São Paulo - A cidade dos rios invisíveis

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EDIÇÃO ESPECIAL DE COLECIONADOR

SÃO PAULO a cidade dos rios invisíveis



Sテグ PAULO a cidade dos rios invisテュveis



NOME

EDITORIAL

São Paulo - A cidade dos rios invisíveis é uma revista de edição especial para colecionadores. Conta a história de São Paulo através de monumentos, acontecimentos e através dos rios. São Paulo nasceu no meio de dois rios, Tamanduateí e Anhangabaú que hoje são invisíveis aos olhos de todos, canalizados e cortados perderam sua forma e lugar.

foto de capa

A foto de capa é a Av. 23 de maio que foi construída sobre o Vale do Itororó. O vale foi soterrado e a avenida ocupou seu lugar, mas não completamente. Até hoje o lugar sofre com as

O TEMA

O tema da revista é Arte & Tecnologia. A arte está presente em todos os monumentos e inclusive na cidade por inteiro que é uma obra de arte A tecnologia está presente na forma como a cidade evoluiu, desde os caminhos que atravessam a Serra do Mar e que melhoraram cada vez mais com o tempo até a Agua Encanada e os automóveis nos dias de hoje.

Palavras da redatora

Antes de iniciar esta revista, imaginei criá-la para que todos conhecessem a história de onde vivem. Dirigi-me a alguns amigos, e quase todos consentiram de boa vontade em contribuir para o desenvolvimento e aprovaram a ideia. Mudei de tema três vezes, mas todas eram relacionados a São Paulo. Troqeuei de parceiro de trabalho duas vezes e Escolhi abordar a história de São paulo desde o primórdios através de seus monumentos. No início, a intenção era fazer uma revista que mais pareceria um livro, de tão grande e recheada de informação. Com pouco tempo, diversas tarefas à minha espera e pressão que não o faria mesmo. Não nesse semestre. Portanto, venho por meio deste editorial, lhes comunicar que uma nova “revistalivro” está a caminho. E desta vez com fotos de minha autoria e transbordando informações sobre nossa paulicéia desvairada. Enquanto essa obra não se torna material, lhe deixarei a sós com minha cobaia alfa. A breve história de São Paulo através de seus rios

Marina Quaresma


SÃO PAULO a cidade dos rios invisíveis

2015

SUMÁRIO FUNDAÇÃO DE SÃO PAULO Santos São Vicente Pateo do Collegio

10-15

32-35 28-31

VIADUTO DO CHÁ

O ARQUITETO DE SÃO PAULO Ramos de Azevedo


SERRA DO MAR Calçada do Lorena São Paulo Railway

16-23

24-27

42-47

Várzea do Carmo

SÃO PAULO SEM ÁGUA

36-41

rIOS & AVENIDAS

PARANAPIACABA



SÃO PAULO: DESVAIRADA OU DELIRANTE? Por Martin Cézar Feijó

O

arquiteto holandês Rem Koolhaas definiu Nova Iorque como uma cidade delirante. O poeta paulistano Mário de Andrade definiu a cidade de São Paulo como desvairada. Delirante seria comparar São Paulo com Nova Iorque, desvairado seria não observar uma lógica na construção de uma também metrópole cultural como São Paulo; uma cidade contra os ventos que nasceu fadada ao fracasso e ao isolamento, mas que a ação humana construiu como uma das maiores do mundo, em população e em problemas, mas cuja identidade assim se esconde através de guetos e quebradas, embora se permita contar sua história cultura sob vários ângulos e enfoques. Nós, paulistanos, nos acostumamos odiar São Paulo com profundo amor. Pretensos descendentes de bandeirantes predadores, relapsos e violentamente cordiais, quando na verdade oriundo de várias origens nacionais e internacionais, que se adaptaram ao terreno, ao clima e principalmente a uma tensão típica. temos orgulho de uma cidade que nasceu de uma escola, mas estamos longe de alcançar excelência no ensino, inclusive para os padrões nacionais. Temos um passado provinciano, até caipira (sem nenhum caráter pejorativo nesta afirmação), e, no entanto, a primeira e mais importante escola de direito do País. Com várias reformas urbanas no século XX, quase sempre a favor do automóvel, hoje a cidade se debate para tirar o automóvel das ruas.


FUNDAÇÃO DE SÃO PAULO


Benedito Calixto, Fundação de Santos, óleo sobre tela.

São Vicente

Por volta do ano 1000, índios tupis procedentes da Amazônia conquistaram a região atualmente ocupada por São Vicente, expulsando, para o interior, os seus habitantes anteriores (tapuias). Quando a expedição portuguesa comandada por Gaspar de Lemos chegou ao Brasil, em 22 de janeiro de 1502, deu, à ilha, o nome de São Vicente, em homenagem a Vicente de Saragoça, um dos padroeiros de Portugal. O local, no entanto, já era conhecido pelos índios tupiniquins que a habitavam como ilha de Gohayó. Outro fidalgo português, Martim Afonso de Sousa, nomeado pelo rei de Portugal dom João III donatário de duas capitanias hereditárias que incluíam a ilha, foi enviado pela coroa portuguesa para explorar a nova colônia e colocar marcos territoriais no litoral atlântico e no Rio da Prata.

Santos

A História de Santos, que remonta aos primórdios da História do brasil, começou quando, em 21 de janeiro de 1532, uma esquadra portguesa de cinco navios, comandada por Martim Afonso de Souza, que partira de Lisboa para dar início à colonização do Brasil, ancorou numa pequena praia posteriormente chamada Praia do Goés, na Ilha de Santo Amaro. A partir dali, em embarcações menoras, os lusitamos dirigiram-se para uma baía vizinha, na costa oriental da então Ilha de Enguaguassú, onde fundaram, em 22 de janeiro, a primeira povoação do Brasil, batizada de São Vicente. Entre os 32 companheiros do fundador, achava-se Brás Cubas, fidalgo da Casa de El-Rei, que recebeu terras para colonizar e que acanou por estabelecer-se no outro extremo da ilha, mandando logo roçar o outeiro de Santa Catarina (na atual Rua Visconde do Rio Branco), erquendo uma casa e fundando aí um povoado, que ele dotou imediatamente de um pequeno hospital, o primeiro do Brasil, dedicado à Nossa Senhora da Misericórdia. Numa data que não se pode verificar ao certo, entre 1546 e 1547, a povoação do porto foi elevada por Brás Cubas à categoria de vila, passando a denominar-se Santos.

Fundou, então, a vila de São Vicente em 22 de janeiro de 1532, não sem oposição dos nativos locais. “Sustentou, por espaço de três anos, contínuas guerras com os bárbaros índios carijós, guaianases e tamoios, que os conquistou apesar da oposição que neles achou, sendo-lhe necessário valer de todo o seu esforço contra a contumácia com que lhe resistiu; porque, na posse da liberdade natural, reputavam em menos as vidas que a sujeição do poder estranho; mas, vencidos em vários encontros, cedeu a rebeldia para que, com maior merecimento e glória, fundasse Martim Afonso a vila de S. Vicente” . Martim Afonso instalou, então, em sua nova vila, os símbolos do poder organizado, construindo um pelourinho, uma igreja e uma câmara e realizando, em 22 de agosto de 1532, as primeiras eleições em todo o continente americano. Como atividade econômica da nova vila, começou a cultura da cana-de-açúcar e a instalação de engenhos para a manufatura do açúcar, principal produto do período colonial. Mas a implantação deste esquema exigiu atividades complementares, consideradas secundárias, porém fundamentais para a produção açucareira. Estas eram a pecuária e a agricultura de subsistência. As primeiras cabeças de gado a chegarem ao Brasil vieram do arquipélago de Cabo Verde, em 1534, para a capitania de São Vicente.

Benedito Calixto, Fundação de S’ao Vicente, óleo sobre tela, 1200.




PATEO DO

COLLEGIO FUNDAÇÃO DE SÃO PAULO

O

pátio do colégio é o marco da fundação da cidade de São Paulo em 25 de janeiro de 1554. Um grupo de jesuítas - entre eles José de Anchieta - inauguraram com uma missa, o Colégio São Paulo - que funcionava num barracão feito de taipa de pilão e era coberto de folhas de palmeira - que tinha por finalidade a catequese dos índios que viviam na região do Planalto de Piratininga, separados do litoral pela Serra do Mar, chamada pelos índios de “Serra de Paranapiacaba” - na língua indígena significa montanha de onde se avista o mar. O nome “São Paulo” foi escolhido porque o dia da fundação do colégio foi 25 de janeiro, dia no qual a Igreja Católica celebra a conversão do apóstolo Paulo de Tarso, conforme informa o padre José de Anchieta em carta ao seus superiores da Companhia de Jesus:

A 25 de Janeiro do Ano do Senhor de 1554 celebramos, em paupérrima e estreitíssima casinha, a primeira missa, no dia da conversão do Apóstolo São Paulo, e, por isso, a ele dedicamos nossa casa!

LOCAL

A colina era margeada por dois vales onde corriam os rios Piratininga (atual Tamanduateí) e Anhangabaú, local mais seguro que a Vila de Santo André da Borda do Campo (atual cidade de Santo André), fundada um ano antes bem próximo à Serra do Mar e constantemente ameaçada pelos mais aguerridos, destemidos e heróicos Índios Tupinambás que chegavam pelo Leste, vindos do Vale do Paraíba e Litoral Norte de São Paulo, para lutar contra o invasor Português que violentava e destruía as famílias indígenas, escravizando-as para o trabalho penoso nos engenhos de cana-de-açúcar de São Vicente. O local onde se edificou o Colégio possuía clima ameno, não tão tórrido quanto o do litoral. Era um posto avançado no interior, em local seguro, defensivo e tranquilo para que executasem o trabalho junto aos catacúmenos e longe “do barulho”, do tráfico de Pau Brasil, dos portugueses amancebados, das heresias e do canibalismo ritualístico indígena que imperava em todo Litoral do Brasil, desde o Norte até as cercanias de Cananéia. Findos os trabalhos de catequese séculos mais tarde, o Pateo do Collegio passou por diversas transformações

dando lugar à diferentes instituições. Brigas entre os colonos e os religiosos que defendiam os indígenas, culminaram na expulsão dos jesuítas do local em 1640, para onde retornariam 13 anos mais tarde. Em 1765, como foram confiscados os bens dos padres (expulsão dos Jesuítas pelo Marques de Pombal Episódio das Missões no Sul do País), o governo da Província se instalou no convento dos Jesuítas. O Pateo passou a se chamar Largo do Palácio. Nesse prédio foi instalado o primeiro teatro de São Paulo, o Ópera, com 350 lugares. Ainda, em 1882, parte do Colégio foi demolida e passou a ser o ‘Palácio do Governo’. Antes, porém, serviu de residência de bispo e governador, em 1759 e 1765 respectivamente e também foi casa de fundição. Em 1954, ano do IV Centenário da Fundação de São Paulo, finalmente, a propriedade passou a pertencer à antiga Companhia de Jesus (representada pela Sociedade Brasileira de Educação), que construiu uma réplica do antigo prédio. Hoje o complexo abriga atividades culturais. O museu, composto por sete salas, expõe coleções de arte sacra, uma pinacoteca, objetos indígenas, uma maquete de São Paulo no século XVI, a pia batismal e antigos pertences de Anchieta.

FÊMUR DO PADRE JOSÉ DE ANCHIETA Uma das maiores relíquias do Pátio, e talvez da cidade, é o Fêmur do Padre Anchieta e a parede de taipa, original, da época da sua construção.

PAREDE DE TAIPA DE PILÃO A taipa utilizada era feita de barro, terra úmida, folhas, ervas e até sangue de boi e estrume, que eram misturados e socados num pilão. Depois todo esse material era colocado em duas pranchas verticais para que a mistura secasse.


ÍNDIOS LOCAIS

No início da colonização brasileira, muitos índios foram capturados e escravizados. Os colonos diziam que os índios não eram gente, mas animais. Quando os Jesuítas chegaram ao Brasil, começaram a modificar esse quadro. Em 1537, a bula Veritas ipsa, editada pelo Papa Paulo III, declarou que os índios eram “verdadeiros seres humanos”. Por isso, deveriam ter total liberdade, mesmo os que ainda não tivessem se convertido ao cristianismo. Apesar da proibição, os índios continuaram sendo perseguidos por muito tempo. Os índios habitantes do local eram os Guaianás (ou Gaianases), da mesma família Tupi, liderados pelo Cacique Tibiriçá e por seu irmão, Caiubi, amigos dos Portugueses. João Ramalho, náufrago ou degredado que Martim Afonso de Souza já encontrou morando entre os índios quando chegou à São Vicente, havia desposado a filha de Tibiriçá, a Índia Bartira (Potira), estabelecendo assim relações de amizade não só com os Guaianases mas como também com os Tupiniquins da Costa de São Vicente. Os índios Guianás ao que tudo indica, não praticavam o canibalismo ritualístico como seus irmãos Tupinambás no Litoral Norte e Tupiniquins no Litoral Sul de São Paulo (de São Vicente e Itanhaém até Cananéia). Ramalho e Bartira geraram muito filhos mamelucos, os quais são a origem dos primeiros Paulistas.

A LÍNGUA TUPI

O tupi era a língua indígena mais falada no tempo do descobrimento do Brasil, em 1500. Teve sua gramática estudada pelos padres jesuítas, que a registraram. Era

também chamada de língua Brasílica. O padre José de Anchieta publicou uma gramática, em 1595, intitulada Arte de Gramática da Língua mais usada na Costa do Brasil. Em 1618, publicou-se o primeiro Catecismo na Língua Brasílica. Um manuscrito de 1621 contém o dicionário dos jesuítas, Vocabulário na Língua Brasílica. O tupi é considerado extinto hoje e deu origem a dois dialetos, considerados línguas independentes: a língua geral paulista e o nheengatú (língua geral amazônica). Esta última ainda é falada até hoje na Amazônia.

Você sabia que... ... Era em tupi que os bandeirantes se comunicavam? É por isso que tantos estados, municípios e rios têm nomes de origem indígena. Veja alguns exemplos: Paraná é “rio igual ao mar”; Pará é “mar”; Piauí é “rio de piaus” um tipo de peixe; Sergipe é “no rio do siri”; Paraíba é “rio ruim (de se navegar)”; Tocantins é “bico de tucano”; Curitiba pe “lugar de muito pinhão”; Pernambuco é “mar com fendas”.

Guerreira tupinambá: criação inspirada na estátua da fonte localizada no Largo dos Aflitos, Salvador-BA. Trata-se de um monumento em homenagem ao 2 de Julho, simbolizando o fim da soberania portuguesa, representada pela cobra sob os pés da cabocla.

Ilustração por Julia Saba


SERRA DO MAR A CADEIA MONTANHOSA QUE DEMOROU SÉCULOS PARA SER SUPERADA. • TRILHA DOS TUPINIQUINS • CAMINHO DO PADRE JOSÉ DE ANCHIETA • CALÇADA DO LORENA • SÃO PAULO RAILWAY



CALÇADA DO LORENA

O

porto de Santos e os outros do litoral paulista não faziam parte das principais rotas comerciais da Colônia, sendo muito difícil fazer qualquer negócio com segurança. Os produtores agrícolas do interior não se sentiam estimulados a mandar seus produtos para os portos porque não era certa a sua saída, já que freqüentemente não havia navios interessados em comprá-los. As estradas até o litoral eram péssimas, dificultando o transporte das mercadorias, encarecendo-as e muitas vezes ocasionando sua perda. O desestímulo ao comércio externo comprometia seriamente o projeto de fortalecimento da Capitania de São Paulo, desejado por Portugal. Era necessário desfazer este nó e proporcionar o crescimento da economia regional.

Nesse sentido, destacam-se duas importantes medidas da administração de Lorena, e que estavam intimamente relacionadas: ele estabeleceu o monopólio comercial do porto de Santos e realizou o calçamento da estrada na serra do Cubatão. Como consequência imediata do monopólio do porto de Santos, todo o comércio paulista passou a ser direcionado para aquela região, dependendo de uma única via de escoamento para o litoral, o “caminho do mar” na serra do Cubatão. O caminho entre São Paulo e Santos permaneceu por pouco tempo como via exclusiva de exportação agrícola paulista, mas entre 1789 e 1808 foi a principal artéria de escoamento da economia açucareira. Mesmo após o fim do monopólio santista, a exportação e a importação de produtos continuaram sendo feitas preponderantemente pelo porto de Santos e a Calçada do Lorena permaneceu como principal caminho entre São Paulo e o litoral até metade do século XIX. Assim, este caminho, que durante três séculos sofrera sucessivos reparos e consertos, teve sua importância ampliada. A necessidade de mantê-lo transitável passou a ter outra dimensão, pois a partir de 1789 tornou-se peça fundamental da política de exportação. Em face da crescente produção agrícola e do monopólio de exportação por Santos, foi necessário realizar obras para assegurar a expansão comercial. O melhoramento desta ligação na serra foi o item de maior repercussão do governo de Bernardo de Lorena, marcando a história das vias de comunicação em São Paulo.

UMA REDE DE ESTRADAS A Capitania de São Paulo durante o século XVIII possuía uma rede de estradas bem diversificada, o que lhe garantia a comunicação com praticamente todas as regiões economicamente produtivas. Este “centro irradiador de caminhos” mantinha relações comerciais com as capitanias do Centro e do Sul por vias fluviais e terrestres, e com outros locais mais afastados por via marítima, como o Nordeste e Portugal. Com uma economia voltada para o mercado interno, a existência desses caminhos ligando as regiões potencialmente consumidoras e produtoras era de fundamental importância. Mesmo com a determinação legal metropolitana de não se abrirem estradas no interior do Brasil, São Paulo se comunicava com as mais diferentes regiões, algumas a grandes

distâncias, beirando as fronteiras da América espanhola. Durante o século XVII, pouquíssimas vias tinham sido abertas e nenhuma apresentava boas condições de trânsito, dificultando a comunicação entre as capitanias do Brasil colonial. Tanto os rios, usados basicamente no comércio das monções, quanto as vias terrestres ocasionavam perdas e desgastes para os que se aventuravam a cruzar o território da Colônia. As características econômicas paulistas começaram a se modificar a partir do “renascimento agrícola”, que se iniciou na segunda metade do século XVIII, com uma agricultura voltada para o mercado externo. O comércio interno continuou a ser importante para a economia de São Paulo até o início do século seguinte; mas a lavoura da cana foi crescendo e ganhando espaço na geração de riqueza. O açúcar só surgiu como um produto de exportação importante para a Capitania quando o interior paulista começou a produzir quantidade suficiente para atingir o comércio externo. A partir de 1765, a atividade passou a ser um empreendimento voltado ao mercado mundial, permanecendo como fonte principal da economia paulista por mais três quartos de século. Para o escoamento da crescente produção açucareira do interior era fundamental a existência de caminhos entre o planalto e o litoral. Após a restauração da Capitania, a conservação das estradas passou a ter um significado maior, isto é, de atendimento aos interesses expansionistas de Portugal em relação ao sul do continente. A historiadora Maria Thereza Petrone, em seu clássico estudo sobre a lavoura canavieira paulista, afirmou que o sistema viário de “serra acima” já estava esboçado antes do surto açucareiro, pois a região do “quadrilátero” era povoada e fazia parte das rotas comerciais com o interior da Colônia. A economia açucareira apropriou-se destas vias para a sua exportação.

ABANDONO A partir do segundo quartel do século XIX, a Calçada foi perdendo sua função original. Outras vias foram sucessivamente construídas para suprir os desafios impostos pelos novos meios de transporte e do crescente desenvolvimento da economia paulista. A Calçada foi abandonada da sua função inicial e, nas primeiras décadas deste século, passou a ser utilizada como passagem de linhas telefônicas ou de energia elétrica. Localizada, em parte dentro da propriedade da Eletropaulo na regiao da serra do mar, a calçada chamou a atenção da empresa, que propôs a sua retauração, incluindo-a, inicialmente, na proposta de instalação do parque caminhos do mar. O projeto foi aprovado em 1988 e as obras terminaram em 1992. “Com a restauração da Calçada, a Eletropaulo devolve a população um importante bem cultural”, explica Roniwalter Jatobá, gerente do Departamento de Patrimônio Histórico. “E mais, a Eletropaulo reforça a atual tendência das grandes empresas no incentivo cultural e mostra sua política, que concilia serviço público, tecnologia e cuidados com o patrimônio ambiental e histórico.”


TRILHA DOS TUPINIQUINS

A chamada Trilha dos Tupiniquins também denominada como Caminho de Paranapiacaba ou Caminho de Piaçaguera, foi a mais antiga e principal ligação entre o litoral (baixada Santista) e a vila de São Paulo de Piratininga, durante o período colonial. Iniciava-se na vila de São Vicente, atravessava uma área alagada (hoje Cubatão) e prosseguia pela serra do Mar acima até às nascentes do rio Tamanduateí (atual Mauá) e daí ao córrego Anhangabaú na aldeia do índio Tibiriçá em Piratininga (atual Pateo do Collegio). A trilha passava pelo território dos Tamoios e, apesar de ser movimentada, nos primeiros tempos da colonização, muitos viajantes foram por eles atacados e devorados. O percurso consumia dois dias para subir e um para descer. Devido ao movimento crescente na Trilha dos Tupiniquins que, de São Vicente, dava acesso ao Caminho do Peabiru, Tomé de Sousa proibiu o trânsito nessas vias, ameaçando com a pena de morte os infratores.

CAMINHO DO PADRE JOSÉ DE ANCHIETA O Caminho do Padre José de Anchieta foi a designação que recebeu a variante, aberta em substituição à Trilha dos Tupiniquins O trajeto, desde Santos, era de aproximadamente 60 a 70 km, subindo pela serra de Paranapiacaba a Oeste do rio Perequê até encontrar o Rio Grande, terminando no chamado Porto Geral (colina do Pateo do Collegio). O caminho foi aberto em 1554 por João Pires, o Gago, como pena alternativa por ter açoitado um escravo até à morte. O maior tráfego do planalto de Piratininga para a vila de São Vicente era de escravos indígenas, e os produtos que subiam em retorno, eram transportados nos ombros de escravos, num percurso que consumia três dias. Sobre as condições dessa via, em 1585, o padre Fernão Cardim, tendo acompanhado o padre jesuíta Cristóvão de Gouveia de São Vicente a São Paulo, testemunhou: “O caminho é cheio de tijucos, o pior que nunca vi e sempre íamos subindo e descendo serras altíssimas e passando rios e caudais de águas frigidíssimas.”

Outras variantes desse caminho foram:

A chamada Estrada da Maioridade constituiu-se numa variante do chamado Caminho do Mar, que unia a baixada Santista ao planalto, no atual estado de São Paulo, no Brasil. O antigo caminho, conheceu sensível aumento no trânsito, recebendo melhoramentos, inclusive em seu traçado. Concluídos em 1844 o novo traçado recebeu o nome de Estrada da Maioridade, em homenagem à maioridade antecipada do Imperador Dom Pedro II (1840-1889).

TROPEIROS Além de ser o “caminho do açúcar”, a Calçada do Lorena foi também um “caminho de tropeiros”. Bem antes do seu calçamento, passavam pela serra, desde 1777, rumo aos portos do Cubatão e de Santos, algumas tropas de mulas carregadas com os produtos agrícolas do interior paulista. Mesmo sofrendo taxação sobre suas tropas e cargas, com o objetivo de “contribuir” com o pagamento da obra, os tropeiros foram os maiores beneficiados com o calçamento, pois passaram a cruzar a serra com maior rapidez e segurança.

A Rodovia Caminho do Mar (SP-148) é uma rodovia brasileira que liga o litoral do estado de São Paulo (Santos, via Cubatão) ao planalto paulista (São Paulo, via Região do Grande ABC), e constitui-se em um dos chamados Caminhos do mar de São Paulo. Atualmente, está fechada para automóveis de passeio particulares, só sendo percorrida por visitantes a pé e de bicicleta.


O OURO

NEGRO

E

m 1727, Francisco de Melo Palheta introduziu em terras brasileiras o cultivo do café, sem saber que, um século depois, seu consumo viria a ser largamente difundido e incentivado com o estouro da Revolução Industrial na Europa. Mas foi somente com a Independência do Brasil que a produção se consolidou no sudeste do país, principalmente em São Paulo. Assim, a partir de meados do Século XIX, o café começou a tomar o lugar do açúcar como principal produto de exportação do Brasil. A cultura do café exigia grandes espaços de terras e mão –de –obra (escrava), neste sentido, o aumento da produção de café estava ligado ao crescimento da entrada de escravos, que alcançou o auge em 1848, dois anos antes da Lei Euzébio de Queiroz (1850), que proibia o tráfico de escravos, quando desembarcaram no Brasil 60.000 cativos africanos. Com a abolição da escravatura em 1888 a imigração européia se acentuou com a produção do café no oeste paulista, com a chegada ao país sobretudo de italianos. No final do século XVIII, a produção cafeeira do Haiti - até então o principal exportador mundial do produto - entrou em crise devido à longa guerra de independência que o país manteve contra a França. Aproveitando-se desse quadro, o Brasil aumentou significativamente a sua produção e, embora ainda em pequena escala, passou a exportar o produto com maior regularidade. Os embarques foram realizados pela primeira vez em 1779, com a insignificante quantia de 79 arrobas. Somente em 1806 as exportações atingiram um volume mais significativo, de 80 mil arrobas. O Rio de Janeiro foi pioneiro na nova cultura, mas sua expansão continuou em direção ao Vale do Paraíba, logo alcançando o interior paulista, onde se consolidou nas regiões de Campinas, Rio Claro, Araraquara, Ribeirão Preto e Mogi Mirim. Isso porque o plantio do café esgota o solo com muita rapidez, fazendo com que pólos produtores tendam a se deslocar. Em São Paulo, esse deslocamento afastou cada vez mais as lavouras do porto do Rio, dificultando seu escoamento. A alternativa era o Porto de Santos, no litoral da própria Província de São Paulo. Porém, entre a zona cafeeira e o porto havia o maior obstáculo ao desenvolvimento da província: os 800 metros de desnível da Serra do Mar. A travessia da serra do planalto à baixada era feita valendo-se de muares organizados em tropas de centenas de animais, principalmente através da Estrada Velha de Santos, ao longo da qual havia pousadas para repouso dos viajantes e pastos para as mulas, e por outros caminhos como a antiga trilha Tupiniquim, que mais tarde seria a base do traçado de serra da SPR. Mas esses caminhos eram precários - a própria Estrada Velha chegou praticamente a ser interditada dois anos após sua inauguração, de tanto ser usada pelos tropeiros - e restringiam o cultivo do café até Rio Claro, já que o custo do frete para qualquer localidade além desse limite era tão alto que tornava inviável qualquer atividade, sendo que a maior parte do carregamento se perdia pelo caminho. Devido a todos esses fatores, era urgentemente necessário o estabelecimento de uma via eficiente que possibilitasse a transposição de pessoas e mercadorias pela Serra do Mar.

Lavoura de café no início do século XX

ANTES DAS EXPORTAÇÕES A agricultura era uma prática conhecida pelos nativos, que cultivavam a mandioca, o amendoim, o tabaco, a batatadoce e o milho, além de realizarem o extrativismo vegetal em diversos outros cultivares da flora local, como o babaçu ou o pequi, quer para alimentação quer para subprodutos como a palha ou a madeira, e ainda de frutas nativas como a jabuticaba, o caju, a cajá, a goiaba e muitas outras. Com a chegada dos europeus, os indígenas não apenas receberam a cultura mais forte e dominante, como influenciaram os que chegavam: O português passara “a nutrir-se de farinha de pau, a abater, para o prato, a caça grossa, a embalar-se na rede de fio, a imitar os selvagens na rude e livre vida”, no dizer de Pedro Calmon. Até a introdução do cultivo de exportação, o extrativismo do pau-brasil foi a primeira razão econômica da posse das novas terras por Portugal.

Ensacamento para exportação


ESTRADA DE

FERRO SANTOS - JUNDIAÍ

NO SÉCULO XIX, A INGENTE PRODUÇÃO DE AÇÚCAR E CAFÉ GERADA POR SÃO PAULO ENCONTRAVA ENORMES DIFICULDADES DE TRANSPORTE ENTRE O PLANALTO E O LITORAL, VENCENDO A SERRA DO MAR. O ISOLAMENTO SÓ ACABOU COM A CHEGADA DA FERROVIA SÃO PAULO RAILWAY, MONUMENTAL OBRA DE ENGENHARIA QUE ABRINDO CAMINHO POR ENTRE A MATA FECHADA E A TOPOGRAFIA ACIDENTADA DAS MONTANHAS, DERRUBOU AS BARREIRAS INTRANSPONÍVEIS QUE, ATÉ ENTÃO, AFASTAVAM A CAPITAL E O INTERIOR PAULISTA DO PORTO DE SANTOS.

F

oi a partir de 1852, quando o Governo Imperial instituiu a garantia de juros, remunerando o capital investido nas ferrovias, que Irineu Evangelista de Sousa, mais tarde Visconde de Mauá, empreendeu a contrução da primeira estrada de ferro de São Paulo, ligando Santos a Jundiaí, com projeto

desenvolvido por um grupo de engenheiros ingleses liderados por James brunless. A concessão, obtida em 1856, permitia explorar a via férrea por 90 anos. Os trabalhos de construção, dirigidos pelo engenheiro Daniel Mackinson Fox, num traçado que transporia a serra por um sistema de tração funicular, foram iniciados em 24 de novembro de 1860 e, após diversas inaugurações parciais, em 16 de fevereiro de 1867, foi finalmente aberta a linha Santos-Jundiaí, com uma extensão de 139 quilômetros, sendo as locomotivas da São Paulo Railway as primeiras a trafegar pelo território paulista.

A escavação de rochas foi executada por meio de cunhas e pregos de aço batidos com britadores, resultando num trabalho estafante. Mas, a despeito de todas as dificuldades, os engenheiros e seus auxiliares conseguiram reduzir o tempo da construção que era, por contrato, de oito anos, em cerca de dez meses, o que lhes valeu uma gratificação do Governo imperial. Era tal a quantidade de capitais investidos, que os ingleses acabaram por assumir o controle total do empreendimento, afastando Mauá e seu grupo, passando a administração da ferrovia a ser eminentemente inglesa.

O maior desafio enfrentado pelos construtores foi vencer o desnível de quase 800 metros que separava o planalto da Baixada Santista, transpondo uma região de garoas impenetráveis e chumvas intensas e contínuas.

Na década de 30, foram introduzidas locomotivas dieselelétricas nos trechos do planalto e na Baixada Santista, como o famoso expresso “Cometa”, cuja operação teve início em 25 de junho de 1934.

A proposta era que a rota para a escalada da serra fosse divida em quatro declives, com um comprimento aproximado de 1.700, 1.900, 2.000 e 3.1000 metros, respectivamente, tendo cada um a inclinação de dez por centro. No final de cada declive seria construída uma extensão de linha de 75 metros chamada “patamar”. Em cada um desses patamares, deveriam ser montadas uma casa de força e uma máquina a vapor, para promover a tração dos cabos. Em cada patamar, beirando a ferrovia, foram edificadas casas para os funcionários necessários ao movimento do plano e suas famílias. Quase todas tinham horta, jardim e pomar. O jornal e o pão eram jogados nas varandas todos os dias pelos maquinistas e foguistas das máquinas que por ali transitavam. Na construção do trecho da serra, não foi cogitado o uso de explosivos em virtude da natureza traiçoeira do terreno.

Ao concluir o prazo da concessão, em 1947, após oitenta anos, a São Paulo Railway era a ferrovia paulista com mais denso tráfego, sendo o seu patrimônio incorporado ao da União.

Na época a São Paulo Railway era a única ferrovia que fazia ligação com o mar; utilizou o vale do Tamanduateí como rota, reforçando a posição estratégca da cidade como ponto de encontro de várias ferrovias. Os trilhos marcaram a entrada o Brasil na modernindade. A velociade da máquina transformou a vida na cidade e alterou de forma marcante sua relação com os rios. Os peixes que antes eram tirados dos rios, agora eram trazidos do mar em vagões.


MERCADO MUNICIPAL

SEM SUPERMERCADOS, FEIRAS LIVRES OU SACOLÕES, ATÉ O INÍCIO DO SÉCULO XVIII OS PAULISTANOS COMPRAVAM DIRETAMENE DO PRODUTOR, OU DAS QUITANDEIRAS, QUE VENDIAM DE TUDO NAS PRAÇAS E RUAS DA CIDADE.

O

Mercado Municipal de São Paulo é um dos símbolos da cidade que ilustra bem o crescimento rápido da população e a necessidade de rápida adaptação às novas condições de vida que a metrópole começava a apresentar. A primeira “versão” do Mercadão foi construída no ano de 1867 ficava perto do Rio Tamanduateí, na chamada Várzea do Carmo. Esse estabelecimento, que na época ficou conhecido como “Mercado dos Caipiras” era formado por vendinhas e uma de suas características eram as precárias condições de higiene do local. Contudo, no começo do século XX, a cidade já precisava e pedia um novo mercado. São Paulo começava a ser moldada para que uma elite imigrante tivesse seus desejos e vontades aceitas pelo nosso governo. Alemães, italianos, franceses, portugueses e vários outros povos dividiam os espaços da cidade e as elites dessa época procuravam frequentar o máximo os locais de convívio social para, sempre que possível, “exibir” suas novidades e suas posses, atitude comum à época. Um exemplo claro de como a cidade mudara graças a esse seleto grupo de paulistas e paulistanos são os grandes monumentos dessa época. As grandes estruturas como a Estação da Luz (comparada à estação de Charing Cross, que move o coração de Londres), o Viaduto do Chá e de Santa Efigênia (os dois importados da Alemanha) e, até mesmo o Theatro Municipal (inspirado em à Ópera de

Paris), são indícios de uma população voltada às tendências culturais da Europa e dos Estados Unidos. No ano de 1924, quando a cidade estava sob a batuta do prefeito Firmiano Morais, foi sancionada a Lei que aprovava o estudo e a construção de um novo mercado na cidade de São Paulo. A construção do Mercadão, entretanto, só começaria em 1928, quando a cidade já era comandada pelo grande José Pires do Rio. Para a realização desse grande projeto foi selecionado o arquiteto mais famoso do país na época: Francisco de Paula Ramos de Azevedo, o homem que contribuiu com o Theatro Municipal, a Pinacoteca do Estado e o prédio dos Correios. A construção do edifício demorou cerca de quatro anos e custou dez mil contos de réis.

Municipal Em Construção em 1927

Vale o destaque que o desenho das fachadas é de autoria de Felisberto Ranzini e, no interior, os vitrais são de Conrado Sorgenicht Filho, o mesmo profissional que trabalhara na Sé e que, durante sua vida, faria vitrais para mais de 300 igrejas brasileiras. No caso do Mercadão, especificamente, os vitrais mostram vários aspectos da produção de alimentos. Ao todo, são 32 painéis subdivididos em 72 vitrais que ficam espalhados pelos mais de 12.000 metros quadrados do edifício.

Quando o edifício ficou pronto, duas coisas aconteceram na cidade: a primeira foi uma grande desconfiança sobre o sucesso do empreendimento já que, na visão da época, ele não daria certo devido à falta de transporte público para a região. O único transporte existente era chamado de bondes “caras-depau”, mas que era utilizado pelos comerciantes e suas mercadorias. Somente no ano de 1939 que começariam a circular três linhas de bonde nas ruas próximas ao local.


S

25 de Março

e hoje a região da rua 25 de março mais se parece com um mar de gente que invade o trecho margeado por prédios e mais prédios, mal sabem seus cerca de 400 mil frequentadores diários que, até pouco antes de 1850, a mais famosa rua comercial do País era, literalmente, um rio. Sim! Um leito do Tamanduateí, totalmente navegável, corria no atual traçado da via, recebendo as águas do rio Anhangabaú e desaguando no Tietê.

Até o fim do século, havia alí um porto que servia de escoadouro para as mercadorias importadas, que chegavam de navio em Santos, subiam a serra de carroça e, posteriormente, pela estrada de ferro Santos-Jundiaí e alcançavam o Ipiranga. De lá, eram levadas via Tamanduateí até um porto para barcas, o chamado Porto Geral - daí o nome da conhecida ladeira. Se é dificil imaginar a região dessa forma, saiba que um dos primeiros nomes do trecho que margeava o rio foi Rua das Sete Voltas (depois de Rua da Várzea do Clicério), numa referência direta à estrutura natural do Tamanduateí, com suas curvas afuniladas e estreitas, que pareciam serpentear a região. A primeira volta coincidia com a atual Rua do Glicério; a segunda e terceira ficavam na altura do hoje pontilhão da Rangel Pestana; enquanto a quarta, a quinta e a sexta localizavam-se onde fica o Parque D. Pedro II. A ultima terminava na Ladeira Geral, lugar em que funcionava o Porto Geral, de desembarque das mercadorias. No fim do século, o rio foi retificado; a área da Várzea do Carmo foi drenada e surgiram as primeiras chácaras na região. A via, então, foi chamada de Rua de Baixo, dividindo a cidade em duas partes: a Alta e a Baixa. Nesse período, o comércio, comandado pelos primeiros imigrantes árabe, concentrava-se na parte de cima, mais precisamente onde hoje, está a Rua Florêncio de Abreu. Com a urbanização pós-

drenagem, os aluguéis começaram a subir e quem pisava lá pela primeira vez se instalava na parte baixa, onde os preços eram mais acessíveis. Chegaram os bondes e o trecho principal foi rebatizado, em 1865. A Rua dos Árabes Quando se fala no povo de origem árabe radicado no Brasil, uma das primeiras associações que se faz é ligá-los ao comércio. Mestres na arte de vender, foram eles também os responsáveis pela formação desse centro de referência que hoje é a rua 25 de março. Tanto que a grande via é carinhosamente chamada de “Rua dos Árabes”, numa simpática referência àqueles que aqui chegaram e aqui encontraram um porto seguro, depois de deixarem suas pátrias por conta, principalmente, das dificuldades econômicas. Conta a história que a primeira loja aberta na rua 25 de março, já em 1887, pertencia ao imigrante libanês Benjamin Jafet. A verdade é que os sírios e libaneses deixaram seu legado e, ainda hoje, já com segundas e terceiras gerações assumindo os negócios, continuam líderes na região. Nos anos 80, porém, ganharam a companhia de outras etnias, com a chegada de gregos, portugueses e, principalmente, coreanos e chineses. No encontro da rua 25 de março com a ladeira Porto Geral Carneiro ficava o mercado A tradição do “Mais Barato” A região é conhecida pelo comércio popular, com seus preços muito acessíveis. Mas poucas pessoas conhecem o início desta prática, por meio da qual as empresas adotam valores até abaixo das oferecidos por muitas indústrias. Tudo porque, na década de 60, os comerciantes sofriam com as fortes enchentes e, como não estavam preparados, acabavam perdendo muitas mercadorias. Claro que precisavam reforçar o orçamento para recomeçar e foi aí que uma necessidade acabou se tornando a grande “sacada” daquela turma. Naquela época, tudo o que sobrava era vendido a preços imbatíveis, pra lá de atrativos. Obvia-

mente as lojas lotavam; estoques inteiros eram vendidos e, daí, fez-se a fama e criou-se uma tradição: os lojistas começaram a buscar mercadorias mais baratas e as venderem sempre à vista, estabelecendo valores muito sedutores. Por isso também é que se formou a vocação atacadista da região. No início, os fregueses não eram muitos. “Se entravam dois ou três na loja em um dia, já era o suficiente”, lembra o pioneiro Semaan Mouawad. Eles não só entravam como compravam muito, para revender em diferentes partes do País. O comércio varejista surgiu meio que por obrigação, diante da concorrência, dos vendedores de rua. No início da história, eles compravam as peças no atacado nas próprias lojas da rua 25 de março, e revendiam-nos, peça por peça, para quem se interessasse. Foi então que as lojas sentiram a necessidade de investir nesse segmento também. Em consequência, hoje são poucos as empresas que mantém a exclusividade de comercializar apenas em grandes quantidades. Nos demais, a prática atacadista convive ao lado do varejo - sempre com preços mais atrativos para quem comprar em larga escala, é claro!

Você sabia que... ...a rua recebeu o nome 25 de março em homenagem à data da promulgação da primeira Constituição Brasileira, ocorrida em 1824.



A CIDADE PERDIDA NO

MEIO DA SERRA

A vila que surgiu como centro de controle operacional e residência para os funcionários da companhia inglesa de trens São Paulo Railway


PARANAPIACABA

paranã + epiak + aba, “mar” + “ver” + “lugar” = “lugar de onde se vê o mar”

A

região de Paranapiacaba tem mostrado seu talento para trilhas desde séculos passados. Sobre aquelas terras íngremes da Serra do Mar passaram índios sul-americanos que cruzavam o Caminho do Peabiru em direção aos Andes, insistentes padres jesuítas que subiam até o Planalto de Piratininga (que anos mais tarde seria conhecido como São Paulo) e trabalhadores europeus que ajudariam a escrever a história ferroviária do Estado. Localizada no topo de uma falha geológica milenar que rasga a Mata Atlântica, entre São Paulo e o litoral, essa vila histórica declarada Patrimônio Nacional pelo Iphan tem se transformado também em destino para caminhadas de fácil acesso com visual cenográficos a pouco mais de 50 km da capital paulista. Não muito longe daquelas ruas estreitas de terra e casas em estilo europeu erguidas com pinho de riga trazido da Letônia, o visitante encontra um labirinto de caminhos com mata fechada, águas claras de nascentes do Rio Grande e uma tímida fauna que inclui jaguatiricas, suçuaranas, antas e capivaras. Atualmente, o Parque Natural Municipal Nascentes de Paranapiacaba abriga seis trilhas pelo interior dessa área preservada de 426 hectares formada por um cinturão verde de Mata Atlântica, na divisa com o Parque Estadual da Serra do Mar, que alia capítulos históricos da vila. Ao longo do roteiro é possível conhecer o sistema inglês de abastecimento que, desde o século 19, leva água para a parte mais alta da vila; a antiga estrada de pedras que chega ao topo de um mirante que abrigava as antenas da extinta TV Tupi; e os caminhos de visual panorâmico que correm em direção ao litoral de São Paulo. “Estas trilhas não visam apenas a observação de animais. Ajudamos os visitantes a prestar atenção nos rastros deixados pela fauna local. O que vale é o lúdico”, explica Laércio Marangon, guia local conhecido por ter mais de 230 sons de aves arquivados em seu celular para atrair espécies como o tangará dançarino e o papa taoca do sul durante caminhadas de observação de animais. Abandonada a partir da década de 80, a vila foi adquirida pela prefeitura do município de Santo André, em 2002, por R$ 2,1 milhões e, atualmente, funciona como um des-

tino turístico com focos ambientais e históricos. Esta vila de passado inglês às margens da estrada férrea que ligava Jundiaí a Santos surgiu em 1867 como residência para trabalhadores da São Paulo Railway Co., responsáveis pela construção da primeira estrada ferroviária de São Paulo. O destino abriga até hoje ícones da época como a residência do engenheiro chefe, uma construção em estilo vitoriano do final do século 19, conhecida como Castelinho, localizada no alto de uma colina; o maquinário do relógio da estação local que possui (distantes) referências ao Big Ben londrino; o complexo sistema funicular de transporte por plataformas até o nível do mar; e o Clube União Lyra Serrano, uma das últimas construções feitas pelos ingleses. Aquelas antigas estradas férreas não foram apenas vias importantes de escoamento de café para o porto de Santos como servem até hoje de acesso a uma das experiências mais nostálgicas nos arredores de São Pau lo (com direito a apito de trem bem debaixo da janela que ecoa, britanicamente, todos os dias na única vila ferroviária em estilo inglês preservada do Brasil). Atualmente, conta com diversos eventos, festas, museus, trilhas, etc. A cidade inteira é hitsórica. Além das trilhas e passeios educativos dentro do Parque Natural Municipal Nascentes de Paranapiacaba a vila também tem programas para os que gostam de se aventurar nas perigosas trilhas. Uma das mais perigosas e também proibida é a Funicular de Paranapiacaba, ela começa na vila vai até Cubatão. O caminho segue o rio Mogi, e pode ser feito pela terra e pedras, sempre seguindo o rio, ou pelos trilhos velhos e enferrujados de mais de 50 metros de altura, e são nesses trilhos que o perigo mora. Quanto mais perto do litoral mais deteriorados eles se encontram, as madeiras estão podres e os trilhos enferrujados, corroídos e as pontes não tem segurança alguma dos lados. O percurso tem cerca de doze quilômetros e leva em média dois dias para ser concluído. Depois de atravessar diversas pontes perigosas, passar por túneis escuros e dormir na mata, a recompensa é grande e a vista do pólo industrial de cubatão com o a mar ao fundo é magnífica.


HISTÓRIAS DA VILA

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m Paranapiacaba, iniciava-se a descida ao litoral a partir da Estação Alto da Serra, a uma altitude de 796 metros sobre as escarpas do planalto. A vila ferroviária, de típica feição inglesa, que surgiu em torno dela por volta de 1860, originou-se de um acampamento que chegou a reunir mais de cinco mil operários e técnicos, a maioria imigrantes europeus recém-chegados. Em 15 de julho de 1945, a antiga Estação Alto da Serra passou a chamar-se Paranapiacaba. A cidade tinha sua razão de ser via férrea, a mesma que a dividia em setores, conectados porém, por uma estreita passarela de pedestres. Nela distinguem-se três núcleos: a Vila Velha, o antigo acampamento, que conserva oficinas, depósitos e moradias, cuja principal via é a Rua Direita; a Vila Martin Smith ou Vila Nova, com residências de madeira sobre alvenaria, surgida por ocasião da construção da Serra Nova (duplicação da estrada de ferro), entre 1892 e 1901, com casas para engenheiros, manobristas e mecânicos, com tamanho e acabamento de acordo com o status, tendo entre as vias principais a Rua dos Ingleses, destinada aos altos funcionários da administração; e o Morro, Parte Alta ou Vila dos Aposentados, povoado por ex-ferroviários e particulares, sendo o mais ativo e descaracterizado, com ruas estreitas, botequins e casas acanhadas, onde foi erguida a única igreja, ao lado do cemitério. A residência mais imponente da vila, destacando-se no alto de uma pequena colina, era o Castelinho, construído em estilo vitoriano por volta de 1900, antiga casa assombrada do engenheiro-chefe inglês, de onde podia vigiar o pátio ferroviário e a movimentação dos trabalhadores. João Ferreira, antigo morador, relatou alguns aspectos da vida cotidiana em Memórias de Paranapiacaba: A Estação era o ponto principal de encontros para se tratar negócios, comentar sobre futebol ou sobre outro assunto qualquer. Sábados e domingos eram os dias de glória. Durante o dia o movimento aumentava mas à noite era impressionante o número de pessoas e era difícil encontrar espaços vazios nas plataformas. A maioria eram bem jovens que iam a fim de namorar, usando seus melhores trajes. Lembro-me de dezenas de casamentos depois concretizados que começaram ali. O relógio da Estação era o ponto de referência mis importante da cidade. Os operári-

os guiavm-se por ele para coordenar suas entradas e saídas do trabalho, as donas de casa, a fim de estar semore com o almoço e o jantar pronto para quando seus maridos e filhos chegasem; as crianças tomavam-no como base para seus horários escolares e, enfim, todos os moradores utilizavam-no para saer da chegada e partida dos trens. O mesmo autor refere-se às constantes e famosas névoas que cobriam a cidade: Às vezes, passávamos meses, principalmente no inverno, sem ver nem sentir o sol. As ruas da cidade eram iluminadas, mas, quando escurecia, a visão não era superior a dois metros. As lâmpadas formavam um foco de luz, iluminando apenas o poste onde estavam colocadas. Quem mais sofria eram as donas de casa que lavavam, mas não conseguiam secar suas roupas. era comum vê-las com suas cestas dirigindo-se às máquinas e estenderem as roupas junto às caldeiras para secarem. Mas o problema da neblina, era mais sentido no dia-a- dia do trabalho, já que prejudicava a atividade dos operários nos pátios ferroviários, onde era necessário que estivessem sempre muito atentos.

ocasiões. A cidade viveu períodos de espelendor e prosperidade até a década de 40, época em que entrou num vagaroso e prolongado declínio, com a estagnação da vila, o desemprego dos seus habitantes e a deterioração das construções; decadência que veio culminar com a desativação do trecho de funicular pela serra e a interrupção dos trens de passageiros a Santos. Na atualidade, a população não passa de oitocentos moradores. O velho Castelinho foi restaurado em 1986, passando a sediar o Centro de Preservação da História de Paranapiacaba, cidade cujo patrimônio histórico foi tombado em 1987, e nos galpões da antiga oficina, estão expostas relíquias da frota antiga da estrada de ferro. Na década de 70, para atender à crescente demanda de transporte de carga, foi inaugurado um novo sistema para transpor a serra denominado “cremalheira-aderência”, construído com o mesmo traçado da antiga Serra Velha, modernizaçao que provocou a desativação parcial do sistema funicular da Serra Nova, diminuindo para dois os trens diários de transporte de passageiros. Em 1981, a Serra Nova foi paralisada e todas as residências dos ferroviários do trecho da serra foram demolidas. Em 30 de setembro de 1986, a Rede Ferroviároa Federal restauro e abriu à visitação pública o funicular entre o 4º e 5º patamares da Serra Nova, considerando o trecho mais significativo por sua beleza e altitude, no qual o visitante passava por seis túneis e três viadutos, destacando-se o da Grota Funda com sua arrojada percepção estrutual. Mas essa iniciativa durou escassos meses, sendo fechado aquele trecho para “reformas” que jamais se realizaram.

A convivência entre os habitantes era dificultada por diferenças de estrato social, que eram postas de lado em raras

Ao ficar obsoleta, a velha estrada de ferro foi desativada. Quem se aventurar na serra seguindo pelos corroídos trilhos de ferrovia, poderá deparar-se com as casas de máquinas em ruínas e o mato invadindo as oficinas e as casas dos operários. Imensas árvores estendem suas raízes sobre os trilhos, encobrindo a boca dos túneis, e reina o silêncio onde outrora se ouvia o fragor das máquinas e os apitos das locomotivas, os gritos dos trabalhadores e os sons da intensa agitação que marcava o tráfego dos comboios carregando multidões. Muitos viadutos desabaram nos barrancos e seus esqueletos de aço, inundados pela bruma, criam um cenário fantasmagórico. Aqueles que resistem em pé sustentam trêmulos uma via, cujos dormentes apodrecidos tornam absolutamente perigosa a travessia, contemplanto, abismo abaixo, os córregos impetuosos que despencam da montanha.


VIADUTO DO CHÁ

Pouco a pouco os rios que antes eram a existência da cidade tornaramse obstáculos para o crescimento dela. A contrução do viaduto do chá foi o primeiro marco de superação à barreiras que os rios impunham ao crescimento da cidade. Ligou o centro velho aos novos roteamentos que surgiam ao oeste da cidade.



VIADUTO DO CHÁ

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Marechal (depois da Abdicação e do Acu), em direção à Santa Ifigênia, e a do Lorena (chamada Sete de Abril, mais tarde do Piques), rumo à Consolação, uniram a cidade velha aos sítios e chácaras que constituíram o que, por volta de 1800, passou a ser conhecido como cidade nova. O vale do Anhangabaú não passava de uma imensa chácara onde se cultivava verdúras e chá.

São Paulo surgiu com limites bem precisos: de um lado o rio Tamanduateí; de outro, a corrente Anhangabaú, topônimo indígena que comporta diversas interpretações, sendo a mais aceita a que relaciona “Anhangá” a diabo. Seria o córrego do diabo ou o bebedouro das assombrações. O ribeirão terminou dando nome ao vale pelo qual seguia seu curso: originalmente, ia da praça das bandeiras, então largo do Piques, até o beco dos Sapos, hoje praça do correio. Sua importância foi sempre muito forte na vida da cidade, primeiro por servir-lhe de divisa e, depois da transposição, por separá-la em partes distintas. para facilitar a passagem, foram construídas no começo do século XVII as primeiras pontes estáveis. Feitas de pedra, as pontes do

Com o crescimento da cidade em direção à Consolação, as pontes foram tornando-se muito acananhadas para o movimento. Foram abertas arua do Barão de Itapetininga e outras em sua vizinhança, acentuando a necessidade de uma nova ligação entre as duas partes da cidade. Os moradores que iam do planalto central para o outro lado do morro do Chá tinham que descer a encosta, atravessar o vale, passar pela ponte do Lorena e subir, dando a volta na ladeira do paredão (atual Xavier de Toledo). Não admira que chegassem exaustos ao seu destino, uitas vezes enlameados por causa do ladaçal que se formava no vale em dias de chuva. Crônicas da época chegam a assinalar que o viaduto treme tanto que as pessoas têm medo de passar por ele. Peças foram substituídas e o viaduto foi reforçado nos pontos que apresentava maior perigo. Não adiantou: até por falta de uma mentalidade preservacionista, a prefeitura optou pela construção de um novo viaduto. Hoje , quando os veículos não circulam mais pela superfície do viaduto, perdeu sua funçãoprimordial - facilitar a travessia - e se tornou supérflua.Desde 1975, o viaduto do Chá é logradouro preservado pela Lei nº 8328, que criou a chamada Z8-200. Por essa denominação são conhecidas as áreas ou objetos de caráter histórico, artístico cultural e paisagístico da cidade.

le já foi chamado de “suicidouro construído pela municipalidade” pelo elevado número de pessoas que dali saltaram para a morte. Mas talvez seja melhor pensar no viaduto do Chá como símbolo de vida. Por ele circulam diariamente cerca de 1,5 milhão de pessoas. Também é importante assinalar que foi sobre o viaduto que centenas de milhars de paulistanos se reuniram para a aquele momento de exaltação da cidadania que foi o comício das Diretas-Já, em 1984. Marco na paisagem da cidade, o viaduto do Chá está completando 123 anos neste mês de novembro. Mas não é a mesma obra arquitetônica que foi inaugurada em 1892. Naquela época, o viaduto era outro, em estrutura metálica, não esse de concreto que aí está.

CONSTRUÇÃO

A CONSTRUÇÃO

A estrutura metálica foi encomendada a uma fábrica na Alemanha, a hankert de Duisburg. O transporte foi complicado e atrasou tanto que provocou a falência da Companhia Paulista do Viaduto do Chá. A obra foi concluída pela Cia. Ferro Carril de São Paulo. Foram utilizadas cerca de 3.000 peças metálicas, que atingiam o peso total de 500 toneladas. Apenas 25 operários trabalharam na obra, supervisionada pelos engenheiros João Pinto Gonçalves e Vitoor Nothmann. Os pilares foram cobertos por camadas de um metro de concreto, sendo construídos sobre estacas de madeira de 7 metros de comprimento, em número de 125 por pilar. O comprimento total do viaduto era de 240 metros, sendo 180 da parte metálica e 60 restantes de aterro sobre a rua do Barão de Itapetininga, com amplos armazéns embaixo.


VALE DO ANHANGABAÚ Quem mora ou passeia pela cidade não pode deixar de conhecer o Vale do Anhangabaú. Além de ter muito a contar sobre a história paulistana, o lugar é com certeza um dos mais belos cartões postais de São Paulo. Localizado no centro, entre os Viadutos do Chá e Santa Ifigênia, reúne o prédio da Prefeitura de São Paulo, o Teatro Municipal, a Escola Municipal de Balé, o Conservatório Dramático e Musical de São Paulo e um campus universitário e é rodeado por grandes edifícios.

descaso, o lugar foi jardinado, o rio canalizado, e, em 1910, tornou-se o Parque do Anhangabaú, dividindo a nova São Paulo da velha. A primeira grande reforma do espaço foi nos anos 40 com a criação das ligações subterrâneas às Praças Ramos de Azevedo e Patriarca hoje conhecida como Galeria Prestes Maia.

O centro é lugar de grande agitação e cresceu tanto quanto a cidade. Preocupada com a revitalização da área, na década de 80, a Prefeitura de São Paulo organO nome Anhangabaú é indígena e significa, em tupi, rio izou um concurso que resultou no novo visual do local. ou água do mau espírito. A história mais provável é que Jardins, esculturas e três chafarizes compõem o quadro tenha sido batizado assim por conta de algum malefício charmoso do local. feito pelos bandeirantes aos índios nas imediações desse rio, que hoje passa sob o asfalto no vale. Devido à sua extensão, muitas manifestações culturais ocorreram nesse endereço. A mais significativa foi o Já no século XVII, as pessoas usavam a água do rio para comício das Diretas Já, em 16 de abril de 1984. Cerlavar roupas e objetos e até mesmo tomar banho. Até o ca de 1,5 milhão de pessoas se reuniram para o maior ano 1822 a região era apenas uma chácara de propriedade comício público da história brasileira. Atualmente o do Barão de Itapetininga, onde os moradores vendiam chá Vale do Anhangabaú recebe eventos diversificados, ine agrião. Para chegar ao outro lado do morro era preciso cluindo muitas das atrações da Virada Cultural, maraatravessar a Ponte de Lorena, que em 1855 se transfor- tona paulistana de 24 horas de cultura pelos quatro mou na Rua Formosa. cantos da cidade. Quem passa por lá também pode eventualmente presA urbanização só veio a partir do projeto de construção do enciar apresentações teatrais. Viaduto do Chá, em 1877, que resultou na desapropriação De fácil acesso pelo metrô, o Vale o Anhangabaú é um das chácaras que ficavam ali. Depois de um período de ponto de lazer, esporte e entretenimento aberto a todos.



O ARQUITETO DE

SÃO PAULO Um dos maiores homens da história da cidade de São Paulo, o famosíssimo arquiteto Francisco de Paula Ramos de Azevedo, nasceu na capital do estado, no dia 8 de Major João Martins Azevedo.


RAMOS DE

F

AZEVEDO

Francisco de Paula Ramos de Azevedo (1851-1928) foi um célebre arquiteto paulistano, autor de vários edifícios públicos e privados de São Paulo. Estudou engenharia civil e arquitetura na Bélgica, estabelecendo-se após sua formação em Campinas, onde executou seus primeiros projetos. No fim do século XIX, muda-se para São Paulo, passando a projetar residências para a elite da cidade. Em pouco tempo, transformou-se no principal influenciador da arquitetura local, envolvendo-se nas discussões e projetos urbanísticos e educacionais de São Paulo, que iniciava um acelerado processo de crescimento econômico e populacional. Foi o primeiro diretor do Liceu de Artes e Ofícios e da Pinacoteca do Estado, para os quais projetou um grandioso edifício no Jardim da Luz. Participou da fundação da Escola Politécnica e de seu Laboratório Tecnológico, atual Instituto de Pesquisas Tecnológicas, e criou seus primeiros edifícios (atual sede do Arquivo Histórico Municipal Washington Luís). Projetou também o Teatro Municipal, o Mercado Paulistano, o Palácio das Indústrias, o Palácio da Justiça, o Palácio dos Correios, o Colégio Sion, entre outros edifícios.

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pesar de paulistano, Ramos de Azevedo sempre se considerou um campineiro. Sua infância e juventude foram passadas em Campinas e, só deixou sua amada cidade, quando foi obrigado a estudar na Escola de Artilharia Militar do Rio de Janeiro, ofício que abandonaria após o final da terrível Guerra do Paraguai. Após cumprir seu dever com a pátria, Ramos de Azevedo decidiu que era o momento de se especializar e foi para a École Speciale du Génie Civil et des Arts e Manufactures Annescée, da Universidade de Gante, na Bélgica. O prodígio brasileiro se especializaria em engenharia e adquiriria grandes conhecimentos de arquitetura. Seu talento era tão grande que, em 1878, teve alguns desenhos de sua autoria expostos na Exposição Universal de Paris. Após se graduar, em 1886, voltou ao Brasil com todas as condecorações da universidade e com grandes elogios do diretor daquela instituição.

O COMEÇO DE UMA GRANDE CARREIRA E SUA ATENÇÃO COM A EDUCAÇÃO DOS JOVENS Ao retornar à sua terra natal, Ramos de Azevedo foi efusivamente recebido pelo Visconde de Parnaíba, então presidente da Província de São Paulo, e um grande incentivador dos conhecimentos daquele jovem engenheiro-arquiteto. Pensando em mudar completamente a cidade de São Paulo, o Visconde ofereceu à Ramos o cargo de chefe da Carteira Imobiliária do Banco da União. Assim, surgia a oportunidade de trabalhar em um grande conjunto de iniciativas que revolucionariam a cidade. Antes de prosseguir com sua grandiosa história, vale fazer uma ressalva sobre sua longa carreira profissional. Apesar de dedicar grandes esforços à engenharia e arquitetura de São Paulo, Ramos de Azevedo ainda era um conceituado mestre da Escola Politécnica, que havia sido fundada por Francisco Paula Souza há alguns anos. Ali, ele demonstraria outro talento: o de lecionar. Ramos de Azevedo foi professor, vice-diretor e, também, diretor da instituição. O consagrado engenheiro ocupou o posto de diretor na cadeira de Construções Civis e Higiene das Habitações. Ele era considerado extremamente disciplinador e perfeccionista, mas sempre encontrava um tempo para se encontrar e conversar com seus contemporâneos. Vale dar um destaque para um de seus alunos, Luiz Cintra do Prado, que chegou a dizer que: ao entrarem na sala de

aula, os alunos encontravam, desenhados a giz no quadro negro, as principais figuras que iriam ilustrar a preleção do mestre (…); ao fim da lição o professor Ramos de Azevedo deixava com um dos alunos algumas laudas de papel onde ele de antemão havia escrito um resumo da matéria que ia explanar naquele dia.” (SANTOS, Maria Cecília Loschiavo dos. Entrevista com o professor Luiz Cintra do Prado, 1981). Como vice-diretor da Poli, entre os anos de 1900 e 1917, ele acabou assumindo a direção da escola quando o ilustre fundador daquela instituição, Antônio Francisco de Paula Souza, faleceu. Ramos de Azevedo ficaria na direção da universidade entre 1917 e 1921. Seus principais objetivos, enquanto diretor, sempre foi o de formar engenheiros que pudessem auxiliar no progresso do país, de uma maneira geral. Voltando à vida profissional do engenheiro, Ramos de Azevedo realizou um dos grandes sonhos de sua vida ao fundar o próprio escritório de engenharia e arquitetura. Com sua marca, ele revolucionaria as obras públicas de São Paulo. Algumas das grandes construções da nossa cidade, são de autoria do seu escritório técnico e, outras, são de sua própria autoria. Algumas de suas obras são: o Prédio do Tesouro (1886-1891); o Quartel da Polícia (1888); a Secretaria de Agricultura (1896), a Escola Prudente de Moraes (189395); a Escola Politécnica (1895); o Liceu de Artes e Ofícios (1897-1900) e o Theatro Municipal (1903-1911), o Portal do Cemitério da Consolação (1902), o Instituto Pasteur (1903), o Grupo Escolar Rodrigues Alves (1919), entre outros. Mesmo com esse fluxo intenso de trabalho, Ramos de Azevedo ainda arrumava tempo para viajar à Europa a fim de se atualizar e ampliar seus conhecimentos técnicos.

A CURTA CARREIRA POLÍTICA E OUTRAS CONQUISTAS Ramos de Azevedo também tentou seguir uma carreira política. Contudo, alguns problemas minaram essa ideia. A trajetória começa em 1904, quando foi eleito senador estadual, função respeitada naqueles anos. Contudo, ele ficaria naquele cargo por apenas um ano e meio, saindo após alguns conflitos internos com seu partido, principalmente, por discordar da política protecionista em relação ao café. Outro motivo para que ele desistisse do cargo, foi a impossibilidade de arquitetar para o governo, enquanto tivesse esse poder. Após sua repentina saída do poder público, Ramos de Azevedo voltou às suas atividades como engenheiro e dono

de um escritório do segmento. Ele foi o responsável, junto com sua equipe, pela atuação na Companhia Mogiana de Estrada de Ferro; foi diretor do Liceu de Artes e Ofícios; presidente do Instituto de Engenharia; construiu o Grupo Escolar do Brás e o conjunto de Itapetininga composto por três edifícios: a Escola Modelo Preliminar, a Escola Modelo Complementar e a Escola Normal. Em seu conceituado escritório, trabalharam nomes como: Alexandre Albuquerque e Luiz Ignácio Romeiro de Anhaia Mello, os quais, por sua vez, também viriam a fazer parte do corpo da Escola Politécnica de São Paulo e, também, da vida pública da cidade de São Paulo.

ALGUMAS CURIOSIDADES E AS JUSTAS HOMENAGENS Ramos de Azevedo foi um apaixonado por sua profissão. Sua dedicação ao ofício era tão grande que, não era incomum que ele investisse seu próprio dinheiro em novas tecnologias, como no aparelhamento do Laboratório Tecnológico, atual IPT. Seus traços e características eram versáteis de acordo com seus clientes. Os edifícios públicos de sua autoria contavam com traços de funcionalidade e classicismo. As casas, por sua vez, possuíam figuras mais suaves e um estilo mais livre. Em seus momentos de folga, Azevedo gostava de ler e desenhar. Além disso, Ramos de Azevedo era um marido exemplar, havendo diversos registros de seus “mimos” á esposa, Eugenia. Por sua gigantesca contribuição à capital paulista, Ramos de Azevedo recebeu diversas homenagens. Entre os anos de 1914 e 1915, ele teve seu nome incluso no Livro de Ouro do Estado de São Paulo e o título de sócio do Grêmio Politécnico. Em 1928, ele recebeu um retrato e um discurso, feito por Willian Steverson, onde era apresentado como um dos responsáveis pelo progresso de São Paulo. Em 25 de janeiro de 1934, outra homenagem: o Monumento Ramos de Azevedo foi inaugurado na Avenida Tiradentes, e posteriormente transferido para a Cidade Universitária, onde hoje se encontra em destaque próximo a atual sede da Escola Politécnica e do Instituto de Pesquisas Tecnológicas da USP. Ramos de Azevedo seguiria para o repouso eterno no dia 1 de junho de 1928, deixando para trás um imenso legado de amor, comprometimento e contribuição com a cidade de São Paulo.


MORTE E MONUMENTO

A

pós a morte de Ramos de Azevedo, em 1º de junho de 1928, registraram-se inúmeras homenagens e honrarias ao arquiteto. Pouco após sua morte, um concurso é aberto pela sociedade civil para realização de um monumento em sua memória. O projeto escolhido foi o apresentado pelo escultor italiano Galileo Emendabili, aprovado pela comissão julgadora com algumas modificações. Radicado em São Paulo desde 1923, Emendabili integrou-se rapidamente à cena artística paulistana, vencendo diversos concursos para execução de monumentos da cidade, sendo mais famoso deles o Obelisco do Ibirapuera. Para financiar a construção do monumento abriu-se um fundo para o recolhimento de doações, atingindo um montante de 1005 contos de réis, quantia bastante significativa para a época. Na construção do pedestal e das fileiras de colunas dóricas, utilizou-se granito. A fundição dos grupos escultóricos em bronze, idealizados por Emendabili, ficou a cargo de Giuseppe Rebellato. A construção foi provavelmente inteira realizada nas oficinas do Liceu de Artes e Ofícios. Após seis anos de construção, o monumento foi inaugurado em 25 de janeiro de 1934, aniversário da cidade.

O discurso de inauguração coube ao professor Luís Inácio de Anhaia Melo, que sintetizou da seguinte maneira a importância do arquiteto:

Ramos de Azevedo foi o centro em torno do qual gravitou o renascimento arquitetônico da cidade de São Paulo. — Anhaia Mello

Localizado a princípio em frente ao edifício do Liceu de Artes e Ofícios (atual Pinacoteca do Estado), na avenida Tiradentes, o monumento foi desmontado e retirado do local em 1967, sob muitas críticas, em virtude das obras para a construção do metrô. Foi transferido para a Cidade Universitária e reinaugurado em 1973, nas proximidades do prédio do Biênio da Escola Politécnica, onde permanece até hoje. Em 1999, passou por uma reforma.



SÃO PAULO SEM ÁGUA ENCANADA O abastecimento de água para os 20 mil habitantes que moravam em São Paulo no início do século 19 era feito de modo precário, por carroceiros que a vendiam de porta em porta, ou pelas bicas e chafarizes espalhados por pontos estratégicos da cidade, como a Caixa d’água, Misericórdia, Carmo, Palácio, Rosário.


O ABASTECIMENTO

DE ÁGUA O

s primeiros aquedutos de São Paulo foram fruto de um improviso bem-sucedido. Na época, os telhados das casas eram feitos com telhas tipo capa e canal, vulgarmente conhecidas como telhas de coxa. Para passar do teto ao chão, bastou criatividade: quando colocadas no sentido inverso ao que se usa no telhado, formavam verdadeiros dutos para a passagem de água. A cidade demorou quase dois séculos para ver o início de um sistema de fontes públicas. O primeiro chafariz foi construído apenas em 1744, ao lado do largo de São Francisco, alimentado por um aqueduto de telhas de coxa imbricadas umas nas outras. Ele corria a céu aberto e conduzia a água do rio Anhangabaú também para o chafariz do Tebas, construído mais tarde no largo da Misericórdia, próximo à atual praça da Sé, marco zero de São Paulo. Na segunda metade daquele século, diante dos clamores da população sedenta exigindo solução para o grave problema do abastecimento, as autoridades tomaram uma providência: as águas do Anhangabaú foram represadas em dois tanques. Mas não havia qualquer preocupação com a qualidade das águas. Um desses tanques era abastecido com águas que passavam por vala descoberta e atravessavam locais cujo ar era fétido e o chão juncado de caveiras de boi, sabugos, chifres, ossos e outros resíduos imundos provenientes do matadouro municipal. A primeira análise conhecida da qualidade da água para consumo público em São Paulo foi feita pelo astrônomo e geógrafo português Bento Sanches D’Orta, em 1791, a pedido do então governador da capitania, Bernardo José de Lorena. O resultado confirmou a situação de insalubridade, mas nenhuma providência foi tomada. Os chafarizes tinham papel relevante para matar a sede dos paulistanos. A preferência para a sua construção recaía em pontos de encontro de um número razoável de pessoas, em especial nas proximidades das igrejas. Elas foram o centro de atração do núcleo urbano ao longo dos séculos XVIII e XIX, com o poder de congregar os habitantes nas missas dominicais e nas procissões obrigatórias.Nos ambientes de convivência da camada menos favorecida da população, os chafarizes causavam certos distúrbios sociais, como o grande número de mulheres cativas e alforriadas que eram abordadas pelos frequentadores das fontes. A situação levou a Câmara Municipal, na metade do século XVIII, a definir que “qualquer mancebo, solteiro ou casado, que se achar pegando alguma negra que vá à fonte ou ao rio, pague 50 réis para o Conselho e, pela segunda, 100 réis”. Ao longo do século XIX, agrava-se a crise no abastecimento. Surge então uma figura peculiar: a dos “aguadeiros”, que devido à dificuldade no transporte das águas dos chafarizes e dos rios Anhangabaú e Tamanduateí, levavam-nas à porta das casas em pipas puxadas por burros. Os moradores adquiriam os barris ou potes, que corre-

spondiam a uma marca de carvão na parede. No final do mês, computavam-se as marcas e a conta era paga à razão de 40 a 80 réis por barril de 20 litros. A mão de obra imigrante impulsionou o crescimento demográfico a partir de 1867, gerando ocupação desordenada do espaço urbano. O abastecimento de água tornava-se crítico, o que levou o governo da Província a realizar obra inédita de substituição do antigo sistema de telhas de coxa por encanamentos de ferro, captando a água do córrego Anhangabaú e levando-a para diversos chafarizes. No dia da inauguração daquela que parecia ser a obra do século, nenhuma gota d’água chegou às torneiras públicas: o engenheiro equivocara-se com o diâmetro da tubulação. Dois anos depois, o engenheiro militar Azevedo Marques empregou técnica inédita de canalização, com tubos de papelão revestidos de betume, que levavam as águas do tanque do Reúno para o chafariz do Piques, e daí para o Jardim da Luz. A manufatura desses canos era feita pelo próprio inventor, no local onde funcionou o antigo Hospício de Alienados, então desativado, na atual avenida São João, nas proximidades da rua Aurora. O sistema durou aproximadamente oito anos. Esgotadas todas as tentativas do poder público de erradicar a secular falta d’água na cidade, o governo provincial transferiu para a iniciativa privada a incumbência de implantar e explorar um sistema eficaz de abastecimento público, o que ocorreu em 1877, com a criação da Companhia Cantareira de Águas e Esgotos. Em 1881, os prédios do centro da capital e os chafarizes públicos passaram a ser abastecidos com águas captadas na Serra da Cantareira, através de encanamentos de ferro fundido num percurso de aproximadamente 15 quilômetros, até chegar à recém-inaugurada caixa d’água da Consolação. São Paulo entrava, enfim, no período de captação – deixando para trás os tempos de “catação” de água. Nos anos posteriores, porém, a empresa não conseguiu acompanhar a demanda que a explosão demográfica e o surto de desenvolvimento da cidade exigiam, levando o governo do estado a encampar a companhia em 1892 e a criar a Repartição de Águas e Esgotos (RAE). Foi quando se expediu a ordem para que todos os chafarizes da cidade fossem destruídos. Acabou a distribuição de águas livres, o que gerou grande revolta na população. A cidade continuava a crescer, com valorização territorial das regiões localizadas em suas partes altas, abastecidas pelas águas da Serra da Cantareira, consideradas puras. Como consequência, a população de baixa renda concentrou-se nas áreas vizinhas às várzeas, em cortiços situados próximos às fábricas e às estradas de ferro, dando

Você sabia que..

...O primeiro chafariz público foi construído pelos frades franciscanos em 1744, onde hoje fica a rua Santo Amaro. O chafariz mais famoso era o do Piques, na Ladeira da Memória, no centro. Os moradores, porém, corriam o risco de chegar a algum desses locais, encontrar as torneiras secas e voltar para casa sem água. “Hoje, a falta d’água nos chafarizes construídos à custa da população, augmenta a despesa particular e pública”, denunciou o Estado em 1875.

origem aos bairros operários da Mooca, Brás, Belenzinho e Penha. Em 1903, a RAE utiliza as águas do rio Tietê para abastecer essa parte da cidade e, a partir de então, seus habitantes passam a sofrer de moléstias infecto-contagiosas típicas de veiculação hídrica, como a febre tifóide, uma das principais causas de mortalidade infantil. Mas as autoridades não acreditavam que a qualidade das águas tivesse relação com as epidemias. Saturnino de Brito (1864-1929) cita no volume III em Obras Completas de 1943 o que disse o diretor do Serviço Sanitário, Sr. Dr. Emilio Ribas (1862-1925), sobre o abastecimento pelo rio Tietê, convenientemente tratado, mas que não resolveria a questão da salubridade do bairro operário do Brás: “aquele em que se aglomera a população menos asseada, em que as edificações são menos ‘sanitárias’ e em que o terreno, baixo e úmido, por si deveria concorrer para a depressão mórbida na constituição médica regional”. O aproveitamento do Tietê seria possível com um eficaz tratamento de suas águas, mas o rio foi abandonado à própria sorte por existirem, segundo o governo, locais de captação de águas mais puras e cristalinas, como ocorreu com a construção de três grandes reservatórios ou lagos artificiais – do Engordador, Guaraú e Cabuçu – localizados no atual Parque Estadual da Cantareira. Em 1908, foi inaugurada a barragem do Cabuçu, primeira grande obra de concreto armado no país. A cidade já contava então com cerca de 400 mil habitantes, e o novo reservatório determinou o fim da elitização na distribuição do precioso líquido, uma vez que nessa época as águas da Serra da Cantareira abasteciam os bairros nobres e o centro comercial da cidade de São Paulo. Os bairros proletários deixaram de ser abastecidos pelo poluído rio Tietê, que tantas vítimas fez com suas águas pestilentas, principalmente entre a população infantil. O conforto e o bem-estar proporcionados pela água encanada para a maior parte da população encobrem toda uma luta de superação do homem em relação ao seu meio físico. As vozes do passado podem ampliar a conscientização popular para o uso racional da água, grande preocupação do novo milênio.



DE VÁRZEA DO CARMO A

PARQUE DOM PEDRO II U

ma das áreas mais esquecidas da cidade de São Paulo, o Parque Dom Pedro II, já foi um espaço de lazer para os paulistanos e motivo de muito orgulho para a administração pública devido à sua beleza e capacidade de entretenimento. Muito tempo antes da região ser conhecida como Parque Dom Pedro II, toda a área era chamada de Várzea do Carmo. Aqui, uma curiosidade paulistana: a primeira parte do nome, “Várzea”, é oriunda das cheias do rio Tamanduateí e “do Carmo”, vem da igreja dos carmelitas, conhecida como igreja do Carmo, que também nomeava a ladeira e a ponte no fim dela. Nos dias de hoje, esse antiguíssimo trecho corresponde à Avenida Rangel Pestana. Durante muitos anos, as margens do nosso Tamanduateí serviram para local de banho, para o trabalho da lavadeiras e, claro, como de hábito aqui no Brasil, para o despejo de lixo em suas límpidas águas. Com o passar dos anos e o aumento da densidade populacional ao redor das margens do rio, as enchentes passaram a ser um problema considerável aos moradores do local. Para se ter uma ideia do tamanho do incômodo, no ano de 1810, o poder público tentou construir uma vala no centro da várzea, um “piscinão” do século XIX, para barrar os constantes alagamentos do Tamanduateí. Mesmo com todas essas dificuldades, o Tamanduateí seguia com suas curvas pela várzea e auxiliando no desembarque das canoas que vinham com mercadorias das fazendas de São Bernardo, São Caetano, Ipiranga. As mercadorias desembarcavam no Porto Geral.

Essa rotina de alagamentos, canoas e desembarques durariam até o ano de 1849, quando começaram as primeiras obras de retificação do Tamanduateí assinadas pelo famoso engenheiro Carlos Bresser. Com as obras iniciadas, a região perdeu as sete voltas e se tornou uma rua que, com o passar do tempo, começou a ser chamada de Rua de Baixo, já que ficava na parte baixa da metrópole. No ano de 1865, finalmente, a rua passou a ter o nome que conhecemos hoje: 25 de março. Já para o fim do século XIX a retificação total do Tamanduateí já era um plano “pronto” e ganhou impulso para ser “finalizada”. Na gestão de João Theodoro, Presidente da Província entre 1872 e 1875, foi realizada a canalização do primeiro trecho do rio que tinha como grande objetivo transformá-lo em uma reta, em especial, na região entre o Brás e a Luz. Além disso, vale o destaque que Theodoro foi o responsável por colocar jardins e conceber a Ilha dos Amores, iniciativas única e exclusivamente suas que o caracterizaram como um dos primeiros urbanistas do país. Anos depois do seu mandato, mais especificamente em 1880, o poder público volta a discutir um plano de “embelezamento” da Várzea do Carmo, além de procurar novas soluções para as constantes enchentes que ainda atingiam a população daquela região.

Uma Solução Parcial e a Construção do Parque Foram necessários 30 anos de debates e discussões para que o executivo paulistano resolvesse tomar uma decisão sobre aquela terrível situação. Finalmente, em 1910, ficou decidido que seria erguido um parque, onde participariam a iniciativa privada, o poder público estadual e municipal. O local escolhido foi indicado pelo arquiteto francês Jo-

seph Antoine Bouvard, chefe dos serviços de paisagismo e de vias públicas de Paris. A ideia foi aprovada em 1914 e entregue a população em 1922. Dessa forma, some a famosa Várzea do Carmo e surge o imponente Parque Dom Pedro II que, com sua grande quantidade de árvores, se torna um dos mais amplos, espaçosos e importantes espaços públicos da cidade de São Paulo. Cerca de dois anos depois, no ano de 1924, corroborando a importância e a ideia do poder paulistano de transformar a região, é concebido o Palácio das Indústrias. Contudo, com a chegada da década de 30 e o intenso crescimento econômico e demográfico da cidade, praticamente todas as construções dos tempos coloniais e do império passam a ser destruídas e a cidade “europeia” começa a desaparecer. É nesse período, aliás, que surge o Plano de Avenidas que mudaria completamente a estrutura do Parque. O Plano do famoso engenheiro Prestes Maia foi a primeira proposta voltada à cidade de São Paulo. Ela foi pensada de maneira total e não em partes. Em 1938, quando Prestes Maia é nomeado prefeito, seu plano passa a ser executado. A principal característica de sua ideia é a política voltada ao transporte rodoviário e a tentativa de “cópia” das metrópoles americanas. No final dos anos 50, dentro do plano, o parque teve sua estrutura alterada e acabou sofrendo intervenções, como cinco viadutos, pavimentação da Avenida do Estado no trajeto do Tamanduateí e várias outras obras. A concepção da Avenida do Estado, aliás, é o marco para o começo da degradação do parque. O terminal de ônibus, surgido em 1971, a estação Pedro II do Metrô e várias outras ideias do poder público, acabaram degradando e destruindo o espaço do parque aos poucos, resultando em, agora, um espaço de transição e não mais de interação com a cidade.


FUTEBOL Na Várzea do Carmo, em São Paulo, em 14 de abril de 1895, foi realizada uma partida de futebol entre ingleses e anglobrasileiros, formados pelos funcionários da Companhia de Gás e da Estrada de Ferro São Paulo Railway. Essa é considerada a primeira partida de futebol do país. O amistoso terminou em 4 a 2, com vitória do São Paulo Railway.

2º BATALHÃO DE GUARDAS Paredes caindo, vidros quebrados, janelas podres, vigas, portas e forros repletos de cupins, mato muito alto e viaturas abandonadas. Este cenário apocalíptico e decadente é a situação de um dos mais importantes quartéis da história da polícia paulista e do exército brasileiro: o 2º Batalhão de Guardas, no Parque Dom Pedro II. Por muitos e muitos anos o quartel foi um orgulhoso símbolo militar e ícone da preservação. Enquanto era ocupado oficialmente, sempre estava pintado, com a grama cuidada, impecável. O prédio, que sempre chamou a atenção de quem passa de metrô, no espaço entre as estações Sé e Pedro II, pela imponência e pela elegância, hoje chama a atenção dos usuários pela péssima conservação do imóvel. “Pego o metrô diariamente e a cada dia que passa o quartel está pior, caindo, apodrecendo”, diz Renê Siqueira usuário do metrô enquanto aguarda a composição sair da estação rumo ao Brás. Mas se a impressão de quem está vendo por fora já é tão ruim, como será que se sente quem entra nas dependências do antigo quartel ?

HISTÓRIA A história deste imóvel é muito antiga e é parte importante da memória paulistana. Embora não comprovado, conta-se que a construção foi um presente de D. Pedro I para a Marquesa de Santos.

1992. Desde 1995, o local pertence ao 3º Batalhão da Polícia de Choque do Estado de São Paulo.

Dizia-se que entre suas viagens pelo Brasil, quando chegava a São Paulo utilizava o imóvel para descansar e possivelmente encontrar-se com a Marquesa. Com o fim do governo de D. Pedro I, o local foi transformado em sede de uma importante chácara da várzea do Carmo, até que em 1860 tornou-se por alguns anos o Seminário das Educandas e finalmente transformado em uma instituição de saúde, o Hospício dos Alienados.

Por mais incrível que possa parecer, o imóvel é tombado desde 1981 pelo CONDEPHAAT. Apesar disso, a construção que se aproxima dos 200 anos de existência está cada vez mais próxima de desabar. São rachaduras por todas as partes da construção, desde os muros externos até as paredes do imóvel. Infiltrações estão por toda a parte e a vegetação já tomou conta de vários pontos do andar superior.

Em 1930 o local tonou-se quartel da Força Pública, permanecendo assim até 1964 quando então o exército brasileiro ocupou o lugar, inicialmente como sede da 7ª Cia. de Guarda e posteriormente o 2º Batalhão de Guardas, onde ficaram até o ano de

TOMBAMENTO & ABANDONO

Ainda como se isso não bastasse boa parte do telhado não já desabou e é questão de tempo que algo mais trágico possa acontecer. A triste situação que o imóvel se apresenta é um acinte ao cidadão paulistano. Como é possível o poder público deixar um bem tombado e tão representativo para a cidade de

São Paulo nesta situação ? A situação se agrava a cada dia que passa e o madeiramento do local está praticamente todo comprometido pois está repleto de cupins. Um passeio pelo antigo quartel choca, pois não há quase mais nada conservado. Mesmo assim, nada é feito em prol da recuperação do prédio. Apesar do imóvel estar ao lado de uma importante avenida de São Paulo com intenso tráfego de veículos, ao lado do metrô e aos olhos diariamente de uma grande parte da opinião pública o governo do Estado e Prefeitura parecem ignorar a questão. Como as autoridades podem exigir de particulares a preservação de bens tombados se o próprio governo não cumpre seu dever cuidando dos bens que lhe pertencem? A pergunta principal que fica é: O que estão esperando para recuperar o prédio ? Se estiverem esperando desabar para reconstruir falta realmente muito pouco.


RIOS E AVENIDAS O rio cedeu seu espaço e foi quem pagou a conta das reformas urbanas. Os dois rios sobre os quais a cidade havia sido fundada não representavam mais limites à sua expansão, mas a metrópole crescia em ritmo acelerado e em pouco tempo ela se encontrva na mesma condição, barrada entre rios.



& AVENIDAS

RIOS

A elite paulistana sonhava em construir uma cidade como as que viam em suas viagens pela Europa, e seus rios não se encaixavam nesse sonho, a solução escolhida foi transformar os rios, cortar suas curvas e afundar seu leito, assim eles levariam o esgoto mais rápido para longe de nossa vista. O Tamanduateí se viu alejado de suas antigas margens. O rio cedeu seu espaço e foi quem pagou a conta das reformas urbanas. Na década de XX os dois rios que dividiam a cidade foram transformados em parques. O parque do Anhangabaú sob o riacho com seu nome, já canalizado e enterrado e o Parque Dom Pedro II às margens do Rio Tamanduateí. Os dois rios sobre os quais a cidade havia sido fundada não representavam mais limites à sua expansão, mas a metrópole crescia em ritmo acelerado e em pouco tempo ela se encontrva na mesma condição, barrada entre rios. Nas décadas seguintes, várias outras avenidas fundos de vale foram construídas. A cidade crescia e a cada nova baixada seu córrego era canalizado e transformado em avenida.

TROCANDO INFORMAÇÕES

Profº Alexandre Delijaicov Depto. de Projeto FAU-USP

Prof° Marco Antônio Sávio Depto. de História - UFU


E

sses rios que nós temos, são rios de planície e eles são lentos, serpenteiam pela superfície... Então eles mudavam de lugar de uma cheia para outra. E mudavam de lugar dentro de uma superfície que é a várzea de inundação. Essas áreas em uma fase do ano despertavam um enorme interesse imobiliário, as inundações castigavam as populações mais pobres que submetiam a morar nas baixadas, e criavam um transtorno político que alimentava as discussões sobre a canalização do tietê

Profº Alexandre: Nós tivemos aqui em São Paulo na Escola Politécnica dois embates ideológicos. Um do engenheiro sanitarista chamado Francisco Saturnino de Britto, Francisco era presidente de comissão de melhoramentos do Rio Tietê em 1920 e como presidente ele propôs o resgate da orna fluvial urbana, o promordial logradouro público da futura metrópole. Ele dizia que nós deveríamos garantir a integridade do leito maior, da várzea do Rio Tietê e na verdade, para Saturnino toda a confluência de Rio aqui da metrópole de São Paulo tinha que ser formado um lago como o lago do Parque Ibirapuera. Esse lago seria na verdade o coração, o núcleo aquático de formação, um cinturão de parque, com bosque e assim por diante. Ele tinha como colega de trabalho o antagônico, Franciso Prestes Maia, que fez um livro.. O Embate ao parque do Saturnino de Britto. Ele fez o plano de Avenidas para São Paulo. Francisco Prestes maia junto com Ulhôa Cintra eram técnicos que falavam o que empreendedores gostavam de ouvir, que era realmente justificar o desenvolvimento da Cidade de São Paulo através de um plano de avenidas radial consêntico, Moscou tem um plano de radial consêntico, Viena tambem tem um plano de radial consêntico, a famosa ring strass. Paris tambem têm. Só que Prestes Maia sonegou a informação que antes de fazer o sistema radial consêntico de avenidas, Viena já tinha o anel ferroviário, e antes do anel ferroviário que a mãe da ferrovia, a hidrovia, Viena já tinha o anel hidroviar-

io formado pelo Novo Danúbio. Paris também tinha. Moscou também tinha um anel hidroviário. Ele sonegou, como se estivesse queimando etapas “vou queimar etapas, não vou passar pela hidrovia, nem pela ferrovia, vou fazer uma única modalidade, pra realmente poder vender os carros. Se não eu vou divir, né? Não vou vender carro... vou vender trem, vender barco...” Prof° Marco: O carro em São Paulo é carregado de uma carga simbólica que talvez não seja em outros lugares, porque houve até os anos 20, até o fim da republica velha, uma confusão entre o automóvel e a identidade da cidade de São Paulo. Ele se transforma em uma peça chave de um discurso de modernização, mas não como conhecemos, um discurso de modernização progressista mas uma modernização conservadora, que propunha modernizar a cidade de São Paulo naquilo que os homens da PRP chamavam da Chicago da América do Sul, ou seja, uma cidade típicamente americana, tomada por arranha céus, autopistas, automóveis espalhados por toda a cidade.. No ano de 1938 Prestes Maia foi nomeado prefeito de SP e comecou a concretizar as obras de seu plano. Para construir uma avenida seria necessário desocupar uma grande área. O plano propunha utilizar o fundos de vale, dos rios e dos córregos para a construção dessas novas avenidas. Impróprias para construção, essas áreas úmidas e alagadiças eram os espaços vazios da cidade, o que garantia baixos custos com desapropriações e a valorização dos entornos após a obra. As principais avenidas de SP como as Marginais Pinheiros e Tietê, Av. do Estado, 9 de julho e 23 de Maio estavam propostas no plano de avenidas, plano que estruturou o modo de expansão da cidade. Prestes Maia ficou no poder até 1945, nesse período ele finalizou a retificação do Tietê, construiu a Av 9 de julho e realizou uma série de obras viárias com intuito de abrir espaco para esse que prometia modernizar o pais, o automóvel. O plano de avenidas inaugurou uma prática que se tornou modelo na estruturação da cidade, onde o espaço das águas se transformou no espaço dos carros.

O homem moldou o rio ao seu modo, colocou-o dentro de um cano e o escondeu debaixo da terra, para não se ver na sujeira. Mas isso nao mudou a natureza do rio, quando a chuva cai, é pra lá que a água vai e se não tiver espaço ela toma o que for necessário. A urbanização de São Paulo foi uma coisa tão violenta que ocupou o lugar do rio. Enchente é coisa que nós inventamos, ela é produto da urbanização. A cidade deu as costas para os rios, o rio é sua base, e ninguém sabe, ninguem percebe, ninguem vê. Profº Alexandre: A espinha dorsal dessa arquitetura da cidade são os rios, os rios urbanos, então se a gente realmente quer resolver o problema do rio, temos que resolver o problema do deslocamento. É impossível fazer com que a cidade esteja de frente para o rio se nós não resolvermos o problema do deslocamento de 20 milhões de pessoas da cidade. Hoje do jeito que está se você deixar a administração pública na questão crônica que ela está de dividas e refém dos empreiteros e desse urbanismo rodoviarista nós vamos cada vez mais pela lógica que é a mais ultrapassada que pode existir, que é abrir mais estradas, avenidas... A fragilidade institucional do Brasil leva a uma proeminência do privado sobre o público. A preferência é sempre para o transporte individual. Todo mundo acha que precisa do automóvel, quando na verdade não precisamos, então dentro da visão de reversão do lugar de fluxo para o de percurso, no lugar de esterelizar as ruas com esse urbanismo rodoviarista, transformar os passeios públicos numa rua viva da confiança e não do medo. Felizmente de todas as obras de arte do ser humano a cidade é a principal, e felizmente é aberta e inconclusa, então a difícil arte de construção do do espaço público, que é coletivo, passa por esse reconhecimento e nós nos reinventamos cotidianamente, esse rio fomos nós que poluímos, abduzidos, resignados, submetidos a esse olhar do colonizador. Cabe a nós conceber o espaço em que queremos viver, o que vamos valorizar.

Av. 9 de julho




Sテグ PAULO a cidade dos rios invisテュveis

2015


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