Edifício-Praça: Intervenções de caráter público-privado em vazios urbanos

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Universidade Federal de Viçosa Centro de Ciências Exatas Departamento de Arquitetura e Urbanismo Trabalho de Conclusão de Curso II

EDIFÍCIO-PRAÇA intervenções de caráter público-privado em vazios urbanos

Autor: Rafael Braga de Souza Orientador: Tiago Augusto da Cunha

Viçosa, Dezembro/2017



“ ”

Os vazios urbanos (ou alguns deles) podem constituir a base fundiária e de localização de projetos urbanos estratégicos úteis para a regeneração de cidades ou periferias, se forem transformados em oportunidades credíveis (PORTAS, 2000)



A Minha família Leonice, Nelson e Raquel, incentivadores e torcedores incansáveis, desdes os tempos da pré-escola até esse último desafio; Professores do DAU e da The University of Salford que muito me instigaram ao longo da minha formação; Meu orientador Tiago Cunha, por ser meu guia e provocador, sempre com colocações, críticas e sugestões pertinentes ao longo do processo;

agradecimentos

Turma de 2012, pela amizades e companherismo, especialmente a Karen, Guilherme e Eduardo, que fizeram com que eu me sentisse em solo firme pela primeira vez em Viçosa; Turma de 2013 por me receber de abraços abertos sempre, especialmente Manami, Lucas e Luísa; Victor, parceiro de projetos, trabalhos, viagens, festas e de soneca; Renan, colega de casa e consultor paciente e solícito; Augusto, companheiro de longe, mas sempre por perto; Alberto, pelas visitas inesperadas, que sempre me davam novo gás; CNPq por ter me proporcionado o Ciência sem Fronteiras que expandiu minha mente e me fez enxergar novas possibilidades para arquitetura e para a cidade; Gratidão!


O trabalho que se segue apresenta um objeto urbano-arquitetônico, denominado Edifício-Praça, num vazio urbano localizado na região central de Viçosa-MG. Objetiva-se aqui, propor a sobreposição dos usos públicos e privados em vazios urbanos, independentemente de sua condição de posse (pública ou privada), assumindo que podem haver gradações entre esses dois extremos e, assim explorando essas possibilidades. A diversidade de usos portanto é premissa básica desta proposição, permitindo à cidade novos espaços de convívio público, combinado com usos privados diversos. Determina-se a cidade de Viçosa como locação desse projeto em função de seu intenso processo de verticalização e adensamento excessivos como se discutirá à frente. Num processo de ocupação convencional, os vazios urbanos da cidade logo originariam novos edifícios assim como os vários que se pode observar irromper na cidade a cada dia. Porém, sabendo-se da carência local por novos espaços públicos, questiona-se: poderiam esses vazios serem impulsionadores de qualidade no espaço urbano, de uso público, ao mesmo tempo em que ainda mantém seu caráter também privado? Fez-se necessário então na disciplina ARQ398 - Trabalho de Conclusão de Curso I, na etapa anterior deste processo, investigar as relações entre o público e o privado na cidade contemporânea, percebendo as nuances que existem entres estes domínios, além de conceituar o vazio urbano, percebendo as razões que originam estes espaços e entendendo a sua importância na malha urbana. Levantamentos, diagnóstico, estudos de caso também foram executados afim de se aproximar dos vazios urbanos da cidade de Viçosa e melhor guiar os processos de projetação. Para que se relembre o processo trilhado na etapa anterior, uma pequena contextualização segue nas páginas seguintes. No semestre anterior foi alcançada uma primeira proposta do objeto de projeto aqui proposto. Na etapa atual, é proposta uma revisão do objeto final apresentado na última etapa, sendo mais assertivo nas decisões projetuais, avançando em direção ao Anteprojeto, apresentando imagens representativas da atmosfera espera para o projeto e também alguns detalhes construtivos considerados prioritários para o nível de projeto alcançado.

introdução



Viçosa, tal como várias outras cidades brasileiras, é uma cidade de malha urbana muito adensada especialmente em sua região central A escolha da área de atuação deste projeto leva em consideração seu caráter de usos diversos: residencial e comercial, sendo portanto uma região que tem maior potencial de uso do tipo do equipamento aqui proposto. A área de levantamento, demarcada na figura à esquerda, está compreendida como sendo o polígono definido pela seguinte trajetória: Iniciando pelo entorno do colégio Viçosa, passando por toda a Av. Gomes Barbosa até as proximidades do Cemitério, descendo a Ladeira dos Operários até as Quatro Pilastras na entrada da UFV, passando pela Rua dos Estudantes até as proximidades da rodoviária, seguindo pela Rua Milton Bandeira até o encontro com a Rua dos Passos, depois passando pela Rua Dr. Brito e Tenente Kummel até que se chegue à Av. Bueno Brandão, percorrendo a sua extensão, culminando na Av. Santa Rita que, ao final, se encontrará com a Av. Gomes Barbosa novamente. Além das razões de uso do solo para escolha da área, a região determinada se justifica também pelo adensamento dentro deste polígono. Não se ignora que as periferias da cidade também são carentes de espaços públicos de qualidade, no entanto entende-se que essas áreas, pouco adensadas, talvez possam ainda se beneficiar da criação de espaços de uso público nos “moldes tradicionais”. Nas regiões mais adensadas, onde estão esgotadas as possibilidades de espaços públicos “convencionais”, faz-se necessário que sejam propostas novas alternativas. Os vazios urbanos surgem como oportunidade de projeto porque são as poucas áreas não-edificadas na malha da região central. Esses espaços de oportunidades estão marcados na figura à direita, os quais foram identificados na etapa anterior deste trabalho, O que se vê é que apesar desse potencial, os vazios urbanos não contribuem com a dinâmica da cidade na medida em que não abrigam nenhuma função - não que todo espaço tenha que ter uma função prescrita -, mas são inertes, não oferecem possibilidade de usos em meio à um entorno caótico que tanto necessita de espaços públicos.

o centro de viçosa-MG



o conceito Dar uso ao vazio urbano, sem perder de vista o seu valor enquanto vazio, leia-se respiro na cidade.


o partido Grandes planos de lajes sobrepostas, com pés-direitos generosos, associadas às equipamentos públicos e alguns usos privados. O objeto como um grande criador de conexões com seus imóveis vizinhos, com a rua, com seus fundos dando para o rio, para encostas vegetadas, atravessando quadras, mas principalmente criando novas oportunidades de passagem e de contato entre o público e o privado.


o terreno Dentre os quatro terrenos previamente determinados no semestre anterior, elegeuse este localizado na Avenida Santa Rita, tendo em vista os seguintes aspectos: > Está dentro da tipologia identificada na etapa anterior: vazio urbano caracterizado como lote vazio, de frente estreita e muito profundo com; > Está localizado na zona central de Viçosa com alta densidade; > Está localizado em via arterial, com um ponto de ônibus exatamente em frente e fluxo intenso de pedestres, o que mina a possibilidade de usos diversos; > Tem como vizinho um edifício com janelas voltados para seu interior, o que gera um desafio de projeto; > Tem como outro vizinho a Creche Municipal, importante equipamento urbano; > Tem fundos para o Ribeirão da Conceição, possibilitando uma conexão direta entre rua e rio;


o programa Na etapa anterior quatro terrenos na região central foram escolhidos como potenciais objetos de projeto, criando inclusive uma espécie de rede entre eles, garantindo sempre a existência de um espaço público a cada 250m ou 3minutos de caminhada, a partir do estudo de Christopher Alexander. Foi escolhido o terreno que se descreve a seguir e determinado o seguinte Programa de Necessidades: Praças elevadas (Praça de acolhimento, praça de integração, praça playground, galeria aberta, praça de alimentação e praça de introspecção); Unidades comerciais de alimentacão; Apoio à Creche As praças são os fios condutores do projeto, sendo os grandes planos de conexão e tendo caráteres diferentes a cada pavimento. As unidades comerciais para alimentação são uma ocupação predominante na Avenida Santa Rita, sendo o edifício-praça uma nova opção para esse uso, visto a inadequação da via pública da Santa Rita para tal. A sala de apoio à creche propõe uma conexão direta com a Creche Municipal localizada no lote limítrofe ao projeto, pensando na integração do edifício com seu entorno.


O projeto então se materializa numa espécie de edifício vertical constituído de uma sucessão de lajes-praças alternadas como pequenas porções fechadas que abrigam equipamentos públicos ou privados. Aqui a verticalização desses espaços é proposta como solução para que se abrigue programas maiores do que apenas a ocupação do térreo permitiria e multiplica-se o espaço público proporcionado à cidade. Associada à essa estratégia, a sobreposição juntamente com o uso privado pretende demonstrar que o relacionamento entre estes dois domínios cria oportunidades de encontro, interação e gera dinamismo na vida pública. A proposição prima pela valorização do respiro, da pausa que o vazio proporciona, dessa forma as praças em si constituem a maior parte do programa e, ao se observar o projeto do nível da rua, estão sempre em primeiro plano. Somados aos pés-direitos de 4 metros das lajes o usuário tem uma experiência de estar num espaço que não é enclausurante. As lajes são colocadas em meios-níveis para estimular as interações entre um andar e outro e também somam nessa sensação de espaço aberto. A linguagem do projeto é diversa como uma exaltação da própria diversidade de usos e multiplicidade que é a própria cidade. Neste caso propõe-se um edifício do zero a partir de um vazio urbano enquanto lote urbano, mas poderia se pensar numa proposta, nos mesmos moldes num edifício abandonado em que se mantem a sua estrutura como base em que essa colagem de aparatos geraria sua readequação e possibilitaria usos diversos. Há duas praças no primeiro nível: praça de acolhimento e praça de interação. Juntas as duas praças são uma transição entre a cidade e o rio na medida em que descem paulatinamente até a encosta. Sem que se perceba o usuário vai se aproximando do rio e logo está com os olhos voltados para o curso d’água que corre nos fundos das quadras viçosenses. A segunda praça também está conectada diretamente com a via pública através de uma escadaria-arquibancada. Esta praça é uma praça lúdica, sendo voltada principalmente ao público infantil. No mesmo pavimento se encontra a sala de apoio da creche, um apoio proposto conectado à creche localizado imediatamente ao lado. Logo no próximo meio nível acima, a praça é proposta como galeria de arte aberta: um espaço neutro que possa abrigar manifestações artísticas diversas. No penúltimo nível, a praça de alimentação conta com suas unidades comerciais preparadas para abrigar pequenas lanchonetes. O último pavimento é voltado para a introspecção, um lugar de paz, como uma recompensa para quem subiu todos os andares até o essa última praça.

o projeto



























estrutura Uma laje nervurada sustentada por pilares de falsa seção circular constituem a estrutura do projeto. Os pilares, destacados da poucas paredes, são posicionados numa grelha de modo a gerar vãos de, no máximo, 9 metros. Essa configuração permite uma maior liberação de área nos pavimentos e uma liberdade de uso para as lajes. Eventualmente, caso as praças precisem assumir usos diferentes a depender das novas necessidades da cidade, a estrutura nao será um impecilho para essa adaptação. Os pilares também fazem importante de papel na drenagem do edifício como se verá a seguir.



a pele

Voltada para a fachada oeste uma pele é proposta como proteção solar e também para que se proporcione privacidade às crianças, ao mesmo tempo que seja possível ver externamente através dessa trama. Para que se garantisse uma proteção localizada nas áreas mais insoladas nos piores horários, associada à essa permeabilidade para uma visão do espaço externo, tomam-se ferramentas digitais para modelagem paramétrica dessa fachada. Utilizaram-se os softwares Rhinocerus associado ao plugin Grasshopper. O script utilizado foi construído e aperfeiçoado coletivamente no fórum online Grasshopper Argorithimic Modeling for Rhino e como produto de código aberto é disponibilizado para usos diversos. O script trabalha com duas geometria como base: um retângulo, que neste caso é a extensão total da fachada a ser protegida e um segmento de linha, Um ponto é criado nessa linha e ao ser movimentado muda o comportamento das bolhas na pele levando em consideração 4 aspectos: o tamanho das aberturas do voronoi, a quantidade de aberturas, a quantidade de aberturas que são influenciadas no entorno do ponto e o fator de movimentação dessas bolhas. Dessa maneira foi possível alcançar uma fachada que tinha menos aberturas na área mais insolada e mais aberturas onde o sol é mais ameno. O script foi adaptado pelo autor em alguns aspectos para melhor adequação ao projeto.






A motivação desse projeto partiu da inquietação de perceber na cidade espaços inertes sendo que há uma carência de qualidade na vida urbana. Viçosa se mostrou como uma boa oportunidade de locação para o tipo de abordagem escolhida porque mesmo sendo considerada uma cidade pequena pelos padrões do IBGE tem problemas semelhantes aos

considerações finais

das grandes cidades brasileiras. O maior desafio enquanto processo de projetação foi estabelecer uma continuidade entre a rua e o edifício-praça, evitando que o projeto se tornasse pouco convidativo, um apêndice na malha urbana. Ao mesmo tempo não cair na armadilha de fazer um projeto que fosse mais edifício e menos praça. Pensar o espaço urbano para além dos modelos “convencionais” também foi um exercício de muito valor porque me desafiou, especialmente quando me percevi sem muitas referências aproximadas das relações que estava propondo. Talvez o projeto possa parecer um pouco utópico, mas a todo tempo tentei buscar soluções factíveis, pensando em novas alternativas para criação de espaços com qualidade. Por fim, sobre o processo de produzir um Trabalho de Conclusão de Curso percebo a importância do objeto produzido individualmente do começo ao fim, tomando decisões todo o tempo e gerenciando o tempo. Trata-se uma experiência muito rica que, sem dúvida, somou muito na minha formação nessa transição estudante arquiteto.


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