O
Armรกrio Rafa Marques
É inevitável viver, assim como também é morrer.
Mas morrer sempre será uma certeza enquanto vir à vida será sempre algo inesperado.
Para nascer precisamos esperar por longos nove meses e depois de nascidos a nossa maior vontade será a de crescer. E crescer até que possamos nos declarar independentes. Mas é durante a nossa infância que surge o armário. Dentro dele aprendemos tudo o que é certo e o que é errado, o que é pecado e o que não é. Todas as normas e leis que nos punem e nos amaldiçoam desde o primeiro dia de nossas vidas.
Aprendemos que existe a normalidade, que ĂŠ por onde devemos seguir para nĂŁo corrermos o risco de nos tornarmos o bizarro, a vergonha, o pecador.
Aprendemos que todo mundo Ê diferente, mas que ser igual às outras pessoas nos torna normais. É a lei do mais forte. A maioria vence.
Trava-se uma luta. Ser igual. Ser diferente. Ser normal. O que eu sou afinal? – Ninguém diz. Ninguém fala a respeito. Todos ficam mudos e de cabeça baixa. Mas o que é o silêncio? – É o sim? – É o não?
O armário se torna então uma casa, um refúgio.
O lugar mais frio e mais aconchegante que jĂĄ acolheu alguĂŠm.
Nesse lugar você pode ser você mesmo. Sentir o que você realmente sente. Pensar seus próprios pensamentos.
Falar sobre vocĂŞ. Esconder seus medos. E chorar quando bem entender.
O armário nunca dirá para que você saia de dentro dele. Nunca ofenderá sem querer. Nunca dirá que você não entrará no céu. Nunca terá medo de que você saia de dentro dele correndo o risco de causar o estranhamento nas pessoas que vivem do lado de fora. Você poderá sair e voltar, a hora que quiser, sem precisar avisar ou pedir para que deixe a chave na janela.
No armário você está só, e por isso é tão gelado. É você contra você mesmo. Fora dele, é você contra todos.
O enfrentamento consigo mesmo será inevitável, assim como foi nascer e assim como será morrer. Você terá de perceber, sozinho, que sua mente foi totalmente distorcida pelas coisas que lhe falaram e que inclusive a maneira como se vê não está correta.
Você perceberá que está além disso tudo e que no final ninguém dá a mínima.
Embora o armário seja um refúgio, uma casa. Ainda assim somos maiores do que ele. Ele está dentro de todos nós.
No final, a claustrofobia trará você à superfície ou você morrerá afogado no meio de tantas roupas sujas.