Repensando os espaços livres - O caso da escala residencial de Brasília

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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO DEPARTAMENTO DE TEORIA E HISTÓRIA

Aluna: Rafaela Gravia Pimenta Orientadora: Camila Gomes Sant’Anna


Sumário Apresentação

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Resumo

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Introdução

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Justificativa

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Objetivos

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Metodologia

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1.1 A proposta de espaço livre na escala residencial em Brasília

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1.2 Os espaços livres

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1.3 Uma Brasília para pessoas

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1.4 Os parques da entrequadras

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2.1 Repensando os espaços livres

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2.2 Os jardins coletivos e o processo participativo

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Conclusão

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Referências Bibliográficas

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Apresentação O trabalho é a apresentado como produto de Ensaio Teórico, discplina pertencente ao Departamento de Teoria e História da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília.

Resumo Os espaços livres brasilienses surgem na concepção modernista de Lúcio Costa com o objetivo de criar uma nova sinergia entre arquitetura e natureza. Na escala residencial, a utilização do espaço público é visivelmente menor do que o esperado em relação à sua dimensão e potencialidade. Este ensaio visa entender como esses espaços se inserem na malha urbana da cidade e se são, efetivamente, utilizados pela população. Procurou-se também entender melhor as requalificações urbanas em Brasília, no Brasil e no mundo que introduzem jardins coletivos como uma forma de convidar o cidadão, não só a construir, como também, se apropriar da paisagem que o circunda. Palavras-chave: espaços livres, jardins coletivos, superquadra.

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Imagem 1 Vista da janela do 2º andar da SQS 113 bl E

A arte de ser feliz Cecília Meirelles

Houve um tempo em que minha janela se abria sobre uma cidade que parecia ser feita de giz. Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco. Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim parecia morto. Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde, e, em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas. Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse. E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e meu coração ficava completamente feliz. Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor. Outras vezes encontro nuvens espessas. Avisto crianças que vão para a escola. Pardais que pulam pelo muro. Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais. Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar. Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega. Ás vezes, um galo canta. Às vezes, um avião passa. Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino. E eu me sinto completamente feliz. Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem diante das minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.

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Introdução “ Por esta janela é que me dou conta da paisagem...”1 Anne Cauquelin (2007) A relação com a natureza introduzida pela proposta urbanopaisagística das superquadras brasilienses, anteriormente, possibilitava aos seus moradores a experiência de ver diante da sua janela, áreas verdes sendo, constantemente, irradiadas por pessoas. Dentro dessa perspectiva, os pilotis de cada edificação não se colocam, apenas como principal palco para recrear, mas sim como janelas que enquadram a paisagem ao redor. Essas janelas convidavam irmãos e vizinhos a caminhar, jogar e a brincar nos espaços livres existentes nas entrequadras. No caso particular da pesquisadora deste ensaio, suas grandes lembranças de infância de morar nas superquadras são marcadas pelo verde do parque em frente ao seu prédio e o caminho arborizado que percorria até a casa de sua avó, a quatro quadras de sua residência. Ocorre que, com o passar dos anos, esses espaços das entrequadras que costumava frequentar, foram se deteriorando e se tornando pouco utilizados. Por falta de uso e manutenção, as quadras desportivas e os parquinhos infantis foram abandonados, quebrados e invadidos por ervas daninhas. Hoje, observa-se que o lazer, nesses lugares, restringe-se àw caminhadas, que margeiam esses espaços públicos contidos nas entrequadras, sem gerar uma efetiva apropriação. Foi a partir dessa constatação e da indagação frequente da potencialidade desses lugares na cidade, que surgiu a ideia de realizar esse ensaio.

Imagens 2 e 3 Caminho utilizado diariamente pela pesquisadora

07 1 - Trecho do livro “A invenção da Paisagem”. São Paulo, 2007 - pág 136


Imagem 4 - fonte: http://www.ville-schiltigheim.fr Jardim coletivo em Schiltigheim, bairro próximo ao centro de Strasbourg

A constante observação da subutilização desses espaços pela população, tendo em vista o seu potencial de uso e localização, porém, em sua maioria, sendo apenas ajardinados ou, simplesmente, deixados de lado, gerou a vontade de entender o porquê essas áreas são “esquecidas” no meio urbano da cidade. Uma das grandes riquezas da paisagem inserida na escala residencial de Brasília é a generosa quantidade de áreas livres em relação às áreas construídas, o que possibilita, ao contrário das demais cidades brasileiras, uma relação particular com as experiências e sensações provindas das texturas da vegetação e dos microclimas provocados pela luz e sombra que são gerados pela mesma. A escala residencial garante um aspecto de serenidade à paisagem, onde a relação entre as alturas dos edifícios e o espaço livre ao seu redor, busca harmonizar as atividades dos habitantes em um espaço público arborizado, inserido no ideal de um grande quintal coletivo para os moradores e para os que passam por ali, democratizando o espaço do solo. Assim, além do cinturão verde ao redor das superquadras e dos pequenos parques dentro das mesmas, há grandes espaços livres que se localizam entre as quadras e, de acordo com o Relatório do Plano Piloto (1956), seriam áreas para o lazer, prática de esportes e atividades do cotidiano dos moradores das superquadras próximas. O que se vê nos dias atuais não é a efetiva realização dessas atividades, mas somente a introdução de espécies arbóreas e gramíneas articuladas com bancos lineares e alguns equipamentos, todavia, colocam-se como insuficientes para garantir uma efetiva utilização por parte das pessoas. Esses espaços devem ser, constantemente, projetados em consonância com os anseios de suas gerações, ganhando desenhos de piso, equipamentos, iluminação e um desenho vegetativo de qualidade. Outro fator que corrobora para sua obsolescência, é o fato que a proposta de espaços livres da Unidade de Vizinhança de Lúcio Costa tem, quase sempre a mesma função e forma. Para um dos mais emblemáticos paisagistas brasileiro, Burle Marx, todo espaço livre deve possuir uma função, mas será que o fato de não haver uma variedade de espaços com funções diferentes como praças, parques, pocket parks, largos, jardins que compõem o sistema de espaços livres dessa área, suas apropriações são prejudicadas? Como se configuram os espaços livres da Asa Sul? Eles são realmente utilizados pela população e pelos moradores que habitam nas proximidades? Uma variedade de espaços livres permite que os usuários se apropriem daquele que melhor lhe convir e atender às suas necessidades. Durante uma experiência de estudos na França, a proponente desse estudo, vivenciou como a introdução de como múltiplas formas de espaços públicos de qualidade pode enriquecer a vivência urbana das cidades. Na cidade de Strasbourg, onde obteve a experiência de viver um ano, haviam alguns grandes parques, para as atividades gerais, 08


mas também haviam pequenos parques espalhados pela cidade. A existência de diversos espaços livres menores e pocket parks que supriam as necessidades diárias dos moradores, permitia que esses não se deslocassem para os parques maiores no dia-a-dia, para atividades menores e diárias de lazer. Nessas áreas via-se diferentes funções para os espaços livres públicos inseridos no meio urbano: desde locais para jogos de mesa, playgrounds para crianças até jardins coletivos produtores de hortaliças pelos moradores. Desse modo, a percepção de jardins coletivos foi entendida de outra maneira, não apenas como produtor de alimentos e atividade de subsistência, mas como um meio de composição da paisagem e sociabilidade urbana inseridos no tempo de lazer diário de quem morava ou passava perto desses locais. Dentro dessa perspectiva, jardins coletivos que foram contemporaneamente introduzidos no sistema de espaços livres da cidade, chamaram a atenção da estudante, pelo convite criado ao morador para participar na construção da paisagem da cidade que habita, assim como despertar a capacidade desses em construir ou reforçar uma determinada identidade comunitária. Esses espaços colocam-se também, dentro da perspectiva do urbanismo ecológico, como a possibilidade de inserção da infraestrutura verde na cidade, colaborando para a ecologia e a drenagem urbana, e ao mesmo tempo, possibilitando a construção de uma urbanidade mais sustentável.

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Objetivos Objetivo Geral: O objetivo desse estudo é entender como os espaços livres se inserem na malha urbana da escala residencial em Brasília, especificamente entre as quadras 109/309 - 116/316 sul, tendo em vista o pontencial dessas quadras para abrigar espaços com funções de lazer, sociais, estéticas e de infraestrutura urbana diferentes.

Objetivos específicos: 1) Entender o que são e como se inserem os espaços livres na paisagem de Brasília. 2) Analisar a dinâmica dos espaços livress existentes das SQS 509/516 a SQS 109/116. 3) Compreender o conceito de jardim, e quando ele se torna coletivo. 4) Estudar casos de jardins coletivos no Brasil, no mundo, e especificamente os novos jardins que estão surgindo em Brasília.

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Metodologia Primeiramente procurou-se compreender as áreas abordadas nesse estudo as quais incluem os espaços livres das entrequadras 109/309 – 116/316, pelo fato de essas se mostrarem “esquecidas” no meio urbano e não cumprindo suas respectivas funções previamente pensadas. Para tanto, analisou-se as propostas apresentadas no Relatório do Plano Piloto (1956) e no documento Brasília Revisitada (1987) sobre espaços livres, para compreender as intenções de uso e funções dos locais contidos no objeto de estudo desse trabalho. Em seguida, a área objeto de estudo foi analisada e percorrida, diversas vezes, escolhendo os trajetos mais utilizados e ligados aos principais meios de transporte, com o objetivo de perceber como é feita a apropriação dos usuários por esses espaços livres contidos no Plano Piloto. Assim, partindo do objeto de estudo analisado, procurou-se bibliografias e referências que englobasse os temas referentes a espaços livres, especificamente os jardins coletivos, projeto participativo de construção da paisagem. Para tanto, no capítulo 01, procurou-se compreender o conceito de espaços livres e a ideia de um sistema composto por estes no meio urbano das cidades atuais, assim como entender a funcionalidade e potencialidade dos espaços livres selecionados como objeto de estudo desse trabalho, existentes em Brasília. O capítulo 02 retrata a importância de jardins coletivos e projetos construídos pela comunidade, que interferem na paisagem da cidade e garantem a participação da população na construção do meio em que vivem. Ainda no mesmo capítulo, são explicadas algumas hortas comunitárias, com potencial de transformação em jardins coletivos que estão surgindo em Brasília, com o intuito de compreender como esse movimento de ocupação das áreas públicas ociosas brasilienses.

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Imagem 5 Caminho da superquadra 311 sul


1.1 A proposta de espaço livre na escala residencial em Brasília

Imagem 6 - fonte: http://vejasp.abril.com.br Rua Barão de Paranapiacaba, São Paulo

Imagem 7 - fonte: google street view Rua da superquadra 113 sul

Na escala residencial de Brasília, o conceito instaurado na composição de uma superquadra como extensão residencial aberta ao público, permite, por meio das áreas verdes e pilotis, uma apropriação do solo e da cidade-parque pelos seus habitantes. Essa configuração, de acordo com relatório do Plano Piloto (1956), permite um maior diálogo com a natureza no meio urbano a fim de resguardar o conteúdo das quadras, amortecido na paisagem do horizonte. No meio de uma larga cinta densamente arborizada, que emoldura as superquadras, os edifícios dispõem-se isolados entre os espaços livres, onde a maior área de circulação do pedestre é, claramente, distinta da referente ao automóvel, descaracterizando, assim, a função tradicional de local de sociabilidade urbana da antiga rua, vista na maioria das cidades brasileiras. No interior das superquadras, a única via de circulação é em em cul-de-sac, para evitar o fluxo de grandes deslocamento de automóvel, priorizando no interior das quadras a circulação de pedestres.

Imagem 8 - colagem Macro escala com ênfase na área de estudo

Imagem 9 - google earth Vista aproximada da escala residencial

Imagem 10 - fonte: http://portalarquitetonico.com.br Cinturão verde em volta das superquadras

Imagem 11 - fonte: http://portalarquitetonico.com.br Unidade Vizinhança

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Segundo Jane Monte Jucá2, em seu artigo “Princípios da Cidade-Parque: categoria urbana concebida no Plano Piloto de Brasília”: a superquadra seria outra praça. Nela, as projeções dos edifícios sobre pilotis substituem os limites dos muros e edifícios das cidades tradicionais pelas árvores da faixa verde que circunda a superquadra. Os pilotis, junto às faixas em frente aos blocos, demonstram a transição do espaço público e do privado existente nas moradias contidas nos pavimentos acima dos pilotis. Áreas comerciais e institucionais demarcam as laterais das superquadras, estabelecendo o espaço de entrequadras, que contribui para a diversificação do uso da escala residencial.

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Imagem 12 - fonte: www.ep308sul.com.br 1- Escola Parque 308 sul

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Imagem 13 - fonte: www.correiobraziliense.com.br 2- Clube Vizinhança entrequadra 108/109 sul

Imagem 14 - fonte: http://portalarquitetonico.com.br Unidade Vizinhança

No relatório do Plano Piloto (1956), a unidade de quatro quadras é vista como uma vizinhança, tendo em suas confluências (entrequadras): as igrejas de bairro, as escolas secundárias, o cinema, etc, ficando a extensa área livre intermediária entre esses equipamentos, destinada a campos de jogos, recreio e clubes de lazer, consequentemente permitindo que os moradores realizassem suas necessidades diárias próximas à suas residências, provendo assim locais de intercâmbio e interação social. Devido à saturação de equipamentos públicos em algumas áreas, ou mesmo a transferência de funções para outros setores, gerou uma falta de necessidade da ocupação desses locais para os equipamentos destinados. Assim, há diversos espaços livres contidos no plano piloto que se caracterizam como grandes vazios, pois perderam uma antiga função ou mesmo nunca foram ocupados. 2 - http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/10.113/1824

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A disposição das superquadras escolhidas por Lúcio, no relatório do Plano Piloto(1956), apresenta as vantagens de garantir a ordenação urbanística mesmo quando varie a densidade, categoria, padrão ou qualidade arquitetônica dos edifícios, e oferece aos moradores essas extensas faixas, entrequadras, sombreadas para passeio e lazer, independentemente das áreas livres previstas no interior das próprias quadras. Essa configuração determina uma paisagem bucólica, devido ao desenho da vegetação, dentro da escala residencial da cidade. Os espaços abertos das superquadras, muitas vezes intitulados parques, têm a mesma forma e função, além de se repetirem na malha urbana da escala residencial, porém sem qualificação para terem características de parque, não são apropriados pelas pessoas, nem mesmo pelos usuários que percorrem caminhos que se inter-relacionam com essas áreas. Esse abandono muitas vezes conferido ao parques de bairro é explicado por Jane Jacobs, em seu livro Morte e Vida de Grandes Cidades, exemplificando diversos critérios que os tornam menos utilizados. Segundo JACOBS (2014) um parque genérico, que esteja preso a qualquer tipo de inércia funcional de seu entorno, fica inexoravelmente vazio em boa parte do dia; ele exerce pouca atração devido ao número restrito de frequentadores potenciais. Para esses parques de bairro, atividades menores poderiam ser bem sucedidas, como aquelas do dia-a-dia ou para ‘artigos de primeira necessidade’ dos moradores ao redor.

3 2 Imagens 15 e 16 Área de circulação de pedestres Escala bucólica na escala residencial

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2 Imagem 17 Espaço de circulação de pedestres com visão do parque cercado da entrequadra SQS 112/113

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A potencialidade dos vazios

3 Imagem 18 ‘Vazio’ na entrequadra SQS 311/312

A relação entre a ausência de espaços livres de qualidade e a expectativa de uso de espaços com enorme potencial vistos e percebidos em Brasília, os caracteriza, nesse estudo, pelo conceito de ‘terrain vague’, de Solà Morales; que encontra nesses vazios, a ausência, porém a promessa de um espaço possível de atividades e melhorias. A expressão francesa, terrain vague, é entendida como um lugar vazio, sem cultivo ou construção na cidade, que muitas vezes possui um desligamento do restante das atividades urbanas. O que se deve compreender a partir desse termo é que ele indica a enorme potencialidade de uma área ou terreno, que não tem qualificação adequada, entretanto é fundamental ao sistema de espaços livres da cidade.

2 Imagem 21 Parque cercado SQS 112/113 - entrequadra

1 Imagem 19 Caminho para a banca de jornal

1 Imagem 20 Caminho para a igreja de bairro

A compreensão da subutilização desses espaços livres deve ser analisada, considerando que não se aborda apenas essas áreas de forma isolada, mas sim, de todo o percurso e do desenho urbano na qual estão inseridas. Segundo Vicente Barcelos(1999), o dimensionamento dos espaços livres e a relativa ausência de barreiras físicas no nível do pedestre, acaba produzindo diversas possibilidades de percursos, o que provoca dispersão dos mesmos por esses lugares, e seus deslocamentos convergem para pontos ou eixos comerciais, funcionais ou de lazer, como: bancas de jornais, pontos de ônibus e metrô, playgrounds, áreas esportivas, etc. Assim, as tradicionais funções desempenhadas pelos espaços livres como área de circulação, permanência, e interação social, no caso de Brasília, são diluídas pela imensidão e liberdade de sua utilização. Nas superquadras, os limites não são claramente demarcados, diluindo a aglomeração de pedestres, e consequentemente, produzindo o empobrecimento das relações dos habitantes no espaço social em que estão inseridos. A ausência de ordem no projeto de plantios dessas áreas também contribui para a redução da compreensão do espaço pelo usuário, principalmente pela constatação predominante de grandes superfícies gramadas que prejudicam a limitação e organização dos locais. 16


Os parques do Plano Piloto

A unidade de vizinhança foi concebida para suprir as necessidades dos moradores, para que eles pudessem realizar suas atividades básicas como pedestres, sem a necessidade de um transporte público ou individual. No entanto, se observada a função de lazer das superquadras, na maioria das vezes, não são executadas. A população acaba se deslocando para os parques, como o Parque da Cidade, o Parque Olhos d’Água, o Parque de Uso Múltiplo da Asa Sul (Avenida L2) ou para o eixão do lazer aos domingos, mesmo que parte destas atividades possam ser realizadas nas próprias quadras, segundo Barcelos. Sugerese, por conseguinte, que esses espaços livres, ao contrário do que foi planejado, não atendem às possíveis necessidades de lazer dos moradores, mesmo as de caráter cotidiano, além de não serem locais atrativos para permanência ou lazer.

Parque da Cidade = 4,2 milhões m2 Parque entrequadras = 23400 m2

Imagem 22 - fonte: josedefreitasenoticia.com Parque da Cidade Parque Olhos d’Água = 210000 m2

Parque da L2 sul = 247000 m2

Eixão do lazer

Imagem 23 - fonte: http://vejabrasil.abril.com.br Parque de Uso Múltiplo da Asa Sul

Imagem 24 - fonte: www.dzai.com.br Eixão do Lazer aos domingos e feriados

Imagem 25 - fonte: www.brasiliaemdestaque.com.br Parque Olhos d’água

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1.2 Os espaços livres

Imagem 26 Parque da entrequadra 112/113 Onde estão as pessoas?

Imagem 27 Parque da entrequadra 112/113 Onde estão as pessoas?

Antes de identificar esses espaços livres no Plano Piloto, deve-se compreender seu significado para a cidade. Para Sílvio Macedo(1995), os espaços livres são todos aqueles contidos entre as paredes dos edifícios construídos pela sociedade para sua moradia e trabalho. Assim, estão inclusas todas as áreas públicas que podem ser usufruídas pelos habitantes. A importância dessas áreas, traduzidas em parques e praças urbanas possibilitam uma utilização mista, tanto para o lazer ativo ou passivo. Nas cidades brasileiras, a rua complementa estas áreas para o lazer, possibilitando encontros informais, descanso, atividades de trabalho, etc. O caso de Brasília distingue-se dos outros, pois os locais de encontros informais, descanso e lazer se encontram no percurso que é feito pelos pedestres entre os edifícios das superquadras ou nos espaços destinados à alguma atividade, como parques de recreação, bancas de jornais, comércio, escolas, etc. Mesmo com estes fluxos, há a indagação :onde estão as pessoas nos espaços livres da escala residencial de Brasília? A vida útil de um determinado espaço livre urbano está diretamente vinculada à possibilidade constante de apropriação que esse permite ao seu público usuário. Quanto maior a aceitação social do espaço público, maiores as chances da garantia de sua perpetuação na malha urbana e da sua identidade morfológica estabelecida, caso contrário, sua morfologia irá mudar para adequar-se às necessidade do usuário; e o mesmo ocorre para o caso de diversidades de uso, que garantem a durabilidade do espaço. Como esses espaços livres urbanos em Brasília, por muitos anos não sofreram modificações que os adaptassem às novas rotinas e necessidades da sociedade, não há uma apropriação dos cidadãos desses locais, sendo evidente ao caminhar nessas áreas a indagacão: onde se encontram as pessoas que vivenciam esses espaços livres das superquadras e entrequadras?

Imagem 28 Cidade-parque e o céu de Brasília - Vista da cobertura do bloco E da SQS 113

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O sistema de espaços livres

A concepção de espaços livres deve levar em consideração as diferentes necessidades sociais de uso, acessibilidade e manutenção de recursos ambientais finitos, como a água, flora nativa e a proteção ao solo. Sendo assim, três fatores devem ser considerados, segundo MACEDO(1995), para a avaliação dos espaços livres: a adequação funcional, ambiental (adequação a fatores bioclimáticos) e estética (aceitação social-formal). Na concepção de MACEDO(1995) os espaços livres, todavia, são tratados na escala da cidade como um todo, e por isso foi analisada a obra de Barcelos com o intuito de entender como esses espaços funcionam ou atuam no âmbito de Brasília, na escala residencial, que se encontra em constante diálogo com a bucólica. Uma cidade que proporciona um sistema de espaços livres, contém uma diversidade de atrações que permite aos usuários encontrarem pelo meio urbano, variadas opções de funções de lazer e permanência. Um sistema de espaços livres propõe que parques, praças, ruas, parklets, jardins, pocket parks, largos, etc integrem um sistema, conectados com as principais mobilidades e percursos de pedestres(ciclovias, bulevares, calçadões, dentre outros), de modo que esses se tornem interconectados para a criação de uma dinâmica e funcionamento urbano. Desse modo, os espaços livres não integram a malha urbana da cidade de forma isolada, fazendo que os usuários convidados pelo os desenhos de piso, a composição de cores e texturas de vegetação , a iluminação, o mobiliário urbano e a arte urbana, interessem-se em descobrir novos locais na cidade, tendo em vista o conhecimento das variedades e opções para a criação de uma dinâmica e funcionamento urbano. Desse modo, os espaços livres não integram a malha urbana da cidade de forma isolada, fazendo que os usuários convidados pelo os desenhos de piso, a composição de cores e texturas de vegetação , a iluminação, o mobiliário urbano e a arte urbana, interessem-se em descobrir novos locais na cidade, tendo em vista o conhecimento das variedades e opções. A importância de um sistema que interligue essas atividades na cidade permite o encontro de pessoas de diversas classes sociais com o objetivo de uso do mesmo espaço, para a realização das mesmas atividades. Esse sistema não é composto apenas pela função social do espaço, mas também pela necessidade de lazer, da infraestrutura verde, e também pela estética que fazem com que os espaços livres componham a paisagem da cidade. A função de lazer dessas áreas gera a apropriação da cidade pela população, com o intuito de recreação e proporção de bons momentos no meio urbano. Outra função importante na composição de espaços livres é a infraestrutura verde que esses espaços criam, proporcionando a drenagem natural do solo, corredores ecológicos e o aumento da biodiversidade. A função estética também se coloca nesse sistema como fator importante na composição do meio urbano, pois as áreas verdes 19


verdes estão diretamente ligadas à beleza da cidade, e consequentemente, uma área mais rica em diversidades vegetativas, proporciona diferentes sensações aos usuários provindas das cores, cheiros e composição da paisagem. Todos essas funções foram contemplados, por exemplo, por Frederick Olmsted ao criar o plano de sistemas de espaços livres de Boston (Emerald Necklace) na organização do tecido urbano considerando suas características sociais, estéticas, de lazer e de infraestrutura urbana.

Imagem 29 - fonte: otterx.wordpress.com Olmsted Park

Imagem 30 - fonte: http://www.emeraldnecklace.org Jamaica Park

Imagem 32 - fonte: futureboston.wordpress.com 6 Parques que compõem o sistema de espaços livres de Boston - Emerald Necklace Imagem 31 - fonte: futureboston.wordpress.com Arnold Arboretum

Imagem 33 - fonte: www.franklinparkcoalition.org Franklin Park

Imagem 34 - fonte: www.boston.com Riverway

Imagem 35 - fonte: www.tripadvisor.com.au Back Bay Fens

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Sinalização da quadra para os pedestres Imagem 36 - fonte: acervo pessoal

A intenção de prover um conjunto de espaços livres com o desejo de proporcionar o (re)descobrimento da cidade pelos seus habitantes poderia reforçar a ideia defendida por Francesco Careri, em seu livro ‘Walkscapes: walking as an aesthetic practice’, no qual acredita que o princípio de caminhar pela cidade é o grande gerador da arquitetura e do paisagismo. O que implica no descobrimento de novas áreas e a criação de novas paisagens ou mudanças de antigas de acordo com o uso pela população. A possibilidade de se perder na cidade permite que o espaço sensibilize as pessoas, e, assim, essas descubram lugares antes desconhecidos ou pouco explorados. Foi a partir do caminhar que o ser humano construiu a paisagem e seus arredores e possibilitou ligações entre estes espaços e a construção, segundo LYNCH(1982), de um sentimento de identidade e significado, ao qual cada cidadão tem determinadas associações com partes da cidade, e a imagem que ele faz delas está impregnada de memórias e significados. LYNCH(1982) trabalha com o conceito de legibilidade, onde uma cidade com uma imagem legível seria bem formada, distinta e memorável, a ponto de convidar os olhos e ouvidos a um maior atenção e participação do meio. No caso de Brasília, alguns referenciais urbanos na paisagem brasiliense guiam a apreensão de seu usuário, como a azulejaria de Athos Bulcão e as sinalizações que identificam as quadras, blocos e comerciais, dentre outros.

Azulejaria de Athos Bulcão/Igrejinha SQS 307/308

Ideal de conexão dos espaços livre da área estudada no ensaio (110/310 - 116/316)

Imagem 37 - fonte: acervo pessoal

Imagem 39 - desenho da autora

Azulejaria nos edifícios da SQS 308 Imagem 38 - fonte: acervo pessoal

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1.3 Uma Brasília para pessoas

Imagem 40 - fonte: livro Cidades para pessoas GEHL (2010) Federation Square, Melbourne

Imagem 41 - fonte: livro Cidades para pessoas GEHL (2010) Nyhavn (rua para pedestres), Copenhagen

A criação de espaços significativos e qualitativos na cidade, gera um lugar vivo, seguro saudável e sustentável, reforçando as áreas de pedestres como uma política urbana integrada. De acordo com Jan GEHL(2010) uma cidade cheia de vida convida mais pessoas a caminhar, pedalar e a permanecer em seus espaços; e consequentemente, gera uma cidade mais segura. Essa urbanidade contém uma estrutura coesa que permite caminhar a pé e articula espaços públicos atrativos e uma variedade de funções urbanas. A função social dos espaços livres da cidade, segundo GEHL(2010), tem a finalidade de promover locais de encontro, o que contribui para os objetivos da sustentabilidade social. Um estudo realizado em Copenhague revelou que a transformação dos espaços públicos em áreas mais convidativas para caminhar, permanecer, resultaram em um novo e notável padrão urbano, ao qual, mais pessoas vivenciam as áreas públicas da cidade. O mesmo aconteceu em Melbourne, na Austrália, onde calçadas foram alargadas, ganharam um desenho de piso e um mobiliário urbano interessantes e um programa de arte na cidade e uma boa iluminação noturna, o que enriqueceu os convites para a movimentação e permanência dos pedestres com muito sucesso. GEHL (2010) discute, em ’Cidades para pessoas’, que há diferentes atividades praticadas no espaço público: as necessárias (do dia-a-dia), as opcionais (predominantemente para o lazer) e as sociais (onde há pessoas e contato entre elas); logo, essas três modalidades de atividades devem ser pensadas para o desenvolvimento de um bom espaço urbano.

Imagem 42 - fonte: acervo pessoal e colagem O ideal seria que as pessoas se apropriassem mais dos parques contidos nas entrequadras - imagem do parque da 112/113 sul com colagem. Imagem 43 - fonte: livro Cidades para pessoas - GEHL (2010) Qualidade de ambientes externos x Atividades ao ar livre

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Imagem 44 Caminho informais criados pelos usuários do espaço

Imagem 45 Caminho informais criados pelos usuários do espaço

Ainda segundo GEHL(2010), para estimular o tráfego de pedestres e de bicicletas, e criar cidades vivas, seguras e sustentáveis, é preciso iniciar pelo perfeito domínio e conhecimento da escala humana. As pessoas inspiram-se e são atraídas pela atividade e presença de outras pessoas, logo, segundo o livro Cidades para pessoas, não é o número de pessoas que importa em um local, mas a sensação de que o lugar é habitado e está sendo usado. Assim uma cidade viva é aquela que combina bons espaços públicos, com uma população que queira utilizá-los; isso significa também a adequação das áreas para que essas não se tornem grandes demais para poucos usuários. GEHL(2010) ainda reforça que os acessos e as ligações entre esses espaços públicos, ou seja, o percurso, têm uma importante função para a vitalidade e a sustentabilidade social da cidade. O que revela que vários grupos da sociedade devem ter oportunidades iguais de acesso ao espaço público, o que significa que deve haver uma combinação entre o caminhar, o pedalar e o transporte público, ou seja, uma articulação entre os diversos tipos de mobilidades. Assim, para que esse percurso seja confortável, é preciso que haja espaços para caminhar sem interrupções, economizando a própria energia do cidadão, o que implica em realizar trechos mais curtos, sem desvios, escadas, degraus, etc. Caso contrário, ele criará seu próprio percurso na cidade a partir de “caminhos informais”, recorrentemente nomeados, no contexto brasileiro, como “de rato”. GEHL (2010) ainda cita que pensar a cidade em uma escala pequena, ou seja, considerando a paisagem humana, significa a visão de uma cidade experimentada pelas pessoas, por aqueles que caminham e permanecem. Pensar a cidade com a natureza, ao invés de negá-la, propõe vivenciar uma urbis repleta de locais de recreação, introspecção, beleza, sustentabilidade e formas múltiplas de biodiversidade o que remete a um valor simbólico e gera a estética da cidade. Os espaços urbanos, segundo GEHL(2010), podem gerar atividades fixas (espaço, mobiliário e disposição podem oferecer uma estrutura funcional para o dia-a-dia), flexíveis (espaços para atividades eventuais ou sazonais) ou fugazes (para atividades de curta duração - como música de rua, ginástica matinal, festivais, etc) ; logo, um local bem dimensionado e convidativo deve inspirar todos esses tipos de atividades. Tendo em vista também que vitalidade e tranquilidade são qualidades urbanas desejáveis e apreciadas.

Imagem 46 - fonte: livro Cidades para pessoas GEHL (2010), pág 237

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Em Brasília há diversos espaços livres que perderam um antiga função ou nunca foram ocupados. Essas áreas são notadas em toda a extensão do plano piloto, contidas em diversas entrequadras das Asas Sul e Norte, e se caracterizam muitas vezes por extensos gramados sem uso. Este estudo busca entender o que são e como se inserem esses espaços livres na paisagem das SQS 109/309 – 116/316. O objeto de estudo foi analisado por diferentes meios de locomoção, com o intuito de obter as mais variadas formas de acesso e percepção da área. O trajeto percorrido foi feito pelo olhar do pedestre e ciclista, que obtém acesso direto à essas áreas; e também como é a acessibilidade por meios de transportes coletivos e individuais. A acessibilidade é gerada na área objeto de estudo por meio de diversos pontos de transporte público, que se localizam diretamente em frente aos espaços livres tratados, além de nesse recorte, estarem localizados três pontos metroviários na proximidade dos parques das entrequadras. O acesso por transporte privado a essas áreas é feito por dentro das quadras residenciais, onde há locais, inclusive, para estacionamento.

Mapa 1 - Meios de acesso por transporte coletivo e individual

Imagem 47 Caminho de pedestres para o metro da 112/113

Imagem 48 Caminho de pedestres para o metro da 112/113

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O percurso do pedestre

O estudo do percurso visa compreender como as pessoas se apropriam dos espaços públicos da Asa Sul, especificamente no recorte da área estudada. O percurso foi feito pelo ponto de vista do pedestre, realizado pela pesquisadora, a qual o percorre em sua rotina diária, como moradora, principalmente relacionando os caminhos mais atraentes, considerando as sombras, calçadas em boas condições, fluxo de pessoas e o mobiliário urbano.

Mapa 2 - Percurso do pedestre

Imagem 49 Calçadas do espaço entrequadras 112/113 sul

Imagem 50 Calçadas e caminhos informais

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O percurso do ciclista

No caso do percurso na visão do ciclista, o qual considerou as áreas que há melhores calçadas para se pedalar, tendo em vista que nesta região ainda não foram implementadas as ciclovias que conectam as quadras. Ao pedalar entre as quadras, é nítida a variedade da vegetação, que permite a experimentação de diversas texturas e sensações, e a qualidade do percurso em relação ao microclima gerado pelas árvores e sombra do local, o que mostra locais extremamente agradáveis para passeios; além de uma paisagem instigante ao olhar. Porém, esse percurso apresenta-se ao usuário com calçadas irregulares, muitas vezes deterioradas por longos períodos sem manutenção ou raízes que crescem sob essas; o mobiliário urbano é quase inexistente em toda a área, sendo longos caminhos a serem percorridos sem locais para descanso; e os poucos bancos e lixeiras que são vistos pertencem aos edifícios que os colocam em frente a seus blocos, o que coincide, muitas vezes próximo à calçada.

Mapa 3 - Percurso do ciclista

Imagem 51 Calçadas do espaço entrequadras 114/115 sul

Imagem 52 Calçadas SQS 114

Imagem 53 Calçadas SQS 310

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O percurso propõe diversas experiências e sensações distintas com a natureza, dando ao usuário a oportunidade de manter contato direto com essa, além de experimentar cheiros diversos, perceber texturas distintas e estimular o olhar das pessoas. A variedade da biodiversidade presente nesses percursos permite também o conhecimento e a apropriação do espaço por todas as faixas etárias.

Imagem 54 Árvores vistas no percurso: Broméilia

Imagem 55 Árvores vistas no percurso: Sagueiro-chorão (Callistemon)

Imagem 56 Árvores vistas no percurso: Lírio (Hemerocallis lilioasphodelus L.)

Imagem 57 Folhas, flores e frutos recolhidos de diferentes espécies encontradas no percurso

Imagem 58 Árvores vistas no percurso: Espatodéa (Spathodea campanulata)

Imagem 59 Percurso com diversas árvores gerando sombra e diferente microclimas

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Ainda na área selecionada do estudo, existe um jardim coletivo na SQS 114 (será apresentado no capítulo 02)que introduz uma forma de se repensar essas áreas a partir de anseios da população local.

Mapa 4 - Localização do jardim coletivo da 114 sul, na área objeto de estudo

Imagem 60 - fonte: google earth Localização do jardim coletivo próximo à escola

Imagem 61 Sinalização do jardim coletivo da 114 sul

Imagem 62 Jardim coletivo da 114 sul localizado ao lado da escola

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1.4 Os parques da entrequadras Nos parques das entrequadras que estamos tratando, entre as quadras SQS 109/309 – 116/316, normalmente o fluxo de pessoas se dá pelo seu contorno, evitando a presença do parque, pois muitas vezes a própria existência de grades que circundam esses espaços, impedem o acesso ou a percepção da existência dos mesmos. A apropriação das pessoas é quase inexistente, pela falta de uma qualificação do espaço com atividades, a falta de um bom desenho de piso ou mesmo pela insegurança que estas áreas passam ao transeunte, devido à falta de iluminação e pessoas. Logo, são vistas poucas pessoas que permanecem nesses espaços, na maioria das vezes espaçadas na paisagem, mas, principalmente, que percorrem mais o espaço do que permanecem.

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Mapa 5 - Localização dos espaços livres na área objeto

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Parque entrequadra 110/111 Aprox 11700 m2 de espaço livre Imagem 63 - fonte google earth

sul

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Parque entrequadra 112/113 Aprox 20700 m2 de espaço livre Imagem 64 - fonte google earth

sul

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Parque entrequadra 114/115 Aprox 12600 m2 de espaço livre Imagem 65 - fonte google earth

sul 30


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4 Entrequadra 309/310 sul Aprox 16200 m2 de espaço livre Imagem 66 - fonte google earth

Imagem 69 Parque da entrequadra 114/115 sul

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Entrequadra 311/312 sul Aprox 16200 m2 de espaço livre Imagem 67 - fonte google earth

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Entrequadra 315/316 sul Aprox 16200 m2 de espaço livre Imagem 68 - fonte google earth

A função existente nesses espaços livres, muitas vezes são repetitivas, como por exemplo, nas SQS 100 há um padrão que as áreas de entrequadras são destinadas à quadras de esporte e lazer. Porém como já foi dito, muitas dessas áreas estão abandonadas pela saturação de equipamentos ou não necessidade desses. Logo, o que é visto em Brasília são grandes espaços gramados, que seguem um ritmo na paisagem, onde não há muita variabilidade das atividades, nem uma transição de funções, o que torna os percursos em meio a cidade monótono para quem transita por esses locais. O objeto de estudo compreende seis grandes espaços nas entrequadras, dentre os quais, o parque localizado na 114/115 Sul é o único entre as áreas de objeto de estudo que apresenta atividades regulares e manutenção correta. Nesse parque, apesar de ser cercado, sem nenhuma função específica, assim como os outros, possui quadras de esportes bem mantidas e um posto para escoteiros. Principalmente ao fim da tarde, muitas pessoas frequentam o local, de todas as faixas etárias. Quando se observa os mesmos parques das quadras 112/113 e 110/111 sul, não há a mesma manutenção, e o que se vê são quadras esportivas tomadas pela vegetação, junto à parques infantis quebrados e completamente não aptos ao lazer. As áreas localizadas nas SQS 300 não são caracterizadas como parques, mas grandes áreas gramadas, sem arborização e qualidade para passagem ou permanência. Esses são nitidamente locais residuais na malha urbana, porque contém acessos diretos à Via W3 sul, sendo segregados do grande fluxo de pessoas que passam pelo local. Eles poderiam atender à população frequentadora dessa região, interessada em lazer e descanso. Nos que se refere ao desenho de piso, o que se encontra nesses vastos espaços são calçadas nas laterais, em volta dos prédios e nenhum local de passagem pelo gramado; o que implica na criação de caminhos 31


sem desenhos, criados pelos próprios transeuntes, procurando percursos menos extensos.

Imagem 70 Parque da entrequadra 112/113 sul

Imagem 71 Parque da entrequadra 110/111 sul

17/06/15 Horário = 10:30

18/06/15 Horário = 14:30

19/06/15 Horário = 18:30

Uma senhora de Três jovens sentados Um senhor com três cachorros conversando com dois outros

Duas pessoas sentadas

Um casal de namorados sentados em um banco

Um homem deitado no banco

Mapas 6,7 e 8 - Apopriação do espaço - Parque da entrequadra 112/113 sul

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GEHL (2010) conclui em seu livro ‘Cidades para pessoas’ a existência de doze critérios de qualidade com respeito à paisagem do pedestre que englobam os conceitos de proteção, conforto e prazer vivenciados nos espaços públicos pelos mesmo. Com o intuito de analisar espaços livres contidos no objeto de estudo desse ensaio, os critérios de GEHL (2010) serviram de referência.

Imagem 72 Espaço para pedestres separados dos automóveis

Imagem 73 Entrada do parque da entrequadra 114/115 sul - cercas derrubadas

Imagem 74 Caminho arborizado

Em Brasília, a circulação de pedestres é separada das respectivas aos automóveis, portanto, a sensação de proteção em relação ao tráfego é assegurada. A proteção contra experiência sensoriais desconfortáveis também é positiva, pois os espaços e percursos contém distâncias dos geradores de poluição e em vários momentos são percebidos microclimas gerados pelas sombras das árvores. A mesma sensação de proteção não acontece em relação ao sentimento de segurança contra a violência, que por serem espaços muitos amplos e com os edifícios distantes não passam uma sensação de acolhimento para a população. Além disso, não há sobreposição das funções residencial, comercial e institucional e, quanto à iluminação noturna, esta é bem escassa não atendendo a todos os espaços. 33


Imagens 75 e 76 Algumas calçadas são confortáveis e sombreadas, enquanto a maioria está degradada, com fissuras e não há acesibilidade universal. Além de não conterem fachadas na maioria dos percursos

Imagem 77 Poucos bancos são vistos no percurso

Imagem 78 Quando os bancos se encontram no espaço público, muitas vezes são longos e horizontais, dificultando a interação entre os usuários, além de grande parte estarem degradados.

Imagem 79 Os bancos sombreados são mais utilizados

Imagens 80, 81 e 82 A maioria das oportunidades para sentar-se estão localiadas debaixo dos blocos, na área de pilotis, contendo poucos assentos no percurso, ou seja, entre a área construída

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Na escala residencial de Brasília há diversos convites e oportunidades para caminhar, visto que os pedestres obtém vastas áreas e largas calçadas nas superquadras e entrequadras, sendo pouco recorrentes as vezes, que o percurso se cruza com os automóveis, porém muitas das calçadas se encontram degradadas, gerando um difícil circuito para idosos, portadores de necessidades especiais e carrrinhos para bebês, os quais, no período diurno, são a maioria dos usuários. A oportunidade para sentar são raras, sendo os bancos, geralmente, localizados na área de pilotis dos edifícios.

Imagens 83, 84 e 85 Esses espaços livres são superdimensionados para as necessidades do usuários, provendo grandes distâncias e dificultando enontros. Além dos poucos locais de encontro estarem abandonados e com iluminação insuficiente para garantir a segurança de seus usuários.

Imagens 86 e 87 Nos parques das entresquadras 112/113 e 1110/111 - quadras esportivas foram tomadas pela grama por falta de manutenção e abandono

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Imagens 88 e 89 O percurso entre as áreas construídas, em sua maioria, é muito agradável, principalmente pelos aspectos bioclimáticos e os microclimas que são propostos pela variedade e quantidade da vegetação presente.

Imagens 90, 91 e 92 Os espaços livres não atendem à escala humana, sendo os tratados nesse estudo, em sua maioria, superdimensionados para os seus usuários em potencial.

Apesar da agradabilidade dos percursos propostos pela variedade da vegetação, os materiais empregados nos componentes públicos que compõem a paisagem, como bancos e calçadas não variam, sendo em sua maioria, em concreto. Esse padrão não valoriza os diferentes percursos, propondo apenas uma mesma paisagem para os usuários, fazendo com que os espaços não sejam atrativos para futuras descobertas. Portanto, muitas vezes as pessoas não se deslocam por grandes distâncias visto que, com o tempo, a paisagem se torna cansativa e repetitiva. As grandes áreas existentes e a distância dos edifícios desses espaços públicos, dificultam uma apropriação instaurada pelas atividades cotidianas e naturais do espaço próximo, além de reduzir a quatidade de “olhos da rua”4, o que não garante uma sensação de segurança 4 - Conceito utilizado por Jane Jacobs (2014)

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constante ao usuário pela distância que outras pessoas estão desses espaços e portanto não os vivencia, seja pelo olhar, seja pela permanência vista sem muita frequência. Careri (2009), em seu livro Walkscapes, propõe o descobrimento das paisagens da cidade por meio do caminhar, ação que não somente contempla, como também cria belas paisagens, e convida o usuário a se apropriar dos espaços livres da cidade. E, quem sabe, a fazer parte das requalificações desses, por meio de jardins coletivos.

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Imagem 93 - colagem Intenção em gerar jardins coletivos nas supequadras


2.1 Repensando os espaços livres A proposta urbana de grandes espaços livres articulados com áreas construídas, em especial no caso da escala residencial de Brasília, coloca o grande desafio quanto à qualificação e à garantia da apropriação efetiva desses espaços. Essas generosas áreas verdejadas requerem das administrações públicas um grande dispêndio de recursos e ações com o intuito de garantir que elas não se tornem apenas grandes áreas arborizadas sem muito plano de plantio, com um programa de necessidade incipiente e pouca articulação com as principais mobilidades. Para que essas áreas cumpram de forma efetiva suas funções, estéticas, sociais, de lazer, de infraestrutura urbana e não se tornem locais subutilizados, elas devem ser objeto de constantes ações de requalificação de acordo com as modificações dos anseios de seus habitantes. Assim, as propostas recentes embasadas nas premissas do urbanismo ecológico surgem como uma forma de criar um diálogo entre as ocupações urbanas e os recursos naturais, por meio de intervenções urbanas(globais, setoriais ou locais) que atuam nas diferentes escalas da cidade. Nesse âmbito, há uma tentativa de entender a potencial infraestrutura ecológica(IE) existente em cada lugar como forma de salvaguardar o papel dessas áreas não somente como grandes patrimônios culturais materiais e imateriais, mas também gerar um diálogo, por meio de um sistema, com as demais espaços livres existentes.

Imagem 94 - fonte: Livro Urbanismo Ecológico (2014) Intervenções urbanas(globais, setoriais ou locais)

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Imagens 95 e 96 - fonte: www.turenscape.com Projeto da Universidade de Shenyang para instaurar plantações agrícolas no capus

Imagem 97 - fonte: http://www.turenscape.com Mapa identificando a locação das plantações no campus da Universidade de Shenyang

Dentro dessa perspectiva, o sistema de áreas livres verdes não poderia ser composto por espaços com apenas uma função ou um uso, mas por parques, praças, bulevares, pockets parks, jardins, dentre outros, que conectados atenderiam às expectativas estéticas, de lazer variadas da população. E assim, também promoveriam a sociabilidade urbana, congregando pessoas de classes sociais distintas, moradores dos edfiícios próximos, estudantes, trabalhadores dos comércios, dentres outros. Dessa forma, as pessoas não apenas se apropriariam dos espaços, mas também teriam um lugar, dentro dos anseios de construção de uma cidade sustentável, para produzir o seu próprio alimento, se lhe fosse de interesse. Desse modo, áreas de plantio de alimento fazem parte do ambiente urbanizado, sendo esteticamente belas, de lazer e funcionais. Como introduzido pelo Livro Urbanismo Ecológico, o projeto do Campus da Universidade de Shenyang, mesmo que não seja em uma área de urbanização consolidada, demonstra como a paisagem agrícola pode se tornar parte do ambiente urbanizado. Demonstrando também como uma identidade cultural pode ser criada através de uma paisagem produtiva. O projeto enfatiza que a produção de alimentos e uso sustentável do solo é uma questão de sobrevivência que arquitetos e paisagistas devem enfrentar em seus projetos, principalmente no âmbito acadêmico. O jardim coletivo insere-se, nesse âmbito, como possível proposta de paisagem agrícola, que integraria o sistema de espaços livres. Embora a produção de alimentos e o meio urbano tenham sido historicamente polarizados, a cidade contemporânea está se modificando de tal modo que os jardins para se plantar estão se tornando cada vez mais comuns. O jardim, nos tempos mais antigos, era de acesso restrito à uma pequena parcela mais abastada da sociedade. Com o tempo, jardins surgiram em meio a cidade, proporcionando o acesso da população, entretanto foi somente no século XX e início do XXI, os jardins ganharam um papel mais expressivo no meio urbano, devido ao índice de estabilização econômica que permitiu gerar uma civilização com mais oportunidades de tempo para o lazer. Logo, esses espaços livres se tornaram mais frequentados e uma variedade de novas atividades foram introduzidas nesses locais, sendo uma delas, o cultivo de jardins coletivos ou compartilhados, que se apropriam do espaço público e complementam a paisagem urbana. Um jardim compartilhado é um jardim projetado, construído e cultivado coletivamente pelos moradores de um bairro ou vila. O jardim não possui uma forma e função definida, sofre constante mudança, que atende às expectativas e necessidades dos habitantes de um lugar, convidando as pessoas a tomar decisões coletivamente sobre suas áreas verdes, assim como a gerir o jardim no dia-a-dia. Nesse sentido, cada 40


Imagem 98 - fonte: gardenmaps.org Portal que identifica os jardins coletivos em NY

Imagens 99 e 100 - fonte: www.greenthumbnyc.org/ Jardins em Nova York

projeto é único na sua concepção e funcionamento, podendo haver o cultivo de hortícolas, flores, frutas, leguminosas, dentre outros. O jardim coletivo pode ser algo abrangente, fazendo parte da infraestrutura verde do espaço ou pode ser pequenas ou médias hortas urbanas pontuais que se transformarão em jardins, ou não, mais comumente vistas no cotidiano brasileiro. Para uma horta urbana tornar-se um jardim coletivo, ela deve abrigar atividades paralelas as de plantio, de lazer e contemplação, além de ser composta também por espécies arbóreas, arbustivas e herbáceas. Esses jardins são baseados em valores de solidariedade, amizade, relacionamento e partilha entre gerações e culturas. O jardim coletivo é bem mais que uma atividade de autossubsistência e consciência ambiental, é um local de socialização e apropriação da cidade, e que também fornece produtos frescos e plantas, bem como um trabalho gratificante para os que se interessam pela agricultura, pela terra ou pelo trabalho em comunidade; além de prover melhorias no bairro, contribuindo para a vitalidade e o embelezamento da paisagem. A ideia de integrar a decisão coletiva da criação de jardins coletivos, muitas vezes participativa, é também uma iniciativa cidadã que garante aos habitantes a possibilidade de fazer parte do processo decisório do desenho da paisagem da sua cidade. Segundo o paisagista Bernard Lassus (2004), todos os usuários de um determinado lugar são habitantes-paisagistas, sendo responsáveis pela construção coletiva da paisagem. A ação do habitante como criador da paisagem está diretamente relacionada aos meios de desenvolvimento sustentável baseado em uma ecologia social dinâmica, plural e cooperativa. Gilles Clément coloca em uma entrevista2, não é preciso ser conhecedor de jardinagem para ser um bom jardineiro, pois o importante é a intervenção que está sendo feita no espaço pela sociedade. Ao invés de impormos ao cidadão modelos rígidos de desenho urbano sustentável, abrem-se espaços para a construção empírica coletiva do jardim. Possibilitando ao morador acompanhar o desenvolvimento das espécies, assim como entender qual o melhor clima, solo, poda e rega. O jardim se constrói ao longo do tempo, se multiplica no decorrer da malha urbana, em consonância com os demais percursos e espaços livres existentes. A ideia do jardim coletivo, conhecido atualmente, surgiu nos anos 70, em Nova York, por um morador que lamentava a existência de inúmeros lotes vazios em sua vizinhança, e assim, iniciou com alguns colegas a transformação desses espaços em jardins compartilhados para a comunidade. Essa ideia espalhou-se por todo o globo, sendo vista hoje em diversos locais, com características distintas de acordo com a diversidade de cultural de cada lugar. Na França, por exemplo, os jardins estão presentes em quase todas as grandes cidade, e, no caso de Paris, há uma associação

2 - Entrevista com o paisagista Gilles Clément: http://www.reporterre.net/Gilles-Clement-Jardiner-c-est

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Imagens 101 e 102 - fonte: acervo da Professora Camila Sant’Anna Jardim coletivo em São Paulo Centro Cultural Vergueiro

Imagens 103 e 104 fonte: www.transition-verte.com Jardins coletivos em Paris

3 - Portal virtual parisiense: www.paris.fr

governamental que organiza a criação e a regularização desses jardins junto à comunidade para facilitar a criação de novos jardins coletivos na cidade. Todos os critérios a serem seguidos estão esclarecidos em portal virtual3, além de atualizarem eventos para a sensibilização dos usuários, cursos e mapas que contenham informações sobre os jardins compartilhados da cidade. Associações parecidas também existem em outras metrópoles como Berlim e Nova York, que ajudam na organização dos jardins coletivos, para que a sociedade tenha mais facilidades na propagação desses, visto os inúmeros benefícios para a cidade e seus moradores. No Brasil também já existem diversas experiências de jardins coletivos ou hortas urbanas. Em cidades como São Paulo, há projetos culturais do próprio governo que incentivam esse tipo de iniciativa, como a horta coletiva orgânica se localiza no centro cultural Vergueiro. Porém, não há uma organização estadual, nem nacional, como acontece em países da Europa, que legitimem esse tipo de atividade, viabilizando a existência de jardins pela iniciativa dos próprios cidadãos e os organizando de modo que cumpra a sua função social e coletiva, ou seja, de acesso à toda a comunidade. Em Brasília, há algumas manifestações pontuais em criar jardins coletivos em áreas subutilizadas para atender aos moradores de áreas próximas. Entretanto, falta reconhecimento dos órgãos governamentais quanto à essas ações, assim como, uma maior sensibilização e suporte da comunidade de cada bairro, principalmente quanto ao uso da água e a implementação de uma iluminação de qualidade.

Imagem 105 - fonte: www.paris.fr Mapa identificando os jardins coletivos de Paris

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2.2 Os jardins coletivos e o processo participativo

Imagem 106 Mutirão para plantação - Projeto Re-ação 206 norte

Imagens 107 Hortas espalhadas pela quadra 206 norte

Com o intuito de aprofundar o conhecimento sobre jardins coletivos, seu surgimento e desenvolvimento, buscou-se referências de projetos participativos na escala residencial de Brasília. Cada uma dessas experiências surgem como uma possível chave para se repensar os espaços pouco utilizados das superquadras. Esses jardins possuem intenções semelhantes, como o cultivo de alimentos, a socialização e a criação e interferência no meio urbano em que vivem, entretanto, cada jardim contém particularidades distintas, público, cultura, ideiais, dentre outros. Para esse estudo, foram identificados dois jardins coletivos no Plano Piloto que se dispõem em fase inicial de consolidação, logo foi possível ver as necessidades e dificuldades que estão inseridas na realização de projetos com a comunidade. Tentou-se entender melhor o projeto de jardim coletivo na Asa Sul, especificamente na área objeto de estudo (quadra 114 sul), assim como um outro projeto mais desenvolvido, também na escala residencial de Brasília, denominado Reação, e localizado na 206 norte. O caso do projeto Re-ação distribui diversas hortas e pomares, aleatoriamente, em locais pontuais da quadra 206 norte e em parte da quadra 207 norte que está desocupada. Esse projeto almeja sensibilizar quanto à importância do consumo de alimentos orgânicos e o desenvolvimento da agricultura local. Para tanto, promove a construção de jardins, por meio ações agroecológicas que promovam não só a sociabilidade, mas principalmente a produção de alimentos. Deste modo, o jardim é distribuído em toda a superquadra, interferindo positivamente na paisagem de vivência dos moradores, que podem ter mais contato com a vegetação nativa da área, assim como observar o desenvolvimento dos alimentos.

Imagem 108 - fonte: projetoreacao206norte.blogspot.com.br Único mapa fornecido pelo projeto Re-ação, ele contém um levantamento das espécies da área, sem o desenho do jardim, assim como as espécies que o compõe

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O morador neste âmbito não só tem um maior contato com a natureza, como também se integra melhor com a sua comunidade. Para isso, são promovidos, regularmente, cursos, eventos e mutirões para a manutenção do jardim, visto que não há uma organização diária e espontânea dos usuários. A pesquisadora teve a oportunidade de participar e vivenciar um evento inaugural, provindo da oportunidade de expansão do projeto a partir de um financiamento coletivo, crowdfunding de sucesso. Houve um mutirão para a plantação de hortaliças, verduras e flores pelos moradores. Nesse evento, ainda, ocorreram ações de interação social, que tentaram discutir e apresentar novas propostas ao moradores, além de uma curta aula de yoga, seguida de um bate-papo e café da manhã. Crianças, jovens, adultos e idosos interagiam e discutiam sobre a terra e o trabalho que estavam fazendo, com o objetivo de criar um momento de socialização entre os moradores. Observa-se, todavia, uma falta de planejamento da paisagem, os atores do projeto definem certas áreas e fazem os plantios aleatórios, sem ter nenhuma preocupação com os demais percursos e espaços livres que circundam o lugar. A manutenção do jardim é feita apenas pelos idealizadores de forma regular, excluindo, dessa dinâmica, as pessoas que participam dos mutirões de plantio, mas não estão diretamente ligadas à organização do projeto. No dia-a-dia, devido à falta de informações, por meio de mapas e imagens, os participantes ficam um pouco desorientadas em relação à onde plantar, onde colher, onde podar, quanto aguar. Para uma maior interação entre moradores com os jardins deveria haver uma organização maior do espaço, mais informativa, com sinalização, principalmente porque o projeto demonstra

Imagens 109, 110, 111 e 112 Evento inaugural e mutirão de plantação 206 norte

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Imagem 113 fonte: acervo da Professora Camila Sant’Anna Exemplo de um possível esquema plantio de espécies que alteram sua cor, seu tamanho e sua textura ao longo do ano

Jardim coletivo da 114 sul

Imagem 114 - fonte: google earth Mapa com a localizacão do jardim coletivo da SQS 114

Imagem 115 Jardim coletivo da 114 sul ao fundo da escola

a intenção de englobar o jardim o público leigo que se interesse em participar do cultivo. O projeto também não promove locais de permanência para os usuários, conectados com os principais percursos e acessos do lugar, O plantio das espécies não se preocupa em correlacionar os diferentes estratos vegetativos, por meio do ritmo criado pelo diálogo entre as diferentes texturas e cores vegetativas ao longo do ano. Essa mudança constante na coloração, dos elementos (frutas, flores e folhas) sensibilizaria os moradores quanto à importância do jardim e de modo geral, a paisagem que o circunda. Do modo que se encontra hoje os jardins misturam vegetações e plantas que necessitam de cuidados diferenciados, e assim, têm dificuldades para se desenvolverem. Como por exemplo, o plantio de manjericão em área de sol. Esse estudo acredita, como abordado no capítulo 01, que, para uma maior integração do jardim com a paisagem, este deveria dialogar com os outros espaços livres da cidade, criando conexões e dependências entre eles, produzindo um percurso ao usuário e instigando os habitantes a descobrir tanto o jardim coletivo, como outros locais de lazer. O jardim da SQS 114, na escala residencial da Asa Sul, possui características diferenciadas, começando por sua dimensão e localização, O local se enquadra bem nos critérios de utilização, principalmente por ser imediatamente próximo à escola dentro da quadra, contribuindo para uma interação ensino e comunidade. A área era de um antigo parquinho para crianças, que por falta de manutenção, se mostrava deteriorado, com peças quebradas e tomado pela vegetação. Assim, houve a tentativa de requalificar o local abandonado em uma atividade que integre a comunidade da quadra, provendo o jardim coletivo. A intenção dessa análise de casos existentes em Brasília é identificar como estes se desenvolvem, as dificuldades e os objetivos de cada um. Procurou-se comparar essas experiências com um projeto bem consolidado fora escala residencial do Plano Piloto, no caso, em Águas Claras-DF. Esse jardim, elaborado pelos moradores na Rua das Paineiras, no Parque Central de Águas Claras, contém as mesmas características climáticas e vegetativas dos outros jardins analisados. Nesse jardim foi possível identificar algumas soluções de organização e plantio que não continham nos respectivos do Plano Piloto, ou seja, o plantio das espécies era feito de forma mais organizada, assim como o armazenamento de adubo e ferramentas. Esse jardim é também bem mais organizado em termos de produção de alimentos e informação dada aos usuários, o que permite um ambiente bem mais legível. Considerando esse aspecto, qualquer pessoa que veja o jardim, consegue identificar os diferentes tipos de organização, o que influencia em uma maior participação da comunidade por conta própria, inserindo o jardim nas atividades cotidianas das 45


Jardim coletivo de Águas Claras

Imagem 116 - fonte: google earth Mapa com a localizacão do jardim coletivo de Águas Claras na Rua das Paineiras

Imagens 117 e 118 - fonte: acervo pessoal Jardim coletivo de Águas Claras

pessoas. Como todos os jardins descritos ainda se encontram em processo de formação pelos moradores e como não há uma própria organização local na cidade que promova o incentivo desses tipos de idealizações, deve-se acompanhar a evolução da construção desse espaço para serem compreendidos de uma melhor forma ao longo do tempo. A ideia de jardins coletivos ainda é bastante recente na escala urbana das cidades brasileira, especialmente em Brasília. Assim, esses espaços que surgem na paisagem, em sua maioria, não contém um apoio provido por nenhuma instituição pública ou particular e são executados a partir de ideais da comunidade. O processo de ressignificação do diálogo da malha urbana e da natureza da cidade como um todo ou de suas partes tem surgido não só como uma resposta técnica da administração pública, mas também como uma prática cidadã da população que se tem engajado em lutar para mudar a sua qualidade de vida na cidade. Dentro dessa perspectiva, um grande número de ações urbanas estão sendo organizadas pela comunidade que possui intenções de modificar a área que vive e busca melhorias para os espaços públicos que utiliza ou gostaria de usar. Ela convida, desse modo, arquitetos, urbanistas e paisagistas, a agregar a população no processo decisório do projeto, não sendo mais o seu principal mentor, mas sim um mediador das premissas projetuais definidas em parceria com os principais usuários daquele espaço. Atualmente existem diversos projetos que manifestam essa integração da população para a construção ou reformulação dos espaços livres, dentre eles os projetos Acupuntura Urbana e Projeto Coruja que atuam de forma pontual em algumas regiões da cidade, procurando com a ajuda da população, por meio de debates, elaboração de desenhos, entrevistas, dentro outros, repensar um espaço específico. O projeto Acupuntura Urbana mobiliza recursos para a materialização dos projetos de forma colaborativa, revitalizando lugares e criando uma nova maneira de se relacionar com a cidade. O projeto oferece atividades que promovam a consciência coletiva, a criatividade e o cuidado com a cidade, estimulando a interação e o fortalecimento de laços entre as pessoas. Por meio de jogos cooperativos e oficinas, os habitantes compreendem melhor o bairro, ressignificando objetos do cotidiano de maneira divertida e descontraída. A organização realiza projetos variados, com diversos propósitos, dentre eles, o Projeto Coruja. Este atua de modo mais específico no Parque das Corujas, em São Paulo, procurando alternativas movidas pela comunidade, com o objetivo de melhorar o parque linear e trazer mais vitalidade para este espaço público a partir de intervenções na paisagem. Os organizadores promoveram oficinas participativas de projeto e coleta dos anseios da população para o parque, promovendo encontros comunitários com 46


Imagens 119 e 120 - fonte:acupunturaurbana.com.br Projeto Coruja

piqueniques, música, e outras atividades, sempre buscando uma reflexão sobre a ocupação e qualidade dos espaços públicos. Como apoio e ação sensibilizadora, o projeto Acupuntura Urbana promoveu oficinas semanais de permacultura com os alunos do quinta série do ensino médio4, buscando estimular também a influência do jardim coletivo no meio urbano. Os dois projetos contribuem para a apropriação da cidade pelos cidadãos, provendo um maior direito ao espaço público. A participação da população nesses casos, permite que a própria sociedade se sensibilize quanto aos espaços livres da cidade e como eles se conectam, tendo em vista que os usuários são os próprios idealizadores desses locais, uma maior integração com o cotidiano é pensada e consequentemente uma maior utilização é mantida. Sylvia Pronsato discute em seu livro Arquitetura e paisagem - processo participativo e criação coletiva, a questão que um projeto com a participação de seus usuários, promove uma dialética entre economia, política e arte, gerando um instrumento contra a alienação e construindo o sentimento de pertencer ao local. PRONSATO (2005) ainda defende que o planejamento de lugares, bairros, e cidades podem ser malsucedidos caso não considerem as pessoas que utilizam e vivem aquele espaço. A relação entre a comunidade e seu ambiente, gera um afeto pelo lugar interligado à luta pelos direitos à cidade, que permite a discussão, a execução democrática e a participação criativa dos integrantes, formando ambientes legíveis e significativos. A participação da população na construção da paisagem da escala residencial de Brasília se coloca, desse modo. como uma das possíveis perspectivas para requalificar seus espaços livres.

Imagem 121 - fonte: acupunturaurbana.com.br Projeto desenvolvido pelo Acupuntura Urbana

Imagem 122 - fonte: acupunturaurbana.com.br Projeto desenvolvido pelo Acupuntura Urbana na Virada Sustentável 2014

4 - http://acupunturaurbana.com.br

Imagens 123 e 124 - fonte: http://www.fau.usp.br/eventos/paisagemeparticipacao Desenhos produzidos por alunos nas oficinas para levantar demandas e anseios modelo desenvolvido por Pronsato

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Conclusão A relação entre homem e natureza introduzida por Lúcio Costa na escala residencial do projeto do plano piloto, é marcada por edificações laminares que dialogam com grandes espaços verdes. Há um predomínio da área verdejada em relação à área construída na malha urbana, Ideologicamente, esperava-se que essas áreas se transformassem em grandes espaços de lazer. Ocorre que, devido à falta de manutenção e de um projeto mais elaborado de plantio e equipamentos, os espaços livres acabam sendo subutilizados pela população. A ação da população de se apropriar desse espaço público e transformá-lo em um jardim coletivo, surgiu como uma possível premissa de requalificação da área, e de modo geral, da paisagem da cidade. Esses jardins integrariam uma proposta de sistema de espaços livres na escala residencial que possuíriam diferentes usos e formas, com funções estéticas, sociais, de lazer e infraestrutura verde. Dentro dessa perspectiva, uma nova paisagem tomaria forma na escala residencial brasiliense a partir da inserção de jardins coletivos nesses espaços subutilizados da cidade.

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Referências Bibliográficas BARCELOS, Vicente. Os parques como espaços livres públicos de lazer: o caso de Brasília - Tese de Doutorado, FAUUSP, 1999. BRUNON, Hervé e MOSSER, Monique. Le jardin contemporain 2006. BILÁ, Gabriela. O novo guia de Brasília, 2014. CAQUELIN, Anne. A invenção da Paisagem 2007 CARERI, Francesco. Walkscapes: walking as an aesthetic practice, 2009. DOHERTY, Gareth e MOSTAFAVI, Mohsen. Urbanismo ecológico, 2014. GEHL, Jan. Cidades para pessoas, 2010. JACOBS, Jane. Morte e vida das grandes cidades, 2014. LASSUS, Bernard. Couleur, lumiere, paysage, 2004. LYNCH, Kevin. A Imagem da cidade, 1982. SOARES MACEDO, Silvio. Espaços livres, 1995. PRONSATO, Sylvia Adriana. Arquitetura e paisagem - processo participativo e criação coletiva, 2005. JUCÁ, Jane “Princípios da Cidade-Parque: categoria urbana concebida no Plano Piloto de Brasília” - artigo (http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/10.113/1824) CLÉMENT, Gilles - reportagem (http://www.reporterre.net/Gilles-Clement-Jardiner-c-est)

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