À Margem

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CARO LEITOR, Esperamos que você se desarme de seus preconceitos e estereótipos antes de começar a ler esta revista. Aqui é um lugar pra encarar e conhecer outras realidades como forma de exercitar a empatia por meio de perspectivas que talvez não façam parte do seu cotidiano, mas que são ricas de significado, beleza e resistência. Nesta primeira edição, abordamos questões que vão desde o rap a como as artes urbanas coexistem, do skate à literatura na periferia, do hip hop ao funk, do parkour à pixação; todas da forma mais genuína possível, com o mínimo de amarras a opiniões préconceituosas sobre os temas tratados. Todos temos que nos desconstruir. Inclusive as membras da equipe. Queremos por meio desta revista mostrar que o que é marginalizado, negligenciado e silenciado, tem muito pra ensinar. Basta que se esteja aberto a aprender, Basta que se esteja aberto a ouvir. Isso muda tudo. Equipe


SUMÁRIO Cultura urbana Arte a céu aberto 8

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SKATE A face ignorada das pranchas de asfalto 10

RAP Ouça o som das ruas FLUPP A poesia sobe o morro

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Parkour Seja seu único obstáculo Pixação x grafite Não é grafite, é pixação

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Hip hop: “rio h2k”

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Mais hip hop, por favor!

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Funk Do morro ao asfalto


Arte a céu aberto Ao sair dos museus a arte encontra seu lugar no meio urbano Por Giselle Lima Durante muitos anos as demonstrações artísticas foram restritas a museus e centros culturais eruditos que eram frequentados, quase que exclusivamente, por uma elite que possuía fácil acesso ao que se considerava cultura e arte. Com o passar dos séculos, muitos movimentos, estilos e técnicas artísticas foram aparecendo e se consolidando, mas, eles muito pouco variavam da forma como eram apresentados e expostos, sempre, para a alta sociedade. Entretanto a arte de rua sempre existiu. Ela sempre esteve presente mesmo sob críticas e acusações de “não ser arte” na mentalidade das grandes academias e estudiosos “cultos”. Demonstrações artísticas estão em nosso cotidiano, em cada esquina das ruas da cidade e refletem pensamentos e sentimentos de

inúmeros artistas que encontram uma forma de se expressar e de atingir pessoas comuns que se veem representadas em suas obras. Derivada das concepções de arte contemporânea, a arte de rua procurou quebrar os muros e barreiras já estabelecidos ao longo dos anos. As manifestações no meio urbano que atuam longe dos centros artísticos e espaços idealizados têm como objetivo atingir e se aproximar do público, causar reflexão, fazer diversos tipos de críticas ou apenas se mostrar como uma alternativa de expressão artística que foge aos padrões a que já estamos acostumados. A cidade é o lugar do cotidiano, onde a arte tem liberdade para se mostrar e estabelecer uma relação com o cidadão comum, onde o homem irá encontrar diversida-

Foto “Os Gêmeos” (São Paulo – 2015)

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Foto por autor desconhecido

de cultural, e onde há o fluxo de acontecimentos e sociais, que defendem igualdade e oportunidade ações, é ali que o artista urbano quer e deve estar para todos e que são a favor do fim de qualquer para unir a vida com a arte e, assim, encontrar notipo de preconceito. Nos grafites podemos ver crívas inspirações. ticas sociais em relação as desigualdades sociais Na rua são criados novos valores. Ali o objecom desenhos e frases que causem uma reflexão tivo não é mais exaltar os sobre a situação do muntraços, a beleza e gerar um do em que vivemos. A inencantamento no públitenção é que uma pessoa “O QUE ACONTECE É QUE co; na verdade, acontece comum, ao passar por um OS ARTISTAS NÃO SÃO o oposto. Os novos valomuro grafitado, pare e COMPREENDIDOS PELA MASSA, res surgem juntamente pense, e assim possa muQUE ASSOCIA DIRETAMENTE O com uma nova proposta dar algo em si mesmo e no MOVIMENTO À ‘VAGABUNDAGEM’ estética que abandona os meio em que ela vive. Isso APENAS POR ELE NÃO SEGUIR antigos padrões artísticos pode ser visto em diversos se desprendendo de qualcantos da cidade, feito por OS PADRÕES ELITIZADOS E quer regra. Somente por diversos artistas – muitas BURGUESES ACEITOS PELA essa vontade de criar um vezes anônimos – e não MAIORIA.” movimento próprio e únisomente nos dias atuais, co podemos ver o caráter mas desde a época em que revolucionário desse movimento. o Profeta Gentileza pintava os viadutos com a faA essência da arte urbana é a crítica. Crítica a mosa frase “Gentileza gera gentileza”. Outra forvalores, à sociedade, crítica à politica e aos políma urbana de protesto são os raps e rimas, que ticos, crítica às tradições. Dessa forma existem atualmente vêm ganhando mais espaço na granmuitos destes artistas vinculados a movimentos de mídia, mas não deixa de lado suas raízes e têm

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adeptos e um grande público nas ruas. As rodas de rimas acontecem em diversos pontos na cidade e reúnem grupos que cantam seus versos carregados de opiniões e ideologias que seus adeptos seguem. A cultura marginal engloba todas essa manifestações no meio urbano, além de ser considerado um estilo de vida, pois interfere em gostos, atitudes e opiniões das pessoas que absorvem e usam essa cultura. No entanto, mesmo com a sua disseminação e popularização, certas manifestações ainda são vistas de maneira equivocada e geram certa descriminação com os indivíduos que participam dos eventos e intervenções, com os próprios artistas que realizam e idealizam as demonstrações culturais e, consequentemente, com a própria forma que e a arte urbana da cultura marginal - ela recebe esse nome justamente por ser algo que vive na margem, seja da sociedade ou da própria arte. O que acontece é que os artistas não são compreendidos pela massa, que associa diretamente o movimento à “vagabundagem” apenas por ele não seguir os padrões elitizados e burgueses aceitos pela maioria. Mesmo com todo processo de mu-

dança dos ambientes artísticos, a intenção de levar a arte para as ruas para atingir mais diretamente as pessoas comuns, a sociedade pouco evoluiu no que diz respeito a aceitação do novo, parcialmente quando ele revoluciona os valores já existente e, também, as práticas estéticas. Muitas vezes é dada à cultura marginal uma interpretação equivocada que foge do seu real significado e objetivo. Consequentemente, devido a grande difusão de informação e conteúdo, muitas pessoas que pouco sabem e entendem o cerne dessa cultura a aderem como estilo de vida e a consomem (como as roupas, músicas e os hábitos). O grande problema disso é que essa cultura não nasceu do nada e não se mantém para alimentar os gostos de uma população que não sabe, e muitas vezes não se importa, com a causa, o sentido e o propósito de tudo isso. Então o que vemos é a discriminação constante, até mesmo de quem apenas consome essa cultura como forma de diversão, mas não aceita e entende o que ela é de fato. A partir disso podemos concluir que a cultura marginal está na moda, mas as pessoas que vivem nela não.

Foto por autor desconhecido

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DICAS PARA ENTRAR AINDA MAIS NOS TEMAS DESTA EDIÇÃO: roda cultural do méier Quando: toda quarta a partir das 20:30h.

Foto por autor desconhecido

Onde: esquina da rua Silva Rabelo com a rua Medina, próximo ao terminal de ônibus e estação de trem do Méier. O que rola: no início, esse evento contava apenas com as famosas batalhas de rap, mas foi gradualmente atraindo diversas tribos e hoje reúne vários temas culturais e muita arte urbana independente.

Baile charme de Madureira Quando: todos os sábados ás 22h. Foto por Baile Charme Madureira

Onde: Viaduto Negrão de Lima - Madureira. O que rola: um dos mais antigos do Rio, o baile charme de Madureira sempre fez muito sucesso por unir do charme ao hip hop e trazer DJ’s do cenário black carioca.

“A ARTE URBANA” Esse documentário brasileiro trata da legitimação do grafite como manifestação artística apresentando as diversas modalidades e técnicas de acordo com as diferentes perspectivas de artistas como Os Gêmeos, Ismael, Tinho, Anarkia e muitos outros.

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A face ignorada das pranchas do asfalto Apesar de ser amplamente estigmatizado, o skate promove integração e quebra de barreiras Por Bárbara Martins A cultura do skate no Brasil ultrapassa diversas imagens mentais pré-estabelecidas – associadas, barreiras socioeconômicas e já proporcionou inúnesse caso, a características estigmatizadas – leva, meras vitórias para os atletas brasileiros. Entrequase inevitavelmente, ao preconceito por parte tanto, esse esporte ainda é alvo de preconceitos e de indivíduos de diversas classes sociais, os quais seus praticantes são, muitas vezes, estigmatizados contribuem, assim, para a pouca valorização do por quem não valoriza a pluralidade e benefícios skate como um esporte respeitável. envolvidos no surf do asfalto. Esses pré-conceitos também são responsáveis Criado por surfistas californianos por volta dos pelo surf do asfalto ser mais reconhecido como anos 50, o skate logo encontrou seu público nos opção de lazer do que como esporte, o que contriEstados Unidos, ganhando cada vez mais espaço bui para o estigma de “atividade de quem não faz nas décadas seguintes. nada da vida”. Contudo, O primeiro exemplar além de ser uma modali“DESDE O SEU INÍCIO, O SKATE chegou ao Brasil no final dade esportiva que apreSE MOSTRAVA MAIS COMO UMA da década de 60, mas só senta atletas brasileiros CULTURA URBANA, UM MOVIMENTO se popularizou na décamundialmente respeitada de 80, com o fim da SOCIAL, DO QUE SIMPLESMENTE dos e de ser uma forma Ditadura Militar. A atde lazer cada vez mais UMA ATIVIDADE FÍSICA.” mosfera de liberdade e praticada, o skate é tamTrecho do documentário “Dirty Money” renovação da época imbém meio de transporte pulsionou o que viria a e instrumento para se ser um dos esportes mais praticados no país do exercitar. Portanto, os estereótipos pobres e sem futebol. fundamento sobre os skatistas são completamenMesmo sendo a pátria de atletas como Bob te incoerentes, até porque os valores por trás das Burnquist, Sandro Dias e Karen Jonz, vencedorodinhas são conhecidos por não representarem res de competições internacionais, o Brasil ainda barreiras de classe, sexo e cor. mantém uma visão estereotipada dos skatistas. Segundo pesquisa realizada em 2015 pela Adjetivos como “vagabundo”, “maconheiro” e Confederação Brasileira de Skate em parceria “bandido” são comumente utilizados por quem com o Instituto Datafolha, há aproximadamenreproduz o senso comum para caracterizar os prate 8.500.000 adeptos da prática no Brasil. Em ticantes desse esporte. Essa forma de pensar bacomparação com a pesquisa anterior, realizada seia-se em estereótipos pejorativos normalmente em 2009, a porcentagem de pessoas do sexo ferelacionados à atitude rebelde e à maneira partiminino que praticam o esporte aumentou de 10% cular – despojada e longe de padrões – de se vespara 19%, e o predomínio da classe B – com 34% tir dos adeptos. Observar os skatistas por meio de dos praticantes em 2009 – passou a ser da clas-

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Parque Madureira. Foto por Raphael Lima

Foto por Bárbara Martins

se C – com 48%. Essas mudanças estatísticas mostram o aspecto de democratização que o skate vem sofrendo nos últimos anos. Por estar historicamente associado a movimentos de rebeldia e subversão, grupos discriminados, como as mulheres e as classes mais baixas, acabam se identificando com o viés de resistência presente na cultura dos carrinhos. Outro fator que tem atraído cada vez mais praticantes é o grande número de modalidades desse esporte. As mais conhecidas e praticadas são as street, vertical e longboard. Com aproximadamente 90% dos praticantes, street é a modalidade clássica do skate conhecida por utilizar obstáculos das ruas e na qual o carrinho – apelido carinhoso dado ao skate pelos skatistas – é o modelo mais conhecido. A vertical é praticada em half-pipe (rampa que aparenta ser um cano partido ao meio). Por último, na longboard usa-se um skate cujo shape – a prancha de madeira em cima das rodas – é bem maior do que o convencional. Essa é a modalidade que mais tem ascendido nos últimos anos por ser mais relaxante e menos radical, atraindo um público que sente simpatia pelo esporte, mas tem medo de se machucar. Com o aumento de adeptos, cresce também a demanda por espaços apropriados para a prática

do esporte. O Rio de Janeiro, por exemplo, apresenta diversos parques e praças com pistas espalhadas pelo estado, com destaque para o Parque Madureira, na Zona Norte. São Paulo também apresenta ótimas pistas de skate, como a de São Bernardo do Campo. Muitas delas oferecem programas de iniciação em escolinhas, horários especiais para veteranos e eventos regulares, o que contribui muito para o aumento do interesse pela prática do surf do asfalto – inclusive por crianças. O skate ensina muito; de diferentes maneiras, em vários sentidos. Desde o “faça você mesmo” dos consertos e aprimoramentos mecânicos ao sentimento de irmandade e cumplicidade presente entre os praticantes. Esses aspectos fazem parte de um esporte com características de movimento social, o qual se recusa a excluir o diferente, e que, ao contrário, o abraça e tira toda a carga negativa imposta a ele pela sociedade.

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Ouça o som das ruas A poesia que ecoa no asfalto traz não só entretenimento como também inclusão social, conscientização do público e libertação Por Carolina Dullens outros. Começava então o crescimento das falas Pela década de 1960, na Jamaica, o primeiro ritimadas pelos ares brasileiros. No mesmo ano sinal de rap começa a nascer. Abreviação de rhythm and poetry (ritmo e poesia), o estilo musical de 1988 foi lançada outra coletânea de rap em é baseado na mistura de um discurso rítmico com São Paulo, “Consciência Black”, que abrigava um rimas e batidas. Em bailes de rua, os toasters que grupo que posteriormente seria muito conhecido, seriam os primeiros mestres de cerimônia, faRacionais MC’s. Trazendo a dura verdade dos moziam discursos cantados sobre radores das áreas pobres printemas como violência e drogas. cipalmente negros, o grupo foi O rap foi levado então pelos jamuito importante no papel de "RAP, QUE ENERGIA maicanos aos EUA, mais especonscientização social através da É ESSA? UM DOM, cificamente aos bairros pobres música. UM CARMA, UMA de Nova Iorque, no começo da Além desse, surge na mesma DÍVIDA, UMA PRECE, década de 1970. Já em seu novo época, no Rio de Janeiro, outro ambiente, o ritmo se consolidou, ícone do rap. Gabriel Contino, E INFELIZMENTE principalmente entre os jovens conhecido e aclamado como GaTÊM ALGUNS QUE de origens negra e espanhola, briel O Pensador, estourou com DESMERECEM." e ganhou maior visibilidade. O a música “To Feliz, Matei o Pre- Trecho da música "Ainda discurso era geralmente sobre sidente”. Ao mesmo tempo o rap há tempo" por Criolo. as dificuldades da vida cotidiase espandia para outras áreas na nesses bairros e abordava do Brasil, como Câmbio Negro também questões sociais como e GOG (Brasília), o Faces do Suracismo, falta de apoio político aos pobres, xenobúrbio e o Sistema X (Recife) e Black Soul (Belo fobia e morte. Com temas pesados e reflexivos, o Horizonte). Em uma fusão com o rock, surgiu o estilo foi se fortificando e ganhando espaço. grupo Planet Hemp, com participação do célebre Os cantores de rap são denominados Mc’s, Marcelo D2, que também trazia questões polêmimestres de cerimônia, que colocam como fundo cas sobre drogas. de seus discursos os samples, batidas autorais ou O rap brasileiro atual é regado de grandes nomuitas vezes retiradas de outras musicas instrumes que dão som aos gritos silenciosos das comentais. munidades, abordando temas como racismo e O rap chegou ao Brasil no final dos anos de resistência negra, embates com a polícia e a tris1980, com seu primeiro registro na coletânea “Hip te banalidade da morte. Desses nomes, podemos Hop Cultura de Rua” (1998, Eldorado), que troucitar como exemplo o grupo Racionais MC’s, MV xe faixas dos grupos Código 13, MC Jack, entre Bill, Black Alien, Criolo, Emicida e Sabotage.

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ESCUTA AS MINAS

Foto retirada do site http://www.rapnacional.com.br/

Foto retirada do site https://catraquinha.catracalivre.com.br

Uma vertente extremamente importante, mesmo que de pouca visibilidade, é o rap feminino. Surgindo como uma batida de frente com as questões sociais vividas pelas mulheres da periferia, é essencial para o empoderamento social da mulher, principalmente no meio da música. A principal questão é a luta por respeito e por espaço no ramo, que se entrelaça com diversas questões do feminismo, alimentando a união entre as mulheres nessa busca. Um ícone do som feminino foi, sem dúvidas, Dina Di. A rapper subia aos palcos para expor à todos os problemas sociais que estavam presentes não só na própria vida, mas na vida de centenas de outras, apagadas pela sociedade. É um ato de constante resistência, que trouxe ao mundo do rap muita consistência de ser o que é atualmente, um gênero musical majoritariamente voltado às dificuldades que as classes baixas enfrentam diariamente. Graças à esse sucesso, outros grandes nomes foram surgindo como Carol Conka, Negra Li, Nega Gizza, Amanda Negrasim, entre outras. Entre essas, destaco aqui a rapper Mc Soffia, que com apenas 11 anos já faz sucesso com músicas tratando de resistência negra, empoderamento feminino e luta contra os padrões da sociedade. Soffia é um exemplo de que não existe idade para se lutar contra o preconceito, e tem influenciado, através da arte, outras meninas a se amarem da maneira que são, empoderando e valorizando a mulher negra.

"Sou criança, sou negra, também sou resistência. Racismo aqui não, se não gostou, paciência." - Trecho da música "Menina Pretinha" por Mc Soffia.

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A poesia sobe o morro Evento anual leva artes e literatura para a periferia da cidade

Por Thaís Cristina

FLUPP 2015 - Morro da Babilônia. Foto por Francisco Costa

Diversas áreas da cidade que sofrem segregação cultural vêm recebendo atenção especial de um evento dedicado a espalhar a arte, em especial a literatura, por lugares em que a luta diária pela sobrevivência não costuma dar chances pra esse tipo de questão. Desde 2012, acontece todos os anos no Rio de

Janeiro a FLUPP - Festa Literária Internacional das Periferias – a maior do Brasil voltada para as comunidades. O evento é completamente gratuito e busca formar novos autores e leitores nas periferias das grandes cidades brasileiras, além de tentar revelar uma nova realidade em curso no país. “As mudanças realizadas nas periferias por políti-

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Foto por autor desconhecido Foto por Ana Branco

cas públicas, nas duas últimas décadas, só vão se consolidar quando o Brasil se tornar uma sociedade de leitores. Este é o destino das principais democracias do mundo”, explica Julio Ludemir, um dos idealizadores do evento. Anualmente, a FLUPP leva diversos nomes importantes da cena cultural nacional e internacional a lugares onde essas pessoas não chegariam. Prezando sempre por diversidade, o evento dá espaço principalmente para debates sobre a cidade, o livro, a literatura, a cultura negra e da periferia. Nomes como o da tece nas escolas de ensino fundamental, cada ano escritora tasmaniana Francesca Haig, o escritor com um formato diferente, mas sempre funcioe roteirista americano Alan Campbell, a rapper nando como um motor de estímulo a leitura. Os Joelle Taylor, o escritor francês Caryl Férey, o alealunos participam de atividades lúdicas em provas mão Uwe Timm, o navegador e escritor brasileiro que envolvem literatura, artes plásticas, teatro, Amyr Klink, deputado Jean Wyllys, o autor nigemúsica e poesia. riano Biyi Bandele, a britânica Bernardine EvarisO evento vem rendendo frutos positivos, como to, entre outros das mais variadas nacionalidades o escritor Jessé Andarilho, 33 anos. Morador de já passaram pelo evento. Antares, favela da Zona Oeste, Jessé repetiu a 7ª A FLUPP é divida em 3 etapas: a FLUPP Pensérie cinco vezes. Em suas próprias palavras, “era sa, a FLUPP Parque e a FLUPP propriamente dita. um péssimo aluno”, parte da turma do fundão. A FLUPP Pensa acontece entre os meses de abril Um dia, viu uma garota passando com um livro a setembro e funciona como um processo formacuja capa lhe chamou atenção. Conseguiu o tal lidor de autores. A FLupp Pensa promove eventos vro emprestado e leu de uma vez. Era “No coração em diferentes escolas do comando”, de Júlio na periferia da cidade, Ludemir. Se interessou “APENAS A LITERATURA ME MANTÉM com mesas de debates cada vez mais por hisDE PÉ PARA ENFRENTAR MINHA que buscam abranger tórias da favela, do tráassuntos relacionados fico, da sua realidade, HISTÓRIA APÓS 30 ANOS. à culturas periféricas. mas tinha a sensação ESCREVER ME DÁ PRAZER, SUBSTITUI Durante essa fase, as de que tinha histórias A COCAÍNA, CONSIGO FUGIR DA DOR, pessoas que se inscremelhores que aquelas ME ANESTESIAR, PARAR O TEMPO.” veram para participar pra contar. Em 2012, do evento através do se inscreveu na primei- Raquel de Oliveira site encaminham seus ra edição da FLUPP, textos para a banca cujo organizador, Júlio avaliadora, que irá corrigi-los e trabalhar em cima Ludemir, era o autor do livro que o fez mudar de deles. Ao fim dos encontros da FLUPP Pensa, a vida. Escreveu suas histórias no bloco de notas do banca decide quais autores terão seus textos secelular, no trajeto de trem entre estação Tancrelecionados para entrar nos livros do evento. Em do Neves e a Central do Brasil, que somando ida e 2016, serão três livros publicados: os dois já travolta, tomavam 3 horas do seu dia. Ao chegar em dicionais de poesia e pequenas narrativas, e um casa relia e passava a limpo em cadernos. Quanto terceiro de quadrinhos, contando a história da Citerminou de escrever, entregou o rascunho a Celso dade de Deus, local onde o evento será realizado Athayde, que foi quem recebeu Jessé nas primeineste ano. ras visitas à FLUPP. Athayde gostou tanto que enJá a FLUPP Parque é uma gincana que aconcaminhou para uma editora.

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Hoje Jessé vive das palestras que dá e das vendas do seu primeiro livro, “Fiel”, publicado pela Objetiva. O romance conta a história da ascensão e queda de Felipe, um rapaz inteligente e educado, que como Jessé, é morador da favela de Antares, mas acaba se envolvendo com o tráfico. “Conheço muita gente que tinha tudo pra dar errado: foram criados em favelas, tomando tapa na cara de polícia, passaram por vários perrengues com traficantes. Até quando ele conhece a arte e aí é regenerado. Um amigo em Antares, Wallace, dá aulas de balé, os caras zoam ele, mas ele não se importa, aprendeu e hoje ensina. A arte mostra que o mundo não é só aquilo que está em Antares.”, conta orgulhoso.

Foto por Tasso Marcelo

Outro exemplo de sucesso é o caso da escritora Raquel de Oliveira, 54 anos. Raquel se inscreveu na FLUPP em 2013, quando recebeu orientação para escrever a sua história. Usuária de drogas desde a infância, Raquel se tornou esposa de Naldo, dono do tráfico na favela da Rocinha na década de 80. Com a morte do seu marido em uma ação policial, Raquel assumiu o tráfico na favela. Mas o vício em cocaína e o alcoolismo, quase puseram tudo a perder. Em tratamento contra a dependência de drogas há 10 anos, é essa história que ela conta em seu primeiro romance, “A número um”, publicado pela editora Casa da Palavra. “A literatura me liberou e me salvou da loucura”, conta. “Este livro é minha história de vida. Apenas a literatura me mantém de pé para enfrentar minha história após 30 anos. Escrever me dá prazer, substitui a cocaína, consigo fugir da dor, me anestesiar, parar o tempo”, confessa em entrevista à AFP no Morro da Babilônia, durante a edição 2015 da FLUPP. Esse ano, a FLUPP irá acontecer na Cidade de Deus, entre 8 e 13 de novembro, e irá homenagear o autor Caio Fernando Abreu.


SEJA SEU ÚNICO OBSTÁCULO Ultrapassando limites e definições, o Parkour é um mix de arte, esporte e filosofia Por Lorraine Alves Le Parkour. A incrível arte do percurso nem A partir do começo de 2004, o Brasil foi privilesempre foi reconhecida assim. O Parkour foi criagiado com a chegada do Parkour através de jovens do durante a década de 1980, por David Belle. A de São Paulo e Brasília que buscavam se aventurar inspiração surgiu ao observar seu pai, um ex-comnuma prática de origem francesa e estudar mais batente da Guerra do Vietnã, praticar exercícios sobre sua filosofia. Em São Paulo, um grupo de relacionados às técnicas de combate dadas aos jovens começou apenas imitando vídeos de Damilitares, as chamadas “Parcours du Combattent” vid Belle na internet e, hoje, eles são conhecidos (O percurso do combatente). No entanto, David como “Le Parkour Brasil”. Em Brasília, outro gruqueria levar essa técnica para além do imaginado. po começou, no mesmo período, a estudar e pratiA primeira ação foi car o que, até então, retirar a letra “C” de parecia apenas um “Parcours” e inserir tipo de esporte radio “K”, com o objecal e, hoje, eles são tivo de implantar conhecidos como uma visão diferenmembros da “Assote, mais agressiva ciação Brasileira de e mais associada a Parkour”. Em 2004, uma vertente artíscom a popularidatica. de da rede social Durante mui“Orkut”, cria-se a to tempo, foi assoprimeira comunidaciado às técnicas de brasileira voltade guerra, como se da para o Parkour, fosse praticamente com o nome de “Le impossível ser visto Parkour Brasil”, o Foto por autor desconhecido de forma diferente. que possibilitou ainHoje, possui uma abordagem totalmente oposta da mais a expansão dessa arte para o restante do do que era antes, com muitos benefícios tanto físipaís, se tornando um ponto de encontro virtual. cos quanto mentais. E se você é uma das pessoas No entanto, devido as suas características e apaque ainda possui uma visão deturpada sobre essa rente radicalidade, tal esporte causou uma certa filosofia de vida, PREPARE-SE para se fascinar, polêmica e seus praticantes eram frequentemente aprender e mudar totalmente sua opinião. confundidos com vândalos. Os traceurs (praticantes de Parkour) eram, em determinadas ocasiões, Parkour vai além de técnicas e práticas. Se torabordados por policiais e seguranças incomodanou uma filosofia de vida para os que praticam. dos com a prática. Significa “a arte de se deslocar de um obstáculo a Um dos muitos objetivos desse estilo de vida é outro e superar seus limites da forma mais rápida, promover o autoconhecimento do praticante, no segura e eficiente possível.”

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Foto por autor desconhecido

intuito de auxiliar na superação de seus próprios medos. “Essa arte vai além de simplesmente pular de um lugar a outro. Dar giros, mortais e uma cambalhota não é Parkour. A maior vantagem do Parkour é a sua própria liberdade, sempre buscando o autoconhecimento, porque o único obstáculo e limite é você mesmo”, diz o professor de Parkour da Academia VoltzParkour, Gian Pomposelle. O Parkour é uma arte capaz de proporcionar inúmeros benefícios às pessoas. Com ela, você é capaz de fortalecer os músculos, melhorar sua agilidade e concentração, além de aumentar seu dinamismo e força de vontade. A atividade ainda desenvolve a capacidade de preparar a mente para problemas e conflitos futuros, a partir do momento que a sua prática leva o traceur a explorar além da zona de conforto, buscando sempre promover mais segurança e coragem para superar seus medos e, assim, definindo seus próprios limites. É um esporte capaz de englobar os opostos: segurança e altura; agilidade e disciplina; conforto e obstáculo. A sua principal preocupação é o entendimento de si mesmo, pois, a partir do momento pelo qual o praticante se conhece, ele é capaz de definir seus movimentos, agir sempre da melhor forma e trabalhar até onde seu corpo permite. Apesar de encarar alturas, obstáculos e grandes corridas, diferentemente de outros espor-

tes, o único equipamento de segurança exigido é o autoconhecimento. Só o praticante poderá saber qual o seu limite, até onde seu corpo está física e mentalmente preparado. “Um mês atrás, eu sofri uma queda de skate e, apesar de estar totalmente equipada, me machuquei muito. Hoje, eu faço o Parkour pra superar o trauma e me encorajar a andar de skate novamente” diz a aluna Fabiana Pomposelle, da Academia Voltzparkour. A aluna ainda relata que o Parkour foi o único esporte praticado por ela que não necessita de nenhuma proteção além de um bom tênis, entretanto, foi o que mais lhe deu segurança, pois, segundo ela, “eu sei até onde posso ir, até onde meu limite foi estabelecido, e essa é a única segurança que preciso depois desse trauma”. O Parkour atualmente, como filosofia do cotidiano dos traceurs, tem como principais frases “ser forte para ser útil” e “ser e durar”, as quais anteriormente eram associadas às práticas de guerra e foram disseminadas por David Belle como os alicerces de sua prática.

“A MAIOR VANTAGEM DO PARKOUR É A SUA PRÓPRIA LIBERDADE.” E se você se interessou por essa arte fascinante, não espere mais tempo para viver essa experiência inigualável: pegue um tênis, uma roupa confortável e aprenda sobre si mesmo de um ângulo nunca visto antes. Todos deveriam aprender sobre a arte do Parkour e o quão seus efeitos são benéficos para o corpo e seu psicológico. Foto retirada do site http://www.catersnews.com

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NÃO É GRAFITE, É PIXAÇÃO Sem nenhuma pretensão de agradar, o pixo está profundamente fundido à cidade Por Bárbara Martins

Foto por Carla Arakaki

Sabe aquele pixo que você acha horrível, que te aborrece por ser um vandalismo e que você acha coisa de “quem não tem o que fazer”? Então, ele não foi feito para te agradar. Pixação – com “x” mesmo – é resistência, e resistência nenhuma existe para agradar a classe dominante. Já utilizado como forma de crítica na Idade Média – quando padres pixavam muros de conventos rivais como forma de expor suas ideologias, difamar governantes e criticar doutrinas contrárias às deles –, o pixo sempre foi associado à ilegalidade

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e tido como um ato marginal. Por atualmente ser uma manifestação associada a jovens das periferias, a pixação e seus praticantes raramente não são relacionados a estigmas sociais ligados à criminalidade e à vagabundagem. Outra característica da pixação que contribui para estigmatizar essa prática – e que faz parte de sua ideologia – é o fato de a maioria dos pixos ser aparentemente incompreensível. Só que a pixação não visa estabelecer um diálogo com a sociedade. Os pixos são uma agressão visual e ideológica e


Foto retirada do site http://besidecolors.com

Foto retirada do site http://besidecolors.com

têm uma comunicação interna – de pixador para condições econômicas que frequentam esses ampixador. Os praticantes, normalmente jovens pobientes. Essa opressão é uma violência também, e bres, humilhados e negligenciados pela sociedade, os pixadores a combatem de forma pacífica. Com encontraram na pixação um jeito de excluir de sua tinta e rancor, eles confrontam essa sociedade que os chama de “vândalos” sem linguagem essa população o mínimo de empatia para que os menospreza. Agre“QUANDO QUE UM MOLEQUE procurar entender as motididos diariamente por um DA PERIFERIA TERIA A vações por trás da grafia da sistema que não os auxilia a CHANCE DE COLOCAR O rua. melhorar de vida, os pixadoSEU NOME NO TOPO DE Segundo o artigo “Pichares atacam visualmente toção-arte é pixação?”, pudos aqueles que olham seus UM EDIFÍCIO NO CENTRO blicado em 2009 no site da símbolos e não têm a capaciDA CIDADE? SE ELE Faculdade Cásper Líbero, é dade de compreendê-los. FOSSE UMA EMPRESA, essa atmosfera extremista, Pixar é simbólico em inúELE CONSEGUIRIA.” marginalizada, contra o sismeros sentidos. Um deles é tema e rejeitada pelo público quando se encara a pixação - Cripta Djan, pixador paulistano que garante a “força intercomo forma de reivindicação de espaço. A população periférica geralmente é vencionista e a tão importante e sensível essênprivada de frequentar diversos espaços por causa cia” da pixação. No mesmo artigo, há também a do desconforto e da sensação de não-pertencimencomparação entre grafite e pixação, e a autora dá to proporcionados pela população com melhores exemplos da diferença de recepção entre as duas

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xação denominado Tag Reto. Único no mundo, esse estilo se caracteriza pelas letras retas, pontiagudas e alongadas. Apesar da bruta distinção de valores atribuídos ao grafite e à pixação, é importante lembrar que o primeiro também pode ser uma forma de manifestação contestadora e subversiva – mesmo recebendo tratamento diferenciado. O grafitismo não é, em sua totalidade, uma produção meramente artística que visa agradar a burguesia. Até porque quem se atreve a dar à cidade um pouco de cor em meio ao cinza cotidiano, de certa forma, também está indo contra um sistema em que o colorido só serve para vender. Muitos grafiteiros começaram pixando, então é compreensível que o tom minimamente engajado ainda esteja presente nos

Foto por Leandro Mantovani

formas de pintar muros. Ela argumenta que, enquanto o grafite foi sendo introduzido como arte contemporânea, aceito pela sociedade e abandonando o viés inicial de subversão para se encaixar cada vez mais nos moldes estéticos da arte tradicional, o pixo não se desvencilhou desse viés desde sua origem, se recusando a seguir as regras sociais e, por isso, continua sendo considerado vandalismo, depredação, expressão sem nenhum valor estético. O que legitima o grafite é o que o distingue da pixação. Por mais que para um leigo pareça, pixo não é tudo igual e pixadores não pensam necessariamente da mesma maneira. Há pixadores que gostam de ter seu vulgo – espécie de rubrica ou símbolo pessoal – conhecido nesse meio, e há outros que pixam sem a pretensão de se tornarem conhecidos entre si. Há pixadores que se preocupam mais com o lado político de contestação e reivindicação de seus pixos, e outros que os fazem mais por lazer, pelo prazer da adrenalina, como uma forma de desestressar. Há pixadores que se preocupam mais com a estética dos seus pixos, pesquisando tipografias diversas como referência, e outros que já se sentem bem por ter alcançado um lugar bem alto para pôr seu rabisco – outra maneira de ser referir ao pixo. Todos se aproveitam do potencial de se apropriar dos muros para ter voz, se expressar e inquietar quem vê o que eles produziram sem autorização. Assim como o grafite, os pixos brasileiros são mundialmente reconhecidos – mesmo que por grupos sociais muito diferentes entre si. São Paulo é a cidade do Brasil onde a pixação é mais forte. O pixo e essa cidade são inseparáveis, fundidos. Num Estado que é símbolo de desigualdade, a pixação é só o reflexo disso. Prédios residenciais enormes cheios de pixos são o retrato do contraste entre a burguesia que cala e a periferia que quer ter voz, que quer seus direitos mínimos respeitados. De tão vinculados a essa prática, os pixadores paulistanos desenvolveram até um novo estilo de pi-

grandes murais dessa arte urbana. Há ainda uma transição do pixo para o grafite, denominada grapixo. Nesse estilo, as letras são idênticas às do pixo, mas com preenchimentos de cores vibrantes e contornos fortes – como mostra a segunda imagem deste artigo. O grapixo é tão presente nas ruas quanto suas vertentes maternas. “O grito mudo dos invisíveis” é como Cripta Djan, pixador paulistano e videomaker dessa prática, define a pixação. É o que dá voz para um grupo social, muitas vezes, privado de demonstrar como se sente, como pensa e como é revoltante a situação em que vive. O pixo os liberta e, mesmo sendo considerado crime no Brasil, contra a lei mesmo deveria ser como tratam a periferia. Contra a lei deveria ser não ter empatia.



MAIS HIP HOP

Foto por Little Shao

Rio H2K. Um dos maiores eventos de danças urbanas do mundo chegou à sua sexta edição na Cidade das Artes, na Barra da Tijuca. Entre 26 e 29 de maio, os mais importantes coreógrafos e grupos de danças urbanas estiveram presentes nas salas e no palco. Com uma programação simplesmente imperdível, o evento incluiu mais de 50 workshops, quatro espetáculos, seis painéis e ba-

te-papos com os coreógrafos. Além de showcase com apresentações de grupos amadores, festas e as famosas batalhas de dança, chamadas de Rio H2K Battles. Um dos muitos objetivos do festival era distribuir por todo o espaço eventos que acontecessem simultaneamente, como pequenas batalhas de dança. A estrutura do evento também merece destaque, pois além de disponibilizar a infraestrutura necessária (como banheiros, praça de alimentação e segurança), criou espaços que fossem capazes de acomodar os dançarinos em redes e espaços centrados na diversão do público através de labirintos e balanços, criando uma espécie de parque de diversões da dança. Além de promover a compra de passaportes diários,

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a organização do evento também proporcionou o acesso do público a pacotes de acampamento, pelos quais as pessoas teriam acesso a todas as aulas e perfomances, e o direito a acampar em uma área reservada do espaço. O evento contou com a presença de coreógrafos como os americanos Antoine Troupe e Lyle Beniga, os franceses Salah e Laure Courtellemont, o holandês Paradox, além dos brasileiros Arthur Saaman, Alefh Mendes e muitos outros artistas de todo o mundo. Os coreógrafos comandaram workshops durante os quatro dias de evento, reunindo estilos para todos os gostos e tribos, e também níveis para iniciantes, intermediários amadores e profissionais. Os alunos tiveram a oportunidade de aprender desde o tradicional Hip Hop, passando pelo House e o Stiletto, conhecendo novos estilos e tendências como Flexionamento, Charme, Passinho e uma preparação específica para dançarinos, o Physical training. Os coreógrafos ainda se apresentaram no palco principal para os milhares de dançarinos que assistiam a cada movimento sem nem mesmo piscar os olhos. Ademais, o impacto

Foto por Little Shao


P, POR FAVOR! Por Ana Carolina Weber

dialmente, os vencedores ainda recebem prêmios em dinheiro como incentivo ao caminho da dança. Tive a oportunidade de ir a essa edição do Rio H2K e devo confessar que nunca experimentei uma mistura de sentimentos como os que vivenciei nos dias em que estive no evento. A forma como a dança é capaz de unir pessoas que jamais teriam a oportunidade de se conhecer, pessoas de estados e países diferentes, foi um dos aspectos que mais me chamou atenção. A paixão e dedicação que os dançarinos canalizam para a arte é algo que só aqueles que vivem nesse universo sabem. Dessa maneira, é necessário apresentar um clichê

ca saíram da memória da galera. As festas, além de muito bem organizadas, possibilitaram que o público interagisse entre si e que conhecesse até mesmo os coreógrafos, que por sua vez também participaram como público da festa. A Rio H2K Battles, por sua vez, também é digna de certo destaque porque proporciona que dançarinos desconhecidos obtenham a possibilidade de serem vistos e reconhecidos por profissionais da área. Nessa edição do evento, as batalhas foram divididas em categorias que vão do Breaking ao Passinho. Além de alcançar o prestígio de conquistar a vitória em um evento reconhecido mun-

para que se entenda melhor a magnitude desse movimento, pois “não existem palavras capazes de expressar” as emoções sentidas através da dança. A dor. A felicidade. A frustração. A conquista. O corpo é capaz de transmitir através da dança tudo aquilo que até mesmo “mil palavras” não seriam suficientes para explicar. O motivo pelo qual o hip hop se desenvolveu foi justamente o de promover o encontro e unir pessoas através do mundo por uma causa maior: o amor por um estilo de dança irreverente e totalmente autêntico. E o Rio H2K desempenhou esse papel com êxito.

Foto por Little Shao

do evento ultrapassou o público e atingiu tais coreógrafos, que por sua vez publicaram em suas redes sociais um pouco da emoção que vivenciaram nesse grande espetáculo da dança urbana. Outra característica que merece ênfase são as festas que acontecem no final de todas as programações diárias. A produção responsável pela organização do evento proporcionou que DJs de todo o mundo, considerados referência no campo do Hip Hop, distribuíssem músicas para os ouvidos dos amantes desse estilo. O Dream Team do Passinho também fez uma passagem em uma das noites de festa, relembrando hits antigos que nun-

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DO MORRO... Há quem diga que todo funk carioca só tem palavrão e incitação ao sexo. Entretanto, por mais que grande quantidade das músicas desse gênero realmente apresente essas características hoje em dia, é importante ressaltar que existem exceções e que nem sempre as letras foram assim. Surgido na década de 70, o funk carioca foi inspirado principalmente num ritmo conhecido como “Miami Bass”, que trazia músicas mais erotizadas e com batidas mais rápidas. Ao longo dos anos, o estilo musical se libertou de suas origens e acabou adquirindo características próprias, que ficaram conhecidas no mundo inteiro. O funk se originou nas favelas cariocas, por isso sempre foi um ritmo menos aceito pela sociedade de classe média, assim como tudo que vem da periferia. Para quem só conhece as músicas atuais, os primeiros sucessos talvez nem sejam considerados “funk mesmo” – não tinham as mesmas batidas de hoje, eram mais devagar e as letras basicamente descreviam situações vividas pelos compositores. Com o passar do tempo, o gênero sofreu diversas modificações. Inicialmente, os famosos bailes funk traziam os hits americanos e mais pareciam com os chamados “bailes charme” atuais. As pessoas quase nunca estavam sozinhas na pista. Os rapazes, em sua maioria, usavam bonés inspirados nos americanos e bermudas comuns do verão no Rio de Janeiro. Passos de break misturavam-se com “trenzinhos” e coreografias no baile. A maior característica dos que viriam a ser chamados de “MC’s” cariocas era imitar os americanos e cantar “em inglês” sem saber ao menos uma palavra da língua. O primeiro baile mais conhecido e frequentado foi o da Furacão 2000, que existe até hoje e vem crescendo cada vez mais. Quebrando as barreiras que separam a favela do asfalto, o que mais vemos são as festinhas da Zona Sul tocando funk - às vezes muito mais do que outros estilos de música -, apesar de ainda ser

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Foto por Vincent Rosenblatt

muito menosprezado pela própria sociedade de classe média alta. Ainda é muito comum ouvir as pessoas dizendo que o funk não faz parte da cultura brasileira e que “não é música”, mas muitos ouvem, dançam e curtem. Os bailes propriamente ditos ainda ocorrem somente nas favelas, apesar


Gênero musical nascido nas favelas não é aceito por todos, mas não rejeita ninguém Por Joana Caldeira

de serem frequentados por pessoas de todos os cantos da cidade. Mc Big Boy, Dj Marlboro, Claudinho e Bochecha são alguns sucessos de antigamente, que hoje não são mais tão comuns nas baladas nem nas rádios. Os mais conhecidos atualmente são Mr. Catra, Mc TH, Dj Yago Gomes, Mc Biel, entre outros. Esse gênero musical é considerado por alguns o melhor ritmo para dançar – e realmente é. São poucos os que conseguem ficar parados ao ouvir o famoso “tchum tchá tchá tchum tchum tchá”. Entretanto, para muitos ouvintes, o ritmo é o único fator motivacional de muitas músicas consideradas funk, já que a maioria tem em suas letras diversos palavrões, conteúdo pornográfico e fazem apologia às drogas. Além disso, traz claramente a objetificação da mulher tanto nas letras, quanto nos clipes em que há sempre mulheres com muito corpo à mostra rebolando especificamente para homens. E não é bem assim que as coisas deveriam ser retratadas. Atualmente, os nomes femininos vêm aumentando no cenário do funk e, conquistando um público cada vez maior, essas cantoras empoderam cada vez mais mulheres . A primeira mulher a surgir nesse contexto foi a cantora Tati Quebra Barraco, que ficou conhecida pelas letras de suas músicas, que eram uma resistência à dominação masculina. A expansão desse segmento se traduz no sucesso de nomes como Mc Carol, Ludmilla, Mc Tati Zaqui e Anitta. Com a atual onda de desconstrução promovida por feministas, talvez as letras comecem a mudar nos próximos tempos de forma a engrandecer as mulheres sem se referir somente ao corpo delas. Se isso ocorrer, o avanço da qualidade de produção que acompanha o funk atualmente se aliará às mudanças de mentalidade em relação ao tratamento dos temas de gênero. Enquanto isso, essa batida carioca continuará tomando os bailes, as festas e qualquer lugar com pessoas dispostas a dançar ao som do irresistível ritmo filho da favela.

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QUEM FEZ ESSA REVISTA ACONTECER Ana Carolina Weber Bárbara Martins Carolina Dullens Giselle Lima Joana Caldeira Lorraine Alves Thaís Cristina

CRÉDITOS E AGRADECIMENTOS Ilustração da capa por Graphis AR https://www.facebook.com/graphis.ar

Suporte artístico e arte do logotipo e do símbolo por Caio Kalinine https://www.facebook.com/kalinineart




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