ENTRE O IMPRESSO E O VIVIDO:Os discursos sobre violência doméstica no jornalismo paraense

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UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS COMUNICAÇÃO SOCIAL – JORNALISMO

Rayza Sarmento de Sousa

ENTRE O IMPRESSO E O VIVIDO: Os discursos sobre violência doméstica no jornalismo paraense

ANANIDEUA-PA 2009


RAYZA SARMENTO DE SOUSA

ENTRE O IMPRESSO E O VIVIDO: Os discursos sobre violência doméstica no jornalismo paraense

Monografia apresentada à Universidade da Amazônia como requisito para obtenção do grau de bacharel em Comunicação Social Jornalismo. Orientadora: Prof. Ms. Alda Costa

ANANIDEUA-PA 2009


RAYZA SARMENTO DE SOUSA

ENTRE O IMPRESSO E O VIVIDO: Os discursos sobre violência doméstica no jornalismo paraense

Monografia apresentada ao curso de Comunicação Social do Centro de Estudos Sociais Aplicados da Universidade da Amazônia como requisito para obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social Jornalismo.

Banca

________________________ Prof. Ms. Alda Costa (Orientadora)

________________________ Prof. Ms. Danila Cal (Examinadora)

Apresentado em: __ / __ / __ Conceito: ___________


Dedico este trabalho Ă minha mĂŁe, professora Aldenora Sarmento, por tudo o que sou e pretendo me tornar.


AGRADECIMENTOS Agradeço ao meu amor maior, mãe e amiga, a dona Aldenorinha, pela dedicação, zelo, cafés na madrugada, investimento e força que me impulsiona. Só nós duas sabemos o quanto foi difícil, e agora o quanto é prazeroso, chegar até aqui. Agradeço muito ao meu avô, Benzinho, pelas orações e pela proteção espiritual. Ao meu pai, Toninho, pelo incentivo. A toda a minha grande família de Vigia, pelo apoio e por se orgulharem desde sempre até das minhas menores conquistas. Um agradecimento especial, ao tio Lobão, pelo carinho paternal e por sempre ter dado ouvidos às minhas histórias. À tia Áurea, ao Elton, Frank e Deivson, grandes batalhadores, que nem imaginam o tamanho do meu amor por eles, sempre fundamentais na minha vida. Ao Tio Nélio, por ser exemplo de superação. Ao Márcio Júnior, por nunca ter se negado a ser o aluno, quando eu pedia para “brincar de aula” e pela bonita amizade que temos hoje. À Eliana, com quem aprendi que há laços muitos mais fortes e sadios que os de sangue. À Ilma, Sílvia, Auxiliadora, Alessandro, Lidiane e Bastos, pela torcida, por desejarem sempre o melhor para mim e por me usarem como exemplo. Ao meu namorado, Bê, por ter sido meu chão, meu consolo e meu par na divisão de alegrias e angústias de um ano tão difícil e pelo amor para além de qualquer definição. À Dona Myrian e ao Seu Reginaldo, meus sogros queridos, pelo cuidado. À Camila, por existir na minha vida e pela amizade incondicional. À Aline, pelos anos de convivência e por ter acreditado em mim quando nem eu mesma sabia fazer isso. Ao Angelo, pelos conselhos sinceros, por me entender tanto. À minha orientadora, Ms. Alda Costa, pelos acréscimos fundamentais, pelos embates que fazem crescer e pela paciência em me aturar. Agradeço por ter abraçado esta pesquisa depois do início e pelas vezes que me fez esclarecer mais ainda o texto, que eu julgava estar bom. Aos amigos que a Unama me ajudou a fazer, pelos anos que dividimos trabalhos, lanches, dúvidas, indignações, vitórias e histórias. Em especial, à Ize, pela perfeita harmonia que nos uniu dentro e fora da sala de aula. Aos amigos do curso de Psicologia, da UFPA, pelo carinho. Aos profissionais com os quais trabalhei, pelos bons exemplos. Ao Edyr Falcão, meu melhor chefe, pelos ensinamentos, por ter me apresentado a linda ciência do Direito e pela generosidade de muitas vezes me ter como filha. Ao cunhado e amigo Leonardo Aquino, com quem pude ver que talento precisa rimar com disciplina e jovialidade não significa inexperiência. Ao Mauro Neto, pelas grandes lições e desafios. Aos amigos do jornal “O Liberal”, pelo carinho com a sua mascote, especialmente à melhor repórter que já conheci, Aline Brelaz, pelas lições sobre ética e boa apuração. E a todos da Agência Unama de Comunicação pelos Direitos da Criança e do Adolescente, por terem contribuído para a formação dos meus princípios profissionais. À Edna, pelas críticas mais que construtivas! À Lívia, pelos sonhos, estágios, comidas, desejos e shows divididos. Aos meus bons professores (em breve, se Deus permitir, futuros colegas de profissão) pelo ensino cuidadoso e responsável, pelo estímulo tão necessário para o desenvolvimento de um aluno. Agradeço especialmente ao Ms. Relivaldo de Oliveira (por ter despertado o prazer pela academia), Marcelo Vieira (pelos valiosos comentários sobre jornalismo impresso) e Dra. Marise Morbach (pelo simples privilégio de ser sua aluna). À Dra. Mônica Conrado, referência no Pará sobre violência doméstica contra a mulher, pela indicação de textos. À Jureuda Guerra, cujos olhos sempre brilharam ao falar deste trabalho, exemplo de dedicação na defesa dos direitos da mulher. Às profissionais do Centro Maria do Pará, pela acolhida.


Ao Diógenes, pelo incentivo e leitura atenta do segundo capítulo desta monografia, com suas devidas correções e indicação de novas abordagens. À Priscila, pela gentil hospedagem que me permitiu estar mais próxima das discussões nas quais quero prosseguir. Ao Lage, pela força e por rachar os táxis que nos levaram em busca de um sonho. Ao Bernardo Cal Lage, por dividir um pouquinho seus pais comigo durante este ano. Aos autores que me inspiraram e com os quais pude dialogar presencialmente. Agradeço à Dra. Rousiley Maia, pela receptividade...e por acreditar no futuro desta pesquisa. Ao Dr. Ricardo Fabrino Mendonça, pelos bons ensinamentos sobre “mídia e transformação da realidade”. E termino reservando este espaço para um agradecimento mais do que especial e merecido: à Ms. Danila Cal, grande exemplo de pessoa e profissional, pela inspiração e amizade. Agradeço pela orientação em muitas das minhas escolhas. Sem ela, nem a minha graduação, nem este trabalho teriam o mesmo valor.                                    


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“É preciso um terremoto para nos tornar conscientes de que olhávamos o solo sob o qual nos púnhamos de pé como inamovível” (Jürgen Habermas)


RESUMO

A mídia tornou-se um elemento indispensável para o entendimento de como assuntos, pessoas discursos adquirem visibilidade e ressonância na sociedade, funcionando assim como préestruturadora da esfera pública. Foi porta voz das primeiras lutas contra a violência doméstica e deu publicidade à discussões que levaram a aprovação da Lei Maria da Penha, mas é também o espaço onde estão presentes variados discursos sobre violência doméstica, que desencadeiam concordâncias, controvérsias ou silêncios junto à sociedade. Este trabalho analisou quais os discursos presentes nas matérias veiculadas no jornal O Liberal, de Belém, antes e depois da promulgação da lei e se houve mudanças na cobertura da violência doméstica após a legislação, nos anos de 1997, 2002 e 2007. Palavras-chave: Violência doméstica – Lei “Maria da Penha” - Esfera pública – Jornalismo Impresso


ABSTRACT Media became an undisposable element for understanding of how subjects, people and speeches obtain visibility and resonance in society, working as pre-estructuring of public sphere. It amplified the first battles against home violence and gave publicity to the discussions that led to the approval of “Maria da Penha Law, but it´s also the space where there are various speeches on home violence that initiate agreements, controversies or silences to society. This monograph analyzed which speeches were present in the articles published in the newspaper O Liberal, from Belém, before and after the promulgation of the law and if there were changes on the coverage of home violence after the legislation in the years of 1997, 2002 and 2007. Keywords: Home violence – “Maria da Penha Law” – Public sphere – Written journalism


LISTA DE GRÁFICOS

GRÁFICO 1: Quantidade de matérias

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GRÁFICO 2: Distribuição por caderno

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GRÁFICO 3: Local onde ocorreu a violência

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GRÁFICO 4: Tipos de violência

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GRÁFICO 5: Responsáveis pela agressão

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GRÁFICO 6: Referência à legislações

51

GRÁFICO 7: Fontes ouvidas em 1997

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GRÁFICO 8: Fontes ouvidas em 2002

53

GRÁFICO 9: Fontes ouvidas em 2007

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LISTA DE SIGLAS

Ações de Gênero, Cidadania e Desenvolvimento (AGENDE) Centro de Estudos Feministas e Assessoria (CFEMEA) Centro pela Justiça pelo Direito Internacional (CEJIL) Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação (CEPIA) Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM) Divisão Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM) Divisão de Crimes contra a Integridade da Mulher (DCCIM) Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM) Organização dos Estados Americanos (OEA) Organização Mundial da Saúde (OMS) Organizações Rômulo Maiorana (ORM) Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM)


SUMÁRIO

1.INTRODUÇÃO

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2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

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3.PRIVACIDADE, LEGISLAÇÃO E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER 3.1 Afinal, o que é violência doméstica? 3.2 Decifrando a violência doméstica 3.3 Das delegacias da mulher à Lei “Maria da Penha” 3.3.1 A conquista de legislação específica

21 22 24 28 31

4. MÍDIA E CONSTRUÇÃO DE DISCURSOS

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4.1 Tornar problema: a importância da deliberação para polemizar assuntos

37

4.1.1 Política próxima: a importância da conversação cotidiana 4.2 Mídia e mudança social: a pré-estruturação da esfera pública 4.3 Os riscos de discursos estigmatizantes

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5. O DISCURSO IMPRESSO SOBRE O VIVIDO

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5.1 Um panorama geral 5.2 Discursos sobre violência doméstica 5.2.1 O discurso do amor demais 5.2.2 O discurso da obrigação pela posse 5.2.2.1 A posse do relacionamento 5.2.2.2 A posse do corpo 5.2.3 O discurso da droga e da bebida 5.2.4 O discurso do atendimento 5.2.5 O discurso da ciência 5.2.6 O discurso do alerta 5.2.7 O discurso da conscientização 5.2.8 O discurso do perdão 5.2.9 O discurso dos números 5.3 Permanências e novas abordagens

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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APÊNDICES

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ANEXOS

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1. INTRODUÇÃO “A chamada privação dos sentidos provocada pela paixão pode fazer do mais cordial dos homens um assassino”. A frase não é de nenhum advogado de defesa, nem de um homem arrependido. Trata-se de um texto jornalístico, veiculado na década de 1970, na revista Fatos e Fotos Gente, sobre o assassinato da socialite Ângela Diniz pelo ex-companheiro, Doca Street, assinado pelo jornalista Carlos Heitor Cony. Esse é um dos vários discursos sobre violência doméstica contra a mulher apresentado na imprensa escrita brasileira, sobretudo antes da década de 1980, quando os constantes casos e principalmente a pressão popular exercida pelos movimentos feministas conseguiram maior visibilidade nos meios de comunicação. Antes disso, e até durante todo o processo de luta para que Doca Street fosse condenado, as notícias não raro tratavam a vítima como culpada pela violência, com ações usadas para justificar o crime, como ciúmes e adultérios. Passados mais de trinta anos deste episódio, e de tantos outros que ocorreram e ocorrem cotidianamente, as mulheres conquistaram o direito de não deixar impune, como crime menor, a violência cometida por familiares ou pessoas com quem mantém vínculos domésticos. A edição da Lei 11.340, no ano de 2006, conhecida como Lei “Maria da Penha”1, após muitas lutas desde a redemocratização do país depois do regime militar, garantiu formas rígidas de prevenção, combate e punição a esse tipo de crime, discriminando e estabelecendo sanções aos vários tipos de violência, para além da física. A violação do direito das mulheres dentro do espaço privado, não necessariamente apenas dentro do lar, é uma forma de violência que não pode mais ser mascarada e muito menos deve permanecer restrita ao âmbito no qual ocorre. Trata-se de um problema que envolve desde a discriminação por gênero e a submissão da condição feminina até as carências de atendimento e acolhimento de mulheres em situação de violência em todos os estados do país. Inúmeras pesquisas nas áreas do Direito, da Saúde, da Psicologia e da Sociologia, dentre outros campos do conhecimento, já foram realizadas para investigar causas, acompanhar o processo de denúncia e a percepção da violência doméstica na vida de mulheres e homens (CONRADO, 2001; GREGORI, 1993; IZUMINO, 2003; SAFIOTTI, 1999; SOUZA, 2008; SCHRAIBER, 2003; LAVORENTI, 2009). A maioria foi realizada antes da Lei “Maria Penha”. Pretende-se com este trabalho contribuir para análise crítica da 1

Ao longo do trabalho, toda referência à Lei “Maria da Penha” será feita com o substantivo com letra maiúscula para diferenciar das demais legislações que citadas no desenvolvimento da monografia.


relação entre mídia e violência doméstica no Pará, já que esta possui no Estado grupos de estudos nacionalmente respeitados2, mas que ainda possuem poucas pesquisas que dialogam com o campo de estudo da Comunicação. Investigar a relação entre a construção discursiva feita pelo jornalismo sobre um problema que deixou de ser de domínio privado pode sinalizar novos caminhos para essa cobertura, a fim de que ela possa contribuir para o enfrentamento do problema.

Objetivos Apoiado no conceito de que uma das funções que a mídia pode desempenhar diante da sociedade é de pré-estruturadora da esfera pública (MAIA, 2004; MENDONÇA, 2005), o objetivo principal que moveu a execução desta pesquisa é saber de que forma os discursos sobre a violência doméstica contra a mulher ganharam as páginas dos jornais antes e depois da edição da referida Lei. Também está entre os objetivos, a identificação dos discursos mais comuns, a investigação se o jornal consegue incorporar a prestação de serviços prevista na Lei “Maria da Penha” e a análise sobre as mudanças na cobertura do tema dentro do período estudado.

Questões norteadoras Decidiu-se não trabalhar com hipóteses amarradas à espera de comprovação (BRAGA, 2006), mas com questões norteadoras que encaminhassem a metodologia adotada na pesquisa. Como o tema já havia sido objeto de estudo durante outros períodos acadêmicos, antes da execução da monografia, alguns questionamentos já motivavam tal pesquisa. Questionou-se a forma como as mulheres em situação de violência eram apresentadas no jornal: será que vítimas ou culpadas? O que mudou com edição da Lei? O jornal ainda trata violência doméstica como um caso exclusivamente policial? Quem é retratado como principal responsável pelas agressões e qual o lugar que ela ocorre? Será que há uma abordagem dos diversos tipos de violência para além da física? Que fontes são ouvidas nessa cobertura e como suas vozes são apresentadas? Outro questionamento é se o jornal consegue abarcar dentro da cobertura sobre 2

Belém abriga o Observatório Regional Norte da Lei Maria da Penha, coordenado pela Organização Nós Mulheres, vinculada ao Grupo de Estudos e Pesquisas Eneida de Moraes sobre Mulher e Gênero (GEPEM), da Universidade Federal do Pará (UFPA) que realiza a produção de cartilhas, monitora a aplicabilidade da lei, reúne guias de serviços sobre atendimento à mulher, além de grande produção científica da área. O GEPEM conta com cinco grupos de trabalhos, inclusive o de “Gênero, saúde e violência”, coordenado pela Profª. Drª Mônica Conrado. Surgiu em 1994 e hoje conta com 23 associados e está vinculado, segundo a UFPA, “aos Programas de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Ciências Políticas e Psicologia”. Maiores informações em http://www.gepem.com.br/site ou http://www.organizaçãonosmulheres.com.br.


violência doméstica quais aspectos da Lei (punições, medidas protetivas e diversos tipos de violência, não delimitação da orientação sexual – considerando as relações homoafetivas femininas) e suas implicações.

Estrutura do trabalho No primeiro capítulo, discute-se que tipo de violência é essa, o que significa qualificála como doméstica e familiar, além de apresentar um apanhado dos estudos sobre o tema dentro das Ciências Sociais. Também situa-se cronologicamente as conquistas legais das mulheres contra a violência doméstica no Brasil até a edição da Lei “Maria da Penha”. No segundo capítulo, apresenta-se, a partir do conceito sobre a capacidade da mídia de pré-estruturação da esfera pública (MAIA, 2004; MENDONÇA, 2005), como entende-se que o jornalismo, ao abordar a violência doméstica, pode contribuir para a discussão sobre o problema e para formação e revisão de opiniões. Para discutir a pré-estruturação da esfera pública, fez-se necessário esclarecer como a violência doméstica encontrou eco dentro de processos deliberativos, mas o que ainda precisa ser feito para que ela deixe de ser vista como um problema privado. Para isso, discutiu-se a importância da mídia para fornecer insumos à conversação cotidiana, primeiro âmbito onde são expostos os posicionamentos acerca de um assunto coletivo. No terceiro e último capítulo, investigou-se de que forma o debate sobre a violência doméstica foi fomentado nos discursos jornalísticos, especificamente pelo jornal diário paraense “O Liberal”, a fim de analisar se após dez anos e com uma legislação rigorosa contra a violência doméstica, houve diferenças na cobertura do tema e quais os discursos permaneceram ou foram incorporados nessa cobertura. Definimos os anos de 1997 e 2007 para a catalogação de matérias, além do ano de 2002 que servirá como parâmetro da cobertura dentre esse intervalo. O critério temporal está atrelado à mudança de legislação para punir esses crimes. Em 1997, não existiam varas judiciais específicas para julgar tais agressões3 e os crimes contra mulher, cometidos na maioria dos casos por companheiros, eram tratados como de baixo potencial ofensivo, o que era reproduzido pelo senso comum como o simples pagamento de cestas básicas – as chamadas penas alternativas. O ano de 2007 é quando a Lei, promulgada em 2006, tem aplicabilidade efetiva, inclusive sendo o Pará um dos primeiros estados do país a constituir vara e promotoria específicas para atuar nos novos processos.

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Serão utilizados como sinônimos os termos de agressão e violência, para quando for designado de forma geral todo o sofrimento das mulheres que ocorre no espaço doméstico, quer físico, psicológico, patrimonial, moral ou sexual.


2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O foco desta pesquisa é investigar a construção dos discursos sobre violência doméstica no jornalismo paraense, antes e depois da edição da Lei “Maria da Penha”. O discurso é o lugar onde a língua produz sentidos para os sujeitos. Analisá-lo, não enfoca nem a língua, nem a gramática, mas a palavra em movimento, a ideia em curso (ORLANDI, 2003). Aliado a perspectiva de que ao dar visibilidade aos vários discursos, a mídia tende a préestruturar a esfera pública sobre um tema, procurou-se quais os discursos emergiram no espaço de visibilidade midiática durante os anos pesquisados e de que forma eles fomentam a formação de opiniões públicas sobre violência doméstica. O objeto de estudo é o jornal paraense “O Liberal”, fundando em 1946, com tiragem estimada em 80 mil exemplares. Trata-se de um veículo das Organizações Rômulo Maiorana (ORM), que contam também com concessões de rádio e televisão, sendo esta afiliada à Rede Globo. Possui oito cadernos4, nove suplementos5, duas sucursais e três correspondentes no interior do Estado. Além do interior, circula nas capitais Brasília (DF), São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ) e nos estados do Amazonas e Amapá. Um dos critérios de escolha do objeto é o fato dele ser o jornal mais antigo, em funcionamento, no estado do Pará e possuir acervo mais completo e de melhor acesso. Definiu-se como espaço temporal para a catalogação das matérias veiculadas, os jornais de 1997, 2002 e 2007, a fim de observar a cobertura jornalística ainda na década de 1990, antes da promulgação da Lei “Maria da Penha”, ocorrida em 2006, e dez anos depois, quando começou sua aplicabilidade efetiva. O ano de 2002 foi escolhido por meio de sorteio, em razão da necessidade de investigar como se deu a cobertura durante essa passagem de tempo, representando assim um “meio termo”.

Amostra A primeira tarefa foi selecionar a amostra a ser analisada. De acordo com Sousa (2004), a delimitação da amostra é necessária quando o universo é demasiado extenso para o pesquisador. Nesta pesquisa, são três anos de jornal, cuja soma é de 1089 edições 6, a 4

Cadernos de O Liberal: Atualidades /Poder/Esporte /Polícia/ Magazine/ Classificados/Automóveis e Mercado. Fonte: dados da pesquisa. 5

Suplementos de O Liberal: Troppo /O Liberalzinho/ Autos e Cia/ Mulher// A Zebra/ Revista da TV (semanais) Direito e Sociedade/ Revista C&D/ Tecnologia (quinzenais) 6

Durante o Natal e o Ano Novo, o Liberal só publica uma edição para cada dois dias de feriado.


catalogação é manual, o que demandaria um tempo maior que àquele destinado à redação da monografia. Optou-se, portanto, por utilizar um sistema de amostragem aleatória, baseado em unidades do objeto analisado dentro do universo em que está localizado, salvo o ano de 2007, pois o jornal possui busca online de notícias, o que facilitou a catalogação. Sousa (2004, p.51) lembra que “os métodos aleatórios são os únicos métodos válidos para inferir características do todo a partir das partes”. Para pesquisa, precisava-se de um exemplar de cada mês dos dois anos restantes, o que foi definido por meio de sorteio. Nos anos de 1997 e 2002, a procura não foi feita apenas por matérias que citassem especificamente o termo “violência doméstica”, até por que na legislação brasileira, ele só aparece em 2004. Assim, coletou-se no sorteio notícias e reportagem sobre agressões contra mulheres com as quais os agressores tinham vínculo doméstico, familiar ou afetivo, além de notícias sobre serviços. A busca foi extremamente trabalhosa, pois o jornal não tem arquivos eletrônicos das edições desses dois anos. O material empírico foi coletado na seção de periódicos da Biblioteca Pública Arthur Viana, localizada na Fundação Cultural Tancredo Neves, em Belém. Foram encontradas doze matérias no ano de 1997, e nove em 2002. Já em 2007, a opção foi pelo mecanismo de busca disponível no site do jornal “O Liberal”. A página eletrônica integra o Portal ORM, também um veículo de comunicação das Organizações Rômulo Maiorana (ORM). Na busca online do jornal, a partir das palavras chaves “Lei Maria da Penha”, “violência doméstica” e “violência contra a mulher” foram encontradas 485 matérias, apenas 71 delas abordavam diretamente ou faziam referência ao tema. Somados os três anos, foram obtidas 92 matérias para análise.

GRÁFICO 1: Quantidade de matérias Quant idade de mat érias

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9 1997 2002 2007

71

Fonte: Dados da pesquisa


Foram excluídos da análise artigos, notas e todos os textos publicados em colunas fixas, além de reportagens assinadas por agências de notícias, a fim de dar prioridade ao conteúdo jornalístico produzido no Estado. Apesar de considerada a relevância de elementos gráficos, imagens, fotos e elementos como manchetes para a construção da mensagem, esta pesquisa não se debruça sobre a importância destes, priorizando o texto jornalístico. Foi elaborada uma ficha de análise (APÊNDICE A), na qual constam a identificação da matéria, com título, caderno, página, data e gênero (notícia ou reportagem7) e mais oito itens para mapear como se deu a cobertura sobre o tema. Buscou-se descobrir quais os locais mais comuns de violência doméstica são retratados no jornal, como forma de avaliar se com a mudança da legislação, o jornal consegue discutir a violência doméstica para fora do âmbito privado, podendo ocorrer em lugares públicos, desde que praticada por alguém com quem se tenha vínculo familiar ou afetivo. Foram identificados também quais tipos de violência doméstica tornaram-se notícia, a fim de perceber se há alguma cobertura para além da agressão física e do homicídio. O grau de relação da vítima e do agressor ou agressora também foi mapeado, para saber se as matérias tratam de agressões cometidas por companheiro (a), namorado (a), ex- companheiros (as) ou outros parentes. A investigação também mapeou se as matérias citam alguma legislação para punir a agressão e se indicam telefones e endereços para a denúncia ou atendimento às vítimas de violência, isto é, se conseguem prestar serviços e orientar sobre esse atendimento. O resgate de outros casos também foi uma variável importante para a análise, pois ao exemplificar, com homicídios anteriores o jornal tende a mostrar quais os perigos de continuar convivendo com a violência. Feitas tais considerações, lembra-se que o foco principal é analisar quais os discursos sobre violência doméstica estão presentes durante o período analisado. É importante ressaltar que em 2007 não são analisados os discursos sobre a Lei “Maria da Penha”, isto é, a forma como a legislação é retratada nos jornais e sim, como nos demais anos, identificar quais as marcações discursivas especificamente sobre a violência doméstica. Para a análise, utilizou-se o método qualitativo da análise do discurso, pelo qual, 7

Para efeitos de classificação, adotou-se a diferenciação estabelecida por Lage (2001, p. 47) sobre notícia e reportagem. De acordo com este autor, “a distância entre notícia e reportagem estabelece-se na prática a partir da pauta, isto é do projeto do texto”. O imediatismo e o factual governam a notícia. A reportagem pressupõe maior produção e tempo. Esta é última é um texto mais planejado, interpretativo, profundo, e trata de um assunto, não da cobertura de um fato.


segundo Orlandi (2003), “procura-se compreender a língua fazendo sentido, enquanto trabalho simbólico, constitutivo do homem e da sua história”. O discurso seria toda a forma de compreensão compartilhada de mundo que pode ser aferido pela linguagem, onde estarão contidas predisposições, valores, opiniões e juízos (DRYZEK, 2004). Foram investigadas as formações discursivas mais comuns nas matérias antes e depois da Lei (BENETTI, 2007). As formações discursivas são identificadas a partir de palavras ou trechos que representem uma determinada concepção acerca de um assunto. Orlandi (2003) aponta que a partir dessa identificação é possível tornar visível as palavras do texto que se agrupam para a formação de sentidos. A autora aponta que é necessário realizar três etapas para satisfazer os objetivos da análise do discurso: a primeira é passar da “superfície lingüística”, que é o texto bruto, para o “objeto discursivo”, a partir da identificação das formações discursivas, desta etapa seguir para analisar o “processo discursivo”, a partir das formações ideológicas contidas no objeto analisado, percebendo quais significados estão incrustados na linguagem. Benetti (2007) lembra que é possível que um texto ofereça várias formações discursivas, mas que é necessário:

(...) Localizar as marcas discursivas do sentido rastreado, ressaltando as que representam de modo mais significativo. Depois de identificar os principais sentidos e reuni-los em torno de formações discursivas, o pesquisador deve buscar, fora do texto analisado, a construção de discursos outros que atravessam o discurso jornalístico. (BENETTI, 2007, p. 113)

Metodologicamente, a análise foi dividida a partir das formações discursivas encontradas, como o “discurso do amor demais”, o “discurso da droga e da bebida”, dentre outros. Em cada tópico que nomeia o determinado discurso, informa-se em quais anos ele foi encontrado, identificando assim, quais permaneceram durante os anos e de que forma eles passaram a ser abordados.


3. PRIVACIDADE, LEGISLAÇÃO E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

Ter direitos no Brasil não significa, necessariamente, exercê-los. Leis que garantem condições de bom viver e desenvolvimento para crianças, jovens, adultos e idosos não faltam. Assim como também não faltam denúncias na imprensa de que leis e aplicabilidade não costumam andar juntas. Neste capítulo, será discutida a emergência no Brasil de uma lei que combate a violência doméstica contra a mulher, situando-a em uma série de conquistas históricas. Antes, apresenta-se a conceituação de violência doméstica que será trabalhada ao longo do trabalho e são expostas algumas das perspectivas sob as quais esse fenômeno é estudado. Ter um respaldo legal é o anseio ou a justificativa que move muitos setores da sociedade a lutar contra práticas que violam a dignidade da pessoa humana. A sociedade civil, por diversas vezes, já esteve mobilizada para exigir legislações para públicos específicos, que ainda não tinham garantias contempladas como deveriam na Constituição Federal. Foi assim com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), com Estatuto do Idoso e com a Lei 11.340/06, conhecida com Lei “Maria da Penha”, que dispõe sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher8. Mas esse tipo de violência não deixou de acontecer só porque uma lei foi editada. O medo de denunciar e a aceitação da violência como natural podem ter diminuído, mas como se trata de um problema histórico, três anos depois da promulgação, os mecanismos da Lei não eliminaram completamente as agressões, quer por falta de empenho do poder público, quer por desconhecimento do público que deveria usufruir dessas garantias, já que nem todas as mulheres em situação de violência estiveram ou estão engajadas nesse processo de luta. A última pesquisa Ibope, patrocinada pelo Instituto Avon, realizada em 2009, com o tema “Percepções sobre a violência doméstica contra a mulher no Brasil”, revelou que 56% das entrevistadas apontam a violência “dentro de casa como o problema que mais preocupa a brasileira”.9

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Para fins metodológicos, cabe explicar que neste trabalho utiliza-se o termo violência doméstica, mas compreendendo também as relações familiares, ao nos referirmos à violência doméstica e familiar contra a mulher. É necessário esclarecer também que trata-se da violência praticada contra mulheres maiores de 18 anos, cujos direitos não são mais protegidos pelo ECA. 9 A pesquisa integra a campanha “Fale sem medo”, do Instituto Avon, que realiza ações estratégicas para diminuir os índices de violência doméstica, a partir de venda de produtos e patrocínios. A campanha global começou em 2004, nos Estados Unidos, onde é denominada “Speak Out Against Domestic Violence”. Mais informações em: http://www.falesemmedo.com.br/. Acesso em 14. mai. 09.


Combater esse problema não é uma tarefa apenas jurídica, legal, mas um processo social que envolve a mudança de compreensão da violência doméstica no âmbito cultural. Para discutir as causas da violência doméstica é necessário todo um estudo psicossocial que analise as conjunturas nas quais ela ocorre e as relações travadas entre os atores, o que já vem sendo feito por diversas pesquisas acadêmicas, cuja extensão e profundidade ainda não cabem neste trabalho. Mas para compreender a relação estabelecida nesta pesquisa entre mídia e violência doméstica faz-se necessário explicar qual conceito trabalhado e de que forma, no Brasil, as discussões sobre o tema emergiram para a aprovação de uma lei.

3.1 Afinal, o que é violência doméstica?

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define violência como: O uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha grande possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação. (KRUG ET. et. al., 2002, p. 27)

Da mesma forma Zaluar (1999, p. 28), entende violência como a quebra de acordos que regem a boa convivência em sociedade. Segunda a autora, a violência é o a utilização da “força física ou os recursos do corpo em exercer a sua força vital. Essa força torna-se violência quando ultrapassa um limite ou perturba acordos tácitos e regras que ordenam relações, adquirindo carga negativa ou maléfica”. É tal perturbação, de acordo com a lógica cultural e histórica de cada grupo, que vai definir se um ato é ou não violento10. Fazer tal distinção sobre o que é ou não violência torna-se muito mais complicado quando os atos estão restritos as relações domésticas ou afetivas. Durante muito tempo convencionou-se a chamar de violência o que ocorria no âmbito da rua, no público, como assaltos, furtos, seqüestros, crimes bastante comuns nas grandes cidades, que logo ganharam o rótulo de “cidades violentas”. Quando praticadas por pessoas com vínculos íntimos, principalmente dentro dos lares, as agressões muitas das vezes não eram reconhecidas como violência. Justamente por estar vinculada ao âmbito do privado, o enfrentamento à violência 10

Izumino (2003) faz uma importante distinção do conceito de violência para o de crime, que por vezes são utilizados como sinônimos. Sendo o primeiro mais abrangente que o segundo. A autora lembra que “nem todo crime previsto na legislação é violento. Da mesma forma, alguns comportamentos socialmente percebidos como violência não são definidos como crime ou não encontram na legislação o correto enquadramento penal” (IZUMINO, 2003, p.65)


doméstica ainda encontra resistência. Por anos, o problema se tornou símbolo de briga de marido e mulher, cujo ditado é conhecido por toda a população – “ninguém mete a colher”. Historicamente, o que acontecia dentro dos lares era tido como problema exclusivo do autor da agressão e de quem a sofria. O conceito de violência doméstica adotado neste trabalho é o de cunho jurídico, presente na atual legislação 11.340/0611. É importante ressaltar que vários outros campos do conhecimento buscam conceituações para esse tipo de violência. De acordo com a legislação brasileira, violência doméstica e familiar contra a mulher é “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”, nos âmbitos domésticos, familiares ou de relações de afeto. A agressão não precisa assim ser praticada dentro do espaço residencial para ser enquadrada na Lei, mas por alguém com quem a agredida possua um desses vínculos. Não é possível afirmar de fato quantas mulheres sofrem violência doméstica no Brasil, pois este é um dado que padece com os sub-registros, seja por desconhecimento ou por vergonha de denunciar, tornando público, o problema. Porém o número de denúncias tem aumentado nos últimos anos. O “Ligue 180”, serviço criado pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), do Governo Federal, para a denúncia da violência doméstica, com abrangência nacional, recebeu só no primeiro semestre de 2009, 161.774 ligações12. Contudo, desse total, apenas 1,44% foram da Região Norte, com o Pará respondendo por 67, 94% das ligações. Espantosamente, segundo o boletim da SPM, as mulheres da Região Norte relatam sofrer violência diariamente, sobretudo do tipo física. O perfil das usuárias dos serviços em tal região é de mulheres casadas, na faixa etária de 20 a 40 anos, negras, com ensino fundamental. Em Belém, a Divisão Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM) registrou, de janeiro a outubro de 2009, 9258 atendimentos13, 22% a mais do que todos os realizados no mesmo período de 2008. A principal queixa, segundo as estatísticas da DEAM, é a ameaça. Vale lembrar que apesar de ser a única com atendimento especializado, qualquer delegacia tem competência para atuar em casos de violência doméstica, o que significa que o número de denúncias tende a ser maior.

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BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato20042006/2006/Lei/L11340.htm>. Acesso em: 20 de jul. 2009. 12 Informações disponíveis em: http://www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/sepm/nucleo/publicacoes/. Acesso em: 12/08/09 13 Dados obtidos junto à DEAM em 13 de novembro de 2009.


A Fundação Perseu Abramo14, em estudo realizado em 2001, apontou que no Brasil, a metade das mulheres que sofre violência não pede ajuda. À época do estudo, feito antes da promulgação da legislação específica, a pesquisa constatava que “os casos de denúncia pública são bem mais raros, ocorrendo principalmente diante de ameaça à integridade física por armas de fogo (31%), espancamento com marcas, fraturas ou cortes (21%)”. Apontou também o marido ou parceiro como principal agressor. No relatório “Nem uma a mais. O direito de viver uma vida livre da violência na América Latina e no Caribe”, o Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem)

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assinala que mulheres morrem mais nas mãos de seus companheiros do

que na de estranhos. O documentou apontou que a cada nove dias morre uma mulher vítima de violência doméstica no Uruguai. No Brasil, de cada dez brasileiras com mais de 15 anos, três já sofreram violência física extrema. A pesquisa de opinião mais recente sobre violência doméstica é a já citada, realizada pelo Ibope, em 2009, a partir da demanda do Instituto Avon. No universo pesquisado, foi constatado que 55% das mulheres conhecem pelo menos um caso de violência doméstica. A maioria das entrevistadas respondeu que um dos motivos que levam a continuar a relação é o medo de ser assassinada pelo agressor. Outro resultado preocupante é que 56% das mulheres afirmam não confiar na proteção jurídica e policial. Tomar a iniciativa de denunciar, mesmo em uma relação imbricada por problemas como medo e constrangimento, é uma forma da mulher romper com a condição de subordinada na qual o senso comum e até a própria ciência colocaram-na durante muito tempo. Antes de explicar como se deram as principais conquistas dentro do aparato estatal brasileiro para o combate à violência doméstica, é preciso compreender de que forma esse fenômeno está sendo estudado, assim, adotaremos aqui as perspectivas dominantes nas Ciências Sociais.

3.2 Decifrando a violência doméstica O fenômeno da violência doméstica é estudado, principalmente dentro das Ciências Sociais e da Antropologia, sob três grandes correntes, sistematizadas no artigo “Violência 14

Pesquisa disponível em: http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/index.php?storytopic=253. Acesso em: 20.ago.09. 15 Dados obtidos em: http://www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/sepm/noticias/ultimas_noticias/not_unifem_relatorio_viole ncia/. Acesso em: 15.ago.09


contra as Mulheres e Violência de Gênero: Notas sobre Estudos Feministas no Brasil”, de Cecília MacDowell Santos e Wânia Pasinato Izumino, cuja principal preocupação além de situar as pesquisas realizadas no país e a abordagem correspondente, traz a grande discussão sobre a utilização das terminologias. As autoras destacam, cronologicamente, as perspectivas da dominação masculina, do patriarcado e da relativização entre a “vitimização-dominação”, como norteadoras dos estudos sobre violência doméstica no Brasil. A primeira corrente delimitada pelas autoras é a chamada “dominação masculina”. Ela surge por volta dos anos 80, quando o tema ganha a atenção da sociedade com as denúncias de mulheres violentadas por seus companheiros, sob a argumentação da “legítima defesa da honra”. Entre os teóricos de tal corrente, Izumino e Santos (2005, p.3) destacam Marilena Chauí, no campo da filosofia, que compreende violência doméstica como um “resultado de uma ideologia de dominação masculina que é produzida e reproduzida tanto por homens como por mulheres”. O ser dominado perderia sua autonomia e se constituiria em um ser para o outro, baseado principalmente na questão da maternidade. Chauí (apud IZUMINO; SANTOS, 2005) levanta uma polêmica questão sobre a cumplicidade das mulheres com a violência, não por escolha, mas por reproduzir os padrões de dominação. Essa repetição dos padrões a tornaria cúmplice da violência. O posicionamento adotado neste trabalho difere-se do de Chauí, pois entende-se que ao denunciar a violência doméstica e se informar sobre seus direitos a mulher não está destituída de sua autonomia. Culpar exclusivamente a figura masculina pela dominação e tornar a mulher cúmplice do problema mascara as diversas nuances que ele possui. A segunda corrente é orientada pela concepção de que a violência doméstica16 é fruto do patriarcado, cuja autora principal no Brasil é Heleith Saffioti. O patriarcado seria um sistema de exploração, inseparável do capitalismo. A mulher seria vítima da formação de macho do homem, naturalizando a exploração e sem forças para lutar em uma relação desigual de poder (SAFFIOTI, 1987). Por mais que se entenda as dificuldades de denunciar a violência, ao comparar o patriarcado com o capitalismo, é necessário lembrar que as mulheres, mesmo nesse sistema desigual, conseguiram, por exemplo, ingressar no mercado de trabalho e ocupar posições que eram culturalmente designadas aos homens. O trabalho da autora Maria Filomena Gregori inaugura uma terceira corrente teórica, que “relativiza a perspectiva dominação-vitimização”. A autora estuda o SOS Mulher de São

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Izumino e Santos (2005) advertem que durante toda a década de 1980 havia uma imprecisão terminológica e os termos “violência doméstica”, “violência contra mulher”, “violência conjugal” eram usados como sinônimos.


Paulo17 e seu trabalho rendeu o livro “Cenas e Queixas: um estudo sobre mulheres, relações violentas e a prática feminista”. A discussão é ampliada e a autora insere a mulher de forma interativa na prática violenta, não apenas como vítima de um algoz. Assim, como Chauí, entende que a mulher é “cúmplice” da prática violenta e de sua vitimização, pois há diversos significados, que só as mulheres podem compreender dentro das relações, que se diferenciam a cada contexto e assim não seria possível dizer que ela apenas sofre com a ocorrência da agressão. É equivocado incorrer num procedimento de “essencializar” e generalizar a experiência de vida das mulheres a partir do fato de que são oprimidas. É preciso, também, ter cautela em não interpretar como se fosse a verdade única dos fatos as descrições ou representações das mulheres sobre suas relações com o mundo. São construções parciais (GREGORI, 1993, p. 200).

Tal proposição foi bastante questionada, mas uma importante contribuição que trouxe foi metodológica: não pensar mais em vítimas de violência, mas em mulheres em situação de violência. Contudo, não descarta-se o posicionamento de Gregori ou Chauí sobre cumplicidade, mas também não acredita-se no âmbito desta pesquisa que nomeá-las como vítimas seja o caminho mais certo para o combate ao problema. Entende-se que a própria terminologia pode ser uma forma de compreensão sobre o fenômeno e neste trabalho, não trataremos mulheres como vítimas, naturalizando ou eternizando uma condição. São sujeitos que podem sair de tal situação e conforme será melhor abordado no próximo capítulo podem ter a mídia como aliada para a reconfiguração de suas opiniões e atitudes sobre violência. Mas as discussões sobre violência não se esgotam nessas três correntes. No final dos anos 80, assinalam Izumino e Santos (2005, p. 10), a incorporação dos estudos de gênero dá uma nova guinada teórica para os estudos sobre violência doméstica e o termo adotado passa a ser “violência de gênero”. Gênero é um conceito sistematizado pela historiadora Jean Scott (1989), no clássico artigo “Gênero: uma categoria útil para análise histórica”, cujas principais contribuições são a da compreensão social da construção do homem e da mulher, a partir das interações que estabelecem, e da estreita ligação que essa relação tem com a política e o poder, superando assim a perspectiva do determinismo biológico. Scott (1989) trata o gênero como uma categoria de análise, construída socialmente, tal como raça e classe. O termo violência de gênero passou então a substituir em muitas pesquisas brasileiras a antiga expressão sem, contudo, indicar qualquer diferenciação na nova abordagem, atestam Izumino e Santos (2005). Tais imprecisões fizeram com que Izumino (2003) limitasse o 17

SOS Mulher é uma iniciativa não governamental, existente em vários estados do país de ajuda a mulheres em situação de violência.


conceito de violência de gênero com o qual estava trabalhando e esclarecesse que não se trata apenas de uma violência contra mulher, por ser ela mulher. A formulação adotada por Izumino (2003) entende as relações de gênero como uma rede de circulação do poder, dinâmica e desigual, que recusa o determinismo biológico e a concepção de dominação de forma estática e submissa. Tal proposta permite entender, argumenta a autora, “a importância do papel feminino nas relações violentas, seja na reprodução dessas práticas ou em seu enfrentamento” (IZUMINO, 2003, p. 90). Assim, a rejeição explícita é quanto a postura vitimizante, mas sem colocar a mulher como cúmplice. A autora adota a perspectiva de poder foucaultiana18, na qual poder é definido como algo que circula e por isso, indivíduos nunca estão totalmente inertes e subordinados a outrem. Logo, pode ser trocado e não pertence a alguém, manifestando apenas na ação, no ato, na interação, mas ainda que todos possam exercer o poder, ele não está distribuído de forma igualitária. Izumino (2003, p.89) afirma que essa concepção de poder como algo que está em movimento “permite entender como essas relações se estruturam, reproduzem, modificam ou permanecem inalteradas, ainda que possam apresentar novas configurações” Desta forma, compartilha-se do posicionamento de Izumino ao compreender a violência doméstica como um tipo de violência baseada no gênero. A violência de gênero, contudo, pode se manifestar, no nosso entendimento, em diferentes âmbitos, aquela que ocorre dentro do âmbito familiar e doméstico é apenas um dos seus tipos. Para Izumino (2003, p. 94), “a decisão por denunciar a violência e levar o caso à justiça representam, nessa abordagem, uma das formas das mulheres exercerem o poder, colocando o em movimento”. Para denunciar e romper o ciclo de violência, as mulheres precisam estar munidas de informações sobre a legislação que as assistem. Propõe-se que a mídia, sobretudo quando se trata de um problema privado, pode contribuir para a formação de opiniões e questionamentos. Não pretende-se enaltecer aqui que os meios de comunicação servem unicamente para o esclarecimento da população ou como simples manipuladores, como as primeiras escolas de estudo da Comunicação tentaram sugerir. Contudo, as mensagens produzidas e transmitidas pela mídia, no caso do jornalismo, funcionam como verdadeiros alarmes que tensionam as compreensões existentes ou provocam a reflexão sobre o assunto, 18

De acordo com Foucault (1979, p. 183), “o poder deve ser analisado como algo que circula, ou melhor, como algo que só funciona em cadeia. Nunca está localizado aqui ou ali, nunca está nas mãos de alguém, nunca é apropriado como uma riqueza ou um bem. O poder funciona e se exerce em rede. Nas suas malhas os indivíduos não só circulam, mas estão sempre em posição de exercer esse poder e de sofrer sua ação, nunca são alvos inertes e consentidos do poder, são sempre centros de transmissão”.


principalmente em contextos nos quais o diálogo com o agente causador do conflito não pode ser estabelecido. Mas se hoje a mídia, a partir de uma cobertura responsável da Lei “Maria da Penha”, pode incentivar a denúncia, um longo caminho precisou ser percorrido para a conquista da legislação específica ao enfrentamento da violência doméstica.

3.3 Das delegacias da mulher à Lei Maria da Penha Na década de 1980, foi implementada no Brasil19 aquela que seria de fato a principal política pública para o combate à violência doméstica: a criação das delegacias da mulher. O primeiro estado a implantar a delegacia da mulher foi São Paulo, em 1985. Em Belém, a Divisão de Crimes contra a Integridade da Mulher (DCCIM) foi implantada em maio de 1987. O decreto governamental nº 2690, de 2006, estabeleceu que a DCCIM passasse a se chamar Divisão Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM), seguindo a norma técnica de padronização das delegacias da mulher da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM).

A primeira delegacia da mulher atendeu de imediato um grande número de mulheres em situação de violência, mostrando que este problema existia, era grave e carecia de um atendimento policial especializado. (IZUMINO; SANTOS, 2008, P.12).

Três anos depois o Brasil dá um importante passo para a garantia de direitos das mulheres, com a alteração na Constituição Federal de 1988, estabelecendo mulheres e homens com igualdade de direitos perante a lei, o que agora consta no 5º artigo da Carta Magna. A mudança se deu em função da adoção dos artigos da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, promulgada no país em 1984, após ser adotada pela Assembléia das Nações Unidas ainda na década de 1970. A igualdade de homens e mulheres na Carta Magna foi um passo fundamental para que uma tese comum utilizada pelos advogados de defesa de homens que violentavam suas companheiras caísse cada vez mais em desuso. A tese da “legítima defesa da honra” sustentava que como o comportamento do agressor, muitas vezes homicida, foi passional, motivado em vários casos por traição, ao matar ele teria defendido sua honra, enquanto homem, e por isso deveria ser absolvido e ter 19

Para maiores informações sobre os tratados internacionais sobre violência doméstica contra a mulher, ver Lavorenti (2009).


direito a uma pena mais branda. Apesar de assustadora, a tese foi aceita durante muitos anos nos tribunais brasileiros20. Em 1994, novamente o Brasil foi um dos países que ratificaram a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, que ficou conhecida como “Convenção de Belém do Pará” (ANEXO A), cidade onde o documento foi assinado. Os estados americanos se comprometiam a proteger a mulher da violência e, entre outras obrigações, a capacitar adequadamente os profissionais que atuavam na área. O artigo 5º do documento faz os estados reconhecerem os prejuízos para o exercício da cidadania que a violência contra mulher, nos seus diversos âmbitos provoca. Toda mulher poderá exercer livre e plenamente seus direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais e contará com a total proteção desses direitos consagrados nos instrumentos regionais e internacionais sobre direitos humanos. Os Estados Partes reconhecem que a violência contra a mulher impede e anula o exercício desses direitos. (CONVENÇÃO DE BELÉM DO PARÁ, 1994).

No documento assinado na cidade paraense, foi acordado que qualquer pessoa ou entidade poderia apresentar queixa ou denúncia, quando o estado ou país violasse o que estava previsto sobre as garantias de prevenção e erradicação da violência. Foi então que a Organização dos Estados Americanos (OEA) tomou conhecimento do histórico de violência familiar e omissão do Estado da farmacêutica Maria da Penha Fernandes, vítima por duas vezes de tentativa de homicídio pelo seu então companheiro. A denúncia foi formalizada pela vítima junto com o Centro pela Justiça pelo Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê LatinoAmericano de Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM). O professor universitário Marco Antônio Heredia Viveiros, então marido de Maria da Penha, atentou contra a vida dela em 1983, com um tiro, enquanto a farmacêutica dormia, o que acarretou a perda dos movimentos de suas pernas. No mesmo ano, ele tentou eletrocutála. Maria da Penha denunciou o caso em 1984 e depois de sete anos, Marco Antônio foi 20

A tese da legítima defesa da honra surgiu com o Código Penal de 1890, que previa que o os crimes passionais traziam “excludente de ilicitude”, isto é, não deveriam ser punidos. Em 1940, o artigo 28, inciso I, do novo Código, excluiu a possibilidade da inimputabilidade nesse tipo de crime. Contudo, a lei ainda considerou que a pena deveria ser menor quando o homicídio fosse privilegiado ou atenuada se o crime for cometido “pela emoção a partir de ato injusto da vítima”. Na década de 70, principalmente depois do assassinato de Ângela Diniz, cuja o acusado foi condenado a dois anos, com direito a cumprir a pena em liberdade, sob a alegação da legítima defesa da honra, o movimento feminista criticou mais incisivamente o tratamento que era dado ao criminoso tido como passional e cobrou mais rigor dos tribunais, com a célebre frase que deu voz ao movimento naquela época: “Quem ama não mata!”. Para mais detalhes sobre este assunto consultar Assis (2003).


condenado a quinze anos de prisão, por tentativa de homicídio. Com recurso impetrado pela defesa, o julgamento foi anulado. Em 1996, ele sentou novamente no banco dos réus e recebeu uma condenação de dez anos. Contudo, ficou preso apenas por dois anos em regime fechado. Em 2001, a Comissão da OEA publicou o Relatório nº 54, que responsabilizou o Brasil pela violação do direito de Maria da Penha e pelo descumprimento dos deveres assinados na Convenção de Belém do Pará. O caso dela foi exemplar no país. Da primeira tentativa de homicídio, ocorrida em 1983, até a prisão do acusado, passaram-se mais de 10 anos. Uma das recomendações do relatório da OEA foi a simplificação dos procedimentos judiciais para a resolução dos conflitos familiares. Em 2004, no primeiro governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva, um grupo de trabalho interministerial, coordenado pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, foi instituído para a elaboração de um projeto de lei sobre a violência doméstica. O grupo era composto pelos representantes de vários ministérios e um consórcio de organizações nãogovernamentais, como a Ações de Gênero, Cidadania e Desenvolvimento (AGENDE), Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação (CEPIA), Centro de Estudos Feministas e Assessoria (CFEMEA) e CLADEM21. A primeira vez que o termo “violência doméstica” passa a vigorar na legislação brasileira é em junho de 2004, quando a Presidência da República adicionou dois capítulos no artigo sobre lesão corporal do Código Penal. Estabeleceu como violência doméstica toda a lesão praticada contra filhos, irmãos, companheiros, ou com quem tenha convivido, em relações domésticas ou de hospitalidade. A pena era de seis meses a um ano de detenção e se a lesão fosse grave, ela aumentava em um terço. O tempo máximo de detenção, contudo, equiparou o crime, considerado como violação dos direitos humanos pelos tratados internacionais, aos de baixo potencial ofensivo. No mesmo, exatamente no dia 24 de novembro, foi encaminhado pelo Executivo ao Congresso Nacional, por meio da mensagem n. 782, o projeto que recebeu a designação de PL 4.559/2004, o qual apresentava a maior parte da configuração da legislação atual. Contudo, tal proposta ainda mantinha a competência dos Juizados Especiais Criminais (Jecrims), instituídos pela lei 9.099/95, para o processamento dos crimes de violência doméstica, mas havia vedado as penas de multa e cestas básicas (LAVORENTI, 2009). Nas mãos da relatora, deputada Jandira Feghali, a proposta de manutenção dos Jecrims foi refutada e ela propôs a

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Maiores informações em: http://www.mariadapenha.org.br/. Acesso em: 10 out. 2009.


criação de novos mecanismos para o processamento desses crimes. As críticas sobre a ineficiência da então lei vigente (9.099/95) para punir a violência doméstica se concentravam no fato de que a norma jurídica tratava a violência como crime de menor potencial ofensivo, aqueles cuja pena máxima não é superior a um ano. Tais processos eram de responsabilidade dos Jecrims, idealizados para desafogar o Judiciário e ampliar o acesso à justiça, promovendo maior celeridade e simplificação ao processo. Grinvover (2005, p.64), afirma que a lei 9.099/95, tinha o intuito de afastar o Judiciário de causas complexas:

A quase totalidade dos casos de infrações de menor potencial ofensivo tem sido resolvida mediante acordo entre autor do fato e vítima (...) com rápida solução de causa, pronta atuação da justiça e diminuição do volume de processos. (GRINOVER, 2005, p. 68)

Mas essa não foi a realidade encontrada pelas mulheres que denunciavam as agressões. A pena era considerada branda (de três meses a no máximo um ano de reclusão) e as penas mais comuns, como pagamento de cestas básicas e prestação de serviços, favoreciam a reincidência da agressão e o sentimento de impunidade.

Provavelmente, funciona bem para dirimir querelas entre vizinhos, mas tem-se revelado uma lástima na resolução de conflitos domésticos. A multa irrisória tem sido uma pena alternativa muito utilizada, ficando os homens legalmente autorizados a voltar a agredir suas companheiras. Paga a multa e sem perda da primariedade, os homens sentem-se livres para continuar suas carreiras de violência. (SAFIOTTI, 1999, p. 90 – grifos nossos).

Souza (2008, p. 4) atesta que os juizados criminais não conseguiram “transformar o direito em um valor, reconhecendo-se a violência, nomeando-a e atribuindo-lhe novos significados, para que a pessoa ao sofrê-la saiba identificá-la e, deste modo, não aceitá-la”.

3.3.1 A conquista de legislação específica

Era contra esse cenário de impunidade e falta de instrumentos legais que garantisse maior proteção à mulher ao denunciar a violência que a nova legislação precisava ser formulada. Depois da formulação do pré-projeto de lei, em 07 de agosto de 2006, foi finalmente promulgada a Lei 11.340, que entende a violência doméstica e familiar contra a mulher como uma das formas de violação dos direitos humanos. A legislação é sancionada com 46 artigos, divididos em sete títulos, os quais dispõem sobre a conceituação de violência doméstica, à assistência à mulher e os procedimentos legais a serem adotados a partir da


denúncia. O artigo 2º da lei é claro: “à mulher é assegurado o direito de viver sem violência”. O Brasil passou então a ser o 18º país da América Latina e Caribe com legislação específica para a punição de crimes domésticos e familiares contra a mulher (VER ANEXO B)22. É importante ressaltar que neste trabalho não se discute se aplicabilidade da Lei está totalmente de acordo com as expectativas da sociedade para o combate da violência doméstica, mas considera-a como o mais importante instrumento para enfrentar essa prática. Ainda assim, ressalta-se que a Lei “Maria da Penha” não foi unânime e nem deixou de receber críticas, quer seja na sociedade ou na academia. Souza (2008) lembra que em Belém houve, inclusive por parte de agentes dos juizados criminais (como juízas, promotoras e funcionários) resistência à lei, com argumento de que ela tinha apenas o caráter punitivo e se tratava de “coisa do movimento de mulheres”. Faz-se necessário analisar detalhadamente o capítulo I da Lei “Maria da Penha”, que aborda as terminologias utilizadas para conceituação do crime. De acordo com a legislação, violência doméstica e familiar é “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. Como doméstico, a Lei trata o “espaço de convívio permanente e pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas”. Já como família, a conceituação é de “comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou vontade expressa”. Tais conceituações são demasiadamente importantes para ampliar o escopo de compreensão de que a agressão não é cometida apenas por marido ou companheiro, podendo enquadrar-se como crime as agressões praticadas por filhos (as), netos (as), sobrinhos (as), dentre outros entes familiares. A Lei também estabelece que as sanções estão previstas para “qualquer relação de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independente de coabitação”. Neste ponto, podem ser enquadrados namorados (as) e exnamorados (as) que cometam qualquer ato violento contra a mulher com a qual estabelecem ou estabeleceram relações afetivas, sem necessariamente ter morado na mesma residência. O parágrafo único do capítulo I esclarece que as relações independem de orientação sexual, incluindo, pela primeira vez na legislação brasileira, o conceito de família abarcando as relações homoafetivas femininas. 22

Lavorenti (2009, p. 232) , a título explicativo, lembra como esse tipo de violência é chamado em alguns países latinos que possuem a legislação: a expressão “violência doméstica” é adotada em Porto Rico, Uruguai e Honduras; no Peru, Argentina, Guatemala e Paraguai denomina-se “violência familiar”; as legislações do Chile, México Nicarágua, El Salvador e Colômbia chamam de “violência intrafamiliar”; no Equador, utiliza-se “violência à mulher e à família”; na Venezuela, denomina-se “violência contra a mulher e a família”; já a Bolívia, adotou o termo “violência na família ou doméstica”.


As definições sobre os tipos de violência ocorridos na esfera doméstica também foram bastante precisas, evitando uma conceituação generalista. O artigo 7º da Lei “Maria da Penha”23 define os tipos de violência, a saber:

- violência física: ofensa a integridade ou saúde corporal. - violência psicológica: conduta que cause dano emocional e diminuição da auto-estima, como insulto, chantagem, ridicularização, ameaça ou vigilância constante. - violência sexual: usar de força para presenciar, manter ou participar de relação sexual indesejada ou não consentida. - violência patrimonial: retenção ou destruição de documentos, objetos, instrumentos de trabalho, além de utilizar sem consentimento os recursos financeiros da ofendida. - violência moral: conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

Não caberia no escopo desta monografia destrinchar os 46 artigos da legislação, ressalta-se então questões que se tornaram relevantes por serem inovadoras e atentarem para os riscos iminentes que a violência doméstica provoca. Um desses mecanismos são as medidas protetivas de urgência, utilizadas para proteger a mulher, filhos e familiares, bem como seu patrimônio de uma situação de risco. Elas devem ser concedidas imediatamente pelo juiz e consistem em afastamento do agressor (a) do lar, proibição de aproximação da ofendida, incluindo a permanência em uma distância mínima quando estiverem em mesmo local e prestação de alimentos os filhos. Se o agressor (a) tiver porte de arma, ele pode ser suspenso. Em caso de descumprimento das medidas, cabe a decretação da prisão preventiva. A Lei 11.340/06 também prevê a criação de centros de referência, com atendimento multidisciplinar, para a realização do encaminhamento jurídico e atendimento psicossocial da mulher em situação de violência, com atenção especial aos filhos. Esses centros funcionam como uma das primeiras portas de entrada para a mulher que deseja enfrentar a violência doméstica. O primeiro centro de referência no Pará foi inaugurado em 2008, na capital, Belém, e realizou durante o primeiro ano de funcionamento mais de 500 atendimentos 24. O Centro de Referência Maria do Pará fica localizado na Avenida Serzedelo Correa, no centro da cidade e é vinculado à Secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh). A 23

BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato20042006/2006/Lei/L11340.htm>. Acesso em: 20 de jul. 2009. 24 Dados coletados a partir de entrevistas realizadas com os profissionais do Maria do Pará em 28 de agosto de 2009.


previsão é que até o final de 2009 fossem inaugurados centros nas cidades de Abaetetuba, Tucuruí, Xinguara e Santarém25. Também está prevista na Lei Maria da Penha a criação de um centro de educação e reabilitação para agressores. O Pará ainda não dispõe desse espaço. Além disso, ainda há a determinação para o aumento do número de delegacias da mulher em todo o país. Izumino e Santos (2008) realizaram um mapeamento desses serviços no território nacional (ver ANEXO C). Segundo o mapeamento, o Pará conta com duas casasabrigo; um centro de referência; dez delegacias da mulher e duas varas especializadas. Porém, as autoras salientam que “a existência desses equipamentos e serviços muitas vezes não chega a se concretizar. Além disso, a quantidade de serviços nem sempre se traduz em atendimento de qualidade e muitos funcionam em condições bastante precárias” (IZUMINO; SANTOS, 2008, p. 28). Dentro do que a Lei prevê sobre assistência à mulher está, caso seja necessária, a remoção quando servidora pública e a manutenção do vínculo trabalhista por até seis meses, se houver necessidade de afastamento do local de trabalho. Se a mulher desistir de dar prosseguimento ao processo, ela precisa fazer a partir de uma representação encaminhada ao juiz e em audiência específica para tal finalidade, contudo, a desistência só pode ocorrer antes da denúncia26 oferecida pelo Ministério Público. O artigo 41º da Lei “Maria da Penha” veda a aplicação da Lei 9.099/95 nos casos de violência doméstica, e Código Penal sofre alterações, com a punição para esse tipo de crime passando de três meses para três anos de detenção. A pena pode ser aumentada em um terço se o crime for praticado contra pessoa com deficiência. Assim, extingue a aplicação da pena de prestação de serviços ou pagamento de cestas básicas. Para processar os crimes tipificados na Lei “Maria da Penha” houve a necessidade da criação de varas específicas. O Pará foi um dos primeiros estados a implantar tais juizados, pela lei estadual 6.920, de outubro de 2006 (VER ANEXO D). Foram instituídas duas Varas de Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, uma tem atuação privativa nos crimes de juízo singular e cível e a outra processa aqueles que são de competência do Tribunal do Júri27, ações de divórcio, separação judicial e dissolução de união estável. As varas passaram a funcionar efetivamente no dia 25 de janeiro de 2007. Também foram 25

http://www.sejudh.pa.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=232&Itemid=2. Acesso em 06/03/09. 26 De acordo com Nucci (2006, p. 196), denúncia “é a petição inicial. contendo a acusação formulada pelo Ministério Público, contra o agente do fato criminoso” 27 O Tribunal do Júri é composto por um conselho de sentença com sete jurados e um juiz presidente. Sua competência é para o julgamento de crimes dolosos contra a vida: homicídio (simples/qualificado/ privilegiado); indução, instigação e auxílio ao suicídio; infanticídio e aborto. (NUCCI, 2006).


constituídas duas promotorias de violência doméstica contra a mulher, a partir da resolução 008, de nove de novembro de 2006, do Colégio de Procuradores de Justiça.28 (ANEXO E) Os meios de comunicação também foram contemplados com um inciso dentro da Lei “Maria da Penha”, ao tratar das políticas públicas para coibir a violência doméstica, a partir de um conjunto articulado de ações. De acordo com a Lei, é necessário coibir nos espaços de visibilidade midiática “os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar contra mulher”. No próximo capítulo, será apresentada a compreensão sobre qual o papel que a mídia, sobretudo o jornalismo, pode desempenhar na cobertura da violência doméstica. A perspectiva adotada é que as notícias e reportagens sobre o tema contribuem para préestruturação da esfera pública, fornecendo informações que subsidiam a formulação de opiniões e argumentos, principalmente quando o assunto não é abordado dentro dos diálogos familiares.

28

Informações obtidas com o auxílio das assessorias de imprensa do Tribunal de Justiça do Estado do Pará e do Ministério Público do Estado do Pará.


4. MÍDIA E CONSTRUÇÃO DE DISCURSOS

Se o jornalismo é ou não uma forma de conhecimento, as atuais teorias da área ainda tentam provar. O fato inegável, contudo, é que os meios de comunicação de massa alteraram a percepção humana acerca da realidade. Neste capítulo, será discutida a importância da mídia na cobertura de um tema como a violência doméstica. Defende-se que, apropriando-se de informações da mídia, as mulheres poderiam se engajar em processos de discussão, formais ou informais, e compreender como enfrentar a situação de violência que vivenciam. Para isso, é apresentada qual a importância da deliberação e da conversação cotidiana na sociedade democrática e como o espaço de visibilidade midiática é fundamental para prover informações que sustentem o despertar para o debate. São as mediações, em especial aquelas que possuem formato jornalístico, que organizam a quantidade de acontecimentos ocorridos na sociedade e agendam a importância e a discussão de determinados temas. O jornalismo cumpre o papel de delimitar, hierarquizar e pautar o que a sociedade percebe como digno de relevância (CORREIA, 1995; THOMPSON, 1998). Por serem agentes socializadores de discursos, imagens, comportamentos, tornaram-se grandes responsáveis pela construção do que a sociedade percebe acerca do que é público e ainda fundamentais para produzir o que deve ser considerado relevante para adquirir visibilidade. Para Thompson (1998, p.19) “de uma forma profunda e irreversível, o desenvolvimento da mídia transformou a natureza da produção e do intercâmbio simbólicos no mundo moderno”. A violência doméstica contra a mulher é um dos temas inseridos na pauta midiática e na discussão da sociedade brasileira. A mídia também desempenhou papel importante ao expor casos emblemáticos de violência doméstica na década, como o assassinato de Ângela Diniz, pelo marido Doca Street, ocorrido na década de 1970, e da jornalista Sandra Gomide, em 2000, assassinada pelo então namorado, também jornalista, Antônio Marcos Pimenta Neves. Conrado (2001) lembra que os primeiros passos dos movimentos que lutaram para a extinção da violência doméstica foram dados após a redemocratização do país, na década de 1980, quando o tema entrou na pauta junto com outras reivindicações, como melhores condições de trabalho e salário. A autora cita os jornais como porta vozes desse problema, com mostras de descaso das autoridades públicas sobre o tema. No Brasil, os crimes de violência cometidos no âmbito do lar, considerados anteriormente de âmbito privado – conforme o dito popular, em briga de marido e


mulher, ninguém mete a colher –, tornam-se públicos, através de notícias. (CONRADO, 2001, p.10, grifos da autora).

No caso da Lei “Maria da Penha” uma ampla discussão formal, nos poderes legalmente instituídos e dentro da sociedade civil organizada, foi travada. A luta dos movimentos de mulheres é exemplar para mostrar como processos deliberativos podem encontrar eco nas decisões políticas, no caso da violência o resultado, por assim dizer, foi a promulgação da lei, conquistada após muitos anos de reivindicações. Mas nem todas as mulheres em situação de violência doméstica se veem protegidas pela lei ou reconhecem o sofrimento pelo qual passam no âmbito privado como violência. O que significa dizer que mesmo com um instrumento legal para a o enfrentamento das agressões, a falta de compreensão individual impede que o problema seja extinto. Defende-se aqui o posicionamento de que a mídia pode pré-estruturar a esfera pública (MAIA, 2004; MENDONÇA, 2005), isto é, fornecer insumos dos quais os indivíduos se apropriam para formarem e revisarem suas opiniões acerca dos problemas políticos. Assim, pode funcionar como alerta para que a busca pelos direitos já previstos na Constituição Federal sejam efetivados, quando ao “fabricar” um acontecimento a partir de escolhas semânticas e técnicas, como propõe Mendonça (2005), desperta um novo modo de percepção. Marques (2002, p.2), afirma que em contato com debates estimulados pela mídia, indivíduos e grupos estabelecem posturas “capazes de pôr em movimento discursos que, ao se encontrarem com a fala dos outros, conferem uma nova dinâmica às relações de sociabilidade e estimulam a reconfiguração das identidades individuais e coletivas”. Entende-se, então, que mulheres em situação de violência doméstica podem se apropriar dos discursos da mídia para construção de suas opiniões acerca da agressão sofrida. A mídia pode contribuir para desmistificar a percepção de que se trata de um problema apenas privado – que é o primeiro passo para o combate. Para compreender de que forma a mídia pode pré-estruturar a esfera pública, será explicado qual o conceito está sendo trabalhado e qual a importância de processos comunicativos travados neste espaço, como a deliberação e a conversação cotidiana.

4.1 Tornar problema: a importância da deliberação para polemizar assuntos. Como deliberação compreende-se um processo comunicativo no qual ocorrem trocas


de argumentos sobre determinado assunto, em geral um problema coletivo, sem que haja a expectativa formal de um consenso. Nesse processo, as razões públicas, isto é, as que têm uma influência maior entre o grupo que delibera, tendem a se sobrepor às razões individuais. A importância dessa troca seria a realização de uma cooperação dialógica, para a solução de problemas que não seriam possíveis de resolução sem “coordenação interpessoal e sem cooperação” (BOHMAN, 2000, p.4). A concordância geral do grupo que delibera não é o resultado mais esperado como tende a aparentar à deliberação, o importante em tal perspectiva, é que os participantes possam se ver reconhecidos e perceber que suas razões contribuíram para o processo. Bohman (2000) afirma que não é possível analisar apenas a oportunidade de fala, mas a efetividade dela no processo, isto é, mesmo em igual posição deliberativa, razões tornam-se aceitas e outras não, isto é, tornam-se convincentes. “Uma razão torna-se publicamente convincente através da operação de mecanismos dialógicos – não por que é meramente o resultado de um procedimento justo” (BOHMAN, 2000, p.30). Razões ancoradas apenas na tradição tendem a se dissolver, quando não encontram respostas para questionamentos sobre sua existência dentro do debate. Se a população começa a discutir problemas que antes estavam implícitos em acordos formados ao longo da história e começa a perceber que podem oferecer novas respostas a esses problemas, razões cada vez mais convincentes são criadas. Não pretende-se aqui antecipar quais razões devem ser postas no desenvolvimento do debate sobre violência doméstica, mas pontuamos aqui o fato de que todos serem iguais perante lei por si só é uma razão extremamente convincente para contrapor à violência doméstica contra a mulher, mas contra ela tem razões construídas historicamente (subordinação), de forma que se a igualdade política não for problematizada, as razões da tradição, que cairiam por terra em um debate, acabam se perpetuando. A deliberação teria esse papel cooperativo de problematização das questões sociais. A Lei “Maria da Penha” pode ser entendida como um dos resultados dos processos deliberativos que há mais de trinta anos vinham sendo travados no Brasil, a partir da luta de movimentos de mulheres. O Estado respondeu à sociedade com a promulgação da legislação específica e implementando judicialmente um novo olhar sobre a violência até então privada e restrita ao ambiente doméstico. Habermas (1997) defende que os processos deliberativos travados dentro da esfera pública podem exercer pressões no sistema político, nas esferas de decisões formais e também podem legitimar ou não decisões dessas instâncias. A luta das mulheres durante anos contra a violência pode ser apontada como um processo deliberativo que encontrou espaço nas decisões políticas. Outros temas como aborto, células tronco e


casamento homossexual, entre outros, ainda estão em pauta em diversos contextos comunicativos, inclusive desde as conversas cotidianas aos poderes legalmente instituídos, como o Legislativo e Judiciário. A mídia foi um dos espaços e talvez o maior deles para que essa resposta do estado à deliberação fosse publicizada e obtivesse uma resposta. O modelo deliberativo de Bohman (2000) está baseado no diálogo29, seja presencial ou não, daí o papel da mídia em fomentar o debate, em dialogar com públicos espacialmente separados, diversificados e ainda assim sintonizados em um mesmo assunto. O espaço ideal para que ocorra essa troca de argumentos é conceituado por Habermas (1997) como esfera pública, em que indivíduos expressam seus pontos de vistas e constroem ou ratificam seus posicionamentos e assim formam opiniões públicas. A esfera pública não é um lugar institucionalizado, mas uma rede comunicativa e ocorre em diferentes espaços, nos quais um mesmo tema está em debate. É na esfera pública, segundo Habermas (1997), que podem ocorrer as mudanças de opinião e de vontade, isto é, o espaço em que a troca de argumentos pode levar a um consenso ou ainda estimular novas indagações sobre o bem estar social. Dryzek (2004) compreende a esfera pública com o local da “constelação de discursos”. O discurso seria toda a forma de compreensão compartilhada de mundo que pode ser aferido pela linguagem, no qual estarão contidas predisposições, valores, opiniões e juízos. A deliberação para este autor seria uma “competição de discursos”. Essa competição busca cada vez mais a clareza nas justificativas e sustentação para mais diversos discursos e não a quantidade numérica de pessoas que estão deliberando. Para Dryzek (2004), a opinião pública é um resultado provisório dessa competição. Maia (2008, p. 79) atesta que esse autor dissocia a noção de participação discursiva de indivíduos singulares, “isso porque um mesmo discurso pode ser reproduzido e compartilhado por diversos indivíduos”. Os produtos jornalísticos, por sua vez, podem pautar as discussões na esfera pública que “é um sistema de alarme dotado de sensores não especializados, porém sensíveis no âmbito de toda a sociedade” (HABERMAS, 1997, p.91)

O público dos sujeitos privados tem que ser convencido através de contribuições compreensíveis e interessantes sobre temas que eles sentem como relevantes. O 29

Bohman (2000) estabelece uma distinção entre sua perspectiva baseada no diálogo e a teoria habermasiana, que leva em conta a prática do discurso. Diálogo seria uma “mera troca de razões” e estaria aberto a qualquer pessoa. Já o discurso, “emprega critérios regulativos específicos de justificação”. Cal (2007) e Mendonça (2005) constatam, contudo, que há mais semelhanças do que diferenças nas duas proposições, já que Habermas sempre situou discurso nas interações ordinárias.


público possui esta autoridade, uma vez que é constitutivo para a estrutura interna da esfera pública, na qual os atores podem aparecer. Os problemas tematizados na esfera pública política transparecem inicialmente na pressão social exercida pelo sofrimento que se reflete no espelho de experiências pessoais de vida (HABERMAS, 1997, p.96-97).

A mídia tem a capacidade de publicizar essas discussões, transportá-las para um público variado e também ser um espaço para que essa troca de argumentos ocorra. Contudo, até que se alcance visibilidade é necessário que os cidadãos em discussão consigam sustentar seus argumentos publicamente, pois serão alvos de discordâncias e controvérsias ao se tornarem públicos. Logo, é necessário amadurecimento desses argumentos em esferas públicas específicas. Para isso, no entanto, os direitos que precisam estar assegurados, para que o processo deliberativo ocorra tal como é concebido por Bohman (2000), são o de “igual liberdade de expressão e associação”. Uma das vantagens da deliberação é o estímulo à autonomia individual para a definição do papel político dentro da sociedade democrática. Justamente por entender que todos têm a mesmas chances de se fazer ouvir e ser ouvido (HABERMAS, 1997). A autonomia individual seria a capacidade crítica de avaliação que os indivíduos desenvolvem sobre seus posicionamentos e dos outros (WARREN apud MARQUES, 2007). É produto de um exercício reflexivo para a compreensão dos argumentos melhor justificativa deles diante da coletividade. Um indivíduo autônomo tende a possuir bases mais sólidas para a busca por direitos, ao compreendermos que a efetividade do direito só é garantida a partir da interelação de diversos atores. O que não faltam no Brasil são leis muito bem escritas, sobre as quais seus jurisdicionados não têm qualquer conhecimento. Um processo deliberativo que envolvesse agressores e agredidas, familiares que presenciaram a violência e quem de alguma forma é afetado pela agressão poderia sinalizar formas de combate, meios de ação para os órgãos competentes, além de fomentar processos de formação de opinião que poderiam gerar novas compreensões sobre o problema, estimulando assim a autonomia individual. O que se vê nos estudos científicos é a pesquisa isolada de cada uma das partes desse processo. Estar ligado à noção de família, de espaço inviolável e constrangimento, é uma das possíveis explicações para que esse processo de deliberação não ocorra contemplando todos os discursos sobre a questão.30

30

Diversos autores não acreditam nas possibilidades de resolução de problemas a partir da deliberação. Cal (2007) faz uma revisão desses posicionamentos e lembra que Bell (apud op.cit.) defende a ideia de que pode haver um nível de discordância muito grande e comprometimento da evolução das discussões. Já Simon (apud


4.1.1 Política próxima: a importância da conversação cotidiana

A deliberação pública acerca da violência doméstica durante mais de três décadas foi um mecanismo importante para a promulgação da Lei Maria da Penha, mas para além dos âmbitos formais de discussão, é necessário lembrar que um sistema democrático está repleto de teias comunicativas diferenciadas que contribuem para a construção de discursos dos indivíduos e elas nem sempre são detectadas com uma mudança de postura governamental, muitas das vezes de tão informais e inconscientes nem são levadas em consideração. Desta forma, entende-se que a violência doméstica contra mulher é um assunto que merece atenção dentro das conversas cotidianas, que é o âmbito da necessidade da mudança. É preciso que os atores envolvidos, para além de agressor e vítima, perguntem-se o que leva à violência, quais os motivos que fazem com que ela ainda ocorra. O Estado brasileiro já deu sua resposta com a promulgação da lei. Mesmo ainda em fase de implantação de mecanismos para que ela seja efetivamente aplicada, a proteção jurídica já está prevista. Cabe a sociedade conhecê-la e utilizá-la. Dryzek (2004, p.55) afirma que avanços discursivos não podem ser medidos apenas pela edição de leis, “mas também na prática do cotidiano, em contestações feitas e resistidas no âmbito dos lares”. Ao argumentar-se que nem todas as mulheres participaram do processo deliberativo, lembra-se que a conversação cotidiana é uma interação plenamente possível de qualquer mulher, independente de classe social, engajar-se. A partir das conversações cotidianas, os ativistas podem se aproximar mais das necessidades da sociedade e encontrar estratégias para um combate mais efetivo da violência. São as mulheres vítimas de violência, suas famílias, seus amigos que podem responder às perguntas sobre como se dá a violência doméstica. São os discursos e as causas que esses atores atribuem à violência que podem indicar por que ela ocorre e contribuir para a definição das pautas de reivindicações de quem está engajado. Uma “preparação” para a defesa de argumentos no processo deliberativo, tanto presencial, quanto por meio da mídia, pode ocorrer nos contextos comunicativos de conversação cotidiana, onde a teia discursiva é mais fluida e menos exigente. É o primeiro espaço onde se percebem as diferenças, os primeiros embates e o estágio inicial de discussões que posteriormente serão levadas a público de modo a serem discutidas em espaços de op.cit.), alega que os indivíduos podem não estar abertos à reflexão e ainda podem incorporar os discursos contrários. Medearis (apud op.cit.) atesta que por se tratar de posições enraizadas, em muitos casos não é necessário “ouvir a voz dos maus”.


participação e entendimentos coletivos31. “A conversação cotidiana provê tópicos e configura valores para serem defendidos na esfera pública, e ainda prepara os cidadãos para que se engajem em trocas argumentativas mais exigentes”. (MAIA, 2008a, p. 2003). Para Mansbridge (1999), tentar medir a importância da conversação cotidiana frente à deliberação é um risco, pois a primeira é uma forma de interação comunicativa que influencia, assim como a segunda, diretamente as pautas públicas do sistema democrático. A autora afirma que mesmo quem não é ativista, não está engajado diretamente em processos de mudança social, pode interagir com os ativistas e afetá-los com suas respostas, seja de entendimento, confusão ou rejeição. São nas conversações cotidianas, com vizinhos, parentes, amigos, em contextos informais que os indivíduos constroem e expõem suas noções de justiça, bem e mal, dentre outros.

O ativismo dos não ativistas, que possui grande efeito na conversação cotidiana, inclui mesmo o ruído de menosprezo que alguém pode dirigir a um personagem sexista da televisão enquanto assiste a um programa com os seus amigos. Esse ruído de menosprezo é, a meu ver, um ato político (MANSBRIDGE, 1999, p. 214, tradução nossa).

Político para Mansbridge (1999) é tudo “que o público deve discutir”. São as escolhas que a sociedade fez coletivamente que devem ser discutidas, problematizadas. Mas essa problematização não deve envolver diretamente o Estado, as assembléias públicas e instituições formais como pretende a deliberação. Com a conversação cotidiana, os indivíduos vão tentar compreender, sem mediação formal, por que agem, aceitam e se comportam de acordo com determinados valores. Contudo, compreende-se que neste caso são difíceis de serem estabelecidos processos de conversação cotidiana e de deliberação pública. Há problemas que por terem sido naturalizados durante muito tempo pela cultura não são vistos pelos atores envolvidos como dignos de debate, se constituíram em verdadeiros tabus dentro da sociedade. Valores que estariam enraizados no que Habermas chamou de “mundo da vida”, um dos âmbitos que constituem a sociedade, que fornece as bases para o diálogo. “O mundo da vida comum em cada caso oferece uma provisão de obviedades culturais donde os participantes da comunicação tiram seus esforços de interpretação” (HABERMAS, 1989, p. 167). Tentar estabelecer um debate sobre violência doméstica no seio familiar muito mais do que efetivar um direito é ir contra a toda uma condição sócio cultural que se arrasta durante séculos. 31

Posições contrárias a efetividade da conversação cotidiana tem como grande teórico Schudson, defendendo que esse tipo de discussão não seria um processo equivalente à deliberação. Sobre essa discussão ver MARQUES; MENDONÇA; MAIA (2007)


4.2 Mídia e mudança social: a pré-estruturação da esfera pública

Entendendo que processos deliberativos e até mesmo de conversação cotidiana tornam-se difíceis de serem estabelecidos e a ausência deles acarreta a falta de esclarecimento sobre os direitos da mulher e a sua não submissão à violência doméstica, propõe-se que a mídia pode ser um espaço para dar visibilidade a esse processo deliberativo que não ocorre presencialmente. No jornalismo, estão presentes discursos pelos quais se formam uma rede tão importante quanto as trocas argumentativas travadas com interlocutores próximos. Para Maia (2008c, p.166), “o sistema dos media desempenha, indubitavelmente, um papel central na disseminação de informações a grandes audiências” e fomentam a deliberação, já que em razão das mudanças de extensão física e escalas temporais, as decisões políticas não podem depender tão somente de processos de debate. Ao adquirir o material da esfera de visibilidade, o consumidor da informação constrói ou reconstrói suas concepções acerca de determinado assunto e dependendo do lugar que ocupa na sociedade, pode ser estimulado a agir em favor de uma causa ou situação, sem necessariamente travar longas deliberações com as partes envolvidas no processo. É pela mídia também que atores podem tematizar seus problemas ao sistema político e este por sua vez, legitimar suas decisões a partir do processo de discussão que se desencadeia na sociedade. A violência contra mulher sempre esteve ligada ao plano privado, torná-la visível é alterar uma rotina familiar, que muitas vezes faz com que mulheres se sintam culpadas pela violência doméstica que sofreram. De acordo com Saffioti (1999, p.84), “há um ideologia de defesa da família, que chega impedir a denúncia (...) para não mencionar a tolerância durante anos seguidos, de violências físicas e sexuais contra si mesmas”. Entre a culpa e a responsabilidade, mulheres vítimas de violência se veem ligadas ao companheiro por fatores de dependências financeiras, laços afetivos, amorosos, que muitas das vezes não gostariam de ser quebrados. Saffioti32 (1999) argumenta que há várias ambigüidades que desestimulam a exposição da violência. A autora cita o fato de que em muitos casos, o homem é o único provedor do grupo familiar; o discurso de “preservação da sagrada família” estimulado pela família, amigos, igreja e as ameaças de novas agressões. Conrado e Souza (2006), analisando dados de pesquisa com mulheres e profissionais das redes de atendimento em Belém, constata que: 32

Vale ressaltar que este trabalho de Saffioti foi realizado antes da Lei Maria da Penha, contudo acreditamos que os parâmetros expostos pela autora são de grande validade para nossa análise.


Ser separada, ou divorciada exala a idéia de abandono, de desamparo, mesmo que a opção pela separação seja da própria mulher. Ainda que muitas não se enquadrem nesse estereótipo, ainda são vistas, de forma naturalizada, como àquelas que não conseguiram o que mais a sociedade as cobra: a de manter a família e de conciliar as atribuições a ela designada na esfera privada. (CONRADO; SOUZA, 2006, p.5)

Além destes aspectos, há ainda dificuldades em nomear as situações de sofrimento. Schraiber.et al. (2003) afirma que muito mais que não querer contar a violência, muitas mulheres não sabem a quem, nem como fazer. A autora transcreve os discursos de três vítimas que no questionário utilizado em sua pesquisa declararam não terem sofrido violência na vida. Em uma delas, o noivo de Joana (nome fictício) lhe deu três facadas com punhal, no braço e nas costas que atravessou o peito e ela não conseguiu nomear o episódio. A conclusão de tal estudo nos traz um dado importante para a nossa discussão sobre mídia e violência doméstica: Via de regra, violência parece ser um tema reservado à criminalidade e usado para expressar o que ocorre no espaço público como, por exemplo, a violência geral das grandes cidades, cometidas por desconhecidos, enquanto os problemas com vizinhos colegas de trabalho e escola não são reconhecidos como violência. O termo também indica situação grave, o que culturalmente, parece significar que a violência doméstica, embora concretamente severa não é representada como tal (SCHRAIBER; et al, 2003, p.51).

A quem cabe desmistificar essa visão, ou ainda quem ajudou a construí-la? A contemporaneidade e o advento dos meios de comunicação de massa fizeram com que o leque de opções das instituições para responder a essas perguntas – família, igreja, escola – fosse ampliado. Neste trabalho, acredita-se que nessa transformação a mídia passou a ser fundamental para apropriação de discussões por parte do público e tematização de problemas para o debate. Maia (2004) e Mendonça (2005) conceituam esse processo como préestruturação da esfera-pública, pelo fornecimento de informações que serão utilizadas em palcos diversos fora do debate midiático33. Mendonça (2005), apoiado em Newton, Curran, Blumler e Gurevitch, também lembra que embora a mídia contemporânea seja criticada por não abordar temas relevantes e o interesse público esteja em discussão, os tipos de informações apropriados a partir da

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O conceito de pré-estruturação da esfera pública sistematizado pelos dois autores é atribuído ao autor alemão Jurgen Habermas. Em sua famosa obra “Mudança estrutural da esfera pública”, Habermas apresenta uma visão extremamente pessimista em relação à função social da mídia, responsabilizando pela despolitização. Tal conceito é revisto e em suas obras posteriores (sobretudo em “Direito e Democracia”) ele considera que os dispositivos midiáticos podem também ser responsáveis por fornecer insumos para o debate público. Uma importante discussão sobre a revisão dos conceitos habermasianos acerca da esfera pública é pode ser encontrada no livro “Mídia e deliberação” (MAIA, 2008).


recepção midiática podem ser úteis durante a interação social. Mendonça (2005, p. 23) afirma que “a mídia não precisa fornecer um conhecimento cívico enciclopédico para ser politicamente relevante”. Para ele, sujeitos podem interagir, fazer relações, questionar, concordar, duvidar dos conceitos que tinham dado como certos no cotidiano a partir das questões tematizadas na mídia. “Ao dar ampla visibilidade a certas questões e informações, tal material pode iniciar ou aquecer debates públicos e criar circunstâncias para que a sociedade se repense e se transforme” (MENDONÇA, 2005, p. 26). Despertar nas mulheres a percepção da violência como um problema, como algo a ser discutido, denunciado, tira a questão do mundo privado e fomenta conversas cotidianas e engajamento em práticas associativas. Funcionando assim como uma espécie de convocação, mas sem a resposta certa de comparecimento. No entanto, Maia (2004, p. 8c) lembra que o público é diversificado e não há como ter certeza de que forma ele irá utilizar os bens simbólicos adquiridos – “a interpretação e o posicionamento são sempre manifestações autônomas dos indivíduos, que podem ou não ocorrer”. A partir das informações apropriadas através dos meios de comunicação de massa os cidadãos podem rever posicionamentos, identificar seus discursos, recontextualizar suas posições – “o material dos media é potencialmente transformador do cotidiano [...] podem fornecer insumos para politização de experiências pessoais (MAIA, 2008a). Maia (2008a) aponta que ao politizar uma experiência que antes era tida como pessoal ou apenas assunto da conversação cotidiana, os argumentos tendem a se fortalecer e as necessidades da população tornam-se mais visíveis para elas mesmas. Entendemos que mulheres em situação de violência podem reconhecer a condição que vivem quando esta é mostrada na mídia. Quando a exposição do problema é feita de forma responsável, explicativa, além de reconhecerem o problema, as mulheres podem ter insumos para enfrentálo. A informação que aborde a Lei “Maria da Penha” em suas múltiplas aplicações, para além da punição, esclareça em quais casos é aplicada, informe locais de atendimento e alerte para a prevenção e os perigos de mascarar o fato pode ser uma grande aliada no combate à violência doméstica contra a mulher.

4.3 Os riscos de discursos estigmatizantes Ao expor temas como violência doméstica, a mídia deve redobrar os cuidados na


abordagem, para que, a partir da influência que possui, não fortaleça padrões e discursos estereotipados. Correia (1995) aponta que a mídia pode atuar desestabilizando ordens dominantes e contribuindo para mudanças ou ainda reproduzir discursos comuns e não fomentar a problematização. No caso da violência doméstica contra mulher, tratá-la como restrita a uma classe social, faixa etária, apresentar a vítima como culpada, abordá-la apenas sobre o aspecto físico e não enfocar os direitos da mulher é assentar essas bases estereotipadas. Daí a necessidade da organização da realidade feita pela cobertura jornalística não apresentar uma versão generalista, seja dos tipos de violência, seja da postura da mulher frente a ela. Reis e Maia (2008) afirmam que tão importante quanto iniciar o debate público mediado é ter as razões respeitadas quando elas adquirem visibilidade, justamente por compreender o efeito responsivo da mídia em pré-estruturar a esfera pública. Os autores apontam que não há neutralidade na informação publicada, pois o jornalismo não é o espelho do real. Há escolhas e interferências, de repórteres e organização, naquilo que é publicado, assim, há discursos que sobrepõem-se aos outros e ganham importância diferenciadas na publicação jornalística. Os discursos então ganham visibilidade, publicidade e ao se tornarem públicos, conforme Reis e Maia (2008, p. 208), “os argumentos podem ser acionados por outros atores sociais, a qualquer tempo e lugar, ainda que para serem contestados”. A mídia serve como porta-voz de diferentes discursos que posteriormente vão ser reutilizados, resignificados nas interações diárias e até nas instâncias formais de decisão. As razões não se esgotam em um determinado momento, são desdobradas com o tempo, esquecidas, suplantadas ou perpetuadas. Ao ganharem o espaço de visibilidade, sem contra-razões, discursos que denigrem determinado indivíduo ou grupo social podem ser fortalecidos e abarcar ainda mais pessoas. O perigo torna-se ainda maior não apenas quando analisa-se o que o restante da sociedade vai passar a compreender, mas de que forma a exposição desse tipo de argumento pode atingir esses indivíduos e grupos. Se a mídia diz que violência doméstica é só a física, uma mulher humilhada verbalmente e que sofre agressões psicológicas pode entender que a Lei “Maria da Penha” não vai lhe ajudar. Mendonça e Maia (2008) atestam que mesmo quando indivíduos ou movimentos sociais são chamados para se pronunciar, muitas vezes a mídia quer que se enquadrem em uma narrativa já pronta, sem dar espaço para que exponham os seus problemas, esmiúcem suas dificuldades na luta e respeito. Será que toda a mulher vítima de violência vai viver eternamente nessa condição? A violência é culpa dela? Ciúme é uma razão


pública para esse tipo de violência? São questões que a mídia pode tematizar, além de encaixar falas, com roteiro já previsto, de mulheres subordinadas falando de sofrimento. Por isso, se atuar de forma responsável, a mídia pode despertar e politizar pessoas que antes não se sentiam aptas a questionar o problema. Reis e Maia (2008) afirmam que indivíduos que passam por situações semelhantes a de desrespeito problematizada na mídia podem identificar-se e perceber que não são casos isolados. No próximo capítulo busca-se identificar e analisar os discursos abordados pelo jornalismo paraense sobre violência doméstica contra a mulher antes e depois da Lei Maria da Penha. Quais permaneceram durante os anos e ecoaram diante da sociedade? Como o jornal dá voz aos atores envolvidos no problema da violência doméstica?


5. O DISCURSO IMPRESSO SOBRE O VIVIDO

Partindo do pressuposto defendido no capítulo anterior, pelo qual entende-se a mídia como agente pré-estruturador da esfera pública (MAIA, 2004; MENDONÇA, 2005), contribuindo com a formação e revisão de opiniões, neste capítulo buscou-se identificar quais são os discursos sobre violência doméstica presentes na imprensa paraense, a fim de saber de que forma o debate sobre o tema foi pré-estruturado nos jornais paraenses. A pesquisa procurou saber se houve mudanças na cobertura sobre a violência doméstica contra a mulher após a publicação da Lei Maria da Penha, para isso foram identificados quais os discursos presentes sobre o tema e perceber se durante um espaço temporal de dez anos, eles mudaram ou permaneceram.

Será que a mídia conseguiu

apreender e incorporar os direitos previstos na legislação, ao abordar o tema? O que muda nos discursos dos jornais depois que a violência doméstica passa de um crime de baixo potencial ofensivo para uma clara violação dos direitos humanos?

5.1 Um panorama geral

Antes de adentrar no mérito da análise dos discursos presentes nas matérias (foco principal da pesquisa), é necessário fazer um panorama geral de alguns dos dados importantes obtidos a partir da ficha de catalogação (ver apêndice A), idealizada para analisar os jornais. Constatou-se que em 1997, todas as matérias que abordavam violência doméstica trataram-na como caso de polícia (91,6%). Apesar de não ter tido um decréscimo muito grande da porcentagem nos demais anos, percebeu-se que em 2002 e 2007 o problema ganha outras discussões para além do relato de uma briga de casal ou de um homicídio, mas ainda assim continua com a maioria esmagadora das matérias encontradas no caderno “Polícia” 34. A maior parte do material coletado corresponde a notícias, com um número pouco expressivo de reportagens nos três anos em questão.

34

No ano de 1997, o caderno “Polícia” integrava o caderno “Esporte” e tinha apenas duas páginas de espaço para publicações. Em 2002, alterna com o mesmo número de páginas, no caderno “Esportes” e no “Cidades”. Em 2007, o caderno já é autônomo e passa a contar com quatro páginas. Atualmente, também é autônomo e são seis páginas de cobertura policial.


GRÁFICO 2: Distribuição por caderno 100,00%

91,60% 94,36%

90,00% 80,00% 70,00%

66%

60,00%

1997

50,00%

2002

40,00%

2007

34%

30,00% 20,00% 8,40%

10,00%

2,82%

1,41%

1,41%

0,00% Polícia

Mulher

Poder

Atualidades

Fonte: Dados da pesquisa

O lar foi o lugar onde ocorreu a maioria das agressões relatadas no jornal durante os três anos, mas em 2007 é possível perceber uma queda nesse número, com citações ocorridas na rua e no trabalho. Vale lembrar que o conceito de violência doméstica presente na legislação brasileira não está vinculado ao espaço, mas às relações dos atores envolvidos. Assim, se um homem agride sua companheira na rua, em via pública, ou no trabalho, também pode ser enquadrado na Lei, tal como afirma Lavorenti (2009): Ao estudar o campo de abrangência da Lei, constata-se que sua aplicação vai além dos lindes domésticos, incidindo a legislação em estudo mesmo que a prática delitiva tenha ocorrido em via pública, desde que realizada por familiares ou seja proveniente de pessoa que tenha íntima relação de afeto com a mulher (LAVORENTI, 2009, p. 235.

GRÁFICO 3: Local onde ocorreu a violência

70,00% 60,00%

66% 58,30%

50,00% 40,00%

41,70% 34%

35,23% 28,16%

30,00%

35,23%

1997 2002 2007

20,00% 10,00%

1,40%

0,00% Lar

Rua

Trabalho

Fonte: Dados da pesquisa

Não cita


A agressão física continuou ocupando a maior parte dos relatos jornalísticos encontrados. No ano de 1997, contudo, o registro de homicídios foi maior que os dos demais crimes. Umas das respostas possíveis é que tal crime é muito mais impactante e como até hoje permanece na sociedade discursos do tipo “em briga de marido e mulher não se mete a colher”, na década de 90 não havia uma cobertura sistemática das denúncias de agressão sofrida pelas mulheres. A visibilidade obtida pela Lei “Maria da Penha” pode ser apontada como um dos motivos para que essa cobertura passasse a ser mais explorada. É importante ressaltar que constatou-se que são usados os mesmos substantivos para designar a agressão física sofrida pelas mulheres durante o tempo analisado, tais como surra e espancamento35. No ano de 2002, além da violência física e do homicídio, são citados também casos de ameaça e violência sexual. Em 2007, há uma maior diversificação na cobertura e aparecem a violência psicológica e a patrimonial, contudo, nunca em matérias isoladas, sempre em conjunto com o relato de casos de violência física. Também não são definidas de tal forma e sim, como xingamentos, ofensas e destruição de objetos. Faz-se necessário lembrar que o termo “violência doméstica” não é usado diretamente para indicar as agressões em nenhum dos anos, ele aparece principalmente quando há a citação da Lei “Maria da Penha”. Em várias matérias, explica-se a lei como “aquela que combate a violência contra a mulher”, sem referência aos âmbitos doméstico e familiar. GRÁFICO 4: Tipos de violência 66,60%

70,00% 60,00%

50,00%

50,00% 1997

40,00%

30,90% 22,20% 7%

si c P

at ri

m

ol óg ic

a

on ia l

1,40%

P

A

m

si ca Fí

ic ho m

Te nt .d e

H om íc

id o

íd io

0,00%

ea ça

8,30% 2,80%

10,00%

2007

16,60% 11% 5,60%

ex ua l

20,00%

2002

25%

S

25,35% 22%

30,00%

Fonte: Dados da pesquisa 35

Os dois substantivos, segundo o Dicionário Aurélio (2001), são sinônimos e designam agressão física violenta, indicando inclusive flagelação.


O companheiro, durante os três anos de análise, também é o grande responsável pelas agressões noticiadas, mas aparecem irmãos, pai, filhos e em 2002 e 2007, surge entre os agressores a figura do ex-companheiro, relação que passou a ser contemplada pela Lei “Maria da Penha”, conforme é mostrado no gráfico abaixo:

GRÁFICO 5: Responsáveis pela agressão

1997 2002 25,35% 15% 5,60%

pa re nt es

ro pa nh ei

ão

O ut ro

s

Ex -c om

2007

15% 8,40%

2,80%

Irm

lh o Fi

Co m pa nh e

Pa i

iro

100,00% 91,60% 90,00% 80,00% 70,00% 55% 60,00% 50,00% 35,21% 40,00% 30,00% 15% 20,00% 10,00% 0,00%

Fonte: Dados da pesquisa

Legislações quase não foram citadas nos anos de 1997 e 2002. Já em 2007, a Lei “Maria da Penha” aparece em 56,33% das matérias. Contudo, em nenhuma delas é citado em qual crime previsto na Lei a agressão relatada é enquadrada.

GRÁFICO 6: Referência à legislações 100,00%

91,60%

90,00% 80,00% 70,00% 56%

60,00%

56,33%

44%

50,00%

43,67%

40,00% 30,00% 20,00% 10,00%

8,40%

0,00% 1997

2002

Fonte: Dados da pesquisa

2007

Citam Não citam


Constatou-se que delegado de polícia, agredida e agressor são as fontes mais ouvidas em todo o período analisado. A voz autoridade policial predomina na maioria das matérias em 1997 e 2002, e em 2007 ainda é segunda mais ouvida, depois da agredida. Paiva e Ramos (2007, p. 39) afirmam que a ausência de outras vozes e a cobertura tangenciada pela perspectiva de delegados acaba por gerar “um conjunto de matérias em que predominam a pouca contextualização e a pouca pluralidade”. Essa dependência da fonte policial compromete a cobertura de um tema tão complexo como a violência e aliada a publicação das matérias majoritariamente no caderno “Polícia”, o jornal não consegue inserir o problema em uma perspectiva social, de discussão sobre os padrões culturais, da implicação na saúde pública, dentre outros contextos. Escutar os dois maiores envolvidos no problema, agressor (a) e agredida, contudo, também não sinaliza uma cobertura adequada sobre o tema. As vozes das mulheres e os agressores são usadas apenas para confirmar ou desmentir um relato policial. O jornal não os indaga de que forma ocorrem as agressões, os motivos e se já houve tentativa de denúncia da agressão anteriormente. O relato das mulheres, principalmente no ano de 2007, é mais explorado e questões como a dependência afetiva são polemizadas. Quanto aos agressores, o discurso que aparece no jornal é o da justificativa ou da negação ao que foi relatado, principalmente pelo delegado de polícia que efetuou o procedimento. Neste ponto, concorda-se com Maia (2008, p.92) ao afirmar que mesmo com acessibilidade aos veículos de comunicação, “a oportunidade de fala não garante efetividade sobre aquilo que se diz”. Assim, mesmo dando voz as mulheres em situação de violência, o jornal coloca-as sempre como vítima. Não escutou, durante o tempo de análise, nenhuma mulher que tenha conseguido superar a situação e consiga ter uma vida normal. Soares (2007) afirma que quando os jornais ouvem as mulheres em situação de violência o faz: apenas para confirmar o que dizem os especialistas – são exemplos que comprovam o saber de autoridades no assunto. Precisamos permitir que essas mulheres deixem de ser o objeto e passem a ser o sujeito de um discurso. (...) Outro desafio para os jornais e as revistas seria incluir o homem na equação. Hoje, eles são quase sempre demonizados como os algozes da relação. Mas os rótulos “bom” e “mau” não ajudam a compreender um relacionamento tão complexo. (SOARES, 2007, p.139142)

Ainda assim, a maior diversidade de fontes escutadas em 2007 já sinaliza uma sensível mudança na cobertura, principalmente ao dar voz a movimentos sociais em defesa da mulher.


GRÁFICO 7: Fontes ouvidas em 1997

Testemunhas sem parentesco

8,30%

Família/amigos da agredida

33%

Família/amigos do agressor

16,00% 1997

Agressor

25,00%

0,00%

10,00%

20,00%

33%

Delegado de polícia

33,00%

Agredida

30,00%

40,00%

Fonte: Dados da pesquisa

GRÁFICO 8: Fontes ouvidas em 2002

11,00%

Promotor de Justiça do Tribunal do Júri

11%

Família/amigos da agredida Especialistas/psicólogos

11,00% 2002

Agressor

22,00% 66% 22,00%

0,00%

20,00%

Delegado de polícia Agredida

40,00%

60,00%

80,00%

Fonte: Dados da pesquisa


GRÁFICO 9: Fontes ouvidas em 2007

2007

1,40% 1,40% 1,40% 1,40% 1,40% 1,40% 1,40% 1,40% 1,40% 1,40% 4,20% 5,60%

Fórum de Mulheres da Amazônia Paraense Perito criminal Advogado da agredida União Estadual da Juventude Socialista Pres.da Sta. Casa do Pará Procurador Geral de Justiça Diretor dos Correios Ministra do STJ Presidente da OAB/PA Consultora jurídica

9,80% 15% 16,90% 16,90% 21% 22,53%

Juiz da Vara de Violência Doméstica Advogado de defesa do agressor Promotora de Justiça de Violência Doméstica Família/amigos da agredida Família/amigos do agressor Agressor Delegado de polícia

0,00%

5,00%

10,00%

15,00%

20,00%

25,00%

Agredida

Fonte: Dados da pesquisa

5.2 Discursos sobre violência doméstica

Mais do que mapear numericamente a cobertura do jornal, até por que trabalha-se apenas com uma amostra do ano, o interesse é mostrar quais discursos sobre violência doméstica aparecem nas publicações. Como já foi demonstrado nos procedimentos metodológicos, utilizou-se o método de análise do discurso. Conforme propõe Benetti (2007), seleciona-se as marcações discursivas mais recorrentes no jornal, para entender de que forma a mídia, a partir do que publica, pode influenciar na formação de esferas públicas em torno da questão da violência doméstica. Cada tópico será nomeado pelo discurso encontrado36, depois explica-se o contexto nos quais eles foram encontrados em cada um dos três anos. A análise foi ordenada pelos 36

Os nomes dos tópicos relacionam-se unicamente aos discursos e palavras recorrentes no texto jornalístico analisado, não constituindo-se em categorias apoiadas em termos utilizados cientificamente.


discursos que aparecem em 1997, 2002 e 2007, e posteriormente aqueles que emergem a partir de 2002, finalizando com aqueles encontrados especificamente após a promulgação da Lei “Maria da Penha”.

5.2.1) O discurso do amor demais

A presunção da traição e o ciúme exagerado, também relatado como excesso de amor, é uma explicação recorrente que o jornal, baseado nas fontes (principalmente policiais), apresenta para justificar a violência doméstica, nos três anos analisados. Em 1997, o jornal trata o agressor como o “enciumado”, “inconformado” com o rompimento e acaba por reduzir o problema ao sentimento de amor ou proteção exagerados. A redução pode induzir à interpretação de que a vítima está abrindo mão de um relacionamento e abandonando a família. O agressor torna-se a então a vítima de seu sentimento. Tal discurso acaba tornandose perigoso, pois tende a sinalizar que o ciúme deve ser aceito, que a mulher deve se conformar com a situação que vive para não destruir a família. “A causa do crime foi passional”. (Delegada Valderez Silva. “Dona de casa é assassinada pelo companheiro”, O Liberal, 09/02/97, grifos nossos)

O amor demasiado e o remorso também são razões apresentadas pelo jornal para que um homem que assassinou a companheira se suicide. “Desde então (da morte da companheira), vivia fugindo, mas bastante acabrunhado. Aos amigos, chegou a revelar que sentia remorsos”. (“Remorsos leva ao suicídio”, O Liberal, 13/05/97).

Se nas matérias acima, há uma fonte para sustentar as razões que o jornal atribui para o crime, há casos em que o texto assume uma posição, que concorda com a violência, a partir dos mecanismos de discurso, como verbos utilizados para narrar os fatos. Uma das matérias relata que um homem matou o outro e uma mulher teria sido a “pivô” do crime. A mulher, que já havia sido agredida pelo assassino, tinha outro relacionamento, mas continuava com ele, tratando-a assim como culpada pela agressão. João (irmão da vítima) revelou que Domingos (acusado de assassinato) já havia tentado matar Elizabeth , aplicando-lhe várias facadas, mas ela conseguiu sobreviver e continuaram juntos. De dia, era a vez de Mauro de dividir a mesma cama com


Elizabeth, que assim enganava os dois homens ao mesmo tempo. (Traição e morte na Cabanagem, O Liberal, 04/08/97, grifos nossos).

Além de atribuir o amor como razão para a violência, o jornal também o coloca como motivo para aceitação das agressões. Repetir discursos desse tipo, sem contrapor com situações que advertem para o perigo de acreditar que o amor deve ser complacente é um risco, pois tende a estimular a cristalização de posições que concordem com isso. “Ela afirmou que o amava, e por isso, era complacente com o comportamento agressivo do companheiro, ainda que isso colocasse em risco a sua vida e a vida de seus filhos” (Mulher se vinga com dois tiros de ex-marido violento, O Liberal, 29/07/97)

Em 2002, o ciúme também é um discurso recorrente nas matérias analisadas. A família de uma vítima de homicídio remete ao ciúme o motivo do crime. Mas o jornal dá mais importância à barbaridade do ocorrido e não amplia a discussão sobre violência doméstica. O agressor assassinou a companheira e o filho de dois anos e depois se enforcou. Os corpos foram encontrados em avançado estágio de decomposição. Mesmo com os depoimentos da mãe da vítima, expostos no jornal, sobre o comportamento do agressor, não há qualquer discussão sobre como a violência e as pequenas proibições podem evoluir até chegar ao nível do crime reportado. “Ele era muito ciumento, não deixava que ela fosse na minha casa”, disse a mãe que morava no bairro de Canudos. “Ela só vinha aqui escondida dele e a visita era rápida”, acrescentou. Maria Eronildes também disse que o marido não deixava Márcia ver sequer televisão, para que ela não olhasse para homens bonitos. (Família de jovem assassinada pelo marido acredita em crise de ciúmes, O Liberal, 28/08/02)

Proibir de assistir TV é um tipo de comportamento que não pode ser reduzido apenas a palavra ciúme, até por que a esposa não tinha obrigação de submeter-se a essas ordens. O jornal, contudo, dá voz à mãe, que acaba naturalizando essa questão, mas não discute as conseqüências desse ato. Quantas mulheres não passam por essa mesma situação? Explicá-la, desmistificá-la, contrapor esse discurso seria válido para desnaturalizar a violência doméstica como problema apenas íntimo. No ano de 2007, as matérias também trazem o ciúme como motivo para as práticas agressivas, principalmente na voz das mulheres agredidas. Contudo, é possível constatar que,


por meio de lances discursivos37 permitidos pelo jornalismo, o jornal consegue mostrar os efeitos danosos que o sentimento com o qual se justifica a violência doméstica pode causar. O relato da evolução da agressão até o momento da denúncia é importante para mostrar que se o problema não tiver uma intervenção em seu estágio inicial, isto é, quando ocorrem as primeiras agressões, as conseqüências do silêncio podem ser ainda mais danosas. José Quaresma e Suzana viviam juntos há oito anos. Com ciúme, desde o ano passado ele começou a suspeitar de estar sendo traído pela companheira (...) Segundo depoimento dela, motivado pelo ciúme, o marítimo a mantinha presa dentro de casa. A residência gradeada era trancada com cadeados. Depois, passou a ofendê-la moralmente e começou a espancá-la com um chicote improvisado de fio elétrico (...) As duas (a agredida e sua mãe) denunciaram José Quaresma à Polícia. (Juiz relaxa prisão de marítimo que espancava mulher com fio elétrico, O Liberal, 10/02/07) De acordo com a mulher, o companheiro, “motivado por ciúme sem razão”, a espancou por duas vezes em menos de um mês. “Na primeira vez, até que fui tolerante. Mas desta vez, decidi procurar a polícia para fazer a denúncia”, afirmou Gisele. (Grávida de quatro meses, doméstica era espancada pelo companheiro, O Liberal, 1609/07)

5.2.2) O discurso da obrigação pela posse

A integridade física, psíquica e patrimonial de um ser humano deveria ser inviolável, mas nos casos de violência doméstica este princípio constitucional não é obedecido. A mulher como subordinada e obrigada a satisfazer as vontades do companheiro é um discurso recorrente nas matérias de “O Liberal” para a justificativa das agressões.

5.2.2.1) A posse do relacionamento

Mulher não tem o direito de pedir a separação. Este é um dos discursos presentes na cobertura dos três anos de jornal, sem grandes diferenças nas abordagens. Em 1997 e 2002, ele aparece como justificativa de homicídio de mulheres por seus companheiros. Em 2007, ele aparece nas denúncias feitas pela mulher à polícia sobre as agressões. O jornal limita-se ao relato dos fatos e não questiona a autonomia a e a liberdade da mulher dentro do 37

Entendemos por “lances discursivos” (MAIA, 2008, p.87) o modelo pelo qual se desenrola o debate midiático a respeito de um assunto, já que não uma linha argumentativa contínua e ininterrupta, tal qual ocorre presencialmente – “são pequenos pontos apresentados ou trocados, ao invés de longos proferimentos sobre posições” – apresentados de forma fragmentada dentro do espaço de visibilidade midiática.


relacionamento. Não levantar o debate sobre o homem não ser dono da vontade da mulher pode gerar interpretações do tipo: Se tivesse continuado com ele, teria evitado a tragédia? É uma questão que dá margem para interpretações desse tipo, de que é melhor continuar em um relacionamento para evitar o homicídio.

Osila veio morar em Belém, pois disse não querer mais viver com Helói, com quem o relacionamento não estava mais dando certo. Ele, porém não aceitou a separação e estava tentando a reconciliação. A mesma testemunha, uma mulher, disse à delegada Valderez, que supunha que o acusado estivesse desconfiando de estar sendo traído. (Testemunha não identificada. “Dona de casa é assassinada pelo companheiro”, O Liberal, 09/02/97, grifos nossos). Os jurados acataram, à unanimidade, a tese da acusação, formulada pelo promotor Paulo Godinho, de que Manoel Lino tocou fogo na casa para se vingar de Rosa Maria, com quem conviveu em regime de concubinato38, mas não aceitava a separação pretendida por ela. (“Monstro do Guamá” leva pena de 86 anos, O Liberal, 01/11/02, grifos nossos) Eldilete revelou que vivia com Franciney há dez anos em regime de concubinato, sem filhos, e que nos últimos meses a relação não vinha mais dando certo, pois a vida íntima do casal havia se transformado num “verdadeiro inferno”. Mesmo assim, prossegue a dona-de-casa, o companheiro não admitia a separação, ao contrário dela (...) Franciney passou a ameaçá-la de morte dizendo que ele era o único homem com quem ela poderia viver. (Dona-de-casa agredida pelo ex-companheiro, O Liberal, 19/09/07, grifos nossos) Erley contou que havia terminado o romance com o acusado há seis meses, mas Marcos por não se conformava com a separação, passou a persegui-la no seu local de trabalho (...) Ele dizia, de acordo com Erley, que se ela não concordasse em viver com ele, não poderia ser de homem algum. (Mulher escapa da fúria do ex-namorado, O Liberal, 17/08/07, grifos nossos)

5.2.2.2) A posse do corpo

Agredir fisicamente sem motivo ou por ter um pedido negado. O corpo da mulher como objeto de posse do agressor, com qual ele pode fazer o que quiser, também aparece na cobertura do jornalismo paraense sobre violência doméstica. Na única notícia que relata o caso de estupro, quando um pai abusa da própria filha sob ameaça de espancamento, no ano de 2002, o jornal só relata o ocorrido e não discute suas 38

De acordo com o Dicionário Aurélio (2001), concubina é a “mulher que vive maritalmente, sem estar casada, com um homem”. No Brasil, desde 1996, a lei nº 9.278, atribui vários direitos aos conviventes, de convivência duradoura (não precisando perdurar por cinco anos ou ter filhos, como previa a legislação anterior), pública e contínua, estabelecida ''com o objetivo de constituição de família''. A lei anterior, nº 8.971 de 1994, só concedia tais direitos aos solteiros, judicialmente separados, divorciados ou viúvos, já a lei de 1996 concebe o “concubinato adulterino”. Apesar do avanço na legislação, a concubina, na cultura brasileira muitas vezes ainda é vista como a amante e responsável pela destruição da família.


implicações. Por volta das 3 horas da madrugada, sentiu-se apalpada pelo pai, que convidou para ir deitar-se no outro quarto. Como a filha se negou a acompanhá-lo, começou a ser ameaçada de espancamento (...) Disse que, no quarto, o pai obrigou-a a despir-se e partiu para o ato, não sem antes esbofeteá-la. (Carpinteiro denunciado vai preso, O Liberal, 04/07/02, grifos nossos)

Em 2007, outro claro exemplo do discurso de que o agressor se coloca na posição de proprietário do corpo da mulher. A esposa nega-se a manter relações sexuais com o marido e é agredida fisicamente. Apesar de citar que o agressor foi “enquadrado na Lei Maria da Penha” o jornal não discute o fato de que, mesmo em uma relação marital, se o homem força a companheira a manter relações sexuais, ele está praticando estupro.

Ela acrescentou que Max ficou enfurecido quando ela disse que não queria “transar” com ele, passando a espancá-la. (Marcas do não, O Liberal, 20/10/07, grifos nossos)

5.2.3) O discurso da droga e da bebida

O jornal também aponta o consumo de álcool e drogas como razões que explicariam a violência doméstica. Ao recorrer a esse tipo de justificativa, o jornal limita um comportamento agressivo a eventuais situações, o que é corroborado pelas poucas vezes em que o veículo questiona a vítima ou o agressor o porquê da agressão. Uma consideração possível a partir de relatos deste tipo é minimizar o problema culpando a bebida e acreditando que isso não vai mais acontecer se o consumo dela cessar. Redução simplista que tende a não ser reconhecida por mulheres vítimas de violência cujo agressor não ingere bebida, nem usa drogas. “Segundo o delegado, ao agredir a companheira, Raimundo estava emaconhado” (Açougueiro é preso depois de espancar companheira, O Liberal, 10/01/97, grifos nosso) “Maria José disse que sempre era agredida pelo companheiro, quando ele chegava bêbado em casa.” (Mulher se vinga com dois tiros de ex-marido violento, O Liberal, 29/07/97)

Na única reportagem encontrada em 1997, que não aborda diretamente a violência doméstica, mas a cita como causa para a situação atual da mulher, a bebida também é tida


como o principal motivo das agressões. “Ele bebia muito, me batia. Até que um dia eu resolvi deixá-lo”. Um amigo do exmarido a levou à boate onde ela seria contratada como garçonete, mas o responsável pelos shows da casa achou que ela levava jeito e a convidou p ara fazer strip-tease. (Toda nua e coberta de lágrimas, O Liberal, 14/12/97)

Em 2007, o discurso se repete.

De acordo com ela, ele recebe pagamentos semanais em seu trabalho, mas toda vez que recebe o ordenado gasta todo o dinheiro com bebidas alcoólicas, no bairro do Guamá. Quando chega em casa, agride a mulher. (Marido é preso depois de chegar bêbado em casa e agredir a mulher, O Liberal, 03/09/07) Maria da Conceição disse que estava morando com o acusado há apenas quatro meses, o bastante para não querer vê-lo nunca mais: ele perdeu as contas, neste período de quantas vezes foi surrada. Segunda ela, ele é um homem violento, principalmente quando está alcoolizado. (Embriagado, homem quebra porta de barraco e parte lábio da mulher, O Liberal, 28/08/07)

5.2.4) O discurso do atendimento

Nesta categoria foram agrupadas todas as matérias que relatam sobre a prestação de serviços às mulheres em situação de violência, bem como a capacitação de profissionais para atuar junto ao problema. Não foi encontrada nenhuma referência desse tipo no ano de 1997. Em 2002, duas das matérias encontradas prestavam serviços sobre denúncias contra violência doméstica e explicavam razões para que esse tipo de prática ocorra. Informações sobre telefones e endereços para o combate à violência doméstica são muito úteis para dar maiores possibilidades de esclarecimentos sobre as agressões. Ainda assim, identificou-se que o jornal deixa de abordar muitos aspectos, mesmo quando a intenção é ajudar. Uma das matérias traz o lançamento do SOS Violência Sexual, um telefone para que sejam efetuadas denúncias desse tipo de crime. Mas não aborda especificamente os casos de abuso sexual ocorridos na esfera doméstica ou familiar.

O serviço deve começar a funcionar a partir da próxima semana. O objetivo é prestar assistência rápida e mais humana e com isso estimular a assistência mais rápida e mais humana e com isso estimular outras mulheres a denunciarem seus agressores. (Vítimas de violência sexual farão denúncia por telefone, O Liberal, 08/03/02)


Contudo, a única fonte para a divulgação do serviço é a assessoria de imprensa da Polícia Civil, inclusive com discursos entre aspas. A matéria explica todo o processo e mecanismo de denúncia pelo telefone e os posteriores encaminhamentos. Termina com o discurso da Polícia Civil, após a apresentação resumida de alguns números, afirmando que o número de casos está muito além daqueles registrados nas ocorrências, por que nem todas as mulheres que sofrem violência denunciam: “Considerando que nem todas as mulheres vítimas desse tipo de violência procuram as unidades policiais para a denúncia, por medo de represálias ou constrangimento”. Esse discurso não é posto em xeque. Na matéria, a polícia, nem qualquer outra fonte, não é acionada novamente para falar das conseqüências para a mulher que decide continuar convivendo com a violência, não desmitifica as possíveis represálias ou constrangimentos. O número de telefone do SOS Violência Sexual também aparece na única reportagem encontrada sobre o tema em 2002. Além do telefone, também são informados endereços e telefones de outros serviços. Não notamos, ainda assim, a explicação de quais órgãos devem ser procurados, de que forma eles atuam na punição e na prevenção da violência doméstica. O discurso do atendimento em 2007 é bastante recorrente, principalmente por que neste ano o Pará ganhou dois serviços previstos na Lei Maria da Penha: o centro de referência e atendimento e as varas especializadas em violência doméstica, e por conseqüência, a promotoria específica. As notícias, mesmo informando da existência desses espaços e de suas atribuições, não conceituam, não definem, não explicam o que é a violência doméstica. Destacam-se alguns casos: Na notícia abaixo, o jornal não explica que o centro de referência é para atender a violência doméstica e não simplesmente de violência, portanto não caracteriza para o leitor quem é a mulher que deve procurar esse serviço. Afirma que o espaço irá colaborar para que as mulheres “saiam da situação em que vivem”. Mas que situação é essa? Trata também da recuperação da auto-estima, mas não amplia a discussão sobre quais os outros impactos da violência doméstica na vida da mulher.

O Pará terá até o final do ano que vem um Centro de Referência para atendimento de mulheres vítimas de violência (...) A ideia do centro é garantir num só espaço serviços de psicologia, assistência sociais e todos os que forem necessários para que as vítimas saiam da situação em que vivem e recuperem sua auto-estima. (Mulheres terão Centro de Referência, O Liberal, 18/10/07)

A construção do centro de referência foi noticiada novamente quando o Pará assinou o


Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres39. Novamente, não há o esclarecimento de que o espaço faz atendimento à violência doméstica e qual a diferença entre ela e os demais tipos de violação de direitos humanos. O jornal ainda aproveita a vinda da ministra Nilcea Freire, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), para comentar no bojo da discussão sobre a violência doméstica o caso da menina que ficou presa com homens em uma cela no município de Abaetetuba, nordeste paraense, em novembro de 2007. O caso, contudo, trata-se de um violação aos direitos da criança e do adolescente e também não diz respeito a violência doméstica.

Os centros oferecerão atendimento psicológico, social e jurídico e prestam serviços de orientação a mulheres em situação de violência (...) “A adolescente foi vítima de violência desde que nasceu, por que nasceu mulher, não é branca, é pobre e vive na Amazônia, onde só muito recentemente o estado democrático de direito começou a se fazer presente. (Mulher: Pará ganhará centros de atendimento, O Liberal, 8/12/07)

Nesta outra, sobre a parceria entre uma instituição de ensino superior privada e a Defensoria Pública do Estado, a violência doméstica é conceituada como aquela que ocorre no lar. Mas não cita os tipos de violência e nem colabora para esclarecer em quais situações procurar tal atendimento.

O lar de uma família deve ser um lugar de conforto, mas muitos ainda são palcos da violência doméstica praticada contra a mulher. Esse tipo de violência é considerado um dos mais cruéis e perversos. (Mulher ganha atendimento especializado quando for vítima de violência, O Liberal, 06/09/07)

Outra matéria informa sobre a implantação das promotorias de violência doméstica e familiar contra a mulher, cujos trabalhos começaram no mês de março de 2007, sendo o Pará o segundo estado, depois de Minas Gerais, a contar com promotoria específica. A notícia retrata a importância do órgão para o combate a violência doméstica, mas, novamente, não conceitua que violência é essa. Afirma também que a punição prevista na legislação é relativa aos homens violentos. Vale lembrar que a Lei Maria da Penha não esclarece que a aplicação de seus mecanismos independe da orientação sexual, abrangendo assim as relações 39

O Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres é um conjunto de ações com execução prevista para os anos de 2008 a 2011 como a ampliação das redes de proteção a mulher, e capacitação profissional de quem lida com a violência e exploração sexual. No primeiro ano de implementação do Pacto foi priorizada a atuação em onze estados, a partir de, entre outros fatores, tamanho da população feminina no estado e índices de violência ali verificados e ao número de serviços da Rede de Atendimento. O Pará integra esse conjunto. Mais informações: http://200.130.7.5/spmu/docs/pacto_violencia.pdf. Acesso em: 30. ago. 09.


homoafetivas femininas. O enfoque maior é no aspecto estrutural, e não nas ações da promotoria. O que cabe a elas? Quando procurá-las? De acordo com a promotora de Sumaya Morhy, o mais importante é que as duas promotorias passam a contar com um espaço amplo, podendo exercer autonomia para o exercício de todas as suas funções. Além da nova sede, a ser localizada próxima da nova vara de judicial de Violência Doméstica contra Mulher. (Promotorias de apoio às mulheres ganham sede e mais estrutura, O Liberal, 09/03/07)

A deficiência de conceituação do que é a violência doméstica também pode ser percebida nas notícias sobre cursos de capacitação dos profissionais que atuam na área da assistência às mulheres em situação de violência. Uma matéria informa que haverá um curso para agentes comunitários e a outra, publicada no dia seguinte, faz a cobertura da capacitação. Na primeira matéria (“Sesma promove capacitação para coibir violência contra mulheres”), informa-se apenas que os técnicos serão sensibilizados para detectar esse tipo de violência e colaborar para a produção de uma cartilha informativa. Não aborda, contudo, o porquê dessa necessidade e qual o papel desses profissionais. Não discute, sobretudo, que tais profissionais não são os mais adequados em lidarem com o problema, por não terem formação específica para intervir em um problema sério como a violência doméstica. A matéria do dia seguinte traz um melhor panorama do assunto, mas também não esclarece que violência é essa, além de tratá-la apenas como “violência contra a mulher”.

Participam cerca de 300 profissionais que atuam em Belém e que todos os dias convivem com mulheres vítimas do problema (...) No Pará, como na maioria dos Estados brasileiros, não existem estatísticas confiáveis sobre os índices de violência contra a mulher. Isso por que os profissionais que atuam nas unidades de urgência e emergência ou nos programas de atendimento familiar muitas vezes não estão preparados para perceber os sinais de que algo está errado. (Agentes comunitários aprendem a detectar violência doméstica, O Liberal, 05/12/07)

5.2.5) O discurso da ciência

As únicas explicações científicas, isto é, quando o jornal recorre à especialistas para abordar a violência doméstica, estão em uma reportagem sobre um trabalho de conclusão de curso (TCC) que estudou as razões da violência doméstica, no âmbito da Psicologia, a partir do agressor, de 2002.


A pesquisa mostrou a banalização da violência, mostrou que famílias violentas geram filhos agressivos, que o conflito de gênero, no qual a mulher é tida como serva. (Vergonha cala mulheres agredidas, O Liberal, 16/06/02)

Além de explicar as possíveis causas da violência doméstica desconstrói um discurso que o jornal vinha reproduzindo e mostra como evitar relacionamentos, evidencia no texto que “ciúme não é amor”. Na reportagem, aparece também a repetida fonte policial, desta vez apresenta estatística sobre os principais tipos de violência doméstica e desconstrói outro discurso a partir da voz de uma delegada: “O marido que tenta forçar ou força uma relação pratica violência sexual”. Os discursos dos agressores também são colocados, a partir da reprodução daqueles coletados pela pesquisa que baseou a reportagem: “ela não gosta de sexo” / uso de bebida/ problemas financeiros e ciúme. A sub retranca que traz esses discursos afirma que, de acordo com a pesquisa, eles são utilizados de forma banal e que os agressores não percebem. Mas nem no texto, nem nas falas das especialistas, há qualquer colocação mais incisiva afirmando que tais comportamentos não devem ser repetidos. Mesmo sob o título “Vergonha cala mulheres agredidas”, a reportagem não escuta nenhuma vítima apesar de afirmar no lead que “medo, dor, insegurança, desespero e desesperança” são “sentimentos de mulheres vítimas de violência doméstica”. A matéria, contudo, traz a voz do agressor e não da agredida.

5.2.6) O discurso do alerta

Neste tópico, refere-se a uma cobertura em especial, realizada no ano de 2007. Mesmo sendo também incluído na análise sobre o discurso do ciúme, o assassinato de Nirvana Evangelista pelo ex-namorado Mário Tasso Júnior, ocorrido em julho de 2007, trouxe um discurso não visto nas demais matérias: o do alerta para evolução dos „níveis‟ de violência. O jornal não tratou nenhuma das 16 matérias sobre caso diretamente como violência doméstica. O termo só passou a ser citado quando o Ministério Público do Estado encaminhou a Vara de Violência Doméstica e Familiar a denúncia contra o assassino. È apenas nesta cobertura também que o jornal utiliza o termo “criminoso”, supomos que por se tratar de um homicídio, como se as demais agressões não fossem crimes. O que chama atenção na cobertura do “caso Nirvana” é a fala uníssona da família, que dá o alerta para que as autoridades e as próprias mulheres atentem para a situação que estão


passando. Destacam-se alguns trechos:

Segundo Alberto (primo de Nirvana), a Lei Maria da Penha é importante para combater a violência contra a mulher. Mas também seria importante que houvesse mecanismos para detectar esses casos e tentar trabalhar o relacionamento de casais que vivem em conflitos e cuja relação, muitas vezes, vai terminar em tragédia. Ele observou que, quando chegam às delegacias, as mulheres têm escoriações físicas. Mas pergunta Alberto e aquelas violências que não deixam marcas? (...) O que a família espera é que sua morte represente uma oportunidade para que as mulheres que estão em silêncio, embora vítimas da violência de seus companheiros , “abram o verbo e digam o perigo que está ao seu lado”. (Família clama por justiça, O Liberal, 10/07/07)

O primo da vítima comentou que a família tem consciência de que as manifestações não irão aplacar a dor ou trazer Nirvana de volta, mas todos comungam a ideia de que a morte brutal da moça não pode passar em vão. A família deseja que o fato sirva a agora de alerta a outras mulheres vitimas de violência e às autoridades, para que juntos, governos, judiciário e sociedade em geral, construam mecanismos eficientes de defesa dos direitos e da segurança das mulheres. (Protesto contra a morte de Nirvana vai marcar depoimento de Mário Tasso, O Liberal, 27/07/07)

5.2.7) O discurso da conscientização

Campanhas, palestras, seminários e vários tipos de mobilizações para esclarecer a violência doméstica também ganharam as páginas do jornal Liberal no ano de 2007. Um ano depois a publicação da Lei Maria da Penha, diversas organizações governamentais e não governamentais promoveram espaços de discussão sobre a lei e sobre o problema. Pautados por essas demandas, o jornal noticiou essas estratégias de conscientização para a sociedade, contudo, em nenhuma das matérias consegue abarcar a complexidade do fenômeno, seja descrevendo suas manifestações ou explicando de fato em quais relações é possível ocorrer violência doméstica, conforme previsto na legislação. Três dessas matérias são bastante ilustrativas dessas deficiências: Na matéria “Violência exige o combate de todos”, é noticiada a palestra promovida pela Ordem dos Advogados do Brasil Seção Pará (OAB/PA), que traz a Belém a ministra do Superior Tribunal de Justiça Eliana Calmon. O enfoque foi maior para a presença dela e pela homenagem que recebeu da OAB do que para as contribuições sobre o tema. Além disso, mesmo citando que foram passados esclarecimentos sobre a Lei Maria da Penha, o jornal trata o tema como “violência contra a mulher”. Não questiona-se se os tribunais superiores estão preparados para lidar com processos da nova legislação. Não há esclarecimentos sobre como as instituições devem trabalhar para o enfrentamento à violência doméstica.


“Hoje o estado brasileiro passa a se envolver mais em questões que visam a diminuir diferenças políticas e sociais entre as pessoas. Essas iniciativas também se estendem para tentar minimizar a violência contra o sexo feminino, que nos últimos tempos tem crescido assustadoramente” disse a ministra. Segundo vice-presidente da OAB/PA, Eduardo Klatuau, a iniciativa em promover um evento como este tema foi justamente pra que os participantes tenham um maior conhecimento sobre o que está sendo feito no mundo, especialmente no Brasil para que a violência doméstica seja minimizada. (Violência exige o combate de todos, O Liberal, 13/03/07)

Um das matérias trata claramente que a violência doméstica é uma violação à Declaração Universal dos Direitos Humanos, mas não diz que violência é essa e ainda restringe ao espaço físico do lar. Hoje, mais de seis décadas depois, a violência física ou mesmo psicológica contra as mulheres no terreno seguro de seus próprios lares aparecem como violações mais evidentes no documento. (Entidades tentam disseminar direitos da mulher em seminário, O Liberal, 11/12/07)

Em outra matéria, iniciada com a descrição de uma cena comum vivida por mulheres em situação de violência, a conscientização é específica para combater a violência praticada por homens. “Começa com um empurrão. Depois, um tapa. E, se você deixar, acaba refém de uma relação onde a submissão e a violência farão parte da rotina. Casos mais graves terminam com a morte das vítimas por seus parceiros”. Esse o principal alerta das campanhas pelo Fim da Violência contra as Mulheres e “16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres”, lançadas ontem, Dia Internacional de Luta Contra a Violência à Mulher, na Praça da República. (Mulheres promovem campanhas contra a violência dos homens, O Liberal, 26/11/07)

5.2.8) O discurso do perdão Em 2007, foi possível identificar a presença de um discurso muito importante para compreensão das imbricações da violência doméstica. Algumas notícias e reportagens deste ano polemizaram a dependência afetiva da mulher em situação de violência em relação ao agressor (a). Denominou-se aqui como o discurso do perdão, em função do resgate que o jornal fez de um caso ocorrido no Rio de Janeiro, no qual a mulher perdoou o agressor: “A difícil decisão de Cristina de perdoar seu marido e voltar para casa reacendeu


uma antiga discussão: que amor é esse, capaz de suportar a violência? E até quando o perdão pode ser saudável para a relação? (Perdôo-te por me agredires, O Liberal, 05/08/07)

Uma das fontes ouvidas pela reportagem, a promotora de Justiça Leane Fiúza de Mello, explica que a punição prevista em lei não excluiu o fato de que a mulher possa voltar a se relacionar com o agressor, o que não pode é deixar a agressão impune.

Para Leane, as mudanças trazidas pela nova legislação, que completa um ano este mês, é essencial para garantir o fim da impunidade. “Ela pode até perdoar e reatar a relação, mas nossa missão é justamente dar uma resposta legal para o crime que foi cometido”, afirmou (...) Leane ressalta, no entanto, que o perdão e a volta para casa não são recriminadas por psicólogos e especialistas. “A mulher tem que ter a consciência de que ela pode e deve ser amparada pelo Estado. E que em briga de marido e mulher, a Justiça tem sim que meter a colher”, afirmou. (Perdôo-te por me agredires, O Liberal, 05/08/07)

Na matéria também é feito um contraponto sobre o discurso de que faz a mulher manter um relacionamento é a dependência financeira. Além do sentimento, há também o fato da mulher não querer ser vista como a responsável pelo desmanche do casamento.

Com a experiência de quem lida todos os dias com casos como esse, a promotora conta que ao contrário do que muita gente imagina, a dependência econômica do agressor, não é o fator mais preponderante nesta relação de violência e perdão (...) “O que percebemos é que na maioria das vezes, o que prende a relação é a dependência afetivo-emocional,a pressão dos filhos e da família do agressor”, argumenta a promotora. (Perdôo-te por me agredires, O Liberal, 05/08/07)

O mesmo discurso também está presente na voz da promotora de Justiça Sumaya Mohry, na matéria sobre o primeiro julgamento no país, ocorrido em Belém, na Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. No julgamento de uma tentativa de homicídio, praticada pelo irmão, a vítima afirmou que depois de tanto tempo do crime, ocorrido em 1998, acreditava que o irmão não teve a intenção de matá-la.

A promotora Sumaya Saad Mohry Pereira, responsável pelo caso, diz que PE normal que, com o passar do tempo, o sentimento de revolta se acabe e o ciclo de violência chegue ao perdão. “Isso dificulta a acusação, é cultural. A mulher é cobrada para ter papel diferenciado na família e deve sempre exercitar o perdão, principalmente no caso deles que são irmãos. Aí vem a cobrança dos pais e do resto da família, que espera que tudo termine bem. A mulher vítima é sempre levada a se sentir culpada esse o agressor é condenado e é acusada pela desarmonia familiar”, lamenta. (Belém faz julgamento histórico em varas de crimes contra a mulher, O Liberal, 30/05/09)


5.2.9) O discurso dos números Apesar do jornal não citá-las com tanta freqüência, houve em 2007 coberturas específicas dos números sobre violência. Em tais coberturas percebe-se que é feita uma diferenciação ao ser apresentados os números de denúncias e atendimentos. O jornal fala em “violência doméstica” e “violência sexual” como duas categorias diferentes, como se no âmbito das relações domésticas não ocorresse tal violência, ou como se a violência doméstica fosse apenas a agressão física. Em outra matéria, separa a violência doméstica, como se esta fosse um crime específico, dos demais, como injúria e ameaça, sem no entanto, definir a primeira. “De janeiro a outubro deste ano, a Divisão de Crimes Contra a Integridade da Mulher recebeu 8.869 denúncias de mulheres vítimas de violência doméstica ou sexual somente em Belém. A estatística demonstra que, nesses dez meses, principalmente por conta da Lei “Maria da Penha”, que passou a vigorar em setembro do ano passado, já foram superados os números apresentados durante todo o ano passado, que não chegou a oito mil casos”. (Mais de 8,8 mil mulheres são vítimas da violência, O Liberal, 25/11/07) Já o número de procedimentos cresceu. Só para se ter uma ideia, em 2005, a Dccim instarou apenas 14 procedimentos. No ano passado foram 176. Entre os crimes mais comuns são a violência doméstica, com 2.533 ocorrências, seguida de ameaça (2.591), vias de fato (846) e injúria (472). (Em poucos meses, Lei Maria da Penha reduz agressão a mulheres, O Liberal, 07/03/07)

5.3) Permanências e novas abordagens Perceber as variações e as tensões existentes na produção midiática, antes de assumir uma postura crítica radical ou uma otimista em demasia é um dos conselhos que Braga (2006) dá para quem se debruça em estudar a inserção dos meios de comunicação na vida social. O autor fala em questionar e não oferecer respostas apriorísticas ou apenas constatar as motivações da pesquisa. Para Braga (2006, p. 54), não é salutar pesquisar pensando em confirmar perspectivas, “mas perceber especificidades que possam produtivamente tencionar aquelas percepções gerais”. Esta pesquisa, por sua vez, conseguiu perceber algumas nuances novas sobre um assunto que ainda é prioritariamente considerado um caso de polícia, mas que vem ganhando


novas abordagens, mesmo tímidas, isoladas e não tão presentes na cobertura diária do jornalismo paraense. Soares (2007, p. 139) afirma que já não se pode falar apenas em silêncio da mídia em relação à violência doméstica, mas que é necessário “dar um salto na cobertura, indo além das estatísticas para inserir, no debate público, as complexidades desse conflito”. Constatou-se que alguns discursos permaneceram durante os anos analisados e outros acabaram sendo incorporados dentro da cobertura sobre violência doméstica. Sobre o discurso do ciúme, foi possível notar que o jornal não discute o que tal sentimento e de que forma ele está relacionado com o amor. Mas em 2007, ao retratar denúncias de mulheres à delegacia, o discurso do ciúme aparece mas acaba sendo desnaturalizado e jornal traz mulheres tentando interromper essa condição ao se dirigirem ao espaço policial, rompendo o até então âmbito privado da agressão. É o momento da procura pela intervenção e pela ajuda. Mesmo relatando as denúncias, o jornal também não mostra claramente a mulher como um sujeito de direitos. Nas matérias sobre o discurso da posse, não suscita a discussão sobre o fato de que ninguém é obrigado a continuar em uma relação se essa não for desejada. O jornal não consegue perceber a posse como motivação recorrente sobre violência doméstica como um problema, que institucionaliza a agressão e não discute o quanto da construção social da família foi assentado nessas bases. Não consegue ampliar o fato do agressor não querer ou não deixar a mulher ter determinado comportamento como um problema que precisa ser discutido. Se não discute, tende a gerar interpretações de que esta justificativa plausível para violência e nega o problema social. O discurso sobre a droga e a bebida é apresentado de forma inalterada nos três anos analisados. Lembramos que o consumo de tais produtos pode ser um potencializador da violência, mas não pode ser visto como a única causa, até por que há quem agrida sem fazer uso de qualquer uma dessas substâncias. Em 2002, novos discursos não percebidos em 1997 começam a ganhar as páginas dos jornais. Uma das matérias deste ano recorre às explicações científicas sobre o comportamento do agressor, contudo, não desarticula os argumentos apresentados. Ainda assim, mesmo que sutil já há um entendimento que o problema precisa ser discutido para além do viés policial e começa a aparecer no jornal a necessidade de um atendimento psicossocial, tanto para quem agride, quanto para quem é agredida. Em 2007, novos discursos emergem das páginas do jornal, um dos mais importantes é o discurso do alerta direto às mulheres, do esclarecimento sobre a evolução da agressão e das


conseqüências danosas em insistir em uma relação violenta. Porém, o jornal não dá maior espaço para esse debate, encontrado apenas nas falas de parentes de uma mulher assassinada. Em várias matérias desse ano, aborda a necessidade de conscientização, mas não esclarece as diversas nuances da violência. No mesmo ano, também são divulgados as políticas de atendimento às mulheres. Ao informar sobre esse atendimento, o jornal reproduz alguns discursos reducionistas, como o fato dos espaços serem específicos para o tratamento de mulheres que sofreram agressão por parte de seus companheiros dentro de casa, principalmente do tipo física. Além disso, não explica em quais casos as mulheres devem se direcionar a esses espaços. O que se percebe é que o jornal já reconhece a necessidade de falar em atendimento, para além do espaço da delegacia polícia, para a violência doméstica, mas não consegue explicar ou descrever que tipo e de que forma esse atendimento é prestado, justamente por conseguir abarcar a complexidade do tipo de violência que está sendo tratado. Uma cobertura considerada bastante esclarecedora identificada na pesquisa, no ano de 2007, foi a que trouxe o discurso do perdão. Apesar de aparecer em matérias pontuais, em uma reportagem, o jornal conseguiu fazer uma análise profunda da dependência afetiva da mulher em relação ao agressor. Traz um caso e acende uma discussão fundamental: perdoar a agressão não significa deixar de acionar os mecanismos de proteção. Com a análise das matérias foi possível mapear também os discursos não contemplados pelo jornal, especificamente depois da promulgação da Lei “Maria da Penha”. Não há matérias que abordem especificamente a violência psicológica. Apesar de sabermos que muitas vezes ela não ocorrem isoladamente, não é possível descartar o fato de que muitas mulheres sofrem humilhações dos mais diversos tipos diariamente e não sabem que aquilo é um tipo de violência. Não é citado o fato de a violência doméstica ocorrer também em relações homoafetivas femininas, contempladas pela Lei. Assim como, não é debatido o fato de que não é tão somente dentro do lar que essa violência pode ocorrer. Outra ausência percebida foi a de um debate maior sobre a violência sexual na esfera doméstica. Um argumento que poderia justificar essa falta é de que as mulheres têm vergonha de denunciar que são violentadas pelos parceiros ou ainda que desconhecem a relação sexual contrariada como violência. Contudo, reafirma-se que é exatamente neste ponto que a mídia tem um papel fundamental, ao fornecer informações, argumentos e pré-estruturar esse debate e até, posteriormente, a mudança de opinião. Também não discutiu-se o atendimento e a construção social do sujeito que agride. Como encara agressão? O que fazer para combatê-la, a partir da figura do agressor? Que


atendimento deve ser direcionado a ele? São questões que não foram contempladas no espaço de visibilidade midiática analisado. A principal ausência percebida, sobretudo, na pesquisa foi a da superação da situação de violência doméstica. O jornal relata várias tentativas de romper o ciclo de violência, mas não mostra a vida de homens e mulheres que superaram essa condição e passaram a ter uma vida normal. Soares (2007, p.139) lembra que quando as mulheres são ouvidas, as matérias tendem a querer confirmar apenas o que dizem os especialistas e afirma ser necessário que “essas mulheres deixem de ser apenas objeto e passem a ser sujeitos de um discurso”. Este é um ponto fundamental para a nossa análise. Por compreender que a mídia exerce o papel de pré-estruturar a esfera pública, entende-se que relatar casos de superação pode encorajar a denúncia de outras mulheres. É necessário que os jornais consigam mostrar a diversidade de fatores que envolvem o problema da violência doméstica e não reproduzir visões generalistas, para que as mulheres em situação de violência e os demais atores da sociedade possam conhecer e reconhecer naquilo que é mostrado, para então enfrentar tal situação.


6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Discutir a violência doméstica contra a mulher, visando o enfrentamento, não é tarefa fácil nem dentro das instituições formais do Estado, nem na academia, muito menos dentro dos espaços e das relações nas quais ela ocorre. Tendo em vista que esse tipo de violência, entendida pelos diversos tratados internacionais como violação dos direitos humanos, é um grande problema social discutiu-se neste trabalho quais os discursos sobre esse tipo de agressão estiveram presentes nas páginas do jornal paraense “O Liberal”, antes e depois da promulgação da Lei “Maria da Penha”. O entendimento que norteou a pesquisa é que a mídia pode desempenhar a função de pré-estruturadora da esfera pública, isto é, fornecer informações necessárias que despertem o engajamento para discussão de problemas políticos (MAIA, 2004; MENDONÇA, 2005). Política, entendida aqui sob a ótica de Mansbridge (1999), como tudo aquilo que o público deve discutir. Quando se trata de um problema historicamente submerso ao plano privado, tal papel da mídia torna-se ainda mais importante, pois pode desvelar discursos, opiniões e preconceitos e fornecer novas compreensões sobre o tema em questão, estimulando a troca de argumentos e a formação de opiniões públicas. Assim, com uma abordagem responsável sobre a violência doméstica, acredita-se que o jornal pode contribuir para estimular que vários discursos estereotipados sobre o problema sejam discutidos pela sociedade. O que foi constatado durante a pesquisa é que apesar de o jornal trazer discursos importantes para o esclarecimento sobre a violência doméstica, ele ainda não consegue fazê-lo de forma satisfatória, principalmente ao conceituar esse tipo de violência. Pode-se afirmar que alguns mecanismos presentes na Lei “Maria da Penha” foram expostos nas páginas do jornal, mas não foram explicados. Ao noticiar os serviços de atendimento à mulher, o jornal não esclarece que tipo de atendimento é esse e para qual público, ou qual tipo de violência, ele é direcionado. Durante os anos pesquisados (1997, 2002 e 2007), percebeu-se que alguns discursos permaneceram na cobertura sobre a violência doméstica, entre eles o do “ciúme” e da “droga e bebida”. Nas matérias sobre esses discursos, o amor em demasia, o presunção da traição e o consumo de substâncias são trazidos como explicações para prática violenta. Outros discursos, como o da “conscientização”, “alerta” e “perdão”, começaram a aparecer depois da Lei, cita-se o ano de 2007, dando novos enfoques para a discussão do problema, ainda assim muito pontuais.


Ainda que apareça nas páginas dos jornais a necessidade de maior explicação e esclarecimento sobre a violência, nas matérias analisadas percebeu-se coberturas generalistas sobre violência doméstica, como “aquela que ocorre dentro do lar” ou “ou o tipo de violência do homem contra a mulher”. Dois casos que mostram que, apesar da lei ser citada em 56% das notícias em 2007, ela ainda não consegue ser interpretada no quesito conceituação da violência. A emergência de novas discussões pode ser relacionada com a diversidade de fontes percebida quando comparar as vozes presentes no espaço de visibilidade midiática em 1997 e 2007. Neste último ano, organizações que lutam pelos direitos da mulher, promotoras de Justiça, juízes, ministra, advogados de defesa da agredida aparecem na cobertura. Contudo, a fonte policial ainda continua sendo a mais procurada. Apesar de ainda não ser o ideal, não se pode descartar os pequenos avanços que a cobertura jornalística está obtendo no que diz respeito a violência doméstica contra a mulher. Esta pesquisa, que deverá ser estendida após a graduação, tem a preocupação não apenas em mapear o discurso, mas perceber quais são as deficiências encontradas para melhor cobertura do tema, a fim de que se possa, no futuro, sinalizar novos olhares para que os discursos impressos consigam esclarecer e estimular o debate entre homens, mulheres e famílias em situação de violência e demais atores da sociedade. Como já dito anteriormente, é necessário que a mídia deixe de silenciar para certas nuances da violência doméstica, sobretudo atentar para que é necessário mostrar a superação dessa situação e não naturalizá-la. Os jornais precisam também questionar mais as razões que levam à violência doméstica, principalmente ao ouvir agressores (as) e agredidas, fazendo com que novos posicionamentos sejam problematizados, a fim de que não se generalize em alguns poucos discursos as complexas causas da violência. Superar os estereótipos nos meios de comunicação relativos à cobertura sobre violência doméstica não depende apenas de uma sensibilização do profissional ao tema, mas é tarefa prevista na Lei “Maria da Penha”, justamente por que muitos discursos que naturalizam e desestimulam o enfrentamento à violência emergem nos e dos meios de comunicação de massa. Pré-estruturar as discussões públicas sobre violência doméstica também não significa polarizar em “mal” e “bem” ou “certo” e “errado”, mas problematizar as diferentes relações pelas quais ela perpassa. Acredita-se também que esta monografia contribui para encorpar os estudos que têm na discussão sobre a esfera pública a mídia como um agente fundamental para entender os diversos fluxos comunicativos que perpassam a sociedade. Além de dar um novo olhar sobre


um problema, tão estudado nas áreas da saúde, do direito e das ciências sociais e antropologia. Relacionar o campo dos estudos sobre mídia com os estudos de violência reflete a necessidade de que duas áreas se repensem: o primeiro, para inclusive atuar como agente nesse enfrentamento; o segundo, cujas preocupações estão mais voltadas para entender as razões isoladas nos contextos familiares, de como a mídia pode ser responsável pela disseminação e problematização de discursos sobre violência doméstica.


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MATÉRIAS ANALISADAS ANO 1997 AÇOGUEIRO é preso depois de espancar companheira. O Liberal, Belém, 15 jan.1997. Caderno Polícia, p.7. CRIME movido a paixão. O Liberal, Belém, 15 abr.1997. Caderno Polícia, p.7.


DONA DE CASA assassinada a faca pelo companheiro, O Liberal, Belém, 09 fev.1997. Caderno Polícia, p.8. HOMEM se queixa de ter sido traído. O Liberal, Belém, 19 out.1997. Caderno Polícia, p.11. MULHER se vinga com dois tiros do ex-marido violento. O Liberal, Belém, 29 jul.1997. Caderno Polícia, p.8. MULHER sofre agressão do companheiro. O Liberal, Belém, 14 mar.1997. Caderno Polícia, p.8. OFTALMOLOGISTA mata a esposa e depois se suicida. O Liberal, Belém, 25 nov.1997. Caderno Polícia, p.8. REMORSO leva ao suicídio. O Liberal, Belém, 13 mai.1997. Caderno Polícia, p.8. HOMEM se queixa de ter sido traído. O Liberal, Belém, 19 out.1997. Caderno Polícia, p.11. SARGENTO mata a mulher a tiro. O Liberal, Belém, 14 dez.1997. Caderno Polícia, p.12. TODA nua e coberta de lágrimas. O Liberal, Belém, 14 dez.1997. Caderno Mulher, p.1 e 6. TRAIÇÃO e morte na Cabanagem. O Liberal, Belém, 04 ago.1997. Caderno Polícia, p.8. VENDEDOR mata amante. O Liberal, Belém, 24 jun.1997. Caderno Polícia, p.8.

ANO 2002 CARPINTEIRO denunciado está preso. O Liberal, Belém, 16 jul. 2002. Caderno Cidades, p.8. FAMÍLIA de jovem assassinada pelo marido acredita em crise de ciúmes. O Liberal, Belém, 28 ago. 2002. Caderno Cidades, p.6. FILHO acostumado a bater na mãe vai parar atrás das grades. O Liberal, Belém, 26 set. 2002. Caderno Cidades, p.9. MONSTRO do Guamá leva pena de 86 anos. O Liberal, Belém, 01 nov. 2002. Caderno Cidades, p.10. MULHER é espancada com cano de ferro pelo amante. O Liberal, Belém, 12 out. 2002. Caderno Cidades, p.9. POLÍCIA encontra mulher em cárcere privado. O Liberal, Belém, 20 dez. 2002. Caderno Cidades, p.10. PRESO por espancar mulher no Dias das Mães. O Liberal, Belém, 14 mai. 2002. Caderno Cidades, p.11.


VERGONHA cala as mulheres agredidas. O Liberal, Belém, 16 jun. 2002. Caderno Cidades, p.11. VÍTIMAS de violência sexual farão denúncia pelo telefone. O Liberal, Belém, 8 mar. 2002. Caderno Cidades, p.6.

ANO 2007 ACUSADO de agredir a mulher, mototaxista é denunciado e vai para cadeia. O Liberal. 2007. Caderno Polícia, p.2. ACUSADO de agredir a mulher vai parar na cadeia. O Liberal. 25 nov. 2007. Caderno Polícia, p. 2. AGREDIU mulher grávida, foi denunciado e está em cana. O Liberal. Caderno Polícia, p. 2. ARAÚJO, Lázaro; SOUZA, Josiele de. Morta pelo ex-namorado. O Liberal. 6 jul.2007 Caderno Polícia, p. 1. ASSASSINO de enfermeira é condenado. O Liberal.12 set. 2007. Caderno Polícia, p. 4. BELÉM faz julgamento histórico em vara de crimes contra a mulher. O Liberal. 30 mai. 2007. Caderno Polícia, p. 6. BRAÇAL decepa a mão da mulher em Aurora. O Liberal.19 set. 2007. Caderno Polícia, p. 3. BRELAZ, Aline. Combate à cultura do silêncio. O Liberal. Belém, 8 mar. 2007, Caderno Atualidades, p.12. CASTRO, Avelina. Filha é presa depois de agredir mãe de criação. O Liberal. 16 jul. 2007. Caderno Polícia, p. 1. CASTRO, Avelina. Mulheres terão Centro de Referência. O Liberal. Belém, 18. out. 2007, Caderno Polícia, p. 2. CASTRO, Avelina. Marido é preso depois de chegar bêbado em casa e agredir a mulher. O Liberal. 3 set. 2007. Caderno Polícia, p. 6. CAVALCANTE, Irna. Perdôo-te por me agredires. O Liberal. 5. ago. 2007. Caderno Mulher, p. 1-2. DONA-DE-CASA agredida pelo ex-companheiro. O Liberal.19 set. 2007. Caderno Polícia, p.3. EMPRESÁRIO preso em Soure após espancar mulher com cinturão. O Liberal. 16. nov. 2007. Caderno Polícia, p. 2. EX-MULHER teme ser morte por taxista. O Liberal. 13. out. 2007. Caderno Polícia, p. 3


FILHO agride mãe pela aposentadoria. O Liberal. 07 mar. 2007. Caderno Polícia, p. 2. FILHO impedido de espancar a mãe e colocar fogo na casa. O Liberal. 12. nov. 2007. Caderno Polícia, p. 2. GONZALEZ, Ângela. Mulheres promovem campanhas contra a violência dos homens. O Liberal. 26 nov. 2007. Caderno Polícia, p. 2. GOUVÊA, Ítalo. Embriagado, homem quebra porta de barraco e parte lábio de mulher. O Liberal. 28 ago. 2007, Caderno Polícia, p. 8. GOUVÊA, Ítalo. Marcas do não. O Liberal. 20 out. 2007. Caderno Polícia, p. 1. GOUVÊA, Ítalo; PIMENTEL, Dílson. Matador vai para prisão. O Liberal. 13. jul. 2007. Caderno Polícia, p. 1. GOUVÊA, Ítalo. Mulher escapa da fúria do ex-namorado. O Liberal. 17 ago. 2007. Caderno Polícia, p. 2. GRÁVIDA de quatro meses, doméstica era espancada pelo companheiro. O Liberal. 16. set. 2007. Caderno Atualidades, p. 12. GUARDA é preso por bater em mulher. O Liberal. 31 jul. 2007. Caderno Polícia, p. 3. GUEDES, Rafael. Entidades tentam disseminar direitos da mulher em seminário. O Liberal. 11 dez. 2007. Caderno Polícia, p. 3. GUEDES, Rafael. Mulher: Pará ganhará centros de atendimento. O Liberal.8 dez. 2007. Caderno Polícia, p. 3. HOMEM é preso depois de esfaquear mulher. O Liberal. Caderno Polícia, p. 2. HOMEM não aceitou separação, agrediu mulher e foi preso em flagrante. O Liberal. 2007. Caderno Polícia, p. 8. JOVENS socialistas entram na luta contra a violência doméstica. O Liberal. 2 mar. 2007. Caderno Polícia, p. 6. JUIZ relaxa prisão de marítimo que espancava mulher com fio elétrico. O Liberal. 10 fev. 2007. Caderno Polícia, p. 4. JÚRI é adiado por falta de defensor. O Liberal.26 out. 2007. Caderno Polícia, p. 5. JÚRI foi o 2º em Belém depois que “Lei Maria da Penha” foi sancionada. O Liberal. 12 set. 2007. Caderno Polícia, p. 4. LANÇADO selo contra violência à mulher. O Liberal.9 mar. 2007. Caderno Polícia, p. 2. LEI Maria da Penha poderá ter implicações na área trabalhista. O Liberal. Belém, 15. jan. 2007, Caderno Poder, p. 7


LIMA, Noely. Assassino confessa morte de Nirvana. O Liberal. 27 jul. 2007. Caderno Polícia. P. 4. LIMA, Noely. Mulheres são incentivadas a romper ciclo da violência e exigir direitos. O Liberal. 3 dez. 2007. Caderno Polícia, p. 3. MAIS de 6 mil casos em sete meses são registrados na capital paraense. O Liberal. 01 ago. 2007. Caderno Polícia, p. 4. MARIDO esfaqueia mulher em festa O Liberal. 16 jan. 2007. Caderno Polícia, p.2 MARIDO espanca mulher e é procurado pela polícia. O Liberal. 2007. Caderno Polícia, p. 4. MENDES, Edivaldo. Assassinada a terçadadas. O Liberal. 8. ago. 2007. Caderno Polícia, p. 1. MONTEIRO, Aline. Testemunhas depõem em processo sobre rapaz que matou namorada. O Liberal. 06 set. 2007. Caderno Polícia, p. 4. MOTOTAXISTA agride a ex-mulher e acaba preso. O Liberal. 27 ago. 2007. Caderno Polícia, p. 3. MULHER ganha atendimento especializado quando for vítima de violência. O Liberal. 06 set 2007. Caderno Polícia, p. 6. MULHER espancada porque o agressor não gosta de bebida e cigarro. O Liberal. 26 mar. 07. Caderno Polícia, p. 3. MULHER sofre golpe de foice no rosto. O Liberal. 1 ago. 2007. Caderno Polícia, p. 4. “ORELHA” corta e joga orelha de mulher na vala. O Liberal. 12 set. 2007. Caderno Polícia, p. 4. PEDREIRO esmurra companheira. O Liberal. 31 jul. 2007. Caderno Polícia, p. 3. PEDREIRO espanca mulher outra vez. O Liberal. 2007. Caderno Polícia, p. 3. PIMENTEL, Dílson. Família clama por justiça. O Liberal. 10 jul. 2007. Caderno Polícia, p. 1. POLÍCIA prende acusado de assassinar ex-namorada. O Liberal. 25 set. 2007. Caderno Polícia, p. 2. POLÍCIA prende homem que batia na mãe. O Liberal. 2007. Caderno Polícia, p. 4 . POUCOS meses, Lei Maria da Penha reduz agressões a mulheres.07 mar. 2007. O Liberal. Caderno Polícia, p.3. PRESO admite que agrediu a companheira duas vezes. O Liberal. Caderno Polícia, p. 7.


PRESO depois de espancar a mãe e agredir o pai. O Liberal. 31 ago. 2007. Caderno Polícia, p. 2.

PROMOTORIAS de apoio às mulheres ganham sede e mais estrutura. O Liberal. Belém, 9. mar. 2007, Caderno Polícia, p. 2 PROTESTO contra morte de Nirvana vai marcar depoimento de Mário Tasso. O Liberal. 25. jul. 2007. Caderno Polícia, p. 4 QUADROS, Marly. Agentes comunitários de saúde aprendem a detectar violência doméstica. O Liberal. Belém, 5 dez.2007, Caderno Polícia, p. 3 QUADROS, Marly. Mais de 8,8 mil são vítimas da violência. O Liberal. 25 nov. 2007. Caderno Atualidades, p. 8-9 SEMINÁRIO debate sobre violência. O Liberal. 08 mar. 2007. Caderno Poder, p. 7. SESMA promove capacitação para coibir violência contra mulheres. O Liberal. Belém, 28 ago. 2007, Caderno Polícia, p. 8. SILVA, Cleidiane. Amigos exigem punição. O Liberal. 11 jul. 2007. Caderno Polícia, p. 1. MONTEIRO, Aline. Testemunhas depõem em processo sobre rapaz que matou namorada. O Liberal. 06 set. 2007. Caderno Polícia, p. 4. THADEU, Raul. Assistentes sociais faltam a audiência judicial. O Liberal. 05. jul. 07. Caderno Polícia, p. 4. VIGIA ficou violento após gravidez da mulher. O Liberal.. 2007. Caderno Polícia, p. 4. VIGILANTE é preso depois de bater na própria mãe. O Liberal. 1 jun. 2007. Caderno Polícia, p. 6. VIOLÊNCIA exige o combate de todos. O Liberal. 13 mar. 2007. Caderno Polícia, p. 3. VÍTIMA cria coragem e denuncia marido violento. O Liberal.13 mai. 2007. Caderno Polícia, p. 2.


APÊNDICE A: FICHA DE CATALOGAÇÃO DAS MATÉRIAS

TÍTULO PÁGINA DATA CADERNO: EDITORIA: GÊNERO: ( ) NOTÍCIA ( ) REPORTAGEM ( ) ENT.

- LUGAR ONDE OCORREU A VIOLÊNCIA: ( ) lar ( ) rua ( ) trabalho ( ) outro:

- AGRESSOR (A): ( ) companheiro ( ) companheira ( ) namorado ( ) namorada ( ) pai ( ) mãe ( ) padrasto ( ) madrasta ( ) excompanheiro ( ) excompanheira ( ) exnamorado ( ) exnamorada ( ) outros parentes ( ) vizinhos

- INDICA TELEFONES E ENDEREÇOS PARA DENÚNCIA OU ATENDIMENTO À VIOLÊNCIA? ( ) sim ( ) não

- RESGATA OUTROS CASOS? ( ) sim ( ) não - ATRIBUI RAZÕES PARA VIOLÊNCIA? ( ) sim ( ) não Se sim, quais:

- CITA ALGUMA CITA AGRESSÕES LEGISLAÇÃO?: ANTERIORES? ( ) sim ( ) não Se sim, qual:

-TIPO DE VIOLÊNCIA

- Nº DE FONTES OUVIDAS: - FONTES/ARGUMENTOS:

- DISCURSOS SOBRE VIOLÊNCIA


ANEXO A

: CONVENÇÃO INTERAMERICANA PARA PREVENIR, PUNIR E ERRADICAR A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER - “CONVENÇÃO DE BELÉM DO PARÁ”. (Adotada em Belém do Pará, Brasil, em 9 de junho de 1994, no Vigésimo Quarto Período Ordinário de Sessões da Assembléia Geral)

OS ESTADOS PARTES NESTA CONVENÇÃO, RECONHECENDO que o respeito irrestrito aos direitos humanos foi consagrado na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e na Declaração Universal dos Direitos Humanos e reafirmado em outros instrumentos internacionais e regionais; AFIRMANDO que a violência contra a mulher constitui violação dos direitos humanos e liberdades fundamentais e limita total ou parcialmente a observância, gozo e exercício de tais direitos e liberdades; PREOCUPADOS por que a violência contra a mulher constitui ofensa contra a dignidade humana e é manifestação das relações de poder historicamente desiguais entre mulheres e homens; RECORDANDO a Declaração para a Erradicação da Violência contra a Mulher, aprovada na Vigésima Quinta Assembléia de Delegadas da Comissão Interamericana de Mulheres, e afirmando que a violência contra a mulher permeia todos os setores da sociedade, independentemente de classe, raça ou grupo étnico, renda, cultura, nível educacional, idade ou religião, e afeta negativamente suas próprias bases; CONVENCIDOS de que a eliminação da violência contra a mulher é condição indispensável para seu desenvolvimento individual e social e sua plena e igualitária participação em todas as esferas de vida; e CONVENCIDOS de que a adoção de uma convenção para prevenir, punir e erradicar todas as formas de violência contra a mulher, no âmbito da Organização dos Estados Americanos, constitui positiva contribuição no sentido de proteger os direitos da mulher e eliminar as situações de violência contra ela, CONVIERAM no seguinte: CAPÍTULO I DEFINIÇÃO E ÂMBITO DE APLICAÇÃO Artigo 1 Para os efeitos desta Convenção, entender-se-á por violência contra a mulher qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada.


Artigo 2 Entende-se que a violência contra a mulher abrange a violência física, sexual e psicológica: a.

ocorrida no âmbito da família ou unidade doméstica ou em qualquer relação interpessoal, quer o agressor compartilhe, tenha compartilhado ou não a sua residência, incluindo-se, entre outras formas, o estupro, maus-tratos e abuso sexual;

b.

ocorrida na comunidade e cometida por qualquer pessoa, incluindo, entre outras formas, o estupro, abuso sexual, tortura, tráfico de mulheres, prostituição forçada, seqüestro e assédio sexual no local de trabalho, bem como em instituições educacionais, serviços de saúde ou qualquer outro local; e

c.

perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra.

CAPÍTULO II DIREITOS PROTEGIDOS Artigo 3 Toda mulher tem direito a ser livre de violência, tanto na esfera pública como na esfera privada. Artigo 4 Toda mulher tem direito ao reconhecimento, desfrute, exercício e proteção de todos os direitos humanos e liberdades consagrados em todos os instrumentos regionais e internacionais relativos aos direitos humanos. Estes direitos abrangem, entre outros: a.

direito a que se respeite sua vida;

b.

direito a que se respeite sua integridade física, mental e moral;

c.

direito à liberdade e à segurança pessoais;

d.

direito a não ser submetida a tortura;

e.

direito a que se respeite a dignidade inerente à sua pessoa e a que se proteja sua família;

f.

direito a igual proteção perante a lei e da lei;

g.

direito a recurso simples e rápido perante tribunal competente que a proteja contra atos que violem seus direitos;


h.

direito de livre associação;

i.

direito à liberdade de professar a própria religião e as próprias crenças, de acordo com a lei; e

j.

direito a ter igualdade de acesso às funções públicas de seu país e a participar nos assuntos públicos, inclusive na tomada de decisões.

Artigo 5 Toda mulher poderá exercer livre e plenamente seus direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais e contará com a total proteção desses direitos consagrados nos instrumentos regionais e internacionais sobre direitos humanos. Os Estados Partes reconhecem que a violência contra a mulher impede e anula o exercício desses direitos. Artigo 6 O direito de toda mulher a ser livre de violência abrange, entre outros: a.

o direito da mulher a ser livre de todas as formas de discriminação; e

b.

o direito da mulher a ser valorizada e educada livre de padrões estereotipados de comportamento e costumes sociais e culturais baseados em conceitos de inferioridade ou subordinação.

CAPÍTULO III DEVERES DOS ESTADOS Artigo 7 Os Estados Partes condenam todas as formas de violência contra a mulher e convêm em adotar, por todos os meios apropriados e sem demora, políticas destinadas a prevenir, punir e erradicar tal violência e a empenhar-se em: a.

abster-se de qualquer ato ou prática de violência contra a mulher e velar por que as autoridades, seus funcionários e pessoal, bem como agentes e instituições públicos ajam de conformidade com essa obrigação;

b.

agir com o devido zelo para prevenir, investigar e punir a violência contra a mulher;

c.

incorporar na sua legislação interna normas penais, civis, administrativas e de outra natureza, que sejam necessárias para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, bem como adotar as medidas administrativas adequadas que forem aplicáveis;

d.

adotar medidas jurídicas que exijam do agressor que se abstenha de perseguir, intimidar e ameaçar a mulher ou de fazer uso de qualquer método que


danifique ou ponha em perigo sua vida ou integridade ou danifique sua propriedade; e.

tomar todas as medidas adequadas, inclusive legislativas, para modificar ou abolir leis e regulamentos vigentes ou modificar práticas jurídicas ou consuetudinárias que respaldem a persistência e a tolerância da violência contra a mulher;

f

estabelecer procedimentos jurídicos justos e eficazes para a mulher sujeitada a violência, inclusive, entre outros, medidas de proteção, juízo oportuno e efetivo acesso a tais processos;

g.

estabelecer mecanismos judiciais e administrativos necessários para assegurar que a mulher sujeitada a violência tenha efetivo acesso a restituição, reparação do dano e outros meios de compensação justos e eficazes;

h.

adotar as medidas legislativas ou de outra natureza necessárias à vigência desta Convenção.

Artigo 8 Os Estados Partes convêm em adotar, progressivamente, medidas específicas, inclusive programas destinados a: a.

promover o conhecimento e a observância do direito da mulher a uma vida livre de violência e o direito da mulher a que se respeitem e protejam seus direitos humanos;

b.

modificar os padrões sociais e culturais de conduta de homens e mulheres, inclusive a formulação de programas formais e não formais adequados a todos os níveis do processo educacional, a fim de combater preconceitos e costumes e todas as outras práticas baseadas na premissa da inferioridade ou superioridade de qualquer dos gêneros ou nos papéis estereotipados para o homem e a mulher, que legitimem ou exacerbem a violência contra a mulher;

c.

promover a educação e treinamento de todo o pessoal judiciário e policial e demais funcionários responsáveis pela aplicação da lei, bem como do pessoal encarregado da implementação de políticas de prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher;

d.

prestar serviços especializados apropriados à mulher sujeitada a violência, por intermédio de entidades dos setores público e privado, inclusive abrigos, serviços de orientação familiar, quando for o caso, e atendimento e custódia dos menores afetados;

e.

promover e apoiar programas de educação governamentais e privados, destinados a conscientizar o público para os problemas da violência contra a mulher, recursos jurídicos e reparação relacionados com essa violência;

f.

proporcionar à mulher sujeitada a violência acesso a programas eficazes de reabilitação e treinamento que lhe permitam participar plenamente da vida


pública, privada e social; g.

incentivar os meios de comunicação a que formulem diretrizes adequadas de divulgação, que contribuam para a erradicação da violência contra a mulher em todas as suas formas e enalteçam o respeito pela dignidade da mulher;

h.

assegurar a pesquisa e coleta de estatísticas e outras informações relevantes concernentes às causas, conseqüências e freqüência da violência contra a mulher, a fim de avaliar a eficiência das medidas tomadas para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, bem como formular e implementar as mudanças necessárias; e

i.

promover a cooperação internacional para o intercâmbio de idéias e experiências, bem como a execução de programas destinados à proteção da mulher sujeitada a violência.

Artigo 9 Para a adoção das medidas a que se refere este capítulo, os Estados Partes levarão especialmente em conta a situação da mulher vulnerável a violência por sua raça, origem étnica ou condição de migrante, de refugiada ou de deslocada, entre outros motivos. Também será considerada sujeitada a violência a gestante, deficiente, menor, idosa ou em situação sócioeconômica desfavorável, afetada por situações de conflito armado ou de privação da liberdade. CAPÍTULO IV MECANISMOS INTERAMERICANOS DE PROTEÇÃO Artigo 10 A fim de proteger o direito de toda mulher a uma vida livre de violência, os Estados Partes deverão incluir nos relatórios nacionais à Comissão Interamericana de Mulheres informações sobre as medidas adotadas para prevenir e erradicar a violência contra a mulher, para prestar assistência à mulher afetada pela violência, bem como sobre as dificuldades que observarem na aplicação das mesmas e os fatores que contribuam para a violência contra a mulher.


Artigo 11 Os Estados Partes nesta Convenção e a Comissão Interamericana de Mulheres poderão solicitar à Corte Interamericana de Direitos Humanos parecer sobre a interpretação desta Convenção. Artigo 12 Qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou qualquer entidade não-governamental juridicamente reconhecida em um ou mais Estados membros da Organização, poderá apresentar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos petições referentes a denúncias ou queixas de violação do artigo 7 desta Convenção por um Estado Parte, devendo a Comissão considerar tais petições de acordo com as normas e procedimentos estabelecidos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos e no Estatuto e Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, para a apresentação e consideração de petições. CAPÍTULO V DISPOSIÇÕES GERAIS Artigo 13 Nenhuma das disposições desta Convenção poderá ser interpretada no sentido de restringir ou limitar a legislação interna dos Estados Partes que ofereça proteções e garantias iguais ou maiores para os direitos da mulher, bem como salvaguardas para prevenir e erradicar a violência contra a mulher. Artigo 14 Nenhuma das disposições desta Convenção poderá ser interpretada no sentido de restringir ou limitar as da Convenção Americana sobre Direitos Humanos ou de qualquer outra convenção internacional que ofereça proteção igual ou maior nesta matéria. Artigo 15 Esta Convenção fica aberta à assinatura de todos os Estados membros da Organização dos Estados Americanos. Artigo 16 Esta Convenção está sujeita a ratificação. Os instrumentos de ratificação serão depositados na Secretaria-Geral da Organização dos Estados Americanos. Artigo 17 Esta Convenção fica aberta à adesão de qualquer outro Estado. Os instrumentos de adesão serão depositados na Secretaria-Geral da Organização dos Estados Americanos.


Artigo 18 Os Estados poderão formular reservas a esta Convenção no momento de aprová-la, assiná-la, ratificá-la ou a ela aderir, desde que tais reservas: a.

não sejam incompatíveis com o objetivo e propósito da Convenção;

b.

não sejam de caráter geral e se refiram especificamente a uma ou mais de suas disposições.

Artigo 19 Qualquer Estado Parte poderá apresentar à Assembléia Geral, por intermédio da Comissão Interamericana de Mulheres, propostas de emenda a esta Convenção. As emendas entrarão em vigor para os Estados ratificantes das mesmas na data em que dois terços dos Estados Partes tenham depositado seus respectivos instrumentos de ratificação. Para os demais Estados Partes, entrarão em vigor na data em que depositarem seus respectivos instrumentos de ratificação. Artigo 20 Os Estados Partes que tenham duas ou mais unidades territoriais em que vigorem sistemas jurídicos diferentes relacionados com as questões de que trata esta Convenção poderão declarar, no momento de assiná-la, de ratificá-la ou de a ela aderir, que a Convenção se aplicará a todas as suas unidades territoriais ou somente a uma ou mais delas. Tal declaração poderá ser modificada, em qualquer momento, mediante declarações ulteriores, que indicarão expressamente a unidade ou as unidades territoriais a que se aplicará esta Convenção. Essas declarações ulteriores serão transmitidas à Secretaria-Geral da Organização dos Estados Americanos e entrarão em vigor trinta dias depois de recebidas. Artigo 21 Esta Convenção entrará em vigor no trigésimo dia a partir da data em que for depositado o segundo instrumento de ratificação. Para cada Estado que ratificar a Convenção ou a ela aderir após haver sido depositado o segundo instrumento de ratificação, entrará em vigor no trigésimo dia a partir da data em que esse Estado houver depositado seu instrumento de ratificação ou adesão. Artigo 22 O Secretário-Geral informará a todos os Estados membros da Organização dos Estados Americanos a entrada em vigor da Convenção.


Artigo 23 O Secretário-Geral da Organização dos Estados Americanos apresentará um relatório anual aos Estados membros da Organização sobre a situação desta Convenção, inclusive sobre as assinaturas e depósitos de instrumentos de ratificação, adesão e declaração, bem como sobre as reservas que os Estados Partes tiverem apresentado e, conforme o caso, um relatório sobre as mesmas. Artigo 24 Esta Convenção vigorará por prazo indefinido, mas qualquer Estado Parte poderá denunciá-la mediante o depósito na Secretaria-Geral da Organização dos Estados Americanos de instrumento que tenha essa finalidade. Um ano após a data do depósito do instrumento de denúncia, cessarão os efeitos da Convenção para o Estado denunciante, mas subsistirão para os demais Estados Partes. Artigo 25 O instrumento original desta Convenção, cujos textos em português, espanhol, francês e inglês são igualmente autênticos, será depositado na Secretaria-Geral da Organização dos Estados Americanos, que enviará cópia autenticada de seu texto ao Secretariado das Nações Unidas para registro e publicação, de acordo com o artigo 102 da Carta das Nações Unidas. EM FÉ DO QUE os plenipotenciários infra-assinados, devidamente autorizados por seus respectivos governos, assinam esta Convenção, que se denominará Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, “Convenção de Belém do Pará”. EXPEDIDA NA CIDADE DE BELÉM DO PARÁ, BRASIL, no dia nove de junho de mil novecentos e noventa e quatro.


ANEXO B – LEGISLAÇÕES DA AMÉRICA LATINA



Fonte: CLADEM (apud IZUMINO, 2003)


ANEXO C – SERVIÇOS DE ATENDIMENTO

Fonte: IZUMINO;SANTOS (2008)


ANEXO D: LEI ESTADUAL Nº 6.920/06 L E I N° 6.920, DE 19 DE OUTUBRO DE 2006. Dispõe sobre a criação na Comarca da Capital dos Juizados de Violência doméstica e familiar contra a Mulher e dá outras providências. A ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO PARÁ estatui e eu sanciono a seguinte Lei Art. 1º Ficam criados, na Comarca da Capital, duas Varas de Juizado de Violência doméstica e familiar contra a Mulher de que trata o artigo 36 da Lei Federal nº 11.340, de 07 de agosto de 2006. Art. 2º Competem às referidas Varas o processo, o julgamento e a execução das causas cíveis e criminais decorrentes da prática de Violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da Lei Federal nº 11. 340, de 07 de agosto de 2006. Parágrafo único. A competência entre as duas Varas ficam assim distribuídas: I - 1ª Vara - Privativa de crimes do juízo singular e cível por distribuição; II - 2ª Vara - Privativa de crimes de competência do Tribunal do Júri, ação de divórcio, separação judicial, dissolução da união estável e cível por distribuição. 199 Art. 3º As Varas terão a seguinte organização: a) um cargo de Juiz de Direito; b) um cargo de Assessor de Juiz - REF. CJS-2; c) um cargo de provimento efetivo de Diretor de Secretaria; d) dois cargos de provimento efetivo de Auxiliar de Secretaria I; e) dois cargos de provimento efetivo de Oficial de Justiça; f) um cargo de provimento efetivo de Auxiliar Judiciário; g) quatro cargos de provimento efetivo de Técnico Assistente - PJ. ATJI, sendo um com formação na área de Psicologia, um com formação na área de Serviço Social, um com formação na área de Direito e um com formação na área de Saúde. Art. 4º Para atender a organização de que trata o artigo anterior, ficam criados os seguintes cargos: a) dois cargos de Assessor de Juiz - REF. CJS-2; b) dois cargos de provimento efetivo de Diretor de Secretaria de 3ª Entrância; c) quatro cargos de provimento efetivo de Auxiliar de Secretaria I; d) quatro cargos de provimento efetivo de Oficial de Justiça; e) dois cargos de provimento efetivo de Auxiliar Judiciário; f) oito cargos de provimento efetivo de Técnico Assistente - PJ. ATJI, sendo dois com formação na área de Psicologia, dois com formação na área de Serviço Social, dois com formação na área de Direito e dois com formação na área de Saúde. Art. 5º Todos os cargos de provimento efetivo deverão ser preenchidos através de concurso público. Art. 6º O provimento dos respectivos cargos obedecerá ao cronograma de prioridades e necessidades definidas pelo Tribunal de Justiça, condicionando-se à existência de recursos financeiros. Art. 7º Enquanto não criados os Juizados de Violência doméstica e familiar contra a Mulher nas Comarcas do Interior do Estado, as Varas Criminais acumularão as competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de Violência doméstica e familiar contra a mulher. § 1º Nas Comarcas com duas Varas com competência cível e criminal de que cogita o art. 119


do Código Judiciário do Estado, será competente para o Juizado de Violência doméstica e familiar contra a Mulher a 2ª Vara. § 2º Nas Comarcas com mais de uma Vara com competência exclusiva criminal, a competência será definida por distribuição. Art. 8º O Tribunal de Justiça, através de Resolução, criará os mecanismos necessários para a implantação e funcionamento desses Juizados, obedecidas as normas previstas na Lei Federal nº 11.340, de 07 de agosto de 2006. Art. 9º As despesas com os encargos decorrentes desta Lei correrão por conta de dotações orçamentárias do Poder Judiciário. Art. 10. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Art. 11. Revogam-se as disposições em contrário. PALÁCIO DO GOVERNO, 19 de outubro de 2006. SIMÃO JATENE Governador do Estado


ANEXO E – RESOLUÇÃODE CRIAÇÃO DA PROMOTORIA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER RESOLUÇÃO nº 008/2006-MP/CPJ, DE 09 DE NOVEMBRO DE 2006 Institui a Promotoria de Justiça de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher na Comarca da Capital, altera a Resolução nº 003/2000-MP/CPJ, de 26 de setembro de 2000, e dá outras providências. O COLÉGIO DE PROCURADORES DE JUSTIÇA, órgão da Administração Superior do Ministério Público do Estado do Pará, no uso de suas atribuições legais; CONSIDERANDO a edição da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (DOU de 8/8/2006), que, dentre outras providências, dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; CONSIDERANDO o advento da Lei Estadual nº 6.920, de 19 de outubro de 2006 (DOE de 24/10/2006), que instituiu, na Comarca de Belém, Capital do Estado do Pará, os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; CONSIDERANDO que a Resolução nº 003/2000-MP/CPJ, de 26 de setembro de 2000 (DOE de 20/10/2000), e suas modificações posteriores, modificam e consolidam, no âmbito do Ministério Público do Estado do Pará, a composição das Promotorias de Justiça de Terceira Entrância e as atribuições dos cargos de Promotor de Justiça que as integram; CONSIDERANDO a necessidade de adequar a composição das Promotorias de Justiça e das atribuições dos respectivos cargos de Promotor de Justiça, tendo em vista esses novos diplomas legais, R E S O L V E: Art. 1º. O art. 3º da Resolução nº 003/2000-MP/CPJ, de 26 de setembro de 2000, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 3º. ................................................................................................................. I – ......................................................................................................................... II – ......................................................................................................................... III – ........................................................................................................................ IV – ........................................................................................................................ V– ......................................................................................................................... a) ........................................................................................................................... b) ........................................................................................................................... VI – Promotoria de Justiça de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.” Art. 2º. Inclua-se, em seguimento ao art. 23 da Resolução nº 003/2000-MP/CPJ, a Seção VI e o art. 23-A, com a seguinte redação: “Seção VI Da Promotoria de Justiça de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher “Art. 23-A – A Promotoria de Justiça de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher compõe-se de 2 (dois) cargos de Promotor de Justiça, com as seguintes atribuições: - 1º Promotor de Justiça – feitos de competência da 1ª Vara do Juizado de


Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; - 2º Promotor de Justiça – Feitos de competência da 2ª Vara do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Parágrafo Único. Respeitado o disposto no “caput”, incumbe, ainda, aos 195 Promotores de Justiça de que trata este artigo, mediante distribuição eqüitativa efetuada no âmbito do Departamento de Atividades Judiciais ou da própria Promotoria de Justiça de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, exercer, na esfera judicial ou extrajudicial, as atribuições conferidas ao Ministério Público na Lei Federal nº 11.340, de 11 de agosto de 2006.“ Art. 3º. Ficam remanejados, para os cargos de 1º e 2º Promotor de Justiça de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, na comarca da Capital, os cargos e seus titulares, respectivamente, de 13º e 14º Promotor de Justiça do Juízo Singular, os quais ficam doravante excluídos do art. 7º da Resolução nº 003/2000-MP/CPJ. Parágrafo único. A adequação dos novos cargos de Promotor de Justiça ora remanejados será feita pelo Departamento de Recursos Humanos, mediante apostila, no verso atos de promoção ou remoção dos respectivos titulares referidos neste artigo. Art. 4º. O Procurador-Geral de Justiça providenciará à Promotoria de Justiça de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, na Capital, o apoio técnico, administrativo e operacional necessário ao pleno desenvolvimento de suas funções. Art. 5º. Enquanto não forem criados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher nas comarcas do Interior, as atribuições cíveis e criminais da Promotoria de Justiça de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, bem como as demais atribuições conferidas ao Ministério Público pela Lei nº 11.340, de 11 de agosto de 2006, serão exercidas pelos Promotores de Justiça locais, observada a natureza dos feitos e, quando for o caso, a distribuição prévia dos processos ou procedimentos. Art. 6º. Os 10º, 11º e 12º Promotores de Justiça do Juízo Singular da comarca da Capital passam a exercer, doravante e até ulterior deliberação, as suas atribuições institucionais, respectivamente, perante as Varas dos 4º, 1º e 2º Juizados Especiais Criminais da Capital. Parágrafo único. Perante os demais Juizados Especiais Criminais oficiarão Promotores de Justiça designados pelo Procurador-Geral de Justiça, observados os princípios da periodicidade e rotatividade, até que sejam criados e implantados novos cargos de Promotor de Justiça. Art. 7º. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário. SALA DAS SESSÕES DO COLÉGIO DE PROCURADORES DE JUSTIÇA, em Belém, 09 de novembro de 2006. FRANCISCO BARBOSA DE OLIVEIRA Procurador-Geral de Justiça ALMERINDO JOSÉ CARDOSO LEITÃO Corregedor-Geral, em exercício GERALDO MAGELA PINTO DE SOUZA CLÁUDIO BEZERRA DE MELO UBIRAGILDA SILVA PIMENTEL LUIZ CESAR TAVARES BIBAS ALAYDE TEIXEIRA CORRÊA DULCELINDA LOBATO PANTOJA MARIZA MACHADO DA SILVA LIMA RICARDO ALBUQUERQUE DA SILVA


ANA TEREZA DO SOCORRO DA SILVA ABUCATER EDNA GUILHERMINA SANTOS DOS SANTOS OLINDA MARIA DE CAMPOS TAVARES MARIA DA CONCEIÇÃO DE MATTOS SOUSA MARIA DA GRAÇA AZEVEDO DA SILVA ANA LOBATO PEREIRA LEILA MARIA MARQUES DE MORAES TEREZA CRISTINA BARATA BATISTA DE LIMA


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