JVLIVS CAESAR

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JVLIVS CAESAR

TOMO I ARMANDO VASONE

STEALTH PRESS 1


KAI SV TEKNON

FLABELLVM

MENERVA

AQVILES


COMMENTARII DE ROMA ET IVLIVS CAESAR

A MEU PAI, QUE, VENCENDO A SI PRÓPRIO, COM SEU ANCESTRAL ESTRO GUERREIRO, ENSINOU-ME A CAIR E LEVANTAR.

COL VISO RITORNAI PER TUTTE QUANTE LE SETTE SPERE, E VIDI QUESTO GLOBO TAL, CH’IO SORRISI DEL SUO VIL SEMBIANTE. PARADISO. DANTE CANTO XXII, 133-135

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COM OS OLHOS RETORNEI POR TODAS AS SETE ESFERAS, E VI ESTE GLOBO DE MANEIRA TAL QUE SORRI DE SEU VIL SEMBLANTE.

OR TI RIMAN, LETTOR, SOVRA ‘I TUO BANCO, DIETRO PENSANDO A CIO’ CHE SI PRELIBA, S’ESSER VUOI LIETO ASSAI PRIMA CHE STANCO. PARADISO. DANTE CANTO X, 22-24

AGORA TE RETENHA, LEITOR, SOBRE TEU BANCO, PENSANDO REFLITA SOBRE O QUE SE REVELA, PARA VOSSA SATISFAÇÃO ANTES QUE FADIGA. EM TODAS AS COISAS A SORTE É O PODER MAIOR, ESPECIALMENTE NA GUERRA. SE AS COISAS NÃO CORREM DE ACORDO PODE-SE DAR UMA MÃO À SORTE. CAIVS IVLIVS CAESAR 4


JVLIUS CAESAR

VÊNVS

O poderoso desenvolvimento intelectual dos helenos, que criou sua unidade religiosa e literária, foi que os colocou na impossibilidade de atingir uma unidade política real. 2. Certamente o mundo Romano, seus dilemas e implementações são a obra política maior da Europa. 3. Caesar, por natureza e berço, um aristocrata, plasmou uma arquitetura de leis e governo que no paradoxo da política após dois mil anos ainda permanece válido. Moldou o mundo mediterrâneo em uma disposição imperial que perdurou quinze séculos, até a queda de Constantinopla. Seu gênio está amplamente provado. Vergílivs considerou-o: o mais extraordinário dos homens que já viveu no curso dos tempos. 4. Caesar emerge das nuvens da mi­tologia, pois descendia dos antigos reis de Roma, entrocando-se em Ivlvs Ascanivs, filho de Aeneas. Portanto, entre seus ancestrais conta-se Vênvs, deusa do amor, mãe de Aeneas, filha de Jvpiter. Já em vida era tido na conta de um herói, como Aeneas ou Herakles. Raramente há dúvidas quanto à natureza exata de seus feitos civis e militares. Nele vemos os efeitos dos ensinamentos do corpvs aristotelicvs: o traço de uma mente educada é buscar a precisão tanto quanto a natureza do objeto admite. 5. Sua prosa é muscular e límpida; seu de bello Gallico permanece um monumento. Temos suas obras literárias para orientar-nos, assim como das de seus comandantes, de outros e dos inúmeros discursos ou cartas de Cícero. Sabemos sobre suas maneiras, seus gostos e dispomos de bustos autênticos. Dele podemos fazer uma idéia melhor que de qualquer outra aristocrática figura da antiguidade clássica. 6. Como general, Caesar teve sorte, pois que inúmeras vezes poderia ter sido morto. Nunca se poupou e frequentemente se lançou em lutas que a maioria dos generais teria julgado arriscadas. Em África, na batalha de Thapsvs, pôr pouco não perdeu. Pharsalvs foi uma vitória brilhante e sua última batalha; mvnda na hiberia foi a mais dura de toda sua vida. 7. A campanha de Alexandria, empenhada através de palácio, cidade e povo desleal, recomprovou seu domínio tático, militar e político. A rapidez de seus 1.

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GAIVS MARIV

movimen­tos, sua celeritas Caesarina impres­sionava e assustava os inimigos, tanto no mar como em terra. 8. As batalhas no ocidente contra os Celtae, Germani e na Celtiberia foram travadas contra adversários muito duros, tenazes e militarmente mais difíceis que as forças do oriente, enfrentadas por Pompeivs e outros generais Romanos. Na guerra de Carthago, isto fica claro. Os exércitos que se destacavam em batalha contra os Romanos eram os célticos e ibéricos, em contraste com os corpos orientais também presentes nas forças do genial Hannibal barca. 9. Foi como um político que Caesar se mostrou supremo. Saindo vencedor numa guerra civil, ele se revelou completamente diferente pela sua política de concilia­ção para com seus inimigos. 10. A res pvblica Romana era a oligarchia e como classe dominante e como motivada por um competitivo desejo da glória. Cada Senator avançava o tanto quanto conseguia através de uma sequência anual de magistraturas, o Cvrsvs Honorvm, nas quais dois postos superiores, Praetor e Consvl possuíam Imperivm; o direito legal de comandar um exército. Ali, acima de tudo, na vitória e na conquista se colocava o objetivo do homem de estado Romano: a quase sobre-humana glória do Trivmphvm, quando em um intoxicante dia ele era igual a um deus. Os principais comandos naturalmente iam para os Consules e como só existiam dois por ano, o consulado era um prêmio que tão somente aqueles com muita sorte ou excepcionalmente dotados podiam ter esperanças de obter. 11. Caesar nasceu em 100 AC durante o sexto consulado de Gaivs Marivs, casado com sua tia, o qual tinha demonstrado a incompetência do patriciado da época, ao salvar a Itália da ameaçadora invasão dos Cimbrii e Tevtoni. O Trivmphvm de Marivs sobre esses povos da Germânia tinha ocorrido alguns meses antes do nascimento de Caesar. Os bustos ancestrais nos salões dos Ivlii incluíam deis Consules, porém oito deles nos longínquos dias do v século AC. Durante toda sua carreira Caesar foi fiel à memória de Marivs, apesar do perigo que isto representava numa época de guerra civil e discórdia política durante a qual o nome de Marivs era si6


OLIGARCHIA OPTIMATES

GÁLLIA

nônimo do partido popvlares; movimento político hostil a tradicional oligarchia optimates. Houve até uma época, durante a ditadura de Svlla em 82 AC, quando Caesar, foragido, teve a cabeça a prêmio. 12. No período em que atingiu o cargo de Praetor em 62 AC, Caesar era conhecido pela oligarchia dominante como um homem perigosamente competente e ambicioso, a ponto de ter privado de seu brilhante comando como Praetor, na Hispania em 61/60 AC, e de se esforçarem para que não obtivesse o consulado em 59 AC, durante o qual Caesar forçou goela abaixo da oposição optimates, um programa legislativo que eles desaprovavam visceralmente. 13. Somente cinco anos mais idoso do que Caesar, Pompeivs já tinha obtido três Trivmphvm. Svlla tinha dado a ele o título de grande, o que o igualava a Alexander, o grande; sua última campanha contra o rei Mithridates da Parthia no oriente, tinha dobrado a receita da tesouraria Romana, além de adicionar três novas províncias ao império de Roma, a Syria, Cilicia e Pontvs. Depois de Pompeivs, qualquer um que ambicionasse ser o Princep Scivitates, a principal figura da res pvblica tinha muito mais a fazer do que meramente um Trivmphvm normal. O preço da glória tinha se elevado vertiginosamente. 14. Por esta razão, Caesar como Consvl obteve a aprovação de uma lei dando a ele um comando excepcional durante cinco anos, posteriormente estendidos por mais cinco anos em 55 AC. Suas províncias eram a Gállia Cisalpina e Illyria, grosso modo, o norte da Itália, planície transpadana, margem alpina do rio pó e a costa oriental do adriático. O Senatvs por proposta de Pompeivs e em decorrência do acordo com Caesar adicionou o território da Gállia transalpina à jurisdição deste último. 15. Entretanto, quanto maior o comando, mais compridas a ausência e a distância de Roma. Porém, era nesta cidade que os seus sucessos precisavam ser divulgados e sua reputação mantida viva. Existiam, em Roma, como lembrou a ele o chefe dos Germani, Ariovistvs, inimigos políticos em abundância, os quais não se deteriam diante de nada para destruir a carreira de Caesar. 7


THEOPHANES MYTILENE

POMPEIVS

Nisto o biografado tinha uma enorme vantagem por ser um impecável literato, bem como um completo guerreiro. Como diziam os Romanos, seu talento possibilitava a ele divulgar suas ações. As campanhas de Pompeivs tinham sido escritas por Theophanes Mytilene, o conselheiro pessoal do general e por Voltacilivs Pitholavs; o primeiro um Graecvs, o segundo um escravo alforriado. Pompeivs não era destro na retórica ou na pena - stilvs. Outros generais tinham escrito auto-biografias, notoriamente Qvintvs Catvlvs, o aristocrático colega de Marivs na campanha contra os Cimbrii, entretanto escrita após os eventos e como retrospectiva de justificação. Caesar fez algo inteiramente novo e diferente. O próprio comandante em chefe descrevia os acontecimentos e os publicava a cada primavera. 17. Em latim, commentarivs tem uma significação bem específica. Traduz a palavra graeca hypomnema e significa algo como um memorando escrito com a elaboração esperada pelos cultos leitores helênicos. Caesar era um purista no uso da linguagem, usando o seco estilo aticvs, factual e lacônico, se prestando perfeitamente para o objeto das descrições. Avlvs Hirtivs que escreveu após a morte de Caesar para ligar aos commentarivs da guerra civil o livro VIII, diz, de maneira correta, que pelo título escolhido por Caesar, este não estava deixando Material para outros historiadores, mas tirando a possibilidade de qualquer outro escrever sobre o assunto. A leitura da obra aturdiu Cícero que, em 46 AC, disse: os commentarivs são esplendidos, austeros, diretos e elegantes, despidos de ornamentos retóricos, como um atleta da vestimenta. Intencionava ele prover Material para outros usarem ao escrever a história; porém assustou aos homens pelo seu brilho, pois que nada é mais atraente em história do que a lúcida e clara brevidade. Nos idos, auge da lua cheia, dia 15, foi convocada uma reunião do Senatvs para tomar as últimas disposições e esta foi a ocasião escolhida pelos conspiradores para sua façanha. Em 19 de março de 44 AC Caesar deveria partir para o leste em sua campanha partha. Um mês antes, no festival dos lobos - Lvpercalia, Marcvs Antonivs oferecera a coroa à Caesar e este a recusara. O que precisava ser feito devia ser feito logo, ou seja, assassinar 16.

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MARCVS ANTONIVS

Caesar, pois que iniciada a viagem para Parthia, certamente seria vitorioso contra os parthas e o mundo estaria nas mãos de Caesar. 18. Na noite do dia 14 os conspiradores jantaram com Gaivs Cassivs Longinos. Alguns propuseram que Marcvs Antonivs e Marcvs Aemilivs Lépidvs também fossem mortos, mas Marcvs Jvnivs Brvtvs objetou que isso prejudicaria o caráter sacrificial do ato. Marcvs Tvllivs Cícero não foi admitido ao segredo, sendo considerado demasiado velho, excessivamente tagarela e tímido demais. Foi decidido que a reunião do Senatvs era a ocasião propícia, já que assim todo o corpo de senatvres estaria comprometido e o assassinato teria a aparência de um ato cerimonial de justiça. 19. Entre os conspiradores, sessenta ao todo, diz Gaivs Svetonivs Tranqvillvs, havia mistura de idealismo, ódio, inveja do sucesso individual e um desejo vago e confuso pela volta aos dias de glória da res pvblica. Os chefes da conspiração eram todos políticos bem-sucedidos, vindos de ambos os lados da guerra civil. Muitos tinham cultivado a amizade de Caesar, admirados, encantados por sua inteligência e espírito. Caesar estava ciente do ódio que o cercava, mas contava com o seu conhecimento íntimo da política local tanto quanto da trama dos assuntos do império; ele como vários outros, via claramente que a sua morte traria tamanho caos ao estado, que a confusão da qual acabara de livrá-lo pareceria nula. 20. Os conspiradores, porém, não compreenderam que nunca apagariam as enormes mudanças geradas por Caesar. Um grupo de famílias Romanas, os optimates, não mais conseguiria, paroquialmente, dominar o Senatvs e menos ainda lidar com as complicações administrativas do vasto império, como cem anos de guerra civil já haviam, ad navseavm, provado. Cheios de orgulho, entretanto, pelo status e posição, não queriam de modo algum ser meros funcionários de uma burocracia, chefiada por um Princeps. Como sempre ele era presciente e mais astuto que os outros e correta sua avaliação das consequências da própria morte: uma nova guerra civil pior de que a última. 21. Historiadores antigos ficaram muito impressio9


DECIMVS BRVTVS

nados com o assassinato de Caesar e relataram vários presságios: os cavalos usados para atravessar o Rvbicon e que ele consagrara aos deuses, se recusavam a comer e tinham chorado grandes lágrimas. Spvrinna, um vidente famoso, o procurou e alertou para com os idos de março. Caesar acreditava na sorte. Fortvna era sua deusa e sempre tinha sido assim. Ela não estava sempre a seu favor; às vezes podia-se ajudá-la, porém se Fortvna fosse contra, não havia nada a fazer. 22. Na própria noite de março 14, ele tinha jantado com Lepidvs, seu mestre de cavalaria e alguns amigos, inclusive seu velho comandante, Decimvs Brvtvs, agora um dos chefes do conluio; convidados expressaram suas opiniões sobre o tipo de morte que preferiam. Caesar não tinha dúvidas: desejava um fim que fosse imediato e inesperado. Mais tarde, naquela noite, conta-nos Plvtarcvs, enquanto Caesar estava deitado ao lado de Calpvrnia, todas as portas e janelas do aposento estouraram de repente como abertas por um furacão. Neste instante, a armadura cerimonial de Marte, que Caesar como Pontifex Maximvs guardava em sua casa, despencou ruidosamente da parede. 23. Fazia um belo tempo primaveril; era o festival de uma antiga deidade Romana, Anna Perenna, e o Campvs Martivs estava atulhado de gente, dançando e bebendo na aurora dos idos. Ao despertar, Caesar teve uma recaída de sua crônica febre e, por sua vez, sua esposa, Calpvrnia, dormira mal, tendo sonhos de mau agouro. Outrossim, os auspícios astrológicos eram desfavoráveis; Caesar mandou, pois no meio da manhã, Marcvs Antonivs transferir a reunião do Senatvs. Os conspiradores já com punhais em seus estojos de escrever, compareceram ao Senatvs no alvorecer; porém surgiu Marcvs Antonivs com a notícia do adiamento, retirando-se. O bando ficou desesperado e despachou Decimvs Brvtvs à casa do dictator a pedir que reconsiderasse sua decisão. A missão foi bem-sucedida. 24. Caesar livrou-se de sua lassidão, ordenou sua liteira e chegou quase ao meio-dia; um homem correu abanando uma mensagem. Era Artemidorvs, um rhetórico Graecvs, que há tempos tinha sido tvctor de Brvtvs e que tinha acompanhado Caesar como seu 10


CASSIVS

ARTEMIDORVS

secretário durante toda a passagem pela Ásia Minor, após a vitória em Pharsalvs. Caesar recebeu-a, mas foi impedido de lê-la por outro que prendeu sua atenção, na entrada onde era de praxe tomar os auspícios e augúrios. Certamente Artemidorvs tinha descoberto os pormenores do golpe e seu bilhete teria salvo o grande homem. Spvrinna também o aguardava. 25. Respondendo ao comentário irônico de Caesar que os idos de março tinham vindo, Spvrinna disse: eles chegaram, mas não se foram. Os augúrios foram desfavoráveis; entranhas de animal defeituosas e outra vítima foi testada com o mesmo resultado. Caesar entrou no pórtico e se dirigiu ao parlatório onde os Senatores esperavam. O Senatvs inteiro se pôs de pé quando ele entrou, andou até a Sella Cvrvlis e sentou-se. Enquanto o Senatvs como um todo estava prestando ao dictator as homenagens de praxe, os conspiradores, como se fossem fazer perguntas e pedir favores, rodearam-no em meio círculo para ocultá-lo dos demais. 26. Um dos primeiros foi Tvllivs Cimber, pedindo que Caesar permitisse a volta de seu irmão do exílio e quanto seu pedido foi recusado, estendeu sua mão ao manto de Imperivm, num gesto de súplica. Ao retroceder, Cimber colocou a mão no manto roxo e o arrancou de seu ombro. Era esse o sinal. Os outros conjurados cercaram-no ali onde se mantinha de pé vestido numa simples túnica Romana. Tinham despido o traje manto de Imperivm e Caesar, como pressentindo o simbolismo do ato e o ódio deles, exclamou: - mas isto é violência! Então, casca, atrás dele, deu o primeiro golpe e, errando o pescoço da vítima, feriu-lhe o ombro. Caesar, girando, pegou no braço de casca e o traspassou com o estilete que usava para escrever, gritando: - seu vilão, casca, o que está fazendo? 27. Um outro o apunhalou no lado e Cassivs o feriu em pleno rosto com seu punhal. Agora estavam todos atacando-o como matilha de lobos, um golpeando na coxa, outro nas costas. Caesar, nos conta Appianvs, se defendeu como um animal selvagem. Enraivecidos, hostis e sanguinários, os conspiradores ficaram maníacos, golpeando e atacando com tamanha fúria que se feriram entre si. Lutando até o fim, defendendo-se com seu es11


kai sv teknon

tilete a torto e à direita, Caesar caiu ao chão aos pés da estátua de Pompeivs, aonde ele viu Brvtvs, de punhal na mão, e foram em Graecvs suas últimas palavras: - kai sv teknon - também tu meu filho! Cobrindo a cabeça com a toga, estendeu-se e morreu. 28. No seu corpo vinte e três golpes de punhal. Eram feridas que seriam cobradas muitas e muitas vezes no corpo da Itália e do império. O assassínio soltou um furacão que devastou o mundo Romano. Longe de assegurar a vitória da oligarca da res pvblica, a morte de Caesar deu a Caivs Otavivs Ivlivs Caesar Avgvstvs, a oportunidade de instalar, nos planos e parâmetros de Caesar, verbalizados durante a longa convivência na campanha da Hispania. A monarquia do período imperial Romano, em torno do Princeps. 29. Ao invés do Senatvs se apoderar do governo, um pânico pavoroso acometeu e abalou os membros, a grande maioria dos quais nomeada e apoiando Caesar, não tinha participado da conspiração; enquanto que os culpados da matança pareciam desorientados, após o fato consumado. O ato fora praticado e Brvtvs, o escolhido chefe da conspiração, erguendo alto um punhal gotejante, bradou para o lívido Cícero que a liberdade estava restaurada. Deu início a um discurso preparado, mas não havia ninguém para ouvi-lo, pois os Senatores haviam fugido. 30. Os assassinos, ainda dando gritos estridentes e exprimindo-se confusamente em sua excitação, precipitaram-se pelas portas e aos tropeços chegaram em busca de refúgio ao alto do Capitólivm Oppidvm natural e ancestral; centro religioso de Roma. No parlatório do Senatvs, logo chegaram três escravos fiéis que carregaram o cadáver para a casa de Caesar. À passagem da liteira homens e mulheres espreitavam para fora de suas casas, por trás das janelas fechadas. Um pouco mais tarde Brvtvs e Cassivs desceram ao forvm para arengar ao povo, mas constataram que os ouvintes recebiam seus apelos em silêncio, pelo que voltaram às pressas à proteção do capitolivm. 31. Ao cair do crepúsculo de março, Cícero visitou os refugiados e fez o que pôde para animá-los. Disse-lhes que Roma inteira rejubilava pela morte do tirano, 12


GIBBON

mas eles tinham visto os semblantes nas ruas e não lhe acreditaram. Pediram-lhe que fosse procurar Marcvs Antonivs e concitá-lo a defender a res pvblica, mas este recusou, pois não era tolo para se enfiar na boca do lobo: Svperior Stabat Lvpvs. Enquanto isso, em sua casa do monte Palatinvm, Calpvrnia estava lavando as feridas de seu finado marido. Marcvs Antonivs estava inflexivelmente entrincheirado em sua casa e Lépidvs aquartelado no fórvm com sua legião vingadora. Os conspiradores, no capitolivm, prosseguiam em seu agitado conselho, cada qual com os nervos excitados, ora expandindo-se em súbitas explosões de palavras e egolatria, ora tomados de terror e se lamentando que tudo estava perdido... Temiam pelas suas vidas, ignorando que sua insensatez rematara a obra de Caesar e consolidara os sonhos políticos de Caesar. 32. Gibbon escreveria: as fronteiras dessa monarquia extensa foram preservadas pela fama antiga e bravura disciplinada, pois a suave mas poderosa influência de leis e maneiras dos Princeps que tiveram dignitas, tinha cimentado pouco a pouco a união das províncias. A imagem duma constituição livre foi resguardada com reverência decente: o senado Romano aparentemente possuía autoridade soberana e devolvia aos imperadores todos os poderes executivos de governo. 33. O antigo viajante que subisse o Tiberis vindo do porto de Óstia, aonde ocorria o transbordo das mercadorias dos navios para barcaças para subir as 15 milhas até Roma, notaria a forte correnteza e as lamacentas águas; nelas o solo dissolvido de montanhas e vales era carreado para o mar. Bem patente a erosão, a dificuldade da navegação rio acima, a periódica obstrução da foz do Tiberis e as inundações que quase todos os anos alcançavam a parte baixa de Roma, fazendo os residentes acolherem aos andares superiores e se locomoverem por meio de botes. Ao aproximar-se da cidade os olhos seriam empolgados pelo emporivm, uma extensão de quinhentos metros na margem direita do rio, coberta de armazéns, mercados, trabalhadores e tráfego. Adiante erguia-se o Aventinvm, o morro em que a Plebs foi sentar-se nas greves de braços cruzados dos anos de 494 e 449 AC.

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TEMPLO DE JVPITER

FÓRVM BOARIVM

Na margem esquerda, nesse ponto ficavam os jardins que Caesar legara ao povo e, atrás, o monte Janícvlvm. Na margem esquerda, perto da bela ponte Aemilivs, erguia-se o fórvm boarivm - feira do gado, com os templos, ainda hoje de pé, da Fortvna e Mater Matvta, a deusa do amanhecer. Mais para o norte, à direita, elevavam-se os morros Palatinvm e capitolivm, cheios de palácios e templos. Adiante, o monte Vaticanvs. Ao norte da cidade e, à direita, estendiam-se os amplos gramados e as construções decorativas do Campvs Martivs; lá ficavam os teatros de Balbvs e Pompeivs, o circo de Flaminivs. Neste grande campo treinavam-se as legiões, competiam atletas e carros de corrida e o povo jogava bola. 35. Desembarcando nos limites norte da cidade, o viajante veria a muralha do rei Sérvivs Tvllivs. Roma a reconstruiu depois do assalto dos Galli em 360 AC. Dando voltas pelos limites da cidade a leste e depois ao sul, se veria os luxuriantes jardins de Sallvstivs, o poeirento Campvs Praetorianii, os arcos dos aquedutos e, à direita, os montes Qvirinales, Viminales e Esqvilinvs. Deixando as muralhas e avançando para o norte da via Áppia, ao sopé do Palatinvs, estaria diante do fórvm e seu amontoado de construções; o coração e a cabeça de Roma. O fórvm era uma praça, cerca de 180 por 70 metros; até Caesar fora aquele lugar o ponto de reunião das assembleias. A passagem de veículos era proibida da aurora até a décima hora. 36. Do lado sudoeste estendia-se a sacra-via, que levava aos templos de Jvpiter e Satvrnvs no monte capitolivm. Ao norte do fórvm o visitante encontraria outro ainda maior: o fórvm Ivlivm construído por Caesar para descongestionar o velho. As ruas dos fórvm eram ladeadas de lojas e zumbiam de trabalho e falatório; atingia-se o auge da excitação, na quinta hora, cerca de 11 horas. Vendedores de frutas, livros, perfumes, modistas, floristas, tintureiros, cuteleiros, serralheiros, boticários bloqueavam as ruas com seus mostruários. Os barbeiros trabalhavam ao ar livre e as casas de bebidas eram numerosas. Os fazedores de sandálias aglomeravam-se no vicvs sandalarivs, seleiros no vicvs lararivs, vidraceiros no vicvs vitrarivs, joalheiros no vicvs margaritarivs. 34.

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JVPITER

A indústria da construção estava bem organizada e especializada. Os Dendrophoroi - madeireiros, cortavam e entregavam a madeira; os fabri lignarii carpinteiros, faziam casas e mobílias; os caementarii preparavam o cimento; os strvctores faziam os alicerces; os arcvarii construíam os arcos; os parietarii levantavam as paredes; os tectores aplicavam o reboco; os albarii caiavam; os artífices plvmbarii cuidavam dos encanamentos em geral de plvmbvm - chumbo e os marmorii incumbiam-se dos pavimentos de mármore. Telhas e tijolos vinham das olarias, muitas das quais já industrializadas. Roma tornava-se uma das maiores cidades do mediterrâneo. Em 293 erigiram no capitolivm a estátua de bronze de Jvpiter, de tais proporções que podia ser vista dos montes albani, a 30 quilômetros dali. Na mesma época os aedilis erigiram uma loba de bronze, uma obra-prima ainda existente, que o metal vive em cada músculo. 38. Nas mansões de Roma, pavimentos de mármores e mosaicos; colunas de alabastro, ônix e mármore policrômico; paredes recobertas de pinturas murais ou incrustadas de pedras semipreciosas; tetos chapeados de ouro, prata e vidro; mesas com partes de marfim; divãs decora­dos com embutidos de tartaruga, marfim, prata e ouro; brocados alexandrinos ou da babilônia; leitos de bronze com cortinados, de már­more; estátuas, pinturas, objetos de arte; vasos de vidro ou bronze de corinthvs, tapetes da babilônia. O chão era muitas vezes de mármore policrômico ou de tesserae, mosaico de todas as cores, com desenhos em quadros de notável realismo e manufatura. 39. Em Roma se gostava reunir no mesmo edifício o granito vermelho e cinzento do aegyptvs, o verde cipollinvs da eubéia, os mármores negros e amarelos da Nvmídia e o branco de carrara; e ainda o alabastro, o basalto e o porfiro. Nunca o homem recorreu a Materiais arquitetônicos tão complexos e variadamente coloridos. Às ordens dórica, jônica e corinthia, Roma acrescentou os estilos toscano e compósita, com certas modificações. Colunas de uma pedra só em vez de uma série de troncos superpostos. A coluna dórica com base jônica adquiriu maior esbelteza; ao capitel jônico davam, às 37.

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CAPITEL CORINTIOS

vezes, quatro volutas para que produzisse o mesmo efeito de qualquer lado. A coluna e o capitel corintios foram desenvolvidos de modo a sobre excederem em beleza os padrões da Graecia. 40. Mesas, cadeiras, camas, bancos, lâmpadas e utensílios feitos de Materiais duradouros e abundantemente ornados. As melhores madeiras, o marfim, o bronze, a prata, o ouro eram primorosamente trabalhados e decorados com formas de plantas e animais ou embrechados de tartaruga, filetes de bronze, pedras preciosas. Mesas do caro cipestre ou limoeiro, algumas de prata ou ouro, muitas de mármore ou bronze. Cadeiras de todos os tipos, desde as singelas de dobrar, até o trono. Camas de madeira e metal, com pernas esguias, mas fortes e sempre terminadas com cabeça ou pata de mainais; o enxergão de bronze, sem molas, suportava o colchão de palha ou lã. Escravos para guardar tantas riquezas, escravos para guarda dos escravos empenhados no serviço, na fiscalização ou na indústria; a vida dos homens, mesmo na intimidade, era passada à vista dos escravos. À mesa, ao despir-se, ao repousar, um em cada porta. 41. Tripodes em bronze de elegantes formas ocupavam o lugar de mesas encostadas. Aqui e ali gabinetes com escaninhos para guardar rolos ou livros, braseiros de bronze ultrapolido, com desenhos florais ou mitológicos; alguns côncavos ou convexos para a distorção das imagens. Da cerâmica, os artesões de Cvmae, Liternvm e Aqvileia passaram à produção de vidros artísticos. Com a fusão da areia e uma substância alcalina se produzia um líquido semi-transparente, esverdeado, devido à presença do óxido de ferro na areia. Descobriram que a adição dos óxidos de manganês e chumbo tornava o produto completamente incolor e transparente, sendo que diferentes tons podiam ser dados com a adição de diferentes substâncias químicas. O cobalto, por exemplo, dava o azul. A pasta fluida era moldada à mão ou assoprada em moldes ou então deixada resfriar e cortada com o disco. 42. Muito apreciados eram os vasos murrinos da Ásia menor e África. Obtidos por meio da colocação lado a lado de filamentos de vidro púrpura e branco, de modo a formar um desenho, isso antes da queima; ou 16


ROMA VÊNVS GENITRIX

embebiam-se peças de vidro de cor no corpo incolor do vaso. Depois da vitória sobre Mithridates, Pompeivs voltou para Roma com esses vidros. Os Romanos não tiveram quem os excedesse na arte do vidro e poucas coleções de arte no mundo serão mais preciosas que as dos vidros Romanos do British Museum. No vigoroso realismo a escultura Romana se distingue da graeca. O velho realismo etrusco e a constante presença das máscaras mortuárias fizeram com que os Romanos se mostrassem feios, contanto que aparecessem fortes. 43. Tantos homens legavam seus bustos às praças públicas, que, em certo tempo, Roma dava a ideia de pertencer mais aos mortos do que aos vivos. O maior desses bustos-retratos é a chamada cabeça de Caesar hoje em Berlim, feita de porfiro. No ano 60 AC um artista do sul da Itália, Pasiteles, foi a Roma e lá viveu 60 anos trabalhando marfim e ouro; introduziu os espelhos de prata, produziu belas cópias de obras-primas graecas e escreveu cinco volumes sobre a história da arte. Arcesilav, um graeci, fez para Caesar a famosa estátua de sua ascendente olímpica, Vênvs genitrix. 44. O aristocrata começa o dia lá pelas sete com a recepção de seus clientes, aos quais dava o rosto a beijar. Depois, a refeição da manhã e visitas a amigos ou de amigos. A amizade era levada a sério; a etiqueta exige que todas as visitas sejam retribuídas, que os amigos sejam ajudados nas demandas e processos ou em suas candidaturas e visitados para ouvir-se a leitura de um poema, por ocasião do contrato de casamento da filha, da emancipação do filho ou para assistir à assinatura de seu testamento. Essas e outras obrigações sociais eram cumpridas com cortesia e polidez inexcedíveis. Depois seguia para o Senatvs, para alguma comissão governamental, ou para atender seus negócios pessoais. 45. Para o homem mais modesto a vida é mais simples; depois das visitas sociais da manhã, trabalhava em seus negócios até o meio-dia. As pessoas iam para o trabalho ao nascer do sol e como houvesse pouca vida noturna, os Romanos aproveitavam bem a luz. Leve almoço ao meio-dia, jantar às três ou quatro e quanto mais alta a classe, mais tarde o jantar. Depois do almoço e da sesta, o camponês e o proletário punham-se de novo 17


TEPIDARIVM

THERMAE

ao labor até o pôr-do-sol; outros procuravam distrair-se fora de casa ou nos banhos públicos. Os Romanos tinham mais devoção pelos banhos do que pelos deuses e, fora os egípcios, nenhum povo antigo os rivalizou em limpeza. 46. Traziam Svdaria grandes lenços para enxugar o suor e para escovar os dentes usavam pastas e pós; tomavam banho diariamente; até a gente do campo, diz Gallenvs, se lavava todos os dias. A maioria das casas tinha banheiras e as casas ricas, quartos de banho reluzentes de mármores, vidros e torneiras de prata. Muitas Thermae eram de propriedade particular. Em 33 AC já havia 170 em Roma; fora 1.352 piscinas de natação públicas. Mais atraentes que esses estabelecimentos eram os grandes banhos de construção do governo, servidos por centenas de escravos e arrendados por concessionários. 47. Essas Thermae eram verdadeiros monumentos. O serviço e óleos, essências e sabões usados na fricção do corpo estavam incluídos no preço da entrada. Conservavam-se abertos do amanhecer até 20 horas. O visitante ia primeiro a um vestiário, preparar-se. Depois fazia exercícios de luta, boxe, pulo, lançamento do disco ou dardo e jogo de bola. Às vezes profissionais desses jogos vinham exibir-se nos banhos. A gente mais velha que preferia ver os outros se exercitarem, desbastava as banhas em compartimentos próprios, com massagens feitas por escravos habilidosos. Em seguida entrava no tepidarivm, recinto de ar levemente aquecido; dali passava para o calidarivm, onde o ar era muito mais quente; e se desejava transpirar, ia para o laconicvm, ambiente de vapor superaquecido. Depois mergulhava no banho e lavava-se com sabão feito de sebo, essências de perfumes e cinzas vegetais. 48. Esses recintos quentes deram aos banhos o seu nome Graecvs, Thermae; uma tentativa para impedir ou combater o artritismo. Depois do banho quente vinha o banho frio, no frigidarivm e natação na piscina. Por fim era esfregado com óleos de oliva e outros para recuperação da oleosidade da pele que o banho eliminava. O banhista continuava na Thermae depois da massagem, pois que lá haviam clubes, salas de jogos, tais como da18


TRICLINIVM

PHILOSOPHO

dos e xadrez, galerias de pinturas e escultura. Nas exedrae - recantos, amigos se sentavam para longas conversas em grego e latim, pois os Romanos eram bilíngues. Havia uma pedra da capadócia tão translúcida que um templo com ela construído conservava-se suavemente claro ainda que com todas as aberturas fechadas. 49. Bibliotecas, salas de leitura e salões onde um músico ou poeta davam um recital ou um philosopho explicava o kosmos. Eram nos banhos que os dois sexos misturavam-se livremente em alegre e polido convivivm, com flertes ou discussões. Ali, como nos jogos públicos e nos parques, os Romanos davam largas à paixão pela conversa e punham-se a par de todas as novidades da política e do escândalo. Podiam ainda jantar nos restaurantes das Thermae, mas em sua maioria jantavam em casa. 50. Plinivs, o moço, faz uma descrição de sua casa de campo em lavrentivm, na costa do lativm: um pequeno pórtico abrigado por envidraçados e calhas... Uma bela sala de jantar com vista para a praça e tão clara em suas amplas janelas que davam para três direções, como se fossem três diferentes mares, um atrivm cuja perspectiva acaba na floresta e na montanha, duas salas de estar; biblioteca semicircular cujas vidraças recebem o sol o dia inteiro; dormitório e diversos quartos de criados. Na ala oposta, elegante vestiário, um frigidarivm com três banheiros com águas de temperaturas diferentes e um calidarivm, ou banho quente e tudo com aquecimento central. 51. Fora havia piscina de natação, campo de bola, jardins, estúdio, salão de banquete e torre de observações com dois apartamentos e sala de jantar. Digam-me agora, concluiu plinivs, se não tenho razão de passar meu tempo nesse agradável retiro. Em uma villa Romana, existia o Peristylivm, um pátio aberto, plantado de flores e arbustos enfeitado de estátuas, fonte e com piscina ao centro e pórtico dos quatro lados, dispunham-se de frente para esse pátio, o triclinivm, sala de jantar, o oecvs - casa para as mulheres, a pinacotheca, para os objetos de arte, bibliotheca, para os livros e o lararivm, para os deuses caseiros; também havia outros quartos de dormir e as pequenas alcovas 19


PERISTYLIVM PLINIVS

exadrae - recantos de sentar. 52. Algumas das principais famílias tiravam o nome das plantas que de preferência cultivavam; os lentvli, caepiones, fabii de lentilhas, cebolas e favas. A cultura do trigo, da oliva e da uva foi gradualmente superando a dos cereais. O óleo de oliva tomou o lugar da manteiga no regime alimentar e do sabão no banheiro, servia como combustível nas lâmpadas e era o principal ingrediente nas pomadas defensivas contra a ação dos ventos e do sol do mediterrâneo. Criação favorita era o carneiro, pois que os italiotas davam preferência às roupas de lã. Nos quintais criavam-se galinhas e porcos, e todas as famílias dispunham de um jardim de flores. 53. Os Romanos eram basicamente vegetarianos e alimentavam-se principalmente de grãos, laticínios, frutas, verduras, inclusive aspargos e alcachofras, nozes, castanhas. Plinivs, o velho, arrola um enorme sortimento de verduras. A carne de porco ou embutidos era vendida grelhada nas ruas, em fogões portáteis. Nas casas, durante as refeições, os homens e mulheres reclinavam-se. O triclinivm, ou sala de jantar, tinha esse nome porque, em regra, continha três divãs ao redor da mesa. Com a cabeça apoiada no braço esquerdo e este em um coxim e o corpo estendido ao longo da mesa. 54. A casa aristocrática dos Romanos tal qual descrita por vitrvvivs era dividida em duas partes: a primeira agrupada ao redor do atrivm, a segunda ao redor do Peristylivm. A típica casa Romana diferia da casa moderna no seguinte: I) olhava o interior e não como as casas atuais o exterior. Ar e luz penetravam através dos dois espaços abertos ao redor dos quais as partes da casa estavam agrupadas. II) os diferentes aposentos eram usados para uma só finalidade; o cvbicvlvm como dormitório, o triclinivm como sala de jantar, o tablinvm como recepção etc. III) não possuía janelas externas, as quais eram raras, pequenas e irregularmente dispostas. IV) não se adentrava a casa Romana por uma porta direta para rua, tal qual as casas atuais. V) o vestibvlvm, por onde se adentrava, possuía escadas, não fazia parte do corpo principal da casa, sendo construído entre a casa e a rua. Estátuas, arcadas de colunas decoravam o ambiente e aqui os clientes recebiam a salvtatio matvtina. 20


PERISTYLIVM

Existiam diversos tipos de atrivm. O Peristylivm, a parte mais interna da casa Romana, consistia de um jardim circundado por uma colunada coberta de dupla altura. Nos aposentos ao redor, dormitórios, triclinivm, salas de recepção, excedrae, uma enorme sala de jantar comunal – oecvs corinthivns –. O isolado jardim era cuidadosamente tratado com ervas e flores plantados em linhas simétricas particularmente rasas, violetas e lírios. Mesas de mármore, estátuas, colunas e lajes com relevos. Os ornamentos se localizavam ao longo das trilhas. Numerosas fontes e uma piscina em forma de canal – evripvs – e uma mesa de pedra para refeições eram as atrações do local. Nos dormitórios existia uma antecâmara aonde dormia um serviçal de confiança – servvs a cvbicvlo –. No dormitório o teto sobre o leito era rebaixado e sempre em forma de abóboda. O mosaico do local destinado à cama era branco, com uma borda decorada separando do mosaico circundante. 56. Na cozinha existia uma pia – conflvvivm –, com água e torneira, um forno e um fogão a lenha. A cozinha era pequena e sem lugar fixo na casa. Muitas vezes em um fogão improvisado os Romanos preparavam seu jantar no atrivm ou, então, ao ar livre. Tal qual os heróis homéricos que viviam em esplêndidos palácios sem cozinhas. 57. O interior de um aposento era decorado de acordo com o seu uso. Artesões decoravam os pisos, tetos e paredes das salas de recepção. As paredes eram pintadas com cores brilhantes usando motivos florais, arquitetônicos, cúpidos diversos e cenas de caça. Os tetos das casas mais magníficas tinham seus relevos em ouro ou marfim. Aonde os tetos eram em abóbada feitas de gesso com uso de moldes decorativos ou esculpidos com os dedos, enquanto o Material ainda úmido era colocado. Os assuntos representados eram escolhidos pelos temas agradáveis. Cenas rurais, sacrifícios aos deuses, detalhes mitológicos ou motivos ornamentais de todo tipo; rosetas, vitórias aladas, candelabros, grifos e relevos de cabeças barbadas. Os pisos de mosaicos eram estupendos com o uso dos Materiais mais caros, inclusive pedras preciosas como o onyx, mármores raros, cristais e até cubos de ouro puro e os motivos de acordo com o apo55.

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BIBLIOTHECA VESTIBVLVM

sento. Peixes, tritões e cenas de rios nas salas de banho; cão de guarda no vestibvlvm, animais mortos ou cenas de festim no teclinivm. 58. Nas suas vilas, existiam dois edifícios; na villa rvstica se alojavam os escravos sob o controle do vilicvs, um escravo de confiança que controlava a família rvstica. O proprietário ficava em um prédio separado e distante, a villa vrbana. A villa rvstica possuía dois pátios, um interno e outro externo ambos com sua piscina – tanque de água –. Junto ao pátio externo havia uma oficina e cozinha, ponto de encontro dos serviçais. Ao lado, para utilizar o calor, se localizavam os banheiros e estábulos de bois e cavalos. O galinheiro ficava próximo do fogo, pois que a fumaça era considerada saudável para as galinhas. Distante da cozinha, com face para o norte, estavam os compartimentos que solicitavam o seco: paiol – granaria –, celeiro – horrea –, o paiol de frutas – aporothecae –, o paiol de debulhação – nvbilarivm – e o galpão das carroças e implementos agrícolas – plavstra. 59. A villa vrbana era posicionada em um ponto aonde uma grande vista dos campos ou do mar pudesse ser apreciada, era prédio puramente luxuoso, sem nenhum objetivo ou função prática; na sua complexidade de riqueza de seus aposentos refletia os gostos e riquezas de seu proprietário. Algumas vilas não possuíam terras agrícolas, sendo cercadas por florestas, parques e jardins. Tais vilas, às vezes chamadas Praetoria, são encontradas na Itália, França, Sviça, Inglaterra, sul da Alemanha e norte da África. Os mais importantes componentes da vila eram: I) triclinia, cenationes – salões de refeições para verão e inverno com amplas janelas para jardins e campos –. II) cvbicvla divrna – aposentos para descanso ou estudos diurnos, com uma antecâmara - procoeton. III) bibliotheca e zotheca - cvbicvlvm adjacente à biblioteca com estátuas e cama para estudos e repousos. IV) Thermae: apodyterivm, caldarivm, tepidarivm, frigidarivm – quarto de vestir –, banho quente, banho morno, banho frio, bem como piscina e para exercícios ou gymnasivm ou sphaeristerivm. V) ambvlationes, gestationes: a primeira, arcadas de colunas cobertas para andar a pé e a outra, arcadas mais largas e extensas 22


LECTVS

LVCERNAE

para exercícios hípicos ou passeios de liteira. 60. A vila era sempre circundada por um hortvs rvsticvs – jardins –. No restante da área havia o xystvs – grupos de árvores raras: pinhos, loureiros e outras árvores alternadas por jardins de flores e arbustos podados em formas geométricas com trilhas ao longo das quais estátuas, fontes e bancos eram pontos de distração. Os aposentos de uma residência Romana não tinham a quantidade de móveis de hoje. Com exceção do atrivm, triclinivm e excedrae, os aposentos eram de pequenas dimensões. Numerosas cellae eram utilizadas como armários ou almoxarifados. Os seguintes itens eram os mais importantes no mobiliário Romano: lectvs – camas –, as quais existiam em maior quantidade do que hoje em dia. Além do lectvs cvbicvlares – cama de dormir –, haviam os lectvs lvcvbratorivs – usados como camas de estudo e sofás –. A cama de dormir era mais alta que a nossa e a ela se chegava por uma escadaria. Existiam três tipos de cadeira: scamnvm svbselivm – um banco com quatro pernas –; a Sella – um banco com apoios de braço e sem encosto –; e a cathedra, com um alto e curvo encosto para uso de mulheres ou com encosto reto para uso de magistrados. Nenhum item do mobiliário Romano apresentava tanta variedade quanto a mensa – mesa –; desde a mais simples até as que custavam uma fortuna, decoradas de maneira elaborada e com Materiais preciosos. Tais mesas luxuosas possuíam duas partes distintas, o suporte central – trapezophorvs – e o topo – orbis –; o trapezophorvs era de metal ou marfim, muitas vezes com um formato de um homem, esfinge ou animal. A orbis era feita de madeira preciosa, a mais preciosa das quais o citrvs, um cipreste das montanhas atlas ou de mármore ou pedra. Existiam três sistemas de iluminação: taedae – tochas –; candelae – mechas –; e lvcernae – lâmpadas de óleo –. As lâmpadas de óleo ou candeiros Romanos são bem conhecidas e eram colocadas em um pequeno tripé para leitura ou em peças maiores, com vários candeiros. Lanternas, tais quais as nossas, eram amplamente usadas. O fogo era protegido nas laterais por osso transparente – lanterna córnea – ou, então, pergaminho – lanterna de vésica ou vidro. 23


PATELLA

ACETABVLVM

Refeição ao ar livre era comum. O repositorivm era uma mobília especial para colocação dos pratos com alimentos. Ao lado de cada leito havia uma mesa redonda com acetabvlvm – garrafa de vinagre –, pote de sal, vinho e pratos. O serviço era oferecido por pagens, os quais eficientemente realizavam suas tarefas inicialmente com a oferta do mappa – guardanapo –. Os convidados seguravam com a mão esquerda a patella – prato –. Antes de ser servida, a comida era cortada por um escravo – scissor –, em pequenos pedaços – pvlmenta –. As colheres – cochlear – tinham variadas formas, dependendo de seu uso. As taças possuíam formas variadas, muitas vezes no formato de um barco ou corno. O costume Romano era tomar o vinho morno, misturado com água quente. Os convidados se vestiam com uma beca solta – synthesis – e soleae – sandálias –. Guirlandas de flores ao redor do pescoço e lavandas perfumadas eram usadas pelos convidados. Um rex convivii e ou um arbiter bibendi decidiam as proporções da mistura de água e vinho e quando se iniciavam as beberagens. Inúmeros brindes eram feitos aos convivas e mulheres. A maneira comum do brinde consistia em tomar uma taça de uma só vez, encher a taça e mandá-la ao brindado. Nestas ocasiões alegres a inevitabilidade da morte era um aviso e um convite. Muitas vezes as taças possuíam decorações macabras. O mosaico de um triclinivm Romano possui uma enorme caveira embaixo da qual está escrito: conhece-te a ti mesmo. Os banquetes se iniciavam na hora nona - três da tarde e atravessavam a madrugada. Os escravos do banquete eram divididos de acordo com suas habilidades e boa aparência. Os ministri eram os de melhor aparência e serviam o vinho, cortavam as comidas e faziam suas funções polidamente. Suas roupagens eram coloridas e seus cabelos longos e cacheados. Os escravos que atendiam os serviços mais pesados tinham roupas simples e a cabeça raspada. Os scoparii recolhiam os restos. Cada convidado trazia um escravo pessoal, pver ad pedes, jovem e bem apessoado, o qual atendia solicitações de seu senhor. Um tricliniarcha, com experiência em etiqueta era comissionado pelo anfitrião para superintender o curso da festa. A cena se dividia em três partes: I) gvstatio – pratos leves e aperi61.

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TRIMALCHIVS

tivos –. Mvlsvm – uma mistura de vinho e mel – era bebido nesta fase, bem como pratos à base de ovos usados no início e no término da festa. II) a cena propriamente dita, dividida em prima, secvnda, tertia, cena, durante a qual se bebia vinho. III) secvndae, mensae – sobremesa – durante a qual comida seca e salgada era servida para aumentar a sede e o consumo de vinho. No intervalo entre a cena e secvndae, mensae, as estátuas dos lares eram trazidas e homenageadas com libações e palavras de bom agouro. O artesanato culinário era elevado a detalhes em que um tipo de comida parecia ser outro. Em uma festa de trimalchivs os convivas descobriram que o ganso circundado por peixe e pequenos pássaros era inteiramente feito de porco; fala o anfitrião que seu cozinheiro era capaz de transformar um estômago de vaca em peixe, toucinho em pomba, uma bisteca em galinha. Além da conversação a qual era relaxante favorito dos Romanos, plinivs, o velho, conta dos lector - leituras por escravos, as mais desejadas; como comoedvs - declamação em voz forte e gestos extravagantes ou performances musicais - lyristae e ou choravles - cantores regiamente pagos. Insolentes bufões e as sensuais danças das jovens gaditanae - ao som de crotalistriae - castanholas e rodopios de cinaedi - dançarinas afeminadas ou petanristarii - acrobatas. Finalmente, os moriones – idiotas ou anões – cuja crueza alegrava o banquete. Quanto mais estúpidos maior o seu valor. Apophoreta – presentes –, regalos distribuídos por sorteio e cuja diferença de valores grandemente excitava o sorteio. 62. Nos banquetes apareciam iguarias raras. Começavam às quatro horas da tarde e iam até o dia seguinte. As mesas semeadas de flores e folhas de salsa, o ar vaporizado de perfumes exóticos, os divãs bem aquinhoados de coxins macios, os servos de libré a postos. Entre o gvstatio – aperitivo –, com taças de ouro e a sobremesa – secvnda mesa –, com doces e salgados, vinham os pratos de luxo de que se orgulhavam o anfitrião e o cozinheiro-chefe. Favas, lentilhas, grão de bico, feijões, verduras, frutas, aves, embutidos e peixes raros, que tanto falavam ao paladar como à curiosidade. 63. Para recreio adicional dos hóspedes, o peixe, alimento favorito dos Romanos, deve ser trazido vivo 25


BACCHVS

APÍCIVS

e cozido diante de seus olhos, a fim de que todos gozem a mudança de cor no peixe. Havia o caviar, pois que existia abundância de esturjão nos rios padvs e avfidvs. Enguias e caracóis eram considerados quitutes. Asas de avestruz, línguas de flamingo, carnes de aves canoras, fígados de ganso, os pratos de banquete, não do dia a dia e vegetariano. Apícivs, famoso epicurista, inventou o patê, feito com fígado de porcas submetidas a um regime de figos. Apícivs esbanjou grande fortuna em extravagâncias e quando a viu reduzida sua fortuna, suicidou-se, deixando uma obra clássica de gastronomia de re coqvinaria. 64. Era possível aliviar o estômago com um emético depois de pesado banquete. Alguns glutões faziam-no ainda durante a festa e voltavam à mesa para continuar; - vomvnt vt edant, edvnt vt vomant, disse sêneca, - vomitam para comer, e comem para vomitar; tal conduta, porém, era exceção. Mais agradável o costume de oferecer presentes aos convivas ou aspergi-los com flores ou perfumes caídos do teto, ou diverti-los com música, dança, poesia e representações. A conversa animada pelo vinho e estimulada pela presença do outro sexo arrematava a noite. Bacchvs, - se bem-vindo tu que alegra nossa anima e nos torna felizes. 65. Muito numerosos eram os olivais e mais ainda os vinhedos, belamente dispostos em terraços nas encostas dos montes. A Itália produzia 50 famosos tipos de vinho, dos quais só Roma consumia mais de dois litros per capita semanalmente. Os instrumentos e métodos agrícolas eram na essência os mesmos que se conheciam já de séculos. Arado, pá, enxada, forcado, ancinho, foice, ferramentas que conservam a mesma forma de três mil anos atrás. O trigo era processado em moinhos girados pela ação da água ou músculo animal. Usavam-se bombas e rodas hidráulicas para esvaziar minas ou abastecer canais de irrigação. O solo era protegido pela rotação das culturas, pela adubação com esterco animal e plantio de leguminosas, a alfafa, trevo ou feijões. Muito desenvolvida a seleção de sementes. Nas terras boas da campania e no vale do padvs obtinham-se três e até quatro colheitas por ano. 66. Os alfafais davam de quatro a seis cortes anuais 26


ABRICOT, DAMASCVS

durante um decênio. Quase todas as verduras eram cultivadas, algumas em estufas para uso no inverno. Abundavam frutas e nozes. Generais, negociantes Romanos e mercadores de escravos haviam trazido mudas e sementes de toda parte; o pêssego da pérsia, abricot da armênia, cereja do Pontvs, ameixa-rosa de damascvs, ameixa amarela e avelã da Ásia minor, a castanha da Graecia, o figo da África. Hábeis horticultores haviam enxertado a castanha em cavalos de árvores; a ameixa no plátano, a cereja no elmo. Graças ao zelo de nossos lavradores, enumera plinivs, vinte e nove variedades de figos são cultivadas na Itália. Os italiotas aprenderam a cultivar frutas de quase todo o mundo e transmitiram essa arte à evropa inteira. Boa parte da península dedicava-se à indústria pastoril. As terras e escravos baratos tinham emprego na criação de bovinos, carneiros e porcos. 67. Muita atenção se dava à zootecnia científica. Criavam-se cavalos para a guerra, para caça e os esportes, raramente para a carga. A puxada dos carros fazia-se com o boi e para o transporte em lombo havia os muares. Três tipos de leite: de vaca, de cabra e de ovelha, davam os excelentes queijos itálicos, como os que temos ainda hoje. Os porcos criavam-se debaixo dos castanheiros e das carvalheiras; diz strabvs que Roma vivia principalmente de porcos engordados nas florestas de carvalho do norte da Itália. A criação de aves fertilizava as hortas e ajudava na alimentação da família e a de abelhas fornecia o mel. Se juntarmos ao quadro as culturas de cânhamo e linho, um pouco de caça e muito pescado, teremos a figuração do interior italiano há vinte e um séculos; a mesma que hoje. 68. Da Sicília vinha trigo, vinho, gado, peles, lã, mobília fina, estatuária, jóias; do norte da África, trigo e óleo; da cirenaica, o silfio usado na medicina graeca; da África central, feras para a arena; da etiópia e da África central, marfim, macacos, mármores raros, cascas de tartaruga, obsidiana, especiarias e escravos negros; da África Romana, animais, limão, pérolas, madeira, matérias cortantes, cobre; da Hispania, peixe, gado, lã, ouro e prata, chumbo e estanho, ferro, trigo, linho, cortiça, cavalos, presuntos, toucinho defumado, ótimas azeitonas e melhor azeite; da Gallia provinham roupas, vinho, trigo, 27


GRAECIA

madeira, gado, aves, objetos de cerâmica e queijos; da britannia, chumbo, prata, estanho, couros, gado, trigo, ostras, cães, escravos, pérolas e objetos de madeira. Bandos de gansos chegavam tangidos da Gallia Bélgica até Roma para abastecer com seus fígados os estômagos aristocratas. 69. Da Germânia, escravos, âmbar e peles; do Danvvivs, trigo, ferro, gado, prata e ouro; da Graecia e ilhas, roupa branca, vinho, óleo, mel, madeira, mármore, drogas, esmeraldas, obras de arte, perfumes, diamantes e ouro. Do mar negro vinham trigo, peixe, peles, couros, escravos; da Ásia minor, panos finos de linho e lã, vinho, pergaminho, figos de smyrna e outros, locais, mel, queijo, ostras, tapetes, óleo, madeira; da síria, vinho, linho, vidro, óleo, maçãs, pêras, ameixas, figos, tâmaras, romãs, nozes, nardo, bálsamos, púrpuro de tiro e cedro do Líbano; de palmira, tecidos, perfumes, drogas. 70. Da Arábia, incenso, goma, aloes, mirra, láudano, gengibre, canela e pedras preciosas; do aegyptvs, papel, linho, trigo, jóias, basalto, alabastro e pórfiro. E procediam artigos e produtos de mil espécies de Alexandria, sidon, tiro, antioqvia, tarso, rhodes, miletvs, ephesvs e outras grandes cidades do oriente; enquanto o oriente recebia matérias-primas e dinheiro do ocidente. Havia, além disto, uma forte importação de produtos extra-império. Da Parthia e da pérsia, vinham gemas e essências raras, marroquim, tapetes, feras e eunucos. Da china, através da Parthia, da índia ou do cávcaso vinha a seda, crua ou manufaturada; os Romanos julgavam que a seda fosse um produto vegetal e pagavam-na a peso de ouro. Essa seda ia para kos, onde era tecida para uso das damas; foi vestida com tais sedas transparentes que Cleópatra seduziu Caesar e Antonivs. 71. Os chineses recebiam do império, tapetes, jóias, âmbar, metais, drogas, tintas e vidros. Da índia vinham pimenta e outras especiarias, ervas, marfim, ébano, sándalo, índigo, pérolas, ônix, ametistas, carbúnculos, diamantes, produtos de ferro, cosméticos, tecidos, tigres e elefantes. Para avaliarmos da importância desse comércio basta sabermos que a Itália importava mais da índia do que de qualquer outro país, exceto a Hispania. De um só porto do aegyptvs, diz strabvs, partiam anualmente 28


FLABELLVM

TVNICA

para a índia cento e vinte navios. Já a índia comprava pouca coisa da Itália, algum vinho, metais e púrpura. Em pagamento do resto de sua exportação recebia barras de ouro ou moeda. 72. A roupa do homem Romano consistia de um camisão de linho - tvnica interior, a tvnica de lã, a toga e uma capa. A moda não permitia estar dicincti – sem cinto –. A mulher usava a fascia pectoralis para suporte dos seios; a tvnica interior, a toga e uma sobrecapa. Olim toga fvit commvne vestimentvm et divrnvm et noctvrnvm et mvliebre et virile. A matrona usava stola – vestimenta comprida usada com cinto – ou a palla. Homens e mulheres usavam o mesmo tipo de calçado: em público o calcei vermelho preso por quatro tiras de couro e fechado em cima por uma ligola – língua de couro decorada por uma fivela de marfim –. Em um banquete usava-se a sandália, presa por tiras de couro em volta. 73. Outros tipos de calçado eram a acaliga – sandália militar – e a scvlponea, um tamanco com sola de madeira usado pelos escravos e camponeos. Os artigos de vaidade feminina eram as jóias em grande variedade, broches, pentes, tiras de couro e pedras preciosas insertadas nos cabelos, braceletes, gargantilhas. Os brincos chamavam-se crotália pelo barulho que faziam devido ao seu grande número; leque – flabellvm – e a vmbella – parasol – carregados pelo escravo. Os antigos Romanos usavam grandes cabelos, barbas e bigodes, rústicos, dignos e não cuidados. A partir do século II AC o hábito de cortar o cabelo e barbear-se ficou comum, com exceção dos philosophos e estóicos. A navalha aparece desde a mais remota antiguidade entre os italiotas. Scipivs africanvs, amantes de novidades, iniciaram a moda do barbear-se diariamente. Geralmente, o Romano mantinha uma barbvla as quais os grandes prestavam acusado cuidado. Após os quarenta anos não se usava mais a barba pelo aparecimento de cabelos brancos. Escravos usados em tarefas muito dignas usavam cabelos longos; os outros escravos usavam o cabelo raspado. As mulheres nunca usavam cabelos curtos e sempre se adornavam com complicados penteados. 74. O dia do casamento era escolhido com enorme cuidado entre dias fas e nefas. Maio era considerado es29


DEDVCTIO

pecialmente nefasto e a época mais propícia era a segunda metade de junho. Nas vésperas de seu casamento as noivas dedicavam seus brinquedos a lares; durante a cerimônia a noiva era assistida por uma pronvba a qual tinha que ser vnivira - ter se casado uma única vez. A pronvba colocava juntas a mão direita de cada cônjuge, os quais faziam silenciosa e mentalmente promessas de harmonia. O dedvctio, cerimônia após as festas nupciais, consistia numa tentativa simulada de estupro, através da qual a memória do rapto das sabinas era lembrada. Seguia uma procissão para a casa dos noivos; conforme ela entrava na casa era recebida na porta pelo noivo e a ele dizia, - vbi tv Gaivs, ego gaia. Com receio que a noiva pudesse tropeçar aqueles que estavam acompanhando a carregavam da porta em diante para que a superstição não desse forma a um mal agouro. 75. Os Graecis viviam numa casa, os Romanos em um lar. Um Graecvs diria, - a cidade treina o homem; um Romano diria, - a família treina o homem. Como o Graecvs se entregava ao mar, o Romano dava-se à terra, tinha o exército e o estado em perpétua prontidão para a defesa e o aumento de suas posses. Desde os mais longínquos tempos, a família Romana provia a cada um de educação e moralidade, em uma comunidade que não conhecia escola ou igreja. O pater familias tinha na manvs - mão, toda a família; a qual incluía esposa, filhos, dependentes - clientes e propriedades. Sobre eles exercia poder e por toda vida. Patria potestas inclui poder de vida e morte, vital necisqve potestas: um pai matou o filho que tinha participado da conspiração de catilina. 76. Tal poder nada tinha a ver com o despotismo oriental, pois que um pai Romano antes de tomar uma decisão consultava a um conselho de parentes e seguia a decisão do conselho. Como o chefe de família tinha que ser um varão, o pai de família adotava um filho, se não tivesse um. Filhos de seus filhos ou dos irmãos eram nascidos dele - agnati, mas filhos de suas filhas ou irmãs nasciam dele - cognati, e legalmente pertenciam à família de seus pais ou maridos. No âmbito da casa, as mulheres, especialmente a Mater familias ou matrona, tinham grande influência na política famíliar. Diferen30


PHILOSOPHIA

MATRONA

temente das mulheres da Graecia, a senhora Romana efetuava suas tarefas diárias na sala principal do lar, atrivm, e não em reclusão oriental. 77. Suas ocupações principais eram os filhos, administrar a casa e tecer a lã para as vestimentas da família; ela frequentava os festivais religiosos ou banquetes e tinha absoluta liberdade social e, pela antiga lei das doze tábuas, tinham inclusive direito à propriedade. Aonde tu és mestre eu sou matrona; vbi tv Gaivs, ibi gaia. Haviam vários tipos de casamento. O casamento era uma instituição baseada na tradição e relativo aos indivíduos, nada tendo o estado a ver com a sua regulação. Também o mesmo ocorria com a educação, um assunto estritamente da família e pela família operacionalizada. 78. O maior objetivo da educação era a formação do caráter mais do que a aquisição de cultura e a maior influência nesta formação era a própria família e clã que tutorava tal influência; as qualidades objetivadas eram a gravitas, continentia, indústria, diligentia, constantia, benevolentia, pietas, simplicitas e, acima de tudo, virtvs - impecabilidade. A mãe era responsável pelo treinamento inicial e o pai, o filho acompanhava, a partir de certa idade, nas suas funções como observador e auxiliar; o filho também recebia treinamento básico, militar e físico, do pai. 79. Além do essencial em aritmética e da geometria necessária para medir um campo e traçar a planta de um templo. O menino contava nos dedos - digita, e os algarismos empregados eram imitações de um dedo estendido, o I; da mão aberta, o V; de duas mãos abertas e unidas pelo pulso, o X; os outros algarismos formavam-se pela repetição desses símbolos, II e III e pela pré ou posposição de um ao outro: IV, IX, VI, XII. Diminuindo o V ou aumentando. Dessa aritmética de dedos saiu o sistema decimal, composto de partes ou múltiplos de 10. 80. Não haviam escolas em Roma até 250 AC. Dizia Cato, o velho, que a grandeza de Roma persistiria enquanto a esposa e filhos fossem sagrados. Na época de Caesar, as mulheres Romanas agiam com a mesma liberdade dos homens. Vestiam-se das diáfanas sedas da índia e china, procuravam afirmação no estudo; aprendiam o Graecvs, estudavam philosophia, compunham 31


CAMPVS MARTIVS TITVS LIVIVS

versos, faziam conferências, cantavam, dançavam, mantinham salões literários. Outras entregavam-se ao comércio, praticavam a medicina ou dedicavam-se às leis. 81. O que todas as gerações têm ouvido, nascido em 59 AC, Titvs livivs, diz: - se tivéssemos, todos nós, mantido nossa autoridade dentro do lar, não estávamos nesta luta com nossas mulheres. O quadro agora é este: nossa liberdade de ação, já anulada em casa pelo despotismo feminino, está sendo apisoada e esmagada aqui no fórvm. Lembrai-vós de todas as regulações relativas às mulheres, com que nossos antepassados lhes dominaram a soltura e as puseram obedientes aos maridos; nada dessas restrições pode dominá-las completamente. Se agora permitis que se revoguem essas últimas e as pondes em pé de igualdade com os maridos, achais que será possível suportá-las? Assim que se tornarem vossas iguais elas se tornarão vossas dominadoras. 82. Um homem que não soubesse nadar era tão raro como alguém que hoje não saiba andar de bicicleta. A natação no mar era uma coisa banal e as praias no verão ficavam cheias. Não existiam esportes de inverno. No Campvs Martivs a juventude Romana praticava hipismo, dirigia em grande velocidade charretes e praticava a luta Romana. Danças eram populares em Roma; consistia mais em saltos e a dança chamava-se saltatio. A dança era um prazer, mas também uma exibição e ninguém pensava em dançar senão dominasse a técnica. As boas maneiras eram essenciais. Ninguém pedia nada sem falar sis, qvaeso, ne graveris - por obséquio, por favor. 83. A sociedade Romana apesar da rigidez da etiqueta tinha uma liberdade para falar que não seria tolerada hoje. As críticas eram feitas abertamente. Os ambiciosos, vazios, cúpidos etc. Não tinham como escapar de críticas; o ridículo era usado como forma educativa, a malícia Romana não perdoava. Cato dizia de caelivs: - por uma casca de pão ele pode ser contratado para falar ou ficar silencioso. Um dos alvos preferidos eram os pretenciosos e ávaros. Jvnivs bassvs espalhou o rumor que domitia vendia seus sapatos usados. Ela foi tirar satisfações e bassvs, se desculpando, explicou que nunca tinha dito que ela vendia os usados, mas, sim, que os comprava. 32


MÁXIMVS TARQVINIVS

Por meio da pintura e da escultura, a aristocracia Romana comemorava suas vitórias e exaltava sua linhagem; a Plebs tinha música, dança, comédias e jogos. As estradas e lares italianos ressoavam de cantorias; os homens cantavam nos banquetes, os meninos e meninas cantavam em coro nas procissões religiosas, noivos eram acompanhados com cantos e cada cadáver descia à cova ao som de cantos funebres. Instrumento mais popular, a flauta, mas a lira também tinha aficcionados e era ao som da lira que se recitavam versos. Por ocasião das grandes festas, os Romanos enchiam dois grandes anfiteatros, o circo máximvs atribuído ao primeiro rei Tarqvinivs e o circo Flaminivs de 221 AC abrigavam, sem qualquer pagamento, quem quer que viesse tomar assento. 85. Tinham se passado quatro séculos da época em que a habitação era construída em madeira e coberta por um teto de palha ou de pedregulhos, a casa formava um quarto de habitação quadrado, que deixava sair a fumaça e entrar a luz por uma abertura no teto - cavvm aedivm, a qual correspondia a outra abertura no solo para o escoamento da chuva. Sob este teto enegrecido, atrivm, preparava-se e tornava-se o alimento; e aí que se adoravam os deuses da casa e que se erguiam tanto o leito nupcial como o caixão do morto; é aí que o homem recebe seus convidados e a mulher fia a lã no meio de suas criadas. O espaço descoberto entre a porta da casa e a rua, que tirou seu nome, vestibvlvm - lugar para se vestir, da circunstância de que os Romanos andavam em suas casas com suas túnicas e não enrolavam a toga em volta de si mesmos senão quando saíam. 86. O desenvolvimento de uma civilização é condicionada por fatores geográficos: suas terras e seu acesso ao mar. No caso dos italiotas, foi a mãe terra que alentou e educou seus inícios; o rigor do treinamento foi acentuado pelo caráter montanhoso das terras. Os Appenninvs são a Itália. Não são montanhas inóspitas, mas criaram uma dificuldade de locomoção que resultou na grande diversidade humana até hoje existente. A grande planície transpadana, Gallia Cisalpina para os Romanos, está separada da Itália peninsular pelos Appenninvs, ali direcionados quase que a leste oeste para o encontro com os alpes após os quais a leste está a raetia, noricvm e 84.

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LIGVRIA

pannonia, acima do illyricvm e, à oeste, a Gallia. Torcendo-se para o sul os Appenninvs atravessam a Itália em três quartas partes do seu comprimento. 87. No setor norte formam uma contínua e estreita cadeia montanhosa, mas ao atingir o adriático quebram-se em séries paralelas de cumes de calcário que atingem até mais de dois mil e seiscentos metros, divididos por estreitos desfiladeiros. Mais ao sul, no calcanhar da península, as serras são mais brandas até que o cerne de calcário dá lugar ao granito, coberto pelas florestas do promontorio de brvttivm, nome oriundo da tribo dos brvttii. Hoje Calábria, ponta da bota, em frente à ilha chamada de Trimacria, agora Sicília. A cúspide da cadeia de montanhas encontra-se bem mais próxima da costa no adriático do que das praias a ocidente; de fato, encosta no mar a ponto de ser difícil, ali, até de abrir uma estrada. 88. O contorno do terreno somente se abre no altiplano da apvlia. Fora os trigais do vale do rio avfidvs, a costa adriática tem pouca terra fértil e escassos portos, sendo acessível por terra somente a partir da foz e planície do rio padvs; além disto, o regime dos ventos cria um clima úmido e frio como que a natureza tivesse planejado que os italiotas devessem facear o oeste, aonde a situação geográfica é outra. 89. Ao sul das irregulares montanhas da Etrvria delineadas pelo Arnvs e pelo Tiberis, o altiplano central dos Appenninvs se aproxima das costas ocidentais indo para as colinas dos Volsci, porém abrem ao norte e no sul, um largo espaço para as grandes planícies do lativm e da campania. Aqui o clima é ameno, grande a fertilidade do solo, enriquecido por cinzas vulcânicas e servido por generosas águas. A terra e seus habitantes aqui se refrescam nos ventos sudoeste, oriundos do mare nostrvm. 90. Traços do homem rupestre de duzentos mil anos são encontrados nas cavernas da Ligvria, aos pés dos Appenninvs e nas redondezas de Roma. Tais rupestres eram de linhagem mediterrânea, vivendo inicialmente em grotas, mas lentamente se assentando em aldeias sobre palafitas. Os habitantes destas aldeias eram caçadores e também pastores que domesticaram cabras, 34


VERGÍLIV

ovelhas, bois, jumentos e o cachorro. Suas ferramentas incluíam o obsidivm, uma rocha vitrosa proveniente de Lipari, na costa noroeste da Sicília. Sua cerâmica tem desenho impresso e simples. 91. Tinham inventado uma agulha com furo que permitia a confecção de roupas. Uma aldeia típica desta época situa-se na Lagozza di Besnate, próximo a Varese, palafitas a margem das águas. Os caçadores rupestres abatiam ursos, gamos e alces, e pescavam. Criavam aves domésticas, inclusive o pato, e o cavalo usado para arrasto tinha uso constante. O linho, feijões, lentilhas e dois tipos de trigo, junto com frutas rupestres, tais como avelãs, nozes, peras e maçãs foram encontradas em seus povoados. 92. Trabalhavam em madeira, ossos, chifres, bem como a partir de uma certa época, com bronze e têxteis. A descoberta de pentes sugere interesse na aparência pessoal e a escassez de armas, a inexistência de guerras. Cremavam seus mortos e falavam línguas aparentadas do vedico-sanscrito, mantendo inclusive ligações com a área do rio Danvvivs - danúbio, denotando uma longínqua origem. Os rupestres do lativm e da campania eram mais atrasados e recebiam influência cultural da região norte. Todos, porém, com aquela natural integridade rupestre, muitos traços dos quais remanesceram nos Romanos, bem como em povos de longa tradição. 93. Na remota antiguidade o sul da Itália chamava-se Avsonia. Seus habitantes, avsones, vizinhos das tribos dos osci, sioicini e avrvnci, cujos principais centros foram: svessa avrvnca, mintvrnae, sinvessa e cales. Da Itália disse plinivs, o velho: - no mundo inteiro, por onde quer que a abóboda celeste se estenda, não há terra tão linda. Vergíliv disse: - a primavera aqui é eterna e também o verão, mesmo nos meses não estivais. Duas vezes por ano o gado dá cria, duas vezes as árvores nos oferecem seus fructos. Duas vezes florescem as rosas em paestvm e há no norte muitas planícies como Mantva que alimentam os cisnes brancos com verdura marginal dos córregos. 94. O historiador Polybivs se maravilhou da barateza e abundância da Itália em alimentos, comentando que a quantidade e qualidade das colheitas dependiam 35


ARISTÓTELES

apenas da coragem e vigor do agricultor. Aristóteles explica: - os de melhor ciência neste país, contam que depois que ítalo se tornou rei da Enótria, as gentes mudaram de nome, passaram a se chamar italianos, em vez de enotrianos. A Enótria ficava na ponta da bota italiana e quer dizer terra do vinho, tão pródiga era para a videira. Ítalo reinou com tanta capacidade e sabedoria que seu reino passou a chamar-se Itália. Há desacordo nas fontes históricas quanto à sua origem étnica, ora sicvli, ligvrii, ou etrvsci. 95. Védicos, nominação que o autor prefere a indo-europeus, pois que o subcontinente, índia, era étnica e linguisticamente dravídico e temporariamente conquistada pelos ários. Grande a variedade de dialetos de origem védica, falados em toda Itália, temos no lativm, as tribos dos falisci, marsi, aeqvi, latini e hernici que usavam dialetos latínicos. As tribos osci dos vmbro-sabelli, vestini, sabini, lvcani, campani, brvtti, marmentini, apvli, marrvcini, paeligni, frentani, samnita, falavam o dialeto dos osci, diverso das tribos do lativm. Fogo em latim é ignis; em osci, pvr como no Graecvs. A onomástica é o ramo da linguística que estuda a etimologia e estrutura das palavras. 96. Da frugalidade das montanhas aonde viviam os samnitas e lvcani, desciam para atacar as cidades da campania. A miscigenação dessas etnias e dialetos foi consolidada por um antigo costume chamado ver sacrvm - primavera sagrada -, que todos anos levava uma parte dos jovens, fêmeas e machos púberes, dedicados a uma deidade rupestre, a deixar suas casas e buscar novos territórios. Ocorreu, assim, uma lenta mesclagem entre ondas de tribos védicas que cruzaram os alpes em diferentes eras, possivelmente devido a fatores glaciais. Nos ritos da morte, a primeira onda migratória praticava a incineração; a seguinte, o sepultamento. 97. O povo que chamamos etruscos eram chamados de tyrsenoi pelos Graecis, etrvsci pelos Romanos e rasenna por eles próprios. O poeta Graecvs Hesiodvs fala deles cerca de 800 AC. A Etrúria tinha seus limites nos rios Arnvs, Tiberis e nos Appenninvs; compunha-se de um agregado de cidades-estado independentes. Os etruscos delineavam suas cidades seguindo práticas determi36


CLAVDIVS

nadas nos seus livros rituais; cada cidade ficava dentro pomerivm de um perímetro sagrado, visando repelir ameaças externas. 98. Dos etruscos, Titvs livivs escreveu: nenhum povo foi mais devotado na sua observância religiosa. Sua religião tinha sido revelada por ancestrais auspices, de grande catadura no seu mister. Tais ensinamentos, denominados de etrvsca disciplina, eram minuciosamente explicados e detalhados na maneira como os deuses rupestres podiam ser invocados, previstos e seguidos. A vida era um destino dominado pela fortvna e os etruscos teriam somente deis saecvla de existência. Tais augúrios eram divididos em vários livros. O libri fvlgvrales interpretava os raios e trovões, o libri harvspicini instruía na arte da adivinhação através da hepatoscopia: exame do fígado de animais sacrificados. 99. Um bronze etrusco do fígado chegou a nós e divide o fígado em quarenta e quatro áreas assinaladas com o nome de deuses rupestres e orientado para a abóboda do céu etrusco, mostrando o lugar ocupado por cada deidade. Em Roma havia abundante Material sobre os etruscos, a ponto do imperador Clavdivs ter escrito a tyrrhenica, vinte livros sobre a Etrúria, baseado em livros etruscos preservados. Cada cidade-estado etrusca era regida por um rei – lvcvmo -, o qual era cercado de grande pompa. O entendimento das intenções de Caivs Ivlivs Caesar, grande conhecedor da história Romana, trafega por um fluxo e refluxo, com retorno a uma prístina tradição, aquela da monarquia etrusco-Romana. 100. Não podemos duvidar do caráter aristocrático da sociedade. Surpreende a riqueza revelada em certas tumbas. Existiam grandes famílias na Etrúria e a sua coesão manifesta-se por um sistema de designação individual até então desconhecido no mundo mediterrânico. Este costume atesta a continuidade da família e, de fato, permite estabelecer para certas famílias etruscas, genealogias bastante longas e complexas. O uso do nome e do sobrenome, a existência de uma família de forte estrutura, análoga à gens Romana, são observados entre muitos povos itálicos: - provêm tais traços dos etruscos ou estes os tiram daqueles? 37


APLU - Apollo

MENERVA

A julgar pelos nomes, como Tin - Jvpiter e Turan - Vênvs são propriamente etruscas. Outros, como Uni - Jvno, Menerva – minerva –, Maris – Marte –, são itálicos. Reconhecemos, em outras, cópias diretas dos deuses Graecis: assim, Herde Heracles. Ao passo que Aplu – Apollo – e sua irmã Artume – Artemis – não sofrem modificação. A originalidade dos etruscos, entre os povos ocidentais, consiste na submissão humilhante, esmagadora, total, do homem à vontade de forças superiores animadas por misteriosos desígnios. 102. O homem, na sua fraqueza, possui apenas um recurso: tentar descobrir esta vontade, a fim de só agir quando ela se mostra favorável e, na dúvida ou em caso contrário, tudo fazer para tê-la a seu favor. Daí a importância dada, não aos oráculos, mas aos presságios. Em teoria, tudo é presságio, com a condição de ser percebido e interpretado, pois uma simpatia universal une os menores aspectos do mundo. A verdadeira ciência tem por objeto não o conhecimento dos fenômenos, mas a sua interpretação, pois o significado de cada um deles ultrapassa as suas causas aparentes. 103. Entre todos os presságios ocupa o primeiro lugar o mais claro que se possa imaginar: o raio. O local em que caía um raio era considerado sagrado. Praticam-se, principalmente, duas séries de investigação. Primeiro a observação do vôo dos pássaros numa parte do céu, determinada conforme estritas regras de orientação. Segundo, a observação das entranhas das vítimas, particularmente o fígado, subdividido em regiões que, atribuídas cada qual a uma divindade, revelam a disposição, favorável ou não, da respectiva divindade. Tudo isto exige uma competência que só possuem os especialistas, senhores de uma ciência lentamente adquirida pela experiência. 104. A crença no inferno era uma característica da teologia etrusca, os espíritos dos mortos eram conduzidos por gênios ao tribunal do inferno, onde, num juízo final, tinham a oportunidade de justificar sua conduta na vida. Se não o conseguiam, eram condenados aos tormentos que deixaram sua marca em vergíliv, criado na tradição da etrusca Mantva, bem como etrusca, florentia de Dante Alighieri. O destino dos etruscos foi expandir-se 101.

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JVPITER

a sul e norte; campania e alcançando o sopé dos alpes: Verona, Padva, Mantva, Parma, Módena, Bononia, Ariminivm, Ravenna, Atria, Roma, Fidenae, Praeneste, Ardea, Capva, Tvscvlvm - pequena toscana, e outras. Plinivs, o velho, se refere aos afrescos de Ardea: - mais velhos que Roma, de remota antiguidade e suprema beleza. 105. O reinado de Roma era eletivo e não hereditário. Em ocasiões formais o rei sentava-se coberto de púrpura, no trono de marfim, Sella Cvrvlis assentada sobre uma biga – cvrrvs - e atendido, por Lictoris, portando o facis que simbolizava o Imperivm. Após uma bem-sucedida campanha militar, era efetuado um Trivmphvm. Nesta cerimônia o rei trajava vestes púrpureas, com adereços de ouro tal qual Jvpiter e tinha sua face pintada em rubro, como do deus em terracota no templo do Capitólivm. As legiões marchavam repetindo em uníssona voz, io trivmphe, enquanto um pagem junto ao rei, na biga, repetia, - lembre-se que és mortal. 106. O rei etrusco usava um manto purpúreo e uma coroa de ouro, e era escoltado por pagens que portavam um feixe de varas – fasces –, símbolo do seu poder. Quando governaram o lativm, os etruscos encorajaram a agricultura, fizeram grandes obras de drenagem, indústria e comércio. Não ocorreu qualquer imposição cultural e a prova disto está em que a língua latina permaneceu quase intocada. Note-se que o gênio particular do povo Romano foi a sua predileção pela lei e ordem. O futuro do lativm colocava-se não na Etrvria, mas em uma das suas cidades-estado, Roma. 107. A função primária do rei era a guerra, para a qual podia impor tribvtvm – tributo –. Também nomeava pontífices augures – flamens –, para auxílio nas cerimônias religiosas. A jurisdição do rei terminava aonde se iniciava a autoridade do pater familias sobre familiares ou ainda em disputas entre gentes – particulares –, aonde também era restrita sua intervenção. Nomeava delegados, nos casos de traição ou assassinato. Os castigos sugerem grande antiguidade: nos de perdvellio - traição: enforcamento em uma árvore sagrada aos deuses infernais. Costurados em um saco, os assassinos eram jogados ao Tiberis. Outrossim, por mais que recuemos 39


ROMVLVS E REMVS

no passado de Roma, nunca deixaremos de encontrar bem vivo o direito à propriedade privada. 108. A vinte e cinco quilômetros da foz do Tiberis, o rio serpenteia através de um grupo de colinas que ascendem na planície latina, sendo o local um ponto geográfico natural do encontro entre etrvsci, latini e sabelli. Desta posição se tinha acesso à etruria, as montanhas e ao próprio vale do Tiberis, sendo, pois, passagem obrigatória no trânsito norte-sul e leste. As colinas principais da antiga Roma, com exceção do janicvlvm, se localizam na margem leste do rio, e numa sequência norte-sul são as seguintes: Qvirinalis, Viminal, Esqvilinvs, Aventinvs, Capitolinvs, Palatinvs, colina espaçosa com rampas íngrimes em três lados e, segundo a tradição, o primeiro povoado Romano. 109. Titvs livivs conta o seguinte: quando o rei latinvs reinava sobre os aborígenes rupestres em lavrentivm, vários troianii sobre a liderança de Aeneas, lá aproejaram. A filha de latinvs, lavinia, casou com Aeneas e após a morte do sogro, Aeneas reinou sobre troianii e aborigenes latini. Aeneas foi sucedido por seu filho Ascanivs, conhecido pelos Romanos como Ivlivs, o qual fundou alba longa. Após seu reinado, doze reis desta linhagem se sucederam até que o príncipe Amvlivs se apossou do trono de seu irmão Nvmitor, cuja filha, Rhea Silva, foi forçada a ser virgem vestal, para não gerar filhos. 110. Entretanto, impressionado com sua beleza, do deus Marte, ela pariu gêmeos: Romvlvs e Remvs; pelo usurpador Amvlivs foram jogados no rio Tiberis. Os príncipes gêmeos, entretanto, ficaram presos às raízes de uma figueira nominada rvminalis, ao pé do Palatinvs. Ali foram amamentados por uma loba, sendo descobertos e tratados por um pastor, Fastvlvs. No local cresceram, até que os dois príncipes fundaram Roma no dia 21 de abril de 753 AC. Em intestina disputa, sobre a escolha do local, Romvlvs matou Remvs. Após o reinado de Romvlvs, sucederam-se os reis Titvs Tativs, Nvma Pompilivs, Tvllvs Hostilivs, Ancvs Marcivs, Tarqvinivs Priscvs, Servivs Tvllivs e Tarqvinivs Svperbvs, sendo estes três últimos etruscos. 40


CARTHAGO - ruínas

Sob a regência etrusca, Roma se enriqueceu com a adição da vinicultura à sua já importante base agrícola. A indústria e o comércio se desenvolveram e fundaram-se guildas de trabalho em bronze, ouro, tingidores, vasos, tanoeiros, carpinteiros e flautistas. O nível de qualidade destas guildas pode ser avaliada pela estátua de bronze da loba capitolina que chegou até nós. A Roma etrusca, pela própria posição geográfica de Roma, local de tráfego obrigatório das produções salinas que se escoavam pela via salaria, bem como na passagem natural do tráfego norte-sul da península itálica, se expandiu no comércio e assinou tratados com as principais potências mediterrâneas, inclusive Carthago. 112. Foi sob os reis etruscos que Roma se organizou em um governo centralizado, com magistrados, suas insígnias, decorações, o cutelo cerimonial, o fascis, a toga purpúrea, a vara de marfim e os louros, em coroa de ouro. Apesar de tais elementos, Roma nunca foi uma cidade etrusca, latv sensvm. Os Romanos permaneceram latinos na sua língua, instituições, religião e etnia. Os túmulos Romanos refletem a base sólida da família, ou seja, a afeição conjugal: foste sumamente bela statilia e verdadeira a teus dois maridos! O primeiro se tivesse resistido aos fados, teria dedicado a ti esta pedra. Eu que durante 16 anos fui abençoado pelo teu puro coração, agora te perdi. 113. Nos primeiros séculos de Roma, os mortos eram cremados, depois passaram a ser enterrados, embora teimosos conservadores preferissem a combustão. Nas duas hipóteses os restos mortais repousavam em um túmulo que significava um altar em que os descendentes, periodicamente, traziam flores e alimentos simbólicos. A estabilidade moral baseava-se na adoração dos antepassados. Diferentemente dos dias atuais, os moços nunca objetavam ao dever de cuidar dos velhos; os quais permaneciam até o fim a primeira consideração de todos e a máxima autoridade. Por outro lado, os funerais eram tão requintados quanto os casamentos. Com flautistas e dançarinos, histéricas carpideiras profissionais, seguidas de atores com máscaras mortuárias dos antepassados; ao final do cortejo o morto em esplendor de Trivmphvm, com caixão enganalado seguido dos filhos e parentes. 111.

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CAPITOLIVM

Os reis latino-sabinos respeitavam os direitos das gentes, enquanto os reis etruscos eram agressivos e frequentemente ignoravam as leis. O colapso do poder monárquico, decorrência de uma conspiração do Senatvs, liderados por Lvcivs Lvnivs Brvtvs, ancestral e inspiração de Marcvs Brvtvs, assassino de Caesar, tem sua origem nas reformas do exército realizada pelo rei Servivs Tvllivs. Tais reformas geraram ao longo do tempo, um aglomerado patricii com força militar; levando a deposição do rei seguinte, Tarqvinivs Svperbvs. 115. Nunca esteve Roma tão rodeada de inimigos como no tempo em que abandonou a monarquia. Não passava de uma cidade-estado soberana, com um território de 900 quilômetros quadrados; uma área de 30 por 30 quilômetros. Atendendo a um apelo do deposto rei Tarqvinivs Svperbvs, em 506 AC, lars porsenna, rei de clvsivm, uma cidade-estado etrusca, atacou e obteve a rendição de Roma, obrigando-a a ceder parte de seu território a veii e outras comunidades latinas. Porsenna, entretanto, não exigiu a restauração de Tarqvinivs, pois que também na etruria, a esta altura, grupos da aristocracia tinham suplantado a monarquia na maioria das cidades-estado. 116. O poder dos etruscos em Roma foi eliminado, mas as marcas e relíquias iam sobreviver até o fim da civilização Romana. Em 496 AC, os Tarqvinivs novamente persuadiram várias cidades do lativm: Tvscvlvm, Ardea, Lanvvivm, Aricia e Tibvr a coligarem-se numa guerra contra Roma. Os Romanos nomearam seu primeiro ditador, Avlvs Postimivs, e no lago regillvs obtiveram uma salvadora vitória. Três anos após foi assinado o tratado de foedvs Cassianvm, em que o cônsul Spvrivs Cassivs, amalgamou todos latini em uma liga, através de um acordo perpétuo de defesa comum, com alternância anual de comando; hum ano Romano, hum ano da liga. Nobres de outras tribos, como o sabino Attivs Clavsvs, com todo seu clã emigraram para Roma, dando origem à gens Claúdia. Lativm não entrou no momento de seu amalgamento em contato com o oriente. 117. Em 400 AC, os Galli saquearam a etruria. Em 390 AC, derrotaram os Romanos, saquearam Roma e por sete meses sitiaram forças Romanas no capitolivm. 114.

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TRIBVNI

Ao final, os Romanos pagaram um tribvtvm e os Galli foram embora. Sobre este ataque da tribo dos senones que atacou Roma, não em busca de terras, mas visando pilhagem, escreveram os Galli uma negra página nos anais da vrbs, em um cerco que durou sete meses. 118. Conta Titvs livivs: passando as armas de um para o outro nos trechos mais difíceis, apoiando-se uns nos outros, puxando-se uns aos outros, puxando-se uns aos outros conforme as exigências do local, os gálli chegaram ao alto num silêncio tão profundo que iludiram não só os guardas mas até os cães, animais que costumam ser atentos aos rumores noturnos. Não iludiram porém os gansos, que eram consagrados a Jvno, e nos quais ninguém havia tocado apesar da falta de alimentos. Foi a salvação da cidadela. 119. Seus gritos e bater de asas despertaram Marcvs Mânlio, notável homem de guerra que fora cônsvl três anos antes. Apanhando as armas, ao mesmo tempo que conclamava seus companheiros, precipitou-se à frente. Com a pancada de seu escudo derrubou um Galli que já pisava no alto do rochedo. O homem escorregou e na queda arrastou os que lhe estavam próximos. Os outros, assustados, soltaram as armas para se agarrarem às rochas e Mânlio trucidou-os. Quando cessou finalmente o tumulto, os Romanos puderam passar o resto da noite em repouso, tanto quanto era permitido a espíritos a quem o perigo, mesmo depois de passado, mantinha perturbados. Ao raiar do dia, a trombeta convocou os soldados para uma assembléia em presença dos tribvni. Cada um deveria responder por seu bom ou mau comportamento. Em primeiro lugar, Mânlio foi elogiado por sua coragem e recompensado não só pelos tribunos militares, mas também por todos os soldados. 120. Cada um levou-lhe à casa, que se erguia no capitolivm, meia libra de farinha e um quarto de vinho. Esse presente parece insignificante para ser mencionado, mas a carência de gêneros transformava-o em grande demonstração de apreço, pois para homenagear um só homem, todos haviam tirado algo de sua própria alimentação em detrimento de suas necessidades corporais. Depois foram citadas em juízo as sentinelas que montavam guarda no local por onde o inimigo havia su43


CAPITOLIVM

bido, iludindo sua vigilância. O tribuno militar Qvintvs Svlpícivs havia declarado que puniria todos os culpados de acordo com o regulamento militar. 122. Deteve-o, porém, o clamor unânime dos soldados, que lançavam a culpa sobre uma única sentinela. Poupou os outros, mas com a aprovação de todos, mandou precipitar do alto do rochedo o verdadeiro culpado do crime. Os gálli concluíram então uma trégua com os Romanos durante a qual os generais permitiram entendimentos entre os dois adversários. E como os gauleses aludissem constantemente à fome, necessidade que segundo eles obrigaria os Romanos a render-se, atiraram-se pães do alto do capitolivm, em diversos lugares, sobre os postos avançados do inimigo. Mas em breve era impossível suportar nem disfarçar por mais tempo a fome. 123. Assim enquanto o dictator arregimentava pessoalmente tropas em ardéia, encarregava Lvcivs valérivs, comandante da cavalaria, de trazer um exército de veii, enquanto fazia preparativos e tomava decisões para atacar o inimigo nas melhores condições possíveis, os defensores do capitolivm extremados por prontidões e vigílias, dominando todos os sofrimentos humanos exceto a fome, que a natureza não permitia vencer, dia após dia examinavam o horizonte na expectativa de ver surgirem os socorros prometidos pelo ditador. 124. Finalmente, quando não só o alimento, mas todas as esperanças falharam, quando os soldados que montavam guarda nos postos avançados quase sucumbiam com os corpos enfraquecidos sob o peso das armas, decidiram render-se ou libertar-se a qualquer preço. Por sua vez, os gálli deixavam transparecer que não exigiriam uma grande soma para levantar o cerco. O Senatvs reuniu-se e confiou aos tribunos militares a missão de negociar a paz. 125. O tribuno Qvintvs Svlpicivs e o chefe gálli, Brennvs, realizaram um encontro e combinaram as condições: o resgate daquela nação que breve dominaria o mundo foi avaliado em mil libras de ouro. O fato, por si mesmo vergonhoso, foi acrescido de nova afronta. Como os gálli haviam trazido pesos falsos que o tribuno recusaria, o insolente gaulês colocou sua espada na 44


LATIVM

balança e pronunciou estas palavras que os Romanos ouviram indignados: vae victis - ai dos vencidos! Os Galli voltaram em 367, 358 e 350 AC. Sempre repelidos, contentaram-se, afinal, com o norte da Itália, que ficou sendo, então, a Gallia Cisalpina. A liga dos latini vendo Roma tão abalada, atacou em conjunto com os hernici, e os Volsci, mas em 340 Roma venceu, dissolveu a liga e anexou todo o lativm. 126. A vitória deixou os Romanos frente a frente com a aliada dos etrvsci e Galli, a poderosa tribo dos samnitas, os quais ocupavam a parte da Itália entre o adriaticvm e neapolis, com ricas cidades como Nola, Beneventvm, Nvmae e Capva. Eram mais civilizados que os Romanos, devido ao contato maior com os Graecis. Os Romanos foram derrotados em 351 e as legiões tiveram que passar, svb jvgo, embaixo das espadas samnitas em sinal de submissão. Os cônsules assinaram uma paz tão humilhante, que o Senatvs não ratificou. Por vários anos, Roma teve de enfrentar quase toda a Itália em armas. Mas as legiões Romanas ganharam a decisiva batalha de sentinvm em 295, com o que Roma anexou toda Etrvria e campania a seus domínios. Doze anos depois empurrava os Galli para além do rio padvs. 127. Monsen declara: a história deve fazer justiça ao nobre povo dos samnita e reconhecer e compreender que fizeram seu dever, lutando pela liberdade da Itália. Segundo Titvs livivs: no mesmo diapasão, um samnita declara: vamos resolver a questão de quem deve governar a Itália, os samnita ou Romani. Os guerreiros montanheses do samnivm podiam na planície ser derrotados pela falange e cavalaria de Roma. Na difícil topografia das montanhas, defendendo sua terra, em pequenos bandos organizados apresentaram as legiões de Roma um osso duro de roer. Foi para atender a tais necessidades bélicas, mais do que as oriundas do saque de Roma pelos gálli, que Roma redesenhou e tornou mais flexíveis suas legiões, substituindo a rígida falange. 128. A base da sociedade Romana não era o indivíduo, mas a família. Até Svlla a história Romana é uma relação de famílias. Entre 233 e 133 AC, de duzentos cônsules, cento e cinquenta e nove pertenciam a vinte e seis famílias e cem pertenciam a dez. A família mais 45


PVBLIVS CORNÉLIVS SCIPIVS

poderosa foi a dos Cornélivs. Pvblivs Cornélivs Scipivs que perdeu a batalha de Trebia em 218 AC, passando pelo seu filho Pvblivs Cornelivs Scipivs africanvs que derrotou Hannibal. A história Romana é a história de famílias. Cada indivíduo tinha um nome - nomem, denotando seu gens, os quais segundo varrvs, existiam mil, um nome pessoal - praenomen, dos quais existiam cerca de trinta e um cognomes - gog nomen. 129. Intimamente ligados a gens, existiam os dependentes - clientes, que permaneciam agregados aos seus patrões - patroni. A sociedade Romana era claramente dividida em duas classes: o patriciado e a Plebs. Mommsen afirma que os patricii foram os pioneiros e os Plebs seus clientes e dependentes. A Plebs vrbana foi formada a partir de modestos comerciantes atraídos pela cidade ou por clientes desgarrados de seus patrões e a Plebs rústica de agricultores arruinados por várias causas. 130. Os da Plebs eram cidadãos e suas lutas contra os patricii não eram para admissão na cidadania, mas pela participação em certos privilégios. Tal qual os patricii, a Plebs era organizada em gentes, muitos dos quais possuíam o mesmo nome da gentes patricia. O Senatvs era constituído exclusivamente de patricii e os cargos da monarquia eram exclusivamente preenchidos por ele. A mortandade entre os patricii causada pelas contínuas guerras indiretamente favoreceu a ascensão da Plebs. 131. A família Romana era uma associação de pessoas com deuses, era o centro e a fonte da religião, moral, economia e estado. A família e cada aspecto de sua existência estava em solene intimidade com o mundo invisível e espiritual. Por meio do eloquente silêncio do exemplo, a criança aprendia que o fogo perpétuo da lareira era a substância da deusa vesta, a sagrada simbolizadora da vida e da continuidade da família e, portanto, não devia ser nunca apagado e sim cuidado com religioso carinho, além de alimentado com uma parte de cada refeição. 132. Depois dos deuses da casa e das florestas, a divindade mais venerada, não somente pelos latinos, mas no seio de todas as raças sabinas, era Hercvlevm, o deus do recinto fechado (de hercere) e daí, geralmente, o deus da propriedade e das aquisições territoriais. Nada era mais comum na vida Romana que jurar consagrar a 46


JANVS

este deus a décima parte de seu lucro no altar situado no mercado dos animais, para obter o desvio de um flagelo destruidor ou a segurança do lucro desejado. Era costume comum ir a este mesmo altar para concluir contratos e confirmá-los por juramento. 133. Era o deus Mavrs ou Marte, o deus que mata, olhado como o campeão dos cidadãos, armado com um dardo, que protege os rebanhos e derruba os inimigos. É a seu culto que foram consagradas as mais antigas corporações sacerdotais e antes de tudo, o sacerdote do deus da comunidade, nomeado vitaliciamente, o alumiador de Marte – flamen martialis –, como era chamado em razão das oferendas queimadas que se lhe consagravam e os doze dançarinos – salii –, grupo de homens jovens que, no mês de março, executavam a dança guerreira, acompanhada de cantos, em honra de Marte. 134. Na lareira, um altar, a criança via pequenas imagens representativas dos espíritos da família: lares, representados por um jovem com uma cornucopia e que guardavam os campos e construções objeto da theorgia, arte mágica etrusca que buscava estabelecer união com os deuses através da animação de imagens sagradas, por vários ritos purificatórios e os penates deuses abstratos protetores da abundância da casa. No começo de qualquer ato devia-se invocar o espírito da abertura. 135. Poderoso pairando sobre a soleira, estava Janvs, o deus de duas caras, não para enganar, mas para guardar a entrada e saída. Por toda parte em seu redor, a criança era ensinada, rondavam os di manes, sombras benignas dos antepassados masculinos cujas máscaras mortuárias estavam nas paredes, formando uma multidão espiritual e uma unidade aeterna. Outros espíritos acudiam a criança, a proporção que ia crescendo. Cvba velava o sono, Abeona guiava os primeiros passos. Fabvllina ensinava a falar. Quando saía de casa, a criança por toda parte sentia deuses e mais deuses. 136. A terra era uma deusa, tellvs ou terra Mater, às vezes Marte, símbolos do solo que a criança pisava; de sua divina fertilidade. Bona dea proporcionava às mulheres e ao solo o poder de produzir e era objeto de mistérios restritos as mulheres e dos quais os homens eram exclusos. No campo, para cada coisa havia um 47


ANTROPOMORPHICOS

deus benfeitor. Pomona para as semeaduras; ceres para as colheitas, fornax para o pão de forno; vvlcanvs para o fogo. As divisas eram guardadas pelo grande deus terminvs, figurado e adorado nas pedras ou árvores assinaladoras dos limites de terras. 137. No mês de dezembro os deuses lares, pois cada casa tinha o seu próprio deus lares, eram adorados na alegre festa das encruzilhadas - compitália. Em janeiro, ricas oferendas a tellvs - terra Mater para o bem das coisas plantadas. Em maio, pelo aramento pediam a Marte, frutos abundantes. Deste modo, a religião santificava a propriedade, aquietava disputas, enobrecia poeticamente o labor dos campos, fortificava o corpo e a anima com esperança. Ao contrário dos Graecis, os Romanos geralmente não atribuíam forma humana às suas deidades, consideradas nvmina ou espíritos, que, às vezes, eram puras abstrações, como saúde, mocidade, memória, fortuna, honra, esperança, medo, virtude, castidade, concórdia, vitória ou Roma. 138. Alguns deles, lemvres, equivaliam a espíritos de doenças, de difícil propiciação. Outros, o espírito da estação, como maia, a anima do mês de maio. Das águas, como Neptvnvs, ou selvas, como Silvanvs. Outros moravam dentro das árvores, deuses antropomorphicos. Alguns viviam dentro de animais sagrados; cavalos, touros, gansos do capitolivm. Priapvs deus Graecvs cedo se mudou para Roma, para dar sorte ou evitar mau olhado. 139. A religião Romana era heteronímica, como toda religião pagã. Varrvs calculava em trinta mil os deuses e petronivs queixava-se de que em certos locais e cidades – vrbs – haviam mais deuses que pessoas. Muitos objetos e lugares eram sagrados – sacer – e, portanto, tabus. Toda gente usava bvlla, ou talismã de ouro. Dizia plinivs, o velho: todos temos medo de pragas e feitiços. Feiticeiras aparecem em plavtvs, appivs, andronicvs, naevivs, ennivs, vergílivs, tibvllvs. 140. Sendo extremamente supersticiosos, os Romanos tinham fórmulas de encantações contra o fogo, doenças, queimaduras; cuidadosas precauções podiam evitar a ocorrência de um evento infeliz. Por exemplo, tropeçar ao sair de casa era um mau agouro. O antídoto era não 48


DEFIXIO

sair de casa naquele dia. Um pesadelo enchia uma pessoa de ansiedade. Todas as vezes que caía um raio o ar se enchia de assobios. Para livrar-se de maus pensamentos molhavam um dedo com saliva e passavam atrás da orelha. A prática do defixio – amaldiçoar – era muito antiga e realizada através da consagração do inimigo a um deus infernal. Isto era usado em questões legais, negócios ou rivalidades comerciais ou amorosas. 141. O procedimento do defixio era o seguinte: o nome odiado era escrito em uma plaqueta de chumbo como uma fórmula de maldição dedicando a vítima as e a plaqueta era deidades atônicas colocada em um túmulo, um poço ou uma fonte de águas termais, mantida em uma posição através de uma unha longa por um furo na plaqueta, as quais tinham várias perfurações. O nome do inimigo era cuidadosamente escrito, com receio de uma informação imprecisa tornar a maldição ineficaz; inclusive com o nome de sua mãe. Signos alfabéticos mágicos precediam o texto, bem como o desenho tosco de um demônio barbudo em um barco com uma urna e tocha símbolos da morte. 142. Possa a sua língua ser furada... Possa sua língua e alma serem furadas... Possa ardente febre se apossar de seus lábios matar sua anima e seu coração... Oh deidades infernais, quebrem e esmigalhem seus ossos, façam-na sufocar – arovrarelyoth –, que seu corpo seja torcido e despedaçado phrix, phrox... Partes do corpo do inimigo amaldiçoado eram consagradas com grande precisão, geralmente a língua, mãos, pés, orelhas, nariz, dedos, unhas, tornozelos, pulmões e geralmente o cérebro e anima. Desastres para todas as possessões eram invocados: se tem ou terá qualquer dinheiro, herança ou comércio que sejam inúteis para eles, que as perca e que tudo seja atingido por desastre ou destruição. Ocorriam defixiones de amantes atormentados: que svccessa queime de paixão e desejo por svccessvs. 143. Para atrair seus amados, as mulheres se transformavam em feiticeiras, quanto mais desprezadas, velhas e feias mais determinadas em suas invocações. Elas usavam ingredientes repugnantes e amedrontadores em seus feitiços: intestinos de sapo e rãs, penas de corujas, ossos de cobra, ervas de túmulos e poderosos venenos 49


OPS

que davam a estas mulheres o cognome de venificae; conheciam as mais poderosas pragas – carmina – capazes, como disse vergilivs, de tirar a lua do céu: carmina vel caelo possvnt dedvcere lvnam. As pessoas tentavam se proteger destas pragas pregando a barba de um lobo na porta de sua casa, pois que tinha grandes poderes nas pragas rogadas, bem como em neutralizá-las. 144. Vemos Marte, no começo, como deus da lavoura, depois deus da guerra e, por fim, símbolo de Roma. De igual antiguidade, Satvrnvs, o deus estabelecedor do satvrnia regna – a idade de ouro –. Menos poderosas, mas mais amadas eram as deusas ivno reginae do mês de junho, recomendado para o casamento feliz, palas minerva, pela sabedoria e memória, sendo o palladivm sua imagem da qual a segurança de Roma dependia, trazida de Tróia por Aeneas. Vênvs, do amor, desejo, do aperire, abril a ela dedicado. Diana, deusa da lua, um espírito de árvore. Mercúrio, patrono dos negociantes, oradores e ladrões; Ops, a deusa da riqueza. Com a expansão vemos deidades novas – di novensiles –. A ivnvs de veii foi levada em cativeiro para Roma. Em 496 AC, entraram Demeter, Dionysos seguidos de outros. Locais atingidos por raio eram considerados sagrados e cercados por um muro de pedra – pvteal. 145. A insistência do rito sugeria que os deuses não galardoavam o mérito das criaturas, mas, sim, as oferendas e fórmulas. As preces eram sempre para a obtenção de coisas Materiais ou vitórias na guerra. Os deuses não passavam de espíritos aterradores, sem nobreza, nem qualidades morais. Entretanto, a religião instilava nos pais e filhos um respeito mútuo e comparticiou da honra e responsabilidade da família na formação daquele caráter de ferro que foi o segredo da longa dominação dos Romanos. 146. A constituição Romana apoiava-se na mais bem-sucedida organização militar da história. Os cidadãos e o exército eram uma e mesma coisa. O exército reunido em suas centúrias constituía o principal corpo legislativo do estado. As primeiras dezoito centúrias formavam a cavalaria; a primeira classe formava a infantaria pesada, cada homem armado de duas lanças, adaga e espada, e protegido por elmo de bronze, couraça e escudo; a se50


POLIBIVS

gunda classe tinha tudo menos a couraça; a terceira e quarta não tinham armadura alguma; a quinta só usava pedras e funda. 147. A legião consistia em uma brigada mista com 5.000 infantes e 500 cavaleiros. Eram divididas em centúrias de 200, comandadas por um centurião. Em batalha, as primeiras linhas de legionários atiravam lanças curtas, dardos com pontas de ferro, enquanto nas alas os arqueiros e fundibulários lançavam flexas e pedras. O combate era decidido no corpo a corpo, à espada curta. A aristocracia era treinada desde criança no campo de Marte. 148. Polibivs, muito bem informado, observou: mais do que qualquer outro povo os Romanos sabiam modificar os seus costumes e adquirir outros melhores. Dos Galli, o escudo oblongo e abaulado dos legionários; dos samnita, o pilvm, constituído por um ferro afilado fixo numa haste de madeira, bastante leve para que cada soldado pudesse carregar dois, bastante equilibrado, apesar de seu comprimento de dois metros, para ser atirado só com a força do braço contra o corpo de batalha inimigo; dos iberi, o gládio curto, capaz de talhar e também de apunhalar; dos graeci, as armas da cavalaria, lança com duas pontas metálicas, couraça e sólido escudo; as máquinas de guerra. 149. Empregaram corpos de mercenários e aliados conservando suas armas e seus métodos de combates nacionais: cavaleiros númidas que permitiram a Scipivs derrotar Hannibal; arqueiros cretenses e baleares que Caesar empregou mesmo no norte da Gállia; cavaleiros gauleses e depois, por ocasião do grande levante de vercingetorix, cavaleiros germânicos. Polibivs, na célebre exposição consagrada ao exército Romano, insistiu sobre algumas de suas características originais. 150. Louvou, em particular, o seu sentido de organização que se afirmava no recrutamento e na mobilização; a preocupação de não estacionar o exército em qualquer lugar, mesmo por uma noite, sem construir, primeiro, um campo com disposição regular, cercando-o de uma vala, um talude e paliçadas; o juramento prestado pelos soldados no início de cada campanha; a força da disciplina acompanhada de severos castigos, inclusive 51


LEGIÃO ROMANA

as chibatadas e a morte; as recompensas sob a forma de coroas, decorações, armas de honra cujo porte designa a seus concidadãos o autor de um grande feito. 151. Conhecemos bem, graças a Polibivs e a Titvs livivs, a legião do princípio do século II AC. Seu mérito principal é a flexibilidade. Constitui a legião um pequeno exército capaz de combater sozinho. Os 3.000 a 3.800 homens da infantaria de linha representam a massa essencial da batalha. 1.200 soldados de infantaria ligeira servem para as escaramuças e procuram abalar a massa inimiga antes do choque, perante o qual se retraem, enfim, 500 cavaleiros. 152. Dividida em três linhas, a lança substitui o pilvm para os triarii da terceira linha, que são menos numerosos, mais idosos, porém mais experimentados. Cada linha, com intervalos entre os manípulos de uma mesma linha e uma disposição em xadrez de linha para linha, entra em combate na sua hora, sem desordem, enquanto cada manípulo aproveita todas as oportunidades e se desloca para apoiar seus vizinhos que fraquejam ou para explorar os acidentes do terreno, os recuos e os rompimentos da frente inimiga. Polibivs se impressionou com a facilidade de movimento e na iniciativa deixada a cada soldado. 153. Nos assédios, as maciças catapultas de madeira, fabricadas geralmente in loco e acionadas por torção, lançavam pedras de cinco quilos a 400 metros de distância; enormes aríetes suspensos em cordas eram puxados para trás e largados contra as muralhas inimigas; usavam os Romanos o plano inclinado de terra e tábuas, por onde subiam as torres de rodas, do topo das quais lançavam projéteis com fogo contra um inimigo rodeado de madeira inflamável. O maior elemento de Trivmphvm Romano, porém, estava na disciplina. 154. A covardia era punida com açoite até a morte. O general tinha poder de cortar cabeças. Os desertores ou ladrões tinham as mãos decepadas. A alimentação era simples: farinha com água, verduras, vinho azedo, quando possível sopa ou pão; raramente carne. As tropas de Caesar quando por falta de trigo tinham que recorrer à carne, se queixavam e reclamavam. Era tão duro e longo o labor da rotina do dia a dia, que os legionários pediam 52


EXÉRCITO ROMANO

batalha. Os exércitos Romanos perdiam batalhas, mas não guerras. Os homens moldados pela educação estóica, pelos brutais espetáculos de arena, ficavam familiarizados com a morte e, quando encurralados, tanto os homens como mulheres Romanas praticavam o suicídio sem pestanejar. 155. O conselho dos anciões, Senatvs, era na origem um corpo de conselheiros selecionado pelo rei, a partir das famílias patrícias. A nomeação para o Senatvs era por toda a vida do nomeado. Os poderes eram consultivos e não deliberativos, ou seja, o rei simplesmente efetuava o Senatvs Consvltvm. A morte do rei era, portanto, a única ocasião em que o Senatvs podia se reunir sem convocação e nesta situação nomeavam um vice-rei, inter rex, o qual nomeava o próximo rei; entretanto pela sua própria natureza, como o Senatvs não morria, tornou-se o repositário das leis através das quais a pax deorvm podia ser mantida. 156. Ascendeu, assim, involuntariamente, o Senatvs a uma posição de autoridade, apesar de não possuir qualquer poder político em Roma durante o período real. Tais mecanismos do estado Romano são fundamentais na compreensão do nó político enfrentado pela geração de Caesar e da solução Caesarina do retorno à tradição do Princeps: o melhor homem. A queda da monarquia em Roma não foi um episódio isolado; os tempos estavam revoltos. Na época, em várias cidades-estado etruscas, o rei foi derrubado por nobres, os quais com bandos de clientes empolgaram o poder. 157. Depois da abolição da monarquia Romana, dois magistrados foram nomeados em seu lugar, Consules. Duas travas legais impediam os Consules de levar a biga do estado a seu bel-prazer: suas abdicações ocorriam em um ano e os atos de um Consvl podiam ser anulados pelo outro, pelo intercessio, o não sobrepondo-se ao sim, e a continuidade do estado representada pelo Senatvs. A res pvblica Romana era uma comunidade de proprietários rurais da gens latina, descendentes de pastores da era rupestre, que viviam em torno de uma polis fortificada. 158. Barbas e cabelos compridos estiveram em uso até 300 AC. Magistrados e altos sacerdotes usavam a 53


HANNIBAL

toga praetexta, com franja púrpura; dentro de casa as mulheres usavam a estola, um vestido que chegava até os pés, preso por cinto sob os seios; ao ar livre cobriam-se com a palla ou capa. Dentro de casa os homens vestiam uma simples túnica ou camisa, e fora, a toga, e, às vezes, um manto. A toga de tegere – cobrir – era uma veste de lã de uma só peça, duas vezes a largura e três vezes a altura de quem a usava. Enleada no corpo e trançada, o braço e o ombro esquerdo ficavam cobertos e o braço e o ombro direito, livres. As dobras à altura do peito serviam de bolsos. 159. Os Romanos da alta classe cultivavam uma severa dignidade – gravitas –, atitude indispensável a uma aristocracia que governava com Imperivm. Sentimentos de ternura, só na vida privada; em público o homem tinha de ser severo como uma estátua e esconder sob a máscara da austeridade a excitabilidade e o humor que gritam só nas comédias de plavtvs. Mesmo na vida privada tinham os Romanos dos primeiros tempos de viver Espartanamente. Os Romanos gostavam de dinheiro, mas Polibivs os descreve como industriosos e honrados; um Graecvs, diz esse Graecvs, não pode deixar de defraudar, por mais olhos fiscais que tenha em cima, mas os Romanos manipulam grandes somas dos dinheiros públicos com muito poucos casos de desonestidade comprovada. 160. Valerivs corvo, depois de ocupar vinte e um cargos na magistratura, voltou às suas terras tão pobre como quando veio; ou como Cvrivs Dentatvs, que nada guardou dos depojos tomados aos inimigos. Fabivs Pictor, que além de general, era um aristocrata praticamente da arte pictórica e seus companheiros entregaram ao tesouro público os ricos presentes recebidos numa embaixada ao aegyptvs. Amigos davam de empréstimo grandes somas sem cobrar juros. O Senatvs recusou-se a aprovar o envenenamento de Pyrrhvs, rei do Epirvs, e preveniu-o da conspiração. Quando, depois de Cannae, Hannibal enviou a Roma, sob palavra de que voltariam, dez prisioneiros para a negociação do resgate de outros oito mil, só um não cumpriu a palavra. O Senatvs fê-lo prender e devolver algemado a Hannibal, cuja alegria naquela vitória, diz Polibivs, não foi tão grande quanto 54


CÍCERO

sua tristeza ao verificar como eram firmes os Romanos. 161. O típico Romano educado era ordeiro, conservador, leal, sóbrio, reverente, tenaz, severo e prático. Apreciava a disciplina e não tinha idéias absurdas a respeito da liberdade. Sabia obedecer, com indispensável preparo para o comando. Os Romanos almejavam a vontade e o caráter como os atenienses almejavam a democracia e a inteligência. A língua, como povo, era prática e econômica, marcialmente cortante e breve; as sentenças e cláusulas em latim marcham em disciplina subordinação rumo a um alvo. Mil similaridades ligam o latim ao sânscrito e ao Graecvs. Era uma língua mais pobre que a graeca, menos imaginosa e flexível, menos prestadia para a formação de compostos: lvcretivs e Cícero queixavam-se da limitação do vocabulário, da falta de nuanças sutis. Mas revelava o sonoroso esplendor, a força máscula que a tornou ideal para um frasear lógico e conciso muito adaptado à formulação das leis. 162. Todos os cargos públicos eram temporários, exercidos gratuitamente, exatamente como na época real, e cada administrador tinha um colega cujo veto podia paralisar suas atividades. A res pvblica era governada por uma aristocracia baseada em riqueza e eficiência. Esta comunidade compacta e resoluta foi ampliando suas fronteiras, conquistando por propinquidade seus vizinhos e transformando os demais estados italiotas em aliados, aplicando o princípio do divide et impera foram nas pequenas guerras com vizinhos os que Roma adquiriu sua formidável téchné de guerra. A etrusca cidade-estado de veii – vrbs opvlentíssima etrvcis nominis –, ao norte, vinte quilômetros de Roma, custou um cerco de dez anos e abriu a conquista da Etrúria. 163. O Senatvs era grande na derrota e mesquinho na vitória; conduzia políticas que se prolongavam até por séculos; começou uma guerra em 264 e terminou-a em 146 AC. O Graecvs cineias, o philosopho que o rei Pyrrhvs da macedônia enviou à Roma, assistiu a uma sessão do Senatvs e observou que pela dignitas e estadismo era uma assembleia de reis. Ao aspirar a carreira política, o Romano devia ter servido 10 anos no exército, após o que podia se eleger como um dos qvaestor – inquiridor –, em um julgamento; qvaestio - questão e que sob os 55


PRAETOR

dois cônsules, dirigia o gasto dos dinheiros públicos e prestava assistência aos Praetor em matéria de crimes. 164. Praetor vem de praiere - ir na frente, chefiar. Guarda pretoriana aquela que o protegia. A etapa seguinte do Cvrsvs Honorvm era ser um dos quatro aedil, encarregados das construções públicas. Aquedutos, teatros, estradas, mercados, bordéis, arenas, et caetera. Na sequência podia ser um dos quatro Praetor, os quais na guerra conduziam os exércitos e na paz agiam como juízes. Neste ponto o cidadão com fama íntegra e sábia podia tornar-se censor – avaliador –, único cargo da res pvblica que não durava 1 ano. 165. Ficavam 15 anos neste cargo, no qual faziam a cada quinquênio o censvm para efeito de taxação das propriedades do statvs político e militar, aonde examinavam a falha e caráter de cada candidato a cargos, bem como zelavam pela honra das mulheres e educação das crianças e pelo tratamento das crianças, o aluguel das propriedades do estado. Podiam elevar ou abaixar o statvs de qualquer cidadão ou removê-lo dos Senatvs, quando em culpa de crime ou imoralidade, e nestas funções o poder de um censor não era coercitado pelo veto do outro. 166. Senatvs era o consenso dos reis e sobrevivem à monarchia; seu número era 300, devido às três tribos e trinta cvriae. Svlla aumentou o número para 600 e Caesar para 900. As sessões eram realizadas do meio-dia até o poente. As sessões eram privadas, porém de portas abertas. Os tribvni da Plebs, sentando-se no vestíbulo antes da sessão. Cada Senator falava de seu assento. A liberdade da palavra era absoluta. Primeiro vinha o relatio – relatório – do líder, submetido por escrito. Cada Senator era perguntado – interrogatio – e dava sua opinião – sententia – depois da discussão, as diferentes opiniões eram colocadas em votação por uma divisão – discessio –. Algumas vezes, o relatio era seguido do discessio, sem o interrogatio. Algumas decisões exigiam um qvorvm, qualquer resolução podia ser vetada pelos tribvni. Os qvaestor mantinham registros de tudo no aerarivm, por taquigrafia. O Senatvs existia para aconselhar os magistrados em política externa, doméstica, financeira ou religiosa, ou vetar leis com falhas 56


PLEBS

jurídicas, indicar as províncias aos respectivos Consvl, as tarefas dos magistrados, sugerir a nomeação de um dictator. Nos períodos de guerra a extensão de cada comissão é criticar a conduta da guerra. A declaração de guerra e ratificação de tratados pertencia à assembleia – comitia –. O Senatvs Consvltvm era o conselho aos magistrados. O Senatvs Consvltvm vltimvm, a declaração de emergência pública por tvmvltvs. 167. Um Consvl, teoricamente tinha que ser da Plebs; na prática, poucos da Plebs foram escolhidos. A própria Plebs dava preferência aos patricii, pois somente homens com educação e traquejo eram capazes de lidar com todas as fases executivas da paz e da guerra em todos os territórios de Roma. Na eleição dos cônsules, o candidato vinha em pessoa, vestido de toga branca – candidvs –, para frisar a simplicidade de sua vida e dar relevo às cicatrizes ganhas no campo de batalha. 168. Nas suas funções era um executivo; na guerra levantava exércitos e fundos em companhia de seu colega. Os cônsules durante um ano herdavam os poderes do rei. Como os patricii conservaram sua ascendência, apesar do sacrosancti poder de veto dos deis tribvni da Plebs? Persuadindo durante muito tempo a comitia – assembleia – a eleger tribvni da Plebs, ricos; e também pelo número de deis eleitos. Bastava subornar um tribvni e sua decisão anulava a dos outros nove. Como último recurso da oligarchia havia ainda a eleição do dictator, em caso de perigo nacional. 169. Os magistrados Romanos dispunham de um sistema de leis baseado nas doze tábuas, oriundas do mos maiorvm – a praxis dos antigos –. Até o fim da Roma pagã permaneceu a fonte da lei e da moral. Lei era ao mesmo tempo, lex e ivs – comando e justiça –; uma relação não só entre homens como entre deuses e homens. A lei e a penalidade tinham por fim manter a pax deorvm com os deuses. Os sacerdotes declaravam o que era certo ou errado – faz et nefas –, foram eles os primeiros ivris Consvlti, foram os primeiros a dar responsa. A Plebs acusou os sacerdotes de alterar as leis para favorecer a si e os patricii. As doze tábuas realizaram uma dupla revolução jurídica. A publicação e a secularização da lei Romana; nelas, o ivs civile libertou-se do ivs divinvm. 57


AQVILES

A astrologia antiga buscava reduzir a uma ordem os movimentos da abóboda celeste. Devido à ancestral observação tinha aprendido a prever a da phenomena celeste. Foi um importante fator na civilização graeca, helênica e Romana. No seu auge tinha o apoio das melhores mentes do mundo antigo. Nenhum ramo da cultura antiga permaneceu imune à sua influência. Hipparchvs e ptolomev foram expoentes. Afetou profundamente a medicina. Encontrou poética expressão na astronomica de manilivs e architectonicamente está corporificada no pantheon. Fundamentou o ivs civile pelo conceito da lei natural. Em Roma, algumas vezes medidas políticas foram tomadas contra os astrólogos, resultando na expulsão de Roma e da Itália, entre 139 e 33 AC, de nove astrólogos. Tais medidas tomadas contra philosophos, augures e feiticeiros que praticavam a astrologia não baniram as atividades, mas geraram exílios. A astrologia é um banco de dados que diz respeito às formas da psique e, portanto, do caráter e não um banco de dados a respeito do futuro. 171. O monopólio sacerdotal foi totalmente podado quando o censor, appivs Clavdivs, publicou o formulário do processo legal, coisa até então somente do conhecimento dos cléricos. As doze tábuas eram decoradas como base da educação Romana e permaneceram por 900 anos como a lei de Roma. Constituem um dos mais severos códigos que a história conhece. Retinham a onipotência paterna. Havia plena liberdade de testamento. Os direitos da propriedade são tão sagrados que um ladrão apanhado em flagrante era entregue no ato como escravo à vítima. Haviam várias formas de retaliação pela lex talionis. Entretanto, o apelo de qualquer sentença de morte podia vir de um cidadão qualquer e se o acusado notava que o voto iria ser contrário, tinha o direito a comutar a pena em exílio, deixando Roma. 172. A cidade de taras – Taranto – na Calabria, alarmada com o desenvolvimento de Roma, chamou em seu auxílio o jovem e impetuoso rei do Epirvs – albania –. Em 295 AC, pyhrrvs, descendente de aqviles, tornou-se rei do Epirvs. Pyhrrvs era belo, bravo, grande guerreiro, chefe despótico, mas popular. Quando os tarentinos apelaram, pyhrrvs viu uma sedutora oportunidade; con170.

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ALEXANDER

quistaria Roma, o perigo do ocidente, como Alexander conquistara a pérsia, o perigo do oriente; e haveria de provar a sua genealogia pela coragem. Em 281 atravessou o mar adriaticvm, com 25.000 homens de infantaria, 3.000 de cavalaria e 20 elefantes; venceu os Romanos na batalha de heracléia e conquistou uma vitória de pyhrrvs. 173. Suas perdas foram tão grandes e os recursos que lhe sobraram em homens e Material mostravam-se tão pequenos, que, quando um oficial o cumprimentou pelo Trivmphvm, pyhrrvs disse: mais uma vitória como esta, e estarei arruinado. Pyhrrvs voltou para seu reino, diz Plvtarcvs, depois de ter gasto seus anos nessas guerras e, embora malsucedido em suas empresas, conseguiu manter indômita, entre tantos infortúnios, a sua coragem, tendo sido colocado, pela experiência bélica, valor e iniciativa pessoal, acima de todos os Princeps do seu tempo; mas o que conquistara com feitos heróicos perdeu com as esperanças vãs, nada conservando do que tinha tido. Pyhrrvs lançou-se a novas guerras e foi morto por uma telha, lançada por uma velha em argos. No mesmo ano, 272 AC, taras cedia-se ao jugo de Roma. 174. O destino da magna Graecia foi decidido quando o rei Pyrrhvs deixou a Itália para nunca mais retornar. Roma meramente teve que dar os últimos retoques no trabalho de pacificar e organizar a Itália. No sul, os lvcani foram derrotados, porém não castigados, além da instalação de uma colônia latini em paestvm no ano 273 AC. Os brvtti perderam metade de suas florestas, mas mantiveram certa autonomia. Velia, heraclea, thvrii e metapotvm em 262 AC viraram aliados de Roma. Croton e locri, idem; tarentvm se rendeu; pela posse de rhegivm e brvndisivm, Roma tinha as chaves do adriaticvm e tyrrhenicvm. A estes socii navales foi permitida ampla autonomia; porém em tarentvm, Roma sempre preciente instalou uma fortaleza para vigilância no sul da Itália, fechando a porta contra qualquer outro eventual condottieri. 175. Ao mesmo tempo, a fronteira ao norte foi reforçada pela importação de uma colônia dos latini em ariminvm, em 268 AC. No mesmo ano foi concedida plena cidadania aos sabini; portanto, toda península itálica foi 59


CIVITATES FOEDERATAE

trazida para a confederação de Roma. Findou uma época e a história da Itália Romana se inicia. Dois princípios guiavam a política de Roma. Incorporação ou aliança. Todas, entretanto, sujeitas à prestação de serviço militar para Roma. Existiam claramente definidas duas classes sociais, cidadãos plenos e meio cidadãos. Os últimos foram organizados em municipalidades as quais mantinham seus magistrados locais, supervisionados por Praetor de Roma e não tinham o direito de emitir moeda. 176. Possuíam os direitos de comércio. Gradualmente eram treinados e elevados aos completos privilégios da cidadania de Roma em uma área compreendida do lativm ao picenivm do sul da Etrvria ao norte da campania. O resto da Itália era associada com Roma por alianças e tratados – civitates foederatae –, cujos cidadãos eram socii, mas não tinham a cidadania de Roma. Roma sempre seguiu a política divide et impera; com tal política Roma obteve a hegemonia da Itália. Entretanto, reteve a sua posição por ter fundido as divisões em uma unidade maior. As imposições de Roma são amplamente superadas pelos dotes que fornecem à Itália, o maior destes a pax Romana. As cidades vizinhas não mais pulavam na carótida das outras. Invasores estrangeiros foram afastados, com exceção de Hannibal. 177. Uns 31 séculos atrás os dirigentes mercadores da phoenicia haviam descoberto as riquezas minerais da Hispania. Uma frota de embarcações começou a sulcar os mares entre sidon, tyros e byblos, em um extremo do mediterrâneo, e a boca do gvadalqvivir, no outro, em Hispania. Como essas viagens só podiam ser feitas com muitas estações pelo caminho e como a costa sul do mediterrâneo era a via curta e segura, foram os phoenici espalhando entrepostos na fimbria africana, em léptis, tipasa, handrvmentvm, vtica, hippo regivs, e além de gibraltar, lix no atlanticvs. 178. Por volta de 813 AC, um novo grupo de colonos, também vindo da phoenicia, ergueu casas num promontório, 16 quilômetros a noroeste da tvnis de hoje. A estreita península podia ser defendida com facilidade e as terras, irrigadas pelo rio bágrada, eram tão férteis que rapidamente se restauravam. A tradição atribui a fundação da cidade a dido, filha do rei de tyros. 60


NABVCODONOSOR

O novo estabelecimento recebeu o nome de kart-hadasht – cidade nova –, para distingui-la de vtica; os Graecis transformaram o nome em karchedon e os Romanos em Carthago. Os latini chamavam os semitas de poeni, daí púnicas. Os assédios de tyro por salmanassar, nabvcodonosor e Alexander fizeram com que muitos tirinos ricos se mudassem para a África. Carthago cresceu em poder e esplendor à medida que tyros e sydon declinavam. 179. Grandes propriedades foram tomando forma, algumas com 20.000 homens; nas mãos dos práticos phoenici a agricultura tornou-se a ciência e indústria. O cartaginês mago escreveu em um famoso manual agrícola. Irrigado por meio de canais, o solo abria-se em hortas, campos de trigo, vinhedos e pomares de oliveiras, peras, romãs, cerejas e figos. Criavam-se cavalos e bovinos, carneiros e cabras; o asno e a mula eram os animais de transporte e o elefante um dos muitos animais domésticos. Foram os ricos mercadores e não os aristocráticos donos de terras, os provedores de fundos para os exércitos e navios que transformavam o modesto entreposto de Carthago em um império. 180. O comércio e a exploração desse império elevaram Carthago no século III AC, à posição da mais rica das cidades mediterrâneas. Tarifas e tributos produziam por ano 12.000 talentos, vinte vezes a renda de Athenas em seu fastígio. Os carthaginienses eram semitas, muito aparentados com os antigos judeus na etnia e feições. A língua era semelhante ao hebraico, como quando dava aos magistrados o nome de shofetes, do hebreu shophetim – juízes –. Usavam os homens barba inteira, mas raspavam com navalhas de bronze o lábio superior. Em sua maioria traziam féz ou turbante. As damas levavam vida reclusa; podiam-se elevar-se a uma alta situação no sacerdócio, mas para daí tinham de contentar-se com a soberania de seus encantos. Ambos os sexos usavam perfumes e jóias e, às vezes, anel no nariz. 181. Conta Polybivs: em Carthago nada que dê resultado é considerado mau. Na religião, a baal-haman, sacrificaram-se crianças vivas; até 300 em um dia. Eram colocadas nos braços estendidos do deus de bronze e roladas para o fogo embaixo; o soar das trombetas e cím61


QUINQUERREMES - CARTHAGO

balos abafava-lhes os gritos e as mães tinham de olhar para a cena sem uma lágrima ou suspiro, sob pena de acusação de impiedade e de perderem todo o crédito na conta do deus. Mais tarde os ricos passaram a recusar-se ao sacrifício dos filhos e davam substitutos comprados entre os pobres, mas quando agátocles de syracvsai sitiou Carthago, as classes altas, receosas de que tal subterfúgio ofendesse ao deus, lançaram ao fogo 200 crianças aristocratas. 182. A felicidade econômica de Carthago provinha da estabilidade da constituição de Carthago, louvada por Aristóteles: um estado revela-se em boa ordem quando o povo comum se mantém constantemente leal à constituição, nenhum conflito civil de vulto sobrevém, nem surge o ditador. O povo elegia um senado, mas o suborno reduzia a virtude ou o perigo desse procedimento democrático, pela oligarchia da riqueza. O comandante dos exércitos era indicado pelo senado e nomeado por uma assembleia. Esse chefe gozava de melhor posição que o Consvl de Roma, porque podia manter-se na chefia enquanto o senado quisesse. Mas Roma tinha sobre Carthago, a vantagem de suas legiões serem constituídas de colonos patriotas. 183. O exército de Carthago compunha-se de mercenários, principalmente líbios, gente sem nenhuma afeição a Carthago e leal apenas ao pagador da tropa e ocasionalmente ao seu general. A força naval era, sem discussão, a mais poderosa do tempo; 500 quinquerremes, alegremente pintadas, esguias e velozes, davam com muita eficiência proteção às colônias cartaginesas; a seus mercados e rotas de comércio. Foi a conquista da Sicília por este exército e o fechamento do mediterrâneo ocidental por meio da frota que determinaram o secular duelo de morte entre Carthago e Roma, que conhecemos sob o nome de guerras púnicas. Roma passou a controlar toda a Itália e não podia sentir-se segura enquanto duas potências, a Graecia e Carthago, dominassem a Sicília; apenas quilômetro e meio distante da Italia. 184. Dois heróis emergem desta primeira guerra púnica: do lado Romano, régvlvs; do lado cartaginês, hamilcar. Os cidadãos Romanos entraram com o dinheiro, os Materiais, o trabalho e os homens necessários para 62


MARCUS ATILIVS REGVLVS

a primeira esquadra Romana; 330 vasos, quase todos quinquerremes de 150 pés de comprimento e capacidade para 300 remadores e 120 soldados; equipados com uma novidade: ganchos e portalós móveis, para o agarramento e a abordagem das galéras inimigas. Graças a isso a guerra naval em que os Romanos não tinham prática podia ser transformada em combate peito a peito, no qual eram peritos os legionários. 185. Diz Polybivs: isto mostra-nos melhor que tudo como são hábeis e ousados os Romanos, quando entendem de fazer uma coisa... Jamais haviam dedicado um pensamento à esquadra, mas a partir do dia em que resolveram tê-la, entregaram-se à tarefa tão intrepidamente que, antes de adquirida a experiência já se atracavam com os carthaginienses, gente que de gerações mantinha indisputado o domínio dos mares. Nas alturas de ecnomvs, costa sul da Sicília, as frotas inimigas, somando 300.000 homens, em 256 AC, lutaram a maior batalha naval dos tempos antigos. 186. Sob o comando de Marcus Atilivs regvlvs os Romanos obtiveram vitória decisiva e navegaram livremente para a costa de África. Ao desembarcarem lá, sem a preocupação dos reconhecimentos, foram de pronto derrotados por uma força cartaginesa superior em número, que quase os aniquila e faz prisioneiro o imprudente Consvl. Logo depois, por um temporal, a frota Romana é arremessada contra as pedras da costa, com perda de 284 galéras e 80.000 homens afogados. 187. Foi a maior catástrofe naval da história. Os Romanos mostraram sua têmpera, construindo 200 novas galéras e treinando outros 80.000 homens para equipá-las. Após conservar o ex-Consvl, régvlvs, prisioneiro durante cinco anos, seus captores permitiram-no acompanhar uma embaixada cartaginesa enviada à Roma para propor a paz, com sua promessa de regresso ao cativeiro, caso Roma não acedesse. Régvlvs aconselhou o Senatvs a rejeitar a proposta de paz, isso a despeito dos esforços de sua família e seus amigos. Portanto, voltou à África com a embaixada cartaginesa. Lá foi torturado até a morte, através da privação do sono. Seus filhos em Roma tomaram dois prisioneiros carthaginienses de alta condição, fechando-os em uma arca revestida de pontas; 63


QUINQUERREMES - ROMANA

conservando despertos até que morressem. 188. Na primeira guerra púnica, os embaixadores carthaginienses de volta de Roma divertiam os ricos mercadores de Carthago com a história dos mesmos talheres de prata que apareciam em todas as casas onde eram recebidos: um jogo de talheres, que passava secretamente de uma casa para outra, era bastante para todo o patriciado Romano. Por esse tempo, no Senatvs, os Senatores assentavam em bancos de pau em uma cvria – hall –, jamais aquecido no inverno. No século III AC, o cardápio do Romano ainda se mantia simples: ientacvlvm – primeira refeição de pão com mel, azeitonas e queijos –; pradivm – lanche e cena –; jantar de cereais, verduras e frutas; só os ricos dispunham de carne e peixe. O vinho, usualmente com água, figurava em quase todas as mesas; tomar vinho puro era sinal de intemperança. Festas e banquetes, porém, constituíam o necessário recreio dessa idade estóica. 189. Hamilcar tinha o sobrenome barca – raio – e era de sua natureza o golpe repentino, fulminante. Muito jovem ainda, em 247, Carthago lhe deu o comando supremo do exército. Com uma pequena esquadra hostilizou a costa italiana com desembarques de surpresa, destruindo postos avançados e fazendo muitos prisioneiros. Depois, bem diante do exército Romano que ocupa panormvs – palermo –, desembarcou suas tropas e ocupou uma colina a cavaleiro da cidade. Hamilcar pediu ao senado cartaginês reforços e suprimentos; o senado respondeu que vestisse e alimentasse as tropas à custa da terra invadida. Igualmente afetadas, as duas potências repousaram-se por nove anos. 190. Mas enquanto durante todo esse tempo Carthago nada fez, confiada no gênio de hamilcar, um grupo de cidadãos Romanos voluntariamente ofereceu ao governo uma frota de 200 vasos de guerra, com capacidade para 60.000 homens. Saindo em segredo, esta nova esquadra apanhou desprevenida a de Carthago lá pelas alturas das ilhas algartas, na costa oeste da Sicília, e a derrota foi de molde a forçá-la, em 241 AC, à paz. 191. O território que os carthaginienses ocupavam na Sicília teve de ser entregue aos Romanos, todas as restrições ao comércio foram levantadas e houve, ainda, o 64


HAMILCAR

compromisso de uma indenização anual de 440 talentos por 10 anos. A guerra havia durado cerca de 24 anos e fora tão fatal à Roma que sua moeda se desvalorizou em 83%, levando-a quase à bancarrota. Mas provou irredutível tenacidade do caráter Romano e a superioridade de um exército de cidadãos livres. Carthago esteve prestes a ser destruída pela sua própria avareza. Arrastando-se na paga dos mercenários, mesmo dos que melhor haviam servido hamilcar, eles se espalharam pela cidade, reclamando, e quando viram o governo contemporizar e procurar dispersá-los, romperam em furiosa revolta. 192. Os povos sujeitos a Carthago e taxados acima de suas forças aderiram ao levante, as mulheres da líbia venderam as jóias para financiar a luta. 20.000 mercenários e rebeldes assediaram Carthago, a qual não tinha um soldado a defendê-la internamente. Os ricos negociantes tremeram e apelaram para hamilcar. Apesar de sua afeição pelos mercenários, hamilcar organizou um exército de 10.000 cidadãos, treinou-os, levou-os à luta e rompeu o assédio. Findo o conflito, Carthago encontrou Roma já instalada na sardinia. Protestou e Roma declarou guerra. Os desesperados carthaginienses tiveram de comprar a paz com a entrega da sardinia e da córsega, e mais uma indenização adicional de 1.200 talentos. 193. Podemos avaliar a fúria de hamilcar diante de tais acontecimentos. Propôs ao governo que lhe fornecesse tropas e fundos para restabelecer o poderio de Carthago na Hispania, como ponto de apoio a um ataque a Roma por terra. A aristocracia dona das terras opôs-se, com medo de outra guerra; já a classe mercantil apoiou-o ressentida com a perda de tantos portos e mercados estrangeiros. O acordo deu a hamilcar em 238 AC, um modesto contingente com o qual ele navegou para a Hispania. Lá recapturou as cidades que haviam escapado à dominação de Carthago, aumentou o exército com recrutas nativos, financiou-o e equipou-o com o produto das minas locais e morreu numa refrega ao atacar uma tribo hispânica em 229 AC. 194. Hamilcar tinha consigo seu genro hasdrvbal e seus filhos Hannibal, hasdrvbal e mago, uma ninhada de leões. Foi escolhido para comandante o genro, o qual durante oito anos bem dirigiu tudo; obteve a cooperação 65


HASDRVBAL

dos hispânicos e erigiu perto das minas uma grande cidade, conhecida em Roma como Carthago nova – cartagena –. Assassinado hasdrvbal em 221 AC, o exército elegeu para o comando supremo, o filho mais velho de hamilcar, então com 26 anos, e Hannibal surge na cena. Antes de deixar Carthago, seu pai o tinha levado, aos nove anos, ao altar de baal para que jurasse vingança contra Roma. Hannibal jurou e não se esqueceu. 195. Logo, Hannibal atraiu a atenção geral do exército; era, pensavam os veteranos, hamilcar jovem que voltava para eles. Percebiam nele a mesma vivacidade de expressão, a mesma energia no olhar, na postura e nos traços. Mas não tardou que Hannibal transformasse sua parecença com seu pai, no menor dos motivos de admiração. Jamais alguém se mostrou tão apto a ações inteiramente opostas; como a obedecer e a comandar. 196. Tanto mostrava audácia para enfrentar os perigos, quanto sabedoria em meio a esses mesmos perigos. Nenhum sofrimento conseguia debilitar-lhe o corpo ou abater seu espírito. Ao comer e beber, considerava o limite de suas necessidades, não o prazer; ao velar e dormir, não distinguia o dia e a noite. O tempo ocioso, passava-o a repousar, sem exigir, para tanto, silêncio ou cama confortável; ao contrário, muitas vezes o viram deitado no chão, entre as sentinelas, coberto por um simples saio de soldado. 197. Porque permitiu Roma a conquista da Hispania? Estava às voltas com a invasão da Itália pelos Galli e também com a expansão no adriaticvs. Em 230 AC Roma deu o primeiro passo para a conquista da Graecia com a limpeza feita nos piratas do adriaticvs e o domínio de parte da costa ilírica, para futura proteção do comércio italiano. Sossegada agora ao sul e a leste, resolveu Roma jogar os Galli para além dos alpes e unificar a Itália. Para ter sossego a oeste assinou com hasdrvbal um tratado pelo qual os carthaginienses se comprometeriam a ficar ao sul do rio ibervs e ao mesmo tempo fez aliança com as cidades semigregas de sagvntvm e emporiae na Hispania. 198. No ano seguinte, em 225 AC, um exército gállico de 50.000 infantes e 20.000 cavaleiros invadiu e varreu a península. As legiões Romanas enfrentaram os 66


THEODOR MOMMSEN

invasores em Rvsellae, mataram 40.000, aprisionaram 10.000 e marcharam para a conquista de toda a Gallia Cisalpina e dos alpes à Sicília a Itália tornou-se una. Foi uma vitória fora do tempo. Se tivesse deixado em paz os Galli por mais uns anos Roma podia ter detido Hannibal, mas estava agora com todos os Galli inflamados contra ela. Hannibal percebeu que era o momento de atravessar a Gallia sem oposição e invadir a Itália com os Galli em seu exército. 199. O chefe púnico tinha então 28 anos, estava no apogeu físico e mental. Além da instrução comum aos da classe alta de Carthago, línguas, literaturas e história da phoenícia e da Graecia. Hannibal recebera um treino militar de 19 anos. Havia acostumado o corpo às durezas do campo, ensinara ao seu apetite a moderação, à língua o silêncio e ao pensamento a objetividade. Podia correr com os mais rápidos, caçar ou lutar com os mais valentes; diz Titvs livivs: era o primeiro a entrar na batalha e o último a abandonar o campo. 200. Os veteranos amavam-no por verem em sua imponente presença o velho hamilcar restaurado em mocidade; os recrutas adoravam-no porque não o viam usar trajes diferentes do comum, porque não descansava antes de prover o exército e com eles compartilhava do mal e do bom. Os Romanos acusavam-no de avareza, crueldade e traição, porque Hannibal não tinha escrúpulos no tomar suprimentos para suas tropas, porque punia com severidade aos desleais e ajeitava muitas armadilhas contra os inimigos. Não obstante, com frequência revela-se misericordioso e sempre cavalheiresco. 201. Nada fez, diz mommsen, que não fosse justificado pelas circunstâncias da época. Os Romanos não podiam perdoar-lhe o fato de vencer as batalhas mais com o cérebro do que com a vida de seus homens. Os truques que Hannibal usava, a habilidade de sua espionagem, as sutilezas de seus golpes estratégicos, as surpresas de suas táticas assombravam os Romanos. Em 219 AC, agentes Romanos organizaram em sagvmtvm, um golpe de estado e instituíram um governo patrioticamente hostil aos carthaginienses. Quando Hannibal assediou a cidade, Roma protestou e ameaçou guerra. 202. Carthago respondeu que sagvmtvm estava a 67


CELTAE

150 quilômetros ao sul do rio ibervs e Roma não tinha direito de interferir; e mais, que havendo Roma assinado uma aliança com sagvmtvm tinha rompido o tratado feito com hasdrvbal. Hannibal continuou no assédio e Roma tomou às armas, jamais imaginando que essa segunda guerra púnica ia ser a mais terrível de sua história. Oito meses levou Hannibal para tomar sagvmtvm. Em 218 AC cruzou o rio ibervs em desafio ao destino, como Caesar no Rvbicon. Chefiava um exército de 50.000 infantes e 9.000 cavalarianos, já não mais mercenários, mas na maioria hispânicos e líbios. 203. Polybivs conta que Hannibal era adepto de disfarces e tinha uma coleção de perucas, as quais, com mudanças de roupas, alteravam completamente sua aparência para a de um homem jovem, de meia-idade ou um velho. Era também um considerável ator, pois com tais disfarces metia-se entre os Celtae e obtinha valiosas informações. Gostava de formar uma opinião sobre os seus aliados quando se encontravam desprevenidos. 3.000 hispânicos desertaram ao saber que Hannibal planejava a travessia nos alpes, e outros 7.000 foram dispensados, quando protestaram contra uma empresa que lhes parecia impossível. Foi bastante dura a passagem dos pirineus, um verão de luta se passou antes de atingirem o rodanvs, e rija batalha se travou para atravessá-lo. Mal havia Hannibal se afastado quando um exército de Roma chegou às bocas do rodanvs. Tantos soldados e tantos cavalos pereceram na travessia dos alpes que o exército ficou reduzido a apenas 26.000 homens; menos da metade de meses antes. Se a Gallia Cisalpina oferecesse a mesma resistência que a Gallia transalpina, o avanço de Hannibal teria terminado ali. 204. O Senatvs mobilizou todos os recursos possíveis e apelou para os outros estados da Itália. Conseguiu levantar 300.000 homens, 14.000 cavalos e 456.000 reservistas. Um dos exércitos, sob o comando do primeiro dos muitos famosos scipio, enfrentou Hannibal no ticinvm pequeno afluente do rio padvs com foz em pavivm. A cavalaria númida de Hannibal pôs em fuga os Romanos e, gravemente ferido, sscipio foi salvo pela corajosa interposição de seu filho, o homem destinado a dezesseis anos mais tarde enfrentar Hannibal em zama. No lago 68


FABIVS MAXIMVS

transimenvm, Hannibal foi defrontado por outro exército Romano de 30.000 homens, comandado pelo tribuno Caivs Flaminivs. 205. Em 217 AC, usando parte de suas forças, Hannibal atraiu os Romanos para uma planície rodeada de elevações com florestas, onde ocultou a maior parte de seus homens; a um sinal, esses homens irromperam de todos os lados e a matança dos Romanos foi de tal monta que nem Flaminivs escapou. Já estava Hannibal no controle de todo o norte da Itália, mas sabia que a proporção entre suas forças e as do teimoso inimigo era de um para dez. Sua única esperança: conseguir que pelo menos alguns dos estados italianos se revoltassem contra Roma. 206. Marchou através da inundada Etrúria, onde por quatro dias não encontrou terra seca em que pudesse acampar: cruzou os apeninnvs rumo ao adriaticvm e concedeu as tropas um bom período de descanso para restauração das energias e cura dos ferimentos. Ele próprio viu-se atacado de oftalmia e como não perdesse tempo em tratá-la, acabou perdendo uma das vistas. Depois marchou para a costa oriental, sempre convidando as tribos italianas a juntarem-se a ele. Nenhuma o fez; ao contrário, todas as cidades lhe fecharam as portas e prepararam-se para a luta. 207. Avançando mais ao sul, seus aliados Galli, só interessados nas terras do norte, começaram a desertar. As conspirações contra a vida de Hannibal tornaram-se tão frequentes que ele tinha de recorrer a constantes disfarces. Pediu ao governo de Carthago que lhe enviasse homens e suprimentos por algum porto do adriaticvm. Nada obteve. Passaram-se dez anos antes que hasdrvbal atendesse ao pedido de Hannibal. Roma sabiamente havia adotado contra seu maior adversário, a estratégia engendrada por Fabivs Maximvs, de contemporização, de não dar batalha; dar tempo ao tempo. Ao aristocrata Qvintvs Fabivs Maximvs verrvcosvi, feito dictator em 217 AC, foi dado o adjetivo cvntactor – retardador –, evitando um confronto direto com Hannibal. 208. Fabivs Maximvs esperava no entretempo que os invasores fossem reduzindo pela fome, a discórdia e as doenças. Mas depois de um ano a sua magistral inação irritou a Plebs de Roma e infringindo todos os 69


BATALHA DE CANNAE

precedentes, a assembleia elegeu marcellvs minvcivs rvfvs co-dictator. Desprezando o parecer de Fabivs, minvcivs avançou contra o inimigo, caiu numa armadilha, foi severamente surrado e afinal compreendeu o sentido das palavras de Hannibal, quando disse temer mais a fabivs, que fugia à luta, do que a Marcellvs, que a ela se atirava. 209. Neste, Hannibal ludibriou o inimigo avançando furtivamente, no começo da noite, até o sopé dos montes. Preparou um engodo: tochas, ramos e galhos de toda espécie, recolhidos pelos campos, foram atados aos chifres dos bois que ele tangia em grande número, entre outros despojos capturados. Foram assim preparados dois mil animais. Às primeiras sombras, levantou-se em silêncio do acampamento, tangendo-se os bois um pouco adiante das insígnias. 210. Atingidos o sopé das montanhas e os trechos estreitos do caminho, foi dado sinal para atear fogo aos cornos dos bois e estourar o rebanho rumo às colinas ocupadas pelos Romanos. O terror das chamas brilhando na cabeça, o calor que alcançava as carnes vivas na inserção dos chifres, enfureceu os animais, lançando-os em louca carreira. Era como se os bosques e as faldas tivessem subitamente se incendiado. Sacudindo em vão as cabeças, o que atiçava as chamas, pareciam homens correndo aqui e ali. 211. Um ano mais tarde, fabivs, que aconselhava cautela não dando batalha, foi deposto e os exércitos Romanos entregues à Lvcivs emílivs pavllvs e Caivs Gaivs terentivs varrvs, pois que a Plebs queria a ação e, via de regra, a prudência foi vencida. Varrvs saiu ao encontro de Hannibal em Cannae na apvlia. Tinham os Romanos 80.000 homens de infantaria e 6.000 de cavalaria; Hannibal dispunha de 19.000 veteranos, 16.000 Galli pouco merecedores de confiança e 10.000 cavalarianos - mas soube atrair varrvs para a luta em campo ideal para as manobras da cavalaria. Lá dispôs os Galli no centro, certo de que eles iam ceder. 212. Assim aconteceu, quando os Romanos se lançaram a persegui-los, exatamente na direção que Hannibal desejava, o astuto cartaginês ordenou que seus veteranos atacassem os flancos do inimigo, enquanto sua cavalaria 70


CAECILIVS METELLVS

desbaratava a Romana e atacava as legiões por trás. O exército de Roma perdeu a mobilidade e foi aniquilado; 44.000 homens caíram, inclusive pavllvs e 80 Senatores alistados; 10.000 fugiram para canvsivm, entre eles varrvs e scipio, o mesmo que ia entrar na história com o nome de scipio africanvs maior. 213. Hannibal perdeu 6.000 homens, dois terços dos quais eram da Gallia. Agora a vrbs de Roma estava à sua mercê. Alguns jovens patricii, convencidos de Cannae significar o fim de Roma estavam determinados a escapar enquanto havia tempo. O chefe destes era um jovem oficial, caecilivs metellvs. Pensavam em fugir imediatamente. Entre os oficiais ainda leais ao estado Romano existia um determinado a reverter o rumo da guerra. Com alguns poucos escolhidos adentrou o abrigo de metellvs, puxou a espada e se dirigiu ao grupo. 214. Escreve Titvs livivs: juro de que não desertarei a causa da res pvblica nem permitirei outro cidadão de Roma a fazê-lo. Caso viole o meu juramento, oh Jvpiter, grande supremo e bom possa visitar minha casa, família e boa fortuna com as mais terríveis perdições! Lvcivs caecilivs e o resto dos presentes, exijo e de vós este juramento. Fique certo quem não o fizer que esta espada está desembainhada contra ele. Os alarmados oficiais ficaram aterrorizados como que estivessem diante do próprio Hannibal. Todos fizeram o juramento e se entregaram em custódia. O nome do jovem oficial era scipio. Tinha 21 anos de idade. 215. Diz Polybivs: os Romanos eram mais de temer quando se sentiam ameaçados de verdadeiro perigo. Embora tão esmagadoramente derrotados e com a reputação militar destruída, graças a habilidade e as suas virtudes peculiares não só reconquistaram a supremacia da península, como dentro de poucos anos estavam senhores do mundo. A guerra de classe cessara totalmente; todos os grupos se lançaram à tarefa da salvação nacional. Nenhum soldado Romano consentiu em receber pagamento. Mas Hannibal não veio. Seus 40.000 homens eram força muito pequena para sitiar uma cidade em cuja defesa tantos exércitos podiam convergir, dos estados ainda leais; e mesmo que tomasse Roma, como mantê-la? 71


ODYSSEVS

Sabia Hannibal que a entrada do inferno, pela tradição, se localizava no lago avernvs, na campania. Estas sombrias águas, largas milha e meia, situam-se na cratera de um antigo vulcão e são quase completamente circundadas por escarpas florestadas. De acordo com as antigas crenças era este o local em que o reino dos mortos mais se aproximava dos vivos; aqui viviam em profundas cavernas, os cimmeri, criaturas que nunca enxergavam a luz do dia. Eram aqui o campos elísios, o bosque de hecate, a gruta da pitonisa de Cvmae. Um dos mais sagrados lugares da terra. O jovem general cuja mente misturava a estranha religião de seus ancestrais com a cultura graeca, acompanhado de alguns companheiros, cavalgou através das densas florestas e praias do sinistro lago, visando oferecer sacrifício aos deuses. Como odyssevs era um errante e astuto guerreiro, suas mãos estavam manchadas do sangue de muitos homens. Homeros descreve o sacrifício realizado pelo herói odyssevs e repetido por Hannibal que tinha recebido uma educação graeca e estava familiarizado com a seguinte passagem da odisséia: 217. Tirei a afiada adaga de meu bolso para perfurar um buraco um pé quadrado. Nele despejei as beberagens de oferenda para a congregação dos mortos. Primeiro um gole de leite e mel, vinho adocicado em seguida e por fim água; fiz uma oferenda de cintilante aveia. Invocando os mortos em geral dediquei um vitelo, apanhei dois cordeiros e os decapitei sobre o buraco de tal maneira que o sangue para ali escorreu. De dentro do erebvs uma multidão caminhou para mim, os espíritos daqueles que tinham morrido. Vieram noivas e rapazes; homens de tristes experiências ou homens velhos; tenras moças se ardendo em agonia e muitos guerreiros, vítimas de guerra e ainda ensanguentados. 218. Vieram a odyssevs, sombras de homens abatidos em batalhas, seus companheiros aias e o lépido achilles os quais gritaram: engenhoso filho de laertes, odyssevs sêmen de zevs, que mais louca aventura e asneira arribar vivo ao hades, dentre mortos, gastos contornos de homens? Foi durante o inverno de 214-213 AC que Hannibal ficou perdidamente apaixonado por uma jovem da apvlia, famosa por sua influência sobre ele. 216.

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GNAEVS

Um ano mais tarde marcellvs tomava siracvsa e meses depois Roma ocupava agrigentvm. Enquanto isso, um exército Romano comandado pelos dois scipio mais velhos, Pvblivs e gnaevs, foram mandados à Hispania contra hasdrvbal e o bateram em 215 AC no rio ibervs, mas logo depois os dois scipio morreram em combate. A principal força de hasdrvbal escapou e agora cruzava os alpes rumo à Itália. 219. A interceptação de uma mensagem a Hannibal fez com que o plano de campanha de seu irmão, hasdrvbal, caísse em poder do inimigo. Um exército Romano enfrentou-o já na Itália, no rio metavrvs, e o derrotou. O vencedor fez cortar a cabeça do guerreiro e mandou-a para o acampamento de Hannibal. Abalado pelo triste fim do irmão, retirou-se para o sul, brvttivm, com as poucas forças que lhe restavam. 220. Hannibal sitiou e tomou diversas cidades e, em seguida, levou o exército a invernar em cápva. Com a batalha de Cannae, Roma perdeu a confiança na infantaria e estabeleceu novas regras táticas que iam durar dois mil anos. Nos cinco anos seguintes Hannibal ainda obteve alguns pequenos Trivmphvm, Hannibal aproveitou-se do ensejo para aproximar-se de Roma, mas lá haviam 35 legiões novas; Hannibal, sempre limitado às suas 40.000, retirou-se para o sul. Em 211 AC rendeu-se cápva; seus chefes, que tinham fomentado um massacre de Romanos na cidade, foram decapitados ou suicidaram-se, e a população samnita, que dera tanto apoio a Hannibal, foi dispersa pela Itália. 221. Na Itália, os Romanos não tinham razões de contentamento com seus comandantes militares. O nome dos Cornelivs, uma velha família estava nos lábios dos cidadãos, o scipio subitamente comentado, tinha aos dezessete anos em batalha contra Hannibal, salvo a vida de seu pai; seu nome era Pvblivs Cornelivs scipio, pela posteridade denominado africanvs maior, filho de um e sobrinho de outro. Tinha apenas 24 anos, idade muito abaixo da legalmente requerida, mas para salvar o estado os Senatores pularam por cima das leis. 222. O povo admirava scipio não só porque era belo e eloquente, inteligente e bravo, como pela sua piedade, cortesia e espírito de justiça. Foi um dos modelos 73


CORNELIVS NERO

de Caesar. Antes de empreender qualquer coisa tinha o hábito de comungar com os deuses nos templos do Capitólivm, e depois da vitória lhes oferecia hecatombes. Scipio acreditava ser um predestinado, favorito dos ceos. Muito jovem tinha sido nomeado aedile. Serviu no exército da Hispania comandado por Cornelivs nero. Os Romanos decidiram nomeá-lo como novo comandante para suas legiões na Hispania. 223. Titvs livivs escreve: os olhos de toda assembleia estavam dirigidos para ele; pelas exclamações e expressões de aprovação, o comando foi de pronto concedido. Ordens foram dadas para votação. Depois que o assunto tinha sido concluído e o ardor e impetuosidade tinham esfriado, um súbito silêncio ocorreu. Faziam uma secreta e muda reflexão sobre o que tinham autorizado. Ficaram principalmente alarmados com sua juventude. 224. O jovem scipio viu-se no comando da Hispania, com a mesma idade na qual Hannibal, nove anos antes, tinha invadido a Itália, e tal como Hannibal era homem de grande autoridade, charme, e um completo orador. De que outra maneira teria ele persuadido o Senatvs e povo a confiar-lhe tais responsabilidades? Os Senatores tinham feito um jogo, porém diferentemente de muitos jogos, este foi bem-sucedido, muito além das expectativas. 225. Antes que vencesse um ano, scipio restaurou a disciplina e levou a cabo operações de tal destreza e audácia que os Romanos ficaram estupefatos, pois que Carthago nova tinha caído perante as armas Romanas. Scipio estudou os métodos de Hannibal. Diferentemente dos generais Romanos mais velhos, resolutos e corajosos, porém sem imaginação e presos à tradição, ele era alerta, sagaz e engenhoso. Sua juventude e educação o faziam criativo. Tal qual seu grande oponente, a mente do jovem scipio tinha sido aberta à cultura graeca e a vitalidade e curiosidade da civilização helênica eram fortes neste Romano. 226. Ele usava cabelos longos, fazia a barba diariamente e se vestia como um Graecvs. Toda sua vida permaneceu pró-helênico, um fato que gerava grandes suspeitas da velha geração de líderes Romanos, como 74


LIDDELL HART

cato. Rígidos puritanos e estreitos, tiravam suas energias das imemoriais tradições de Roma, ficando fiéis aos usos e costumes dos pais da res pvblica. Estratagemas e manhas de guerra não eram hábito dos generais Romanos. Rejeitavam os truques púnicos. Scipio não tinha tais inibições. Era extremamente cuidadoso em honrar os deuses, ficando horas e horas sozinho nos templos para obter comunicação da sabedoria divina. 227. Polybivs com o racionalismo dos Graecis, acreditava que scipio fazia isto para se impor perante a credulidade vulgar e que o único oráculo que consultava era o raciocínio da sua poderosa mente. Seus críticos alegavam que era excessivamente ligado ao vinho e contumaz femeeiro. Scipio juntou toda a informação sobre carthagena; estudou a posição geográfica, a força de suas defesas naturais e artificiais e o número dos homens que a guardavam. Não negligenciou qualquer fonte de informação. 228. Estando em tarraco consultou longamente os pescadores, os quais informaram a respeito das correntes e marés da baía de carthagena; informações vitais para seu plano de ataque. Revelou seus planos e intenções a somente um homem, seu amigo íntimo laelivs, comandante da frota. Caso generais Romanos como fabivs, o retardador, conhecesse seus planos teriam ficado chocados. A estratégia ortodoxa ontem e hoje pede que um comandante destrua a maior concentração de força do inimigo. 229. Os carthaginienses não imaginavam que os Romanos tentariam tomar a sua capital, já que toda a Hispania estava sob controle das forças de Carthago. Scipio imaginou realizar um inesperado e súbito ataque por mar e terra para tomar a cidade em poucas horas. Para isto realizou uma cuidadosa preparação e de maneira sistemática montou um ataque baseado numa visão de mestre. No início da primavera, saiu de tarraco com 25.000 legionários e 2.500 cavaleiros. Marchando doze horas por dia, um recorde, alcançou em sete dias carthagena, o que parecia impossível. 230. Liddell hart, no seu livro sobre scipio, aceita como correta tal informação. A velocidade era fundamental para o sucesso do plano, pois que os três exérci75


BALLISTAE

tos de cathago encontravam-se a dez dias de marcha da capital. Laelivs e a frota Romana entraram na baía no mesmo momento em que as legiões chegaram à cidade. Carthagena nova era construída de tal maneira que, de dois lados, tinha proteção do mar, uma laguna protegia o lado terceiro e o único acesso terrestre era um estreito istmo. Uma fortaleza impugnável a não ser por um prolongado cerco. 231. Scipio com 25 anos de idade, no seu primeiro comando tinha assumido a difícil tarefa de capturar a capital, colocar uma guarnição Romana nela e retirar-se antes que as numericamente forças superiores do inimigo pudessem chegar. Primeiro, em 6 horas, construiu uma paliçada no istmo para protegê-lo de um ataque vindo de terra. No dia seguinte laelivs cercou a cidade com seus barcos e com uma barragem constante de mísseis lançados pelas ballistae. Na terceira hora após a aurora dois mil legionários Romanos carregando escadas avançaram. Tão logo as trombetas Romanas sinalizaram o ataque, os portões de carthagena se abriram e os defensores saíram para atacar. 232. Conta Polybivs: os carthaginienses se lançavam de um único portão e tinham que percorrer uma larga distância, pois que scipio propositadamente manteve seus homens distantes para que o inimigo tivesse que percorrer um longo percurso, sabendo que ao derrotá-los outros defensores não se aventurariam a sair. A maré começou a ficar vazante e scipio dirigiu seus homens através da água para um ponto que o inimigo julgava impossível de ser atacado. Os marinheiros da frota atacaram as muralhas em outro ponto enquanto o ataque por terra era reforçado, tudo de tal maneira que, quando os Romanos surgiram por trás, apanharam os carthaginienses de surpresa. Os vários portões foram abertos e as tropas que scipio tinha reservado para essa finalidade marcharam através da cidade. A capital do inimigo com enormes provisões e riquezas tinha sido capturada. O grande Hannibal disse: portanto os Romanos também têm um Hannibal. A operação de Carthago se assemelha às operações combinadas dos aliados durante a segunda guerra mundial. Escrupulosamente, scipio enviou para o tesouro em Roma, os metais precio76


MASINISSA

sos e gemas caídos em seu poder. Em 205 AC, o jovem scipio, quente ainda das vitórias da Hispania, foi eleito Consvl; levantando novo exército e pretendendo atacar em África. No Senatvs, o velho Fabivs Maximvs, cvntactor – retardador –, fez o seguinte discurso respondido pelo jovem scipio. 233. Conta Titvs livivs: todas as outras operações e não é meu intento desmerecê-las, em nada se comparam a uma guerra em África, onde não há porto aberto a nossos navios, território algum pacificado, nenhuma cidade aliada, nenhum príncipe amigo, nenhum sítio onde parar e ficar em segurança. Tudo o que vires em derredor será hostil e perigoso. Tu te fias de siphax e dos Nvmidae? Basta ter acreditado neles uma vez: a imprudência não tem sempre bom desfecho e a patifaria primeiro capta a confiança nas pequenas coisas, para arrancar quando valer a pena, proveito maior da falácia. Os inimigos não cercaram teu pai e teu tio com as armas antes que seus aliados, os celtiberae, os cercassem de engodos. 234. Podes confiar nos Nvmidae quando viste teus próprios soldados na iminência da defecção? Em África, siphax e masinissa preferem seu próprio domínio ao dos carthaginienses, mas o dos carthaginienses ao de qualquer outro povo. 235. Esses mesmos carthaginienses que de alguma forma se sustentaram na Hispania redobrarão o ânimo para defender as muralhas de sua pátria, os templos de seus deuses, os lares e os altares virem assustadas as esposas acompanhá-los e os filhinhos para eles correr. 236. Em que sucederá se, confiantes na união da África, na lealdade dos Princeps aliados e em suas próprias muralhas, os carthaginienses, ao perceberem a Itália privada do socorro de teu comando e de teu exército, mandarem para cá novo exército africano ou ordenarem a mago que, todos sabemos, partiu das baleares com a frota e agora bordeja as costas dos ligvrii e que se junte a Hannibal? Nos veremos então mergulhados no mesmo terror de há pouco, quando hasdrvbal desceu para a Itália escapando às tuas mãos. 237. Dirás que o venceste, antes não houvesses dado passagem a um vencido para a Itália. Mas concedamos 77


SCIPIO AFRICANVS

que à tua habilidade se deve o que de bom aconteceu ao império Romano e a ti mesmo, e atribuamos os fracassos aos acasos da guerra e da fortuna: quanto mais valor e coragem tiveres, mais tua pátria e a Itália inteira desejam por conservar semelhante defensor. Não podes negar que, lá onde está Hannibal, lá estão também a cabeça e a própria cidadela desta guerra, pois proclamas que a razão de passares à África é a de arrastar Hannibal contigo: cá ou lá, pois é com ele que te vais haver. Onde e não será mais forte, em África, sozinho ou aqui, com teu exército unido ao de teu colega? 238. E quanto a Hannibal no canto mais recuado do brvtivm, de onde há tanto tempo pede em vão socorro a seu país ou na vizinha de Carthago e na aliança da África inteira que o tornará mais poderoso em homens e armas? Que desígnio é esse de preferir combater onde as tropas estarão reduzidas à metade a fazê-lo num local em que terás de lutar com dois exércitos contra um só, enfraquecido por tantas batalhas e uma campanha longa e penosa? 239. Considera em que medida teu projeto pode se comparar ao de teu pai. Ele, que como Consvl partira para a Hispania, de lá regressou à Itália a fim de se opor a Hannibal, que descia os alpes; tu, enquanto Hannibal ainda está na Itália, preparaste para deixá-la, não porque isso seja útil ao estado, mas porque o consideras importante e glorioso para ti mesmo. 240. Creio que Pvblivs Cornélivs foi nomeado Consvl pela res pvblica e por nós, não por ele e seu interesse, e que os exércitos foram recrutados para guarnecer Roma e a Itália, não para que os Consules quais reis soberbos, os façam passar à parte do mundo que lhes apeteça. 241. Fabivs Maximvs, graças a esse discurso e sobretudo à sua autoridade e antiga reputação de prudência, abalou grande parte dos Senatores, em particular os mais velhos, sendo numerosos os que louvavam antes a sabedoria do ancião que o ardor do rapaz. 242. Continua Titvs livivs: scipio africanvs, ao que se diz, assim falou: 243. O próprio Qvintvs fabivs disse no começo de seu discurso que sua opinião poderia soar como difama78


HISPANIA

tória. Jamais ousaria em acusar disso um homem de tal porte; mas dessa suspeita, por culpa dele ou dos fatos, não conseguiu se livrar completamente. 244. Fez-se de velho, fez-se de homem que já arrebatou todas as glórias e a mim por causa da idade, colocou abaixo de seu próprio filho, como se o desejo da glória não ultrapassasse os limites da vida humana, como se a glória em sua porção mais bela não se perpetuasse na memória dos homens e na posteridade. Os grandes homens, estou certo disso, é que costumam comparar-se não apenas aos contemporâneos, mas às personalidades ilustres de todos os tempos. E com franqueza te digo, Qvintvs fabivs, se me permites: não só pretendo alcançar tua glória como, se puder, ultrapassá-la. 245. Fabivs expôs os grandes perigos que eu iria afrontar-se passasse à África de modo a parecer inquietar-se por miru e não apenas pelo estado e o exército. Donde vem tão repentina solitude para comigo? Quando meu pai e meu tio foram mortos, quando os dois exércitos quase foram exterminados, quando a Hispania estava perdida, quando quatro exércitos carthaginienses e quatro generais a tudo subjulgaram pelo temor das armas, quando, buscando-se um general para aquela guerra, ninguém senão eu se apresentou, ninguém senão eu ousou dar seu nome; quando a mim, jovem de vinte e quatro anos, o povo Romano entregou o comando supremo; por que, naquele instante, ninguém fez notar minha idade, a força do inimigo, as dificuldades da guerra, a desgraça recente de meu pai e de meu tio? 246. Tendo os carthaginienses por inimigos, é mais fácil mover guerra na Hispania que em África? 247. É fácil rebaixar meus feitos depois da derrota e fuga de quatro exércitos carthaginienses, depois da conquista de incontáveis cidades pela força ou pelo medo, depois da submissão do país até o oceanvs, depois da submissão de muitos régulos e nações bárbaras, depois que reconquistei a Hispania inteira a ponto de não restar lá mais nenhum sinal de guerra. 248. Fabivs assevera que não há onde desembarcar em África, que não existe lá nenhum porto aberto para nós. 249. Entretanto, haverá necessidade de recorrer a 79


PVBLIVS LICINIVS

exemplos antigos e estrangeiros para mostrar a importância de, tomando a ofensiva, levar a inquietude ao inimigo e afastar de nós o perigo, pondo o adversário em situação crítica? Haverá exemplo maior e mais atual que Hannibal? Grande diferença existe entre assolar um território alheio e ver o seu devastado a ferro e fogo; o ardor é mais intenso no que traz o perigo do que no que o repele. 250. Ademais, nós, Romanos, mesmo abandonados pelos aliados resistimos por nossas próprias forças, graças ao soldado Romano; Carthago não possui força alguma em seus cidadãos, seus soldados são mercenários africanos e númidas, propensos por natureza a mudar de partido com a maior leviandade. 251. Muita coisa que agora, à distância não aparece, a guerra a descobrirá; incumbe a um homem, a um general, não faltar à fortuna quando ela se apresenta, fazer entrar em seus planos aquilo que o acaso lhe oferece, sim, Qvintvs fabivs, terei como antagonista esse mesmo que assinalas: Hannibal; mas, ao invés de ele me deter, eu arrastarei-la ei forçá-lo a combater em sua própria terra, e Carthago será o preço da vitória, não alguns fortes semi-arruinados de brvtivs. 252. Que durante minha travessia, durante meu desembarque em África, enquanto eu estiver empurrando o acampamento em direção a Carthago não sofra o estado Romano dano algum. Se conseguiste preservá-lo nos dias em que Hannibal, vencedor, corria a Itália, cuida para que agora, Qvintvs fabivs, agora que Hannibal está abalado e quase vencido, não seja ultrajante para o Consvl Pvblivs licinivs, homem corajoso propalar que ele não conseguirá. 253. Por minha fé, ainda que o meio por mim preceituado não apresse o termo da guerra, conviria a dignidade do povo Romano e ao seu prestígio junto a reis e nações estrangeiras mostrar que temos a coragem de não apenas defender a Itália, mas de levar as armas em África; não permitir que se creia e divulgue que as coisas ousadas por Hannibal nenhum Romano as pode ousar que se, na primeira guerra púnica, quando se disputava a Sicília, nossas frotas e exércitos tantas vezes atacaram a África, agora que se luta pela Itália a 80


QUADRIRREMES

África permanece em paz. Volte a tranquilidade, enfim, a reinar nesta nossa terra há tanto atormentada, ponha-se a África, por sua vez, a fogo e a sangue; ameace um acampamento Romano as portas de Carthago em lugar de vermos novamente, de nossas muralhas, as fortificações inimigas; seja a África a sede do final da guerra, empurremos para ela o terror e a fuga, e a ilhagem dos campos, e as defecções de aliados e todos os outros males que a guerra fomenta e sobre nós desabaram durante quatorze anos. 254. No que toca aos negócios do estado, à guerra iminente, às províncias em questão, já falei o bastante; esse discurso vos seria largo e enfadanho se, como Qvintvs fabivs apequenou meus feitos na Hispania eu tensionasse em resposta obscurecer sua glória e lustrar a minha; e, senão por meus títulos, ao menos por minha moderação e comedimento de linguagem, embora jovem prevalecerei sobre o homem idoso. 255. Scipio partiu para a Sicília com trinta vasos de guerra, nos quais haviam sido embarcados cerca de 7.000 voluntários. Rapidamente formou um novo exército e correu, em 202 AC, para enfrentar scipio em zama, 80 quilômetros ao sul de Carthago. Os dois generais encontraram-se e confabularam cortesmente, mas não puderam chegar a um acordo. Travada a batalha, pela primeira vez foi Hannibal derrotado. Os carthaginienses, na maior parte mercenários, cederam diante da infantaria Romana e da cavalaria de masinissa, o rei Nvmida; 20.000 pereceram no campo de luta. 256. Trinta cascos de navios foram postos em construção; vinte quinquirremes e dez quadrirremes; e scipio em pessoa apressou de tal forma os trabalhos que, quarenta e quatro dias depois de a madeira ter sido trazida das florestas, os barcos foram lançados à água, equipados e armados. Tendo lutado contra Hannibal em várias ocasiões, scipio reconhecia que, além da soberba capacidade tática, havia uma formidável cavalaria que os Romanos não possuíam. Sendo realista reconheceu impossível, em pouco tempo, mudar a tradicional operação Romana baseada em legionário fortemente armado. A única esperança de ter um substancial corpo de cavalaria residia nos aliados africanos de Carthago. Acenou para 81


GAULESES

Syphax, rei da Nvmídia – algéria –, e para um jovem príncipe também da Nvmídia, masinissa, que tinha brilhantemente enfrentado scipio na Hispania, e o qual, sabiamente, scipio tinha ficado amigo. Foram manobras diplomáticas de grande astúcia e sutileza, pois que tinham territórios vizinhos e eram rivais. Em 205 AC, mandou seu grande amigo laelivs à Nvmídia para sondar as possibilidades de um acordo. Seus inimigos no Senatvs, liderados por cato, desejaram e organizaram uma tentativa de destituir scipio, acusando-o de negligenciar suas tarefas militares, gastar todo seu tempo em leituras, trajar-se de maneira não convencional, falar o tempo todo grego e ter um comportamento e maneiras graecas. Uma comissão do Senatvs dirigiu-se à Sicília para investigar as acusações. Depois de um esplêndido jantar, scipio fez uma demonstração de exercícios militares e navais. Retornaram impressionados e, em Roma, o Senatvs autorizou o cônsvl a levar para a África todas as tropas disponíveis na Sicília. Havia uma amarga ironia nisto, pois que as tropas regulares da ilha eram compostas por veteranos de Cannae lá desterrados como castigo. Caracteristicamente, scipio transformou isto em vantagem. Ele tinha lutado em Cannae e sabia ter sido a batalha perdida não por covardia, mas por incompetência de comando. Na época que ficou preparado partiu para África com somente 16.000 legionários e 1.600 cavalos. Uma pequena força para confrontar o poderio carthaginiense e seus aliados em África. No mesmo verão, mago, filho de hamilcar barca, alistou jovens na menor das ilhas baeleares, onde hibernara, embarcando-os a seguir. Passou à Itália com trinta vasos de guerra e inúmeros navios de carga, que conduziam cerca de 12.000 infantes e 2.000 cavaleiros. Genva, sem guarnições, foi tomada graças à sua chegada imprevista; a seguir, arribou no país dos ligvrii, para tentar provocar alguma soblevação, junto aos ingavni, povo ligvrii, e aliou-se com os ingavni. Seu exército aumentava dia a dia, com os gauleses afluindo de todas as partes à menção de seu nome. Outro general de Carthago, com mesmo nome do irmão de Hannibal, porém filho de gisco, hasdrvbal fez um lance de mestre. Sua fascinante filha sophonisba deixou o rei Syphax perdidamente apaixonado. Pela pri82


SYPHAX

meira vez, na longa e sangrenta guerra, aphrodite entrou no conflito e seu poder se mostrou maior do que o de muitos exércitos. O capitão liddell hart descreveu scipio como maior que napoleão. Sem exagero pode-se descrever sophonisba como maior que Cleópatra com quem muito tinha em comum. Pois que esta princesa da Nvmídia teve profundo efeito nos destinos de scipio e Hannibal, bem como em suas batalhas. Sabemos de suas ações somente através de actores masculinos, geralmente hostis. Entretanto, impossível escrever a história de Hannibal ignorando sophonisba. Ela se encontra no centro dos acontecimentos, lutando por sua gente com as almas que possuía, inteligência e extraordinário fascínio. Após a derrota de seu irmão hasdrvbal no rio metavrvs, Hannibal se retirou para brvttivm, no sul da Itália, de onde mantinha comunicações por mar com Carthago. Enquanto isto, scipio embarcava da Sicília para o cabo farina, a poucas milhas de vtica, dentro da baía de tvris no meio da qual se encontrava Carthago. Masinissa, o jovem príncipe Nvmida, brilhante chefe de cavalaria que tinha combatido scipio na Hispania, foi fiel à sua palavra e apesar de expulso pelo rei, seu pai, veio como aliado dos Romanos, porém somente com 200 cavaleiros. Scipio o recebeu afetuosamente e lançou-o em ataques relâmpagos contra vtica na esperança de atrair hanno, o comandante carthaginiense, a uma batalha. Os temíveis ginetes, sem celas ou estribo, tinham sido a arma decisiva de Hannibal em trebbia, trasimene e Cannae e agora lutavam do lado Romano. Por enquanto eram forças pequenas. Hanno irritado ao extremo pelas provocações saiu em seu alcance. Uma força de cavalaria escondida por scipio cercou hanno e o resultado foi terrível, deixando em instantes 1.100 carthaginienses mortos. Scipio continuava em grande inferioridade numérica, pois que hasdrvbal e seu genro Syphax tinham 80.000 infantes e 15.000 cavaleiros; a força Romana era de 18.000 homens. Estava na mesma situação de Hannibal, 14 anos antes e, tal qual, retirou-se para uma base segura durante o inverno. Disfarçando suas verdadeiras intenções abriu negociações com a finalidade de observar o acampamento inimigo, particularmente os métodos e horários das sentinelas. Em cada visita enviava como emissários a 83


BATALHAS ROMANAS

maior quantidade possível de diferentes homens para que se familiarizassem com os acampamentos de Syphax e hasdrvbal, contíguos um ao outro. A principal intenção de scipio era diminuir a disparidade de números entre seu exército e do inimigo. Usou o mesmo método de Hiroshima e Nagasaki; a destruição pelo fogo. Scipio tinha observado que os acampamentos eram construídos em Material altamente inflamável. Cabanas construídas de palha e alinhadas à curta distância, umas das outras. Seus espiões informaram de que o acampamento de Syphax era o mais vulnerável. Prolongando deliberadamente as negociações, scipio obteve mais e mais informações até que finalmente hasdrvbal se irritou e resolveu enfrentar uma batalha. Scipio montou um falso ataque contra vtica. Mais uma vez sente-se a sombra das terríveis estratégias que scipio aprendeu com Hannibal. Chegou a noite e do acampamento de Syphax, grandes labaredas saltaram na escuridão. Uma geração de guerrilheiros Romanos tinha ultrapassado as defesas do acampamento em diversos pontos. No acampamento de hasdrvbal ao verem o fogo imaginaram ser um acidente e mal armados correram para dar assistência aos aliados. Neste momento, no meio da noite, scipio caiu sobre eles enquanto que masinissa e laelivs de outra direção também atacaram o acampamento de Syphax e outros guerrilheiros Romanos incendiavam o acampamento de hasdrvbal. Sob fortes ventos, as chamas se espalharam e milhares se queimaram até a morte. Os que conseguiram escapar das chamas encontraram as legiões Romanas os esperando. Hasdrvbal se deu por vencido e com 2.000 infantes e 500 cavaleiros abriu caminho no cerco Romano. Titvs livivs descreve que 40.000 homens foram queimados ou chacinados. Segundo o capitão liddell hart, foi um desastre único na história das guerras, ocorrido durante à noite e em poucas horas. Os planos de scipio estavam agora amadurecidos e ele buscava seu objetivo final. Aproximava-se o clímax da guerra. Masinissa e laelivs mandaram informar que tinham capturado Syphax. Finalmente scipio tinha o que mais desejava; acesso à cavalaria da Nvmídia. Entrou em ação sophonisba. Masinissa, triunfante adentrou cirta, a capital do derrotado inimigo. Sophonisba preparou seus 84


CASAMENTO MASINISSA E SOPHONISBA

encantos femininos para receber o conquistador. Masinissa estava acompanhado do grande amigo de scipio, laelivs. Sophonisba siderou completamente a masinissa, o mais poderoso aliado dos Romanos, jovem comandante de cavalaria do qual dependia o recrutamento de novos cavaleiros, sem os quais seria impraticável vencer a batalha contra Hannibal. Titvs livivs secamente explica que o povo da Nvmídia é uma raça excessivamente amorosa e que masinissa tinha se tornado escravo da sua captura. Ele admirava e respeitava scipio e tinha sido leal, mas agora encontrava-se escravizado por sophonisba. Masinissa encontrou um só caminho para sair de suas dificuldades e casou-se com ela. Scipio, melhor do que ninguém, compreendia o poder de uma mulher fascinante. Syphax veio ao seu acampamento, o Romano o recebeu de maneira simpática e dele ouviu ter sido loucura guerrear os Romanos. Sophonisba tinha a ele cegado e fascinado. Estava caído e arruinado, porém tinha algum consolo em saber que o perigo fatal tinha se transferido para seu maior inimigo. Isto causou grande aflição em scipio. Se ela tinha enlouquecido um príncipe da Nvmídia, poderia enlouquecer outro. Convocou masinissa e disse: suponho que viu em mim, algumas qualidades e que vieste da Hispania para formar comigo uma fraternal amizade e que comprometeu-se em África e depositou na minha proteção todas tuas esperanças. Das virtudes que possas ter visto, nenhuma me dá mais orgulho do que a temperança e o controle das minhas paixões. Após uma comprida reflexão interior, o infeliz jovem mandou um seu pagem com uma mensagem à sua esposa, acompanhada de um cálice com veneno. Antes de tomar o cálice ela ditou a seguinte mensagem: aceito este presente nupcial. Ele é bem aceito, se meu marido não pode me prestar melhor serviço. Que ele saiba entretanto que teria morrido mais satisfeita não tivesse eu casado tão próxima da morte. Calmamente tomou o veneno e morreu. Scipio, de sua parte, ficou aliviado de não tê-la conhecido, pois que o curso da guerra teria sido outro. Em seguida às desastrosas derrotas, o governo de Carthago chamou Hannibal, para defender a cidade que nunca lhe atendera aos pedidos. Como imaginar os sentimentos desse guerreiro cego de um olho, encur85


SOLDADOS MACEDÔNIOS

ralado em um canto da Itália por infindável corrente de inimigos, a ver todo seu trabalho de 15 anos e tantas vitórias, reduzindo a nada? 257. Metade de suas tropas recusou-se a embarcar para Carthago; Hannibal executou 20.000 homens por desobediência e também receioso de que fossem incorporar-se às legiões inimigas, pisando de novo o solo pátrio depois de uma ausência de 36 anos. No sul da Itália, os comandantes Romanos tinham recebido instruções para não permitir que ele deixasse a Itália. Nada fizeram. Das colinas dos brvttii olhavam seu grande e invicto inimigo embarcar. Tinha invadido a Itália aos 28 anos, agora estava com 45. Tinha mantido o juramento feito a seu pai, hamilcar barca; permaneceu inimigo de Roma, porém o inimigo permanecia de pé e depois da morte de seu irmão em metavrvs, disse a seus oficiais que antevia o fracasso de Carthago. Com o coração pesado desembarcou em sua terra natal. Convocou 12.000 soldados ligvres, Felipe da macedônia enviou 4.000 macedônios. Hannibal tinha à sua disposição 45.000 homens. Scipio tinha a metade. Masinissa estava distante em seu reino e scipio com sua usual e calma coragem entendeu que deveria interceptar Hannibal antes que chegasse a Carthago. Para alívio Romano, Hannibal não apreciava lutar cercado por muralhas e em poucos dias ele se aproximou da cidade de zama. Seguindo seu procedimento habitual tinha mandado um grupo avançado para reconhecer as posições do acampamento Romano. Retornaram com a informação de que três do grupo tinham sido capturados. Isto não surpreendeu Hannibal. Ficou estupefato poucas horas depois ao ver o retorno dos três. Em vez de fazê-los prisioneiros scipio os tinha mandado em uma excursão acompanhados por oficiais instruídos para mostrar tudo o que quisessem ver. Depois da inspeção foram trazidos a scipio, que perguntou se desejavam ver algo mais. Os prisioneiros se declararam satisfeitos e scipio forneceu provisões e os liberou. Este audacioso gesto deixou Hannibal tão impressionado que fez algo raro, com poucos precedentes na história militar. Enviou mensageiros dizendo que ficaria muito honrado se em campo neutro tivessem uma conversa. Scipio concordou através de uma cortês resposta, porém, primeiramente para que o 86


LEGIÃO ROMANA

ponto de encontro fosse próximo, mudou de lugar o seu acampamento. Somente três homens cavalgaram para o encontro: Hannibal, scipio e um intérprete. Por um longo tempo os dois antagonistas ficaram se olhando em silenciosa admiração. O mestre encontrou seu discípulo. Escreve Polybivs: depois da conversação, a qual não tinha nenhuma possibilidade de reconciliação, os dois generais se separaram. Na aurora do dia seguinte lideraram seus exércitos e deram batalha. Carthago lutava por sua sobrevivência e Roma pelo império do mundo. Conta Titvs livivs: a simetria dos gritos Romanos tinha grande harmonia e era aterradora; do outro lado discordantes vozes como seria natural em um exército de muitas nações numa confusão de línguas. Os Romanos penetraram até seus reais antagonistas, homens semelhantes a eles na natureza das suas armas, sua experiência de guerra e a fama de seus feitos. A infantaria de scipio estava a ponto de encontrar-se com a velha guarda de Hannibal, 24.000 veteranos da campanha italiana e sob o comando pessoal de seu grande líder. 258. Hannibal, então com 49 anos, lutou com a mesma energia da mocidade; atacou scipio em luta corporal e feriu-o, atacou masinissa, refez suas desmateladas forças e contra-atacou desesperadamente. Foi neste momento que scipio mostrou seu maior gênio. Enfrentando uma muralha móvel de homens, os quais em número ultrapassavam as forças de infantaria Romana. Quando encontravam-se a pouca distância do inimigo, scipio ordenou o toque das trombetas e tal era a disciplina das tropas que no fragor da batalha com o inimigo avançando, as legiões instantaneamente alteraram sua formação de batalha de três linhas para duas linhas, ultrapassando o comprimento das linhas adversárias. Foi uma manobra arriscada, pois se os carthaginienses conseguissem penetrar nas linhas Romanas, elas teriam se fracionado em unidades separadas, cercadas e destruídas. Comenta Polybivs: a disputa por longo tempo foi incerta com os Romanos mantendo suas posições apoiadas em desesperada determinação, até que chegaram laelivs e masinissa. A chave do sucesso dos planos de scipio era sua cavalaria a qual deveria fazer bater em retirada a cavalaria inimiga e voltar a tempo para apoiar o bote final da 87


CATO

infantaria Romana. Em termos modernos seria uma infantaria sob alta pressão à espera do apoio aéreo. Curioso notar a polivalência dos antigos comandantes; laelivs, almirante de grande catadura, era também excepcional comandante de cavalaria. Em pouco tempo os gritos de ginetes e tropel de cavalos ultrapassavam o barulho do tumulto. No fim do dia, 20.000 adversários dos Romanos jaziam mortos e outros 20.000 foram capturados. Foi uma batalha de Cannae no reverso. Quando perdeu todas as esperanças, esquivou-se à captura e correu para Carthago, declarando haver perdido não só a batalha como a guerra; aconselhou então o Senatvs a propor a paz. Scipio mostrou-se generoso. Permitiu a Carthago reter seu império africano, mas exigiu a entrega de todos os vasos de guerra, com exceção das trirremes; Carthago não poderia fazer guerra fora da África e mesmo na África a não ser com o consentimento de Roma, agora sua senhora, e tinha de pagar 200 talentos por ano, durante 50 anos. 259. Hannibal achou justo os termos e persuadiu o governo a aceitá-los. A segunda guerra púnica mudou a face do mediterrâneo ocidental. Deu a Roma, a Hispania com todas as suas riquezas, provendo-a, desse modo, de fundos para a conquista da Graecia. Foi a mais cara de todas as guerras antigas; destruiu ou arruinou 400 cidades e matou 800.000 homens. Em virtude da queda da agricultura e do fomento do comércio e de levar a Itália a viver do trigo extorquido à Hispania, Sicília e África. Deu início à transformação da vida e da moral Romanas. A segunda guerra púnica constituiu um acontecimento-chave para a história de Roma. Para Carthago foi o começo do fim. 260. Durante sete anos, de 202 a 195 AC, Hannibal trabalhou para reconstruir o seu país. Escrupulosamente manteve e cumpriu todos os compromissos com os Romanos, inclusive queimando quinhentos barcos de Carthago. Hannibal criou amargos inimigos entre seus compatriotas, os quais se aliaram entre si e instigaram os Romanos. Cato, velho oponente de scipio, foi eleito cônsvl e mandou uma delegação a Carthago para trazê-lo à Roma. Hannibal realizando que seria traído por seu próprio povo, escapou de Carthago e navegou para a 88


PYRRHVS

cidade de tiro. Isto ocorreu em 195 AC e para o restante dos 13 anos de sua vida viveu em solitário exílio nas cortes dos príncipes e reis da Ásia minor. Certa ocasião encontrou-se com scipio pela segunda e última vez. O Romano estava visitando as imediações e solicitou que Hannibal poderia vê-lo. Contente, Hannibal compareceu ao encontro e os dois antigos inimigos trocaram cortesias e falaram dos velhos tempos. Acilivs taquigrafou a conversa. Scipio perguntou quem era o maior capitão de todos os tempos. Respondeu Hannibal: Alexander, pois com uma pequena força derrotou exércitos com números além da conta e porque enfiou-se em remotas regiões meramente para visitá-las, pois acima das aspirações humanas. Quem seria o segundo capitão? Perguntou scipio: Pyrrhvs, por demonstrar impecável julgamento na escolha do terreno e como nele se colocava; possuía também em tal grau a arte da conciliação que, apesar de ser um príncipe estrangeiro, os nativos da Itália deram preferência à sua soberania do que as dos Romanos. Scipio perguntou quem seria o terceiro capitão? Sem sombra de dúvida eu próprio. Scipio riu e inquiriu: o que tu serias se tivesse me vencido? Neste caso eu colocaria Hannibal não somente à frente de Alexander e Pyrrhvs e mais ainda à frente de todos os capitães. Comenta acilivs: a resposta feita com púnica destreza e inesperado lisonjeio foi gratificante, pois que em uma multidão de capitães Hannibal dava a scipio, incomparável eminência. Quando os matronas Romanas desejavam aquietar crianças rebeldes diziam: Hannibal ad portas. 261. Roma que tinha alcançado a hegemonia pela ponta da espada, transfigurada assumia a posição de juiz. Roma não mais era o poder militar dominante, mas a cabeça de uma confederação. O Senatvs era por demais sábio para não ver que o único meio de assegurar a durabilidade do domínio é pela moderação do dominador. A pax Romana gerou o crescimento da vida econômica que, protegida pela lei Romana, se espraiava através das estradas Romanas. Roma não impôs a sua civilização aos italiotas, porém, da mesma maneira como tinham sucumbido às influências culturais e lênicas do sul da Itália, sua própria civilização lentamente penetrava através da Itália. A criação de uma confederação que deu a Itália 89


ATHENAS

unidade social econômica e política foi um marco único na história do mundo antigo constantemente perturbado por despotismo e inseguranças. Não era uma grande Sparta ou a liga panehelênica fundada por Felipe II e mantida por Alexander, não era um estado federal como Thessalia ou do tipo da liga da aetolia, ou ainda uma liga de cidades como a da achaea; nem uma regência imperial de uma cidade-estado sobre outras como a Athenas de pericles. Era uma criação nova, que mesclava estes vários princípios em uma confederação politicamente original. Os cidadãos da confederação eram cerca de um milhão, com os aliados chegavam a três milhões de pessoas. Um número pequeno se comparado aos 30 milhões de sírios da celevcida, os 10 milhões do aegyptvs ou os 5 milhões do império de Carthago. 262. Apesar de números pequenos, a experiência militar e as qualidades morais do caráter dos Romanos facilmente contrabalançavam as ordas do mediterrâneo. Das outras res pvblicas sobreviventes a mais importante era rhodes, a Veneza do mundo antigo. Florescente estado marítimo possuía alta reputação pela boa-fé de seus cidadãos e pela consistente política de permanecer em bons termos com todas as nações. Três monarquias precariamente faziam contra peso umas às outras, todas oriundas da divisão do espólio de Alexander. A macedônia com colônias graecas. A síria em constante luta com o aegyptvs e o aegyptvs com seus enormes recursos e riquezas florescendo sob os ptolemeo, enquanto Alexandria liderava o mundo helênico em arte, comércio e conhecimento. 263. Além dessas três grandes monarquias existiam outros reinados. Bithynia, Pontvs e capadocia, os quais pagavam tributos à síria. No coração da Ásia minor havia a galatia, estado independente Celtae. O mais importante destes pequenos reinos era pergamvm, aonde, desde 241 AC, reinava o rei atalvs, de cultura graeca, um hábil déspota e mercador. A política de Roma na região passou por sutil mudança. Iniciando por alianças temporárias de algo semelhante a um sistema de protetorado, devido à política philohelênica dos scipio, na reação liderada por cato baseado na repelência à coisa graeca e aos efeitos de letérios sobre o caráter dos generais Romanos, Roma 90


GNAEVS NAEVIVS

gradualmente anexou a Graecia. 264. A cada passo, a expansão de Roma era ajudada pelos erros de seus inimigos. No ano de 230 AC dois Romanos foram enviados à scodra, capital do illyricvm, para protestar contra os ataques dos piratas à navegação Romana. A rainha tevta, com a qual os piratas dividiam seus despojos, respondeu que, era contrário aos costumes dos soberanos do illyricvm impedir seus súditos de praticar a pirataria. Quando o enviado Romano ameaçou com declaração de guerra, tevta mandou matá-lo. Satisfeita com tão bom pretexto para apoderar-se da costa da dálmatia, Roma enviou em 229 AC uma expedição que reduziu o illyricvm a protetorado Romano. Como o comércio Graecvs também muito sofrera com a pirataria, Athenas, corintho e as duas ligas dos graeci acolheram Roma como a libertadora, aceitaram seus embaixadores e fizeram os Romanos participarem dos mistérios eleusianos e dos jogos ístmicos. 265. Roma recebeu a herança graeca em sua forma helenística: seus teatrólogos adotaram menandro e filêmon, seus poetas imitaram os modos, as medidas e os temas da literatura alexandrina, suas artes serviram-se de técnicas e formas graecas e a posterior organização imperial copiou os moldes das monarquias greco-orientais: enfim, o helenismo, depois da conquista Romana da Graecia, conquistou Roma. Os matemáticos Graecis fundaram os alicerces da trigonometria e do cálculo, principiaram e terminaram o estudo das seções cônicas e elevaram a geometria tridimensional à perfeição. Democritvs iluminou toda a área da física e da química com sua teoria atômica. E nos intervalos de seus estudos abstratos, arqvimedes produziu inovações mecânicas extraordinárias. 266. Gnaevs naevivs, 270-200 AC, escandalizou os conservadores com a produção de uma comédia em que, com a liberdade de aristofanes, satirizava os abusos políticos da capital. Os fragmentos salvos nos revelam o valor de naevivs. Aqui descreve uma mulher galante, coquete: como quem joga bola em um campo, ela corre de um para outro e a todos dá tudo, com suas palavras e piscadelas, favorece um e abraça outro; agora um aperto de mão, depois uma pisadela no pé; os lábios mimam 91


FELIPE V

um convite ao beijo; e a ela canta e recorre à linguagem dos sinais. Ou em seu próprio epitáfio: apropriado fosse aos imortais o luto por homens, as divinas musas se enlutariam pelo poeta naevivs. Uma vez morto, levado seria a sua tumba e em Roma esqueceriam como o latim falar. 267. Felipe V da macedônia aliou-se a Hannibal contra Roma em 214 AC. Sua esperança era de que toda a Graecia o acompanhasse para derrubar Roma, o jovem gigante do ocidente. Mas rumores de que Felipe v estava planejando dominar toda a Graecia, com a ajuda dos carthaginienses. Isto deu origem à formação da liga aetólia contra Felipe e pró-Roma; e o hábil Senatvs antes de mandar scipio para a África, aproveitou-se do desânimo de Felipe para induzi-lo à paz em separado em 205 AC. A vitória de zama veio mudar tudo e fazer com que o Senatvs, que nunca perdoou uma injúria, começasse a conspirar contra a macedônia. Pensaram os Senatores que Roma não poderia estar segura enquanto tiver pelas costas um quase vizinho tão forte. 268. Quando o Senatvs propôs a guerra, a assembleia objetou; um tribuno acusou os patricii de estarem querendo se desviar dos males domésticos. Mas os oponentes da guerra foram silenciados com a coima de covardia e falta de patriotismo e t. Qvincivs Flaminivs, em 200 AC, velejou rumo ao reino de Felipe. Era Qvincivs um moço de 30 anos do círculo liberal, que se reunia em torno dos scipio de Roma. Encontrou Felipe em cinocéfalvs e venceu-o em 197 AC. Em seguida assombrou todo o mediterrâneo quando restaurou em seu trono, o próprio Felipe e ofereceu a liberdade em toda a Graecia. 269. Em 196 AC, o arauto Flaminivs anunciou a uma vasta multidão reunida para os jogos ístmicos que a Graecia estava livre de Roma, da macedônia, dos tribunos e até das guarnições. Quando os cépticos duvidavam da sinceridade do general Romano, sua resposta foi reconduzir o exército para a Itália. Uma brilhante página da história da guerra. A liga aetólia ressentiu-se da emancipação das cidades graecas a ela sujeitas e apelou para o Antiocvs III, o rei silenciado. Estimulado pelas fáceis vitórias obtidas no oriente, Antiocvs pensou em estender seu domínio sobre toda a Ásia ocidental. 92


PERGAMVS (ruínas)

Pergamvs, receosa, apelou para Roma. O senado enviou scipio africanvs e seu irmão Lvcivs à frente do primeiro exército Romano que penetrou em terra asiática; o choque de 189 AC se deu em magnésia e a vitória de Roma inaugurou a conquista do oriente helenístico. Os Romanos marcharam para o norte, empurraram para a anatolia os Galli, que ameaçavam pergamvs, e ganharam o coração de todos os Graecis ionicos. Durante os seguintes 10 anos, cidades rivais, partidos políticos e classes da hélade apelavam para o Senatvs, dando origem a interferências anuladoras da liberdade graeca. Os amigos dos scipio em Roma foram sobrepujados pelos realistas, que só acreditavam em paz duradoura na Graecia se a dominação Romana se efetivasse. 271. Com muito de seu comércio ainda livre e ainda senhora de parte do império, estava Carthago em condições de sobreviver. Mas o corrupto governo oligárquico lançou aos ombros das classes baixas todo o peso do tributo anual devido a Roma e ainda o dilapidava em proveito próprio. O partido popular apelou para Hannibal em seu retiro e pediu-lhe que salvasse a nação. Em 196 AC, Hannibal foi eleito shofete. Ofendeu logo os oligarcas com a proposição de que os 104 juízes do tribunal fossem eleitos por um ano e não pudessem ser reeleitos senão depois do prazo também de um ano. 272. Havendo o senado de Carthago repelido a proposta, ele a apresentou à assembleia, que a aprovou; com essa lei, o avanço democrático igualava-se ao de Roma. Hannibal puniu e impediu a venalidade, perseguindo as suas fontes. Libertou os cidadãos das taxas extras e dirigiu tão bem as finanças que, em 190 AC, Carthago liquidou toda a indenização imposta. A fim de se libertarem de Hannibal, as oligarchias, secretamente, o denunciaram à Roma como planejando a renovação da guerra. Inutilmente empregou scipio toda a sua influência para proteger seu rival. 273. O velho guerreiro fugiu à noite, venceu 250 quilômetros até tapsvs e lá tomou um navio para antioqvia. Encontrou Antiocvs III hesitante entre a guerra e a paz com os Romanos; Hannibal passou a servir o estado-maior do rei. Quando, em 189 AC, os Romanos bateram Antiocvs em magnésia, estabeleceram como condição 270.

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ANATÓLIA (ruínas)

da paz, a entrega de Hannibal; mas Hannibal fugiu para creta e de lá para bitínia. Os Romanos perseguiram-no e cercaram seu refúgio. Hannibal preferiu a morte à captura. Disse ele: aliviemos os Romanos da ansiedade que há tanto tempo experimentam, já que estão cansados de esperar pela morte de um velho. Tomou o veneno que trazia sempre consigo. Morreu com a idade de 67 anos, em 184 AC. Poucos meses depois acompanhava-o o seu vencedor e admirador, scipio. 274. Decorridos quatro séculos de sua fundação viu-se forçada a levar suas tropas bem além dos limites da Itália. Por volta do século III AC Roma se tornara senhora da península itálica. Durante o século II as vitórias nas guerras macedônicas e púnicas haviam dado à Roma a Graecia e a África do norte e o controle de toda a bacia do mediterrâneo, báltico, mar negro et caetera. Além disso, herdara a maior parte do império de Alexander; ao leste, a anatólia era um vulcão ressoante. Estendendo-se para os indistintos espaços da Ásia, o poder partha pairava qual nuvem escura; enquanto que ao norte e à oeste habitavam os celtas e germânicos, cujos estranhos e turbulentos movimentos já haviam ameaçado a península. Quando os assuntos da Graecia tomaram melhor forma, o Senatvs decidiu tomar drásticas ações no norte. Os cônsvl de 197 AC, de diferentes direções, convergiram para a Gállia Cisalpina. Os distritos já conquistados foram organizados. Em 190 AC, placencia e cremona receberam 6.000 assentamentos dos latini. No ano seguinte, Bononia – bologna –; a antiga etrusca, felsina, recebeu 3.000 latini, os quais receberam grandes lotes de 50/70 ivgera. Em 183 AC, Parma e mvtina receberam 2.000 latini cada, em pequenos lotes de 5/8 ivgera. Toda a B Cisalpina na região do rio padvs ficou sob influência Romana. O rio sesia e os alpes ocidentais em torno de aosta por muito tempo retiveram independência. 275. Belo, cheio de saúde, simples de hábitos e discreto no falar, afetivo e generoso; sempre vivera mais como estudioso do que como homem de posses, Pvblivs Cornelivs scipio aemilianvs ganhou suas esporas na luta, sob o comando de seu pai, scipio africanvs, em pidna; na hiberia aceitou o desafio do inimigo para com94


TRAJANVS

bate singular e venceu. Em Roma reuniu ao seu redor um grupo de Romanos de valor, interessados no pensamento Graecvs, entre eles Caivs laelivs, homem de larga sabedoria e seguro na amizade, de vida pura e só abaixo de aemilianvs em eloquência e estilo. A influência de laelivs na literatura foi considerável; graças a ele desenvolveu terencivs a elegante precisão de seu estilo. 276. Polybivs e panecivs foram os mentores Graecis do grupo. Polybivs morou anos em casa de scipio. Era um realista e um racionalista, com poucas ilusões sobre os homens e os povos. Panecivs viera de rhodes e, como Polybivs, fazia parte da aristocracia helênica. Por muitos anos viveu na intimidade de scipio. No livro sobre os deveres, panecivs fixou ideias centrais do estoicismo; o homem faz parte de um todo e com ele deve cooperar com sua família, seus pais; o homem está aqui não para gozar os prazeres dos sentidos, mas para cumprir seu dever, sem restrição, nem queixas. Os Romanos educados aceitaram esta philosophia e na ética estóica encontraram um código moral de acordo com as suas tradições e ideias. O estoicismo tornou-se a inspiração de scipio, a ambição de Cícero, o melhor de sêneca, Trajanvs, o consolo de avrelivs e a consciência maior de Roma. Caesar e alguns outros eram epicuristas. 277. O maior dos historiadores helenísticos digno de formar um trio com heródotvs e tvcidides, Polybivs nasceu em megalópolis, na arcádia, em 208 AC. Seu pai, licortas, foi um dos chefes da liga aqveia, embaixador em Roma no ano de 189 AC, strategos em 184 AC. Educado em política e treinado em arte militar sob filopemen combateu na campanha Romana contra os Galli na Ásia minor, colaborou com seu pai numa embaixada ao aegyptvs em 181 AC. Foi eleito pela liga para o cargo de lipparchos – comandante da cavalaria –, em 169 AC. Pagou caro, entretanto, tais sucessos; quando os Romanos puniram a liga, por ter apoiado a persev, levaram mil arqvevs de destaque para Roma como reféns, inclusive Polybivs, em 167 AC. Durante 16 anos suportou ele o exílio e por vezes atravessou períodos de completa perda de espírito e paralisia do pensamento. 278. Scipio fez-se seu amigo, introduziu-o no cipiônico círculo de Romanos cultos e persuadiu o Senatvs 95


FILOPÊMEN

quando os outros exilados foram distribuídos por toda a Itália, a permitir a Polybivs viver com ele em Roma. Polybivs acompanhou scipio em várias campanhas, deu-lhe valiosos conselhos militares, explorou as costas da Hispania e da África e manteve-se ao lado do vencedor durante o incêndio de Carthago, em 146 AC. Conseguiu a liberdade em 151 AC e em 149 AC foi escolhido como representante de Roma para organizar o modvs vivendi entre as cidades da Graecia e seu longínquo amo, o Senatvs Romano. Tendo vivido 60 anos em atividade, aposentou-se para escrever um tratado sobre a tática, uma vida de filopêmen, e sua obra imensa, histórias. 279. Morreu como fidalgo, de uma queda de cavalo, ao regressar de uma caçada, aos 82 anos. Concebeu a obra em ampla escala e propôs-se narrar os fatos não só da Graecia como de todo mundo desde 221 até 146 AC. Eis o plano que me tracei; tudo, entretanto, depende do destino favorecer-me com vida suficientemente longa para tal empresa. Sentia Polybivs, e com razão, que o centro da história política no período por ele abrangido era Roma; e deu a seu livro marcada unidade, fazendo de Roma o foco dos fatos relatados ao esmiuçar os métodos por meio dos quais Roma, com fleuma britânica, dominara o mundo mediterrâneo. Polybivs admirava profundamente os Romanos, pois os vira em sua grande época e conhecera os mais refinados, na sua convivência com os amigos de scipio. 280. Possuíam os Romanos, sentia pobybivs, justamente as qualidades que faltavam aos Graecis. Lendo ele próprio um aristocrata, sempre cercado de amigos também aristocratas, não simpatizava com o mero governo da Plebs, nos últimos estágios da democracia graeca. A história política afigurava-se-lhe como um círculo vicioso da ditadura, aristocracia, oligarchia, democracia e monarquia. A melhor saída desse círculo, julgava ele, era uma constituição mista, como a de licvrgvs ou a de Roma, uma cidadania livre com amplos direitos, porém limitada a escolher seus próprios magistrados e controlada pelo poder de um senado permanente e aristocrático. Foi desse ponto de vista que escreveu a história de sua época. 281. Polybivs é o historiador dos historiadores, por96


EVRÍPEDES

que tanto se interessa pelo método como pelo tema. Argumenta que o historiador deve ser homem de ação, versado nos verdadeiros processos do estadismo da política e da guerra; só assim poderá compreender a atitude dos estados ou o curso da história. É realista e racionalista. Diverte-o observar com facilidade que os homens se deixam enganar individualmente ou em massa e sempre pelos mesmos ardis. O que é bom, raro coincide com o que é vantajoso e poucos são os que sabem combinar as duas coisas e a ambas se adaptam. 282. Não há mais pronto corretivo para a conduta do que o conhecimento do passado; e a mais eficaz educação e o melhor exercício para uma vida de atividade política é o estudo da história. O melhor método de história, pensa Polybivs, é o que encara a vida de uma nação como unidade orgânica e integra a história das partes na do todo: quem admite que pelo simples estudo de fatos isolados lhe é possível adquirir visão exata da história como um todo faz lembrar aquele que, depois de ter examinado os membros esparsos de um animal outrora vivo e belo, julga que seu parecer equivale ao da testemunha visual que conheceu a criatura em plena vida e graça. 283. O propósito básico da roda de scipio era encorajar a literatura e a philosophia, moldar a língua latina num flexível instrumento literário, abeberar as musas Romanas nas nutrientes fontes da poesia graeca e formar público para os bons escritores em prosa e verso. Em 204 AC, scipio africanvs deu boa mostra de seu caráter com a recepção que fez a um poeta introduzido em Roma pelo mais forte oponente a tudo quanto interessava aos scipio e seus amigos; cato Qvintvs ennivs nascera em brvndisivm, em 239 AC, de pais italo-Graecis. 284. Sua coragem guerreira revelada na sardinia chamou a atenção de cato, que por esse tempo funcionava como qvaestor da ilha. Em Roma, ennivs viveu de ensinar latim e Graecvs; recitava versos aos amigos e, por fim, teve entrada na roda de scipio. Não houve forma poética que não experimentasse. Escreveu várias comédias e pelo menos 20 tragédias. Apaixonado de evrípedes, enamorou-se com ele das idéias radicais e zombou dos piedosos com ironias: asseguro-vos que há deuses, mas 97


PITHAGORAS

os deuses pouco se importam com o que os homens fazem, do contrário tudo correria bem com os bons e mau com os maus. 285. Ennivs traduziu a história sagrada de enemeros, onde se diz que os deuses não passam de velhos heróis mortos, deificados pelo sentimento popular. Não era imune à teologia, pois anunciou que a anima de homeros, depois de passar por vários corpos, inclusive os de pithagoras e de um pavão, passou a residir nele, ennivs. Escreveu com verve uma história épica de Roma, de aeneias a phyrrvs e esses Annales, tornaram-se até vergílivs, o poema nacional da Itália. Sobreviveram uns poucos fragmentos. 286. O mais célebre é a linha que os conservadores Romanos gostavam de citar: maribvs antiqvis stat Romana virisqve. O estado Romano apoia-se na antiga moral e em seus grandes homens. Ennivs deu ao latim novas formas e nova força, recheou seus versos com a carne do pensamento e proporcionou a lvcretivs, horátivs e vergilivs, método, vocabulário, tema e ideias. Para coroamento de carreira escreveu um trabalho sobre os prazeres da mesa, vindo a morrer de gota aos 70 anos, depois de traçar esse orgulhoso epitáfio: não quero lágrimas nem lamentos de passagem. Eu estou nos lábios dos homens, e vivo. 287. O teatro de plavtvs e terentivs consistia em uma armação de madeira com um fundo decorado a escaena e na frente uma orchestra circular ou plataforma para as danças; metade desse círculo formava o proscaenivm ou palco. Os expectadores ficavam de pé ou sentavam-se em banquinhos trazidos; os escravos podiam comparecer, mas não sentar-se; os prólogos reclamavam silêncio e bom comportamento. Alguns prólogos ameaçam meninos barulhentos ou advertem as mulheres por tagarelarem tanto. Se tinha de ser feita uma exibição de luta ou corda bamba, a apresentação interrompia-se, para continuar depois. 288. As palavras nvnc plavdite omnes e outras, no fim das comédias Romanas, indicavam o termo do espetáculo e davam sinal para os aplausos. A melhor feição do teatro Romano estava no trabalho dos atores. O papel principal cabia, em geral, ao empresário, um liberto; os 98


PHERSV

demais atores eram escravos Graecis. A máscara tinha o nome de persona, do estrusco phersv – máscara –, e os papéis tinham o nome de dramatis personae – máscara da peça –. Os atores trágicos usavam um calçado alto, o cothvrnvs, e os atores de comédia usavam sapatos baixos – soccvs –. Partes da peça eram contadas ao obbligato de uma flauta; às vezes os cantores cantavam essas partes enquanto os atores as representavam em pantomina. 289. As comédias de plavtvs foram escritas em versos iâmbicos, segundo os modelos da Graecia. A maioria das comédias latinas era tomada diretamente ou por combinação, de um ou mais dramas Graecis, em geral de filemon, menandro ou outros profissionais da nova comédia em Athenas, pois esbarravam na lei das doze tábuas, que proibia sob pena de morte a sátira política. Por causa dessa disposição os teatrólogos de Roma conservaram as cenas graecas, os tipos, os costumes, os nomes e até as moedas dos originais. 290. As assistências, sempre grosseiras, preferiram o humor popular à grandeza, a bufoneria à sutileza; a vulgaridade à poesia – plavtvs a terentivs –. Titvs maccivs plavtvs nasceu, em 255 AC, na aldeia de sarsina vmbria. Vindo a Roma, trabalhou como operário de palco, juntou dinheiro, empregou-o precipitadamente e perdeu tudo. Para comer pôs-se a produzir peças teatrais; suas adaptações do Graecvs agradaram pela introdução de alusões Romanas; plavtvs ganhou dinheiro novamente e recebeu a cidadania. 291. Era exuberantemente alegre, robusto; ria de tudo. Escreveu 130 peças, das quais sobreviveram 20. Na peça, o anfitrião, plavtvs faz rir à custa de Jvpiter, que, disfarçado em esposo de alcmena, explora a si próprio para testemunhar seu próprio juramento e oferece piedosos sacrifícios a Jvpiter. Depois de seduzida, a dama no dia seguinte dá à luz dois gêmeos. No final da peça, plavtvs pede ao deus que o perdoe e que fique com a parte do leão nos aplausos. A avlvlaria é a história do tesouro de um avarento narrado com mais estro que molière; o herói recolhe as aparas das unhas e lamenta a perda da água nas lágrimas que derramou. Em menaechme temos a história dos gêmeos que se confundem, 99


COMÉDIA ROMANA

fonte da comédia dos erros de shakespeare. 292. No ano da morte de plavtvs, em 184 AC, Pvblivs terentivs afer possivelmente de sangue africano. Dele nada sabemos a não ser quando começa a aparecer em Roma como escravo do Senator, terencivs lvcanvs. Breve este Senator percebeu o talento do rapaz, deu-lhe cultura e libertou-o, em sinal de gratidão; terentivs tomou-lhe o nome. No caso de terentivs com Stativs temos um belo traço das maneiras Romanas. Pobre e mal vestido, fora terentivs à casa de caecilivs Stativs cujas comédias, hoje perdidas, dominavam o palco da época, e lá leu para ele a primeira cena de andria. Tão encantado ficou Stativs que o convidou para jantar e ouviu com admirada atenção o resto. Também foi ouvido por aemilianvs e laelivs que o induziram a escrever no latim polido, tão caro a ambos. 293. Levado pelo forte helenismo da roda de Scipivs, terentivs aderiu firmemente aos originais Graecis, deu a suas peças títulos Graecis, evitou alusões à vida Romana e chamou-se a si próprio tradutor; uma modesta diminuição de seu trabalho. Não sabemos do destino da peça de que Stativs gostou tanto. A hecyra, que terentivs escreveu a seguir fracassou porque a assistência saiu no meio para assistir a uma luta de ursos. A fortuna sorriu-lhe em 162 AC, quando produziu sua peça de maior fama, heavton timorovmenos, o atormentador de si próprio. Suas últimas peças sofreram em popularidade porque o helenismo já o dominava completamente. Faltava-lhes a vivacidade e o humor de plavtvs; terentivs nunca procurou refletir a vida Romana. 294. Não havia vilões em suas comédias nem atrevidas prostitutas; seus tipos femininos são tratados com ternura e mesmo suas cortesãs elevam-se até aos umbrais da virtude. Era rico em frases sentenciosas que ficaram memoráveis: linc illae lacrimae – daí essas lágrimas –, fortes Fortvna adivvat – a fortuna ajuda aos fortes –, qvot homines tot sententiae – tantos homens, tantas opiniões – e uma centena mais; isso, entretanto, exigia do público um nível literário inexistente na plebe de Roma. Terentivs, liberto semita da líbia, inspirado por laelivs e a Graecia, modelou a língua latina num instrumento literário que no século seguinte iria tornar 100


MARCVS PORCIVS CATO

possível a poesia de vergilivs. 295. A invasão graeca na literatura, na philosophia, ciência e arte, bem como a educação nas maneiras e na moral enchiam de medo e desprezo os Romanos da velha cepa. Um Senator já retirado da lide, valerivs flaccvs, irritava-se com a decadência do caráter Romano, a corrupção política, a substituição do mos maiorvm pelas ideias e costumes Graecis. Numa propriedade próxima, nos arredores de reate, vivia um jovem Plebs, dotado de todas as velhas qualidades Romanas; lá trabalhava de rijo no solo amado, economizava, cultivava a simplicidade e falava com o brilho de um radical, Marcvs porcivs cato. Porcivs porque era de uma antiga família criadora de porcos. Cato, por causa da astúcia e perspicácia da família; cato defendeu e ganhou causas de seus vizinhos nas cortes locais. 296. Flaccvs aconselhou-o a mudar-se para Roma; cato mudou-se e com a idade de 30 anos obteve o lugar de qvaestor, em 204 AC. Em 199 AC era aedil; em 198, Praetor; em 195, Consvl; em 191, tribvnvs; em 184, censor. Entrementes, serviu 26 anos no exército como valente soldado, hábil e impiedoso general. Cato considerava a disciplina como a mãe do caráter e da liberdade; desprezava o soldado que mexia com as mãos na marcha e se preocupava com os pés na luta, e cujo ronco no sono era maior que seu grito de batalha, mas conquistou o respeito dos soldados marchando ao lado deles, dando a cada um uma libra de prata dos despojos, sem nada conservar para si. Os Romanos o escutavam com relutante fascinação, a chibata de sua língua podia cair sobre qualquer dos presentes, mas era agradável ouvi-lo cair no lombo do vizinho. 297. Cato combateu sem tréguas a corrupção e raramente o sol se pôs sem fazer um novo inimigo. Pouca gente o amava; aquela cara cheia de cicatrizes, aqueles cabelos ruivos desconcertavam toda gente; seu ascetismo e sua operosidade envergonhavam os outros, seus olhos verdes devassavam todos os egoísmos. Quarenta e quatro vezes seus inimigos patricii tentaram esmagá-lo por meio de denúncias públicas e quarenta e quatro vezes foi cato salvo pelos votos dos agricultores que, com ele, ressentiam-se da venalidade e do luxo. Quando es101


VALERIVS FLACCVS

ses mesmos votos o fizeram censor, Roma estremeceu. Cato cumpriu as ameaças feitas durante a campanha e impôs pesadas taxas sobre os objetos de luxo, multou Senatores por vida de ostentação, excluiu do Senatvs seis membros cujo passado não os recomendava. 298. Expulsou manilivs por ter beijado a mulher em público; quanto a ele, confessou que jamais havia abraçado sua mulher, exceto quando trovejava, embora gostasse do trovão. Completou o sistema de esgotos da cidade, cortou os canos que clandestinamente furtavam a água dos aquedutos públicos, compeliu proprietários a demolir as construções invasoras ou prejudiciais às vias públicas, fez baixar o preço pago pelas obras públicas e forçou os coletores a entrarem para o tesouro com parte maior das receitas. Depois de cinco anos de heróica oposição à natureza humana, retirou-se do cargo, empregou muito bem seu capital, equipou uma grande quinta com escravos, emprestou dinheiro a juros altos, comprou escravos baratos e depois de bem treiná-los vendeu-os caros; e ficou tão rico que pode dar-se a tarefa de escrever, ocupação que desprezava. 299. Cato foi o primeiro grande escritor em prosa latina. Começou pela publicação de seus discursos. Depois editou um manual de oratória, em que reclamava o rude estilo Romano, em vez do macio de isócrates e dos retóricos. Deu a público suas experiências agrícolas no de agri cvltvra, a única de suas obras e a mais velha das obras latinas que se salvou. Estilo simples e vigoroso, compactamente substancioso, cato não desperdiçava palavras e raramente recorria a uma conjunção. Dá minuciosos conselhos sobre a compra e venda de escravos: os velhos devem ser vendidos antes que se tornem um encargo; sobre a meação das terras, a viticultura e arboricultura, a economia doméstica e industrial, sobre argamassas e confeitaria, sobre resfriado e diarréia, o tratamento da mordedura de cobra com bosta de porco e a oferta de sacrifícios aos deuses. 300. Perguntado sobre qual o melhor emprego das terras na agricultura, respondeu: proveitosa criação de gado. E depois? Criação de gado com lucros modestos. E em terceiro lugar? Criação de gado sem lucros. E em quarto? O aramento da terra. Escrevendo-os em latim 102


SÓCRATES

esperava desalojar os textos Graecis que, a seu ver, estavam estragando o miolo dos moços. Embora estudasse ele próprio o Graecvs, cato parecia sincero em sua crença de que a educação na literatura e philosophia graecas dissolveria as crenças religiosas da mocidade Romana, deixando-a indefesa contra os instintos de aquisição, pugnacidade e sexo. Sua condenação visava sócrates, essa velha parteira, toda tagarelice pensava cato, que com justo motivo fora envenenado, porque de fato solapava a moral e a lei de Athenas. Escreveu ele ao filho: os Graecis são uma raça iníqua e intratável. Acredita no que digo: quando esse povo embutir em Roma sua literatura, tudo ficará arruinado. E com muita rapidez, se nos mandarem seus médicos. 301. Com essas ideias, era ele um natural antagonista da roda de scipio, interessada na expansão da literatura graeca em Roma como levedura indispensável ao crescimento da mentalidade Romana e elevação das letras latinas. Cato deu apoio à denúncia de scipio africanvs e Lvcivs, as leis contra os defraudadores não deviam respeitar ninguém. Quanto às relações exteriores, advogou a política da justiça e da não-intervenção, exceto em um caso. Desprezando os Graecis, respeitava a Graecia; e quando os espoliadores imperialistas do Senatvs fomentaram a guerra contra rhodes, ele pronunciou discurso decisivo em favor da conciliação. A exceção ocorreu no caso de Carthago. Cato esteve lá em missão oficial em 175 AC e impressionou-se com a rápida restauração da cidade depois da derrota de Hannibal. 302. A beleza dos vinhedos e pomares, com a riqueza que fluía do comércio renascido, com o armentismo em surto nos arsenais. De retorno à Roma apresentou ao Senatvs uma cesta de figos apanhados em Carthago três dias antes, como odioso símbolo da prosperidade e proximidade de Carthago e pedisse que a cidade inimiga fosse deixada à vontade breve estaria de novo em condições de recomeçar a luta pela hegemonia do mediterrâneo. Cato passou a concluir seus discursos, sobre qualquer assunto que fosse, com o estribilho: cetervm censeo delendam esse carthaginem. E também penso que Carthago deve ser destruída. Os imperialistas do Senatvs concordaram, não porque cobiçassem o comér103


PHOENECI

cio de Carthago, mas porque viam nos bens irrigados campos do norte da África uma boa oportunidade para emprego de seus dinheiros. Novos latifúndios a serem trabalhados por novos escravos. 303. O pretexto veio do mais extraordinário governante daqueles tempos. Masinissa, rei da Nvmídia, viveu 90 anos, 238-148 AC, teve um filho aos 86 anos de idade e por ter um saudável regime conservou-se em plena saúde até o fim. Organizou seu povo nômade em uma sociedade agrícola sedentária, governou-o habitualmente durante 60 anos, adornou cirta, a capital, com arquitetura senhoril e deixou como seu túmulo a grande pirâmide que ainda hoje se ergue na tunísia, perto da cidade de constantina. Havendo conquistado a amizade de Roma e conhecedor da fraqueza política de Carthago, muito amiúde masinissa invadia e se apropriava de terras carthaginienses; tomou leptis e outras cidades, e, por fim, passou a controlar todo o território próximo da cansada metrópole. Impedida pelo tratado de zama, de fazer guerra sem o consentimento de Roma, Carthago mandou embaixadores ao Senatvs que protestassem contra o procedimento de masinissa. 304. O Senatvs respondeu que todos os phoeneci eram intrusos na África, e lá não tinham direitos que as nações bem armadas fossem obrigadas a respeitar. Depois de haver pago a Roma a última das 50 prestações de 200 talentos anuais da indenização imposta, Carthago sentiu-se liberada de todas as obrigações do tratado. Em 151 AC declarou guerra contra a Nvmídia. Um ano mais tarde Roma lhe declarava guerra. Três anos suportou Carthago o sítio por terra e água. Sucessivamente, os cônsules lançaram seus exércitos contra as muralhas e foram repelidos, só scipio aemilianvs, um dos tribunos militares, revelou-se à altura da empresa. Em 147 AC, o Senatvs e a assembleia o nomearam Consvl, com o assentimento do próprio cato. Logo depois laelivs conseguiu escalar as muralhas. 305. Embora enfraquecidos e dizimados pela fome, os carthaginienses lutaram de casa em casa durante seis dias de massacre sem quartel. Hostilizado pelos guerrilheiros escondidos nas casas, scipio ordenou que todas as ruas tomadas fossem queimadas e deixadas rasas com 104


ARGENTARII

o chão. Centenas de carthaginienses ocultos pereceram nos incêndios. E, por fim, reduzida de 500.000 a 50.000, a população se rendeu. Hasdrvbal, o general, implorou a vida a scipio e obteve-a; mas sua mulher denunciou-lhe a covardia e lançou-se com os filhos nas chamas. Relutando em arrasá-la, scipio mandou pedir a Roma instruções finais; o Senatvs respondeu que não somente Carthago, mas todos os seus arredores deviam ser completamente destruídos, o solo arado e espalhado de sal e maldito fosse o homem que tentasse construir naquele sítio! O incêndio de Carthago durou 17 dias. 306. Até IV AC ainda era o gado aceito como moeda, por ter valor em toda parte e ser de fácil locomoção. Com o desenvolvimento do comércio entraram em uso rudes placas de cobre – aes –, com função de moeda estimar no sentido de avaliar era originalmente aes timare - avaliar em cobre. Unidade de valor, o as - um, isto é, uma libra - peso de cobre; ex-pend significava ter sido pesado. Quando, em 338 AC, o estado cunhou o cobre, as moedas traziam a imagem de um boi, e daí o nome de pecvnia-pecvs – gado –. Na primeira guerra púnica, diz plinivs: a res pvblica, não tendo meios de enfrentar as necessidades, reduziu o asse; deste modo operou uma redução de cinco sextos na dívida pública. Em 269 AC foram cunhadas duas moedas de prata: o dentarivm igual a 10 asses e o sestéreivs, valendo 2 asses e meio ou um quarto do dentarivm. Em 217 AC aparecem as primeiras moedas de ouro, o avrei, com o valor de 20, 40 e 60 sestércivs. 307. A emissão de moeda oficial trouxe como sequência a finança. Os antigos Romanos faziam de seus templos os bancos e até o fim o estado continuou a usar santuários, solidamente construídos, como repositórios dos fundos públicos. Uma das ruas próximas do fórvm tornou-se a rua das finanças. Cheia de argentarii e trapezitae – emprestadores de dinheiro e cambistas –. O dinheiro era dado mediante a garantia das terras, das colheitas, de obrigações ou contratos com o governo e também para financiamento de empresas comerciais ou viagens. O empréstimo cooperativo fazia as vezes do seguro industrial; em vez de um só banqueiro realizar o financiamento, associavam-se para usos diversos. So105


COMÉRCIO ROMANO

ciedades anônimas formavam-se principalmente para a execução dos contratos públicos postos em concorrência pelo censor. 308. Levantava-se o capital com a venda ao público de ações ou obrigações sob forma de partes ou particulae. Essas companhias de pvblicani, isto é, homens empenhados em empreendimentos públicos, desempenharam papel ativo no suprimento e transporte de Materiais para o exército e a esquadra por ocasião da segunda guerra púnica. Os eqvites – homens de negócio – dirigiam as empresas maiores; os libertos dirigiam as menores. Os negócios particulares eram conduzidos pelos negotiatores, de ordinário com recursos próprios. 309. A indústria estava nas mãos dos artífices independentes, que trabalhavam em oficinas autônomas. O trabalho já estava altamente especializado e produzia mais para o mercado geral do que para fregueses industriais. No século II AC encontramos associações de cozinheiros, tanoeiros, construtores, ferreiros e bronzeiros, cordoeiros e tecelões. A principal finalidade de tais uniões era o simples prazer do convívio social; muitas se constituíam para benefício mútuo e custeio das despesas funerárias. 310. A política econômica do estado Romano sempre foi liberal; depois de vencer Carthago abriu o mediterrâneo ao comércio do mundo e estendeu sua proteção a vtica e, em seguida, a delos, sob a condição de se tornarem portos livres, permitindo a entrada e saída dos navios sem pagamento de taxas. Criou um imposto alfandegário, de 2,5%, sobre a entrada da maior parte dos produtos em Roma e mais tarde estendeu essa modesta tarifa às outras cidades. 311. Esta notável expansão foi realizada mais por acidente do que intencionalmente. Espíritos arrojados como scipio aemilianvs, e seu circvlvm scipionicvs: laelivs, panaetivs, terencivs e lvcilivs, aceitaram o crescimento de Roma conscientemente, ao passo que a maioria dos Romanos a ela foi arrastada pela mera compulsão dos fatos. Os Romanos afirmaram sempre que não buscavam uma política de conquista e que eram provocados a agredir. É preciso convir que tal afirmativa não é uma simples frase. Foram, na realidade, levados a todas às 106


SENATVS

grandes guerras, desde as de Hannibal e Antiocvs até as de Felipe e persev, ou por agressão direta ou por distúrbios políticos. Marcvs porcivs cato – catão senior – teria limitado o domínio Romano à Itália. A pressão das circunstâncias, porém, era demasiado forte; conquistas trouxeram riquezas, o dinheiro, um argumento poderoso; a aristocracia governante se tornou uma plutocracia cujo apetite crescia a cada êxito. O poder governante permanente, neste período, era o Senatvs, o qual, com 300 membros, guiara a res pvblica através das grandes guerras de defesa e de conquista. 312. O Senatvs elaborava as leis a serem sancionadas e acolhia em seu seio os magistrados eleitos. Em fins do século II AC tornara-se virtualmente uma oligarchia de famílias detentoras de cargos. A oligarchia Senatorial a si própria deu o nome de optimates, como se corporificasse sabedoria do estado. Em oposição desenvolveu-se a ação dos popvlares, com enorme poder devido ao seu número. Emergências, suspensão das leis, induziam ao desrespeito à legislação normal. A administração dos domínios estrangeiros era pouco mais que uma farsa. Não havia princípio de governo provincial e, portanto, nenhuma continuidade; tudo dependia do caráter do pró-Consvl. Inexistia serviço público permanente. As finanças públicas eram o caos manifesto. 313. Propriedades estatais e os tributos devidos por possessões estrangeiras eram dados em arrendamento a sociedades anônimas de capitalistas Romanos. Roma mudara muito desde os tempos da militia de aristocratas que construíra sua grandeza. Os exércitos agora não mais eram formados de recrutas alistados, sendo o soldado um profissional que sentava praça sob determinado general para estabelecida campanha e esperava obter sua recompensa deste general. Sua lealdade era dedicada a este e não ao estado e o sacramentvm, juramento militar, era seu contrato. Um tal exército constituía poderosa arma em mãos de um grande comandante e poderia ser facilmente utilizado para romper nós em uma disputa política. 314. A lei foi a mais característica e duradoura expressão do espírito Romano. Roma aparece como a paladina da ordem. Fundir esses diferentes legados, harmonizar-lhes à oposição: eis a tarefa dos estadistas. 107


IMPOSTOS ROMANO

PRAETOR PEREGRINVS

SERVILIVS CAEPIO

AGRICULTURA ROMANA

108


ARGENTARII

SÓCRATES

PHERSV

FELIPE V

109


SCIPIO AFRICANVS

PVBLIVS CORNÉLIVS SCIPIVS

JANVS

ODYSSEVS

110


FABIVS MAXIMVS

TRICLINIVM

THERMAE

TEPIDARIVM


ROMA

KAI SV TEKNON

112


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