdas de objeto constantemente repetidas, coloca a angústia sob nova luz. Até aqui consideramo-la como um sinal afetivo de perigo; mas agora, visto que perigo é tão amiúde o de castração
ele nos parece uma reação a uma perda, uma separação. (FREUD, 1926, p.154) Ante a ameaça deste perigo externo, advindo da castração, o sujeito produz um mecanismo de defesa denominado recalque. Esse tem por objetivo a defesa contra a angústia, e como consequência a defesa do aparelho psíquico, que consiste em uma representação da consciência para evitar a angústia. Assim a repetição da angústia se dará devido às exigências pulsionais que remetem o sujeito a uma situação de perigo, que representa um temor primário da castração. Desde modo, Freud (1926) afirma que o recalque é encarado como uma tentativa de fuga, na qual o ego retira sua energia psíquica pré-consciente da representação pulsional que deve ser recalcada, utilizando-a com o objetivo de liberar o desprazer, ou seja, a angústia. Caminhando nas construções acerca do conceito de angústia, Santos (2002) demonstra, a partir da leitura de Lacan, que é preciso diferenciar a angústia simbolizada, que está alienada aos significantes do outro, de outra mais elementar, mais primitiva, que é derivada da experiência traumática do primeiro encontro com o desejo do Outro. Rinaldi (2005) em seu artigo ”O Conceito de Angústia em Lacan” nos apresenta que Lacan decorre da sua afirmação, no seminário x, que existe uma relação entre a angústia e o desejo do Outro. Ele traz a dimensão do Outro, como lugar do significante para a definição de angústia, e que a angústia se enquadra por esta relação ao campo do significante na sua articulação com o imaginário. Ainda conforme Rinaldi (2005), nessa relação ao Outro, o sujeito se inscreve como um quociente, isto é, como um resultado dessa marca significante. Porém há um resto, um resíduo, este resto é o objeto a, única garantia da alteridade do Outro. A problemática da angústia se vincula ao desejo do outro justamente enquanto estrutura portadora desse enigma, nesse ponto de falta que faz do Outro o Outro. Rinaldi (2005) relata então que, segundo Lacan, quando algo surge no lugar da castração imaginária, é isso que provoca a angústia, uma vez que a falta, falta, e é isso que dá o verdadeiro sentido ao que Freud designa como perda de objeto em relação à angústia.
Podemos dizer, então, que o sujeito por ter sido inscrito no universo simbólico e assim ser da linguagem é inerente à falta, já que a linguagem é incapaz de dar conta de tudo. Isto é, a angústia que afeta o corpo do sujeito, marcando assim sua divisão, assinalando a sua incompletude de Outro do significante, levando assim o sujeito a sua própria incompletude. “Eu estou muito indeciso, muito angustiado, não sei se e isto que eu quero, sei que a Maisa e uma mulher para casar, mas fico pensando: E se daqui a dez anos eu perceber que não e isso que eu queria e ai? Como vai ser? E se tiver filhos, pior ainda? Tenho medo....” Freud (1926) afirma que a angústia se faz acompanhar de sensações e reações fisiológicas, em órgãos ligados ao coração e à respiração, pois ele remete ao estado de perigo e este sempre volta repetindo seu estado. “Tenho muito medo de escuro, de fantasmas, de assombração de coisas do outro mundo, até de Deus, nossa senhora eu tenho medo, fico trêmulo, as minhas mãos suando, meu coração palpitando” Podemos concluir que a partir das considerações de Freud e Lacan sobre a angústia, esta nos introduz numa função, a função da falta. A angústia surge quando o sujeito é confrontado com a “falta que falta”, ou seja, com uma alteridade onipotente que o invade a ponto de destruir nele qualquer forma de desejar. REFERÊNCIAS FREUD, Sigmund. Inibições, sintoma e Ansiedade (1926). In:______. Um estudo auto-biográfico inibições, sintomas e ansiedade a questão da análise leiga e outros trabalhos.. Tradução Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1976. p. 95-228. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, vol. 20). HARARI, Roberto. O seminário a angústia de Lacan: uma introdução. Tradução de Francisco Settineri. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1997. cap. 3, p. 61-112 PISSETA, Maria Angélica Augusto de Mello; BESSET, Vera Lopes. Fobia, angústia e castração. In: BESSET, Vera Lopes (org). Angústia. São Paulo: Escuta, 2002. cap.3, p. 187-198. RINALDI, Doris. O conceito de angústia em Lacan. 2005. Disponível em:
CONCLUSÃO Freud diz que a criança nasce de mãe desconhecida e que sua chegada ao mundo é marcada antes de tudo pela angústia. A primeira experiência de angústia, pelo menos no homem, é o nascimento, que significa objetivamente a separação da mãe e poderia ser comparada a uma castração da mãe. Portanto, a criança é antes de tudo uma castração da mãe e um objeto de angústia. “Minha mãe era assim, B. fala isso, já deu bom dia, falou obrigado não faça isso, não faça aquilo. Eu era o cachorrinho da mamãe”
http://www.interseccaopsicanalitica.com.br/art016.htm . Acesso em: 6 jul. 2011.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do 10º período do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva
2 Professor supervisor de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva Revista de Psicologia l
107
Depressão: uma perspectiva analítico comportamental Luiz Felipe Silva Melo1 Gustavo Teixeira2 RESUMO: Este trabalho tem por objetivo realizar uma breve revisão de literatura acerca do tema depressão. O texto irá considerar algumas visões sobre o tema, mas trará seu foco para a perspectiva analítico comportamental e os modelos derivados do laboratório com base na filosofia Behaviorista Skinneriana. Palavras–Chave: Depressão, Reforçadores, Frequência de respostas. Desamparo aprendido.
A OMS (Organização Mundial de Saúde) divulgou uma nota que pode ser vista no site do jornal O Globo3, enfatizando que provavelmente a depressão será a “doença” mais comum no mundo em 2030. Há uma série de questionamentos a serem feitos a respeito do que chamam de depressão e quais as possíveis causas e tratamentos. Neste trabalho, embora o enfoque seja nas possíveis etiologias consideradas pela análise do comportamento, faz-se necessário uma curta explanação sobre a visão geral que se tem desse fenômeno chamado depressão. O principal referencial para médicos e também alguns psicólogos para um diagnóstico de depressão é a CID-10 (Classificação Internacional de doenças) e principalmente o DSM-IV (Manual diagnóstico e estatístico de Transtornos Mentais). No DSM-IV, há uma enorme classificação de subtipos de depressão, as quais não serão abordadas especificamente, isso porque, embora existam sutis diferenças topográficas, a análise do comportamento vai partir do pressuposto que cada pessoa é única devido a sua história filogenética, ontogenética e cultural, assim o intuito de subtipos de depressão tem mais representatividade para médicos que escolhem determinados medicamentos baseados nos critérios destes manuais. A depressão, de acordo com o DSM-IV (1995), é caracterizada por uma série de eventos, tais como rebaixamento do humor (hipotimia), perda de interesse e prazer nas atividades cotidianas (anedonia), apatia ou agitação psicomotora, pensamentos negativos, redução do apetite, alteração do sono, diminuição de energia, pensamentos de morte e ideação suicida. Todos os termos citados acima são descrições topográficas, ou seja, descrições de formas de respostas, não levando em consideração as causas de tais comportamentos. Há também explicações com bases neuroquímicas que legitimam o uso de drogas antidepressivas. Tais explicações pressupõem causas biológicas, e segundo Kolb e Whishaw (2002), o fato de 70% das pessoas serem tratadas com certo êxito com 108 l
Revista de Psicologia
essas drogas fez com que essa classe de medicamento seja uma das mais prescritas no mundo. Os antidepressivos agem em sinapses (principalmente sinapses que contém noradrenalina e serotonina), aumentando a quantidade de neurotransmissores e disponibilidade no local. As grandes projeções de células que contém noradrenalina e serotonina no sistema límbico sugerem que a atividade de regiões límbicas, incluindo o córtex pré-frontal, é anormal na depressão. (KOLB; WHISHAW, 2002, p. 437). Esses trechos citados acima são meras amostras das muitas visões existentes sobre a depressão fora da análise do comportamento. Todas essas explicações acima são chamadas explicações mentalistas, que colocam exclusivamente seu objeto de intervenção no sujeito. Comportamento, para análise do comportamento, é resposta e consequência, ou seja, comportamento é interação entre organismo e ambiente. Nesse aspecto, o criador do Behaviorismo radical aponta para onde devemos focar nossos esforços para uma análise cientifica do comportamento humano: As variáveis externas, das quais o comportamento é função, dão margem ao que pode ser chamado de análise causal ou funcional. Tentamos prever e controlar o comportamento de um organismo individual. Esta é a nossa ‘variável dependente’- o efeito para o qual procuramos a causa. Nossas ‘variáveis independentes’- as causas do comportamento - são as condições externas das quais o comportamento é função. Relações entre as duas - as ‘relações de causa e efeito’ no comportamento - são as leis de uma ciência” (SKINNER, 2007, p. 38).
Desse modo, fica claro que o analista do comportamento deve buscar na interação entre o indivíduo e seu ambiente físico e social as possíveis causas do chamado “quadro depressivo”. Hünziker (1997) aponta claramente essa questão dizendo que o analista do comportamento não irá lidar com síndrome ou doença, mas sim com um repertório único e personalizado que deve ser compreendido por meio da sua análise funcional. Toda análise funcional é única, porque todo individuo tem uma história de contingência de reforçamento singular. A análise do comportamento tem como seu suporte a filosofia Behaviorista Skinneriana, e um dos fatores que dão mais legitimidade a essa ciência é a reprodução em laboratório de fenômenos observados no cotidiano. Alguns modelos foram mais bem aceitos e comprovados por experiências laboratoriais. Um dos principais autores do tema é Ferster, que, em 1973, propôs um modelo acerca da depressão. De acordo com Ferster (1977), a “depressão” teria como uma de suas causas a diminuição de comportamentos positivamente reforçados e o aumento na frequência de comportamentos de fuga e esquiva de estímulos aversivos. Assim as causas da depressão estariam nessa interação do individuo com seu ambiente, que acarretaria essas relações funcionais. Há um experimento chamado de modelo de separação de Harlow & Suomi (apud Hünziker 2006)4, que utiliza primatas, separando o filhote da mãe, ou separando um macaco adulto do seu meio social por cerca de 30 dias. Todos os cuidados e condições de sobrevivência são ofertados ao filhote, mas esse fica privado dos reforçadores antes providos pela mãe como contato físico. Desse estudo verifica-se que o filhote apresenta redução generalizada dos seus comportamentos, caindo drasticamente sua interação com outros macacos e a ingestão de alimento, podendo levá-lo à morte. Quanto ao macaco adulto, esse fica isolado em uma gaiola e quando solto demonstra redução na locomoção e na exploração do ambiente (comparável à linha de base antes do tratamento) e há também aumento de comportamentos destrutivos. Assim esse modelo reproduz situações em que há falta de reforçadores pela privação da fonte de reforçamento social (a mãe e os outros membros da espécie). Outro autor muito importante que aborda o assunto é Martin Seligman. Seligman propõe a teoria do desamparo aprendido, Hünziker (1997) fala que aparentemente a extinção não é a única responsável pela aquisição do repertório dito depressivo. A teoria do desamparo aprendido diz que algumas contingências podem ensinar o individuo que seu ambiente está modificado e que de uma maneira generalizada reforçadores não estarão mais disponíveis, assim o indivíduo para de emitir resposta, mesmo não
experimentando a extinção. A partir de uma situação de incontrolabilidade, o individuo, após tal experiência, para de emitir respostas diante de novos estímulos, pois genericamente, com algumas suposições de processos associativos, este indivíduo aprende que aspectos do ambiente não estão sob seu controle. Desamparo Aprendido é a interferência da exposição prévia a eventos aversivos incontroláveis, na aprendizagem futura, quando os eventos podem ser controláveis. Esse efeito de interferência ocorre porque os organismos, ao passarem pela experiência com eventos incontroláveis, aprendem que não há relação entre o que fazem e as conseqüências ambientais do que foi feito. (CAPELARI, 2002, p.26) O Modelo do Desamparo Aprendido foi reproduzido em laboratório diversas vezes utilizando primeiro cães, depois uma série de outros animais, ultimamente ratos são os principais animais utilizados como sujeitos experimentais. Há diversos artigos publicados, o presente autor sugere para maiores informações sobre os procedimentos, a leitura de artigos e estudos elaborados por Maria Elena Leite Hünziker5, grande estudiosa da área. O procedimento com os ratos (sujeitos experimentais), de acordo com Hünziker (2006), se dá pela exposição do sujeito a choques, em que, em uma hora de sessão, ficará exposto no máximo 10 min. Após 24 horas, os animais são submetidos a uma contingência de fuga em que novos choques são apresentados e podem ser desligados se o sujeito emitir determinada resposta. A aprendizagem da resposta de fuga é comparada com a de outros animais que não passaram pelo procedimento de choques e animais que foram expostos aos choques, porém de forma controlável (no sentido de que poderiam desligar o choque exibindo determinada resposta). “Os resultados obtidos mostram que apenas os sujeitos submetidos aos choques incontroláveis apresentam dificuldade de aprendizagem de fuga” (HÜNZIKER, 2006, p. 152). Alguns dos sujeitos apresentam baixa probabilidade de emitir a resposta, assim eles não entram em contato com o reforçamento negativo que está disponível (cessar os choques). Segundo Hünziker (2006), o modelo do desamparo aprendido é que tem mostrado maior abrangência de investigação tanto no nível comportamental como bioquímico ou farmacológico, pois são verificados que os sujeitos submetidos aos choques incontroláveis apresentam diminuição no nível de neurotransmissores como serotonina (5-HT), Noradrenalina e Dopamina. Para Seligman (apud Hünziker 2006, p. 152), “o arranjo experimental do desamparo aprendido possibilita mimetizar, no laboratório, condições que atingem o ser humano e que produzem neles Revista de Psicologia l
109
comportamentos depressivos”. A análise do comportamento, independente do modelo de explicação da depressão, irá sempre buscar suas causas no ambiente, ou seja, irá buscar nas interações individuo - ambiente as causas das quais o comportamento humano é função, pois, identificando as consequências mantenedoras do repertório chamado depressivo, é possível fazer arranjos, mudando tais consequências, alterando assim esses padrões comportamentais.
REFERÊNCIAS CAPELARI, Angélica. Modelos Animais de Psicopatologia: Depressão. In: GUILHARDI, Hélio José et al (org.). Sobre Comportamento Cognição. Vol. 10. Santo André-SP:ESETec, 2002. cap.3, p.24-28. FERSTER, C.B. CULBERTSON, S. BOREN, M.C. Perrot. Depressão Clínica. In:____. Princípios do Comportamento. São Paulo: Hucitec, 1977. cap. 18, p. 699 – 725. Harlow, H. F. & Suomi, S.J. (1974). Induced depression in monkeys. Behavioral Biology,12, 273-296. apud HÜNZIKER, Maria Helena Leite. Estudo Experimental da depressão. In: GUILHARDI, Hélio José e AGUIRRE, Noreen Campbell de. (org.). Sobre Comportamento e Cognição. Vol. 18. Santo André – SP: ESETec, 2006. cap. 12, p.149-155. HÜNZIKER, Maria Helena Leite. O desamparo aprendido e a análise funcional da depressão. In: ZAMIGNANI, Denis Roberto. (org.). Sobre Comportamento e Cognição. Vol. 03. Santo André – SP: ARBytes, 1997. cap. 20, p.141 -149. HÜNZIKER, Maria Helena Leite. Estudo Experimental da depressão. In: GUILHARDI, Hélio José e AGUIRRE, Noreen Campbell de. (org.). Sobre Comportamento e Cognição. Vol. 18. Santo André – SP: ESETec, 2006. cap. 12, p.149-155. KOLB, Bryan; WHISHAW, Ian Q. O que provoca o comportamento? Emoção transtornos Emocionais. In:____. Neurociência do Comportamento. Barueri SP: Manole, 2002. cap.11, p.432 - 437. MANUAL diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM 4. 4.ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. xxv 830p. Seligman, M.E.P. (1975). Helplessness: On Depression, Development and Death. Freeman: San Francisco. Apud HÜNZIKER, Maria Helena Leite. Estudo Experimental da depressão. In: GUILHARDI, Hélio José e AGUIRRE, Noreen Campbell de. (org.). Sobre Comportamento e Cognição. Vol. 18. Santo André – SP: ESETec, 2006. cap. 12, p.149-155. SKINNER, B.F. Ciência e Comportamento Humano. Tradução de: João Carlos Todorov; Rodolfo Azzi. 11. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. 489 p.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmico do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professor supervisor de estágio do curso de Psicologia do Centro Univer-
110 l
Revista de Psicologia
sitário Newton Paiva 3 http://oglobo.globo.com/vivermelhor/mat/2009/09/02/depressao-sera-doencamais-comum-do-mundo-em-2030-diz-oms-767426434.asp 4 Verificar referência para maiores informações. 5 Hünziker é professora associada na Universidade de São Paulo (Instituto de Psicologia - Departamento de Psicologia Experimental)
Lembranças carregadas e sentimentos Luiz Flávio Chinelato1 Geraldo Majela Martins2 RESUMO: Este texto analisa a descrição de uma experiência realizada durante o Estágio VII – Clínica Psicanalítica, na Clinica de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva, onde ocorreram os atendimentos de C.S, que neste trabalho teve a alcunha de Daniela. Durante o estágio, o aluno Luiz Flávio Chinelato pôde empregar na prática os conhecimentos adquiridos ao longo de sua formação acadêmica, sempre sob a supervisão do professor orientador Geraldo Majela Martins. Nesta ocasião, o aluno teve a oportunidade de atender a paciente em 10 sessões terapêuticas. Os conceitos teóricos foram articulados neste artigo com a vivência no tratamento. Os nomes mencionados neste trabalho foram modificados para preservar a identidade dos mesmos, em respeito à ética do profissional de psicologia e em acordo com o código de ética da profissão. O caso apresenta uma trajetória análoga à compulsão, à repetição, em que foi possível relacionar com os conceitos de transferência. Palavras - chave: Estágio, Psicanálise, Compulsão à repetição, Transferência.
Este artigo foi elaborado a partir do estágio Clínica Psicanalítica II, sob a supervisão do professor Geraldo Majela Martins, no ano de 2010. Daniela, 30 anos, solteira, foi contemplada com o serviço de atendimento psicológico oferecido pela faculdade. Sua estrutura familiar é composta por pai e mãe, uma irmã casada,que tem uma filha, sendo que o marido da irmã não é o pai da sobrinha e seus pais, que são separados, moram todos no mesmo terreno. Em uma casa vive Daniela, sozinha, em outra, a mãe também sozinha, e na terceira construção vivem os outros membros desta família. A jovem senhora havia procurado a clínica no semestre anterior em busca de atendimento em terapias breves no plantão psicológico. De acordo com os registros da clínica, o atendimento ocorreu na abordagem comportamental, e Daniela queixava-se de aflição, sem saber explicar o que seria. Incomodada com a relação vivida com o namorado, ela não confiava nela e não tinha coragem para terminar o relacionamento. Na ocasião, houve somente uma sessão e o motivo de sua busca por ajuda estava relacionado com o rompimento de seu romance com Eduardo. Em seguida, houve recesso escolar e o tratamento fora interrompido. No semestre seguinte, Daniela retorna a clinica e, dessa vez, para o tratamento continuado e na abordagem psicanalítica. A paciente chega pontualmente e de pé aguarda o momento de ser chamada. Ao ser anunciada, Daniela caminha a passos largos e aparentemente com pressa e ansiosa para o atendimento. Vai logo se assentando na poltrona, antes mesmo de a porta ser fechada. Essa cena se repete em todas as sessões. A paciente remonta a cena com a riqueza de detalhes como um ritual ne-
cessário para os trabalhos. Daniela entra no consultório e vai logo dizendo que o pior já passou. Sua exposição não é o bastante para que o terapeuta possa compreender o sentido de sua fala, mas é o suficiente para relacionar que trata de uma onda cíclica, conhecida pela paciente. Essa repetição, que Daniela deixou entender que existira, logo no primeiro instante do tratamento, é um ponto a ser observado pelo analista e que, mais tarde, no transcorrer do tratamento, é capaz de elucidar um sentido para a cura. A primeira queixa da paciente é em relação ao abandono do namorado. Daniela conta que o rapaz a deixou e que não deseja mais reatar o relacionamento. Ela diz que não quer saber mais de homens trastes em sua vida. O terapeuta, neste momento, recorta esse fato, pois mais tarde irá compreender que Daniela sempre se envolveu com namorados dessa categoria e que não há um motivo aparente para admitir este tipo de relação. Nas sessões seguintes, a paciente trata dos conflitos familiares em que há sempre uma relação conflituosa com os parentes. A mãe de Daniela teve diversos relacionamentos ao longo da vida e sempre com homens que a paciente considera trastes, assim como os que Daniela escolheu também. A irmã da paciente procede de igual maneira, sempre se relacionando com homens considerados trastes. Ao longo do tratamento, Daniela conta que em sua família as mulheres sempre agem dessa maneira. “As mulheres da minha família têm o dedo podre para escolher homens” afirma a paciente, ressaltando a reincidência desses acontecimentos. Os conflitos relatados estão centralizados nos relacionamentos amorosos vividos pelas mulheres desta família. Revista de Psicologia l
111
Mãe e filhas vivem trocando desafetos entre si, provocando um ambiente de animosidade familiar. As brigas acontecem invariavelmente entre as mulheres. Já os homens aparecem de forma estática nos relatos. “Meu pai não apita nada”, Daniela diz colocando o pai em posição de quem está fora de cena. “Meu cunhado não participa de nada”, se referindo ao padrasto da sobrinha como um homem que não faz parte família. “O Eduardo não contribui com nada”, se referindo ao ex-namorado como um homem que não participa afetivamente ou financeiramente. O foco das queixas da paciente, durante o tratamento, sempre esteve voltado para as relações entre as mulheres de maneira competitiva. Os ataques e provocações eram ofensas relativas aos homens que cada uma arranjava. Daniela ressalta que “minha mãe não tem moral para falar de mim nem dos homens que tive”. Fala que sua mãe tivera homens alcoolistas, preguiçosos e mentirosos e que era “velha para arranjar coisa melhor”. No decorrer das sessões, Daniela denuncia a sua sobrinha Tatiana como uma quarta mulher na família e que passa a incomodá-la. “Ela está muito bonita e tem mais corpo do que eu”, explica. A sobrinha, de 12 anos, iniciou um namoro e pratica sexo no portão de sua casa. Os vizinhos filmaram e divulgaram as gravações com cenas íntimas. A paciente ainda lamenta que “Ela já está na boca do povo”. Contudo, a paciente afirma que Tatiana é, apesar de tão pouca idade, uma pessoa que tem o comportamento capcioso. “Ela é o capetinha”, esclarece a paciente em um tom de indignação. O conflito existente entre a paciente e as mulheres de sua família se estende à sobrinha a partir do momento em que a mesma ingressa no universo feminino, apresentando-se como uma mulher. Neste momento, a paciente desloca para a mesma situação anterior, em que o sujeito retorna para uma realidade aparentemente reconhecida. A compulsão á repetição é expressa de forma sistemática e dinâmica, sendo que os motivos para as queixas de Daniela, a princípio, são inconscientes. O tratamento de Daniela aponta para a consideração de que a resistência do eu consciente e pré-consciente coloca-se a serviço do princípio do prazer. De acordo com Freud (1920), o desprazer seria suscitado no sentido de obter permissão, convocando o princípio de realidade. Isto é, Daniela tem o desprazer ao brigar com a mãe, a irmã e a sobrinha, expressando a força recalcada, na qual se instala a compulsão à repetição. O florescimento da vida sexual de Tatiana, sua sobrinha, vai em direção ao declínio da vida sexual de Daniela, assim como ocorreu entre Daniela e sua mãe. Esse desapontamento da paciente gera o desprezo, formando um sintoma que é a compulsão à repetição. 112 l
Revista de Psicologia
As vivências de Daniela na infância são apontadas durante o tratamento quando relata suas lembranças carregadas de sentimento. A relação amorosa de sua mãe é reapresentada por ela e isto é o ponto central dos conflitos familiares da vida adulta. Para Freud: “Muito daquilo que se poderia denominar compulsão de destino parece-nos compreensível através de uma ponderação racional, de maneira que não temos necessidade de expor um novo e misterioso motivo.” (FREUD, 1920, p, 12) A paciente repete em vez de lembrar e repete também durante o tratamento. O analista pode notar que os rituais durante o tratamento estão relacionados na transferência. A maneira como Daniela chegava ao consultório, sempre apressada, e a ansiedade para iniciar a sessão demonstram os aspectos da transferência na relação analista e analisando. De acordo com Freud (1914), o meio principal de amarrar a compulsão à repetição do paciente está no manejo da transferência. A partir dessas reações, é que são conhecidos os caminhos para a cura. É preciso que o analista tenha a compreensão de que o sucesso do tratamento dependerá do manejo na transferência, que cria uma região intermediária entre a doença e a cura. A compulsão à repetição está relacionada com a superação das resistências, que são mostradas durante o tratamento, e que são fundamentais para a análise. REFERÊNCIAS FREUD, Sigmund. (1920) Além do princípio do prazer. In:______. Griphos – Psicanálise, Belo Horizonte, n. 12, p. 8-13, junho/2005 _____. (1914). Erinnern, wiederholen und durcharbeiten – Freud – 1914. Lembrar, repetir e trabalhar através. Trad. Ana Maria Portugal M. Saliba. Belo Horizonte. ALEPH. (2000).
NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmico do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professor supervisor do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva
Mudando contingências: um caso de transtorno do pânico Luzia de Fátima Costa Ferreira1 Maxleila Reis Martins Santos2 RESUMO: Este artigo foi elaborado a partir de um caso clínico em atendimento na Clínica de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. Embasado nos pressupostos teóricos da abordagem comportamental, este artigo busca elucidar o caso de uma cliente de nome fictício Maria, que sofre de transtorno do pânico e agorafobia, abordando a ansiedade vivida pela cliente e a importância do acompanhamento psicológico e as intervenções propostas para o caso. Palavras- chave: Pânico, Agorafobia, Comportamento, Ansiedade, Intervenções
INTRODUÇÃO Para iniciar este artigo, faz-se necessário descrever um pequeno resumo do caso clínico em questão: Maria é uma jovem senhora com 45 anos de idade, separada de seu primeiro marido, com quem teve três filhos. Os filhos têm 12, 15 e 19 anos, esses moram com ela. Casou-se pela segunda vez. Desde a sua adolescência, Maria depende de sua mãe para levá-la a qualquer lugar, pois não se sente segura sem sua presença. Sofreu o primeiro ataque de pânico ainda na adolescência, não sabe dizer o porquê. E desde esse dia sua vida se transformou num emaranhado de tristeza e angústia. Segundo os autores Craske e Lewin (2007, p.113), a descrição do DSM-IV (American Psychiatric Association, 1994), quanto a esse transtorno, é definida da seguinte forma O transtorno de pânico envolve basicamente a experiência de períodos discretos de repentino e intenso temor ou mal-estar, (ou seja, pânico). A experiência de pânico caracteriza-se por um conjunto de sintomas físicos e cognitivos, que ocorrem de forma inesperada (ao menos em algumas oportunidades) e recorrente, e se distingue da ativação ansiosa que cresce gradualmente e das reações fóbicas ante estímulos circunscritos, claramente discerníveis. Igualmente, a profunda apreensão com os ataques de pânico desenvolve-se sob a forma de uma preocupação persistente com ataques futuros, preocupação com as conseqüências físicas, sociais ou mentais dos ataques, ou mudanças significativas do comportamento em resposta aos ataques. Segundo Rangé; Borba (2008, p.30) A “síndrome do pânico” é um transtorno de ansiedade que caracteriza obrigatoriamente pela presença de ataques
súbitos e recorrentes de pânico. Contudo, pode ser também que alguns desses ataques ocorram em lugares ou situações em que já aconteceram anteriormente, ou até mesmo que sejam disparados a partir de alguma situação específica, o que é muito comum nos quadros de fobia No caso da cliente citada acima, a mesma não relata sua insegurança em sair sozinha, pois tem medo de que algo muito ruim possa lhe acontecer se tiver desacompanhada. Esse medo bloqueou parte de sua alegria de viver, pois segundo os seus relatos, desde a sua adolescência, não faz nada sozinha sem a presença de sua mãe, não se sente segura com mais ninguém, nem mesmo com o marido ou com os filhos. Maria relata isso desde que chegou à Clínica de Psicologia e pede ajuda para vencer esse medo de sair sozinha, além do medo de sentir-se mal em lugares públicos. De posse de todos os relatos descritos pela cliente no decorrer de várias sessões, e após ter estudado sobre o assunto, se faz pertinente, então, a definição do transtorno de pânico sofrido pela cliente, que é descrito na literatura como “ataque de pânico com agorafobia”, pois, segundo Echeburúa; Corral (2007, p. 89) A agorafobia é constituída por um conjunto de medo de lugares públicos-especialmente quando o paciente está sozinho, como sair á rua, utilizar transportes públicos e ir a lugares muito freqüentados (supermercados, cinemas, igrejas, estádios de futebol, etc.), que produzem uma interferência grave na vida diária. A este medo nuclear podem somar-se alguns outros medos externos, como subir em elevadores, atravessar túneis, cruzar pontes, etc.., bem como medos internos, como a preocupação excessiva com as sensações somáticas( palpitações, vertigens, Revista de Psicologia l
113
enjôos, etc.) ou o medo intenso dos ataques de pânico. Pode-se perceber que um dos sintomas que definem o transtorno de pânico sofrido pela cliente é o medo de lugares públicos, produzindo sintomas físicos que causam muita ansiedade e angústia. As variáveis ambientais são fatores que podem influenciar, pois se percebe pelos relatos da cliente que a mãe contribuiu, e ainda contribui, para a manutenção do seu comportamento, pois a mesma está sempre disponível para a filha em todos os momentos, com isso acentuando o comportamento de fuga/esquiva da filha, isto é, a cliente sempre se esquiva de contingências aversivas a ela, lugares que, estando sozinha, esses lhe causam grande ansiedade. Segundo Rangé; Borba (2008, p.57) A fuga do ambiente ou da situação causadora da ansiedade acaba reforçando o pânico, pois a cada vez que uma pessoa foge de uma situação ameaçadora, o alívio decorrente reforça o comportamento que o produziu, construindo aquilo que é chamado “resposta de fuga”. Ainda segundo os autores (2008, p.55), “quem experimenta um ou mais episódios imprevisíveis de pânico passa a ter reações alteradas. Após um período, talvez comece a vivenciar os chamados ciclos de pânico”. Isto é, diante da ansiedade que antecipa o provável ataque, a pessoa se sente desconfortável por imaginar coisas catastróficas que poderiam lhe acontecer, e não consegue dar continuidade aos seus planos. Foge ou esquiva de qualquer situação que lhe causa desconforto com medo de perder o controle sobre si mesmo, com isso reforçando o ciclo de pânico que envolve: ansiedade antecipatória, fuga/alívio, imagens catastrófica. Diante desses comportamentos desajustados da cliente, produtores de sofrimento e limitações em sua vida, a estagiária planejou algumas técnicas de intervenção comportamental que deram resultados satisfatórios. O primeiro passo foi passar para a cliente informações sobre o que vem a ser o transtorno de pânico e agorafobia, explicando porque as respostas de ansiedade e de fuga-esquiva acontecem, assim como o surgimento dos pensamentos disfuncionais que contribuem para o aumento da ansiedade. A cliente, ciente dos sintomas fisiológicos e psicológicos, pôde compreender melhor o que se passa com ela desde a fase de ansiedade antecipatória até o alívio final, dado pela esquiva ou fuga. Dando continuidade ao processo psicológico, além da interação verbal, assim como da audiência não punitiva, das reflexões solicitadas e interpretações feitas pela estagiária, com o objetivo de favorecer o autoconhecimento da cliente, houve a utilização de outras técnicas, como, por exemplo, estratégia A.C.A.L.M.E.114 l
Revista de Psicologia
S.E., treino respiratório, exposição interoceptiva, exposição situacional gradual e prolongada. Essas intervenções tiveram como objetivo demonstrar para a cliente que a formação do ciclo de pânico tem como consequência a fuga/esquiva e a mesma é que mantém esse transtorno de ansiedade que tanto a incomoda. Portanto, ela deveria tentar manejar seu comportamento de modo a extinguir esse ciclo. Gradativamente, foi passada para a cliente toda a estratégia comportamental, visando produzir melhoras em relação às limitações que tinha em sua vida, sempre reforçando os pequenos avanços da cliente e o seu comprometimento com as tarefas de casa propostas pela estagiária, como, por exemplo, toda vez que se sentir ansiosa por algum motivo, recorrer á técnica A.C.A.L.M.E.SE, além de começar a fazer caminhada perto de sua casa, mesmo que fosse apenas no quarteirão de sua residência. Foi incentivada pela estagiária a tentar o máximo possível a exposição gradual aos lugares que lhe causassem mal- estar. O caso continua em atendimento. E a cliente tem tido melhoras comportamentais significativas, assim como consegue sair sozinha com o marido, comportamento que só conseguia na presença da mãe, sai também sozinha com o filho. Realizou um grande sonho que é frequentar o sítio da família, viajou recentemente para sua cidade natal, que fica a 450km de B.H, entre outros comportamentos está também o desenvolvimento do sentimento de autoconfiança, promovida pelo processo de exposição da terapia. REFERÊNCIAS CABALHO, Vicente E. Tratamento Psicológico da Agorafobia. In:____. Manual para o Tratamento Cognitivo-Comportamental dos Transtornos Psicológicos: Transtornos de ansiedade, sexuais, afetivos e psicóticos. São Paulo: Santos, 2007. ________ENRIQUE Echeburua e Paz de Corral. cap. 3. p. 89-112 ________Transtorno de Pânico. Michelle G. Craske; Michael R. Lewin. Cap. 4. p. 113-136 RANGÉ, Bernard P; BORBA, Angélica G. Informações ao Cliente. In:_____. Vencendo o Pânico: terapia integrativa para quem sofre e para quem trata o transtorno de pânico e agorafobia. Rio de Janeiro: Cognitiva. 2008, p. 25-62.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do 10º período do Curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professora e supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva
Relações alienadas Marcela Oliveira Caetano Martins1 Raquel Neto Alves2 RESUMO: O objetivo deste estudo é compreender a relação que o indivíduo tem com as pessoas de forma alienada, inautêntica. Apresentar as consequências desse tipo de interação, que, várias vezes, leva a pessoa a se sentir insegura passiva e dependente. Palavras-chave: Relacionamento interpessoal, Objeto, Alienação.
Augras (1993) define o homem como ser social, sendo que seu crescimento individual depende, em todos os aspectos, do encontro com os demais. Para ela, o mundo humano é essencialmente mundo da coexistência. Muitas perturbações individuais, ainda segundo a autora, se situam principalmente no plano do relacionamento. Romero (2001) também entende a existência humana em suas manifestações saudáveis ou patológicas como referentes ao modo de se relacionar com o outro. O relacionamento entre dois ou mais indivíduos, em termos de interação, segundo o autor, constitui o interpessoal. Para Romero, a formação da pessoa passa por toda uma trama de relacionamentos interpessoais e, nessa trama, pauta-se o estilo de relacionamento predominantemente do sujeito e o modelo de interiorizar o outro (ROMERO, 2001). Romero atenta para o fato de que quando se reduz uma pessoa a sua mera função, ignorando-a por completo como agente consciente de seu papel, está-se coisificando-a. O indivíduo, nesse caso, ocupando o lugar de objeto de outro, encontra-se alienado. “Aliernar-se é tornar-se alheio a sua própria realidade” (ROMERO, 2001, p. 79). Buber (2001) se destaca por realizar também uma reflexão sobre a existência humana, porém de forma muito específica. Buber (2001) efetua uma verdadeira fenomenologia da relação humana. Para ele, o homem é um ente de relação, ou seja, a relação lhe é essencial ou, ainda, fundamento de sua existência. O autor acentua, de modo claro, radical e definitivo, as duas atitudes distintas do homem face ao mundo ou diante do ser. Tais atitudes se traduzem pela palavra-princípio Eu-Tu e EuIsso, sendo que a primeira é um ato essencial do homem, atitude de encontro entre dois parceiros na reciprocidade e na confirmação mútua, e a segunda é a experiência e a utilização, atitude e objetivante (BUBER, 2001). O filósofo defende a relação Eu-Tu como um tipo de rela-
ção que maximiza o valor do outro enquanto ser de presença. Nessa relação, há reciprocidade. Assim, o outro não deve ser reduzido a predicativos, ou seja, não deve ser visto como condição de objeto, mas de ser que não pode ser representado, onde há de fato o encontro e o reconhecimento mútuo (FERNANDES, 2007). Já no mundo do Eu-Isso, Fernandes (2007) aponta para o fato de que tudo que se passa é instituído por um dizer, que jamais consegue ser essencial, perdurante, intrínseco e íntimo, ou seja, total. Fernandes (2007) pontua que na relação Eu-Isso, o humano não se encontra livre. Ele está preso às objetividades de seus direcionamentos, do mesmo modo como está preso ao subjetivismo de seus sentimentos e emoções. Brito (2008) diz que na relação Eu-Isso o Eu se revela como limitador da condição do outro, o vendo apenas como meio favorável a seus fins ou como um limitador de sua liberdade. Para a autora, o estado de dependência do outro retira a autenticidade da relação e a autonomia das partes envolvidas. Depender do outro é permanecer escravizado às influências e determinações externas. Não há, nessa perspectiva, individualidade. A pessoa é dominada por uma vontade alheia e, portanto, levada a admitir que é limitada em sua liberdade. Apesar disso, não se pode dizer, de acordo com Buber (2001), que a atitude Eu-Isso seja algo negativo ou inferior. O pensador reforça que as duas atitudes se atualizam sucessivamente em um ritmo constante, mas não podem ser tomadas simultaneamente. Assim, a relação Eu-Isso, torna-se um problema quando o sujeito se cristaliza apenas nessa relação (ARAÚJO, 2010). Diante do exposto, em uma de suas reflexões, Buber afirma que “o homem não pode viver sem Isso, mas aquele que vive somente com o Isso não é homem” (BUBER, 2001, p.39). Para ilustrar uma das maneiras de se relacionar com o outro, Revista de Psicologia l
115
descrita anteriormente apresenta-se o caso da cliente A., que está sendo atendida há 2 meses. A apresentação do caso propõe elencar a inautenticidade e o comprometimento das relações interpessoais vivenciadas pela cliente e percebidas ao longo dos atendimentos psicoterapêuticos. A. fazia acompanhamento de Orientação Profissional na Clínica de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva e foi encaminhada para a psicoterapia devido à dificuldade da mesma em lidar com questões pessoais, principalmente as relacionadas ao âmbito familiar. A., sexo feminino, 27 anos, solteira, formada há 1 ano em Designer Gráfico. É filha única, reside com os pais e atualmente não está trabalhando, fato que, segundo ela, tem sido uma das maiores dificuldades hoje em dia em sua vida. A. relata não gostar de sua profissão. Diz que nunca trabalhou na área e que há um ano encontra-se desempregada. Além de não gostar da profissão, a cliente não sabe do que gosta realmente. Diz que os pais fazem tudo por ela, mas, por outro lado, cobram muito também. Relata que em casa é o centro das atenções e que não gosta de ocupar essa posição. Sente-se sufocada com a grande proteção dos pais, principalmente da mãe. Diz que a mãe, quando está em casa, quer ficar o tempo todo ao lado dela. Quer saber de suas conversas no MSN, ler seus e-mails junto dela, dentre outras coisas. A. conta que, muitas vezes, cede à vontade da mãe para não haver discussão, porém vai guardando suas insatisfações. Pergunto o que a mãe acha sobre o fato de ela não gostar da profissão e de não estar trabalhando, e A. diz que para a mãe tudo é uma questão de tempo. A mãe acredita que a filha ainda vai entrar no mercado de trabalho e descobrir que gosta da profissão. Em relação às amizades, A. diz ter poucos amigos. Conta que, há um mês, sua melhor amiga mudou-se para São Paulo e ela tem se sentido muito perdida e sozinha. Relata que seus outros amigos moram em outra cidade, o que, para ela, dificulta a convivência. Além disso, A. diz que todos os seus amigos estão namorando, menos ela. Dessa forma, ela não tem muita companhia para sair. A. relata que há 3 meses terminou um namoro de 2 anos. Segundo ela, o namorado terminou o relacionamento por ela não estar trabalhando, por isso esse fato é tão difícil para ela hoje em dia. Ultimamente, eles têm se encontrado constantemente. O exnamorado está querendo voltar a namorá-la, mas ele tem saído com uma colega de trabalho e não sabe como terminar o relacionamento. A. diz que para ela a situação está muito difícil, pois percebe que o ex-namorado quer ficar com as duas, mas, por outro lado, ela não consegue colocar um ponto final na relação por gostar muito dele. A cliente diz ser uma pessoa extremamente tímida. Diz que a terapia faz muito bem para ela, pois não tem com quem conver116 l Revista de Psicologia
sar. Diz sentir-se muito insegura, principalmente devido ao fato de os pais a tratarem como criança, principalmente sua mãe, apesar de seus 27 anos. Ao longo das sessões de psicoterapia, A. frequentemente reclama de sua mãe e de sua sensação de sufoco, uma vez que faz tudo o que sua mãe solicita. Ela diz que mesmo sem querer, acaba optando por fazer valer as opiniões da mãe. Apoiados em suas experiências descreve que o filho está muitas vezes preso à mãe no sentido de que aprende a se sentir recompensado somente agradando-a. É como se sua potência só lhe fosse acessível para cumprir as grandes expectativas da mãe a seu respeito (MAY, 2000,p.106). Diante desse contexto, A. sente-se, segundo suas palavras, insegura e perdida. “Não sinto que posso ser eu mesma em casa. Minha mãe regula até o que eu posso ou não sentir” (sic). Quando falam sobre falta de autonomia ou lamenta sua incapacidade para tomar decisão, torna-se logo evidente que seu verdadeiro problema é não ter uma experiência definida de seus próprios desejos e necessidades. Oscilam desse modo para aqui e para ali, sentindo-se dolorosamente impotentes porque ocas,vazias. (MAY, 2000, p.14) Ainda de acordo com May (2000), a sensação do vazio decorre da ideia de incapacidade para fazer algo de eficaz a respeito da própria vida. Assim, o vácuo interior é o resultado acumulado, a longo prazo, dessa convicção pessoal de ser incapaz de dirigir a própria vida, de modificar a atitude das pessoas em relação a si mesmo ou exercer influência sobre o mundo pelo qual é rodeado. Observa-se que A. ocupa um papel de objeto para a mãe. Percebe-se que nesse relacionamento mãe x filha, o outro não é visto como outro em sua alteridade, marcando a relação Eu-Isso, nomeada por Buber (2001). O pensador afirma que “em si o Eu-Isso não é um mal; ele se torna fonte de mal, na medida em que o homem deixa subjugarse por esta atitude” (BUBER, 2001, p. 37). Segundo May (2000), não é tarefa simples desvincular-se de alguém. Esse corte se concretiza numa grande explosão de liberdade, ou num “estouro” contra os pais. A pessoa anseia em permanecer em um nível imaturo, atada ao cordão umbilical psicológico e recebendo a pseudoproteção e os mimos dos pais, em troca da independência.
Além do relacionamento inautêntico ou alienado com a mãe, A. mostra-se muito passiva em seu relacionamento amoroso, com seus amigos e familiares. Ela conta que uma das queixas que seu ex-namorado fez em relação a ela, foi justamente o fato dela não ter atitude no relacionamento e na vida (segundo ele, A. encontra-se desempregada por não ter atitude de procurar um emprego). Ela diz se sentir magoada com o ponto de vista do ex-namorado, mas relata que, muitas vezes, não se mostrou ativa durante o namoro por querer agradar o namorado, deixando que sua decisão prevalecesse. Percebe-se que A. submete-se às pessoas por medo de perdê-las. Em vários momentos, durante os atendimentos, relatou ter receio de perder o amor e a atenção do namorado caso venha a contrariá-lo. Além disso, a cliente demonstra temer a perda da proteção da mãe, fato que sustenta sua alienação na relação. Para May (2000), uma vez que o que a pessoa sente e deseja não tem verdadeira importância, ela, em breve, renuncia a sentir e a querer. A inautenticidade pode ser vivenciada por uma queda objetiva ou subjetiva. A queda subjetiva pode “ocorrer quando a pessoa vive em grande parte, em função dos ditames dos outros, deixando que estes determinem o seu modo de existir. Isso significa omitir-se da responsabilidade de ser-sipróprio”. A queda objetiva pode ser caracterizada “quando há uma eleição por um objeto que anestesie os conflitos existenciais particular” (RIBEIRO, 2002, p. 582).
em: <http://www.igt.psc.br/ojs/ ISSN 1807-2526.> Acesso em: 20 mar. 2011. AUGRAS, Monique. O Ser da compreensão: fenomenologia da situação de psicodiagnóstico. 3 ed. Petrópolis: Editora Vozes,1993. BRITO, R.S. O significado do outro e a impossibilidade da relação eu-tu. Revista Filosofia Capital .Vol. 3, Edição 7, Ano 2008. BUBER, Martin. Eu e tu. 5. ed. São Paulo: Moraes, 2001. p. 170. FERNANDES, Marcos Aurélio. “O que significa dizer Tu?” - Meditação acerca das palavras fundamentais “Eu-Tu” e “Eu-Isso”. Rev. abordagem gestalt. [online]. 2007, vol.13, n.2, p. 195-205. ISSN 1809-6867. Acesso em 3 abr. 2011. MAY, Rollo. O homem à procura de si mesmo. 27. ed. Petrópolis: Vozes, 2000. RIBEIRO, Wânier A. Identificação precoce do alcoolismo: uma estratégia interdisciplinar de Prevenção. In_Iniciação Científica Newton Paiva: 2002-2003. Belo Horizonte: Newton Paiva, 2004. ROMERO, Emílio. O inquilino do imaginário: formas de alienação e psicologia. 3.ed. rev. e ampl. São Paulo: Lemos, 2001. p. 330.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do 10º período do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professor supervisor de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva
A análise da existência de A. permite inferir que é baseada numa relação alienada com o outro, em que a subordinação da pessoa ao outro acontece de forma explicita. A. encontra-se imersa num estado de dependência do outro, abdicando-se de sua autenticidade e liberdade. A autenticidade, segundo May (2000), está relacionada à autoconsciência, ou seja, à consciência que o indivíduo tem de sua existência, de seu ser, seus desejos, limitações, sua unicidade, as escolhas que permeiam sua vida, quando se associa a viver o presente, em sua realidade concreta. Assim, o trabalho na psicoterapia de A. tem sido criar possibilidades para desenvolver maior conscientização de si, facilitar para que se busque um sentido mais próprio para sua vida, ampliando suas possibilidades de ser e estar no mundo, enfim, de existir. REFERÊNCIAS ARAÚJO, Ariana Maria Leite - O diagnóstico na abordagem fenomenológica-existencial. Revista IGT na Rede, V.7, Nº 13, 2010, Página 319-323. Disponível Revista de Psicologia l
117
Sintoma: um caso clínico Marcielle Raquel da Costa Maia1 Geraldo Majela Martins2 RESUMO: O atendimento clínico é um excelente campo de experiência para aquele que empreende o estudo da psicanálise. O trabalho que se segue é baseado em uma experiência de atendimento clínico, na abordagem psicanalítica, para alunos do estágio VII do Centro Universitário Newton Paiva. Abordaremos a temática relacionada à manifestação do sintoma na clínica psicanalítica. Palavras-chave: Sintoma, Sujeito, Objeto.
É muito comum clientes do atendimento psicológico chegarem para o atendimento clínico encobertos por uma queixa de sofrimento, que, para eles, é algo excepcional e do qual nada reconhecem. Sara, 59 anos, chegou ao serviço de psicologia com a queixa de insatisfação com seu corpo e com as complicações relacionadas às cirurgias que havia feito no pé, que nasceu com defeito. Durante o primeiro atendimento, Sara relata muito sobre as 29 sessões cirúrgicas pelas quais havia passado, bem como sobre o contexto no qual elas aconteceram. Porém, relata com veemência que por ironia do destino acabou indo trabalhar como recepcionista de um hospital no qual ficou internada por diversas vezes. Em qualquer outro local, ou para qualquer outra escuta, poderia mesmo se tratar de uma simples coincidência, o fato de Sara ter optado por trabalhar neste hospital. Mas as experiências em psicanálise demonstram que não se trata de coincidência, mas como um enigma que o sujeito frente ao recalque a cerca do conteúdo recalcado. Freud em (1976) descreve o sintoma como uma construção subjetiva do inconsciente, o sintoma é uma forma de circulação do gozo, no qual o conteúdo sexual, que não encontrou satisfação, passa por modificações a fim de retornar à consciência. Para não ser relacionado aquele conteúdo que foi barrado pelo recalque, esse conteúdo sofre diversas transformações, a ponto de não ser reconhecido pelo sujeito como uma formação oriunda dele mesmo. Esses conteúdos relacionados ao sintoma fazem referência às primeiras escolhas pulsionais do sujeito, estando, portanto, intimamente ligados aos conteúdos de formação do inconsciente do mesmo (LIMA, 2000). O sujeito que chega ao atendimento clínico velado por sua queixa pode estar dizendo algo mais íntimo de sua formação inconsciente. Mas por que então o sujeito relata a queixa como sofrimento puro, como algo destituído de todo e qualquer prazer. 118 l
Revista de Psicologia
Como já destacamos, o sintoma para o sujeito se configura como um grande enigma, que demanda interpretação, e com o qual ele não se familiariza, por acreditar se tratar de uma formação externa. Isto acontece porque o mecanismo do recalque deveria exilar definitivamente no inconsciente, os conteúdos que não são passiveis de satisfação e, portanto, deveriam prevalecer sob domínio de recalque. Porém o recalque é um mecanismo psíquico falho. A libido, que se encontra represada no inconsciente, encontra outras vias de satisfação consciente, no caso o sintoma. Se o sintoma é um mecanismo de obtenção do gozo porque ele é vivenciado pelo sujeito como sofrimento. De acordo com Lima (2000), quando o sujeito chega à clínica, ele vem com o intuito de tirar o sintoma, mas segundo a psicanálise, ele não pode ser tirado, pois é uma saída que o sujeito encontra para lidar com o recalque consequentemente se trata de uma formação inconsciente. Para a psicanálise não há como o sujeito se curar do sintoma porque ele não consegue se desfazer do inconsciente. Sara se queixa de estar vivendo no passado, ela diz: “eu não cresci me sinto uma criança de sete anos”. Segundo Freud (1976), o sujeito substitui a satisfação frustrada realizando uma regressão da libido, fazendo um vinculo a estádios anteriores de escolha objetal ou de organização, algo que o faz lembrar do passado, do qual não se privava de satisfação. Querendo voltar ao período da história de sua vida para repetir esta fase infantil, mas a partir daí surge um conflito, pois esta satisfação é censurada, sendo transformada em uma sensação de sofrimento. O que naquela época era uma satisfação para o sujeito nos dias de hoje se tornam com algo repugnante e que lhe causa resistência. Devemos lembrar que há outros processos na formação dos sintomas, como o chistes, condensação e deslocamento. Segundo Freud (1976), o sintoma esta ligado a experiências sexuais infantis e responde a incompletude do sujeito, em um dos relatos de Sara ela menciona” quando eu ou minhas irmãs
íamos tomar banho, uma tinha que ficar na porta porque se não nosso pai ficava vigiando pelos buracos”. Freud relata sobre a fantasia, que a criança coloca no seu imaginário o pai como um sedutor, mesmo sem ter ocorrido sedução, muitas vezes a criança utiliza-se disso para que o período autoerótico de sua atividade sexual seja encoberta. Muitas vezes abandonando a exigência que a realidade nos traz, e para compensar temos devaneios de imaginárias realizações de desejos. REFERÊNCIAS FREUD, S. O caminho da formação de sintomas. Rio de Janeiro: Imago, 1976. V.16, Conferência 23. LIMA, Celso Rennó. Sintoma: satisfação às avessas. In:____ Os circuitos do desejo na vida e na análise. Escola Brasileira de Psicanálise. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2000.
NOTAS RODAPÉ 1 Acadêmica do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professor Supervisor do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva
Revista de Psicologia l
119
Um modo de existir obsessivo “O ‘caso bem sucedido’ não é uma ‘cura’ no sentido de um produto acabado, mas uma pessoa que sabe que possui ferramentas e equipamentos para lidar com os problemas à mediada que estes surjam. Ele ganhou espaço para trabalhar, sem ser estorvado pelas bugigangas acumuladas de transações iniciadas, mal acabadas.” (B. Stevens) Marcos Tocafundo1 Raquel Neto Alves2 RESUMO: Este artigo é resultado de pesquisa bibliográfica e prática clínica do estágio VII. O objetivo é contribuir para o desenvolvimento da escuta e da compreensão sobre a realidade do cliente. Tratará de um modo de ser obsessivo e seus desdobramentos. Palavras-chave: Obsessão, Comunicação, Linguagem.
INTRODUÇÃO Este artigo tem como objetivo associar o atendimento supervisionado do paciente FGS à fenomenologia. Para que possamos fazer uma escuta fenomenológica, usarei a fala desse individuo, pois será por meio dela que perceberemos seus sentimentos, intenções e pensamentos. A criação e transmissão de uma cultura singular somente são possíveis através da linguagem, já que é com o seu emprego que os indivíduos realizam a comunicação de sentidos e se faz possível a participação em experiências alheias. (ERTHAL, 2004 p. 75) Segundo Erthal (2004), na comunicação existem sinais cujos significados devem ser captados pontualmente pelo seu receptor, porém nem sempre esses sinais são captados precisamente como foram transmitidos. Distorções sutis na comunicação não chegam a alterar significativamente a mensagem ao ponto de limitar o entendimento no nível de processo pelo receptor. Porém pode ser que em certos limites ela poderá se inutilizar. Isso se ocorre porque as existências do falante e do ouvinte estão incluídas na fala. Dessa forma, a interação é de extrema importância em qualquer situação, o receptor e o transmissor interagem em um jogo de forças independentes. Tanto um quanto o outro se informam a cada momento sobre as suas atitudes. Seguindo esta linha, Erthal (2004), diz que terapias centradas no problema, na técnica ou no terapeuta somente contribuem para a distorção do encontro, fazendo com que seu processo de “cura” seja determinado por forças externas ao cliente e não por sua opção. Sartre (1943 citado por Erthal 2004), diz: “somos para nós mesmos a nossa própria obra de arte”. 120 l
Revista de Psicologia
Assim está sendo conduzido o atendimento do cliente FSG, 27 anos, que procurou a clinica escola da Newton Paiva por indicação de sua namorada. Teve como queixa inicial suas frequentes “alterações de humor”. FGS disse também não conseguir controlar sua vivência de angústia. Na fala de FGS aparecem repetidas vezes a preocupação em estar ajudando as pessoas, se demonstra muito solícito aos pedidos de todos e, segundo ele, fica muito angustiado sempre que percebe que pode não ter os recursos necessários para atender à demanda dos outros. FGS tem repetido em sua fala frases: “tenho medo de prejudicar alguém”, “tenho que ajudar; se as pessoas ficarem tranquilas, também fico”. Também é muito frequente em seu discurso o autoquestionamento como: “o que há de errado comigo?”, “será que vou conseguir ajudar as pessoas?”. FGS demonstra a imagem de uma pessoa correta e muito ética, não sendo capaz, segundo palavras dele, de prejudicar ou até mesmo magoar nenhuma pessoa de sua relação. Quanto a sua atual relação afetiva, ele demonstrou ser muito exigente e estar sempre querendo uma reciprocidade em relação ao amor e à atenção que oferece. Quando ele tem a percepção de que não está recebendo da forma que está oferecendo, ele se sente muito angustiado. FGS parece ter uma forma obsessiva quanto ao seu “modo de ser”. Segundo o CID-10, a obsessão é: um transtorno de personalidade caracterizado por um sentimento de duvida, perfeccionismo, escrupulosidade, verificações e preocupação com pormenores, obstinação, prudência e rigidez excessiva. O transtorno pode se acompanhar de pensamento ou impulsos repetitivos e intrusivos não atingindo a gravidade de um transtorno obsessivo compulsivo.
Romero (2001) diz que o modo de existir obsessivo é bem conhecido embora não apresente os traços que o juízo do leigo se compraz em atribuir-lhe; não aqueles que o tornam uma caricatura algo grotesca da ordem da limpeza; esta obsessão emerge apenas quando está atravessando um período de ansiedade intensa e nem sempre estão presentes do modo farsesco que o estereótipo sugere. (ROMERO, 2001 p.211). Segundo Romero (2001), o modo de ser obsessivo faz com que o cidadão pareça bem comportado, atencioso às regras sociais e discreto. Ele não gosta de chamar a atenção em situações sociais, e escândalos podem aborrecê-lo profundamente. Ele se mostra organizado, metódico e bem responsável. È disciplinado, com bastante senso de respeito às normas, sendo geralmente correto. Assim demonstra FGS em suas relações, e por parecer uma pessoa bem comportada e correta, não são percebidas facilmente suas angústias. No caso de FGS, que está no papel de “salvador”, demonstrar fraqueza é algo angustiante. Para que procurasse ajuda, foi necessário que estivesse em grande sofrimento e angústia, pois esse “modo de ser” e o excesso de disponibilidade com as pessoas de suas relações fazem com que ele se angustie principalmente quando não recebe de volta o que oferece a elas. Essa exigência torna suas relações muito desgastantes.
certezas que nunca é alcançada. A angústia do incerto passou a ser tão intensa que o levou a procurar ajuda. Sendo assim o início de seu processo terapêutico. REFERÊNCIAS Organização Mundial da Saúde. Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10. Descrições Clínicas e Diretrizes Diagnósticas. Porto Alegre: Artes Médicas; 1993. ROMERO, Emílio. O inquilino do Imaginário: Formas de Alienação e Psicopatologia. 3° Edição Rev e Ampl. São Paulo: Lemos, 2001. p. 330. ERTHAL, Tereza C.S.. Psicoterapia Vivencial: Uma Abordagem Existencial em Psicoterapia. Campinas: Livro Pleno, 2004. p. 231. ERTHAL, Tereza C.S.. Treinamento em Psicoterapia Vivencial. Campinas: Livro Pleno, 2004. p.159.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmico do 10º período do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva
CONCLUSÃO FGS tem dificuldade para suportar tudo aquilo que considera como infração às suas próprias determinações de organização. Por isso, é inflexível consigo mesmo e com os que lhe são mais próximos na observância de suas leis. O exagerado perfeccionismo, a precisão meticulosa na arrumação das coisas e a constante repetitividade para que tudo saia da forma rigidamente idealizada tornam-no muito entediado. Esse “modo de ser” rígido, voltado para a perfeição, somado ao medo de que algo pode não estar perfeito, faz com que FGS tenha muita dificuldade para terminar aquilo que começa. Não importa quão boa esteja a realização, ele sempre terá a impressão de que algo estará faltando, algo não estará correto ou perfeito. O “modo de ser” de FGS revela dificuldades de expressar seus sentimentos de ternura e de compreensão aos sentimentos e atitudes dos outros. Em seu “modo de ser”, FGS não consegue se realizar em seus anseios, estando sempre confuso, pois qualquer decisão que toma, sempre é avaliada, pois ele acha que poderia ter optado por outra, como não gosta de duvidas, está sempre a procura de Revista de Psicologia l
121
Efeitos da autoimagem nas percepções vividas Maria Elisa Costa Soares1 Raquel Neto2 RESUMO: Este artigo apresenta um estudo de caso que tem como fio condutor a questão da autoimagem e suas implicações na existência da pessoa. Ressalta a análise da existência e as intervenções feitas pelo psicoterapeuta. Palavras-chave: Autoimagem, Escolhas, Projeto original.
Este artigo visa articular um caso atendido por um estudante de psicologia, com base no eixo fenomenológico existencial, sob supervisão, em uma clinica escola e os desdobramentos da temática da “autoimagem”, pontuando também as possíveis intervenções no atendimento. Esse tema surgiu de um atendimento a uma mulher “x”, de 49 anos, com um filho de 6 anos, mãe solteira, que apresenta como queixa inicial a dificuldade em expressar suas emoções. A cliente afirma que faz tudo para agradar as pessoas, pois gosta de receber elogios e que está disposta a pagar “o preço que for para agradar aos outros”. A questão da “autoimagem” apareceu em diversas sessões, como, por exemplo, nas seguintes falas: “meu filho diz que sou gorda, feia”; “Eu sempre me achei feia, principalmente após a gravidez que engordei muito, sendo que antes, eu me garantia pelo meu corpo”. Inicialmente, é necessário compreender a importância da autoimagem e como se manifesta no cotidiano das pessoas. O individuo se norteia pelos seus valores e a partir de seu projeto original, ele vai se organizar. Em outras palavras, ”a imagem que o individuo cria de si mesmo determina os comportamentos que desenvolve”. (ERTHAL,1989, p.57) A autoimagem pode ser entendida como um núcleo estável, que são as experiências que as pessoas mantêm em sua vida. O Self é um conceito importante ligado à autoimagem, que pode ser compreendido como um “conjunto de experiências que influencia o comportamento do individuo” (ERTHAL,1989, p.58). Dessa forma, Self - fenomenal pode ser denominado autoimagem. No caso em questão, a cliente tem uma imagem negativa de si, um sentimento de inferioridade e isso, muitas vezes, a deixa em situações desconfortáveis, como, por exemplo, quando a mesma utiliza um sapato apertado que ganhou de uma amiga, só para receber dessa um elogio ou aprovação por estar usando-o. Também, comer algum alimento do qual não gosta para agradar aos outros. 122 l Revista de Psicologia
O que é possível perceber, é que a cliente está numa busca eterna do que se deve ser, em detrimento do que é. A “imagem idealizada torna-se prejudicial. Muitos não conseguem ter uma imagem precisa e completa do eu, pois vivem enganando a si mesmo”. (ERTHAL,1989,p.64). Um exemplo dessa imagem distorcida aconteceu num atendimento em que a cliente disse que se sente mais magra do que de fato está. Ela conta que resolveu olhar na balança e tomou um susto, pois não imaginava que estava muitos quilos acima. Para compreender o projeto original da cliente e concomitantemente encontrar como se formou a sua autoimagem, é necessário examinar a história que a cliente traz. No caso citado, a cliente diz que sempre se achou feia e para receber elogios, se esforça para não desagradar os outros. O indivíduo entra em contato superficialmente com os problemas, sua falta de sentido na vida, suas ansiedades existenciais, muitas vezes limita-se apenas a descrever fatos que o distanciam de si mesmo. Portanto, a terapia trata-se de uma maior compreensão da história do indivíduo, história essa revivida no presente através de seus projetos de vida. (GASMAO e PIZZARRO,2009) Após essa compreensão sobre o projeto original, a formação da autoimagem e sua influência nas escolhas de vida, vê-se a necessidade de intervenções precisas e a importância do estabelecimento do vínculo psicoterapêutico. A princípio, o psicoterapeuta precisa estar com acordo interno e aceitação pelo cliente para que possa trabalhar a noção realística do cliente, ajudando-o a desenvolver a congruência, de forma que seu comportamento esteja de acordo com seu eu real. Pois, quando o cliente reconhece o seu “eu real”, aumenta a probabilidade de ele se aceitar e também reconhecer seus limites. No entanto, vale ressaltar que antes de provocar qualquer mudança, o psicoterapeuta pode ter que lidar com os obstáculos
do cliente. Resistências a mudanças geram sofrimento, medo, pois esse vai abdicar de uma situação confortável sobre a qual já tem domínio, e explorar uma nova forma de vivenciar o mundo. Para tanto, na psicoterapia, é essencial compreender que Considerando que a auto-estima é uma atitude afetiva em relação ao Self, e considerando que toda atitude possui três componentes – afetivo, cognitivo e comportamental- que precisam ser coerentes para que tal direção afetiva seja mantida, um abalo em um desses componentes provoca a alteração dos demais, já que a congruência é necessária. Dessa forma, desenvolvida uma ansiedade decorrente da divergência entre a imagem que se tem de si mesmo e o que na realidade se expressa, algo precisa ser feito. Pode se negar a realidade externa a título da manutenção da auto-imagem, saída mais fácil, ou aceitar as evidencias e reformular tal percepção. (ERTHAL,1989,p 64)
peitar as limitações, criando novas percepções e possibilidades de existir de forma mais plena. Dessa forma, de acordo com a imagem que o cliente faz de si mesmo, ele pode selecionar os comportamentos mais coerentes com ela. Cabe ao cliente assumir a responsabilidade de ser livre ou de ser-para-o-outro, limitando-se e tornando-se objeto do outro. Atrelado ao tema, pode-se associar as angústias que a cliente vivencia. Yalom (1996) cita que existem quatro angústias existenciais: angústia de morte, liberdade, projeto e solidão. Na cliente “X”, ela apresenta angústia no projeto, pois precisa fazer uma reelaboração da percepção, de suas vivências. Angústia de morte, pois terá que “morrer a feia e fragmentada para emergir a bela, inteira”; angústia de solidão, principalmente em relação ao seu filho, que tem posição privilegiada e a angústia de liberdade, em que a cliente terá que se responsabilizar por suas escolhas e não ficar submetida aos outros de forma inautêntica. REFERÊNCIAS
Entre tantas defesas, o objetivo primordial é ajudar o cliente a se conscientizar das defesas e buscar a autenticidade como forma de se expressar. Investir no projeto original do cliente é incentiválo a relatar seus sentimentos, desilusões, dores passadas ou atuais, sua impotência diante das vicissitudes, analisar novos caminhos ou ver os caminhos feitos. Para o bom andamento da psicoterapia, a base está na relação entre o psicoterapeuta e o cliente. Diante disso, Erthal (1989) descreve que o papel do psicoterapeuta é ser autocongruente e transparente, abstrair de seus valores e sentimentos, estar atento às percepções e sentimentos que o cliente provoca em si. As possíveis intervenções no fenômeno “autoimagem” podem ser: a refletora de vivências emocionais, que é quando o psicoterapeuta valida os sentimentos do cliente; a refletora de conteúdo verbal, que organiza a fala do cliente; usar de analogias para promover uma melhor consciência de si , o feedback; o confronto como forma de mostrar contradições e gerar novas percepções etc. Ainda como cita Erthal (1989), o cliente pode apresentarse com formas inautênticas de viver, sem consciência da sua responsabilização sobre os próprios atos e atitudes criticas em relação a sua autoimagem. Para que o cliente possa alcançar seu crescimento, superando as resistências a mudanças, é necessário emergir no individuo uma reorganização do eu, com isso “o indivíduo apreende-se a si mesmo como uma pessoa mais apta e com possibilidade de enfrentar a vida” ( ERTHAL,1989, p. 64 ). Contudo, é essencial que o terapeuta trabalhe com o cliente sua responsabilidade nas escolhas para poder então ter o reconhecimento de suas culpas com o intuito de promover a organização, compreensão e res-
ERTHAL,Tereza Cristina Saldanha. Terapia Vivencial. Petrópolis: Vozes,1989. p. 183. GUSMAO e PIZZARRO. Reconstrução da auto estima através da terapia vivencial. 2009. Disponível em: <http://www.perspectivasonline.com.br/ revista/2009vol3n10/volume%203(10)%20artigo8.pdf.> Acesso em: 10 set. 2010. YALOM, Irvin - O executor do amor. Porto Alegre: Artes Médicas,1996. p. 256.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmico do 10° período do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva
Revista de Psicologia l
123
Quando a melancolia bate forte: os limites da escolha e o medo da morte Natanael Magalhães Soares1 Raquel Neto Alves2 RESUMO: Este artigo objetiva discutir a melancolia, suas manifestações e suas relações profundas com a escolha e a morte. E, por fim, pretende-se apresentar possibilidades para o trabalho com a melancolia. Palavras-Chave: Melancolia, Escolha, Morte, Existência, Psicologia.
INTRODUÇÃO Na sociedade contemporânea, tem-se uma oferta de múltiplas possibilidades abertas em todas as frentes da existência, o que expõe a pessoa a um leque muito grande de abertura e, ao mesmo tempo, essa sociedade faz infinitas exigências para o mesmo, as quais ele deve atender em relação às possibilidades. Segundo Angerami-Camon (2003, p. 164), “[...] o mundo atual mais do que qualquer outra época da história apresenta uma série muito grande de exigência sobre o homem fazendo com que o nível de exigência sobre as possibilidades que a vida lhe apresenta sejam muito grande […]”. Através dessas exigências, o homem deve apresentar uma performance existencial frente às escolhas da vida, o que se torna uma grande fonte de frustração e todo tipo de doenças atualmente. (ANGERAMI-CAMON, 2003) Exigir do homem uma performance frente às escolhas dificulta um processo que em si já é difícil. Quando se tem apenas as próprias questões, a escolha já exige do homem ficar frente a uma abertura que não lhe dá garantia nenhuma e depois de realizada a escolha, não se pode restaurar as possibilidades deixadas para trás. Segundo Alves (2010), o homem é sempre uma dualidade de sentidos, permanência e transitoriedade, poder e impotência, com isso a existência faz-se na elaboração de crises, conflitos e tensões inerentes a sua própria condição de ser que se constrói a todo o momento. Nesses momentos de escolha, algumas pessoas se perdem entre os paradoxos do processo, de acordo com Angerami - Camon (2003, p. 152), em nosso cotidiano estamos a todo momento efetivando escolhas que nos direcionam para os mais diferentes caminhos e labirintos. E concomitantemente a essas escolhas estamos assumindo tudo que é pertinente em termos de consequências e desdobramentos dessas escolhas. E lamentavelmente a vida não nos permite que voltemos atrás em nossa temporalidade para refazermos tais escolhas e 124 l
Revista de Psicologia
dessa maneira tentarmos resgatar aquilo que julgamos que fosse, ou teria sido, a melhor escolha. Por não poderem voltar atrás em suas escolhas, algumas pessoas sofrem por aquilo que perderam no momento de suas decisões, elas sofrem por aquilo que não viveram, um modo de ser denominado melancólico, […] iremos definir a melancolia como aquelas situações em que a pessoa sofre por aquilo que não viveu. Dessa maneira, teremos então uma pessoa que atinge a velhice e começa a relembrar das escolhas que efetivou ao longo de sua vida e consequentemente daquilo que deixou de viver em função dessas escolhas […]. (ANGERAMICAMON, 2003, p. 151). A melancolia apresenta-se como uma prisão do passado, uma existência presa às renúncias realizadas, ao não vivido. A culpa pelo renunciado pode petrificar a pessoa no pesar e desconsiderar o que foi vivido. (ALVES, 2010) Este artigo pretende discutir as faces da melancolia, como ela se apresenta na realidade e suas relações profundas com a escolha e a morte. A MELANCOLIA, A ESCOLHA E A MORTE Alguns autores colocam melancolia e depressão em um mesmo conceito, outros fazem uma diferenciação em relação às manifestações e existem os que veem na melancolia uma ocorrência bem específica da depressão. Romero (1997, p.230) faz uma diferenciação entre os dois conceitos em termos de vivência. Para ele, o “[…] melancólico se assemelha ao depressivo neurótico, mas seu sofrimento está temperado, seja pela sua filosofia de resignação, seja por um humor irônico, que lhe permite aliviar seu sufoco interior [...]”. O depressivo “[…] está condenado a uma autodestruição len-
ta e sofrida, sem maiores glórias. O segundo aprende a conviver com a adversidade e, não raro, sabe transformar suas aflições em arte e poesia”. Apesar dos dois se encontrarem no lado menos luminoso da vida, o melancólico ainda produz com o seu sofrer, não se prostra totalmente como o depressivo. A melancolia é um fechamento no passado, “[...] há um encanto nas paisagens perdidas e em todas as imagens ausentes que frequentam nossa memória” (ROMERO, 1997, p. 230). Diante das possibilidades perdidas, o homem congela e paralisa seu movimento, para Angerami-Camon (2003, p. 153), “o fato de ficarmos com outras possibilidades em nosso imaginário, diante de uma escolha efetivada, faz com que essas possibilidades sempre sejam contaminadas por um grande teor de idealização”. Idealizar é uma forma de se prender ao passado, “[…] presente nas possibilidades que deixamos de lado, faz com que essas possibilidades sempre sejam concebidas como sendo a melhor escolha, pois são colocadas na idealização enquanto a escolha efetivada é calcada no real”. (ANGERAMI-CAMON, 2003, p. 154). Esse é o ponto que mais toca o melancólico, o pesar pelas escolhas feitas no passado, para ser mais preciso, seria o pesar pelas possibilidades abandonadas no passado e, no momento atual, parecem mais interessantes justamente por não terem sido escolhidas, agora são idealizadas. A pessoa está constantemente fora do tempo, vive em apenas uma parte, ou seja, presa no passado. Para Angerami-Camon (2003, p. 158-159), O sofrimento provocado pela melancolia, dessa maneira, é um sofrimento impiedoso, pois remete a situações localizadas no passado e que não foram experienciadas. E o que existe ainda de agravante é que muitas dessas experiências ao terem sido deixadas de lado, podem ainda apresentar a possibilidade de provocar muita culpa nessa pessoa, seja pelo desdobramento de suas escolhas, seja ainda pelas circunstâncias em que essa escolha foi efetivada. Os casos de melancolia apresentam traços bastante definidos e muito bem delimitados de como a pessoa está sofrendo pela idealização que faz das escolhas não vivenciadas. E o que é ainda pior, das escolhas que incidiram na sua própria responsabilidade frente aos desatinos da própria vida. A melancolia é um sofrimento bastante caustico, pois vai provocar um enfeixamento das variáveis que circundam as possibilidades existenciais de uma determinada pessoa incidindo sobre ela o peso das escolhas que realizamos ao longo de nossa vida. Segundo Alves (2010), a escolha realizada no passado é vivida como um erro, e o erro torna-se um pecado que necessita de
penitência. O suposto erro é visto apenas como vergonha e culpa moral, não serve de embasamento para nenhuma aprendizagem posterior. Tem-se uma existência congelada em um passado imaginário, que bloqueia qualquer possibilidade de movimento. Falta esperança em qualquer mudança já que as escolhas feitas no passado não foram as melhores. Todo esforço é inútil e fútil, nada se pode fazer, tudo está perdido pelos meus erros cometidos. O homem vive um exílio, fechado no tempo, no espaço e em determinadas relações. A melancolia vem permeada por sentimentos de culpa, arrependimento, saudade e até mesmo ressentimento. Apresentase um ser impossibilitado de transcendência, congelado e fora da fruição do movimento. Para Romero (1997), a melancolia é um querer transitar no transitório, mas querendo uma perenidade inatingível. A pessoa tenta reter vários momentos vividos juntos, sabendo que nunca mais os viverá. Isso se traduz em um sentimento constante de impotência relativo à solidão e à morte. Para o autor, o tema central dessas vivências depressivas é a morte e o sentimento de impotência diante dela. Como as escolhas são vividas como erradas, e a vida não oferece segurança, o homem se depara com a presente frieza da morte, nada pode ser feito, tudo já está determinado e nosso caminho tem um único porto. Essa proximidade com a morte se torna mais presente quando se perdem os laços e se instala a tristeza, A tristeza brota de uma quebra e uma ruptura nos laços que sustentam o nosso ser anímico. A vivência sofrida dessa ruptura anímica é um sentimento. E justamente desse sentimento é que se vai organizando, à medida que ganha terreno no mundo do sujeito, o processo depressivo. (ROMERO, 1997, p. 237) Sem laços que sustentem sua vida anímica e prostrado por um mundo que já se apresenta pronto, segundo Alves (2010), o homem está condenado visto apenas pelos seus limites. A vida passa a ser imobilidade, fechamento e morte. Por fim, [...] a depressão é um modo de ser-no-mundo, isto é, um estado de animo predominante que afeta todo o universo do sujeito. Todas as esferas, da corporal até a dimensão espaço-temporal, estão nitidamente caracterizadas na linha do encolhimento, do abatimento e do desvalor existencial. (ROMERO, 1997, p. 244) CONCLUSÃO Diante do exposto sobre a melancolia, fica um sentimento de impotência até mesmo para nós da área psicológica. O que há de Revista de Psicologia l
125
se fazer com uma pessoa melancólica? Como trazê-la de volta ao movimento de possibilidades? Alves (2010) apresenta uma estruturação interessante sobre a saída da melancolia. A morte tão presente pode ser uma via de retorno. O verdadeiro reconhecimento da morte não como impotência, mas como impossibilidade, já que ela representa o fim, não há necessidade de representarmos aquilo que não somos. O homem pode abandonar o cinismo e a culpa pelas possibilidades perdidas, pois as escolhas feitas representam a ele mesmo naquele momento. O homem se constrói nas suas escolhas num movimento de constante transformação. A morte vista de frente pode nos possibilitar viver antes que a finitude chegue. Para Angerami-Camon (2003), a melancolia seria uma resposta para não sucumbir às agruras existenciais. A pessoa teria nessa manifestação uma forma de resposta para aquilo que é insuportável. Desse modo, a melancolia seria uma resposta saudável que sinaliza a necessidade de se buscar ajuda para um reequilíbrio. Deve-se compreender a doença como algo que nos remete à crueza do desespero humano e traçar um novo caminho para que se encontre as profundezas da existência humana. Cabe ao psicoterapeuta marcar uma presença ao melancólico. Cabe a ele auxiliar essa pessoa em seu caminho de reconstrução. O psicoterapeuta deve acompanhar a pessoa, pois será um caminho doloroso que passa primeiro por uma desconstrução. Ela vai se deparar com uma existência presa a fantasias idealizadas de possibilidades não escolhidas e que não retornam mais. Experiência de profundo desamparo. A pessoa vai se perceber em uma vida sem fundamento. O psicoterapeuta terá de estar próximo para acompanhar o processo, evitar que a pessoa desabe e iniciar uma viagem com ela em busca de aceitação da suas escolhas, estabelecer uma vida no presente (aqui-e-agora) e partir para novos projetos. Este trabalho não visa dar respostas definitivas, afinal elas não existem. Buscou-se apresentar a melancolia e algumas possibilidades de saída para a mesma. Porém, como a vida é sempre abertura, espera-se que ele sirva de chão para novos saltos em busca do céu. REFERÊNCIAS ALVES, Raquel Neto. Limites e possibilidades nas situações de crise. In: FEIJOO, Ana Maria Lopez Calvo de (org.). Tédio e Finitude: da Filosofia a Psicologia. Belo Horizonte: Fundação Guimarães Rosa, 2010, p. 97-129. ANGERAMI-CAMON, Valdemar Augusto. Depressão como processo vital. In:______.Temas existenciais em psicoterapia. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2003, cap. 5, p. 149-193.
126 l
Revista de Psicologia
ROMERO, Emílio. Detrás de um vidro escuro: as vivências dominantes na depressão. In:______. O Inquilino do Imaginário: Formas de Alienação e Psicopatologia. 2 ed. rev e amp. São Paulo: Lemos, 1997, cap. 10, p. 229-248.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmico do 10º período do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professora Supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva
Entrevistas preliminares Dayana Soares A. da Silva1 Geraldo Majela Martins2 RESUMO: Este artigo surgiu a partir de um caso clinico que visa fazer um estudo do texto “As 4+1 condições da análise” de Quinet, mostrando a função e importância das entrevistas preliminares durante o tratamento. O caso, apesar de não ter muitas informações, nos ajudará a compreender a importância das entrevistas preliminares. Palavras-chave: Entrevistas preliminares, Análise, Transferência.
Este artigo surgiu a partir de um caso clinico do estágio VII – Abordagem em psicanálise, orientado pelo professor Geraldo Majela Martins, visando fazer um estudo do texto: “As 4+1 condições da análise” de Quinet (2000). Inicialmente, falaremos sobre o caso clinico: as queixas da paciente e o desconforto que os seus sintomas lhe traziam. Em seguida, faremos um estudo do texto de Quinet, mostrando a função e importância das entrevistas preliminares durante o tratamento. A paciente Márcia3, de 38 anos, procurou a clinica de psicologia do Centro Universitário Newton Paiva com a queixa de síndrome do pânico. Ela já tinha feito tratamento nessa mesma clinica há um ano e abandonou por se sentir bem. Agora relatou que as crises de pânico voltaram e que quer se livrar de vez delas. Márcia chegou ao consultório com uma questão: “estou com síndrome do pânico! Sei que não tenho nada, que tudo isso é coisa da minha cabeça, mas não sei o porquê fico pensando nisso o tempo todo. Quero muito descobrir o porquê sinto isso e me livrar de vez desses incômodos!”. Márcia reclamava que tudo acontecia de repente, e ela era tomada por uma onda de medo e que seu coração disparava, sentia muita dor no peito e dificuldade de respirar e, nesse momento, pensava que iria morrer. Falou também que sempre que se arrumava para sair, tinha medo e sentia aquela desagradável sensação no estômago e se aterrorizava ao perceber que teria outra crise. No segundo atendimento, Márcia continuou reclamando das mesmas sensações e do desconforto de não saber o porquê sentia tudo aquilo. Por incompatibilidade do horário da paciente com a da estagiária, o tratamento teve que ser interrompido, e a paciente foi encaminhada para outro estagiário. De acordo com Quinet (2000), a expressão entrevistas preliminares corresponde, em Lacan, ao tratamento de ensaio de Freud. Essa expressão indica que existe um limiar, uma porta de
entrada na análise diferente da porta de entrada do consultório do analista. Trata-se de um tempo de trabalho prévio, a análise, cuja entrada é concebida como uma descontinuidade, um corte em relação ao que era anterior e preliminar. Esse corte corresponde a atravessar o umbral dos preliminares para a entrada do discurso analítico. Durante as entrevistas preliminares, o analista faz um diagnóstico que tem como função a direção da análise. De acordo com Quinet (2000), o diagnóstico só tem sentido se servir de orientação para a condução da análise. Para tanto, o diagnostico só pode ser buscado no registro simbólico, no qual são articuladas as questões fundamentais do sujeito sobre sexo, a morte, a procriação, paternidade etc. A posição do analista não é a de saber, nem de compreender o paciente, pois se há algo que ele deve saber é que a comunicação é baseada no mal-entendido, na ignorância douta. Em relação à demanda de análise, Quinet comenta que: (...) não deve ser aceita em estado bruto, e sim questionada. A resposta de um analista a alguém que chega com a demanda explicita de analise não pode ser, por exemplo, a de abrir a agenda e propor um horário e um contrato. Para Lacan, só há uma demanda verdadeira para se dar inicio a uma analise – a de se desvencilhar de um sintoma. A alguém que vem pedir uma analise para se conhecer melhor, a resposta de Lacan é clara – “eu o despacho”. Lacan não considera esse “querer se conhecer melhor” como algo que tenha o status de uma demanda que mereça resposta (QUINET, 2000, p. 16).
No primeiro momento, Márcia apresentou-se ao psicólogo com uma queixa de seu sintoma e até mesmo pediu para dele desvencilhar-se, mas só isso não basta. Para entrar em analise, é preciso que essa queixa se transforme numa demanda endereçada àquele Revista de Psicologia l
127
analista e que o sintoma passe do estatuto de resposta ao estatuto de questão para o sujeito, para que este seja instigado a decifrá-lo. No trabalho preliminar, o sintoma será questionado pelo analista, que procurará saber a que esse sintoma está respondendo, que gozo esse sintoma vem delimitar. De acordo com Quinet (2000), o estabelecimento da transferência é necessário para que uma análise se inicie: é o que se denomina a função transferencial das entrevistas preliminares. Mas é importante salientar que a transferência não é condicionada ou motivada pelo analista. A transferência não é uma função do analista e sim do analisante. A função do analista é saber utilizá-la. Ainda de acordo como Quinet (2000), a constituição do sintoma analítico é correlata ao estabelecimento da transferência, que faz emergir o sujeito suposto saber, pivô da transferência. E nesse momento em que o sintoma é transformado em enigma, é o momento da histerização, pois o sintoma representa a divisão do sujeito. Enquanto o sintoma faz parte da vida do sujeito, pode ser considerado como um signo (ou sinal): aquilo que representa alguma coisa para alguém. E quando esse sintoma é transformado em questão, ele aparece como a própria expressão da divisão do sujeito. E o momento em que esse sintoma encontra o endereço certo, que é o analista, se torna sintoma propriamente analítico. E a partir daí o sujeito se dirige ao analista com algumas questões. Tal posição inclui um saber, supondo que o analista detém a verdade de seu sintoma, sob a forma de uma produção. De acordo com Quinet (2000), o sujeito histérico encosta no seu mestre (S1) contra a parede para que o mestre produza um saber (S2). Saber sobre esse gozo que está em causa e que vem a mostrar a verdade escamoteada do sintoma. Essa manobra é fadada ao insucesso, pois à impotência do saber em dar conta da verdade do gozo (a), constituindo, no entanto, um laço social. O enigma é dirigido ao analista, que é suposto detentor do saber: o analista é assim incluído nesse sintoma, completando-o. Dessa forma a entrevista preliminar provoca a histerização do sujeito, desde que o histérico é o nome do sujeito divido, ou seja, o próprio inconsciente em exercício. Dessa forma, as entrevistas preliminares são a porta de entrada para análise. Mas para que haja análise, é preciso percorrer um longo caminho até que a transferência seja estabelecida, e a queixa se transforme numa demanda endereçada aquele analista, também é necessário que o sintoma passe do estatuto de resposta ao estatuto de questão para o sujeito, para que este seja instigado a decifrá-lo. Márcia apresentou-se com uma queixa de seu sintoma e até mesmo pediu para dele desvencilhar-se, mas o pouco tempo do atendimento e a impossibilidade da continuidade do tratamento 128 l
Revista de Psicologia
não permitiu que houvesse uma tentativa da entrada em análise. REFERÊNCIA QUINET. Antonio. As 4+ 1 condições da analise. 8. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. 115 p.
NOATS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do 10° período do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 2 Professor supervisor do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 3 Nome fictício dado para preservar identidade da paciente.
Plantão Psicológico sob o enfoque da análise do comportamento Maria Christina Bittencourt Lima1 Ghoeber Morales dos Santos2 RESUMO: A Abordagem Centrada na Pessoa tem sido a fundamentação da prática clínica mais utilizada nos serviços de Plantão Psicológico no Brasil. Essa abordagem apresenta critérios básicos necessários para o exercício do Plantão Psicológico em Clínica - Escola. Entretanto, busca-se a possibilidade da prestação do mesmo serviço sob o enfoque da Análise do Comportamento, por meio da reflexão de que ambas as abordagens possuem os critérios básicos comuns, mas especificidades como princípios e objeto de estudo que devem ser respeitados. Como também o mesmo pode ocorrer com as diversas abordagens psicológicas existentes. Palavras-chave: Análise do Comportamento, Plantão Psicológico, Abordagem Centrada na Pessoa.
INTRODUÇÃO O propósito deste artigo foi o de refletir sobre a possibilidade de um Plantão Psicológico, como uma modalidade de atendimento psicológico, a ser realizado à luz dos conceitos da abordagem da Análise do Comportamento - AC. Após analisar, em textos impressos e eletrônicos, esse tipo de serviço existente no Brasil, foi possível constatar que praticamente todos possuem como base teórica a visão humanista de Carl Rogers3, especificamente, a Abordagem Centrada na Pessoa –ACP. Inicialmente, faz-se necessário considerar que o termo “plantão”, segundo Mahfoud (1987, p.75), é associado a um tipo de serviço em que os profissionais se mantêm à disposição de quaisquer pessoas que deles necessitem, em períodos de tempo previamente determinados e ininterruptos. Nessa perspectiva, o plantão requer disponibilidade por parte da instituição que o oferece, e da parte dos profissionais, disponibilidade para se defrontar com o inesperado, como também com a possibilidade de realizar um único encontro com o cliente. Diante das características apresentadas, o Plantão Psicológico é um desafio. Honório (2008 apud Roseenthal,1999, p.19) ressalta que o caráter imediato de atendimento do Plantão Psicológico não o destina a atender somente pessoas em crises emocionais agudas e quadros psiquiátricos graves. Destaca que a proposta desse serviço não é destinada para emergências psiquiátricas, mas para uma escuta imediata, para o momento da dificuldade da pessoa, sem que necessariamente a intensidade dessa dificuldade tenha atingido um ponto critico que represente ameaça iminente à sua integridade ou a de outros. Ainda, no que se refere ao conceito desse tipo de atendi-
mento, por Plantão Psicológico, compreende-se, segundo Furigo4 (2008), apud FREIRE (2004): [...] uma nova modalidade de atendimento clínico diferenciada dos modelos convencionais de psicoterapia, em função de seu caráter focal em emergências e urgências de âmbito psicológico. Na forma de Pronto Atendimento busca oferecer àquele que a ele recorre um espaço de Atenção Psicológica na forma de escuta, de acolhimento e de intervenção clínica, diante situações de crise e esclarecimentos. Os vocábulos “emergências” e “urgências”, em concordância com Tassinari5 (2003, apud Dicionário Petit Robert, 1990), possuem significados semelhantes, indicando o surgimento repentino de algo que necessita de uma ação imediata. Porém, do ponto de vista médico, Tassinari (2003, apud Godim, 2003) há uma distinção entre os termos emergência e urgência. Para Godim, em seu texto – Aspectos éticos em situações de emergência e urgência “a emergência caracteriza-se como uma situação onde não pode haver uma protelação no atendimento” enquanto, “nas urgências, o atendimento deve ser prestado num período de tempo que em geral, é considerado não superior a duas horas.” No que se refere à Atenção Psicológica, Furigo (2008), apud Furigo (2006, p.80) a descreve como uma das características fundamentais para a formação de uma aliança, isto é, um vínculo entre o plantonista e o cliente. Tassinari (2003) salienta que a palavra crise, da mesma forma que é empregada na Medicina, é também na Psicologia, isto Revista de Psicologia l
129
é, em associação a eventos traumáticos ou relacionados à psicopatologia, de maneira a indicar uma necessidade de intervenção imediata. Acrescenta-se DiTomasso, Martin e Kovnat (2004, p. 335) que definem crise como: [...] uma experiência durante a qual o indivíduo enfrenta um estressor percebido como insuperável, mesmo com o uso das suas abordagens habituais de enfrentamento e resolução de problema. Por essa definição, o indivíduo em crise percebe o estressor como uma ameaça ao seu bem estar físico, psicológico ou emocional. Segundo Frank (2004), apud, Eppersen-Sebour; Parad e Parad (1990), as crises são eventos de vida que atacam ou ameaçam o senso de segurança e controle da pessoa. Dentre os chamados estressores da realidade, estão os problemas de saúde, morte, divórcio, separação, perda de emprego e problemas financeiros. Somam-se a esses estupros, assaltos, transtornos do pânico e ansiedade generalizada e experiências de violência em geral. De acordo com Zanoni (2009, p.9), o Plantão Psicológico é uma prática clínica que tem por finalidade acolher e apoiar psicologicamente as pessoas que buscam por atendimento imediato em seus momentos de crise. Palmieri e Cury (2007), apud, Dyck & Azim (1983, p.28) dizem que o surgimento nos Estados Unidos, Canadá e outros países da Europa das “walk-in clinics”, uma modalidade de clínica institucional, utilizada principalmente nos EUA nas décadas de 70 e 80, visavam a um atendimento emergencial médico ou psicológico ao cliente, no momento em que havia a procura. Essas clínicas atingiram considerável abrangência na área da saúde sob a influência do movimento humanista. Este, segundo Zanoni (2009, p.14), surgiu nos Estados Unidos, na década de 40 e entre seus representantes destacou-se Carl Rogers (1902- 1987), um dos principais responsáveis pelo reconhecimento da atuação do psicólogo na área clínica, até então restrita à Psiquiatria e à Psicanálise. Segundo a autora supracitada, Rogers entendia a terapia como um processo que leva a pessoa a descobrir a nuance do seu próprio conflito, com o mínimo de ação por parte do terapeuta, que deve funcionar como um espelho para o cliente. A ACP, desenvolvida por Rogers na década de 50, ficou conhecida, inicialmente, por Aconselhamento Não-Diretivo ou Terapia Centrada no Cliente. Seu pressuposto teórico tem por crença que o ser humano é um organismo vivo, com capacidade para crescer e se desenvolver na direção de suas potencialidades intrínsecas, com tendência ao desenvolvimento pleno, adquirindo 130 l
Revista de Psicologia
assim sua maturidade psicológica. Desse modo, essa abordagem enfatiza as atitudes de empatia, aceitação positiva incondicional e a congruência do terapeuta como elementos essenciais para uma Atenção Psicológica, eficaz, proporcionando ao cliente autonomia para ele próprio encontrar solução para seus conflitos psicológicos. Furigo (2008) afirma que no Brasil, o Plantão teve seu inicio no Serviço de Aconselhamento Psicológico do Instituto de Psicologia da USP, por volta de 1960, criado pela professora Rachel Lia Rosenberg, através do desenvolvimento de um Pronto Atendimento Psicológico inspirado nos modelos norte-americanos das “walk-in clinics”. Para Pamieri e Cury (2007), o Plantão Psicológico brasileiro tem origem essencialmente institucional e tem conquistado espaços e se solidificado no âmbito da Psicologia Clínica. E enfatizam que sua base teórica é fundamentalmente humanista, em específico a ACP, que a partir dos anos 50 tem influenciado fortemente os psicólogos humanistas brasileiros, após a influência da mesma abordagem nos Estados Unidos. Já o Plantão Psicológico da Clínica-Escola de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva, inspirou-se no modelo de Plantão implantado na Universidade de São Paulo – USP. Entretanto, a prestação desse serviço nesta Clínica-Escola acontece sob o enfoque da Análise do Comportamento, abordagem psicológica advinda do Behaviorismo Radical, que tem como seu criador Burrhus Frederic Skinner. Skinner (1904 -1990) nasceu no Estado norte-americano de Nova York. Queria ser escritor, no entanto essa carreira lhe foi breve. Ainda jovem, se interessou pelos estudos de John Watson e outros Behavioristas, isto é, estudiosos do comportamento, incluindo-se posteriormente a esse grupo. Costa (2002, p.2) afirma que o comportamento, na concepção de Watson, referia-se basicamente às mudanças observadas no organismo, em especial, às que ocorrem nos sistemas glandular e motor, como, por exemplo, a salivação, a contração muscular e outros decorrentes de algum estímulo ambiental antecedente, o que denominou de paradigma respondente. O Behaviorismo Watsoniano é conhecido como Behaviorismo Clássico. Entretanto, na visão de Skinner, como aponta Moreira & Coutinho (2004, p.60) nem todos os comportamentos aprendidos podem ser explicados por meio do paradigma respondente. E neste momento, Skinner introduz o segundo paradigma comportamental e o principal que deve ser considerado em uma análise comportamental – o paradigma operante. Esse possui como foco principal referir-se ao papel que as consequências desempenham no comportamento e na manutenção deste. E assim, segundo Marçal (2010, p.31), Skinner deu origem
ao Behaviorismo Radical para a compreensão do comportamento humano. Sua proposta foi considerada behaviorista por considerar o comportamento como objeto de estudo e o método científico como forma de produção de conhecimento. Marçal (2010), apud, Chiesa, (1994) 6para o Behaviorismo Radical, o ser humano faz parte do mundo natural e assim interage no ambiente ao invés de sobre o ambiente, sendo parte interativa desse. Neste processo interativo, considera tanto o comportamento público, isto é, o comportamento observável, quanto o comportamento privado – sentimentos, pensamentos, sensações, ambos, público e privado são para Skinner simplesmente comportamentos. Para Moreira & Medeiros (2007), há de se fazer uma distinção crucial entre os termos Behaviorismo e Análise do Comportamento. Os autores supracitados afirmam que o Behaviorismo não é uma ciência do comportamento, mas a filosofia que embasa essa ciência. Por isso, não é possível comparar o Behaviorismo Radical com a Psicanálise, a Psicologia da Gestalt e com a Psicologia Cognitiva, pois o Behaviorismo Radical não é uma abordagem psicológica. Já, de forma contrária, a Análise do Comportamento é uma abordagem psicológica. Em síntese, o Behaviorismo Radical embasa filosoficamente a Análise do Comportamento. A Análise do Comportamento, proposta por Skinner, busca compreender o ser humano a partir de sua interação com o seu ambiente. Esse se refere ao mundo físico que são as coisas materiais, ao mundo social, isto é, a interação entre e com as pessoas e à história de vida do indivíduo consigo. A essência da Análise do Comportamento consiste em identificar relações funcionais entre os comportamentos dos indivíduos e suas consequências. A esse tipo de identificação de relações denominamos análise funcional do comportamento ou análise de contingências. De acordo com Marçal (2010, p. 32) na clínica analíticocomportamental, o sofrimento de uma pessoa, sua forma de agir e seus comportamentos decorrem da relação entre o seu organismo e o ambiente. Além da interação organismo e ambiente, na clínica analítico-comportamental seguem-se algumas etapas básicas a partir das queixas iniciais do cliente as quais são utilizadas no Plantão Psicológico da Clínica-Escola Newton Paiva. Faz-se necessário compreender os fenômenos comportamentais relacionados à(s) queixa(s), e esta busca de informações tem por principio básico que os comportamentos não ocorrem por acaso. Esses ocorrem dentro de uma história de vida, de um contexto em que o analista comportamental procura entender em quais condições ocorreram e não onde ou como eles estariam armazenados. O fundamental é identificar quais variáveis são responsáveis pela manutenção dos comportamentos apresentados e o que seria ne-
cessário fazer para tais variáveis, na perspectiva de mudanças dos comportamentos. Daí, um analista do comportamento não está interessado no comportamento em si, mas nas condições em que ele ocorre, seus antecedentes e consequentes, sua história de reforçamento/punição e os efeitos deste sobre o comportamento. Emprega-se o raciocínio selecionista para compreender como os comportamentos dos clientes foram adquiridos e são mantidos. Acrescenta-se aos aspectos componentes da prática clinica apresentada a valorização do autoconhecimento do cliente, que tem um significado bem mais amplo que identificar características pessoais. Assim como a escuta não - punitiva, a empatia, a compreensão do comportamento ocorrido dentro de um contexto para assim modificá-lo, isto é, tornando este comportamento funcional. E mais, cabe ao analista comportamental além de identificar as variáveis independentes dos comportamentos relevantes de seu cliente também capacitá-lo a fazer o mesmo. Já, Zanoni (2009), apud, Rosenthal (1999, p.16) afirma que o Plantão Psicológico sob a ACP configura-se nos aspectos da escuta, da empatia e da compreensão do estado emocional do cliente naquele momento, isto é, como ele experimentou e vivenciou a situação que relata visando ajudá-lo a se organizar emocionalmente, através de proporcionar-lhe condições de pensar em alternativas inovadoras que possam ajudá-lo a equacionar de forma produtiva a situação que o incomoda. Ao comparar os aspectos da prática clínica da Análise Comportamental com os da ACP, é possível constatar um tronco comum constituído pela escuta, pela empatia e pela compreensão do estado emocional do cliente, embora a fundamentação filosófica de ambas as abordagens sejam diferenciadas. Essa comparação viabiliza a concluir que não só a análise Comportamental, mas qualquer outra abordagem psicológica que atenda aos critérios mínimos necessários aos já mencionados acima é possível de ser utilizada como prática clinica da modalidade de serviço – Plantão Psicológico. Provavelmente, o fundamental em relação ao serviço de Plantão Psicológico seja que toda e qualquer abordagem psicológica tenha como foco o cumprimento da finalidade desse serviço – escutar, acolher e intervir clinicamente em situações de crise emocional advindas de naturezas diversas. REFERÊNCIAS COSTA, Nazaré. Terapia analítico-comportamental dos fundamentos filosóficos à relação com o modelo cognitivista.1ª ed. São Paulo:ESETec, 2003, p. 2 De-Farias, Ana Karina C.R. et al. Análise comportamental clínica: aspectos teóricos e estudos de caso. Porto Alegre: Artmed, 2010, p.31- 32.
Revista de Psicologia l
131
FURIGO, Regina Célia Paganini Lourenço et al. Plantão Psicológico: uma prática que se consolida. Bol.psicol. São Paulo. v.58, n.129, dez 2008.Disponível em http://prpdiv.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S000659432008000200006&Ing=pt&nm=iso. Acesso em: 24 nov.2010. FRANK, Dattilio M. et al. Estratégias cognitivo-comportamentais de intervenção em situações de crise.Porto Alegre: Artmed, 2004, p.335-336. GOLDIM, José Roberto. Aspectos éticos em situações de emergência e urgência. http://www.ufrgs.br/HCPA/ gppg/gppghcpa.htm. Acesso em 22 dez. 2010. HONÓRIO, Karina Barbosa. Plantão psicológico. Disponível em http://www. redepsi.com.br. Acesso em: 21 dez.2010. MOREIRA, Borges Márcio; MEDEIROS, Carlos Augusto. Princípios básicos de análise do comportamento. Porto Alegre: Artmed, 2007, p.148. PALMIERI, Tatiana Hoffmann; CURY, Vera Engler. Plantão psicológico em hospital geral: um estudo fenomenológico. ScieloBrasil. Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas - SP. Psicol.Reflex. Crit.v.20, n.3, Porto Alegre, 2007. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=s0102 79722007000300015&script =sci_arttext. Acesso em: 22 dez./2010. ROSENBER, R.L. Aconselhamento Psicológico centrado na pessoa. São Paulo: EPU,1987, p.75 TASSINARI, Márcia Alves. A clinica da urgência psicológica: contribuições da abordagem centrada na pessoa. Rio de Janeiro: UFRJ. Instituto de Psicologia, 2003, p.231. Disponível em: http://www.gruposerbh.com.br/textos/teses_doutorado/ tese 02. Acesso em: 22 dez.2010.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do Curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professor supervisor de estágio do Curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 3 Precursor do desenvolvimento da Psicologia Humanista nos Estados Unidos 4 Freire, P.S.G.L. (2004). Pronto atendimento psicológico em um serviço universitário: compreendendo os processos sob o olhar da Psicologia Analítica. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas. 5 Professora e supervisora da Universidade Estácio de Sá, Campus Méier. Coordenadora do Serviço de Psicologia Aplicada da Universidade e sócia-fundadora do Centro de Psicologia da Pessoa, atuando como psicoterapeuta e membro da equipe do curso de Especialização em Abordagem Centrada na Pessoa. 6 CHIESA, M. Radical Behaviorism: The philosophy and the science. Boston:Autthors Cooperative,1994. Não foi possível o acesso à pagina no livro original.
132 l
Revista de Psicologia
A histeria: objeto de desejo do Outro Rejane de Melo Moreira1 Geraldo Majela Martins2 RESUMO: Objetiva-se com este artigo trabalhar o lugar do desejo na clínica da histérica. A psicanálise nos aponta a importância entre a articulação da teoria com os casos clínicos como fonte valiosa de aprendizagem. Para tal, utilizarei de um fragmento clínico a partir do qual discursarei sobre um ponto importante que apareceu no discurso do analisando: o desejo.
Palavras-chave: Histeria, Desejo, Objeto, Sexualidade, Insatisfação.
Este artigo teve origem numa observação clínica surgida no curso de uma possível análise, situando-se numa tentativa de tentar melhor compreender e elaborar o que se passava no tratamento por meio do discurso da candidata á analise. Os atendimentos ocorreram na Clínica de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva, e o artigo acadêmico produzido para a conclusão do Estágio Supervisionado Abordagens Psicanalíticas VII, ministrado e supervisionado pelo Professor Geraldo Majela Martins. Foi por meio do discurso de uma paciente, uma mulher de 33 anos, solteira, independente, que ocupa um cargo administrativo em uma empresa, e que chegou ao consultório com uma queixa principal “preciso de ajuda profissional para enfrentar o medo, a insegurança e a dificuldade de lidar com as pessoas, situações que prejudicam a vida profissional, familiar e afetiva”. Durante as sessões, a cliente traz em seu discurso que é perseguida pela supervisora no trabalho e pelo namorado. Considera que tenha parcela de culpa, devido a erros e omissões. A cliente fala pouco da família e, quando fala, relata que o namorado é igual ao seu pai, que também perseguia a sua mãe. A cliente se identifica com a mãe, a caracteriza como “guerreira” e a coloca no lugar da lei. Por outro lado, critica mulheres que têm atitudes masculinas e diz que nunca quer depender de um homem. Temos uma hipótese de que se trata de uma histeria, já que sabemos que na histeria tem sempre outra mulher na história, porque é ela que indica o significante fálico, essa mulher, hipotetizamos que seja a mãe e/ou a supervisora. Percebe-se que a cliente, apesar de criticar a perseguição de ambos, sente-se culpada, mas, ao mesmo tempo, sente prazer em provocar dor no outro da relação (neste caso, o namorado). Com suas atitudes relatadas ao longo dos atendimentos, a cliente demonstra que provoca o namorado, mesmo sabendo que ele não gosta. A cliente apresenta em seu texto o que Freud chamou de masoquismo, que é a designação que abrange todas as atitudes
passivas perante a vida sexual e o objeto sexual, a mais extrema das quais parece ser o condicionamento da satisfação ao padecimento de dor física ou anímica advinda do objeto sexual. (FREUD, 1905, p.150) Freud aponta que: É freqüente poder-se reconhecer que o masoquismo não é outra coisa senão a continuação do sadismo que se volta para a própria pessoa, que com isso assume, para começar, o lugar de objeto sexual. A análise clínica dos casos extremos de perversão masoquista mostra a colaboração de uma ampla série de fatores (complexo de castração e a consciência de culpa) no exagero e fixação da atitude sexual passiva originária (FREUD, 1905, p.150). A cliente, por meio de relatos e atitudes, se coloca no lugar de homem da relação, e na família, se considera o homem da casa, identificando-se com sua mãe, que é para ela a lei, que é o homem ao invés do seu pai. O estudo deste fragmento clínico aborda a questão do desejo, que para a histérica está além de suas demandas, pois nada pode lhe ser dado com a finalidade de abrandar suas queixas. A histérica nos mostra que frente à sexualidade não há saber, e que ela vive em um estado de insatisfação que não se restringe somente ao registro sexual, mas que se estende por toda a vida. Quanto mais insatisfeita ela é, mais protegida das ameaças de um gozo ela está. Segundo Martins, o desejo é a lei. Podemos, então, dizer que, em Lacan, o desejo é a lei, porque desejo é sempre interdição de, falta de. (MARTINS, 1999, p. 29). Portanto para Martins, desde Freud: [...] o desejo (Wunsch), o voto, é inconsciente. Assim, o desejo não são as tendências, as inclinações para os apetites Revista de Psicologia l
133
e as vontades. O desejo é uma significância. Sua significância (deutung) é dada pela cadeia de significantes. O sonho é a significância do desejo. O que é essa significância? É, aquilo que o associante, livremente, diz do sonho. O sonho não é o desejo, mais o lugar (topos) onde o desejo se revela. O sonho não é o desejo, porque o desejo não é nada, ele não tem objeto, é metonímico. Portanto, o desejo não é o sonho, não é o chiste, não é o ato falho. (MARTINS, 1999, p. 30). Percebe-se que o desejo é aquilo que não tem nome, não tem símbolo, é aquilo que se identifica com o significante. Para Martins, o desejo não é concupiscência, um apetite sexual, é um voto, é eleição: seu objeto é o próprio desejo – desejo de desejar (MARTINS, 1999, p.30). A leitura deste trabalho nos leva a pensar também sobre as questões da feminilidade e do gozo, que nos aponta, portanto para a subversão desejante da histeria e as manifestações atuais dos seus sintomas. O desejo na histeria é um desejo de insatisfação. Para Lacan (1998), o desejo da histérica é sustentar o desejo do pai. Justificando esta afirmação, Lacan desenvolveu a fórmula que diz “o desejo do homem, é o desejo do Outro.” Logo, a histérica deseja ser o desejo do Outro. Assim, a histérica pula de um objeto a outro, dizendo que não a respondeu, não a satisfez. Por que para a histérica, a insatisfação é o que garante o desejo. Provar que o desejo na histeria existe é dizer que ele continua insatisfeito, percebe-se que satisfazer este desejo, implica-se em gozar, e o gozar faz com que o desejo se perca. O gozo seria a permanência do desejo insatisfeito, o que de certa forma, se opõe ao prazer. Seguindo este caminho, pode-se perceber a estratégia da histérica, que, na maioria das vezes, como no caso clínico citado, não quer aquele que a quer, mas sim alguém inacessível, mantendo assim seu desejo sempre insatisfeito. Essa é a relação da histérica com o desejo, pontuando assim a insatisfação. Aprendemos com Lacan que o desejo só pode ser tomado ao pé da letra, isso porque é preciso transformar a demanda em questão, ou dito de outra forma, o desejo é expresso pela linguagem, de um enigma a ser decifrado. A linguagem é a peça fundamental para um processo de análise. Lacan aponta que: Para curar a histérica de todos os seus sintomas, a melhor maneira seja satisfazer seu desejo de histérica – que é para ela o de colocar aos nossos olhos seu desejo de insatisfeito – deixa inteiramente fora de campo a questão específica do por quê ela só pode sustentar seu desejo como desejo insatisfeito. (LACAN, 1998, p.19) 134 l
Revista de Psicologia
Ao considerarmos clinicamente a histérica, ou ao determonos na história do saber médico sobre a histeria, constatamos que a histeria fala, e dela faz falar, ou seja, através dela, faz com que se produza um saber sobre o seu enigma. E por meio desses enigmas, Freud se depara com a questão do desejo insatisfeito da histérica e que é a partir do desejo do Outro que o sujeito constitui o próprio desejo. Podemos, assim, concluir e mostrar a importância da articulação entre casos clínicos e teoria, percebe-se que a cliente apresenta características e atitudes que nos fazem crer se tratar de uma possível histeria, uma que ela nunca esta satisfeita com o que tem, se coloca por diversas vezes em lugar de objeto, constituindo assim o seu próprio desejo.
REFERÊNCIAS FREUD, Sigmund. (1905). Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. In: _______. Um caso de histeria, três ensaios sobre teoria da sexualidade e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 2006. p.149-151. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 7). LACAN, Jacques. O seminário: livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964). 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. MARTINS, Geraldo. Água que dorme: máscara do desejo. Consciência com ciência. Belo Horizonte, p. 28-32, jan. 1999.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do 10° período do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professor supervisor de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva
A solidão na contemporaneidade “Um homem não é outra coisa se não o que faz de si mesmo”. (Sartre) Rogéria Aparecida Lázaro1 Raquel Neto Alves2 RESUMO: Este artigo objetiva abordar os temas da solidão e do vazio no cotidiano. A convivência social leva o homem a uma postura que nem sempre é a da sua preferência. Muitas vezes, este homem se aliena de si mesmo, o que pode acarretar um vazio e um sentimento de incapacidade para fazer algo de ativo sobre sua própria vida e sobre o ambiente em que vive. Palavras-chave: Homem, Solidão, Vazio existencial.
Alguns sentimentos, como a solidão, despertam dificuldades ao vivê-los, assim como num determinado momento pode-se ter a sensação de mal-estar que invade e origina uma percepção de rejeição ou baixa autoestima e uma não apreensão do vazio existencial. Este artigo tem como objetivo abordar os temas da solidão e do vazio no cotidiano. A convivência social leva o homem a uma postura que nem sempre é a sua preferência. Muitas vezes, este homem se aliena de si mesmo o que pode acarretar um vazio e uma ideia de incapacidade para fazer algo de ativo sobre sua própria vida e sobre o ambiente em que vive. Angerami - Camon afirma que, “A solidão é, na verdade, uma condição imanente ao homem, faz parte da própria vida. Só que em certos momentos a percebemos mais agudamente, e não sabemos como lidar com ela” (ANGERAMI – CAMON, 1990, p.9). May fala do vazio existente no homem, Um ser humano não é oco num sentindo estático, como se fosse uma bateria precisada de nova carga. A sensação de vazio provém, em geral, da idéia de incapacidade para fazer algo de eficaz a respeito da própria vida e do mundo em que vivemos. O vácuo interior é o resultado acumulado, a longo prazo, da convicção pessoal de ser incapaz de agir como uma entidade, dirigir a própria vida, modificar a atitude das pessoas em relação a si mesmo, ou exercer influência sobre o mundo que nos rodeia. Surge assim a profunda sensação de desespero e futilidade que a tantos aflige hoje em dia. E, uma vez que o que a pessoa sente e deseja não tem verdadeira importância, ela em breve renuncia a sentir e a querer. A apatia e a falta de emoções são defesas contra a ansiedade [...]. (ROLLO MAY, 2002, p.22).
O desejo pessoal parece estar subjugado diante da opinião pública. A convivência sobrepõe normas que desencadeiam a incapacidade de aceitá-las, produzindo uma angústia e apatia diante do querer particular. Surge a alienação, que é sinônimo de solidão e é uma característica do homem atual. O ficar só é assustador quando é sentido como um isolamento, o “medo da solidão” passa a ser uma ameaça quando essa não é concebida como um valor positivo. Percebe-se que a falta de convicção em relação ao que se deseja e o que sente diante de uma situação traumática podem gerar uma reação de procurar outras pessoas em busca de apoio e de orientação. O outro e a ausência dele têm um papel importante na existência. Apresento um fragmento do caso de “C”, cliente atendida por mim na Clínica da Newton: A cliente começou falando que já fez terapia anteriormente. Disse que está se sentindo muito irritada, perdendo a paciência com as pessoas no trabalho, que se sente insatisfeita e incomodada. Relatou que faz tratamento psiquiátrico, mas não está resolvendo. Pediu um remédio para acalmar e foi receitado fluoxetina de 20mg. Achou “fraco”, e o médico na consulta seguinte receitou sertralina de 50mg. Ainda achou “franco” e então se lembrou de fazer terapia. A cliente contou que atualmente tudo que conversam com ela a deixa irritada. Chega em casa meio triste, mas o que mais a incomoda é a presença de uma amiga do seu namorado. Essa amiga está dormindo em sua casa e diz que irá cuidar dela até que seu namorado retorne de uma internação em uma clínica para desintoxicar por uso de drogas. ”C” mora com três filhos. Possui mais uma filha casada que é de seu primeiro relacionamento. Em seguida, ficou casada por quinze anos e teve os dois filhos que hoje são adolescentes. Separou-se por causa de infidelidade dele, e após a separação, ficou sabendo que esse marido molestava sua filha. Ela o denunRevista de Psicologia l
135
ciou e ele ficou preso por quatro anos. Hoje ele frequenta a casa de sua filha casada e eventualmente dorme em sua casa. Do relacionamento com a amiga do namorado, resultou um envolvimento sexual que a deixa em um dilema, que é aceitar este envolvimento homossexual e a ajuda cordial com os afazeres domésticos, olhar sua filha e até um tratamento maternal quando a cliente está doente. Segundo May: A aceitação social, o “ser estimado” tem tanta importância porque mantém à distância esta sensação de isolamento. Quando a pessoa está cercada de cordialidade, imersa no grupo, é reabsorvida, como se voltasse ao ventre materno, em simbologia analítica. Temporariamente esquece a solidão, embora ao preço da renúncia à sua existência como personalidade independente. Perde assim a única coisa que a ajudaria positivamente a vencer a solidão a longo prazo, isto é, o desenvolvimento de seus recursos interiores, da força e do senso de direção, para usa-los como base de um relacionamento significativo com os outros seres humanos. (ROLLO MAY, 2002, p.29) Pode-se perceber que a cliente sofre com as críticas dos filhos em relação à presença da amiga homossexual em casa e a defende dizendo não querer magoá-la. A ajuda recebida a faz esquecer a sensação de isolamento diante da aceitação social, além de se magoar não dando verdadeira importância ao que sente e deseja. A cliente contou que aos 15 anos aceitou o convite de uma amiga para morarem juntas e dividir as despesas. Aos 19 anos, sua amiga mudou-se para Paris e ela comprou um barracão. Estava grávida de sua primeira filha e morou na casa dos pais por quatro meses até terminar a reforma de sua casa. Relata que foi muito bem tratada e acolhida pelos pais e que eles curtiram a neta. Ainda contou que sente muito por não ter estado presente no fim de vida de seu pai para cuidar dele como fez com sua mãe. Percebe-se, em alguns momentos, que a cliente teme a solidão e busca um conforto que está contido no passado familiar, ou seja, no Outro. Para Angerami- Camon: O outro não existe apenas enquanto conceito instrumental. O Outro existe dando conceituação a minha própria existência. [...] E com efeito o Outro não é somente aquele que vejo, senão aquele que me vê. Percebo o Outro na medida em que ele é um sistema complexo de experiências fora de alcance e através do qual figuro como sendo apenas um objeto entre tantos outros. (ANGERAMI-CAMON, 1990, p.5) Ao pedir para aumentar a dose de remédios psiquiátricos, a 136 l
Revista de Psicologia
cliente está pedindo socorro diante de uma situação que a assusta por se ver obrigada a tomar decisões. Ela disse ficar irritada com todos a sua volta e querer dormir. Em seguida, diante de seus relatos, ela não se posiciona realmente, parece querer uma solução mágica e não se permite viver um processo de construção para uma solução de sua situação. Falta-lhe esperança e busca a saída no Outro. O homem contemporâneo sofre uma desesperança, que se apresenta por várias facetas de sofrimento. A ausência do Outro é um dos maiores fantasmas dessa realidade. Segundo Angerami-Camon: “A solidão é, assim, a configuração extremada da ausência do Outro. O Outro que se torna presente pela própria ausência configura em meu ser sua necessidade”. (ANGERAMI-CAMON, 1990, p.6) REFERÊNCIAS ANGERAMI-CAMON, Valdemar A. Solidão. A ausência do outro. São Paulo: Pioneira, 1990. MAY, Rollo. O homem à procura de si mesmo. Tradução de Áurea Brito Weissenberg. 29. ed. Petrópolis: Vozes, 2002.
NOATS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do 10º período do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva
Confrontando com a impotência do outro Sandra Siani Passos Novais Geraldo Majela Martins RESUMO: Este artigo pretende articular, a partir da teoria freudiana sobre o feminino e a sexualidade feminina, a escolha de mulheres por homens que elas mesmas descrevem como fracassados e qual a ligação desta escolha com seus objetos de amor infantil. Tema trazido com muita frequência nos relatos da supervisão de estágio da Clínica Psicanalítica. Palavras – chave: Objeto amoroso, Feminino, Psicanálise.
Houve uma mudança patente nas relações amorosas da contemporaneidade. Nos dias de hoje, este ainda se constitui como um dos temas mais levados à clínica, os impasses da vida amorosa, nos quais os sujeitos encontram grande dificuldade em fazer laços afetivos, sem que haja uma grande explosão de conflitos. Atribuímos grande parte desse impasse a alteração do papel da mulher, que outrora tinha um marido que mantinha a família, na condição de provedor. E hoje, além de ser mãe, tem a responsabilidade de prover, papel que no passado era desempenhado pelo masculino. O panorama atual das relações amorosas nos orientou para uma interrogação surgida nos relatos dos colegas durante a supervisão de estágio e suscitada também em nossa própria experiência nos estágios de orientação psicanalítica. Muitas mulheres estão trazendo a seguinte queixa: “não sei porque estou com ele, ele é um fracasso, um zero à esquerda”. Isso nos faz pensar que conteúdo psíquico está presente na história pregressa dessas mulheres para fazerem tal escolha e sustentá-la com tanto vigor. Então nos remetemos a Freud e o que ele diz sobre o feminino. ...para a menina , assim como o menino, o seu primeiro objeto de amor é a mãe (e as figuras de babá e da nutriz que nela se fundem)...na situação edipiana a menina tem seu pai como objeto amoroso, e espera-se que no curso normal do desenvolvimento ela haverá de passar desse objeto para sua escolha objetal definitiva (Freud,1932, p. 143). Como as coisas não são simples assim, essas passagens normalmente ocorrem com muita luta para a menina, já que ela diferentemente do menino terá que trocar de objeto de amor, da mãe para o pai, e ainda de zona genital, do clitóris para a vagina. Freud (1932) ainda defende que teria de levar em conta a possibilidade de muitas mulheres permanecerem ligadas ao objeto original, a mãe, e nunca alcançarem a mudança em direção aos homens. Deduzimos que essa ligação com a mãe é de extrema
importância para a constituição de seus vínculos afetivos, e que esta fixação é um prejuízo imenso para a mulher. Observamos na clínica a queixa normalmente voltada para o homem com quem esta mulher se relaciona conjugalmente, fazendo uma analogia inconsciente com a forma como se relacionava com o pai, um pai ausente, agressivo, que não lhe dava atenção, carinho. Podemos ser tentados a defender a ideia de que esta mulher repete a relação que tinha com o pai, mas em contato com a literatura de Freud (1932), percebemos que, na verdade, o que ela repete é o mau relacionamento com a mãe, o qual é o original. Essa mãe que enquanto função diz que este pai é ausente, tornando isso no imaginário desta criança. Lacan (1999) defende que o pai esteja presente mesmo quando não está. Nos relatos da supervisão, as falas das clientes normalmente fazem menção à relação com o pai como difícil, excluindo a sua relação com a mãe, mesmo havendo intervenção a respeito. Suspeitamos, de acordo com os nossos estudos e com as observações feitas pelo Mestre Geraldo Martins, que essa dificuldade em se relacionar com o pai é remetida à transferência de objeto de amor da mãe para o pai e que este pai, que da mesma forma que a mãe é castrado, que não pode lhe dar o que ela tanto quer, impossibilitado também, pois todos os pais são castrados. Isso é o que será endereçado ao outro, procurado nas suas relações afetivas. Será uma repetição, como o pai os homens nada podem fazer por ela, são fracassados, impotentes. É uma forma, segundo observações do Professor Geraldo Martins, de confrontar com a impotência do outro. REFERÊNCIAS FREUD, Sigmund. (1931). Sexualidade feminina. In: _____. O futuro de uma ilusão, o mal-estar na civilização e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1980. p. 257-279. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 21). FREUD, Sigmund. (1932). Conferência XXXIII. Feminilidade. In: _____. Novas conferências introdutórias sobre psicanálise e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Revista de Psicologia l
137
Imago, 1980. p.139-165. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 22). LACAN, J. A metáfora paterna. In: O seminário, livro 5: as formações do inconsciente. Rio de Janeiro: Zahar, 1999, p. 166-184.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do 10º período do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professor supervisor de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva
138 l
Revista de Psicologia
Do amor transferencial freudiano à evocação de um analista Sandro de Carvalho Moreira1 Geraldo Majela Martins2 RESUMO: Este artigo visa construir uma articulação possível, pela orientação teórica da clínica psicanalítica, em relação ao amor transferencial, objetivando o trabalho de enamoramento analista/analisando, frente aos significantes que o sujeito anuncia a partir da associação livre. Entendemos pelo viés psicanalítico, quando o sujeito, ‘’quer saber’’, o que está causando seu sofrimento, é que ele procura um analista. Saber o momento transferencial amoroso é um manejo clínico, identificado não por ‘’’saberes’’, mas por uma escuta lapidada pela maestria do analista. Esta é a questão que apresentamos neste artigo.
Palavra-Chave:Transferência, Amor, Saber, Resistência na Clínica INTRODUÇÃO É fato que desde os primórdios da psicanálise se questiona as bases teóricas / metodológicas de Sigmund Freud, no entanto podemos dizer que Freud nem sempre foi ‘’Freudiano’’ e sim seus discípulos nos anos posteriores. O pensamento ou movimento de nossa cultura nesta atualidade propõe ao sujeito um saber metodológico, em que ele se considera detentor de um lugar imerso em uma pretensa objetividade, alienado ou motivado por um alterego simbólico. Este saber alienado provoca sintomas que inscreve o sujeito em uma neurose de forças opostas a ‘’si’’, que o aprisiona em sua luta entre querer e desejar, já que esta última é regida pelo inconsciente. Da questão levantada, nos serviremos do texto ‘’observacõessobre-o-amor-transferêncial Freud’’ (1914), para construirmos o enunciado que nos dirige sob um prisma, que, segundo Freud, o acesso ao saber inconsciente se faz pela via do amor transferêncial, pela confiança que emerge entre o analista e analisando. Tal aspecto posiciona o sujeito ao encontro de seu desejo objetal, norteado sempre pelos aspectos ligados pela falta, que persiste, insiste e quer se fazer consciente. A subjetividade contemporânea impõe suas marcas no sujeito desejante, a contemporaneidade produz um sujeito marcado em seus desejos, tornando-o internetizado, globalizado, celularizado, secularizado, capitalizado pelo magma do mercantilismo ocidental. Surge diante desses paradigmas, o sujeito da análise, faltoso, despojado de seu ‘’isso’’, dominado pela pulsão de morte se torna escravo de seus mais elevados valores. Até que o vulcão libidinal se veste de neuroses sintomáticas, então da falta, elevase o sofrimento psíquico, carregado por um corpo que pede descanso, alívio de algo que atravessa o sujeito, já descaracterizado do bem-estar produzido pelos seus ‘’gadgests’’, se apresenta angustiado, deslocado de sentido.
Amor é o que se aprende no limite, depois de se arquivar toda a ciência herdada, ouvida. Amor começa tarde (DRUMMOND, 1973, p.4). A procura amorosa se manifesta de forma sintomática e sempre regida pelo inconsciente do sujeito, que investe libidinalmente no objeto, crendo que esse irá saciá-lo, manifestando um sentimento inicial de grande gozo e sensação de completude. De todas as formas, o sujeito da análise se angustia pela via do amor, ordem concreta de suas fantasias do ponto de vista nas representações das sexualidades infantis Freudianas. Depois de investido, ou melhor, de vestir-se desta libido, torna o sujeito empobrecido, dominado pela moratória do desejo inconsciente que o devora e o marca como resto que perdeu a nau que comandava seu querer consciente. À primeira vista, certamente não parece que o fato de a paciente se enamorar na transferência possa resultar em qualquer vantagem para o tratamento. Por mais dócil que tenha sido até então, ela repentinamente perde toda a compreensão do tratamento e todo o interesse nele, e não falará ou ouvirá a respeito de nada que não seja o seu amor, que exige que seja retribuído (FREUD, 1914, p. 211). Dirá ainda que: Todo principiante em psicanálise provavelmente se sente alarmado, de início, pelas dificuldades que lhe estão reservadas quando vier a “interpretar” as associações do paciente e lidar com a reprodução do reprimido. Quando chega a ocasião, contudo, logo aprende a encarar estas dificuldades como insignificantes e, ao invés, fica Revista de Psicologia l
139
convencido de que as únicas dificuldades realmente sérias que tem de enfrentar residem no “manejo” da transferência (FREUD, 1914, p.208). Procuramos, por meio do escrito de Freud (1914), apresentar o discurso analítico, tomando, por exemplo, prático o caso de Dora. Dora, 43 anos de idade, vinda de um relacionamento de 20 anos, casada, tendo dois filhos desta relação, se encaminha para clínica da Newton, com uma queixa de estar vivendo muito nervosa, não conseguindo estabelecer os valores pessoais e lidar com conflitos familiares. Na primeira sessão, traz uma narrativa de sua situação atual, na qual o cenário retrata problemas de relacionamento conjugal e situação pessoal fragmentada. Dora diz que o motivo da procura foi um nervosismo constante que está vivendo e tenta dar conta de sua vida, casa, do lar, das coisas necessárias, mas ‘’tudo sobra pra ela’’. Desde o começo do relacionamento, veio a gravidez, que eu não esperava e tive que assumir tudo sozinha na casa da minha irmã, já que o Roberto não tinha como assumir as responsabilidades, pois não tinha onde cair morto. Fiquei desamparada, sofri igual um cão, fiz de tudo um pouco, até conversar com Roberto sobre a situação e disse a ele, depois que minha filha completou 9 anos, que se ele não nos assumir, eu vou procurar outro para viver com ele. Já sabendo que não é meu pensamento fazer isso, pois para mim homem é um só, e já que perdi minha virgindade com ele, tem de ser ele para toda vida. Então, conversando com ele, decidi ir morar com ele na casa de sua mãe, sendo alvo das fofocas e situações em que todos dão palpite sobre a relação, mas apóiam o jeito largado e irresponsável do Roberto viver sua vida. Desde então, faço tudo, tomei a frente de construir uma casa em cima da casa da minha sogra a seu pedido, pois foi a única forma de sair um pouco do meio dos conflitos, houve um tempo em que eu tinha certa esperança das coisas em casa darem certas, mas o Roberto já me deu provas suficientes de que nada muda. Esta semana, sonhei que estava comprando semente de milho e que estava brigando com o vendedor, dizendo para ele me vender uma semente que me ajude e não semente que não presta, então saí de lá correndo e com raiva. A começar pelo meu relacionamento com ele, pois já faz três anos que eu durmo no quarto e ele na sala, não diz nada, não fala nada, permanece um nada na minha vida, se pelo menos ele fosse vivo, quero dizer presente, como meu pai foi. Sobre os aspectos ligados ao termo ‘’transferência’’, penso em duas direções, como analista. A primeira direção, ligada ao padrão de sentimentos ou repe140 l
Revista de Psicologia
tições de sentimentos, construído na infância; Na segunda, penso estar relacionada com a falta ocasionada em detrimento das relações objetais, que o sujeito produz diante de seus conflitos. É claro que no texto mencionado, Freud propõe somente a forma amorosa, significativa para o que ele designa de amor transferêncial. A cliente demonstrou uma projeção histérica no desenvolvimento de sua fala, ao ser ouvida, apontou para uma constante desvalorização do seu desejo diante do Outro, que lhe falta, (Roberto) e que a remete a confrontar-se com seu principio de realidade, se esforçando para superar os laços que lhe causam angústia. Ela no transcorrer da análise, inconscientemente é claro, constrói em cima da casa da sogra, sonha com sementes que estão podres, não servindo para uma construção ‘’alimentícia’’, sonha com o pedreiro e o analista, projetando uma evocação por parte do analista que não corresponde à sua evocação. Neste caso, o sujeito da análise se posiciona em um lugar que faz do sintoma manifesto, seu próprio mecanismo de culpa, pelo fato de não conseguir atingir seus objetivos. Em meio a sua construção em análise, Dora faz uma apresentação que aponta gradativamente ao enamoramento que convocará o analista, dando início ao tratamento. No entanto, diante deste caso, não pude perceber o momento exato em que Dora me convoca para o trabalho analítico e a mesma não sendo ouvida, remete sua convocação há um Outro, no caso o pedreiro que trabalhava na casa de sua mãe. É difícil definir este enamoramento do ponto de vista clínico, mas, com uma boa base de supervisão, consegui enxergar este manejo do amor transferêncial, mas o ponto de entrada havia se precipitado, penso neste momento no fato da clínica onde muitos analistas, por não compreenderem tal movimento amoroso e sua evocação, lançam o analisando à sua própria sorte. Neste movimento, não identificado na análise, é o que estou chamando de ‘’destratamento analítico’’, pois tal ocorrência promove uma lacuna entre analista/analisando. Dificilmente ocorrerá por parte do analista o resgate do tratamento eficaz, perdendo assim a oportunidade de postular um caso clínico que poderia ser bem sucedido do ponto de vista da psicanálise. CONCLUSÃO É necessário desenvolver na clínica, a partir dos estudos de caso, o manejo de uma escuta, que possibilite ao analista o viés interventivo no momento do ápice deste amor transferêncial. Sem dúvida, nos posicionamos nos pontos destacados por Freud, que o analista não deve dar asas à imaginação flutuante desta relação, para que não se perca a condução clínica de um tratamento eficaz
para o alívio do analisando que se apresenta na clínica por meio de um ‘’sofrer’’. REFERÊNCIAS FREUD, Sigmund (1914). Observações sobre o amor transferência. ln____: 0 caso Schreber, artigos sobre técnicas e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1980. (Edição standard brasileira de obras completas de Sigmund Freud, 12 ). p. 208 – 221. ANDRADE, Drummond (1973) As Impurezas do Branco In:________. Amor e seu Tempo. Rio de Janeiro: José Olympio/INL, 1973.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmico do 10º período do Curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professor supervisor de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva
Revista de Psicologia l
141
Relacionamentos virtuais: a ausência do outro “O ser participa da formação do seu futuro, em virtude da sua capacidade de conceber e reagir a novas possibilidades e trazê-las para fora da imaginação, experimentando-as na realidade”. Rollo May Selma de Oliveira Fróes1 Raquel Neto Alves2 RESUMO: A elaboração deste trabalho se deu a partir de alguns casos clínicos atendidos na Clínica de Psicologia Newton Paiva, onde alguns clientes relataram vivências de relacionamentos virtuais e como esses estavam presentes com tamanha intensidade em sua vida. O objetivo deste trabalho, portanto, é descrever como a internet favorece um isolamento do mundo real. Palavras-chave: Relacionamento virtual, Relacionamento real, Ser com os outros.
Para compreender como ocorre o processo de priorizar os relacionamentos virtuais, cabe relatar um encontro entre psicoterapeuta e cliente. Com o propósito de preservar a identidade da cliente, seu nome será substituído por Lúcia. Lúcia, 31 anos, separada, chega à sessão dizendo ter procurado atendimento psicoterápico, pois se encontra deprimida. Casou-se aos 18 anos e teve uma filha, após um ano de casada, separou-se devido à imaturidade de ambos. Após o término do casamento, voltou a morar com os pais e duas irmãs mais novas. Passado um período, conheceu um rapaz mais novo, com o qual viveu um relacionamento intenso, porém a família do rapaz não aceitava o relacionamento de ambos pelo fato de ela ser mais velha e ter uma filha. O rapaz, por sua vez, não suportou a pressão da família e eles romperam o relacionamento, bem no momento em que Lúcia estava prestes a realizar uma cirurgia para retirada de um tumor no ovário. Segundo a cliente, após essas perdas, ela se deprimiu e se fechou, e como válvula de escape encontrou o emprego e a internet. Após o término do relacionamento, a mesma entrou em depressão e diz que os problemas foram aparecendo, ela não estava conseguindo dar conta, e os relacionamentos também ficaram comprometidos, pois ela relata ter medo de vivenciar novamente a situação passada. “Eu até me envolvo, mas não amo” (SIC). Em uma das sessões, Lúcia chega dizendo que conheceu um rapaz por meio do MSN3 e ambos começaram a conversar sobre diversos assuntos. Esse rapaz mora em Maceió, e eles trocaram fotos e ela ficou muito encantada com a beleza do rapaz, diz: “ele é muito simpático, agradável e sempre fazia elogios fazendo com que eu me sinta bem” (SIC). Ele cogitou a possibilidade de um encontro, mas ainda não aconteceu, pois, segundo a cliente, é devido à distância entre ambos. A cliente pontua que está mui142 l
Revista de Psicologia
to envolvida com esse rapaz, mesmo sabendo que ele mora em outro estado e possui uma vida fora do virtual. Porém, ela está tão empolgada com esse relacionamento virtual, que, muitas vezes, não vivencia um relacionamento real. “Eu estou deixando de fazer muitas coisas na vida real por ficar muito tempo na internet, mesmo sabendo que isso não é certo” (SIC). A partir dos relatos apresentados por Lúcia, surgiu o interesse em compreender que lugar esse outro real ocupa na sua vida e quais os possíveis sentidos de um relacionamento virtual. O mundo contemporâneo apresenta um gigantesco avanço tecnológico, e a internet faz parte desse avanço, principalmente relacionada às redes de relacionamentos. Proporciona a uma quantidade imensa de pessoas de diversas faixas etárias, países e idiomas diferenciados se conectarem e se conhecerem a cada instante. A era da informação está influenciando de uma forma direta as relações interpessoais. A internet proporciona uma facilidade na comunicação, seja com pessoas próximas ou até mesmo com pessoas que estão a longa distância, sem muitas vezes se conhecerem pessoalmente. A partir de então, os laços afetivos vêm se tornando cada vez mais comprometidos e influenciados por essas novas possibilidades de relacionamento. A internet favorece uma nova forma de relacionamento, como o e-mail, as salas de bate papo, o MSN, o Facebook, Twiter, Orkut e a webcam, os quais facilitam a comunicação e o relacionamento virtual. Cria-se então o relacionamento virtual, e, ao mesmo tempo, compromete os relacionamentos reais. De acordo com Romero (2002), de um modo fenomenológico existencial, o homem está em permanente interação com seu ambiente; nesta interação homem-mundo, os eventos, os objetos e as pessoas que configuram este relacionamento têm um certo grau de ressonância na existência da pessoa, ressonân-
cia que estrutura a subjetividade de maneira que afeta todo seu ser, em algum grau. “O outro fornece um modelo para a construção da imagem de si. Por ser outro, contudo ele também revela que a imagem de si comporta uma parte integral de alteridade”. (AUGRAS, 1993, p.56) Para Augras (1993), o homem é definido como um ser social e seu crescimento individual depende, em todos os aspectos, do encontro com os demais. Ainda segundo a autora, o mundo humano é essencialmente mundo da coexistência. “[...] Buber diz se então que o homem é um ente de relação ou que a relação lhe é essencial ou fundamento de sua existência [...]” (BUBER, 2001, p. 44). Mesmo sem a presença do outro, o ser no mundo é ser com os outros. Estar só é estar privado do outro, num modo deficiente da coexistência que constitui uma das estruturas do ser no mundo. O conhecimento do outro, pois, supõe a compreensão da existência com o ser da coexistência. (Augras apud Heidegger, 1993). Para Romero (2001), o relacionamento entre dois ou mais indivíduos, em termos de interação, constitui o interpessoal. A formação da pessoa passa por toda uma trama de relacionamentos interpessoais, nessa trama, pauta-se o estilo de relacionamento predominante do sujeito e o modo de interiorizar o outro. A cliente cria para si uma relação para além do real com esse outro que não está presente no plano real, esse está no virtual e na imaginação da cliente. [...] Romero afirma que pela imaginação estabelecemos um modo peculiar de relação com o mundo: a invenção do possível como prenuncio de uma outra realidade [...] (ROMERO, 2001, p.307). Ainda segundo o autor, real é tudo aquilo que é de nossa incumbência, é o que nos toca e nos afeta de uma maneira inevitável, são realidades que configuram nosso mundo, o corpo, os relacionamentos interpessoais, o trabalho e as obrigações que a vida prática nos impõe. A realidade é um conjunto de relações que configuram o mundo do sujeito, toda ela imantada e qualificada pelo sujeito em termos de valores possíveis. Esses valores já interiorizados e expressos em forma de atitudes e afetos operam como crenças. Valores, afetos e crenças constituem substrato subjetivo do individuo e são a matéria- prima das representações que ele faz da realidade: sua visão do mundo. (ROMERO, 2001) Martin Buber em sua obra traz uma reflexão sobre a existência humana de uma maneira bem peculiar. Para Luczinsk, Lopes ( apud Buber 2010), as palavras princípio eu-tu e eu-isso assinalam modos de ser do homem, formas de responder à realidade que sempre solicita um posicionamento. O eu que se abre para um tu não é como o eu que se relaciona com um isso, ou seja, a forma de relacionamento estabelecida fundamenta o modo de ser. Por isso, a relação produz diferentes
possibilidades de a pessoa estar no mundo. Eu-tu e eu-isso são parte do movimento humano, sendo inseparáveis, alternando-se constantemente a cada relacionamento. De acordo com as autoras, na atitude eu-tu, a pessoa entra em relação, deixa-se impactar, deixa-se atravessar pela presença viva do outro. Há nesse instante uma dimensão intensiva, não mensurável ou redutível à temporalidade, espacialidade e questões objetivas. O mundo do tu não tem coerência no espaço e tempo: é um campo de forças, de presença, de vitalidade. Não pode ser apreendido ou aprisionado em representações: sempre escapa. Não se reduz à percepção: é intenso, vivo, pulsante. Sempre ressurge diferentemente, em contínua transformação. A atitude eu-isso, por sua vez, leva a experienciar de forma objetiva as situações. O mundo do isso ou da objetividade ordena o real, transformando-o em habitável e reconhecível. Percebe-se através dos relatos apresentados pela cliente uma dificuldade em se relacionar com o outro no plano real. Augras (1993) afirma que o outro fornece um modelo para a construção da imagem de si. Por ser outro, contudo, ele também revela que a imagem de si comporta uma parte igual de alteridade. Todos os tropeços, os desencontros, os problemas de aceitação do outro como tal passam então a refletir a dificuldade intrínseca de superar a ambiguidade fundamental do ser para si e para os outros. Muitas perturbações individuais que se situam principalmente no plano do relacionamento poderiam ser entendidas como dificuldades de relacionar-se com a própria alteridade. REFERÊNCIAS AUGRAS, Monique. O ser da compreensão: fenomenologia da situação de psicodiagnosticos. 3 ed. Petrópolis: Vozes, 1993. BUBER, Martin. Eu e tu. 5. ed. São Paulo: Moraes, 200. p. 170. LUCZINSK, Giovana Fagundes; LOPEZ, Marília Ancona. A psicologia fenomenológica e a filosofia de Buber: O encontro na clinica. Estudos de psicologia. Vol. 27, nº1, Campinas, janeiro/março. 2010. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-166X2010000100009&script=sci_arttext&tlng=es >. Acesso em: 16 maio 2011.
ROMERO, Emilio. O inquilino do imaginário: formas de alienação e psicologia. 3. ed. Ver. e ampl. São Paulo: Lemos, 2001. p. 330.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do 10º período do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva Revista de Psicologia l
143
3 MSN é um programa de mensagens instantâneas criado pela Microsoft Corporation. O programa permite que um usuário da internet se relacione com outro que tenha o mesmo programa em tempo real, podendo ter uma lista de amigos virtuais e acompanhar quando eles entram e saiam da rede. (Wikipédia, 2011)
144 l
Revista de Psicologia
A transferência na clínica Nenhuma Psicanálise escapa à transferência. Michel Silvestre Sibele Fideles Fernandes Geraldo Majela Martins RESUMO: Este artigo discorre sobre a importância da transferência em um tratamento analítico, e as possíveis consequências que este tratamento pode sofrer quando o paciente resiste à transferência. O artigo também apresentará relatos de caso observados durante o estágio na Clínica de Psicologia Newton Paiva, articulados com a teoria psicanalítica. Aborda, portanto, a transferência na clínica, pontuando a relevância da mesma para um tratamento, e o fracasso do tratamento quando esta é resistida. Palavras-chave: Transferência, Psicanálise, Resistência.
1.INTRODUÇÃO A produção desse artigo é requisito do estágio supervisionado VII - Abordagem Psicanálise II, com orientação do professor supervisor Geraldo Majela Martins, do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. Atualmente na clínica, podemos perceber a dificuldade dos analistas em dar sequência a seus trabalhos, devido aos pacientes estarem com uma transferência hostil, sempre destrutiva ao outro. Cabe ao analista manejar essa transferência, lutando contra as resistências, pois essas acompanharão o tratamento passo a passo. Em cada atuação do paciente em tratamento, deve-se ser levado em conta, trabalhando-se através de seu sintoma para superá-lo, e assim, continuar com a análise. Dessa forma, o paciente não transferido passará a transferir e a desejar a cura. Em suma, é importante salientar que não há tratamento analítico sem que alguma transferência tenha se estabelecido, pois o analista é efeito da transferência. Abordaremos o caso de uma paciente cujo nome é Maria de Lourdes , de 50 anos, que aparece na clínica de Psicologia com a queixa de sofrer de inconstância de humor e, ainda, de priorizar os outros, esquecendo-se de si mesma. Nos poucos atendimentos realizados, fica claro que a paciente resistiu à transferência, interrompendo o tratamento. A paciente, em dois semestres de atendimento, compareceu pouquíssimas vezes, sempre desmarcando as sessões, e quando esta comparecia, era sempre de uma forma hostil, exigia respostas da estagiária para suas queixas, sempre direcionadas ao outro, esta nunca se implicando. 2. A TRANSFERÊNCIA COMO RESISTÊNCIA De acordo com Michel Silvestre, nenhuma psicanálise foge
da transferência, e é neste sentido que direcionamos ao texto “A Dinâmica da Transferência”, escrito em 1912, em que Freud explica a transferência como uma repetição-resistência, e como esta desempenha seu papel. Freud, (1912) salienta que, em análise, a transferência surge como a resistência mais poderosa ao tratamento. E por que a transferência aparece na psicanálise como resistência? É Freud (1912) quem nos diz: [...] a parte da libido que é capaz de se tornar consciente e se acha dirigida para a realidade é diminuída, e a parte que se dirige para longe da realidade e é inconsciente, e que embora possa ainda alimentar as fantasias do indivíduo, pertence toda via ao inconsciente, é proporcionalmente aumentada. A libido entrou num curso regressivo e reviveu as imagos infantis do indivíduo. O tratamento analítico então passa a segui-la; ele procura rastrear a libido, torná-la acessível à consciência e, enfim, útil a realidade. No ponto em que as investigações da análise deparam com a libido retirada em seu esconderijo, está fadado a irromper um combate; todas as forças que fizeram a libido regredir ergue-se-ão como ‘resistências’ ao trabalho de análise, a fim de conservar o novo estado de coisas (FREUD, 1912, p.137). Segundo Freud (1912), o médico, ao investigar a libido que fugira do consciente do paciente, entra no inconsciente, provocando reações que viemos a conhecer a partir dos estudos dos sonhos. Ou seja, como acontece nos sonhos, os impulsos inconscientes não desejam ser recordados, mas reproduzem de acordo com a atemporalidade do inconsciente sua capacidade de alucinaRevista de Psicologia l
145
ção em ação, sem levar em conta a situação real. Resumindo, o paciente repete, ele reproduz em atos. Durante o estágio realizado na Clínica, aconteceram alguns episódios que podem exemplificar a resistência a transferência, e a hostilidade da paciente Maria de Lourdes com a estagiária, mostradas a seguir: “Então, meu namorado vive enchendo o meu saco reclamando que sou muito nervosa, que preciso de me tratar, que sou doida, então quis vim para ver se preciso mesmo de tratamento. Todo dia ele fala na minha cabeça para eu procurar um psicólogo, então vim ver como é isso”. (SIC) “Vim porque ele pediu, mas acaba que de tanto que eles falam na nossa cabeça, a gente acaba achando mesmo que temos algum problema. Mas e ai, o que você acha, vim aqui porque quero te escutar e não pra falar, me diz ai qual é o meu problema?” (SIC). “Estou bem, está tudo bem. Mas hoje eu vim para você falar, quero te escutar hoje. Na outra sessão só eu quem falei. Eu falei demais e você quase não falou. Agora quero que você fale o que eu devo fazer” (SIC). “Não me lembro da minha mãe, esqueci mesmo. Não me lembro de seu rosto, só por uma foto que tenho dela, sempre que falo da minha mãe, vem essa imagem dessa foto na minha cabeça. Tinha cinco anos. Eu me lembro do dia em que ela morreu. Ela estava ardendo em febre, estava delirando também, xingava todo mundo, só ouvia os berros e gritos dela lá fora. Achei que nunca mais ia me lembrar disso, mas estou vendo a cena como se fosse ontem”(SIC). “Não me recordo da presença do meu pai neste dia, ele não aceitou a morte dela. Ele depois nos abandonou logo depois que ela morreu. Ele foi embora, sumiu do mapa” (SIC). Após a estagiária negociar o valor das sessões, a paciente diz: “Sim, o valor está ótimo, mas na semana que eu não tiver eu não virei. Mas eu vou ter sim, pode deixar que eu virei sim”. (SIC). Após esse episódio, paciente desmarca quatro sessões consecutivas. Diante dessa realidade, percebemos uma insistente resistência por parte da paciente. Freud (1913) nos informa que uma forte resistência adiantou-se, a fim de defender a neurose e que temos de aceitar o desafio e enfrentá-la. No artigo Lembrar, repetir e trabalhar através (1914) Freud alerta para o fato de que, quanto maior for a resistência, menor será a memorização e maior será a atuação. Freud neste texto acena que, quando a transferência se torna excessiva ou hostil, a resistência é que determina o material que será repetido. O paciente repete seus sintomas, como forma de afastar seu material do passado e mantê-lo firme ao presente, ou seja, repete para não recordar. Cabe ao analista dar tempo ao analisando, de aprofundar-se na resistência desconhecida, trabalhando através dela para superála e assim continuar com a análise. Este trabalho conjunto com o analisando não é fácil, e é uma prova de paciência para o médico, pois consiste em descobrir as moções pulsionais recalcadas, que 146 l Revista de Psicologia
alimentam a resistência, fazendo com que o analisando possa trabalhar através dessa resistência. Todavia, o instrumento principal que pode transformar a compulsão a repetição em lembranças reside no manejo da transferência. 3.CONCLUSÃO Podemos considerar que o analista tem que tomar o cuidado de perceber em que lugar o paciente o colocou para não repetir uma transferência negativa ocorrida na vida do sujeito, que possa culminar na interrupção da análise. Portanto, cada ato do analista tem que ter um efeito de corte, ou seja, tem que fazer o sujeito ir de contato ao seu desejo, pois o analista, não atendendo a demanda do analisante, deixando aparecer a falta e não dando resposta para as perguntas, fará com que o analisante se angustie, mas, consequentemente, produza algum saber sobre o seu desejo. Assim, o analista tem que ficar atento ao seu ato exercido sob transferência, para promover um efeito terapêutico para o paciente, fazendo com que o mesmo saiba como operar com sua pulsão no real, ou seja, em seus atos. Entendemos então que o manejo da transferência é o que faz a análise ser ou não bem sucedida. Ser psicanalista é ter o manejo da transferência e, acima de tudo, poder suportá-la. Dessa forma, a transferência é, em última instância, um feixe de repetições voltados maciçamente para uma mesma e única figura: a figura do analista. REFERÊNCIAS FREUD, Sigmund. (1912). A dinâmica da transferência. In: ______. O caso de Schreber artigos sobre técnica e outros trabalhos. Tradução de José Octávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago, 1969, p. 133-143. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 12) ______. (1913). Sobre o início do tratamento. (novas recomendações sobre a técnica da psicanálise I). In: ______. O caso de Schreber artigos sobre técnica e outros trabalhos. Tradução de José Octávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago, 1969a, p.164-185. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 12) ______. (1914). Lembrar, repetir e trabalhar através (Erinner, Wiederholen und duchaarbeiten). Trad. Ana Maria Portugal M. Saliba. Belo Horizonte, ALEPH, 2000, p. 01- 06. SILVESTRE, Michel. A Transferência. In: ______. Amanhã, a psicanálise. Tradução Ari Roitman. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 1991, p. 48- 81.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do 10º período do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professor supervisor de estágio do Centro Universitário Newton Paiva
3 O nome utilizado à paciente é fictício 4 Clínica-escola do Centro Universitário Newton Paiva
O adolescente e a crise do pai Soraia Rocha de Sousa1 Margaret Pires do Couto2 RESUMO:Este artigo apresentará o tema da adolescência e os possíveis conflitos existentes na relação com o pai, articulado com o atendimento clinico de um paciente na Clinica de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. Nesta perspectiva, serão apresentadas algumas visões de Freud e Freda em relação a este embaraço vivido pelo adolescente, e as saídas que ele poderá encontrar para superar esta crise. Palavras-chave: Crise, Adolescência, Pai, Desligamento.
Este artigo pretende discutir, segundo a perspectiva psicanalítica e a partir de alguns recortes dos atendimentos realizados com o paciente Carlos, na Clinica de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva, a crise que se instaura na relação entre adolescente e o pai. Buscará discutir a adolescência e a crise de identidade, também chamada por Hugo Freda de crise do pai, como um fator importante para que ocorra um desligamento com o mesmo. Os pais de Carlos se separaram quando a criança tinha 3 anos de idade. Após o nascimento do irmão, fruto de um segundo relacionamento da mãe, Carlos, com 7 anos, não quis mais morar com a mãe e foi morar com os avós maternos. Segundo a avó, posteriormente, a mãe separou-se novamente e, ao contrário do pai de Carlos, o segundo marido manteve contato e amistoso suporte ao irmão de Carlos. Isso provocou comparações por parte de Carlos, que não recebia a mesma atenção de seu pai. De acordo com FREDA (1992), na adolescência, ocorre uma modificação na função do pai, pois, ao mesmo tempo em que sua posição é valorizada, é também rejeitada. O adolescente busca sua autonomia e seu lugar no mundo, e neste contexto, a função paterna deverá ter também uma nova forma. Mas essa situação causa prazer e desprazer e faz com que o adolescente busque administrá-la através dos sintomas que estabilizarão os comportamentos e manifestações que surgem. No caso de Carlos, ele dizia ser revoltado com o pai, pois o mesmo passava meses sem o procurar, o que lhe causava muita insatisfação. Às vezes, o pai ligava, o chamava para ir ao seu encontro, mas Carlos se recusava, pois dizia não ser correto ele não estar sempre por perto ou procurá-lo com freqüência, fazendo o papel de pai. Mas, em outros momentos, Carlos aceitava-o e o colocava em grau de importância significativa em sua vida. Carlos tentava dizer para si mesmo o quanto o pai era ausente em sua vida cotidiana, buscando em outras atividades, suprir esta falta. Encontros com amigos, jogos on-line, futebol, eram algumas
formas encontradas por ele como substitutos do pai. Carlos se diz também muito revoltado com a escola onde estuda. Dizia não gostar dos professores e não ver sentido em estudar. Assim sendo, segundo Freud (1980), nas relações com os professores, cria-se uma relação de ambiguidade, pois amamos, odiamos, criticamos, respeitamos, admiramos, antipatizamos, simpatizamos, enfim, atitudes contraditórias baseadas em nossas relações infantis. É como se eles provocassem oposição, porque se revive uma submissão ocorrida na infância, mas, também, vivencia-se grande afeição por eles como vivenciada na infância. Segundo FREDA (1992), o enlaçamento social pode adquirir uma função especial para substituir a função do pai. As formas do Outro são constituídas por cada sujeito de um determinado jeito, e este Outro tem um nome que é preciso para cada sujeito. Para os adolescentes, muitas vezes não é possível nomear este Outro e, portanto, ele buscará nos laços sociais uma saída para esta instabilidade. Tudo gira em torno do lugar substituto do pai, como nos diz FREDA (1992), e é esta substituição e desligamento do pai que definem a nova geração. Isto implica em “fazer sem o pai”, mas sem deixar de colocar em evidência a sua importância, pois, sem ele, o desligamento não ocorre. A crise da adolescência, portanto, pode ser entendida como a crise do pai. O adolescente faz desta crise uma condição para o sujeito. Crise é decisão, então, precisa verificar se esta crise pode ser assimilável pela recusa. A recusa do adolescente pode ser entendida como uma produção da crise, ou uma forma de ocultar uma tentativa de fazer-se um pai, por este não ter funcionado inteiramente. Segundo Freud (1980), de todas as imagens da infância, sem dúvida nenhuma a do pai tem grande importância para o jovem adolescente. Tomando por base o mito grego de Édipo, um rapaz deverá amar seu pai, que é imagem do homem mais poderoso, o melhor, o mais sábio do mundo e o rapaz deverá ter nele o modelo a ser seguido. Mas, também existe outro Revista de Psicologia l
147
lado desta imagem, que é a de que o pai perturba, não deve ser somente imitado, mas também eliminado para que se tome seu lugar. Daí, surge a ambivalência emocional, oscilando entre impulsos afetivos e hostis em relação a este pai, sem que se possa anular um ou outro. Segundo Freud (1980), na segunda infância, a criança vislumbra um mundo exterior cheio de descobertas, mudando sua opinião em relação a este pai, fazendo assim, seu desligamento, o desligamento de seu ideal. Percebe que o pai não é o que ele esperava, e começa a ficar desapontado com ele. Esse desligamento, também necessário no desenvolvimento do jovem adolescente, ocorre surgindo ou transferindo para outros “pais” substitutos as expectativas não completadas pelo pai, como no caso dos professores. E após esta conquista e admiração por estes substitutos, também surge a hostilidade vivida com os pais na infância. Assim, estas experiências e comportamentos ambíguos por parte dos adolescentes em relação aos professores tornam-se compreensíveis e até desculpáveis. Carlos também se revoltava quando algo que queria fazer era impedido por sua mãe ou avós. Ameaçava sair da escola se não realizassem seus desejos e vontades, pois se sentia responsável suficientemente para decidir sobre sua vida e atividades. Em um determinado momento, Carlos demonstrou não querer mais continuar o tratamento na clínica. Isso aconteceu justamente após ele ter conseguido ir a um show que desejava muito e que precisou da ajuda do pai para conseguir ir. É possível que ele tenha conseguido se desvencilhar desse embaraço com o pai, quando o pai se fez presente, no momento certo para ele, tendo assim resolvido esta questão, fazendo o desligamento necessário do pai sem que este deixasse de ser importante em sua vida. REFERÊNCIAS FREDA, Hugo. Adolescência: o despertar. Rio de Janeiro: Kalimeros / Escola Brasileira de Psicanálise. Contra Capa, 1996. p. 182. FREUD, Sigmund. Algumas reflexões sobre a psicologia do escolar (1914). In: Obras completas. vol. XIII. Rio de Janeiro: Imago, 1980.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do 10º período do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professora supervisora do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva
148 l
Revista de Psicologia
Angústia e desamparo: um caso clínico Leve e sutil angústia que me embala nesta hora como uma navalha sobre a pele. Não chega a ferir,mas faz questão de me lembrar que sempre estará lá esperando...esperando... (Mind Evade) Tatiane dos Santos Valadares1 Geraldo Martins2 RESUMO: Neste artigo, abordaremos o tema da angústia na teoria freudiana de 1926. Esta pesquisa surgiu a partir de um atendimento realizado na clínica de psicologia da Newton Paiva. Susana procura a clínica após as especulações de seu filho mais novo sobre o pai, que não conhece. Tais indagações levam a paciente a recordar mágoas do passado, provocando angústia à futura analisanda. O tema será tratado a partir de uma perspectiva teórica e clínica da psicanálise. Palavras-chave: Castração, Objeto, Amor, Angústia, Desamparo.
Susana, 40 anos, chega ao consultório se queixando de estar muito angustiada, sem saber o que fazer da vida. Relata que passou por dois casamentos que deram origem aos seus dois filhos, um de dezenove anos e outro com 3 anos, cada um de um pai. Susana queixa-se do pai. Diz não ter uma boa relação com o mesmo. Reclama que este nunca a apoiou em nada na vida, sempre foi muito estúpido, ignorante e também sempre humilhou os filhos e a esposa. Sobre a mãe, diz que esta sempre aceitou as humilhações do pai, sempre obdeceu as ordens dele. Sobre os seus dois casamentos, relata que o primeiro marido a traiu, e ela decidiu então se separar. Já no segundo casamento, a paciente diz que quando estava grávida de sete meses, do seu filho mais novo, descobriu que o marido estava envolvido com drogas. Após essa descoberta, decidiu se separar e por este motivo o menino não conhece o pai. Atualmente, o menino de três anos está questionando sobre o pai, pedindo para conhecêlo. Tal questão a esta deixando muito angustiada. Durante todos os atendimentos, Susana relata estar muito angustiada com relação ao que dizer ao filho, uma vez que ela não quer falar quem é seu verdadeiro pai, pretende manter distância do mesmo. E mesmo dizendo que foi ela quem se separou do marido, em um dos atendimentos, Susana diz que “ele me abandonou quando o bebê nasceu, me abandonou, me deixou desamparada, completamente sozinha, e isso me deixa angustiada até hoje, sinto um grande aperto no peito ao pensar que fiquei sozinha”. De acordo com Freud (1926), a angústia é a reação original ao desamparo no trauma, estando na origem do recalque. Articulando-se, dessa forma ao complexo que estrutura os destinos
da vida sexual do sujeito: o complexo de castração. Freud (1926) de acordo com Rocha (2000), a partir de sua reformulação teórica da angústia, nos diz que os estados afetivos, como a angústia, são vistos como sedimentos de vivências traumáticas muito antigas, que, quando revividas em situações análogas, são relembradas como símbolos mnésicos da vivência traumática originária. A vivência traumática originária é colocada por Freud (1926) como sendo a base para o surgimento da angústia ao longo da vida do ser humano. Sustenta tal colocação ao teorizar acerca da angústia originária e desamparo. Por causa da imaturidade biológica do ser humano, o fenômeno do nascimento é vivido como uma experiência de desamparo, na qual o recém-nascido é inteiramente incapaz de poder ajudar a si mesmo, no que concerne à satisfação de suas necessidades vitais. Freud (1926) de acordo com Rocha (2000) acredita que surja neste momento o primeiro traço da vivência da angústia originária, uma vez que existe uma experiência traumática vivida pelo bebê perante ao desamparo. A angústia será repetida e remodelada a partir de experiências traumáticas ao longo da vida do ser humano, constituindo-se posteriormente nas sucessivas experiências em que se desdobra, como na verdadeira experiência de separação, em que ocorre a perda do objeto materno, estando na angústia de castração sua expressão mais significativa. É perante a castração que a angústia será repetida e reformulada com grande significância. Freud (1926) propõe a angústia como uma noção de perigo, estando assim localizada antes do recalque, precursora deste. Por ter medo da angústia que o hoRevista de Psicologia l
149
mem recalca seus desejos inconscientes, quando estes representam uma situação ameaçadora para o ego (eu). Freud (1926) observa que a angústia possui “uma inegável relação com a expectativa: é angustia por algo. Tem uma qualidade de indefinição e falta de objeto. [...] Além de sua relação com o perigo, a angústia tem uma relação com a neurose.” ( FREUD,1926, p.189). Explica dessa forma, que o verdadeiro perigo é um perigo conhecido, sendo esta denominada por Freud (1926) de angústia realística. Já a angústia neurótica é gerada por um perigo desconhecido, que precisaria ser descoberto. Freud (1926) dirá que a angústia neurótica refere-se a um perigo pulsional. Ambas podem trabalhar juntas, uma dando sinal a outra, para que se evite a angústia original. Em um processo de autopreservação, prever uma situação traumática que acarrete desamparo é de grande importância ao homem ao invés de apenas esperar que a mesma ocorra. Freud (1926) atribuirá, assim, a angústia sentida pelo eu, uma modalidade de um sinal para que se evite a angústia original, que paralisaria o eu. E exemplifica dizendo que na expectativa de um perigo: [...] O sinal de angústia é emitido. O sinal se anuncia:‘estou esperando que uma situação de desamparo sobrevenha’ ou ‘A presente situação me faz lembrar uma das experiências traumáticas que tive antes. Portanto preverei o trauma e me comportarei como se ele já tivesse chegado (FREUD, 1926, p.191). Assim, a angústia pode ser vista por um lado como uma expectativa de um trauma e por outro como uma repetição dele de forma branda. Freud (1926) teoriza que a angústia possui dois traços de origem diferente, uma vez que “sua vinculação com a expectativa pertence à situação de perigo, ao passo que sua indefinição e falta de objeto pertencem à situação traumática de desamparo-a situação que é prevista na situação de perigo” (FREUD, 1926, p. 191). O eu que antes experimentou o trauma passivamente, ao identificar a situação de perigo, repete ativamente como forma de defesa a vivência do trauma de forma enfraquecida, por meio da expectativa de angústia, tentando ele próprio dirigir seu curso. É interessante lembrarmos, nos salienta Freud (1926), que há um deslocamento da angústia de sua origem na situação de desamparo para uma expectativa desta, ou seja, para a situação de perigo e “depois disso vêm os deslocamentos ulteriores, do perigo para o determinante do perigo–perda do objeto e das modificações dessa perda” (FREUD, 1926, p.192) Freud (1926) verifica que a “[...] angústia vem a ser uma rea150 l
Revista de Psicologia
ção ao perigo de uma perda de objeto.” (FREUD, 1926, p. 194). Uma vez que se percebe que a criança, quando separada da mãe, em certos momentos de ausência da mesma, não consegue ainda distinguir entre a ausência temporária e a perda permanente da mãe, vivendo esta experiência como uma situação traumática. E quando este fato ocorre, a criança não simplesmente demonstra angústia, mas também parece sentir dor. Assim “o primeiro determinante da angústia, que o próprio eu introduz, é a perda de percepção do objeto.” (FREUD, 1926, p.195). Sendo esta perda de objeto protótipo das repetições de angústia na vida do homem. Freud (1926) relaciona também o sentimento de dor à angústia ao dizer que “a dor é a reação real à perda de objeto, enquanto a angústia é a reação ao perigo que essa perda acarreta, e por um deslocamento ulterior, uma reação ao perigo da perda do próprio objeto” (FREUD, 1926, p.196). Dessa forma, deixa claro que o sinal de angústia que surgirá nas prováveis separações com que o sujeito se depara no decorrer da vida será revivida como a possível perda do objeto primordial. A partir das considerações de Freud (1926) sobre a angústia, podemos agora retomar o caso em questão neste artigo. Pode-se perceber que a angústia relatada por Susana frente ao abandono do ex-marido pode ser vista como sedimentos de vivências traumáticas muito antigas, como uma vivência análoga ao desamparo no trauma originário do sujeito. A paciente se depara com algo do real que a remete a traços mnémicos do trauma frente ao desamparo. Isto é, ocorre, pois a instância do eu da paciente, reconhece neste ponto do real, algo que já experimentará em vivências antigas. O possível abandono do ex-marido faz o eu repetir ativamente como forma de defesa a vivência do trauma de forma branda, através da angústia sinal, esperando ele mesmo conduzir a situação de perigo. A perda do objeto de amor é vivida pela criança como um trauma. Dessa forma, Susana frente à ruptura de seu relacionamento se sente desamparada e sozinha, como um bebê sem seu objeto de amor. Tal vivência real é sentida como uma dor, como ela mesma relata: “aperto no peito”, que possui como reação ao perigo da perda do objeto de investimento, a angústia sinal. A angústia sentida por Susana ilustra claramente que a angústia apresentasse frente as possíveis separações que o sujeito se depara no decorrer da vida. REFERÊNCIAS FREUD, Sigmund.(1926).Inibição, Sintoma e Angústia. In:________. Um estudo autobiográfico. 1 ed. Rio de Janeiro: Imago, 1976, 95-201p. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 20). ROCHA, Zeferino. A reformulação da teoria freudiana. In:_______. Os desti-
nos da angústia na psicanálise freudiana. 1. ed. São Paulo: Escuta, 2000, 95-156p
NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professor Supervisor do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva
Revista de Psicologia l
151
Um caso de homossexualidade masculina “O que mais odeio é gente complicada e preconceituosa, hipocrisia e ser acordado. Nenhuma outra coisa consegue ser pior do que isso”. - Cazuza Vanessa Bruno da Silva1 Geraldo Martins Majela2 RESUMO:Este trabalho abordará questões e conceitos psicanalíticos sobre a homossexualidade masculina com o objetivo de relacionar esta teoria com o caso clínico atendido na Clinica de Psicologia Newton Paiva. Palavras-chave: Sexualidade, Homossexualidade, Masculino, Complexo de Édipo.
Neste artigo, buscaremos abordar os conceitos psicanalíticos a respeito da homossexualidade masculina, baseando-nos nos atendimentos realizados na Clínica de Psicologia Newton Paiva, no segundo semestre de 2010, sob a supervisão do professor Geraldo Martins Majela. O fragmento clínico apresentado será identificado como Pedro para manter a privacidade do paciente em questão. Pedro, 25 anos, solteiro, reside com os pais e uma irmã mais nova. Possui também mais dois irmãos casados e dois sobrinhos que ainda são bebês. O paciente relata que todos da família, com exceção dos pais, sabem que ele é homossexual. O mesmo não contou aos pais e disse ser um momento muito difícil; acha que nunca vai contar. Depois de realizados dez atendimentos na Clínica de Psicologia Newton Paiva, uma de suas queixas em tratamento é o preconceito vivido por ser homossexual, e outra queixa é o medo de viver este preconceito, pois sua aparência não diz de sua sexualidade, mas, em momentos em que está em ambientes externos, na companhia de outro homem, sente-se muito exposto e sofre por medo de pessoas conhecidas o verem e julgá-lo. Pedro conta que seu relacionamento com a mãe é muito bom. Ele zela muito por ela, e eles conversam muito um com o outro. Sua mãe diz que até ela completar sessenta anos vai resolver uma coisa em sua vida que está mal resolvida, Pedro já tentou perguntar a ela o que é, mas não consegue descobrir. Mas ele diz saber que é sobre ele. Pedro diz que ele e a mãe são muito ligados e acha que ela vai perguntar se ele é gay. Vai ser muito difícil, diz Pedro. Com o pai, Pedro diz não se relacionar muito bem. Isso vem de sua escolha profissional. Seu pai queria que ele fizesse medicina, mas tentou vestibular algumas vezes e não passou. Depois 152 l
Revista de Psicologia
o pai queria que ele trabalhasse na empresa dele, mas Pedro não aceitou e foi para Londres, ficou lá alguns meses, fez curso de culinária e, quando voltou, continuou na área de gastronomia. Seu irmão aceitou trabalhar com seu pai e, com isso, Pedro sente que o irmão é mais beneficiado que ele. Pedro diz sentir-se inferior dentro de sua própria família pela questão de não trabalhar com o pai e não receber dele os mesmos benefícios materiais e afetivos. Outra questão que Pedro traz em seus relatos é a falta de confiança nas pessoas. Ele sempre diz estar com um pé atrás. Que as pessoas são interesseiras e não amigas, e isso faz com que ele não sinta confiança nas pessoas e ache que ninguém gosta de homossexuais, ele sempre diz que, por mais que a sociedade aceite o homossexual, ele acha que não é verdade, nunca acredita. Há quatro sessões, Pedro não comparece, pois está com um quadro de anemia profunda e devido a isso se encontra internado para tratamento médico. Após uma breve descrição do caso apresentado, pretende-se analisar a questão da homossexualidade sob a perspectiva da Psicanálise. A homossexualidade masculina é uma questão extremamente complexa, com a qual a prática psicanalítica é levada a se deparar sob diversas formas e em contextos variados (ANDRE, 1995, p.113). Em “A dissolução do complexo de Édipo” de Freud, vimos que o complexo de Édipo é o fenômeno central da primeira infância e, após esse período, a criança entra num outro determinado período chamado de Latência, em que ela fica até a adolescência. Segundo o autor, o complexo de Édipo está fadado a acabar, a ir em direção a uma destruição, a uma falta de sucesso, o que é causado por impossibilidades internas, passando logo
para a fase seguinte, no caso o período de Latência. É nesse período que a sexualidade está de certa forma adormecida e voltará à tona na puberdade, quando o órgão genital já tiver assumido o seu papel principal. “Esse processo introduz o período de latência, que agora interrompe o período de desenvolvimento sexual da criança” (FREUD, 1923, p.221). O Édipo é vivenciado de forma diferente entre os meninos e as meninas. A transformação do complexo de Édipo do menino é imposta quando ocorre a visão do órgão genital da menina. Násio (1989), em “Os sete conceitos cruciais da psicanálise”, explica que para o menino o pênis é ameaçado, isso ocorre porque os meninos negam a falta do pênis, acreditando estar vendo o mesmo, considerando que ele ainda é pequeno e que irá crescer brevemente. Ainda citando Násio (1989, p.23), a falta do pênis é concebida como o resultado de uma castração, e o menino vê-se então obrigado a se confrontar com a relação entre a castração e sua própria pessoa. Freud (1975), em seu texto “O desenvolvimento da função sexual”, diz que apesar da opinião predominante a respeito da vida sexual humana consistir essencialmente na busca do contato do próprio órgão sexual com o de alguém do sexo oposto, constitui fato notório e marcante que existem pessoas que só são atraídas por pessoas do mesmo sexo e pelo genital deles. No caso de Pedro, esse fato é observado em seus relatos de relacionamentos com outros homens. Pedro, em seus relatos, se diz muito apegado à mãe, e demonstra uma grande admiração pela mesma. De acordo com Andre (1995), encontramos nos homossexuais masculinos, na falta de atração erótica, um respeito muitas vezes exagerado pela mulher, especialmente pela mãe. Pela vertente dessa reverência pela mãe, pode-se interrogar o lugar e a função da homossexualidade na cultura. Andre (1995) em “A impostura perversa” relata que uma das primeiras coisas que os homossexuais dizem é que não se sentem como “todo mundo”. Na verdade, não se reconhecem dentro do discurso geral e consequentemente não se sentem à vontade dentro do vínculo social instituído por esse discurso. Percebe-se esse fato na fala do paciente quando diz que não confia nas pessoas e que por mais que a sociedade diga que aceita o homossexual, ele acha que não é verdade, nunca acredita, acha que todas as pessoas são homofóbicas. A homossexualidade masculina, cuja existência perdurou através dos séculos, agora faz suas proposições e suas exigências serem ouvidas no discurso do mal estar da nossa civilização, com a ênfase do recalcado, a ponto de chegar, em alguns lugares, a formar um verdadeiro sintoma da civilização. (ANDRE, 1995, p. 115)
Pedro vive esta experiência em suas relações familiares e sociais, se sentindo inferior aos demais. Para ele, dizer-se homossexual ou não é fazer-se sujeito de um discurso para, em seguida, interrogar a coincidência ou a distância entre este discurso e o ser do sujeito. Como dito anteriormente, Pedro encontra-se ausente das sessões por motivo de internação, e aguardamos seu retorno para dar continuar á sua análise. REFERÊNCIAS ANDRE, Serge. A homossexualidade masculina e a cultura. In: ______. A impostura perversa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995. FREUD. Sigmund (1937). O Desenvolvimento da Função Sexual. In:______. Moisés e o Monoteísmo. Esboço de psicanálise e Outros Trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1975. p. 177 a 181. (Edição Standart brasileira das obras psicológicas de Sigmund Freud, 23). NASIO, Juan David. O conceito de Castração. In: ______. Os sete conceitos cruciais da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1989. Cazuza. Disponível em: <http://pensador.uol.com.br/autor/Cazuza/4/>. Acesso em: 20 nov.2010.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do 10º período do Curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professor Orientador do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva
Revista de Psicologia l
153
Ofensa sexual e violência intrafamiliar contra a mulher Violência é toda ação que desconsidera a legitimidade da diferença e que tenta impor ao outro uma realidade - BAKMAN.
Viviane Cristina Felizardo Martins1 Genilce Rodrigues Cunha2 RESUMO: Este artigo tem como objetivo propor uma reflexão acerca do forte impacto causado pela violência e pela ofensa sexual praticada contra a mulher, bem como mostrar a importância da realização de um acompanhamento psicológico tanto para a pessoa que sofre a violência ou a ofensa sexual quanto para a pessoa que pratica o ato. Palavras-chave: Mulher. Ofensa sexual, Violência, Terapia familiar sistêmica.
Atualmente no Brasil e em todo o mundo, os temas ofensa sexual e violência contra a mulher têm sido evidenciados. Pesquisar as condições familiares que possibilitam a permanência de uma pessoa que pratica a ofensa sexual contra um ente querido dentro de casa não é uma tarefa fácil. A ofensa sexual pode ser cometida por pessoas próximas da família (pai, mãe, tios, primos, vizinhos etc.) ou estranhas. O pensamento sistêmico é um novo paradigma para a ciência, uma visão de mundo, que amplia os conceitos de família e a definição de sistema. Sendo assim, abordar a violência e a ofensa sexual dentro da família - segundo uma perspectiva sistêmica proporciona a criação de condições para auxiliar as pessoas que são vitimas da ofensa, mas permite também criar condições para um trabalho na busca da reabilitação do ofensor, pois cabe ressaltar que o ofensor pode ser um membro da família e uma figura importante no desenvolvimento emocional da pessoa ofendida. A partir da visão sistêmica, pensar sobre a violência sexual é se propor a uma reflexão de forma relacional. Bowlby (1987, citado por Aun, 2001) pondera que o caminho é compreender o comportamento das pessoas que praticam o ato, tendo como base uma investigação da infância que eles tiveram e tentar ajudá-los. Um episódio de violência poderá, simultaneamente, gerar uma repetição transgeracional, já que os filhos desses pais podem também maltratar e rejeitar, perpetuando o ciclo de violência da família. A relação familiar necessita do apoio psicológico para buscar o equilíbrio das dificuldades existentes. Todos precisam aprender seu papel dentro do sistema familiar. A busca para esse equilíbrio é intensa, e a participação de todos para a reorganização do sistema familiar tem que ser fortalecida com a ajuda de todos os membros da família. O bem-estar familiar e o bem-estar indi154 l
Revista de Psicologia
vidual são peças fundamentais para permitir o desenvolvimento de cada membro. De acordo com Bakman et al. (2008) existem muitos fatores que levam uma pessoa a cometer um ato de violência ou ofensa sexual contra um ente querido. Existem fatores individuais, como histórico de violência na família de origem; relacionais; como instabilidade no casamento, comunitários; como uma rede social precária; isolamento; e ainda, sociais, como valores patriarcais, machistas, muito arraigados. Sabemos que nenhum desses fatores sozinhos é capaz de desencadear a violência dentro de casa, porém, quando mais de um deles está presente, constrói-se um contexto propício e vulnerável (BAKMAN et al .2008. p. 499). Sendo assim, pode-se entender a violência como um processo de interação que permite a ocorrência de um ato agressivo entre duas ou mais pessoas. Em contrapartida, nada justifica um ato de violência, seja ele de qualquer natureza. Ainda de acordo com os autores acima citados, os modelos educacionais contribuem de certa forma para a ocorrência de atos violentos, pois geram uma hierarquização na posição social ocupada pelas pessoas. Muitas pessoas, sendo homens ou mulheres, foram educadas numa cultura de origem patriarcal, em que o machismo imperava soberanamente, acreditando-se que os castigos físicos eram a única forma de educar um filho e como forma de coerção; sem levar em conta que essa forma de criação afastava as pessoas e criava um ambiente cheio de hostilidade e distante dos valores afetivos.
É recorrente os pais terem a percepção das atividades inadequadas dos filhos como atos estigmatizados de mau comportamento. Porém, quando compreendidas dentro do sistema, essas atitudes adquirem outra face. Pode ser uma forma de manifestar a sua falta de espaço, a pouca compreensão, o afeto que parou de receber de seus pais, a luta por um lugar entre os irmãos, um reconhecimento pelo pai, um posicionamento diante da briga do casal parental. Quando há briga entre os filhos, é possível que os pais legitimem, sem perceber, essa forma de tratamento entre os irmãos e incentivem a violência como forma de relacionamento. Por exemplo, quando desde pequena a criança recebe palmadas para ser “educada”, concomitantemente, os pais passam a mensagem de que bater é uma maneira de dar limite aos outros. Aos poucos se cria uma cultura de que a violência é uma forma possível, costumeira e aceitável de resolver os conflitos (BAKMAN; et al, 2008. p. 502). Segundo Werner (2009), a ofensa sexual intrafamiliar é considerada uma traição, pois o ofensor rompe com toda a esperança de proteção, confiança, cuidados, trato, aconchego, deveres e fidelidade no grupo familiar. A pessoa que ofende sexualmente a quem deveria proteger trai a si mesmo e aos demais membros da relação familiar. Trai a si mesmo quando inverte o lugar de cuidador para ofensor, colocando em situação de risco todo o significado de relação familiar confiável, sendo assim, acaba rompendo com os sonhos de manter a família unida e emocionalmente estável. Ocorrendo a deflagração de um caso de ofensa sexual, deve-se encaminhar para a terapia toda a família e não somente a pessoa que sofreu o ato. Werner (2009) acrescenta que a dor da pessoa que sofre a ofensa sexual é facilmente entendida, pois seu corpo foi violado; além das lesões do corpo, ocorre uma lesão psicológica profunda e, ao mesmo tempo, que é fácil entender a dor da pessoa ofendida, não se tem como quantificar essa dor, mas é sabido que o sofrimento causado pela quebra do vínculo, da confiança, do respeito, da segurança e do cuidado está fortemente presente. Mesmo que o ato do ofensor tenha ocorrido por uma única vez, sendo na forma de masturbação ou de coito, o trauma se estabelece em relação à perda da confiança da mesma forma. O autor ainda fala que a dor do ofensor não é tão evidente, e por mais difícil que seja, é importante enxergar ofensor como alguém que está emocionalmente doente, sendo assim, precisa ser ajudado, pois o seu centro regulatório do comportamento não funciona como o esperado, sendo então necessário construir mecanismos regulatórios de conduta para que ocorra a reinserção
do mesmo no convívio com a família e com a pessoa ofendida. No entanto, enquanto essa reconfiguração do comportamento não ocorre, é de extrema importância que as pessoas envolvidas se mantenham distantes fisicamente. A constatação de situações transgeracionais de ofensa sexual nas famílias reforça a necessidade da mudança da nomenclatura, a fim de que comecemos um novo discurso verbal, na esperança de que ele influencie práticas sociais diversas das que hoje temos em relação ao incesto (WERNER, 2009. p. 367). O trabalho terapêutico para, ajudar as pessoas que foram vitimas de ofensa sexual ou violência intrafamiliar, tem que contar com a ajuda de outros profissionais. É por meio de um trabalho multiprofissional que as pessoas envolvidas terão condições de ajudar a modificar as condições existentes e arraigadas na estrutura familiar. Na atualidade, há uma crescente pré-disposição para considerar atos bárbaros como normais. Os fenômenos sociais (como a violência) estão sendo mal solucionados e tratados como “normais” ou “aceitáveis”. O papel do psicólogo é, também, criar mecanismos para a sociedade questionar e se mobilizar na solução desses problemas. REFERÊNCIAS AUN, Juliana Gontijo. Contexto de Violência e Abordagem Sistêmica. Um Panorama e um Relato de um caso de Terapia. Revista Devir. Esquizoanálise e seus Encontros. Volume I, nº 1, abr. 2001. Belo Horizonte. p. 92 - 115. BAKMAN, Gizele; et al. Busca de recursos terapêuticos na clínica com famílias em situação de violência intrafamiliar e de gênero. In. MACHADO, Rosa Maria S. Terapia familiar na última década. São Paulo: Roca, 2008. p. 499-504. WERNER, Maria Cristina Milanez. Famílias em situação de ofensa sexual. In. OSÓRIO, Luiz Carlos; VALLE, Maria Elizabeth Pascual do (orgs.). Manual de terapia familiar. Porto Alegre: Artmed, 2009. p. 366-375.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Aluna do 10° período do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva
Revista de Psicologia l
155
“Eu não quero saber” Welber de Barros Pinheiro1 Margaret Pires do Couto2 RESUMO: A elaboração deste artigo teve como objetivo fazer uma leitura psicanalítica a partir de fragmentos de um caso clínico de queixa escolar, sob o viés da inibição intelectual em relação ao âmbito institucional. Este artigo foi apresentado como pré-requisito da conclusão do estagio supervisionado VII, sob a supervisão da Professora Margaret Pires do Couto. Palavras-chave: Inibição, Inibição Intelectual, Pulsão de saber, Queixa Escolar.
INTRODUÇÃO Alguns estudos sobre a queixa escolar revelam que 50% a 70% das crianças e adolescentes encaminhados aos serviços públicos de saúde têm como queixa dificuldades de aprendizagem ou problemas de comportamento na sala de aula ou fora dela (Machado, 1991; Souza, 1993). Pode-se entender como queixa escolar o conjunto de representações surgidas no ambiente escolar, que estão em torno dos problemas de aprendizagem (SOUZA, 2004). A queixa escolar vai apontar para as diferenças individuais com as quais a escola, dentro do seu plano pedagógico, muitas vezes não consegue lidar. O fracasso escolar funciona como um dispositivo de exclusão escolar, é, portanto, social, já que coloca o aluno fracassado ou alvo de queixa escolar num lugar diferenciado em relação aos demais no seu contato social. Fernandes aponta que: O ato diagnóstico pela via das classificações aparece na escola como forma de imputar responsabilidade aos indivíduos e como estratégia que facilita a discriminação entre normais e anormais a partir de critérios que, pretensamente, fugiria a compreensão do educador (FERNANDES, 2009, p. 122). Para exemplificar de que forma a escuta analítica pode proporcionar uma nova resposta diante das questões sobre as dificuldades escolares, a seguir serão mencionados fragmentos de um caso clínico sob o viés da inibição intelectual. Ana3 tem nove anos de idade, está matriculada regularmente na terceira série, porém assiste às aulas na turma de segunda série. Segundo a diretora, tal medida foi efetuada visando à aprendizagem da aluna, pois a escola não poderia retê-la novamente na mesma série conforme o sistema vigente. Ana, diante de tal impasse, foi encaminhada para a Clínica de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva, através de 156 l
Revista de Psicologia
um pedido da escola. De acordo com o relato da escola, Ana não aprende o que é ensinado em sala de aula e quando o faz esquece rapidamente o que foi ensinado. Apresenta-se de forma violenta com os colegas e tem um histórico de dificuldades em se relacionar socialmente. Levando em consideração o histórico escolar de Ana, o que pode estar acontecendo para que ela não esteja se desenvolvendo intelectualmente como as outras crianças de sua classe? Freud (1905) dirá que no mesmo momento em que a vida sexual das crianças atinge seu primeiro ápice, (idade compreendida entre três e cinco anos de vida), observa-se também sinais que podem ser denominados como Pulsão de saber ou Pulsão de pesquisa. Freud prossegue dizendo que: Não é por interesses teóricos e sim por interesses práticos que as atividades de pesquisa começam a desenvolver-se nas crianças. A ameaça ás bases da existência de uma criança oferecida pela descoberta ou suspeita da chegada de um novo bebê e o medo de que ela possa, como conseqüência disto, deixar de ser cuidada ou amada, tornamna pensativa e perspicaz [...] o primeiro problema com que se defronta não é a questão da distinção entre os sexos, mas o enigma sobre a origem dos bebês. (FREUD, 1905, p. 200) A partir da incidência do recalcamento que ocorrerá por volta do sexto ano de vida, a atividade intelectual, em função de uma precoce ligação com a pulsão sexual, poderá encontrar três destinos. O primeiro deles é a inibição do pensamento, o segundo a compulsão neurótica a pensar e a terceira a sublimação. (SANTIAGO, 2005) A sublimação é o destino mais desejado à atividade intelectual, uma vez que, na sublimação, o recalque atua impedindo o
sexual e deixando o caminho livre ao intelectual. “Assim, o pensamento pode agir em um espaço praticamente dessexualizado, livre, portanto, do domínio da investigação sexual infantil e a serviço dos interesses intelectuais”. (SANTIAGO, 2005, p. 130) Surge então uma indagação sobre o que pode estar acontecendo com Ana, já que até o momento ela não dá sinais de sublimação? Embora as respostas ainda sejam nebulosas, cabe verificar a história de Ana conforme a seguir. O nascimento de Ana foi prematuro, de sete meses, e Carmen, sua mãe, só ficou sabendo de sua gravidez após uma internação. Carmen era alcoólatra e por volta dos cinco meses de gestação, ingeriu boa quantidade de acetona, sendo internada logo após. Devido a essa internação, descobriu-se que Carmen estava grávida de cinco meses. Segundo consta em seu relatório médico, Ana nasceu impregnada de álcool e com uma suspeita de síndrome alcoólica fetal, além de recomendações médicas para acompanhamentos das especialidades de oftalmologia, cardiologia e neurologia. Ana faz acompanhamento oftalmológico, porém nunca fez acompanhamento neurológico e nem acompanhamento pediátrico. Portanto, seus exames são bem antigos, sendo que um deles aponta um sopro no coração. Todos esses dados médicos só vieram à tona após o falecimento do pai, quando sua tia paterna, Márcia passa a assumir a responsabilidade por esses acompanhamentos. Márcia é quem leva Ana aos atendimentos e mostra-se muito preocupada e empenhada com a sobrinha. A tia zelosa relata seu incômodo com a escola de Ana, ao dizer que apesar de todos a tratarem muito bem, ela não gostou do que escutou de uma professora certo dia. De acordo com essa professora, Márcia deveria se informar melhor sobre o caso da sobrinha, pois Ana, com certeza, necessitaria de uma pensão vitalícia, uma vez que ela, pela sua condição atual, já teria feito até muita coisa. Em uma reunião com a presença do terapeuta, da professora e da diretora da escola de Ana, percebeu-se que, a pedido de Márcia, a escola havia mudado sua postura com Ana. Não estavam mais a chamando de Aninha e segundo a professora, eles têm tentado cobrar mais dela, porém a professora relatou estar muito desanimada, que já tentaram de tudo para que Ana aprenda, mas não conseguiram bons resultados. Apesar disso, segundo a diretora, Ana mudou seu relacionamento pessoal com os outros alunos, diminuindo muito os episódios de agressão física. Santiago (2005) nos apresenta a clínica da inibição, a partir da leitura lacaniana de objeto causa de desejo. Ao invés de ressaltar o bloqueio da função no funcionamento psíquico, como Freud (1925) o fez, Lacan irá privilegiar a função do desejo, que ao ter sua causa bloqueada, desencadeará uma série de efeitos sintomáticos no sujeito, dentre eles a inibição intelectual.
O elemento conceitual que servirá de base para pensar o agir do sujeito nesta concepção, diz respeito à noção de objeto causa de desejo, que se refere ao complexo de castração. O objeto causa de desejo é fundamentalmente entendido como o responsável pela organização e pela regulação do sujeito perante o mundo. (SANTIAGO, 2005) Numa tentativa de evitar a verdade da castração, o sujeito vê-se identificado ao objeto que falta ao outro, lugar este que irá privar o sujeito de sua função causa de desejo. Parece ser diante deste impasse que Ana se encontra, no lugar de objeto do outro. Márcia relatou em sessões posteriores que Ana foi um milagre de Deus. Ninguém achou que ela nasceria com vida ou acreditava que ela poderia também andar. Isso fez com que a tia retificasse o fato de que ninguém nunca apostou em Ana. Porém Márcia descreve o pai de Ana como alguém que sempre a protegeu e a mimou demais e que na escola não foi diferente. Pode-se dizer que a função primordial do pai, enquanto um suporte simbólico de separação entre a mãe e o filho, é a de não permitir que a mãe faça de sua criança seu objeto de gozo, que o coloque na posição de objeto. O que se percebe no caso de Ana foi que este pai não promoveu de forma contundente esta separação simbólica, que separa e castra o sujeito. Ana parece estar identificada ao lugar de objeto do Outro, o que, por sua vez, justifica sua postura inerte e inibida, não só na escola, mas em sua vida como um todo, como ela mesma diz “eu não quero saber”. A investigação médica de Ana, agora, está sendo acompanhada pela tia e pela escola. A aposta nesta investigação consiste em não desconsiderar as reais condições de saúde em que Ana nasceu, mas por outro lado não deixar que Aninha fique presa a um diagnóstico médico. A escuta analítica tem aos poucos proporcionado a Ana uma nova possibilidade de resposta diante do Outro. Ana tem se mostrado mais concentrada e mostra-se envergonhada por “não saber” ler. E é nesta direção que o caso segue apostando que a escuta analítica, enquanto uma escuta do que há de mais particular do sujeito, possibilite a Ana uma nova forma de resposta diante do enigma do desejo do Outro. Portanto a intenção deste artigo não é terminá-lo com uma mera conclusão, mas buscar entender diante de uma questão: como pode a psicanálise intervir de forma ética e contundente nas frequentes violências deferidas contra os sintomas das crianças ditas “problemas”? Qual é o lugar do analista empenhado na problemática da queixa escolar “na” ou “da” instituição? REFERÊNCIAS FREUD, Sigmund. Inibições, sintoma e ansiedade (1925). In: _______. Um estudo autobiográfico inibições, sintomas e ansiedade a questão da anáRevista de Psicologia l
157
lise leiga e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1976. p. 95-201. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 20). _____. (1905). Três ensaios sobre a sexualidade. In: _______. Fragmentos da análise de um caso de histeria, três ensaios sobre a sexualidade e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1980. p. 123-252. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 7). FERNADES, Júlio Flávio de Figueiredo. O educador e as nomeações psicopatológicas do mal estar contemporâneo. In: BRITO, Vera Lucia Ferreira Alves. (Org.). Professores: identidade, formação e profissionalização. 1 ed. Belo Horizonte: Argumentum, 2009. p. 119-137. MACHADO, M. A. Inventando uma intervenção na escola pública. Dissertação de mestrado não-publicada. São Paulo: Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, 1991. SANTIAGO, Ana Lydia. A inibição intelectual na psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. p. 229. SOUZA, M. P. R. Psicólogos na Saúde e na Educação: a busca de novos caminhos na compreensão da queixa escolar. In: Insight: 1993. Psicoterapia, 13, p. 25-27, SOUZA, Marilene Proença. A Queixa Escolar e o Predomínio de uma visão de Mundo. In: ALMEIDA, Sandra Francesca Conte de (org). Psicologia Escolar: em busca de novos rumos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004. p.19-38.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmico do 10º período do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 3 Todos os nomes aqui utilizados foram alterados para preservar a identidade dos clientes
158 l
Revista de Psicologia
Considerações acerca da importância da profissionalização de pequenas empresas familiares Heloisa Cristina Vieira de Andrade1 Denise Leitoguinho Rossi2 RESUMO: Este artigo objetiva discutir os resultados obtidos na pesquisa de clima organizacional, realizada em uma empresa de pequeno porte do ramo de blocos e artefatos de cimento, durante a prática de estágio V – Psicologia no Trabalho. De acordo com os resultados obtidos, faz-se uma contextualização teórica sobre profissionalização de pequenas empresas familiares, chegando-se à conclusão de como esse processo é fundamental para que a empresa pesquisada consiga se manter no mercado atual. Palavras-Chave: Clima Organizacional; Profissionalização; Pequenas empresas familiares.
1. INTRODUÇÃO Este trabalho pretende mostrar o resultado da pesquisa de clima organizacional realizada em uma empresa de pequeno porte do ramo de blocos e artefatos de cimento, no segundo semestre de 2010, durante a prática do estágio de Psicologia do Trabalho II, que estabelece os indicadores para o Diagnóstico de Clima Organizacional. Tem-se por objetivo identificar o estado atual da empresa, levando em consideração aspectos humanos e comportamentais do trabalho e realizar intervenções de acordo com os resultados.
Para obtenção dos dados, aplicou-se o Questionário de Diagnóstico Organizacional (QDO)3 e realizou-se entrevistas com os seis funcionários e com o proprietário da empresa, o que possibilitou a coleta de dados referentes à história da organização e aos cargos ocupados, como função, perfil do cargo e sugestões de melhorias. Em geral, os indicadores avaliados no Diagnóstico Organizacional, por meio do QDO, apontaram para uma boa satisfação dos colaboradores da empresa, como se observa no gráfico a seguir:
Fazendo uma análise quantitativa dos indicadores, constatase, de forma geral, que a pesquisa de clima realizada apresenta resultado favorável, porém nas entrevistas individuais, que nos dão suporte para a análise qualitativa e entendimento das particularidades do negócio, o que se percebe é que a empresa pesquisada necessita de ter suas estratégias e ideais renovados. Cabe destacar que a empresa pesquisada é de pequeno porte e familiar, sendo os cargos administrativos ocupados pelo marido, que é o proprietário, pela esposa e pela filha. Por ser familiar,
observa-se a necessidade de que ela passe por um processo de profissionalização para que o seu negócio cresça e se torne mais competitivo na região em que atua. Após a realização do diagnóstico, viu-se, juntamente com o proprietário, a importância de desenhar um plano de ação com o objetivo de gerar melhorias significativas no negócio, como pode ser visto a seguir: - Construção e Implantação do Planejamento Estratégico, Missão, Revista de Psicologia l
159
Visão e Valores. - Criação de um organograma, definindo as atuações e responsabilidades de cada um, e definindo os horários de trabalho. - Elaboração de um manual de cargos e salários. - Organização dos processos de recrutamento e seleção. - Realização de acompanhamento do funcionário após a entrada na empresa. - Investimento em comunicação, captação de novos clientes e fidelização dos atuais. A partir do plano elaborado, objetiva-se verificar se, com as ações realizadas, a empresa teria mais condições de se manter mais competitiva no mercado atual. 2. APRECIAÇÃO TEÓRICA A cultura organizacional e o clima interno de uma empresa são um dos subsídios para se chegar a um diagnóstico organizacional. É por interferência da cultura existente que os indivíduos de uma organização tendem a se comportar de acordo com as crenças e valores compatíveis com a empresa, tentando seguir modelos que serão reconhecidos e bem-sucedidos. (PEREIRA 1999) Para que a empresa passe por um processo de profissionalização, é necessário que a cultura e os membros da organização estejam ajustados, os funcionários precisam compartilhar dos seus objetivos e ter as mesmas prioridades, visando as ações que sustentarão essa nova estrutura. Conforme Adachi (2010)4, é comum em um processo de profissionalização defrontar com certas resistências à mudança, pois é uma fase que demanda modificações no relacionamento entre as pessoas e uma nova postura, orientada por sistemas mais definidos, disciplinados e por novas práticas. Essa resistência ocorre na maioria das vezes com funcionários que estão acostumados com um sistema sem hierarquia definida e que não leva o negócio com a seriedade necessária. De acordo com Lodi (1993), a profissionalização é o processo pelo qual uma organização familiar ou tradicional assume práticas administrativas mais racionais, modernas e menos personalizadas. É indispensável que a empresa familiar se profissionalize ainda sob a gestão do fundador, sendo ele a pessoa mais indicada para engajar o projeto e para tornar a empresa mais lucrativa e competitiva. É nesse rumo que se deve pensar em uma nova gestão e iniciar um processo de profissionalização, baseado nas seguintes mudanças: - O estilo gerencial adotado pelo proprietário. - Nível de comprometimento e envolvimento do proprietário na condução do negócio. - Implantação do Planejamento Estratégico. - Formalização dos sistemas administrativos. 160 l
Revista de Psicologia
- Delegação dos poderes, das atuações e responsabilidades de cada um. - Investimento em divulgação do produto. É fundamental que as empresas familiares percebam a profissionalização como algo indispensável para permanecer no mercado atual, para que se mantenham competitivas e tenham condições de progredir com seus negócios. 3. CONCLUSÃO Em suma, os resultados obtidos com este trabalho apontam para melhorias no desempenho da empresa, que se deram a partir de intervenções já realizadas. Mas ainda são necessárias mudanças significativas para que a empresa Roma alcance um nível de profissionalização mais apurado. - Um processo de profissionalização levado com seriedade pode possibilitar ainda para a organização: - Melhoria da eficiência interna, acarretando maior organização e competitividade. - Modernização administrativa da empresa. - Funcionários mais motivados, com maior nível de produtividade. - Expansão do negócio, oferecendo novos tipos de serviços e produtos. - Aumento do faturamento da empresa. Diante dessa perspectiva de crescimento, faz-se necessário rever os paradigmas que norteiam os valores da cultura dentro da empresa. É imprescindível que todos estejam alinhados, com os mesmos objetivos, e que aceitem as mudanças advindas de novos processos. O que se percebe com este trabalho é que uma pequena empresa familiar tem potencial para ser referência e se destacar dentre outras empresas. Para isso é necessário que o fundador do negócio deseje a mudança, acredite e ofereça subsídios para que sua equipe atue de acordo com a visão e os objetivos estabelecidos pela organização. O desenvolvimento dessa solução irá depender do grau de comprometimento do gestor e dos funcionários da empresa. REFERÊNCIAS ADACHI, Pedro Podboi. A Profissionalização na Empresa Familiar. Disponível em: http://www.financialweb.com.br/noticias/index.asp?cod=64547. Acesso em: 19 nov. 2010. LODI, João Bosco. A empresa familiar. São Paulo: Pioneira, 1993, p. 25-32. PEREIRA, Maria José Lara de Bretas. O que é e como se faz um Diagnóstico Organizacional. In:______. Na cova dos Leões: O consultor como facilitador do processo decisório empresarial. São Paulo: Makron Books do Brasil, 1999. cap. 14, p. 135-148.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do 8º período do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 3 Metodologia quantitativa elaborada pela profª Denise Leitoguinho Rossi no LAGEP- Laboratório de gestão de pessoas 4 Disponível em: www.financialweb.com.br
Revista de Psicologia l
161
O Diálogo e a Ética contra a Violência Escolar Camila Marques dos Reis Rocha1 Cárita Barbosa O. G. Guedes Frederico Braga Dantas Geiza Patrícia Santos Heloisa Cristina Vieira de Andrade Francisco Viana2
RESUMO: O presente artigo aborda as principais questões que permeiam a violência escolar, considerando a escola como um espaço para a formação ética e para o diálogo. O texto aborda também as falhas desta instituição e as possíveis contribuições da psicologia para lidar com o problema. A metodologia utilizada foi pesquisa bibliográfica a banco de dados da internet, livros e revistas científicas. Como resultado, pode-sê perceber que a violência na escola pode ser causada pela falta do diálogo e de um espaço justo e democrático na escola, que conduzam ao bom convívio e a formação de cidadãos. O trabalho da psicologia aliada a educação deve ser, portanto, no sentido de instaurar este espaço na instituição escolar.
Palavras-chave: Violência escolar. Ética. Diálogo. Psicologia.
INTRODUÇÃO É certo que a violência vem se tornando cada vez mais severa e brutal, entretanto não se pode considerar este fenômeno como decorrência da sociedade contemporânea. O que a caracteriza desta forma é a ausência do diálogo e de uma visão crítica, seja por parte das vítimas ou atores da violência. As principais instituições formadoras do ser humano, que teriam extrema importância neste diálogo, a família, a escola e os meios de comunicação, estão em completa desarmonia. Segundo Oliveira e Martins (2006):
À medida que as duas primeiras se calam (a família e a escola) e os meios de comunicação não param de falar de maneira sensacionalista, a cultura da revolta diante do que choca, do que deveria espantar, transforma-se em cultura do show e do entretenimento (OLIVEIRA; MARTINS, 2006).
As palavras, que deveriam interpelar e investigar a violência padecem e fragilizam o estabelecimento da democracia e o cumprimento dos direitos civis. Assim a população apresenta-se de forma indiferente, amedrontada ou até mesmo cúmplice das práticas violentas. Práticas que acabam por violentar suas tentati162 l
Revista de Psicologia
vas de tornar cidadãos. (OLIVEIRA; MARTINS, 2006). O objetivo deste artigo é, portanto, discutir a violência como um sintoma social e subjetivo e refletir o papel da instituição escolar aliada à psicologia como alternativa de luta contra esta prática. Para isto o texto se divide em cinco partes: a primeira trata-se de considerações sobre a ética e sua transgressão, ou seja, a violência; a segunda aborda principais características da educação; segue-se, na terceira parte reflexões sobre a falha da escola com seu papel ético; posto isto, na quarta divisão expõese um retrato contemporâneo da violência na escola e por fim, é discutido na quinta parte o papel da psicologia junto à educação e os aspectos levantados. 2 - ÉTICA E VIOLÊNCIA Segundo Chaui (2000), desde a antiguidade clássica até os dias atuais, o ser humano dialoga sobre meios de romper, evitar e diminuir a violência. Tais meios, pautados pela ética, tratam do caráter e das condutas condizentes a melhores modos de viver em sociedade. Contudo, as considerações sobre os atos violentos e não violentos se distinguem nas diversas formações sociais e culturais, o que leva também a não homogeneidade das condutas éticas nos diferentes tempos e lugares. No entanto, dado as distinções na maneira de se manifestar, há uma percepção comum acerca da violência, a qual ela é considerada como o exercício da força física e/ou da coação psíquica
para agir com o outro ou obrigá-lo a agir de forma contrária aos seus interesses e desejos, causando-lhe danos. Todavia, o que cada cultura irá considerar como dano faz a amplitude e complexidade do termo violência. Mas para todos os efeitos, a transgressão da ética fora sempre indagada pelo homem (CHAUI, 2000). Assim fez Albert Einstein para Sigmund Freud em “Por que a Guerra?”, texto publicado pela primeira vez em 1950 e que é composto pela carta escrita pelo renomado físico onde faz indagações ao pai da psicanálise a respeito dos motivos psicológicos que estão subjacentes ao ato de guerrear. Einstein escreve sua carta em agosto de 1932 e deixa evidente o espanto e sua incompreensão diante do paradoxo que se coloca entre as constantes práticas de violência, que não deixam de existir, e o grande progresso da ciência (EINSTEIN apud FREUD, 1996). Existe alguma forma de livrar a humanidade da ameaça de guerra? É do conhecimento geral que, com o progresso da ciência de nossos dias, esse tema adquiriu significação de assunto de vida ou morte para a civilização, tal como a conhecemos; não obstante, apesar de todo o empenho demonstrado, todas as tentativas de solucioná-lo terminaram em lamentável fracasso (EINSTEIN apud FREUD, 1996, p. 193). De alguma forma Einstein denuncia a falta de coerência da humanidade que, por um lado, evolui rapidamente em todas as formas da ciência e, por outro, ainda insiste e se mostra cega diante do desejo de atacar e subjugar através da violência. Ainda contrapondo com o progresso científico, há quem julgue a violência como o modo mais primitivo e irracional de se estabelecer interface com o que é exterior (EINSTEIN apud FREUD, 1996). Se o discurso racional falha ao tentar responder os questionamentos sobre o porquê da guerra, Einstein passa a suspeitar que os motivos para tanta agressividade possam ser de outra ordem – a ordem psíquica (EINSTEIN apud FREUD, 1996). Em resposta, Freud escreve a Einstein em setembro de 1932. Na carta, Freud afirma que a violência é algo inerente ao ser humano e se mostra pessimista quanto à possibilidade de se eliminar totalmente estas inclinações agressivas. Para justificar tal concepção acerca do entusiasmo humano pela guerra, Freud toma a liberdade para apresentar a Einstein algumas de suas formulações sobre a teoria dos instintos, numa melhor tradução, teoria das pulsões. De acordo com o inventor da psicanálise: [...] os instintos humanos são de apenas dois tipos: aqueles que tendem a preservar e a unir – que denominamos “eróticos”, exatamente no mesmo sentido em que Platão usa a palavra “Eros” em seu Symposium, ou “sexuais”, com uma
deliberada ampliação da concepção popular de “sexualidade” - ; e aqueles que tendem a destruir e matar, os quais agrupamos como instinto agressivo ou destrutivo (FREUD, 1996, p. 202-203).
Desta forma, ficam denominados como pulsão de vida os instintos eróticos que representam o esforço de viver, ao passo que se tornam conhecidas como pulsão de morte aqueles instintos que têm como finalidade reduzir a vida à condição original de matéria inanimada (FREUD,1996, p.204). Diante do exposto, Freud é radical ao concluir que a eliminação total dos impulsos agressivos do homem não passa de uma mera ilusão. No entanto, indica o amor como a fórmula de combate à guerra. Para o autor:
Se o desejo de aderir à guerra é um efeito do instinto destrutivo, a recomendação mais evidente será contrapor-lhe o seu antagonista, Eros. Tudo o que favorece o estreitamento dos vínculos emocionais entre os homens entre os homens deve atuar contra a guerra (FREUD, 1996, p. 205).
Complementando esta idéia, Freud assinala em “O Mal-Estar da Civilização”, que as exigências pulsionais do ser humano nem sempre são éticas. Por isso o antagonismo entre a cultura e a pulsão gera nos indivíduos um mal-estar, visto que para viver na civilização o homem é imolado pela renuncia de sua satisfação pulsional. “Uma satisfação irrestrita de todas as necessidades apresenta-se como o método mais tentador de conduzir nossas vidas; isso, porém, significa colocar o gozo antes da cautela, acarretando logo o seu próprio castigo” (FREUD, 1974, p. 96). A escola, porém, não se instaura como um lugar de violência. Pelo contrário, ela surge, formalizando a construção e transmissão de saberes para ser uma instituição facilitadora das relações sociais e do homem com a natureza (BRANDÃO, 1995).
3- A EDUCAÇÃO A educação existe como uma tentativa de tornar comum, entre todos, aquilo que é comunitário como bem, como trabalho ou como vida. É uma forma de reproduzir entre determinada sociedade o saber que a atravessa: a linguagem, os códigos sociais de conduta, os ofícios, os valores, enfim, o que as pessoas precisam para reconstruir diariamente a vida em grupo e a relação com a natureza. Além de reproduzir saberes, a educação também os Revista de Psicologia l
163
cria, o que possibilita o desenvolvimento das sociedades (BRANDÃO, 1995). Conforme Brandão (1995) a Enciclopédia Brasileira de Moral e Civismo, editada pelo Ministério da Educação e Cultura, define educação como:
Educação. Do latim “educere”, que significa extrair, tirar, desenvolver. Consiste, essencialmente, na formação do homem de caráter. A educação é um processo vital, para o qual concorrem forças naturais e espirituais, conjugas pela ação consciente do educador e pela vontade livre do educando. Não pode, pois, ser confundida com o simples desenvolvimento ou crescimento dos seres vivos, nem com a mera adaptação do individuo ao meio. É atividade criadora, que visa a levar o ser humano a realizar as suas potencialidades físicas, morais, espirituais e intelectuais. Não se reduz à preparação para fins exclusivamente utilitários, como uma profissão, nem para desenvolvimento de características parciais da personalidade, como um dom artístico, mas abrange o homem integral, em todos os aspectos de seu corpo e de sua alma [...] para elevá-la, regulá-la e aperfeiçoá-la. È processo contínuo, que começa nas origens do ser humano e se estende até a morte (BRANDÃO, 1995; pag. 63).
Acerca disto, Paulo Freire aponta um aspecto importante quando diz que “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção” (FREIRE, 1996, pag. 22). Além disso, este processo acontece como uma troca de conhecimentos, pois quem ensina aprende e quem aprende também ensina. O aprender, então, precede o ensinar, isto é, socialmente aprendendo as pessoas notaram que era possível e preciso ensinar (FREIRE, 1996). Educar inclui também a preocupação com a formação moral, tal ensino é uma forma de respeitar a natureza humana. “Não é possível pensar os seres humanos longe, sequer, da ética, quanto mais fora dela. Estar longe ou pior, fora da ética, entre nós, mulheres e homens, é uma transgressão” (FREIRE, 1996, pag. 33). Ao reconhecer que, precisamente porque nos tornamos seres capazes de observar, de comparar, de avaliar, de escolher, de decidir, de intervir, de romper, de optar, nos fizemos seres éticos e se abriu para nós a probabilidade de transgredir a ética, jamais poderia aceitar a transgressão como um direito, mas como uma possibilidade. Possibilida164 l
Revista de Psicologia
de contra que devemos lutar e não diante da qual cruzar os braços (FREIRE, 1996, pag. 100).
É, também, importante assinalar que, antes mesmo de existir a instituição escolar, a educação já existia como prática. Existia desde quando o homem “aprendeu a transformar partes das trocas feitas no interior desta cultura em situações sociais”, cada qual com seu modo de transmissão (BRANDÃO, 1995; pag. 14). O ensino formal surge no momento em que a educação se sujeita à pedagogia e determina seus métodos, suas regras, tempos e estabelece executores especializados (BRANDÃO, 1995). Hoje a escola tem para a sociedade um valor fundamental. Não é somente uma necessidade, tornou-se um direito defendido e garantido pela maioria das constituições ocidentais modernas, fruto de um longo processo histórico (SCHUELER, 1999). Contudo, não cabe a este texto salientar os acontecimentos deste trajeto. A partir daqui, será discutido o papel da escola com a ética, - visto que é um dos seus pilares. 4 – A ESCOLA COMO UM ESPAÇO ÉTICO Esta reflexão nos faz pensar no papel da Instituição Escolar, como um ambiente legítimo para socializar os alunos de forma adequada, levando-se em consideração não só o aprendizado das teorias e disciplinas, mas como também o exercício da ética. É esperado que a escola ofereça um espaço eficiente, em que se articule de forma transacional o mundo exterior - entendido aqui como a sociedade e as instituições - e um mundo interior - representado pela subjetividade de cada aluno. Um espaço que possa situar a criança e o adolescente em um espaço físico público, possibilitando uma apropriação subjetiva daquele lugar e propiciando um amadurecimento adequado e suficiente em todas as dimensões da vida. (FILHO; MEUCCI, 2010) Entretanto não é isso o que acontece, o que se vê hoje é um mal estar no sistema escolar, que se sobressai a todas as reformas do ensino e tentativas de melhorar a educação. As relações entre escola, sociedade e aluno estão afrouxadas. A disciplina e as regras se desmancham a cada dia, comprometendo a formação escolar de forma egoísta e perversa. Estão todos, família, aluno, professores, escola e estado, adiando situações inevitáveis, como o respeito à cultura, às regras sociais e a lei. As crianças e adolescentes não tem mais referências, são eles quem fazem as regras e estão no comando (FILHO; MEUCCI, 2010) Cortella e La Taille (2005) refletem sobre a educação moral e afirmam que a escola carece de “ser um lugar de repercussão, ou melhor, espaço de diálogo sobre essa questão da vida que se quer viver, porque é essa falta de resposta que no fundo, leva à
incivilidade e à violência, entre outras coisas”. É necessário agora retornar um forte movimento pedagógico, que esclareça o sentido da hierarquia, da ordem e da disciplina, que adéque o modelo funcional às necessidades dos alunos, que sirva como exemplo do entendimento da passagem do mundo subjetivo do aluno ao mundo socialmente compartilhado (FILHO; MEUCCI, 2010). Paulo Freire (2006) nos aponta a necessidade de uma educação para a decisão, para a responsabilidade social e política:
Tínhamos de nos convencer desta obviedade: uma sociedade que vinha e vem sofrendo alterações tão profundas e às vezes até bruscas e em que as transformações tendiam a ativar cada vez mais o povo em emersão, necessitava de uma reforma urgente e total no seu processo educativo. Reforma que atingisse a própria organização e o próprio trabalho educacional em outras instituições ultrapassando os limites mesmos das estritamente pedagógicas. (FREIRE 2006. p. 96) Diante desta perspectiva é fundamental discutir o poder da palavra, na sua convicção de que o homem foi criado para se comunicar com os outros. É a autenticidade na fala que propicia reflexões sobre a sociedade e sobre as necessidades de mudanças, sobre a elaboração de uma consciência crítica do mundo em que se vive. A educação não pode mais ser silenciada, marginalizada e imersa na passividade. (FREIRE, 2006) A Educação como uma forma de diálogo constante com o outro; um agir educativo que leve em consideração as novas condições da atualidade; que propicie o desenvolvimento de uma mentalidade democrática, com objetivo de substituir antigos e culturológicos costumes de passividade, por novos hábitos de participação e intervenção, de acordo com o mundo interno e externo a instituição escolar, que nos possibilite ser menos inautênticos dentro da forma democrática de governo. A educação como uma firme tentativa de mudança de atitude (FREIRE 2006). A VIOLÊNCIA NA ESCOLA Na contemporaneidade, crianças e adolescentes tem sofrido diversos tipos de violência nas escolas, seja ela moral e/ou física. Frequentemente são apresentadas notícias nas manchetes dos jornais, informando sobre brigas nas escolas, bullying, agressão entre estudantes e até mesmo professores (CARRANO, 2009).
Aquilo que chamamos violência escolar é fonte de angústia
social que faz com que se pense que estamos caminhando a passos largos para uma decaída civilizatória sem retorno. São exemplos disso a percepção de que há perda da inocência das crianças e jovens, que a escola é não mais um lugar protegido onde se possa deixar os filhos, que os professores e funcionários são desrespeitados e agredidos verbal e fisicamente (...) (CARRANO, 2009). A violência se manifestou nas escolas por diferentes modos ao longo dos anos. Nos anos 80, atingia principalmente escolas dos grandes centros urbanos e as manifestações mais comuns eram os atos de vandalismo: a violência contra o patrimônio. Em 1990, as agressões interpessoais eram mais decorrentes, principalmente entre os alunos e já eram encontradas, com certa frequência, em cidades de médio porte e menos industrializadas (OLIVEIRA; MARTINS, 2006). A violência escolar também pode se configurar na chamada violência simbólica. É a violência exercida pelo sistema escolar e pelo professor que colocam os alunos numa situação de silêncio (OLIVEIRA; MARTINS, 2006).
Itani (1998) exemplifica como violência simbólica o caráter disciplinador que por vezes é conferido à avaliação, que serve como um instrumento que mede a capacidade do aluno através da exigência de respostas idênticas às formuladas em sala de aula, ou ainda, a execução de provas extremamente difíceis com o intuito de diminuir a nota do aluno (ITANI apud OLIVEIRA; MARTINS, 2006). Segundo Fernandes et al. (1999) no sistema escolar vigente, a avaliação é o instrumento que permite premiar o aluno. É através dela que se classifica o aluno como bom ou mau. O responsável, na sala de aula, por esta classificação, é o professor. Perde-se de vista o caráter altamente necessário da avaliação como diagnóstico do processo ensino-aprendizagem (FERNANDES (1999) apud OLIVEIRA; MARTINS, 2006).
Segundo Oliveira e Martins (2006), este ato de controle, cala o que a violência vem tentando falar e denunciar: as relações aluno/aluno, aluno/professor, aluno/funcionário e outras diversas relações que fazem parte do sistema escolar. Mas o professor e a escola, além de agirem como “domadores de feras”, delegam à família a responsabilidade pela violência que acontece na escola, excluindo-se da possibilidade de fazer algo a respeito. Nas palavras de Perdriault (1989): “A escola morre de infantilismo, da falta Revista de Psicologia l
165
da palavra, da falta do desejo. A violência do sistema escolar, que tritura adultos e alunos, só pode ser freada pela violência da lei e da palavra”. Como bem coloca Oliveira e Martins (2006), “o que ocorre é que essa violência tem muito a ver com o discurso da recusa, ou ainda, a ausência de se encontrar as palavras certas para se dar um sentido exato a uma ampla gama de sentimentos”. A crescente violência na escola faz com que os profissionais responsáveis revejam a “segurança” dentro da instituição. Mas, ainda de acordo com Oliveira e Martins (2006) numa citação de Medrado (1998), é preciso questionar de quem a escola pretende se proteger e contra quem está a violência. Para o autor estas medidas de “segurança” apenas agridem o universo interno da escola, pois os alunos passam a ter a visão de que estão não em uma instituição de ensino e sim num presídio. Além de acarretar esta visão aos alunos, para a comunidade a escola passa a ser sentida como um espaço que não lhes pertence, pois dá-se a entender que o espaço está protegido contra ela. CONSIDERAÇÕES FINAIS E PAPEL DA PSICOLOGIA SOBRE A VIOLÊNCIA NA ESCOLA: A presença destas discussões demonstra que o problema da violência escolar é parte de um modo de se pensar e efetivar a educação em um contexto histórico-social determinado, por outro lado, também nos desafia a compreender e discutir as particularidades que assume a violência presente atualmente nas escolas (SOUZA, 2010). A escola enquanto instituição social é um espaço onde as diferenças se encontram e, portanto, local de permanentes conflitos. É na escola que as diferenças, as formas de educação e valores familiares, as culturas, etnias e religiões se encontram e muitas vezes se chocam. O psicólogo deve atuar como Agente de mudanças neste contexto, mobilizando a comunidade escolar em suas funções e relações sociais, indagar as comunicações e relações interpessoais ali estabelecidas; questionar junto à equipe técnica pedagógica os fatores culturais, sociais e econômicos de sua comunidade escolar, visando a qualidade de ensino, em relação a satisfação dos profissionais da educação quanto ao rendimento e satisfação dos alunos, objetivando reduzir a não só a violência como também repetência e as evasões escolares (SOUZA, 2010). A violência hoje vivida em grande proporção nas escolas chama atenção para a importância da atuação do psicólogo. Leva-se em consideração que as práticas da psicologia no ambiente escolar tem como objetivo o exercício integrado com a realidade brasileira, em uma perspectiva mais preventiva e interdisciplinar 166 l
Revista de Psicologia
(ALMEIDA, 1999). O psicólogo passa então a ter o papel de estimular o diálogo entre os jovens e adultos partindo-se de uma escuta empática, construída em contextos de afeto, que vise desenvolver uma reflexão crítica, estimular a participação e responsabilidade de todos por seus atos. Uma atuação que vise promover reflexões e discussões a psicologia, a fim de proporcionar grandes mudanças e romper os paradigmas existentes nas relações e basear-se em um princípio de justiça e igualdade (ALMEIDA, 1999). Desta forma, a escola deverá ser um lugar onde a linguagem oral ganha mais valor, pois é através dela que o sujeito socializa, relaciona e se faz entender. É através da fala, também, que o sujeito adquire prática para dialogar e escutar, numa atitude de ser tolerante com a palavra do outro. Mas para isso, o professor deve ceder o seu lugar de dominante e possibilitar que o ambiente escolar seja de fato democrático. Onde a violência não será silenciada e sim ouvida (OLIVEIRA; MARTINS, 2006). . ... que muitas coisas ainda haveríamos de calar e que nessa envoltura é que estaria o dizer...3 REFERÊNCIAS ALMEIDA, Sandra Conte. O psicólogo no cotidiano da escola: re-significando a atuação profissional. Campinas: Ed. Alínea, 1999. 90 p. BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é Educação. In: Pessoas Versos Sociedade: Um dilema que oculta outros. 1ª ed. Coleção Primeiros Passos. São Paulo: Editora Brasiliense, 1995. p. 63. CARRANO, P. Violência nas escolas: debate. [19 de maio de 2009]. Rio de Janeiro: Observatório Jovem. Debate concedido ao UFF Debate Brasil. Disponível em:<http://www.uff.br/obsjovem/mambo/images/stories/Documentos/Carrano_Violencia_escolas%5b1%5d.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2011. CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia: Ética e Violência. São Paulo: Ática, 2000. Disponível em: <http://moranapsicologia.blogspot.com/2007/11/tica-e-violncia. html>. Acesso em: 05 abr. 2011. FILHO, Clóvis de Barros e MEUCCI, Arthur. Escola e Tristeza. In: Revista Sinais (Rede Sinodal de Educação), Ano 05, n. 6, p. 5, São Leopoldo-RS, junho, 2010 http://www.espacoetica.com.br/producaoacademica/35-artigos/415-escola-etristeza Acesso em 10 abr. 2011. CORTELLA, Mário Sérgio; LA TAILLE, Yves de. Nos labirintos da moral. Campinas: Papirus, 2005, 112 p. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 29. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 2006. 140 p.
FREUD, Sigmund. O futuro de uma ilusão: o mal-estar na civilização e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1974, 309 p. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud; 21) FREUD, Sigmund. Novas conferências introdutórias sobre psicanálise e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1996 (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud; 22) OLIVEIRA, Érika Cecília Soares; MARTINS, Sueli Terezinha Ferreira. Psicologia e Sociedade. Violência, sociedade e escola: da recusa do diálogo à falência da palavra. Vol.19 nº.1 Porto Alegre Jan./Abr. 2007. Disponível em: <http://www. scielo.br/scielo.php?pid=S0102-1822007000100013&script=sci_arttext> Acesso em: 11abr. 2011 SOUZA, Marilene Rebello. Psicologia Escolar e Educacional. [Editorial]. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, v. 13, n. 2, p. 343-346, jul/dez, 2010.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmicos do 10º período do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professor Supervisor do Curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 3 Hilda Hilst: Tu não te moves de ti
Revista de Psicologia l
167