Universidade Federal de Viçosa Centro de Ciências Exatas Departamento de Arquitetura e Urbanismo Trabalho de Conclusão de Curso I
EDIFÍCIO - PRAÇA
intervenções de caráter público-privado em vazios urbanos Autor: Rafael Braga de Souza Orientador: Tiago Augusto da Cunha
Viçosa, Junho/2017
agradecimentos Aos meus pais que nunca me faltaram em apoio e incentivo e que sempre fizeram com que esses sentimentos fossem maiores que a saudade; Aos amigos de Pirapora que construíram comigo juntos a certeza de que esse sonho era possível; Aos amigos de Viçosa, principalmente do DAU, com os quais compartilhei noites viradas fazendo trabalho e bebendo cerveja! Aos amigos de Salford, que me fizeram sentir-se em casa quando foi mais difícil; Ao meu orientador Tiago que aceitou de primeira essa ideia que nem eu sabia direito onde ia dar! Aos professores do DAU e da University of Salford, pelo ensinamentos e conselhos, mas principalmente pelos momentos que me convidaram a repensar conceitos, me deixando curioso e inquieto; Ao CNPq por ter me propiciado, através do Programa Ciência sem Fronteiras, conhecer outras realidades e outras formas de fazer Arquitetura e Urbanismo.
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apresentação
introdução
justificativa
referencial teórico
sumรกrio
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estudos de caso
levantamento e diagnรณstico
conceito
partido
programa
terreno
projeto
bibliografia
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apresentação Este trabalho se apresenta em cumprimento às exigências da disciplina ARQ 398 – Trabalho de Conclusão de Curso I, do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Viçosa - UFV. A primeira seção apresenta as primeiras investigações referentes ao tema escolhido que servirão como base para as atividades do Trabalho Final de Graduação do estudante Rafael Braga de Souza, sob orientação do Prof. Tiago Cunha, como requisito para obtenção do título de Arquiteto e Urbanista. O projeto propõe intervenções arquitetônicas em vazios urbanos na cidade de Viçosa - MG, mesclando usos público-coletivo e privado. Esse tipo de abordagem foi escolhido partindo da premissa de que a sobreposição de usos é fundamental na criação de diversidade e vitalidade na vida urbana. Investigações teóricas, levantamentos em fontes primárias e secundárias, estudos de caso subsidiarão a confecção do projeto.
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introdução O presente trabalho tem como proposta localizar, classificar e propor novos usos para os vazios urbanos na malha urbana consolidada da zona central de Viçosa - MG. Objetiva-se aqui, propor a sobreposição dos usos públicos e privados em vazios urbanos, independentemente de sua condição de posse (pública ou privada), assumindo que podem haver gradações entre esses dois extremos e, assim explorando essas possibilidades. A diversidade de usos portanto é premissa básica desta proposição, permitindo à cidade novos espaços de convívio público, combinado com usos privados diversos. Determina-se a cidade de Viçosa como locação desse projeto em função de seu intenso processo de verticalização e adensamento excessivos como se discutirá à frente. Num processo de ocupação convencional, os vazios urbanos da cidade logo originariam novos edifícios assim como os vários que se pode observar irromper na cidade a cada dia. Porém, sabendo-se da carência local por novos espaços públicos, questiona-se: poderiam esses vazios serem impulsionadores de qualidade no espaço urbano, de uso público, ao mesmo tempo em que ainda mantém seu caráter também privado? Faz-se necessário, portanto, investigar as relações entre os domínios públicos e privados na cidade contemporânea e conceituar o vazio urbano para efeitos deste trabalho e enquanto parte integrante do tecido urbano. Levantamentos, diagnóstico, estudos de caso também serão executados afim de se aproximar dos vazios urbanos da cidade de Viçosa e melhor guiar os processos de projetação.
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justificativa
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Viçosa, tal como várias outras cidades brasileiras, é uma cidade de malha urbana muito adensada especialmente em sua região central, como se discutirá melhor à frente. A escolha da área de atuação deste projeto leva em consideração seu caráter de usos diversos: residencial e comercial, sendo portanto uma região que tem maior potencial de uso do tipo do equipamento aqui proposto. A área de atuação está compreendida como sendo o polígono definido pela seguinte trajetória: Iniciando pelo entorno do colégio Viçosa, passando por toda a Av. Gomes Barbosa até as proximidades do Cemitério, descendo a Ladeira dos Operários até as Quatro Pilastras na entrada da UFV, passando pela Rua dos
Estudantes até as proximidades da rodoviária, seguindo pela Rua Milton Bandeira até o encontro com a Rua dos Passos, depois passando pela Rua Dr. Brito e Tenente Kummel até que se chegue à Av. Bueno Brandão, percorrendo a sua extensão, culminando na Av. Santa Rita que, ao final, se encontrará com a Av. Gomes Barbosa novamente. Além das razões de uso para escolha da área, a região determinada se justifica também pelo adensamento dentro deste polígono. Regiões pouco adensadas talvez possam ainda se beneficiar da criação de espaços de uso público nos moldes tradicionais. No entanto para regiões mais adensadas, onde estão esgotadas as possibilidades de espaços públicos “convencionais”, faz-se necessário que sejam propostas novas alternativas. A sobreposição juntamente com o uso privado pretende demonstrar que mesmo permanecendo um espaço com esse caráter, ainda esse é capaz de interagir com a cidade, e mais, criar oportunidades de encontro, interação e gerar dinamismo na vida pública. Os vazios urbanos surgem como oportunidade de projeto porque são as poucas áreas não-edificadas na malha da região central. Apesar disso não contribuem com a dinâmica da cidade na medida em que não abrigam nenhuma função - não que todo espaço tenha que ter uma função prescrita -, mas são inertes no entanto em meio à um entorno caótica que tanto necessita de espaços públicos de qualidade.
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Plano de Cerdá para Barcelona; a ocupação de, no máximo 3 lados da quadra geraria um afrouxamento das relações entre o público e o privado.
As relações de público-privado variam de acordo com o contexto: Quartos - privados - em relação a casa como um todo - pública - na imagem à esquerda, Portas com recorte em vidro indicam que os ambientes que elas separam tem o mesmo grau de privacidade. (Imagem à direita).
referencial teórico
14 diversidade de usos: matizes entre o público e o privado
entre público e privado. Figueroa (2006) demonstra essa diluição através do Plano de Cerdá para Barcelona, que previa a ocupação de no máximo 3 lados da quadra, gerando
Parece clara em nossas mentes a divisão entre aquilo que é público e o que é
zonas intra- quadra interligadas diretamente com a cidade. Também no Plano de Berlage
privado na cidade: as ruas, calçadas, praças, e demais espaços que são acessíveis a
para Amsterdam Zuid, onde a quadra é delimitada pela malha viária, no entanto, aqui
todos seriam públicos, e as quadras - configuradas pelo parcelamento do solo em lotes
tem-se espaços semipúblicos no miolo da quadra acessados pelas bordas dos edifícios.
- seriam a expressão daquilo que é privado. No entanto, como nos lembra Hertzberger
Le Corbusier, ao propor o partido do Ministério da Educação e da Saúde, também
(1999, p. 12), o extremismo da oposição entre estes dois conceitos resultou num clichê
estava revendo as relações entre público e privado na quadra convencional. Elevado, o
que ignora as matizes entre um e outro.
edifício doa à cidade um novo espaço de uso público que não existiria numa implantação
Ao invés de pensarmos os espaços como unicamente privados ou públicos,
convencional. Nas galerias comerciais que “invadem” os miolos de quadra, tipologia
podemos imaginar os graus de “privacidade” de um espaço quando colocado lado a
comum no centro de Viçosa, as relações entre público e privado também são revistas na
lado com outro. O hall de um edifício residencial pode ser considerado público para os
medida em que o centro da quadra - privado - é trespassado por um espaço de passagem
moradores e visitantes deste edifício quando comparado com os apartamentos deste
de uso público.
mesmo prédio. A sala de cada um destes apartamentos também pode ser pública para seus moradores quando comparada aos quartos. Na cidade, essa gradação também pode se dar conferindo novas demarcações
Questionar essas relações e essa dualidade extremista entre público e privado é discutir a maneira como nos relacionamos com a cidade e propor novas alternativas para o uso do solo urbano e para ampliação de espaços de vivência da cidade.
territoriais e estabelecendo novas relações na vivência urbana. A diluição da ideia de
Essa associação entre público e privado estabelece a diversidade de usos como
quadra, delimitada pelo tecido viário, também contribui para o relaxamento dos limites
importante característica da dinâmica da vida urbana. Jacobs (2011, p. 158) afirma que
Amsterdam Zuid: Os pátios internos são de uso comum dos moradores dos conjuntos habitacionais.
Edifício Gustavo Capanema: o pavimento térreo é público, os andares superiores são de uso privado.
15 “precisamos admitir de imediatamente, como fenômeno fundamental, as combinações ou as misturas de usos, não usos separados”. Isso porque no “balé da cidade” essa diversidade contribui para a sensação de segurança, para o não abandono dos espaços
constituindo o que se pode chamar, a princípio, de “vazio urbano”. Diferentes autores em variadas situações têm tratado o tema “vazio urbano” com diferentes conceituações.
públicos, para o contato entre diferentes pessoas, na medida em que, diversificados os
Clemente, Silveira e Silveira (2011) buscam esclarecer esse conceito que pode variar
usos, diferentes pessoas com diferentes objetivos, em horários distintos ao longo do dia,
desde grandes áreas industriais abandonadas, portos e zonas ferroviárias desativadas até
fazem uso do mesmo espaço.
pequenas glebas sem uso, ou subutilizadas, no tecido urbano consolidado.
Imaginar que poderia haver na cidade espaços que guardam esse potencial de
Borde (2003, p. 4) reitera essa amplitude do conceito ao definir o vazio urbano como
usos diversos, podendo manter seu caráter privado e ainda assim oferecer oportunidade
“terrenos localizados em áreas providas de infraestrutura que não realizam plenamente
de uso público, pode ser benéfico tanto para o usuário na cidade quanto para o proprietário
a sua função social e econômica, seja porque estão ocupados por uma estrutura sem
do solo urbano.
uso ou atividade, seja porque estão de fato desocupados, vazios”. Também o conceito de “interstício urbano” é um recorrente quando se fala em vazio urbano. Segundo Guerreiro
vazio (dinamizador do espaço) urbano
(2008), o termo é emprestado da biologia, que nessa disciplina designa o espaço entre estruturas que compõem um todo: células, moléculas. Em arquitetura, o interstício é o
Uma trama infinita de elementos variados constitui a cidade como conhecemos. Ruas, calçadas, praças, residências, comércios, equipamentos urbanos, o próprio rio,
espaço residual resultante das edificações em seu entorno (GUERREIRO, 2008). Ou seja, que não foi planejado, que fica “entre” edificações. Uma variação do vazio urbano.
prédios, etc. Acontece no entanto que, eventualmente, partes dessa trama podem
Aqui importa sublinhar a vacância de uso daquele espaço e, associado a isso,
ficar vazias, sem uso e portanto sem contribuir com a dinâmica e vitalidade da cidade,
o potencial destes como oportunidade de se tornarem catalisadores de transformação
À esquerda, espaço exterior negativo, quando o exterior é o que “sobra” da disposição dos edifícios e à direita, espaço exterior positivo, quando este, assim como a massa edificada também tem uma forma definida. Nesse diagrama de Christopher Alexander, espaços públicos e seus raios ideiais de influência a cada 3 minutos de caminhada em média.
16 do espaço urbano, podendo abrigar espaços livres de uso público e até equipamentos urbanos quaisquer. Portas destaca essa possibilidade:
Para efeitos de projetação, segundo ele, os espaços classificados como positivos fazem as pessoas se sentirem mais confortáveis e os negativos manifestam o sentimento contrário nos indivíduos, sendo que tendem a ser menos utilizados. Num cenário ideal, os
Os vazios urbanos (ou alguns deles) podem constituir a base fundiária e de localização de projetos urbanos estratégicos úteis para a regeneração de cidades ou periferias, se forem transformados em oportunidades credíveis. (PORTAS, 2000)
Importa também retomar o conceito de Christopher Alexander (2013) que, através de sua linguagem de padrões, chama nossa atenção para os espaços ditos positivos e negativos. Segundo o arquiteto, o fato de um espaço ter sido planejado ou ser apenas o resíduo do construído a sua volta vai definir se é “positivo” ou “negativo”. Um espaço externo é positivo quando apresenta uma forma distinta e bemdefinida, tão definida quanto se fosse um recinto interno, e quando sua forma é tão importante quanto as formas das edificações que o circundam” (ALEXANDER, 2013, p.518).
espaços exteriores positivos seriam criados juntamente com seus entornos. Pode parecer então que não há muita potência no vazio urbano já estabelecido naquilo que “sobra” na cidade, mas Guerreiro (2008) afirma que o espaço positivo, retomando os conceitos de Christopher Alexander, se manifesta justamente quando este interstício assume uma forma própria. Analogamente, ao considerarmos os vazios urbanos, mesmo que não tenham sido produto de um desenho planejado em sua origem, podemos vislumbrar que projetos posteriores têm potencial de torná-los espaços com caráter positivo. Faz-se essencial comentar a importância do “vazio” na malha da cidade: o vazio é o respiro, o intervalo, a pausa na cidade que é tão cheia de informação, tão rápida que por vezes sufoca. Sola Morales (1996) nos alerta da urgência da arquitetura e do desenho urbano em logo tentar “através de projetos e investimentos, reintegrar estes espaços ou edifícios no tecido produtivo dos espaços urbanos, da cidade eficiente, sincopada, atarefada e eficaz”. Devolver à cidade estes espaços desconectados, no entanto, não se
Trafalgar Square em Londres: apesar de muito grande trata-se de uma praça de uso constante
O andar de uso comercial na Unidad d’Habitation tem uma marcação diferenciada na fachada e, inclusive tem acesso separado por uma caixa de escadas externa. O terraço também tem uso público-coletivo.
trata apenas de reintegrá-los ao tecido repetindo o modelo do seu entorno. Preservar o
Segundo ele, quanto mais próximos os espaços públicos das residências, mais as pessoas
“vazio” talvez seja o maior presente que se pode dar à cidade.
tenderão a utilizá-los:
Dadas as várias denominações de “vazio urbano”, para efeitos deste trabalho considerarei como vazio urbano os espaços que cumpram todas as seguintes condições: [1] que não tem uso público definido ou espontâneo, [2] que não contribui para a dinâmica da cidade, [3] que esteja localizado na malha urbana consolidada, [4] com pelo menos uma fachada voltada para uma via urbana.
espaços públicos para além dos modelos convencionais A cidade contemporânea oferece novos desafios que exigem soluções para além dos modelos convencionais de espaços público, sem perder de vista no entanto diretrizes tradicionais que agregam bons resultados para questões atuais. Pensando nisso, retoma-se novamente Christopher Alexander em sua linguagem de padrões que observou a importância da proximidade entre os espaços públicos na cidade e também suas dimensões. Pode-se pontuar então dois padrões de Alexander que se adequam nessa discussão: as “praças acessíveis” e “praças públicas pequenas”.
As pessoas precisam de espaços verdes abertos que possam frequentar; quando eles são próximos, as pessoas os usam. Porém se levar mais de três minutos para chegar a essas praças, a distância sobrepuja a necessidade (ALEXANDER, 2013, p.306).
Seguir esse preceito significa uma necessidade de praças – espaços públicos - a cada 500m na cidade. Somado à isso, Alexander transmite a importância de pequenos espaços públicos ao invés das grandes praças. Excetuadas praças tais como Trafalgar Square, em Londres ou Praça São Marcos, em Veneza, as quais têm dinâmicas próprias, sendo centros de grandes cidades, segundo ele grandes praças transmitem a ideia de estarem abandonadas. Dentro da proposta de se discutir novas maneiras de pensar o espaço público, somam-se alguns exemplos práticos de projetos que repensam essas relações. Le Corbusier em seu icônico projeto Unite d’ Habitation Marseille propõe uma nova maneira de experimentar o espaço de uso público em duas frentes nesse projeto.
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El Mirador: o espaço público no centro do projeto
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No esquema da circulação do El Mirador podemos ver como esta cria pequenos pátios em níveis que são espaços de convívio assim como a grande praça aberta no alto.
Primeiro quando insere um andar de uso comercial num dos pavimentos no interior do
Teatro la Lira - estudo de caso que será analisado a seguir - é uma delas. O projeto que
edifício e também quando insere usos coletivos no terraço: um pista de corrida, uma
poderia resultar na ocupação de um vazio urbano com um corpo edificado, na verdade
piscina, um jardim de infância, um clube, um ginásio, além de unidades de atendimento
propõe exatamente o oposto. No nível da rua está uma praça e o teatro está no subsolo,
médico. Usando desse recurso, o arquiteto “obriga” a convivência entre os moradores
passando quase que despercebida. Uma proposta que doa um novo espaço público para
do edifício. Fora das unidades habitacionais privadas, os moradores são convidados ao
a cidade e aproxima o transeunte do espaço do teatro ao fazer dessa praça o foyer aberto
convívio através desse extenso programa de uso público-coletivo.
da casa de espetáculos.
De maneira semelhante, o escritório MVRDV também trabalha com abordagens
Enfim, o que importa é perceber que as questões geradas pela vida urbana
pouco convencionais de associação de uso público com privado. Isso parte da filosofia do
contemporânea requerem dos arquitetos e urbanistas propostas que vão além dos
escritório que trata o uso misto como fator determinante na concepção dos seus projetos
modelos pré-estabelecidos, rompendo com limites da forma, dos usos definidos - as
(MORAIS, 2014).
vezes até limites legais - para que se busque soluções que podem parecer “impensáveis”
No seu projeto El Mirador, em Madrid, a circulação do edifício residencial cria em
a princípio, mas que de fato mirem nas questões da vida urbana do hoje.
patamares médios, espaços de convivência e, numa abertura no alto uma grande praça aberta para os moradores do edifício e da cidade no geral. Esse mesmo escritório propôs
viçosa: ocupação do solo urbano intensa e desordenada
para Rotterdan, na Holanda um projeto de espaço de uso público-coletivo e privado curioso: a associação de um mercado à unidades residenciais.
Viçosa é uma cidade de vocação fortemente universitária no interior do estado
Recém laureados pelo prêmio Pritzker, o escritório RCR Arquitectes também tem
de Minas Gerais. O município conta, desde 1922, com uma instituição de ensino superior
experimentações que sugerem uma busca por novos modelos de espaço público. O
de destaque nacional. Primeiramente como Escola Superior de Agricultura e Veterinária,
Teatro La Lira: o foyer é a própria praça pública e a sala de espetáculos, de caráter privado está no subsolo
Vista da cidade de de Viçosa (ao centro a Rua dos Estudantes): a erupção de prédios “engole” rio, encostas vegetadas, linha do trem e o que mais estiver no caminho
a instituição se tornaria Universidade Rural do Estado de Minas Gerais em 1948, e,
largura das calçadas, que prioriza os deslocamentos motorizados e pouco convidativa ao
posteriormente, em 1969, Universidade Federal de Viçosa - UFV.
pedestre e ao ciclista.
A Universidade exerce forte influência na formação do espaço urbano viçosense
Em contraste com a UFV - o grande parque público verde da cidade - restam
como explica Ribeiro Filho (1997) ao longo de seu trabalho. Aqui, no entanto, importa
em Viçosa, especialmente na zona central, uma quantidade mínima de espaços abertos,
salientar o intenso processo de verticalização da cidade (PAULA, 2012), especialmente
verdes e públicos. Apesar de tão adensada, ainda se observam alguns poucos vazios
nas proximidades da principal entrada da instituição, diretamente ligado à demanda da
urbanos na malha da cidade que, em face do intenso processo de ocupação, são como
chegada de estudantes, professores e servidores.
os interstícios tratados por Guerreiro (2008), isto é, as sobras da cidade, produto negativo
Somado à intensa verticalização, o crescimento desordenado, minado pela especulação imobiliária, avança sobre encostas, sobre os rios, aproveitando cada pedaço do solo urbano possível, que chegou inclusive a engolir uma praça num passado próximo. A Lei Municipal n. 1420/2000 que define o uso e ocupação do solo em Viçosa, define para a região central padrões de ocupação que minam esse processo de adensamento: 80% de ocupação permitida nos dois primeiros pavimentos, 10 pavimentos permitidos para ruas com exíguos 7 metros mínimos de largura, coeficiente de aproveitamento de até 2,8, sendo que caso o lote esteja em rua considerada corredor primário esse coeficiente sobe para 3,5! Tem-se como resultado uma cidade de aspecto caótico: sufocante com seus edifícios altos que não condizem com as larguras das caixas de ruas, nem com a
da agregação dos corpos edificados.
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estudo de caso I La Lira Escritório: RCR Arquitectes Localização: Ripoll, Girona, Espanha Ano: 2011 Usos: Teatro e Praça Este projeto surge no vazio urbano gerado por um antigo teatro chamado La Lira que foi demolido na pequena cidade de Ripoll, Espanha. Os arquitetos decidiram que seria prudente manter o espírito do local, mantendo assim o uso de teatro, somado ao uso de praça. Dois gestos parecem ter definido o partido: o primeiro, uma ligação entre uma margem e outra do rio interpretada como a ponte e o segundo a moldura do vazio., Num andar subsolo está o novo Teatro La Lira. O aço corten que comunica um aspecto de antigo, envelhecido, também se caracteriza como um artifício de diálogo com o entorno caracterizado pelos casarões antigos.
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estudo de caso II Christianholm Papirøen Escritório: OMA Architects Localização: Copenhague, Dinamarca Ano: 2015 Usos: Uso misto (residencial, comercial, lazer, museu e galeria) Segundo os arquitetos, o projeto é um “ato de batalha contra o tédio”. Isso explica o programa que prima pela diversidade de usos, de modo que se evita o máximo a obsolescência do projeto. A estratégia que busca ampliar essas possibilidades de uso parte da estrutura, que é modular, sendo que este mesmo módulo se desdobra e gera variações que são capazes de atender aos vários programas. Segundo os arquitetos nenhuma unidade habitacional é igual à outra. A forma gera uma praça central no nível do solo. Nos níveis superiores as varandas particulares de cada unidade residencial voltadas para o centro gera praça virtuais em cada nível, ampliando a sensação de espaço compartilhado.
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levantamento e diagnóstico O levantamento parte da área do município de Viçosa, levando em consideração apenas a sua parte urbana. A área de interesse é a área central em função da sua diversidade de usos; além do uso comercial consolidado, observa-se também o uso residencial muito presente e a concentração de equipamentos urbanos nessa área. A sobreposição dos usos público-coletivo e privado neste projeto se beneficiam dessa diversidade de usos na área central, tendo em vista que esta oferece oportunidade de ocupação por indivíduos diferentes na cidade que vão ao centro por motivos variados. A abordagem desse projeto utiliza dos vazios urbanos para criar novos espaços de uso misto na cidade. A área central se reafirma portanto como área de interesse tendo em vista a sua alta densidade como se verá a seguir. Nas outras regiões da cidade, com densidade menor, com maiores áreas disponíveis talvez a criação de espaços públicos seja possível através de estratégias “convencionais”,
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As duas figuras desta página parecem contraditórias, no entanto são fruto de leituras diferentes dos mesmos dados. A primeira parte do entendimento de Christopher Alexander de que seria ideal que os espaços públicos e verdes estivessem localizados a 3 minutos uns dos outros. O segundo é uma leitura do autor da real influência desses espaços na cidade, resumido basicamente no impacto visual e do alívio do verde na paisagem, visto que oferecem pouca qualidade espacial e de uso. Obviamente a segunda figura vai revela uma maior carência por espaços públicos
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diagnóstico geral Os mapas de levantamento oferecem diagnósticos intermediários referentes ao tema de cada figura que, quando sobrepostos, oferecem a observação de três regiões de interesse como se vê na figura anterior. Abaixo vejamos as características destas regiões que as fazem possíveis alvos deste projeto. Região1: > Escassez de equipamentos urbanos e áreas públicas nas proximidades; > Média a alta densidade de gabarito; > Uso misto consolidado;
29 de uso; > Região com gabarito com variação entre médio e alto; > Vazios próximos uns aos outros com potencial de criação de um sistema entre eles; Um olhar atento sobre os vazios urbanos de toda a área de estudo revela um tipo característico, uma tipologia do vazios urbanos da zona central de Viçosa. As figuras demonstram esse padrão descrito a seguir:
Região 2: > Alta densidade; > Alto potencial de uso tendo em vista a localização e fluxo intenso; > Uso misto já consolidado.
> O vazio urbano na área de estudo em Viçosa se apresenta como uma porção loteada; > Na maioria das vezes de dimensões profundas e de frente estreita; > É frequentemente produto de demolição de casarões antigos; > Localiza-se em áreas de gabarito médio à alto; > Majoritariamente em áreas onde a especulação imobiliária ainda está relativamente “pouco” atuante;
Região 3:
Obviamente há variações desta tipologia à medida em que os vazios tem características
> Escassez de áreas públicas nas proximidades; > Grande circulação de pedestres e veículos (vias arteriais);
topográficas diferentes e tem interações com o ambiente existente à sua volta: edifícios, encostas vegetadas e o rio principalmente.
> Região com predomínio de uso residencial (Gomes Barbosa): potencial de diversificação
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região escolhida Determina-se a região 3 como área de intervenção pelos motivos já expostos na seção anterior. A região, no entanto, contem vários vazios urbanos e não seria prudente utilizar todos como objeto deste projeto. Dessa forma para que se possa determinar quais serão alvo e quais não serão novas análises são propostas. Observam-se então os seguintes aspectos: os vazios que tem melhor localização em vias mais movimentadas, e que, portanto, tem maior potencial de uso pela população; aqueles que estão dentro do modelo tipológico identificado tendo em vista que projetar para esses significa vislumbrar soluções formais para vazios semelhantes; os vazios que têm maiores dimensões e podem abrigar maiores programas, maiores praças, etc. vazios que estão fora da tipologia e que, em sua singularidade, podem gerar novas soluções formais e relações com seus respectivos entornos. A escolha se baseia também na distância caminhável entre os vazios, primando para que eles tenham uma distância entre eles que não ultrapasse os 250m ou 3 minutos de caminhada, como aconselha Christopher Alexander. Outro cuidado é que se tenha uma variedade dentro da tipologia identificada para que se possa testar as diferentes estratégias formais de projeto. Os vazios escolhidos ao final são [1] Av Santa Rita na altura do número 504, [2] Av. Gomes Barbosa na altura do número 336, [3] Av. Santa Rita na altura do número 138 e [4] Av. Gomes Barbosa na esquina com Rua Padre Serafim. Sendo somente esse último fora da tipologia identificada, estando localizado numa esquina privilegiada em termos de circulação de pessoas na hierarquia viária viçosense.
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conceito Dar uso ao vazio urbano, inserindo na dinâmica da cidade, através da sobreposição de usos públicos-coletivos e privados, mas sem perder de vista o seu valor enquanto vazio, leia-se respiro na cidade,
partido Edifício-praça: lajes sobrepostas associadas às equipamentos públicos e alguns usos privados. Os pésdireitos são generosos de modo à aumentar a sensação de vazio, pouco adensado. Uma pele “transparente” envolve o edifício demarcando a massa que se insere na cidade ao mesmo tempo em que permite que se veja o que acontece em seu interior. Na medida do possível o edifício estabelece conexões da rua com os fundos do terreno, ora dando para o rio ou para uma encosta vegetada e conecta-se aos imóveis vizinhos, criando novas oportunidades de passagem e de contato entre o público e o privado.
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programa Cada terreno se compõe do edifício em praças elevadas e pelo menos mais um uso de caráter privado que varia de acordo com o contexto. [1] Numa área de processo de consolidação de uso comercial propõe-se unidades comerciais e praça pública; [2] Dada a proximidade com a Escola Estadual Edmundo Lins, propõe-se uma “biblioteca” nesse vazio, um espaço de acesso à informação e aos meios digitais, tanto para uso dos estudantes quanto para a população em geral. O edifício vizinho se conecta ao edifício praça. [3] Aqui um restaurante popular, uma expansão da creche vizinha e unidades comerciais conviverão nos vários níveis das praças do edifício. [4] Um teatro aberto e salas de ensaio, além de unidades comerciais dividirão espaço nessa esquina que oferece ótimas oportunidades de encontros no Centro.
terreno Define-se um dos quatro terrenos previamente expostos para efeitos de projetação efetiva. O vazio de número 3, localizado na Av. Santa Rita parece uma boa oportunidade de aplicar as experimentações do tema, tendo em vista os seguintes aspectos: > Está dentro da tipologia identificada; > Está localizado em zona bastante adensada; > Está localizado em via arterial, com um ponto de ônibus exatamente em frente e fluxo intenso de pedestres; > Tem como vizinho um edifício com janelas voltados para seu interior, o que gera um desafio de projeto; > Tem fundos para o Ribeirão da Conceição;
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o projeto
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O projeto se materializa numa espécie de edifício vertical constituído de uma sucessão de lajes em meio-níveis, envolta por uma trama metálica. A verticalização se justifica porque, como se viu no princípio deste trabalho, restam poucos espaços vazios na região central da cidade, e os poucos que restam tem dimensões pequenas para os programas propostos. Dessa forma a verticalização surge como solução. A proposição prima pela valorização do respiro, da pausa que o vazio proporciona, tal como coloca Sola Molares, dessa forma a envoltória demarca o objeto arquitetônico
estimular as interações entre um andar e outro e também somam nessa sensação de espaço aberto. O primeiro pavimento elevado do solo, com piso metálico transparente possibilita a visão do solo natural 3 metros abaixo de seu nível. Esse pavimento abriga a primeira praça e, em sua entrada uma escadaria-arquibancada e um restaurante popular. Na extremidade oposta outra arquibancada que dá acesso e vista ao rio. No pavimento superior, salas de expansão da creche vizinha do terreno, com um acesso direto desse equipamento às suas novas instalações, sendo este demarcado pela escada que aparece na fachada lateral. A segunda praça é um meio-nível entre os dois andares da creche com caráter portanto de playground de uso aberto ao público e de das crianças que usam a creche. No último andar, unidades comerciais com instalações para uma praça de alimentação de uso noturno, pensando em atender a demanda de uso da Av. Santa Rita. Esse pavimento tem mobiliário fixo de mesas e cadeiras. A circulação entre as lajes está localizada no vão central, inclusive a circulação das unidades da creche, gerando esses encontros entre pessoas que usam a praça e
virtualmente ao mesmo tempo em que mantem essa sensação de vazio na cidade. Somados aos pés-direitos de 4 metros das lajes o usuário tem uma experiência de estar
os equipamentos nela contidos. É nessa circulação também onde o edifício-praça se conecta ao edifício residencial vizinho, relaxando então esse limite entre o público e o
num espaço que não é enclausurante. As lajes são colocadas em meios-níveis para
privado.
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bibliografia
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