Design e moda sem gênero como contribuintes para a expressão da subjetividade desterritorializada

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DESIGN E MODA SEM GÊNERO COMO CONTRIBUINTES PARA A EXPRESSÃO DA SUBJETIVIDADE DESTERRITORIALIZADA.



DESIGN E MODA SEM GÊNERO COMO CONTRIBUINTES PARA A EXPRESSÃO DA SUBJETIVIDADE DESTERRITORIALIZADA.


RAFHAELA LUVISON PERLIN A MODA SEM GÊNERO COMO CONTRIBUINTE PARA A EXPRESSÃO DA SUBJETIVIDADE DESTERRITORIALIZADA. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Desenho Industrial – Design de Moda da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Design de Moda. Orientador: Prof. Dra. Virginia Kistmann

COMISSÃO EXAMINADORA _____________________________________ Prof. Dra. Virgínia Souza de Carvalho Borges Kistmann PUCPR

_____________________________________ Prof. Ma. Vanessa Weiss Roncalio PUCPR

_____________________________________ Prof. Me. Hélcio Prado Fabri Universidade Positivo

Curitiba, ____ de ________ de 2013.


Se desejamos uma sociedade com individuos que atinjam todo seu potencial, precisamos de uma cultura que reconheca a diversidade humana, que ofereca opcoes e respeite as escolhas. (PAOLETTI, 2015, p.170)



resumo Em virtude da crescente contestação do que se compreende tradicionalmente como feminino e masculino e das divisões classificatórias pautadas nesse binarismo, os anos de 2015 e 2016 contaram com manifestações a favor da discussão do gênero e da moda livre de definições. A subjetividade, na contemporaneidade, pode ser considerada fluida, plural, mutante: desterritorializada, e a moda possui a propriedade de expressá-la, por contar com um aparato tangível que corrobora com a expressão de si. Porém, ela também pode limitar expressões pessoais visto que está classificada em categorias simbólicas que exprimem expectativas acerca do gênero e oprimem manifestações desviantes. Na busca por uma expressão alternativa da moda, essa pesquisa foi guiada pelo seguinte questionamento: “O vestuário sem gênero tem contribuído com a expressão da subjetividade desterritorializada?” Mediante a realização de uma pesquisa bibliográfica e de uma pesquisa de campo foram obtidos resultados que não apontaram motivos críticos que indiquem que o conceito configure um empecilho para a expressão da subjetividade, inclusive, seus usuários afirmam se sentir mais livres. Portanto, pode- se afirmar que a moda sem gênero participa efetivamente na expressão da subjetividade desterritorializada. Porém, foi percebido que dentre os participantes não há um pensamento crítico associado ao uso das roupas, o que impede o conceito de atingir seu potencial transformador. A pesquisa de campo confirmou a maioria dos aspectos da literatura, como o fato da sociedade estar aberta para a discussão do conceito, embora isso esteja ocorrendo entre grupos restritos; que há marcas que tem desenvolvido coleções sem gênero de grande valor estético, porém não há grande conhecimento sobre elas; que as opções do fast fashion parecem insuficientes em promover um engajamento entre os consumidores e o conceito, bem como as revistas e blogs, num geral, apresentam discussões rasas sobre o assunto que não promovem reflexões intensas na prática. E que a moda sem gênero promove maior liberdade de expressão, apesar de não fazer parte da norma. Palavras-chave: Design de Moda. Moda sem gênero. Subjetividade desterritorializada.


abstract Given the growing questioning of what is traditionally understood as male and female and the classificatory divisions ruled by this binarism, the years of 2015 and 2016 relied on demonstrations in favor of gender discussions and the freedom from gender fashion standards. Subjectivity, in contemporary times, can be considered fluid, plural, mutant: deterritorialized, and fashion has the property to express it, for having a tangible apparatus that supports its expression. However, it can also limit personal expressions as it is classified in symbolic categories that express expectations about gender and oppress deviant manifestations. In the search for an alternative fashion expression, this research was guided by the following question: “Has been genderless clothing contributing to the expression of deterritorialized subjectivity?� By conducting a literature research and a field research, it was obteined results that did not show critical reasons to suggest that the concept sets an obstacle to the expression of subjectivity, moreover, its users say that they feel more free. Therefore, it can be said that genderless fashion participate effectively in the expression of deterritorialized subjectivity. However, it was noticed that among the participants there is no critical thinking associated with the use of these clothing, which prevents the concept to achieve its transformative potential. The field research confirmed most aspects of the literature, such as the fact that society is open to discuss the concept, although this is still occurring between restricted groups; there are brands that have developed genderless collections of great aesthetic value, but there is not much knowledge about them; the options of fast fashion seem unsatisfactory in promoting engagement between the concept and the consumers, as well as magazines and blogs that, in general, have shallow discussions over the subject that do not promote intense reflections in practice. And that genderless fashion promotes greater freedom of expression, although it is not the standard. Key-words: Fashion Design. Genderless fashion. Deterritorialized subjectivity.


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INTRODUÇÃO

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MÉTODOS DE PESQUISA

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O SUJEITO NA DESTERRITORIALIZAÇÃO E O VESTUÁRIO SEM GÊNERO

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A MODA SEM GÊNERO COMO EXPRESSÃO DA SUBJETIVIDADE

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A PERCEPÇÃO DA MODA SEM GÊNERO NA VISÃO DOS CONSUMIDORES

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DISCUSSÃO

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CONCLUSÃO

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REFERÊNCIAS APENDICE A



INTRODUÇÃO



INTRODUÇÃO A atribuição de importância aos estudos de gênero emergiu no Brasil nos anos 90. A categoria recebeu atenção da agenda pública feminista que embora a priori tenha questionado a perda do foco do “sujeito mulher” para que se discutisse a relação entre gêneros, superou progressivamente o desconforto e assumiu as críticas ao sujeito e a dissolução da identidade universal (RAGO, 1998a). A luta feminista respaldou suas discussões na recusa da forma de pensamento que privilegia o sujeito, baseado na lógica da identidade que é excludente, para defender o pensamento diferencial e a “desnaturalização de inúmeras dimensões da vida social, cultural e sexual” (ibid, p.91). Ao discorrer a respeito do gênero de uma perspectiva feminista, Rago (1998b) afirma que o saber ocidental pautando-se na lógica da identidade excluiu a diferença e determinou modelos de existência. Pensa-se assim em um conceito universal de homem, cujos atributos principais são pele branca e heterossexualidade. Tudo que difere dessa norma perde valor dentre a hierarquia social (PERES, 2012). Contudo, essa figura do homem como sujeito unitário e representante do todo, passou a sofrer objeções. A filosofia pós-moderna discutiu a artificialidade dos conceitos difundidos na sociedade, questionando as identidades propostas como determinações biológicas e reafirmando-as como simples construções histórico sociais advindas das relações pessoais (RAGO, 1998a; RAGO, 1998b). Num geral, o campo social passou a compreender a subjetividade como histórica e não mais natural, contudo aceitá-la


INTRODUÇÃO

como parte de construções em nada alterou seu caráter distintivo. A dicotomia feminino e masculino foi e é utilizado como mecanismo de diferenciação e poder dentre as relações sociais (ALMEIDA, 1996; PISCITELLI, 1998). Historicamente, construiu-se um padrão de relações e de poder entre homens e mulheres, tal como definições para a feminilidade e a masculinidade. A afirmação do patriarcado e a constituição da masculinidade hegemônica deu aos homens a possibilidade de controle e de dominação sobre a mulher, fator associado ao papel da mulher na reprodução e ao caráter utópico da masculinidade hegemônica, que visa um modelo inatingível (PISCITELLI, 2002). Estabeleceu-se coletivamente que a expressão masculina é hierarquicamente superior e que as variações dessa norma são ilegítimas (ALMEIDA, 1996). A teoria de Pierre Bourdieu oferece uma explanação de como esse sistema se sustenta (BOURDIEU, 1979). Bourdieu (1987) apresenta as relações de poder na sociedade responsáveis por determinar a posição dos indivíduos nos estratos sociais de acordo com a retenção de capital simbólico em maior ou menor escala. Capital simbólico é a combinação do capital social (relacionado a network), capital econômico (relacionado a propriedades e dinheiro) e capital cultural (relacionado ao conhecimento), que da prestígio e honra aos que o possuem. Os agentes que dominam posições superiores na cadeia social, os que possuem maior capital simbólico, retêm o privilégio de estabelecer a legitimidade da produção e sustentação de paradigmas (BOURDIEU, 1987). A teoria do sociólogo explica a valorização de certas identidades em detrimento de outras e a criação de um universo composto

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INTRODUÇÃO

por dominantes e dominados (PISCITELLI, 1998). Além disso, o sociólogo apresenta como a dominação masculina se sustenta... A força da ordem masculina se evidencia no fato de que ela dispensa justificação; a visão androcêntrica impõe-se como neutra e não tem necessidade de se enunciar em discursos que visam a legitimá-la. A ordem social funciona como uma imensa máquina simbólica que tende a ratificar a dominação masculina sobre a qual se alicerça: é a divisão social do trabalho, distribuição bastante estrita das atividades atribuídas a cada um dos dois sexos, de seu local, seu momento, seus instrumentos (...) (BOURDIEU, 1998, p.15)

Nesse contexto, se difundiu uma divisão classificatória pautada no binarismo do gênero, normas que determinam o que é feminino e masculino, o que é de homem e de mulher, que tornam as variantes indesejáveis. Entretanto a experiência mostra que a subjetividade pessoal é complexa e polimorfa e não dialóga com o simplismo das normas orientadoras, ou seja, mesmo que haja um posicionamento em um nicho, há também o reconhecimento de uma potencial identificação com aspectos do polo oposto. Isso leva a uma contestação dos paradigmas vigentes que com o efeito do tempo tem sofrido perturbações e degradações causando uma transformação na hegemonia (ALMEIDA, 1996). Felix Guattari e Gilles Deleuze (1995) apresentam a subjetividade como uma trama polifônica que compreende a diversidade e a multiplicidade, negando a existência de uma essência totalizada, limites e unificação. Para eles sua composição é um trabalho de criação que se inventa constantemente, não compreende um inicio ou fim, está em fluxo e não se subordina 15


INTRODUÇÃO

a um eu fixo. Esse conceito rompe as regras e a dominação advinda da norma e corrobora com a aceitação e afirmação de novas formas e do diferente (BRITO, 2012). A subjetividade mutante proposta pelos autores constitui “territórios de existência”. O conceito de território proposto por Deleuze e Guattari (1972; 1980; 1991), é delimitado pela seleção de componentes e relações que delineiam um “lugar de expressão”. O território é um local de passagem, já que o sujeito está em contato ininterrupto com acontecimentos que promovem mudanças internas. Os processos de territorialização e desterritorialização são uma constante da construção da subjetividade (MESQUITA, 2015). Associando as ideias dos filósofos de desestabilização da subjetividade unificada e das expressões mutantes dos territórios, surgiu o conceito de subjetividade desterritorializa, ela que compreende, como exposto acima, a multiplicidade e a metamorfose contínua (BRITO, 2012). Para que se favoreça a multiplicidade do sujeito, as discussões atuais consideram a superação do binarismo de gênero. Nesse sentido, os debates do campo da moda se equiparam ao espírito do tempo, visto que o ano de 2015 contou com manifestações a favor da moda sem gênero e posicionamentos de marcas e pessoas em benefício de uma adaptação do sistema a ideia. Autores como Barnard (2003), Castilho (2004) e Lurie (1997), defendem que o vestuário opera como linguagem não verbal, que constrói e comunica significados, veicula discursos e estabelece relações de poder e identidade (apud KALIL, 2007). A interação entre o corpo e a roupa é uma variável da composição da subjetividade na contemporaneidade. A

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INTRODUÇÃO

composição da aparência e os modos de interferência sobre o corpo, inclusive os adornos representados pela moda, são elementos que produzem a subjetividade. A moda assume o papel de expressar as “sensações de si”, mesmo que a subjetividade esteja em constante metamorfose (MESQUITA, 2015). Por meio da moda, o sujeito é reconhecido socialmente, ao mesmo tempo em que pode se diferenciar do todo. A apropriação dos signos de um produto, através de sua utilização, permite ao indivíduo exprimir seus valores, sua visão de mundo, seus conceitos e ideais. O consumo está associado ao valor simbólico do produto, nesse sentido o design de moda expressa a subjetividade, hábitos e preferências revelando a singularidade de cada um (LIPOVETSKY, 2004). A moda sem gênero contribui para a liberdade de expressão pessoal sem limitações predeterminadas. No entanto, apesar dos desfiles das grandes marcas terem apresentado discursos consistentes a esse respeito, o vestuário do fast fashion, ao que o grande público tem acesso, não tem apresentado a mesma evolução. Há uma série de criticas a respeito da falta de originalidade e autenticidade nas propostas de algumas marcas. Essa proposta de pesquisa busca investigar se o vestuário sem gênero de marcas atuantes no Brasil, tem favorecido a comunicação da subjetividade desterritorializada de forma eficiente.

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PROBLEMA

Figura 1 - Coleção Ungendered Zara. Fonte: Banco de imagens Google, 2016

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PROBLEMA A moda sem gênero tem sido amplamente representada por grandes estilistas há alguns anos, tendo ganhado ênfase a partir do final de 2014 (SEBRAE, 2016; AS PATRICIAS, 2016), contudo o varejo tem incorporado o conceito de maneira mais lenta (PONTUAL, 2015). A Zara lançou em 2016 uma coleção Ungendered de dez peças. As imagens promocionais apresentaram homens e mulheres utilizando o mesmo padrão de roupas. Porém, a multinacional colecionou críticas devido a falta de criatividade das peças que consistiam em camisetas, moletons e jeans, sem nenhuma ousadia ou subversão, como pode ser visto na Figura 1 (ZARA, 2016). As peças da coleção Ungendered foram fabricadas em jeans, moletom e malha. A cartela de cores foi composta por cinzas, branco, preto, bege e azuis. A principal crítica sobre as roupas foi seu caráter normcore e unissex ao invés da tentativa de aplicação do conceito da moda sem gênero. As peças apresentadas são comuns ao vestuário masculino e utilizadas com frequência por mulheres, porém não há peças do guarda roupa feminino adaptada ao corpo dos homens, a coleção não possui saias, nem vestidos (SCIACCA, 2016; CHUNG, 2016). A campanha “tudo lindo e misturado” da C&A e o comercial de dia dos namorados também levantaram controvérsia (SCHIMIDT, 2016; GIUSTI; PAUL, 2016). O comercial da campanha chama atenção para um modelo provando um vestido e uma modelo colocando uma cueca. A propaganda de dia dos namorados, intitulada “dia dos misturados”, mostra casais entrando em 19


PROBLEMA

Figura 2 - Coleção “Tudo lindo e Misturado” C&A. Fonte: Site “BuzzFeed”, 2016

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PROBLEMA

elevadores, cabines telefônicas, banheiros ou mudando de ambientes aos beijos e saindo com a roupa trocada. As passagens mais chamativas são um rapaz usando salto alto, outro usando meia arrastão e um casal trocando de cabelos, a garota fica careca e seu parceiro usa um corte Chanel. As propostas indicaram que a loja lançaria sua primeira linha de roupas sem distinção de gênero. Contudo, no site da marca, tal como no ponto de venda, as roupas são divididas entre masculino e feminino (C&A, 2016). Segundo Silva (2016), a campanha promove a visão da empresa de “que todos são livres para escolher as peças que desejam usar”, assim como procura respeitar a liberdade dos consumidores apoiando seu desejo de circular livremente pelas sessões das lojas independente de seu gênero (MARTINS, 2016). Porém, Silva enfatiza a distinção entre os conceitos de campanha e de coleção, afirmando que o intuito é incentivar a “possibilidade de combinações dos produtos da nossa coleção, que tem tanto peças femininas como masculinas” (ibid). Os redatores do site BuzzFeed (2016), Iran Giusti e Flora Paul, foram até uma das lojas da C&A e constataram que as peças da coleção não se adequam aos dois gêneros (GIUSTI; PAUL, 2016), o que levantou questionamentos a respeito da real intenção da empresa. Na Figura 2, os repórteres provam o mesmo vestido da coleção, a esquerda, Giusti experimenta um número GG, enquanto Paul, a direita, experimenta o M. Nitidamente a modelagem da peça não se adequa aos dois corpos, o que causa dubiedade em relação ao posicionamento liberal da empresa, visto que apenas um número pequeno de pessoas tem a real possibilidade de consumir peças

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PROBLEMA

Figura 3 – Mulheres buscam camisas masculinas e homens calças femininas Fonte: Site “Delas Moda”, 2014

Figura 4 – Marcas de vestuário sem gênero. Fonte: Site “Another Place”, 2016; Site “Raw Clothing”, 2016; Site “Beira”, 2016

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PROBLEMA

das duas sessões (ibid).Além disso, as publicações em blogs e revistas demonstram um conhecimento superficial da tendência devido as discussões rasas e o estímulo do uso de camisetas masculinas por mulheres e calças skinny femininas para homens, ou seja, sem a promoção de uma moda que se adeque aos corpos e subverta as normas vigentes (SOUZA, 2014). A Figura 3 mostra imagens retiradas do blog “Delas” sessão “Moda” do site Ig (2014). As legendas diziam que as mulheres visitam a sessão masculina de lojas de departamento em busca de camisetas e camisas, enquanto o garoto da direita utilizava calças femininas por se adequar melhor a sua altura (ibid). Apesar disso, algumas marcas menores se destacam no contexto nacional por promover peças sem gênero que buscam uma representação leal aos anseios de expressão do seu público alvo. Alguns exemplos são os das empresas Another Place (2016), Raw Clothing (2016) e Beira (2016), que podem ser vistos na Figura 4. A Another Place é uma marca de Recife que tem como diretor criativo Rafael Nascimento. Em entrevista para o site Fashion Forward (2016), Nascimento afirma que a marca pretende aproximar a moda sem gênero do consumidor, a fim de “reforçar que vestuário não define sua sexualidade” (PRADO, 2016). No site da marca os proprietários declaram: Respeitamos o ser humano como o todo que é. Macho ou fêmea. Porque roupa é expressão e todo mundo pode e deve usar o que quiser, o que couber, independentemente do sexo. Do estilo. Da profissão (ANOTHER PLACE, 2016). A Raw Clothing iniciou a produção com uma coleção de camisetas. Pouco tempo depois lançou uma linha de camisas

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PROBLEMA

unissex e na última coleção apresentou uma linha intitulada agender-basics com camisas, camisetas e vestidos adequadas aos corpos de homens e mulheres. O site da marca faz a distinção entre as peças unissex e as sem gênero (RAW CLOTHING, 2016). A estilista da Beira, Lívia Campos, afirma: “Roupa é uma coisa sem gênero e você veste o que acha que vai cair melhor” (STEFANELLI, 2015). Campos propõe a desmistificação do gênero através de uma modelagem desconstruída que permite que o usuário utilize como preferir. As peças possuem costuras expostas no avesso da peça que permitem que o usuário explore e compreenda sua construção (ANDRADE, 2015). Na prática, discutir a moda sem gênero pressupõe o questionamento do sistema heterocentrado e dos padrões sociais em que nos enquadramos. Com a adaptação do conceito ao varejo, poderá haver uma aproximação e participação das massas no processo de reconstrução e aceitação de novos paradigmas (PONTUAL, 2015). A discussão da moda sem gênero está diretamente ligada ao conceito de subjetividade desterritorializada ao passo que propõe a mobilidade entre os polos fixos e a liberdade de ser múltiplo dentro da fluidez do gênero. Considerando todos os aspectos supracitados, a questão em voga no presente trabalho é: O vestuário sem gênero tem contribuído com a expressão da subjetividade desterritorializada?

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OBJETIVOS Objetivo Geral O objetivo principal deste trabalho é investigar quanto a contribuição do vestuário sem gênero para a expressão da subjetividade desterritorializada.

Objetivos Especificos Os objetivos específicos do trabalho são: a-Caracterizar a subjetividade desterritorializada; b-Caracterizar o vestuário sem gênero; c-Observar a participação da moda sem gênero na expressão da subjetividade desterritorializada.



JUSTIFICATIVA A superação da identidade unitária corrobora com a discussão de uma possível supressão da lógica binária do gênero, essencial para a compreensão de um novo olhar voltado a diversidade (RAGO, 1998a). As lutas travadas pelos movimentos feministas, LGBTI e de novas masculinidades para modificar os símbolos difundidos socialmente procuram a afirmação de uma nova hegemonia, que poderia extinguir as categorias de gênero. Essa possibilidade vem sendo estudada por autores como Paul Beatriz Preciado (2002). Em 2011 a WGSN publicou o relatório de tendências para o outono/inverno 2012 indicando uma revolução nos paradigmas sociais. A macrotendência intitulada “Neutralidade Radical”, apontava para uma amenização das delimitações de gênero e das restrições advindas dessas. O “terceiro gênero” foi a microtendência que teria implicações diretas na moda, indicando o consumo de peças e produtos sem determinações de gênero, que expressassem a fluidez do consumidor (LEE, 2011). No final de 2015, o bureau retomou a discussão sobre o unissex no relatório Zero Gender. A publicação explica que apesar da suavização da dicotomia de gênero não ser um assunto novo, ela ganhou evidencia devido a uma maior aceitação advinda principalmente dos jovens (WATSON, 2016). Em 2016 o tema voltou ao relatório de tendências com ainda mais expressividade. Segundo Paget (2016), as mudanças comportamentais são os motivos pelos quais o gênero neutro reapareceu como tendência e tem ganhado força como fenômeno. Segundo ela, o crescimento da metrossexualidade tornou normal


JUSTIFICATIVA

Quadro 1 – Vantagens para as MPE Fonte: Sebrae Inteligencia Setorial, 2015

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e aceitável o cuidado dos homens com a construção de sua imagem. Isso em conjunto a outros fatores permitiu que o conceito sem gênero se estruturasse (PAGET, 2016). O relatório primavera/verão 2016 de tendências de moda da WGSN apresentou então o Soft Pop. Segundo o bureau, a tendência advém da suavização das barreiras de gênero e inclusão de diferentes visões de mundo. O movimento em direção a sociedade sem gênero, que a empresa prefere denominar como genderful, devido a seu grande potencial inclusivo, foi reiterado pela Pantone que apresentou, em 2016, duas cores do ano ao invés de uma: Serenity e Rose Quartz. As cores são semelhantes as da bandeira do Orgulho Transgênero (WGSN INSIDER, 2015). Esse fenômeno também é visto em catálogos de tendências nacionais. A moda sem gênero foi abordada como um dos principais assuntos no boletim de tendências do Sebrae Inteligência Setorial. De acordo com o instituto, o conceito oferece oportunidades de negócio tais como mostra o quadro ao lado. Estando de acordo com as tendências, a presente pesquisa se ocupa em discutir a moda sem gênero como uma oportunidade de promoção da subjetividade pessoal livre de predeterminações e busca averiguar se a produção atual tem contribuído para uma expressão pessoal mais liberta. A natureza mutante do sujeito tal como a busca por superar a dicotomia de gêneros, mantém uma relação estreita com a moda, caracterizada pela efemeridade e pela inovação. Há diversas discussões a respeito da relação entre o gênero e suas diferenças e a produção e consumo de moda. Segundo Mota (2008, p.24), a moda é “elemento integrante das condições de subjetivação”, não apenas exprime, mas compõe

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a subjetividade. Além disso, do ponto de vista social, Crane (2006) e Miranda (2008) ressaltam a importância do vestuário na construção da identidade. Contudo, a expressão da identidade é limitada pelo campo social. A sociedade heteronormativa é sustentada por paradigmas consolidados que definem normas e oprimem as manifestações desviantes. Do ponto de vista sociológico, a moda se apresenta dentro de categorias simbólicas que se dividem em masculino e feminino. Elas exprimem crenças e expectativas acerca do gênero (ZAMBRINI, 2016). Se emancipar da norma binária não é simples, porém sua busca é importante levando em conta que a mudança não afeta o direito dos que estão satisfeitos com a expressão possível dentro da norma, mas garante que o diferente seja também aceito (OLIVEIRA JR, 2016). A importância em debater esse assunto também se sustenta no fato de afetar diretamente a vida, felicidade e bem estar de pessoas que são muitas vezes excluídas e consideradas abjetas no sistema heteronormativo. De acordo com uma pesquisa realizada pelo instituto Pace (2014), 48% da comunidade transexual de até 26 anos do Reino Unido já tentaram realizar suicídio e pelo menos 59% considerou realizar o ato (STRUDWICK, 2014). Além disso, de acordo com McNeil et al. (2012), 52% dos 544 participantes de uma pesquisa, também no Reino Unido, sofreram preconceito ou algum problema no trabalho por serem transexuais ou terem relações com transexuais (MCNEIL et al., 2012). Os dados se repetem nos Estados Unidos. Haas, Rodgers e Herman (2014) afirmam que 41% dos 6.456 transexuais entrevistados em uma pesquisa tentaram cometer suicídio. O número esta muito

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JUSTIFICATIVA

acima da média da população americana, 4,6%, e da média da comunidade LGB, 10-20% (HAAS; RODGERS; HERMAN, 2014). No Brasil, a UFMG (2015) publicou o relatório de uma pesquisa com 28 homens transexuais das regiões metropolitanas de Belo Horizonte, São Paulo e Campinas. Desses, 85,7% já pensaram em suicídio, 52% já sofreram violência física e 100% sofreram violência psicológica (SOUZA, 2015). Portanto, discutir a questão do gênero e fomentar a neutralidade das roupas, é uma questão de respeito e incentivo a vida. Com a supressão das classificações binárias as pessoas podem adquirir liberdade para utilizar coisas que combinem com sua subjetividade sem sofrer preconceito e violência (PAECHTER, [2015] apud STEFANELLI, 2015). Segundo Paoletti (2015) Se desejamos uma sociedade com indivíduos que atinjam todo seu potencial, precisamos de uma cultura que reconheça a diversidade humana, que ofereça opções e respeite as escolhas. (PAOLETTI, 2015, p.170. Tradução Livre da Autora)

Diante do exposto, verifica-se a valia do conceito do sem gênero em variados campos e sua evidência na discussão da moda atualmente, portanto, cabe uma investigação que evidencie o desenvolvimento desse conceito na moda e sua relação com a expressão da subjetividade. A presente investigação poderá pleitear uma plataforma de informação cientificamente embasada, contando com a caracterização da moda sem gênero e sua produção à nível nacional, a fim de fomentar a discussão do assunto e promover sua aplicação de modo efetivo na moda. O documento aqui apresentado segue a seguinte estrutura: 31


JUSTIFICATIVA

a primeira sessão descreve o método utilizado na pesquisa, a segunda apresenta o referencial teórico, a terceira e a quarta sessão exibem os resultados da pesquisa de campo, a sessão seguinte apresenta a discussão dos resultados e a última sessão contém a conclusão.

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MÉTODOS DE PESQUISA


MÉTODOS

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objetivos

metodos

principais referencias teóricas

a- Caracterizar a subjetividade desterritorializada e o vestuário sem gênero;

a-Pesquisa bibliográfica;

b-Observar a participação da moda sem gênero na expressão da subjetividade desterritorializada.

b-Pesquisa de campo e questionário;

a-BRITO, 2012; PERES, 2012; MANSANO, 2009; BRAIDOTTI, 2002; MESQUITA, 2015; ARVANITIDOU; GASOUKA, 2011; ARVANITIDOU; GASOUKA, 2013; ZAMBRINI, 2016; STEFANELLI, 2015; PONTUAL, 2015; SCIACCA, 2016;

Fonte: a autora, 2016


MÉTODOS Seguindo as definições propostas por Gil (2002), este estudo pode ser classificado como uma pesquisa de natureza básica, com abordagem mista quantitativa-qualitativa. Com o objetivo de ampliar a percepção a respeito da questão em voga, a pesquisa tem cunho exploratório visto que não se verificou a existência de estudos que abordem a relação entre a moda sem gênero e a expressão da subjetividade desterritorializada (GIL, 2002). De acordo com Fonseca (2002), os estudos exploratórios costumam utilizar pesquisas de levantamento como método. Esse tipo de pesquisa é um recurso da pesquisa de campo, que caracterizase pela coleta de dados junto a pessoas (apud GERHARDT; SILVEIRA, 2009). Os métodos a serem utilizados nessa pesquisa são: pesquisa bibliográfica e pesquisa de campo, com a técnica de questionário, como apresentado no quadro ao lado. Assim, baseado nos objetivos e estrutura propostos acima, concluiu-se que o plano norteador da pesquisa seguirá quatro etapas. As duas primeiras etapas constituirão a fundamentação teórico conceitual que dará base à reflexão sobre o objeto de análise, o vestuário sem gênero. As duas etapas seguintes configurarão a pesquisa de campo. A primeira etapa contará com uma pesquisa bibliográfica para o recolhimento de informações a respeito da construção do conceito de subjetividade desterritorializada definido a partir do conceito de desterritorialidade de Deleuze e Guattari (1972; 1980; 1991) e explanado por Brito (2012). A segunda etapa também utilizará a pesquisa bibliográfica


MÉTODOS

como meio para caracterizar o vestuário sem gênero. A terceira etapa contará com uma pesquisa de campo que identificará o desenvolvimento da moda sem gênero no Brasil, através da observação de sites. Serão identificadas as marcas de maior credibilidade do cenário nacional e, posteriormente, serão selecionadas três marcas que desenvolvam vestuário sem gênero e estejam adequadas à definição do conceito, a fim de compreender melhor o conceito e a produção. O universo de seleção das marcas será o mercado da moda nacional, a amostra será o nicho da moda sem gênero. A partir de um levantamento do conteúdo dos dez primeiros websites que associam os termos “moda sem gênero” e “Brasil” nos resultados de busca do Google, serão identificadas as marcas de moda sem gênero mais expressivas do cenário nacional. O ranking de aparição dos sites na página de pesquisa, se deve a um índice determinado segundo mais de 200 fatores que posicionam os links de acordo com o conteúdo de maior credibilidade (GOOGLE, 2016). A partir dessa delimitação os critérios de seleção serão: 01) Ser uma marca nacional; 02) Disponibilizar fácil acesso a informação sobre suas coleções; 03) Se designar como produtora de artigos sem gênero; 04) Apresentar mix de produtos variados; e 05) Disponibilizar fácil acesso de compra aos itens. Em seguida, será realizada uma segunda triagem considerando a adequação da marca ao objetivo da pesquisa, uma comparação mais aprofundada da diversidade do mix de coleção e a apresentação de peças diferentes, peças básicas com detalhes diferenciados e peças básicas. A quarta etapa será pautada na coleta de informações a

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MÉTODOS

respeito da participação do vestuário sem gênero na construção da subjetividade desterritorializada, isso será desenvolvido através da aplicação de um questionário virtual, de natureza estruturada com perguntas de múltipla escolha. Sua elaboração seguirá orientações do modelo de protocolo proposto por Guerra (2010), e sua divulgação será realizada em meios virtuais que manifestam afinidade com os temas moda e moda sem gênero. Uma explicação mais detalhada dessa etapa encontra-se no tópico 5.1. O questionário encontra-se na íntegra no Apêndice A.

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O SUJEITO NA DESTERRITORIALIZAÇÃO E O VESTUÁRIO SEM GÊNERO


Esse capítulo constitui a fundamentação teórico conceitual que formará a base para a continuação da pesquisa. O primeiro item delineia o conceito de subjetividade desterritorializada advindo da ideia de desterritorialidade proposta por Deleuze e Guattari (1972;1980;1991). Explorar a subjetividade desterritorializada é importante para compreender a possibilidade da constituição de uma subjetividade plural que permite a composição e expressão de múltiplos aspectos e desejos pelo mesmo individuo. Esse entendimento auxilia na discussão do segundo item que apresenta o debate acerca do gênero e suas implicações sociais. Essa parte da pesquisa debate a moda sem gênero, suas características e sua importância.


A SUBJETIVIDADE DESTERRITORIALIZADA Debates acerca da constituição do sujeito e suas formulações socio culturais foram travados por diversas disciplinas científicas. A busca pela compreensão do homem em sua totalidade fomentou investigações nos planos da psicologia, sociologia, história e filosofia cujas conclusões variam dentre teorias e períodos históricos (SILVA, 2011). Uma ocupação relevante da Modernidade foi discutir a constituição do sujeito. Os acontecimentos históricos ofereceram ao homem moderno a compreensão de si como ser autónomo, conhecedor e controlador da verdade e da natureza. Desassociado do divino e capacitado por sua racionalidade, o homem configurou novos valores de vida e instaurou ordem à realidade. Para tanto, sua subjetividade se caracterizou “na identidade, na unidade, em um eu conhecedor e instaurador da verdade pura” (BRITO, 2012, p.4). Esse entendimento do sujeito adveio do pensamento de Descartes. O indivíduo nesse contexto apoiava-se em regras normativas que davam a subjetividade um carater fixo, rígido e cristalizado. Assim, sob o domínio de um sistema heteronormativo, pautou-se um sistema binário que definiu, além do desejo heterossexual, o gênero masculino e prática sexual ativa para um indivíduo que nasce macho e, para o individuo fêmea, o gênero feminino e a prática sexual passiva. Toda variação desse sistema foge da norma e passa a ser considerada abjeta (PERES, 2012, BRITO, 2012). Contudo, a compreensão do sujeito unificado e estabilizado foi denunciada ainda na modernidade por outros filósofos, como


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Spinoza, adiantando as críticas daqueles que a partir do século XIX se dedicaram ao estudo da crise da Modernidade e da subjetividade unificada, tais como Nietzsche (1889) (SANTOS, 2011). De acordo com Peres (2012), as relações sociais constroem a subjetividade do sujeito. Com essa afirmação o autor nega a existência da subjetividade como uma essência metafísica, determinada por regras normativas e determinante de identidades cristalizadas. Para ele, a subjetividade é constituída por diversos elementos que expressam múltiplos devires (PERES, 2012). Pensando da mesma forma, Braidotti (2002) afirma que a interação entre classe, raça, etnia, gênero, idade, e outros elementos constroem a subjetividade. A autora apresenta o conceito de subjetividade nômade, que é a “simultaneidade de identidades complexas e multi dimensionadas” (BRAIDOTTI, 2002, p.10). A figura do nômade se enquadra à definição de Braidotti por sua renúncia ao que é fixo. Braidotti afirma que a subjetividade na contemporaneidade é móvel, complexa e mutante e que compreendê-la dessa forma é importante para desconstruir estereótipos, pré determinações e aceitar a diversidade (BRAIDOTTI, 2002). Outros pensadores que apresentam a dissolução da subjetividade marcada por uma essência totalizada são Deleuze e Guattari (1997). Mansano (2009) afirma que Guattari (1996) alude à uma crença tradicional do sujeito como detentor de uma “natureza humana”. Esse pensamento atribui ao homem uma essência fixa e imutável. O filósofo questiona essa compreensão afirmando a subjetividade como produzida dentro das relações sociais. Para

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ele a subjetividade não é totalizada, nem centrada no individuo, ela se constrói no convívio com o outro – sendo o outro as pessoas, a natureza, acontecimentos, etc. - e na apreensão de elementos que circulam no campo social (MANSANO, 2009). Deleuze (2001) reitera as observações sobre a subjetividade feitas por Guattari. Para ele, a cada novo encontro o sujeito se depara com algo diferente e produz sentidos sobre aquela experiência. A fluidez ininterrupta de acontecimentos que levam a questionamentos, faz com que o sujeito esteja em permanente construção e mudança. A subjetividade do sujeito, em vez de uma entidade pronta, é processual, é um vir a ser, um estado transitório (ibid). Os autores negam a subjetividade unitária que se mostra limitante e repressiva e denunciam seu caráter supressor da diferença e do movimento. Para eles, a subjetividade se torna passível de controle e regularização quando se torna fixa e nomeada, enquanto uma subjetividade mutante e fluida, foge da sujeição e imposição de normas (BRITO, 2012). A subjetividade mutante proposta pelos autores constitui “territórios de existência”. Comentando o conceito de território proposto por Deleuze e Guattari (1997), Mesquita (2015) afirma que ele é delimitado pela seleção de componentes e relações que delineiam um “lugar de expressão”. Assim, acrescentam os autores: Há território a partir do momento em que componentes de meios param de ser direcionais para se tornarem dimensionais, quando eles param de ser funcionais para se tornarem expressivos. (DELEUZE; GUATTARI, 1997, p.121 apud MESQUITA, 2015).

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Os componentes que designam o território podem ser valores, comportamentos, trabalho, pessoas, espaço, tempo e o próprio corpo (MESQUITA, 2015). O território é um local de passagem, os processos de territorialização e desterritorialização são movimentos constantes. Por isso a subjetividade está em incessante mudança (ibid). A subjetividade que não possui uma forma e o conceito de desterritorialização de Deleuze e Guattari foram associados por Brito (2012), para determinar o que a autora denomina como subjetividade desterritorializada (BRITO, 2012). A subjetividade entendida dessa forma, é uma substância mutante que permite a experimentação e estimula compreensões diferentes do mundo e modos variados de nele agir (MANSANO, 2009). Brito (2012) discorre a respeito da subjetividade para os autores, afirmando que Deleuze e Guattari a compreendem como uma trama em contínua composição, que se modifica e se auto produz, que se desloca e está em constante processo de invenção. Sua composição constitui-se em diferentes variantes, compreende signos apreendidos da família, da cultura e sociedade. Além disso, aspectos expostos pela indústria e adquiridos através da mídia e compreensões complexas que chegam a “escapar dos axiomas da linguagem” (BRITO, 2012, p.8), não permitem o entendimento de uma essência ou substancialidade. Guattari (1992) afirma que a produção da subjetividade é constante e independente, ocorre entre simultaneidades, sendo, portanto, polifônica e plural. A subjetividade para ele é... e/ou coletivas estejam em posição de emergir como um território existencial auto referencial, em adjacência

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ou em relação de delimitação com uma alteridade ela mesma subjetiva. (GUATTARI, 1992, p. 19)

Deleuze e Guattari delineiam sua teoria baseados na negação efetiva da identidade para pensar a subjetividade por singularidades. Cabe aqui a reprodução de alguns dos exemplos que Brito (2012) utiliza em seu artigo, a fim da melhor compreensão da ideia supracitada. A subjetividade se compõe na multiplicidade de singularidades sem delimitações. Por exemplo, a pintura “Incerteza” (1944) de René Magritte, apresentada na Figura 5, apresenta uma mulher cuja sombra é um pássaro, pela qual entende-se que em nós há diversos modos de ser que formam um coletivo em constante modificação. Cada singularidade é uma imagem que se desfaz em fluídos, perdem sua identidade, tornam-se impessoalidades, movimentos, com os quais o homem expressa seus múltiplos devires (BRITO, 2012). Brito (2012) traz também a obra “Metamorfose III” (1967-68), de Escher, que ilustra as subjetivações nômades. Múltiplas formas compõem uma superfície em metamorfose, na qual as imagens em deslocamento convidam o observador a retirar a atenção da matriz fixa para as estruturas em exercício de modificação, os “fluxos heterogêneos” (BRITO, 2012, p.17). O deslocamento contínuo da imagem causa o desaparecimento do “sujeito”, bem como não se observa uma linha progressiva, uma evolução, mas ramificações sem inicio ou fim, tal qual a subjetividade, como na Figura 6. Como se vê, o conceito de desterritorialidade pode ser visto como uma subversão “de todo o entendimento de uma subjetividade centrada e fixada em si mesma” (BRITO, 2012, p.17). 45


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Figura 5 – Incerteza (1944), René Magritte Fonte: Brito, 2012.

Figura 6 – “Metamorfose III” (1967-68), Escher Fonte: Brito, 2012.

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A desterritorialização compreende o movimento de saída de um território para um outro que será então territorializado. Portanto é um processo em conjunto. Nesse sentido, Guattari e Rolnik (1996) dizem: A noção de território aqui é entendida num sentido muito amplo, que ultrapassa o uso que fazem dele a etologia e a etnologia. Os seres existentes se organizam segundo territórios que os delimitam e os articulam aos outros existentes e aos fluxos cósmicos. O território pode ser relativo tanto a um espaço vivido, quanto a um sistema percebido no seio da qual um sujeito se sente “em casa”. O território é sinônimo de apropriação, de subjetivação fechada sobre si mesma. Ele é o conjunto de projetos e representações nos quais vai desembocar, pragmaticamente, toda uma série de comportamentos, de investimentos, nos tempos e nos espaços sociais, culturais, estéticos, cognitivos (GUATTARI; ROLNIK, 1996, p.323 apud BRITO, 2012, p.18).

A subjetividade desterritorializada se revela no deslocamento, em modos de vida que se opõem à norma e escapam ao controle, apresentando modos de vida alternativos. Essa subjetividade é, em suma, uma trama autoproduzida que não evolui progressivamente, mas esta em constante modificação, que compreende a simultaneidade e multiplicidade e nega a identidade fixa e imutável. Esse conceito da autonomia ao indivíduo que, como criador, constrói seus modos de existência. A discussão da subjetividade desterritorializada é importante ao passo que apresenta uma alternativa á subjetividade unificada, compreendendo modificações constantes ela rompe as regras 47


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e a dominação advinda da norma e corrobora com a aceitação e afirmação de novas formas e do diferente. Essa compreensão é essencial para a aceitação da subjetividade como complexa e multifacetada.

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CARACTERIZAÇÃO DA MODA SEM GÊNERO Esse capítulo se propõe a apresentar a moda sem gênero e suas características. O primeiro item expõe o contexto que permitiu que a discussão da moda sem gênero aflorasse e se fortalecesse. Apresentar a discussão de gênero e suas implicações na sociedade é relevante ao passo que a evidência do assunto atualmente é um indicativo de porque a moda sem gênero tem sido amplamente debatida. Além disso, a exposição da importância do assunto incita a reflexão de que a moda, como agente de conscientização e transformação, precisa atentar a esse aspecto e estimular seu desenvolvimento. O item seguinte comenta como o gênero se manifesta na moda e como as mudanças sociais colaboraram para que os padrões estabelecidos historicamente passassem a ser questionados, fundamentando o surgimento da moda sem gênero. Essa etapa define o conceito e apresenta suas características.

A discussao de genero Muito se investiga a respeito das designações e do desenvolvimento da identidade de gênero, identidade sexual e orientação sexual. A produção advinda de inúmeras disciplinas cientificas não apresenta um consenso a respeito dos termos, portanto tornase necessário tecer comentários a respeito das definições que guiam esse trabalho (ALVES; MOTA, 2015). A identidade de gênero está relacionada a identificação


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do sujeito com o que se entende como feminino e masculino, independente de seu sexo biológico. Determinado por fatores biológicos, psicológicos e sociais, a convicção do gênero pode ou não interferir no sexo original da pessoa. O sexo condiz, em uma perspectiva biológica, com os componentes fisiológicos do corpo associados aos órgãos reprodutores, logo a classificação macho-fêmea. A orientação sexual, por sua vez, se refere a atração sexual podendo ser homossexual, bissexual, heterossexual ou assexual (FABRI, 2014; ALVES; MOTA, 2015). Quando a anatomia sexual não concorda com a identidade de gênero e o indivíduo opta por adequar a aparência física ao gênero que expressa, através de intervenções hormonais e/ ou cirúrgicas, o sujeito é definido como transexual. Já o termo transgênero, abarca o grupo de pessoas que não realizam a cirurgia, os transexuais e os travestis, indivíduos que modificam o corpo, mas não desejam modificar o sexo biológico (JESUS, 2012; STRATTON; HAYES, 1994. apud FABRI, 2014). Além dessas, existem inúmeras outras definições de gênero. Entre 2014 e 2015 a rede social Facebook acrescentou outras sugestões de gênero para serem escolhidas pelo usuário, variando em opções de acordo com o país devido a parceria com comunidades LGBTI locais. O Brasil conta com 17 opções além de feminino e masculino, o Reino Unido com 71. Dentre as opções estão o agênero, pangênero, gênero fluido, andrógino, cisgênero, entre outros (FABRI, 2016). Visto que a adoção de uma identidade de gênero não depende do sexo ou da orientação sexual e que se trata de uma construção e identificação pessoal, o debate acerca do tema não tem nenhuma influência na realidade pessoal de outros indivíduos,

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apenas trata com naturalidade aqueles que se identificam com o diferente, discute a igualdade de direitos que deve ser garantida a qualquer ser humano, reduz a homofobia e a transfobia e reduz a violência contra a mulher (ZIBELL, 2015; STEFANELLI, 2015). A equiparação entre os gêneros tem sido monitorada a nível global pelo Fórum Econômico Mundial. O Índice Global de Desigualdade de Gênero, revela que a igualdade só deverá ser alcançada daqui a pelo menos 100 anos. A estatística está de acordo com a realidade atual e considera a participação na vida política e econômica e o acesso à educação e saúde. O ranking está na décima edição e foi realizada com estatísticas de 2010 a 2013. O Brasil se encontra na 85a posição, mas uma estimativa para o próximo censo indica que o país poderá perder 22 posições pela ausência de mulheres no comando de ministérios públicos do novo governo. O topo do ranking é liderado pela Islândia, Noruega e Finlândia (WENTZEL, 2016; BBC, 2016). A Suécia ocupa o quarto lugar no ranking de igualdade de gênero. Em 2015 o país criou o hen um novo pronome pessoal para indicar pessoas, objetos e animais que não se identificam com nenhum gênero ou para ser aplicados em situações que o gênero não é relevante. Além disso, o país conta com a publicação do primeiro livro infantil que não indica o gênero dos personagens, visto que isso não afeta suas ações na narrativa. Os países consideram essas mudanças importantes para que as pessoas sejam tratadas como pessoas e não como indivíduos definidos e categorizados pelo sexo (STEFANELLI, 2015). No Reino Unido, oitenta escolas estaduais, das quais a metade são escolas primárias, adotaram o uniforme sem gênero, permitindo que os pais e alunos decidam entre o uso de saia ou

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calça de acordo com a identificação pessoal (MARTINS, 2016). No Brighton College, a iniciativa surgiu como reação as mudanças sociais que reconhecem a disforia de gênero, respeitando a expressão pessoal dos alunos transgênero. Esse fato é relevante visto que as escolas públicas do Reino Unido tendem a ser conservadoras, mas tem se aberto para a discussão e aceitado que a mudança é necessária. No caso do Brighton College, a mudança foi seguida de debates com os pais dos alunos que acharam importante garantir a felicidade e bem estar de todos os estudantes (ADAMS, 2016). Recentemente o colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, também excluiu as classificações de gênero dos uniformes. Em busca de cumprir com resolução do Conselho Nacional de Combate à Discriminação LGBT, o reitor passou a permitir que os alunos utilizem a peça de uniforme que esteja de acordo com sua identidade de gênero (ESTADÃO CONTEÚDO, 2016). Contudo, um grupo de pais reagiu a mudança com repúdio organizando um protesto contra a decisão, alegando que o problema não se encontra no uso da saia, mas na ideologia de gênero exercida sobre os alunos (THOMÉ, 2016). No Brasil, a discussão a respeito do gênero se divide entre adeptos e repudiadores. Do ponto de vista prático, o país ainda tem muito que evoluir. O tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio de 2015 trouxe a discussão de gênero à tona na sociedade. Utilizando-se do pensamento de Simone de Beauvoir (1949), a redação pedia que o estudante discorresse a respeito do conceito de mulher como uma construção social e dos protestos públicos a respeito da igualdade de gênero. A proposta foi de extrema relevância, mostrou que o país está aberto para a discussão e atingiu cerca de 7 milhões de estudantes

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(STEFANELLI, 2015). Contudo, entre 2014 e 2015, o Plano Nacional de Educação e os Planos Estaduais de Educação de oito estados excluíram as metas relacionadas ao combate da discriminação de gênero. Os planos que valem para os próximos 10 anos, foram justificados pelo conservadorismo dos brasileiros e pela pressão das bancadas religiosas que afirmam que a inclusão do tema confirma uma ideologia de gênero que deturparia as construções de homem e mulher e da família tradicional. Além disso, afirmam que esses temas devem ser discutidos em casa, não no ambiente escolar (BRITTO; REIS, 2015). A confusão a respeito do debate do gênero é que o intuito não é doutrinar as crianças e adolescentes a respeito de sua orientação sexual, mas discutir e promover a reflexão a respeito do gênero, falar sobre a existência e naturalidade da diversidade, para diminuir a taxa de bullying e para preparar os professores para lidar com as relações de gênero e estimular a aceitação do diferente (ibid; STEFANELLI, 2015). O dicionário inglês Oxford inclui o verbete Mx. para ser utilizado por quem não quer indicar o gênero ou não se identifica com os padrões Mr., Ms., Miss ou Mrs. Um movimento similar, embora não oficial, ocorre no Brasil em algumas escolas. O colégio Pedro II, divulgou uma circular em que a palavra aluno foi substituído por “alunx”. Isso também tem sido aplicado no cabeçalho de provas. Além disso, na internet circulam as variações “amigx”, “amig@” e “amigue”. Contudo, segundo Freitas [2015] o uso do x não é solução para suprimir o gênero na língua portuguesa, principalmente porque as palavras não podem ser pronunciadas dessa forma (ibid).

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Segundo Vianna [2015] o tratamento do gênero como neutro, tanto na linguagem como nas práticas sociais e na escola não significa que se está estimulando que as crianças e as pessoas deixem de se definir como homens ou mulheres, o propósito é compreender que existem variações e promover o respeito (apud STEFANELLI, 2015). Nota-se diante do exposto, que o Brasil apresenta políticas incipientes no que tange a garantia de direitos e uma possível igualdade de gêneros. Contudo, o debate tem sido realizado de forma aberta e cada vez mais forte.

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O genero e a moda

Na sociedade contemporânea a identidade é afirmada através de práticas individuais e da facilidade de consumo. A edificação da identidade é pessoal e social, advêm do dinamismo entre um indivíduo e o meio em que se insere; não é estática, muito menos imutável, está em constante desenvolvimento (MESQUITA, 2015). Da perspectiva psicológica a construção da identidade é inerente a um processo de reflexão e observação da maneira como o indivíduo se supõe, congregado a percepção da sociedade sobre ele. Essa relação se embasa nos signos que o sujeito assume e emite e na interpretação dos outros sobre isso. Quando não há uma equiparação entre as duas percepções, novos elementos passam a ser agregados em busca de transmitir a mensagem adequada à identidade que se quer propor (ARVANITIDOU; GASOUKA, 2011; GONÇALVES, 2007). A moda, nessa perspectiva, compõe um aparato de opções densas, complexas e tangíveis que colaboram com o processo de formação da identidade e sua expressão concreta (ARVANITIDOU; GASOUKA, 2011). Porém, a moda também exerce um papel balizador na construção da identidade, ao passo que, sustentando classificações binárias e excludentes, exerce expectativa a respeito da expressão do gênero e oprime manifestações desviantes da norma (ZAMBRINI, 2016). Hoje em dia, a divisão binária do gênero expressa na moda é evidente, mas nem sempre foi assim. Entre o Renascimento e meados do século XIX, o poder social era transmitido através 55


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do vestuário. Nesse período homens e mulheres se vestiam de forma ornamentada. Era comum o uso de perucas, tecidos extravagantes e sapatos de salto por ambos os sexos (ibid). A Revolução Industrial foi o momento crucial para a mudança nos paradigmas do modo de vestir. O vestuário foi sistematizado de forma a tornar a produção mais eficiente e maximizar os lucros. Esse período evidenciou a divisão binária entre o feminino e masculino e estabeleceu cargas simbólicas sobre a representação dos gêneros. A roupa da mulher privava seus movimentos e sua autonomia, representava a condição e o poder de seu pai ou marido e realçava seu corpo. Isso ajudou na naturalização da subjetividade feminina como frágil, ornamentada e imprópria para a produção e vida social. Por outro lado, a roupa do homem exibia valores opostos. Os símbolos masculinos se tornaram austeros e sóbrios, relacionados ao pensamento racional e a praticidade da vida pública (COSTA, 2014; GONÇALVES, 2007; EVANS; THORNTON, 1991). Segundo Riegel (1963), as mulheres buscavam revoluções nas suas formas de representação desde o século XIX. As feministas da época passaram a denunciar a condição submissa que a roupa impunha às mulheres e buscaram reformas no vestuário. Nessa época surgiram os bloomers, que obtiveram reações mistas, mas não vigoraram por muito tempo. O que Riegel aponta, é a constante tentativa das mulheres em equiparar seu visual ao do homem, em busca de adquirir respeito e atingir igualdade em outros nichos (RIEGEL, 1963). A estética masculina adaptada ao guarda roupa feminino foi vista nas criações de Chanel (1926), Pierre Cardin (1964) e Yves Saint Laurent (1966) e nas personalidades de Marlene Dietrich (1930) e Twiggy nos anos

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60 (STEFANELLI, 2015). Além disso, o ingresso expressivo das mulheres no mercado de trabalho manifestou-se no uso das ombreiras, que alargava os ombros e se assemelhava a silhueta masculina (CORREA, 2016). O que não é visto na mesma proporção quando discutida a aproximação de gêneros no vestuário é o uso de peças tipicamente femininas por homens. Algumas exceções pontuais foram Vivienne Westwood, nos anos 80, desfilando homens de vestido, a figura de David Bowie e seus personagens e Paul Gaultier utilizando saias. Contudo, esses exemplos se caracterizaram mais pela crítica e transgressão do que pelo intuito de suprimir o gênero na moda (STEFANELLI, 2015; PARIS, 2015). Uma possível explicação para a falta de representatividade de itens femininos no guarda roupa dos homens, segundo Vianna [2015], é a tendência social em associar o que é feminino com inferior (STEFANELLI, 2015; MARTINS, 2016). Com a produção da terceira onda do feminismo, principalmente os escritos de Butler (1990), gênero e sexo foram desassociados e suas relações passaram a ser pensadas de outra forma, como produções culturais e históricas (ZAMBRINI, 2016). Isso afetou diversos âmbitos sociais, inclusive a produção da moda. Cullen (2015) reitera a opinião de que o feminismo tem grande parte nas mudanças da moda contemporânea e nas correntes de estilo baseadas em gêneros fluidos (BAKER, 2015). A curadora do museu V&A afirma que o interesse jovem em quebrar barreiras e a maior aceitação da comunidade transexual são as razões pelas quais a divisão de gênero tem sido amplamente questionada na moda (ibid). Para Araujo [2015], esse fenômeno se deve a emergência do transculturalismo, que garante novos valores e

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fluidez entre as fronteiras culturais, negando definições fixas e desafiando as identidades pré estabelecidas (apud PONTUAL, 2015a). Atualmente, a moda tem explorado a identidade na sua pluralidade, aceitando a variada gama de conceitos que a mesma pessoa pode querer expressar (ZAMBRINI; IADEVITO, 2009 apud ZAMBRINI, 2016). As normas, antes vistas como balizadoras, são agora compreendidas como castradoras. Na atualidade o “e” comunica melhor do que o “ou” (BAFFA, 2015). Surgem nas passarelas e nas campanhas os modelos transexuais, questionando as representações tradicionais, afirmando as mudanças e a estética ambígua. Há cerca de seis anos, a modelo A. Peijick começou a desfilar coleções de Paul Gaultier e abriu as portas para que outras modelos transexuais, como Lea T, fossem evidenciadas nas passarelas (ZAMBRINI, 2016; PONTUAL, 2015a). A Barneys apresentou 17 modelos transgênero no catálogo de verão de 2014, abrindo ainda mais espaço para a aceitação da estética andrógina (PONTUAL, 2015a). A mudança refletiu também nas passarelas. Desde 2013, Rad Hourani apresenta coleções intituladas unissex, em que se vê homens usando salto alto, saias e vestidos (STEFANELLI, 2015). Além dele, Alessandro Michele assinando um desfile da Gucci, Rick Owens e Louis Vuitton, foram as grifes que chamaram atenção nos desfiles de 2015 pela inclusão de peças femininas no vestuário masculino (PONTUAL, 2015a; AS PATRICIAS, 2016). Essas mudanças nos símbolos de representação foram denominadas Genderless, Agender, Ungendered, Gender-Bender, em português unissex, plurissex ou simplesmente moda sem

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gênero. É importante enfatizar que a designação “unissex” para o fenômeno atual difere do conceito unissex difundido no mercado. Quando unissex se refere ao sem gênero sua expressão rompe com os estereótipos tradicionais de vestimenta dividida em gêneros e transita livremente entre as peças existentes, apropriando-se de toda sua variedade: calças, camisas, saias, vestidos, blusas de chiffon, botas de salto alto, tênis, moletom, etc. Todas as construções de vestuário podem ser produzidas para ambos os sexos. Algumas marcas investem também, na modelagem indistinta que se adequa aos dois corpos (STEFANELLI, 2015; ANOTHER PLACE, 2016; PONTUAL, 2015a;). O conceito do sem gênero, se refere a uma privação do gênero, o que é alheio a esse. O prefixo a- em agênero sugere um afastamento, um estranhamento, assim como na palavra amoral que difere de imoral (o prefixo i- se refere a negação). Portanto, o “sem” gênero não precisa ser uma negação, necessariamente, mas condiz com a neutralidade e pode expressar os anseios de pessoas que não se identificam com gênero algum, mas também a todas as outras multiplicidades como o transgenero, o andrógino, o queer, o pangenero, masculino, feminino, etc. Testoni (2016) explica que as múltiplas expressões do gênero dissolvem as classificações binárias e essa fluidez pode resultar na neutralidade ou na eliminação das denominações, por isso “sem” gênero (TESTONI, 2016) A moda sem gênero questiona as imposições de cores, formas, modelagens, modelos e estruturas das roupas como determinadas pelos sexos, e estimula a mistura e o uso desprendido das peças. Jaden Smith é uma celebridade adepta do estilo, ele, que figurou a campanha da Louis Vuitton, afirma:

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Creio que as pessoas estejam confusas a respeito das normas de gênero. Acho que elas não as compreendem bem. Não estou dizendo que eu as compreendo, apenas que nunca vi nenhuma distinção. Eu não vejo roupas de homem e roupas de mulher, vejo apenas pessoas assustadas e pessoas confortáveis (JACOBS, 2016. Tradução Livre da Autora).

A moda sem gênero está crescendo e ganhando adeptos (NOVAIS, 2015). A loja de departamento Selfridges inaugurou uma sessão sem gênero em “celebração da moda sem definições” com o slogan “he, she, me” (SELFRIDGES, 2016). As criações são de Body Map, Nicopanda (assinada por Nicola Formichetti), Rad Hourani, Toogood, Ann Demeulemeester, Comme des Garçons, Meadham Kirchhoff e Gareth Pugh (PONTUAL, 2015b). Na mesma linha, as multinacionais Zara e C&A desenvolveram coleções de moda sem gênero, mas os resultados foram insatisfatórios. No ponto de venda de ambas as lojas, as peças continuam divididas entre feminino e masculino. Além disso, no caso da Zara, as roupas foram criticadas pela falta de ousadia, enquanto a C&A manteve o conceito apenas na campanha, visto que as peças da coleção não se adequam aos dois gêneros. A opinião sobre as propostas se dividiu entre os que as consideram como jogadas de marketing e os que as veem como uma boa iniciativa, já que até peças básicas como calças de moletom são atreladas a categorias de gênero normativas, como as das linhas PINK e Juicy Couture (SCIACCA, 2016; CORREA, 2016). Vita [2016] afirma que a difusão da moda sem gênero no fast-fashion tem pontos positivos e negativos. Por um lado, ela encoraja a sociedade a aceitar formas diversas de expressão 60


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de gênero, o que é bom para a comunidade LGBTI. Por outro lado, ela se preocupa que a indústria apresente o conceito fora de contexto, sem promover um engajamento dos que não tem conhecimento sobre a discussão de gênero, e descartem a ideia assim que não for mais uma tendência (SCIACCA, 2016). Gvasalia (2016), afirma que a apresentação de roupas sem gênero em desfiles e nos pontos de venda, além de estar de acordo com a fluidez da realidade atual, promove uma economia de dinheiro e tempo (MOWER, 2016). Segundo Sresnewsky (2016), os produtos sem gênero são consumidos pela mesma parcela de pessoas que manifesta interesse pelo unissex (MARTINS, 2016). A moda sem gênero, apesar de estar crescendo, não faz parte da norma. É importante frizar que nem todos os homens sentem o desejo de usar vestidos, por exemplo, a moda sem gênero não os obriga a isso, sua potencialidade é permitir que as pessoas que se identificam com peças que, hoje, são classificadas como do gênero oposto, tenham liberdade para consumi-las sem sofrer preconceitos (PAGET, 2016). O BuzzFeed (2015), realizou um experimento em que o redator Giusti caminhou por uma avenida de São Paulo utilizando um top cropped. O resultado foi uma série de ofensas emitidas por pessoas que se depararam com ele (GIUSTI; PAUL, 2015). Além disso, relatos de homens do grupo “Homens de Saia” contam que além de agressões verbais, alguns membros já passaram por tentativas de atropelamento devido ao uso de saia (HOMENS DE SAIA, 2016). Ademais desses exemplos, não se sabe em que proporção esse conceito será aceito nem se as mudanças emergindo no momento vigorarão a longo prazo. A iniciativa ainda é incipiente,

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sua aplicação no varejo, tal como seu contato com as grandes massas ainda é restrito, por isso seus resultados ainda não podem ser medidos. Ainda não se sabe quais são as motivações dos consumidores de peças sem gênero, quem são as pessoas que tem acesso ao conceito, como e em que situação se expressam, contudo, como mostrado, o sem gênero tem ganhado cada vez mais espaço de discussão e aplicação na moda e na sociedade (ANDRADE, 2015; BOAS, 2016).

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A MODA SEM GÊNERO COMO EXPRESSÃO DA SUBJETIVIDADE


Tendo em vista os conceitos de subjetividade desterritorializada e moda sem gênero, essa sessão apresenta algumas das marcas de moda sem gênero mais expressivas do cenário nacional. Elas foram identificadas e selecionadas conforme exposto na sessão referente aos procedimentos metodológicos. As marcas serão apresentadas a seguir a fim de conhecer e coletar dados a respeito de suas criações. Essa etapa dá embasamento para uma maior compreensão da moda sem gênero, para a elaboração do questionário da segunda etapa e para melhor avaliar a pesquisa bibliográfica. O primeiro item apresenta o desenvolvimento da moda sem gênero no Brasil e as marcas mais expressivas desse nicho. O segundo e o terceiro item se ocupam da seleção de marcas que foram investigadas mais a fundo, a fim de compreender melhor a produção e difusão da moda sem gênero. O último item apresenta as conclusões do que foi exposto na sessão.


A PARTICIPAÇÃO DA MODA SEM GÊNERO NO MERCADO Muito se discute a respeito de uma identidade nacional e produção de moda autoral brasileira. Gloria Kalil, no livro Fashion Marketing (2010, P.14), conclui que a indústria brasileira de moda possui: uma criatividade própria, diversificada e muito ligada a um lifestyle reconhecido como altamente desejável, conectado a uma ideia de felicidade, sol e sensualidade além de uma cultura artesanal pronta para ser acionada e utilizada com forte valor agregável.

A diversidade da moda realizada em âmbito nacional conta com representantes no desenvolvimento de moda sem gênero. Nas passarelas do SPFW Renato Ratier, Osklen, Apartamento 03, Alê Brito, João Pimenta, Uma e Fernando Cozendey, desfilaram peças sem gênero. Além deles, Alexandre Herchcovitch também criou peças nessa linha, enquanto Dudu Betholini e Walério Araujo são adeptos do estilo (STEFANELLI, 2015; PONTUAL, 2015). A publicidade da Avon e da C&A também tem inovado na forma como apresentam seus produtos e representam suas campanhas. A marca de cosméticos Avon lançou uma linha de BBCream sem gênero com o slogan “para todes”. A campanha foi estrelada por Liniker, conhecido por militar contra o preconceito e ser adepto da moda sem gênero. A campanha para o “Outubro Rosa” foi representada por Candy Mel, vocalista da Banda Uó e transexual. A marca também adotou como garota propaganda a drag queen Pabllo Vittar (AVON, 2016; MARTINELLI, 2015). A C&A brasileira lançou as campanhas “Tudo Lindo e Misturado” e a campanha de dia dos namorados como um manifesto a favor


A PARTICIPAÇÃO DA MODA SEM GÊNERO NO MERCADO

Figura 7 - Peças da coleção “A New Feel “ Fonte: site “Another Place, 2016

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A PARTICIPAÇÃO DA MODA SEM GÊNERO NO MERCADO

da moda sem gênero. Contudo, no ponto de venda e no site, as roupas permanecem separadas por gêneros (C&A 2016). Onde a moda sem gênero encontra seus adeptos e é mais expressiva é no varejo. A seguir serão apresentadas as 17 marcas de moda sem gênero mais expressivas no Brasil, elas serão analisadas a fim de conhecer e coletar dados a respeito de suas criações e então compreender o desenvolvimento do conceito com maior profundidade.

Another Place

É uma marca de Recife que foi criada em 2015 por Rafael Nascimento, diretor criativo, Kika Pontual, responsável pela linha infantil e Caio Fortes, comercial e financeiro. O grupo procura desenvolver modelagens que se adequem aos dois corpos e tem uma linha infantil (FFW, 2016). As peças variam entre R$80 e R$300 na loja virtual, e podem custar R$40 na liquidação. Na descrição da marca os criadores afirmam: “nascemos pra vestir todo mundo sem fazer diferença de gênero.” (ANOTHER PLACE, 2016). As roupas das coleções seguem uma paleta, em geral, preto e branco, e tem modelagem ampla e diferenciada, como mostra a Figura 7.

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A PARTICIPAÇÃO DA MODA SEM GÊNERO NO MERCADO

Figura 8 – Peça da coleção “ Lunar Mansions” Fonte: Site “Astro Runners”, 2016. Figura 9 – Peças da marca Beira Fonte: Site “Beira”, 2016.

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A PARTICIPAÇÃO DA MODA SEM GÊNERO NO MERCADO

Astro Runners Iniciada em 2010 como uma plataforma colaborativa para expressão criativa e conteúdo, lançou em 2016 a primeira coleção. Assinada por Juliano Warpechowski, Lucas Oliveira, João Lopes e Luana Santana, foi intitulada “Lunar Mansions”. A linha é composta por calças, camisetas, camisas, capas, macacões, moletons e acessórios como bonés e pochetes. De acordo com os criadores: “A coleção Lunar Mansions reflete sobre o mundo em que a mudança é a única constante, e as estruturas da realidade são ruínas de uma memória distante.”. Apesar de não fazer nenhum pronunciamento sobre o intuito de ser ou não sem gênero, o conceito fica implícito na campanha. As peças têm modelagem única e custam entre R$40 e R$329,90 (NTS, 2016). Como mostra a Figura 8, a maioria das peças da coleção são pretas, com capas e camisetas compridas e largos.

Beira O nome indica o objetivo da marca: estar no limite entre o masculino e feminino. Desenvolvida por Livia Campos, no Rio de Janeiro, as roupas diferem por serem lisas e simples na parte externa e trabalhadas no lado avesso, com bolsos, fendas e pregas internas. A estilista optou por definir a linha como “plurissex” e trabalha modelagens iguais para os dois gêneros, que podem ser utilizadas de acordo com o desejo

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A PARTICIPAÇÃO DA MODA SEM GÊNERO NO MERCADO

Figura 10 – Peças da marca Ben Fonte: Site “Ben012345678910”, 2016.

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A PARTICIPAÇÃO DA MODA SEM GÊNERO NO MERCADO

do usuário (BREVES, 2015). No site da marca Livia afirma Até a metade do projeto chamávamos as roupas de unissex, porque elas são verdadeiramente desenhadas para o corpo masculino e feminino. Recentemente acreditamos que estamos caminhando além desta definição num movimento de aproveitar a versatilidade das nossas peças. Assim, existem nas roupas passagens escondidas dando ao usuário a possibilidade de dar-lhes diferentes significados. (BEIRA, 2016).

A paleta de cores da beira é bem variadae conta com tons pastéis. A Figura 9, mostra que os modelos são, em geral, mais largos.

Ben A marca do gaúcho Leandro Benites, possui peças iguais que variam entre modelagens unissex e especificas para cada corpo. Segundo o estilista sua coleção é “toda unissex, ampla e confortável” (IED, 2015), porém, no site Leandro não especifica se a marca pretende ser sem gênero. As Peças estão a partir de 150 reais no e-commerce. As peças de Benites são trabalhadas com técnicas de estamparia, corte a laser e mistura de tecidos como o neoprene, sarja resinada e tecido de lingerie (PACCE, 2015). A modelagem constuma ser oversized, como mostra a Figura 10. 71


A PARTICIPAÇÃO DA MODA SEM GÊNERO NO MERCADO

Figura 11 – Peças da marca Cem Freio Fonte: Site “Mequetrefismos”, 2016

Figura 12 – Camiseta da coleção “Real Life” Fonte: Site “Copy of a Copy”, 2016.

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A PARTICIPAÇÃO DA MODA SEM GÊNERO NO MERCADO

Cem Freio Foi criada no inicio de 2016 por Victor Apolinário. O paulista produz peças em algodão e moletom com preços entre R$119 e R$850. As peças de preço mais elevado são pintadas a mão e bordadas, levam cerca de 20 dias para ficarem prontas. Seu objetivo principal é desconstruir os arquétipos de gênero. Observa-se na Figura 11 que as peças também são largas, com um estilo street e presença de cores fortes.

Copy of a Copy A marca pretende debater o capitalismo e a forma como a moda é consumida. O projeto é liderado pelo paranaense João Lopes e pelo carioca Fabio Heinz. Eles comercializam camisetas, bonés e estampas para impressão na loja virtual. As camisetas custam R$ 85, os bonés R$50 e as estampas R$15. Não há menção de produção de moda sem gênero no website, porém as camisetas aparecem na mesma modelagem e estampa em modelos homens e mulheres. A Figura 12 apresenta um modelo de camiseta que, como as outras, possui estampas pequenas e simples, normalmente com frases. 73


A PARTICIPAÇÃO DA MODA SEM GÊNERO NO MERCADO

Figura 13 – Peças da marca FCKT Fonte: Site “Estilistas Brasileiros”, 2016.

Figura 14 – Peças da coleção “Liquidificador” Fonte: Site “LED”, 2016.

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A PARTICIPAÇÃO DA MODA SEM GÊNERO NO MERCADO

FCKT O estilista da marca, Everton Moreira, afirma: “ desenho a coleção da marca para atender um público que procura o básico com linguagem minimalista prática, de pegada streetwear e sem gênero, pra galera que quer e não encontra isso”. Moreira entende o sem gênero como uma tendência comportamental. Na coleção ele optou pelo uso de malhas, linho e gaze de algodão para desenvolver long tee, bermuda saruel, saia e camisetas. A cartela de cores conta com preto, branco, off-white e cinza-mescla. A marca ainda não possui e-commerce (ANDRADE, 2015). As roupas são produzidas, em sua maioria, nas cores preto e branco, como mostra a Figura 13. A marca define uma de suas peças da seguinte forma: “É um vestido ou uma camiseta longa? Você define e usa do seu jeito!” (FACEBOOK “FUCKT”, 2016).

LED Surgiu da vontade de Célio Dias em desenvolver uma marca com “compromisso com a liberdade de escolha, valor embutido em todas as peças de design sem gênero definido” (LED, 2016). As peças da loja virtual variam entre R$109 a R$199. A marca possui 7 coleções, dentre as quais se vê um padrão evolutivo entre peças femininas e delicadas para as coleções sem gênero. A Figura 14 exibe peças da coleção “Liquidificador”, a primeira capsula sem gênero da marca. 75


A PARTICIPAÇÃO DA MODA SEM GÊNERO NO MERCADO

Figura 15 – Peças da marca Matiz Fonte: Site “Hypeness”, 2016. Figura 16 – Peças da marca Ocksa Fonte: Site “FFW”, 2016.

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A PARTICIPAÇÃO DA MODA SEM GÊNERO NO MERCADO

Matiz Criada pelo casal de Porto Alegre, Pedro Benites e Lívia Dall’Agnol, a marca infantil foi construída sob a crença no gênero neutro, produção justa e sustentabilidade. A produção de artigos para bebês é realizada pela cooperativa de mulheres Univens com algodão orgânico e malha de PET. As peças apresentam cores vivas e se dividem em camisetas de manga comprida, bodies, camisetas comuns, luvas, sapatinhos, babeiro, tapa fraldas, calças, cueiros e almofadas com ervas para cólica. A loja virtual conta com 70 itens de R$ 19,90 a R$ 109,90. O casal vende cerca de 130 peças por mês no e-commerce (MATIZ, 2016; HYPENESS, 2016). Os produtos são estampados com pequenas figuras em cores vivas, como mostra a Figura 15.

Ocksa Deisi Witz e Igor Bastos, lançaram a marca em Porto Alegre em 2014, propondo uma estética unissex e atemporal com silhuetas complexas que utilizassem materiais tecnológicos e combinasse conforto e funcionalidade. Eles procuram desenvolver e consolidar um lifestyle para indivíduos multifacetados livre de julgamentos de gênero (OCKSA, 2016). Já desfilaram em semanas de moda do Rio de Janeiro, Antuérpia, Berlin, Vancouver e Fortaleza. As peças no e-commerce variam entre R$ 250 e R$860. A Ocksa possui coleções comercias e conceituais, uma ampla 77


A PARTICIPAÇÃO DA MODA SEM GÊNERO NO MERCADO

Figura 17 – Peças da marca Pangea Fonte: Site “Estilistas Brasileiros”, 2016.

Figura 18 – Peças da marca Pitô Fonte: Página do Facebook ”Pitô”, 2016.

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A PARTICIPAÇÃO DA MODA SEM GÊNERO NO MERCADO

variedade de modelos e estilos e peças em cores variadas. A Figura 16 mostra algumas das peças comerciais da marca.

Pangea Marca cearense de Nilo Lima Barreto e Yágda Hissa, desenvolve desde o final de 2015 saias, calças, shorts, camisas, blusas, casacos e vestidos sem segmentação de gênero. Nilo afirma “a moda agênero se posiciona não como uma tendência que passa, mas sim como um discurso político de liberdade, diversidade e respeito a todos” (TREIGHER, 2016). A modelagem das peças se adequa a corpos femininos e masculinos. Os preços estão entre R$ 39,90 e R$119,90. A Pangea possui peças comerciais e básicas, como mostra a Figura 17.

Pito

Não há muita informação sobre a marca exceto pela página no Facebook com algumas fotos. As peças são pintadas a mão pelo idealizador da marca, Vinicius Ferreira e as modelagens são diferenciadas. Ainda não há venda em espaço físico nem online, mas ainda em 2016 as peças passarão a fazer parte da loja colaborativa “Espaço Experimente” (ESPINOSSI, 2016). A Figura 18 mostra as peças diferentes e pintadas a mão que caracterizam a marca.

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A PARTICIPAÇÃO DA MODA SEM GÊNERO NO MERCADO

Figura 19 – Peças da coleção "Chaotical" Fonte: site ”Piet”, 2016.

Figura 20 – Peças da coleção de camisetas e camisaria da Raw Clothing Fonte: site ”Raw Clothing”, 2016.

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A PARTICIPAÇÃO DA MODA SEM GÊNERO NO MERCADO

Piet

Criada em 2012 por Pedro Andrade, a marca se propõe a compor “criações experimentais e sempre inusitadas (que) ultrapassam as barreiras do gênero” (PIET, 2016). Contudo, o site da marca apresenta apenas vestuário tipicamente masculino (toucas, moletons, jaquetas, calças, shorts, blusas e sapatos) exibidos por um modelo homem. A descrição da campanha da coleção Chaotical também não indica que as peças sejam sem gênero. A Figura 19 mostra algumas peças tipicamente masculinas vestidas em modelos homens.

Raw Clothing

Começou com uma linha de camisetas desenvolvidas por Thayná Britto e Larissa Dare. Posteriormente, iniciaram uma linha de camisaria sem gênero e atualmente contam também com vestidos e carteiras. Na loja virtual, as peças estão entre R$55 e R$129. As peças da coleção de camisaria dividem estampas cores e modelos que se adaptam aos diferentes corpos, como mostra a Figura 20. As outras coleções seguem a mesma ideia, porém variam em modelos, possuem cores mais austeras e modelagem ampla.

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A PARTICIPAÇÃO DA MODA SEM GÊNERO NO MERCADO

Figura 21 – Peças da marca Trendt Fonte: Site “Trendt”, 2016.

Figura 22 – Peças da marca Ulevus Fonte: Site “Ulevus”, 2016.

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A PARTICIPAÇÃO DA MODA SEM GÊNERO NO MERCADO

Trendt

É uma marca paulista vendida pela internet e em loja física. O estilista Renan Serrano ficou conhecido por suas peças conceituais e futuristas. Sua preocupação em desenvolver tecidos tecnológicos resistentes a sujeira, temperatura e desgaste foi aplicada nas suas camisetas sem gênero. As camisetas vendidas no site foram desenvolvidas com moulage e possuem referencias esportivas. O designer se preocupa que suas roupas se adequem ao corpo feminino e masculino (ASSENATO, 2016). Outras coleções já tiveram vestidos, como o da Figura 21.

Ulevus

Assinada por Larissa Rodrigues, busca evitar estereótipos e produzir peças que ajude os usuários a se sentirem bem. Com o slogan “MULHER, HOMEM, VOCÊ” a modelagem cabe aos dois sexos, independente das diferenças anatômicas. A peças são camisetas, camisas, jaquetas e quimonos. Na loja virtual elas custam entre R$89,90 e R$229,90. Como a peça da Figura 22, as outras peças da coleção apresentam uma modelagem oversized em cores neutras.

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A PARTICIPAÇÃO DA MODA SEM GÊNERO NO MERCADO

Figura 23 - Imagens da matéria sobre peças sem gênero Fonte: site ”YouCom”, 2016.

Figura 24 – Imagens do site na busca do termo “Genderless” Fonte: site ”YouCom”, 2016.

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A PARTICIPAÇÃO DA MODA SEM GÊNERO NO MERCADO

YouCom

É uma rede de lojas com filiais por todo o Brasil. Na web store as roupas são divididas por gêneros e não há nenhuma categoria sem gênero. Na sessão “Campanha” consta o lookbook “Tanto faz”, com fotos de homens e mulheres utilizando as mesmas peças. Ao pesquisar a marca YouCom no Google associado ao termo sem gênero, o primeiro link é uma matéria no blog da marca intitulada “Pra eles ou pra elas? 6 motivos para você não se preocupar com isso” seguido de imagens em que homens e mulheres usam as mesmas peças da loja, referentes ao lookbook “Tanto faz”. Um moletom cropped, uma capa, um moletom comprido (a mulher utiliza como vestido, o homem como camiseta), um vestido (que ambos utilizam com calça legging), uma camiseta que o homem utiliza com calça e a mulher como vestido e um colete comprido, como mostra a Figura 23. A marca expressa que toda pessoa pode usar a peça que quiser adaptada a seu estilo. Partindo do pressuposto que seu público consumidor masculino não tem interesse em utilizar saias ou vestidos a marca expos a possibilidade de adequar as peças ao gosto pessoal, mas privou o leitor de considerar normal caso o homem quisesse usar apenas um vestido. Na ferramenta de busca do site da YouCom, quando pesquisados os termos “Sem gênero” e “Agender” não há nenhum resultado de busca. Quando pesquisado “Genderless” a pagina é direcionada para um moletom utilizado por um modelo homem e uma mulher, como mostra a Figura 24.

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marca

regiao segmento info s/genero acesso variedade preco Adulto e infantil

Another Place

PE

Astro Runners

X

Beira

RJ

Adulto

Ben

RS

Adulto

Cem Freio

SP

Adulto

Copy of a Copy

X

Adulto

Fuckt

SP

Adulto

LED

MG

Adulto

Matiz

RS

Infantil

Ocksa

RS

Adulto

Pangea

CE

Adulto

PitĂ´

RJ

Adulto

Piet

X

Adulto

Raw Clothing

RS

Adulto

Trendt

SP

Adulto

Ulevus

SP

Adulto

YouCom

X

Adulto

Adulto

Tabela 1 – Tabela comparativa dos 5 aspectos analisados dentre as 17 marcas. Fonte:a autora, 2016.


TABELA COMPARATIVA De acordo com as informações coletadas a respeito das marcas, foi formulada a tabela ao lado considerando a facilidade em encontrar informações sobre as coleções, se a marca se denomina como sem gênero, a facilidade de acesso as peças, a variedade e o preço. As informações contidas na tabela seguem a seguinte legenda: info-encontrar informações a respeito da marca.

fácil

médio

difícil

sim

não no site, mas em entrevistas

não

e-commerce e ponto de venda físico

apenas e-commerce

apenas P.D.V.

variedade- variedade de produtos

ampla

média

pequena

preco.

entre R$ 50 e R$300

poucas peças acima de R$ 500

muitas peças acima de R$ 500

S/genero- a marca se define como sem gênero.

acesso- acesso as peças.

A tabela mostra que as marcas Another Place, Beira, Ben, LED, Matiz, Ocksa, Pangea e Ulevus são as mais acessíveis no que tange a facilidade de informação, preço e acessibilidade as peças. Essas marcas serão analisadas e selecionadas, no item seguinte, segundo os critérios apresentados na metodologia: Ser


TABELA COMPARATIVA

uma marca nacional, com fácil acesso a informação e compra dos itens das coleções, apresentar um mix de produtos variados que sejam designados como sem gênero. Delas, serão escolhidas três marcas que serão analisadas de forma mais profunda, para que se obtenha melhor entendimento do processo de produção e do conceito da moda sem gênero.

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SELEÇÃO DAS MARCAS Utilizando os requisitos de avaliação como parâmetro de seleção, as marcas Another Place, Beira, Ben, LED, Matiz, Ocksa, Pangea e Ulevus se destacam como as mais acessíveis. Essas oito empresas passaram por uma segunda triagem em que foram analisadas sua conformidade com o objetivo da pesquisa, a diversidade do mix de coleção e a adequação as categorias peças básicas, peças básicas com diferencial e peças diferentes, a fim de determinar as três marcas mais adequadas a continuidade da pesquisa. No que tange o primeiro aspecto, a adequação ao objetivo da pesquisa, a marca Matiz não se enquadra por se tratar de uma marca do segmento infantil. Apesar de o público consumidor serem os adultos, pais das crianças, não seria possível acessar a opinião do usuário quanto ao potencial da peça em expressar sua subjetividade. O segundo aspecto averiguado foi a diversidade do mix de coleção. Isso levou a exclusão da marca Ulevus, por suas coleções apresentarem apenas camisetas, camisetas vestido, camisas, um modelo de jaqueta e um de kimono, enquanto as outras marcas possuem no mix saias, bermudas, camisetas, casacos, calças, macacões, vestidos entre outros. Restando seis marcas, o ultimo aspecto observado foi a correspondência das coleções com a apresentação de peças comerciais em níveis diferenciados. A comparação final das criações levou a seleção da marca Beira na categoria de peças diferentes, devido a modelagem e aos detalhes no avesso; a Another Place, por suas peças básicas com cortes e tecidos


SELEÇÃO DAS MARCAS

Figura 25 – Detalhes das peças Fonte: Site “Beira”, 2016. Figura 26 – Peças da Beira Fonte: Site “Beira”, 2016.

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SELEÇÃO DAS MARCAS

diferenciados e a LED pela originalidade de suas peças básicas. A seguir as marcas serão apresentadas em mais detalhes.

Beira Livia Campos, estilista da Beira, levou um ano e meio para projetar a marca e seis meses para desenvolver e produzir peças que diversificassem a moda masculina. No processo de produção da marca, passou a pensar as peças de modo que se adequassem aos corpos femininos e masculinos, para tanto, caracterizou sua produção como unissex. Posteriormente, notou que o termo unissex não se adequava ao que era produzido, passou a chamar as criações de plurissex. O nome “Beira”, se refere ao limite entre o feminino e o masculino. Seu objetivo é dar liberdade ao consumidor de utilizar a peça que quiser como quiser, por isso suas roupas possuem passagens escondidas e elásticos, exemplificados na Figura 25, que permitem o uso personalizado. Segundo Campos, o processo de modelagem inicia no manequim masculino com um shape grande. Ela formula as peças com muitos detalhes e depois os elimina, até chegar onde deseja (BREVES, 2015). O produto final são peças lisas e simples por fora, como pode ser visto na Figura 26, e trabalhadas no avesso, onde encontram-se fendas, bolsos, pregas e as costuras que permitem que o usuário compreenda sua produção. A estilista considera importante conhecer o produto que se está adquirindo e utilizando, as costuras no avesso permitem que o usuário

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SELEÇÃO DAS MARCAS

Figura 27 – Peças da Beira Fonte: Site “Beira”, 2016.

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SELEÇÃO DAS MARCAS

compreenda a peça aos poucos (BEIRA, 2016). Livia trabalha com uma única coleção sem divisões sazonais, as novas peças dão continuidade a primeira coleção. O objetivo é aprofundar a linguagem que está sendo explorada e valorizar o processo criativo em uma continuidade (ibid). Algumas peças da coleção são expostas na Figura 27. Em 2014 venceu o concurso de novos empreendedores de moda da ABIT e comercializou algumas de suas peças para o Instituto Tomie Ohtake (TEX BRASIL, 2014). Sua coleção foi desfilada em Paris no Fórum de Tendências 2015/16. As peças da marca carioca são comercializadas em lojas no Rio de Janeiro e São Paulo e em e-commerces multimarca. Campos está desenvolvendo sua própria loja virtual. As peças da coleção formam o seguinte mix: cores: tons pastéis de rosa e laranja, preto, branco, tons de bege, azul marinho, tijolo, tons de cinza e berinjela. tecidos: seda e algodão.

total:

pecas

modelos

Bermuda Calça Casaco Blusa Macacão Vestido

4 5 4 6 3 2

6

24

Fonte: a autora, 2016

93


SELEÇÃO DAS MARCAS

Figura 28 – Peças da Another Place Fonte: Site “Another Place”, 2016.

Figura 29 – Peças da Another Place Fonte: Site “Another Place”, 2016.

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SELEÇÃO DAS MARCAS

Another Place A Another Place é uma marca de Recife criada por Rafael Nascimento, Kika Pontual e Caio Fortes que surgiu em setembro de 2015. A marca já foi divulgada nas páginas digitais da Vogue Brasil, Fashion Forward e Lilian Pacce e no instagram da Elle Brasil e da Revista Estilo. Os responsáveis estudaram estratégias de modelagem durante três meses para enfim criar seus modelos básicos, com cortes diferenciados e modelagem neutra de bom caimento em qualquer corpo (FFW, 2016), como mostram as Figuras 28 e 29. A marca conta com duas coleções do segmento adulto, uma linha infantil e está desenvolvendo uma coleção de acessórios. Por enquanto as vendas são feitas no e-commerce, mas se estuda a possibilidade de lançar a coleção em lojas multimarca. As peças variam entre R$80 e R$300 na loja virtual, e podem custar R$40 na liquidação. Ao descrever a marca, no site, os criadores afirmam: (...) Somos desconstrução. Fora da regra. Sem rótulos, porque os velhos estereótipos já eram. Respeitamos o ser humano como o todo que é. Macho ou fêmea. Porque roupa é expressão e todo mundo pode e deve usar o que quiser, o que couber, independentemente do sexo. (...) nascemos pra vestir todo mundo sem fazer diferença de gênero. (ANOTHER PLACE, 2016).

As peças das duas coleções formam o seguinte mix: 95


SELEÇÃO DAS MARCAS

Figura 30 – Peças da coleção Baile de Flores Fonte: Site “LED", 2016.

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SELEÇÃO DAS MARCAS

cores: majoritariamente preto e branco tecidos: neoprene, algodão, (...) pecas

total:

Macacão Moletom Camiseta Cardigan Camisa Top Cropped Regata Jaqueta Calça Short 10

modelos 2 3 7 2 2 2 2 1 1 1 23

Fonte: a autora, 2016

LED A marca LED, idealizada pelo designer Celio Dias, surgiu em Belo Horizonte em 2014. Inicialmente, a marca trabalhava com roupas femininas para mulheres que buscassem peças diferenciadas e práticas, para serem utilizadas no cotidiano, e que não seguissem tendências. As primeiras coleções são marcadas por misturas de tecidos e cores fortes. A progressão da marca do segmento feminino para o sem 97


SELEÇÃO DAS MARCAS

Figura 31 – Peças da coleção Pop Urban

Figura 32 – Peças da coleção Street Pop

Figura 33 – Peças da coleção Festança

Fonte: Site “LED”, 2016

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SELEÇÃO DAS MARCAS

gênero se torna evidente em suas campanhas, as 7 coleções seguem um padrão evolutivo. A primeira, intitulada Baile das Flores (Figura 30), foi criada para evidenciar a feminilidade e uma sensualidade tênue. As peças misturam estampas florais, animal print e cores vibrantes, a modelagem das roupas é justa e delicada. A segunda coleção, Pop Urban (Figura 31), busca referencias no street style, com estampas militares, geométricas e animal print. A modelagem é mais ampla e despojada em comparação a coleção anterior. A postura e expressão facial da modelo aparenta uma mulher madura e confiante, diferente das modelos da campanha antecedente que parecem meninas delicadas. A coleção seguinte, nomeada Street Pop (Figura 32), “deixa de lado as feminices mais óbvias para investir em uma imagem forte” (LED, 2016a). Os tons escuros, o uso do xadrez, a postura das modelos, indicam uma mulher diferente das apresentadas até então. Evidencia uma feminilidade vívida, que pode, mas não precisa ser delicada, que é intensa, decidida, confiante e jovial. O grande avanço da LED para a moda sem gênero inicia com a coleção Festança (Figura 33). As roupas continuam sendo femininas, dessa vez, inspiradas pelos anos 70 seguindo um tema tropical. Porém, Celio Dias inclui, além das modelos joviais, um rapaz e a modelo Ariel Moura, a mulher transexual que estrela as campanhas seguintes. As três ultimas coleções Liquidificador, Slash e Cíclica, de 2015 e 2016, concretizam a revolução na marca LED. A descrição da coleção que inaugura o sem gênero na marca diz: Masculino e feminino, colocamos os dois em uma mistura, batemos no nosso liquidificador e o resultado é: uma ruptura

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SELEÇÃO DAS MARCAS

Figura 34 - Peças da coleção Liquidificador

Fonte: site “LED” Figura 35 - Peças da 2016 coleção Slash 1

Fonte: site “LED” 2016

Figura 36 - Peças da coleção Cíclica

Fonte: site “LED” 2016

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SELEÇÃO DAS MARCAS

dos estereótipos, um estilo muito mais democrático, longe dos padrões sobre o que realmente é masculino e o que é feminino. Adicionamos o DNA da LED e apresentamos nossa primeira capsula sem gênero. (LED, 2016b)

As cores também mudam com a coleção Liquidificador (Figura 34), usa-se principalmente azul marinho, preto e camel. Dias desenvolveu uma estampa geométrica exclusiva para a coleção, intitulada LED Zapping, em preto e off-white, com variações em tons pasteis verde, azul, vermelho e amarelo. A partir dessa coleção em diante, a LED se estabilizou como sem gênero e busca afirmar esse conceito com projetos e com a evidencia de modelos transgênero e andróginos. A coleção Slash (Figura 35) “quebra barreiras, não se limita e muito menos se reprime. (...) não se define a partir de rótulos!” (LED, 2016c). A cartela de cores conta com branco, cinza e tons de azul. A coleção cíclica (Figura 36) ainda não possui descrição, mas as peças estão a venda na loja virtual em tons de azul, camel, branco, preto e estampas étnicas em preto e branco e variações coloridas. Essa coleção está associada ao projeto [RE]INVENTESE que a marca está promovendo em parceria com o coletivo Underlight. Recentemente o grupo promoveu um manifesto colaborativo em busca da desmistificação do gênero e incentivo a liberdade. A primeira parte do projeto [RE]INVENTE-SE apresenta um breve relato sobre 22 pessoas que acreditam na fluidez pessoal e de gênero. Artistas, dançarinos, figurinistas, modelos, estudantes, homens, mulheres, tansexuais, homossexuais, os protagonistas dessa primeira fase são pessoas que se constroem e reconstroem ciclicamente, negando determinações e limites 101


SELEÇÃO DAS MARCAS

sociais (LED, 2016d). As roupas da LED são comercializadas na loja virtual e em bazares. Os mix das três coleções sem gênero da LED apresentam-se como na tabela: cores: Preto, off-white, branco, camel, azuis, amarelo e estampas diversas tecidos: 50% linho e 50% viscose, 50% linho e 50% algodão, 80% algodão e 20% linho, 92% poliamida e 8% elastano, 50% algodão e 50% poliéster, 50% algodão e 50% PET, 31% viscose, 64% poliéster e 5% elastano (...) pecas

total:

102

Blusa Camiseta Camisa Top Cropped Casaco Regata Vestido Macacão Saia Short Calça Bermuda 12

modelos 2 9 7 4 2 1 11 3 7 6 5 2 59

Fonte: a autora, 2016


CONSIDERAÇÕES QUANTO ÀS MARCAS DE ROUPA SEM GÊNERO A associação da pesquisa bibliográfica e da pesquisa de campo propiciou a verificação da presença de um discurso que circunda a moda sem gênero, o conceito de subjetividade desterritorializada e a relação entre esses dois campos, assim como sua importância social. A discussão a respeito do gênero tem atingido diversos campos sociais. Sua importância se sustenta na busca pela igualdade, liberdade e respeito a diversidade. A classificação de gênero na moda garantiu que o sistema patriarcal impusesse uma condição submissa as mulheres e cristalizasse um conceito universal de homem. A caracterização das roupas como femininas e masculinas traçou diferenciações, determinadas por valores simbólicos que privam a livre expressão da subjetividade. Autores como Cavenacci (2016) e Braidotti (2002), comentam que as identidades na contemporaneidade são fluídas, plurais e múltiplas. Elas se sustentam em “multividuos” que expressam uma subjetividade em constante mutação, irrestrita e livre. Essa ideia é sustentada também por Deleuze e Guattari. Fazse aqui uso do conceito de desterritorialidade apresentado pelos autores, por constituir uma analogia eficiente aos movimentos produzidos na construção da subjetividade. O caráter múltiplo e livre da subjetividade humana, bem como a crescente atenuação do binômio de gênero tem sido evidenciado nos boletins de tendência em associação as capacidades de expressão humana, sendo uma delas a moda. A moda sem gênero surge como uma alternativa para uma expressão mais rica da subjetividade inconstante. Ela elimina as


CONSIDERAÇÕES QUANTO ÀS MARCAS DE ROUPA SEM GÊNERO

barreiras de gênero e permite que a pessoa utilize roupas que lhe agradem sem se preocupar com pré determinações. Seu diferencial é não prejudicar as pessoas que se sentem confortáveis em se definir por gêneros e que estão satisfeitas com o potencial do mercado em oferecer opções para sua expressão pessoal. Porém, oferece alternativas as personalidades descontentes. As marcas atuantes nesse nicho trabalham com grande diversidade de modelos, cores e tecidos, passíveis de agradar diferentes públicos em termos de estilo e preço. A maioria das roupas é desenvolvida seguindo uma modelagem, em geral, oversized, que pode ser única para os diferentes corpos, ou com peças iguais, mas modelagem específica para corpos diferentes. Há marcas, como a Beira, que oferecem alternativas de adaptação da peça ao corpo, com a presença de botões e elásticos ajustáveis. As marcas se assumem como um meio de expressão livre de barreiras, e fomentam a mudança constante. Elas são desenvolvidas visando indivíduos multifacetados que não se restringem a delimitações tradicionais e se posicionam como um discurso de liberdade, diversidade e respeito. Do ponto de vista prático, ainda não é possível medir a atuação e aceitação da moda sem gênero. Segundo Sresnewsky (2016), os produtos sem gênero são consumidos pela mesma parcela de pessoas que já se interessavam pelo unissex (MARTINS, 2016). Giusti (2015), realizou um experimento ao utilizar um top cropped e caminhar por uma avenida de São Paulo. A principal reação das pessoas ao se deparar com um homem utilizando uma peça conhecida como feminina, segundo ele, é ofender o usuário (GIUSTI; PAUL, 2015). Oliveira Jr (2016), também evidencia a repressão que a sociedade pode impor aos que

104


CONSIDERAÇÕES QUANTO ÀS MARCAS DE ROUPA SEM GÊNERO

procuram se expressar fora dos padrões da norma (OLIVEIRA JR, 2015). Essa problemática constitui a importância de debater o tema e procurar difundi-lo. O conceito da moda sem gênero está amplamente interligado com a expressão da subjetividade desterritorializada. Os dois temas compartilham expressõe como: livre, diversificado, infinito, flexível e ilimitado. Verificou-se que ela provê maior liberdade de expressão, tem o potencial de maximizar o respeito e aceitação do diferente, mas ainda sofre grande preconceito e dificuldade de difusão do ponto de vista prático. As informações coletadas até aqui auxiliaram no desenvolvimento do questionário aplicado na etapa seguinte da pesquisa, que visa a observação das experiências de pessoas que manifestam interesse em moda sem gênero, para analisar se o discurso identificado na pesquisa bibliográfica corresponde ao discurso construído pelos que estão envolvidos no consumo e difusão do conceito.

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A PERCEPÇÃO DOS CONSUMIDORES SOBRE A MODA SEM GÊNERO


Essa sessão apresenta os resultados da segunda etapa da pesquisa de campo, realizada mediante a divulgação de um formulário virtual, com perguntas de múltipla escolha. Ele coletou informações a respeito da participação do vestuário sem gênero na construção da subjetividade desterritorializada, a partir da percepção dos consumidores. O primeiro item descreve a metodologia utilizada para a formulação do questionário, a definição dos participantes e os canais de divulgação. O segundo item apresenta os resultados em si.


MÉTODO DE PESQUISA Essa etapa da pesquisa foi realizada a partir da aplicação de um questionário virtual. Segundo Marconi e Lakatos (1993) o questionário é um procedimento técnico da observação direta extensiva, que consiste na obtenção de informação a respeito do caso estudado através de uma série de perguntas ordenadas. O questionário tem as qualidades específicas de verificar que fatores podem influenciar a opinião e conduta do participante a respeito do tema da pesquisa, conhecer as opiniões sobre os fatos questionados e tomar conhecimento sobre as crenças, sentimentos, expectativas, interesses e temores dos participantes a respeito do tema, através de um inquérito (GIL, 2008). As principais etapas para a realização de um questionário eficiente consistem no planejamento, na preparação do roteiro ou formulário de questões e na realização de um teste (AAKER et al, 2001). Para tanto, será desenvolvido um protocolo de pesquisa que guiará a realização do questionário. O protocolo seguirá uma adaptação do modelo proposto por Guerra (2010). Tendo em vista o curto prazo para realização da pesquisa de campo, esse estudo contará com um questionário de natureza estruturada com perguntas de múltipla escolha, ou seja, as perguntas serão previamente formuladas e realizadas com pessoas previamente selecionadas. Essa estratégia permite o direcionamento do tema e praticidade na coleta das respostas (MARCONI; LAKATOS, 1993). A elaboração de perguntas predefinidas, permitirá que as respostas possam ser comparadas


MÉTODOS DE PESQUISA

com o mesmo conjunto de perguntas e as diferenças não reflitam nas perguntas, mas nas respostas. A aplicação de um questionário com perguntas semiestruturadas ou abertas seria inviável devido a necwwessidade de aplicação de uma metodologia de análise de discurso para investigação dos resultados que extrapolaria o cronograma. Essa técnica dispensa a presença do pesquisador, portanto será feita virtualmente, utilizando a ferramenta Google Forms, com o intuito de atingir o maior número de pessoas e recolher informações quantitativas a respeito do objetivo proposto (ibid). A presença física do entrevistador também foi evitada devido a necessidade de aprovação prévia do comitê da Plataforma Brasil nesses casos, o que não ocorreria dentro dos prazos delimitados no cronograma. De acordo com as datas limite, foi estabelecida a meta mínima de 200 respostas ao questionário, para que se obtenha um corpo substancial de resultados e uma margem de exclusão, para a eliminação de respostas inadequadas.

Protocolo O protocolo é um recurso que influi na eficiência do processo de coleta de dados em pesquisas. Guerra (2010), citando Yin (2005), explica que o protocolo engloba as regras e procedimentos que guiarão o uso dos instrumentos de pesquisa, sendo eles entrevistas, questionários, etc. O protocolo funciona como um filtro que, utilizado corretamente, otimiza o processo de coleta,

110


MÉTODOS DE PESQUISA

o fluxo e a qualidade dos dados (GUERRA, 2010). Guerra (2010) desenvolveu um modelo de protocolo que visa a coleta de dados através de entrevistas. O modelo possui nove seções que devem ser apresentadas em páginas separadas de um único documento. O autor orienta que seu modelo seja adaptado e aplicado ao contexto de diferentes estudos. A primeira seção diz respeito ao entrevistado e a entrevista. Nela estarão contidos os dados do entrevistado (nome, telefone, e-mail, formação, dados profissionais atuais) e da entrevista (data, horário e local, tipo da entrevista, forma de registro de dados, classificação do grupo a que o entrevistado pertence, especificação sobre sigilo de identidade). A segunda seção se refere aos dados sobre a pesquisa. Uma breve contextualização sobre o que a pesquisa se trata, os dados obtidos até então, os dados do pesquisador e orientador, o tipo de pesquisa (bacharelado, mestrado, pesquisa setorial...), o objetivo da pesquisa e a etapa atual da pesquisa. A terceira seção se trata das orientações ao pesquisador relacionadas a preparação, ao durante e o após a entrevista. A quarta seção são as instruções para o entrevistado. Deixar claras as especificidades das questões: quando fechadas, evidenciar o número de alternativas que poderão ser escolhidas, quando abertas, explicar, por exemplo, que exemplos facilitam a compreensão do que se está sendo explorado, se as opiniões pessoais e profissionais estão sendo consideradas ou não, etc. A quinta seção define os termos utilizados nos questionários, para o caso deles não serem conhecidos pelo entrevistado, ou para que fique claro que definição está sendo abordada. A sexta seção inclui os questionários dirigidos ao entrevistado.

111


MÉTODOS DE PESQUISA

A sétima seção diz respeito a finalização da entrevista. É importante deixar claro ao entrevistado a possibilidade de fazer comentários adicionais as respostas por email ou telefone e solicitar permissão para enviar novas questões que possam surgir posteriormente. Solicitar a opinião do entrevistado, criticas e sugestões a respeito da relevância das perguntas e como a entrevista foi conduzida e perguntar se ele sugere alguma outra pessoa que possa contribuir com a pesquisa. Pedir que o entrevistado cheque os dados coletados após sua análise, para garantir a qualidade da pesquisa. A oitava seção requer uma planilha de despesas, com os gastos necessários para a realização da entrevista. A ultima seção se refere a criação de um termo de compromisso que garanta o sigilo da identidade do entrevistado. A pesquisa aqui desenvolvida será realizada em âmbito virtual, sem a presença do pesquisador. Os participantes responderão o quetionário anonimamente, portanto, contará com as orientações das seções 2, 4, 5 e 6 do modelo de protocolo de Guerra (2010).

Os participantes

Em busca de definir o universo e a amostra de participantes procurou-se identificar as pessoas ou o grupo de pessoas que manifestem interesse ou relação com a moda sem gênero, não precisando ser necessariamente consumidores dessa. Por constituir um assunto novo, a discussão da moda sem gênero ainda não apresenta muitas pesquisas e dados estatísti112


MÉTODOS DE PESQUISA

cos. Na falta desses dados, procurou- se compreender as estratégias atuais de definição de perfil comportamental a fim de identificar pessoas vinculadas ao conceito de gênero neutro. As pesquisas de mercado normalmente se baseiam em três critérios básicos para traçar o perfil do consumidor: o gênero, a idade e a classe social. A associação desses dados define segmentos de atuação que reúne um vasto número de pessoas. Com a delimitação do público, é possível determinar estratégias de comunicação e direcionamento de produtos (BIZ, 2015). A sociedade mudou, assim como sua compreensão de mundo, o modelo tradicional de pesquisa de comportamento se tornou obsoleto, a tríade classe- gênero-idade deixou de ser adequada e suficiente. Segundo a Box1824 (2016), as três macrotendências que regem o comportamento na atualidade são justamente a morte do gênero, a morte da idade e a morte da classificação por renda (SANTOS, 2016). Novos valores emergiram na sociedade, segundo Cavenacci (2016) as identidades na cultura digital são flutuantes, o sujeito deixou de ser indivíduo para ser “multivíduo”, plural, fluído. Assim, as pessoas são desclassificadas das segmentações clássicas de mercado para que se entendam suas reais motivações e seus valores, pois esses são os novos indicativos de consumo. As afinidades são o cerne que leva pessoas diferentes, com gênero, poder aquisitivo e idade diferentes, a consumir o mesmo produto (DOURADO, 2016). As características do público a que as macrotendências TRANScenGENDER, Youth Mode e Unclassed se referem, auxiliam na compreensão da crescente aceitação e discussão da moda sem gênero. O TRANScenGENDER mostra que as pessoas

113


MÉTODOS DE PESQUISA

estão se libertando dos binômios de gênero e aceitando a complexibilidade do humano, respeitando a liberdade de escolha e a multiplicidade. O Unclassed está conectado ao acesso a informação que, muito mais democrático, permite que pessoas acessem referencias iguais em diferentes nichos e que também exponham suas aspirações e influenciem outros. O Youth Mode, se revela na mudança do conceito de juventude, agora desassociado da idade, mas vinculado a liberdade. Essa liberdade tem o sentido de realização de ser quem se quer, fugir do previsível e da tradição, de ser adaptável e superar limites (SOUZA, 2016). Apesar de não ser um fator relevante em termos de comportamento e consumo, a dimensão psicológica da idade é relevante para a delimitação do grupo estudado nessa pesquisa. Portanto, serão selecionados os resultados dos participantes pertencentes ao grupo de idade entre 20 e 40 anos visto que segundo as subdivisões da vida adulta apresentadas por Mosquera (1982), esse período se caracteriza, num geral, pela valorização da individualidade. Além disso, nessa fase as pessoas se dão conta de sua existencialidade adulta, portanto buscam afirmar sua pessoalidade e dar significância a quem são. Ou seja, essa fase da vida adulta demonstra maior maturidade e constância na construção da subjetividade (apud SANTOS; ANTUNES, 2007). A recorrência das palavras experimental, adaptável, livre, infinito, múltiplo, flexível, sem limitações e irrestrito nas descrições das tendências, bem como na pesquisa apresentada até aqui, indica que o universo de participantes faz parte da geração que se identifica com esses conceitos e não pode ser delimitado por critério demográficos tradicionais. A definição da amostra baseou-se na busca por pessoas que manifestassem afinidade

114


MÉTODOS DE PESQUISA

com moda e moda sem gênero nas redes sociais, em blogs e sites, como os presentes na tabela a seguir. facebook

pessoas

projetos

whatsapp

Canal sem gênero Felipe Barbosa [RE]invente-se Homens de saia (wear hunter) Revolução sem gênero

Fabio Souza (artista)

Fonte: a autora, 2016

Homens de saia Everton Moreira (estilista) Grupos para estudantes de moda no país

Iran Giusti (redator Buzzfeed)

Moda autoral CWB

Vitor Pereira (estudante de moda)

Blog um estudante de moda

Célio Dias (estilista)

Devido a divulgação nas redes sociais, não será possível delimitar precisamente os campos de onde as respostas advêm, contudo, responder o formulário é um indicativo de afinidade com o tema.

O formulario de questoes O questionário foi realizado com a ferramenta Google Forms. Sua 115


MÉTODOS DE PESQUISA

apresentação conta com uma descrição sucinta do conceito moda sem gênero, a fim de informar o participante do tema da pesquisa. A primeira pergunta é referente ao gênero do participante. A segunda determina três grupos de idade. A terceira divide o grupo de participantes entre usuários de roupa sem gênero, não usuários e usuários de roupas de sessões que tradicionalmente não correspondem com seu gênero. A quarta questão explora os motivos que impedem os participantes de consumir roupas sem gênero. A quinta questão explora as motivações dos que a consomem. A última pergunta questiona sobre o sentimento obtido ao utilizar roupas sem gênero. O questionário na íntegra se encontra no Apêndice A.

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RESULTADOS Essa sessão apresenta os resultados da segunda etapa da pesquisa de campo, realizada mediante a divulgação de um formulário virtual, com perguntas de múltipla escolha. Ele foi endereçado a pessoas que manifestam afinidade com os temas moda e moda sem gênero e foi divulgado em grupos como “Homens de Saia”, “MAC – Moda Autoral de Curitiba”, os grupos de estudantes de moda de diversas cidades do Brasil e pela marca sem gênero “Bad to the Bone Clothing”. Tendo seguido os prazos determinados no cronograma, a pesquisa apresentou 212 respostas de iniciativa livre, das quais 41 foram excluídas por não estarem adequadas ao escopo da pesquisa, conforme exposto no item referente aos procedimentos metodológicos. Com isso, 171 respostas foram analisadas. Como primeiro resultado, observa-se que a subdivisão de gênero se deu como mostra o Gráfico 1, sendo 71,9% dos respondentes do gênero feminino, 25,7% do masculino, 1 pessoa (0,6%) se denomina pangênero, 1 pessoa (0,6%) como agênero e 2 pessoas (1,2%) definem-se com outro gênero que não estava nas opções, ou nenhum gênero. Ao serem questionados a respeito do consumo de roupas sem gênero, 72 respondentes dizem não consumir, 68 afirma consumir e 31 diz que costuma consumir roupas de sessões que não correspondem com sua denominação de gênero, como mostra o Gráfico 2. Aos que afirmaram não consumir roupas sem gênero, foi questionado o motivo que os impediria. Os participantes podiam marcar mais que uma justificativa dentre as opções: acho sem


RESULTADOS

FEMININO

123

MASCULINO OUTRO/ NENHUM

44 2

AGÊNERO 1 PANGÊNERO 1 TRANSGÊNERO TRANSEXUAL GÊNERO FLUIDO

0

25

50

75

100

Gráfico 1 - Qual é o seu gênero? Fonte: a autora, 2016

Não 42,1%

Uso roupas de sessões que não... 39,8%

Sim 39,8%

Gráfico 2 - Você consome roupa sem gênero? Fonte: a autora, 2016

118


RESULTADOS

graça; as roupas são feias; acho desnecessário; restringe a expressão do meu gênero; tenho medo da violência; não concordo com o conceito; prefiro que os gêneros sejam delimitados; acho que deturpa os conceitos em que acredito; diminui as possibilidades de expressar o meu "eu; a sociedade não está pronta para aceitar a ideia; o conceito é legal, mas na prática não funciona; sou contra a ideologia de gênero; Homens não devem usar saia; Não sei, nunca pensei sobre a possibilidade; Outro. Como mostra o Gráfico 3, 51,3% afirma não saber o motivo porque não consome, possivelmente por nunca ter pensado na possibilidade, 15,2% acha que o conceito não funciona na prática, 16,6% acha as opções existentes sem graça e 13,8% acham feias. Uma parcela muito pequena (4,1% e 8,3%) acha que a roupa sem gênero restringe a expressão pessoal e 1,3% acha que a sociedade não está pronta para aceitar a ideia. Da mesma forma, apenas 6,9% não concorda com o conceito, acha que ele deturpa seus valores pessoais ou prefere que o gênero seja claramente delimitado, 4,1% afirma que homens não devem usar saias, 6,9% se diz contra a ideologia de gênero e 9,7% acha o conceito desnecessário. Nenhum respondente deixa de usar roupas sem gênero por ter medo de sofrer alguma violência. O último item da terceira questão solicitava que os respondentes marcassem a opção “outro” caso não se identificassem com as outras alternativas propostas. Dos 14 participantes que selecionaram essa alternativa, 13 apresentaram por escrito os motivos que os impede de consumir moda sem gênero. As respostas para essa opção se apresentam como no quadro a seguir.

119


RESULTADOS

Acho sem graça

12

As roupas são sem graça

10

Acho desnecessário

7

Restringe a expressão do meu gênero

3

Tenho medo da violência 0 Não concordo com o conceito ...

5

Acho que deturpa os conceitos em que acredito

5

Diminui as possibilidades de expressar o meu “eu”

6

A sociedade não está pronta para aceitar a ideia

1

O conceito é legal, mas na prática não funciona

11

Sou contra a ideologia de gênero

5

Homens não devem usar saia Não sei, nunca pensei sobre a possibilidade

3 37

Outro

14 0

5

10

15

20

25

30

35

40

Gráfico 3 - O que te impede? Fonte: a autora, 2016

120


RESULTADOS

opcao "outro" para a pergunta "o que te impede?" 1 Tamanhos: a roupa não veste bem! 2 Como modelista respeito a ergonomia do corpo feminino e masculino ou infantil 3 Não gosto da estética, prefiro um visual mais menininha, com babados e flores 4 Não consigo achar para a minha altura. (2m) 5 Costume 6 Não acho elegante usar saias/vestidos/decotes (masculino) 7 Não fica bem em mim, não combinando com meu estilo 8 Não acho aonde comprar. Peças com estampas "masculinas" são em tamanhos grandes e modelagem especifica. Procuro saias para comprar para o meu namorado mas as peças não se "adaptam" ao corpo dele. 9 Nunca tive acesso 10 Acredito que não use, por não categorizar ou encontrar, devido ao meu consumo de vestuário geralmente não compro roupa mais usaria sem problema. 11 Não conhecia 12 Se vejo que a peça cairá bem ao look, e ao evento não vejo problemas em usar. 13 Não tenho conhecimento sobre o produto.

Já aos que afirmaram consumir roupas sem gênero ou em sessões que não correspondem com seu gênero foram questionadas suas motivações e como se sentem utilizando essas roupas. Na elaboração do questionário, considerou-se que as pessoas

121


RESULTADOS

sem genero Uso apenas porque gosto

50

Uso como ato político

5

Uso como meio de autoafirmação

6

Ela me auxilia a posicionar meu gênero

3

Aumenta a visibilidade da ...

1

Promove a diversidade

15

Promove maior liberdade de expressão

24

é mais flexível

18

Minha subjetividade é ilimitada minhas roupas também...

13

Gosto da diversidade

24

Maximiza o respeito e aceitação do diferente

15

0

10

20

30

40

50

60

Gráfico 4 - O que te motiva? (sem gênero) Fonte: a autora, 2016

122


RESULTADOS

que consomem peças de sessões que não são do seu gênero, estão abertas à suavização das barreiras de gênero. Portanto suas motivações e percepções podem ser analisadas em conjunto com as pessoas que consomem peças sem gênero. A fim de confirmar essa afirmativa, as respostas dos dois grupos foram divididas, podendo assim identificar semelhanças e diferenças relevantes. Dos usuários de roupa sem gênero 48 se identificam com o gênero feminino, 18 com o masculino, 1 como agênero e 1 como pangênero. Os usuários de roupas de outra sessão são 23 do gênero feminino e 8 do masculino. Portanto a diferença em termos de gênero é proporcional. Suas motivações para consumo de peças se dá como nos Gráficos 4 e 5. No que se refere ao que os motiva para o consumo de moda sem gênero, os resultados mostram que 73,5%, dos 68 respondentes, utiliza apenas porque gosta, não sabendo especificar o motivo; 35,2% concorda que peças sem gênero promovem maior liberdade de expressão pessoal e apreciam a diversidade que o conceito suscita; 26,4% acredita que oferece opções mais flexíveis. 22% afirma que o conceito favorece o respeito e a aceitação do diferente e 19,1% afirma que suas roupas não devem ser limitadas por gênero. Quanto ao que motiva o consumo de peças de outra sessão, percebe-se uma equivalência nas respostas em comparação a dos consumidores de peças sem gênero: 80,6%, dos 31 respondentes, utiliza apenas porque gosta, não sabendo especificar o motivo; 35,4% concorda que peças sem gênero promovem maior liberdade de expressão pessoal; 41,9% apreciam a diversidade que o conceito suscita; 29% acreditam que oferece

123


RESULTADOS

sessao de outro genero Uso apenas porque gosto

25

Uso como ato político

3

Uso como meio de autoafirmação

3

Ela me auxilia a posicionar 0 meu gênero Aumenta a visibilidade da ... 0 Promove a diversidade

7

Promove maior liberdade de expressão

11

é mais flexível

9

Minha subjetividade é ilimitada minhas roupas também...

6

Gosto da diversidade

13

Maximiza o respeito e aceitação do diferente

4

0

5

10

15

20

25

30

Gráfico 5 - O que te motiva? (sessão de outro gênero) Fonte: a autora, 2016

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RESULTADOS

opções mais flexíveis e 19,3% afirma que suas roupas não devem ser limitadas por gênero. A maior divergência é quanto ao conceito favorecer o respeito e a aceitação do diferente, apenas 12,9% do grupo assinalou essa opção. Para ambos os grupos a taxa de seleção das outras alternativas foi muito pequena. Dos 99 respondentes 9% afirma que usa como meio de autoafirmação, 8% como um ato político, 3% afirma que auxilia no posicionamento de seu gênero e apenas 1% concorda que causa um aumento de visibilidade para a comunidade trans. Quanto a opção “outro”, todos os respondentes apresentaram por escrito suas motivações. O quadro a seguir apresenta as respostas dadas pelos participantes. opcao "outro" para a pergunta "o que te motiva?" 1 Sinceramente não penso muito que a roupa seja uma forma de expressão tão fundamental...Vejo mais o vestuário como forma de defesa do organismo. Ou seja, tem que ser confortável e cumpra a função. Posso dizer que quando se trata de um vestuário para eventos eu me preocupo muito mais com a apresentação do que com a proteção, visto que a necessidade mudou de enfoque. Minha necessidade se torna usar algo que chame a atenção dos membros. Neste caso confirmo que uso minhas vestimentas para expressar minha parte politica, social, buscando demonstrar minha personalidade e minha posição social. 2 Geralmente (roupas masculinas) são mais confortáveis 3 Adoro camisas masculinas tamanho P. uso por questões de modelagem mesmo. me caem bem, tenho costas largas. 4 Roupas do meu género, muitas vezes, não correspondem com a minha personalidade 5 O feminismo liberta

125


RESULTADOS

Com medo

5

Livre

49

Múltiplo

11

Representado

8

Infinito

12

Insatisfeito com as opções

4

Normal, não muda em nada

52

Outro 0

0

10

20

30

40

50

Gráfico 6 - Como se sente utilizando roupas sem gênero? Fonte: a autora, 2016.

126


RESULTADOS

As respostas à pergunto quanto a como se sentem utilizando roupas sem gênero, podem ser visualizadas proporcionalmente no Gráfico 6. Como se observa, das 95 respostas, 51% se sentem mais livres e 54% afirmam que não muda nada. Os 5% que responderam sentir medo não utilizam roupa sem gênero e dos 4% que afirmam estar insatisfeitos com as opções, 3⁄4 não utiliza roupa sem gênero. As outras alternativas tiveram uma taxa de resposta irrisória. Além das perguntas foi aberto um espaço para comentários sobre o tema, destacam-se os seguintes: comentarios 1 Creio que roupas sem gênero da maior liberdade na hora da escolha por não delimitar um uso para uma pessoa especifica 2 Eu acredito que a intenção da existência da roupa "sem gênero" é boa, mesmo que no fundo seja puramente comercial, mas fico muito triste porque as pessoas não conseguem enxergar que todas as roupas já são sem gênero. E as lojas fazem uma propaganda enorme visando lucro em cima da pseudo- militância, mas as roupas não funcionam, porque eles ainda dividem as roupas "sem gênero" nas seções masculinas e femininas. O ideal seria abolir a divisão por seções e pronto, facilitaria o entendimento de que não deve haver limites entre o aceitável para o masculino e o feminino e incluiria toda a pluralidade de gênero que existe. 3 Moda sem gênero ultimamente ta dificil, porque geralmente são coisas sem o menor valor estético. Mas estou aí, esperando por um milagre. 4 Acho super interessante. Não só a moda, mas já como é o assunto, deve ser porta para promover respeito e aceitação para com o outro. 5 Tenho usado saias, apesar das saias feitas para o corpo de

127


RESULTADOS

mulheres serem desconfortáveis, então mando fazer as minhas. O uso de peças sem gênero acaba se tornando um ato político e com viés feminista 6 Devemos respeitar a ergonomia corporal, não é roupa que vai direcionar qual a opção sexual do indivíduo. 7 Ainda não usei roupa “sem gênero"

128


DISCUSSÃO



DISCUSSÃO Nessa sessão, os resultados apresentados acima são interpretados e discutidos em função da fundamentação teórico conceitual. Essa etapa da pesquisa de campo objetivou coletar informações quantitativas que contribuíssem para o esclarecimento da questão: o vestuário sem gênero tem contribuído com a expressão da subjetividade desterritorializada? As premissas da pesquisa bibliográfica em relação às propriedades da moda sem gênero e às características da subjetividade desterritorializada, indicam algumas possíveis justificativas para respostas positivas e negativas a essa pergunta. Essas premissas foram aplicadas ao questionário a fim de identificar a opinião dos participantes em relação a elas. Confirmando a relação entre os dois conceitos estão as respostas que implicam que a moda sem gênero auxilia na autoafirmação e no posicionamento do gênero, na maximização do respeito e da aceitação do diferente, em uma maior liberdade de expressão, em uma maior flexibilização e na extinção de limites. Contudo, outras respostas apontam que nem sempre essa premissa pode ser confirmada, visto que algumas pessoas afirmam que as peças sem gênero são sem graça, feias, desnecessárias, acham que o conceito não funciona na prática, que restringe a expressão do gênero e do “eu”, consideram as opções presentes no mercado insatisfatórias ou que a sociedade não está preparada para isso e pode reagir de forma violenta. O primeiro resultado que chama atenção na leitura das respostas ao questionário, diz respeito às respostas advindas de 72 pessoas, em uma amostra de 171, as quais não consomem


DISCUSSÃO

roupa sem gênero. Esse dado pode ser explicado pela literatura, que aponta para o conservadorismo da sociedade brasileira que, num geral, tem se posicionado contra a expressão de gêneros que fogem das normas (BRITTO; REIS, 2015). Além disso, outros aspectos como a existência de relatos de agressão física e verbal contra usuários de roupa sem gênero (GIUSTI, 2016; HOMENS DE SAIA, 2016); críticas sobre a estética das roupas (SCIACCA, 2016) e o fato de o conceito sem gênero não fazer parte da norma (PAGET, 2016), são justificativas que indicam o motivo de 42,1% dos participantes não serem adeptos da tendência. Contudo, ao analisar as respostas dadas pelos respondentes à pergunta sobre o motivo que os impediria de consumir essas roupas, percebe-se uma incoerência em relação às justificativas apresentadas pela literatura. Embora relatos de violência contra usuários de roupas sem gênero sejam encontrados na literatura (SOUZA, 2015; GIUSTI, 2016; HOMENS DE SAIA, 2016), os resultados da pesquisa de campo indicam que apenas 2,9% do total de respondentes se sente com medo ao utilizar roupas sem gênero. Esse dado é advindo de 5 pessoas dentre 31 que afirmam utilizar roupas de sessões que não correspondem com o seu gênero. Dentre os 72 participantes que utiliza apenas peças de seu gênero, nenhum deixa de consumir roupas de outro gênero, ou sem gênero, por medo de sofrer algum tipo de violência. Da mesma forma, dentre os 68 usuários de roupa sem gênero, nenhum afirma sentir medo ao fazê-lo. A discrepância entre o que foi identificado na pesquisa bibliográfica e os dados obtidos na pesquisa de campo, pode advir do fato de 71,9% dos respondentes da pesquisa se identificarem com o gênero feminino. É possível

132


DISCUSSÃO

que essas pessoas não se sintam ameaçadas, pois o uso de peças consideradas masculinas por mulheres não causa tanto estranhamento como o contrário (RIEGEL, 1963; STEFANELLI, 2015; CORREA, 2016). Da mesma forma, pode-se supor que os participantes que utilizam roupa sem gênero, não utilizem peças com modelagens incomuns e então também não sofram repúdio. Outra possibilidade é a de que essas pessoas nunca tenham sofrido nenhuma violência devido a sua identidade de gênero, orientação sexual ou escolha de roupas, portanto não conseguem projetar ou prever um sentimento sobre algo que não passaram ou que nunca utilizaram. Também deve ser levado em conta que os participantes formam apenas uma pequena parcela da população, talvez os dados que confirmam a bibliografia não estejam presentes nesse grupo em específico, mas se a amostra fosse maior ele poderia ficar evidente. Outro aspecto verificado na pesquisa de campo que contradiz a literatura, mostra que embora autores, como Britto e Reis (2015), comentem a existência de um conservadorismo na sociedade que repudia a expressão de gêneros que estejam fora dos padrões, 89,2% de 140 respondentes (os que consomem roupa sem gênero e os que não consomem e foram questionados sobre esse aspecto) concordam com a aplicação do conceito sem gênero para roupas. Além disso, apenas 13,8% do grupo que não consome roupas sem gênero afirmam que o conceito deturpa seus valores pessoais ou que são contra a “ideologia de gênero”. Dentre esse mesmo grupo 96% das pessoas não vê problemas em homens usarem saias. Esses dados mostram que dentre os participantes da pesquisa, não há um grande índice de preconceito ou repúdio ao sem gênero e que a maioria das

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DISCUSSÃO

pessoas que ainda não é adepta do conceito, não apresenta motivos críticos que as impessa de vir a ser. Assim como no caso anterior, um motivo provável para a diferença entre a pesquisa bibliográfica e esses dados é o fato dessa pesquisa ter sido endereçada a um grupo de idade específico, em canais de divulgação em que as pessoas possuem afinidade com o conceito. De qualquer forma, esse dado mostra que há pessoas abertas para discutir a possibilidade e realizar mudanças. Uma terceira questão que foi apontada pela literatura como um possível empecilho para o consumo de roupas sem gênero é o baixo valor estético das peças (SCIACCA, 2016; CHUNG, 2016; SCHIMIDT, 2016; GIUSTI; PAUL, 2016). Apesar das críticas apresentadas às iniciativas de vestuário sem gênero do fast fashion, a primeira etapa da pesquisa de campo apresentou coleções com diferentes propostas de estilo, confirmando a existência de diversidade de peças e preços acessíveis a diferentes públicos. No que se refere aos resultados do questionário, 16% dos 72 respondentes que não utiliza roupa sem gênero, deixam de fazêlo por considerar as opções sem graça e 14% por achar feias. Dentre as justificativas da opção “outro”, 3 de 13 contém alguma crítica a estética das peças. Já dentre os usuários de peças sem gênero, 95,7% se mostram satisfeitos com as opções. Esses números mostram que a insatisfação com as opções existentes é pequena. Isso pode se dever a possibilidade de os participantes não conhecerem muitas opções de roupas sem gênero, portanto não terem propriedade para opinar quanto a esse aspecto ou, em relação as respostas dos usuários de moda sem gênero que estão felizes com as opções, pode ser que eles conheçam as marcas que oferecem variedade, valor estético e qualidade.

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De acordo com o exposto até aqui, verifica-se que os resultados do questionário refutam a maioria das possíveis justificativas que a literatura apresentou como empecilho para não consumir roupas sem gênero. Isso se deve, possivelmente, à pesquisa ter sido endereçada a pessoas que manifestam afinidade com o tema e a delimitação do grupo de idade que, segundo Walpita [2016] (apud WATSON, 2016), pode estar mais aberta a aceitação do tema. Contudo, os resultados oferecem uma justificativa para 42,1% dos respondentes não utilizarem roupas sem gênero. Segundo o que as alternativas com taxas de respostas mais significativas mostram, a grande maioria dos respondentes da pesquisa tem contato superficial com o conceito e não refletem a esse respeito. As respostas advindas de 112 pessoas, em uma amostra de 171, não apresentam motivos que justifiquem o porque consomem ou deixam de consumir roupas sem gênero. Dentre as 72 pessoas que dizem não ser adeptos da moda sem gênero, 37 (51,3%), não sabem o motivo ou afirmam nunca ter pensado sobre a possibilidade. Da mesma forma, dentre as 99 pessoas que compactuam com o conceito, seja consumindo roupas sem gênero, ou roupas de sessões que não correspondem ao seu gênero, 75 (75,7%) não sabe especificar o motivo porque consome. Além disso, dentre as 95 pessoas que responderam à pergunta “como se sente utilizando roupas sem gênero”, 52 (55%) afirma se sentir normal, justificando que o fato não altera em nada seu cotidiano. Esses dados confirmam uma problemática levantada por Vita [2016], quanto a deficiência da indústria em promover engajamento entre o conceito sem gênero e seus usuários. Os resultados indicam que essa parcela de participantes não reflete sobre o uso da roupa sem gênero, portanto podem não estar

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interessados em implementar uma mudança efetiva no modo de classificação das roupas e podem ter adotado o conceito apenas por fazer parte de uma tendência. Essa inferência é reiterada ao verificar que dentre as 99 pessoas adeptas à moda sem gênero, um número irrisório justificou suas motivações de forma contundente. Apenas 8% utiliza como um ato político, 9% como um meio de autoafirmação, 3% afirma que auxilia a posicionar seu gênero e 1% a vê como um meio de aumentar a visibilidade da comunidade trans*, o que confirma que há um número grande de pessoas que trata o assunto com superficialidade, mas por outro lado, mostra que há pessoas, mesmo que poucas, que possuem um conhecimento mais aprofundado sobre o tema. A existência dessas pessoas confirma um fato apontado por Boas (2016) e Paget (2016) quanto ao conceito sem gênero ser amplamente debatido, porém apenas dentro de um campo restrito, mantendo contato limitado com as grandes massas. Além disso, os autores afirmam que o conceito está fora da norma, o que pode reduzir o interesse e a utilização. Isso também foi verificado ao analisar as respostas redigidas pelos participantes que não utilizam roupa sem gênero na opção “outro”: 6 de 13 justificativas (46,1%) citam falta de conhecimento ou falta de acesso aos produtos, o que indica uma insuficiência de divulgação e debate sobre o tema. Apesar do contato restrito e da reflexão, em geral, superficial, 99 dos 171 participantes (57,9%) consome moda sem gênero ou está de acordo com a suavização das barreiras de gênero por consumir roupas independentemente das classificações impostas ao vestuário. Esse dado confirma a literatura que apresenta a suavização das categorias de gênero como tendência em

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várias instâncias, o que reflete uma mudança comportamental da sociedade (WGSN INSIDER, 2015; SEBRAE, 2016). Essa previsão se baseia na observação de indícios reais como a compreensão do gênero como uma construção histórico cultural, o interesse jovem em desafiar barreiras normativas, a emergência do transculturalismo e a maior aceitação da comunidade trans (PONTUAL, 2015a; ZAMBRINI, 2016; PAGET, 2016).Essa porcentagem também pode ter sido influenciada pelo questionário ter sido endereçado a pessoas que tem afinidade com o tema. Além disso, o baixo índice de respostas que indicariam algum tipo de preconceito em associação a crença de 99% dos participantes de que a sociedade está preparada para essa mudança e ao fato dos respondentes que não consomem roupas sem gênero não apresentarem nenhum motivo crítico que os impede de consumi-la, indica que o grupo estudado pode estar aberto para a aceitação da moda sem gênero. Esse aspecto é comentado por Stefanelli (2015), que discute que apesar da carência de mudanças práticas o Brasil se mostra aberto para debater o gênero. Os resultados confirmam uma abertura para discussão. Ademais, segundo Vita [2016], a inclusão do sem gênero no fast fashion pode encorajar a sociedade a aceitar formas diversas de expressão de gênero. Os diretores da marca Pangea também definem a moda sem gênero como um discurso que promove a diversidade, a liberdade de expressão e o respeito às diferenças (TREIGHER, 2016). Além disso, a presença de modelos transexuais em grandes campanhas também aumenta a visibilidade da comunidade LGBTI. Dentre os participantes, foi obtida a resposta de um agênero e um pangênero. Ambos

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afirmam consumir roupas sem gênero, o agênero diz que utiliza como um ato político, como meio de autoafirmação, por promover a diversidade, por ser mais flexível, promover maior liberdade de expressão e se sente livre ao utilizá-las. Similarmente, o pangênero utiliza como meio de autoafirmação, por auxiliar a posicionar seu gênero, por promover a diversidade, por suscitar maior liberdade de expressão e por achar que maximiza a aceitação e respeito com o diferente e também se sente livre. Os índices de resposta dos outros 97 participantes indicam que 22% das pessoas acha que a moda sem gênero promove a diversidade, 18,5% afirma que maximiza o respeito e a aceitação do diferente e, como citado anteriormente, apenas 1% consome pois acha que aumenta a visibilidade da comunidade trans. A comparação entre as respostas das pessoas que se identificam com os gêneros tradicionais, feminino e masculino, e a das pessoas agênero e pangênero é interessante visto que os últimos apresentam justificativas incisivas que podem significar que há um pensamento critico por trás do uso dessas roupas. Mesmo que os números não sejam altos, eles indicam que há pessoas abertas à conscientização e ressignificação dos paradigmas através do contato com a moda sem gênero. Um fator comentado na bibliografia que pode explicar as baixas taxas de resposta quanto a esse quesito é a superficialidade com que o tema tem sido tratado nas discussões virtuais e em revistas. Os debates em blogs e sites são rasos e divulgam a moda sem gênero sem mencionar mudanças radicais que subvertam as normas vigentes, estimulando, em geral, o uso de camisetas masculinas por mulheres, por exemplo, o que acaba não causando um envolvimento com o conceito e entendimento de sua importância

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(SOUZA, 2014). A moda sem gênero tem explorado a pluralidade dos “multivíduos”. Como identificado com a primeira etapa da pesquisa de campo, o conceito estimula o uso irrestrito de peças e transito livre entre modelos, cores, formas e estruturas, negando pré determinações e classificações. Algumas marcas trabalham com modelagem indistinta para ambos os sexos, outras adaptam os modelos, produzindo peças iguais que se adequam aos diferentes corpos. Ela promove a liberdade de uso de cores e tecidos (STEFANELLI, 2015; PONTUAL, 2015a). As respostas ao questionário confirmam isso, mostrando que 50,5% de 99 pessoas afirmam se sentir mais livres ao utilizar roupas sem gênero, 37% aprecia a diversidade, 35% crê que ela promove maior liberdade de expressões pessoais e 27% diz ser mais flexível. Liberdade e respeito também foram associadas à moda sem gênero nos comentários. Considerando que a subjetividade desterritorializada é caracterizada pela pluralidade e por estar em constante construção e mudança (MANSANO, 2009), é importante que a moda se apresente como um meio livre de classificações e preconceitos, a fim de se apresentar como um campo de estímulo e aceitação das expressões das subjetividades ao invés de limitá-las. O fato de uma parte considerável dos participantes se sentirem mais livres ao utilizar roupas sem gênero ilustra seu potencial de participação positiva para a expressão da subjetividade desterritorializada. Com a análise de dados, nota-se que a moda sem gênero pode contribuir para a expressão da subjetividade, visto que grande parte dos respondentes se sentem mais livres ao consumí-la e que as alternativas que indicariam o contrário tiveram uma taxa

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de resposta muito baixa. Além disso, percebe-se que o principal motivo que impede que os respondentes da pesquisa consumam moda sem gênero é falta de acesso, reflexão e discussão sobre o assunto. Essas pessoas não deixam de fazê-lo por medo, por nutrir algum tipo de preconceito ou por discordar do conceito. Na análise dos resultados verificou-se que não ficou claro se os respondentes teriam, de fato, conhecimento sobre o conceito moda sem gênero. Foi optado por incluir uma descrição do conceito no inicio do questionário, mas não é possível afirmar se o parágrafo foi lido. Essa questão poderia ser resolvida com a inclusão de uma pergunta que indicasse conhecimento prévio do tema, como por exemplo, solicitar que o respondente cite uma marca sem gênero que conhece. Outro aspecto, verificado através dos comentários sobre a pesquisa, se refere ao questionamento sobre o que impediria os respondentes de consumir peças sem gênero, poderiam ser incluídas ainda as opções de resposta “falta de acesso as peças” e “desconheço o conceito”. Além disso, ao afirmar que consomem peças de sessões que “não correspondem” ao seu gênero, poderiam haver os complementos “(...), mas compraria peças sem gênero” ou “(...), mas não compraria peças sem gênero”, e então um redirecionamento para as perguntas a respeito das motivações dessas respostas, visto que a a opção como está no formulário não está diretamente relacionada a moda sem gênero. Um último aspecto refere-se à real compreensão das alternativas. Notou-se que algumas opções de resposta da questão 5 (Se sim, o que te motiva?) poderiam ser reformuladas. A opção “Uso apenas porque gosto” poderia ser complementada por “não sei especificar o motivo” ao invés de “por nenhum motivo

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especial”, pois essa frase infere que nenhuma outra alternativa de resposta poderá ser selecionada. Mesmo assim, a resposta não foi interpretada dessa forma, visto que diversas pessoas selecionaram essa e outras opções, o que pode significar que o respondente não sabe ao certo o motivo porque gosta, mas concorda com outras alternativas oferecidas. A análise dessa opção será então interpretada considerando que o respondente consome porque gosta, não sabe o motivo especial dessa apreciação, mas concorda com as posteriores alternativas selecionadas. Além dessa, supõe-se que as alternativas “promove a diversidade” e a “gosto da diversidade” foram interpretadas como referentes a articulação da diversidade num geral, pois pode não ter ficado claro que elas se referem, respectivamente, a promoção da diversidade de pessoas e a apreciação por poder optar entre a diversidade de peças. Portanto, elas poderiam ser reformuladas incluindo esses complementos. Contudo, interpretar as alternativas como referentes a diversidade não exclui a concordância com o que as alternativas de fato se referiam, portanto, a interpretação das respostas considerará que o respondente concorda que a moda sem gênero promove a diversidade. É importante esclarecer os critérios utilizados na avaliação das alternativas comentadas anteriormente. A análise da opção “uso apenas porque gosto, nenhum motivo especial” foi feita considerando que o respondente consome porque gosta, não sabe o motivo especial dessa apreciação, mas concorda com as alternativas selecionadas subsequentemente e as alternativas sobre diversidade foram analisadas como referentes a diversidade no geral.

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CONCLUSÃO Em virtude da crescente contestação do que se compreende tradicionalmente como feminino e masculino e das divisões classificatórias pautadas nesse binarismo, os anos de 2015 e 2016 contaram com manifestações a favor da discussão do gênero e da moda livre de definições. A superação das categorias de gênero na moda vem sendo discutidas em boletins de tendência nacionais e internacionais, visto que a moda, como agente de conscientização e transformação, tem um papel essencial para a discussão dos paradigmas consolidados e para a compreensão de um novo olhar voltado a diversidade. A moda também tem o caráter de formar a subjetividade, por contar com um aparato tangível que corrobora com a expressão de si. Contudo, a moda também pode limitar expressões pessoais ao passo que está classificada em categorias simbólicas que exprimem expectativas acerca do gênero e oprimem manifestações desviantes. A moda sem gênero surge nesse contexto como uma alternativa em prol de uma movimentação livre entre os pólos fixos, proporcionando mais opções para a expressão da subjetividade flúida. Nesse sentido, essa pesquisa foi guiada pelo seguinte questionamento: O vestuário sem gênero tem contribuído com a expressão da subjetividade desterritorializada? Com base na investigação realizada, é possível afirmar que a moda sem gênero participa efetivamente na expressão da subjetividade desterritorializada. Os resultados obtidos não apontaram motivos críticos que indiquem que o conceito configure um empecilho para a expressão da subjetividade, inclusive, seus usuários afirmam se sentir mais livres. O conceito


CONCLUSÃO

se define no transito livre entre peças, negando os estereótipos tradicionais, afirmando que não há pré definições para o uso de cores, formas, modelagens, modelos e estruturas de roupas. Ela tem as capacidades de promover maior liberdade e maximizar o respeito ao diferente, apesar de ainda estar longe de fazer parte da norma. As marcas existentes no mercado apresentam grande diversidade de estilos e preços e são produzidas com modelagem única, estudada para se adequar aos diferentes corpos, ou com modelos iguais fabricados com modelagem adaptadas. Porém, foi percebido que dentre os participantes não há um pensamento crítico associado ao uso das roupas, o que impede o conceito de atingir seu potencial transformador. De acordo com as informações coletadas nessa investigação, pode-se supor que uma justificativa para essa questão seja advinda da difusão de um discurso superficial acerca do assunto, dispersado por algumas marcas de fast fashion, blogs e sites, que falham em engajar o público consumidor em uma discussão embasada e interessada, enquanto as discussões profundas permanecem dentre grupos restritos. Logo, poderia-se aumentar a visibilidade desse conceito ao se divulgar as marcas existentes e a importância do assunto com mais eficiência, o que eventualmente poderia fomentar a discussão dentre o grande público e contribuir para um maior interesse e engajamento. Em termos gerais, a pesquisa objetivou a investigação de marcas sem gênero atuantes no Brasil para identificar se elas têm favorecido a comunicação da subjetividade desterritorializada de forma eficiente. Essa premissa foi confirmada, visto que as marcas estudadas têm se posicionado como agentes de mudança, produzindo peças para indivíduos multifacetados,

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livres de definições, apresentando a moda como um discurso de liberdade, diversidade e respeito, confirmando sua adequação para a expressão da subjetividade desterritorializada. Quanto aos objetivos específicos, o primeiro pretendeu caracterizar a subjetividade desterritorializada. Isso ocorreu inicialmente por meio de uma pesquisa bibliográfica, com a qual se pode definir que a subjetividade desterritorializada se caracteriza pela diversidade e multiplicidade, que nega qualquer essência e é construída pelo convívio com o mundo exterior e pelo contato com o fluxo ininterrupto de acontecimentos. A literatura aponta que ela está em constante contrução e mudança, é processual e multifacetada. Seu aspecto principal é a pluralidade. Compreender a subjetividade desterritorializada é considerada importante pelos autores ao passo que ela configura uma alternativa à subjetividade unificada, compreendendo modificações constantes e expressões de novas formas e do diferente. A caracterização do vestuário sem gênero, o segundo objetivo específico, mostrou, por meio da pesquisa bibliográfica e de campo, que na atualidade, o “e” comunica melhor do que o “ou”, ou seja, que a moda tem explorado a pluralidade da identidade, aceitando a diversidade da expressão da subjetividade, como se viu em vários desfiles das semanas de moda de 2014 a 2016. Como exposto anteriormente, a moda sem gênero se pauta na liberdade do uso de peças, sem que o consumidor final seja determinado de acordo com fatores pré estabelecidos, dando a oportunidade às pessoas de escolher as peças que melhor se adequem a seus interesses. O último objetivo especifico contou com a associação das informações advindas da literatura e dos resultados obtidos com a

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CONCLUSÃO

pesquisa de campo. A observação da participação da moda sem gênero na expressão da subjetividade desterritorializada se deu com a observação direta das propostas de marcas de moda sem gênero atuantes no cenário nacional e com a aplicação de um questionário que foi comparado com as informações recolhidas previamente a fim de verificar se os dados bibliográficos são percebidos na prática. Essa etapa demonstrou que a moda sem gênero tem o potencial de promover maior liberdade de expressão. A pesquisa de campo confirmou a maioria dos aspectos da literatura, como o fato da sociedade estar aberta para a discussão, embora isso esteja ocorrendo entre grupos restritos; que há marcas que tem desenvolvido coleções sem gênero de grande valor estético, porém não há grande conhecimento sobre elas; que as opções do fast fashion parecem insuficientes em promover um engajamento entre os consumidores e o conceito, bem como as revistas e blogs, num geral, apresentam discussões rasas sobre o assunto que não promovem reflexões intensas na prática. E que a moda sem gênero promove maior liberdade de expressão, apesar de não fazer parte da norma. Contudo, os resultados contradisseram duas questões presentes na bibliografia. A primeira se refere ao conservadorismo e a violência cometida contra usuários de moda sem gênero, que segundo a literatura, são motivos que poderiam impedir a disseminação do conceito. Essa questão não foi confirmada pela pesquisa de campo, os participantes da pesquisa não se mostraram preocupados com possíveis agressões advindas do uso de roupas sem gênero. Possíveis razões para essa discrepância foram explanadas na sessão referente a discussão. O segundo aspecto se refere à potencial maximização da aceitação

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CONCLUSÃO

e respeito ao diferente e à comunidade LGBTI. Apesar das respostas indicarem a crença na moda sem gênero como meio de promoção da diversidade, aparentemente, não é feita uma relação direta entre o conceito e a aceitação do diferente. Isso pode se dever à discussão superficial do conceito, que impede que as pessoas percebam o potencial inclusivo da moda sem gênero e suas consequências em outras instâncias da sociedade. Os dados com mais expressividade já eram esperados e sugerem que a grande maioria das pessoas não tem conhecimento aprofundado sobre o conceito da moda sem gênero, mas apenas um contato superficial, ou nenhum contato. Isso se deve, possivelmente, a ser um assunto relativamente novo e a discussão estar correndo intensamente entre grupos restritos na sociedade. Não se sabe ao certo quem são os consumidores de moda sem gênero. Por não fazer parte do escopo dessa pesquisa, essa questão permanece em aberto para uma nova investigação. Além disso, ampliando a amostragem para um público maior, poderia ser explorado mais a fundo as motivações desses consumidores. Um outro aspecto a ser explorado são as motivações dos grupos que não se identificam com os gêneros tradicionais, visto que suas justificativas foram interessantes e essa pesquisa contou com apenas dois participantes desse grupo. Permanece a reflexão de que o tema precisa ser fomentado e debatido amplamente dentro do campo da moda e, principalmente, em outros setores da sociedade.

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apêndice a formulario do questionario - MODA SEM GeNERO A moda sem gênero rompe com os estereótipos tradicionais de vestimenta dividida em gêneros, questiona as imposições de cores, formas, modelagens, modelos e estruturas das roupas como determinadas pelos sexos, e estimula a mistura e o uso desprendido das peças.

1 Qual o seu gênero? - Feminino - Masculino - Transgênero - Transexual - Gênero Fluido - Agênero - Pangênero - Outro/ nenhum

2) Qual a sua idade? * - Até 19 anos - Entre 20 e 40 anos - Acima de 40 anos

3) Você consome roupas sem gênero? * - Sim (pule a pergunta 4) - Não - Uso roupas de sessões que “não correspondem” com o meu


gênero. (vá para a pergunta 5) 4) Se NÃO, o que te impede? - Acho sem graça. - As roupas são feias. - Acho desnecessário. - Restringe a expressão do meu gênero. - Tenho medo da violência. - Não concordo com o conceito, prefiro que os gêneros sejam delimitados. - Acho que deturpa os conceitos em que acredito. - Diminui as possibilidades de expressar o meu “eu”. - A sociedade não está pronta para aceitar a ideia. - O conceito é legal, mas na prática não funciona. - Sou contra a ideologia de gênero. - Homens não devem usar saia. - Não sei, nunca pensei sobre a possibilidade. - Outro:

5) Se SIM, o que te motiva? - Uso apenas porque gosto, nenhum motivo especial. - Uso como um ato político. - Uso como meio de autoafirmação. - Ela me auxilia a posicionar meu gênero - Aumenta a visibilidade da comunidade trans*. - Promove a diversidade. - Promove maior liberdade de expressões pessoais. - É mais flexível. - Minha subjetividade é ilimitada, minhas roupas também devem ser.


- Gosto da diversidade. - Maximiza o respeito e a aceitação do diferente. - Outro: 6) Como você se sente utilizando roupas sem gênero? - Com medo. - Livre. - Múltiplo. - Representado. - Infinito. - Insatisfeito com as opções. - Normal, não muda em nada. - Outro:


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