RAFAEL SANTOS DE OLIVEIRA SOUZA
OS MURAIS DA CIDADE DE SÃO PAULO
UMA ANÁLISE SOBRE O USO DOS ESPAÇOS PÚBLICOS E POPULARIZAÇÃO DO GRAFFITI
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo como requisito parcial para a obtenção do título de bacharel em Comunicação Social com Habilitação em Publicidade e Propaganda, orientado pelo Prof. Dr. Heliodoro Teixeira Bastos Filho.
São Paulo 2016
Banca examinadora
________________________________________ Prof. Dr. Heliodoro Teixeira Bastos Filho
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_________ Nota
Doum Criolo (...) Bata logo essa chapa Instagram pra denunciar Lhe lasco a Tag na testa E Hashtag pra acompanhar Um bomb e um trauape Da ponte, de lá pra cá Do que contra este cinza Que a Kombi mandou buscar Nem ministro ou a presidenta Com a cena vão concordar Chega a dar vergonha alheia Mapeia de se rasgar Coloquei a melhor roupa E as criança mandei chamar Não me deixa comer cinza Que a Kombi mandou buscar Quando Cosme e Damião Por Doum foi perguntar Quando um de dois irmãos Do toldo, foi questionar Levou foi costa na lata E a lata vai revidar Hoje não vamô comer cinza Que a Kombi mandou buscar
Para minha família e por uma cidade mais colorida. Visualmente e socialmente.
AGRADECIMENTOS Aos meus pais, Valéria e Eduardo, que sempre me apoiam e fazem de tudo para que eu continue crescendo e me tornando alguém melhor. À minha irmã Patrícia por todos os conselhos, todas as risadas e pelo companheirismo de sempre. À Michelle Gueiros que mesmo distante ajudou e me incentivou em todos os momentos. Obrigado pelo amor, pela paciência e por acreditar em mim. Ao Leandro Santos, o irmão de coração e de vida que sempre me questiona, me ouve, me aconselha e faz com que eu sempre busque novos conhecimentos. Aos amigos de infância, Ícaro Della Torre e Victor Zem, que sempre me incentivam e topam qualquer parada. Obrigado pelas cervejas, conversas, e histórias. Ao Renato Siqueira, o cara que tá sempre pronto para tudo e que é uma inspiração artística para mim. Obrigado pela parceria e pelos aprendizados constantes. Aos melhores amigos que alguém poderia ter e que participaram tão profundamente deste e de muitos outros momentos da minha vida: Pedro Menegatti, André Tuon, Mariana Alves, Fellipe Buoso, Caroline Pazzini, Wilian Forestto e Camila Costa. Às “quase perfeitas” amigas de sala, Aída Stockler, Luana Corradine e Isabela Brun, obrigado por todas as histórias, risadas e comilanças.
Para os amigos do Glorioso Handebol Ecano, talvez um pouco responsáveis pela graduação tardia, mas companheiros dentro e fora das quadras que levarei para a vida. À todos que diretamente ou indiretamente puderam contribuir para esse trabalho, seja com dicas, sugestões ou apenas cervejas e 15 minutinhos de conversa. Ao meu orientador, Professor Dorinho, pelas conversas e atenção dispensadas. À ECA e à Universidade de São Paulo, por terem me proporcionado muito mais que educação, mas, sim, um incrível amadurecer, uma nova ideia de quem eu gostaria de ser e onde eu gostaria de estar.
“Transformar a cidade com uma arte viva e popular e induzir à efetiva participação da comunidade, eis a minha intenção” (Alex Vallauri)
RESUMO Este trabalho tem por objeto de estudo os murais da cidade de São Paulo ante as perspectivas advindas do uso do espaço público e do papel do poder público em fomentar o graffiti como representação de arte urbana. Assim, busca-se compreender de que modo a cidade, como meio de propagação e manifestação dessa arte, atua na popularização do graffiti e na criação de uma identidade artística. O estudo tem como base teórica pesquisas científicas, livros, notícias, reportagens, documentários, entrevistas, projetos governamentais entre outras fontes de informações. A fim de cumprir o objetivo da pesquisa, analisa-se a cidade, quanto a sua imagem e representatividade e ainda como meio de promoção disseminação de arte e cultura. Em seguida, realiza-se um panorama geral em relação ao graffiti, por meio da reflexão sobre a nomenclatura utilizada para caracterizar essa prática e da explanação do surgimento do graffiti e seu caráter atemporal. Analisa-se, também, o graffiti sobre a perspectiva nacional, identificando os pioneiros dessa manifestação artística, as influências sofridas, descrevendo ainda a trajetória do graffiti da geração tida como pioneiros até o presente momento. Por fim, aponta-se os principais artistas e murais da cidade de São Paulo e faz-se uma reflexão sobre as práticas de fomento e participações governamentais, como forma de subsídio e incentivo da manifestação artística do graffiti. Por conseguinte, constata-se que a popularização e reconhecimento do graffiti como arte urbana e representante cultural pode ser ainda mais efetiva através da formação de uma política pública que contemple, concomitantemente, ações de promoção e de preservação dos graffitis da cidade de São Paulo. Além disso, os resultados do trabalho demonstram que
a valorização do graffiti, reflete diretamente no reconhecimento de uma tradição e manifestação popular, transmitida por meio de desenhos de graffiti (da tinta e do spray). Palavras-chave: Arte urbana. Fomento. Graffiti. Murais da cidade de São Paulo. Poder público.
ABSTRACT The main objective of this paper is to study and to expand the discussion about the graffiti scene in São Paulo before the perspectives arising from the use of public space and the role of public power when promoting graffiti as a representation of urban art. This work seeks to understand how the city acts as means of propagation and manifestation of this art in the popularization of graffiti and the creation of an artistic identity. For this, qualitative analysis is used as a research method. The study is based on scientific research, books, news, reports, documentaries, interviews, government projects and other information sources. In order to fulfill the objective of the research, the city is analyzed as its image and representativeness and still as means of promoting dissemination of art and culture. Afterwards, an overview is made regarding graffiti, through the reflection on the nomenclature used to characterize this practice and the explanation of the appearance of graffiti and its timeless character. Graffiti on the national perspective is also analyzed, identifying the pioneers of this artistic manifestation, their influences and also describing the trajectory of the graffiti by the generation taken as pioneers up to now. Finally, the main artists and murals of the
city of São Paulo are pointed out and a reflection is made on the practices of fomentation and governmental participation, as a form of subsidy and incentive of the artistic manifestation of graffiti. Consequently, the popularization and recognition of graffiti as an urban art and cultural representative can be even more effective through the formation of a public policy that simultaneously contemplates actions to promote and preserve graffiti in the city of São Paulo. In addition, the results of the work demonstrate that the appreciation of graffiti reflects directly in the recognition of a tradition and popular manifestation, transmitted through graffiti drawings and materials like ink and spray. Key-words: Street Art. Development. Mural. Graffiti. Walls of São Paulo city. Public power.
SUMÁRIO Agradecimentos
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Resumo
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Introdução
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Cidades
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Graffiti: Panorâma Geral
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Graffiti no Brasil
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São Paulo e os Grandes Murais
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Considerações Finais
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Referências
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INTRODUÇÃO TEMA A análise do uso dos espaços públicos da cidade de São Paulo, como meio de manifestação do graffiti e da arte urbana, a fim de investigar o desenvolvimento e popularização dos murais na cidade.
PROBLEMA DA PESQUISA Qual a importância do aumento no número de murais autorizadas pela Prefeitura do Município de São Paulo para a popularização e reconhecimento do graffiti como arte urbana e representante cultural?
JUSTIFICATIVA DA PESQUISA O graffiti é tido como uma arte democrática e representativa, uma vez que se apresenta diretamente na paisagem urbana, tendo um contato mais próximo e frequente com os seus apreciadores. Trata-se de um movimento artístico de grande influência na cidade de São Paulo e que merece destaque devido ao seu significativo fator social e agregador. A escolha do tema resultou de uma reflexão sobre o aumento no número de murais de graffiti pela cidade de São Paulo. Apesar desse tipo de intervenção ter surgido na década de 1970 pelas paredes da cidade, atualmente há uma crescente popularização de murais permitidos e até encomendados pela prefeitura, bem como o crescimento de novos adeptos. Sobretudo, ainda é latente a contradição existente entre o apoio
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e fomento governamental e a ausência de uma política pública que consolide e facilite a prática do graffiti. A relação entre os artistas e o poder público ainda é marcada pela volatilidade do interesse público: ora um graffiti é apagado sem nenhuma motivação manifestada, ora são subsidiados projetos de revitalização da paisagem urbana, por meio de desenhos de graffiti nos murais e paredes da cidade. O estudo pretende servir como referência quanto à promoção e incentivo de trabalhos relativos à arte urbana, em especial o graffiti. Busca-se análise e identificação dos problemas e soluções que permeiam a realização de intervenções artísticas por meio do graffiti, com vistas a garantir o reconhecimento dessa arte perante a sociedade e o governo.
OBJETIVO GERAL DA PESQUISA Fazendo uma reflexão acerca dos murais da cidade de São Paulo ante as perspectivas advindas do uso do espaço público e do papel do poder público em fomentar o graffiti como representação de arte urbana, busca-se compreender de que modo a cidade, como meio de propagação e manifestação dessa arte, atua na popularização do graffiti e na criação de uma identidade artística.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS DA PESQUISA Caracterizar a imagem da cidade como elemento de me· diação entre as experiências e concepções dos seus cidadãos. Identificar a importância da cidade como um meio de · manifestações artísticas, em especial o graffiti.
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· Apontar a arquitetura urbana como elemento fundamental para a criação e propagação de uma identidade cultural na cidade. Analisar o graffiti segundo um meio de comunicação e · representação de um comportamento social de viés “transgressor”. Demonstrar a evolução do graffiti e o seu caráter atem· poral e globalizante. Traçar o panorama do graffiti no Brasil, identificando os · pioneiros, suas influências e os aspectos atuais. Reconhecer a influência do hip-hop e de culturas regio· nais na difusão da cultura do graffiti e da sua representatividade. Indicar os principais murais existentes na cidade de São · Paulo e os principais artistas do gênero. Realizar um diagnóstico sobre as formas de fomento e de · participação governamental na disseminação dos graffitis, como arte urbana, na cidade de São Paulo.
METODOLOGIA A exploração do material da pesquisa será feita por meio dos preceitos da metodologia qualitativa. Sendo que a apresentação da temática resultará da compilação de elementos teóricos e práticos acerca do assunto estudado. A análise qualitativa está fundamentada nos autores nacionais e internacionais da área da Comunicação, da Sociologia e das Artes e a população alvo da pesquisa serão os murais e as manifestações de arte urbana da Cidade de São Paulo. Para justificar a proposta de análise qualitativa sobre a temática de uso de espaços públicos e disseminação do graffiti, o estudo terá como base teórica pesquisas científicas, livros, notícias, reportagens, documentários, entrevistas, projetos governamentais entre outras fontes de informações.
CIDADE IMAGEM DA CIDADE A busca por segurança, a permuta, estabilidade e, principalmente, a necessidade da comunidade em relação à procura por alimentos fizeram com que o homem passasse do estágio de nomadismo para a fixação em locais específicos. Inicialmente em aldeias e posteriormente passando para as cidades, o homem sempre foi construindo e evoluindo as civilizações baseando-se na sua forma de organização. Construída em pedra e argila, a cidade antiga trazia mais o caráter de fortaleza. Sua forma de construção a delimitava no alto das colinas, sempre com muralhas defendendo seus palácios e templos. Já a cidade grega, ao contrário da cidade antiga, introduziu a forma quadrangular para os templos e a circular para a ágora como ponto de encontro e de debate. A cidade medieval por sua vez, trouxe cores às pedras e se utilizava muito das luzes para fazer jogos com sombras. No começo do século XV, as cidades renascentistas se moldaram através de simetria, proporção e ortogonalidade. Os séculos XVII e XVIII trouxeram a horizontalidade com suas grandes avenidas e a hierarquização entre as regiões centrais e periféricas. O ferro e o vidro estruturaram os espaços comerciais e propiciaram a industrialização das cidades do século XIX e o surgimento das ferrovias. Com a Revolução Industrial e o aumento do contingente populacional, surgiu a necessidade de se pensar as cidades de uma forma funcional e democrática. O aumento das tecnologias da informação e o aumento da oferta de serviços deixaram as cidades do século XX mais dinâmicas e mais próximas. O século XXI e
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a globalização romperam com as distâncias e aproximaram as grandes cidades do mundo. Esse breve panorama da evolução das cidades apresenta a constante transformação sofrida por essas instituições e ainda indica a intrínseca relação que a sociedade estabelecia com a sua cidade. Entretanto, é importante ressaltar que cada ser humano tem uma forma particular de se relacionar com a cidade através da imagem construída pelo contato com os centros urbanos. Segundo a arquiteta Lucrécia Ferrara: As imagens urbanas despertam a nossa percepção na medida em que marcam o cenário cultural da nossa rotina e a identificam como urbana: o movimento, os adensamentos humanos, os transportes, o barulho, o tráfego, a verticalização, a vida fervilhante; uma atmosfera que assinala um modo de vida e certo tipo de relações sociais. (FERRARA, 1991, p.3)
Vive-se em cidades cada vez mais dinâmicas e muitas vezes esta relação não é percebida pela sua população. A correria dos grandes centros, os deslocamentos, e a eterna pressa faz com que a população não perceba a cidade a sua volta. Geralmente, acaba-se conhecendo mais a estrutura das cidades pelo o que se vê na televisão e nos cartões postais, do que pelo contato direto do dia-a-dia. A funcionalidade da imagem que é constituída desta forma mantém a ordem e a maneira como se consomem esses espaços. A cidade é vista como um cenário, sem que exista a preocupação quanto à sua forma, que é previamente pensada e entregue a população. Os monumentos, as publicidades, as rotas, as sinalizações, fazem com que a imagem da cidade seja coercitiva e autoritária ao invés de leve e espontânea. Mesmo quando espaços são utilizados para
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usos coletivos, continuam não sendo uma apropriação propriamente dita. [...] frequentemente esses pontos emblemáticos da cidade são os escolhidos para manifestações políticas, reivindicativas ou, apenas, comemorativas, porém, esse uso aparentemente anárquico não significa uma apropriação individual do usuário em relação ao espaço urbano, mas, apenas, uma forma de consumir um produto para isso previamente preparado. Esse enquadramento sociocultural da cidade demonstra a intencionalidade da produção da sua imagem e a irracionalidade do seu consumo: a cidade se faz representar na civilização da imagem que comanda o nosso século. (FERRARA, 1991, p.25)
Ou seja, a imagem que se cria das cidades faz com que esta seja um objeto a ser consumido. As formas, os valores e os usos do espaço, tornam a cidade um meio comunicativo, possibilitando assim sociabilidades e interações nas suas constantes transformações. Entretanto, quando há uma alteração, a cidade passa a ser ao mesmo tempo objeto comunicativo e sujeito da própria interação. A cidade que entrega um “código de conduta” é a mesma que está à mercê dos impactos que a transforma. O grafiteiro paulista Francisco Rodrigues da Silva, conhecido como Nunca, questiona sobre esses usos da cidade: “- O primeiro cara que pegou um spray e riscou, sei lá, qualquer coisa na rua, ele já está, de certa forma, questionando isso. Como a cidade pode ser usada, sabe?! O espaço público não só para veicular um produto, para se vender um carro, ou qualquer coisa assim, mas para se fazer arte também né?! E não é uma arte que uma pessoa só tem!” (CIDADE CINZA, 2013, 4’55’’-5’17’’, transcrição nossa.)
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Essa cacofonia de imagens, sons e acontecimentos revelam o poder e o caráter midiático das grandes cidades. A imagem da cidade como mídia a torna suporte de difusão das suas informações e expectativas: a periferia reivindica o reconhecimento como bairro; os centros urbanos regionais se “metropolizam” sem parar; e a megalópole se transforma em um mundo. Nesse cenário a população se torna causa e consequência, receptores e emissores destas mensagens. Enquanto construção, a cidade é meio, enquanto imagem e plano, a cidade é mídia, enquanto mediação, a cidade é urbanidade. Porém, entre esses elementos verifica-se uma distinta dinâmica cultural que vai da organização entre meios e mídia como efeitos sincrônicos e interdependentes, e mediação como efeito contínuo que está subjacente à midia e constitui seu grau zero enquanto vitalidade informativa. (FERRARA, 2008, p.43-44)
Portanto, pode-se identificar que a cidade, ao mesmo tempo que é mediadora nas experiências dos seus cidadãos, é meio em sua forma de construção e organização e ainda mídia enquanto imagem.
CIDADE COMO MEIO Os materiais, estruturas, formas e volumes utilizados na construção e organização das cidades assinalam, em parte, suas diversidades étnicas e culturais. A arquiteta Lucrécia Ferrara utiliza-se de uma metáfora para explicar a cidade enquanto meio. Segundo Ferrara (2008, p.44) o meio é a pele da cidade, por onde são transmitidas inúmeras mensagens, pelas quais a população é bombardeada diariamente. Sinalizações, publicidade, inter-
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venções artísticas marcam o cotidiano das vivências em sociedade. Embora essas manifestações sejam um meio que se tem um contato direto, muitas vezes a população não dispensa a devida atenção ou não as observa adequadamente. Meios de comunicação como o rádio, a televisão, os jornais e a internet são, geralmente, mais assimilados pela população. Segundo McLuhan: [...] é o meio que configura e controla a proporção e a forma das ações e associações humanas. O conteúdo ou usos desses meios são tão diversos quão ineficazes na estruturação da forma das associações humanas. Na verdade não deixa de ser bastante típico que o ‘conteúdo’ de qualquer meio nos cegue para a natureza desse mesmo meio. (MCLUHN, 1969, p.23)
Nesse ínterim, a sociedade acaba aceitando o que lhe é entregue de forma passiva. A população não se dá conta que a cidade, enquanto meio, oferece uma alternativa para confrontar o que é entregue pelos meios de comunicação de massa tradicionais. O teórico McLuhan (1969, p.36) corrobora com esse posicionamento ao expressar que “todo meio ou veículo de comunicação também é uma arma poderosa para abater outros meios e veículos e outros grupos”. Dessa forma, as manifestações artísticas como o graffiti, objeto deste trabalho, se apropriam das paredes da cidade para transmitir suas reivindicações e seus descontentamentos. A grafiteira Nina ressalta esse ponto: Na rua você tem um poder bem grande de poder falar com todas as pessoas, independente da classe social, independente da vida cultural que essa pessoa tenha ou não. Você pode falar tanto coisas positivas, quanto coisas negativas. Eu acho que é uma… é uma arma muito forte porque ela trabalha com imagem, e a imagem é uma linguagem direta.
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Você não tem que parar para ler, você não tem parar para escutar. Você viu e já entrou na sua mente e inconscientemente a mensagem vai entrar. Tipo mensagem subliminar. Acho que é muito forte a imagem na rua. (NINA, CIDADE CINZA, 2013, 8’07’’- 8’43’’, transcrição nossa)
Levando-se em consideração a metáfora feita por Lucrécia Ferrara, de que a pele é o meio da cidade, pode-se então considerar as mensagens publicitárias e o mobiliário urbano como sendo as roupas e acessórios, assim como as manifestações artísticas, em especial o graffiti, como sendo a tatuagem da cidade. A apropriação da cidade por parte das manifestações artísticas é de grande importância pois atua na construção da identidade cultural da própria cidade. McLuhan (1969, p.33) afirma que “o efeito de um meio se torna mais forte e intenso justamente porque o seu ‘conteúdo’ é um outro meio”. Com isso, a arquitetura urbana é utilizada como matéria para a dissipação de uma voz de natureza transgressora que ignora as convenções sociais e a lei. Nesse âmbito, o graffiti surge como um meio de comunicação dentro do grande meio que é a cidade.
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GRAFFITI: PANORÂMA GERAL NOMENCLATURA Em meados do século XIX, coincidindo com a descoberta de inscrições nos muros de Pompéia, na Itália, surge o termo graffiti, o qual era utilizado pelos arqueólogos para designar as inscrições e desenhos nas paredes, muralhas e monumentos das antigas cidades. A origem do termo apresenta duas explicações. Segundo Sthal (2009, p. 6), o termo é uma reminiscência do vocábulo italiano sgraffire, sendo sgraffiti uma técnica de decoração de fachadas, onde são sobrepostas várias camadas de estuque, e que antes de secar o artista faz incisões em forma de linha e levanta grandes zonas da camada superior. Outra explicação é que o surgimento do termo vem do plural da palavra graffito, que em italiano significa rabisco. Já no dicionário Houaiss (2009. p.983), a palavra grafite (como é usualmente utilizado na língua portuguesa) apresenta o seguinte significado: (s. m.) rabisco ou desenho simplificado, ou iniciais do autor, feitos, ger. com aerossol de tinta, nas paredes, muros, monumentos etc., de uma cidade; grafito. Comunicação implica também a existência de uma linguagem. O graffiti, além de ser meio, é uma linguagem, com as suas convenções, termos, códigos e modelos comunicativos. Diversas palavras e expressões foram surgindo com o tempo e os avanços das técnicas. Alguns lugares, por não permitirem uma intervenção mais elaborada, acabaram forçando o surgimento de novas formas de se expressar. A evolução dos materiais também foi de grande importância para a elaboração de novos estilos e para a proliferação do graffiti. O desenvolvimento téc-
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nico da tinta em aerosol facilitou o transporte e o manuseio do material para pintura, o que é essencial para este tipo de atividade. As válvulas intercambiáveis também possibilitaram uma maior variedade de efeitos estéticos, provocando, com isso, um aprimoramento visual das intervenções. Outro conceito importante é o de Arte Urbana, em inglês Street Art. Segundo Ferreira. Arte Urbana pode ser definida como uma arte contemporânea, de cunho popular, que é feita em espaços externos da cidade, sobre o mobiliário urbano, sejam eles paredes, muros, placas e todo tipo de aparato de sinalização. Ela é transgressora já que, em certo sentido, não respeita os limites do público e do privado para se fazer expressar. (FERREIRA, 2010, p.1)
Dessa forma, tem-se uma noção da variedade de estilos e termos relacionados à referida prática. O termo graffiti, ao longo do trabalho, será o escolhido para representar todo o universo que atualmente é conhecido como Arte Urbana. Cabe ressaltar, entretanto, que na literatura não há um consenso sobre o uso destas nomenclaturas.
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GLOSSÁRIO 3D piece: imagens tridimensionais com o relevo obtido através dos efeitos da pintura ou superfícies com relevos já existentes. Bite: imitar o estilo de outro grafiteiro Bombing ou Bomb: ato de “bombardear” um local ou região da cidade. Crew: grupo de grafiteiros que costumam trabalhar juntos. Cada crew possui sua assinatura. Crossing-over: trabalho sobre o trabalho já existente. End to end: obra que cobre toda a superfície do espaço. Hall-of-fame: Graffiti geralmente em paredes legais ou paredes pouco expostas, é mais pensado e mais trabalhado. Algo semelhante ao mural. Masterpiece ou Piece: obra bem acabada, elaborada, merecedora de admiração Outline: contorno do trabalho Stencil: Molde de formas pré-definidas Tag: pseudônimo, assinatura, marca do autor Throw-up: normalmente em duas cores - contorno e preenchimento - tag rápida e de imediato efeito visual
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SURGIMENTO ATEMPORAL Há muito tempo o ser humano busca formas de se comunicar e de se expressar perante à sociedade. A arte rupestre já revelou o início de uma necessidade de expressar um sentimento, registrar uma ação ou uma conquista através de pinturas feitas na parede. Um dos exemplos são as famosas pinturas rupestres de Lascaux, um conjunto de cavernas francesas que desde 1979 é reconhecido como patrimônio da humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - UNESCO. Em seu livro, Stahl (2009, p. 15) chega a se questionar, fazendo uma analogia à pergunta do ovo e a galinha: “quem veio primeiro, os sinais ou a arte nas paredes”. Devido a quantidade de tecnologias de comunicação existentes na atualidade (papel, telefone, internet), é difícil imaginar a real importância das paredes como meio de comunicação. Entretanto, como experimento, ao deixar uma criança, com alguns gizes de cera, em uma sala de paredes brancas, certamente, em poucos minutos se terá um belo exemplo de uma necessidade básica do ser humano: comunicar-se através de palavras e desenhos. A descoberta das inscrições de Pompeia, na Itália, serviu para os pesquisadores e historiadores, tanto para se ter uma ideia da sociedade da época, quanto como uma enorme contribuição para o estudo linguístico do latim. Diversos outros momentos da história mostram que as atividades criativas das ruas se tornam um importante indicador histórico e um riquíssimo material para a compreensão da situação vivida pela sociedade. De acordo com Canclini (1980, p.3) “a estreita relação das novas manifestações artísticas com as transformações sociais torna evidente algo que é válido para a arte de todas as épocas: a necessidade de analisá-la junto com seu contexto histórico”.
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Outro exemplo são as revoltas estudantis da década de 1960, ocorridas em Paris, que traziam como lema “les murs ont la parole” (as paredes têm a palavra). Reivindicando novos currículos escolares e criticando o autoritarismo político vigente na época, os estudantes espalharam pela cidade graffitis e cartazes com palavras de protesto, desenhos, poemas e reflexões sobre a realidade do momento. O jornalista português Carlos Magno em sua palestra homônima ao lema das revoltas de Paris, na qual também fala sobre as manifestações ocorridas em Lisboa, discorreu sobre: “não há liberdade de expressão sem haver expressão da liberdade, e aquilo que nós vemos nas paredes é, de fato, a expressão dessa liberdade, é a expressão da criatividade, é a expressão da imaginação que aos poucos vai nos faltando”. (As paredes têm a palavra: Carlos Magno at TEDxAveiro. 2012, 12’-12’16’’, transcrição nossa)
Este panorama de manifestações populares, no qual a cidade é utilizada como suporte, deu as bases para um movimento em que as questões políticas, a presença das individualidades e da expressão artística começam a tomar forma nas ruas das grandes metrópoles. Nesse contexto, a doutora em Comunicação e Semiótica Maria Alice Ferreira conclui: Portanto, o graffiti no qual se reconhece uma manifestação com intenção estética e de diálogo com o suporte e os transeuntes, que tem por base um senso anárquico, é herdeiro desta tradição de manifestação popular sobre as paredes, que tem suas raízes desde os mais rústicos desenhos rupestres, passando pela Antiguidade até a raiz mais recente das manifestações políticas dos anos 60. (2010, p. 3)
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Assim como os outros meios de comunicação, o graffiti evoluiu e se globalizou, embora não tenha se uniformizado. As realidades distintas das cidades influenciam as habilidades criativas dos grafiteiros na reinvenção das manifestações artísticas e culturais. Entretanto, um caráter considerado universal no graffiti é a repetição, cuja intenção é deixar a marca pessoal no maior território possível. Apesar da sua lógica transgressiva, o graffiti se inspira nos meios de comunicação de massas e nos mecanismos fundados por um universo publicitário que assenta na ideia da criação de um emblema e de uma marca. Esta, conhecida como “tag”, devendo ser ostensivamente propagandeada. O graffiti é socialmente representado como um ato transgressor e marginal. Esta marginalidade decorre, por um lado, do secretismo que lhe está associado e, por outro lado, da violência simbólica da prática. A difícil compreensão de alguns graffitis e o anonimato da ação, suscitam uma atitude de desconfiança e de temor por parte da população, desencadeando a rejeição daquilo que é obscuro e que surge de forma imprevista nos locais mais diversos. A presença do graffiti expressa, no fundo, a incapacidade das autoridades e a fragilidade do mundo ordenado. Além disso, também ressalta o poderio dos grafiteiros que se movem na sombra, apropriando-se das paredes da cidade e contrariando as convenções e leis. Entretanto, o modo como encaramos e recebemos os graffitis está totalmente ligado ao contexto social e histórico de cada um e à mensagem transmitida pela intervenção. Nas palavras de Defaveri (1999, p.197) “o conteúdo intelectual é importante em uma troca de dados, mas a comunicação verdadeira requer uma troca emocional”. O fato do graffiti estar presente em todos os lugares reforça sua fascinante relação com o dia-a-dia das ruas e dos transeuntes.
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Medidas contrárias à prática do graffiti são tomadas no mundo todo, porém dificilmente chegam a obter um sucesso absoluto. Esse caráter transgressor e a intenção dos artistas em proliferar sua marca e sua mensagem no maior território possível faz com que o graffiti esteja sempre em mutação e se torne cada vez mais infinito. Além das novas técnicas e formas de se manifestar que começam a surgir, novos contextos sociais acarretam novas necessidades de tomar os muros como forma de protesto.
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GRAFFITI NO BRASIL PIONEIROS Enquanto as cidades norte-americanas viviam o ‘boom’ do graffiti, o Brasil passava por um período conturbado e cheio de repressões. O período da ditadura militar era extremamente insalubre para qualquer tipo de manifestação pública, principalmente quando as intenções e ações dos artistas e militantes continham uma posição contrária ao governo autoritário do país. As ameaças e os perigos aos quais estavam expostos, fizeram com que o graffiti viesse a se desenvolver mais lentamente em relação ao praticado pelos jovens dos Estados Unidos. Atualmente, tem-se como pioneiro do graffiti brasileiro um artista que desenvolveu uma estética divergente da concebia nos Estados Unidos. Nascido na Etiópia, filho de um industrial judeu italiano, Alex Vallauri foi um dos precursores da arte no país. Após circular pela Europa, Estados Unidos e Argentina, chegou ao Brasil em 1965 com sua família. Segundo Franco (2008, p.34), absorvido pela atmosfera da desigualdade social e pelas as questões e belezas do país, passou a desenvolver um trabalho de xilogravuras sobre as prostitutas de Santos. Posteriormente, mudou-se para São Paulo para estudar Comunicação Social e Artes Plásticas na Faculdade Armando Álvares Penteado (FAAP) e começou a intervir na cidade no ano de 1978. Com um caráter muito mais artístico do que político-social, suas intervenções dividiram muros com poemas e frases contrárias à ditadura. Além de Vallauri, outros artistas integraram a geração tida como “Pioneiros” do graffiti (FRANCO, 2008, p. 32). Nomes como Rui Amaral,
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Waldemar Zaidler, Carlos Matuck, Hudinilso Junior, entre outros, participaram dessa primeira fase do graffiti nacional. Diferentemente do surgimento dos Estados Unidos, os artistas brasileiros da fase inicial vieram de famílias de classe média e alta, tanto que a zona em que atuavam se restringia aos bairros onde moravam localizados nas regiões centrais e da Zona Oeste da cidade. Tanto Rui Amaral como os outros artistas dessa primeira geração, acabaram seguindo o caminho natural de um jovem de classe média e ingressaram em universidades como FAAP, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) e Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), desdobrando o graffiti em um investimento plástico maior ao incorporarem as referências e práticas absorvidas em uma formação artística universitária e, com isso, fazendo da rua um grande ateliê. (FRANCO, 2008, p.33). Entretanto, nenhum desses artistas permaneceu nas ruas por muito tempo, e acabaram tomando rumos distintos em suas carreiras, algo diferente ao ocorrido com as gerações que os sucederam.
INFLUÊNCIA NORTE AMERICANA Com o fim da ditadura militar e as novas influências chegando, as gerações posteriores começam a se aproximar dos estilos desenvolvidos nos Estados Unidos. Embora Nova Iorque seja a cidade com mais representatividade nesse contexto, credita-se à cidade de Filadélfia as primeiras manifestações pelos muros. CornBread foi um dos pioneiros ao lançar seu apelido (que futuramente ganharia o nome de “tag”) pelos quatro cantos da cidade. Seguido por outros entusiastas e curiosos, a prática
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foi se espalhando e um artigo lançado no “The New York Times” em 1971 oficializa a prática da noite para o dia. O artigo falava sobre Taki 183 e sua onipresença na cidade, chamando o de “Afrika Bambaataa” do graffiti. Por ser um mensageiro e precisar transitar por toda a cidade, Taki 183 acabou espalhando a sua arte por toda a cidade, iniciando assim um marco na disputa por territórios e por visibilidade. Os moradores dos bairros periféricos como Bronx, Brooklyn, e Harlem sofriam muito com a desigualdade social. Violência, pobreza, tráfico, racismo e falta de estrutura e de oportunidades faziam com que rua se tornasse a única opção de lazer dos jovens. Nesse contexto, surgiu o movimento cultural do hip-hop. Afrika Bambaataa, considerado pioneiro e criador do movimento, fundou em 1973 a “Zulu Nation”. Tratava-se de organização que tinha como objetivo de autoafirmação, o combate a situação através dos pilares da cultura hip-hop pregando “Paz, União e Diversão”. Bambaataa definiu o ‘MC’, o ‘DJ’, o ‘B-boy’ e o ‘Graffiti Writer’ como os quatro pilares do hip-hop, estabelecendo assim, uma forma alternativa para um mundo estruturado, no qual cada pessoa teria um papel específico. A filosofia subjacente a este movimento cultural era a de existirem disputas com base nos talentos e na criatividade e não com recurso à violência e às armas como era comum às disputas territoriais dos bairros. O graffiti passou a ser uma forma das periferias dizerem ao mundo que existiam e não aceitavam o que estava acontecendo. Em 1974 o movimento se consolidou, e a linguagem já era mais elaborada, utilizando-se de recursos das artes e das HQs. Segundo Franco, A diferença em relação ao grafite é que, em vez de voltar contra a própria sociedade, o consumo, e as formas publicitárias, criou uma forma própria alheia aos códigos
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dominantes, mas, assim que passou a ser figurativa, incluiu o quadrinho, o cartoon e seus personagens como aspecto recorrente. (2008, p. 39)
Em pouco tempo o movimento começou a tomar os centros da cidade. Nesse ponto os trens tiveram papel fundamental para a difusão do graffiti. Tido sempre como um meio de transporte acessível e sinônimo de novas fronteiras de liberdade, os trens se tornaram um excepcional meio de comunicação. Um graffiti pintado rapidamente na madrugada em Bronx atravessava a cidade chegando a novas periferias, novos distritos e, quando se tratavam de trens de carga poderiam até mesmo a chegar a novos países. Os vagões eram inicialmente pintados com nomes e depois passaram a receber enormes graffitis que chegavam a ocupar toda a lateral. O graffiti foi se aprimorando, crescendo, descobrindo novos estilos e passou a incomodar as companhias ferroviárias que passaram a repreender violentamente a prática. A adrenalina e o prazer pelo desafio acabaram gerando mais interesse pela prática e pela busca à visibilidade e fama que o graffiti gerava. Com o passar do tempo, não foram apenas as companhias que passaram a repreender. O governo sancionou leis rígidas contra o graffiti que, com o tempo, passaram a amenizar as intervenções pelas quais a cidade estava passando. Ao mesmo tempo, os artistas passaram a elaborar novas técnicas para burlar a repressão que vinham sofrendo. Stencil, sticker (adesivos), lambe-lambe surgem então para facilitar o transporte e agilizar as inserções das mensagens pelos muros da cidade.
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GERAÇÃO OLD SCHOOL ATÉ OS DIAS DE HOJE Toda essa cultura começou a ser absorvida pela geração tida como “Old School” do Brasil (FRANCO, 2009, p.47). Essa troca de conhecimentos era favorecida pela participação dos grafiteiros na cena cultural que reunia jovens da periferia no Largo de São Bento em meados da década de 1980. Tais encontros motivaram relações com pessoas de bairros mais afastados, levando estes artistas a uma circulação em regiões da cidade que não se limitavam mais apenas ao raio da Zona Oeste. Lá os artistas se reuniam para trocar experiências e fazer sua arte dentro das quatro linguagens que se constitui o hip-hop. Do graffiti, participavam artistas que marcariam a arte urbana daí para frente, como OsGêmeos, Speto e Binho, entre outros. Assim, após a década de 80, o graffiti passou a ser muito marcado pela expressão do hip-hop. O caráter de contestação social e a oportunidade de dar vazão às expressões artísticas das comunidades periféricas fazem com que essa cultura se prolifere fortemente pela cidade. Com o tempo, a influência vinda de fora começa a dar espaço para uma linguagem nacional. Os artistas passam a desenvolver uma linguagem própria, uma linguagem brasileira dentro das vertentes do hip-hop, como afirma a dupla de grafiteiros OsGêmeos: A gente em 86, 87, pintava exatamente o que os americanos pintavam… E o que a gente quis fazer?! Sair fora disso. A gente tem que respeitar onde nasceu, como nasceu, a galera antiga, mas tem que continuar indo. (CIDADE CINZA, 2013, 31’56’’-32’23’’, transcrição nossa.)
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Além da dupla, o grafiteiro Nunca, que produz figuras marcantes, inspiradas na cultura indígena brasileira, complementa: Tudo que era pra ser feito com graffiti em relação a estilo com influência de Nova Iorque e da Europa ali, meio que já foi feito, sabe?! E com o Brasil, assim, parece que… é outra vivência que a gente tem aqui, né, meu?! Para pegar referência cultural, regional. (CIDADE CINZA, 2013, 32’25’’32’54’’, transcrição nossa.)
Assim como a incorporação de culturas e tradições regionais enriqueceram o estilo do graffiti nacional, um caráter permissivo da cidade de São Paulo, quando comparado a outros lugares, colaborou com o desenvolvimento das técnicas e estilos próprios de cada grafiteiro. A doutora Maria Alice Ferreira exalta essa importância quando diz: De um lado ela é reconhecida e legitimada pelas instituições sociais. Por outro, é sempre reprimida, pois ainda e sempre carrega em si o ato transgressor. Assim se dá a história da arte urbana no Brasil e em outros países. Porém temos aqui um cenário que em relação a outros lugares é tido como um tanto permissivo, talvez por esta característica a expressão brasileira desta linguagem urbana tenha se desenvolvido tanto e alcançado um grande destaque internacional. ( 2010, p.9)
Com isso, São Paulo se torna um grande ateliê a céu aberto, e os benefícios trazidos por essa particularidade da cidade fazem com que atualmente o graffiti brasileiro seja reconhecido internacionalmente como uma expressão de qualidade particular. A dupla de grafiteiros univitelinos reforça essa importância:
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Por São Paulo ser o que é, a gente ter essa liberdade que sempre teve de pintar na rua de dia, sem autorização ou com autorização, fez a gente criar o nosso trabalho. Construir o nosso trabalho. Tudo que a gente aprendeu foi aqui. Foi em São Paulo. Foi na rua. E muitos outros grafiteiros também. E esse trabalho que foi valorizado fora do Brasil, sabe?! Que foi elevado fora do Brasil. Coisas que a gente aprendeu aqui. (CIDADE CINZA, 2013, 7’06’’-7’32’’, transcrição nossa.)
Além de conquistarem os muros de diversas cidades ao redor do mundo, vários grafiteiros começaram a expor seus trabalhos em galerias e museus internacionais. Não cabe aqui a discussão sobre a presença da arte urbana nestes espaços, pois por si só já renderia um novo trabalho, mas sim a visibilidade e o retorno financeiro que os artistas passaram a ter. Esse cenário promissor para a arte urbana, faz com que as novas gerações surjam e sigam incentivadas e estimuladas pelos caminhos abertos pelas gerações anteriores. Atualmente há um grande número de artistas pelas ruas de São Paulo. Nomes como Crânio, Kobra, Alex Senna, Paulo Ito, Magrela, Mundano, Paulo Terra, Spinha Derlon, Arlin, Nove, Presto, Mari Pavanelli, Enivo, entre inúmeros outros, que continuam a colorir as paredes da cidade.
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SÃO PAULO E OS GRANDES MURAIS PRINCIPAIS MURAIS E SEUS ARTISTAS São Paulo é uma das maiores cidades do mundo. Segundo a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, o Município de São Paulo possui cerca de 11,4 milhões de habitantes. Esse contingente populacional é ao mesmo tempo espectador e protagonista dos acontecimentos da urbe, e há anos convive com as manifestações em suas paredes. Os graffitis de São Paulo convidam os moradores a explorarem todos os cantos da cidade. O arquiteto Sérgio Miguel Franco reforça essa característica: São Paulo não é estática, nem poderíamos dizer que o que os artistas fazem seja uma tendência, mas eles põe em ação, com seu trabalho, vetores de forças contra o ímpeto segregacionista projetado sobre o espaço público, e mostram os ganhos de uma livre e ampliada circulação pela cidade. (2009, p. 17)
Graffiti e cidade são indissociáveis. Essa simbiose é importante para o desenvolvimento de ambas as partes. Como citado anteriormente, há uma relação entre a cidade, enquanto meio de comunicação, e a linguagem do graffiti se apropriando e construindo os espaços urbanos. O crítico de arte do jornal Folha de São Paulo, Fábio Cypriano, comenta sobre essa relação: Se a gente for pensar a cidade como um suporte e o graffiti como uma das manifestações da cidade, acho que o graffiti é uma das coisas mais interessantes que tem. Como São Paulo é uma cidade muito caótica, eu acho que o graffiti
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ajuda a compôr esse caos que é a cidade. (CIDADE CINZA, 2013, 9’09’’-9’30’’, transcrição nossa.)
Inicialmente marginalizados, os graffitis da cidade de São Paulo foram ganhando respeito e começaram a se apropriar, cada vez mais, de espaços privilegiados da metrópole. Hoje em dia, é comum encontrar enormes murais ao percorrer pelas ruas da cidade. A relação do Brasil com o muralismo data de meados do século XX. Concomitante ao forte processo de urbanização, o muralismo brasileiro se desenvolve atrelado à necessidade de modernização e intenso crescimento do setor da construção civil. Brasília é um dos maiores exemplos de projetos governamentais de construção civil e de arquitetura, criada para representar o período “desenvolvimentista” do presidente Juscelino Kubitschek.
Mural de Maria Bonomi na Estação da Luz - São Paulo - SP (Fonte imagem: http://www.zupi.com.br/historia-da-arte-muralismo/)
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Mural de Cândido Portinari na igreja da Pampulha - Belo Horizonte - MG (Fonte imagem: http://www.zupi.com.br/historia-da-arte-muralismo/)
O graffiti possui como uma de suas características se apropriar de diversas linguagens e estilos, e com o muralismo não seria diferente. As marquises, viadutos e grandes paredes servem como suporte para os grafiteiros desenvolverem um trabalho mais elaborado, transformando esses lugares em grandes murais. No dicionário Houaiss, a palavra mural traz como significado: “s.m. pintura ou obra pictórica, quase sempre de grandes proporções, realizada sobre muro ou parede.” (2009, p. 1332). Já a historiadora Valéria Alencar afirma: “É uma forma de arte pública, como o grafite, porém, diferentemente deste, tem estreita relação com a arquitetura, podendo explorar o caráter plano de uma parede ou criar o efeito de uma nova área de espaço.” (2008). Em ambos os movimentos, percebe-se uma intenção de tomar os espaços públicos com a finalidade de propagar uma mensagem. No México, o muralismo teve um papel importante na revolução contrária ao ditador Porfírio Díaz. Os artistas mexicanos viram nos murais o melhor suporte para expressar suas
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idéias sobre uma arte nacional popular, engajada no momento revolucionário. Segundo Alencar: É durante o movimento revolucionário em oposição à ditadura de Porfírio Díaz que artistas mexicanos retomam a pintura mural, e não à toa, pois eles defendiam que a arte deveria ter alcance social, ou seja, deveria ser acessível ao povo. (2008).
O grafiteiro Eduardo Kobra, um dos maiores expoentes nacionais do muralismo com graffiti, afirma em entrevista ao portal de notícias UOL, “Eu tento usar os muros não só como uma questão estética, mas também como suporte para passar algum tipo de mensagem, coisas em que eu acredito, como a questão da proteção aos animais.” É impossível falar dos grandes murais da cidade sem citar o mural da alça de acesso à avenida 23 de Maio. Ponto central de uma grande repercussão midiática em 2008, o mural realizado em 2002 foi coberto de cinza por uma ação da Prefeitura em cumprimento da Lei Cidade Limpa. O trabalho cobria uma longa extensão do muro, cerca de 680 metros quadrados, e havia sido realizado pelos grafiteiros OsGêmeos, Nina, Nunca, Herbert e Vitché ao longo de três meses. Em entrevista ao portal G1, o psicólogo Robson Lima comentou sobre o ocorrido. “Só se dá valor quando roubam uma arte de dentro de museu. Fiquei impressionado, roubaram arte de São Paulo e ninguém fala nada”. Após uma reunião marcada com representantes da empresa contratada pela prefeitura e com os artistas, o então prefeito Gilberto Kassab autorizou a realização de uma nova obra, embora não tenha arcado com os custos. Coube à Associação Comercial de São Paulo custear a realização da obra estimada em 200 mil reais. (FRANCO, 2009, p. 53)
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Mural no acesso à avenida 23 de Maio - São Paulo - SP (Fonte Imagem: Lost Art. Disponível em: https://goo.gl/Tnq9FL)
O novo mural foi realizado pelos artistas OsGêmeos, Nina e Nunca, além de contar com a participação de dois grafiteiros da nova geração, Finok e Zefix. A volta do mural ao acesso à avenida 23 de Maio se tornou um marco para a relação do poder público e os artistas. Do ocorrido até hoje, houve uma crescente no número absoluto de murais pela cidade, e a prefeitura não mais interviu em obras desse porte. Ainda sobre OsGêmeos, podemos encontrar trabalhos da dupla em diversos cantos da cidade. Nascidos em 1974 no bairro do Cambuci, encontraram no graffiti um modo distinto de brincar e se comunicar e espalharam sua arte ao redor do mundo. Países como Chile, Estados Unidos, Cuba, Itália, Alemanha, Escócia, entre outros, possuem paredes grafitadas pela dupla univitelina. Após a repintura do mural da avenida 23 de Maio, a dupla foi convidada, em parceria com o grupo francês Plasticiens Volants, a desenvolver uma peça como parte da programação cultural realizada pelo Serviço Social do Comércio - SESC no ano de 2009. Para evento, que celebrava o Ano da França no Brasil, a dupla criou um gigante intitulado “Estrangeiro” que foi pintado na lateral de um dos edifícios do Vale do Anhangabaú. Três anos depois, a obra foi coberta, o que gerou uma grande repercussão por parte dos moradores nas redes sociais. A própria dupla se manifestou em sua conta oficial dizendo que a obra era temporária e que o prédio onde a obra estava exposta, seria demolido. De acordo com a prefeitura, o graffiti ficaria exposto por 30 dias, “mas com a grande aceitação por parte do público a Comissão de Proteção à Pais-
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agem Urbana (CPPU) autorizou que ficasse lá até que o processo de demolição do prédio tivesse início”.
Mural “Estrangeiro” no Vale do Anhangabau - São Paulo - SP (Fonte Imagem: Lost Art. Disponível em: https://goo.gl/Lp7JiV)
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Outro mural com destaque na cidade está situado dentro do Parque do Ibirapuera, importante ponto turístico da cidade. Em 2010, o Museu de Arte Moderna de São Paulo - MAM, convidou OsGêmeos a pintar uma de suas fachadas. Inserido no conjunto arquitetônico projetado por Oscar Niemeyer, o museu passou a contar com um mural permanente da dupla paulistana. Segundo o site oficial do museu, a obra, além de ser instigante e atemporal, contribui para atrair ao museu pessoas de diversas tribos. A obra foi autorizada pela prefeitura, e patrocinada pelo banco. Credit Suisse Em seu site brasileiro, a empresa diz participar como patrocinadora de diversas iniciativas educacionais, culturais e esportivas, sempre com o compromisso de um relacionamento de longo prazo.
Mural no Museu de Arte Moderna - MAM - São Paulo - SP (Fonte Imagem: Lost Art. Disponível em: https://goo.gl/Z0ZN21)
O Parque do Ibirapuera também é palco de outros murais de destaque. Em 2014, comemorando os 60 anos do Parque, a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente ofereceu dois espaços para o grafiteiro Eduardo. O mural ‘Viva o Ibirapuera’ retrata um casal de idosos, uma criança, a palavra Sampa e a im-
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agem de um beijo de um casal apaixonado. Segundo Kobra, a ideia original era homenagear os criadores do parque, entre eles o arquiteto Oscar Niemeyer, mas acabou optando por retratar cenas do cotidiano do próprio Parque Ibirapuera.
Mural no Museu de Arte Moderna - MAM - São Paulo - SP (Fonte Imagem: Antonio Marin Jr https://goo.gl/hbM5fc)
Murais na marquise do Parque do Ibirapuera - São Paulo - SP (Fonte Imagem: Catraca Livre https://goo.gl/fl74tp)
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O grafiteiro Eduardo Kobra é um dos grandes responsáveis pelas paredes do município estarem menos cinza. Nascido em 1976, já realizou mais de 30 murais em avenidas e ruas de São Paulo. Kobra trabalha com diferentes projetos pela cidade, como o projeto intitulado “Muro das Memórias”, onde o grafiteiro cria um contraste entre a cidade de outrora e o contemporâneo. Segundo o próprio artista, “a ideia do projeto Muro das Memórias é justamente pintar murais com cenas antigas, criando portais para uma cidade que já não existe.” (Eduardo Kobra - Portfólio, 2014,1’23’’-1’32’’, transcrição nossa) Outro tema recorrente são as personalidades como o do Oscar Niemeyer, na avenida Paulista, Racionais MCs, no Capão Redondo e Chico Buarque e Ariano Suassuna, na fachada da livraria FNAC localizada na avenida Pedroso de Moraes em Pinheiros, entre outros. Acerca do mural do Oscar Niemeyer, Kobra discorre sobre a importância da realização da obra: Uma delas é que eu estava a mais de cinco anos tentando viabilizar esse projeto, outra que é um prédio na Avenida Paulista, que é a principal avenida da América Latina. Super importante. E que ali você tem todo aquele padrão de concreto, todo mundo de terno e gravata, e de repente você tem ali um trabalho que quebra um pouco isso né? (Eduardo Kobra - Portfólio, 2014, 3’22’’-3’43’’, transcrição nossa)
Outro projeto intitulado “GreenPincel” aborda a questão ambiental e de proteção aos animais, utilizando-se das paredes como forma de protesto, como é o caso do painel sobre Alta Mira na rua Maria Antonia e Sem Rodeio, uma crítica às touradas e rodeios, na avenida Faria Lima.
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Em vídeo disponível no site oficial do artista, Kobra fala sobre a importância dos murais nas ruas da cidade: Eu acho que o grande barato de pintar na rua é justamente você levar esses trabalhos ao acesso de milhões de pessoas, sejam elas pobres ou ricas, independente da classe social. De repente, pessoas que nunca entraram em uma galeria de arte, enfim, elas têm ali na cidade um trabalho que está acessível né?! Elas têm esse conta com o artista. (Eduardo Kobra - Portfólio, 2014, 4’35’’-4’59’’, transcrição nossa)
Mural Chico Buarque e Ariano Suassuna na Livraria FNAC - Pinheiros - São Paulo - SP (Fonte Imagem:https://goo.gl/wd6MPR)
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Mural de Oscar Niemeyer - Avenida Paulista - São Paulo - SP (Fonte Imagem:https://goo.gl/wd6MPR)
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Mural “Herói Nacional” - Rua da Consolação - São Paulo - SP (Fonte Imagem:https://goo.gl/wd6MPR)
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Mural Os Racionais - Capão Redondo - São Paulo - SP (Fonte Imagem:https://goo.gl/wd6MPR)
Mural O Pensador no Senac - Tatuapé - São Paulo - SP (Fonte Imagem:https://goo.gl/wd6MPR)
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Mural Viver, Reviver e Ousar na Igreja do Calvário - Pinheiros - São Paulo - SP (Fonte Imagem:https://goo.gl/wd6MPR)
Mural do Projeto Muro das Memórias - Avenida 23 de Maio - São Paulo - SP (Fonte Imagem:https://goo.gl/wd6MPR)
Mural do Projeto Muro das Memórias - Avenida Hélio Pelegrini - São Paulo - SP (Fonte Imagem:https://goo.gl/wd6MPR)
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Mural do Projeto GreenPincel - Rua Maria Antonia - São Paulo - SP (Fonte Imagem:https://goo.gl/wd6MPR)
Mural do Projeto GreenPincel - Avenida Faria Lima - São Paulo - SP (Fonte Imagem:https://goo.gl/wd6MPR)
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Mural do Projeto Muro das Memรณrias - Senac Santo Amaro - Sรฃo Paulo - SP (Fonte Imagem:https://goo.gl/wd6MPR)
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Em 2012, a empresa General Electric - GE, que atua nas áreas de transporte, energia e saúde, em parceria com a agência AlmapBBDO e alguns coletivos de artistas pintarem três fachadas de prédios com os temas das áreas em que a empresa atua. O projeto, intitulado ‘Galeria GE’, visava proporcionar à população a possibilidade de se presenciar obras de arte no seu dia-a-dia. De acordo com nota divulgada pela empresa, esse projeto é “uma nova forma de fazer propaganda, na qual a mensagem se une à arte e transforma a cidade para tornar melhor a vida de seus habitantes”. Percebe-se, então, como o graffiti se adequou para ser aceito, em determinadas circunstâncias, pela sociedade. Nesse caso, ao invés de existir uma empresa descontente com o sua fachada devido a possíveis mensagens de protesto e pichações, atingindo também à população que a observa, tem-se uma empresa que se apropriou da arte para usá-la como propaganda de seus serviços e valores ao redor da cidade, além de promover à população o acesso à cultura.
Mural do Projeto Muro das Memórias - Avenida 23 de Maio - São Paulo - SP (Fonte Imagem: https://www.ideafixa.com/projetos/galeria-ge/)
Um dos lugares mais famosos sobre graffiti da cidade de São Paulo é o Beco do Batman na Vila Madalena. Uma galeria a céu aberto é a melhor definição para a Rua Gonçalo Afonso. Com paredes dedicadas exclusivamente ao graffiti, o lugar atrai pessoas do mundo todo. Desde maio de 2016, a rua teve o acesso fechado para os carros e ganhou iluminação LED da prefeitura.
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Beco do Batman - Vila Madalena - SĂŁo Paulo - SP (Fonte Imagem: Elaborada pelo autor)
Beco do Batman - Vila Madalena - SĂŁo Paulo - SP (Fonte Imagem: Elaborada pelo autor)
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Diversos outros murais coletivos podem ser vistos pelas ruas da cidade. Em 2014, as pilastras de sustentação da linha azul do metrô na estação Carandiru, na Zona Norte de São Paulo, ganharam obras de 25 artistas em projeto intitulado Museu Aberto de Arte Urbana. Em entrevista ao portal G1, o grafiteiro Binho, um dos curadores do projeto, afirma: “Este projeto tem uma característica mais urbanista e social. Não buscamos só grandes artistas, mas também os jovens que estão buscando espaço.” Segundo o site do projeto, os artistas grafiteiros contaram com a ajuda da Secretaria do Estado da Cultura e do Paço das Artes para a realização do projeto. Após a aprovação, foi criada uma parceria entre o Metrô de São Paulo, a Secretaria do Estado da Cultura, o Paço das Artes e a Galeria Choque Cultural. A Secretaria do Estado da Cultura e o Metrô contribuíram com tinta e spray e revitalizaram as estruturas que receberam os painéis de 4 metros de altura.
Museu Aberto de Arte Urbana - MAAU - Avenida Cruzeiro do Sul - São Paulo - SP (Fonte Imagem: https://goo.gl/fA6nvJ)
Museu Aberto de Arte Urbana - MAAU - Avenida Cruzeiro do Sul - São Paulo - SP (Fonte Imagem: https://goo.gl/SQetBW)
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Em 2015, a prefeitura inaugurou o maior mural de graffiti a céu aberto da América Latina. Com cerca de 15 mil metros quadrados, mais de 200 artistas participaram da pintura ao longo dos 70 muros da avenida. Na ocasião, o então prefeito Fernando Haddad afirmou: O grafite paulistano é respeitado pelos brasileiros e no exterior. Estamos abrindo o principal eixo de mobilidade da cidade, que é o Corredor Norte-Sul para a arte urbana, com apoio e fomento da Prefeitura, em um diálogo com a cidade e com a curadoria, no sentido de tornar nossa vida mais agradável. (2015)
Além de apoio material, a Prefeitura auxiliou ainda na segurança dos artistas com a Guarda Civil Metropolitana, na limpeza dos muros e ampliação da iluminação da área.
Mural integrante do Maior Mural da América Latina - Avenida 23 de Maio - São Paulo - SP (Fonte Imagem: Heloisa Ballarini https://goo.gl/K64SYE)
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O mais recente mural colaborativo da cidade de São Paulo, foi inaugurado no mês de setembro de 2016. O túnel Noite Ilustrada que liga as avenidas Rebouças e Dr. Arnaldo foi revitalizado pelo trabalho de 70 artistas. Com aproximadamente 6 mil metros quadrados, o túnel foi preenchido por graffitis de artistas como Binho, Tikka Meszaros, Chivitz, Rui Amaral, Enivo, Bárbara Goy, Nove, Minhau, Crânio, entre outros. Os artistas foram divididos em 7 grupos, cada qual com um curador. A iniciativa fez parte da 10ª edição do Mês da Cultura Independente - MCI, da Secretaria Municipal de Cultura.
Artistas pintando o Túnel Noite Ilustrada - São Paulo - SP (Fonte Imagem: https://goo.gl/iVKDa0)
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FOMENTO E PARTICIPAÇÕES GOVERNAMENTAIS Os graffitis manifestados nas paredes e murais de São Paulo dependem de autorização para a utilização do espaço pretendido pelos artistas. Tal autorização é regulamentada pela Lei n° 14.223, de 26 de setembro de 2006, também conhecida como “Lei Cidade Limpa”, que dispõe sobre a ordenação dos elementos que compõem a paisagem urbana do Município de São Paulo. O dispositivo em questão apresenta a necessidade do parecer da Comissão de Proteção à Paisagem Urbana - CPPU para a autorização dos trabalhos relacionados ao graffiti em áreas públicas. Em relação a utilização de espaço privado, a autorização deve ser manifestada pelo proprietário. Sobretudo, é importante salientar que, para fins de permissão, o graffiti está sendo tratado, na interpretação da Lei, como uma forma de anúncio. A ausência de autorização para a realização dos graffitis, tanto em espaço público quanto privado, pode ser caracterizada como pichação, prática esta considerada crime ambiental, sujeitando o infrator a até um ano de prisão, além de multa, conforme o art. 65 da Lei Federal n° 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais). A descriminalização do graffiti foi conquistada por meio da Lei n° 12.408, de 25 de maio de 2011, uma vez que alterou a redação do art. 65 da Lei de Crimes ambientais, trazendo a clara distinção entre pichação e graffiti. Não constitui crime a prática de grafite realizada com o objetivo de valorizar o patrimônio público ou privado mediante manifestação artística, desde que consentida pelo proprietário e, quando couber, pelo locatário ou arrendatário do bem privado e, no caso de bem público, com a autorização do órgão competente e a observância das pos-
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turas municipais e das normas editadas pelos órgãos governamentais responsáveis pela preservação e conservação do patrimônio histórico e artístico nacional. (LEI Nº 9.605, DE 12 DE FEVEREIRO DE 1998, art. 65, § 2°)
A Lei Cidade Limpa é tida atualmente como um dos únicos referenciais normativos existentes em relação ao graffiti e às manifestações de artes urbanas. Trata-se de uma lacuna legislativa, uma vez que a prática ainda não foi permitida por meio de legislação e/ou política pública específicas. Algumas iniciativas nessa área foram realizadas, porém nenhuma ainda atingiu êxito. Como exemplo, o Projeto de Lei 01-00840/2013 do Vereador Nabil Bonduki (PT), que dispõe sobre a utilização de espaços da cidade para a arte do graffiti. O Projeto de Lei se mostrou como a solução de alguns dos problemas que marcam a rotina de quem faz arte na cidade, em especial a busca por autorização logo depois de realizada a sua intervenção, dando parâmetros para a realização de intervenções artísticas por meio do graffiti. A sua justificativa está baseada na luta pelo reconhecimento e fortalecimento da arte promovida pelos grafiteiros, intitulados como verdadeiros “artistas culturais”. Contudo, o projeto ainda se encontra em fase de tramitação na Câmara Municipal de São Paulo. A Prefeitura da cidade de São Paulo, bem como as suas secretarias, em destaque a Secretaria Municipal de Cultura, Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania e a Secretaria Municipal de Serviços, geralmente atuam como agentes promotores e incentivadores de projetos de graffiti. O fomento governamental é obtido por meio de recursos orçamentários e estruturais, além das autorizações para a prática do graffiti, do planejamento e execução das ações do projeto. Manifesta-se, assim, o dever do Estado de promover o acesso à cultura e garantir
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a representatividade da arte urbana. Em cartilha intitulada “Arte na Rua”, a Prefeitura reforça a importância dessas manifestações: Uma cidade com arte pelas ruas torna-se um ambiente de convívio mais humano, ou seja, traz vida, diversidade e criatividade para todos os cidadãos, independentemente de classe social ou situação econômica. (2015, p.6)
Os ganhos que a prática do graffiti obteve nos últimos anos junto ao poder público são entusiasmantes, entretanto há um caráter contraditório nas ações dos governos ao longo dos anos. O arquiteto Sérgio Franco expõe essa contradição quando lembra: “Os governos continuavam autoritários, como foi o de Jânio Quadros na prefeitura, o qual impôs severas multas aos grafiteiros e apagou as obras anteriormente autorizadas por ele. Este fato pôde ser observado em 1986, quando um trabalho encomendado como mural permanente para a Marquise do Ibirapuera, realizado por Maurício Villaça, Hudinilson Junior e Alex Vallauri, foi todo repintado pelo mesmo governo que o encomendara no ano anterior.” (2009, p.144)
Há alguns anos que a Prefeitura gasta grandes quantias cobrindo graffitis e pichações, e muitas vezes, as ações atingem obras importantes da cidade. Com isso, a prefeitura resolveu criar em 2014 uma Comissão para cuidar da arte de rua do município. Segundo o grafiteiro Binho, um dos nomes cotados para a comissão, a administração da cidade se reuniu com alguns artistas e deu início ao processo de diálogo. Em entrevista à revista Veja em 2014, Binho afirma “Ter critérios e criar um relacionamento pode ser positivo, especialmente se conseguirmos que pintores de rua não sejam curadores, definido o que fica que o
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que não fica na cidade.” e complementa, “É impossível agradar a todos, mas com uma política de trabalho, acredito que vão diminuir os casos injustos na cidade.” Acerca desse novo panorama do graffiti, o crítico de arte Fabio Cypriano analisa: “O que tá acontecendo agora é o seguinte: vai ter o graffiti institucional, que é onde a prefeitura deixa, e vai continuar tendo o graffiti anti-institucional, que sempre… esses caras começaram assim realmente. Porque você não podia nem grafitar. Assim, originalmente, você não pode intervir em nada na cidade. A prefeitura agora está admitindo que se pode ter intervenções, e está estudando permitir em certos lugares. Tudo bem. Isso é oficial?! É. A gente vai ter os grafiteiros oficiais, mas, olha, arte de rua nasceu como transgressão, então quem quiser, de fato, fazer graffiti e pixação, vai continuar fazendo.” (CIDADE CINZA, 2013, 1h02’00’’-1h02’42’’)
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CONSIDERAÇÕES FINAIS O graffiti da cidade de São Paulo é tido como referência mundial de uma arte democrática e representativa. Apesar de ter surgido na década de 1970 pelas paredes da cidade, e de já ter conquistado reconhecimento internacional, só agora há um crescimento no número de murais autorizados e até encomendados pela Prefeitura de São Paulo. A cidade, enquanto meio de propagação e manifestação dessa arte, atua na popularização do graffiti e na criação de uma identidade artística. As paredes da cidade são fortes suportes para todo tipo de intervenção, porém a relação entre os artistas e o poder público ainda é muito marcada pela volatilidade do interesse dos governos. A utilização dos espaços públicos é autorizada, na maioria dos casos, para a realização de graffitis artísticos ou temáticos. O graffiti enquanto forma de manifestação, de crítica, precisa recorrer ao seu caráter transgressor para acontecer e acaba sendo alvo de repressões por parte de ações da Prefeitura. Assim como graffitis de artistas que atingem cifras altíssimas em exposições e galerias mundo afora, recebem um prestígio e um espaço maior do que as intervenções dos iniciantes. Com o passar dos anos, o graffiti foi evoluindo através das gerações de artistas, através de novos estilos e materiais e se disseminou por toda a cidade, entretanto constata-se que a popularização e reconhecimento do graffiti como arte urbana e representante cultural pode ser ainda mais efetiva através da formação de uma política pública que contemple, concomitantemente, ações de promoção e de preservação dos graffitis da cidade. O começo dessa política pública começou a ser dis-
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cutida na última gestão de governo da Prefeitura, porém nenhum avanço foi visto e com a mudança do atual prefeito, muito pode-se perder se as discussões e trabalhos não forem continuados. Os governantes precisam compreender a importância do graffiti como forma de construção da identidade da cidade e da existência de uma cultura urbana. Convive-se com muito pouco contato com a cultura no cotidiano, e não pode partir da própria Prefeitura, que tem o dever de promover o acesso à cultura, as ações que apagam e restringem tal manifestação. A valorização do graffiti reflete diretamente no reconhecimento de uma tradição e manifestação popular, transmitida por meio de desenhos e dizeres. A população precisa compreender a importância de novos espaços destinados a tal prática, assim como compreender que o graffiti é a voz da população. As paredes vazias não dizem nada.
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