O preexistente e a transformação do Brás

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O PREEXISTENTE E A TRANSFORMAÇÃO DO BRÁS

Rafaela Lavacchini Faedo




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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

O PREEXISTENTE E A TRANSFORMAÇÃO DO BRÁS

Trabalho Final de Graduação apresentado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie como exigência para obtenção de grau bacharelado em Arquitetura e Urbanismo.

Prof. Orientador: Prof. Ms. Eduardo Pereira Gurian Prof. Dr. Luciano Margotto Soares

Rafaela Lavacchini Faedo São Paulo, 2021

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Ao meu primo-irmão, Marco Aurélio (in-memoriam).

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Aos meus pais, Atílio e Lilian, pelo incentivo, afeto, apoio e confiança durante toda a vida. Aos meus avós, Renzo, Euclidia, Luiz e Margarida pelos ensinamentos e conhecimento transmitidos. Aos meus familiares, pelo amor e união. Em especial à Claudia, que nos dá o exemplo de força e sabedoria; ao Mário, por todo cuidado e atenção; ao Dabus, pelas conversas, conselhos e pela revisão de boa parte deste trabalho; e à Walkiria, pela presença e lealdade. Ao meu primo, Marco Aurélio, pelas lições ensinadas, pelo

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companheirismo e por ter me dado sempre pronto suporte durante a infância e em nosso percurso estudando juntos na mesma universidade. À família que escolhi: Ao Alexandre, Renata, Daniela e Rafael, por me acolherem e aconselharem sempre que preciso. Ao Emanuele, pela cumplicidade, apoio e presença, mesmo à distância. Alla famiglia De Lorenzo, per il supporto e per avermi accolto nei momenti più difficili. À Cyntia, por me resgatar, me acompanhar e contribuir com a minha


AGRADECIMENTOS

trajetória. Aos meus amigos do colégio, principalmente à Juliana, Luiza e Gabriella que se mantiveram ao meu lado, não bastasse os caminhos diversos que escolhemos. Aos meus amigos de faculdade que compartilharam comigo as dificuldades e os bons momentos: Arthur, Marina e especialmente à Camila e Júlia, por toda a ajuda e companheirismo neste trabalho. Aos amigos estrangeiros que a faculdade me permitiu conhecer e ter por perto: Camilo, Carmen, Charlotte, Laura e Michela.

Ao Filipe Doria, por ter contribuído para a minha formação profissional. Ao orientador de projeto, Luciano Margotto Soares, pela maneira humana que conduz e compreende seus alunos. Ao orientador do presente trabalho, Eduardo Pereira Gurian, por aceitar acompanhar esse percurso, conduzindo-o com leveza, confiando, incentivando e apostando neste trabalho.

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RESUMO

O presente trabalho trata da reutilização de um galpão industrial e o projeto arquitetônico de um edifício de habitação de interesse social com embasamento comercial e uma praça central, no Brás. O estudo foi fundamentado através de um mergulho na história do bairro, identificando os elementos de sua memória e desmemória; a compreensão da importância da preservação de preexistências; e buscando conciliar os anseios do mercado imobiliário, tendo como diretriz a legislação prevista no novo Plano Diretor Estratégico de 2014, que delimitou ações na área de projeto, e o entendimento das demandas da população da cidade de São Paulo.

Palavras-chave: Brás, memória, preexistência, habitação de interesse social, transformação, mercado imobiliário.

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ABSTRACT

The following piece of work deals with the reuse of an industrial warehouse and the development of a social interest housing building with a commercial basis and a central square in Brás. The study was based on a dive into the history of the neighborhood, identifying the elements of its memory and forgetfulness; the understanding of the importance of preserving pre-existences; and seeking to reconcile the desires of the real estate market, having as a guideline the legislation foreseen in the new Strategic MasterPlan of 2014, which delimited actions in the project area, and the understanding of the demands of the population of the city of São Paulo.

Keywords: Brás, memory, pre-existence, housing, transformation, real estate market.

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1.Introdução

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2. O Brás do passado

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2.1. Breve histórico 2.2. População, cultura e lazer 2.3. Memórias e Desmemórias

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3. A relevância das preexistências

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4. O Brás do presente

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3.1. O patrimônio cultural 3.2. O patrimônio industrial 3.3. A sustentabilidade

4.1. Panorama geral 4.2. Recorte no local 4.2.1. A preexistência: galpão industrial

5. Legislação e mercado imobiliário

5.1. O Plano Diretor Estratégico de 2014 e seus rebatimentos na área de projeto 5.2. Legislação, mercado imobiliário e premissas de projeto

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SUMÁRIO 6. Condicionantes e diretrizes

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7. O Projeto

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6.1. Relativas à memória 6.1.2. Os imigrantes 6.1.3. A cultura e o lazer 6.1.4. Eventos e Comemorações 6.2. Relativas à situação atual do Brás 6.2.1. Impermeabilidades 6.2.2. A experiência do lugar e as sociabilidades 6.2.3. Moradia 6.2.4. O cultivo

7.2. O partido projetual 7.3. Centro cultural, comércio e moradia

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8. Considerações Finais

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9. Referências Bibliográficas

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1.INTRODUÇÃO

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Frente às discussões acerca do tema da manutenção do patrimônio da cidade de São Paulo e as transformações que seus antigos bairros industriais vêm sofrendo, temse como ponto de partida o entendimento da subutilização e desuso de antigos galpões industriais que foram relevantes na formação e memória do bairro do Brás. Outro fator relevante para a transformação do bairro, além das alterações que já vinha sofrendo por parte do mercado imobiliário, foi o rebatimento das novas leis do Plano Diretor Estratégico de 2014. Levando em conta o desinteresse em reaproveitar edifícios não tombados e menos relevantes do ponto de vista estético, muitos deles foram substituídos por grandes torres de condomínios fechados, realçando a impermeabilidade do

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bairro. Entretanto, é preciso ressaltar a adaptabilidade e eficácia desses edifícios em abrigar novas funções, dadas às suas características espaciais e estruturais, principalmente diante de questões acerca da sustentabilidade que reforçam o seu reaproveitamento. Outro fator de relevância para o estudo das novas dinâmicas do bairro foi a falta de moradia em zonas centrais da cidade e a presença de cortiços e moradias irregulares. Reforçada também pelo Plano Diretor Estratégico, explora-se as questões relativas à habitação de interesse social, a fim de abrigar esse grande contingente populacional. Dessa maneira, busca-se através do projeto demonstrar a importância em conciliar a preservação, os interesses da população e


do mercado imobiliário, de maneira a respeitar a memória do lugar, atender às demandas sociais e trazer benefícios promovendo espaços públicos de qualidade, comércios, cultura e lazer.

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2. O BRÁS DO PASSADO

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2.1. BREVE HISTÓRICO

O Brás situa-se no perímetro central de São Paulo, na subprefeitura da Mooca. Pertence à Zona Leste do município, zona da qual já foi considerado centro comercial, cultural e industrial (TORRES, 1985). O bairro apresenta um relevo modesto por localizar-se na área de várzea (denominada Várzea do Carmo) do rio Tamanduateí e do rio Tietê. Também por conta dessa localização, o bairro teve uma lenta formação, a partir do início século XVIII. A origem de seu nome é associada ao chacareiro José Braz, que realizou a construção da capela Bom Jesus de Matosinhos em sua chácara localizada na região (TORRES, 1985). Ainda segundo Torres (1985), seu desenvolvimento deu-se com a instauração das lavouras de café, as vias férreas e com a vinda do

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imigrante europeu, especialmente italianos, em meados do século XIX. [...] a S. P. R. e a. Estrada de Ferro Central do Brasil irão exercer decisiva influência no povoamento e na valorização dos terrenos dos bairros do Brás e da Moóca, onde se instalará a maioria dos trabalhadores, atraídos pela oferta de trabalho e pelo baixo preço de terrenos considerados insalubres em virtude das inundações a que estavam sujeitos. (TORRES, 1985, p. 107)

Ao final do século XIX e início do século XX São Paulo torna-se o maior centro industrial da América Latina e a transformação no Brás ocorre rapidamente: as chácaras tornavam-se grandes fábricas (TORRES, 1985).


Localização do Brás no município de São Paulo. Fonte dados: SÃO PAULO. Geosampa. Prefeitura de São Paulo (org.).Topografia. 2021. Edição autoral. Disponível em: http://geosampa.prefeitura.sp.gov.br/PaginasPublicas/_SBC.aspx. Acesso em: 24 nov. 2020.

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Em virtude do baixo preço dos terrenos varzeanos, tornam-se aí os bairros mistos, em que se misturam fábricas, pequenas oficinas e as humildes residências dos trabalhadores. Quarteirões inteiros retratam o novo aspecto do Brás e de outros bairros industriais - casas humildes, geminadas, sem jardins, junto à rua e, entre elas, pequenas oficinas, muitas delas embrião de futuras fábricas de certa importância. (TORRES, 1985, p. 168)

Através dos mapas e imagens aéreas de 1881 até 2021 é possível notar a sua transformação. Dentre tantas mudanças, a mais notável é a dos elementos hídricos: o rio Tamanduateí, que possuía uma morfologia diversa, foi endireitado em 1848 por Pires da Mota*, e mais tarde teve suas várzeas aterradas para a construção de ruas e avenidas. O rio

*vice-presidente da província de São Paulo em 1848.

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possuía também portos comerciais e podia ser considerado ainda como um ponto de lazer e sociabilidades; era o local onde as lavadeiras se reuniam, onde era possível nadar e até mesmo onde os motoristas lavavam seus carros por volta dos anos 1900 (BRÁS, SOTAQUES E DESMEMÓRIAS, 2006). Outra notável transformação no bairro foi a construção na década de 70 das estações Brás, Pedro II e Bresser do Metrô, desapropriando centenas de casas e deslocando milhares de pessoas. (GHEDINE, 2021) “Fragmentos, pedaços de memória cortados pela linha do metro” (SÃO PAULO – MEMÓRIA EM PEDAÇOS, 1997)


Rio Tamanduateí, 1898. Foto: Guilherme Gaensly. Fonte: Portal de Acervos Artísticos e Culturais. Disponível em: http://www.acervosdacidade. prefeitura.sp.gov.br/ PORTALACERVOS/ ExibirItemAcervo. aspx?id=454871 Acesso em: 23 mai. 2021.

Lavadeiras no Tamanduateí, Ponte do Carmo, Brás, 1900. Disponível em: <https:// alobras.com.br/wp-content/ uploads/2019/04/chacarasdo-bras-1900-lavadeiras-norio-tamanduate-ponte-docarmo-capa.jpg> Acesso em: 23 abr. 2021.

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Estação do Brás, 1986. Foto: Israel dos Santos Marques. Fonte: Portal de Acervos Artísticos e Culturais. Disponível em: http://www.acervosdacidade. prefeitura.sp.gov.br/ PORTALACERVOS/ ExibirItemAcervo. aspx?id=450588 Acesso em: 23 mai. 2021.

Casa das Retortas, 1980. Foto: Waldemir Gomes de Lima. Fonte: Portal de Acervos Artísticos e Culturais. Disponível em: http://www.acervosdacidade. prefeitura.sp.gov.br/ PORTALACERVOS/ ExibirItemAcervo. aspx?id=619226 Acesso em: 23 mai. 2021.

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Mapeamento 1881

Legenda: delimitação atual do Brás área do projeto

Mapeamento do Brás, 1881. Edição Autoral. Disponível em: https://i.pinimg.com/originals/2a/26/ b1/2a26b1d5ade21f9f6916eff256952ba2.jpg Acesso em: 23 abr. 2021.

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Mapeamento 1930 - Sara

Legenda: delimitação atual do Brás área do projeto Fonte dados: SÃO PAULO. Geosampa. Prefeitura de São Paulo (org.). Mapeamento 1930 Sara. 2021. Edição autoral. Disponível em: http://geosampa.prefeitura.sp.gov.br/PaginasPublicas/_SBC.aspx. Acesso em: 24 nov. 2020.

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Mapeamento 1954 - Vasp Cruzeiro

Legenda: delimitação atual do Brás área do projeto Fonte dados: SÃO PAULO. Geosampa. Prefeitura de São Paulo (org.). Mapeamento 1954 Vasp Cruzeiro. 2021. Edição autoral. Disponível em: http://geosampa.prefeitura.sp.gov.br/PaginasPublicas/_SBC.aspx. Acesso em: 24 nov. 2020.

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Mapeamento 2004 - MDC

Legenda: delimitação atual do Brás área do projeto

Fonte dados: SÃO PAULO. Geosampa. Prefeitura de São Paulo (org.). Mapeamento 2004 MDC. 2021. Edição autoral. Disponível em: http://geosampa.prefeitura.sp.gov.br/PaginasPublicas/_SBC.aspx. Acesso em: 24 nov. 2020.

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Imagem aérea 2021

Legenda: delimitação atual do Brás área do projeto GOOGLE EARTH PRO. Imagem aérea 2021. Edição autoral de mapa extraído via Google Earth Pro. Disponível em: <https://earth.google.com/web/@-23.54448702,-46.61327378,4635.50809988a,0d,35y,-0.0056h,2.1506t,-0.0016r?utm_source=earth7&utm_campaign=vine&hl=pt-BR> Acesso em: 24/04/2021.

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2 . 2 . P O P U L A Ç Ã O , C U L T U R A E LAZER

Conforme apontado anteriormente, a população do Brás, que foi majoritariamente composta por imigrantes europeus, principalmente italianos, foi responsável por sua industrialização e formação cultural. (Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente, 2021). Em meados do século XIX, com o fim da escravidão, os fazendeiros buscaram atrair estrangeiros para trabalhar nos cafezais. De 1870 a 1920 chegaram ao Brasil mais de um milhão e duzentas mil pessoas (BRÁS, SOTAQUES E DESMEMÓRIAS, 2006). Alguns imigrantes tinham como destino as lavouras de café. Outros foram atraídos pela indústria e pelo comércio, optando por viver nas cidades trabalhando como operários, instalando-se em casas e cortiços

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próximos às fábricas (SÃO PAULO – MEMÓRIA EM PEDAÇOS, 1997). [...] Nos anos 20, 70% dos operários da construção civil em São Paulo eram italianos e eles viviam em grandes cortiços e dividiam tudo, [...] quando não eram nos cortiços eram as casas geminadas compridas e estreitas, as vilas operárias, mas sempre uma arquitetura que gerava intimidade, vida em comum entre as famílias.” (SÃO PAULO – MEMÓRIA EM PEDAÇOS, 1997)

Consigo, o imigrante italiano trouxe seus costumes e sua cultura. Em 1895, um grupo de italianos trouxe a imagem de São Vito Mártir ao Brasil e assim, bem como em outros bairros paulistanos com forte presença italiana, o Brás também criou sua festa tradicional, a festa de


São Vito, comemorada em suas ruas desde 1919 até os dias atuais, contando com quermesses e festas de rua (GHEDINE, 2021). Além das festas, o bairro também foi palco de um cenário marcado

pelas revoltas e protestos que reivindicavam melhores condições de trabalho nas fábricas (SÃO PAULO – MEMÓRIA EM PEDAÇOS, 1997). Já em 1950, a indústria começa a sair do Brás e, após a construção

Gráfico de imigrantes por nacionalidade. Fonte: INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Brasil: 500 anos de povoamento. Rio de Janeiro, 2000. Apêndice: Estatísticas de 500 anos de povoamento. p. 226. Edição autoral. Disponível em: <https://brasil500anos.ibge.gov.br/estatisticas-do-povoamento/imigracao-pornacionalidade-1884-1933.html> Acesso em: 25 abr. 2021

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da Radial Leste, alguns imigrantes também começam a deixar o bairro. O Brás, que era marcado majoritariamente por italianos, japoneses, portugueses e espanhóis, começa a mudar seus sotaques, dando espaço aos imigrantes coreanos e bolivianos, atraídos pelo comércio e as indústrias têxteis (SÃO PAULO – MEMÓRIA EM PEDAÇOS, 1997). Concomitante à vinda de novos imigrantes, segundo Ghedine (2021), a partir da década de 40, o bairro passou a receber os milhares de migrantes nordestinos fugidos da grande seca, que chegavam à cidade à procura de uma melhor condição de vida. A população vinda do nordeste também foi responsável por estabelecer sua cultura e costumes no bairro; e em 1975 as raízes brasileiras se denotam ainda mais com a

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criação do “Grêmio Recreativo Escola de Samba Colorado do Brás”. Já no que diz respeito ao lazer, um de seus primeiros indícios no bairro se dá por volta de 1906, quando foi extinto o mercado do Largo Concórdia e seu edifício foi arrendado pelo então prefeito, Antônio da Silva Prado, para abrigar “[...] ‘diversos gêneros de espetáculos e diversões próprios de circos, teatros ou café-concêrtos’.”. Foi assim que em 1908 foi inaugurado o Teatro Colombo, que mais tarde, em 1966, foi destruído por um incêndio. (TORRES, 1985, p.174) Embora o Teatro Colombo tenha sido destruído, segundo afirma Torres (1985), ainda havia cinemas, dentre eles o Iris, Piratininga e o Popular e, posteriormente, outras casas de diversões foram


OS OPERÁRIOS. Tarsila do Amaral, 1933. Óleo sobre tela (150cm x 205cm). Disponível em: < https://www.culturagenial.com/quadro-operarios-de-tarsila-do-amaral/> Acesso em: 25 abr. 2021

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construídas: o Teatro Mafalda e cinemas como o Universo, o Babilônia, o Oberon, Oberdan, Polytheama, entre outros. Atualmente, como veremos mais adiante, pouco restou dessas casas de divertimento, tendo muitos sido demolidos, perdido suas funções, transformando-se, por exemplo, em estacionamentos, como é o caso do Cine Piratininga.

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Brás Desfile Cívico, em local próximo ao largo do Brás, por volta de 1915. Foto: Aurélio Becherini. Fonte: Portal de Acervos Artísticos e Culturais. Disponível em: http:// www.acervosdacidade.prefeitura. sp.gov.br/PORTALACERVOS Acesso em: 23 mai. 2021.

Famílias durante a procissão de 1960: clima comunitário. Acervo Pessoal de Flávio Gravina/Veja SP Disponível em: < https://vejasp. abril.com.br/blog/memoria/festa-de-sao-vito-2018-centenario/> Acesso em: 05 out. 2020

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Cine Piratininga em 2005, que funciona como estacionamento desde 1975. Fonte: São Paulo Antiga. Disponível em: https:// saopauloantiga.com.br/cinepiratininga-o-fim-definitivo/# Acesso em: 23 mai. 2021.

Cine Piratininga, Brás, 1975. Fonte: Revista Casa Vogue. Disponível em: https://casavogue.globo. com/MostrasExpos/Fotografia/ noticia/2014/01/retratos-de-umasao-paulo-antiga.html Acesso em: 23 mai. 2021.

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Teatro Colombo, Largo da Concórdia, 1952. Foto: Antônio Câmara. Fonte: Portal de Acervos Artísticos e Culturais. Disponível em: http://www.acervosdacidade.prefeitura.sp.gov.br/PORTALACERVOS/ExibirItemAcervo. aspx?id=446863 Acesso em: 23 mai. 2021.

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2.3. MEMÓRIAS E DESMEMÓRIAS

Este capítulo nasce a partir do documentário baseado nas memórias do escritor e jornalista nascido no Brás, Lourenço Diaféria, no qual apresenta a história e as particularidades do bairro. O documentário foi importante para evidenciar as condicionantes relacionadas à memória que conduziram as diretrizes projetuais deste presente trabalho. No filme, “Brás: Sotaques e desmemórias”, introduziu-se o conceito de desmemórias a partir da frase dita pelo protagonista em visita a Paróquia do Bom Jesus do Brás, que tomou lugar da original Capela do Bom Jesus do Matosinhos de José Brás: “Não sobraram registros de como era (a Paróquia Bom Jesus do Brás): é a isso que eu chamo de desmemórias” (BRÁS, SOTAQUES E DESMEMÓRIAS, 2006).

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A desmemória, portanto, configura-se como um elemento apagado, eliminado da memória. A partir desses conceitos, buscou-se estruturar uma cartografia que evidenciasse no entorno imediato do projeto (a sudoeste do bairro) as memórias, as desmemórias, as cicatrizes e as impermeabilidades do Brás atual. Ou seja, seus apagamentos e elementos que ainda mantém viva a sua memória. Dessa maneira, as memórias foram subdivididas em dois grupos: registros mantidos e registros mantidos modificados. Os registros mantidos são aqueles que se mantiveram intactos desde o seu surgimento. Já os registros modificados são aqueles que, de modo geral, sofreram algum tipo de modificação, mas não foram completamente apagados.


me-mó-ria

substantivo feminino

“1. Faculdade de lembrar e conservar ideias, imagens, impressões, conhecimentos e experiências adquiridos no passado e habilidade de acessar essas informações na mente. [...] 3. PSICOL Termo geral para denominar a função do sistema nervoso com a capacidade de reconhecer, evocar, reter e fixar as experiências passadas. [...] 6. O produto de experiências passadas que permanece no espírito e serve de lembrança; lembranças, reminiscências, recordações.” etimologia: lat memoria

de s-m e-m ó-r ia substantivo feminino

“Falta de memória; esquecimento; desmemoriamento” etimologia: des + memória. 39


Já as desmemórias foram subdivididas em três grupos: registros apagados, cicatriz e impermeabilidades. Os registros apagados configuram elementos que foram completamente demolidos e eliminados do bairro. A cicatriz foi dada como a linha do metrô, posterior ao surgimento do bairro, e que configurou um marco na transformação tanto espacial, quanto constituinte, uma vez que desapropriou casas e expulsou moradores. E, por fim, as impermeabilidades são os elementos que foram de certa forma responsáveis por determinados apagamentos ao substituir preexistências, mas, mais que isso, são elementos que dão ao bairro uma característica impermeável; um bairro que fecha-se às ruas e aos transeuntes, configurado por condomínios fechados, terrenos murados e ultraprotegidos.

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A marchinha “A Porteira do Braz”, busca identificar as porteiras presentes no passado como elementos que o atravancavam. Na cartografia, busca-se fazer uma releitura do que

Largo do Brás, 2018. Fonte: Mapio Net. Disponível em: https://mapio.net/pic/p-49874975/Acesso em: 23 mai. 2021.


Largo do Brás, 1862. Foto: Militão Azevedo. Fonte: Portal de Acervos Artísticos e Culturais. Disponível em: http://www.acervosdacidade. prefeitura.sp.gov.br/PORTALACERVOS/ ExibirItemAcervo.aspx?id=443984 Acesso em: 23 mai. 2021.

Largo do Brás, 1914. Foto: Aurélio Becherini. Fonte: Portal de Acervos Artísticos e Culturais. Disponível em: http://www.acervosdacidade.prefeitura.sp.gov.br/ PORTALACERVOS/ExibirItemAcervo.aspx?id=446721 Acesso em: 23 mai. 2021.

Igreja do Senhor do Bom Jesus, 1920. Foto: Aurélio Becherini. Fonte: Portal de Acervos Artísticos e Culturais. Disponível em: http://www.acervosdacidade. prefeitura.sp.gov.br/PORTALACERVOS/ ExibirItemAcervo.aspx?id=446612 Acesso em: 23 mai. 2021.

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são, atualmente, esses elementos: as impermeabilidades. Através da cartografia foi possível identificar alguns elementos diretamente relacionados ao conceito de memórias e desmemórias, tomados como diretrizes a serem resgatadas no projeto, que serão tratados posteriormente: os imigrantes, os eventos e comemorações e a cultura e lazer.

Localização da cartografia no mapa do bairro. Edição Autoral.

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CARTO GRAF IA: Memórias e desmemórias do Brás

MEMÓRIAS Registros mantidos modificados: 1. rio tamanduateí 8. avenida rangel pestana - 1950 10. paróquia bom jesus - 1939 14. cine piratininga - 1940 16. estação brás - 1930 Registros mantidos: 2. palácio das indústrias - 1976 3. casa das retortas - 1872 4. gasômetro - 1872 5. o imigrante: local da intervenção de projeto 7. palacete carlos rega - 1982 11. escola romão puggiari - 1929 13. fórum do brás - 1917

DESMEMÓRIAS Registros apagados: 6. metalúrgica mar - 2014 9. marchinha de carnaval - 1937 12. theatro mafalda - 1910 15. a porteira do brás - 1950 Cicatriz: Linha do metrô construída na década de 70. Impermeabilidades: Grandes condomínios, terrenos murados, casas

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CARTO GRAF IA: Memórias e desmemórias do Brás 44


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Lista de figuras na cartografia:

Figura 1 e 4: BRÁS: SOTAQUES E DESMEMÓRIAS. Direção de Marta Nehring. Produção de Isa Castro e Thaís Canjani. Realização de Secretaria Municipal da Cultura e Educação. Coordenação de Claudio Kahns. Intérpretes: Julio Calasso. Roteiro: Marta Nehring. Música: Luis Fernando Rovai. São Paulo: Tatu Filmes, 2006. (26 min.), son., color. Edição Autoral. Disponível em: https://www.youtube. com/watch?v=ErZ7LDxcjgI&t=567s. Acesso em: 05 out. 2020

italiano fundador da fábrica existente no local de intervenção. Foto autoral.

Figura 2: Palácio das Indústrias. Palácio das Indústrias, 1931. Arquivo Nacional. Fundo Fotografias Avulsas. BR_RJANRIO_O2_0_FOT_0448_030 Disponível em: <https://www.flickr.com/photos/ arquivonacionalbrasil/36404668582/in/ photostream> Acesso em: 5 out. 2020

Figura 8: Avenida Rangel Pestana, 1930. Disponível em: <https://engvagnerlandi. files.wordpress.com/2014/04/3.jpg?w=768&h=536> Acesso em: 5 out. 2020

Figura 3: Casa das Retortas. Instituto de Pesquisas Técnológicas. Disponível em: <https://www.ipt.br/banco_imagens/3780_maior.jpg> Acesso em: 5 out. 2020 Figura 5: Mario Lavacchini, imigrante

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Figura 6: Metalúrgica mar. Google Street View. Disponível em: < https://saopauloantiga.com.br/metalurgica-mar/ > Acesso em: 5 out. 2020 Figura 7: Palacete Carlos Rega, 1982. Disponível em: < https://saopauloantiga. com.br/palacete-carlos-rega/> Acesso em: 5 out. 2020

Figura 9: A PORTEIRA DO BRAZ. Nêgo da Redepção. Disponível em: <https:// www.saopauloantiga.com.br/wp-content/uploads/2015/05/22jan1937.jpg> Acesso em: 5 out. 2020 Figura 10: Paróquia do Bom Jesus do Brás, 1939. Disponível em: <https://i.pinimg. 7/63/0e/27630ed74cb4b85f1c27d570b 55cd7d2.jpg> Acesso em: 5 out. 2020


Figura 11: Escola Romão Puggiari, 1929. Disponível em: <https://upload. wikimedia.org/wikipedia/commons/ thumb/4/44/Escola_Estadual_Rom%C3%A3o_Puiggari_01. Figura 12: Theatro Mafalda, 1910. Disponível em: <https://terrasdecabral. com.br/bras-coracao-da-cultura-paulistana/> Acesso em: 05 out. 2020

Figura 16: Estação Brás, 1960. Disponível em: <https://i.pinimg.com/564x/40/ 69/07/406907e4a03034 8f1cafb0a35d9156ff.jpg> Acesso: 05 out. 2020

Figura 13: Fórum do Brás, 1917. Disponível em: <https://www.saopauloantiga. com.br/wp-content/uploads/2020/05/ avm_1917_ed0326ax.jpg> Acesso: 05 out. 2020 Figura 14: Cine Piratininga, 1940. Disponível em: <https://www.saopauloantiga. com.br/wp-content/uploads/2008/01/ cinepiratininga_2k19-03.jpg> Acesso: 05 out. 2020 Figura 15: A porteira do Brás, 1950. Disponível em: https://engvagnerlandi.files. wordpress.com/2014/04/2.jpg> Acesso em: 05 out. 2020

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3. A RELEVÂNCIA DAS PREEXISTÊNCIAS

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3 . 1 . O P A T R I M Ô N I O C U LT U R A L

Perante os conceitos de memória e desmemória tratados anteriormente, é importante entender mais sobre o que é o patrimônio cultural, o patrimônio industrial - que faz parte dele (BERENSTEIN, 2010) - e a relevância da preservação das preexistências. Desde o século XX vem sendo discutidas questões relativas ao patrimônio histórico cultural, ao reconhecê-los como espaços carregados de valor para além da valorização de monumentos consagrados, a fim de abranger representações e memórias de uma parcela maior da sociedade. No Brasil, essas discussões se estabelecem oficialmente em 1937, com a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), e mais tarde, na década de 60, são criados os primeiros órgãos estaduais

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e municipais de proteção do patrimônio cultural (FONTENELE; OKSMAN, 2018). Ainda segundo Fontenele e Oksman (2018), o Brasil foi vanguarda no que diz respeito à ampliação do patrimônio cultural, tratando do patrimônio imaterial já na Constituição de 1988, ganhando a atenção da sociedade e de pesquisadores acadêmicos relacionados a diversos campos. O patrimônio material são as construções, edifícios, monumentos, já o imaterial é dado pelas celebrações, modos de fazer, conhecimentos e técnicas. No que diz respeito ao patrimônio material, há um consenso de que não devem ser preservados os programas dos edifícios, pois, tomando como exemplo principalmente edifícios industriais em áreas


Estação Brás com fachada restaurada, 2004. Patrimônio Tombado pelo CONDEPHAAT. Foto: André Labate Rosso. Fonte: Portal de Acervos Artísticos e Culturais. Disponível em: http://www.acervosdacidade.prefeitura.sp.gov.br/ PORTALACERVOS/ExibirItemAcervo.aspx?id=466561 Acesso em: 23 mai. 2021.

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urbanas, entende-se que as formas de vida se alteram ao longo da história e alguns desses usos tornam-se obsoletos. (FONTENELE; OKSMAN, 2018). Mas, afinal, qual a importância desse patrimônio para a sociedade? [...] a preservação é um ato do presente. Em fragmentos representativos de um passado, busca-se elementos que nos permitam reconhecer uma identidade cultural, passível e desejável de ser transmitida para o futuro. Assim, não se reserva às ações preservacionistas a um cunho nostálgico, desejoso de retomar um tempo perdido. Trata-se, sim, de uma ação afirmada em tempo presente e intimamente ligada aquilo que nos está à disposição contemporaneamente. (FONTENELE; OKSMAN, 2018, p. 245)

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Entende-se, portanto, que os tombamentos devem ser justificados para além da sua técnica construtiva ou a construção em si, mas sim ao que se relaciona com o que ele representa para a sociedade. Um edifício deve ser preservado para que se possa manter as memórias a ele associadas. Conforme dito anteriormente, as discussões entorno do patrimônio têm ganhado outros espaços e, bem como afirmam Fontenele e Oksman (2018): "Grupos de minorias - negros, LGBTQ, grupos religiosos, imigrantes - seguramente reivindicarão seu lugar na história, e o patrimônio como principal elemento de reconhecimento.” É assim, portanto, que é dada a relevância de um patrimônio para a sociedade; de maneira que essa preservação traz consigo a sensação de


Tombamentos e áreas envoltórias

Legenda: bens tombados bens em processo de tombamento monumento inventário memória paulista

selo de valor cultural ocorrência arqueológica área envoltória área envoltória CONPRESP área do projeto

Fonte dados: SÃO PAULO. Geosampa. Prefeitura de São Paulo (org.). Patrimônio Cultural. 2021. Edição autoral. Disponível em: http://geosampa.prefeitura.sp.gov.br/PaginasPublicas/_SBC.aspx. Acesso em: 24 nov. 2020.

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reconhecimento dos grupos sociais, que contém um valor social e que vem fortemente ligado a um sentimento de identidade. (BERENSTEIN, 2010) Dessa forma, ações de restauro e revitalização são relevantes para reforçar a intenção de recuperação de um patrimônio e incentivar o seu uso. (FONTENELE; OKSMAN, 2018, p. 245) Deve-se levar em consideração que a preexistência em questão não se trata de um patrimônio tombado, nem mesmo encontra-se uma área envoltória. Todavia, a atitude de preservá-la se baseia nas possibilidades que sua espacialidade pode promover; o desincentivo ao desuso de edifícios que não cumprem função social, conforme prevê o Plano Diretor Estratégico de 2014, a partir

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do ensaio de novas alternativas de função e uso; na manutenção da memória do bairro, buscando abrigar a identidade de seus habitantes de maneira a preservar elementos “com vistas à sua transmissão para as próximas gerações [...]. É um ato de respeito pelo passado, interpretado no presente e voltado para o futuro, para que os bens culturais possam continuar a ser efetivos e fidedignos suportes de memória coletiva.” (KUHL, 2015); e levando em consideração o reaproveitamento de estruturas preexistentes tendo como base uma atitude sustentável.


Em médio plano, Galpão da Cia. De Gás de São Paulo, ao lado do enorme reservatório de gás industrializado na Várzea do Carmo, 1900-1910. Patrimônio Tombado pelo CONDEPHAAT. Foto: Desconhecido. Fonte: Portal de Acervos Artísticos e Culturais. Disponível em: http://www.acervosdacidade.prefeitura.sp.gov.br/PORTALACERVOS/ ExibirItemAcervo.aspx?id=469249 Acesso em: 23 mai. 2021.

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3 . 2 . O PAT R I M Ô N I O I N D U ST R I A L

A arqueologia industrial faz parte do patrimônio cultural como um todo. Ela compreende vestígios da cultura industrial que possuem valor histórico, tecnológico, social, arquitetônico ou científico no âmbito material ou imaterial (BERENSTEIN, 2010). A arquitetura industrial é caracterizada por galpões que possibilitam novas construções e dão espaço para uma arquitetura atemporal, que possa reaproveitar características prévias dos edifícios. Ainda segundo Berenstein (2010), o patrimônio industrial representa o testemunho de atividades que tiveram e ainda têm profundas consequências históricas para a sociedade. No caso do Brás, por exemplo, esse patrimônio revela a formação do bairro, sua constituição, sua história,

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seus modos de fazer; representa suas raízes estrangeiras presentes até a atualidade, seus costumes e práticas. Atualmente, corre-se o risco de perda do patrimônio industrial, principalmente das arquiteturas consideradas mais recentes, realizadas em concreto armado (KUHL, 2015), uma vez que são consideradas de pouco apreço estético. Entretanto, esses edifícios não são somente importantes do ponto de vista do testemunho histórico, mas também pela sua tipologia estrutural e qualidade arquitetônica que confere uma conveniência em recuperá-los (RIVA, 2008). É o caso do edifício a ser apresentado mais adiante. Conforme nota-se a seguir, a edificação da fábrica demonstra-se pouco atrativa do ponto de vista estético, uma vez


que sua construção remete a uma construção recente, de pouco valor histórico e pouco atraente para os pedestres que transitam ao seu redor. Conforme afirma Riva (2008), existem diversas particularidades das construções industriais pelas quais esses estabelecimentos devem ser

mantidos, dentre elas a capacidade de resistir a cargas elevadas, suas dimensões admitirem um bom grau de transformação, uma boa iluminação graças às grandes aberturas, dentre outros motivos.

Panorâmica externa do galpão industrial na rua Claudino Pinto, Brás. Fonte: foto autoral, 2019.

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3.3. A SUSTENTABILIDADE

Além da memória atribuída como importante elemento de preservação desses edifícios, a sustentabilidade é outro fator a ser levado em consideração. Os edifícios industriais possuem uma elevada qualidade espacial e estrutural, muitas vezes possibilitando diversos usos graças aos seus grandes vãos e espaços amplos. A reutilização desses edifícios confere uma economia do ponto de vista dos recursos naturais necessários para uma nova construção e permite conter o consumo de vastas superfícies do solo, além de oferecer oportunidades interessantes para o uso de tecnologias de economia energética. Portanto, verifica-se a necessidade de encontrar novas funções coerentes com as características dessas edificações, que

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permitam a sua reinserção na função social (RIVA, 2008). A recuperação do patrimônio industrial abre perspectivas interessantes e inéditas para uma projetação orientada aos princípios da sustentabilidade, mas pressupõe um reconhecimento das fontes a ela intrínsecas. [...] (RIVA, 2008, p 329, tradução nossa)

Foi a sustentabilidade a conduzir também a materialidade das novas intervenções de projeto. Sabendo-se que o concreto é um material menos sustentável e reaproveitável do que outras estruturas, como a metálica, por exemplo (RABELLO, 2007), o resultado obtido através de seu uso seria justamente o oposto do partido de reaproveitamento de um edifício preexistente, resultando incoerente.


Instituto Moreira Salles na Avenida Paulista. Foto: Desconhecido. Fonte: https://www.andrademorettin. com.br/projetos/ims/ Acesso em: 02 jun. 2021.

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O reaproveitamento e reestruturação do Mercado Coberto de Ravenna, de autoria Coop Alleanza, foi tido como referência pela reutilização do galpão preexistente e pelo uso de estruturas metálicas, que permitiram a criação de um mezanino. Outra referência projetual, tanto em termos estruturais como em termos de materialidade foi o IMS Paulista, de autoria do Andrade Morettin Arquitetos. Para este edifício, a estrutura em aço foi enriquecida com outros elementos a fim de resistir as sobrecargas, segundo afirma o coordenador da obra, José Canal, à Revista Projeto (2019): “A última geração de aço produzida no Brasil é o A572 grau 50, mas para essa obra a Gerdau produziu o aço com grau 60, enriquecido com nióbio, possibilitando o aumento da capacidade do edifício de suportar as

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sobrecargas mais altas do que as previstas pela norma, de 400 kg/m²”.


Imagem interna do Mercado Coberto de Ravena, Ravena, Itália. Fonte: foto autoral, 2019.

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4. O BRÁS DO PRESENTE

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4.1. PANORAMA GERAL

Com o passar dos anos, a delimitação do Brás se restringiu no que diz respeito à sua configuração do passado, ocupando atualmente uma área de 3,2km², sendo circunscrito aos bairros Sé, Bom Retiro, Pari, Belém, Mooca e Cambuci. De acordo com o site da Prefeitura de São Paulo (2021), sua população é de 29.265 habitantes e possui uma densidade demográfica de 8.361hab./km². Somando-se ao pequeno contingente de italianos e portugueses remanescentes, o bairro conta com uma população constituída por árabes, judeus, nordestinos, coreanos e latino-americanos, que alimentam suas formas de ocupação.

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Bairros limítrofes ao Brás, 2021. Edição autoral. Base de dados: GeoSampa. Disponível em: http://geosampa. prefeitura.sp.gov.br/PaginasPublicas/_SBC.aspx. Acesso em: 24 nov. 2020.

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Densidade demográfica

Legenda (hab/ha): 351 - 30346 207 - 351 146 - 207 92 - 146

até 92 área do projeto

Fonte dados: SÃO PAULO. Geosampa. Prefeitura de São Paulo (org.). Densidade demográfica. 2021. Edição autoral. Disponível em: http://geosampa.prefeitura.sp.gov.br/PaginasPublicas/_SBC.aspx. Acesso em: 24 nov. 2020.

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Habitações irregulares

Legenda: cortiços favelas assentamentos irregulares área do projeto Fonte dados: SÃO PAULO. Geosampa. Prefeitura de São Paulo (org.). Moradia Irregular. 2021. Edição autoral. Disponível em: http://geosampa.prefeitura.sp.gov.br/PaginasPublicas/_SBC.aspx. Acesso em: 24 nov. 2020.

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Mesmo com o passar dos anos, as heranças do período industrial perpetuaram-se até os dias atuais; o encortiçamento, herdado desse período, foi resultado da necessidade de moradia aos trabalhadores, ausência de políticas públicas voltadas à habitação social e à especulação do solo. (AMADIO, 2004) Essa herança é observada na notável presença dessas moradias irregulares. O Brás é conhecido como um

Cortiços na Rua Sobral. Fonte: Foto autoral, 2020.

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Cortiço na rua Carneiro Leão no bairro do Brás, 1929. Foto: BJ Duarte. Fonte: Portal de Acervos Artísticos e Culturais. Disponível em: http://www. acervosdacidade.prefeitura.sp.gov. br/PORTALACERVOS Acesso em: 23 mai. 2021.

Cortiço na Rua Carneiro Leão. Fonte: Foto autoral, 2020.

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Usos do Solo

Legenda: comércio e serviços residencial, comércio e serviços comércio/serviços, indústrias e armazéns residencial, indústrias e armazéns indústria e armazéns

resid. vert. médio/alto padrão resid. vert. baixo padrão equipamentos sem predominância área de projeto

Fonte dados: SÃO PAULO. Geosampa. Prefeitura de São Paulo (org.). Usos do Solo. 2021. Edição autoral. Disponível em: http://geosampa.prefeitura.sp.gov.br/PaginasPublicas/_SBC.aspx. Acesso em: 24 nov. 2020.

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dos centros comerciais mais famosos do país sendo estruturado sob o ponto de vista econômico a partir da atividade industrial, zonas de comércio diversificado, a zona cerealista, a zona madeireira e confecções e máquinas operatrizes. (AMADIO, 2004) O bairro destaca-se ainda do ponto de vista da mobilidade,

marcado pela presença histórica das linhas férreas, metrô e o maior terminal de ônibus de São Paulo. Através das citações abaixo retiradas dos sites de construtoras como a Tibério e a Trisul, pode-se notar como o bairro é tido do ponto de vista das imobiliárias e construtoras: “(...) morar no Brás é usufruir dessa

Feirinha da Concórida, Brás. Fonte: Feirinha da Concória. Disponível em: http:// feirinhadaconcordia.com.br/ Acesso em: 23 mai. 2021.

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força comercial e dos benefícios que ela traz, seja como consumidor, varejista ou investidor.” (TIBÉRIO BLOG, 2021) “Não apenas de comércio vive o Brás, já que o bairro também conta com restaurantes, museus e alguns dos estabelecimentos mais históricos da cidade.” (TIBÉRIO BLOG, 2021) “Morar no Brás garante localização privilegiada.” (TIBÉRIO BLOG, 2021) “O Brás oferece, principalmente , uma mobilidade diversificada e diferenciada.” (TIBÉRIO BLOG, 2021) “Brás é uma das áreas com maior potencial de valorização imobiliária em São Paulo” (TIBÉRIO BLOG, 2021)

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“Uma grande mudança pela qual o bairro Brás passa atualmente é com relação à moradia, pois surgem novos e modernos empreendimentos a cada ano. Tudo isso graças à localização privilegiada e ao crescimento constante da infraestrutura da região.” (TRISUL, 2021) “Outro ponto vantajoso do bairro é com relação aos novos empreendimentos. Atraídas pelo grande potencial de crescimento, construtoras lançam imóveis bastante completos e modernos na região.” (TRISUL, 2021)

Responsável pelas transformações na paisagem e no caráter do bairro, o mercado imobiliário tem promovido empreendimentos caracterizados por grandes torres de edifícios residenciais que pouco se relacionam com o entorno da região.


A paisagem do bairro vista da estação Pedro II, Brás. Fonte: foto autoral, 2020.

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Piscine Station Brás. Fonte: Gamaro Incorporadora. Disponível em: https://gamaro.com.br/ empreendimento/piscineresort-1/?gclid=CjwKCAjwhAsEiwA2G7Nl8pM3SjcwpDcXRbZSVpvZE5FdTS8fTB30Z5dT2BcGCXK08FVxoCTfYQAvD_BwE Acesso em: 23 nov. 2021.

Add House, Brás. Fonte: Engelux Construtora e Incorporadora. Disponível em: https://engelux.com.br/ imoveis/add-house Acesso em: 23 nov. 2021.

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Localização dos novos empreendimentos imobiliários no Brás

vallore brás

add house

downtown smart living

brás clube

elev brás

piscine station brás

capital brás dom centro moov brás visoo brás

hi centro

portal centro praças da cidade

Legenda: novos empreendimentos área do projeto

Fonte dados: Google Mapas. Novos empreendimentos. 2021. Edição autoral. Disponível em: https://www.google. com/maps/search/condom%C3%ADnios+br%C3%A1s/@-23.5495178,-46.6204854,15.34z

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Equipamentos Culturais

Legenda: equipamentos culturais área de projeto

Fonte dados: SÃO PAULO. Geosampa. Prefeitura de São Paulo (org.). Equipamentos Urbanos. 2021. Edição autoral. Disponível em: http://geosampa.prefeitura.sp.gov.br/PaginasPublicas/_SBC.aspx. Acesso em: 24 nov. 2020.

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4 . 2 . R E C O R T E N O LO C A L

Aqui se faz um recorte no bairro para introdução da quadra de intervenção. A quadra delimitada pela Avenida Rangel Pestana, e pelas ruas Claudino Pinto, Carneiro Leão e Capitão Faustino de Lima é marcada pela presença de indústrias, armazéns, comércios e torres de condomínios fechados. De modo geral, suas tipologias são caracterizadas por um gabarito mais baixo, de 2 a 4 pavimentos, exceto pelos condomínios residenciais. Os terrenos escolhidos para intervenção estão localizados na rua Claudino Pinto, na altura do número 133 a 181. O ponto de partida foi a fábrica preexistente no número 133, que abrigou de 1930 a 2014 uma fábrica de Papel Carbonos e Fitas, onde atualmente funciona uma indústria têxtil.

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A motivação para a escolha do reaproveitamento desse edifício deu-se a partir da vontade de entender quais seriam as alternativas para ele, além de uma possível e provável substituição por condomínios residenciais como tem acontecido com outros galpões industriais (como é o caso do terreno ao lado) ou a manutenção da sua função de fábrica, diante da legislação vigente no Plano Diretor Estratégico de 2014. Ademais, buscou-se compreender de que maneira esse edifício poderia adaptar-se a outras funções, atendendo demandas locais, mesmo sendo pouco atrativo do ponto de vista estético.


Rua Claudino Pinto, Brás. Fonte: Foto autoral, 2020.

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estação pedro II

parque dom p

comg

rua claudino pinto 133

80


pedro

viaduto 25 de março

gás avenida rangel pestana

3

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Contexto da área. Fonte: Google Earth. Disponível em: https://www.google.com.br/earth/ Acesso em: 8 ago. 2020. Edição: autoral, 2020.


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área

o

ençã

terv de in

Tipologias da quadra. Fonte: Levantamento das imagens Google Earth. Disponível em: https://www.google.com.br/ earth/ Acesso em: 9 maio 2021. Edição: autoral, 2021.

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Conforme dito anteriormente, segundo moradores e trabalhadores da região, no terreno ao lado também existiam galpões industriais e armazéns, atualmente demolidos para a construção de um projeto residencial com studios de 27m² a 37m², como observa-se na imagem do projeto retirada do site da Construtora Tibério. O projeto em questão ressalta algumas problemáticas do bairro tratadas anteriormente; dada a não conexão entre o lote e o entorno demarcada pela presença de muros e grades, comprometendo a permeabilidade da quadra e também a caminhabilidade e a segurança do bairro.

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Fábrica de Papel Carbono e Fitas na rua Claudino Pinto 133, Brás. Fonte: Foto autoral, 2019.

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Projeto Dom Centro Brás, Construtora Tibério. Fonte: Tibério. Disponível em: http:// www.tiberio.com.br/imoveis/ sp/sao-paulo/centro/claudinopinto?utm_source=Blog&utm_ medium=link&utm_ campaign=Link%20 mat%C3%A9ria%20Br%C3%A1s Acesso em: 23 maio 20201.

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Terreno em obras na rua Claudino Pinto, 181. Fonte: Foto autoral, 2020.

Terreno em obras na rua Claudino Pinto, 181. Fonte: Foto autoral, 2020.

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4.2.1. A PREEXISTÊNCIA: GALPÃO INDUSTRIAL

O galpão industrial constituído por dois pavimentos possui 1665m² de terreno e 2630m² de área construída. Segundo seu antigo proprietário, o edifício nasceu da junção de outras duas preexistências (um galpão industrial que funcionava como indústria de colchões e algumas pequenas casas e cortiços) em 1947, funcionando como uma indústria de papel carbono e fitas para máquinas até 2014, quando foi vendida para o setor têxtil em 2019. Alguns elementos do preexistente valem ser destacados com mais atenção por conta do seu reaproveitamento. A plataforma de carga e descarga de caminhões, por exemplo, recebe na proposta de projeto um novo uso e uma nova configuração, capaz de abrigar uma área de exposição, apresentações ou projeções,

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conferindo ao térreo um uso a ser determinado pelos usuários. Também foram reaproveitados alguns elementos de circulação vertical, como as escadas do saguão principal que levam ao primeiro pavimento, além da sua estrutura, buscando revelar-la.


Projeto de reforma do galpão em 1970. Fonte: Arquivo pessoal dos antigos proprietários.

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área moinhos de tinta

deposito

RUA CLAUDINO PINTO

725

PLANTA ORIGINAL TÉRREO

90

NEIR

área embrulho

CAR

área bobinas e cabine primária

RUA

plataforma carga/descarga caminhões

O LE Ã

O

área maquinário


Fotos do pavimento térreo, à esquerda plataforma de carga e descarga a ser reaproveitada e à direita o saguão principal ao lado da plataforma.. Fonte: Foto autoral, 2019

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deposito

cozinha

esccritório

RUA CLAUDINO PINTO

725

PLANTA ORIGINAL 1 PAVIMENTO

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CAR

esccritório

RUA

área maquinário

NEIR

O LE Ã

O

dep. documentos


Forro do pavimento superior do galpão industrial, escondendo a estrutura metálica da cobertura. Fonte: Foto autoral, 2019.

Panorâmica interna do pavimento superior do galpão industral. Fonte: Foto autoral, 2019

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5. LEGISLAÇÃO E MERCADO IMOBILIÁRIO

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5.1. O PLANO DIRETOR ESTRATÉGICO DE 2014 E SEUS REBATIMENTOS NO BRÁS Segundo antigos proprietários do edifício da fábrica, os reflexos do Plano Diretor Estratégico de 2014 foram decisivos para a destinação do mesmo, que neste ano encerrou atividades. O novo zoneamento estabeleceu para área uma Zona Especial de Interesse Social 3 (ZEIS 3) e, inicialmente, havia pouco interesse por parte do mercado imobiliário em investir em empreendimentos destinados à HIS (Habitação de Interesse Social) ou HMP (Habitação de Mercado Popular). “As ZEIS 3 se localizam prioritariamente nas áreas centrais da cidade, principalmente nas Macroáreas de Estruturação Metropolitana e de Qualificação da Urbanização Consolidada. Nas ZEIS 3 deve-se, conforme o caso, recuperar áreas urbanas deterioradas e aproveitar terrenos e edificações

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não utilizadas ou subutilizadas para a construção de novos empreendimentos com HIS, HMP ou atividades não residenciais.” (SÃO PAULO, 2021)

A lei previa ainda a utilização de “[...] instrumentos de combate à ociosidade e a retenção especulativa dos imóveis que não cumprem função social” (PDE, 2014) que consistiam no parcelamento, edificação e utilização compulsórios e o IPTU progressivo no tempo. Dessa maneira, seus proprietários tinham certa pressa de encontrar uma nova função para o edifício, vendê-lo para o mercado imobiliário ou terceiros que tivessem interesse em manter sua função e seu caráter industrial, para que assim não sofressem as consequências impostas pelo PDE. A última opção vem a ser efetivada em 2019, quando o edifício é


vendido para tornar-se uma indústria têxtil. Já no que diz respeito ao terreno vazio do número 181, o início das obras por parte da construtora teria iniciado antes do PDE entrar em vigor. Dentre outros motivos, os rebatimentos da legislação nessa quadra também foram decisivos para a disposição em aprofundar-se no assunto, além de conduzirem o partido projetual, delimitando-o.

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Zona Especial de Interesse Social 3

Legenda: ZEIS 3 área de projeto

Fonte dados: SÃO PAULO. Geosampa. Prefeitura de São Paulo (org.). Edifícios notificados. 2021. Edição autoral. Disponível em: http://geosampa.prefeitura.sp.gov.br/PaginasPublicas/_SBC.aspx. Acesso em: 24 nov. 2020.

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Edifícios notificados por não cumprir função social

Legenda: não edificados não utilizados subutilizados área de projeto Fonte dados: SÃO PAULO. Geosampa. Prefeitura de São Paulo (org.). Edifícios notificados. 2021. Edição autoral. Disponível em: http://geosampa.prefeitura.sp.gov.br/PaginasPublicas/_SBC.aspx. Acesso em: 24 nov. 2020.

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5.2. LEGISLAÇÃO, MERCADO E PREMISSAS DE PROJETO

Retomando questões relativas ao mercado imobiliário, o PDE prevê alguns incentivos com relação ao Coeficiente de Aproveitamento (C.A.) em caso de ZEIS 3 conforme o quadro abaixo. Dessa forma, o gabarito dos edifícios residenciais tem sido cada vez maiores, transformando a paisagem do bairro. O partido inicial do projeto a ser apresentado no próximo capítulo deste trabalho tem como premissa a negação dessa verticalização intensa. E a primeira proposta para tal consistia em uma revitalização da fábrica e a criação de uma praça que trouxesse para a quadra opções de lazer e espaços públicos de qualidade e um “respiro” às novas construções. Mais tarde, busca-se uma maior verticalização, equilibrando os anseios do mercado imobiliário e as

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necessidades locais. Busca-se então, um ensaio através do projeto, de como é possível conciliar um alto C.A. a uma boa qualidade e dos espaços e edificações, resultando em um edifício residencial de C.A. 5.


“Art. 58. Nas ZEIS 1, 2, 3, 4 e 5 a concessão do direito de construir acima do coeficiente de aproveitamento básico até o limite do coeficiente de aproveitamento máximo é gratuita para todas as categorias de uso integrantes das EZEIS.” (PREFEITURA DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2014)

Notas: (a) Na Operação Urbana Centro o C.A. mínimo é igual a 1 e máximo igual a 6.

Fonte dados: PREFEITURA DO ESTADO DE SÃO PAULO (Município). Lei nº 16.050, de 31 de julho de 2014. Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo. São Paulo, SP,

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6. CONDICIONANTES E DIRETRIZES

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6.1. CONDICIONANTES RELATIVAS À MEMÓRIA

A leitura feita por meio da cartografia e a identificação das memórias e desmemórias a partir do estudo sobre o bairro, levantaram condicionantes e estabeleceram premissas para o projeto. As condicionantes relativas à memória foram refletidas no galpão industrial, uma vez que, sendo um elemento preexistente, confere uma exposição da história e memória local por si só. Nesse capítulo, se inicia uma breve apresentação do projeto, a fim de explicitar a maneira como ele reflete as condicionantes preestabelecidas, adentrando ao seu partido. Portanto, por meio de uma breve setorização é possível observar seus usos: cultural, comercial e residencial, contando também com uma praça central.

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Esquema de setorização

cultural

residencial

comercial

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6.1.1. OS IMIGRANTES

Chegada dos imigrantes italianos no Brasil, 1910. Disponível em: https:// i.ytimg.com/vi/w8fFylbAm3o/ hqdefault.jpg Acesso em: 23 mai. 2021.

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Os imigrantes, que contribuíram para a constituição do bairro e são presentes até os dias de hoje, estabelecem um importante papel na história do Brás. Segundo Riva (2008), “[...] as intervenções de recuperação devem valorizar expressões locais da história, privilegiando os testemunhos culturais que melhor os representam”, desse modo, retomar a memória dos imigrantes é também uma forma de inclusão dos recém-chegados, buscando abrigá-los e buscando evidenciar a importância dos mesmos na constituição da história do bairro, criando o sentimento de identidade anteriormente tratado. Desde a vinda de imigrantes nordestinos e latino-americanos, principalmente bolivianos, um clima de segregação instalou-se no bairro, se constatou no documentário

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São Paulo – Memória em Pedaços (1997), bem como relatado por moradores locais. Dessa maneira, espaços inclusivos são essenciais para a melhoria da convivência no bairro.


Esquema de rebatimento das condicionantes no projeto. Em laranja destaca-se o reflexo da condicionante no projeto. Fonte: esquema autoral.

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6 . 1 . 2 . A C U LT U R A E O L A Z E R

Teatro Colombo, Largo da Concórdia, 1952. Foto: Antônio Câmara. Fonte: Portal de Acervos Artísticos e Culturais. Disponível em: http://www. acervosdacidade.prefeitura. sp.gov.br/PORTALACERVOS/ ExibirItemAcervo.aspx?id=446863 Acesso em: 23 mai. 2021.

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O Brás do passado, como demonstrado previamente, foi marcado pela presença de inúmeros teatros e cinemas, além da presença de restaurantes que ainda hoje apresentam as heranças dos imigrantes que nele se estabeleceram. No Brás atual, a cultura e o lazer, de maneira geral, não têm uma presença marcante dada a falta de qualidade dos espaços públicos – que não promovem sociabilidades - e graças aos apagamentos aos quais foi submetido. Assim, a cultura e o lazer se estabelecem como diretrizes para o projeto, e se evidenciam não somente na preexistência, através de uma área multifuncional, mas também no projeto como um todo, buscando dar espaço também aos grupos teatrais que se encontram no bairro, o grupo Sobrevento, por exemplo, atua

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não somente em seu próprio espaço físico, mas também em espaços públicos. A praça com seus declives abriga arquibancadas que favorecem esse tipo de atividades. Já no residencial, o lazer é promovido através dos terraços-jardim e da quadra esportiva.


Esquema de rebatimento das condicionantes no projeto. Em laranja destaca-se o reflexo da condicionante no projeto. Fonte: esquema autoral.

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6.1.3. EVENTOS E COMEMORAÇÕES

Brás Desfile Cívico, em local próximo ao largo do Brás, por volta de 1915. Foto: Aurélio Becherini. Fonte: Portal de Acervos Artísticos e Culturais. Disponível em: http:// www.acervosdacidade.prefeitura. sp.gov.br/PORTALACERVOS Acesso em: 23 mai. 2021.

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Também herdados dos imigrantes, os eventos e comemorações caracterizam o bairro através de procissões e quermesses. Ademais, eternizado na canção “Samba do Arnesto”, do compositor e cantor Adoniran Barbosa, o Brás também tem suas raízes brasileiras reforçadas pelo “Grêmio Recreativo Escola de Samba Colorado do Brás” fundado em 1975, que se compromete ainda com projetos sociais no bairro e arredores. Esses elementos foram trazidos para o projeto por meio dos espaços que permitem a sua realização: as áreas multifuncionais e a área expositiva da preexistência; a praça central e o terraço bar no embasamento comercial.

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Esquema de rebatimento das condicionantes no projeto. Em laranja destaca-se o reflexo da condicionante no projeto. Fonte: esquema autoral.

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6.2. CONDICIONANTES RELATIVAS À SITUAÇÃO ATUAL DO BAIRRO

As condicionantes relativas à situação atual do bairro se revelaram através de levantamentos feitos no local, onde foram identificados aspectos a serem melhorados no bairro, além de anseios da população local. Foram realizadas entrevistas com os moradores e trabalhadores do Brás e, dentre os pontos de intersecção de seus discursos, o mais notável foi a insegurança no período noturno e a falta de lazer e opções recreativas. Apesar disso, destacam dentre as vantagens do bairro a localização, a mobilidade e o comércio.

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Interações e sociabilidades na calçada e comércios na rua Carneiro Leão. Fonte: Foto autoral, 2020.

Comércios na esquina da rua Carneiro Leão e rua Sobral. Fonte: Foto autoral, 2019.

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6.2.1. IMPERMEABILIDADES

Galpão industrial na Rua Claudino Pinto 133, Brás. Fonte: Foto autoral, 2020.

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121


a ra

nid

ave

ana

est

lp nge

Cartografia de impermeabilidades

rua itão

cap tino

faus ima

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rua da ira

ue

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li

122


ral

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rua

s rua

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rua

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u

cla

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a do m

rmelh inha ve

123


Como nota-se através do mapa de impermeabilidades, o Brás como um todo, mas especialmente o núcleo da Rua Claudino Pinto, configura-se pelas impermeabilidades representadas pelos condomínios residenciais gradeados, galpões industriais murados e outros elementos que se mostram hostis aos transeuntes. Trazer maior permeabilidade à rua foi uma das premissas que resultaram em uma abertura na fachada da fábrica, como observa-se no diagrama de projeto, revelando também o que esse edifício foi antes mesmo de sua função predominantemente industrial: uma junção de um galpão industrial e casas vizinhas. A busca pela permeabilidade revelou-se também no uso da transparência promovida pelos materiais

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como policarbonato e foi ressaltada através das estruturas metálicas, mais esbeltas, e portanto, mais permeáveis visualmente.


Esquema de rebatimento das condicionantes no projeto. Em laranja destaca-se o reflexo da condicionante no projeto. Fonte: esquema autoral.

125


6.2.2. A EXPERIÊNCIA DO LUGAR E AS SOCIABILIDADES

Praça na rua Carneiro Leão. Fonte: Foto autoral, 2020.

126


127


Interdependentes, a experiência do lugar propicia ou dificulta a realização das sociabilidades, que acontecem no bairro principalmente nas calçadas, dada a falta de espaços públicos de qualidade. Dessa maneira, em toda a esfera pública o projeto busca promover uma boa experiência do lugar, bem como na esfera privada. No edifício residencial, vazios internos são criados entre os apartamentos a fim de abrigar essas sociabilidades, além de estabelecer uma relação com o exterior, trazendo mais permeabilidade visual. Além do mais, os terraços-jardim, bem como a quadra esportiva são capazes de favorecer as sociabilidades de maneira eficaz.

128


Esquema de rebatimento das condicionantes no projeto. Em laranja destaca-se o reflexo da condicionante no projeto. Fonte: esquema autoral.

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6.2.3. MORADIA

Inslatações de moradores sem teto abaixo da linha vermelha do metrõ. Fonte: Foto autoral, 2020.

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Tendo como base evidências anteriormente apresentadas, vale fazer um paralelo entre os mapas de “Habitações Irregulares”, de “Edifícios Notificados” e de “Zonas Especiais de Interesse Social 3” e os dados apresentados a seguir com relação ao número de edifícios notificados em 2018 (SANTIAGO; MURARO, 2018) versus o número de pessoas sem teto na cidade de São Paulo em 2020 (PORTAL G1 E TV GLOBO,

2020), que evidenciaram e reiteram a imprescindibilidade da promoção de moradias na cidade. As habitações de interesse social que resultam no residencial, buscam experimentar novas alternativas de implantação, respondendo às demandas sociais e referentes à legislação, experimentando também alternativas aos edifícios que não cumprem função social.

x

132

1.385

24 mil

imóveis notificados por não cumprirem função social em São Paulo em 2018

pessoas sem teto em São Paulo em 2019


Esquema de rebatimento das condicionantes no projeto. Em laranja destaca-se o reflexo da condicionante no projeto. Fonte: esquema autoral.

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6 . 2 . 4 . O C U LT I V O

Incentivo ao cultivo na rua Faustino de Lima. Fonte: Foto autoral, 2020.

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135


O cultivo revelou-se através dos anseios dos moradores locais. Em diversos pontos do bairro, o incentivo ao cultivo é dado pelos canteiros em madeira e placas feitas a mão. Desse

modo, o cultivo se exprime no projeto através dos terraços-jardim que propõe hortas para o cultivo comunitário de seus moradores.

Incentivo ao cultivo, Rua Sobral. Fonte: Foto autoral, 2020.

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Esquema de rebatimento das condicionantes no projeto. Em laranja destaca-se o reflexo da condicionante no projeto. Fonte: esquema autoral.

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7. O PROJETO

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7.1. O PARTIDO PROJETUAL

O partido do projeto nasce a partir do esquema a seguir, tendo como base as condicionantes anteriormente apresentadas. Inicialmente, como se observa no primeiro esquema do partido, o projeto configurava-se por meio de uma negação total do que vem sendo a transformação no bairro por parte do mercado imobiliário, caracterizada pela verticalização promovida pelas altas torres residenciais em condomínios fechados. De uma maneira tímida, é criado um residencial, aproveitando a própria estrutura preexistente do galpão, reservando o espaço do terreno ao lado para uma praça que pudesse abrigar as necessidades locais e trazer qualidade à quadra. Entretanto, esta primeira resolução

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mostrava-se insignificante diante do déficit habitacional em São Paulo.


1. Esquema de partido projetual. Fonte: imagens autorais, 2021.

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Dessa forma, nasce uma segunda alternativa ao adensamento, ainda com certo cuidado e timidez. Através de um edifício escalonado, a fim de diminuir seu impacto visual na preexistência e no entorno, foi possível a criação de terraços que pudessem atender à outras demandas da população e dos seus moradores, preservando a praça no terreno ao lado. Ainda assim, analisando em termos legais, o lote continuava em déficit com relação ao que poderia ser proporcionado, principalmente tendo em mente o Coeficiente de Aproveitamento (C.A.) nessa zona, que poderia chegar a 6 em caso de Outorga Onerosa.

142

Em um terceiro ensaio, propõe-se pensar a maneira como o mercado imobiliário proporia uma intervenção, usando o máximo potencial de aproveitamento dessa área. Ainda assim, mesmo raciocinando a partir da perspectiva do mercado imobiliário, impõe-se como premissa à esse volume uma implantação recuada, mantendo a ideia inicial de uma praça central e respeitando as tipologias da quadra, dadas por um baixo gabarito, conforme observa-se na terceira, quarta e quinta imagem do esquema. Dessa forma, faz-se referência à proposta de intervenção para o Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro do arquiteto Paulo Mendes da Rocha e o escritório Metro Arquitetos, para o qual é criada uma torre para ampliar a área do museu:


2. Esquema de partido projetual. Fonte: imagens autorais, 2021.

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“O elemento mais contundente do projeto é a torre de 14 pavimentos (com 70 metros de altura), de térreo livre, que ocuparia o pátio central do edifício, com 30 x 30 metros. Segundo os autores, o volume não interfere na escala do museu e do entorno, ficando dentro do gabarito da região e, do ponto de vista do pedestre, praticamente imperceptível.” (REVISTA PROJETO, 2006)

Conforme Alexander (1977, p. 600) “a vida de uma praça pública se forma naturalmente em torno de sua borda. Se a borda falhar, então o espaço nunca se torna vivo.” Levando em consideração esse pressuposto, o embasamento comercial nasce em virtude das demandas locais, mas também propondo uma fachada ativa que atraia o público a fazer uso dessa quadra.

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Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro. Fonte: Metro Arquitetos. Disponível em: hhttp://162.243.121.30/projects/view/19 Acesso em: 29 maio 2021.


3. Esquema de partido projetual. Fonte: imagens autorais, 2021.

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4. Esquema de partido projetual. Fonte: imagens autorais, 2021.

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5. Esquema de partido projetual. Fonte: imagens autorais, 2021.

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6. Esquema de partido projetual. Fonte: imagens autorais, 2021.

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7. Esquema de partido projetual. Fonte: imagens autorais, 2021.

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150


O primeiro do edifício residencial aparece, portanto, pensando em um edifício escalonado que diminuísse o impacto do seu gabarito no entorno e que permitisse o uso das lajes de acordo com os anseios dos moradores do bairro e que estabelecesse com a praça central uma relação através dos vazios, que já eram pensados como espaços de convivência e sociabilidades. A materialidade para esse primeiro ensaio foi inicialmente pensada a partir do uso do concreto armado buscando uma arquitetura que se mimetizasse com as tipologias industriais características da quadra, remetendo a preexistência. No entanto, ao ponderar os impactos ambientais muito maiores de uma estrutura em concreto em comparação à uma estrutura

metálica, o resultado seria justamente o oposto do partido de recuperação de um edifício preexistente que se baseia também nos princípios de sustentabilidade e do reaproveitamento. Logo, foi preciso refletir sobre uma materialidade que futuramente também trouxesse a possibilidade de reuso da sua estrutura.

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Como consequência, em um segundo momento, pensar uma estrutura metálica buscou também uma definição da linguagem do projeto; uma linguagem clara de distinção entre o preexistente e o novo, que buscou não somente se contrapor do ponto de vista da materialidade, mas também do ponto de vista do desenho de projeto. Além do mais, a estrutura metálica, por ser mais esbelta, permite também uma porosidade visual em contraposição à impermeabilidade da preexistência. Ademais, a materialidade foi importante para possibilitar um ensaio que refletisse respeito pelo preexistente; a partir da estrutura metálica, foi possível pensar uma implantação da estrutura do residencial na qual não houvesse apoios na porção frontal da preexistência,

ensaiando possíveis atitudes com relações à patrimônios tombados (mesmo não sendo o caso do galpão em questão).

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7 . 2 . C E N T R O C U LT U R A L , COMERCIAL E RESIDENCIAL

O projeto consiste em um centro cultural, comercial e um edifício residencial, conectados pela praça central, conforme pode ser observado na implantação perspectivada ao lado. Ainda de maneira introdutória, na perspectiva explodida a seguir, pode-se observar com mais clareza os usos e funções do projeto. Observam-se mais precisamente no residencial: os terraço-jardim com as hortas e a quadra esportiva. Na

fábrica: o solarium, a área expositiva no primeiro pavimento, o restaurante na porção à direita, que ganha um terraço acoplado em estrutura metálica e policarbonato; a área multifuncional no térreo e o café aos fundos. Conectados pela praça central, observa-se ainda o térreo composto por lojas no embasamento comercial, a inserção do minimercado no primeiro pavimento e o terraço-bar na cobertura.

Implantação perspectivada com entorno imediato. Edição autoral, 2021

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155


HORTAS

HORTAS

HORTAS

QUADRA

SOLARIUM ÁREA EXPOSITIVA CAFÉ ÁREA MULTIFUNCIONAL

156


HORTAS

HORTAS HORTAS

HORTAS

TERRAÇO BAR MINI-MERCADO TÉRREO COMERCIAL RESTAURANTE PRAÇA CENTRAL

157


RUA

CAP

ITÃO

FAU

STIN

O D E LI M

A

RUA ANA TEN ÓRIO

RUA CLAUDINO PINTO

725

IMPLANTAÇÃO E ENTORNO IMEDIATO 158


RUA CAR NEIR O LE Ã O

RUA SOBRAL

159


No térreo da fábrica, o reaproveitamento da plataforma de carga e descarga permitiu a criação de um espaço cultural multifuncional, que pode promover usos diversos e indeterminados, como por exemplo exposições, projeções, apresentações e etc. Aos fundos, na área externa, onde localizava-se o antigo vestiário, propõe-se um café com área verde aberta, de funcionamento dependente do complexo cultural. Ainda aos fundos, internamente, propõe-se uma nova circulação vertical, composta por escadas e elevador, que dão acesso ao solaruim no terraço; banheiros e uma sala de estudos. Também no térreo, na porção à direita anexa ao edifício, a cultura se revela através de um restaurante, que se estende ao primeiro pavimento e

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ganha um terraço em estrutura metálica acoplada à estrutura primária do galpão. Na praça central, desníveis criam um dinamismo e trazem novas possibilidades de uso do espaço por meio das arquibancadas. Na praça e no embasamento comercial, a distinção entre preexistente e o novo através da contraposição das suas formas orgânicas e as formas rígidas e ortogonais da fábrica, reforçam a linguagem do projeto. A planta de fluxos do térreo busca demonstrar as diversas possibilidades para o percurso no local, tendo como premissa um desenho que conferisse fluidez e continuidade à ele. Já no diagrama de fluxos, pode ser observada a maneira como se dão os fluxos público e privado. A esfera pública tem acesso livre à todos os


pontos do projeto, exceto os saguões de acesso ao residencial, que possuem uso estritamente privado aos seus moradores.

fluxo público fluxo privado

161


hall

área multifuncional (teatro/projeções e exposições)

RUA CLAUD

725

PLANTA TÉRREO 162


loja loja loja

loja

NEIR

hall loja

CAR

loja

O LE ÃO

loja

RUA

DINO PINTO

loja

163


PLANTA FLUXOS TÉRREO

164


Para o primeiro pavimento da fábrica, um vazio é criado a fim de estabelecer uma relação entre o primeiro pavimento e o térreo. Abrigando uma área expositiva e a área administrativa aos fundos, essa área tem como finalidade acolher as memórias industriais do Brás, além do restaurante, que tem sua continuidade nesse pavimento. No embasamento comercial pode-se observar a inserção de um minimercado atendendo às demandas locais, bem como um bar de acesso público no terraço. Já no edifício fábrica, o terraço abriga um solarium com uso voltado ao público infantil.

165


área administrativa

área expositiva

RUA CLAUD

725

PLANTA PRIMEIRO PAVIMENTO 166


O LE ÃO NEIR CAR

mini mercado

RUA

DINO PINTO

dep.

167


RUA CLAUD

725

PLANTA SOLARUIM E TERRAÇO BAR 168


RUA

DINO PINTO

169

CAR NEIR

O LE ÃO


No edifício residencial composto por HIS, os estúdios de 22m² e os apartamentos de dois dormitórios, de 44m², constituem as tipologias principais. A tipologia maior, de 88m², por sua vez, tem por objetivo ensaiar uma nova possibilidade, tendo como base as demais. Os apartamentos são intercalados com os vazios de pé direito duplo, criando espaços de convivência à disposição dos moradores, promovendo as sociabilidades e melhorando eficiência energética dos apartamentos. Os vazios também permitem que o edifício se relacione com a praça central, criando uma atmosfera porosa. Neles, passarelas interligam os dois lados do edifício e também dão acesso a alguns apartamentos. O escalonamento do edifício

170

permitiu o uso das lajes - e da cobertura - por meio das hortas localizadas nos jardins, além da quadra esportiva.


TIPOLOGIAS EDIFÍCIO RESIDENCIAL

Estúdio - 22m²

Dois dormitórios - 44m²

Três dormitórios - 88m²

171


RUA CLAUD

725

PLANTA RESIDENCIAL 1 PAVIMENTO 172


RUA

DINO PINTO

173

CAR NEIR

O LE ÃO


RUA CLAUD

725

PLANTA RESIDENCIAL 2 PAVIMENTO 174


RUA

DINO PINTO

175

CAR NEIR

O LE ÃO


RUA CLAUD

725

PLANTA RESIDENCIAL 3 PAVIMENTO 176


RUA

DINO PINTO

177

CAR NEIR

O LE ÃO


RUA CLAUD

725

PLANTA RESIDENCIAL 4 PAVIMENTO 178


RUA

DINO PINTO

179

CAR NEIR

O LE ÃO


RUA CLAUD

725

PLANTA RESIDENCIAL 5 PAVIMENTO 180


RUA

DINO PINTO

181

CAR NEIR

O LE ÃO


RUA CLAUD

725

PLANTA RESIDENCIAL 6 PAVIMENTO 182


RUA

DINO PINTO

183

CAR NEIR

O LE ÃO


RUA CLAUD

725

PLANTA RESIDENCIAL 7 PAVIMENTO 184


RUA

DINO PINTO

185

CAR NEIR

O LE ÃO


RUA CLAUD

725

PLANTA RESIDENCIAL 8 PAVIMENTO 186


RUA

DINO PINTO

187

CAR NEIR

O LE ÃO


RUA CLAUD

725

PLANTA RESIDENCIAL 9 PAVIMENTO 188


RUA

DINO PINTO

189

CAR NEIR

O LE ÃO


RUA CLAUD

725

PLANTA RESIDENCIAL 10 PAVIMENTO 190


RUA

DINO PINTO

191

CAR NEIR

O LE ÃO


RUA CLAUD

725

PLANTA RESIDENCIAL COBERTURA 192


RUA

DINO PINTO

193

CAR NEIR

O LE ÃO


Trajetória solar Através dos esquema abaixo, é possível compreender melhor a iluminação do sol no projeto. Já no esquema ao lado, busca-se a compreensão de como os vazios podem contribuir para a iluminação e ventilação.

194


Esquema de iluminação e ventilação nos vazios

195


CORTE AA 196


197


CORTE BB 198


199


CORTE CC 200


201


CORTE DD 202


203


ELEVAÇÃO FRONTAL 204


205


Nos cortes, vale destacar a resolução dos vazios tanto no edifício residencial quanto no edifício preexistente. Na área multifuncional, onde foi reaproveitada a plataforma elevada, é ensaiado um uso diferente para cada corte, a fim de evidenciar possibilidades. Para o residencial, vale destacar ainda a treliça metálica nos cortes e também no detalhe construtivo. Outro ponto a ser observado em corte, são os desníveis da praça. No que diz respeito à elevação, é importante notar que o edifício fábrica manteve uma linguagem neutra, para a dissociação o novo e o preexistente. Ademais, é proposta uma troca dos seus caixilhos, fazendo o uso de pivotantes, trazendo movimento e permeabilidade para a fachada, mas mantendo sua neutralidade. O policarbonato, inserido

nos elementos novos, também é usado a fim de reforçar a linguagem do projeto, trazendo permeabilidade visual e contrapondo-se à fachada em concreto da fábrica. A abertura na fachada do galpão industrial também confere uma maior permeabilidade ao projeto.

DETALHES CONSTRUTIVOS 206

substrato manta filtrante dreno argila expandida manta asfáltica regularização

peça met. de fixaç

placa de policarbo peça metálica de

estrutura de apoio

parafuso de fixaçã

placa de policarbo

piso elevado int. e

apoiadores de pis

proteção mecânic manta asfáltica regularização laje em concreto


guarda-corpo embutido canaleta de apoio guarda-corpo parabolt de fixação canaleta laje alveolar

viga metálica espaço para dilatação da viga trilho embutido venezianas venezianas em madeira de refl. esquadrias em alumínio

piso elevado ext. em placa ciment. apoiadores de piso manta asfáltica proteção mecânica

ção no concreto

onato alveolar sustentação

o das placas

piso em madeira

ão de peças met.

proteção mecânica

onato alveolar

manta asfáltica regularização

em placa ciment.

so

ca

Detalhe embasamento comercial

Detalhe residencial

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Hortas do terraço-jardim do quinto pavimento residencial. Imagem autoral.

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209


Quadra, hortas e vazios em vista elevada do edifício residencial. Imagem autoral.

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211


“Em bairros residenciais devemos dar à rua a qualidade de uma sala de estar, não só para a interaçao cotidiana como também para as ocasiões especiais, de modo que as atividades comunitárias e as atividades importantes para a comunidade local possam ser realizadas ali” (HERTZBERGER, 1991)

Terraço bar no embasamento comercial e relação com o edifício residencial. Imagem autoral.

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Vista interna do minimercado inserido no embasamento comercial. Imagem autoral.

214


Embasamento comercial em vista da praça central. Imagem autoral.

215


“Devemos considerar a qualidade do espaço das ruas e dos edifícios relacionando-os uns aos outros [...] no qual a forma construída e o espaço exterior ofereçam o máximo de acesso para que um possa penetrar no outro de tal modo que não so as fronteiras entre o exteriror e o interior se tornem menos explícitas, como também se atenue a rígida divisão entre o domínio privado e o público” (HERTZBERGER, 1991)

Vista da praça na cota +1.00m, seu ponto mais elevado, ao fundo, o edifício fábrica com terraço do restaurante acoplado. Imagem autoral.

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218


“O segredo é dar aos espaços públicos uma forma tal que a comunidade se sinta pessoalmente responsável por eles, fazendo com que cada membro da comunidade contibua à sua maneira para um ambiente com o qual possa se relacionar e se identificar” (HERTZBERGER, 1991)

Vista frontal da fábrica. É possível observar a dinâmica dos caixilhos e abertura na fachada. Imagem autoral.

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“O arquiteto pode contribuir para criar um ambiente que ofereça muito mais oportunidades para que as pessoas deixem suas marcas e identificações pessoais, que possa ser apropriado e anexado por todos” (HERTZBERGER, 1991)

Vazio do primeiro pavimento em vista interna da fábrica. Imagem autoral.

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Vista geral do conjunto na rua Claudino Pinto, Brás. Imagem autoral.

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8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

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A compreensão do preexistente em um contexto que abarca complexidades dadas a partir da legislação, da população e do mercado imobiliário, teve por objetivo refletir em um projeto que abrigasse o conjunto de discussões, demandas e problemáticas acerca dos temas que compõe o Brás, conciliando-as. Pretendeu-se, através do projetar, pensar espaços permeáveis que acolhessem seus moradores e transeuntes. O projeto se orienta de maneira a abrigar o déficit habitacional da cidade de São Paulo, mas também o déficit identitário de seus habitantes para com a cidade através do resgate da memória e através de espaços a serem apropriados e determinados pelo público. Trata-se de um ensaio de outras alternativas às desmemórias,

226

configuradas pelos apagamentos e substituições no bairro. Por meio do reaproveitamento de um galpão industrial preexistente, em congruência com legislação - que o insere em uma Zona Especial de Interesse Social 3, prevendo incentivos ao uso de edifícios que não cumprem função social – busca-se resgatar a memória do local, provendo uma melhor experiência do lugar, reforçando o sentimento identitário e fornecendo equipamentos de cultura e lazer à população. Através da proposta de um novo residencial com habitações de interesse social e um embasamento comercial, este ensaio visa a conciliação das grandes torres de condomínios fechados, criadas pelo mercado imobiliário, e a permeabilidade da qual o Brás necessita, a fim


de modificar a percepção dos espaços. A praça se orienta de maneira a englobar todas essas questões, negando a impermeabilidade, promovendo espaços democráticos, que por sua vez promovam sociabilidades e o resgate de todos os elementos essenciais para o bom funcionamento de um bairro. É importante ressaltar que esse ensaio é infinito; poderia ter infinitos desdobramentos e resoluções e, concomitantemente, para qualquer projeto, sempre estão surgindo novas questões e demandas. Por esse motivo, vale a citação de Wisnik (2021), em ocasião do falecimento de Paulo Mendes da Rocha

a frente. Assim, sua postura antinostálgica nos exige força, comprometimento e alegria.”

“O inacabamento da existência é a nossa condição, nosso desafio e motor sobre a Terra, e nos joga sempre para

227


228


9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

229


ALEXANDER, Christopher. A pattern language: towns, buildings, constructions. New York: Oxford University Press, 1977. (2).

son., color. Disponível em: https:// www.youtube.com/watch?v=ErZ7LDxcjgI&t=567s. Acesso em: 05 out. 2020

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BRÁS: SOTAQUES E DESMEMÓRIAS. Direção de Marta Nehring. Produção de Isa Castro e Thaís Canjani. Realização de Secretaria Municipal da Cultura e Educação. Coordenação de Claudio Kahns. Intérpretes: Julio Calasso. Roteiro: Marta Nehring. Música: Luis Fernando Rovai. São Paulo: Tatu Filmes, 2006. (26 min.),

230

FONTANELE, Sabrina; OKSMAN, Silvio. Questões contemporâneas do patrimônio cultural. Questões Contemporâneas do Patrimônio Cultural: Revista do Centro de Pesquisa e Formação, São Paulo, v. 7, n. 1, p. 243254, nov. 2018. GHEDINE, André. História dos bairros paulistanos – Brás. Folha de São


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