Escola da Planta: Experiências na produção de arte por meio do conhecimento indígena

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INSTITUTO SINGULARIDADES/ ITAÚ CULTURAL

Rafael Perpétuo de Souza

Escola da Planta Experiências na produção de arte por meio do conhecimento indígena

Belo Horizonte/São Paulo Setembro, 2020


INSTITUTO SINGULARIDADES/ ITAÚ CULTURAL

Rafael Perpétuo de Souza

Escola da Planta Experiências na produção de arte por meio do conhecimento indígena

Trabalho apresentado para a Conclusão de Curso em Especialização

em

Gestão

Cultural

Contemporânea:

da

Ampliação do Repertório Poético à Construção de Equipes Colaborativas. Orientadora: Naine Terena

Belo Horizonte/São Paulo Setembro, 2020 1


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................... 5 1 - UMA MUDANÇA NO PARADIGMA DA EDUCAÇÃO ............................................................................ 7 2 - PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO CICLO DE ESTUDOS ..................................................................... 10 2.1 Ciclo de Estudos .............................................................................................................................. 11 2.1.1 Programação da DAU: Ciclo estudos de arte e saberes indígenas ....................................... 12 2.1.2 Convidados oficinas:............................................................................................................. 13 2.1.3 Convidados conversas: ......................................................................................................... 14 2.1.4 Apresentações: ..................................................................................................................... 17 2.2 Organograma do Ciclo de Estudos .............................................................................................. 18 3 O LIVRO DE ARTISTA ........................................................................................................................... 20 3.1 Experiências Pessoais ............................................................................................................... 201 3.1.1 Ayahuasca .......................................................................................................................... 223 3.1.2- Sananga ............................................................................................................................. 267 3.1.3- Rapé .................................................................................................................................. 278 4 A ESCOLA QUE QUEREMOS E NECESSITAMOS CONSTRUIR ............................................................... 31 4.1 - Fundamentos Didático-Pedagógicos....................................................................................... 312 4.2 Missão e visão de futuro da escola ........................................................................................... 312 4.3 Programas Especiais da Escola .................................................................................................. 323 CONCLUSÃO ........................................................................................................................................ 334 Referência Bibliográfica ...................................................................................................................... 356

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Agradecimentos

Ao Itaú Cultural e ao Instituto Singularidades por serem instituições comprometidas com o crescimento cultural e pela justiça social de brasileires; ao querido irmão e artista Shima que me “empurrou” à inscrever nesta Especialização, agradeço pela caminhada sempre próxima e o olhar afiado; à equipe da Especialização: Tatiana Schunck, Thays Heleno, Renan Jordan, Tayná Menezes e Val Toloi, sempre carinhoses e cuidadoses; professores do curso, que sempre trouxeram visões e experiências impressionantes que me fizeram questionar minha realidade e a sair da zona de conforto; meus colegas que sempre trouxeram o debate e a provocação, com ensinamentos de vida que me transformam; à minha orientadora, Naine Terena e ao Harnoldy Terena, que me “despertaram”; à minha companheira Livia Souza Lima, que sempre esteve disposta à ler atentamente com seu olhar de socióloga. Haux! Haux!

RESUMO

Esta pesquisa investiga os processos de aprendizado não formal, a partir dos conhecimentos indígenas acerca dos usos e faturas produzidos com plantas diversas, que produzem drogas enteógenas. Este conhecimento torna-se um guia quando, nos propomos a produzir arte. Assim sendo, produzimos obras de arte e um ciclo de estudos que tem por objetivo avançar na introdução do pensamento ancestral dos povos originários, ao público ocidental.

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INTRODUÇÃO

“TODAS as plantas têm poder”. Naine Terena

Quando nos deparamos com a transferência dos saberes, que a mim, muito mais suscita um compartilhamento de saberes do que uma transferência propriamente dita, nos esbarramos com propostas pedagógicas que dialogam sobre planos de trabalho que visem otimizar e também sistematizar o conteúdo que será discutido. Trata-se da elaboração de Projetos Políticos Pedagógicos, disciplinas, ementas, seminários e cursos de pequena ou longa duração. Todos esses formatos de compartilhamento de conteúdo partem do pressuposto da existência de um saber que precisa ser disseminado, seja ele voltado para o público infantil, juvenil ou adulto. Trata-se de aglutinamento de reflexões sobre as práticas que serão adotadas para que aconteça um movimento de reflexão, enfatizando a identidade daqueles que as propõem, bem como suas expectativas. Utilizaremos da construção e idealização de um ciclo de estudos para apresentar nossa proposta de discussão sobre o tema, que, embora seja apresentado aqui enquanto um documento, deve ser analisado de modo holístico, capaz de ser atualizado sempre que necessário e lido em consonância com outros materiais que transcendem as barreiras da escrita e entram no campo das artes e do lúdico. Este Trabalho de Conclusão de Curso é um experimento que almeja potencializar a discussão sobre a inserção das plantas em nossa cultura enquanto escola, trazendo para o debate a possibilidade de elaboração de um ciclo de estudos capaz de trabalhar o conhecimento indígena acerca das plantas em seus diversos espectros - medicinal, espiritual, recreativos - a partir das palavras dos povos originários. Ressaltamos que este ciclo de estudos acontece no campo ficcional no momento desta escrita, ainda que com ambições de realização física. Como disse Davi Kopenawa, “Desenhe-as primeiro em peles de imagens, depois olhe sempre 4


para elas.”1 (KOPENAWA, ALBERT, 2015, p. 64). Em tempo de pandemia, pensar na possibilidade de que se realize de modo virtual nos parece imprópria, já que, boa parte das práticas que indicaremos nos capítulos seguintes, dependem de trocas corpóreas e energéticas entre participantes. Em conjunto com o ciclo de estudos temos a proposta de apresentar também um livro de artista, que materializará minhas experiências envolvendo essa interrelação entre homem, arte, ancestralidade e cultura das plantas. Destacamos, por fim, que trabalharemos tanto o ciclo de estudos como o livro de artista, centrado em três plantas/seres, apresentando como diferentes nações indígenas se conectam com a ayahuasca, a sananga e os rapés. A escolha por essa delimitação se faz em virtude de identificarmos que, atualmente, a sociedade ocidental já se encontra em constante contato com essas plantas. Temos comunidades em Minas Gerais que consagram a ayahuasca, rapés indígenas que veem do Acre, por exemplo, assim como a sananga. Outro ponto, é que, enquanto artista, gostaria de delimitar o objeto de pesquisa entre o meu contato com essas plantas para conseguir materializar os sentimentos e o poder de cura que elas me proporcionaram.

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1 - UMA MUDANÇA NO PARADIGMA DA EDUCAÇÃO

“Tudo é educativo: a roda de conversa no final da noite, a dança, o canto, a reza, as plantas medicinais e para alimentação”. Daniel Munduruku

Corroborando com a citação de abertura desse capítulo, acreditamos que tudo é educativo. Ou seja, a forma como nos comportamos diante dos nossos filhos é um modelo de educação, discutir com os amigos num bar nos ensina a sopesar diferentes pontos de vista, rezar nos eleva aos nossos deuses, bem como apreciar a sabedora daqueles que consagram as plantas nos educa para vivermos enquanto parte deste universo. Quando nos prendemos à filosofia ocidental, por exemplo, podemos identificar que para muitos estudiosos os homens aprendem quais símbolos devem consumir. Desenvolvem habilidade para se conectar com padrões socialmente aceitos e passam a replicar esse comportamento típico pelo hábito. Importante compreender o que é habitus2 para que possamos perceber que estamos dentro de um sistema de disposições que são internalizadas e acabam por nos “programar” para nos comportarmos tal como as práticas sociais esperam e, assim, nos adequarmos à estrutura social na qual estamos igualmente inseridos. Nessa perspectiva, os homens tendem a reproduzir suas ações, e isso não deixa de ser uma forma de educação. Contudo, a sociedade contemporânea vive um clima geral de insatisfação. Temos uma guinada, que não diz exclusivamente do Brasil, à extrema-direita que ignora os direitos humanos, o direito à terra, ao trabalho, massacra indígenas e negros, vilaniza a esquerda e criminaliza a ciência e o conhecimento. Passamos por um momento onde o retorno do homem as suas origens tornam-se urgente, pois, cada vez mais, os humanos investem em tecnologia, perdem qualidade de vida, instigam o capitalismo e o consumo desmedido e abandonam valores fundamentais passados por nossos ancestrais. As marcas da colonização estão na superfície, na pele daqueles que foram usurpados por nações estrangeiras. Hoje vemos a 6


necropolítica de escravizadores, que até pouco tempo eram minimizados como parte de uma cultura heterogênea como a brasileira, tornarem-se insuportáveis para brancos que buscam se conscientizar, mas que arde na carne de indígenas e pretos, num racismo desmedido que, encontrava-se enraizado e relevado em frases como “somos um povo miscigenado, não existe racismo no Brasil”. Existe e as estatísticas mostram o quanto se mata todos os dias pelo racismo estrutural cada vez mais latente. No campo econômico isso se materializa entre um constante embate de classes, tão complexa que consegue determinar vitoriosos de derrotados a partir do ganho financeiro. Podemos dizer que vivemos uma das maiores depressões de nossa existência: desemprego, miséria e teorias absurdas. Depois de crescimentos e conquistas importantes, estamos diante do declínio. Muitos dizem que nosso planeta está doente. Algo que vemos na atualidade é esse distanciamento entre sociedade e planeta, o homem cada vez mais se separando da sua origem, perdemos muitos dos nossos valores e isso reflete em como estamos hoje aprendendo a viver, a forma como estamos sendo EDUCADOS e como EDUCAMOS nossos descendentes. Em uma sociedade burocrática, massificada pelo seu elevado fluxo de informações (muitas das quais enganosas), a atual situação da educação brasileira demonstra a falta de percepção coletiva, da distância entre o real e o esperado, refletida na falta de vontade política e condições concretas para a existência de uma escola que dê conta das transformações deste novo século. Como a sociedade que estamos não é homogênea e sim, contraditória e diversa, é exatamente nessa contradição que haverá espaço para a transformação. De fato, a crise na educação perpassa por múltiplas instâncias, uma delas reflete a própria desvalorização do lugar daquele que provem o ensinamento. Passamos no mundo ocidental a viver com a dualidade de tratar o professor com o mínimo de respeito e, lado outro, exigir que ele faça também o papel de educador dos filhos em áreas que deveriam ser da família. O conhecimento indígena, especialmente, é tratado como folclore, ultrapassado e marginal. Medicina e produção indígena é sim cientificamente comprovada, e não faltam revistas científicas, artigos e grupos de estudos que atestam isso. 7


O espaço educativo, entretanto, tem procurado reordenar a centralidade e importância destes e outros conhecimento além do esquema burocrático civilizatório. Quando se recria enquanto espaço aberto de comunicação, participação, criatividade, visão e atitudes críticas, há um sinal de possibilidade de novas experiências. Para discutir todo esse tema, ressaltamos a importância de voltarmos nossa educação para um movimento holístico, capaz de congregar homem, fauna, flora, espírito. Segundo Bruno Latour, Bruno Latour, falando da crise da ontologia dos Modernos e da catástrofe ambiental planetária a ela associada, assistimos hoje a um “[r]etorno progressivo às cosmologias antigas e às suas inquietudes, as quais percebemos, subitamente, não serem assim tão infundadas” (Latour, 2012, p. 452). Ressalve-se apenas o “antigas” na frase acima — pois o que “percebemos, subitamente”, é que elas são nossas contemporâneas; se precederam as nossas, nunca deixaram de coexistir com elas e, como já dissemos, não é impossível que sobrevivam a elas. (KOPENAWA, ALBERT, 2015 p.35)

A sociedade que queremos e necessitamos construir, em síntese, representa uma sociedade que se reconheça múltipla, disforme e, ao mesmo tempo, universal. Para isso, partimos do entendimento de unicidade que Aílton Krenak nos proporciona em Ideias para Adiar o Fim do Mundo. Conforme ele pondera, todos os seres viventes e de outros planos (Davi Kopenawa os denomina Xapiri), incluindo humanos, animais, plantas e minerais, são parte de um todo “UM” e parentes entre si. Nessa visão, somos todos organismos de um ecossistema que vivencia cotidianamente experiências diferentes, porém, interligadas, entendendo que somos todos um só, porém com suas particularidades e que isso não possa ser usado como arma de segregação. É necessário que assumamos a educação com a ideia de que TUDO é aprendizado e conhecimento. Para além do padrão de formatação do conhecimento erigido especialmente pelo Renascimento e depois pelas reformas educacionais no Brasil do começo do século XX. A escrita e a ciência proporcionam uma série de mecanismos padronizadores do conhecimento que não conseguem abarcar todo o espectro da existência. Na sociedade ocidental falamos até então de transmitir conhecimento, como se existisse um único interlocutor que não se conecta às experiências do outro. Tampouco pensamos em outras formas de adquirir

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conhecimento, que não pelos livros e palestras. Neste sentido, Krenak traz uma importante contribuição expansiva de educação, como aprendizado: “(...) trouxeram a referência a essa instituição do sonho não como uma experiência onírica, mas como uma disciplina relacionada à formação, à cosmovisão, à tradição de diferentes povos que têm no sonho um caminho de aprendizado, de autoconhecimento sobre a vida, e a aplicação desse conhecimento na sua interação com o mundo e com as outras pessoas.” (KRENAK, 2019)

O autor exemplifica a fala de outros palestrantes daquele mesmo dia, onde desenvolvem as relações de cada um e de suas origens com os sonhos e o conceito de sonho que temos nas sociedades ocidentalizadas. É muito interessante notar que aquilo que o mundo ensinou a categorizar como esotérico e fora das sociedades tecnicistas, é tomado por Krenak como, de fato, um meio de conhecimento, para além do que se entende como tal. Segundo Viveiros de Castro, “O sonho, particularmente o sonho xamânico induzido pelo consumo de alucinógenos, é a via régia do conhecimento dos fundamentos invisíveis do mundo, tanto para os Yanomami como para muitos outros povos ameríndios.” (KOPENAWA, ALBERT, 2015 p. 38)

Precisamos de uma educação voltada para a ética e a cidadania, compromissadas com a diversidade, trabalhando a conscientização e sensibilização de

todos

e

seu

desenvolvimento

integral.

Uma

educação

participativa

e

emancipatória, pluridimensional, onde sejam desenvolvidas as dimensões técnicocientíficas, humanas, inumanas e político-sociais.

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2 - PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO CICLO DE ESTUDOS

Como dito na introdução, esse trabalho é dividido em duas partes, a primeira delas refere-se ao documento que aqui denominamos de lúdico teórico, construído enquanto uma proposta de um ciclo de estudos embasado nas acepções supramencionadas, que servirá para dar andamento, no futuro, à Escola da Planta. O objetivo é contribuir para a formação de pessoas não-indígenas e a congregação entre todos, porém, visa apresentar o conhecimento desses povos no que se refere aos recursos culturais, etnobotânicos, históricos e filosóficos, capaz de integrar aspectos da vida que comumente particionamos: escola (conhecimento), família (experiência), arte (expressão/comunicação) e comunidade (vivência), na busca por crescimento espiritual, mental e de bem-estar. O que aqui se apresenta é uma demonstração da possibilidade de tratar esse tema de modo ampliado, que não necessariamente se concretiza enquanto um livro, mas sim, uma vivência, um espaço de imersão na cultura do outro. Pois, é urgente e necessária, uma reorganização qualitativa de todo o processo vivido a partir de nossa relação com as plantas e a arte/cultura. O ciclo de estudos visa iniciar essa reorganização, porém, ela só se concretizará se o processo for concebido e assumido por todos ocidentais no futuro. O ciclo de estudos busca desencadear uma reflexão coletiva. Isso implica empenho na democratização do conhecimento, entendida pelos esforços individuais e coletivos, em contraponto à tradição conservadora, autoritária e hierárquica da ciência e política ocidental. Cabe ponderar por fim, que, atualmente, a academia entende como necessário coadunarmos o conteúdo transmitido em sala de aula com a realidade do receptor. Isso significa ir além desse saber científico consolidado nos livros, trazendo à baila mais conteúdos que são próximos a realidade, respeitando, assim, suas histórias de vida e cultura. Algo que este TCC pretende fazer, pois, visa organizar o trabalho pedagógico deste ciclo de estudos como um todo, levando em consideração sua ampliação a partir do desejo, interferindo diretamente na definição de existência de cada um, nos embates, nos consensos, no exercício do diálogo, na luta pela 10


participação e visibilidade dos temas e dos indígenas, invisibilizados diante de uma cultura excludente que teima em resistir aos novos paradigmas do conhecimento.

2.1 Ciclo de Estudos

Dando prosseguimento a todos antecedentes ditos, passamos agora a desenhar o ciclo em si. Provisoriamente iremos chamá-lo de DAU: Ciclo de estudos de arte e saberes indígenas. O nome “DAU” vem do Huni Kui para medicina. Trata-se de evento multidisciplinar de 6 dias, onde o foco é o uso das plantas em suas diversas acepções de arte, cura, saúde e alimento por nações indígenas, ciganas e quilombolas. Pensamos na tradução dessas culturas em conversas, apresentações e exposições artísticas e culturais que tem por objetivo trazer ao público o conhecimento ancestral, pouco difundido em nossa cultura ocidental, tendo a produção de arte como meio de expressão dos ensinamentos transmitidos de geração em geração pela resistência e oralidade. Como diz Kopenawa, “Eu não aprendi a pensar as coisas da floresta fixando os olhos em peles de papel. Vi-as de verdade, bebendo o sopro de vida de meus antigos com o pó de yãkoana que me deram. Foi desse modo que me transmitiram também o sopro dos espíritos que agora multiplicam minhas palavras e estendem meu pensamento em todas as direções.” (KOPENAWA, ALBERT, 2015 p. 76) (Figura 1)

Figura 1: Aplicação de rapé. Foto: Lisa Leiding, 2016 11


O público alvo são cidadãos que consigam viver e entender a vida com espírito coletivo e emancipatório. Que tenham valores em transformação: éticos, conscientes e reflexivos. Capacitados a usar suas habilidades e conhecimentos em prol si mesmo e de uma sociedade diversa. Que sejam politicamente esclarecidos e possam desenvolver-se enquanto seres. Para cada dia será adotado uma sequência de atividades que começam com rituais propostos pelos convidados – como “passar” rapé – para realizar uma limpeza e pedir permissão para o começo das ações. Seguem-se oficinas na parte da manhã, propostas conforme quadro abaixo. Na parte da tarde, a proposta é de realizarmos ciclos de conversas com os convidados, sendo a temática estabelecida por eles, bem como o formato avaliado conforme entenderem pertinente para melhor adequação ao conteúdo. Entendemos que o conhecimento maior a ser compartilhado é deles e, desse modo, cabe a eles a decisão do formato mais adequado. Porém, à título de exemplo, deixaremos abaixo algumas indicações de forma ficcional. No primeiro dia, ao fim da tarde haverá uma abertura de exposição. Nos dias seguintes apresentações diversas/performances. Desta forma, contemplaremos o “produto” deste TCC que são as produções artísticas. Finalmente, no último dia, será discutido um evento de encerramento, possivelmente um Toré.

2.1.1 Programação da DAU: Ciclo estudos de arte e saberes indígenas Previsão de data: 7 à 12 de junho de 2021

Tema

Segunda

Terça

Quarta

“Despertar”

“Dau”

“Performances “Arte

“Outros

curativas”

processo”

mundos”

Ritual

Ritual

Evento

Oficina:

cultural:

Manhã

Ritual

Ritual

Ritual

9h

Oficina:

Oficina:

Oficina:

“Preservação “Ficções de

plantas plantas”

sagrada” com Ricardo.

“As Oficina:

Sexta

das sementes e a “Fotografia

“Plantas

com literatura” com como

resistência”

Julie Dorrico Pai

Quinta

Mariana

preservação

Martins

da

Sábado

de Toré

com Denilson

memória Baniwa

e

orgânica” com Tainá 12


Edgar

Marajoara

Kanaykõ Tarde

Ciclo

14h

falas:

de Ciclo de falas: Ciclo de falas: Ciclo de falas: Ciclo de falas: Kaká Beatriz

Werá, Daniel Labate,

Kamuu

Dan Dani

Wapichana,

Kopenawa,

Pai

Ricardo,

Brigitte

Mundukuru e Sandra Lucia Ibã Huni Kuin Casé Agatu e Grossmann Naine

Goulart e Eri e

Ademário Tiganá

Terena:

Manchineri:

Ribeiro:

“Educação

“Ayahuasca

arte que vem “Plantas como Baniwa:

pelas

como

das plantas”

plantas”

conhecimento”

“A Santana: resistência”

Cairus, Denilson “Povos

à

margem

e

seus ensinamentos pelas plantas.” Noite

Abertura

18h

exposição coletiva

de Apresentação: Márcio de Tserehité

arte: “Dau”

Apresentação:

Apresentação: Apresentação:

Brisa Flow

Tiganá

Bro Mc’s

Santana

Tsererãi’re:

Performance: Sallisa Rosa

2.1.2 Convidados oficinas: Julie Dorrico: Artista e escritora. Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Letras na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; Mestre no Programa de Pós-Graduação do Mestrado em Estudos Literários na Universidade Federal de Rondônia (2015); Graduada em Letras Português e suas respectivas Literaturas na Fundação Universidade Federal de Rondônia (2013).

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Pai Ricardo: coordena a Associação de Resistência Cultural Afro-brasileira Casa de Caridade Pai Jacob do Oriente (CCPJO), que atua desde 1966 no complexo da Pedreira Prado Lopes, em Belo Horizonte (MG). Pai Ricardo, como é conhecido na comunidade, herdou dos pais os conhecimentos sobre as ervas, os toques e cuidados com os tambores, as cantigas, as benzeções, rezas e consulta ao oráculo de búzios com fundamento na matriz Angola, saberes que ele busca preservar e difundir na cidade de Belo Horizonte.

Mariana Martins: Educadora com trabalhos de mediação em bibliotecas públicas, realiza pesquisa sobre as sementes na Especialização da Itaú Cultural.

Denilson Baniwa: É um artista brasileiro, curador, designer, ilustrador, comunicador e ativista dos direitos indígenas. Conhecido como um dos artistas contemporâneos mais importantes da atualidade por romper paradigmas e abrir caminhos ao protagonismo dos indígenas no território nacional. É indígena do povo Baniwa.

Tainá Marajoara: É formada em Ciências Sociais e em Comunicação Social na Universidade Federal do Pará (UFPA) com especialização no núcleo de estudos de história oral da Universidade de São Paulo (USP). Diretora do projeto CATA - Cultura Alimentar Tradicional Amazônica - da Ong Amazônia Viva, Tainá é uma das lideranças nacionais pelo reconhecimento da comida como cultura.

Edgar Kanaykõ: É formado em Ciências Sociais/Humanas, no curso de Formação Intercultural de Educadores Indígenas (FIEI), da Faculdade de Educação da UFMG. Tem atuação livre na área de Etnofotografia, como “um meio de registrar aspectos da cultura e da vida de um povo”

2.1.3 Convidados conversas: Ibã Huni Kuin: Ibã huni Kuin (Isaías Sales) é um txana, mestre dos cantos na tradição do povo huni kuin. Ao tornar-se professor na década de 80, aliou os saberes de seu pai Tuin Huni Kuin aos conhecimentos ocidentais, passando a pesquisar na escrita a sua tradição junto com seus alunos. Ingressa na Universidade (Universidade 14


Federal do Acre, Cruzeiro do Sul, AC) em 2008 e cria o Projeto Espírito da floresta visando, com seu filho Bane, pesquisar processos tradutórios multimídia para esses cantos compondo o coletivo MAHKU – Movimento dos Artistas Huni Kuin.

Kaká Werá: Kaká Werá Jecupé é índio de origem tapuia, escritor, ambientalista, conferencista; fundador do Instituição Arapoty, organização voltada para a difusão dos valores sagrados e éticos da cultura indígena.

Daniel Mundukuru:

Nasceu em Belém, PA, filho do povo Indígena Munduruku.

Formado em Filosofia, com licenciatura em História e Psicologia, integrou o programa de Pós-Graduação em Antropologia Social na USP. Autor de Histórias de índio, coisas de índio e As serpentes que roubaram a noite, os dois últimos premiados com a Menção de livro Altamente Recomendável pela FNLIJ. Seu livro Meu avô Apolinário foi escolhido pela Unesco para receber Menção honrosa no Prêmio Literatura para crianças e Jovens na questão da tolerância.

Beatriz Labate: é Doutora em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP.

Suas principais áreas de interesse são o estudo de

substâncias psicoativas, políticas sobre drogas, xamanismo, ritual e religião. É Professora Visitante do Centro de Pesquisa e Estudos de Pós Graduação em Antropologia Social (CIESAS), em Guadalajara, e Professora Associada do Programa de Política de Drogas do Centro de Pesquisa e Ensino em Economia (CIDE), em Aguascalientes, México.

Sandra Lucia Goulart: Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (1989), mestrado em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo (1996) e doutorado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (2004). Tem experiência na área de Ciências Sociais em geral, com ênfase específica em Antropologia, atuando principalmente com os seguintes temas: religião, religiosidade popular, religiões ayahuasqueiras, cultos afro-brasileiros, xamanismo, fenômenos amazônicos e contextos de usos de drogas.

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Kamuu Dan Wapichana: Natural de Boa Vista, Kamuu Dan Wapichana mora atualmente em Brasília. Além do primeiro lugar em 2017, foi segundo colocado no 12º Concurso FNLIJ/Inbrapi Tamoios de Textos de Escritores Indígenas – 2015, com o conto ‘A árvore dos sonhos’, em processo de publicação em forma de livro. Seu livro infantil Presente de Makunaimã também deve ser lançado em breve. Ademário Ribeiro: Ademario Ribeiro é indígena do Povo Payayá (Miguel Calmon – Piemonte da Chapada Diamantina, Bahia). Doutorando e Mestre em Ciências da Educação pela Universidad Interamericana (UI). Especialista em Educação, Pobreza e Desigualdade Social (EPDS) pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Licenciado em Pedagogia pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). É escritor (poeta e teatrólogo). Diretor Teatral, Ambientalista, Fundador da Associação ARUANÃ e da Associação MUZANZU, entre outras atuações.

Eri Manchineri: está em duas formações em curso: a de pajé, desde criança, e a de antropólogo, na UFSCar. Aborda o uso tradicional da ayahuasca considerando a diferença de seu uso na tradição e na cidade.

Casé Angatu: Casé Angatu Xukuru Tupinambá é professor do curso de graduação em História na Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC, em Ilhéus, na Bahia e do Programa de Pós Graduação em Ensino e Relações Étnico Raciais da Universidade Federal do Sul da Bahia – Campus Jorge Amado PPGER-UFSB-CJA, em Itabuna, também na Bahia. Casé é doutor pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo – FAU/ USP, mestrado em História na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. É graduado em História pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP.

Davi Kopenawa: é um escritor, xamã e líder político yanomami. Atualmente, é presidente da Hutukara Associação Yanomami, uma entidade indígena de ajuda mútua e etnodesenvolvimento.

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Brigitte Grossmann Cairus: doutora pelo Programa de Pós Graduação em História da Universidade do Estado de Santa Catarina, UDESC em Florianópolis. Foi doutoranda na York University, Toronto, Canadá em História da América Latina Contemporânea. Como docente trabalho com questões voltadas à cultura, história, memória material e imaterial, história da arte, da arquitetura e moda dos povos ciganos.

Naine Terena: Doutora em educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), Naine Terena é autora do projeto Territórios Criativos Indígenas, do antigo Ministério da Cultura e da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), que visa ao desenvolvimento da economia criativa entre quatro povos indígenas do estado. Este depoimento foi gravado em 2017.

2.1.4 Apresentações: Sallisa Rosa: Se dedica a investigações contemporâneas de imagens e temas que a atravessam, dentre os quais a própria identidade e o universo feminino, assim como futuro, ficção e descolonização. Usando fotografia, vídeo e outras estratégias, propõe investigações e experiências em torno da identidade nativa contemporânea da cidade. Bro MC’s: primeiro grupo de rap indígena do Brasil.

Brisa Flow: multiartista mineira com descendência chilena e indígena. Márcio Tserehité Tsererãi’re: famoso cantor da etnia xavante que reside na aldeia Belém na Terra Indígena

(TI) Pimentel Barbosa, município de Canarana, Mato

Grosso.

Tiganá Santana: é um cantor, compositor, violonista e poeta brasileiro. É professor de Filosofia na UFBA e da pós-graduação no Itaú Cultural.

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2.2 Organograma do Ciclo de Estudos

Ciclo de Estudos

Una Isi Kayawa – Livro da cura

Queda do Céu – Davi Kopenawa

Rapé

Ayahuasca

Sananga

Ensinamentos

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3. O LIVRO DE ARTISTA

A segunda parte deste TCC materializa-se no Livro de Artista. Minhas pesquisas desde muito tempo estiveram informalmente numa investigação sobre os poderes e o uso das plantas. Despertava-me o interesse por terem nas particularidades, senão, as personalidades de cada organismo, potências infinitas que ativavam e desativavam diferentes necessidades do ser humano e do universo. Cada

pessoa

com

quem

eu

tive

interlocução

que

detinha

esses

conhecimentos, me suscitavam mais e mais curiosidade. Não ser um botânico me mantinha mais interessado, pois não estava no lugar do cientista e não me seduzia a ideia de dominar os aspectos “invisíveis” das ervas. Me interessava passar o dia ao lado de Pai Ricardo, da Casa de Caridade Jacob do Oriente, em Belo Horizonte, escutando e vendo-o lidar com as plantas que a casa utiliza em suas cerimônias ou, ainda, em seus processos de cura. Interessava encontrar livros antigos de poções, ervas medicinais, curandeirismo ancestral. Sonhava em ir até o norte de Minas conhecer um senhorzinho de 92 anos conhecido como “o cura” local. Eu mesmo, chamado por amigos de “raizeiro”. Desejava passar um tempo entre os Huni Kuin, no Alto Rio Jordão, que quando estavam de passagem por Belo Horizonte, me encantavam com suas palavras. Nas minhas caminhadas, passei a separar as plantas em, talvez, quatro tipologias: plantas alimentícias; plantas enteógenas; plantas ornamentais; plantas medicinais. Dentro destas, as que mais interessava eram as enteógenas3 e medicinais. As últimas, fazem parte de nossos conhecimentos ancestrais advindos tanto do contato indígena quanto a ritos pagãos escamoteados pela cultura cristã. Já os enteógenos, que até então os entendia como psicodélicos, tornam-se parte focal do meu interesse. Especialmente, quando fazemos a distinção entre enteógenos e psicodélicos, pela separação entre os usos e funções, onde os primeiros têm o intuito de induzir curas e tratamentos nos mais diversos aspectos enquanto o segundo tem uma função recreacional. O que não faz deste menos importante, especialmente hoje, durante uma pandemia de proporções globais, o direito ao 19


delírio e ao ordinário tornar-se mais que vitais na manutenção do bem-estar psicossocial. Ressaltamos que o foco dessa discussão não é a utilização das plantas em suas múltiplas acepções, tampouco se trata de um trabalho autobiográfico, mas sim, compreender que estas são utilizadas de diversas formas por nós ocidentais a partir de ensinamentos dos povos indígenas. E, se assim o são, como podemos criar camadas dessas experiências enquanto plano de saber? Como podemos desenvolver a ideia de uma “educação pela planta”, fortalecendo o seu cunho medicinal, criativo e da própria descoberta do indivíduo? O livro de artista pode ser definido como um trabalho artístico no qual serão apresentadas minhas experiências pessoais envolvendo o uso de plantas e medicinas indígenas de forma gráfica e pictórica. A pintura e os livros de artista hoje compõem minha principal forma de expressão enquanto artista visual, de modo que me comunico com o mundo utilizando desses instrumentos e, neles, sistematizo experiências e saberes, documentando um pensamento adquirido na minha trajetória. Ressalto que contemplarei no livro de artista, muito de minha vivência, do aprendizado dentro da Especialização em Gestão Cultural Contemporânea: da Ampliação do Repertório Poético à Construção de Equipes Colaborativas promovida pelo INSTITUTO SINGULARIDADES/ ITAÚ CULTURAL e, dos ensinamentos indígenas que estão tanto na referência bibliográfica quanto nas palavras que escutei.

3.1 Experiências Pessoais

Como dito anteriormente, o livro de artista tenta materializar minhas experiências com plantas medicinais de modo experimental, associadas a momentos de pesquisa teórica e reflexões. E, por tal razão, compõem uma das partes fundamentais deste TCC. Foi a partir destas que consegui vislumbrar a ideia de uma “Escola da Planta”. A experiência pessoal e depois a coletiva são essenciais para conseguirmos absorver o invisível. Isto produziu ensinamentos fisiológicos, 20


espirituais

e

mentais.

Acompanhado

da

bibliografia,

tornam-se

partes

complementares em um aprendizado que deságua na produção artística. Desenvolvemos um conteúdo que dará base para a abertura de mais frentes ampliadas de produção pedagógica que embasará futuros desdobramentos, como uma tese de doutorado e, por fim, a concretização da “Escola da Planta”. Em todos os momentos em que tive contato com essas plantas, durante as divagações e estágios mentais (Figura 2), dependendo de qual foi a planta condutora, utilizei parte do tempo para meditar. Os cantos, hinários e mantras são bastante interessantes para o firmamento da mente. A repetição leva um estado de concentração quase-transe que, associado à uma medicina, levam à estados de interiorização e percepção aguçados. Alguns como “Kanô Kanô” da nação Yawanawa, “Pasha Dume Pae” Huni Kuin, “Jurema, ó Jurema”. Na cultura indoasiática, a palavra ॐ(Universo), o “O” é um chamado e o “M” é o som do universo. Quando do “M”, coloco a língua no céu da boca, o que causa uma vibração no palato, que irradia para o corpo, gerando uma vibração física que transmuta para a energia, causando um novo equilíbrio do corpo.

Figura 2: Aplicação de rapé por Rafael Perpétuo. foto: Lívia Souza Lima

21


O livro de artista (Figura 3) produto desta jornada, é um trabalho tridimensional, um objeto que personifica meu entendimento das relações com as plantas. Uma imagem replicada que apesar de abstrata, é a figuração de minhas sensações ao utilizar medicinas naturais: algo se move do lugar, algo balança, procurando um encaixe do que estava desencaixado. Tudo vibra, o corpo, a mente, a alma. O lugar de equilíbrio não está nas imagens, mas sim seu processo e sua jornada de busca.

Figura 3: "Canto do Rapé", livro de artista, Rafael Perpétuo. Foto: Rafael Perpétuo 22


3.1.1 Ayahuasca Ayahuasca, do quíchua aya, que significa 'morto, defunto, espírito', e waska, 'cipó', pode ser traduzido literalmente como "cipó do espírito". Tem outros nomes, como daime, iagê, vegetal, caapi. É uma beberagem enteógena, produzida a partir da combinação do Jagube (Banisteriopsis caapi) com a Chacrona (Psychotria viridis). Dependendo da localização onde é produzida, assim como a “intenção” para qual é feita, pode ter outras plantas utilizadas em seu feitio, como a Jurema Preta (Mimosa Hostilis), a Chaliponga (Diplopterys cabrerana), Arruda da Síria - (Peganum harmala). Darcy Ribeiro (1977) relega ao povo Inca, os conhecimentos mais antigos de seu feitio e uso. Estima-se que nações indígenas já utilizam a beberagem a milhares de anos. Mestre Irineu trouxe ao conhecimento ocidental no começo do século XX, criando a doutrina espiritual que a rebatizou como Santo Daime, onde se consagra o chá de forma sincrética pela Rainha da Floresta (Virgem Imaculada Conceição). Segundo Buse Huni Kuin (Cosmo): […] O Santo Daime, depois que padrinho Irineu recebeu a doutrina, ele santificou a ayahuasca, né, que é nixi pae como Santo Daime né, porque ele encontrou que o Santo Daime é um ser divino, hoje traz ensinamentos, seguimentos de bem pra humanidade. (OLIVEIRA, 2018)

No sentido da usança da ayahuasca, em nações como Huni Kuin e Yawanawa, que as denominam Nix Pae e Uni nesta ordem, há uma questão importante a ser tomada: tudo encontra-se em transformação, logo há uma certa “adaptabilidade” às necessidades e costumes dependendo da ocasião. É interessante notar que o uso para o xamanismo se diferencia do uso para festividades, que podem, no caso da primeira, prescreverem preceitos estritos. Novamente Aline Oliveira nota que essas novas relações produzem uma modalidade que é atravessada pela festa, onde a pajelança é tanto curativa quanto uma celebração (OLIVEIRA, 2018, p. 194). Antes de tudo é importante dizer que a Ayahuasca é uma beberagem enteógena que deve ser ingerida com consciência, respeitando o feitio e os métodos ancestrais, mentalizando processo de cura, aprendizado e iluminação. 23


Em meus processos (Figura 4), sempre realizados coletivamente em casas de cura, começo antes mesmo de chegar ao local, uma preparação para que a bebida possa realizar o processo de cura. Assim, desde a vestimenta de cor clara à não ingestão de bebida alcoólica e carnes, tudo faz parte de um processo que nos aproxima da espiritualidade. Procuro deixar um material, previamente estabelecido, para utilizar durante o trabalho. Durante as “mirações”, muitas das vezes, vem a escrita. Em outras, aquarelas ou desenhos. Diferentemente de grande parte do material artístico pesquisado, inclusive no livro de pinturas chamado “Ayahuasca Visions”, assim como no “Livro de Cura” dos Huni Kuin, meus trabalhos são abstrações, imagens sem direta conexão com a figura reconhecível. São traduções das vibrações do meu corpo. Estes podem ser vistos no livro de artista que compõe este TCC.

Figura 4: desenho durante "miração". Rafael Perpétuo

A Fraternidade Kayman (Figura 5), casa que frequentava até a pandemia, traz também diferentes rituais conforme o dia da semana. Lá é trabalhado o Umbandaime, que é uma mistura entre o Daime e a Umbanda, mas para além, é uma casa de sincretismo. Destaco este ponto, pois, existia ali uma utilização legalizada da Ayahuasca e, acima de tudo, respeitava-se todo o poder da beberagem enquanto medicina. Porém, resgatava o poder que ela tem de abertura 24


dos chacras para uma maior conexão com a espiritualidade. Cada experiência é única, e posso relatar cada vivência também por um prisma. Aqueles que comandam a casa costumam dizer que o Daime entra e limpa. A limpeza pode se dar de modo intestinal, com diarreias ou vômitos, mas também emocional, com gargalhadas ou choro. Outro ponto que destaco entre as coisas que lá escutei é que o Daime nos leva até onde precisamos ir e, por essa razão, não devemos lutar com a experiência que nos é proporcionada.

Figura 5: Fraternidade Kayman. foto: divulgação site.

O Daime para mim é um catalizador dado pela natureza para que possamos nos conectar mais rapidamente com o subconsciente e com os espíritos ancestrais. Sempre que participo do ritual mentalizo algo que eu queira desenvolver. Durante o trabalho, as conversas que acontecem, mediadas pelos cantos, atabaques ou até mesmo o completo silêncio da meditação, tem o poder de me guiar à um entendimento mais pacífico de questões importantes para mim. E sem dúvida, ao sair do processo, há uma clara sensação de limpeza física, mental e espiritual que 25


nos guia para dias mais equilibrados. Para finalizar, entendo Nix Pae como uma terapia que, ao primeiro gole, te transforma para sempre em outra pessoa. E essa pessoa está em uma jornada que não termina ao fim da peia4, nem continua por estar “pegado”, é um caminho para ser percorrido com sabedoria.

3.1.2- Sananga Os olhos são as janelas onde tudo o que vemos e projetamos. Tudo está lá guardado, inclusive nossa história. O espírito do sananga faz a cura expulsando todos os males da alma e da matéria.” 1 (Tuin Huã Kaxinawá, pajé da aldeia do Caucho do alto do rio Murú).

O espírito da Sananga (Figura 6) é um líquido usado como colírio, extraído da Tabernaemontana sananho, conhecido pelos Huni Kuin como "Mana Heîns". De dentro de sua raiz sai um sumo por decocção que trabalha a cura física e a espiritual. Seu princípio ativo é a Ibogaína, um alcalóide enteógenico supostamente capaz de antagonizar e anular a ação de uma série de alcalóides ou compostos orgânicos nitrogenados no cérebro que dão a sensação de tranquilidade e transmutação.

Figura 6: desenho durante aplicação de Sananga. Rafael Perpétuo 1

http://povodafloresta.com.br/sananga-o-colirio-da-floresta-amazonica/. Acessado em 21 de setembro de

2020.

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Para o que nos interessa, a Sananga realiza uma real limpeza, trazendo clareza na visão e tranquilidade no espírito. Fiz meu primeiro uso em casa, de um frasco que recebi de Paulinho Huni Kuin. A aplicação causa enorme ardência nos olhos, portanto, antes de aplicar, eu realizo uma meditação, uma escuta do coração e concentração, limpando os olhos e a mente. Mas eu acreditava no poder do colírio, e antes de tudo, queria a experiência. Após a aplicação e o período da ardência, a sensação diminui, meus olhos incharam enormemente. Mas a visão se tornou mais cristalina, as cores mais matizadas e uma sensação de purificação tomou conta de mim. Me propus a pintar aquarelas fluindo a imagem por meio do que eu conseguia enxergar, sem me preocupar com a reprodução de imagens. Escutar música também ajuda a fluir a sensação posterior que, muito diferente da ayahuasca, que causa uma conexão entre mundos, a sananga aguça este mundo.

3.1.3- Rapé Etimologicamente vindo da palavra francesa râper que significa “ralar”. Medicina ancestral presente em diversas épocas e lugares, o rapé não é uma exclusividade dos povos indígenas. Porém, o rapé (Figura 7) feito pelas nações indígenas, especialmente da região do Acre, tem em seu feitio e matérias primas, o conhecimento das plantas locais que, especialmente direcionam seu uso para determinadas funções, a partir do conhecimento dos pajés. Feito de tabaco moído com cinzas de plantas e árvores, ele é um pó finíssimo e leve que deve ser aspirado usando um kuripé ou soprado por outra pessoa usando-se um tipi. Ao seu uso, devese ter confiança na pessoa que sopra pois, além do rapé, ele está soprando seus sentimentos e energias para dentro de você. É uma medicina que requer responsabilidade e intenção. Kopenawa descreve que sua iniciação xamânica nos anos 1980 foram quando o pai de sua esposa o tinha “feito beber o pó que os xamãs tiram da árvore yãkoana hi.” (KOPENAWA, ALBERT, 2015 p 72), um rapé de cor avermelhada que tem Dimetiltriptamina - DMT - em seu princípio ativo. Em minhas experiências, o rapé é uma medicina que tem um efeito quase que imediato, transformando o corpo, a mente e o espírito de forma a modificar sua condição naquele instante. É interessante também ser utilizado como tratamento à 27


médio prazo para quem tem problemas crônicos. Percebi que alguns métodos são importantes para o pleno fluxo da medicina. Os rapés causam vibrações, como se seu corpo estivesse buscando se ajeitar dentro do espaço. Por isso, sempre realizo uma meditação que também cause uma vibração, produzindo uma uníssona oscilação de reequilíbrio. José Mateus Itsairu, Huni Kuin, diz que “para ficar alerta, não pegar gripe e cuidar do espírito do nosso corpo. (...) Ele conecta com o espírito de cura.” (IKA MURU, 2011 p. 81).

Figura 7: desenho realizando durante "passada" de rapé. Rafael Perpétuo 28


Em seus diferentes tipos e usos, eu especialmente prefiro me orientar pela sensação do que necessito naquele dia para que possa adquirir condições como: equilíbrio, força espiritual, limpeza do organismo, fogo interno, entre outros. Com algumas plantas como a imburana e o cumaru huni kuin, utilizo para tratamento de congestões do sistema respiratório. Minha sinusite foi curada com o cumaru. Abaixo listo três que especialmente utilizo:

a) Tsunu: da mistura a partir do pau-pereira (Platycyamus regnellii) com cinzas e tabaco, este rapé tem funções orgânicas contra febre, má digestão além de ser um forte tônico. Eu especialmente passo este rapé para “aterrar”, me conectar com o planeta e reorganizar meus pensamentos e concentração. Dá uma sensação de que alinha chackras e mente. Causa uma vibração interna enorme, que associada à meditação, me dão a segurança de prosseguir um trabalho intenso e concentrado.

b) Jurema Preta: de nome científico Mimosa hostilis, este rapé é dos mais poderosos. Utilizo-o durante a consagração da ayahuasca para recentralizar quando estou na “peia”. É forte e adocicada. Dá uma sensação de fortalecimento e energia. Por isso também a utilizo nos dias que a energia está desencontrada, precisando de força para ultrapassar obstáculos. c) Cumaru: A Dipteryx odorata é uma leguminosa cujos frutos, segundo pesquisas, ajudam a produzir novos neurônios. Faço o uso, como indicado por Paulinho Huni Kuin, para limpar a cabeça, especialmente os pensamentos. Me propus a realizar um tratamento de 15 dias, duas vezes ao dia, para uma limpeza completa e o resultado foi o fim de uma sinusite crônica. Além disso, me serve a fundamentar os pensamentos para trabalhos mentais.

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4. A ESCOLA QUE QUEREMOS E NECESSITAMOS CONSTRUIR

A ideia do Ciclo de Estudos surge como um antecessor da Escola da Planta, pois, é também interesse nosso que, a partir deste, seja expandida a ideia de um aprendizado à longo prazo. Para isso estamos construindo, possivelmente, um doutoramento sobre o assunto, em busca de paramentos pedagógicos para a elaboração e fundação da definitiva “Escola”. Ainda que pouco mencionada ao longo do texto, é sim nosso objetivo que um estabelecimento educacional seja erigido e possa conectar indígenas com interessados, além de outros povos que possam difundir seus conhecimentos, como os quilombolas, ciganos, asiáticos, aborígenes, africanos. Para isso, apresentamos nesta conclusão, alguns passos para a futura escola. Trata-se de um local pluridimensional e transversal, onde o democrático conhecimento, uso e plantio sejam a fonte de libertação social e mental. E que estes sejam multiplicadores dos ensinos indígenas. Não é o espaço físico, uma estrutura tecnológica ou grandes nomes que fazem o ensino, mas a capacidade de se abrir para escuta e desenvolvimento pessoal. As plantas são nossos professores. São elas que nos dão a direção e o conhecimento necessário para absorvermos aquilo que é proposto. Quem é possível de nos dar este conhecimento são indígenas de hoje e do passado que, por meio de muito esforço, perseveraram a memória das nações indígenas, especialmente no Brasil. Nessa Escola vislumbramos gestores que se pautem em princípios de gestão democrática e participativa, que promovam o desenvolvimento integral da escola, zelando pelo outro, com o pensamento de uma formação contínua. Sejam participantes da comunidade local e trabalhem a favor da sustentabilidade da escola, como um patrimônio coletivo. Ainda nesse sentido, o ideal é a existência de um Conselho Escolar atuante, consciente, entrosado e comprometido com o projeto da escola. Formado por indígenas que se comprometem com os valores ancestrais dos quais são guardiões, da preservação ambiental e que entendem a potencialidade da arte como meio de comunicação e expressão coletiva. 30


4.1 - Fundamentos Didático-Pedagógicos

Os fundamentos desta “Escola da Planta” baseiam-se numa perspectiva da TRANSVERSALIDADE, definidos nesse documento. Isso quer dizer que a teoria que alicerça este trabalho é entrecortada por diversas experiências de diferentes disciplinas, especialmente as artes visuais, sociologia, antropologia, filosofia e educação. Esse conhecimento é baseado em autores indígenas, seja por livros publicados, entrevistas, ensaios, vídeos e, especialmente, a vivência. Isto proporciona uma coerência e dinamismo correlato à diversidade dos momentos de aprendizado, sem cair nos extremos do dogmatismo de um lado ou do ecletismo pedagógico, do outro. Portanto, procuramos nos pensadores abaixo, respaldo para as concepções da “Escola da Planta”:  “Idéias para Adiar o Fim do Mundo” de Aílton Krenak;  “A Queda do Céu” de Davi Kopenawa e Bruce Albert (capítulo “Devir Outro”);  Ibã Huni Kuin  Kaká Werá  Daniel Munduruku  “Una Isi Kayawa – Livro da cura”  “Una Shubu Hiwea - Livro Escola Viva”

4.2 Missão e visão de futuro da escola

É preciso aprofundar a reflexão na “missão” confiada à escola, pensando seus possíveis caminhos, metas, ações a serem desenvolvidas, a fim de alcançar os objetivos que se propõe de crescimento pessoal e coletivo, de construir uma sociedade democrática e plural. É um pacto coletivo para uma elevação universal. A missão da escola é aproximar as pessoas e os grupos aos conhecimentos não ocidentais, especialmente indígenas, ciganos, quilombolas, africanos e asiáticos. 31


Conectar as pessoas às suas e outras ancestralidades. Que entrem como vieram e saiam pessoas conscientes dos ensinamentos em sua totalidade. Construindo uma sociedade mais justa e principalmente mais sensível.  Queremos promover um local de crescimento pessoal e coletivo;  Fortalecer a luta indígena, cigana e quilombola;  Estabelecer um local que seja preservador e difusor do conhecimento ancestral contido nas diversas culturas possam chamar de seu;  Promover

e

incentivar

os

colaboradores

a

trabalharem

de

forma

transdisciplinar;  Estabelecer os ensinamentos das plantas como conhecimento necessário e primordial para o crescimento humano;  Possibilitar que se fundamente cada vez mais saberes periféricos.

4.3 Programas Especiais da Escola  Terapias  Vivências  Medicinas naturais

32


CONCLUSÃO

Durante esse trabalho de conclusão de curso tentamos discutir uma condução não formal para a educação. A sociedade caminha para um processo de falência cada vez mais aparente no qual corpo, alma e mente se desconectaram. Recuperar essa ligação nos parece essencial para voltarmos nosso olhar para um mundo no qual somos parte dele e não, dono dele (propriedade privada). A união entre aquilo que é visível - homem, fauna e flora - e aquilo que não podemos enxergar – a espiritualidade – pode ser o caminho necessário para uma guinada consciente na educação. Essa entendida aqui como algo sistêmico, que se inicia ainda dentro da barriga da mãe, é transmitida pelos pais, passa também pela escola, nossos ascendentes e descendentes e, pelos hábitos replicados ao longo da vida. Contudo, confiamos que para isso é cogente retornar o olhar para nossa ancestralidade, recuperarmos o respeito por processos que hoje são, muitas vezes, minimizados, tais como a sabedoria dos povos indígenas. A ideia do Ciclo de Estudos teve como objetivo abrir um diálogo sobre este famigerado tema do uso das plantas nas formas medicinais, curativas e recreativas, interligando essa medicina a novas formas de lidarmos com o mundo. Utilizamos como exemplo a Ayahuasca, Sananga e Rapé com o escopo de demonstrar que a cultura dos povos originários se encontra enraizada no ocidente, porém, é marginalizada. Precisamos avançar nesse tocante para garantir que medicinas fundamentais cheguem ao conhecimento de todos de forma coerente. Ou seja, que passamos a compartilhar desses ensinamentos como eles verdadeiramente são: sabedorias que foram passadas de geração em geração, e não folclores sem fundamentos. Destacamos que durante o processo de conclusão deste TCC, o ciclo de estudos tem sido trabalhado para que passe do ficcional para o real. Assim, a partir de contatos de entidades públicas, há possibilidade de que seja realizado no ano de 2021 na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais, dentro de um programa do Circuito Cultural da Praça da Liberdade, chamado “Minas Plural”. Desejamos estender o 33


ciclo para outras localidades, dando início a um debate amplo sobre os usos enteógenos e recreativos pelo conhecimento indígena das plantas. Outro desdobramento possível, que vem de interesses parceiros, é a criação de uma associação ou entidade cultural semelhante, provisoriamente chamada de “Casa da Planta”. Partindo de diversas expertises de colegas artistas, terapeutas e lideranças comunitárias, intenta-se a criação de um espaço físico e virtual, onde será um local de acolhimento de propostas de terapias holísticas, tendo o uso de plantas como princípio. Além de receber o conhecimento indígena em suas diversas modalidades, teremos a possibilidade de, ainda em 2021, a fundamentação de uma série de projetos culturais e sociais para propagação de uma “cultura da planta” como cura e crescimento pessoal. A Escola da Planta deixa também a sua marca, sendo descrita nesse TCC como um ponto de encontro da diversidade, um local no qual poderíamos, enfim, escutar das pessoas que lidam com as plantas e suas acepções sobre como elas podem atuar nos indivíduos. Uma escola voltada para o respeito, compartilhamento de saberes que não necessariamente se encontram em livros, mas que deveriam ser registrados, estudados e respeitados. Por fim, utilizar plantas faz parte daquilo que acreditamos. Elas estão presentes enquanto cozinho, estão nos meus estudos também na minha arte. Por essa razão, esse TCC foi composto de uma parte pessoal das minhas vivências com as três medicinas mencionadas, apresentadas no livro de artista, uma obra de arte resultado de um processo de imersão nas drogas enteógenas.

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Referência Bibliográfica

IKA MURU, Agostinho Manduca Mateus. Uma Isi Kayawa: Livro da cura do povo Huni Kuin do Rio Jordão. Rio de Janeiro, Dantes Ed., 2017.

KOPENAWA, ALBERT, Bruce, Davi. A queda do céu: palavras de um xamã Yanomami. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

RIBEIRO, Darcy. Estudos de antropologia da civilização: As Américas e a civilização, processo de formação e causas do desenvolvimento desigual dos povos americanos. Petrópolis, RJ, Vozes, 1977

OLIVEIRA, Aline Ferreira. Os outros da festa: um sobrevoo por festivais yawanawa e huni kuin Horiz. antropol., Porto Alegre, ano 24, n. 51, p. 167-201, maio/ago. 2018 1

Peles de imagens são os livros e cadernos escritos.

2

O conceito de habitus — também conhecido como capital cultural incorporado — segundo Pierre Bourdieu põe fim à ideia de autonomia indivíduo perante a sociedade. Diz-se de uma estrutura social na qual o sujeito tem determinado o seu modo de ser, sentir, pensar, agir. 3

Entenderemos neste trabalho, enteógenas a substância usada como um instrumento espiritual e

sacramental. 4

O termo “peia” designa quando a pessoa em transe está muito pegada, ou seja, quando seu corpo e mente começam a divagar pelos planos.

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