Contos do absurdo 5

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Set 2013

NESTA EDIÇÃO:

ADRIANA BILLA - atriz, gÓtica, roqueira e wicca


índice

CAPA

Diody Shigaki (desenhos) - Rodrigo Garcia (cores)

Dragão da Terra:As Planicies Vermelhas (Prólogo).............................................Pág. Texto e arte: Pedro Elefantes

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Pág. 1

Somniun: O Destruidor de sonhos (parte 1) ................................................................. Conto de André Roméro adaptado por Alexandre Winck com arte de Ronílson Caetano Leal

Escuro .................................................................................................................................Pág.

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....................................................................................................................................Pág.

2

Realidade Delirante ........................................................................................................Pág.

3

Demonios nas Sombras .................................................................................................Pág.

3

Tres Irmãos...........................................................................................................................Pág.

4

Um Dia Qualquer................................................................................................................Pág.

4

Adriana Billa (entrevista)...................................................................................................Pág.

5

Um dia da Caça, Outro do colecionador....................................................................Pág.

6

Portfolio do Absurdo (Felipe Martins)...............................................................,.......Pág.

7

Encontro Macabro.............................................................................................................Pág.

8

Texto e arte: Bira Dantas - Fotos: SXC.HU

Rato

Texto: Gustavo B. Rossato Arte Igor Santos

Texto e arte: Gazy Andraus

Texto: Pat Kovacs- Desenho: Cesar Reis

Texto: Jerônimo de Souza Arte: Antônio Lima

Texto: Luciano Luiz Santos- Desenhos: Johanna Gyarfas

Texto: Alexandre Winck - Fotos: Danie Vardi - Tratamento: Diody Shigaki

Texto: Francisco Tupy - Arte: Christiano Carstensen Neto

Texto: Alexandre Winck

Texto e arte: Carlos Henry

A Fazenda do Diabo.- parte 2................................................Pág.

86

Anjo Industrial - A origem - parte 2..................................Pág.

94

Texto: Daniel Vardi - Arte: Mhick Holderbaum

Texto: Alexandre Winck - Arte: Daniel Lucavis

Ilustrações

Págs. 23 DEMÔNIOS: Carlos Henry.............................................................................Págs. 43 LOBISOMEN: Ronílson Caetano Neto.........................................................Págs. 85 TONINHO DO DIABO: Robson Jr...................................................................Págs. 93 JURUPARI: Altemar Domingos....................................................................

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SXC.HU/ matteo nasuelli

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Somos Tão Jovens

U

m dos grandes prazeres de produzir uma revista como a Contos do Absurdo é a possibilidade de mesclar nomes consagrados com novos talentos. Aqueles que ainda são diamantes brutos, não têm o texto ou o traço mais refinado, mas chegam com toda vontade de mostrar serviço e aprender o ofício, junto com os que estão no meio do caminho e aqueles que há muito já provaram seu valor. Esta edição está repleta de histórias produzidas por gente nova e cheia de talento e garra. Para começar, o prólogo da fantástica “Dragão da Terra”, de Pedro Elefante, que será publicada em partes. A nova HQ em série Somnium, O Destruidor de Sonhos surgiu de um conto do jovem autor André Roméro que a Contos está transformando em quadrinhos no traço de Ronílson Caetano Leal, reunindo os talentos do texto e da arte. O conto O Rato, de Gustavo B. Rossato, vem com as belíssimas ilustrações de Igor Santos. Já Um Dia Qualquer, contada com grande senso de ironia por Luciano Luiz Santos, ganha mais vida com os jogos de luz e sombra das ilustrações de Johanna Gyarfas. Temos também nossas “crias da casa”, os colaboradores da Publigibi César Reis, Daniel Lucávis e Fábio Serrano Vardi, mostrando seus talentos na arte, diagramação, letreirização e colorização. Envelopados pela Absurda capa feita por Diody Shigaki e cores de Rodrigo Garcia. Grandes e experientes quadrinistas também brilham em suas colaborações com a revista. Entre eles, destaca-se Gary Andraus, um os principais editores e autores independentes de HQs adultas do Brasil, sempre voltadas ao fantástico e à reflexão filosófica, que colaborou com uma poesia ilustrada. Também participa o autor Altemar Domingos, que reapresenta, em pin-ups, personagens do universo de Jaguara, sua heroína indígena. Nossos grandes colaboraores habituais Bira Dantas, Carlos Henry e Francisco Tupy marcam presença. Nossa entrevista e ensaio será com Adriana Billa, proprietária de um bar voltado ao público gótico e de Rock, praticante de Wicca e forte candidata a se tornar uma nova musa do terror nacional, que em breve também inspirará um personagem nas páginas da revista, a exemplo do Anjo Industrial e de Toninho do Diabo. Que venha o sangue novo! Nossos vampiros estão famintos, e eles não são menininhos com brilho de purpurina... Alexandre Winck - Editor do Absurdo submissions@contosdoabsurdo.com.br

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Cinco meses atrás...

Esta noite.

Fizemos tudo que pudemos pelo seu marido. Foi muito repentino... Cinco horas atrás...

A boa notícia é que conseguimos retirar o bebê com vida. A ruim é que tanto a vida dele quanto a da sua mãe estão em risco. O acidente foi muito grave. Começo desta noite... Guilherme! Guilherme! Você passou a tarde inteira dormindo?! Não te mandei ir comprar a comida do jantar?!

Hmm? Ah, não, mãe, não comprei...

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Tรก vendo, vou vou ter que sair e comprar a essa hora!

Tรก bom, tรก bom. Foi mal, foi mal. Nรฃo estressa...

3 : 45

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Ih, por que esse carro parou logo aqui? A essa hora?

Vai de boa, Guilherme. Não chama atenção.

Melhor eu ir embora. Mas vou ter que passar por ele, não tem jeito.

Meio difícil quando se é um moleque de 13 anos andando sozinho numa rua deserta às quatro da manhã, nenão gênio?

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Ah, você estava chorando? Oh, queridinho! Está muito tarde!

Eu não gosto de ver menininhos tristes!

Por que você está chorando?

Hein?

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Hnnngh!


Eu... eu estou perdido!

Oh! Não há porque se preocupar, queridinho. Entre no carro, nós te levamos de volta para casa.

É... Não, obrigado. Acho melhor eu ir...

Não!

Você não faria isso nem pela sua mãe? Sua mãe, Guilhermezinho... ela está doentinha!

O... O que você disse?

Olha, eu não sei quem você é nem... Mas eu sei quem você é, Guilherme, e eu estou te oferecendo uma chance.

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SOMINUM Tá bem. Feche os olhinhos!

E, mesmo depois que abrir, quem garante que eles vão realmente estar abertos? Já faz um tempo. Será que posso abrir os olhos?

Ainda não. Não abra ainda.

O-o quê? Quem disse isso?

Continua

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PARI JURU

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Rato “A hierarquia e a disciplina gritam tão alto em nossos ouvidos que nossas ideias de jovem se tornam sussurros”

E

xiste muita dificuldade em decifrar os enigmas do mundo. Sempre fui um curioso. Não que a vida era ruim antes do “presente” indesejado. Contudo, viver simplesmente para

aproveitar o que estava sendo jogado em cima de nossas cabeças não era um dos meus objetivos de vida. Agora estou prestes a entrar por uma porta totalmente desconheci-

da. Não pela minha vontade e sim por uma necessidade mortal. A luz forte me faz preferir confiar no meu tato e olfato. Ver nunca foi meu forte. Talvez a escuridão tenha anestesiado meus olhos. Próximo a dar o grande passo, minha memória evoca coisas do passado. A primeira lembrança são as brincadeiras com os outros recém-nascidos nadando por entre os amontoados de lixo e piscinas do esgoto. Aquilo era o paraíso. Uma vida boa e sem preocupações.

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Ela dizia que a natureza de um rato é compreender seu pequeno espaço no subsolo e conviver com o que é jogado como resto pelos seres da superfície. dade. Mais tarde, compreenderia os resultados das blasfêmias contra nossa guru da pior maneira. Na juventude, gostava de visitar um dos becos do esgoto, considerados o lar dos desajustados. Meus pais diziam que não pasTodas as famílias eram amigas e prosperavam em conjunto, obedecendo sempre à ordem da grande mãe. A primeira vez que a vi, tentava não rir, pois uma piada sobre uma ratazana obesa vinha sempre à mente. O que

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savam de vagabundos. Entretanto, todos da nossa idade tinham curiosidade de conhecê-los. Alguns ficavam tão impressionados com o tipo de vida desregrada que não voltavam mais para casa.

poderia ser muito perigoso, pois

Em um dia quente, eu e meus

desrespeitar a grande mãe era o

três irmãos decidimos conhecer

pior castigo em nossa comuni-

o tal famoso beco. Enganamos


nossos pais e corremos a toda velocidade com a ânsia de descobrir o que de tão assustador tinham os moradores daquele gueto.

so lixo de sempre. O sujeito sem rabo nos chama pra participar de uma roda e entrega um delicioso pedaço de queijo. Pela primeira vez, ouço da boca de outro

Ao chegar, um rato sem rabo nos

sobre o mundo que existe na super-

recebeu com muita simpatia. O

fície. Fico fascinado. Nosso anfi-

ambiente era muito agradável e

trião conta sua grande aventura

descontraído.

várias

por aquelas terras. Disse serem

rodas de indivíduos diferentes,

habitadas por gigantes. Seres com

conversando sobre coisas que não

formas muito esquisitas, capazes de

falávamos no lar da grande mãe.

dominar o espaço com todo tipo de

Falavam alto, sorriam e comiam

lixo possível. Falavam de aventuras

comidas diferentes. Não era o nos-

fantásticas.

Tinham

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Mas também comentavam os

ma de manter o mundo de cima

perigos. Como na vez em que

sustentável. Os ratos dos becos

nosso novo amigo subiu à super-

dos desajustados não passam de

fície e sentiu o cheiro de um

pensadores e aventureiros medí-

delicioso

ocres que não querem se subme-

pedaço

de

queijo.

Quando foi agarrá-lo, seu rabo prendeu-se numa armadilha. Mesmo amputado, conseguiu descer de volta ao esgoto. Hoje, ele só coordena os mais jovens que querem se aventurar nas terras de cima. Quando retornamos, no fim do dia, os adultos nos esperam com reprovação. De algum modo, descobriram o destino real do nosso passeio. Fomos levados à grande mãe e logo ela começou a pregar a verdade sobre aqueles sujeitos. Ela dizia que a natureza de um rato é compreender seu pequeno espaço no subsolo e conviver com o que é jogado como resto pelos seres da superfície. Comer o lixo era uma for-

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ter a essa verdade. Depois de ouvir aquilo, senti toda a raiva do mundo. Uma vontade de tornar-me um desajustado e conhecer o mundo iluminado da superfície. A grande mãe não queria que saíssemos da nossa comunidade porque


A comunidade me olha como um traidor. Pela minha curiosidade, quase matei nossa mãe e agora envenenei meu corpo.

sentir o seu sabor delicioso apenas com seu cheiro a metros de distância. Todos me recebem com aquele olhar, ludibriados com o naco.

talvez ela não fosse capaz de

Conto toda a história do meu

viver em um mundo novo. Mais

novo amigo. Ela diz que não vai

claro que aquela eterna escuri-

aceitar o presente e pede para

dão.

que eu coma na frente de todos a

Os dias se passaram e sempre voltava aos becos, mesmo que os outros não gostassem. Um dos habitantes, um rato preto com ar

pretensioso,

deliciosa carne. Devoro cada pedaço com desejo e brutalidade. A mãe, no alto de sua sabedoria

conversava

comigo sobre meu lar e de como era um paraíso privilegiado. Estava cansado de viver naquele lugar e queria mais sossego. Respondi pra ele dá dificuldade que é ser aceito pela grande mãe. Era um lugar cheio de disciplina. Logo ele deu-me um presente e pediu gentilmente pra entregar à famosa guru. Era um pedaço de carne bem cheirosa. Qualquer um conseguia 29


e gordura, começa a pregar novamente. Ela diz que já teve a minha idade e sabe o que existe no mundo da superfície. Pouco depois, começo a passar mal. Meu corpo endurece como pedra e minha visão fica turva. A mãe sabia que a carne tinha o veneno dos homens. Ela sentia no apetitoso cheiro o gosto amargo da mentira. Apesar de limpar a sujeira da superfície, os gigantes faziam de tudo para acabar com nossa existência. Sinto o peso da culpa. A comunidade me olha como um traidor. Pela minha curiosidade, quase matei nossa mãe e agora envenenei meu corpo. A mãe diz que a única forma de ser salvo é subir até a superfície e encontrar a cura. Finalmente, vou visitar o lugar a que sempre quis ir. Antes da partida, a mãe revela que na vida não adianta viajar tão longe pra descobrir a verdade. Ela sempre fica no lugar mais fácil de pegar. Nós que a complicamos em jornadas sem sentido e acabamos presos em armadilhas. A mentira é apetitosa e pomposa. A verdade é simples. Agora meus olhos ardem com tanta luz. Os gigantes gritam assustados com a minha chegada. Não entendo o medo deles. Sou um corpo mínimo e indefeso. Talvez meu corpo represente algo demoníaco. Não tenho velocidade para fugir. Meu sangue está todo contaminado. Finalmente consigo enxergar. O homem vem em minha direção como um deus furioso e o cetro em sua mão acerta minha cabeça. Durmo serenamente, relembrando as palavras sábias da grande mãe. Meu sacrifício foi necessário. Meu legado é o exemplo para os novos ratos dos becos.

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Demônios

nas Sombras Há quem considere o medo do escuro algo irracional, que é um medo aceitável apenas no mundo infantil, cuja imaginação fértil floresce num campo tão propício quanto os lugares escuros, como, por exemplo, debaixo da cama, dentro do armário ou nos longos corredores das casas antigas.

M

as, se as crianças ainda são puras, desprovidas de maldade e a mente ainda não está poluída pelos monstros e perversidades existentes no mundo

real dos adultos, por que, então, elas imaginam que nas sombras ocultam-se os objetos que devem ser temidos? Pois não é a sombra ou a escuridão que assusta, que causa medo e, em alguns casos, pavor. Mas sim o que elas ocultam... e só se oculta aquilo que realmente existe. Apesar de ser uma mulher adulta, Janete ainda preferia andar sob a luz. Ela não temia mais as sombras como antigamente,

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“A hierarquia e a disciplina gritam tão alto em nossos ouvidos que nossas ideias de jovem se tornam sussurros”

quando era criança, mas ela mantinha a prudência quanto a isso. Luga-

E eles deixavam....

res escuros e ermos na cidade ocultavam demônios terríveis que não

Olhando de esguelha, Janete via as

existiam no interior, praias ou cam-

ondulações pelos muros e calçadas

pos. Eram eles que suscitavam não só

onde a luz não insidia. Tentava contro-

o medo, mas também a maldade ine-

lar o calafrio que subia por sua espi-

rente do ser humano. Aquele que

nha. Sabia que, quanto mais ativas

vibrasse na mesma faixa de sintonia

eram essas movimentações nas som-

que eles facilmente se deixava levar

bras, mais era possível que algo muito

por sua lábia.

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ruim acontecesse. Sempre teve a sorte de não presenciar nenhum crime, mas soube de vários que haviam acontecido nos locais onde presenciara

tais

manifestações

intensas. A noite estava chuvosa e muito fria, de forma que apenas os obrigados andavam pelas ruas. E Janete era um desses obrigados. Era véspera do Dia dos Namorados e as lojas do shopping funcionaram muito além do horário normal. Janete era a gerente de uma fina loja de presentes e, quando a loja encerrou o expediente, o ônibus que costumava pegar, que a deixava em frente à entrada do seu prédio, já havia parado de circu-

hora da manhã. As ruas estavam

lar, de modo que fora obrigada a

completamente vazias. Nem carros

pegar um outro que fazia um per-

nem táxis eram avistados, embora

curso

fosse uma sexta-feira.

diferente.

Ela

precisava

andar até três quadras para chegar em casa e já passava de uma

Onde Janete morava era tranquilo, com nada alarmante a acontecer ou com que sepreocupar. E, nos dias de hoje, andar por ruas deser-

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tas, à noite, não era mais perigoso

olhos grandes e repuxados, porta-

do que durante o dia e no meio da

dores de luz própria e apenas isso,

multidão. Mas as movimentações

pois não possuíam íris ou pupilas.

nas sombras davam-lhe arrepios e mau augúrio como nunca antes sentira.

O Demônio da Sombra estendeu a mão escura e etérea, tocando o rosto apavorado de Janete. Foi um

A moça, instintivamente, apertou

choque para ela: além de ver e

os passos e o guarda-chuva em

ouvir, também podia sentir! Aque-

suas mãos. Precisava controlar o

la constatação foi tão aterradora

seu pânico, que dava mostras de

que ela sequer percebeu com que

vir à tona depois de muitos anos.

solenidade a criatura a tocava. Era

Faltavam apenas duas esquinas

quase uma carícia.

para chegar ao seu prédio. De repente, um frio enregelante fê-la parar abruptamente. Era como se a temperatura tivesse desabado a graus negativos de um segundo a outro.

Janete sufocou-se e engasgou-se, dando dois passos para trás e jogando no chão tudo que tinha em mãos: guarda-chuva e bolsa. Desviou-se da sombra demoníaca e correu o máximo que conseguia

As sombras do muro avançaram

sobre os saltos altos de scarpin que

adiante

incorporando-se,

usava. Em seu desespero, não per-

tomando a forma humana sem

cebeu para onde ia, entrando

abandonar a aparência de sombra.

numa rua estreita e erma entre

E, pela primeira vez em sua vida,

dois prédios enormes.

dela,

Janete vislumbrou os olhos do demônio, que a fascinavam e aterrorizavam ao mesmo tempo. Eram

O Demônio nada fez. Permaneceu parado, apenas observando a fuga

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da clarividente. Ele estava pesaroso, pois deveria fazê-la passar pelo pior momento de sua vida. Gostaria de poder poupá-la de tal sofrimento, mas era a única forma para ela fazer a passagem para as Sombras e para, finalmente, a sua posse. Afinal, ela pertencia a ele e ao mundo dele. Em seu pavor, Janete não percebeu que havia se enfiado numa ruela que só não era completamente escura porquê uma lâmpada, num poste precário, tentava iluminar alguma coisa por ali. Apenas voltou a si quando viu e ouviu as movimentações nas sombras com tal intensidade que jamais

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presenciara

até

então.

Parou,

morreria nas mãos daqueles cana-

novamente estarrecida, quando

lhas, uma abençoada sensação de

dois vultos avançaram em sua

torpor tomou conta dela, cessando

direção. Apenas se deu conta de

toda agonia e dor. Nem o frio mais

que estes eram de carne e osso e

sentia. E as Sombras se aquieta-

bastante humanos quando a agar-

ram e silenciaram. Uma sensação

raram com violência e a arrasta-

morna de traquilidade se apossou

ram para dentro do vão de um dos

dela e onde antes a sua carne fora

prédios, arrancando suas roupas

brutalizada, estava sendo com-

com brutalidade. Talvez fosse sorte

pensada por carinhos ternos e

que a sua mente estivesse tão

calmos, como jamais recebera em

embotada e confusa, pois não con-

sua vida.

seguia atinar com o constrangimento que sofria nas mãos daqueles dois homens. Somente pensava, via e ouvia as Sombras, até que a dor contundente no centro do seu corpo a trouxe de volta àquela realidade, apenas para ter a infeliz e total noção domal que lhe ocorria. E outras dores mais se seguiram em outras partes de seu corpo, pelos dois homens que a estupra-

Ao abrir os olhos, Janete se deparou com aqueles olhos inumanos de luz, que a fitavam de forma que pareciam enxergar a sua alma. E, desta vez, apenas sentiu o fascínio que eles exerciam sobre ela. Finalmente soube que fazia parte desse Mundo das Sombras e do Demônio que fundia seu corpo escuro e etéreo ao dela.

vam ao mesmo tempo e feriam a sua carne violentamente. Quando Janete pensou ter atingido o seu limite do suportável e que

E ela também se tornou escura como uma sombra, e etérea como o ar. 39


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NIOS

Ô DEM

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Um dia qualquer O lugar não era escuro. Nem precisava ser. Bastava que fosse como aquele outro dia. Algo de seu cotidiano. Apenas entrar em casa após mais uma suada jornada de serviço. Tudo o que precisava, encontrava ali, bem à sua frente. Mas isso apenas se deu porque costumava faltar ao trabalho de vez em quando. E, a bem da verdade, ele pouco ligaria se fosse despedido. O ofício não lhe dava prazer. No máximo, pagava suas mirradas contas. Era mais um brasileiro que vivia a seu modo. Um modo um tanto preocupante, diriam seus amigos e vizinhos, caso realmente soubessem que ele era um cara perigoso. Mas perigoso até que ponto?

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I

sso ele não sabia. E com toda certeza, quem quer que o visse agora ali, em sua agradável cozinha, pensaria sobre o que é ser extremamente perigoso. Sentado se encontrava. A mesa estava posta. Ainda dava para ver o sol despontando no horizonte cravejado de casas e prédios. Cena curiosa para ele. Pois via apenas as silhuetas. O dourado que irradiava chegava a lhe fazer pensar sobre o que ele era. Podia ser luz e trevas. Não importava. Importava para outros.

Nesse exato momento, chegava à conclusão de que não era perigoso. Apenas agia de uma forma diferente dos demais que preenchiam a sociedade. Quem sabe um dia as outras pessoas se apercebessem e começassem a fazer algo similar. Ou até pior. Não dava para saber.

Gostava de ter a companhia feminina. As mulheres eram o tudo e o todo...

Mas ele ali em sua cozinha, limpa, com o odor de algum produto de limpeza para a louça… bem, para ele em absolutamente nada importava. Trabalhar. Trabalhar era só uma parte da vida que servia de muleta. O que lhe dava tesão era em sua residência ficar. Não apenas na cozinha, mas em todos os cômodos. E isso porque morava sozinho. Ou quase sozinho. Estava na casa dos trinta, beirando os quarenta. O futuro

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nunca foi incerto. Pois o que amava fazer iniciou-se ainda na infância. E agora, sentado, pensava se esperava um pouco mais. Tinha um apreço especial por agir na escuridão. Mas isso não era uma regra. Às vezes, em locais banhados pela claridade (natural ou artificial, tanto fazia para ele), dava um aspecto de momento sagrado.

Quem teria sido o tolo que desencadeara a moral? Quem poderia garantir que tirar a vida de outrem era mesmo algo ilícito? Quem em sã consciência teria a capacidade de dizer se os mortos não estavam em situação infinitamente melhor que os vivos?


Para ele, a vida era uma passagem. Assim como os outros atravessavam a porta, ele sabia que, a qualquer momento, também faria a travessia. Mas esta tinha de ser do seu jeito. Olhou para o fogão e viu que algumas manchas insistiam em ali permanecer. Tudo bem. Ninguém além dele notaria. As grandes vantagens de viver uma (quase) solidão. Pois nem visitas existiam. O que era bom demais. A não ser quem ele para casa trazia para contar alguma história verídica de sua vida. Mas não eram os colegas de trabalho. Deles, queria uma distância infindável. Gostava de ter a companhia feminina. As mulheres eram o tudo e o todo. Mas tinham o seu tempo. E para um cara como ele, grande, as mulheres deviam ser jovens. Jamais chegar a ter sequer um único fio de cabelo branco. Não chegar a uma idade em que elas se sentissem subtraídas de um mundo repleto de desigualdade.

horizontal. As sombras logo deixariam o ambiente doméstico sem a presença de vida. Mas, sem a presença de qual vida? Era uma pergunta que ele sempre se fazia. Porém, o resultado era o mesmo. E a isso se somava a geladeira. Costumava beber um litro de cerveja antes do ritual. Não no gargalo, mas sim no copo. Era antiético fazer tal afronta aos bons costumes.

A

cidade era Francisco Alves do Sudoeste. Localizada entre Francisco Beltrão e Pato Branco, no Paraná. Mas o homem da cozinha não era natural desse

O sol era agora um ponto que se ramificava em uma linha 47


estado. Nascera em São Paulo e especializou-se no Rio de Janeiro em algo que poucos eram extraordinariamente interessados. Nunca casara. Mas teve diversos filhos. Todos bastardos que nunca imaginariam quem pudesse ser o pai. Ele perambulara um tempo pelo Centro-Oeste. Chegara ao litoral do Nordeste. E também conhecera uma parte da floresta quando fora para Manaus. Mas, acabou por aterrissar no Sul. Achava que a cidadezinha era perfeita. Lugar calmo. Sem consequências futuras. Dava para arriscar? Sim. E foi muito mais longe do que podia imaginar.

A

ssim que o sol desapareceu, a cozinha fora encoberta pela escuridão. Estava na hora. Não que precisasse de um momento certo para o que iria fazer. O que ele ansiava era o fazer. Sem arrependimento. Sem dó. Sem mágoa. Sem nenhum suspiro de tristeza, mas sim de alegria. Precisava de um incentivo para viver. E isso era o que para qualquer um se chama de fazer o ilícito. Adentrar em um campo onde a dor sustentava o sentido primordial. Ele amava a vida. E sabia que tirar a vida de outra pessoa era como dar a chance de escapar de um mundo onde o caos imperava gradualmente a cada dia. Onde as chances de sucesso se mostravam cada vez mais ínfimas.

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Pegou a garrafa vazia e atirou contra a parede. Sempre tinha disso. Depois ele faria a limpeza. Era bom para treinar. Pois seu costume maior era causar sujeira. E sem que mais nenhuma outra pessoa percebesse. Sua casa era localizada em um conjunto habitacional recentemente inaugurado pela prefeitura, que utilizara recursos do governo federal. Ele desconfiava que uma boa parte da grana pública havia sido desviada. Pois não eram poucas as casas que ainda não estavam prontas. Mas, assim mesmo, o que já estava em pé, podia abrigar várias famílias. Ele mesmo achava que não conseguiria ter esse lar. Mas conseguiu… E, graças a isso, sorriu cada vez mais. A vantagem era a localização. O lar estava isolado das demais construções. Ninguém o importunava. Podia ouvir música com o volume no máximo se assim desejasse. E, em verdade, o fazia. Mas uma música macabra.

L

evantou-se e abriu a braguilha. A barriga pesava um pouco. Impossível era manter a forma sem fazer algum exercício. Porém, isso não interessava. Foi até a janela e puxou as cortinas. Deu uma olhadela na mesa e achou que não mais havia qualquer necessidade de ler o jornal. As notícias eram comumente as mesmas. A não ser manifestações pelo Brasil adentro. Mas, fora isso… Tinha uma época em que ele adorava ler o caderno policial. E, hoje, apenas comprava o jornal para tentar parecer o cidadão de bem que quer se manter informado acerca da violência de sua própria cidade e região. Quem diria, Francisco Alves do Sudoeste, mesmo sendo pequena, não era bem vista. Lembrava facilmente os grandes centros. Ele esticou os braços e uniu os dedos. Sentiu o som e o leve impacto dos ossos. Suspirou e começou a andar para o quarto. A casa podia ter sido construída pelo governo, mas ele andou trabalhando nela. E, com muito esforço, fez um porão. Nada que comprometesse a estrutura. A entrada era por um alçapão que ficava oculto pela cama. Não era algo magistral, mas funcional.

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Arrastou a cama, lembrando se todas as janelas estavam fechadas. A casa tinha duas portas. Uma na frente e outra nos fundos. Parou por um momento e pensou. Também não importava. Tudo que começava, um dia terminava. Normal mesmo. Abriu aquela portinhola e desceu.

A

cendeu a lâmpada e começou a estudar a menina de vestido curto e pés descalços.

Franzina. Andava próxima de completar dez anos. Era branca. Um contraste com a pele negra do homem alto que a encarava. Ela estava estirada em um colchão. O chão de terra batida. O lugar era apertado, mas com ele ali, ficava ainda menor. A garotinha estava desacordada. Era apenas mais uma que ele pegara com facilidade. Tinha tanta experiência no assunto que chegava a se perguntar se não podia ministrar um curso para quem mais se interessasse em se tornar um assassino de primeiro nível. Deu um passo e sua cabeça encostou na lâmpada, que dançou. Fazendo um leve estalo. As sombras que foram desenhadas correram pela menina, que se remexeu rapidamente. Não haviam marcas de violência nela. Mas os olhos estavam marejados. Ele sacou uma faca do bolso traseiro. Era pequena. Mas tão cortante quanto o seu desejo de fazer o mal. A menina abriu os olhos. E quando a isso fez, teve a certeza de que seria a última vez. O homem não se daria por satisfeito apenas em cortar. Queria ejacular. Queria entrar onde houvessem buracos. Ele fazia isso porque tinha intenção de salvar. Tirar a menina desse mundo escroto. Por que fazê-la sofrer, então? Porque algo dentro dele dizia que era a única forma de poder atravessar a porta de uma maneira pura, deixando toda a podridão para trás. E, por fim, ele avançou, imaginando se o jornal sobre a mesa conteria alguma informação sobre como fora encontrado o mais recente corpo… e, por isso, se arrependeu de não ter dado uma conferida… e prometeu a si mesmo que nunca mais deixaria de abrir o informativo de papel todas as manhãs durante o café… Agarrou os cabelos da menina, que se debateu, gritou e chorou…

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O restante, dava para acompanhar pelo jornal. 51


A ATRIZ

GÓTICA WICCA A atriz em formação Adriana Billa é assistente fiscal em uma indústria paulista. Passa seus dias lidando com a ciência exata dos números, com cifras, porcentagens, deduções. À noite, é hora de colocar espartilhos, braceletes com spikes, lentes de contato, muito lápis e entrar no universo gótico e do Rock. Billa é a proprietária do bar Billa Rock Café, voltado para o público roqueiro, na Avenida Brasil, em Ferraz de Vasconcellos, na cidade de São Paulo. “Quando chego em casa e mudo meu visual, me sinto como se fosse o Clark Kent virando o Superman” brinca. Para ela, esse universo é muito mais que um negócio, é um estilo de vida. 52


BRUXINHA CUIDADO COM SEUS ENCANTOS!!!

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C

riada em família evangélica, desde cedo ela começou a encarar a dificuldade que grande parte da sociedade tem em compreender essa ou outra tribo de jovens que fogem dos padrões de comportamento convencionais. Tudo começou quando ela tinha em torno de 13 anos e se apaixonou por poesias sombrias, como as de Augusto dos Anjos, e por contos de terror. “Eu adorava a coisa intensa, fatalista”, explica. Ela começou a escrever seus próprios poemas que, admite, eram uma forma de lidar com seus problemas pessoais. “Era uma maneira de não afrontar minha família e ao mesmo tempo de desabafar o que eu sentia, aí depois que passava esse momento, eu rasgava e jogava fora sem mostrar pra ninguém”. Olhando com a perspectiva de adulta, a própria Billa reconhece que fazia muita tempestade em copo d´ água, criando dramas enormes por coisas insignificantes como, aliás, todo mundo faz aos 13 anos, mas acredita que esse processo ajudou no seu crescimento pessoal. “Hoje vejo que os problemas são muito mais sérios e que não posso deixar que me afetem tanto quanto nessa época”.

VISITADA POR MORCEGOS

Foi por volta dos 18 anos que ela realmente começou a estudar mais a fundo essa cultura, incluindo a literatura e a música. Se interessou em especial pelo Rock pós-punk dos anos 1980. ela começou também a adotar o vestuário típico da tribo gótica, com as roupas pretas, as botas, espartilhos, braceletes, cintos e outros acessórios. Ninguém mais em sua família tinha essa tendência, então o visual causava um estranhamento enorme (ela tem uma irmã e um cunhado que hoje são pastores). “Meus amigos vinham me buscar para sair, usando sobretudo, roupas assim, e meu pai dizia “ tem uns morcegos aí na porta te chamando!”. Para completar o cenário, ela tinha o quarto cheio de posteres de banda colados em um tecido preto pois não podia pintar as paredes, hoje tem o quarto todo pintado de vermelho, enfeitado com bruxinhas, fadas e coisas do gênero. Apesar desse tipo de brincadeira, ela garante que nunca chegou a ter brigas pesadas por causa desse estilo diferente. Como Billa continuava sendo, no geral, uma boa filha, responsável, que tirava boas notas na escola, a atitude era perdoada e encarada como uma fase normal da juventude. “Eles viram que era algo que não me prejudicava, aliás estava me ajudando a tirar boas notas, porque eu lia muito”, acrescenta. Mesmo na escola, ela conseguiu ser bem aceita, até porque evitava exageros no vestuário e tinha colegas que também faziam parte da tribo. “Conheci pessoas nessa época com quem tenho amizade até hoje”, reforça.

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PODER NAS MÃOS

VOCÊ ENTREGARIA SUA VIDA PARA ELA?

LONGE DE ESTEREÓTIPOS

De fato, ao conversar com ela, não se vê nada da imagem estereotipada pela televisão e filmes do gótico sempre mórbido, depressivo e obcecado com coisas

negativas e grotescas. Além de belíssima, Adriana Billa é sorridente, simpaticíssima, comunicativa e dinâmica. Exatamente por ser tão responsável, tão “normal” durante o dia, ela admite que essa outra cultura, essa identidade podem ser formas de

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liberar um outro lado da sua personalidade. “Quem vê uma foto minha de dia e outra tirada na balada não diz que são a mesma pessoa”, ironiza. “Continuei com isso depois da adolescência porque me identifiquei com a cultura, com essa idéia de rejeitados, daquilo que as pessoas não gostam, queria ver o que tinha de bacana nisso e hoje descobri. No geral não, mas de vez em quando gosto de chocar um pouco, ver a reação das pessoas é interessante”. Ao lidar com os religiosos mais insistentes e menos compreensivos, ela procura contornar. “Não fico tentando mudar a pessoa, cada um tem a sua ideia do que é certo e errado. Se é assim que ela vê, tudo bem então”. Assegura que nunca sofreu episódios mais agressivos de preconceito, mas já viveu situações inusitadas no metrô. “Eu já cheguei com as roupas, adereços, a maquiagem bem pesada e as unhas pretas e compridas e, quando

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sentei no banco, teve gente do meu lado que levantou e foi pra outra parte, como se eu fosse atacar de repente”, relembra rindo. “As pessoas às vezes se chocam com poesias que eu leio falando da morte, até admirando, vendo ela como uma deusa”. Billa não entende o tabu que as pessoas têm de falar nesse assunto, “porque é algo pelo que todos vamos passar, é inevitável, mas não quer dizer que esteja querendo atrair isso, que fique pensando em morte a todo instante”. Ela fez faculdade de Letras, onde conheceu outros fãs da literatura gótica e de terror e, mais uma vez, ajudou a mudar opiniões ao mostrar a riqueza dessa cultura. “Existe toda uma literatura clássica desses gêneros, como Allan Poe e Lovecraft, então me realizei, fiz muita gente ver porque eu curtia tanto isso”. Ela admite que existe uma minoria de fanáticos que exageram e acabam comprometendo toda a imagem dos góticos. “Você tem a pessoa que faz plás-

ENCANTADORA Você viajaria no tapete mágico dela?

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tica, serra os dentes, faz implantes para parecer vampiro. Cada um faz com seu corpo o que quiser, é claro, mas acho exagerado, quer dizer, você não vai realmente virar um vampiro e sugar sangue se fizer isso, mas o fanatismo existe em qualquer grupo. Ser gótico vai além das roupas que usa ou do que aparenta ser”.

REUNIÃO DE AMIGOS

Outro fato da vida de Billa que foge dos clichês sobre góticos é que sua ideia para o bar nasceu da sua adoração pela sitcom norte-americana Friends. “Eu adoro a série, queria um ambiente como aquele do Central Perk (um café que servia constantemente como ponto de encontro entre os protagonistas da série), um local para as pessoas se encontrarem, baterem papo, mas mais informal e descontraído”. Foi então que em uma conversa com pessoas próximas chegou a conclusão de que um bar seria mais próximo do que ela pretendia. Ela lembra que o Billa Rock Café não é voltado exclusivamente ao público gótico e sim ao de Rock em geral, incluindo, entre outros, Metal, Hard Rock, Grunge e Punk. De fato, as tribos acabam se misturando no ambiente. “No começo, cheguei a ficar com medo, achando que podiam rolar brigas, mas não foi assim, o pessoal hoje não tem aquela visão tão radical do passado, de não se misturar, o que eu acho ótimo”, aponta. “Tem gente que curte Techno, por exemplo,

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“As pessoas às vezes se chocam com poesias que eu leio falando da morte, até admirando, vendo ela como uma deusa”. passa na frente, escuta o som, fica interessado e entra e, por incrível que pareça, ainda tem alguns que chegam na portaria e perguntam se podem entrar, se precisa estar vestido de preto, esse tipo de coisa, mas quando estão lá dentro acabam se divertindo”. Muitos, garante ainda, estranham o visual dos frequentadores. “Alguns caras ficam até com medo de chegar nas meninas, acham que vão levar um soco, mas aí conversam e vêem que a garota é uma graça”. O bar tem atrações variadas. Inclui apresentações musicais, dança, literatura e teatro que se revezam no seu palco. Às quintas-feiras, abre espaço para outros estilos, como Pop/Rock, acústico e MPB, enquanto às sextas e sábados são voltados às tribos roqueiras. Nos domingos, faz eventos para o público roqueiro mais jovem, até as 22 horas. “São aqueles adolescentes que não têm idade para entrar nos outros dias, que estão ainda começando a aprender e fazer parte da cultura Rock and Roll”. Ela passou por um aperto entre os meses de janeiro e maio, quando o bar ficou fechado em meio à onda


COINCIDÊNCIA? OU O EROTISMO SEGUE CADA PASSO QUE ELA DÁ? de paranoia generalizada em relação à segurança de casas noturnas que se seguiu à tragédia da Boate Kiss. “Vieram falar coisas absurdas, que nossa saída de emergência não comportava o público, coisas assim. Conseguimos toda a documentação necessária, fomos até um juiz que emitiu um termo e, agora, se alguém vier questionar, é só mostrar esse documento”.

NÚMEROS

Mesmo com toda a paixão que tem por essa cultura, durante o dia Billa exerce uma atividade que não poderia estar mais distante, como 59


Encantadora SABEDORIA, CHARME E FORÇA SOBRENATURAL

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assistente fiscal. Além de Letras, ela estudou em cursos de Administração e Contábil e voltou-se para a contabilidade. “Acabei me interessando pela área fiscal, é bom saber o quanto você está pagando de impostos!”. Ao trabalhar no ambiente formal de um escritório, de início precisou ser extra cuidadosa com o figurino, mas hoje fica num meio-termo, combinando calça social com bota e espartilhos e usando maquiagem discreta. “Novamente, depois de me conhecerem meus colegas mudaram totalmente a forma como viam os góticos e roqueiros em um modo geral”.

SER QUEM QUISER

Como se sua agenda já não fosse cheia o bastante, Billa está alimentando uma outra paixão, o teatro. “Eu sempre adorei essa coisa de poder ser outras pessoas sem deixar de ser quem você realmente é, pessoas que você gostaria de ser mas não tem coragem”. Conta que o processo do ator a interessava desde muito cedo, quando via filmes. “Eu me perguntava como a pessoa vivia

“As praticantes que eram perseguidas antigamente em geral estavam tentando curar pessoas, usando o poder medicinal natural das plantas”

aquilo, como criava uma personagem”. Ela começou em uma oficina gratuita em Itaquera, São Paulo, depois em um de seus cursos administrativos ficou responsável pelo projeto teatral no qual precisou montar uma peça em pouco mais de um mês. Fez uma sobre os sete pecados capitais em que cada pecado era representado por uma mulher, um homem era a humanidade tentando conquistar o mundo, mas sendo impedido por elas. Atualmente, cursa uma oficina aos sábados, mais voltada à comédia, e outra às terças e quartas, que trabalha com ideias mais sombrias e “loucas”. Ela viu uma peça montada por eles chamada “O Velório” e ficou admirada. “Assisti e pensei: nossa, tem tudo a ver com o universo gótico, com o lado negro da força”. Billa pretende continuar fazendo teatro, mas tem muita vontade de trabalhar também em filmes. Já a televisão não a empolga tanto. “Tem coisas de qualidade, como seriados e minisséries, mas em novela não tenho muito interesse”. Já criar uma personagem voltada para o terror, como os da Contos do Absurdo, com certeza é algo que ela quer explorar.

MONSTRO SIM, BONITINHO NÃO!

Para ela, a popularização atual do terror, do vampirismo e dos zumbis tem lado positivo e negativo. “A série The Walking Dead é muito bem trabalhada, 61


mas aí todo mundo começa a falar de zumbis, vêm outros filmes e seriados tipo Guerra Mundial Z, você acaba saturando, jogando muita informação sobre a mesma coisa”. Apesar de achar vampiros sexy, ela não se liga na onda Crepúsculo. “Agora tudo tem que ser bonitinho, mas monstros não são para ser bonitinhos, o pessoal que curte esses filmes de agora muitas vezes não conhece as coisas legais do passado, como um Christopher Lee”.

BRUXINHA DO BEM

Ela também levou o interesse por esse universo para o lado espiritual. Billa estuda e pratica Wicca, uma religião milenar que até hoje é mal vista por muitos cristãos como bruxaria e até adoração do diabo. “As praticantes que eram perseguidas antigamente em geral estavam tentando curar pessoas, usando o poder medicinal natural das plantas”. Assim como ocorre com os góticos, ela lembra que existem alguns praticantes que agem mal e, mesmo sendo minoria, prejudicam a imagem de todos, quando de fato a Wicca é uma magia natural, que enfatiza o bem no ser humano. Ironicamente, hoje os tratamentos medicinais à base de plantas estão na moda. Ainda por cima, um dos pontos essenciais da Wicca é a adoração e preservação da natureza, numa época em que se fala o tempo todo em preservação do meio ambiente e desenvolvimento sustentável. Os mesmos que, no passado, estigmatizaram essas práticas como magia negra ou satanismo são, em grande parte, os responsáveis pela intensa degradação ambiental que coloca em risco o futuro da vida no planeta. “Se, no passado, tivessem dado mais ouvidos aos seguidores da Antiga Religião, talvez hoje a gente não vivesse essa situação de efeito estufa e outros problemas”, aponta Billa. Ela faz seus próprios preparados, mas que também passam longe dos velhos estereótipos de jogar pés de rato e asas de morcego em grandes caldeirões fumegantes. “Eu faço coisinhas para mim, um perfume que acho que vai ser bacana, algo para atrair boas vibrações, tenho um potinho com pedras que servem para diferentes coisas, como saúde e dinheiro”. Às vezes, no fim do dia, acende um incenso ao chegar em casa, principalmente depois de um dia difícil no trabalho. De fato, Billa vê nesse tipo de ritual um efeito mais psicológico do que literal, de estimular o poder da mente. “Não é que o incenso necessariamente vai melhorar tudo em minha vida, mas o ato de acendê-lo me ajuda a mentalizar e atrair melhorias para ela e, no fundo, todas as religiões são isso, rituais que as pessoas praticam para se sentirem melhor. Um culto, uma missa é uma troca de energias entre as pessoas. Você se reúne com pessoas que pensam parecido, em busca de um bem comum”. 62


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PORTFOLIO DO ABSURDO

Fotografia

Visão do TERROR Felipe Martins 34 anos Fotografo desde 1999 Ganhei prêmio de fotógrafo revelação em 2010 na Escola São Paulo com a Foto ‘Fifties’

Você sempre foi fã de terror? Via muitos filmes desse tipo na infância e juventude? Sempre fui muito fã de filmes de terror. Adoro “A Hora do Pesadelo”. Acho que um dos melhores personagens de filmes do gênero, com certeza, é o Freddy Krueger. Recentemente, revisitei este filme para ver detalhes que haviam se apagado da memória. Excelente! ‘O Massacre da Serra elétrica’ é também um Clássico. - Como você começou a se interessar por fotografia, especificamente voltada para o terror? Esse tipo de fotografia começou a me interessar em 2010, quando fiz 1 Semestre de Fotografia na Escola São Paulo. Lá consegui ver o trabalho e analisar muitos fotógrafos incríveis. Depois comecei a ver que existia um caminho a percorrer que é muito pouco explorado. - A fotografia em geral enfatiza o belo, o estético. O terror em geral lida com o feio, o grotesco, o sombrio. É difícil para você trabalhar essa estética nesse meio? O seu trabalho é bem compreendido? Não acho complicado, porque o belo e o estético são questões pessoas e interpretação. Existe o belo no meio do terror. Assim como existe a estética. Você só precisa saber extrair e trabalhar com isso.

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_ Além da fotografia, você se envolve com o universo do terror de outras formas? Se envolve, por exemplo, com a tribo gótica ou vampira, esse estilo de música, o visual? A única tribo que eu tenho são as do Rock, Heavy Metal. Ouço desde pequeno por influência do meu irmão mais velho. Toco guitarra desde os 14 anos, tive algumas bandas. Já fui cabeludo metaleiro, andava sempre de preto. Minhas tatuagens, em sua maioria, são de caveiras, demônios e seres maléficos. - Como o terror inspira sua fotografia? São filmes, literatura, situações de terror da vida real? Na verdade, andar por esse caminho foi muito natural, porque o que eu faço, eu tento sempre colocar em situações que poderiam acontecer realmente. Na fotografia, não tenho atração pelo exagero. São situações, em sua maioria, muito plausíveis. Acho que é daí que desperta o interesse nas pessoas. - Que imagens você consiera mais assustadoras? Com certeza as imagens que me transporto para dentro daquela situação. Ela tem que mexer com você, te levantar lá no alto, sacudir e você sair de lá se perguntando: “Será que aconteceu mesmo?”

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OMEN LOBIS

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Obrigado, SENHOR! Acalmem-se. Aqui vocês estão seguros!!!

Os cordeirinhos só estão assustados e famintos!!!

Entrem no meu paraíso, comam e tomem banho. Tentem descansar!!

Não sei como podemos agradecer... preciso da carne de vocês macia, ops! quero dizer vocês terão camas bem macias....

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Aqui é meu império! Graças ao pai de luz e fé...

É maior que o Templo da UNIVERSÃO!!!

Chega de falsas esperanças...

Chega de miséria...

Chega de falta de carinho...

iremos servir o jantar logo, por favor. troquem essas roupas e renovem os perfumes

Meu mordomo irá acompanhá-los até seus aposentos.

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Shampoo e sabonetes da melhor qualidade, banho quente... Peles cheirosas e macias

nada se compara com a vida que eles ir茫o ter agora!!! uma vida com fartura!!!

os problemas parecem descer pelo ralo, junto com a sujeira!

Roupas importadas que valorizam os corpos! J贸ias e tudo do bom e do melhor!

hi!hi!hi!

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nossa que gatona!!!


o senhor deve ser muito rico!!! É muita comida!!!

com o quê o Sr. trabalha? trabalho com compras e vendas. Sempre compro barato o que eu quero.... hum...o senhor tem esposa???

olhares discretos

e muito tesão!

A coisa está esquentando e vai esquentar muito mais....

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vamos logo com isso.... nossa só tem uma cama...

não vamos precisar de outra hoje você vai ser nossa!!!

eh! eh! eh! ai, que tesão!!!

Calm down! Here you’ll have all you need. Come in, eat and get a bath!

isso seu otários!deixem a luxúria, a gula e ganância tomarem contas de vocês...

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nossa que noite deliciosa!!! acordem! está na hora de trabalhar.

agora vocês serão famosos! Atores pornôs amadores

vou colocar esse filme na internet!!! você não pode fazer isso!

não!!! Eu quero que vocês conheçam a minha fazenda,aqui preparamos gado de primeira

vocês terão que ajudar, nada é de graça....

coloque uma roupa simples para ajudar. eh! eh! eh!

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hoje nos vamos marca-los com ferro e fogo...

Vocês foram atacados por um bando que fugiu do meu rebanho

está na hora da raça de carne deles...

está cada vez mais difícil encontrar carne de primeira para os meus bichinhos,

apesar do investimento caro com comida, banho e cama, o resultado é sempre satisfatório...rs...rs..rs.

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NHO TONI

IABO DO D

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A ORIGEM - parte 2

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Gosto desses lugares assim. Grandes, vazios.

Me assustam, mas minha imaginação viaja. Qualquer coisa pode sair daí. É como andar no trem-fantasma...

... Mas sem aqueles bonecos nada-a-ver.

Viram? Falei que a princesinha ia entrar na fábrica!

Menina doida! Não te contaram, não? É aqui que o monstro ataca! Devora gente e joga os ossos fora!

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Volta aqui, putinha!!

Viram? Tava só se fazendo de difícil! Assim que é gostoso, né?

Olha só, tão novinha, tão princesinha... e já tem peitinho!

NÃO!!

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R !! G RR R O O O O A A A A A R R !! Continua.

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No Dia das Bruxas Criador Mario Mancuso Publisher Daniel Vardi Editor-chefe Alexandre Winck Conselho editorial: Alexandre Winck, Daniel Vardi, Francisco Tupy, Mario Mancuso Projeto Gráfico: Publigibi sob projeto inicial de Isabella Sarkis

Contos #6

Todos os direitos autorais pertencem aos respectivos autores, não podendo ser reproduzida sob quaisquer aspectos sem a devida autorização dos mesmos. As opiniões e fatos aqui expressos são totalmente de responsabilidades dos autores, não significando necessariamente a opinião da revista. www.contosdoabsurdo.com.br Rua João Moura, 1088 Vila Madalena 05412-0002 São Paulo - SP (11) 2366-8880 www.publigibi.com.br contato@publigibi.com.br facebook.com/publigibi

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