Esta dissertação, que toma a forma de relatório de projecto, apresenta um estudo de viabilidade da integração de espaços de cultivo agrícola, sob a forma de hortas, no interior de áreas urbanas herdadas. Este estudo desenvolve-se através de uma componente teórica e de um outra projectual e de natureza exemplificativa, e tem o propósito de contribuir para a resposta às seguintes questões: qual a pertinência da existência de hortas urbanas no interior da cidade? como se podem materializar esses espaços no planeamento urbano de realidades consolidadas? e como se compatibiliza o seu desenho entre os domínios público e privado?
O tema desta dissertação surge no desenvolvimento do projecto realizado na disciplina de Projecto Final do Mestrado Integrado em Arquitectura do Instituto Superior Técnico, que se focou na zona do vale de Chelas, em Lisboa, a propósito da proposta para a Terceira Travessia sobre o Tejo. A dissertação centra-se na análise e reflexão sobre a forma como a reestruturação urbana dessa área poderá acontecer e apresenta uma intervenção projectual para essa reabilitação.
O trabalho foi desenvolvido e é apresentado com base em três partes fundamentais: “Desenvolvimento Urbano Sustentável”, que contém uma revisão teórica sobre entre os temas subjacentes à intervenção urbana e à temática específica dos espaços de cultivo agrícola; “Lisboa . Chelas . 2011”, que incide sobre o enquadramento histórico, biofísico, social, económico e legal do local para onde foi desenvolvida a proposta de intervenção, e que inclui a análise dos resultados de um inquérito feito aos hortelões em exercício no local de estudo; “(re)Ocupação do Vale de Chelas - Proposta de Intervenção”, no qual é descrita e justificada a proposta de intervenção para a reestruturação urbana do local em análise.
Tendo por base o estudo de experiências relevantes de formalização de espaços de cultivo no interior de áreas urbanas já consolidadas bem como o estudo concreto de intervenção realizado na área de Chelas, a principal conclusão deste trabalho é uma recomendação no sentido de oferecer respostas contextualizadas na procura do desejado equilíbrio urbano. Existem inúmeras possibilidades que, ao nível local, podem contribuir eficazmente para promover a integração dos vários lugares urbanos. A inserção de hortas urbanas pode contribuir para esse fim, permitindo unir, intersectar ou complementar os espaços de domínio público e os de âmbito privado, promovendo a melhoria do equilíbrio entre os vários protagonistas do espaço urbano.
Palavras chave: Planeamento Urbano Agricultura urbana Hortas Urbanas Chelas, Lisboa i
This thesis takes the form of an architecture design report, studying the feasibility of the integration of agricultural production spaces, in the form of kitchen gardens, within inherited urban areas. Through the development of a theoretical study and the examination of case studies this work intends to answer the following questions: what is the relevance of the existence of agricultural production spaces in the inner city; how can these spaces be materialized within the urban planning (and regeneration) of consolidated realities; and how can its design reconcile the public and private realms.
This report stems from the development of a design project in the Chelas Valley in Lisbon, conducted in the final course of the Master in Architecture program at the Technical University of Lisbon (IST). The main premise of the project is the proposed third bridge over the Tagus River. In the context of a project intervention for the large-scale rehabilitation of the Chelas Valley it is necessary to review and reflect on how redevelopment will follow.
The study was structured and conducted in three main parts: "Sustainable Urban Development", which contains a theoretical review of the
underlying
themes of urban
intervention and
the specific
subjects dealing
with
urban
agricultural
production
areas; "Lisbon. Chelas. 2011“, which focuses on the (historical, biophysical, social, economic and legal) background of the intervention area, containing a section dedicated to a field survey made with the working horticulturists at the area in question; "(re) occupation of the Valley of Chelas – Intervention Proposal”, in which the intervention proposal for the urban restructuring of the site is described and justified.
The conclusions from this study reveal that the experiences of the formalization of productive landscapes within pre-existing urban areas offer a number of different solutions – that might provide a similar urban balance. But there are no absolute solutions. There are numerous possibilities that, at a local level, can effectively contribute to the promotion and integration of diversified urban places. The inclusion of urban kitchen gardens can unite, intersect and complement the urban realities between the public and private spheres, fostering an improved balanced relationship.
Keywords: Urban Planning Urban Agriculture Urban Kitchen Gardens Chelas, Lisboa (Lisbon) ii
Gostaria de agradecer a todos os que, directa ou indirectamente, contribuíram para o desenvolvimento deste trabalho.
A todos os docentes que desenharam a minha formação. À Professora Teresa Heitor, pela presença constante e pela orientação no momento final do meu percurso académico.
À Professora Isabel Loupa Ramos, pela forma entusiasmada e entusiasmante com que orientou o caminho deste trabalho. Ao Professor Frederico Moncada, pela disponibilidade em rever o meu trabalho projectual. Aos Arquitectos Jorge Cancela e Maria José Fundevila e à Professora Graça Saraiva, pela disponibilidade e paciência.
À família de que estou ausente, mas que trago sempre comigo. A todos os colegas que se tornaram amigos, e a todos os amigos que se tornaram família.
À minha mãe e ao meu pai, que me apoiam contínua e incondicionalmente, e a quem agradeço e dedico este momento da minha vida. Espero, um dia, saber retribuir-vos.
Finalmente ao Yo-Yo Ma, pelas razões óbvias.
iii
Resumo................................................................................................................................................................................. iv Abstract ............................................................................................................................................................................... ivi Agradecimentos.................................................................................................................................................................. ivii Índice ................................................................................................................................................................................... iv Índice de Figuras .................................................................................................................................................................. vi Índice de Quadros ............................................................................................................................................................... vii 1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................................................................... 1 1.1 OBJECTO DE TRABALHO .......................................................................................................................................................... 2 1.2 MOTIVAÇÕES DA AUTORA ....................................................................................................................................................... 3 1.3 ESTRUTURA E MÉTODOS ADOPTADOS ..................................................................................................................................... 4 2. DESENVOLVIMENTO URBANO SUSTENTÁVEL ................................................................................................................... 6 2.1 OS ESPAÇOS VERDES NOS MODELOS URBANOS PÓS-INDUSTRIAIS........................................................................................... 7
2.1.1 THINK GLOBALLY, ACT LOCALLY ..................................................................................................................................... 12 2.2 O CAMPO NA CIDADE ............................................................................................................................................................ 18 2.2.1 AGRICULTURA URBANA .................................................................................................................................................. 18 2.2.1.1 MOTIVAÇÕES PARA A AGRICULTURA URBANA .......................................................................................................... 19 2.2.1.2 NECESSIDADES E DESAFIOS .................................................................................................................................... 22 2.2.2 HORTAS URBANAS ......................................................................................................................................................... 25 2.2.2.1 QUE HORTAS?......................................................................................................................................................... 25 2.2.2.2 A ÁGUA ................................................................................................................................................................... 26 2.3 CASOS EXEMPLIFICATIVOS DA INTRODUÇÃO DE ESPAÇOS DE CULTIVO EM AMBIENTES URBANOS ......................................... 31 2.3.1 HAVANA, CUBA .......................................................................................................................................................... 31 2.3.2 URBAN FARMING PROJECT, MIDDLESBROUGH, INGLATERRA ...................................................................................... 33 2.3.3 RAVINE CITY, TORONTO, CANADÁ.............................................................................................................................. 34 2.3.4 LISBOA ...................................................................................................................................................................... 36 3. 2011 . LISBOA . CHELAS .................................................................................................................................................. 40 3.1 CHELAS AG [antes de De Gröer] ............................................................................................................................................. 41
iv
3.2 CHELAS PLANEADA................................................................................................................................................................ 45 3.3 AS FUNÇÕES URBANAS.......................................................................................................................................................... 58 3.4 ENQUADRAMENTO SOCIAL E ECONÓMICO ............................................................................................................................. 62 3.5 A ESTRUTURA VERDE DE CHELAS .......................................................................................................................................... 67 3.6 O LUGAR BIOFÍSICO.............................................................................................................................................................. 70 3.7 AS HORTAS URBANAS EM CHELAS ......................................................................................................................................... 75 4. [RE]OCUPAÇÃO DO VALE DE CHELAS - proposta de intervenção .................................................................................... 82 4.1 AS PREMISSAS INICIAIS ........................................................................................................................................................ 83 4.2 A PROPOSTA [P02] ................................................................................................................................................................ 92 4.3 REFLEXÃO SOBRE AS SOLUÇÕES ADOPTADAS .......................................................................................................................100 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................................................................. 102 5.1 SOBRE O TRABALHO TEÓRICO .............................................................................................................................................103 5.2 SOBRE A PROPOSTA DE INTERVENÇÃO .................................................................................................................................104 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................................................................................... 105 ANEXOS ............................................................................................................................................................................. 111 Anexo I - Cartografia de Lisboa ...................................................................................................................................................112 Anexo II – Primeiro Esboço para o Regulamento para Instalação e Funcionamento de Áreas de Agricultura Urbana – Câmara Municipal De Lisboa. .................................................................................................................................................................................113 Anexo III - Questionário Base .....................................................................................................................................................118 Anexo IV - Apresentação de resultados relevantes do inquérito .....................................................................................................125 Anexo V – Desenhos Técnicos ....................................................................................................................................................139 Anexo VI – Resumo de Indicadores Urbanos dos Elementos Construídos Propostos ........................................................................140
v
Figura 1 - Fluxograma de exposição de métodos adoptados ................................................................................................................. 5 Figura 2 - Evolução da população urbana e rural no mundo (adaptado de Mougeot (2006), fonte: Nações Unidas) ................................. 7 Figura 3 - Central Park, Nova Iorque (imagem da autora, fonte: Google maps, Google images) ............................................................. 8 Figura 4 – Emerald Necklace, Boston (fonte: Jellicoe, 1995) ................................................................................................................. 9 Figura 5 - Cidade Linear, Arturo Soria y Mata (fonte: Saraiva, 2007) ................................................................................................... 10 Figura 6 - Cidade Jardim, Ebenezer Howard (fonte: Howard, 2010) .................................................................................................... 10 Figura 7 - Metabolismo linear vs. Metabolismo circular (adaptado de Girardet, 2006)........................................................................... 14 Figura 8 - Agricultura - Urbanas - Hortas Urbanas (imagem da autora, fonte: Matos, 2010) ................................................................. 16 Figura 9 - Origem de produtos alimentares (imagem da autora) ......................................................................................................... 17 Figura 10 - Quinta da Bacalhôa - corte esquemático (adaptado de Ramos, 1990) ................................................................................ 29 Figura 11 – Hortas urbanas em Havana, Cuba (fonte: Viljoen, 2005) .................................................................................................. 32 Figura 12 - Urbans Farming Project, Middlesbrough, Inglaterra (fonte: Carrot City) ............................................................................. 34 Figura 13 - Ravine Cityt, Toronto, Canadá (fonte: Hardwicke, 2007) ................................................................................................... 35 Figura 14 - Horta Comunitária da Alta de Lisboa (fonte: Google maps; AVAAL) ................................................................................... 36 Figura 15 - Horta Popular da Graça, Lisboa (fonte: Google maps)....................................................................................................... 38 Figura 16 - Parque Hortícola de Chelas, Lisboa (fonte: Google maps) ................................................................................................. 39 Figura 17 - Evolução da urbanização de Lisboa.................................................................................................................................. 41 Figura 18 - Identificação de Marvila, Chelas e freguesias limítrofes (fonte: CML, de acordo com a nova proposta para as freguesias de Lisboa) ........................................................................................................................................................................................... 42 Figura 19 - Localização de Quintas em Lisboa (fonte: Ribeiro, 1992) .................................................................................................. 43 Figura 20 - Identificação da zona em estudo (Chelas) (fonte: Google maps) ....................................................................................... 45 Figura 21 - Plano Director de Urbanização de Lisboa (1948) (fonte: CML; GTH, 1965) ......................................................................... 46 Figura 22 - Plano Director de Urbanização de Lisboa (1959) (fonte: CML; GTH, 1965) ......................................................................... 47 Figura 23 - Plano Director de Lisboa (1977) (fonte: CML) ................................................................................................................... 48 Figura 24 - Evolução da expropriação de terreno em Chelas (fonte: Heitor, 2001a) ............................................................................. 49 Figura 25 - Plano de Urbanização de Chelas (1965) - plano base do GHT, iniciado em 1960; plano original, 1964; revisão, 1964 (fonte: GTH, 1965; CML) ............................................................................................................................................................................ 50 Figura 26 - Identificação de unidades habitacionais (bairros) de Chelas (fonte: Google maps) .............................................................. 51 Figura 27 - Evolução da construção de elementos edificados em Chelas (fonte: Heitor, 2001a) ............................................................ 52 Figura 28 - Plane Estratégico de Lisboa (1992) (fonte: CML) .............................................................................................................. 53 Figura 29 - Plano Director Municipal (1994) – Classes de Usos do Solo (fonte: CML, 1994) .................................................................. 54 Figura 30 - Plano Director Municipal (revisão 2011) - Estrutura Ecológica Municipal (fonte: CML, 2011) ................................................ 56 Figura 31 - Plano Director Municipal (revisão 2011) - Sistema de Vistas (fonte: CML, 2011) ................................................................. 56 Figura 32 - Plano Director Municipal (revisão 2011) - Qualificação do Espaço Urbano (fonte: CML, 2011) ............................................. 57 Figura 33 - Usos do solo (imagem da autora de acordo com o trabalho efectuado à data da elaboração do projecto P01, 2009) ............ 58 vi
Figura 34 - Estado de conservação (imagem da autora de acordo com o trabalho efectuado à data da elaboração do projecto P01, 2009) ...................................................................................................................................................................................................... 59 Figura 35 - Rede viária (imagem da autora de acordo com a revisão do PDM, 2011) ........................................................................... 60 Figura 36 - Rede de transportes públicos (imagem da autora de acordo com os dados recolhidos à data da elaboração do projecto P01, 2009) ............................................................................................................................................................................................. 61 Figura 37 - As componentes naturais nos instrumentos de planeamento urbano (imagem da autora com base nos planos referidos na secção “Chelas Planeada”) ............................................................................................................................................................... 68 Figura 38 - Carta altimétrica (imagem da autora) .............................................................................................................................. 70 Figura 39 - Carta de declives (imagem da autora) ............................................................................................................................. 71 Figura 40 - Carta de exposições solares (imagem da autora) .............................................................................................................. 71 Figura 41 - Carta hidrográfica (imagem da autora) ............................................................................................................................ 72 Figura 42 - Carta geológica (imagem da autora) ................................................................................................................................ 73 Figura 43 - Carta de risco sísmico (imagem da autora) ...................................................................................................................... 73 Figura 44 - Localização dos principais núcleos de hortas urbanas em Lisboa. (fonte: CML, 2011) ......................................................... 76 Figura 45 - Identificação de local em estudo (fotografia da autora; fonte: Google maps) ..................................................................... 77 Figura 46 - Hortas Urbanas em Chelas .............................................................................................................................................. 78 Figura 47 - Identificação da área de projecto (P01) (fonte: Google maps) ........................................................................................... 83 Figura 48 - Rede de espaços públicos proposta ................................................................................................................................. 86 Figura 49 – Composição da estrutura ecológica proposta ................................................................................................................... 87 Figura 50 - Estrutura de componentes de usos do solo proposta ........................................................................................................ 87 Figura 51 - Esquema da rede de estrutura viária proposta ................................................................................................................. 88 Figura 52 - Três eixos de intervenção ............................................................................................................................................... 89 Figura 53 - Cruzamento de eixos determinantes na proposta de intervenção ....................................................................................... 90 Figura 54 -Zona habitacional proposta - sketch ................................................................................................................................. 93 Figura 55 - Perfis viários propostos ................................................................................................................................................... 95 Figura 56 - Largo de Chelas proposto - sketch................................................................................................................................... 96 Figura 57 - Funcionamento de um talhão 'tipo' - sketch .................................................................................................................... 98 Figura 58 - Funcionamento do sistema de recolha e utilização de águas (fonte: Senatsverwaltung fur Stadtentwicklung, 2007) ............. 99
Quadro 1 - Consumo doméstico típico de água (Austrália e Europa). (fonte: www.greenhouse.gov.au e www.eea.europa.eu/).............. 28 Quadro 2 - Resumo de indicadores demográficos (fonte: Seixas, 2005a) ............................................................................................ 63 Quadro 3 - Análise SWOT ................................................................................................................................................................ 85
vii
A presente dissertação, que toma a forma de um relatório de projecto, pretende estudar a viabilidade da integração de espaços de cultivo agrícola, sob a forma de hortas, no interior de áreas urbanas herdadas. Pretende desenvolver-se um estudo teórico e exemplificativo sobre a pertinência – no que diz respeito à sustentabilidade ecológica, social e económica – da existência destes espaços no interior da cidade.
Este relatório surge no desenvolvimento do projecto realizado na disciplina de Projecto Final do Mestrado Integrado em Arquitectura do Instituto Superior Técnico (no ano lectivo de 2008/2009), que se focou na zona do vale de Chelas, em Lisboa, a propósito da proposta para a Terceira Travessia sobre o Tejo.
A área em foco relaciona-se directamente com o que foi estabelecido nos pressupostos do Plano de Urbanização de Chelas, que assume uma identidade formal que vai de encontro aos princípios modernos do urbanismo. “Entre estes, o conceito de aptidão ecológica determinou a implantação da edificação. É assim que esta prefere as encostas e as cumeadas, liberando as áreas adjacentes das linhas de água” (Telles, 1999, 6). Os bairros que resultaram desta forma de pensar a cidade deixam libertos, ainda hoje, espaços que têm sido ocupados, de forma informal e espontânea pelos moradores que aí se estabeleceram, com actividades de cultivo agrícola. Esta actividade assumiu uma forma tão intensiva e presente que se tornou uma fortíssima característica na identidade do Vale de Chelas. O trabalho prático desenvolvido destacou, de forma mais directa, a presença da horta urbana associada à proposta de novas zonas habitacionais, mas engloba também espaços culturais e de comércio que podem vir a funcionar, num todo, em simbiose com as áreas de cultivo agrícola.
Assim, ciente das mutações sociais e formais que caracterizam a evolução da cidade de Lisboa (e particularmente da zona de Chelas), pretende-se estudar uma proposta integrada nas características desafiantes deste contexto biofísico e social, tendo presentes os instrumentos legais definidos para a área afecta à zona de projecto.
O trabalho prático desenvolvido é, então, uma proposta formal que vai de encontro às perguntas lançadas como objectivos para o estudo teórico:
01
Que pertinência tem a existência de actividades afectas à agricultura em espaços urbanos? Como contribuem as hortas urbanas para o desenvolvimento sustentável num espectro local e da cidade em que se inserem?
02
Como se podem materializar esses espaços no planeamento urbano de realidades consolidadas?
03
Como se compatibilizam as hortas urbanas entre os domínios público e privado?
2
O grande crescimento do espaço edificado na cidade, iniciado na era posterior à Revolução Industrial um pouco por toda a Europa (e em Portugal, sobretudo a partir da década de 60 do século passado), tem vindo a provocar um aumento de poluição e destruição de recursos naturais e, em última instância, a diminuição da qualidade de vida. A cidade industrial moderna (e contemporânea) tem vindo a ocupar e edificar os espaços que outrora eram rurais, subvertendo ou ignorando os valores ecológicos e culturais dos lugares que ocupa.
Assim, o desenvolvimento sustentável de uma cidade, num Mundo de recursos finitos, realça a urgência de pensar novas formas de viver e a necessidade de repensar a ocupação do território, no sentido de preservar os recursos naturais de que ainda dispomos, para que se promova um futuro mais inteligente para os Seres que o habitam.
É objectivo deste trabalho estudar, exemplificando através de casos já existentes e também do projecto desenvolvido, a viabilidade da integração de espaços de produção agrícola, para usos diversos, no contexto de uma cidade consolidada, como é o caso de Lisboa. Para tal será importante perceber de que forma esses espaços agrícolas são integrados e como existem tanto no espaço público como no privado, de que forma se articulam com a estrutura ecológica da cidade e como contribuem para o bem-estar das pessoas que deles usufruem.
O interesse posto na questão em estudo prende-se, então, com a urgência de estudar e discutir a forma como pode evoluir a ocupação de uma das zonas menos densificadas da cidade de Lisboa, que utilidade terá a inclusão do espaço de cultivo agrícola na estrutura verde urbana e que tipo de comunicação e preponderância terá na vizinhança próxima onde se estabelece, nomeadamente num contexto de edificações predominantemente afectas a habitação colectiva.
O principal desafio – e, talvez por isso, o principal interesse -, previsto no contexto do planeamento urbano, é o de integrar os diversos domínios que a disciplina propõe. Tal como evidenciado por Patsy Healey (2006) compete aos agentes da acção de planeamento a integração de dinâmicas e funções, de perspectivas, de políticas e responsabilidades.
3
O trabalho propõe a análise e reflexão sobre a forma como a reestruturação urbana poderá acontecer e apresenta uma proposta para essa reabilitação no contexto do Vale de Chelas, integrando as freguesias de Marvila e do Beato, em Lisboa.
O relatório é composto por cinco capítulos incluindo este, “Introdução”, no qual é apresentado e justificado o tema de estudo, e descrito o objectivo do trabalho e os métodos utilizados para a sua concretização.
O segundo capítulo, “Desenvolvimento Urbano Sustentável”, apresenta uma revisão da bibliografia consultada, no sentido de explorar o conceito de desenvolvimento urbano sustentável. Neste contexto, depois de uma exposição de conceitos abstractos sobre o como e o porquê da necessidade de repensar a ocupação urbana, os temas abordados são: a estrutura verde e o papel que desempenha na organização e desenho da cidade, a agricultura urbana - perceber como e por que têm vindo a surgir nas cidades -, e a sua pertinência na qualidade da vida urbana, no sentido de entender como se maximizam a utilização territorial e os recursos humanos e naturais disponíveis.
O terceiro capítulo, “Lisboa . Chelas . 2011”, incide sobre o local para o qual foi desenvolvido o projecto a apresentar. É feito um enquadramento histórico, biofísico, social e económico e legal no sentido de entender como tem vindo a evoluir a ocupação de Lisboa e, mais especificamente, do sítio focado, e compreender onde se encaixa nos temas relevantes para o planeamento integrado da cidade. Uma secção integrante deste capítulo é dedicada a um inquérito aos hortelões em exercício no local de estudo. Nessa secção focam-se aspectos relacionados com a situação presente de cada hortelão no que diz respeito ao próprio cultivo agrícola e, sobretudo, apresentamse as perspectivas e expectativas dos horticultores em exercício relativamente ao futuro desse espaço de cultivo. Tendo como públicoalvo a população activa nas hortas da área em estudo, o inquérito também incide sobre a forma como os inquiridos habitam o Vale de Chelas e sobre o tipo de relacionamento que têm com o meio (urbano, ambiental e humano) que os rodeia.
No quarto capítulo, “(re)Ocupação do Vale de Chelas . Proposta de Intervenção”, é descrito e justificado o trabalho apresentado na disciplina Projecto Final do mestrado, desenvolvido a propósito da reabilitação urbana do Vale de Chelas, tendo como contexto a proposta para uma Terceira Travessia sobre o Tejo. Este capítulo contempla a apresentação de uma reformulação desse projecto, no sentido de rever os aspectos menos conseguidos e de aproximá-lo de uma formulação prática mais próxima da consequência do estudo teórico feito no presente relatório, nomeadamente no que diz respeito ao desenho de espaços de produção agrícola integrados no meio urbano.
No capítulo final da dissertação, “Considerações Finais”, são discutidas algumas considerações finais sobre o trabalho teórico desenvolvido e sobre como essa mesma aprendizagem tomou forma na proposta de intervenção.
Para a realização do presente trabalho foi adoptado o método exposto na (Figura 1). Esta abordagem envolveu as pesquisas teóricas sobre o tema e o local em foco, para que a posterior intervenção projectual fosse feita de forma consistente com os trabalhos teóricos entretanto desenvolvidos e com o entendimento do lugar de projecto. 4
5
Finda a primeira década do século XXI pode dizer-se que a humanidade se torna uma espécie predominantemente urbana. Os indicadores demográficos relativos ao século XX revelam um movimento massivo da população em direcção aos pólos urbanizados, principalmente nos países em vias de desenvolvimento (Figura 2). Segundo o estudo realizado pelas Nações Unidas, a população urbana a viver no planeta, tanto nos países do Sul como do Norte, tem vindo a aumentar principalmente nos países do Sul – a população urbana nestes países aumentou em quase 300% entre 1950 e 2010. Outro dado importante a reter deste estudo é que a curva do total da população rural dos países do Sul, que até agora se encontrava em sentido ascendente, irá começar a inverter-se e a tendência é que o total de população urbana irá suplantar o total de população rural. Também os indicadores relativos aos países designados por desenvolvidos já desde a segunda metade do século XX indicam uma predominância da população urbana face à rural – diferença esta que é tendencialmente crescente.
A cidade, erigida de forma artificial, é agora o habitat natural da espécie Humana, o que implica que esta tenha de encontrar novos parâmetros e uma nova definição para a sua relação com o meio ambiente. Admitindo este habitat como ponto de concentração populacional e económico, facilmente compreendemos que é também onde são mais elevados os níveis de consumo pessoal, que se reflectem posteriormente em grandes níveis de consumo colectivo.
“Mas os impactes ambientais de uma humanidade em urbanização são uma grande causa de preocupação. Para além de um (quase) monopólio no que diz respeito ao uso de combustíveis fósseis, metais e betão, esta humanidade urbanizada consome também quase metade da capacidade fotossintética da Natureza” (Girardet, 2010: 3). O impacte humano nos ecossistemas e paisagens, actualmente
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referido por Pegada Ecológica1, é um conceito que deve ser considerado na equação do planeamento urbano das cidades contemporâneas, dado ser fundamental controlar a superfície ambiental necessária à produção de bens e serviços indispensáveis ao suporte dos ciclos de vida natural e humana e compatibilizá-los com os estilos de vida que adoptamos.
Este processo de absorção vem acontecendo desde o período da Revolução Industrial, ao qual se associa o início do movimento de urbanização, reflectido no crescimento de cidades já existentes e na criação de novos núcleos urbanos, um pouco por todo o mundo.
O conceito de espaço verde urbano existe associado a um lugar de paisagem natural inserido num contexto de urbanizado. A preocupação de corrigir as más condições de salubridade que se instalaram nos grandes núcleos urbanos após a Revolução Industrial (ocorrida entre o final do século XVIII e a primeira metade do século XIX) sugeriu a criação de pequenos espaços naturais que minimizassem os desequilíbrios ambientais sentidos dentro das cidades.
A teoria de incluir espaços verdes pontuais nas cidades como pulmões, que potenciem uma maior qualidade do ar, neste período pós Revolução Industrial leva às primeiras experiências de introdução de espaços verdes no interior de cidade – de que é exemplo maior a criação do Central Park (Figura 3) na cidade de Nova Iorque, pelas mãos de Fredrick Olmsted. As tipologias da introdução de vegetação na cidade, como o pulmão verde e o green belt resultavam de estudos que já indicavam o comprometimento da salubridade da atmosfera em ambientes urbanos (Magalhães, 2001). Esta abordagem é mais tarde abandonada pelo seu principal promotor, o próprio Olmsted, que propõe a evolução da teoria para uma lógica de sistema contínuo. Uma das primeiras imagens conhecidas para sistemas verdes contínuos surge com o Emerald Necklace, na cidade de Boston (Figura 4). O projecto pode ser descrito como uma sucessão de espaços verdes interligados entre si, com identidades formais e funcionais distintas, desde o parque urbano ao jardim ou ao corredor verde e surge de uma necessidade política de introduzir espaços que melhorassem o ambiente atmosférico da cidade.
1
O conceito de Pegada Ecológica foi inicialmente definido por William Rees e Mathis Wackernagel em Our Ecological Footprint (1996) e é descrito pela
World Wildlife Fund (WWF) como sendo o “impacte das actividades humanas medido em termos de área de água e terra biologicamente produtiva necessárias para a produção de bens consumidos e para assimilar a poluição gerada” [http://www.wwf.org]. 8
Embora tenha tido relevância para os progressos do urbanismo enquanto disciplina teórica e prática, a elaboração intelectual que se seguiu, dos utopistas do final do século XIX, não será alvo de ênfase no presente relatório. Os projectos que lhes são associados invariavelmente assumem formalizações fragmentadas ou independentes em relação à realidade urbana para a qual são propostos. São geralmente baseadas, “(…) não tanto no pressuposto de salvar o espaço urbano mas sim a cidade enquanto comunidade, tendo apresentado novas fórmulas de convivência que exigiam uma integração do espaço agrícola com o espaço urbano” (Matos, 2010: 110). Da abordagem utópica teórica conhecida no final do século XIX resulta espaço independente que exclui aquilo que é a vivência de um lugar considerado urbano.
Ainda assim é importante referir que do legado das imagens utópicas fica a apetência para a preservação do espaço natural, do espaço aberto e contínuo, assim como a questão sociológica inerente à crítica da cidade industrial e à revalorização do espírito de vizinhança questões que terão forte presença no desenho urbano e arquitectónico do século XX. De facto, a opção conceptual por um sistema contínuo, interligado com as restantes componentes da estrutura urbana, é adoptada já no século XX. Este modelo já compreende outras funções – nomeadamente a circulação - e relaciona de uma forma mais directa a paisagem construída com a própria estrutura verde e também com a envolvente natural da sua periferia.
É ainda no século XIX que os ideais higienistas e naturalistas parecem ter maior força na procura da recriação do ambiente natural no interior da cidade. A concepção de modelos como o da Cidade Linear ou o da Cidade-Jardim começam a tomar forma na procura de promover a descentralização urbana e de reduzir os contrastes cidade-campo.
O modelo da Cidade Linear foi concebido pelo urbanista espanhol Arturo Soria y Mata (em finais do século XIX). A sua característica mais marcante é o desenvolvimento em linha, geralmente com uma via central que funciona como estrutura principal em torno da qual se desenvolvem ramos secundários (Maciocco, 2008). A estrutura verde associada a este modelo surge nos limites das artérias principais e inclui uma primeira linha de região arborizada (em contacto directo com a paisagem construída) e uma segunda linha de verde de produção (Goitia, 2003) (Figura 5). Dos projectos que seguem este modelo urbano destaca-se o plano piloto para a cidade de Brasília (1960, Lúcio Costa). 9
A proposta de Ebenezer Howard para as cidades-jardim é motivada pela tentativa de perceber para onde se iriam deslocar as pessoas no futuro (Howard, 2010). Howard desenvolveu uma imagem urbana que fomentasse a manutenção do equilíbrio social, um lugar de comunhão entre o campo e a cidade. Este lugar, descrito como ambiente ideal para o estabelecimento da vida humana, organiza-se em torno de um núcleo central de dimensões controladas e com índices populacionais determinados: uma cidade deveria ter 2.400 ha para 32.000 habitantes; 2.000 ha estariam destinados à área de produção agrícola que ficaria sob a responsabilidade de 2.000 habitantes; os restantes 400 ha seriam zona urbana para os outros 30.000 habitantes que seria dividida em parcelas (núcleos habitacionais) de 5.000 pessoas. Assim, a zona agrícola, desenhada em forma de cinturão em torno do núcleo urbano, funcionaria como amortecedor territorial contra o crescimento do centro populacional e quando fosse atingido o limite de habitantes por cidade deveriam ser formadas novas cidades-jardim (Figura 6).
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A visão de Howard para uma nova civilização auto-suficiente – “a cidade de tipo colectivo onde se combinava a actividade industrial com a agricultura, e que se bastava economicamente a si própria” (Goitia, 2003: 152) - nunca chegou a ter o impulso necessário para que se estabelecesse em larga escala. Apesar das realistas preocupações socioeconómicas que lhe estavam subjacentes, este conceito de cidade-jardim seria criticado por sociólogos que viam o modelo de Howard como um objecto reprodutível e, por isso, demasiado genérico para ser aplicado de forma abstracta em qualquer cidade, como se estas não tivessem qualquer personalidade própria ou especificidades únicas. A introdução deste modelo, como se de uma solução milagrosa e absoluta se tratasse, divergia da abordagem específica a cada cidade que os sociólogos consideravam desejável para um crescimento urbano mais sensível.
Ainda que apenas um destes modelos assuma essa designação, a verdade é que ambos propunham estruturas lineares razoavelmente independentes – descontínuas – relativamente ao restante tecido construído da cidade, sem que houvesse ligações transversais entre as próprias parcelas verdes ou ao epicentro do aglomerado urbano. A constante que caracterizava estes dois modelos era o reconhecimento da necessidade de introduzir vegetação na cidade, como modo de sanear a atmosfera poluída pelas emissões da combustão do carvão.
Mais tarde, a adopção do modelo de planeamento preconizado pela Carta de Atenas (1933) – pertencente à ortodoxia do urbanismo moderno e designado por Le Corbusier como “Cidade Radiosa” - reconhece a interacção cada vez mais clara entre aquilo que é o espaço verde e aquilo que é considerado espaço público urbano – tentando diluir as definições que os separam (Benevolo, 1999). Defende a edificação implantada em “função de critérios de insolação e o desaparecimento da tipologia de “rua” para dar lugar ao desenvolvimento da edificação em altura, de modo a libertar maiores áreas para o espaço verde” (Telles, 1997: 59). Este modelo significa, então, não só que o espaço verde seja constante na imagem urbana da cidade, mas principalmente implica uma presença permanente e directa dos espaços naturais na vida dos residentes e utentes do centro urbano.
Também em Portugal se identificaram as concepções de cidade citadas, “(…) que uma prática profundamente marcada pelo ecletismo nem sempre permite distinguir” (Lôbo, 1998: 111). Sobretudo a cidade jardim e a cidade radiosa influenciaram individualmente a forma como foi considerado o planeamento urbano temporalmente subsequente, vindo a dar lugar a um “(…) ressurgimento da ‘cidade pragmática’ na actualidade” (Lôbo, 1998: 111).
Estes vários modelos de introdução de elementos naturais no seio da criação artificial que é a cidade têm vindo a desenvolver-se de tal forma que, hoje, o tema da estrutura ecológica vem sendo uma componente mais activa do discurso de planeamento urbano. Sob as mais variadas propostas formais, o verde vai sendo introduzido na cidade, oferecendo diversidade funcional, misturando-se na dinâmica da cidade de forma paralela ou intersectada e mantendo a diversidade ecológica e paisagística.
Os processos de urbanização, que foram tomando forma um pouco por todo o mundo, têm sido responsáveis por uma degradação progressiva das várias constituintes que compõem o sistema climático da região afecta. Assim também sofre o solo, e os respectivos níveis de fertilidade natural, e perde-se a biodiversidade. Também as sucessivas acções de impermeabilização de solos levam à sua degradação permanente e à impossibilidade de permanecerem os cursos de água de forma natural, favorecendo a ocorrência de inundações nos locais de cotas mais baixas. Assim, também a reduzida qualidade e a disponibilidade da água vão sofrendo devido aos processos de urbanização.
Este processo vai, frequentemente, subvertendo ou ignorando os valores ecológicos e culturais dos lugares que ocupa. Assim, o desenvolvimento sustentável de uma cidade, num mundo de recursos finitos, realça a urgência de pensar novas formas de viver e a 11
necessidade de repensar a ocupação do território, no sentido de preservar os recursos naturais de que ainda dispomos, para que se promova um futuro mais inteligente para os Seres que o habitam. Esta inteligência passa, obrigatoriamente, pela melhoria da qualidade de vida2 que pode e deve ser promovida por todos os intervenientes no planeamento e gestão territorial. A promoção de uma alimentação mais sensata é, assim, uma preocupação motivadora do estudo presente. Senão vejamos os factos registados nas últimas décadas – pela Organização Internacional de Saúde (WHO) – que indicam a prevalência de doenças relacionadas com a obstrução da circulação sanguínea no corpo como principal causa de morte no mundo (WHO, 2011) (em 2004 quase 22% da taxa de mortalidade mundial relaciona-se com doenças cardiovasculares).
Por todos os aspectos referidos anteriormente, e num tempo em que o debate sobre as cidades é tão actual, é de extrema importância perceber de que forma e em que sentido evolui a forma de pensar a cidade. Citando Nuno Portas, “(…) nas próximas [décadas] serão prioritárias as arquitecturas das paisagens e dos espaços públicos que ligam os múltiplos centros urbanos de diversas idades e funções” (Portas, 2011: 47). Que modelos são encontrados no sentido de regenerar e (re)inventar o território no interior dela, com o objectivo último de potenciar formas mais interessantes de estar e viver em sociedade?
Neste âmbito, Richard Rodgers sistematiza o trabalho a efectuar nos centros urbanos, consciente das necessidades e oportunidades da cidade contemporânea, no conceito de Compact City. Num sentido diferente do que é hoje o modelo urbano dominante, estratificado por áreas de diferentes usos, a Cidade Compacta de Rodgers abraça a ideia de uma “cidade densa e socialmente diversa na qual as actividades económicas e sociais se sobrepõem e na qual as comunidades se focam à volta dos bairros” (Rodgers, 1997: 33)3, e poderá, em último caso, restaurar a cidade como habitat ideal para uma sociedade baseada num sentido de comunidade.
A cidade densa, complexa e diversa, não é apenas um conceito abraçado por Rodgers, havendo outras imagens de urbanidade que, identificadas por designações diferentes, exploram noções de cidade semelhantes – como é o caso da Metapolis proposta pelo urbanista francês François Ascher. Na obra homónima, Ascher apresenta o lugar extenso e transverso, diverso e complexo, ou a “polis que inclui diferentes formas sociais e urbanísticas que mais convenham aos citadinos para viver crescer e mudar” (Portas, 2010: 13). A cidade que se ‘metapoliza’, segundo Ashcer, já não significa apenas que cresce e se multiplica, nos seus domínios territorial e populacional, mas compreende também a progressiva concentração e sobreposição de actividades (nomeadamente económicas e de lazer) e de populações, que cada vez mais encontram formas distintas de viver (Ascher, 1995).
Olhar a cidade como uma complexa rede de layers que se acumulam e intersectam será um ponto de partida para a estudar e compreender de que forma devemos agir sobre ela. “À escala dos grandes elementos dissecados no corpo urbano – as grande áreas homogéneas predominantemente residenciais e os grandes elementos primários portadores dos serviços, integradores da circulação e da comunicação de informação em geral – a arquitectura do território toma a forma, não já de programa locacional e de “standards” (…), não, ainda, de projecto rigorosamente materializado e edificável, mas sim, através da concepção ou invenção de estruturas que articulem
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Nota: a Organização Mundial Médica de Saúde (WHO) define como potenciadora de qualidade de vida, a cidade que funciona no sentido de “optimizar
oportunidades para a saúde, a participação e segurança”, mantendo um sentimento de independência em todos os que nela habitam (WHO, 2008). 3
Tradução da autora. 12
as tipologias propostas ao território concreto, o que quer dizer, em termos mais reais, que tomem os valores do sítio e dos conteúdos da vida urbana, para se compor sobre eles um discurso novo que integre palavras conhecidas” (Portas, 2007: 98).
Assim sendo a tarefa de repensar e redesenhar uma área de uma cidade já existente não é tão simples (e não será tão complexa) como a de imaginar uma tela branca para a qual se importa o modelo mais actual no pensamento urbanístico corrente. Neste sentido é importante destacar o conceito de resiliência. A noção de resiliência provém de estudos feitos no campo da física e o dicionário de língua portuguesa define-a como a “propriedade de um corpo de recuperar a sua forma original após sofrer choque ou deformação” (Priberam). Em Resilient Cities, encontramos uma analogia entre aquilo que é a personalidade de uma cidade e a de um ser humano. Peter Newman, Timothy Beatly e Heather Boyer afirmam que “(…) a resiliência nas nossas vidas pessoais significa durabilidade, significa resistir a crises, significa força interior e uma forte constituição física”, para evidenciarem o paralelismo com o carácter de uma cidade. “Também elas necessitam de durar, de responder a crises e se adaptar num sentido que pode originar a que se transformem e cresçam de uma forma diferente; as cidades requerem uma força interior, determinação, assim como a força das infra-estruturas e ambientes construídos” (Newman et al., 2009: 1).
É esta transformação que tem, invariavelmente, de acontecer em qualquer contexto urbano, quer seja provocada pelo envelhecimento da estrutura construída, ou pela necessidade de revitalizar o seu ambiente social, ou ainda, pela procura de abordagens mais sensíveis e contemporâneas aos temas da ecologia e economia (dos lugares e/ou globais). O urbanismo na sua faceta convencional foi sendo uma actividade de planeamento limitada à sua expressão num conjunto humanizado e edificado – o seu espaço “(…) terminava onde se iniciava a zona rural, espaço circundante imenso em que a intervenção dizia apenas respeito às infra-estruturas de acesso e de comunicação ao aglomerado urbano” (Telles, 2003: 62).
A consciência de uma urbanidade baseada na sustentabilidade económica e ambiental (e necessariamente social) é abordada tanto por Rodgers como por Herbert Girardet e materializada por este último na ideia de metabolismo circular. O modelo linear que hoje existe na grande maioria das cidades coloca o centro urbano no centro de um percurso que se inicia fora dele – com a produção externa, posteriormente importada para as cidades, de produtos consumíveis (nomeadamente alimentares e energéticos) – e termina também fora do meio urbano – os resíduos alimentares, orgânicos e não orgânicos e emissões energéticas são despejados de forma despreocupada, preferivelmente para longe da cidade. Este sistema é insustentável porque implica grandes níveis de importação daquilo que são os combustíveis de uma cidade (inputs) para depois os expelir igualmente de forma massiva (outputs) (Girardet, 2006) (Girardet, 2010).
Girardet propõe uma abordagem que transforme este ciclo num sistema mais eficiente, que simule a vida natural, no qual os outputs terão de ser tornar inputs – resultando não só numa menor necessidade de importar os recursos necessários à vida de uma cidade, mas também na redução de tudo o que são desperdícios criados por ela. Girardet acredita, ainda, que adoptando um modelo de vida urbana circular poderemos alcançar a cidade resiliente na qual será potenciado o crescimento de novas empresas e consequentemente o emergir de novos postos de trabalho (Figura 7).
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Todos estes aspectos irão de encontro ao conceito de metabolismo urbano - ou de ecologia urbana (Goitia, 2003) - no qual a cidade é considerada como um organismo em constante mutação com ciclos de vida semelhantes ao de um ser vivo. Este metabolismo circular, que vê a cidade como ecossistema sustentável (Newman et al., 2008), potencia uma maior auto-suficiência da cidade como elemento individual, a um nível local, que poderá induzir, posteriormente, níveis de sustentabilidade numa perspectiva global. Este objectivo lança questões como a compatibilização da criação de uma cidade ambientalmente sustentável com os benefícios desejados para a sua sociedade. Outro repto será entender o âmbito da sustentabilidade cultural que deve ser equacionado em qualquer acto de planeamento. É “extremamente importante obter um fluxo de ideias e de incluir a maneira como as pessoas pensam no planeamento da cidade” (Girardet, sd: 2). Mas o grande e primordial desafio parece ser aplicar ideias para uma cidade sustentável, quaisquer que elas sejam, não só em novas áreas de cidade, mas também em lugares já consolidados. No entanto, e não existindo modelos absolutos repetíveis em 14
qualquer lugar genérico, a tarefa mais delicada será a de formular estratégias de implementação que promovam a sustentabilidade de cada cidade de forma particular. Estas estratégias têm de ser flexíveis, de encontrar o equilíbrio do lugar específico onde se implementam, e de ter a capacidade de se adaptarem a cada realidade porque cada lugar se reveste de características únicas.
“Uma cidade que se constrói é, ao mesmo tempo, uma cidade que se destrói; e é precisamente na maneira de articular esta dupla operação de construção-destruição que reside a possibilidade de as cidades se desenvolverem harmoniosamente. (…) As cidades europeias, depósitos de um caudal cultural muito importante, conscientes dos valores permanentes que nelas residem, mantêm ainda um equilíbrio entre o fazer e o desfazer, entre o novo e o velho. É sinal de cultura” (Goitia, 2003). A lição número 10 de ‘Breve História do Urbanismo’ refere o conceito de ecologia urbana como a capacidade de renovação urbana no presente, com vista no futuro, mas sobretudo consciente de tudo o que é a cultura herdada do local particular onde actua. Esta renovação é designada por Manuel Salgado como “epidérmica, (…) dá-se continuamente e é orgânica. É importante que haja uma certa liberdade (…) de mudança de uso, de reconstrução pontual, para que haja renovação e vitalidade” (Salgado, 2006: 10).
As práticas emergentes relacionadas com o desenho da paisagem urbana oferecem referências no sentido da ligação dos diversos espaços, formas e acontecimentos que estão associados à vida urbana de uma cidade. Relativamente às formas que lhe podem estar associadas, o espaço verde urbano contínuo é muito frequentemente representado por uma soma de parcelas que vão desde o parque urbano ao jardim, da rua arborizada à praça. Numa abordagem contemporânea esta estrutura natural encontra-se cada vez mais associada à dinâmica das actividades que acontecem no meio urbano, assumindo funções de recreio, de enquadramento de percursos pedonais ou de veículos, ou de articulação de elementos construídos. Mas a forma como essa associação é feita pode ir além das tipologias presentemente existentes – o desafio parece ser o reconhecimento das morfologias e das actividades como indícios da presença humana, no sentido de criar novas redes de layers com significado para o presente e o local (Shane, 2006).
No entanto, na cidade contemporânea existem, para além destes espaços formais e planeados (i.e. parques urbanos, jardins) existem também espaços informais, de identidades variáveis. Entre estes interessa, para este estudo, destacar aqueles que se encontram associados à produção alimentar, na actualidade designada por agricultura urbana.
Interessa, assim, distinguir as práticas relacionadas com a agricultura em meios rurais das que se inserem em meios urbanos, sendo que os capítulos seguintes serão dedicados àqueles que se fazem, contemporaneamente, dentro do espaço da cidade. Dentro da agricultura urbana pode admitir-se a existência de diversas infra-estruturas que englobam esta actividade de origem rural em estruturas que já assumem uma tipologia de integração no que é o espaço urbano. Destas tipologias destaca-se a presença da horta urbana por ser a que se poderá relacionar mais directamente com o desenho urbano e com a infra-estruturação de unidades funcionais integrantes tanto da componente ecológica como da rede de espaços públicos de uma cidade (Figura 8).
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Os espaços de cultivo relacionados com a produção alimentar estiveram sempre associados à implantação da pólis, embora normalmente encontrassem o seu lugar fora dos seus limites - admitindo que a localização dos primeiros assentamentos urbanos se fez sempre próximo de água e de terras férteis e aráveis, no sentido de assegurar uma fonte de alimentos próxima. A paisagem construída foi-se impondo e, à medida que as cidades cresceram, foram ocupando essas superfícies agrícolas, fomentando, por um lado, a necessidade de mais fontes de alimentos e, por outro, o progressivo afastamento entre o local de obtenção desses alimentos e o local de consumo (Figura 9). Também em Lisboa este processo de sobreposição do urbano ao rural foi acontecendo e hoje restam apenas indícios das actividades agrícolas designadamente tradicionais (nomeadamente em Quintas), que em tempos se localizaram em espaços rurais mas que hoje são parte integrante da cidade.
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Acrescenta-se a estas a noção de que a sustentabilidade é baseada no reconhecimento de que os sistemas humanos são, à semelhança de todos os sistemas naturais, intrinsecamente propensos a degeneração, como consequência final do consumo de energia (recursos) e emissão de resíduos. “Os sistemas humanos são sustentáveis na medida em que são capazes de promover a regeneração assimilando a mudança dos sistemas dos quais dependem e com os quais interagem. Esta resposta está directamente relacionada ao grau em que indivíduos e comunidades - como ’agentes sistemáticos’ - são (a) capazes de receber clara e oportunamente sinais sobre as condições ambientais em que vivem, e (b) responsáveis pela organização de respostas adequadas a tais informações” (Jepson, 2010: 420-421)4.
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Tradução da autora 17
Os processos de expansão urbana, que se sobrepuseram às dinâmicas, actividades e elementos construídos característicos do que era a paisagem rural, foram ditando o desaparecimento da comunhão directa em que se desenrolavam os aspectos rurais e urbanos da vida das comunidades. O futuro da realidade construída, alterada pela acção humana deverá passar, então, pelo esbater das diferenças entre o que é urbano e o que é rural - no sentido em as suas actividades e identidades podem co-existir no mesmo espaço. A população que se distanciou da ruralidade das suas origens retomará o contacto com a cultura rural e, gradualmente, a “paisagem virá a ser entendida e vivida como um todo” (Salema, 2001: 334). E um dos agentes desta transição poderá ser a introdução de novas formas de agricultura em ambientes de características urbanas – o resultado desta estratégia de integração entre os domínios rurais e urbanos é descrita por Gonçalo Ribeiro Telles no conceito designado por ‘paisagem global’ (Telles, 2003).
A definição de agricultura urbana admitida pela FAO (Food and Agriculture Organization of the United Nations) refere que a agricultura urbana estará associada a actividades de produção alimentar ou criação de animais, dentro dos limites da cidade. Os espaços que ocupa competem por recursos – solo, água, energia, mão-de-obra – também necessários a outras funções urbanas. A agricultura urbana acontece em pequenos espaços intra-urbanos, como terrenos expectantes, lotes vazios, jardins, varandas, quintais ou outros tipos de receptáculo, os quais são utilizados como local de produção para consumo próprio ou venda em mercados locais.
Um dos aspectos que mais facilmente distingue a agricultura urbana da rural é a sua introdução e consequente integração no sistema económico e ecológico da cidade: a agricultura urbana insere-se no e interage com o ecossistema urbano (RUAF). Os elos de ligação entre a própria actividade e a cidade em que se implanta podem incidir sobre o fornecimento de recursos materiais, naturais ou humanos indispensáveis à prática agrícola. Assim, alguns residentes urbanos podem ser vistos como agricultores e os resíduos resultantes das diversas actividades urbanas podem tornar-se recursos materiais valiosos, como, por exemplo, os lixos para compostagens ou as águas usadas recuperadas para rega de terrenos.
Posto isto é possível entender como a produção agrícola em ambientes urbanos pode promover a existência de um ecossistema, que embora seja artificial, simula processos naturais – comummente definido por ecossistema de substituição. A agricultura não é uma relíquia do passado que se desvanece gradualmente. Tem força para se impor com o crescimento da cidade (e dentro dela), fazendo parte do seu sistema urbano de uma forma contemporânea, podendo ser uma peça fundamental no seu funcionamento e na consequente progressão da cidade como organismo que evolui no tempo e no espaço de forma sustentável.
Existem fenómenos associados a práticas de urbana da agricultura em diversos lugares urbanos pelo mundo fora. Esta é uma das formas mais entusiasmantes de aplicar conceitos de desenvolvimento urbano sustentável, uma vez que inclui praticamente todos os domínios de sustentabilidade (Nunes, 2011). Promove a auto-suficiência, sentido de comunidade e economia local enquanto vai reduzindo muitas práticas prejudiciais associadas à agricultura moderna. Cultivar campos perto do consumidor reduz gastos de energia pelo que se minimizam os custos de transporte. 18
Retomando aspectos já focados anteriormente, entende-se a impossibilidade de dissociar a produção alimentar, e o fornecimento dos bens alimentares aos habitantes de uma cidade, de temas como a sustentabilidade ecológica e económica. É estranho que estejamos a consumir produtos que têm de fazer viagens de milhares de quilómetros até que cheguem a nossa casa, e que muitas vezes podem ser substituídos por outros produzidos localmente. Não se pode ignorar que cerca de 75% dos produtos alimentares que consumimos em Portugal são importados (Alves, 2011). Esta situação é particularmente desnecessária quando se sabe que a localização geográfica de que usufruímos, favorece o desenvolvimento do sector hortofrutícola, antecipando, por exemplo, em cerca de dois meses a produção belga ou holandesa (Carvalho, 2011). O desafio é a compatibilização destas condições geográficas com a disponibilidade de água para rega – já que o clima mediterrânico de que dispomos dita uma concentração dos níveis de precipitação ao longo dos períodos mais frios, enquanto os meses quentes se tornam mais secos, provocando a escassez de água.
É importante destacar que a motivação para a implantação de novos espaços de produção alimentar em ambientes urbanos se baseia no conhecimento actual sobre os efeitos positivos que esta actividade tem na comunidade próxima. Um aspecto central é o contributo para a sustentabilidade futura dessas comunidades, que pode ser analisada sob quatro vertentes distintas mas complementares: económica, ecológica, social e institucional.
No que respeita à sustentabilidade económica poder-se-á referir que a agricultura urbana pode ser um factor importante na redução de custos associados ao transporte de produtos importados, reduzindo significativamente o orçamento a nível nacional de todas as empresas que importam anualmente grandes quantidades de produtos agrícolas. Esta é, também, uma actividade que beneficia economicamente, a uma escala mais concentrada, o desenvolvimento de economias locais – sendo fomentada a venda a estabelecimentos de comércio tradicional e estimulado o aparecimento e a consolidação de entidades comerciais abastecidas pelos produtos criados nos espaços hortícolas que lhes sejam próximos. Isto significa também a criação ou alargamento de postos de trabalho, quer associados ao próprio cultivo urbano quer nos estabelecimentos comerciais que se relacionem directa ou indirectamente com ele.
A um nível ainda mais concentrado poderá ser importante o desenvolvimento destas actividades no sentido de estimular o complemento ao rendimento das famílias que possuam e cultivem hortas (ou substituição de despesas) – aspecto particularmente importante quando se enfrentam situações de crise económica, como a que hoje em dia se verifica. Ainda sobre a temática económica pode referir-se a desejada aproximação à auto-suficiência no que diz respeito à produção dos produtos alimentares frescos (sendo que não é possível relativamente a todos os produtos alimentares), necessários à alimentação da respectiva família – já que existem estudos que comprovam que entre 40 a 70% dos orçamentos familiares (em cidades com baixos níveis de rendimentos) são gastos em produtos alimentares e combustíveis (Petts, 2005).
Sobre os benefícios ecológicos que podem ser induzidos pelos espaços de agricultura urbana podem destacar-se aspectos que percorrem um espectro de escalas muito diversas. Assim pode referir-se, a uma escala mundial, que esta é uma actividade que pode atenuar a progressão do efeito de estufa através do processo de fotossíntese das plantas, onde transformam o dióxido de carbono – tornando-se um contributo útil na prevenção do aquecimento global. Este tem sido um dos grandes argumentos de quase todas as actividades que promovem a sustentabilidade ambiental, sendo por isso um assunto que tem estado na agenda política nos últimos anos. Assim, o 19
embalamento e o transporte da enorme quantidade de produtos que importamos presentemente implicam níveis de consumo de combustíveis e gastos de recursos não renováveis. Por isso é urgente entender que quanto menor for a distância percorrida por uma caixa de maçãs ou de laranjas, menor é o impacto que esse abastecimento tem na sustentabilidade da vida neste planeta. A agricultura urbana beneficiará a dinâmica económica ao nível municipal e nacional no sentido de diminuir a necessidade e de contribuir para reduzir a necessidade de importação de produtos alimentares (Matos, 2010).
Sob outra perspectiva, mas que contribuirá também para a sustentabilidade global, surge a necessidade de restabelecer e/ou de manter a biodiversidade, em ambas as componentes vegetal e animal. Os processos de urbanização envolvem constantemente uma mudança significativa na paisagem através de uma aparente substituição dos elementos naturais por edifícios, ruas e outras infra-estruturas (Newman et al., 2008). Estes processos levam à impermeabilização dos solos que perdem as suas propriedades de forma irreparável e impossibilitam também a concretização dos ciclos naturais como o da água. Assim, “(…) as espécies introduzidas e a perturbação de ciclos naturais colocam pressão nos fragmentos restantes” (Newman et al., 2008: 66)5. Com a perda da diversidade cultural (natural, humana e construída) perdem-se não só as espécies que vão deixando de ter condições de sobrevivência como, também, importantes conhecimentos sobre formas sustentáveis de viver em lugares particulares das cidades que habitamos.
Um último, mas não menos importante, tema que se relaciona com a sustentabilidade ecológica associada à agricultura urbana é a redução induzida nos valores de pegada ecológica – a agricultura urbana pode reduzir o impacte das actividades humanas, aumentando a quantidade de terra produtiva necessária para a produção de bens consumidos reduzindo assim a área necessária à absorção dos resíduos que produzimos diariamente.
A sustentabilidade social liga-se à agricultura urbana no sentido desta ser uma actividade que promove o sentido de comunidade, bem como o seu entrosamento na sociedade urbana mais alargada. Tem sido referida como agente activo na regeneração urbana, reduzindo os índices de discriminação e desencorajando actividades criminosas (Howe et al., 2005). Os “projectos de produção alimentar podem actuar como foco para uma comunidade se unir, gerar um sentimento de ‘poder fazer’ e também auxiliar a criação de sentimentos de individualidade local – um sentimento de que cada lugar particular, por muito ordinário que possa ser, é único e tem valor” (Garnett, 1996, citado por Howe et al., 2005: 57)6.
Em Lisboa, e no caso particular de Chelas, tendo em conta a grande percentagem de horticultores com origens em ambientes rurais, este factor terá um importante valor cultural e simbólico. Muito embora esta seja uma matéria que apresenta uma grande variabilidade e incerteza, porque se equacionam questões emocionais pessoais (e por isso abstractas e dificilmente generalizáveis), é admitido que os participantes envolvidos em acções de agricultura urbana frequentemente se sentem enriquecidos pela possibilidade de trabalhar construtivamente na coesão comunitária da cidade em que vivem. Em países ditos desenvolvidos estas actividades relacionadas com a produção alimentar urbana são até mais valorizadas pelo relaxamento psicológico e físico que proporcionam do que pela própria produção de produtos alimentares – sendo em muitos casos considerados hobbies de descontracção, como se de uma ida ao ginásio se tratasse. Um estudo realizado pela Universidade da Florida (Estados Unidos da América) mostra-se particularmente enfático neste aspecto quando sugere que o simples acto de passear à volta de jardins botânicos reduz os níveis de stress. Até o contacto passivo com elementos naturais após antecedentes negativos (por exemplo em caso de doença) é referido como potenciador de recuperações mais eficientes de estados físicos ou psicológicos debilitantes (Tzoulas et al., 2007). Esta capacidade restaurativa atribuída aos espaços verdes 5
Tradução da autora.
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Tradução da autora. 20
significa que a saúde dos horticultores e das pessoas em geral que possam usufruir do espaço de produção poderá ser beneficiada (Howe et al., 2005).
Neste sentido destaca-se também o sentido lúdico ou de recreio que é possibilitado por actividades de produção alimentar. Este sentimento de conjugar a produção agrícola com o recreio já é antigo, sendo um exemplo paradigmático, na paisagem rural portuguesa, a Quinta (nomeadamente a as Quintas de recreio dos séculos XVIII e XIX) e a forma como são articuladas as funções residencial, de produção e de recreio. Deste contributo para o bem-estar que também a agricultura urbana parece proporcionar é importante destacar as funções formativas ou educativas que lhe podem estar associadas. A possibilidade de oferecer o contacto, e até uma participação activa, na vida rural às gerações mais novas pode ser uma forma entusiasmante de progressivamente as envolver num outro estilo de vida e de contribuir para tornar esta actividade muito mais presente no dia-a-dia de pessoas com reduzido contacto com os constituintes naturais da paisagem cultural.
A última das vertentes identificadas como relevantes na discussão das motivações para a agricultura urbana é a dimensão institucional. Esta vertente envolve as entidades governativas que gerem o planeamento urbano da cidade, os diversos actores que se envolvem como fontes de divulgação e de investigação e, também, como pontes de diálogo entre os horticultores e as entidades que planeiam a cidade. Neste sentido tem sido de grande utilidade o apadrinhamento desta actividade por parte de algumas organizações internacionais. É o caso da UNCHS (United Nations Centre for Human Settlements), a FAO (Food and Agriculture Organization of the United Nations), a CGIAR (Consultative Group on International Agricultural Research) ou a RUAF (Resources Centres on Urban Agricultural and Food
Security), que têm contribuído de forma empenhada no reconhecimento e divulgação da importância que pode ter a agricultura urbana. Este tipo de associações faz a ponte entre as necessidades reais das comunidades - através de estudos e troca de conhecimentos e ideias - e as entidades governativas que podem acolher os processos de integração de propostas viabilizando e apoiando a sua implementação. Muitas destas discussões são também dinamizadas no âmbito de reuniões científicas internacionais, de que foi precursora a UNCED (United Nations Conference on Environment and Development) realizada no Rio de Janeiro, Brasil, em 1992.
Em Portugal existem também já algumas associações que, quer à escala do bairro como à escala municipal, apontam para a inclusão de espaços de produção alimentar intra-urbana como contributo importante no sentido de serem atingidos os equilíbrios económicos, ecológicos e sociais desejados no interior de uma comunidade evoluída7.
No entanto, não são apenas estas as instituições que desempenham um papel importante na sensibilização social e governativa para as actividades relacionadas com agricultura urbana. Por exemplo, já desde 2009 existem talhões de cultivo no Núcleo de Hortas do Parque Botânico do Museu Nacional do Traje (Lisboa). Também a Fundação de Serralves (Porto) reserva ainda hoje um espaço designado ao cultivo hortícola, não esquecendo as antigas funções da quinta que em tempos existiu no lugar onde é hoje o Museu.
Sobre a temática institucional o trabalho de Luc Mougeot sistematiza as principais questões a ter em conta por parte das entidades administrativas, ou de planeamento, aquando da aplicação de modelos de agricultura em lugares urbanos. Dos resultados da sua
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Estas associações encontram um espaço comum na Rede Portuguesa de Agricultura Urbana e Peri-urbana (RAU). A RAU tem assumido importância na
criação de uma rede que promove contactos entre os mais diversos actores institucionais envolvidos nas actividades relacionadas com a agricultura urbana. Dessa rede fazem parte entidades que actuam a um nível municipal, das quais se destacam a ACTUAR (Associação para a Cooperação e o Desenvolvimento, fundada em Coimbra, em 2007), a AVAAL (Associação para a Valorização da Alta de Lisboa, criada em 2009), ou o Grupo de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável da Agricultura Urbana (GRAU, de Coimbra). 21
pesquisa salientam-se as seguintes indicações que sintetizam a importância do envolvimento institucional nesta actividade (Mougeot, 2006):
. instituições governamentais devem perguntar-se “o que pode a agricultura urbana fazer pela nossa cidade?”e não apenas “o que pode a cidade fazer pela agricultura urbana?” ; . utilizar a agricultura urbana como ferramenta de ocupação de espaços vagos de forma produtiva para todos as partes envolvidas; . incluir a agricultura urbana como categoria de usos do solo e como função económica do sistema de planeamento e gestão urbanística municipal; . usar políticas de participação pública na abordagem à implementação de espaços de agricultura urbana; . experimentar com ocupação temporal de espaços produtivos introduzindo espaços privados de cultivo e espaços públicos abertos; . estimular e apoiar a criação de associações de produtores agrícolas urbanos de gestão das áreas de cultivo.
Assim, o futuro terá de passar forçosamente pela diminuição dos desequilíbrios e tensões que as acções e mentalidades foram provocando entre o mundo urbano e o rural.
A característica mais importante que distingue a agricultura urbana de outros tipos de agricultura não é propriamente a sua localização, mas o facto de estar integrada na economia urbana e fazer parte dos sistemas ecológicos e sociais da cidade. Neste sentido serve-se dos recursos ambientais - terra, resíduos sólidos orgânicos e água – e humanos – trabalho -, produzindo para os cidadãos e sendo influenciada pelas condições urbanas - políticas, mercados e dinâmicas legais. O produto da sua existência e actividade causa impacto no sistema urbano, tendo efeitos na segurança alimentar, na pobreza, na ecologia e na saúde (Mougeot, 2005).
A (re)inserção da produção de bens alimentares no meio urbano é apresentada como componente essencial de qualquer imagem de cidade sustentável. De uma forma geral todos os autores consultados referem este aspecto, mesmo que de perspectivas diversas - tanto sob o ponto de vista do planeamento urbano, de Girardet ou Rodgers, como da perspectiva da arquitectura paisagista, de Gonçalo Ribeiro Telles ou Rosário Salema (Matos, 2010).
Pode admitir-se que os períodos de maior instabilidade económica e social são aqueles em que se verifica o incremento de pequenos espaços de produção agrícola urbana. No século XX destacam-se os períodos de maior intensidade de hortas urbanas associadas aos tempos de crise na época da Segunda Grande Guerra (1939-1945). Posteriormente, em períodos economicamente mais estáveis, verificou-se uma diminuição da importância económica das hortas, que subsistiram apenas em casos com função de recreio e de ocupação de tempos livres (Castel’Branco et al., 1985).
Em Portugal pode associar-se o aparecimento de espaços de cultivo urbano com os movimentos migratórios em direcção às cidades que, sobretudo nos anos 60 do século XX, levaram muitas pessoas a ocupar as principais áreas urbanas do país. Na década de 70 dá-se uma grande explosão de pequenos espaços de agricultura no centro e, principalmente, na periferia da cidade de Lisboa. 22
Assim, o desafio será compatibilizar estes espaços de cultivo – pertencentes à estrutura ecológica - com as funções urbanas (já existentes ou a existir). O trabalho (Bohn et al., 2005) desenvolvido por André Viljoen, Katrin Bohn e Joe Howe apresenta-se como elemento ponte entre os dois domínios mencionados anteriormente – o planeamento urbano e a produção agrícola. Com um objectivo base de preservar a biodiversidade, desmantelar os grandes índices de desperdício que se registam hoje e reduzir a quantidade de energia usada para a produção e distribuição de bens alimentares, Continuous Productive Urban Landscapes (CPUL) é a designação que atribuem ao conceito imaginado para estes espaços de integração de áreas de cultivo agrícola em meios urbanos. Definem como CPUL todos os espaços urbanos que combinam a agricultura e outros elementos da paisagem integrando-os numa estratégia de ligação contínua de espaços abertos. Nesta mesma publicação é discutida a forma como os modelos das quintas urbanas ou das hortas comunitárias podem contribuir para uma vida pessoal e um estar em sociedade mais saudáveis.
Trazendo o tema abordado para o contexto geográfico de Lisboa, é importante analisar de que forma tem evoluído o debate sobre a inclusão dos espaços verdes (nomeadamente de produção) na cidade. Publicado em 1998, o trabalho desenvolvido por Gonçalo Ribeiro Telles apresenta-se como componente integrante do Plano Director Municipal (de 1994). O ‘Plano Verde de Lisboa’ constitui uma reflexão analítica e expositiva sobre todos os espaços não edificados da cidade de Lisboa. Embora o título da publicação aponte apenas para a reflexão de espaços verdes, a verdade é que Gonçalo Ribeiro Telles reflecte também sobre todos os outros espaços abertos, pavimentados ou não, e que, conjuntamente, irão formar o Plano Verde da cidade, naquilo que é, de uma forma muito mais abrangente, o espaço exterior urbano. Neste espaço exterior urbano é importante destacar quais são, hoje, as tipologias definidas pelo Plano Director em vigor e perceber qual o papel que têm numa escala urbana mais alargada.
A visão de Gonçalo Ribeiro Telles terá importância fulcral no desenvolvimento da secção deste trabalho destinada à apresentação da cidade de Lisboa, particularmente da visão estratégica para o Vale de Chelas e da respectiva integração no contexto mais alargado da estrutura ecológica da cidade. Neste sentido aborda a importância dos espaços de cultivo no interior da cidade, chamando atenção para a urgência de “encarar a agricultura de uma forma diferente e considerá-la no seu todo como uma actividade indispensável ao progresso devendo, por isso, ser considerada como elemento fundamental do ordenamento de território e do seu povoamento equilibrado” (Telles, 2003b: 328) também no espaço urbano.
Uma visita às encostas do Vale de Chelas proporciona uma visão de degradação do espaço exterior que impede uma maior conectividade “(…) dos moradores com o espaço urbano que lhes está próximo, através do sentimento de pertença e dignidade que favoreceria o desenvolvimento da vida colectiva, indispensável à coesão social” (Telles, 1999, 8). Atribui-se também uma atenção especial a este sentimento e a esta necessidade de perceber que o espaço público tem influência no bem-estar pessoal e comunitário de qualquer Ser Humano.
Sobre o tema do bem-estar pessoal e sobre a qualidade de vida atingida no meio urbano é importante destacar que a população que habita uma cidade não é, hoje, vista apenas como uma gigante massa homogénea. A complexidade social que habita o espaço urbano será explicada, como uma “(…) multipertença simultânea de cada indivíduo a diversos grupos com diferentes referências”; na cidade “(…) cada personalidade joga em registos cada vez mais variados com referências ora à família, ora ao grupo socioprofissional, à categoria etária, à origem geográfica, religiosa, ou a qualquer outra afinidade pessoal” (Ascher, 1995: 79). A perspectiva de George Simmel8 sobre
8
Citado em (Ascher, 1995) 23
o indivíduo da metrópole distingue aquilo que é a vida visível, comunitária, da vida invisível, íntima e secreta – consequência da individualização do modo de vida urbano e fonte da autonomia pessoal.
Independentemente da forma como queiramos definir o ser ou o conjunto de seres que habita a cidade, é importante perceber de que forma interpretamos a noção de qualidade de vida. A expressão também não é simples de definir ou, por conseguinte, de avaliar. Os passados anos 60 representam o início de uma crescente preocupação com o tema da qualidade de vida, provocada por um aumento dos níveis de urbanização e das densidades populacionais nos centros urbanizados (e que significam “novas sensibilidades, estilos de vida, aspirações e exigências [e que] produzem um apelo à qualidade, à procura de melhores condições de vida” (Pinto, 2005: 6).
De acordo com os autores que temos vindo a referenciar, um dos pioneiros no estudo sobre o conceito de qualidade de vida, neste período a que podemos chamar de vida moderna, foi Erik Allardt, que em 1976 definia que a sua determinação deveria ser medida seguindo indicadores como o rendimento, habitação, apoio político, relações sociais, insubstituibilidade, o fazer coisas interessantes, saúde, educação e satisfação de vida - factores agrupados nas tipologias having, loving e being.
Noutro estudo (Veenhoven, 2000), são descritos dois domínios para uma interpretação da palavra “felicidade”: um ligado às condições ambientas externas – cujos factores determinantes são as características da sociedade em que o ser vive e a posição que mantém dentro dela - e um outro relacionado com as condições psicológicas interiores – para as quais são factores fundamentais a saúde, o estilo de vida, e as aspirações e convicções pessoais. O estudo segue com a determinação de uma matriz que compreende, por um lado, a dicotomia entre oportunidades e resultados e, por outro, as qualidades externas e internas.
Um estudo efectuado com habitantes da Área Metropolitana de Lisboa (Pinto, 2005), publicado em 2005, apresenta algumas conclusões sobre os factores que consideramos serem importantes na determinação da qualidade de vida. A primeira conclusão a retirar deste estudo é sobre a noção que as pessoas têm do termo, e que se traduz “(…) num centramento do significado associado à qualidade de vida nas dimensões mais pessoais (sobretudo materiais embora também não materiais) e uma desvalorização relativa de dimensões societárias (expressas em necessidades de pertença e de identidade pessoal e social, ou se quisermos, na tipologia proposta por Allardt, em necessidades de loving), sinal também do predomínio de uma noção de qualidade de vida individualista, assente na valorização das esferas mais privadas da vida com a consequente desvalorização das dimensões relacionadas com as formas de liveability que englobam as condições do quadro de vida onde decorre o quotidiano dos indivíduos” (Pinto, 2005: 118).
Outro dado importante a reter deste estudo é a indicação de que os domínios mais valorizados na perspectiva de qualidade de vida, e que correspondem aos factores mais específicos em relação aos quais os inquiridos apontam os maiores níveis de satisfação – amizade, família, habitação, nível de vida e trabalho (cada uma com índices de mais de 80% relativamente aos domínios da vida em que os inquiridos se sentem satisfeitos ou muito satisfeitos), pertencem às categorias de having e being descritas por Allardt. No entanto, o estudo demonstra também que “(…) os habitantes do centro da metrópole, que haviam mostrado uma noção mais abrangente de qualidade de vida, valorizando relativamente mais as condições de realização pessoal e do quadro de vida, são, curiosamente, os que demonstram níveis menores de satisfação com a sua vida, coerentemente com um autoposicionamento médio inferior também no nível de qualidade de vida” (Pinto, 2005: 121). Isto poderá ser explicado por ser este um local de extremos, do ponto de vista social, onde surgem diversos (e por vezes opostos) níveis de qualificações, níveis de vida ou exigências e expectativas.
24
Das conclusões a retirar do estudo pode, ainda, salientar-se que estas dinâmicas, “relativas a processos de polarização e de fragmentação sociais de progressiva visibilidade (pode acrescentar-se) a emergência de novas formas de pobreza e exclusão sociais e urbanas que obrigam a repensar as estratégias de intervenção numa óptica articulada da qualidade de vida da cidade e na cidade” (Pinto, 2005: 126).
A sobrevivência de alguns espaços dedicados à agricultura em formato tradicional, ainda que urbanos, terão muito possivelmente os dias contados – como é o caso da Quinta da Granja, na zona de Benfica, em Lisboa. As tipologias que têm vindo a surgir, nomeadamente em Lisboa, como alternativa urbana contemporânea à actividade agrícola designam-se por ‘hortas urbanas’ e têm sido associadas a ocupações espontâneas, temporárias e de características informais (normalmente ilegais e por isso marginalizadas). A sua implantação acontece maioritariamente em zonas degradadas, junto a bairros “sociais” ou nos taludes que limitam infra-estruturas viárias; geralmente em terrenos públicos, em espaços desocupados, expectantes, vazios urbanos deixados por processos de urbanização – nomeadamente os de identidade modernista.
A horta será o espaço onde, num contexto urbano, e da forma mais básica, se poderá obter o produto alimentar. Mas será também um espaço de recreio, de aprendizagem e lazer e de encontro social. A horta urbana será a tipologia mais persistente na paisagem cultural, da actividade de origem predominantemente rural que é a agricultura. É este um lugar onde se implanta um “(…) processo de reprodução em meio urbano dum modo de vida rural, permitindo o estabelecimento de toda uma teia de relações primárias fechadas que em nada se identificam com a realidade urbana envolvente” (Castel’Branco et al., 1985: 103). No entanto, terá de prosseguir-se o estudo sobre formas de integração destas duas entidades (urbana e rural) tão distintas, tirando partido das características particulares dos espaços de produção que se manifestam em “(…) autênticas unidades de vizinhança, viradas para o seu interior e com uma vida comunitária muito própria e muito intensa” (Castel’Branco et al., 1985: 106).
Inseridos no que é o tecido urbano de uma cidade, as hortas, enquanto espaços de reencontro onde a cidade descobre o campo, terão de competir por terrenos com outras funções urbanas, sendo essa conflitualidade sempre influenciada por planos e políticas urbanísticas. As iniciativas populares de implantação de hortas urbanas reflectem, em muitos casos, a capacidade de criar, recriar e inovar por parte das populações que activamente as estabelecem e gerem. As entidades governativas podem reconhecer a força dessas potencialidades, no sentido de facilitar os processos de integração destas acções ao nível dos documentos normativos de planeamento e gestão urbanística. Esta integração está já em curso no que diz respeito à cidade de Lisboa, estando a ser preparada pela Câmara Municipal de Lisboa uma proposta de Regulamento para instalação e funcionamento de áreas de agricultura urbana (Matos, 2010) (Anexo I).
Cresce, assim, a necessidade de inventar novos modelos de introdução da horta na cidade. Sabendo-se hoje que esta actividade não tem de ser apenas um meio para atingir o objectivo último de obter alimento, a agricultura urbana pode ser uma peça fulcral no desenvolvimento ecológico, económico e social e no crescimento e coesão institucional da cidade. Nesse sentido, o tipo de exploração 25
agrícola inerente ao espaço urbano, denominada de agricultura urbana ou peri-urbana (quando na sua periferia próxima), pode assumir as seguintes variantes (Matos, 2010): . hortas sociais ou comunitárias – podem ser implantadas no interior de bairros já consolidados e têm um cariz de regulador económico e social das famílias residentes e das populações próximas que usufruem delas como complemento ao rendimento e como actividade lúdica;
. hortas pedagógicas – associadas a actividades escolares que podem complementar a formação dos alunos como actividades extra-curriculares, obrigatórias ou de cariz pontual (visitas de estudo temáticas); são também elementos potencialmente relevantes no sentido da criação de redes de ensino e trabalho entre instituições distintas;
. hortas colectivas ou de recreio – potencialmente articuladas com outras actividades promovidas por associações culturais, podem contribuir para o estabelecimento de estruturas social e institucionalmente úteis e para o complemento da paisagem ecológica urbana.
. hortas dispersas – zonas de ocupação temporária em áreas expectantes do tecido urbano.
Embora estejam relacionadas com actividades diferenciadas, todas estas vertentes da horta urbana podem co-existir, fundir-se ou associar-se entre si. Tomam forma em diferentes tipologias da paisagem urbana como, por exemplo, no interior de parques ou jardins, em parques hortícolas – quando integrados nos instrumentos de planeamento - e podem até ser implantadas em coberturas planas de edifícios. As que surgem de forma espontânea, sem estarem associadas a propostas urbanas desenhadas ou a projectos paisagísticos ou de arquitectura, aparecem em taludes, bermas de estrada ou qualquer outro tipo de terreno expectante.
O trabalho de desenhar um espaço de produção e de planear a sua introdução no interior de meio urbano é uma tarefa sobre temas diversos que têm de se intersectar e se podem complementar. Dentro do próprio espaço de cultivo urbano existem diversos desafios que devem ser trabalhados no sentido de garantir o bom funcionamento da horta ou do conjunto de hortas. A sua indução no domínio público implica a necessidade de controlar alguns aspectos que podem ser fulcrais na implementação. Uma das mais importantes questões a abordar será a introdução e gestão de água nas parcelas (ou talhões) de cultivo. Para além de ser um recurso essencial na produção, a inclusão de elementos de água pode valorizar simbolicamente, e sob o ponto de vista formal, o espaço em que se inserem. Em algumas propostas, a sua introdução chega a assumir-se como coordenadora do desenho do espaço urbano, ou arquitectónico, definindo a sua estrutura funcional.
As regiões de clima mediterrânico, como é toda a região continental de Portugal, são caracterizadas pela alta variação temporal e distribuição espacial da precipitação, com verões quentes e secos e invernos frias e chuvosas. Esta variabilidade está associada a eventos extremos, como secas sazonais, bem como a períodos de chuvas torrenciais que, ocasionalmente originam inundações. Portanto, a escassez de água é um problema comum neste tipo de regiões, ao qual estão também associados os problemas no armazenamento e gestão deste recurso – aumentando, por conseguinte, a procura pela água. De acordo com estas características, as regiões do Mediterrâneo actuaram, ao longo do tempo, com o intuito de criar uma cultura civilizacional da escassez de água. Neste sentido foram 26
desenvolvidos sistemas e dispositivos para melhor controlar esta variabilidade, armazenando água em épocas de chuva para posteriormente usá-la nos períodos secos em actividades humanas, como a irrigação de espaços de produção ou jardins formais (Saraiva, 1999).
O conjunto de acções ou desenhos que definem o acesso, armazenamento e tratamento de um recurso tão precioso como é a água é um dos desafios mais pertinentes aquando do desenho de um espaço de produção agrícola no interior de uma cidade. Em Lisboa, este é mesmo o principal factor de localização de hortas urbanas, a par com a proximidade ao local de residência; a proximidade a um chafariz, poço ou ribeiro foi ditando a implantação geográfica de grande parte das hortas no interior das cidades, tal como se verifica em Lisboa (Castel’Branco, et al., 1985).
O tratamento das águas que abastecem a grande maioria das cidades, geralmente captada em rios ou afluentes, é um processo que envolve a sua purificação para a tornar própria para consumo humano. Sendo o espaço agrícola um lugar de solos não impermeabilizados é promovida a infiltração de águas que, por um lado abastece os lençóis freáticos, e por outro, reduz o risco de cheias.
Uma grande quantidade da água que se utiliza nas habitações e infra-estruturas comerciais acaba por ser expulsa para sistemas de esgotos juntamente com todos os outros resíduos, nomeadamente sólidos, que produzimos diariamente. Estes sistemas não compreendem, ainda, a separação de resíduos líquidos (potencialmente reutilizáveis) dos resíduos sólidos e outros líquidos que não poderiam voltar a ser introduzidos na rede de abastecimento doméstica. Mas para equipamentos e utilizações que não necessitem de águas potáveis é possível recorrer-se a sistemas de reutilização águas passíveis de serem reintroduzidas nas redes de abastecimento domésticas.
Surge, assim, a diferenciação entre aquilo que se considera serem águas cinzentas, águas negras e águas pluviais. Consideram-se águas cinzentas as provenientes de qualquer utilização doméstica ou comercial, com excepção das utilizadas nas descargas de retretes. Após tratamento adequado poderão ser reintroduzidas na utilização em equipamentos que não necessitem de água potável. As águas cinzentas podem, assim, ser reutilizadas dentro de casa para descargas de autoclismos e máquinas de lavagem de roupa, ambos grandes consumidores de água, podendo ainda ser utilizadas nas regas exteriores. As águas negras, assim designadas após utilização nos autoclismos de retretes, não podem ser reintroduzidas no sistema de abastecimento urbano, uma vez que poderão ser nocivas à saúde, por incluírem detritos sólidos que contêm bactérias perigosas para o ser humano. As águas pluviais são as provenientes da chuva, também utilizáveis quer em equipamentos domésticos quer para rega.
O aproveitamento de águas pluviais e a reintrodução de águas cinzentas nos espaços habitacionais assume relevância imediata se referirmos que um autoclismo de uma retrete tradicional tem uma capacidade entre 7 a 15 litros; ou se referirmos que mais de 80% dos desperdídcios de água provenientes de utilizações domésticas é água considerada cinzenta (Quadro 1).
27
Austrália
Europa
CONSUMO / DIA (Litros)
PERCENTAGEM do consumo diário
PERCENTAGEM do consumo diário
22
16,30
26,67
Chuveiro + Lavatório
61
45,92
27,00
Confecção alimentar
12
8,89
3,33
Máquinas de lavagem
32
23,70
20,00
Outros
7
5,19
23,00
absoluto
135
100,00
100,00
cinzenta
113
83,70
73,33
ÁGUAS NEGRAS Retrete ÁGUAS CINZENTAS
TOTAIS
As consequências dos métodos presentemente utilizados, e subsequente não reutilização das águas cinzentas, têm como consequência uma sobre utilização indesejada da rede de esgotos e uma crescente necessidade de novos abastecimentos de água com origem nas redes públicas. Esta necessidade de recorrer aos sistemas de abastecimento públicos implica, ainda, um gasto energético extra ao nível da recolha e do tratamento das águas dos rios.
O desafio, à escala da cidade, é fechar este círculo que deve funcionar sem extremidades abertas, e onde, mais uma vez, os outputs deverão tornar-se inputs. Ao invés de construir instalações de aglomeração e eliminação de resíduos, deveríamos estar a pensar em instalações de reciclagem desses detritos no sentido de reintroduzir os outputs produzidos pela utilização doméstica, ou genericamente urbana, sob a forma de fertilizantes, nas áreas de produção agrícola, dentro ou mesmo fora da cidade. “Parece ter sido esquecido que os resíduos que infiltram os esgotos contêm uma abundância de nutrientes valiosos como são os nitratos, o potássio ou os fosfatos.” (Girardet, 2006: 37)9.
Assim, a investigação e o desenvolvimento de novos sistemas de captação de águas pluviais e a reutilização de águas cinzentas assume uma grande relevância. O tema da água e a sua gestão não é novo, podendo recuar-se até à antiga civilização Egípcia para referir a utilização da água na concepção de espaços ajardinados; já nessa época teriam a dupla componente estética e funcional (para rega do próprio jardim). Também as primeiras experiências na concepção de sistemas de gestão de água terão tomado lugar há muitos séculos atrás, na região da Mesopotâmia, onde os avanços feitos no âmbito da hidráulica eram utilizados para o desenho de já complexos sistemas de retenção e transporte de água, desde a sua fonte até ao local de rega. Fosse com propósitos estéticos de composição clássica (no Renascimento) ou com um intuito mais cenográfico (Maneirismo ou Barroco), os elementos de água sempre tiveram uma presença preponderante quer na estruturação formal dos elementos naturais da paisagem cultural de um lugar, quer no funcionamento e
9
Tradução da autora. 28
na sustentabilidade do respectivo sistema de rega. A utilização da água na composição formal de espaços naturais chega a ser destacada, também na cultura Islâmica, não só pelos factores já referidos mas, também, pelo reconhecimento do embelezamento do lugar devido aos sons agradáveis para o ser humano que um elemento de água proporciona. A gestão da água nestes jardins recorria a sistemas baseados nos princípios básicos da hidráulica, e o seu transporte era efectuado através de caleiras à superfície, que permitiam um contacto físico, visual e auditivo com a água (Ribeiro, 1992).
Esta inclusão de elementos de água é também fulcral na composição da estrutura das Quintas tradicionais portuguesas dos séculos XVIII e XIX. A organização funcional das Quintas acaba por se fazer um pouco em volta da sequência de acontecimentos associados ao percurso da água; acabam por ser elementos fundamentais na estruturação, não só dos elementos naturais exteriores como, também, da organização de toda a paisagem cultural (natural e construída), ditando a sequência de acontecimentos desde o próprio local de residência, passando pelos espaços de recreio e lazer (onde surgem os jardins formais e os tanques de água assumem funções lúdicas) e acabando nas áreas de produção agrícola (onde os elementos de água já assumem a função de rega). Um dos exemplos mais paradigmáticos é o da Quinta da Bacalhôa, cuja estrutura se encontra hoje razoavelmente adulterada. À data de 199010 a Quinta da Bacalhôa seguia a seguinte composição (Figura 10): residência; jardim formal; pomar; horta; tanque/reservatório de água; vinha. O tanque de água situa-se num patamar de cota mais elevada relativamente aos pontos onde a rega é necessária (pomar, horta e vinha), usufruindo das leis da Física para que o transporte de água seja feito de forma eficaz e chegue por gravidade a todos os locais de produção agrícola.
Assim, a necessidade de gerir a água de modo a assegurar a sua disponibilidade para consumo directo e para a actividade agrícola levou ao desenvolvimento de técnicas e estruturas específicas de captação, armazenamento e condução de água. Existem inúmeros sistemas que respondem às necessidades de funcionamento citadas, muito embora os mais simples correspondam sempre a um modelo sequencial aberto (quando utilizado em sistemas de rega) que inclui as três fases identificadas:
captação – feita a partir do subsolo ou superficialmente. No subsolo a água pode ser captada em mina, nascentes ou poços; à superfície a captação pode ser efectuada através da retenção de águas pluviais, drenadas de forma natural ou em superfícies impermeabilizadas;
armazenamento – após condução da água captada até ao local onde esta é armazenada, o segundo ponto do percurso é a própria infra-estrutura de depósito de água que pode existir sob a forma de tanque superficial ou subterrâneo (cisterna);
10
De acordo com a estrutura original da Quinta, recuperada a partir de 1930, através do restauro efectuado pela especialista de cerâmica (e, à data, proprietária da Quinta) Orlena Scoville. 29
transporte – pode ser efectuado através de canalização subterrânea ou em canais ou caleiras superficiais, sob pressão ou associado ao efeito da gravidade (como acontece nos aquedutos).
Posto isto pode dizer-se que, já dentro do próprio espaço de cultivo surgem novos desafios que, numa escala mais concentrada, poderão ditar o bom ou mau funcionamento das hortas. O armazenamento e condução da água são aspectos que deverão ser tratados com atenção para que seja proposto um sistema de rega eficiente, desejando-se, também, que seja suficiente para cobrir as necessidades desse importante recurso natural.
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A importância da agricultura urbana para a sustentabilidade das cidades e das suas populações só foi reconhecida recentemente por parte de corpos nacionais e internacionais. Hoje estima-se que esta actividade seja praticada com fins comerciais por cerca de 200 milhões de pessoas e, informalmente, por mais cerca de 600 milhões de pessoas por todo o mundo (Petts, 2005).
Em anos recentes tem havido uma proliferação de iniciativas locais de regeneração urbana focadas na consolidação de dinâmicas que propiciem o bem-estar e o desenvolvimento saudável da vida pessoal e social dos cidadãos. Motivadas pelos mais diversos factores, que incluem a sustentabilidade económica e social das famílias, que usufruem do produto final, ou a sustentabilidade ecológica dos lugares que ocupam, as hortas urbanas encontram o seu espaço no interior das cidades, no contexto dessas intervenções. Para além destes aspectos contribuem, ainda, para soluções de problemas comuns como a diminuição da população dos centros históricos, a desindustrialização que deixa devolutos edifícios e as áreas urbanas circundantes, a congestão urbana e o envelhecimento de infraestruturas.
Nas secções seguintes são apresentados alguns exemplos que demonstram o funcionamento da intervenção da agricultura urbana em diversas cidades. Foram escolhidos os exemplos de Havana (Cuba), o Urban Farming Project de Middlesbrough (Inglaterra) e o Ravine
City de Toronto (Canadá). Estas escolhas justificam-se pela diversidade de motivos e de escalas adoptados na inserção de modelos de agricultura urbana nos núcleos urbanos e, ainda, porque a sua implementação actua em frentes de planeamento distintas. Os resultados das três intervenções revelam diferentes vantagens da agricultura em ambientes urbanos. No que diz respeito a Portugal foram escolhidos dois exemplos que, em Lisboa, relembram as razões da introdução desta actividade no interior da cidade: a Quinta da Granja e a Horta da Graça.
A cidade de Havana é comummente referida como exemplo maior do sucesso da implementação de espaços (e acontecimentos) de agricultura urbana (Figura 11). A exposição seguinte pretende destacar alguns aspectos pertinentes para o estudo presente que demonstram a resiliência de um país no meio de uma crise económica.
A necessidade de Cuba se virar para uma agricultura urbana é conhecida e compreendida. O colapso do bloco soviético (com quem Cuba realizava cerca de 80% das suas trocas comerciais) e o desaparecimento do seu apoio económico em 1989, em paralelo com o reforço do embargo económico imposto pelos Estados Unidos da América, deixou Cuba no meio da pior crise económica desde a revolução de 1959. Estes dois factores políticos e económicos ditaram o fim do estilo soviético industrial de agricultura em grande escala, que Cuba vinha praticando desde a década de 70, tendo como consequência que a produção alimentar no país fosse deslocada e
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descentralizada dos grandes e mecanizados espaços rurais, passando a concentrar-se nos sistemas intra-urbanos (de menor dimensão) de cultivo alimentar (Díaz et al., 2005).
O movimento de cultivo urbano, em Havana, iniciou-se quando os próprios moradores iniciaram um plantio massivo de culturas alimentares em varandas, quintais privados e espaços vazios da cidade. Os Ministério cubano da Agricultura e a entidade governamental municipal apoiaram este movimento criando, em 1994, um Departamento Urbano de Agricultura. Este departamento estaria focado em garantir os direitos de uso do solo para os horticultores urbanos e comprometeu-se a fornecer terra - gratuitamente - a todos os moradores que quisessem plantar alimentos na cidade. Hoje, o ministério continua a exercer uma função importante no sentido de incitar a aplicação e disseminar o conhecimento dos princípios da agricultura biológica e tem um papel fundamental no arranque e funcionamento dos espaços reservados à agricultura urbana - também gerem centros de venda de recursos agrícolas como sementes, fertilizantes orgânicos e preparados naturais de controle de pragas.
Embora a agricultura urbana de Havana tenha assumido diversas formas - desde hortas privadas (Huertos Privados), a jardins de pesquisa governamental (Organicponicos), as hortas populares/sociais (Huertos Populares) são as mais difundidas. As estatísticas que comprovem o sucesso da implementação de hortas urbanas em Cuba 1995 existissem 26.600 parcelas de
hortas
populares,
ao
longo dos
são difíceis de obter, mas estima-se que em
quarenta
e
três distritos
urbanos que
compõem os
quinze municípios de Havana. As hortas populares variam em tamanho de poucos metros quadrados a três hectares. Estas hortas podem ser de usufruto individual, mas chegam em muitos casos a ser partilhadas por 70 pessoas, implantando-se geralmente em espaços expectantes, vazios ou abandonados devido à demolição das habitações previamente existentes.
32
Hoje mais de 50% da produção de frescos alimentares de Havana é feita dentro dos limites da cidade (Sustainable Cities). Este não é só um número que reflecte um nível de auto-suficiência alimentar muito positivo para as comunidades locais e para a economia nacional. Havana é um exemplo cativante na compreensão da relevância da forma como a comunidade tomou a iniciativa de recorrer à agricultura urbana como meio de sobrevivência. É também interessante entender que as entidades governamentais se sintonizaram com essa necessidade/vontade e como rapidamente uma situação de aparente descontrolo económico (e possivelmente social, com elevados riscos para a saúde pública) se tornou no motor para a regeneração comunitária.
Recentemente, e após o período de crise motivado pelas mudanças nas relações económicas de Cuba com os principais parceiros comercias, foram desenvolvidos modelos de continuidade da actividade que entretanto se tinha estabelecido como actividade principal de Havana, reconhecendo a sua relevância, não só como origem de alimento, mas também como fonte de postos de emprego –22% dos novos empregos criados em Cuba em 2003 estiveram associados ao sector primário (Kisner 2008) - e como modelo de desenvolvimento social e comunitário. Estão também já em concretização projectos que associam o espaço residencial ao cultivo urbano, processo que compreende a participação populacional como forma de estruturar intenções e de promover um desenho inclusivo que vá de encontro às necessidades dos habitantes da capital (Viljioen et al., 2005).
A resiliência que Havana demonstrou, e que tomou forma através de iniciativas populacionais locais, tornou-se um exemplo e é, ainda hoje, uma referência para todos os modelos de agricultura urbana a implementar em cidades que se desejam sustentáveis.
O projecto designado por Urban Farming Project11, implantado em Middlesbrough (Inglaterra) fez parte de um programa que integrava mais actividades, no Nordeste de Inglaterra, conhecido como Dott07 (Designs Of The Time 07). Este projecto é, assim, parte integrante de uma iniciativa que se estende a outras áreas do desenvolvimento sustentável.
O objectivo do projecto foi encontrar uma proposta na qual a cidade de Middlesbrough pudesse lançar as sementes que potenciassem uma economia local mais sustentável, por um lado promovendo uma relação mais directa entre o local de recolha de produtos alimentares e o consumidor final e, por outro, estabelecendo redes que mais eficazmente relacionassem as pessoas e organizações que já participavam activamente na regeneração social e ambiental da cidade.
Este projecto propõe uma abordagem contemporânea a uma realidade urbana mais semelhante à portuguesa do que a existente em Havana. A equipa projectista responsável pela proposta de intervenção concentrou-se em desenvolver um plano que utilizasse espaços urbanos disponíveis para produção agrícola. Neste sentido foram definidos 80 lugares onde, de formas e com propósitos funcionais diversos se implantaram espaços de produção – designados como espaços de ‘oportunidade para uma Middlesbrough verde e comestível’.
A identificação destes espaços foi feita de acordo com as expectativas dos residentes, inquiridos sobre os locais onde gostariam de ter espaços de produção. O resultado desta identificação materializa-se numa rede de espaços que inclui alguns já previamente afectos à 11
As informações expostas sobre o Urban Farming Project (Middlesbrough) foram recolhidas no sítio do projecto Carrot City, [consulta 04 Julho 2011], lugar
de exposição de diversos projectos de intervenção urbana e/ou arquitectónica onde a agricultura urbana tem papel preponderante. 33
utilização agrícola assim como lugares expectantes da cidade – desta rede resulta uma planta de intervenção que revela a emergente estrutura verde no interior da cidade (Figura 12).
Este Projecto é destacado no presente estudo porque se apresenta como referência no que diz respeito à integração de espaços de produção do ponto de vista do desenho urbano. A concretização do projecto, numa estrutura multifuncional e de inclusão de diversos agentes intervenientes, alcançou diversas áreas daquilo que pode ser considerado o domínio urbano: a ecologia, a circulação, o espaço público, a energia, a educação, a saúde e a alimentação – que, conjugados numa só proposta, reflectem um novo estilo de vida urbano sustentável.
O Ravine City (Hardwicke, 2007) é um projecto desenvolvido para um sistema urbano de jardins e habitação colectiva que se relaciona com as ravinas e os rios da cidade de Toronto. Esta proposta foi promovida devido à necessidade de renovar os espaços internos urbanos tendo em conta a contínua absorção que se verifica dos espaços rurais, devido à crescente expansão urbana da cidade (Figura 13).
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Este projecto foi escolhido para exposição no presente estudo devido às condições iniciais que são relativamente semelhantes ao contexto apresentado para o projecto desenvolvido para o Vale de Chelas. Também a intersecção entre a estrutura verde de produção e a proposta residencial aproxima esta proposta da apresentada para a cidade de Lisboa.
O propósito inicial do projecto seria a introdução de espaços de cultivo urbano associada a uma nova proposta habitacional, renovando a relação dos moradores com a estrutura verde dos vales onde se implanta, e fazendo uso dos elementos naturais que caracterizam a paisagem de uma das bacias hidrográficas de Toronto. A conjugação entre a tipologia habitacional (desenhada em socalcos individuais/privados ao longo da encosta) e a agricultura urbana faz-se através de coberturas cultiváveis onde os próprios moradores plantam os seus produtos hortícolas.
Esta é uma proposta interessante também pelo facto de englobar uma complexa rede de aproveitamento dos resíduos sólidos e líquidos provenientes das utilizações domésticas, transformando-os em inputs como recursos orgânicos para a produção agrícola. Numa tentativa de simular os acontecimentos naturais que caracterizam o vale, o funcionamento desta proposta pressupõe o controlo de percursos e a regeneração de água, a inclusão de processos de purificação do ar e a criação de um habitat sustentável para as diversas espécies existentes.
A intervenção aposta na resiliência de um ecossistema diverso, contendo espécies com funções ecológicas que se cruzam, sobrepõem e complementam. O sistema habitacional imita essa mesma diversidade, prevendo a existência de unidades predominantemente afectas à 35
geração de energia e outras funcionando como geradores de vento, hortas urbanas, tratamento de águas residuais ou retenção de águas pluviais. Individualmente geram um excedente de nutrientes, energia e recursos naturais que podem ser partilhados com a restante comunidade residente.
Criando um espaço simultâneo de habitação e de produção num formato denso vertical, o projecto Ravine City reduz a necessidade de, por um lado, a cidade continuar a sua expansão urbana para fora dos seus limites e, por outro, de transporte dos alimentos frescos até ao consumidor final.
Em Lisboa existem três locais de actividade agrícola que merecem destaque, pelas razões distintas que os motivaram e pelas formas como estão a ser concretizados. São eles o Parque Hortícola da Alta de Lisboa, a Horta Popular da Graça e o Parque Hortícola de Chelas.
A Horta Comunitária proposta para a Alta de Lisboa (Figura 14), promovida pela AVAAL12, será um espaço hortícola comunitário, com talhões de diversas dimensões para seniores, adultos e jovens. Será integrado num espaço adjacente a uma área residencial já existente, pelo que a sua implantação deverá beneficiar, primordialmente, os actuais moradores e vizinhos.
Num cenário social de fractura visível entre antigos residentes e novos moradores, onde o aumento de pessoas oriundas de outros países marca a discrepância social e económica entre as várias partes que compõem a população, a estrutura deste espaço hortícola foi planeada no sentido de absorver (integrando) a diversidade de práticas culturais. Este é o aspecto que torna a necessidade de 12
AVAAL - Associação para a Valorização da Alta de Lisboa. Disponível em: http://avaal.wordpress.com 36
intervenção, do ponto de vista social, semelhante ao sentido na zona de Chelas. Embora em locais diferentes da cidade, as tensões sociais que se sentem nos dois lugares expõem uma necessidade comum de implementação de estratégias de intervenção que tirem proveito da diversidade cultural, etária e económica da população residente.
O projecto propõe a promoção da sensibilidade ambiental como contributo para a melhoria da qualidade de vida, sendo estruturado através de três vertentes: ‘hortas escolares’, nas quais serão desenvolvidos trabalhos de cooperação (entre as faixas etárias mais jovens e as seniores) com os agrupamentos de escolas da Alta de Lisboa; as ‘hortas em casa’ serão actividades desenvolvidas entre seniores e crianças, para produzir em conjunto uma horta portátil em vaso rectangular, com espécies agrícolas, plantas aromáticas e medicinais, com a intenção de manter alguma continuidade no relacionamento entre as gerações e não apenas actividades pontuais; ‘horta comunitária’ , que será um espaço hortícola comunitário, com talhões para os residentes interessados, estruturado no sentido da diversidade de práticas culturais e integração de imigrantes, com o objectivo de partilhar conhecimentos e excedentes de produção. É também relevante, para o estudo presente, destacar a intenção de integração deste projecto numa área verde, estabelecendo-se a horta comunitária como parcela dessa estrutura verde cujas funções se podem estender para além do espaço de produção.
A horta popular da Graça (Figura 15), que encontrou o seu lugar no cruzamento entre a Rua Damasceno Monteiro e a Calçada do Monte, é um espaço de cerca de 700 m2 onde cultivam cerca de 20 horticultores. Este é, presentemente, o insólito lugar de implantação desta horta, no interior de um pequeno jardim onde nada acontecia há mais de 10 anos. Esta iniciativa teve origem na vontade popular dos residentes (entretanto apoiada pela associação GAIA-Grupo de Acção e Intervenção Ambiental)13 em criar um espaço de cultivo agrícola para consumo próprio. É interessante perceber a semelhança do empenho comunitário desta iniciativa com a de Havana, embora tenham sido motivadas por diferentes factores, sejam afectas a populações de números incomparáveis e tenham surgido em contextos político-sociais distintos. Desta vontade nasceu o cultivo espontâneo neste espaço que não tem as infra-estruturas que, por exemplo, a Quinta da Granja de Baixo14 já começa a ter. A ele estão associadas a promoção de práticas de agricultura sustentável. Um dos motes deste projecto comunitário é atrair as camadas mais jovens para a dinâmica entre cidade e campo, convidando-as para se envolverem activamente no desenvolvimento de actividades comuns ligadas ao desenvolvimento sustentável.
Um outro aspecto que torna interessante esta actividade que se desenrola num jardim perdido na Graça, é a associação ao Trocal de Lisboa e ao Banco Comum – iniciativas que promovem a troca informal de produtos e saberes. Baseiam-se nas relações de confiança entre os seus participantes, organizando encontros regulares e mantendo uma rede online15.
O aspecto-chave que merece, então, ser destacado sobre este acontecimento (mais do que um projecto propriamente dito) é o sentido comunitário com que ele apareceu espontaneamente e a forma como o envolvimento da comunidade local asseguram a sua autonomia e a longevidade (de pelo menos 2 anos) da horta neste local tão improvável. Este é o exemplo perfeito para comprovar a potencialidade de uma iniciativa popular que se rege pelas suas próprias regras e que nasceu e sobrevive do sentido comunitário das pessoas que dela usufruem.
13
http://gaia.org.pt/
14
A Quinta da Granja de Baixo é um núcleo de hortas urbanas associado à tradicional (e ainda existente) Quinta da Granja (de Cima). Neste local está em
curso a implementação de um Parque Hortícola, integrado num parque urbano. 15
http://trocal.pegada.net/lisboa/ 37
Do Parque Hortícola de Chelas (PHC) (Figura 16) apenas se conhece ainda o projecto a ser implementado num lugar onde, à semelhança do local de intervenção da proposta apresentada neste trabalho, já a actividade agrícola se havia implantado de forma espontânea, embora a sua origem tenha uma génese distinta da proposta apresentada no presente trabalho. Este projecto foi estruturado sob o ponto de vista da inclusão num parque urbano que se estende para além da área afecta à produção agrícola, parecendo até ter sido esta implantação espontânea a promover essa definição de um espaço verde mais alargado e diversificado. À semelhança do que acontece com o projecto de Middlesbrough, há uma intenção de unir esta parcela da estrutura ecológica ao contínuo verde de estruturação do Vale de Chelas através de múltiplas plataformas de funções diversas.
No entanto, a definição do espaço agrícola do PHC parece ser contida num parque integrado na estrutura ecológica, mas com reduzida articulação com as áreas urbanas envolventes – nomeadamente públicas ou residenciais – fazendo desta proposta um lugar fechado dentro de um parque urbano, talvez demasiado reservado à utilização do proprietário do talhão.
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A implantação da cidade que é hoje Lisboa deve muito ao seu privilegiado enquadramento geográfico (Figura 17) (Anexo II). Acrescentando a este, vários outros factores ditaram a evolução e expansão da capital do país. Muitos são os aspectos que impulsionam e condicionam a progressão urbana de uma cidade - entre vontades governativas, necessidades urbanas e sociais ou económicas, características topográficas e consequentes condições de edificabilidade e disponibilidade de terrenos. A conjugação de todos estes factores levou a que a área de Chelas (Figura 17), pertencente à freguesia de Marvila (Figura 18), só conhecesse um verdadeiro impulso de inclusão na estrutura urbana da cidade já no século XX.
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A freguesia de Marvila tem a “existência administrativa” datada de 1959, mas na sua área geográfica existem vestígios de presença humana desde a pré-história, passando pelos períodos visigóticos e romanos, numa larga extensão de território desde o Poço do Bispo até aos planaltos de Chelas (França, 1980).
Na idade média, D. Afonso Henriques cedeu os terrenos de Marvila à Mitra de Lisboa, por estes terem sido ocupados por mesquitas muçulmanas aquando da reconquista da cidade de Lisboa. Estes terrenos foram divididos em 31 porções pelo Bispo de Lisboa e entregues aos cónegos da cidade, acção que esteve na origem das quintas que aí surgiram depois no séc. XV (Figura 19). Estas quintas, assim como todas as outras que se foram estabelecendo no que era então a periferia de Lisboa, funcionariam como principal origem da alimentação do centro urbano da cidade que, à época, se encontrava entre muralhas.
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Durante os séculos seguintes a propriedade das várias quintas que ocupavam esta zona da cidade foi gradualmente passando do domínio religioso para a nobreza, classe social urbana que se foi apropriando das terras e das respectivas construções com o intuito de dispor de um lugar para descanso e actividades de lazer e, também, como forma de optimizar a produção agrícola. O surto de quintas iniciado no séc. XVII teve maior desenvolvimento no século seguinte, em paralelo com a ascensão da burguesia e o aparecimento das primeiras indústrias – sabão, curtumes e refinação de açúcar – que ocuparam o que viria a ser o Beato e Marvila.
A implantação de corpos industriais ditou a expansão, também residencial, desta zona da cidade. Assim, no final do século XVIII a freguesia do Beato tinha 380 fogos e 1500 habitantes (JF Beato). As primeiras unidades industriais importantes estabeleceram-se em edifícios religiosos ou em palácios e no início do século seguinte, em 1814, já existiam três fábricas de estamparia no Vale de Chelas.
No entanto, “a verdadeira transformação do mundo rural de Xabregas/Beato ocorreu a partir da extinção das ordens monásticas, após a revolução liberal de 1832-34” (Consiglieri, 1995).
De um modo geral, a história da ocupação de terrenos, tanto em Marvila como no Beato, assume características comuns: ambas as freguesias viram os seus limites alterados diversas vezes; em ambas foram construídos inúmeros conventos, mosteiros e propriedades de cariz religioso; as restantes quintas em Marvila/Beato eram propriedade de nobres, sendo utilizadas como quintas de recreio.
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Com o Terramoto de 1755 e a Revolução Liberal, as propriedades da Igreja foram expropriadas, sendo cedidas e/ou vendidas, tendo a maioria dado lugar a programas de cariz industrial. A dificuldade em edificar é provocada pela complexa topografia do território, dado que fomentou, numa fase inicial, a sua ocupação por quintas, campos de cultivo ou jardins. Posteriormente, a privilegiada proximidade ao rio Tejo e a situação política no país, permitiram a implantação e o crescimento da actividade industrial, cuja presença, a par com as propriedades religiosas, marca ainda hoje a paisagem urbana tanto de Marvila como do Beato.
Depois da Revolução Liberal as propriedades em Marvila diversificaram-se surgindo novas quintas que, demonstrando o triunfo da burguesia, deixaram de estar na posse da nobreza ou do clero, passando a ser propriedade de comerciantes e industriais em clara ascensão económica. Os campos abertos, onde se cultivavam grande parte dos produtos alimentares que abasteciam a região de Lisboa, deram lugar às fábricas e à construção de bairros habitacionais para as famílias operárias (França, 1980). A paisagem alterou-se ao longo dos anos e, daquela época em que o Beato era “campestre”, restam hoje apenas as pequenas hortas, de ocupação espontânea, do Vale de Chelas.
Em 1852 eram definidos novos limites para a cidade e construída a Estrada da Circunvalação, ficando esta zona da cidade fora dos seus limites administrativos – que passaram a fazer parte do então criado concelho dos Olivais.
A inauguração do caminho-de-ferro, em 1856, foi um acontecimento marcante a vários níveis, não só pela dinamização da indústria, mas também pela modificação da paisagem local, através da imposição de barreiras e infra-estruturas como a ponte de ferro de Xabregas (projecto do Eng. Valentine, 1854). Enquanto a cidade se vai expandindo em movimentos de urbanização que não englobam ainda esta zona da cidade, as freguesias do Beato e Marvila continuam a viver da actividade industrial e da subsequente criação de pequenas aglomerações habitacionais. A tendência prolonga-se pelo século XIX e início do século XX, época em que a mancha de actividade secundária se estende pela Rua do Açúcar até ao Braço de Prata.
Já no século XX os anos 40 ficam claramente marcados pelo aumento do fluxo de migração para a capital, tendo-se instalado na cidade grandes massas populacionais oriundas das zonas mais interiores e de cidades de menor dimensão do país.
No início desta década dá-se o arranque de alguns projectos – como são exemplos o bairro social da Madre de Deus, a abertura da Av. Infante D. Henrique e o início da execução do Plano de Melhoramentos do Porto de Lisboa – e planos, que prometem trazer a dinâmica da vida moderna do século XX àquele lugar da cidade. A imagem do que é ainda hoje a área de Chelas será, no entanto, marcada por um particular plano de Étienne de Gröer e que se manteve como directriz base para as subsequentes acções de planeamento que pensam fazem e desenham este lugar da cidade.
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A zona em estudo (Figura 20), integrante da freguesia de Marvila e popularmente reconhecida como a zona de Chelas, é maioritariamente delimitada pelas infra-estruturas viárias que fazem a fronteira com as áreas limítrofes, sendo esta a área intersticial deixada por diversas fases da evolução urbana de Lisboa. A Norte é delimitada pela Av. Marechal Gomes da Costa, que marca a fronteira entre Chelas e os Olivais; a Poente pela linha que marca o crescimento da cidade tradicional consolidada (Av. Gago Coutinho, Av. Marechal Francisco da Costa Gomes, R. Morais Soares); a Nascente pela linha ferroviária que liga, paralelamente à margem do rio Tejo, a parte oriental da cidade a Santa Apolónia a Alfama, e que separa a zona mais industrial, ribeirinha, da zona residencial, interior. Pode afirmar-se que a zona focada fica, então, confinada entre o crescimento e consolidação dos tecidos vizinhos e pelos gestos ainda inseridos no planeamento da macro escala da estrutura viária da cidade.
É apenas no final da primeira metade do século XX que a área de Marvila surge na imagem da cidade de Lisboa como elemento integrante da macroestrutura urbana da capital do país. O Plano Director da Cidade de Lisboa (Figura 21), elaborado por E. de Gröer (1938-1948) conjuntamente com os serviços técnicos municipais, sintetizava a necessidade da reserva de terrenos de forma a expandir a cidade para Oriente, onde a complexa topografia havia mantido a paisagem fortemente ruralizada, desfazendo o (des)envolvimento nas malhas contínuas do tecido urbano. Em 1948 o plano, cujo principal instrumento foi o zonamento dividindo o espaço em áreas com
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diferentes usos às quais se aplicava legislação específica, estava concluído e foi aprovado pelo organismo municipal apesar de não reunir aprovação governamental.
Das directrizes desse plano destacam-se as seguintes intenções (CML):
criação de uma rede viária radiocêntrica a partir de um eixo construído pela Av. A. Augusto de Aguiar e o seu prolongamento até à estrada Lisboa-Porto;
organização de densidades populacionais decrescentes do centro para a periferia;
criação de uma zona industrial na zona oriental da cidade, associada ao porto;
construção de uma ponte sobre o Tejo no Poço do Bispo-Montijo, ligada a uma das circulares;
construção de um aeroporto internacional na parte norte da cidade;
criação de um parque em Monsanto com cerca de 900ha, e uma zona verde em torno da cidade que incluiria o próprio parque de Monsanto e que se prolongaria pela várzea de Loures até ao Tejo.
Relativamente à estrutura proposta para Chelas, o plano de De Gröer considerou duas áreas, reservadas às tipologias habitacionais e industriais, separadas por uma zona verde. A poente ficava a zona habitacional de baixa densidade e a Norte a área industrial, desenvolvida paralelamente à linha ferroviária. O restante sistema viário seguia a base de circulares e radiais propostas para a cidade (Heitor, 2001b).
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No final dos anos 50 a necessidade de apropriação das zonas orientais pela cidade foi reafirmada pelo Plano Director de Urbanização de Lisboa (PDUL) (Figura 22) da autoria do Gabinete de Estudos e Urbanização (GEU), criado em 1954 pela Câmara Municipal de Lisboa. De forma geral, apenas a zona ribeirinha, dado o seu carácter topográfico relativamente plano, havia propiciado a fixação de indústrias no século XIX – como aliás já foi referido relativamente ao desenvolvimento de Marvila e Beato – e, consequentemente, de famílias mais carenciadas que se fixaram perifericamente em relação às oportunidades de trabalho criadas.
O GEU tinha como objectivo a revisão e actualização do Plano de 1948. O PDUL de 1959, resultante dessa missão, manteve, de uma forma geral, a maior parte das propostas do plano de De Gröer, introduzindo, no entanto, algumas alterações importantes. Destas destacam-se a construção da ponte sobre o Tejo entre Alcântara e Almada, uma auto-estrada que contornaria o Parque de Monsanto (de Alcântara por Campolide até à Buraca) e a construção de duas auto-estradas, uma para o Norte e outra para o Sul na continuação da ponte.
A urgência em definir um instrumento que abrangesse as novas realidades urbanas – o aumento do tráfego automóvel, a rede de metropolitano, a construção da ponte sobre o Tejo, o início do processo de terciarização do centro e do crescimento dos subúrbios da cidade - levou a Câmara Municipal de Lisboa (CML) a encomendar ao arquitecto-urbanista Meyer-Heine uma revisão do PDUL, da qual resultou um documento (Figura 23) que abrangia a totalidade da área do concelho e que, embora elaborado entre 1963 e 1967, foi apenas publicado em 1977. As principais directrizes deste plano eram:
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criação de um eixo-distribuidor, apoiado a norte e a sul na auto-estrada do Norte e na ponte sobre o Tejo, passando pelo aeroporto;
prolongamento da Av. da Liberdade como grande eixo monumental mas com funções de auto-estrada como no PDUL anterior, com o objectivo de descongestionar a Baixa e criar um novo pólo que atraísse o tráfego para fora do centro;
divisão da Cidade em “unidades base de planeamento”, designadas por Unidades de Ordenamento do Território (UNORs).
Para a zona de Chelas este plano trazia uma extensão da área reservada à habitação de baixa densidade face à porção de território reservada a actividades industriais e uma estruturação mais intersectada entre os espaços residenciais e os espaços verdes.
O boom dos grandes centros urbanos, nomeadamente de Lisboa, com base em programas de resultados bastante positivos, como o de Alvalade, levaram as autoridades governamentais a reconhecer a necessidade de uma estratégia conjunta e elaborada de intervenção na cidade, com o lançamento de novos programas de habitação social que fizessem face às necessidades da população e da estrutura da própria cidade.
O primeiro passo no sentido de trazer esse tipo de intervenção à zona de Chelas foi a aquisição (através da expropriação mediante a classificação de “utilidade pública”) dos terrenos, ainda de propriedade privada, e a elaboração de planos de urbanização, levado a cabo pelo município (Figura 24). Neste sentido foram estabelecidas parcerias com promotores privados e acordado que 70% dos fogos a 48
construir teriam um carácter social, tendo sido definidas quatro categorias diferenciadas em função do custo do terreno urbanizado, dos preços de construção por metro quadrado e de escalões de rendas mensais (Heitor, 2001a). Os restantes 30% estariam afectos a agregados familiares não interessados no modelo anterior e portanto, de renda livre.
Em 1960, o então criado Gabinete Técnico da Habitação (GTH) inicia os estudos para a área de Chelas com o objectivo de criar uma zona estrutural urbana multifuncional e diversificada, integrada no conjunto da cidade, e que articulasse toda a zona ribeirinha. Desta forma, foi elaborado o Plano Base de Urbanização, sendo adoptada uma estrutura assente na divisão celular e hierarquizada do território que definia núcleos de habitação altamente densificados com um centro principal (um equipamento) e com actividades mistas (Heitor, 2001b). O modelo inicialmente adoptado para o plano de urbanização de Chelas teria como base os conceitos da prática racionalista, que tinham entretanto sido postos em prática nos Olivais (a norte de Chelas). A revisão desta primeira imagem de cidade já propõe uma correcção dos problema detectados nas soluções das áreas Norte e Sul dos Olivais, indo agora de encontro aos novos conceitos urbanos que dominavam os anos 60 – é abandonada a estrutura celular e distribuição pontual de equipamento para se passar a uma abordagem urbana direccional revendo o conceito de rua e sendo propostos centros lineares de equipamento.
O procedimento adoptado para a realização do plano abrangia ainda o conceito de zonamento, tendo toda a malha sido definida com base numa planta síntese de ocupação de solo: 62% destinava-se a habitação (318ha), 14% para o parque oriental (70ha), 13% para zonas industriais (66ha) e os restantes 11% para vias de longo curso e espaços verdes adjacentes. Assim sendo, previa-se a construção de 11.500 fogos com uma densidade populacional média de 160 hab/ha, estando nestes incluídos os grupos que deveriam ser realojados.
O Plano de Urbanização de Chelas (PUC) (Figura 25) é, assim, aprovado em Maio de 1964 e revisto, posteriormente, em Novembro desse ano, adiantando-se a data de 2000 como prevista para a respectiva conclusão. No entanto, pareceres do GTH davam como inviável a urbanização da área de Chelas sem as obras de infra-estruturação necessárias a realizar pelo município, que detinha apenas 50 parcelas correspondentes a uma área de 308ha, dos quais 40,8ha haviam sido suprimidos, nos anos 30, para construção do eixo de acesso ao aeroporto e futura Avenida Gago Coutinho. 49
Mesmo assim seriam as intervenções anteriores ainda em curso (Olivais Norte e Sul) que acabariam por colocar em risco o início das operações previstas para Chelas, acabando por se comprometer a integridade do projecto que acabou por ser faseado. Como consequência, a estruturação da rede viária principal foi sendo adiada, em especial as ligações com o exterior, dado que a criação das infra-estruturas e os esquemas viários foram acompanhando o desenvolvimento das áreas habitacionais, privilegiando, assim, as redes de distribuição local.
Em 1965, o PUC previa a transformação da área industrial do Vale de Chelas em área urbanizada. No entanto, nos anos 70, a imagem do local era um cenário de fábricas desactivadas, situação que ainda hoje perdura embora já diluída na imagem construída dos planos de urbanização que se foram, entretanto, concretizando.
Ao nível das infra-estruturas viárias, o crescimento da cidade de Lisboa e a saturação das vias marginais começou a impelir a abertura de novos acessos e meios de deslocação criando um sistema de ligações anti-natural, cruzando festos e encostas para assegurar as ligações Oriente/Ocidente. A primeira resposta para os problemas das ligações surge no plano de De Gröer, com a estruturação de um sistema de radiais e circulares que até hoje guiam o desenvolvimento da cidade.
É somente na década de 90 que Chelas se une ao resto da cidade, com a construção do viaduto sobre o Vale de Chelas, ligando a área ao Areeiro e, consequentemente, aos novos centros urbanos no planalto de Lisboa. Da mesma época datam os prolongamentos da Avenida D. Rodrigo da Cunha (Alvalade) e da Avenida dos EUA potenciando, assim, a execução efectiva do previsto núcleo central agregador.
Desta forma, idealizou-se um cenário de centralidade única em Chelas: uma via com características de radial (Via Central de Chelas) que se cruza em terreno aberto com uma via de características de circular (prolongamento da Avenida dos EUA) num local servido por várias formas de transporte colectivo e cuja centralidade aumentou, mais tarde, com a realização da Expo’98.
Restringido pela morfologia do território, esta estruturação urbana desenvolveu-se sob a forma de dois eixos paralelos ao vale central, dos quais surgiram eixos secundários que estruturam cinco zonas habitacionais. O centro do equipamento ocupou o núcleo da malha, 50
estabelecendo a ligação entre os dois eixos Nascente/Poente que o vale separa; esse centro, de forma rectangular, avança em duas linhas que lhe são perpendiculares, reunindo os vários sectores habitacionais (GTH, 1965).
A concretização do PU de Chelas, ao sabor das alterações que entretanto foi sofrendo, oferece a Marvila a imagem que hoje lhe conhecemos. Tendo sido melhor ou pior interpretadas pelos responsáveis das unidades individuais que foram concebidas, Chelas mantém o ADN do Plano – as bolsas residenciais e os bairros de ordem alfabética tão facilmente identificáveis na planta de Lisboa (Figura 26).
As constantes mudanças nos quadros e situações político-administrativos viriam a comprometer o curso da implementação do PUC (Figura 27). Pode hoje constatar-se, passadas quatro décadas, que muito pouco foi cumprido das propostas iniciais do Plano que, de certa forma, também não se conseguiu adaptar às novas realidades da cidade. Este facto contribuiu para que o entusiasmo e a dinâmica inicial se fossem perdendo, provocando a crescente segregação da área de Chelas no contexto urbano da cidade. “Passadas quatro décadas do arranque da operação, a área encontra-se desvalorizada, inacabada e evidencia grandes lacunas, assimetrias e fortes anacronismos” (Heitor, 2004: 151).
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Em 1992 surge um novo instrumento de ordenamento territorial – o Plano Estratégico de Lisboa (PEL), elaborado pela CML (CML – Urbanismo) (Figura 28). A zona de Chelas é citada no documento aquando da apresentação das áreas estratégicas de intervenção. Para ela estaria designado como objectivos o estruturar de actividades e equipamentos ao longo da circular Alcântara – Chelas e a redução de assimetrias estruturais da periferia (charneira urbana, unidade territorial II que liga Chelas a Benfica). É relevante referir que, enquanto a mancha laranja, de actividade terciária, sobrevoa os vales de Chelas, a sua componente ecológica parece totalmente ignorada na planta de apresentação do PEL. Citada como área de intervenção urbanística no sentido de “garantir um ambiente de qualidade”, esta estrutura verde da cidade parece cingir-se ao Parque de Monsanto.
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O Plano Director Municipal (PDM) (Figura 29), aprovado em 1994, documento normativo decorrente do PEL, encontra-se ainda em vigor sendo o instrumento legal de ordenamento do território que regula, de uma forma geral, os acontecimentos urbanísticos municipais. No seu regulamento pode ver-se a nomeação da zona de Chelas como unidade operativa de planeamento e gestão independente e para o qual estariam perspectivados os seguintes objectivos:
definir uma solução urbanística que crie uma imagem urbana adequada ao novo centro terciário;
integrar e compatibilizar a ocupação edificada com a solução do nó viário de articulação entre a Av. Central de Chelas e o prolongamento da Av. dos Estados Unidos da América, com a linha e estação do metropolitano e interface de transportes a ela associado;
garantir a articulação funcional e integração paisagística e arquitectónica entre o centro e os espaços verdes e edificados envolventes.
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A eficácia do PEL/PDM foi comprometida devido a dificuldades ao nível da sua implementação e acompanhamento, bem como a questões de ordem cultural e de ordem política. Mas em 2002 retomou-se o planeamento estratégico com o documento Visão Estratégica – Lisboa 2012, que surge na sequência do anterior PEL, e pretende constituir um referencial das novas políticas do executivo camarário. Em detrimento de um segundo PEL tradicional, optou-se por identificar objectivamente um conjunto reduzido de ideias-chave e de eixos estruturantes. Este documento foi definido paralelamente ao arranque do processo de Revisão do Plano Director Municipal, que se encontra, à data da preparação desta dissertação, em fase de discussão pública.
O documento Visão Estratégica – Lisboa 2012 (CML, 2002), apresenta uma perspectiva relativamente à condução da política local de ordenamento do território e do desenvolvimento urbano da cidade. A ideia fundamental foi garantir a coerência dos eixos de desenvolvimento urbano da cidade e a continuidade e consistência, no tempo e no espaço, de algumas políticas municipais de carácter estruturante, evitando obstáculos de desenvolvimento resultantes da alteração dos valores e das políticas que suportam a estratégia base da cidade. Esta visão para a Lisboa de 2012 seria suportada por quatro Eixos de Desenvolvimento Urbano:
1 . Lisboa, Cidade de Bairros; 2 . Cidade de Empreendedores; 3 . Cidade de Culturas; 4 . Cidade de Modernidade e Inovação. 54
O documento define a Missão e os Eixos de Desenvolvimento, referindo recomendações e orientações estratégicas em diferentes domínios e propondo a elaboração das medidas e acções de planeamento através da adopção de uma metodologia participativa (doze workshops temáticos de participação focalizada) e da promoção de diversos encontros e fora de discussão sobre a Revisão do Plano Director Municipal.
No documento Visão Estratégica pode ler-se sobre a necessidade de impulsionar os Planos de Urbanização afectos a Chelas e aos seus vales. É referido, com entusiasmante optimismo, a crescente inclusão de Chelas nas dinâmicas da cidade, através da criação de uma “nova centralidade em Chelas – Cidade Administrativa”, para a qual se previa a transferência e aglomeração de alguns ministérios que se encontram dispersos pela cidade e que libertariam zonas como o Terreiro do Paço, com o intuito de devolver à cidade um dos seus espaços históricos mais imponentes.
É relevante salientar este desafio porque declara nítidas intenções de desmistificar os sentimentos negativos que afectam, ainda hoje, a zona de Chelas. Estes sentimentos foram-se impregnando neste lugar particular da cidade devido aos sucessivos actos de urbanização da área urbana que segregaram durante muito tempo a zona de Chelas e consequentemente atrasaram e debilitaram o seu (des)envolvimento urbano face a outras zonas da cidade. Também contribuem para esta carga socialmente negativa alguns indicadores demográficos e sociais (como analisaremos mais detalhadamente na última secção deste capítulo). Estes indicadores revelam o baixo estatuto social, económico e educacional da população que ocupou inicialmente as construções de habitação social afecta à área em estudo e repercutem-se nos níveis elevados de desemprego e criminalidade que ainda hoje se verificam.
Passaram-se nove anos, e estamos hoje a apenas um ano da Lisboa imaginada pelo Visão Estratégica – Lisboa 2012. Independentemente das razões que inibiram a concretização das intenções formuladas, hoje Chelas não é “Cidade Administrativa”. Permanece como espaço urbano essencialmente residencial onde os lugares intersticiais entre células habitacionais razoavelmente consolidadas continuam expectantes pela tal inclusão activa no panorama ecológico global e multifuncional da cidade.
No PDM actualmente em discussão pública, e do qual já está publicado o regulamento (e anexos) base, é exposto um termo de referência que indica a utilização do sistema verde público “na vertebração e estruturação urbana, com a inclusão do corredor de ligação do sistema de Chelas ao rio, numa lógica de continuidade dos sistemas ecológicos de escala local” (CML, 2011: 84).
As imagens apresentadas de seguida, fragmentos das plantas incluídas na revisão, abrangem os temas da estrutura ecológica municipal (Figura 30) e do sistema de vistas (Figura 31). É de salientar a inclusão da área em estudo nas categorias de espaços verdes integrantes do sistema de corredores estruturantes e parcialmente coincidente com o sistema húmido da cidade. É também relevante notar que os vales de Chelas compõem, em conjunto, um dos três grandes sub-sistemas de vistas da cidade – sendo os outros dois os espaços afectos às Avenidas Novas e à periferia Nascente do Parque de Monsanto. A Figura 32, relativa à qualificação do espaço urbano – síntese das duas anteriores e das restantes peças apresentadas na revisão proposta – indica as zonas consolidadas da área em estudo, correspondentes aos bairros construídos à luz do PU de Chelas. Reafirma também as encostas dos vales, e particularmente os três que se encontram no Convento de Chelas, como espaços verdes expectantes por projectos de consolidação do verde de produção e recreio.
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A Chelas de hoje não é exactamente um reflexo do que os sucessivos instrumentos de planeamento idealizaram. Hoje, aos “grandes conjuntos edificados contrapõem-se núcleos de habitação precária localizados no interior de algumas quintas que ainda sobrevivem, embora em adiantado estado de degradação, pequenas hortas de subsistência e terrenos expectantes” (Heitor, 2004: 152).
Pondo em perspectiva a análise da planta de usos do solo (Figura 33) a área em foco caracteriza-se, muito amplamente, por um conjunto de unidades celulares de habitação, onde alguns equipamentos oferecem a subsistência de cada unidade, independente da seguinte. Equipamentos como escolas secundárias ou primárias, centros de saúde, esquadras ou algumas unidades comerciais assistem as unidades maioritariamente habitacionais dos bairros criados pelo Plano de Urbanização de Chelas. Os espaços verdes infra-estruturados surgem nos limites de três destes bairros (Armador, Flamenga e Amendoeiras) acabando por funcionar como uma bolsa de oxigénio física e psicológica entre os bairros e as áreas de maior movimento rodoviário. É ainda importante realçar a subsistência das hortas que matizam espaços intersticiais entre bairros, e se associam ainda à Estrada de Chelas.
A análise da planta (Figura 34) relativa ao estado de conservação da massa edificada da zona em estudo, evidencia a evolução da cidade desde a zona ribeirinha, em direcção a Norte. Verificam-se, na zona costeira, as áreas de maior densidade de edificado em estado 58
razoável ou mau, sendo, então, as zonas mais a norte, e por conseguinte, mais recentes, as que apresentam o edificado em melhor estado de conservação. Destacam-se as zonas recentemente edificadas pelo seu bom estado de conservação, em pontos como o edifício que alberga o “Pingo Doce”, o Bairro do Armador e o Bairro de Madredeus. Os bairros ocidentais da zona em estudo, Olaias, Picheleira e Flamenga, são compostos por elementos em bom ou razoável estado de conservação, facto que pode ser explicado pela proximidade a zonas mais densas e urbanizadas da cidade. Os restantes bairros analisados evocam um maior leque de cores referentes à legenda apresentada, onde os bairros ‘I’ e ‘J’ vivem tanto de edificado em más condições de conservação como de edificado em bom estado. Ainda de realçar os elementos edificados em ruína ou em mau estado de conservação que limitam a Estrada de Chelas, tornando este eixo um acesso desordenado e degradado às zonas do Beato e Xabregas.
O planeamento dos usos do solo deve atender à questão da mobilidade, pois o seu desenho de forma integrada permite um desenvolvimento sustentável ao nível de diferentes escalas. A análise da rede viária (Figura 35) revela que não é garantida a ligação através de transportes públicos entre os diversos bairros estudados e, assim, as deslocações entre as células habitacionais e os pólos de serviços são feitas através de meios próprios dos utentes e residentes. Dada a escassez e distanciamento entre esses pólos é fomentada a utilização do transporte individual nesses percursos. O acesso aos equipamentos escolares pode, de um modo geral, ser efectuado a pé dada a abundância e boa distribuição destes equipamentos nos bairros criados pelo Plano de Chelas. A carência de pólos de emprego na área estudada leva à deslocação diária dos habitantes para zonas afastadas do local de habitação.
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Associando este facto à falta de oferta de transportes públicos e à sua desarticulação, esta situação torna-se um problema, transversal a outras zonas residenciais da cidade, devido à falta de integração no planeamento dos dois temas. Sendo importantes pólos geradores de necessidade de deslocações, a existência, ou futura existência, de equipamentos colectivos de hierarquia superior (tais como o Instituto Superior de Engenharia de Lisboa, o centro comercial Pingo Doce ou o Parque Hospitalar Oriental) deve atender à questão da mobilidade. A falha na implantação de postos de serviços/emprego, sendo um problema por si só, não deixa de ser inerente à baixa oferta de transportes públicos. Os dois temas devem ser tratados de forma articulada para que a oferta em qualidade e quantidade seja adequada às necessidades. As zonas envolventes das estações, nomeadamente ferroviárias, apresentam lacunas graves no que diz respeito à promoção de um conjunto de usos do solo complementares (designadamente serviços e comércio). A incoerência na relação entre mobilidade e usos do solo propaga-se para a zona ribeirinha, onde uma área maioritariamente industrial é atravessada por mais redes de transportes públicos (Figura 36) do que as áreas habitacionais.
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A descontinuidade do tecido urbano contemporâneo de Chelas tem origem na fragmentação das partes que o compõem, devido à composição “(…) funcionalista dos zonamentos e os excessos de experimentação arquitectónica (…). O privilegiar da diferenciação/separação da edificação em relação à contiguidade fez-se à custa do papel de ligante e suporte que na longa história das cidades foi desempenhado pelo espaço público contido e não residencial: por excelência, o elemento significante da continuidade, que de ‘gerador’ se foi reduzindo a ‘adereço’ ou mesmo a terra-de-ninguém” (Portas, 2006: 17).
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As referências sociais e económicas apresentadas em seguida têm como base estudos (Seixas, 2005a), (Seixas 2005b), (Seixas, 2005c) efectuados pela Câmara Municipal de Lisboa no âmbito dos trabalhos de diagnóstico feitos à área metropolitana de Lisboa com vista à revisão do PDM em vigor. Estes estudos têm como base geral as respostas aos inquéritos levados a cabo em 2001 pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), posteriormente analisados e cruzados com dados recolhidos por equipas destacadas para a recolha de informações, mais detalhadas, de cariz urbano, social e económico16. Também foram consultados os resultados dos inquéritos realizados pelo INE em 2001, no sentido obter dados relativos à Área Metropolitana de Lisboa (AML). Embora já estejam publicados alguns resultados provisórios relativos aos inquéritos feitos no ano em curso (2011), ainda não se encontram disponíveis dados que abranjam todas os temas em foco, pelo que se optou por não recorrer aos dados mais recentes que melhor reflectiriam a realidade actual.
O Quadro 2 apresenta uma síntese dos principais indicadores demográficos e sociais relativos à AML, à cidade de Lisboa e à unidade operacional de Marvila. Dele podem extrair-se dados que revelam a densidade populacional da área de Marvila (6.134 hab/km2) um pouco abaixo da média de Lisboa (6.708 hab/km2); uma taxa de variação populacional de -18,9 % em relação aos dados demográficos de 1991; uma massa populacional com grande níveis de população idosa e baixos níveis de população jovem – respectivamente cerca de 32% e 14% do total da população residente - quando comparados com os índices da AML e de Lisboa. Também se destaca a densidade do edificado, em que a densidade de edificado, 337 edifícios por km2, representa metade da densidade média notada em Lisboa (664 edifícios/km2). Outro indicador que ressalta do quadro apresentado é a elevada taxa de desemprego sentida em Marvila quando comparada com as taxas médias da cidade e da área metropolitana.
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Para efeitos de caracterização da área em análise considera-se a zona de aglomeração denominada de “Chelas/Marvila” definida no estudo citado. 62
AML
LISBOA
MARVILA
2962,40
84,62
6,32
2 661 850
564 657
38 767
Densidade populacional (hab/km2)
899
6 708
6 134
Taxa de variação de residentes entre 1991 e 2001 (%)
5,60
-14,90
-18,90
População jovem - menos de 25 anos (%)
26,05
24,30
13,70
População idosa - mais de 64 anos (%)
17,97
23,60
32,20
População activa - entre 25 e 64 anos (%)
55,98
52,10
54,10
394 520
56 178
2 134
~ 133
~ 663
~ 337
1 916 532
337 507
13 152
29 771
1 099
7,36
>9
Área (km2) DEMOGRAFIA Residentes
CLASSES ETÁRIAS
EDIFICADO Número de edifícios Densidade de edificado (edifícios/km2) EMPREGO População residente empregada Estabelecimentos Taxa de desemprego (%)
s/ informação 7,57
Lisboa confirma a tendência que se verifica nas grandes cidades no que respeita à preferência pela periferia para habitação por parte da população residente; verificou-se, desde 1970, uma descida de cerca de 20% de residentes na cidade de Lisboa relativamente à distribuição populacional na região. Esta tendência resulta da terciarização dos centros das cidades mas também ao preço mais baixo do solo para construção nas periferias, que promove uma crescente oferta de novos espaços residenciais. Ainda assim pode salientar-se que a área de Chelas/Marvila teve, durante a década de 90, uma variação razoavelmente positiva (cerca de 3%) relativamente ao aumento da população activa (20 – 64 anos), quando comparada com outras zonas de aglomeração definidas no estudo. Para este facto contribuiu o aumento do número de habitantes, cerca de 34.700, o que faz desta área um considerável pólo residencial no interior do centro urbano (face à média de 14.125 habitantes por unidade de análise da cidade).
No entanto, a evolução da estrutura edificada nas zonas em estudo aponta para esta ser uma das únicas zonas da área metropolitana de Lisboa (a par da freguesia do Lumiar e de Campolide) com evolução significativamente decrescente do número total de edifícios na década de 90: enquanto Marvila perde cerca de 1.000 edifícios a zona do Beato ganha cerca de 350. Embora não sejam comparáveis, devido à diferença substancial entre áreas, é de realçar esta perda acentuada, que poderá ser explicada pela demolição, em Marvila, de edifícios devolutos ou antigos elementos industriais dos quais permanecem apenas alguns vestígios. Ainda assim, as densidades de 63
edifícios não sofrem, nesta década e para a área estudada, grandes variações, apresentando a freguesia de Marvila um decréscimo de 1.5 pontos percentuais (de 4.8% para 3.3%), quando a do vizinho Beato um aumento de 2.4 pontos percentuais (de 13% para 15.4%). Em resumo, o edificado na área em estudo é pouco expressivo, apresentando uma percentagem abaixo dos valores típicos do núcleo da área metropolitana de Lisboa (entre 10 e 20%).
A análise da distribuição do emprego e dos estabelecimentos por zona de aglomeração, apresentada nos estudos efectuados pela Câmara Municipal, revela o peso da zona central da cidade. A zona das Avenidas Novas representa, em 2000, cerca de 17% do total de emprego e 15% dos estabelecimentos de Lisboa, apresentando densidades de estabelecimentos e de emprego claramente superiores à média da cidade. Os dados apresentados nos estudos indicam a área de Chelas/Marvila como sendo responsável por perto de 4% do total de emprego da cidade e como área onde se localizam, também, cerca de 4% dos estabelecimentos comerciais. Sendo uma das áreas de análise mais vastas, estes valores baixos significam, consequentemente, baixos níveis de densidade tanto de emprego como de estabelecimentos.
Sobre os dados referentes aos indicadores de mobilidade, os estudos consultados revelam, para a cidade de Lisboa, um total de 1.089.880 viagens registadas por dia (dentre as quais 237.090 viagens realizadas a pé e as restantes 852.790 em transportes motorizados – cerca de 40% em transporte individual e 56% em transporte colectivo). Estes indicadores mostram ainda que cada habitante da cidade faz, em média, 2,16 viagens por dia e que a taxa de motorização é de cerca de 281,8 veículos/1.000 hab. Quando comparados os dados publicados entre dois inquéritos (o primeiro de 1993 e o segundo de 2003), pode referir-se o decréscimo (de 2,65 para 2,18) registado entre os valores médios de viagens diárias de pessoas residentes na unidade de análise respeitante a Chelas, as quais são maioritariamente realizadas por motivos relacionados com trabalho, estudo ou o regresso ao local de residência. Ainda relativamente à área de Chelas há a assinalar um ligeiro aumento da taxa de motorização entre 1993 e 2003 (que subiu de 174 veículos/ 1.000 hab. para 187), mas que continua a ser um dos valores mais baixos quando comparados com os indicadores das restantes unidades de análise. Assim, este dado é consistente com outro apontador que refere que o meio de transporte mais utilizado nas deslocações é o transporte colectivo, dado não consonante com as restantes unidades de análise, cujo transporte primordial é o transporte individual.
Relativamente à caracterização dos recursos humanos da área em estudo pode referir-se que o índice de qualificação médio é de cerca de 54% relativamente à média da cidade (e um dos mais baixos de todas as zonas de aglomeração definidas no estudo). Os rendimentos médios também se encontram nas posições menos favorecidas, sendo de cerca de 78% relativamente aos rendimentos médios registados em toda a cidade. O mesmo estudo conclui que os sectores de emprego mais preponderantes na zona de Chelas/Marvila são os da indústria, comércio e logística, representando, cada um deles, um peso de cerca de 4,5% relativamente ao peso que o sector tem na cidade.
O estudo conclui, assim, que o potencial competitivo de Chelas/Marvila, parte integrante de um agrupamento completado pelas zonas de Carnide, Benfica/S. Domingos, Parque das Nações e Alto de S. João, é dos mais baixos devido à natureza dos recursos humanos de mais baixos níveis educacionais e, consequentemente, dos mais baixos níveis salariais.
O pólo Chelas/Marvila, que lidera os níveis de emprego nas actividades industriais de nível tecnológico mais elevado, ainda em função de um passado marcado por uma trajectória de localização privilegiada das principais estruturas empresariais na confluência de uma zona oriental onde indústria e logística tinham forte expressão, enfrenta, actualmente, nítidas tendências de possível perda de competitividade 64
urbana. As taxas mais altas de desemprego da cidade verificam-se aqui, num cenário aprisionado entre a relevante dimensão de pólos residenciais não especialmente qualificados e o progressivo desaparecimento das condições que neles tornaram atractiva, no passado, a localização de empresas.
Do estudo dedicado à análise sócio-urbanística, no capítulo que incide sobre a evolução demográfica da população ao longo da década de 90, pode concluir-se que a tendência de evolução em Chelas tem sido de decréscimo do número de indivíduos e de famílias residentes em consonância com a tendência geral da cidade. Registou-se, no entanto, um aumento do número de alojamentos, face a uma tendência de estagnação ou decréscimo na cidade.
Relativamente à evolução do perfil das famílias residentes há a registar uma redução de famílias clássicas e clássicas com jovens de menos de 15 anos. Também se verificou um aumento das famílias clássicas com um ou dois indivíduos e das clássicas com indivíduos com mais de 65 anos. Chelas regista, ainda, uma variação da dimensão familiar de -0,54 pessoas por agregado, um dos valores mais baixos de todas as áreas estudadas e cuja média é de -0,28, o que pode vir a significar dificuldade de (re)dinamização desta zona da cidade. Ainda assim continua a apresentar um valor elevado de dimensão familiar, registando uma média de mais de 2,9 indivíduos por família, mais de 0,5 acima da média da cidade.
O universo humano que habita a cidade de Lisboa é, numa tendência paralela a outras cidades do mundo globalizado, uma composição crescentemente diversificada. Isto significa que cada vez mais somos parte integrante de uma comunidade onde co-existem pessoas de diferentes origens, raças ou etnias, facto que se repercute numa mostra também ela cada vez mais variada de culturas, saberes e formas de viver. Um estudo realizado pelo Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa (CEG) revela que, segundo os resultados dos dois últimos recenseamentos populacionais, entre 1991 e 2001 o número de cidadãos estrangeiros residentes na Área Metropolitana de Lisboa evoluiu de 45.608 para 125.927, registando um crescimento de 176,1% e aumentando o seu peso percentual na população da região de 1,8% para 4,7%. Chelas tem sido um dos pólos de habitação onde mais cidadãos estrangeiros encontram o seu local de residência, tornando esta, assim, uma zona mais distinta da cidade também pela fusão de mundos geograficamente distantes. Visitados os valores relativos ao quociente de localização17 de estrangeiros para as várias unidades de análise pode referir-se que em Chelas se concentram, sobretudo, cidadãos oriundos dos PALOP, Índia e Paquistão.
A falta de qualidade de vida social sentida em Chelas é muitas vezes explicada pelos altos índices de criminalidade. Este factor tem tendência a ser agravado pelas tensões sociais que frequentemente se desenvolvem quando se agrupam tecidos humanos compostos por diferentes etnias.
A entidade humana que habita Chelas sofre “do estigma social a que estão sujeitos pelo simples facto de ali habitarem. Com efeito, Chelas levou quase ao extremo tanto a condição de inacessibilidade aos centros de vida social e económica da sua população como a monofuncionalidade do seu tecido urbano” (Heitor, 2001: 2).
Assim, talvez o mais importante dado a reter do estudo referido seja a noção de que esta área de aglomeração constitui um importante desafio para a renovação das bases da competitividade urbana da cidade de Lisboa, quer no plano da atracção e conservação das 17
O quociente de localização (QL) é um índice que permite avaliar a sobre-representação de um determinado grupo, numa determinada unidade geográfica,
tomando como referência o seu peso em toda a área em análise, que, no caso presente, corresponde à Área Metropolitana de Lisboa. Deste modo, valores superiores e inferiores a 1, indicam, respectivamente, sobre-representação e sub-representação relativa do grupo na sub-unidade; os valores iguais à unidade, indicam um peso relativo igual ao do conjunto da área de referência. 65
actividades económicas, quer no plano da extensão e consolidação das funções urbanas, susceptíveis de promoverem uma qualificação efectiva da cidade no plano urbano interno e nacional. Este é um aspecto chave tendo em conta que estas dinâmicas “estão hoje fortemente ligadas ao projecto urbano, visando a atracção ou a criação de valor” (Brandão, 2006: 202).
Sendo um lugar dissociado de si mesmo e da cidade em que se insere, Chelas apresenta um perfil urbanístico referido como local de interesse pelo funcionamento em ilha no que diz respeito tanto à configuração urbana das realidades construídas, como às dinâmicas sociais “muito próprias e distintas das restantes unidades de análise” (Seixas, 2005ª: 419). No entanto, a profusão de diferentes realidades urbanas – entre as massas construídas ou humanas – dita Chelas como uma das mais problemáticas áreas da cidade de Lisboa. Do ponto de vista urbano a inexistência ou a fraca qualidade do espaço público e o funcionamento das unidades habitacionais (bairros) em ilha não propiciam e criação ou existência (e manutenção) de uma vida social saudável.
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Lisboa situa-se num amplo planalto pendente para o interior, em cujas extremidades, sobre o estuário, se formam vales cravados de colinas que caracterizam a paisagem ribeirinha. Neste conjunto natural destacam-se três vales que, dada a sua dimensão e morfologia, marcam não só a imagem da cidade como o seu desenvolvimento ao longo da História:
Vale de Alcântara: o mais fundo dos vales, que se prolonga desde Sete-Rios até ao rio;
Valverde: sobre o qual assenta a Avenida da Liberdade, converge na zona da Baixa com outro vale onde se situa a Avenida Almirante Reis, e cuja cabeceira se localiza na portela do Areeiro;
Vales de Chelas: as suas linhas de água estruturam a bacia hidrográfica da cidade e juntamente com o Vale Fundão, Vale do Silêncio (Olivais) e o seu prolongamento até ao rio, moldaram significativamente o solo-suporte da zona Oriental da cidade.
Destes vales, o Valverde é, claramente, aquele cuja ocupação se encontra há mais tempo estabilizada. Por outro lado, Alcântara tem vindo a encontrar o equilíbrio possível, nos últimos anos, com a abolição de habitações clandestinas, substituídas por habitações colectivas de baixo rendimento, e com a construção de novas infra-estruturas. Restou assim o Vale de Chelas no panorama urbanizável da cidade e cuja ocupação foi constantemente adiada na consequência do plano esboçado para Chelas–PUC.
O sistema orográfico de Chelas determina uma estrutura composta por um vale central que arranca da beira-rio seguindo uma direcção Norte/Sul, paralela à margem Ocidental da cidade, até às encostas do Aeroporto. A encosta Ocidental apresenta-se contínua e de acentuado declive, enquanto que a Oriente surgem dois vales de igual importância morfológica. Um destes vales entronca no Vale Central (junto ao Convento de Chelas) e segue até ao festo constituído pela Avenida de Roma e ramifica-se até ao leito ocupado pela Avenida Gago Coutinho (a Norte). Mais a Norte, o Vale Central recebe a Ocidente um outro vale subsidiário cuja dimensão, morfologia e orientação o valorizam e onde se situa o Colégio Valsassina. Outro vale de referência é o Vale Fundão, sensivelmente paralelo ao Vale Central de Chelas e que, dada a sua não urbanização, tem um papel de relevo na paisagem de Lisboa assim como uma importante função enquanto área de infiltração.
De certa forma, a evolução histórica e urbana do Vale Central de Chelas foi mais lenta dado os terrenos nesta área terem sido expropriados – processo que decorreu ao longo de 40 anos, até 1970 - e anexados de forma a formarem uma bolsa de terrenos na posse do município, para que fosse possível levar a cabo as operações urbanísticas para eles formuladas. Os atrasos verificados levaram a que muitas dessas operações não fossem sequer iniciadas e o sistema de vales manteve a sua vocação de canais de drenagem atmosférica e hídrica, de enfiamentos e sistemas de vistas, virtualmente intacto até hoje18.
É de salientar que nos instrumentos de planeamento mais recentes figura de forma crescente a importância dos vales e das estruturas verdes na zona de Chelas (Figura 37). É importante referir uma progressiva intenção de incluir nos instrumentos de planeamento urbano da cidade conteúdos programáticos não estritamente residenciais, que compreendem a necessidade de incutir multifuncionalidade no 18
Orientações climáticas para o ordenamento em Lisboa (CML – Urbanismo) 67
espaço urbano de Chelas. Neste sentido é referida no documento Visão Estratégica (CML, 2002) a inserção de programas e equipamentos de articulação dos parques urbanos existentes (ou outros a criar). Esta intenção articula-se com uma crescente estruturação global da paisagem ecológica da cidade, ainda que este seja o primeiro documento legal de gestão do território que compreende a individualidade de cada componente do sistema ecológico de Lisboa, estruturando-o em sete componentes (de Nascente para Poente): Vales de Chelas, Olivais - Chelas, Sete Rios – Alvalade, Corredor Verde Monsanto - Avenida da Liberdade, Ribeira de Alcântara, Coroa Noroeste e Parque de Monsanto.
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A questão sobre qual o enquadramento apropriado a dar ao Vale Central de Chelas é antiga e as opções de resposta têm oscilado entre a hipótese de uma paisagem urbana edificada com ligações ao percurso ou, por outro lado, um enquadramento vegetal contínuo, como proposto pelo Arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles (Telles, 1997). Esta última hipótese está já contemplada no PUC que prevê a existência de três faixas verdes estruturantes: o Parque Vale Fundão, o Vale Central e o Parque da Bela Vista (que incluí o Vale de Chelas).
As constantes utopias e projectos idealizados para a área, que têm vindo a perseguir uma harmoniosa relação entre uma ocupação meridional em cumes e encostas com exposições solares e declives favoráveis, e uma estrutura verde contínua determinante de vales e privilegiando a crista da Bela Vista, esbarra hoje com um sistema viário concentrado sobre o cruzamento entre radial-circular. O sistema de desenvolvimento de Lisboa não pode mais concretizar-se através da elaboração de um puzzle de células urbanas identificáveis pela rede viária que define os limites dessas unidades. “As estruturas não identificáveis e os vazios urbanos não garantem, por si só, a constituição de uma estrutura verde viável e útil.” As palavras do Arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles indicam um necessidade imediata de idealizar uma estrutura verde global que integra, para além dos espaços verdes já consolidados, os “(…) vazios existentes, os corredores de circulação de água pluvial e do “sistema húmido” (Telles, 2003: 340).
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A área de estudo desenvolve-se entre cotas abaixo dos 10m de altitude (no troço Sul da Estrada de Chelas, que nessa zona assume já o nome Gualdim Pais) e acima dos 100m (no Parque da Bela Vista). Estruturada com base no Vale de Chelas, esta área é composta por um sistema de vales pronunciados, evidentes sobretudo ao longo da Estrada de Chelas e no vale encaixado entre as Olaias e o Parque da Bela Vista (a Sul da Avenida Estados Unidos da América). Com declives acentuados e cabeços amplos, apresenta grandes transições de cotas, como, por exemplo, as falésias junto ao Convento do Beato, ao Pátio Marialva ou a transição entre o Parque da Bela Vista e a Av. Gago Coutinho (Figura 38).
Composta por zonas de forte declive associado aos vales, zonas de declive fraco associadas aos cabeços e zonas planas associadas sobretudo à frente ribeirinha, este é um lugar de grande diversidade topográfica na cidade – assim como muitos outros, desde o Vale de Alcântara ao Vale da Liberdade. O edificado recente desenvolve-se sobretudo ao longo dos cabeços, com pendentes suaves e sistema de vista amplos (na grande encosta exposta a Sul). As zonas de vales, com declives mais pronunciados, estão integradas na estrutura verde da cidade, contribuindo para a alimentação dos lençóis freáticos, sendo actualmente compostas sobretudo por terrenos vazios, expectantes, parcialmente ocupados por hortas espontâneas exploradas (e portanto mantidas) pelos horticultores residentes nos bairros mais próximos (Figura 39).
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A área focada desenvolve-se ao longo de uma encosta que se espraia desde a Rotunda do Relógio até ao Rio Tejo segundo a direcção Noroeste - Sudeste. Esta orientação geral, conjugada com grandes áreas (quase) planas e o sistema de vales acentuados, resulta em zonas com excelente exposição solar e noutras muito sombrias, por vezes em encostas opostas do mesmo vale. À luz desta diversidade foram surgindo alguns bons exemplos de construção de aglomerados edificados, como a implantação dos bairros nos cabeços ou em encostas sobretudo viradas a Sul, mas também, inevitavelmente, alguns maus exemplos, como é o caso do bairro do Vale Fundão - que se desenvolve num vale extremamente pronunciado, orientado a nascente e que, consequentemente, apresenta graves problemas ao nível da exposição solar. A carta apresentada baseia-se num modelo geométrico, simplificado, do terreno, e não contempla a implantação ou morfologia quer do edificado como das infra-estruturas viárias e suas relações ao nível do sistema de sombras (Figura 40).
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A cidade de Lisboa integra três grandes bacias hidrográficas, nomeadamente (de Poente para Nascente): a Bacia da Ribeira de Alcântara; a Bacia do Valverde (Avenida da Liberdade e Avenida Almirante Reis); e a Bacia de Chelas. A Bacia Hidrográfica de Chelas desenvolve-se desde a zona Sul do Aeroporto, ao Cais de Xabregas; a poente inclui zonas como parte do Bairro de Alvalade, da Avenida dos Estados Unidos da América, a Praça do Areeiro, acompanhando o limite urbano das Olaias e o Cemitério do Alto de São João e a nascente a linha de festo dos cabeços das zonas residenciais criadas no Plano de Chelas, passando na Mata da Madre de Deus, até à zona referente à Alfândega de Xabregas. Apesar de ser a segunda maior bacia hidrográfica da cidade (a seguir à de Alcântara), o facto de manter ainda grandes áreas não edificadas com terreno permeável contribui decisivamente para a alimentação dos lençóis freáticos e para a diminuição do risco de cheias. A título de exemplo, pode comparar-se a Bacia de Chelas com a Bacia Hidrográfica da Ribeira de Alcântara, desmesuradamente maior (incluindo parte de Telheiras e da Amadora), o que associado ao facto de apresentar um índice de ocupação/impermeabilização bastante elevado leva a que apresente graves problemas de cheias, sobretudo quando se conjugam estados de forte precipitação com maré alta, não permitindo o escoamento da água para o rio Tejo (Figura 41).
De um modo geral, os solos da área em estudo apresentam-se brandos, evidenciando-se as linhas de vales, que apresenta solos essencialmente areno-argilosos, devido ao arrastamento de sedimentos e à desagregação do solo a montante, e as zonas de encosta com terrenos de baixa resistência. Associando o tipo de solos encontrados aos declives existentes, pode concluir-se da Carta de Risco Sísmico que a área em estudo se situa numa zona bastante susceptível, tal como acontece com a restante área urbana da cidade, revelando um nível de elevado risco sísmico (Figura 42 e Figura 43).
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Sintetizando a informação anteriormente apresentada pode salientar-se que a existência de zonas menos propícias, com exposições solares a Norte e declives acentuados, não é impeditiva da existência de edificação, desde que seja definido à priori o programa a ocupar essas áreas, para que a combinação dos dois factores não seja incompatível com o bom funcionamento urbano do projecto a implementar.
As zonas actualmente desocupadas e expectantes, ainda que sejam representativas do descuido e da falta de manutenção, e que são elementos desagregadores em situações urbanas consolidadas, não podem ser descuradas pois servem propósitos como a regulação das taxas de impermeabilização e do consequente escoamento de águas pluviais através da bacia hidrográfica de Chelas.
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Essas zonas são imagem recorrente na área de estudo e acabam por caracterizá-la, sendo muitas vezes apropriadas pela população vizinha com finalidades de produção agrícola (mesmo que ilegal), que acabam por garantir, desse modo, a respectiva manutenção.
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O aprovisionamento alimentar de Lisboa continua a depender em boa parte do cultivo do campo em zonas periféricas à cidade. Quando comparada com épocas passadas esta periferia está agora mais afastada do centro urbano de Lisboa, dado o crescimento do núcleo urbano. No entanto, a alimentação da população da cidade, tal como se verifica em qualquer outra cidade do mundo contemporâneo globalizado, faz-se muito principalmente de produtos importados de outras zonas do país ou, mesmo, de outros países. Este facto resulta do fenómeno de globalização que conhecemos hoje e à consequente facilidade de mobilidade potenciada pelos avanços tecnológicos e de infra-estruturas de transportes de que hoje dispomos: pode dizer-se que a noção de periferia se tornou tão abrangente quanto a capacidade de imaginação nos permita.
As consequências desta facilidade com que acedemos a qualquer tipo de produto alimentar provocou um afastamento crescente da população urbana face aos processos de produção dos alimentos, e uma quase renegação da actividade agrícola como indispensável à sobrevivência da Humanidade. Também as políticas administrativas e de planeamento vão ignorando o potencial da agricultura em meios urbanos. Resulta desta segregação uma subsistência frágil dos terrenos produtivos na cidade, que vão sobrevivendo, em Lisboa, em pequenos terrenos expectantes a custo das pessoas que (ilegalmente) os cultivam.
O passado recente traz uma maior consciência e compreensão do potencial ecológico, económico e social que este tipo de actividade pode trazer ao meio urbano. Assim, tem sido feito um esforço, por parte da CML, de identificação das áreas onde subsistem os terrenos utilizados na produção agrícola, no sentido de legalizar as hortas que aí existem e ceder-lhes a estrutura arquitectónica (e urbana) e o acesso aos recursos naturais necessários à prática saudável da actividade. Com este propósito está a ser estruturado um documento que regulamente a implementação das hortas na cidade (Matos, 2010) (Anexo I).
Das aglomerações de hortas urbanas (Figura 44) identificadas pelo departamento de Arquitectura e Urbanismo da CML é de destacar a intenção de incluir a Quinta da Granja de Baixo, cuja primeira fase de projecto já está implementada, no denominado Parque Periférico localizado na zona Noroeste da cidade. Este Parque é composto pelos Parques Urbanos da Pontinha, Carnide, Paço do Lumiar, Vale do Forno, Encosta do Olival, Vale da Ameixoeira e Forte da Ameixoeira. Também é de destacar o trabalho que está a ser feito para a zona residencial da Alta de Lisboa, já de iniciativa privada e gerido pela associação AVAAL – Associação para a Valorização Ambiental da Alta de Lisboa, bem como o Parque Hortícola de Chelas (PHC), localizado no troço Norte do próprio Vale de Chelas, cujo projecto está terminado e as obras estão em curso.
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Os três projectos referidos têm relevância por razões distintas – a inclusão das actividades de produção agrícola num parque urbano (Granja, PHC), ou a introdução do programa associado a uma zona residencial (Alta de Lisboa), mas todos contribuirão de forma relevante para a valorização social, ambiental e urbana do local da cidade onde se inserem.
A cerca de 1km, a Sul, do PHC situa-se o local em estudo para o qual foi desenvolvido o projecto de intervenção discutido nesta dissertação. Situa-se numa das encostas que compõem o verde do Vale de Chelas (Figura 45), na zona afecta ao antigo Convento de Chelas (actualmente arquivo do Exército). É um lugar que, como tantos outros na zona de Chelas, foi sendo sucessivamente esquecido aquando da concretização dos planos e projectos urbanos que direccionaram o ordenamento do território no século XX. Este local de declive acentuado e localização difícil de definir – entre a Estrada de Chelas e a Rua João César Monteiro, a encosta que cai do tríptico composto pelo Bairro das Salgadas, Quinta do Marquês de Abrantes e Bairro dos Alfinetes, em direcção ao Convento – é já há alguns anos ocupado pelas pessoas do bairro para o cultivo de produtos alimentares (Figura 45). O terreno expectante - mas que no fundo não o é – onde existe mais actividade que em muitos jardins e praças de Lisboa, deve à produção agrícola, às hortas e às pessoas que o cultivam a vida que tem, ainda que muitas vezes essa vida seja considerada como resultado de actividades menores, desprezíveis, a abolir.
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No sentido de compreender práticas e expectativas dos hortelões em exercício na zona em estudo (Figura 46) foi feito um inquérito focado nos aspectos relacionados com a situação presente de cada um no que diz respeito ao próprio cultivo agrícola e, sobretudo, nas perspectivas e expectativas relativamente ao futuro dessa actividade. Tendo como público-alvo a população activa nas hortas da área em estudo, o inquérito também incidiu sobre a forma como os inquiridos habitam o Vale de Chelas e sobre qual o tipo de relacionamento que têm com o meio (urbano, ambiental e humano) que os rodeia.
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O questionário que serviu de base ao inquérito é apresentado em anexo [Anexo III] e divide-se em três secções:
1ª secção . Informação pessoal – na qual o inquirido é questionado sobre questões de natureza pessoal, nomeadamente sobre a sua origem geográfica e situação profissional.
2ª secção . Informação sobre actividade presente na agricultura – que pretende conhecer os motivos pessoais para a actividade, e qual a forma como essa mesma actividade é encarada no dia-a-dia pela pessoa inquirida.
3ª secção . Informação sobre expectativas futuras – em que se pretende recolher informações sobre carências e necessidades sentidas face ao espaço de cultivo, assim como sobre a sensibilidade face à possibilidade de reestruturação desse mesmo espaço.
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As respostas obtidas dizem respeito a um universo de 32 hortelões inquiridos entre os dias 2 de Março e 2 de Abril de 2011. Os inquiridos foram contactados directamente nas hortas, sem combinação prévia, tendo sido feito um esforço por recolher respostas em várias alturas do dia e em diferentes dias da semana. Os resultados mais relevantes para este trabalho são apresentados em anexo [Anexo IV]. O universo de respondentes é totalmente de nacionalidade Portuguesa, composto maioritariamente por pessoas do sexo masculino (78%) e ainda em idades activas (62% com idades entre os 55 e os 64 anos, 22% com idades entre os 25 e os 54, e apenas 13% com mais de 65 anos).
Relativamente à origem geográfica, 91% dos respondentes é originária do Norte do país. Mais de 50% são originários de Castro D’Aire ou de Cinfães do Douro e apenas 9% são naturais de Lisboa. Dos 91% respondentes com origens no Norte, apenas duas pessoas têm origem em ambientes sociais urbanos. Todos os restantes provêm de ambientes rurais, trazendo a cultura, a educação e o saber cultivar a terra dos lugares de origem. Apenas 22% dos respondentes têm habilitações literárias para além do primeiro ciclo, número sensivelmente correspondente ao número de pessoas originárias de meios urbanos.
A residência actual de cerca de 90% dos questionados é no interior do bairro limítrofe à área em estudo, pelo que as deslocações ao local de cultivo se fazem, maioritariamente, a pé – cerca de 97% dos respondentes. Para estes, o tempo médio de deslocação do local de residência ao local de cultivo é de cerca de 5 minutos. Por outro lado, o tempo médio de residência dos inquiridos na morada actual é de 26 anos, o que revela uma tendência de fixação duradoura dos residentes da área em estudo.
Um resultado que interessa destacar ainda sobre os dados recolhidos da primeira secção do questionário é o facto de quase metade (43%) dos respondentes ter profissões (ou antigas profissões, no caso de pessoas já reformadas ou desempregadas) relacionadas com a produção ou confecção alimentar. O valor mais expressivo é o de 7 inquiridos cuja profissão é a de cozinheiro(a); a acrescentar a estes há ainda outros ligados à restauração como empregados de mesa (3), distribuição alimentar (2) e, se admitirmos que a profissão de empregada doméstica (2) está, também, englobada neste agrupamento, obtemos um total de 14 pessoas (40%) com profissões ligadas à alimentação. Relativamente à situação profissional, 56% encontram-se reformados, 25% encontram-se activos e os restantes 19% estão desempregados.
O sentimento de pertença e de propriedade que todos afirmam ter em relação ao lugar que cultivam, embora tenham consciência de que não são, efectivamente, proprietários do terreno, repercute-se nas respostas obtidas quanto à importância que dão à horta na sua vida: 66% dizem ser muito importante e 31% importante. Quando inquiridos sobre a razão pela qual insistem em praticar agricultura obtém-se com maior incidência as respostas “ocupação de tempos livres” e “complemento ao rendimento” (ambas com 40%), seguidas da razão da elevada qualidade dos produtos obtidos (13%). Apenas 7% dos inquiridos afirma ter a agricultura como principal actividade profissional.
A finalidade da produção agrícola parece ser, quase na totalidade dos inquiridos, para consumo próprio (97%), com uma média de 5 pessoas do agregado familiar (mais próximo ou distante) beneficiadas pelos produtos colhidos. De todos os inquiridos apenas uma pessoa diz produzir para venda – mas pode referir-se que o desejo de colocar os seus produtos à venda abrange outras 8, perfazendo um total de 28% de respondentes para quem é relevante os potenciais rendimentos financeiros do seu trabalho nas hortas.
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Quanto ao local de produção, individual, a sua dimensão encontra-se maioritariamente entre os 100 e os 200 m2 (59%); 16% têm entre 50 a 100m2 e 22% mais de 200 m2. Nos talhões são cultivados, em média, 6 tipos diferentes de produtos, sendo os mais frequentes as couves (25 horticultores), a cebola (21), a batata (19), a alface e o alho (18), e a fava (17).
Sobre a adopção de práticas associadas à agricultura biológica é de salientar que a totalidade dos horticultores cultiva os seus produtos de forma rotativa. Relativamente à adopção de processos de compostagem dos resíduos encontra-se uma percentagem significativa (94%) de horticultores que o faz. No entanto, apenas cerca de 28% usa de forma consciente o produto da compostagem como adubo. No entanto, ainda se verifica uma grande incidência no uso de produtos químicos tanto como adubo – e muitas vezes em simultâneo com o uso do produto das compostagens - como fitofármacos na exterminação de pragas (52%, sendo as mais insistentes a lagarta, os caracóis e o piolho).
Um dos dados mais importantes a reter do contacto directo com os hortelões desta encosta onde foram aparecendo as hortas de ocupação espontânea, refere-se à obtenção de água para a rega das culturas. Na realidade nem seria necessário um inquérito para se perceber que a rega é feita através da água retida nas centenas de bidons, e outros esquemas de retenção de águas pluviais, inventados de acordo com a imaginação do horticultor, espalhados pelos inúmeros talhões das várias encostas que compõem os vales de Chelas. Esta evidência patente numa simples fotografia da encosta confirma-se nas respostas da totalidade dos inquiridos deste estudo, que indicam que utilizam água proveniente da retenção de águas pluviais para regarem as suas produções.
Muito provavelmente será esta a razão do parcial abandono do cultivo durante o Verão. Ao comparar o tempo médio despendido por dia pelos horticultores nas suas hortas em períodos húmidos (4,3 horas) e secos (3 horas) encontra-se uma diferença de mais de uma hora. Alguns hortelões referem mesmo que abandonam por completo a encosta dada a falta de condições de rega que permitam o cultivo agrícola.
Ainda relativamente ao acesso a infra-estruturas apropriadas ao apoio ao cultivo agrícola é de salientar que não existem locais para armazenamento de alfaias ou que, quando existem, são improvisados pelos horticultores, que confessam não ter muita confiança em lá deixar as suas alfaias. Por isso, cerca de 56% dos inquiridos guarda os instrumentos de trabalho em casa e apenas 28% o fazem no próprio talhão.
A análise das respostas à segunda secção do inquérito permite, ainda, caracterizar a dimensão social da actividade agrícola desenvolvida pelos respondentes. Quando inquiridos sobre o tipo de relacionamento que mantêm, por um lado, com os vizinhos horticultores e, por outro, com os vizinhos residentes dos bairros que habitam, 31% diz ter relações de grande amizade e 66% diz ter relações de amizade com os restantes horticultores, enquanto apenas 9% diz ter relações de grande amizade com os vizinhos residentes e 75% de amizade. Apenas 3% dos horticultores inquiridos diz ter uma relação relativamente indiferente, de cordialidade, com os restantes horticultores, enquanto esse valor sobe para os 16% quanto aos vizinhos residentes. Estes resultados apontam para que a actividade agrícola potencia relações sociais de melhor qualidade entre os que a praticam do que em relação aos restantes vizinhos.
Avançando para a terceira secção do inquérito não é surpresa encontrar a vontade de ver alguns aspectos melhorados nos espaços que cultivam. Assim, 61% dos inquiridos reconhecem as dificuldades de acesso à água para rega como problema principal, a que se juntam os problemas de segurança do espaço de cultivo (20%) e as limitações nas condições para guardar as alfaias (7%).
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Quando inquiridos sobre a oportunidade de transferirem as suas hortas para outro local da cidade, 81% dizem querer continuar na encosta onde estão instalados. Os restantes 19% deslocariam as hortas para a encosta virada a Nordeste do mesmo vale, local onde já arrancou a implementação do projecto para o Parque Hortícola de Chelas (PHC, a cerca de 1,3km a Norte de onde se encontram presentemente). A principal razão tanto do desejo de permanência (83%) como do de mudança (67%) é a proximidade ao local de residência. O desejo de mudança para o PHC está associado às infra-estruturas que irão ser disponibilizadas.
Quanto à componente social associada à prática urbana da agricultura é notável verificar a disponibilidade para ensinar novos horticultores que queiram partilhar os espaços de cultivo (94%) e, também, a predisposição em partilhar espaços de convívio (75%) e de abrigo de alfaias (72%).
Como nota final é ainda relevante destacar que, muito embora alguns respondentes (20%) tenham referido a falta de segurança como factor a melhorar no futuro desenvolvimento de um plano de reestruturação das hortas, a grande maioria das pessoas não se sente ameaçada nem quanto à possibilidade desse mesmo espaço ser visitado, percorrido e vivido tanto por qualquer outra pessoa que não mantenha uma horta nesse espaço nem como por visitas escolares.
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Neste relatório é apresentada uma reformulação de uma proposta de intervenção na zona de Chelas inicialmente elaborada em 2009 (Anexo V, P01). Essa reformulação foi fortemente influenciada por uma alteração de pressupostos e pelo estudo teórico entretanto realizado, no qual se procurou aprofundar conhecimentos sobre temáticas relacionadas com a agricultura urbana. Neste capítulo é descrita e discutida a evolução do projecto de intervenção, incluindo os dados de partida que levaram à elaboração da primeira proposta (P01 em 2009), as alterações entretanto ocorridas desses dados e a proposta mais recentemente desenvolvida (P02 em 2011).
Os dados lançados pelos responsáveis da unidade curricular que levaram à elaboração da proposta inicial (P01), partiam da premissa da construção de uma terceira travessia sobre o Tejo (TTT), que ligaria a Lisboa de Chelas ao Barreiro (margem Sul do rio Tejo). Durante o primeiro semestre do ano lectivo 2009/10 foi desenvolvido, em grupo, um conjunto de intenções de planeamento urbano para a área em estudo tendo por base esse conjunto inicial de dados. Ao trazer a outra margem para mais "perto" de Lisboa, surgia a oportunidade de não só resolver essa mesma inserção como, também, utilizar a massa crítica por ela gerada para consolidar e dinamizar a área afecta ao lugar onde seria feita a amarração da ponte em Lisboa. Apesar de ser uma grande ferida no terreno, a terceira travessia poderia fazer surgir, na sua envolvente, uma nova composição de equipamentos, espaços urbanos e utilizações necessários a uma infra-estrutura desse cariz (Figura 47). .
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Estes novos elementos serviriam não só de ponto de interesse na nova entrada da cidade como na zona em que se inserem, originando um pretexto irrecusável para a resolução de inúmeros problemas e carências aos mais diversos níveis na área em estudo, tal como já referido anteriormente. O intuito da proposta apresentada era resolver esses problemas, desenhando e estruturando soluções que devolvessem este pedaço de cidade à sua população. O sentimento recorrente que surge ao percorrer muitas das ruas e azinhagas, cuja própria nomenclatura “(…) denuncia uma imagem rústica ainda perdurante, entre quintas e hortas de semeadura” (França, 1980: 55) que esventram campos expectantes ou bairros enclausurados, é o de estarmos noutro sítio não pertencente à Lisboa urbana que hoje reconhecemos (Anexo V, P02, folha 1).
O congelamento da intenção de construir uma TTT num futuro próximo da cidade eliminou o principal fundamento da proposta P01. Assim, na proposta P02 a implantação de grandes infra-estruturas viárias passa a ser um assunto secundário, pelo que esta temática deixou de ser central na sua execução. Ainda assim, esta terceira travessia, mesmo que não se venha a concretizar, serviu para colocar novamente na ordem do dia o debate, o diagnóstico e a discussão de potenciais soluções para a Chelas de hoje.
Com a finalidade de contribuir para a resolução dos problemas relacionados com a falta de integração desta área da cidade, e reconhecendo a impossibilidade de organizar um plano de acção único, que tomasse em consideração as diversas componentes urbanas da área, mais abrangente, de estudo, foi elaborada uma análise SWOT (na preparação do P01) que contempla as várias dimensões consideradas relevantes: contexto biofísico, estrutura edificada, estrutura social e mobilidade (Quadro 3). No quadro são referidos (a cinzento) alguns aspectos relacionados com a TTT, que perderam relevância na preparação da proposta P02. Com base nesta análise foram formuladas diferentes linhas de acção, com objectivos distintos, e que se cruzaram sobrepondo as diferentes actividades e características urbanas.
Estas directrizes foram estabelecidas tendo sempre como base os documentos normativos que ditam o planeamento futuro da cidade de Lisboa. O PDM, que entrará em vigor num futuro próximo, dita que esta encosta fará parte dos “Espaços Verdes de Recreio e Produção a Consolidar” da Estrutura de Qualificação do Espaço Urbano. “Os espaços verdes a consolidar são espaços que pertencem à estrutura ecológica municipal integrada e cujas características naturais, culturais, paisagísticas e urbanísticas devem ser desenvolvidas e valorizadas a fim de assegurar um conjunto de funções ecológicas no meio urbano e o apoio ao recreio e lazer da população” (CML, 2011, artigo 63º).
A secção do regulamento que define orientações para a intervenção nestes espaços refere que estes serão, à partida, “espaços não edificados, permeáveis e plantados (…) públicos ou privados, (…) destinados a fins de agricultura urbana de recreio e produção e que podem integrar equipamentos colectivos e infra-estruturas de apoio ao recreio e lazer e equipamentos de carácter lúdico associados ao turismo” (CML, 2011: artigo 50º). São também, de acordo com o mesmo artigo incentivadas as propostas que promovam a agricultura urbana “com vista ao aumento da produção alimentar à escala local, reforçando os níveis de auto-suficiência da cidade, a resiliência urbana e contribuindo para a coesão das comunidades urbanas.”
O regulamento refere ainda que deve ser preservada a topografia existente e salvaguardadas as características ambientais, paisagísticas e patrimoniais, nomeadamente arqueológicas, admitindo-se apenas correcções, quando tecnicamente justificadas, para a melhoria das condições de fruição ambiental.
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PONTOS FORTES
PONTOS FRACOS
OPORTUNIDADES
AMEÇAS
Diversidade de exposições solares
Margem do rio não acessível
Áreas não edificadas
Redução da área pertencente à estrutura verde (permeabilização de solos)
Sistema de vistas
Barreiras físicas (vales com fortes declives)
Restauro da Ribeira de Chelas
Ponte e acessos como elementos preponderantes na paisagem
CONTEXTO BIOFÍSICO
Grandes áreas de solo permeável
Degradação da biodiversidade
ESTRUTURA EDIFICADA Renovação funcional e reocupação de edificado obsoleto
Descaracterização de bairros antigos
Carência de pólos geradores de emprego
Integração da diversidade étnica, etária e cultural
Aumento das tensões sociais sentidas actualmente com o acentuar da crise económica
Estratificação económica pouco diversificada (classe média/baixa)
Criação de pólos com novas actividades que promovam a criação de novos postos de trabalho
Lacunas na articulação entre o uso actual do solo e a rede de transportes públicos
Revitalizar interactividade entre bairros
Criação de novas vias (ferro e rodoviárias) que se tornem barreiras físicas
Fraca relação entre a hierarquia viária e os usos do solo
Geração de novas soluções de transportes públicos que reestruturem a comunicação interna
Aumento progressivo do isolamento das diferentes zonas
Escassez de linhas e estações de transportes públicos que incentiva o uso do transporte privado
Melhor articulação entre uma nova rede viária e os usos do solo
Edifícios com estatuto de património histórico
Estrutura de bairros 'em ilha'
Sentimento comunitário de ‘bairro’
Edificado degradado e/ou obsoleto
Boa distribuição de equipamentos escolares por bairro
Carência de edifícios de serviços, equipamentos e comércio
Diversidade étnica, etária e cultural
ESTRUTURA SOCIAL
MOBILIDADE Oferta de estacionamento perante a procura
Existência de enormes barreiras topográficas sem resposta de atravessamentos
Embora para estes espaços (‘verdes de recreio e produção’) não estejam permitidas acções de loteamento, a construção é permitida em áreas superiores a 2ha, para a qual é prevista um índice de edificabilidade de 0,1. Sempre que, para garantir a melhoria ambiental e a integração do edificado na paisagem, a operação proposta preveja a demolição de edificado existente, são atribuídos aos respectivos proprietários créditos de construção, correspondentes à área de construção demolida (CML, 2011, artigo 50º).
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Os elementos escritos em tom de cinzento são referentes à TTT, e perdem relevância na proposta P02. 85
Através da interligação de estruturas de variadas identidades Espaço Público (Figura 48), Estrutura Ecológica (Figura 49), Usos do Solo (Figura 50) e Rede Viária (Figura 51)20, organizadas em função de três eixos, escolhidos por todas as relações que estabelecem entre as variadas imagens de cidade encontradas, torna-se possível reintegrar a zona em questão na cidade; a proposta, ao nível da macroestrutura deveria, deste modo, dar resposta às carências encontradas e dar continuidade a relações e intenções presentes tanto na envolvente como em toda cidade, no sentido de criar um desenho de aproximação entre os bairros que compõem a estrutura de Chelas, mas também de Chelas à cidade tradicional consolidada.
20
As figuras referidas (48 a 51) foram elaboradas pela autora e restantes elementos do grupo de trabalho no âmbito da preparação para a proposta P01. 86
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Revendo as temáticas urbanas referentes a Mobilidade, Usos do Solo, Espaço Público e Estrutura Ecológica foram desenhadas estratégias distintas que clarificaram as intenções da proposta de forma estruturada. Sobre a primeira temática é importante destacar a intenção de complementar algumas falhas ao nível da distribuição local, nomeadamente a ligação de alguns arruamentos periféricos de bairros. Assim, previa-se uma ligação mais directa do que a que actualmente existe, do planalto a Norte do Convento ao que se instala a Nascente, no cimo da encosta em foco na proposta. Também foi prevista a criação de espaços de circulação pedonais e cicláveis que acompanhem os espaços verdes de utilização pública. Relativamente aos Usos do Solo há que destacar a intenção, ao nível da macroestrutura da zona, de criar um espaço público central associado ao Convento de Chelas no qual co-existiriam serviços, habitação e comércio. Mais relevantemente, este seria o sítio onde se cruzariam o prolongamento do Parque Urbano do Bairro do Armador, o espaço verde da encosta oposta ao Convento, de cariz produtivo e a Estrada de Chelas, reperfilada. Para este arruamento, também alvo de intervenção, estaria destinada a criação de novos elementos habitacionais e algum comércio local (de rua).
No sentido de dar lugar a novos espaços e acontecimentos na cidade, sem esquecer o cariz próprio de zonas tão intimamente ligadas à história e ao desenvolvimento local, os três eixos de actuação teriam os seguintes objectivos específicos (Figura 52):
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01. Eixo Estrada de Chelas – reestruturar o eixo relativo à Estrada de Chelas oferecendo-lhe uniformidade e consistência ao longo de toda a via; recuperar o edificado que a acompanha, e que faz parte da identidade da unidade “Estrada de Chelas” como elemento urbano – que hoje, curiosamente, assume tantas identidades quantos troços com nomes distintos (Avenida do Santo Condestável, Estrada de Chelas e Rua Gualdim Pais; reocupar espaços devolutos em bom estado de conservação incutindo-lhes usos de apoio ao desenvolvimento urbano da área afecta.
02. Eixo Rua do Açúcar (Beato) – reestruturar o eixo ribeirinho criando um percurso histórico-industrial; recuperar e reocupar pontuando a antiga zona industrial do Beato de pequenas actividades terciárias ou secundárias.
03. Eixo Ecológico – estender os elementos que estruturam os lugares naturais da paisagem cultural21 da cidade para a zona oriental; garantir a continuidade da estrutura ecológica da cidade ao longo do Vale de Chelas, criando espaços afectos a actividades diversificadas (e de cariz público);
A proposta para a forma como estas intenções se concretizariam e cruzariam foi realizada, já a título individual, no segundo semestre do ano lectivo 2009/10. Foi para o cruzamento entre o primeiro e o terceiro eixos (Figura 53), Estrada de Chelas e Ecológico, que foi desenvolvido o projecto P01.
21
Para o estudo adoptado, e segundo as terminologias e conceitos utilizados no âmbito da Arquitectura Paisagista, admite-se que a paisagem cultural será o
conjunto das componentes construídas e naturais, modificadas pela acção do Ser Humano. 89
Sobre este projecto é importante referir algumas intenções base (Anexo V, P02, folha2) que iriam estruturar a proposta apresentada. Este é o sítio onde o Vale de Chelas se bifurca em dois sentidos: para Norte, continuação da Estrada de Chelas e linha de fronteira entre o Bairro do Armador e os bairros no planalto a Nascente (Bairro do Condado, Quinta das Salgadas, Quinta do Marquês de Abrantes e Bairro dos Alfinetes); e para Poente, linha que define a fronteira entre a unidade Olaias/Picheleira e o Bairro do Armador. É para este lugar que se propõe o projecto de intervenção – na encosta entre a Estrada de Chelas e a Rua João César Monteiro, também delimitada a Sul pelo talude criado para sustentar a via ferroviária de cintura interna.
Como já anteriormente referido, este é um vazio urbano ‘desenhado’ por todos os Planos que foram ditando a realidade que conhecemos hoje. Com uma imagem topográfica marcante, esta encosta vence 30m de diferença altimétrica. Assim sendo, o desafio para o desenho urbano deste mesmo espaço é a consideração de novas estratégias de intervenção e de edificação socializadoras, de novas formas de estabelecer continuidade territorial, enquanto considerando o “equilíbrio entre os lugares e a actividade do Homem, e também (a) realidade dos intervalos, dos vazios, para realizar novas amenidades” (Brandão, Pedro, 2006: 208).
Das intenções subjacentes à definição dos eixos de intervenção, já antes referidas, destacam-se as seguintes:
HORTAS URBANAS Como mote do trabalho desenvolvido surge a intenção de reestruturar a zona actualmente ocupada de forma ilegal por actividades de produção agrícola, trabalhando a particularidade da paisagem topográfica em que se insere (com declives muito acentuados), no sentido de integrar os elementos naturais na realidade urbana, da qual pode (e deve) fazer parte.
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ESPAÇOS RESIDENCIAIS E COMERCIAIS Propor a criação de infra-estruturas associadas à zona de cultivo que justifiquem e apoiem a sua manutenção, assim como a criação de uma área residencial que possa acolher as pessoas que habitam as habitações a demolir (devido ao mau estado de conservação) no curso da hipotética implementação do projecto. Como nova construção pode, também, atrair novos moradores à zona em questão.
ESTRADA DE CHELAS Reestruturar o perfil da Estrada de Chelas oferecendo-lhe consistência formal ao longo de todo o seu percurso, no sentido de afirmá-la como elemento urbano com identidade distinta e uniforme.
PERCURSOS PEDONAIS Promover ligações transversais entre os bairros a Nascente (implantados no planalto, em cotas superiores), a Estrada de Chelas e a zona afecta ao Convento (em cotas menos elevadas); neste sentido propõe-se a absorção da barreira física que é esta encosta do Vale e que vai impedindo um relacionamento mais franco entre a zona residencial a Nascente e a realidade da estrada de Chelas, do Convento e dos elementos naturais que os rodeiam. Conservar a Estrada de Cima de Chelas (pertencente à azinhaga do Broma), para que se mantenham as ligações dos bairros existentes a Sul da linha de cintura interna (ferroviária).
CONTÍNUO VERDE Integrar definitivamente o Vale (e a encosta) na Estrutura Ecológica Municipal. Estender o jardim afecto à zona residencial do Bairro da Flamenga (Parque da Belavista), a poente do convento até à zona de cultivo. Esta ligação pretende, ainda, englobar o parque que foi definido para o Bairro do Armador e cruzar-se com aquilo que será a componente verde do novo perfil da Estrada de Chelas.
PRAÇA DO CONVENTO Propor um espaço de usufruto público (de alcance alargado, associando-o a elementos construídos de serviços) que promova a centralidade da Praça. Culminar a materialização da intenção de centralizar linearmente a Estrada de Chelas com a definição de um lugar público amplo, enquadrado pelo antigo Convento de Chelas, pela Estrada de Chelas (troço a redesenhar) e pelo equipamento a propor. Fazer deste lugar o espaço âncora da Estrada, do Vale e da proposta.
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As intenções de projecto subjacentes às duas propostas elaboradas são essencialmente coincidentes. Na segunda proposta apenas é afastada a premissa da terceira travessia sobre o rio Tejo, e é aprofundada a atenção dedicada à criação do espaço de cultivo da encosta para a proposta 02. Pode, assim, dizer-se que a história é sensivelmente a mesma mas com protagonistas diferentes.
Nos parágrafos seguintes é descrita e explicada a proposta reformulada segundo as intenções de projecto já referidas 22 (Anexo V, P02, folha 3). Esta proposta tem como objectivos a intervenção nos diversos campos de acção referidos anteriormente, relembrando sempre as pré-existências programáticas e estruturais que caracterizaram durante muito tempo a paisagem cultural do Vale de Chelas (Anexo V, P02, folhas 4 e 5). Assim, é procurado o paralelismo à estrutura da Quinta tradicional portuguesa, que compreende os seus conteúdos programáticos expondo-os de forma sequencial - a habitação, o lazer e recreio e a produção.
Consciente dos pressupostos expostos nas secções referentes à análise do espaço urbano, das suas componentes naturais e da realidade sócio-económica de Chelas, a proposta tem como objectivo dar uma resposta estruturada às necessidades de uma comunidade que se exprime através de intervenções espontâneas de ocupação do espaço expectante.
Como protagonista deste remake foi eleita a Horta Urbana - o espaço contínuo produtivo - que serve de motor à proposta e ao estudo teórico – dado que se inscreve na sua totalidade no contexto da estrutura ecológica do município de Lisboa. O pressuposto é a manutenção da actividade que se instalou, de forma mais intensa nos últimos anos, ao longo da encosta entre a Estrada de Chelas e a Rua João César Monteiro. Estruturar, revendo os conceitos associados à agricultura urbana (revistos no capítulo anterior), o espaço de cultivo agrícola, inserindo-o tanto na realidade urbana do Bairro como na realidade ecológica da cidade - como lugar natural de produção. A meta essencial da reestruturação a levar a cabo é manter os aspectos sociais e económicos que fazem desta actividade um acontecimento positivo na população afectada. As actividades propostas para este lugar de produção podem não estar apenas confinadas à produção alimentar. Não é de excluir a possibilidade da pessoa responsável por um qualquer talhão apenas deseje cultivar plantas aromáticas ou dedicar aquele espaço à criação de um pequeno jardim floral. Será, naturalmente, dada a liberdade possível para que cada um recrie naquele espaço o ambiente natural que desejar, embora no que diz respeito à produção agrícola devam ser incentivados modelos de agricultura sustentável. Será, assim, fomentada uma produção saudável e que compreenda a necessidade de interacção dos sistemas ecológicos envolvidos na actividade.
Esta proposta de reorganização propõe a modelação topográfica do local de implantação das novas hortas. O novo traçado da massa topográfica passa por simular o desenho natural do terreno em questão, moldando a transição das cotas superiores às inferiores através de patamares relativamente horizontais, de forma a facilitar o cultivo (de produtos alimentares ou outras espécies vegetais que não alimentares). A diferença altimétrica entre socalcos seguidos seria ligeira, nunca excedendo os 3 metros. O funcionamento e a gestão
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A proposta foi elaborada segundo os parâmetros urbanísticos indicados pelo Regulamento Geral de Edificações Urbanas (RGEU) em vigor, aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 38 382 de 7 de Agosto de 1951. As cedências para lugares de estacionamento, espaços verdes e equipamentos de utilização colectiva foram calculadas segundo os índices indicados na Portaria n.º 216-B/2008 publicada no Diário da República a 3 de Março (2008). 92
destas hortas estariam a cargo de uma associação de moradores (de forma similar ao que acontece na Alta de Lisboa). A atribuição dos espaços seria feita, prioritariamente, aos novos moradores dos blocos residenciais a implantar e aos residentes dos bairros próximos. Eventuais talhões sobrantes poderiam ser disponibilizados a outros residentes da cidade que neles tivessem interesse, ou por necessidade ou por razões lúdicas.
Relativamente ao tema da habitação (Figura 54; Anexo V, P02, folhas 6, 7 e 8) é proposta a criação de um novo agrupamento de edificado habitacional na cumeeira da encosta, ao longo da periférica Rua João César Monteiro. Como já foi referido, esta aglomeração serviria de nova habitação às famílias que vivam no interior da encosta, em construções em mau estado de conservação e muitas delas em condições inferiores às que desejavelmente seriam oferecidas pelas novas construções. Também seria objectivo desta proposta atrair novos residentes que se pudessem identificar com a proposta de tipologia habitacional, associada aos espaços de cultivo, a criar ao longo da encosta vizinha. Para este espaço também estaria destinada uma zona de comércio ao longo de um percurso público, paralelo à Rua João César Monteiro, numa cota inferior à desta rua. As actividades comerciais poderiam promover a atracção a utilização permanente (ao longo do dia) deste lugar que não se deseja que se torne mais uma bolsa residencial monofuncional. O percurso, pedonal, ao longo da plataforma de transição entre a zona habitacional e a zona de cultivo (mais abaixo) seria feito por uma área pavimentada, inserida num espaço verde de enquadramento formal.
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A encosta ao longo da qual existem os espaços de produção agrícola é rasgada por atravessamentos pedonais no sentido de ceder espaços públicos de transição entre os pontos mais altos do vale – locais onde se instalaram as áreas primordialmente residenciais - e os sítios de cotas inferiores – Estrada e Convento de Chelas. Pretende-se, assim, oferecer opções de circulação mais francas do que as que existem actualmente – acabando com a necessidade de percorrer 1,5km desde a zona do Convento à R. João César Monteiro, pelas vias de trânsito automóvel, que presentemente nem contemplam um acompanhamento paralelo de percursos pedonais; também a incursão pela Azinhaga do Broma, muito embora seja uma opção válida de atravessamento, não é o caminho mais apetecível não possuindo as infra-estruturas ou relações visuais convidativas, e onde falha a percepção de segurança que leve uma pessoa que não habite a própria azinhaga a percorrê-la. Os novos atravessamentos (propostos) fazem também a comunicação entre os patamares onde são implantadas as hortas urbanas. Neste elemento da proposta de intervenção interagem, assim, os aspectos privados dos talhões de cultivo e os aspectos públicos dos percursos pedonais.
É proposto o reperfilamento da unidade urbana que é a Estrada de Chelas (Figura 55), desde o limite a Sul (ainda sob o nome de Rua Gualdim Pais) e o extremo a Norte (já Avenida do Santo Condestável). De acordo com o proposto pela revisão do PDM esta via seria de 2º nível municipal, embora esta determinação só fizesse sentido admitindo a construção da TTT. Neste sentido seria considerada, a partir do Convento de Chelas e em direcção a Norte, uma extensão da ligação (presentemente inexistente) à Avenida Marechal Francisco da Costa Gomes. Afastado o pressuposto de uma terceira travessia sobre o Tejo, esta classificação deixa de fazer qualquer sentido, dado que o restante troço (Sul) da Estrada de Chelas nunca seria classificado com a mesma categoria. Assim, assumiu-se, para efeitos de projecto, que esta via será de 4º nível, dado que não é destacada na Planta de Acessibilidades e Transportes (que só contempla vias até ao 3º nível – rede rodoviária municipal). Esta será, então, uma Rede de Distribuição Local (rede de proximidade): “é composta pelas vias estruturantes ao nível do bairro, com alguma capacidade de escoamento, mas onde o peão tem maior importância” (PDM, 2011: artigo 50º). O troço da via em que se cruza com os acontecimentos propostos, ao largo do Convento de Chelas, será reposicionado, afastando, relativamente ao traçado existente, o seu caminho do Convento, no sentido de dar enquadramento a este edifício classificado. Este momento do arruamento será também marcado por uma alteração ao nível do pavimento, com o propósito de marcar a passagem pelo local histórico e de abrandar o fluxo do trânsito automóvel de forma a garantir a segurança da circulação pedonal – dado que neste cruzamento entre parques urbanos, zonas de estada e novos programas propostos a circulação pedonal será certamente mais intensa.
94
No espaço contíguo ao Convento de Chelas é criado o espaço público de estrutura formal mais tradicional, onde são propostos o Largo de Chelas e a Praça do Mercado (Figura 56; Anexo V, P02, folhas 9, 10 e 11). Desnivelado face ao troço da Estrada de Chelas que a ladeia, o largo é composto por um tríptico de superfícies entre o pavimento empedrado, o relvado do jardim formal e os elementos de água que pontuam este momento da proposta no local de passagem da linha de água do vale. Como componente da estrutura ecológica do contínuo a estruturar, o espaço público designado por “Largo de Chelas”, seria um espaço de jardim formal agindo como vértice entre 95
o verde de produção (da encosta) e o verde de recreio (extensão dos parques urbanos, a Nascente, da Belavista e do Bairro do Armador).
Ainda para este lugar está prevista a introdução de uma área edificada de maior densidade, onde três edifícios incluem programas de serviços na âncora central da proposta (ao nível da macro estrutura). Este momento da proposta é desenhado segundo um desnivelamento das plataformas - em paralelo à topografia trabalhada para a paisagem do espaço produtivo da encosta. Embutidos nas áreas criadas pela elevação dos pisos das plataformas, instalar-se-iam espaços de comércio – potencialmente um espaço similar a um pequeno mercado de frescos, de venda dos produtos colhidos nas hortas urbanas da encosta, semelhante ao que se realiza actualmente, aos Sábados, no jardim do Príncipe Real. Também estes espaços comerciais poderiam acolher utilizações que propagassem a vida deste lugar público nas horas pós-laborais, por exemplo através de tipologias comerciais associadas à restauração.
Assim, a delimitação desta praça, que tem dois momentos distintos (interrompidos pela passagem da Estrada de Chelas), é feita, por um lado, pelo Convento, que age como elemento de referência edificada simbólica da Estrada de Chelas e, por outro, pelo novo edificado de serviços e pelo equipamento (mercado) proposto. Este espaço público acabará por de acolher diversas actividades
É, também, proposta a manutenção do perfil da Estrada de Cima de Chelas que marca a artéria principal da Azinhaga do Broma – e que é classificado com património paisagístico no PDM em revisão. O seu percurso será integrando num espaço de estada, de natureza formal, ajardinado. Este caminho oferece uma área de transição entre os patamares de cotas mais elevadas do espaço de produção agrícola - mais directamente relacionados com a proposta habitacional a Nascente – e os espaços de cotas mais baixas – já mais relacionados com os acontecimentos urbanos no próprio vale, nomeadamente o percurso público da Estrada de Chelas, a Praça do Mercado e o Largo do Convento.
Está também prevista a criação de um espaço museológico no que ainda sobrevive de vestígios de edificado da Quinta das Conchinhas (antiga fábrica de pólvora). Este seria um sítio de invocação das pré-existências – as construídas e as programáticas - e do 96
papel que tiveram na história da cidade. O projecto de arquitectura a desenhar para este local deveria incluir espaços verdes públicos de enquadramento e de transição entre o verde produtivo e a própria área museológica.
É proposta a reocupação da antiga Igreja e Convento de Chelas – actuais Arquivo Geral do Exército e Arquivo Histórico Militar – como infra-estrutura de apoio à horta urbana. A localização do edifício do antigo convento é vantajosa dada a proximidade aos locais de cultivo já citados ou a outros que possam surgir exclusivamente para a própria infra-estrutura de apoio. A sua fixação geográfica oferece ao espaço uma vantagem irrecusável para o aproveitamento da sua estrutura edificada para actividades - relacionadas com a actividade agrícola - de formação, apoio e convívio de moradores e horticultores, podendo também ser o espaço sede da associação de gestão do espaço hortícola. Ao Convento estariam, então, associadas actividades culturais e de formação dos e para os próprios horticultores – e nas quais fosse fomentada a troca de saberes, por exemplo através de workshops de agricultura biológica ou outros temas de interesse, num espaço para aprender, ensinar e recordar. O intuito último destas acções no campo da formação seria o de promover a educação ambiental. Neste sítio os novos horticultores podem iniciar a sua aprendizagem e os já experientes podem rever e actualizar os seus conhecimentos.
Ainda no contexto de aproveitamento do Convento também poderiam ser potenciadas acções educacionais extracurriculares de complemento da formação oferecida nas escolas próximas, permitindo assim o contacto com o lado rural e com a origem dos alimentos – aspectos sobre os quais muitas crianças, que crescem em ambientes urbanos, não têm referências. Esta relação com as infra-estruturas escolares poderia, em último caso, estender-se também à reserva de talhões, ao largo do Convento, para a produção a cargo de alunos dessas escolas e, ultimamente, ao fornecimento de produtos alimentares para as próprias cantinas. Desta forma poderiam potenciar-se, não só a diversidade dos programas escolares como a característica educativa que os espaços de hortas urbanas podem incutir – e delas poderiam resultar maiores níveis de auto-suficiência, e portanto maior sustentabilidade económica, para as escolas envolvidas.
Ao longo da encosta o socalco tipo proposto (Figura 57; Anexo V, P02, folha 12) seguirá uma estrutura composta por um agrupamento de células de produção (talhões), um tanque para rega e um espaço comunal de abrigo e de recolha de alfaias agrícolas - espaço este dividido em parcelas correspondentes ao número de talhões. A apropriação dos talhões (cuja dimensão média é de 220m 2) será feita de acordo com as normas estabelecidas pela associação responsável pela gestão do espaço hortícola, à semelhança do que acontecerá com o projecto para a Alta de Lisboa ou o Parque Hortícola de Chelas, em que o horticultor poderá ser proprietário de apenas um talhão ou agrupar mais que um. Os traços que delimitam os talhões serão os canais de condução da água que será utilizada para a rega do terreno cultivado.
97
O caminho de atravessamento público do patamar (socalco) é feito no limite Poente e oferece acesso ao espaço de cultivo (particular); este caminho será pavimentado com toros de madeira e limitado por uma “guarda natural” composta de arbustos cortados a cerca de 1,20 m de altura. Na fronteira entre o público e o privado é proposta uma transição provocada por um pequeno desnivelamento do pavimento, que impeça a passagem dos caminhantes para o espaço de cultivo, composto de empedrado grosso. Esta transição servirá também de ponto de retenção e de escoamento de águas pluviais a manter na cisterna de armazenamento subterrânea. A contenção dos socalcos far-se-á, sempre que possível, com elementos naturais, com paredes empedradas onde possa surgir alguma vegetação.
O sistema de retenção e reutilização de água (Figura 58; Anexo V, P02, folha 13) pretende ir de encontro a alguns conceitos estudados que potenciam a sustentabilidade ecológica e económica desejada numa estrutura desta natureza.
Ao nível da implantação de espaços que incluam hortas urbanas é fulcral introduzir este tema como elemento chave da proposta de intervenção. Como argumento para a incidência necessária nesta temática pode relembrar-se que os horticultores inquiridos através do questionário elaborado para este estudo referem a dificuldade de acesso à água como problema principal dos espaços agrícolas que trabalham. 98
Nos espaços de cotas superiores da encosta, associados ao programa residencial, serão implantados sistemas circulares de retenção de águas pluviais que servirão as próprias unidades habitacionais e de comércio. Os equipamentos que não necessitem de água potável serão abastecidos por águas pluviais. A purificação das águas captadas é feita através de um sistema natural de fito-depuração, num terreno plantado com espécies que actuam neste sentido. Posteriormente são depositadas num tanque de armazenamento de águas de serviço, ficando disponíveis para utilização doméstica e para rega dos jardins formais. Todas as águas consideradas cinzentas, emitidas por equipamentos domésticos, poderão também entrar neste ciclo. Após a sua utilização deverão passar para o tanque de filtragem 2 e voltarão a ser introduzidas num tanque de águas de serviço para servirem os equipamentos sanitários, que não necessitam de águas potáveis nem sequer de águas pluviais e representam hoje uma das mais inacreditáveis origens de desperdício de água.
Também a recolha de água utilizada na rega dos terrenos agrícolas será feita, como já foi referido, através da retenção de águas pluviais. Estas deverão ser escoadas para reservatórios de armazenamento subterrâneos em cada socalco; cada reservatório servirá o socalco seguinte, de cota inferior, através dos tanques situados entre o casebre de alfaias e os talhões das hortas.
Como ponto de conclusão do trabalho desenvolvido pode destacar-se que a integração das hortas em ambientes urbanos (e muito particularmente neste sítio tão ligado a esta actividade) terá de ser feita no sentido de criar uma incorporação activa entre a actividade rural que propõe e a dinâmica urbana onde se insere23. Assim terá de se prever um esforço, da parte da cidade como organismo humano – de vontades e leis – e construído, no sentido de garantir a liberdade que permita a perpetuação do lugar “horta” tanto no ambiente privado (logradouros e quintais) assim como no público (parques e jardins), passível de ser vivida por habitantes e visitantes.
23
No anexo VI é apresentado um quadro resumo de indicadores urbanos dos elementos construídos propostos. 99
Considera-se que as diversas alterações efectuadas ao projecto inicialmente proposto foram de encontro aos conceitos sobre integração de espaços de cultivo em ambientes urbanos anteriormente discutidos. Uma diferença expressiva entre os dois projectos apresentados (P01 e P02) manifesta-se na tentativa de estabelecer uma modelação de terreno mais próxima ao existente, a fim de minimizar grandes obras de movimentação de solos. O espaço produtivo - horta urbana - destaca-se como elemento principal da nova proposta, tendo um papel preponderante na estruturação do que é o domínio público. Funciona, no núcleo, como agente independente e, nos extremos (Poente e Nascente), como elemento de estruturação dos programas propostos e de ligação mais franca com as infra-estruturas viárias. A supressão da via de trânsito automóvel de acesso local que, na proposta P01, cortava a relação entre a zona residencial proposta e a zona de hortas, veio inverter esta tendência no projecto P02. A delimitação do contínuo produtivo, mais facilitada porque não entra na equação a passagem do túnel de chegada da TTT, é também mais clara e mais agarrada ao terreno limítrofe (a Norte), do que a solução apresentada na proposta P01. Contribui para uma relação mais directa à Estrada de Chelas a diminuição da quantidade e densidade de elementos edificados no limite Poente da encosta.
É importante reconhecer também que alguns aspectos desta nova proposta tiveram um tratamento menos aprofundado e que poderiam, assim, ser melhorados no futuro. É o caso da definição (em desenho) da ligação dos Parques Urbanos que se estendem (de Poente) em direcção ao Convento de Chelas; ainda que tenha sido descrita como premissa inicial, essa intenção não foi alvo de destaque aquando da realização da proposta de ocupação da zona em estudo.
A nova proposta distingue-se, por outro lado, da inicialmente apresentada (P01), por incluir um sistema de recolha, retenção e reutilização de águas. Este aspecto torna esta proposta (P02) mais rica no que diz respeito ao conteúdo e sensibilidade ecológica e económica de uma possível futura implementação.
A integração entre a área habitacional e as hortas urbanas é, talvez, a questão mais singular da nova proposta apresentada. Ela estendese também no sentido de fomentar o entrosamento entre a residência e as actividades agrícolas e lúdicas, à semelhança do que acontecia nas Quintas. É encontrado um ponto-chave do projecto assente na tentativa de fazer com que a ideia de comprar “casa com talhão” seja tão apetecível como é hoje o comprar “casa com garagem”. A proposta de um novo espaço residencial, relacionado com o local de cultivo, pretende, assim, ser uma grande aposta de rejuvenescimento para o já denso e complexo tecido residencial composto pelas diversas unidades habitacionais de Chelas, fazendo da horta urbana uma extensão do espaço residencial e propagando-o como existência no espaço público.
Um último aspecto a destacar é a tentativa de dissolver limites entre o que é o espaço público e o que é espaço privado. Sem impor barreiras nem fronteiras demasiadamente marcadas na paisagem cultural é, no entanto, proposto um espaço de cariz privado (talhões) atravessado, delimitado e complementado por espaços declaradamente públicos (espaços de estada e percursos pedonais). É certo que se coloca alguma fé no bom senso do ser humano ao abolir esses mesmos limites físicos: não marcam só fronteiras entre o que é público e privado, muitas vezes destroem a leitura e fruição de um espaço urbano; forçam também, e consequentemente, uma crescente 100
necessidade para uma sensibilidade social mais inclusiva e comunitária. É, assim, para todo o Ser Humano – todo ele, e não só aquele que é proprietário de um pedaço de terra – que é proposto este espaço de união entre dois lugares urbanos tão distintos como a área residencial das cotas mais altas da encosta e o vale onde passa a Estrada de Chelas. Será esta a proposta para um lugar verdadeiramente público: “aberto, permeável e acessível a todos” (Brandão, 2006: 203).
101
A presente dissertação teve como objectivo efectuar um estudo reflexivo sobre a inserção de espaços de cultivo agrícola, sob a forma de hortas, no interior de centros urbanizados, tendo por foco a zona de Chelas, parte integrante da cidade de Lisboa. Para tal foi proposta uma primeira abordagem teórica sobre a evolução da cidade de Lisboa e sobre os fundamentos conceptuais de agricultura urbana, para a qual contribuiu o trabalho de observação no local de projecto e os questionários efectuados aos horticultores que cultivam a zona estudada. As conclusões deste exercício de pesquisa serviram de base à proposta prática desenvolvida a propósito da reformulação de um projecto urbano, anteriormente desenhado, em contexto académico, na disciplina de Projecto Final do presente curso.
No capítulo de introdução foram identificadas as questões que nortearam este trabalho:
01
Que pertinência tem a existência de actividades afectas à agricultura em espaços urbanos? Como contribuem as hortas urbanas para o desenvolvimento sustentável num espectro local e da cidade em que se inserem?
02
Como se podem materializar esses espaços no planeamento urbano de realidades consolidadas?
03
Como se compatibilizam as hortas urbanas entre os domínios público e privado?
Uma primeira conclusão é que as respostas a estas questões não são lineares nem absolutas, sendo indispensável discutir as possíveis respostas de forma contextualizada em realidades concretas. O trabalho desenvolvido fica, assim, como um contributo contextualizado na realidade de uma zona de Lisboa para o tipo de reflexão necessária sobre a forma de planear integrando espaços de cultivo agrícola – nomeadamente hortas urbanas.
Embora estejam razoavelmente comprovados os benefícios, em vários domínios da sustentabilidade, da agricultura urbana, a segunda questão colocada não pode ter uma única resposta. As experiências feitas (e a fazer no futuro) de formalização de espaços de cultivo no interior de áreas urbanas já consolidadas podem trazer abordagens distintas que proporcionem o mesmo equilíbrio social, económico ou ecológico - não existem respostas absolutas no domínio do desenho urbano. Existem inúmeras possibilidades que, ao nível local, podem contribuir para promover a integração dos mais diversos lugares urbanos. A inserção de hortas urbanas pode unir, intersectar ou complementar os espaços de domínio público e os de âmbito privado.
Das reflexões que se podem fazer sobre o trabalho teórico é de salientar que não existem (e nem podem existir) ‘soluções modelo’, absolutas e eficientes em todos os contextos, em todas as cidades ou para todas as comunidades. Existem, sim, referências e abordagens que podem ser adoptadas como modelos inspiradores das intervenções em contextos diversos.
Embora seja um conceito recente, a consideração de que esta actividade de origem rural pode fazer parte do tecido urbano de uma cidade encontra-se já há alguns anos na ordem do dia. Assim, admitem-se os benefícios sob o ponto de vista ecológico, económico, social e institucional e designam-se estas quatro vertentes como pilares para o desenvolvimento urbano sustentável.
103
No sentido de potenciar estes benefícios é fulcral o desenvolvimento de estratégias de intervenção local. É, assim, importante destacar a necessidade, que se foi identificando no decurso do trabalho, de um envolvimento crescente por parte das disciplinas de Urbanismo e Arquitectura na definição dos espaços de produção agrícola e consequentes implicações na envolvente em que estão integrados. Esta abordagem multidisciplinar será particularmente útil em Lisboa, onde as hortas urbanas têm surgido de forma espontânea, em situações informais, existindo um percurso a fazer no sentido de definir em que modelos urbanos podem aparecer as hortas e qual o lugar que tomam no espaço público da cidade.
Do ponto de vista da disciplina urbanista ou arquitectónica, o envolvimento na rede de estruturação de espaço público do lugar que ocupam estes espaços de produção alimentar parece ser o factor decisivo na definição urbana do que é a ‘horta urbana’, pelo que é também o aspecto chave na verdadeira inclusão destes espaços na dinâmica urbana experienciada pelo horticultor, pelo residente ou pelo mero transeunte.
Relativamente à proposta de intervenção apresentada consideraram-se os contributos recolhidos das pesquisas teóricas e observações de campo efectuadas, no sentido de propor uma reformulação do projecto anteriormente desenvolvido para uma secção do Vale de Chelas.
A intervenção sobre a temática relativa às hortas urbanas fez-se no sentido de as integrar no conteúdo programático inicialmente proposto. Assim, resulta desta intervenção uma proposta para um novo complexo habitacional e de serviços, cujo mote é o da estruturação do espaço actualmente ocupado por hortas ilegais cultivadas por residentes dos bairros limítrofes. A representação urbana desta intenção acaba por pôr em evidência a força que a actividade de produção tem no espaço em questão, tornando-se a principal representante de uma proposta multifuncional.
A integração de percursos pedonais públicos nesta área de produção alimentar torna-a parte integrante do domínio do espaço público, e a sua relação com a nova habitação uma proposta integrada naquilo que são as necessidades dos horticultores – tanto os que já exercem a actividade como os novos que potencialmente viessem a usufruir deste espaço.
Como nota final considera-se relevante dar alguma ênfase à multifuncionalidade que este programa pode incutir na área onde se implanta. A intervenção não é apenas uma acção de regeneração de uma actividade já existente. Pressupõe a integração de outras actividades – como o comércio, a habitação e a formação - e a fusão de todas as características lúdicas, sociais e educacionais que lhes são inerentes. O resultado final será um espaço produtivo que também é lúdico: pela paisagem visual de grande amplitude, pelo contacto com a natureza e com ciclos naturais, pela presença de água, pelo microclima gerado (conforto bioclimático), pelos aromas, e pela disponibilização de espaços de sociabilidade.
À luz das novas necessidades da cidade contemporânea, o principal desafio para o planeamento urbano é a integração: a integração de políticas, perspectivas e responsabilidades. Integrar as múltiplas funções que existem na cidade. Essa integração poderá não só ter lugar na escala urbana mas acontecer, também, na escala do bairro, onde a promoção do envolvimento da comunidade assume especial importância.
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CML - Urbanismo - Departamento de Monitorização e Difusão de Informação Urbana da Câmara Municipal de Lisboa. Disponível em: http://ulisses.cm-lisboa.pt/. [Consultado 26 Setembro 2011].
GAIA - Grupo de Acção e Intervenção Ambiental. Disponível em: http://gaia.org.pt/. [Consultado 26 Setembro 2011].
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WWF – World Wildlife Fund. Disponível em: http://www.wwf.org/. [Consultado 26 Setembro 2011].
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112
Este programa baseia-se no regulamento já submetido a discussão e aprovação pública e no trabalho desenvolvido pelo Grupo de Agricultura Urbana. São propostas normas gerais de instalação e funcionamento de áreas de Agricultura Urbana.
Art. 1º Âmbito 1. Agricultura Urbana é a actividade destinada ao cultivo de hortaliças, plantas de fruto, ornamentais e/ou medicinais. 2. As Tipologias de cultivo da agricultura Urbana em questão são: 2.1 Hortas Sociais ou comunitárias, cuja finalidade é satisfazer as necessidades de pessoas ou famílias mais desfavorecidas ou contribuir para o respectivo rendimento pela venda da sua produção; 2.2 a) Hortas de Recreio, de uso individual ou colectivo, cuja finalidade é proporcionarmos à população em geral uma melhoria da qualidade de vida, pelo contacto com a natureza e com actividades de lazer; b) Hortas Pedagógicas, cuja finalidade é apoiar para iniciativas de educação ambiental desenvolvidas nas escolas e outras associações. 2.3 Zonas de ocupação temporária em áreas expectantes, designadas Hortas Dispersas.
Art. 2º Objectivos 1. Objectivos gerais a) Contribuir para a maior sustentabilidade ambiental da cidade a vários níveis, nomeadamente: Mantendo ecossistemas ainda existentes; contribuir para uma melhoria do microclima pela melhoria da qualidade do ar através do aumento da produção de oxigénio; melhoria da qualidade dos solos por práticas de correcção orgânica e mobilizações culturais adequadas; correcto aproveitamento das águas do solo e melhoria dos sistemas hídricos pelo aumento da permeabilidade dos solos. b) Contribuir para um acréscimo da saúde pública pela sensibilização e possibilidade de acesso de toda a população ao consumo de produtos frescos. c) Factor de valorização paisagística pela organização espacial de áreas na sua maioria degradadas, que não teriam quaisquer ocupações. d) Factor de valorização cultural, pela sensibilização geral da população aos sistemas de produção artesanais, aproximando as populações citadinas ao espaço rural e proporcionar diferentes actividades recreativas a toda a população urbana. e) Sensibilização de todas as populações de diferentes estratos á importância dos alimentos frescos e da vantagem nutricional e económica da agricultura biológica. f) Contribuir para o abastecimento em produtos frescos dos centros urbanos. 2. Objectivos específicos de cada tipologia de Horta: 2.1. Hortas do ponto 2.1 do Artº1 – Hortas Sociais ou comunitárias. a) Funcionar como terapia ocupacional, pelo cultivo da terra em populações socialmente desfavorecidas e /ou por faixas etárias não activas profissionalmente. b) Contribuir para um acréscimo do bem-estar físico / económico / social pela possibilidade de consumo e/ou comercialização de produtos essenciais ao consumo, bem como a promoção de interacção social entre as comunidades. c) Disponibilização de meios de educação ambiental que promovam a importância dos alimentos frescos e da vantagem nutricional e económica da agricultura biológica, incluindo formação especifica de práticas de cultura e tratamento de resíduos. 113
2.2 Hortas do ponto 2.2 do Artº1, alínea a) – Hortas de Recreio, de uso individual ou colectivo: a) Contribuir para um acréscimo do bem estar físico / psicológico pelo contacto com as práticas agrícolas, em populações não activas profissionalmente quer pela faixa etária quer por quaisquer incapacidades físicas ou mentais, cujo cultivo da terra contribua para melhoria do bem estar físico / psicológico. b) Contribuir para uma melhoria social pela promoção das relações entre os indivíduos das diferentes comunidades, lutando contra o isolamento e individualismo característicos das comunidades urbanas actuais. 2.3 Hortas do ponto 2.2 do Artº1, alínea b) – Hortas Pedagógicas: a) Promover a educação ambiental por acções de informação e sensibilização das práticas de agricultura biológica e tratamento sustentável de resíduos. b) Articulação com as populações e várias entidades / instituições de interesse público da ligação do Homem à Terra, inerente ao mundo rural, bem como a educação da convicção e vontade de defesa do meio ambiente. 2.4 Hortas do ponto 2.3 do Artº1 – Hortas Dispersas: a) Legitimar a ocupação para produção de terrenos expectantes, municipais, até a intervenção prevista para o espaço ser efectuada, mediante acordos de ocupação temporária. b) Valorização ambiental / ecológica e paisagística dos terrenos. c) Contribuição para um acréscimo do rendimento familiar das populações desfavorecidas, público-alvo desta tipologia de Hortas, tanto pela possibilidade de consumo de frescos como pela sua possível comercialização.
Art. 3º Áreas de Implementação 1. As Hortas a que se refere o ponto 2.1 e ponto 2.2, alínea a) e b) do Art. 1º, nomeadamente Hortas Sociais ou comunitárias, Hortas de Recreio, de uso individual ou colectivo e Espaços Verdes de Produção no PDM de Lisboa e/ou Parques Urbanos que integrem áreas de Hortas, ambos integrados na Estrutura Ecológica do PDM, e terrenos Municipais com aptidões naturais para a prática de agricultura. 2. As Hortas do ponto 2.3 do Art. 1, Hortas Dispersas, enquadram-se em terrenos expectantes públicos, estando condicionadas e legitimadas pelo acordo estabelecido com o município, cessando aquando do inicio de implementação dos usos pré definidos para os espaços em questão, com aviso prévio de pelo menos 3 meses ao agricultor. Não há dimensão definida para cada parcela.
Art. 4º Acesso e utilização Este artigo refere-se exclusivamente ás Hortas do ponto 2.1 e ponto 2.2, alínea a) e b) do Art. 1º, dado que a ocupação das Hortas Dispersas é espontânea, sendo a intervenção da CML, apenas ao nível da legitimação temporária, controlo das existências e se possível auxilio em termos de infra-estruturas. 1. Qualquer Cidadão (ou entidade no caso das Hortas pedagógicas) poderá candidatar-se a uma parcela de cultivo 2. A candidatura será feita pelo preenchimento de um impresso disponibilizado pela CML, contendo os dados pessoais e os objectivos do Utilizador. 3. A CML ou a entidade gestora do espaço legitimada pela CML, procederá à selecção dos novos candidatos de acordo com a área de residência e os objectivos estabelecidos pelo futuro utilizador, mediante a tipologia social, pedagógica ou recreativa das diferentes Hortas. 4. Dentro dos critérios definidos no ponto anterior, a selecção será feita sempre por ordem cronológica de chegada das aplicações, salvo condições especiais que se provem ser fundamentais para a sobrevivência de agregados familiares no caso das Hortas Sociais.
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5. Caso os terrenos estejam já ocupados por Hortas, os actuais agricultores terão sempre a preferência de cultivo, em detrimento de novas candidaturas. 6. Em caso de reparcelamento das áreas de cultivo, por questões de ordenamento ou de infraestruturação da área, se não houver área de cultivo para todos os agricultores existentes, ter-se-á que proceder à selecção, por ordem cronológica de ocupação efectiva, devendose dar espaços alternativos aos restantes logo que haja disponibilidade. 7. Após concluído o processo de candidatura e de atribuição, os seleccionados deverão celebrar um contrato de Utilização.
Art. 5º Duração, Renovação e Revogação dos Contratos 1. Os contratos de Utilização terão a duração de um ano e são renováveis por igual período de tempo. 2. O Contrato de Utilização implica o pagamento de uma renda regida pelo Regulamento da Taxas de Ocupação do Espaço Público – DPI, sendo que, no caso das Hortas Sociais será sempre utilizada a taxa mínima em vigor, podendo, ser dispensada o pagamento da referida renda caso se comprove que o rendimento familiar a não poderá suportar. 3. A CML pode rescindir o contrato de utilização caso seja provado o abandono do cultivo da parcela por um período mínimo de 60 dias, sem justificação, ou não sejam cumpridos os requisitos impostos no art. 7º. 4. A CML deverá notificar os utilizadores da revogação do contrato, com um período de 20 dias para apresentação de reclamação fundamentada por parte do utilizador. 5. Entende-se por factores válidos de justificação para a interrupção do cultivo, quaisquer que se relacionem com motivos de doença, devidamente comprovados, ou caso não sejam cumpridas as obrigações da CML perante os utilizadores, constantes no art. 6º que sejam motivo para a impossibilidade de cultivo. 6. O utilizador pode cessar o contrato de utilização, devendo informar a CML com a antecedência de 20 dias.
Artº 6 Direitos dos Utilizadores 1. Direitos relativos às Hortas do ponto 2.1 do Art. 1º - a) Hortas Sociais ou comunitárias: a) Cultivar uma parcela de terreno com produtos hortícolas, com dimensões máximas de 150m2. b) Aceder a uma tomada de água instalada e suportada pela CML, ou pela entidade gestora do espaço legitimada pela CML, que poderá ser individual ou colectiva de acordo com o definido pela CML c) Possibilidade de instalação de construções de apoio, que caso não sejam fornecidas pela CML, deverão ser estruturas de carácter efémero, de madeira, com dimensões nunca superiores a 6,0m2 de área e 2,5m de altura, sendo exclusivamente para aprovisionamento de ferramentas e materiais de apoio ao cultivo. d) Caso a CML julgue necessário poderá exigir que as construções de apoio definidas no ponto anterior sejam agrupadas e partilhadas entre diversos utilizadores, sendo fornecido uma área de 3,0m2 no mínimo para cada um. e) Ter acesso a informação e acompanhamento técnico, no sentido de promoção da agricultura biológica e praticas de cultivo mais adequadas. f) Ter acesso e esclarecimentos relativamente á utilização de compostos, quando disponibilizado. 2. Direitos relativos às Hortas do ponto 2.2 do art. 1º - a) Hortas de Recreio, de uso individual ou colectivo às Hortas do ponto 2.2 do Art. 1º, alínea b) – Hortas Pedagógicas. a) Cultivar uma parcela de terreno com produtos hortícolas, com dimensões máximas de 100m2.
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b) Aceder a uma tomada de água instalada pela CML, ou pela entidade gestora do espaço legitimada pela CML, sendo os custos suportados pelo utilizador, salvo seja estabelecido acordo de interesse público para serem suportados os custos com as entidades em questão. c) Possibilidade de instalação de construções de apoio, fornecidas pela CML, deverão ser estruturas de carácter efémero, de madeira, com dimensões nunca superiores a 6,0m2 de área e 2,5m de altura, sendo exclusivamente para aprovisionamento de ferramentas e materiais de apoio ao cultivo. d) Caso a CML julgue necessário poderá exigir que as construções de apoio definidas no ponto anterior sejam agrupadas e partilhadas entre diversos utilizadores, sendo fornecido uma área de 3,0m2 no mínimo para cada um, ou caso já existam estruturas que se possam adequar, deverão se realizar as alterações necessárias para a sua utilização. e) Frequentar cursos de informação e ter acesso a acompanhamento técnico disponibilizado pela CML, ou pela entidade gestora do espaço legitimada pela CML, no sentido de promoção da agricultura biológica e praticas de cultivo mais adequadas, não sendo permitida a utilização de produtos químicos. f) Ter acesso e esclarecimentos relativamente á utilização de compostos, quando disponibilizado, sendo exigida a sua utilização no encaminhamento dos resíduos produzidos. 3. Direitos relativos às Hortas do ponto 2.3 do art. 1º - a) Hortas Dispersas. a) Cultivar uma parcela de terreno com produtos hortícolas. b) Aceder a uma tomada de água colectiva, caso se verifique a possibilidade desta instalação c) Possibilidade de instalação de construções de apoio, que caso não sejam fornecidas pela CML, deverão ser estruturas de carácter efémero, de madeira, com dimensões nunca superiores a 4,0m2 de área e 2,0m de altura, sendo exclusivamente para aprovisionamento de ferramentas e materiais de apoio ao cultivo.
Art. 7º Deveres dos Utilizadores 1. Cultivar obrigatoriamente a Horta 2. Liquidar os encargos inerentes á utilização da Horta quando existentes 3. Garantir o asseio, segurança e bom uso das áreas Hortícolas. 4. Avisar a CML de qualquer irregularidade detectada no local. 5. Colocar os resíduos sólidos produzidos nos contentores á disposição para o efeito ou, no caso de não existirem (Hortas Dispersas), assegurarem à sua conta o seu encaminhamento a local adequado fora da área Hortícola. 6. Utilizarem meios adequados de cultivo e recorrer / promover boas práticas ambientais. 7. Respeitar o parcelamento definido pela CML quando existente. 8. Respeitar as directrizes definidas pelo Regulamento de Utilização, relativamente aos materiais a utilizarem na horta, tais como vedações, “espantalhos”, etc., definidos consoante cada tipologia de Horta e a área em que está inserida, estando obrigados a retirar quaisquer materiais que se considerem não serem adequados. 9. Utilizar sempre água adequada para a rega dos produtos hortícolas, sendo absolutamente proibida a rega com áreas contaminadas com quaisquer produtos que constituam perigo para a saúde pública.
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Art. 8º Destino dos produtos cultivados 1. Os produtos cultivados nas Hortas do ponto 2.2 do art. 1º -alinea a) Hortas de Recreio, de uso individual ou colectivo e alinea b)Hortas Pedagógicas só poderão ser utilizados para consumo proprio, salvo iniciativas de fundo social a serem aprovadas pela CML, ou pela entidade gestora do espaço legitimada pela CML. 2. Os produtos cultivados nas Hortas do ponto 2.1 do art. 1º - Hortas Sociais ou Comunitárias poderão ser utilizados para consumo próprio ou integrados em sistemas individuais ou cooperativos de produção e escoamento de produtos frescos, desde que fiscalizados e aprovados pela CML e legitimados pela legislação em vigor relativamente á comercialização destes produtos.
Art. 9º Proibições Em todas as áreas destinadas a Agricultura Urbana, os utilizadores não podem: 1. Efectuar quaisquer tipos de construções, sem aprovação da CML 2. Utilizar fertilização com produtos que não respeitem o disposto no art. 6º, ou que provoquem danos tanto a nivel ambiental como da qualidade das colheitas em termos de saúde pública. 3. Cultivar plantas das quais se possam extrair substâncias psicotrópicas nos termos da lei em vigor. 4. Ser responsável pela circulação de quaisquer veículos motorizados ou não, sem autorização da CML. 5. Executar qualquer actividade que produza fogo ou que represente problemas de segurança pública. 6. Comercializar quaisquer produtos sem autorização prévia da CML. 7. Promover maus relacionamentos no grupo ou acções que impliquem danos nas parcelas ou nos restantes utilizadores das áreas agrícolas.
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I – INFORMAÇÃO PESSOAL
1. Sexo: 1.1 ____F 1.2 ____ M
2. Idade: 2.1 _____ 15-24 2.2 _____ 25-34 2.3 _____ 35-44 2.4 _____ 45-54 2.5 _____ 55-64 2.6 _____ 65 ou mais
3. Vive neste bairro? 3.1 _____ Sim 3.1.1 Há quanto tempo? ______________________________________________ 3.2 _____ Não 3.2.1 A que distância da horta vive? ____________________________________
4. Naturalidade ________________________________________________________________
5. Nacionalidade _______________________________________________________________
6. Se for natural de concelho país, vem de um ambiente rural ou urbano? 6.1 _____ Rural 6.2 _____ Urbano
7. Habilitações Literárias: 7.1 _____ Sem Escolaridade 7.2 _____ 1.º Ciclo 7.3 _____ 2. º Ciclo 7.4 _____ 3.º Ciclo 7.5 _____ Secundário 7.6 _____ Ensino Superior ou mais
8. Profissão (ou ex-profissão): _____________________________________________________________________________ 8.1 _____ Desempregado 8.2 _____ Reformado 8.3 _____ Activo
DATA _____________________ HORA _____________________
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II – INFORMAÇÃO SOBRE ACTIVIDADE PRESENTE NA AGRICULTURA
1. É o proprietário desta horta? 1.1 _____ Sim 1.2 _____ Não
2. Há quanto tempo cultiva esta horta? _________________________________________________________ 2.1 _____ 0 a 5 anos 2.2 _____ 5 a 10 anos 2.3 _____ 10 a 20 anos 2.4 _____ mais de 20 anos
3. Já teve uma horta antes desta na cidade? 3.1 _____ Não 3.2 _____ Sim 3.2.1 Onde? _____________________________________________________________________________________________
4. Qual a razão / motivo que o leva a fazer agricultura? 4.1 _____ Actividade Principal 4.2 _____ Ocupação de Tempos Livres 4.3 _____ Complemento ao Rendimento 4.4 _____ Qualidade dos produtos 4.5 _____ Outro 4.5.1 Qual?______________________________________________________________________________________________
5. Qual a finalidade da sua produção? 5.1 _____ Consumo próprio (família e amigos) 5.1.1 Quantos elementos tem o agregado familiar que abastece? __________________________________________________ 5.2 _____ Venda 5.2.1 Onde? ______________________________________________________________________________ 5.3 _____ Ambos 5.4 _____ Outro 5.4.1 Qual? ________________________________________________________________________________
6. Qual a dimensão do talhão / espaço que cultiva? _________________________________ 6.1 _____ até 25 m2 6.2 _____ 25 a 50 m2 6.3 _____ 50 a 100 m2 6.4 _____ 100 a 200 m2 6.5 _____ mais de 200 m2
7. Os conhecimentos agrícolas que possui adquiriu-os por: 7.1 _____ Aprendizagem familiar 7.2 _____ Aprendeu por si próprio (ou com os vizinhos) 7.3 _____ Formação específica 7.4 _____ Outro 7.4.1 Qual? ________________________________________________________________________________
8. Que produtos produz / cultiva?
________________________________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________________________ 119
9. Também tem animais? 9.1 _____ Não 9.2 _____ Sim 9.2.1 Quais? ____________________________________________________________ 9.2.1 Onde? _____________________________________________________________________________________
10. Produz os diferentes alimentos de forma sazonal (rotativa)? 10.1 _____ Sim 10.2 _____ Não
11. Que tipo de adubo usa? ______________________________________________________________________________
12. Com que frequência aduba o terreno? _________________________________________________________________
13. Quais as principais pragas / ameaças que tem na horta? _________________________________________
14. De que forma as combate? ____________________________________________________________
15. De onde tira a água que usa na sua horta? 15.1 _____ Rede pública no espaço de cultivo 15.2 _____ Rede pública fora do espaço de cultivo 15.3 _____ Retenção de águas pluviais 15.4 _____ Poço individual 15.5 _____ Poço comunitário 15.4 _____ Outra 15.4.1 Qual? ______________________________________________________________________
16. O que faz aos resíduos das suas culturas (ervas, fezes animais, …)? 16.1 _____ Lixo 16.2 _____ Compostagem
17. Caracterize o relacionamento que tem com os horticultores vizinhos 17.1 _____ Conflituoso 17.2 _____ Distante 17.3 _____ Cordial 17.4 _____ de Amizade 17.5 _____ de Grande amizade 17.6 _____ Não os conheço
18. Se vive neste bairro, caracterize o relacionamento que tem com os vizinhos residentes 18.1 _____ Conflituoso 18.2 _____ Distante 18.3 _____ Cordial 18.4 _____ de Amizade 18.5 _____ de Grande amizade 18.6 _____ Não os conheço
19. Caracterize a importância que a horta tem na sua vida 19.1 _____ Pouco importante 19.2 _____ Importante 19.3 _____ Muito importante
20. Quanto tempo por dia passa, em média, na sua horta no Verão? ____________________________________
21. E no Inverno? _____________________________________________________________________ 120
22. Quanto tempo demora desde o seu local de residência à sua horta? _________________________________
23. Como se desloca até cá? 23.1 ____ a pé 23.2 _____ Carro 23.3 _____ Transporte público
24. Onde guarda as suas alfaias? 24.1 _____ Num local dentro da área de cultivo 24.2 _____ Em casa 24.3 _____ Outro 24.3.1 Qual? ______________________________________________________________________
121
III – INFORMAÇÃO SOBRE ESPECTATIVAS FUTURAS
1. Dada a oportunidade deslocaria o seu local de produção para outra zona da cidade? 1.1 _____ Não 1.2 _____ Sim 1.2.1 Para onde preferencialmente? _________________________________________ 1.3 Porquê? 1.3.1 _____ Proximidade ao local de residência 1.3.2 ______ Proximidade ao local de trabalho 1.3.3 _____ Características ambientais mais favoráveis (solo, exposição solar) 1.3.4 _____ Relacionamentos pessoais com vizinhança local 1.3.5 _____ Melhores infra-estruturas
2. Está satisfeito com a dimensão do seu talhão /espaço de cultivo? 2.1 _____ Sim 2.2 _____ Não 2.2.1 Com que produções extra? ____________________________________________________________________ 2.2.2 Quanta mais área de terreno gostaria de ter? _____________________________________________________ 2.2.2.1 _____ até mais 25 m2 2.2.2.2 _____ 25 a 50 m2 2.2.2.3 _____ 50 a 100 m2 2.2.2.4 _____ 100 a 200 m2 2.2.2.5 _____ mais de 200 m2
3. Que aspectos gostaria de ver melhorados neste espaço de cultivo? 3.1 _____ Acessos 3.2 _____ Segurança da área de cultivo 3.3 _____ Acesso à água 3.4 _____ Declive / estabilidade do terreno 3.5 _____ Qualidade do solo 3.6 _____ Compatibilidade com outros usos urbanos (poluição, entulho…) 3.7 _____ Espaço para guardar alfaias e culturas 3.8 _____ Estrutura / Percursos 3.9 _____ Limites / Vedações
4. Como acha que poderiam ser resolvidos os problemas apontados?
4.1 Acessos _____________________________________________________________________________________________
4.2 Segurança ___________________________________________________________________________________________
4.3 Água _______________________________________________________________________________________________
4.4 Terreno _____________________________________________________________________________________________
4.5 Solo ________________________________________________________________________________________
4.6 Poluição _____________________________________________________________________________________
4.7 Espaço para alfaias a e culturas __________________________________________________________________
4.8 Estrutura _____________________________________________________________________________________ 122
4.6 Limites ______________________________________________________________________________________
5. Gostaria que fosse feito para aqui um projecto de reorganização do espaço das hortas? 5.1 _____ Não 5.2 _____ Sim
6. Gostaria que houvesse nesta zona um sítio onde pudesse vender as suas culturas? 6.1 _____ Sim 6.2 _____ Não
7. Gostaria que o seu espaço de cultivo estivesse mais directamente relacionado (mais próximo) da sua casa? 7.1 _____ Sim 7.2 _____ Não
8. Gostaria que houvesse um espaço de convívio para os horticultores? 8.1 _____ Sim 8.2 _____ Não
9. Estaria disposto a partilhar um espaço para guardar as suas alfaias com vizinhos horticultores? 9.1 _____ Sim 9.2 _____ Não
10. Já ouviu falar das hortas que a CML vai fazer no Vale (a Norte do Pingo Doce)? 10.1 _____ Não 10.2 _____ Sim 10.2.1 Sabe como vão funcionar? 10.2.1.1 _____ Sim 10.2.1.2 _____ Não 10.3 O que acha da ideia? __________________________________________________________________________________ 10.4 Gostaria de ter lá um talhão? 10.4.1 _____ Sim 10.4.2 _____ Não 10.4.3 _____ Vai ter
11. Gostava que houvesse mais pessoas a fazer hortas? 11.1 _____ Sim 11.2 ____ Não 12.2.1 Porquê? __________________________________________________________
12. Estaria disponível para ensinar pessoas que viessem para cá fazer hortas pela primeira vez? 12.1 _____ Sim 12.2 _____ Não 13.2.1 Porquê? ________________________________________________________
13. Importava-se que se fizessem visitas de escolas à sua horta? 13.1 _____ Sim 13.2 _____ Não 13.2.1 Porquê? _________________________________________________________
14. Importava-se que as pessoas do bairro pudessem vir passear para a zona das hortas? 14.1 _____ Sim 14.2 _____ Não
15. Estaria disponível a pagar uma quota se fossem criadas melhores condições nesta zona de hortas? 15.1 _____ Não 15.2 _____ Sim
123
IV – INFORMAÇÃO ADICIONAL
Avaliação pessoal do local [escala de 0 a 10]
Limpeza _________________________________ Cuidado __________________________________ Motivação do horticultor ____________________
124
Os gráficos seguintes apresentam os principais resultados obtidos do questionário. Os valores indicados nos gráficos contêm, para cada série de valores, os resultados absolutos e percentuais.
I.1 - Sexo Homem
Mulher
7 22%
25 78%
I.2 - Idade 15-24 4 13%
25-34
35-44
45-54 1 3%
55-64 >=65 0 0% 0 0%
7 22%
20 62%
125
I.4 - Naturalidade Aveiro
Castro D'Aire
Viseu
Viana do Castelo
1 3%
1 3%
Lisboa 1 3%
Cinf達es do Douro
Vieira do Minho
Sabrosa
Gaia
1 3% 9 28%
9 28%
4 13%
3 9%
3 10%
I.6 - Origem Rural
Urbana
5 16%
27 84%
126
I.7 - Habilitações Académicas Sem escolaridade
1º ciclo
2º ciclo 0 0%
2 6%
2 6%
3º ciclo
Secundário
0 0%
Ensino superior ou mais
3 10%
25 78%
I.8 - Profissão Cozinheiro Func. Público Empregado de Mesa Carpinteiro Empregada Doméstica Distribuição Alimentar Assistente Operacional Vigilante Servente pedreiro Polidor de Metais Motorista Limpezas Gráfico Empregado Escritório Cortador de Carnes Construção Civil Comerciante Cantoneiro de Limpeza Canalisador
7 4 3 3 2 2 2 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
127
I.9 - Actividade Activo
Desempregado
Reformado 8 25%
18 56%
6 19%
II.1 - Propriedade Sim
Não 0 0%
32 100%
II.4 - Razão da produção agrícola Actividade Principal
Ocupação de Tempos Livres
Complemento ao Rendimento Qualidade dos Produtos 7 13%
22 40%
4 7%
22 40%
128
II.5 - Finalidade da Produção Consumo Próprio 0 0%
Venda
Ambos
1 3%
31 97%
II.5.1 - Agregado Familiar Abastecido 20
12 9 7,5 6
6 5
5
4
3
7 7
6,5
3
3,5
3
3 3 3
3,5
5 4
3 3
5
4
5 4
4
média
3 3
2
R1
R2
R3
R4
R5
R6
R7
R8
R9 R10 R11 R12 R13 R14 R15 R16 R17 R18 R19 R20 R21 R22 R23 R24 R25 R26 R27 R28 R29 R30 R31 R32
129
II.6 - Dimensão do Talhão até 25 m2
25 a 50 m2
50 a 100 m2
0 0%
7 22%
100 a 200 m2
mais de 200 m2
1 3%
5 16%
19 59%
II.8 - Número de Produtos Cultivados 10 8
8 7
8
7 7
7
6
6 5 4 3
R2
R3
R4
R5
7
7
6
6
5 4
R1
7
R6
R7
R8
7 6 6
6
7 7 6
5 4
5
média
4 3
R9 R10 R11 R12 R13 R14 R15 R16 R17 R18 R19 R20 R21 R22 R23 R24 R25 R26 R27 R28 R29 R30 R31 R32
130
II.8 - Produtos Cultivados Abóbora Aface Alho Alho francês Batata Cebola Cenoura Couve Couve galega Couve portuguesa Ervas aromáticas Ervilha Fava Feijão Grão Hortaliça Morangos Nabiça Nabo Pepino Pimento Tomate
1 18 18 3 19 21 11 17 3 2 6 9
16 8 8 1 2 6 5 4 6 10
II.10 - Rotação de Culturas Sim
0 0%
Não
Sem Informação
1 3%
31 97%
131
II.11 - Tipo de Adubo
2 5%
Composto
Químico
2 5%
3 8%
Borras de Café
Cinzas
Não aduba
11 28%
21 54%
II.12 - Frequência de Adubagem do Terreno 1 vez / ano
4 vez / ano
Variável
Sem informação
3 9% 6 19%
1 3%
22 69%
132
II.13 - Pragas / Ameaças 4
Bicho amarelo 1
Borboleta
23
Caracóis Ervas Daninhas
1
Formiga
1
Geada
1
Ladrões
1 7
Lagarta 2
Lesma
11
Piolho
II.14 - Combate de Pragas / Ameaças Arranca
9 29%
Come
Químico
1 3%
Sal
Não Combate
4 13%
1 3% 16 52%
133
II.15 - Obtenção de Água para Rega Rede Pública no Espaço de Cultivo
Rede Pública fora do Espaço de Cultivo
Retenção de Águas Pluviais
Poço Individual
Poço Comunitário
Outra
0 0%
0 0%
3 8%
2 5%
0 0%
32 87%
II.16 - Destino dos Resíduos Lixo
Compostagem 2 6%
30 94%
134
II.17 - Relacionamento com Vizinhos Horticultores Conflituoso
Distante
Cordial 0 0%
10 31%
de Amizade 0 0 0% 0%
de Grande Amizade
Não os conheço
1 3%
21 66%
II.18 - Relacionamento com Vizinhos Residentes Conflituoso
Distante
Cordial 3 9%
de Amizade
0 0 0 0% 0% 0%
de Grande Amizade
Não os conheço
5 16%
24 75%
II.19 - Importância da Horta na Vida do Horticultor Pouco Importante
Importante 1 3%
Muito Importante
10 31%
21 66%
135
Tempo de Trabalho na Horta (Verão) 8
8
8
8
8
8
5
3 2
3,5
3 2,5
2,3
2
3
2 1,5
1,1
2
1,1
1
1
0 R1
R2
R3
R4
R5
R6
R7
R8
R9
2
2
média
1
0,9
0,5
2
0
0
R10 R11 R12 R13 R14 R15 R16 R17 R18 R19 R20 R21 R22 R23 R24 R25 R26 R27 R28 R29 R30 R32
Tempo de Trabalho na Horta (Inverno)
8
8
8
8
8
7 6
6
6
6
6 5
4,5
4,5
4,5 4,5
4
média
4
4
3,5
3,5 3
2,5 2
2
1,5
1,1
1
0,9
1
0,3 R1
R2
R3
R4
R5
R6
R7
R8
R9
R10 R11 R12 R13 R14 R15 R16 R17 R18 R19 R20 R21 R22 R23 R24 R25 R26 R27 R28 R29 R30 R32
136
II.24 - Local de Armazenamento de Alfaias Local dentro da área de cultivo
Casa
Outro
5 16%
9 28%
18 56%
III.3 - Aspectos a Melhorar no Local de Cultivo Acessos
Segurança da área de cultivo
Acesso a água
Declive / estabilidade do solo
Qualidade do solo
Compatibilidade com outros usos urbanos
Espaço para guardar alfaias
Estrutura / percursos pedonais
Vedações
0 1 0% 2%
3 7%
0 0%
2 4%
2 4%
1 2% 9 20%
28 61%
137
III.1.2 - Razão (desejo de mudança) Proximidade ao local de residência
Proximidade ao local de trabalho
Características ambientais favoráveis Relacionamentos pessoais Infraestruturas disponíveis 2 33%
0 0% 0 0%
4 67%
0 0%
III.1.1 - Razão (desejo de permanência) Proximidade ao local de residência
Proximidade ao local de trabalho
Características ambientais favoráveis Relacionamentos pessoais Infraestruturas disponíveis
3 10%
2 7%
0 0%
0 0%
24 83%
138
P01 0. Planta Geral – Proposta de Intervenção
P02 1. Planta Geral – Existente 2. Planta Geral – Intenções 3. Planta Geral – Proposta de Intervenção 4. Cortes Gerais (A e B) e Esquema Tridimensional 5. Planta Geral – Funções Urbanas 6. Zoom – Planta Conjunto Habitacional [cota 61] 7. Zoom – Planta Conjunto Habitacional [cotas 53/48] 8. Zoom – Planta Conjunto Habitacional [cota 48] 9. Zoom – Planta Convento + Equipamento [cota 38] 10. Zoom – Planta Convento + Equipamento [cota 35] 11. Zoom – Planta Convento + Equipamento [cota 27] 12. Pormenor ‘tipo’ Socalco 13. Planta Geral - Águas
24
Os materiais referentes a este anexo são apresentados de forma independente (folhas soltas) no interior da caixa. 139
Blocos de Serviรงos
Blocos Residenciais
140