Livreto - A CHAVE

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MOVE

MOVE ou a Organização MOVE é um grupo de libertação negra fundado na Filadélfia por John Africa. O MOVE foi descrito pela CNN como "um grupo de maioria negra onde os membros todos adotaram o sobrenome Africa, defendem um estilo de vida de volta-à-natureza e pregam contra a tecnologia". O grupo vivia em comuna e frequentemente se engajava em demonstrações públicas relacionadas à questões que consideravam importantes. Desde sua fundação em 1972, suas ações atraíram a atenção do Departamento de Polícia da Filadélfia. O maior incidente ocorreu em 1978, quando a polícia invadiu a casa do MOVE resultando na morte de um policial e a prisão de 9 membros do grupo, conhecidos agora como MOVE 9. Depois disso, o grupo se mudou para outra casa. Em 1985, o grupo se tornou notícia nacional quando policiais jogaram de um helicóptero uma bomba em sua nova casa numa tentativa de solucionar um impasse armado. A explosão gerou um fogo em que 11 pessoas morreram, incluindo 5 crianças e o líder do grupo, John Africa. Apenas 2 ocupantes sobreviveram, Ramona Africa, e Birdie, uma criança. Além disso, 65 casas foram destruídas no incêndio que tomou todo o quarteirão. Crença e Prática

A Organização MOVE é uma família de revolucionários fortes, sérios e profundamente comprometidos, fundada por um negro sábio, perceptivo e de mente estratégica chamado JOHN AFRICA. O princípio de nossa crença é explicado na coleção de escritos que chamados "Orientações", escrito por JOHN AFRICA. Para honrar nosso amado Fundador e honrar a sabedoria e força que eles nos transmitiu, nós dissemos: VIDA LONGA JOHN AFRICA!

NOSSA RELIGIÃO - VIDA


JOHN AFRICA nos ensinou que a Vida é a prioridade. Nada é mais importante ou tão importante quanto a Vida, a força que nos mantém vivos. Toda vida vem de uma fonte, de Deus, MÃE-NATUREZA. Cada vida individual depende de todas as outras vidas, e toda vida tem um propósito, então todos os seresvivos, coisas que se movem, são igualmente importantes, sejam elas seres humanos, cachorros, pássaros, peixes, árvores, formigas, ervas, rios, o vento ou a chuva. Para permanecer saudável e forte, a vida deve ter ar limpo, água limpa e comida pura. Se privada de alguma dessas coisas, o vida entrará no ciclo para o outro nível, ou como o sistema diz, "morrer".

LEI NATURAL Acreditamos na Lei Natural, o governo de si mesmo. Leis feitas pelos homens não são realmente leis, pois elas não se aplicam igualmente para todos e ela contém exceções e brechas. Leis feitas pelos homens estão constantemente sendo alteradas ou revogadas. A Lei Natural permanece a mesma sempre. Leis humanas requerem polícias, xerifes, exércitos e tribunais para aplicá-las, e advogados para explicá-las. A verdadeira lei é auto-explicativa e auto-aplicável. Nas remotas selvas, oceanos e desertos do mundo não há tribunais ou celas. Os animais e plantas não as necessitam. Nenhum ser vivo tem que consultar um livro de leis para ser capaz de saber se devem tossir, espirrar ou urinar. A Lei Natural diz que quando você vê algo ficando muito próximo do seu olho, você irá piscar, seja você um Pastor Alemão ou um Juiz de Suprema Corte.

DEFESA PESSOAL Todos os seres vivos se defendem instintivamente. Esse é um direito de toda a vida dado por Deus. Se um homem vai à uma caverna de urso, ele viola e ameaça o local de segurança do urso. O urso irá defender sua casa instintivamente atacando o homem para fora e o eliminando. O urso não está errado, pois defesa pessoal é o certo.

CERTO E ERRADO O fato de que algo é legal sob a lei do sistema não a faz ser o certo. Escravidão era legal. Assassinar


indígenas americanos e roubar suas terras foi feito legalmente. JOHN AFRICA nos ensinou que o que é certo se aplica igualmente, além da fronteira. Se algo é certo, é certo para toda a vida, sem separações.

O SISTEMA Nós não acreditamos nesse sistema mundial — o governo, os militares, a indústria e grandes empresas. Eles tem historicamente abusado, estuprado e roubado a vida pela questão do dinheiro. Esses legisladores não se importam com quem eles matam, escravizam, aleijam, envenenam ou adoecem em suas busca por dinheiro. Eles tem feito da riqueza material uma prioridade acima da vida. Maravilhas da ciência e os chamados avanços da tecnologia, todos decorrem da ganância do sistema por dinheiro e desrespeito pela vida. Mas uma pessoa que está sufocando ou afogando não grita por diamantes, ouro ou maços de dinheiro. A pessoa irá fazer tudo que puder por um respiro de ar, pois ar é uma necessidade e dinheiro não tem valor. Durante o último século, a indústria tem estuprado a terra em incontáveis toneladas de minerais, sangrado bilhões de galões de petróleo e escravizado milhões de pessoas para manufaturar carros, tratores, aviões e trens que poluem o ar com o seu uso. E devido aos bilhões de dólares em lucros a serem feitos, o sistema favorecerá transportes artificiais sobre as pernas e pés que a Mãe-Natureza nos deu para andar e correr. Grandes corporações e a indústria são responsáveis são responsáveis pela produção em massa e marketing em massa de cigarros, álcool e drogas que são usadas para extrair lucros de pessoas enquanto as mantém doentes e viciadas. Políticos são colocados para legalizar, patrocinar e proteger a indústria e grandes negócios, portanto nós absolutamente não acreditamos na política.

TRABALHO DO MOVE O trabalho do MOVE é a revolução. A revolução de JOHN AFRICA, a revolução de parar o sistema de impor sobre a vida, de parar a indústria de envenenar o ar, a água e o solo e de colocar um fim na escravidão de toda a vida. Nosso trabalho é de mostrar para as pessoas o quão podre e escravizante é esse sistema e que o sistema é a causa da falta de teto, do desemprego, vício em drogas, alcoolismo, racismo, violência doméstica, AIDS, crimes, guerras, todos os problemas do mundo. Nós estamos trabalhando para demonstrar que pessoas não só podem lutar contra esse sistema, eles devem lutar


contra sistema se quiserem se libertar da opressão e sofrimento infinitos.

SENDO UM REVOLUCIONÁRIO Revolução começa com o indivíduo. Começa com uma pessoal fazendo um compromisso pessoal de fazer o que é certo. Você não pode tornar alguém um revolucionário fazendo com que ele cante frases ou carregue armas. Para entender a revolução, você deve ser um som. Revolução não é imposta sobre alguém, ela é acendida dentro de alguém. Uma pessoa pode falar sobre revolução mas se eles ainda estão idolatrando o dinheiro ou colocando drogas em seus corpos, ou batendo em seus parceiros, eles obviamente não se comprometeram em fazer o que é certo. Revolução não é uma filosofia, é uma atividade.

PERSEGUIÇÃO Nós somos uma organização profundamente religiosa. Nós sabemos que o atual sistema político se ressente com nosso claro e justo exemplo e quer que paremos de expor sua corrupção mesmo que pra isso tenham que nos matar. Assim como Jesus foi rotulado como radical e perseguido até a morte por políticos da época pelo que ele disse, nós sabemos o quão ameaçadora nossa mensagem é para aqueles que estão no poder e porque eles são tão duros conosco. Nós esperamos isso e estamos preparados.

A DURAÇÃO DA LUTA Nós não medimos nosso sucesso com referência em uma calendário. Enquanto fizermos o que é certo, o único modo das coisas mudarem é certo, independente do tempo. Nós não somos ansiosos ou impacientes e não iremos comprometer nossos princípios por resultados rápidos e temporários. Nós não necessariamente esperamos ver uma mudança dramática nesse sistema, em nossa vida ou na vida de nossos filhos. Nós sabemos que centenas de anos de degradação e imposição irão tomar centenas de anos para se corrigir, mas a mudança inicial deve começar em algum lugar. JOHN AFRICA começou esse processo através do MOVE. VIDA LONDA JOHN AFRICA!


LÍDERES Nossa organização foi fundada por JOHN AFRICA, porém, ele não é nosso líder. JOHN AFRICA equipou cada um de nós com a sabedoria, força e entendimento para liderarmos a nós mesmos. Usando a estratégia de JOHN AFRICA sabemos que não falharemos. Tudo que acontece a nós, acontece de certa forma porque deveria acontecer.

VIVENDO COMO UMA FAMÍLIA REVOLUCIONÁRIA Todos os membros comprometidos com o MOVE tomam o Africa como o último sobrenome em reverência ao nosso fundados JOHN AFRICA e para mostrar que somos uma família, um corpo unido movendo-se em uma direção. Nós temos membros negros, brancos, porto-riquenhos vindos de altas e baixas classes sociais, educados por universidades e pelas ruas. Mesmo não dando atenção para a instituição legal do casamento, nós aderimos à lei natural que requer um homem e uma mulher e produzir uma nova vida. Nós somos monogâmicos. JOHN AFRICA nos ensinou que a gravidez é uma função natural, instintiva de uma mãe e não requer medicamentos ou internações.

NOSSAS CRIANÇAS Nós ternamente amamos nossas crianças. Nós as protegemos e as assistimos para que se tornem mais saudáveis e mais fortes do que nós. Nós todos somos uma família e todos os adultos ajudam a olhar pelas crianças. Nós não os punimos através de surras ou violência física. Se eles fazem algo errado, toda a família toma partido dar a eles a direção e mostrar o que é certo. Nós não os mandamos para a escola para o lavagem cerebral e doutrinação do sistema. Nós ficamos perto de nossas crianças e elas ficam perto de nós.

APARÊNCIA Nosso cabelo é deixado da maneira que a natureza pretende, descabelado e sem cortes. Embora nós não sejamos a favor de usar químicos, cosméticos e conveniências dispensáveis do sistema, nós


gastamos um bom tempo mantendo a nós e o nosso redor limpo e arrumado. Nós nos vestimos de forma funcional, em roupas que não interfiram em nossas vidas ativas.

COMIDA CRUA E DISTORÇÃO A dieta que JOHN AFRICA nos deu consiste em comida fresca e crua. Nós sempre mantemos uma abundância de comida crua saudável à mão e comemos sempre que nossos corpos nos pedem, não de acordo com padrões artificiais de horários para refeição. Nós nos certificamos de que ninguém ao nosso redor fique com fome, pois sabemos que bons alimentos são um requisito essencial da vida. Nós sabemos que alguns de nós foi criado com a comida do sistema, ou "distorção" — como a chamamos. Fazendo o trabalho que fazemos também nos coloca sobre bastante pressão quando pais e filhos ou marido e esposa são separados pela opressão do sistema. Então, não é incomum ver alguns de nós comendo comida cozida ocasionalmente. Entretanto, nunca se verá um membro compromissado do MOVE usando drogas, cigarros ou álcool. As centenas de milhas que o sistema colocou entre nós e alguns de nossos irmãos e irmãs em prisões distantes também nos forçou a usar carros para manter o contato próximo que nossa família é acostumada. Mas nós esperamos pelo dia que poderemos viver juntos como queremos, sem a necessidade de usar tecnologia poluente.

CUIDADO PELA VIDA Para nos manter saudáveis e fortes, nós dependemos de exercício assim como de um bom trabalho braçal. Lavagem de pisos, caminhadas fortes e correr com os cães são tarefas diárias. Manter as centenas de quilos de comida que temos estocadas é um grande trabalho também. Nós temos sementes para os pássaros, nozes para os esquilos, carne crua para os cachorros e gatos e frutas e vegetais para as pessoas. Nós amamos toda vida. É tremendamente enfurecedor para nós ver alguém maltratando um animal e nós tomaremos ação imediata para parar alguém de bater em um cachorro, jogar pedras em pássaros ou causar ataques semelhantes na vida inocente.

O NOME MOVE


A palavra MOVE não é uma sigla. Ela significa exatamente o que diz: MOVER, trabalhar, criar, ser ativo. Tudo que é vivo se move. Se não, pode estar estagnado, morto. Movimento é o princípio da vida e como a crença do MOVE é a Vida, nosso fundador JOHN AFRICA nos seu o nome "MOVE". Quando nós saudamos uns aos outros nós dizemos: "ON THE MOVE!"

"O PODER DA VERDADE É FINAL" JOHN AFRICA

Saúde Revolucionária – Stic (Dead Prez) Eu tenho sido bastante questionado sobre o motivo do meu foco particular em saúde e não tanto em política por alguns jornalistas “revolucionários”. Eu estive explicando que se Saúde não é um componente chave de Libertação em nossa agenda política, então o que diabos estamos realmente defendendo? O estado da nossa saúde é certamente político. Não estou aqui pra sentar e citar Marx e Engels o dia todo enquanto eu chupo cigarros, bebo rum e coca-cola. Minha visão é de que a revolução envolve uma mudança profunda, um desenvolvimento de poder que impacta a vida diária de pessoas oprimidas. Não há razão para que nós não abracemos formas de empoderar nossa saúde. Porque a saúde é tão relevante pra minha política revolucionária? Porque além de todos os outros mais focados em áreas de opressão como brutalidade policial, escravidão econômica, etc., nossa comunidade sofre bastante com o estado de nossa saúde, a falta de consciência sobre saúde e a falta de ativismo pela saúde. Intelectuais revolucionários podem não ter se dedicado intensamente à questão da saúde, mas no meu bairro certamente para a comunidade negra e latina — e particularmente nos EUA — essa é uma das maiores formas de opressão: desinformação sobre saúde abastecida por corporações gananciosas sem consciência, falta do real conhecimento sobre o acesso à um cuidado holístico da saúde, doenças relacionadas à alimentação, vício em drogas, morte precoce e uma vida de dependência em remédios, etc. Eu não estou aqui pra ser um ECO, só vomitando os mesmos velhos dogmas e doutrinas pra ser “aceito pela elite revolucionária”. Foda-se isso. Estou me esforçando para promover vida real, em caminhos reais e com esperança de fazer um impacto real que faça uma diferença real em níveis reais… não


importa o quão pequeno… todas as vitórias são importantes. E nós precisamos de um movimento que é holístico, não apenas dogmático. Às vezes você deve resistir a ficar em silêncio por causa da convenção e ousar lutar, seja a luta popular ou não. Eu amo o foco no qual estou inserido e eu sei que de pequenas formas ele é útil. Eu não estou aqui pra fazer tudo, mas eu vou dar o meu máximo no que eu fizer. — Stic, MC do Dead Prez — www.rbgfitclub.com

Raw Vegan – Entrevista com Aris La Tham Entrevista com Aris La Tham para a Rádio Q do Canada. Jian Ghomeshi: Bem, meu próximo convidado não come uma refeição quente há 33 anos, mas não tenha pena, ele nunca se sentiu melhor. Aris La Tham é um crudívoro e fundador da Sunfired, um Instituto Culinário na Jamaica, especializado em treinar cozinheiros e ensinar pessoas a como incorporar a Raw Food (alimentação viva, crudivorismo) no seu dia-a-dia. Por Raw Food eu quero dizer vegetais, nozes, sementes e até em alguns casos carne e peixe, nada aquecido a mais de 40º Celsius. Crudívoros acreditam que comer predominantemente comidas não-cozidas podem levar a benefícios significativos na saúde. La Tham começou suas criações gourmet crudívoras no Harlem, Nova Iorque, em 1979. Ele palestrou e apresentou convenções de saúde por toda a américa do norte, cozinhou para celebridades como Prince e Demi Moore e abriu um restaurante em Los Angeles. Com 61 anos de idade, La Tham vive hoje em Ocho Rios, Jamaica, mas nesse momento ele está aqui no Studio Q. Hello, Sir! É um prazer tê-lo aqui. Aris La Tham: Hey, Hello! Como vai? Deixe-me dar um palpite aqui: Nunca “em alguns casos carne ou


peixe”. JG: Nunca? ALT: Nunca. Não sei como isso foi parar aí. (risos) Nunca, nenhum animal. Eu os amo muito, eu odiaria enterrá-los no meu intestino. (risos) JG: Sabe o que é engraçado? Enquanto eu dizia isso eu estava pensando “isso é estranho, mas talvez tenha algo sobre carne e peixe que eu não saiba”. (risos) ALT: Sabe que, na verdade, o significado original da palavra “carne” significa comida. Então não vamos deixar os comedores de carne usarem essa expressão com exclusividade. (risos) JG: Ok, eu estou corrigido! (risos) Você foi vegetariano antes de se tornar crudívoro há 33 anos atrás, porque você decidiu se tornar crudívoro? ALT: Bem, é algo estritamente analítico, vem apenas de uma base intelectual. Ler e estudar essas coisas. Estava na universidade nessa época, andando com todos aquelas pessoas da contra-cultura, back-to-the-land, movimento black power… Sabe, apenas tentando realmente nos empoderarmos, tomar o controle de nossas vidas. Analisando a alimentação como um todo e vendo como isso era uma arma, uma arma muito séria, e até hoje é. Estão alimentando as pessoas do mundo com comidas que são definitivamente assassinas, que são de fato anti-vida e precisamos trazer as coisas de volta pro seu lugar. JG: Eu tenho a impressão, talvez erroneamente, da Raw Food como um fenômeno contemporâneo, de pessoas que estão aderindo a isso na última década, etc. É realmente um fenômeno? É uma parte da cultura que você viveu nos anos 70 quando você começou a promover a Raw Food? ATL: Bem, primeiro de tudo: não há nada novo sob o sol. Como seres humanos nós estamos nesse planeta há pelo menos milhões de anos, baseando-se nos registros históricos. E há apenas 100.000 anos desde a descoberta do fogo. Então, obviamente por 900.000 anos seres humanos nunca comeram


nenhum alimento cozido. Então não precisamos de nenhuma ciência ou religião pra nos dar qualquer argumento sobre qual é a natural, original e melhor comida para o consumo humano. Nós não somos comedores de comida cozida por natureza. Nos anos 70, todo o impulso da Raw Food era baseado no cuidado de doenças. Havia uma bela doutora que veio com seu instituto de saúde e todo o conceito de germinar e regenerar plantas a um nível onde nós liberamos sua força vital, e elas eram conhecidas pelas suas qualidades de cura. Mas eu cheguei na cena com o meu background caribenho de uma cultura de comida com forte sabor. E você realmente tinha que estar doente pra gostar da Raw Food daquela época. Mas eu trouxe o sabor, eu temperei. E nós a chamamos de sunfired foods, gourmet living foods (algo como: alimentos aquecidos pelo sol, alimentos gourmet vivos). JG: Eu devo apresentá-lo ao nosso outro convidado aqui, o cantor K-OS. K-OS: Olá. Eu tenho uma boa pergunta. Eu tentei ser crudívoro e… eu sou vegetariano há um ano e tudo, e eu senti um desejo por comida cozida. E eu achei incrível o ponto sobre os 900.000 anos sem fogo, comendo alimentos crus. Mas você não acha que talvez a evolução do corpo humano e a mudança de personalidade… e nós temos a habilidade de nos transformar e isso então tenha se tornado parte da nossa dieta também… Bem, minha pergunta é: qual a linha entre o que é e o que não é, tendo em vista que somos espécies que evoluem? ALT: Bem, nós estamos evoluindo, mas não nos dias de hoje. Nós estamos desevoluindo. Pois, você sabe, nós estamos doentes. Esses seres humanos estão doentes por comerem toda essa comida sem alimento. Por termos o poder do fogo nós podemos torturar e assar animais, e assar coisas, fritar batatas, e coisas que não são comida. Batatas não são comida para o consumo humano. Se você realmente olhar na original lei dos alimentos diz: “Eis que eu vos dou toda a erva que dá semente sobre a terra, e todas as árvores frutíferas que contêm em si mesmas a sua semente, para que vos sirvam de alimento.” Nossa comida deve vir dessa fonte.


Nós somos mais próximos das criaturas frugívoras, os macacos, os gorilas. Somos frugívoros por natureza. Mas, é claro, sim, nós vagamos para muito longe de casa, então queremos voltar para o reino das plantas, sabe, com força total. Mas se você entrar num estilo-de-vida frugívoro agora você vai passar por uma forte desintoxicação.

JG: Deixe-me pegar a sua questão sobre comida não-cozida, fugindo do assunto, pois, Dr. Richard Wrangham, Professor de Antropologia Biológica em Harvard — e você sabe que há pessoas que usam esses argumentos, então eu quero ouví-lo nisso — Ele argumenta que “a descoberta do fogo e cozinhar os alimentos são as duas coisas que nos separaram dos outros animais, é isso que nos torna humanos”. Então, se cozinhar está tão entranhado no que nós chamamos de natureza humana, por que nós rejeitaríamos isso? ALT: Bem, sim, isso nos separou: nós somos os animais mais doentes da criação! Isso definitivamente nos separou: está nos matando! Está nos destruindo! E estamos usando esse poder para destruir outros animais. De pegar aves e tostá-las… quero dizer, que tipo de besta humana nós achamos que somos realmente? Ou seja, isso nos separou, mas de uma maneira bastante destrutiva. Sabe, se você olhar todos os animais na criação eles comem alimentos frescos e integrais. Os animais que comem carne, os carnívoros, eles não comem carne cozida. Eles sequer comem carne morta. Um leão passaria por uma vaca morta na estrada sem fazer nada. Eles pegam suas carnes frescas, quentes, eles as comem inteiras, eles tem os químicos digestivos necessários para digerí-las… Nós estamos vivendo uma vida realmente obscena. Agora estamos irradiando comida, como eles chamam aquela coisa? Micro-ondas. Essa comida não é rápida o suficiente, quero dizer… o quão rápido você quer ir pra sepultura? JG: Bom, vamos mudar a premissa pois eu acredito que há várias pessoas que querem um estilode-vida crudívoro e que acham difícil, existem desafios. Um deles que me ocorreu é que seguir uma dieta crua pode consumir muito tempo. Como as pessoas contornam isso?


ALT: Não tem essa de contornar. Você deve investir no seu corpo, você deve investir na sua vida. Sim, você deve gastar tempo preparando isso se você quer levar isso à um outro nível. Mas nós temos a tecnologia hoje. Nós temos o juicer, o processador, o desidratador. Nós podemos processar comida de um modo que não destruamos a sua força vital. Cozinhar é uma tecnologia ultrapassada. Estamos no século XXI, vamos nos atualizar, pessoal, qual é! (risos) JG: Então você acha que as pessoas devem levar mais tempo preparando e tomando conta de sua alimentação. ALT: Absolutamente. Precisamos investir mais em nosso corpo, é a única coisa que nós temos. Nós temos que o colocar no topo das nossas prioridades. Acima de tempo, dinheiro ou qualquer outra coisa. Nós temos que comer alimentos valiosos. Nós vivemos num corpo caro. Nós não vivemos na nossa casa. JG: E você afirma que podemos viver uma dieta equilibrada no crudivorismo. ALT: Absolutamente. Se você olhar o reino vegetal, não há equilíbrio maior dentro de um reino alimentício. Você tem as frutas, os vegetais, as proteínas, etc, e você pode comer 90% desses frescos alimentos vegetais de forma crua. O que você não consegue comer cru não é feito para você consumir como ser humano. JG: Nem todos os alimentos que você está falando estão disponíveis para nós aqui no Canadá e em algumas outras partes da América do Norte, e dando essa dimensão ética e ecológica da qual você estava falando… Há algumas semanas eu estive aqui com os criadores da dieta a-hundredmile, em que apenas se come alimentos cultivados num raio de 100 milhas. Se você classifica sua dieta como ética, e você vive num país como esse, no inverno, o quão ético é confiar em uma comida que deve ser importada, alguns meses do ano? ALT: Bem, o quão ético é viver longe de onde seres humanos foram originalmente feitos pra viver? Nós somos seres tropicais por natureza!


JG: Mas não podemos todos nos mudar, Aris! (risos) Nós moramos aqui, no Canadá! ALT: Tudo bem, você mora numa caixa de gelo e se você for seguir uma dieta a-hundred-miles e comer só o que nasce num raio de 100 milhas você deveria estar hibernando em jejum no inverno. Nada cresce aqui! Então nessa época do ano você vive em colisão com a mãe natureza. Mas, hey, nós estamos no século XXI, somos uma vila global agora, trazendo alimentos de toda parte do mundo. Na verdade há mais custo-benefício em se mudar pra Jamaica do que importar comida da Jamaica, pois vocês estão aquecendo as casas que vocês vivem, quero dizer, isso é muito mais caro. Isso é mais caro que importar comida. Mas tudo bem, vamos criar um equilíbrio, vamos morar aqui e apreciar o mundo como ele é, mas vamos equilibrar as coisas de um jeito efetivo. Nós podemos trazer alimentos que não crescem onde vivemos, mas, o ideal, mesmo se você não come alimentos que nascem 100 milhas além do seu local, se você analisar cautelosamente, se você vive onde o sol não brilha, então você deve pelo menos tentar comer algumas mangas, laranjas, bananas… deve trazer seus alimentos tropicais, trazer essa luz do sol. JG: Se as pessoas quiserem entrar numa dieta crudívora, elas devem se preocupar em como seus corpos vão precisar se ajustar? Você recomendaria um processo lento? Como começar isso? ALT: Bom, é algo bem individual. Primeiro de tudo, você deve ir devagar se você não está preparado pra isso. Pois primeiro o corpo precisa se desintoxicar. Existem 3 pilares para a saúde excelente: limpeza, bons alimentos e atividade física – exercícios. Então, o impulso inicial da alimentação crua será para desintoxicar o corpo, para limpar o corpo. Mas se sua mente está pronta, o corpo pode acompanhar. Isso é uma fera, vivemos em um animal! Portanto precisamos treiná-lo apropriadamente. A comida cozida é uma comida muito viciante. Ela cria várias toxinas no corpo. E toxinas pedem mais toxinas. Então se você adentra a alimentação crua você deve estar hábil pra deixar a comida cozida e entender que é uma via de mão única. Se depois de limpar o corpo você voltar atrás e se encher de comida cozida, esse vício irá fundo até o nível celular e você irá pedir mais e mais. JG: Aris, eu devo confessar que estive distraído por essa coisa deliciosa que está aqui na mesa!


O que é isso? ALT: O que aparenta, como você pode ver, é uma obra de arte, uma arte comestível. Isso é o que nós chamamos de Paradise Pie (Torta Paraíso). A casca é feita de amêndoas, nozes e passas. Então não há nada de leite, ovo, manteiga, farinha, nada dessa comida destrutiva na casca. E o recheio é apenas maças frescas que nós fatiamos e processamos com morangos e passas e cobrimos com fatias de maçã. JG: Você não vai jogar isso fora, né? Não é só para demonstração, certo? ALT: Vocês podem comer. (risos)

Êxtase e Intoxicação – Crimethinc.

Êxtase e Intoxicação - Por um mundo de encantamento ou anarcoolismo? Chapado, bem louco, breaco, lesado, travado, manguaçado, estragado, detonado, trêbado[1]. Todo mundo já ouviu sobre as pessoas do Ártico com cem palavras para neve; nós possuímos cem palavras para bêbado. Nós perpetuamos nossa própria cultura de derrota. Pare aí mesmo – eu posso ver o sorriso desdenhoso em sua face: são esses anarquistas tão irritados que eles denunciariam até o único aspecto divertido do anarquismo – a cerveja após as badernas, a bebida alcoólica no bar onde todos aqueles desejos inalcançáveis[2] são espalhados? O que eles fazem para se divertir, em suma – divulgando calúnias sobre a pequena diversão que nós temos? Nós não podemos relaxar e ter um bom momento em nenhuma parte de nossas vidas?


Não nos entendam mal: não estamos argumentando contra a satisfação, mas a favor disto. Ambrose Bierce definiu um asceta como “uma pessoa fraca que sucumbe à tentação de negar prazer a si mesmo” e nós concordamos. Assim como Chuck Baudelaire escreveu, você deve sempre estar alto – tudo depende disso. Portanto, não somos contra a embriaguez, mas, de fato, contra beber! Aqueles que abraçam a bebida como caminho para a embriaguez enganam a si mesmos para uma vida de total encantamento. Beber, assim como cafeína ou açúcar no corpo, apenas desempenha um papel na vida que a vida ela mesma providencia de outra maneira. A mulher que nunca bebe café não o requer na manhã quando acorda: seu corpo produz energia e foco por si mesmo, assim como milhares de gerações de evolução o prepararam para fazer. Se ela bebe café regularmente, logo seu corpo deixa o café tomar conta deste papel, e ela vira dependente dele. Da mesma maneira, o álcool provê artificialmente momentos temporários de relaxamento e libertação enquanto empobrece a vida de tudo o que é genuinamente relaxante e libertador. Se algumas pessoas sóbrias nessa sociedade não parecem tão despreocupadas e livres como suas contrapartes bêbadas, isso é um mero acidente cultural, mera evidência circunstancial. Esses puritanos existem todos iguais no mundo, esvaziados de toda mágica e capacidade pelo alcoolismo de seus colegas (e o capitalismo, hierarquias e miséria que ele ajuda a manter) – a única diferença é que eles são tão abnegados até para recusar a falsa mágica, o gênio na garrafa[3]. Mas outras pessoas “sóbrias”, cuja orientação de vida pode ser mais bem descrita como encantada ou extática, são abundantes, se você olhar bem o suficiente. Para estes indivíduos – para nós – a vida é uma constante celebração que não precisa de acréscimo, da qual não necessitamos de repouso. Álcool, como Prozac e todos os outros medicamentos controladores da mente que estão gerando muito dinheiro para o “grande irmão” hoje em dia, substitui a cura por tratamento de sintomas. Ele tira a dor de uma existência maçante e monótona por algumas horas, no melhor dos casos, então a devolve em dobro. Ele não apenas substitui ações positivas que poderiam localizar as causas de nosso desânimo – ele as previne, quando mais energia torna-se focada em obter e recuperar-se do estado alcoolizado. Como o turismo do trabalhador, beber é a válvula de escape que libera tensões enquanto mantêm o sistema que as criou. Nessa cultura de “apertar botão”, nós nos acostumamos a conceber a nós mesmos


como simples máquinas a serem operadas: adicione o químico apropriado à equação para obter o resultado desejado. Em nossa busca por saúde, alegria, sentido da vida, fugimos de uma panacéia para a próxima – Viagra, vitamina C, vodka – ao invés de abordar nossas vidas holisticamente e localizar nossos problemas em suas raízes sociais e econômicas. Essa atitude orientada por produtos é o fundamento de nossa alienada sociedade consumista: sem consumir produtos não podemos viver! Tentamos comprar relaxamento, comunidade, autoconfiança – agora até o êxtase vem em uma pílula! Nós queremos êxtase como um modo de vida, não uma festividade alcoólica envenenadora de fígado[4]. “A vida é um saco – fique bêbado” é a essência do argumento que entra em nossos ouvidos vindo da língua de nossos senhores e então sai de nossas próprias bocas, perpetuando quaisquer que sejam as verdades incidentais e desnecessárias a que possa se referir – mas nós não vamos mais cair nessa! Contra a enebriação – e pela embriaguez! Acabem com todas as lojas de bebida e as substituam por parques de diversão! Por uma embriaguez lúcida e uma sobriedade de êxtase! Rebelião Falsa Praticamente todas as crianças nas sociedades ocidentais mais costumeiras crescem com o álcool como a fruta proibida cujo prazer seus pais ou amigos se permitem mas proíbem para elas. Esta proibição apenas torna o beber mais fascinante para as pessoas jovens e, quando elas possuem a oportunidade, quase imediatamente expressam suas independências fazendo exatamente como foram avisados para não fazer: ironicamente, eles se rebelam seguindo o exemplo colocado para eles. Este modelo hipócrita é o padrão de criação de crianças nessa sociedade, e funciona para replicar o número de comportamentos destrutivos que de outro modo seriam agressivamente recusados por novas gerações. O fato de que a falsa moralidade de muitos pais que bebem é espelhada na prática devota de grupos religiosos ajuda a criar a falsa dicotomia entre a abnegação puritana e bebedores livres amantes da vida – com “amigos” como pastores batistas, nós abstêmios queremos saber: quem precisa de inimigos? Esses partidários da embriaguez rebelde e advogados da abstinência responsável são adversários leais. O primeiro precisa do último para fazer seus rituais sombrios parecerem divertidos; e o último precisa do


primeiro para fazer sua rígida austeridade parecer senso comum. Uma “sobriedade extática” que combata a melancolia de um e a confusão do outro – falso prazer e falsa ponderação da mesma forma – é análoga ao anarquismo que confronta tanto a falsa liberdade oferecida pelo capitalismo quanto a falsa comunidade oferecida pelo comunismo. Álcool e Sexo na Cultura do Estupro Vamos colocar para a discussão: quase todos nós vimos de um lugar onde nossa sexualidade é ou foi território ocupado. Fomos estuprados, abusados, assaltados, humilhados, silenciados, confundidos, construídos, programados. Estamos de mau-humor e voltando atrás, recuperando a nós mesmos; mas para a maioria de nós, esse é um lento, complexo e ainda não concluído processo. Isso não significa que não possamos fazer sexo bom e seguro agora mesmo, no meio desta cura – mais torna fazer sexo um pouco mais complicado. Para estar certo de que não estamos perpetuando ou ajudando a perpetuar padrões negativos em uma vida de amante, devemos ser capazes de nos comunicar claramente e honestamente antes que as coisas fiquem quentes e densas – e enquanto são e depois. Poucas forças interferem nisso como o álcool. Nessa cultura da negação, somos encorajados a usá-lo como um lubrificante social para nos ajudar a deixar no passado nossas inibições; muito frequentemente, isso simplesmente significa ignorar nossos próprios medos e cicatrizes e não perguntar sobre os outros. Se é perigoso, assim como bonito, para nós compartilhar o sexo com outra pessoa sóbrio, quão mais perigoso deve ser fazer isto tão bêbado, afobado e incoerente? Falando de sexo, é notável o papel que o álcool possui na sustentação das dinâmicas patriarcais. Por exemplo – em quantos núcleos familiares o alcoolismo ajudou a manter uma distribuição desigual de poder e pressão? (Todos os escritores deste panfleto podem se lembrar de mais de um caso entre seus parentes). A autodestruição do homem bêbado, produzida, como pode ser, pelos horrores de viver sob o capitalismo, impõe até mais peso sobre a mulher, que deve ainda, de alguma forma, manter a família unida – constantemente em face da violência dele. E na questão das dinâmicas… A Tirania da Apatia “Todo maldito projeto anarquista em que me engajo é arruinado ou quase arruinado pelo álcool. Você


monta uma situação de vida coletiva e todos estão muito bêbados ou chapados para fazer as tarefas básicas, sem falar em manter uma atitude respeitosa. Você quer criar comunidade, mas após o show todos apenas voltam para seus quartos e bebem até a morte. Se não se abusa de uma substância, se abusa de alguma outra. Eu entendo que tentar apagar sua consciência é uma reação natural a ter nascido no alienante inferno capitalista, mas eu quero que as pessoas olhem para o que nós anarquistas estamos fazendo e digam “sim, isso é melhor que o capitalismo!”… o que é difícil de dizer se você não consegue andar sem pisar sobre garrafas quebradas. Eu nunca me considerei um straight-edge, mas foda-se, eu não vou mais continuar com isto!” Já foi dito que quando o famoso anarquista Oscar Wilde ouviu pela primeira vez o velho slogan se é humilhante ser governado, quão mais humilhante é escolher seu governante, respondeu: “se é humilhante escolher o controlador de alguém, quão mais humilhante é ser o próprio controlador de alguém!”[5]. Ele pretendia que isso fosse uma crítica às hierarquias dentro de si próprio assim como no estado democrático, com certeza – mas, tristemente, seu sarcasmo pode ser aplicado literalmente ao modo como alguns de nossos esforços em criar ambientes anarquistas são concluídos na prática. Isso é especialmente verdade quando eles são executados por pessoas bêbadas. Em certos círculos, especialmente naqueles em que a palavra “anarquia” ela mesma é mais costumeira do que qualquer de seus vários significados, liberdade é concebida em termos negativos: “não me diga o que fazer!”. Na prática, isso frequentemente significa nada mais do que uma declaração do direito individual de ser preguiçoso, egoísta, irresponsável por seus atos. Nestes contextos, quando um grupo concorda sobre um projeto, frequentemente acaba sendo uma pequena minoria responsável que precisa fazer todo o trabalho para que ele aconteça. Estes poucos conscienciosos frequentemente parecem despóticos – quando, invisíveis, são a apatia e hostilidade de seus camaradas que os forçam a adotar esse papel. Ser bêbado e desordeiro todo o tempo é coercitivo – força os outros a clarear as coisas por você, a pensar claramente quando você não o fará, a absorver o estresse gerado pelo seu comportamento quando você está muito detonado para um diálogo. Essas dinâmicas vão em duas direções, com certeza – aqueles que assumem toda a responsabilidade em seus ombros perpetuam o padrão em que todos os outros não assumem nenhuma – mas todos são responsáveis por sua própria parte em tal padrão, e em transcendê-lo.


Pense no poder que podemos ter se toda a energia e esforço no mundo – ou talvez apenas sua energia e esforço – que são usadas para beber fossem colocadas em resistência, construção, criação. Tente adicionar a isso todo o dinheiro que os anarquistas de sua comunidade gastaram em beber coletivamente e imagine quanto equipamento musical, dinheiro para fianças ou comida (-not-bombs[6]… ou, foda-se, bombas!) poderiam ter pago – ao invés de financiar suas guerras contra todos nós. Melhor: imagine viver em um mundo onde presidentes viciados em cocaína morrem de overdose enquanto músicos radicais e rebeldes vivem até uma velha e madura idade! Sobriedade e Solidariedade Como em qualquer escolha de estilo de vida, seja vagabundagem ou sindicato, abstenção de álcool pode às vezes ser confundida com um fim, ao invés de um meio. Acima de tudo, é importante que nossas próprias escolhas não sejam um pretexto para nos acharmos superiores aos que fazem escolhas diferentes. A única estratégia para compartilhar boas idéias que infalivelmente obtém sucesso (e isto se aplica aos panfletos cabeça-quente como este também!) é o poder do exemplo – se você colocar a “sobriedade extática” em ação em sua vida e isso funcionar, aqueles que sinceramente querem coisas similares irão se unir. Julgar os outros por decisões que afetam apenas a eles mesmos é absolutamente nocivo a qualquer anarquista – sem mencionar que isso faz deles menos passíveis de experimentar as opções que você oferece. E então – a questão da solidariedade e comunidade com anarquistas e outros que usam álcool e drogas. Propomos que estes são de extrema importância. Especialmente no caso daqueles que estão lutando para libertar a si mesmos de dependências não desejadas, tal solidariedade é suprema: Alcoólicos Anônimos, por exemplo, é apenas mais um exemplo de uma organização quase religiosa satisfazendo uma necessidade social que deveria já ser fornecida pela comunidade anarquista auto-organizada. Como em todo caso, nós anarquistas devemos nos questionar: tomamos nossas posições simplesmente para nos sentir superiores às massas vulgares – ou porque sinceramente desejamos propagar alternativas acessíveis? Ainda, muitos de nós que não somos dependentes de “substâncias” podemos agradecer nosso privilégio e boa sorte por isso; isto nos dá toda a responsabilidade a mais de sermos bons aliados daqueles que não possuem tal privilégio e sorte – ou seja lá quais termos eles usem. Deixe


a tolerância, humildade, acessibilidade e sensibilidade serem as qualidades que alimentamos em nós mesmos, e não o sentimento de superioridade moral ou orgulho. Não à sobriedade separatista! Revolução Então – o que vamos fazer se não formos aos bares, passarmos o tempo em festas, sentarmos nos degraus ou em frente à televisão com nossas garrafas? Qualquer outra coisa! O impacto social da fixação de nossa sociedade no álcool é ao menos tão importante quanto seus efeitos mentais, médicos, econômicos e emocionais. Beber padroniza nossas vidas sociais, ocupando algumas das oito horas por dia que não são já colonizadas pelo trabalho. Ele nos localiza espacialmente – salas, salões de coquetéis, caminhos – e contextualmente – em comportamentos ritualizados e previsíveis – das maneiras mais explicitas que o sistema de controle jamais pôde. Frequentemente, quando um de nós consegue escapar do papel de trabalhador/consumidor, beber está lá, um remanescente teimoso de nosso tempo de lazer colonizado, para preencher o promissor espaço aberto. Livre dessas rotinas, poderíamos descobrir outras formas de usar o tempo e energia e buscar prazer, formas que poderiam provocar riscos ao sistema de alienação. Beber pode ser incidentalmente parte de interações sociais positivas e estimulantes, é claro – o problema é que seu papel central na sociabilidade vigente o apresenta falsamente como o pré-requisito para tais relacionamentos. Isto obscurece o fato de que podemos criar tais interações por nossa vontade, com nada mais que nossa própria criatividade, honestidade e coragem. De fato, sem elas, nada de valor é possível – você já foi a uma festa ruim? – e com elas, nenhum álcool é necessário. Quando uma ou duas pessoas param de beber, isso parece sem sentido, como se eles estivessem destituindo a si mesmos da companhia (ou pelo menos dos hábitos) de seus companheiros humanos por nada. Mas uma comunidade de tais pessoas pode desenvolver uma radical cultura de aventura sóbria e engajamento, que pode eventualmente oferecer oportunidades excitantes de atividades sem bebida e alegria para todos. Os geeks[7] e solitários de ontem podem ser os pioneiros do novo mundo de amanhã: “embriaguez lúcida” é um novo horizonte, uma nova possibilidade para transgressão e transformação que poderia prover solo fértil para revoltas ainda inimagináveis. Como qualquer estilo de vida revolucionário, esse oferece uma amostra imediata de um outro mundo enquanto ajuda a criar um


contexto para ações que apressam sua realização universal. Não à guerra a não ser a guerra de classes – não aos coquetéis a não ser o coquetel molotov! Deixe-nos fermentar[8] nada além dos problemas! Posfácio: Como ler este panfleto Com alguma sorte, você foi capaz de discernir – até, talvez, através dessa névoa de torpor bêbado – que isto é tanto uma caricatura das polêmicas na tradição anarquista quanto uma peça séria. Vale a pena apontar que estas polêmicas têm frequentemente chamado atenção para suas hipóteses por tomar deliberadamente uma posição extrema, com isso abrindo terreno intermediário para posições mais “moderadas” sobre o assunto. Esperamos que você possa extrair discernimentos úteis por si mesmo de suas interpretações deste texto, ao invés de tomá-lo como um mandamento ou como algo amaldiçoado. E tudo isto não é para dizer que não há tolos que rejeitam intoxicar-se, mas você pode imaginar quão mais insuportáveis eles seriam se não rejeitassem? Os chatos seriam ainda chatos, mas mais escandalosos; os fanáticos continuariam a reprovar e fazer longos discursos, enquanto cuspiriam e babariam em suas vítimas! É uma característica quase universal dos bebedores que eles encorajam todos ao redor a beber e que – com exceção do jogo de forças hipócrita entre amantes ou pais e filhos, ao menos – eles preferem que suas próprias escolhas sejam refletidas nas escolhas de todos. Encontramos nisso um indicativo de uma insegurança monumental, não desvinculada da insegurança revelada por ideólogos e recrutadores de todo tipo, de cristão à marxista à anarquista que sinta que não pode descansar até que todos no mundo vejam este mundo exatamente como eles vêem. Enquanto lê, tente combater esta insegurança – e tente não ler isto como uma expressão de nós mesmos, tampouco. Mas, ao invés, na tradição dos melhores trabalhos anarquistas, como um lembrete para todos que escolhem se preocupar com que um outro mundo é possível. Retratação Previsível


Assim como no caso de todos os textos da Crimethinc., este representa apenas as perspectivas de quem concorda com ele neste momento, não a totalidade do CrimethInc. ex-Workers’ Collective ou qualquer outra massa abstrata. Alguém que faz importante trabalho sob o nome do Crimethinc. está provavelmente ficando bêbado no momento em que estou digitando isto – e está tudo bem! Notas [1] N. do T.: As gírias originais perdem o sentido na tradução. Os termos em inglês são: “Sloshed, smashed, trashed, loaded, wrecked, wasted, blasted, plastered, tanked, fucked up, bombed” [2] N. do T.: O texto usa aqui a expressão pie-in-the-sky theory. De acordo com o dicionário isto pode significar tanto falsa promessa quanto desejo inalcançável. O verbo a seguir ébandied, que pode significar tanto espalhar boatos, como alternar ou atirar de um lado para o outro. [3] N. do T.: Imagino que esta frase poderia ficar mais clara. No original está: Those puritans exist all the same in the world drained of all magic and genius by the alcoholism of their fellows (and the capitalism, hierarchy, misery it helps maintain) – the only difference is that they are so self-abnegating as to refuse even the false magic, the genie of the bottle. [4] N. do T.: A frase original é: We want ecstasy as a way of life, not a liver-poisoning alcoholiday from it. O termo alcoholiday diz respeito à alguma ocasião, como uma festa prolongada, um dia de feriado ou mesmo algum dia em que se falta no trabalho em que se bebe grandes quantidades de álcool. [5] N. do T.: “If it’s humiliating to choose one’s masters, how much more humiliating to be one’s own master!” [6] N. do T.: O texto provavelmente se refere ao grupo “Food Not Bombs”, que é um grupo de coletivos independentes que serve alimentação vegetariana às pessoas. Eles defendem a idéia de que as prioridades das corporações e do governo são distorcidas para permitir que a fome persista no meio da abundância. Para demonstrar isto (e reduzir custos), uma grande quantidade de comida servida pelo grupo é de restos de quitandas, padarias e mercados que iriam para o lixo. (adaptado da definição do site Wikipedia).


[7] N. do T.: Geek é uma gíria que define pessoas peculiares ou excêntricas. O uso mais comum referese à pessoas obcecadas por tecnologias, aparelhos eletrônicos e softwares. Porém, hoje, pode ser aplicada a outros tipos de pessoas diferentes da maioria e obcecadas pelos seus gostos, aproximandose da definição de nerd. [8] N. do T.: A expressão original é Let us brew nothing but trouble!. Brew pode ser entendido tanto como remexer, misturar, como fermentar, fazer cerveja. A ambigüidade se perde na tradução. Mesmo a escolha por “fermentar” poderia ser substituída por “remexer”. Fonte: http://ecoveganismo.blogspot.com/2010/02/tr-anarquia-alcool.html

Carta a Mãe África Uma parte da vitória se dá em você convencer pessoas, trazer pessoas que estão no campo oposto pro seu lado, informar a maioria… Em um amplo diálogo, democrático, saudável. Uma outra parte envolve disputa. Uma disputa também democrática, em que um campo que tem poder não vai abdicar daquele poder de jeito algum e você tem que vencer esse grupo. A luta pelas cotas pode dar o exemplo, mas várias outras lutas, de um convencimento de muitas pessoas brancas e negras que formam uma frente e vão lutar. E o núcleo duro fez de tudo e tá fazendo de tudo até hoje, e tá lutando contra as cotas até hoje. Esse é o núcleo que você tem que vencer. Você tem que derrotar ele. Derrotar não significa destruir. Derrotar não significa acabar. Derrotar não significa assassinar. Não significa isso. Quem sempre assassinou e fez genocídio foi a outra parte, não fomos nós. Mas derrotar significa tornar aquele grupo tão pouco poderoso na defesa de suas ideias que ele não consiga evitar o avanço do movimento. Assista: http://vimeo.com/17703365


A experiência vivida do negro - Frantz Fanon Trechos do livro "Pele Negra, Máscaras Brancas" E eis o preto reabilitado, “alerta no posto de comando”, governando o mundo com sua intuição, o preto restaurado, reunido, reivindicado, assumido, e é um preto, não, não é um preto, mas o preto, alertando as antenas fecundas do mundo, bem plantado na cena do mundo, borrifando o mundo com sua potência poética, “poroso a todos os suspiros do mundo”. Caso-me com o mundo! Eu sou o mundo! O branco nunca compreendeu esta substituição mágica. O branco quer o mundo; ele o quer só para si. Ele se considera o senhor predestinado deste mundo. Ele o submete, estabelece-se entre ele e o mundo uma relação de apropriação. Mas existem valores que só se harmonizam com o meu molho. Enquanto mago, roubo do branco “um certo mundo”, perdido para ele e para os seus. Nessa ocasião, o branco deve ter sentido um choque que não pôde identificar, tão pouco habituado a essas reações. É que, além do mundo objetivo das terras, das bananeiras ou das seringueiras, eu tinha delicadamente instituído o mundo verdadeiro. A essência do mundo era o meu bem. Entre o mundo e mim estabelecia-se uma relação de coexistência. Eu tinha reencontrado o Um primordial. Minhas “mãos sonoras” devoravam a garganta histérica do mundo. O branco teve a dolorosa impressão de que eu lhe escapava, e que levava algo comigo. Ele revistou meus bolsos. Passou a sonda na menos desenhada das minhas circunvoluções. Em toda parte só encontrou coisas conhecidas. Ora, era evidente, eu possuía um segredo. (…) Eu me assumia como o poeta do mundo.

O branco tinha descoberto uma poesia que nada tinha de poética. A alma do branco estava corrompida e, como me disse um amigo que ensinou nos Estados Unidos: “Para os brancos, de certo modo, os negros asseguram a confiança na humanidade. Quando os brancos se sentem mecanizados demais, voltam-se para os homens de cor e lhes pedem um pouco de nutrientes humanos”. Enfim eu era reconhecido, não era mais um zero à esquerda. Logo haveria de perder as ilusões. O branco, por um instante baratinado, demonstrou-me que, geneticamente, eu representava um estágio: “As qualidades de vocês foram exploradas até o esgotamento por nós. Tivemos místicas da terra como vocês não terão


jamais. Debruce-se sobre nossa história, e compreenderá até onde foi esta fusão”. Tive então a impressão de repetir um ciclo. Minha originalidade me foi extorquida. Chorei por muito tempo e depois recomecei a vida. Mas era perseguido por uma série de fórmulas desagregadoras: o cheiro sui generis do preto... o relaxamento sui generis do preto...a ingenuidade sui generis do preto... Tinha tentado escapar com subterfúgios, mas os brancos me caíram em cima, cortando meu calcanhar esquerdo. Fiz caminhadas até os limites de minha essência; eles eram, sem dúvida alguma, estreitos. Foi então que fiz a mais extraordinária das descobertas, aliás, propriamente falando, uma redescoberta. Revirei vertiginosamente a antiguidade negra. O que descobri me deixou ofegante. No seu livro L’abolition de l’esclavage, Schoelcher nos trouxe argumentos peremptórios. Em seguida Frobenius, Westermann, Delafosse, todos brancos, falaram em coro de Ségou, Djenné, cidades de mais de cem mil habitantes. Falaram dos doutores negros (doutores em teologia que iam a Meca discutir o Alcorão). Tudo isto exumado, disposto, vísceras ao vento, permitiu-me reencontrar uma categoria histórica válida. O branco estava enganado, eu não era um primitivo, nem tampouco um meio-homem, eu pertencia a uma raça que há dois mil anos já trabalhava o ouro e a prata. (…) Eu colocava o branco no seu lugar; encorajado, eu o enfrentava e jogava-lhe na cara: adapte-se a mim, eu não me adapto a ninguém! Sacaneava abertamente. O branco, visivelmente, bronqueava. Mas seu tempo de reação ia ficando cada vez mais lento... Eu tinha ganho. Exultava. “Deixe pra lá sua história – disseram-me então – deixe suas pesquisas sobre o passado e tente adaptar-se ao nosso passo. Em uma sociedade como a nossa, extremamente industrializada, científica, não há mais lugar para a sua sensibilidade. É preciso ser duro pra vencer na vida. Não se trata mais de jogar o jogo do mundo e sim de sujeitá-lo a golpes de integrais e de átomos”. Claro, de vez em quando diziam-me também: “Quando estivermos cansados da vida em nossos arranha-céus, iremos até vocês como vamos às nossas crianças... virgens...atônitas... espontâneas. Iremos até vocês que são a infância do mundo. Vocês são tão verdadeiros nas suas vidas, isto é, tão folgados... Deixemos por alguns momentos nossa civilização


cerimoniosa e educada e debrucemo-nos sobre essas cabeças, sobre esses rostos adoravelmente expressivos. De certo modo, vocês nos reconciliam com nós próprios”. Assim, a meu irracional, opunham o racional. A meu racional, o “verdadeiro racional”. Eu sempre recomeçava um jogo previamente perdido. Experimentei minha hereditariedade. Fiz um balanço completo de minha doença. Queria ser tipicamente negro – mas isso não era mais possível. Queria ser branco – era melhor rir. E, quando tentava, no plano das idéias e da atividade intelectual, reivindicar minha negritude, arrancavam-na de mim. Demonstravam-me que minha iniciativa era apenas um pólo na dialética: Mas a coisa pode ser mais séria ainda: o negro, nós o dissemos, cria para si um racismo antiracista. Ele não deseja de modo algum dominar o mundo: ele quer a abolição dos privilégios étnicos, quaisquer que sejam eles; ele afirma sua solidariedade com os oprimidos de qualquer cor. De repente a noção subjetiva, existencial, étnica da negritude “passa”, como diz Hegel, para aquela – objetiva, positiva, exata – do proletariado. (…) Contra o devir histórico, deveríamos opor a imprevisibilidade. Eu tinha necessidade de me perder absolutamente na negritude. Talvez um dia, no seio desse romantismo doloroso... Em todo caso, tinha necessidade de ignorar. Essa luta, essa recaída, deviam ser levadas às últimas conseqüências. Nada mais desagradável do que esta frase: “Você mudará, menino, quando eu era jovem eu também...Você verá, tudo passa...” A dialética que introduz a necessidade de um ponto de apoio para a minha liberdade expulsa-me de mim próprio. Ela rompe minha posição irrefletida. Sempre em termos de consciência, a consciência negra é imanente a si própria. Não sou uma potencialidade de algo, sou plenamente o que sou. Não tenho de recorrer ao universal. No meu peito nenhuma probabilidade tem lugar. Minha consciência negra não se assume como a falta de algo. Ela é. Ela é aderente a si própria. (…) O coração me faz girar a cabeça. Um estropiado da guerra do Pacífico disse a meu irmão: “Aceite a sua cor como eu aceito o meu membro amputado; somos dois acidentados”. Apesar de tudo, recuso com todas as minhas forças esta amputação. Sinto-me uma alma tão vasta quanto o mundo, verdadeiramente uma alma profunda como o mais profundo dos rios, meu peito tendo uma potência de


expansão infinita. Eu sou dádiva, mas me recomendam a humildade dos enfermos... Ontem, abrindo os olhos ao mundo, vi o céu se contorcer de lado a lado. Quis me levantar, mas um silêncio sem vísceras atirou sobre mim suas asas paralisadas. Irresponsável, a cavalo entre o Nada e o Infinito, comecei a chorar.

Marcus Garvey Trecho do texto “Booker T. Washington, W.E. Dubois e Marcus Garvey, Três paradigmas afro-americanos para uma análise afro-brasileira” de Fábio Mandingo.

Marcus Mosiah Garvey Jr., nasceu em St. Ann Bay, Jamaica, em 17 de Agosto de 1887. Seu pai era um Mestre marceneiro que apesar de não possuir educação formal, possuía uma ampla biblioteca o que lhe proporcionou o prematuro contato com as letras. Garvey estudou na Escola Anglicana de Gramática, ainda em St Ann Bay, graduando-se também no Ginásio da Igreja da Inglaterra. Aos catorze anos, a instabilidade financeira de sua família obrigou-o a deixar a escola e tornar-se aprendiz das artes gráficas com seu avô, Mr. Burrowes. Nesse período Garvey pode utilizar-se da grande biblioteca do avô, alem de adquirir os conhecimentos jornalísticos que posteriormente seriam necessários para a preparação de jornais e revistas. Aos vinte anos Garvey já se tornara mestre gráfico, mas o seu envolvimento com as greves por melhores salários durante a crise que assolou a Jamaica na primeira década do séc XX, custou-lhe o emprego e a carreira na Benjamim Company, em Kingston. De todo modo, esse momento, marca o início do reconhecimento de Marcus enquanto líder para os trabalhadores de descendência africana, e através da fundação de dois jornais o “Garvey’s Watchman” ( Observatório de Garvey) e o “ Our Own” ( Nosso Mesmo), consegue fundos para devotar todo o seu tempo para o trabalho editorial e a organização da população negra da Jamaica. Durante os anos da década de 10, Garvey viaja para a Costa Rica, Panamá, Nicarágua, Honduras, Colômbia e Venezuela, trabalhando como peão em fazendas de banana e cana de açúcar. Nessas viagens, testemunha a realidade de exploração, humilhação e miséria em que


se encontravam os trabalhadores negros e o povo negro em geral em todo o Caribe e parte norte da América do Sul. Alem disso, privou contato com diversos homens que haviam sido soldados nos exércitos europeus durante as guerras colonialistas, após a Conferência de Berlin em 1884, quando uma Europa faminta por matérias primas africanas, dividiu o controle do continente negro entre Inglaterra, Alemanha, França, Itália, Bélgica, Espanha e Portugal. Esses homens haviam sido recrutados pelos regimentos das Índias Ocidentais e utilizados para expulsar as populações nativas e roubar os seus territórios, e puderam relatar a Garvey a situação degradante vivenciada em África. Em 1914, Garvey Funda a Universal Negro Improvement Association , UNIA ( Associação Universal para o Progresso Negro). Entidade que seria por toda a sua vida o carro chefe de suas atividades enquanto liderança negra. Durante os anos de 1912 e 1913, Garvey havia viajado para a Inglaterra, e durante essa estadia pôde aprofundar os seus conhecimentos sobre história da África Antiga, recursos naturais, política internacional e colonialismo, mantendo uma estreita relação com o intelectual egípcio Duse Mohamed Ali. Em 1915, a convite de Booker T. Washington, viaja para os Estados Unidos com o intuito de conhecer de perto o Instituto Tuskgee, fundado por Booker T., cujo modelo Garvey pensava em adaptar para a Jamaica. No entanto, Washington viria a falecer em Novembro de 1915 e Garvey somente consegue chegar aos Estados Unidos em Marco de 1916. Após alguns meses de contato, Garvey decepciona-se com as lideranças negras norte-americanas e começa a viajar por todos os estados, palestrando, discursando e fundando sedes da UNIA. Essas sedes, chamadas de “salas da Liberdade”, eram espaços pra encontros dominicais, aulas, reuniões políticas, shows, festas, distribuição de alimentos e caridade aos sem teto. Em 1919, a Unia funda a Black Star Line Company, uma frota de navios de transporte coletivo interamericano, em resposta às leis de segregação e aos maus tratos nos navios convencionais. Em 1920, organiza a convenção Internacional de Pessoas Negras no Mundo, realizada em Nova York, com o tema “África Para os Africanos”, contando com a participação de milhares de representantes do povo negro. Entre outras coisas, a UNIA foi responsável pela fundação da “Corporação de Empresas Negras” em 1919, com o intuito de criar a semente de um capitalismo negro e garantir que empresas negras pudessem suprir todas as necessidades usuais da comunidade, como lanchonetes, lavanderias, rouparias, publicações, etc. A corporação foi fundadora da primeira fábrica de bonecas negras que se


tem noticia. Em 1920, o conselho executivo da UNIA, debruçou-se também sobre a idéia de um projeto de repatriação de negros africanos para a África, projeto que não foi à frente devido a pressão exercida pelo estado americano sobre o governo da Libéria, no sentido de impedir sua realização. Obviamente, o projeto da UNIA e de Garvey, em sua essência, o soerguimento da raça negra enquanto poder político e econômico autônomo, sobre as bases de uma unidade cultural etnocêntrica e um discurso de nacionalismo africano, tornara-se uma pedra no sapato, não somente do governo dos Estados Unidos9, mas também das próprias lideranças negras americanas democratas e mesmo de esquerda, comprometidas com o discurso de integração e acomodação da população negra enquanto cidadãos americanos. Ainda mais se considerarmos que por volta de 1926, a UNIA era representada por 725 sedes nos Estados Unidos e por 271 outras através do mundo, incluindo algumas em solo africano totalizando mais que sete milhões de afiliados, que gerenciavam um patrimônio de vários milhares de dólares. Foram justamente essas lideranças negras norte-americanas, principais responsáveis pela incansável campanha conduzida contra Garvey e UNIA, que reforçada pelo Governo Federal, culminaria com a prisão de Marcus Garvey em 1925 sob a acusação de fraude postal, e sua deportação em 1927, após dois anos e nove meses de cárcere. Garvey continuou, no entanto, com o seu trabalho na Jamaica e em outros países, até que um derrame cerebral, paralisou todo o lado direito de seu corpo em 1940. Garvey veio a falecer um mês depois, no dia 10 de junho de 1940. “ Perguntei: Onde esta o governante negro, onde esta o seu rei e o seu reino?” “ O seu presidente, seu pais e seu embaixador?” “ Sua marinha, seu exercito, seu líder?” “ Não pude achá-los e então eu declarei: Eu ajudarei a fazê-lo!!” Marcus Mosiah Garvey, não tinha nada a ver com o sonho americano, e sua chegada aos Estados Unidos teve o efeito atordoante de um terremoto. Muito desse impacto se deve diretamente a força da sua personalidade, era um homem de ação, imbuído na missão de fazer o seu tempo. Um preto forte, retinto, acostumado a assumir o papel de liderança desde os catorze anos de idade, quando coordenava o trabalho de dezenas de homens adultos nas oficinas gráficas do Sr Burrowes. Garvey estava impressionado com o que vira em suas viagens pelo Caribe e América do Sul, e mais ainda com os


relatos que ouvira durante sua estadia na Inglaterra, sobre a realidade do massacre colonial em África. Havia um sentimento de urgência em sua mente, responsável pelo contato com Booker T. Washington, cujo livro “Up From Slavery” inspirara em Garvey o desejo de implementar na Jamaica algo semelhante ao Tuskgee Institute. Foi o próprio Washington quem o convidou e financiou para que visitasse Tuskgee, mas quando Garvey desembarca nos Estados Unidos em março de 1916, já faziam vários meses que Washington falecera no inverno de 1915. Marcus, no que tange ao nosso estudo, não representava nem a postura conciliadora de Booker T. Washington sulista, e nem o negro democrata integracionista encarnado por W. E. Dubois e o NAACP. Era fundamentalmente um homem negro do hemisfério sul, posteriormente compreendido como 3º mundo, região sobre a qual os Estados Unidos já ensaiavam a sua política de hegemonia imperialista, tendo se apossado militarmente da região onde fora construído o Canal do Panamá, em 1913, um ano após intervir na Nicarágua, em 1912. Os Estados Unidos ainda ocuparam o Haiti em 1915 e Santo Domingo em 1916, e, além disso, o exército americano apoiara as forças sul-africanas, no controle das áreas do sudoeste do continente. Garvey não alimentava ilusões de que tal projeto político pudesse incluir em suas entranhas, vias para que o povo negro alcançasse o status de cidadania ou uma posição de isonomia social, a partir da qual pudesse desenvolver livremente o seu potencial, com direito à condução do seu próprio destino. Para ele, o homem branco nunca abriria mão de sua posição de privilégio. Acreditava que o povo negro deveria optar por construir uma relação de respeito através da conquista de poder, e de um poder direcionado, não para o direito de tornar-se branco dos raciais-democratas, mas para o direito de construir suas próprias estruturas, suas próprias nações, se necessário fosse, devendo-se ressaltar ser a idéia de retorno à África uma das temáticas recorrentes do discurso de Garvey, o que não o afastou, no entanto do exercício da construção do poder negro, onde quer que estivesse. Para isso seria necessária, a estruturação de um movimento de capitalismo negro muito proximamente similar às organizações financeiras/comerciais que imperavam entre as comunidades italianas, irlandesas, alemães e judias, entre outras, e que iriam se tornar o modelo das relações raciais na América. Esse modelo estabelece um determinante racial para as relações entre investimento-produção-comércio-emprego-consumo, que possibilita a circulação de renda e lucro dentro da própria comunidade, apta para posteriormente


reinvestir esse lucro, gerando melhorias coletivas, além de incrementar a unidade cultural e os laços de solidariedade entre determinado povo. A poderosa oratória do líder jamaicano atraía aos milhares os negros americanos que fugiam em massa da nova onda racista que assolava o Sul, bem como os negros do Norte, cada vez mais desesperados de que conseguiriam conquistar desenvolvimento através de políticas parlamentares, em um regime marcado pela corrupção e pelo supremacismo branco. Todos estavam eletrizados com o discurso do homem que bradava para as multidões: “O novo negro não tem medo!, “África para os Africanos!”, Um povo, uma missão, um destino!”, “Erga sua poderosa raça!” Garvey foi um dos principais precursores e divulgadores do nacionalismo negro e do panafricanismo, doutrina que pregava a união de todo o povo negro, em África e na diáspora, em prol do resgate de sua herança histórica e cultural, para além de quaisquer fronteiras ou diferenças lingüísticas. Incluía o povo negro do mundo em um projeto bem maior que a simples reivindicação de melhorias sociais. Para Garvey era evidente a necessidade de que o controle político econômico e militar do continente africano estivesse nas mãos dos próprios africanos para que se operasse a reconstrução do continente enquanto lar e referência do seu povo, de modo a que seus filhos não mais necessitassem mendigar aceitação na sociedade branca, mas que pudessem relacionar-se em pé de igualdade, respeitados em suas diferenças, com qualquer outro povo sem que a sua integridade fosse ameaçada ou questionada. Garvey representou o sonho e as frustrações da classe trabalhadora negra em desenvolvimento e suas palavras e ações permanecem vivas e poderosas até os dias atuais, tendo influenciado toda uma geração de lideranças negras, como Malcom X, os Panteras Negras, Abdias do Nascimento, e mesmo os principais líderes dos movimentos independentistas que eclodiram em África desde meados dos anos 50, como Kwame N’Krumah, Sekou Touré, Patrick Lumumba, Julius Nyerere, Ahmed Ben Bella, Kallel Abdel Nasser e Hailé Selassieh, sobre o qual Marcus Garvey profetizou sua coroação em 1925. Fonte: https://quilombouniapp.wordpress.com/2011/12/22/booker-t-washington-w-e-dubois-e-marcusmosiah-garvey/


John (Fire) Lame Deer Antes dos seus irmãos brancos chegarem para nos tornarem homens civilizados, nós não tínhamos nenhum tipo de prisão. Por causa disso, nós não tínhamos delinquentes. Sem uma prisão não pode haver delinquentes. Nós não tínhamos trancas ou chaves e e consequentemente entre nós não havia ladrões. Quando alguém era tão pobre que não poderia ter um cavalo, uma barraca ou um cobertor, ele iria, nesse caso, receber tudo isso como presente. Nós éramos muito não-civilizados pra dar importância para a propriedade privada. Nós conhecíamos nenhum tipo de dinheiro e consequentemente o valor de um ser humano não era determinado pela sua riqueza. Nós não tínhamos leis estabelecidas, nem advogados, nem políticos, portanto nós não podíamos enganar ou fraudar uns aos outros. Nós estávamos realmente numa má condição antes do homem branco chegar e eu não sei como explicar como nós éramos capazes de nos manter sem essas coisas fundamentais que (assim eles nos dizem) são tão necessárias para a sociedade civilizada.

Abdias do Nascimento e o Surgimento de um Pan-Africanismo Contemporâneo Global Carlos Moore Wedderburn Abdias do Nascimento e a "Poder Negro" nos Estados Unidos Quando Abdias do Nascimento chegou aos Estados Unidos, em 1968, aquele país estava em meio a uma grave convulsão sócio-racial criada pelo crescimento de várias tendências de um amplo movimento conhecido pelo nome de Black Power (Poder Negro). Basicamente, esse movimento foi produto do ativismo mobilizador de líderes carismáticos como Martin Luther King (assassinado em 1965), Robert Williams (exilado em Cuba em 1961), Huey P. Newton (fundador dos Panteras Negras), Stokely Carmichael (líder estudantil que cunhou o termo Poder Negro, e que mais tarde adotaria o nome de Kwame Touré) e Maulana Ron Karenga (dirigente do movimento US). A divisão era a característica


predominante dessas correntes de reivindicação afro-norte-americanas, embora elas tenham impulsionado causas similares no mundo inteiro, incluindo os movimentos feministas e o próprio movimento estudantil de maio de 1968 na França. Nascimento não perdeu tempo em tomar posição a favor dessas lutas sócio-raciais nos Estados Unidos, embora sob o perigo de ser expulso. Seu gesto provocou uma reação de carinho desses movimentos pelo solitário exilado negro vindo de uma terra que até então desconheciam. Na realidade, foi na pessoa de Abdias do Nascimento, e graças à flexibilidade que o caracteriza tanto na ação política quanto na vida privada, que se estabeleceu pela primeira vez uma ponte entre o movimento social negro norte-americano e aquele que surgia, embora balbuciante, na América Latina, principalmente no Brasil. Homem simples, flexível, alérgico por natureza aos dogmatismos e sectarismos, espontâneo, alegre - sem dúvida, essas características, que Nascimento carregou por onde tenha passado, lhe permitiram desempenhar um papel de conciliador num momento em que o movimento negro norte-americano, dividido em meia dúzia de correntes antagônicas, chegou até a protagonizar dramáticas situações sangrentas. (Por exemplo, a luta feroz entre o partido dos Panteras Negras, marxista, e o movimento nacionalista negro US, de Maulana Karenga, causou a morte de várias dezenas de valiosos militantes dos dois lados.) O quadro não era menos complexo - e sangrento - na África, no Caribe e no Pacífico, onde correntes pan-africanistas contrárias disputavam o poder dentro de movimentos de libertação nacional com aspirações a dirigir futuros Estados (MPLA, FNLA e UNITA em Angola; PAC, ANC, Movimento da Consciência Negra, de Steve Biko, e Inkhata na África do Sul; Frelimo e Renamo em Moçambique; facções rivais no interior do PAIGC, na Guiné-Bissau). De maneira geral, o esquema da situação mundial nas décadas de 1950, 1960, 1970 e 1980 estava definido pela Guerra Fria entre os blocos ideológicos comunista e capitalista. A partir dos anos 40, essa situação já começara a causar verdadeiros estragos no seio de todas as vertentes do movimento pan-africanista mundial. O pan-africanismo como proposta A grande Revolução do Haiti, em 1804, desencadeou de modo espetacular o movimento pan-africanista mundial, que se intensificou nas Américas a partir das aspirações abolicionistas e pós-abolicionistas e da luta contra a tutela colonial e imperial na África, no Caribe e no Pacífico. Esse movimento começou a se articular como posicionamento político e intelectual no fim do século XIX (Edward W. Blyden, Booker T.


Washington, W. E. B. Du Bois) e celebrou em Londres, em 1900, a sua primeira Conferência, sob a liderança de Sylvester Williams. A partir dos anos 20, uma segunda e poderosa vertente, fundada por Marcus Garvey, ganhou força em escala mundial como nenhuma outra. O garveísmo se batia pelo estabelecimento de um bastião econômico, político e cultural soberano na África continental e pela constituição paralela de forças políticas e econômicas nacionais na diáspora das Américas, do Caribe e do Pacífico. Uma terceira vertente, a da Négritude, surgiu no mundo francófono, também nos anos 20, a partir do trabalho mobilizador e da teorização da racialidade como resposta ao racismo por intelectuais militantes como Aimé Césaire, Léon Damas, Léopold Sédar Senghor, René Maran, Lamine Senghor, Tiemoko Garan Kouyate, Kojo Touvalou Houenou e os intelectuais da Harlem Renaissance nos Estados Unidos. Abdias do Nascimento e a guerra fria Quando Abdias do Nascimento entrou em contato com as três vertentes do pan-africanismo mundial, elas estavam fortemente divididas em facções pró-comunistas, pró-capitalistas e "nacionalistas". Dado o apogeu do comunismo em escala mundial - a existência de um poderoso bloco de Estados comunistas no Leste Europeu e na Ásia, o inquestionável prestígio e a influência internacional da Revolução marxista em Cuba e o fato de os próprios Estados progressistas e movimentos de libertação na África, no Caribe e no Pacífico terem optado pelo marxismo como ideologia - , as idéias marxistas tinham uma preponderância esmagadora no seio das três vertentes pan-africanistas. Esse era o quadro mundial em que Nascimento se inseriu ao sair do Brasil em 1968, e foi dentro desses parâmetros convulsos que ele teve de desenvolver sua própria luta por mais de uma década. Que posições ele tomou nessa teia de aranha ideológica e política? Minoritária, desprezada como tendência de negros "racistas" e "incultos", a facção "nacionalista" (Patrice Lumumba, Aimé Césaire, Cheikh Anta Diop, Malcolm X, Steve Biko), com a qual Nascimento se identificou sem vacilar, estava sob cerco em todos os cantos nas décadas de 1960, 1970 e 1980. A rejeição dos blocos ideológicos, quaisquer que fossem, levou Nascimento naturalmente para a posição da "terceira via", surgida em 1955 a partir da Conferência de Bandung. A "linha de Bandung", trazida pelos países afro-asiáticos recém-independentes, consistiu na elaboração de uma política exterior de "não-alinhamento" e de "neutralismo positivo" entre o comunismo e o capitalismo. Nascimento se


identificou de maneira natural com essa corrente, não tanto por ser ele próprio de posição centrista, mas por rechaçar vigorosamente tanto o comunismo quanto o capitalismo como soluções para os problemas específicos dos povos de raça negra. A 'oficialização' do projeto pan-africanista As décadas de 1960 e 1970 formaram o grande período da descolonização do continente africano, do Caribe e do Pacífico melanésico (Vanuatu, Fiji, Papua Nova Guiné, Ilhas Salomão, Timor Leste). No Caribe, o projeto federacionista, impulsionado principalmente pelo pensador pan-africanista Eric Williams, de Trinidad, abortou, e os países anglófonos da região se tornaram independentes individualmente num clima de antagonismo mútuo. Na África, também, todos os projetos federacionistas foram a pique. Por sua vez, quando foi formada a Organização da Unidade Africana (OUA), em Adis Abeba, Etiópia, em 1963, ela sacramentou as fronteiras herdadas da colonização, abrindo assim as portas a uma lógica inevitável que conduziria às espantosas guerras civis de Biafra, na Nigéria, de Eritréia, no leste da África, e de Ruanda e Burundi, na zona dos grandes lagos, entre outras. No Pacífico e no Caribe, o processo se deu da mesma forma. Como conseqüência de todo esse processo, o pan-africanismo foi rapidamente confiscado por elites de estado, eurocêntricas e emburguesadas, fosse para seus próprios propósitos nacionais, fosse para servir de instrumento na competição entre Estados. Essa oficialização do pan-africanismo anunciava a sua degeneração como projeto de libertação de povos; e mais uma vez, incansavelmente, a voz de Abdias do Nascimento se levantaria para ratificá-lo. As conferências pan-africanas de Kingston, Dar-es-Salaam, Lagos e Dacar Logo depois de se exilar, o primeiro encontro internacional de que Abdias do Nascimento participou foi a Conferência Pan-Africana Preparatória de Kingston, Jamaica, em 1973. Ele chegou a Kingston por conta própria, viajando apenas com um visto de residência americano e envolto numa crescente perseguição pela ditadura militar brasileira, que já havia retirado o seu passaporte. Ali ele definiu sua visão de um pan-africanismo global, independente dos blocos ideológicos e includente da mulher no pleno sentido da palavra. Em Kingston, ele teria como principal adversário Marcus Garvey, Jr., o próprio filho do fundador do pan-africanismo diaspórico-continentalista. Mas também teria como aliada a ilustríssima Amy Jacques


Garvey, viúva de Marcus Garvey. Foi emocionante ver essa senhora, aos 83 anos e somente quatro meses antes de sua morte, concordar com Abdias do Nascimento, denunciar como "aberrações" as posições de seu filho e ratificar o caráter mundialista do pan-africanismo definido por Marcus Garvey, assim como o novo papel que o gênero feminino estava destinado a cumprir nas tarefas libertárias desse movimento. O pleito surgiu quando Marcus Garvey, Jr. pediu que fosse expulsa da conferência a representante da Ásia e do Pacífico, Roberta Sykes, uma aborígene australiana, sob o pretexto de que somente as populações negras diretamente oriundas da África - com exceção dos dravídios da Índia meridional e dos melanésios do Pacífico - teriam direito a participar de reuniões pan-africanas. Hoje em dia, coisas como essas até poderiam parecer ridículas ou impossíveis, mas naquela ocasião deram lugar a polêmicas dolorosas, desagregadoras e vergonhosas. O pan-africanismo mundialista de Nascimento se expressou de novo no 6º Congresso Pan-Africano, realizado em 1974 em Dar-es-Salaam, Tanzânia. Dessa vez, chocou-se com as propostas da vertente pró-comunista e marxista do chamado pan-africanismo de Manchester (assim denominado porque o local de realização do 5º Congresso Pan-Africano, em 1945, foi a cidade de Manchester na Inglaterra), que envolvia nomes como Sekou Touré, Julius Nyerere, Kwame Nkrumah, Agostinho Neto, Amílcar Cabral, Oliver Tambo, Marcelino dos Santos, Angela Davis, Walter Rodney, Maurice Bishop, René Depestre, Bernard Choard. Naquele momento, esses grandes pensadores negros já tinham convertido o pan-africanismo em correia de transmissão do comunismo para os povos do Continente Africano e para os seus descendentes na América do Norte, na América do Sul e no Caribe. (O sangrento fim do regime marxista de Maurice Bishop e de Bernard Choard, em Grenada, foi a mais grave indicação desse fato.) Abdias do Nascimento se opusera de forma vigorosa a essa marxização do movimento pan-africanista "de Manchester" - mesmo essa tendência majoritária sendo representada por chefes de Estado e prestigiosos dirigentes de movimentos de libertação nacional - e proclamara que o mundo africano deveria encontrar sua própria identidade ideológica, baseada na experiência histórica dos povos africanos do continente, assim como na experiência das suas diásporas das Américas, do Caribe e do Pacífico. Essa mesma ótica orientou novamente a atuação de Abdias, agora no seio de um foro pan-africanista da Négritude, reunido em 1977 no Festival Mundial das Artes e Culturas Negras e Africanas, em Lagos,


Nigéria. No Colóquio, locus de debates intelectuais e políticos do Festival, Nascimento se opôs à proposta da Nigéria e seus aliados, entre eles a ditadura militar do Brasil, os países da Liga Árabe e Cuba. Em sua essência, o posicionamento desse bloco de países significava a destruição do panafricanismo ao colocá-lo sob a tutela de um movimento árabe-africano pretensamente ecumênico do qual estaria ausente por completo toda colocação sócio-racial. Abdias apoiou a posição do Presidente Léopold Sédar Senghor, um dos fundadores do pan-africanismo da Négritude, segundo a qual o problema da identidade cultural e racial específica constitui uma reivindicação fundamental do movimento dos povos historicamente submetidos à alienação racial e à escravatura. Cumpre ressaltar aqui que Nascimento expressou essas posições na própria Nigéria, colocando em risco sua segurança pessoal, pois vários Estados africanos, principalmente a ditadura nigeriana do General Yakubu Gowon e, depois, do General Olusegun Obasanjo, já tinham entrado em acordo com a junta ditatorial do Brasil a fim de excluí-lo de qualquer encontro internacional em solo africano. Aliado às posições do Presidente Léopold Sédar Senghor em Lagos, Nascimento antes se opusera a ele em seu próprio país, o Senegal. Durante o Colóquio Internacional de Intelectuais Negros, realizado em 1976, denunciara o desvio "assimilacionista" da "Négritude senghoriana". Em Dacar, ele havia defendido as propostas de Aimé Césaire e Cheikh Anta Diop pela estruturação política de uma Négritude funcional, atenta às verdadeiras necessidades dos povos e inimiga da exploração sócio-econômica. Também pugnara pela obrigatoriedade da defesa da soberania nacional e da solidariedade com as lutas de todos os povos do mundo que também sofriam com a exploração e com o racismo, tais como os povos indígenas das Américas. Os Congressos de Cultura Negra das Américas e a cúpula de Miami sobre a Négritude Da Nigéria, Nascimento seguiu diretamente à Colômbia, para participar do 1º Congresso de Cultura Negra das Américas a convite do antropólogo e romancista Manuel Zapata Olivella. Ele defendeu naquele certame a mesma linha de posicionamento pan-africanista. Denunciou a política externa do Brasil no processo de descolonização da África e na manipulação da imagem de "paraíso racial" na condução de uma aproximação econômica de cunho capitalista e neo-imperialista cujo beneficiário exclusivo seria a elite dominante no Brasil. Em 1980, teve participação destacada no 2º Congresso de Cultura Negra das Américas, realizado no Panamá sob a coordenação do poeta e sociólogo Gerardo


Maloney. Eleito vice-presidente do Congresso, ficou encarregado da realização, no Brasil, do 3º Congresso. Ao voltar a seu país em 1981, no momento da abertura política, organizou o 3º Congresso de Cultura Negra das Américas, realizado nas dependências da PUC, São Paulo, em agosto de 1982. No âmbito de sua atuação política e intelectual, em particular no contexto desses três Congressos, Nascimento desenvolvia e expunha suas idéias sobre a natureza do modelo latino-americano de relações sócio-raciais. Esses três Congressos constituíram os primeiros eventos desse tipo na América Latina e ficarão na história dos povos dessa região como momentos marcantes em que o movimento pan-africano, com suas três vertentes agora reconciliadas, fincou novas raízes neste hemisfério. Em parte como conseqüência disso, em 1987 se realizou em Miami uma Conferência sobre a Négritude, a Cultura e a Etnicidade nas Américas. Nessa Conferência, Nascimento se posicionou realçando que as soluções dos problemas dos povos africanos, no continente como nas suas diásporas, encontravam-se enterradas no seio de seu próprio mundo. A singular experiência histórica dos povos afrodescendentes no Continente e na diáspora, afirmava ele, jamais poderá ser desvalorizada, pois ela imprimiu uma textura particular às lutas de reivindicação dos povos negros. Ao mesmo tempo, essa experiência exige uma leitura social particular, identificando no racismo a fonte de múltiplas formas de opressão e no referencial da identidade cultural e racial específica a dinâmica libertária dos povos atingidos pelo racismo. O papel dos intelectuais africanos e afrodescendentes, disse Abdias àquela platéia, era contribuir na busca de caminhos nunca percorridos a fim de reinventar a sociedade. Dois anos após essa fala se produziu a assombrosa queda do bloco comunista-marxista, provocando o início de uma séria reavaliação política e ideológica do movimento pan-africanista como um todo, tarefa ainda mais urgente diante dos graves problemas econômicos, das terríveis guerras intestinas, das desagregadoras lutas pelo poder, sem falar das epidemias gigantescas, que fustigam o Continente Africano, assim como as suas diásporas nas Américas, no Caribe e no Pacífico. O "nascimentismo": um pan-africanismo global de transição Ao sair do seu país para o exílio, em 1968, Nascimento penetrou diretamente numa situação mundial marcada por fortes correntes políticas, no nível dos Estados, que ele teve de assumir ou rejeitar quase


de imediato. Em primeiro lugar, o mundo estava dividido entre dois blocos, comunista e capitalista. Ele não se alinhou com nenhum deles. No seio do pan-africanismo, ele foi igualmente obrigado a operar uma seleção imediata entre as três grandes vertentes históricas desse movimento, assim como entre as diversas correntes que se agitavam no interior de cada uma delas. No momento em que Nascimento começou a atuar na arena internacional, o pan-africanismo era uma força desgastada e em plena bancarrota como expressão dos anseios dos povos negros em geral. Ora absorvido pela poderosa dinâmica do movimento comunista internacional (maoísmo, castrismo, leninismo, stalinismo, trotsquismo...); ora desacreditado pelas próprias práticas das elites negras que assumiram o comando de Estados soberanos na África, no Caribe e no Pacífico nas décadas dos 1960 e 1970; ora pervertido pelos sectarismos e extremismos de membros de sua faixa "nacionalista" - o panafricanismo como tal encontrava-se num processo de decadência intelectual justo no momento em que mais as lutas dos povos afrodescendentes dele precisavam como instrumento de combate. Mas a preocupação maior naquele momento tinha-se voltado à redefinição de uma linha de conduta política e cultural capaz de sustentar as lutas específicas dos povos e comunidades afrodescendentes de todo o mundo. O ambiente internacional, marcado pela bipolarização ideológica e estratégica entre blocos, e pela crescente distância entre as possibilidades econômicas e tecnológicas do Norte em relação ao Sul, tinha se tornado demasiado complexo para as idéias programáticas já obsoletizadas do velho panafricanismo de início do século. A primeira contribuição de Abdias do Nascimento a esse propósito de renovação ideológica foi a introdução da experiência diferenciada dos povos afrodescendentes da América Latina no grande debate sobre a composição de uma nova sociedade. Assim, a discussão da questão racial ganhou nova dimensão intelectual e teórica com as teses "nascimentistas" sobre o modelo sócio-racial ibero-latino. No fim das contas, qual teria sido a relação de Nascimento com as três vertentes do pan-africanismo mundial? Sem dúvida, ele tinha afinidades marcadas com o pan-africanismo "diaspóricocontinentalista" (Marcus Garvey, Malcolm X, Maulana Ron Karenga, Elijah Muhammed, Patrice Lumumba), e se identificou de imediato com essa vertente. Mas também combateu com vigor os extremismos e sectarismos que a minavam. Como homem de letras e artista, Nascimento se identificou de maneira natural e espontânea com o pan-


africanismo político-cultural da Négritude. Essa vertente baseava-se na noção de uma identidade africana específica de cunho racial e cultural globalista e na proposta de uma independência nacional sustentada num amplo e permanente processo de desalienação psíquico-cultural (Aimé Césaire, Léon Damas, Léopold Sédar Senghor, Cheikh Anta Diop, Frantz Fanon, Alioune Diop). Ele discordava das tendências assimilacionistas da corrente "senghoriana", que combateu sem hesitações como perigosa aberração. Mais complexas foram as relações de Nascimento com o chamado pan-africanismo de Manchester, aquele que surgiu ao começo do século XX com a realização, em Londres, da Primeira Conferência PanAfricana, organizada por Sylvester Williams, advogado de Trinidad, e W. E. B. Du Bois, cientista político, sociólogo e historiador negro norte-americano. O pan-africanismo de Manchester (Sylvester Williams, W. E. B. Du Bois, George Padmore, Caseley Hayford, Nnamdi Azikwe, Jomo Kenyatta, C. L. R. James, Eric Williams, Ras Makonnen) se definiu desde o início como "continentalista", o que era lógico em razão da pavorosa exploração e dominação colonial em que a África se encontrava submersa. Entretanto, com a independência dos países africanos e a sua consolidação, a "subordinação estratégica" das lutas das diásporas africanas das Américas, do Caribe e do Pacífico à luta pela independência começou a perder seu caráter de exigência estratégica. Abdias do Nascimento impugnou de imediato a noção de que as diásporas teriam de desempenhar um papel secundário, logístico, como ocorria com os judeus do mundo em relação a Israel. Ele colocou as diásporas das Américas, do Caribe e do Pacífico no mesmo nível de urgência estratégica dos povos do continente. Um dilema para Nascimento, na sua ação internacional, foi a questão dos métodos a utilizar na luta pela liberdade dos povos negros. Luta armada "por todos os meios necessários" (Kwame Nkrumah, Malcolm X, Amílcar Cabral, Frantz Fanon)? Ou via pacífica, mediante sucessivas etapas de negociação (Martin Luther King, Léopold Sédar Senghor, Desmond Tutu, Albert Luthuli)? Homem pacífico por natureza, Nascimento sempre teve uma predileção pela negociação. Apaixonado na denúncia da opressão, sempre foi moderado no confronto fraternal das idéias; a luta violenta nunca foi o caminho predileto de seu coração. Na hora em que o "guerrilheirismo" gozava de grande audiência, ele enxergou no emprego do terrorismo como arma de combate o perigo da escalada do terror. Mas, diante da crueldade racista das potências colonizadoras, como nas colônias portuguesas, e sob os implacáveis regimes de apartheid


na África do Sul, na Namíbia e no Zimbabwe, apoiou a luta armada nesses países. Paralelamente, e bem antes de se produzirem os horrores que o mundo hoje testemunha, Nascimento denunciava o crescente perigo de guerra civil que detectava na prática de muitos dirigentes da África independente de impor aos povos sob seu controle as estruturas e sistemas de repressão física legados pela dominação colonial. Sobre a política em geral, deve-se dizer que era necessário ter muita coragem e convicção moral para se opor, como Nascimento o fez sem trégua, a uma ideologia política muito popular no mundo africano naquele momento, cuja perda de prestígio no espaço de menos de uma década, após a queda do bloco soviético, ninguém poderia então prever. Mais especificamente, sobre a questão sócio-racial, Nascimento esclareceu muito do que até então ficava duvidoso para a maioria dos pan-africanistas em relação à natureza orgânica e estrutural do racismo latino-americano. Foram os seus escritos e denúncias que mais contribuíram para avançar a premissa teórica de que na América Latina se formou um sistema de dominação étnico-racial e sócio-econômico específico, baseado precisamente na "mestiçagem programada" entre raças e etnias situadas em posições fixas de inferioridade e de superioridade. Sua exposição dessa tese, em O genocídio do negro brasileiro, figurará na historiografia dos povos afrodescendentes como obra seminal, não obstante as críticas formais que poderão, ou deverão ser formuladas sobre certos aspectos de sua obra. A reintrodução do mundo simbólico na política pan-africanista No plano internacional, Abdias do Nascimento desempenhou um importante papel de conciliação entre as três grandes vertentes do pan-africanismo. Hoje, não tenho dúvida de que isso só foi possível porque ele mesmo portava em si próprio, de maneira harmônica, essas três vertentes políticas. Homem do século XX, na virada do século XXI ele já era o esboço de um pan-africanismo futuro; um amplo movimento político baseado no respeito às diferenças entre povos, culturas, civilizações e gêneros. Um movimento cultural em que o gênero feminino, enfim resgatado de séculos de opróbrio, encontra-se de novo em posição pioneira da civilização e da humanização das sociedades, papel que sempre desempenhou na história do mundo africano. Um pan-africanismo em que a busca pela eqüidade sócioeconômica entre raças, etnias e gêneros está indissociavelmente ligada ao desenvolvimento identitário


de cada um desses agregados orgânicos da sociedade civil contemporânea. Eu não acredito ter "forçado" o pensamento de Abdias do Nascimento nesta descrição de seu panafricanismo, nem penso ter imposto meus próprios sonhos aos dele. Sem dúvida, uma idéia fiel e abrangente das contribuições "nascimentistas" às três vertentes pan-africanistas que surgiram no século XX será objeto de estudos posteriores. Mas acredito que, em sua ação internacional, ele reintroduz no pan-africanismo militante do século passado uma noção fundamental que estava se perdendo no próprio fogo daquelas lutas: a idéia de que um futuro político libertário deve ser, também, construído artisticamente, na harmonia pessoal, na alegria, na amizade e no carinho. Ou seja, paixão na denúncia das opressões, mas respeito às múltiplas diferenças. O pan-africanismo "nascimentista" compromete a ira contra todos os tipos de injustiça, ainda que cometidos por nós mesmos, com a música, a dança, a pintura, a poesia e o riso. Acredito que, além das múltiplas contribuições políticas que ele fez ao mundo em que viveu, e que sem dúvida outros analistas conseguirão analisar e expor com o devido rigor, Abdias do Nascimento introduz uma grande dose de amor no pan-africanismo do século vinte.

Salvador, agosto de 2000 Carlos Moore Prefácio do livro O Brasil na Mira do Pan-Africanismo (Salvador: CEAO/ EDUFBA, 2002), págs. 17-32.

A Terceira Alternativa – Derrick Jensen O trabalho de Jensen às vezes é caracterizado como anarco-primitivista, embora ele tenha categoricamente rejeitado o rótulo, descrevendo o primitivismo como uma “forma racista de descrever povos indígenas”. Ele prefere ser chamado de “indigenista” ou um “aliado dos indígenas”, pois “povos


indígenas tem tido a única organização social humana sustentável, e nós temos que reconhecer que nós (colonizadores) estamos vivendo em terras roubadas”. Jensen vê a civilização como inerentemente insustentável e baseada na violência. Ele argumenta que a economia industrial moderna está fundamentalmente em desacordo com relações saudáveis, o ambiente natural e os povos indígenas. Ele conclui que a tamanha difusão desses comportamentos indica que eles são sintomas do problema maior da civilização em si. Portanto, ele exorta leitores e audiências a ajudar a trazer um fim para a civilização industrial. A Terceria Alternativa Se as pessoas querem fazer cidades mais ecológicas, isso é ótimo, eu sou bem inclusivo. Esse é o problema que eu tenho com pacifistas. Eu não tenho problema com alguém que diz: "Eu nunca vou cometer um ato de violência". O problema que eu tenho é quando os pacifistas tentam tirar essa ferramenta de todo mundo. Há um belo livro de Robert J Lifton chamado Os médicos nazistas. Onde ele escreve sobre médicos que trabalhariam em campos de concentração e eles fariam o melhor que pudessem para ajudar as pessoas. Eles fariam qualquer coisa, exceto questionar o campo de concentração em si. Fariam qualquer coisa menos questionar o racismo e todo o sistema que os levou aos campos de concentração. Então dariam uma aspirina para quem está doente, ou os esconderiam da seleção por algum tempo. Então, dentro do sistema, fazem tudo que é possível. Mas fora do sistema, eles estão o perpetuando. E pergunto a mesma coisa sobre ambientalistas. Nós fazemos o que está disponível dentro do sistema. Mas eu quero sugerir uma terceira alternativa. Que é ser ofensivo e destruir o sistema. Se nós fizermos um modo de vida sustentável e aqueles no poder encontrarem recursos na nossa terra que eles querem, todo mundo sabe o que vai acontecer com nossa comunidade e com os indivíduos que resistirem. Índios viveram aqui por 12 mil anos, pelo menos. Sustentavelmente. Nós não precisamos inventar coisas novas. Precisamos parar aqueles que estão destruindo o planeta. E isso não quer dizer que as pessoas não deveriam estar desenvolvendo alternativas, isso é bom. Mas não devemos nunca esquecer que agora mesmo os oceanos estão sendo sugados. E há 70 mil


barragens neste país com mais de 2 kilometros de altura. Podemos vir com qualquer alternativa. As barragens ainda estão lá. Se fossem alienígenas que estivessem colocando as barragens e fazendo pesca industrial, nós saberíamos o que fazer. Se fossem outras pessoas fazendo o desflorestamento industrial, nós saberíamos como pará-los. Mas como são aqueles quem nós respeitamos, nós não os paramos. Então esta é a questão que eu faço. Que bem desenvolver uma alternativa fará ao salmão? Não estou dizendo que é tudo ou nada. Que precisamos destruir o sistema ou precisamos desenvolver alternativas comerciais. Precisamos disso tudo. Precisamos mesmo de uma revolução no sentido forte de derrubar tudo. E todos sabemos o que devemos fazer. Precisamos desfazer tudo que vemos ao nosso redor. Mas se simplesmente esperarmos pela grande revolução gloriosa, não vai sobrar nada. Então, enquanto isso, precisamos fazer essa importante reforma.

BLACK BOY Tradução da faixa "Black Boy" do grupo Hypnotic Brass Ensemble

GAROTO NEGRO, perdido na poeira, e encontrado no Céu. Entende o que eu quero dizer? Que o seu destino é na eternidade. Você nunca foi originado, e nunca será destruído. Seu destino é com o povo da Terra que veio de você, e agora eles estão retornando. Então é seu trabalho se preparar para o que está por vir. O que passou, passou. Mas isso irá durar para sempre, porque está preparado pra você. O futuro que você teve antes de você. Quando eu era um pequeno garoto no Mississippi, nós cantávamos toda manhã indo para a escola. E eu podia sentir a energia de todos os meus colegas. Nós gostávamos tanto da escola por que nós cantávamos toda manhã antes de começarmos. No por-do-sol nós brincávamos de um jogo chamado pique-esconde, e nesse jogo uma pessoa dizia:


"Noite passada, uma noite atrás — 24 ladrões na minha porta / Eu levantei e os deixei entrar — bati na cabeça deles com um bastão" E então nós podíamos ir e procurar a primeira pessoa que achássemos se escondendo. E essa pessoa então cantaria: "Noite passada, uma noite atrás…" Agora, quando eu tinha 30 e alguma coisa, eu olhei para as estrelas uma noite, e isso me assustou porque eu senti algo — e ninguém havia me dito que as estrelas tinham sentimento. E então isso me tirou do mundo o qual todos fomos sequestrados, e me permitiu entrar no mundo da eternidade. E eu tenho estado lá agora por quase 50 anos. E isso me ensinou: esse bastão nos dá essa autoridade. Porque é o símbolo mais antigo, nas mãos de Orion. No Egito Antigo, Archimed, era chamado de rolo. Na Bíblia, no quarto e quinto capítulo do Apocalipse, é citado um homem com um livro em sua mão. Mas nós descobrimos que era o bastão de que estávamos falando — os "24 ladrões" são as 24 estrelas em volta da constelação chamada Orion. E então, "Eu levantei e os deixei entrar" significa que ele atravessou a Via Láctea, que é a galáxia que nós fazemos parte. E "bati na cabeça deles com um bastão" significava que nesse bastão está o conhecimento da nossa eternidade. Eu acho que isso é o que significa ser um garoto negro. Estar perdido, cheio de inveja e egoísmo, estar equivocado e confuso — mas, de alguma forma, perceber que você é todo o conjunto. E é sua responsabilidade achar sua eternidade nesse planeta.


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