A redescoberta da Virgem do Alto do Moura

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Nadam Guerra

Introdução à iconografia da

Virgem do Alto do Moura

Rio de Janeiro Grupo UM 2016


Introdução à iconografia da Virgem do Alto do Moura Uma obra de Nadam Guerra Curadoria e apresentação: Raphael Fonseca Pesquisa, legendas e tradução: Juca Amélio Fotos: Dalton Valério - vasos e encontros; Débora 70 - filho, capa, pg. 06, 08, 98; Erika Tambke - pg. 10; Leo Liz - pg. 12; Anibal Sciarretta/ Acervo Museu Casa do Pontal - pg 100; Domingos Guimaraens - pg 103; Wilton Montenegro - pg 11, 88, 97, 103, 104. Design de exposição: Julia Arbex Colaboração: Ana Galizia, Andréa Falcão, Céu na Terra, Denise Gonçalves, Erika Tambke, Euclides Terra, Felipe Ridolfi, Gabriel Pardal, Helena Souto, Jaya Pravaz, Jojo Rodrigues, Leo Liz Lee, Luiz Barros, Marliete, Paulo Knaus, Pedro Bronz, Pedro Seiblitz, Pedro Urano, Ruth Mezeck.

www.grupoum.art.br

Guerra, Nadam (José Carlos Guerra Damasceno) Introdução à iconografia da Virgem do Alto do Moura Rio de Janeiro : Grupo UM, 2016. isbn 978-85-67331-07-2 1. Arte – Brasil 2. Arte contemporânea 3. Artes visuais Índices para catálogo sistemático: 1. Brasil : Arte contemporânea : Artes visuais

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“All created things of the sensible world lead the mind of the contemplator and wise man to eternal God… They are the shades, the resonances, the pictures of that efficient, exemplifying, and ordering art; they are the tracks, simulacra, and spectacles; they are divinely given signs set before us for the purpose of seeing God.”* São Boaventura (1221-1274)

*“Todas as coisas criadas do mundo sensível levam a mente do sábio contemplador ao Deus eterno... Elas são as sombras, as ressonâncias, as imagens desta arte eficiente, típica e ordenadora; elas são trilhas, simulacros e espetáculos; elas são signos dados pelo divino, colocados diante de nós a fim de que que vejamos Deus.” in Jouney of the Mind towards God


Introdução. 09 Filhos / Vasos / Encontros / Chakras A Jornada da Virgem (mapa)

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1. Sertão, o início da jornada. 16 2. Ilha do Marajó. 22 3. México. 28 4. Japão. 34 5. Oceania. 40 6. China. 46 7. Índia. 52 8. Oriente Médio. 58 9. África Central. 64 10. Egito. 70 11. Grécia. 76 12. Atlântida, a nova capital do Sertão. 82

A Virgem e o Boi e o Dragão sobrevoando o Japão Cerâmica na cor natural. Euclides Terra, sem data.

A redescoberta 88 da Virgem do Alto do Moura no Paço Imperial Vídeos 90 Ação 94 Roseta da Gávea 97 Fé na Atlântida 99 por Raphael Fonseca


A Virgem do Alto do Moura A lenda de Nossa Senhora do Alto do Moura é um tanto complexa. A Virgem de Alto do Moura foi sincretizada de diversas formas ao redor do mundo. No antigo mundo católico se costumava associar a Virgem do Alto do Moura a outras aparições de Nossa Senhora que teriam a personagem histórica Maria como matriz (onde o nome do local segue logo após o título, como: Nossa Senhora de Copacabana). Estudos mais recentes querem dissociar a Virgem do Alto do Moura, personagem mitológica e boneca de barro de Vitalino, da mãe de Jesus, pois ela estaria muito mais próxima de outras deidades femininas e personificações da Mãe Terra. Há uma diversidade significativa nas crenças e práticas devocionais nos povos da Nova Era onde as fronteiras históricas se confundem. O que vem a ser muito saudável. Neste livro, organizamos os dados disponíveis sobre a Virgem e seus 12 filhos. Temos algumas fontes de informação para reconstruir sua história: As recriações contemporâneas da imagem de seus filhos e das cenas de seus encontros amorosos com figuras notáveis; O poema épico que conta sua saga, mas que só teria sido escrito séculos mais tarde; E os jarros que contam por imagens esta história.

A Virgem e o Boi barco atravessando o Mar do Caribe Cerâmica na cor natural. Euclides Terra, sem data. Representa a passagem de Marajó ao México, quando o Boi se fez barco para cruzarem o oceano.

Uma coisa levando a outra em uma teia de referências e de contradições. Os 12 passos da Virgem do Alto do Moura conduzem a 12 encontros da Virgem com seres notáveis com quem ela concebe os 12 filhos, reis do Sertão, padroeiros da Nova Era. Na teologia dos 12 filhos, costuma-se relacionar também os filhos aos 12 chakras, centros energéticos do corpo humano.

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Os Vasos

Os 12 filhos da Virgem. Cerâmica em cor natural. Euclides Terra, sem data. Acervo do Museu do Barro de Caruaru

Os filhos

Os jarros são certamente a fonte principal e mais confiável de informação. Testes de laboratório comprovam que foram produzidos na época da transferência da capital do império do Sertão para Atlântida. Estudiosos no assunto parecem concordar que é muito provável que o próprio Lao Tsé tenha sido o artesão responsável pela modelagem desta história nos vasos. Lao Tsé que teria acompanhado a Virgem depois de sua passagem pela China até Atlântida. Esta hipótese baseia-se no tipo de porcelana empregada e na forma nitidamente oriental que remete às dinastias chinesa e coreana. Os vasos foram recentemente redescobertos em escavações submarinas durante as reformas da via expressa que liga Atlântida ao Parque das Sete Cidades, no Piauí. Peças de extrema beleza dão prova da força da cultura nos primórdios da conquista do mundo pelo Império do Sertão. O conjunto de 12 vasos está intacto e são todos trabalhados em desenho em relevo.

Os 12 filhos da Virgem do Alto do Moura nasceram em Atlântida ao fim da jornada de nossa heroína. São filhos dos 12 encontros que a Virgem travou durante sua volta ao mundo e representam 12 forças complementares que reinarão no mundo depois da Grande Virada. Estas são recriações da imagem dos filhos da Virgem do Alto do Moura que teriam sido feitas por Euclides Terra. Como é sabido, as circunstâncias biográficas desse importante artista brasileiro levam a caminhos historiográficos bifurcados. Há aqueles que acreditam que o artista teria nascido no estado de Minas Gerais durante a Grande Virada, e outros que pensam que ele teria produzido essas esculturas apenas no século V, depois dessa mesma Virada. Nem mesmo as fontes de seu projeto iconográfico foram localizadas – seriam elas fruto da visão divina de um artista contemporâneo à passagem da Virgem ou uma versão baseada apenas na fonte textual mais referida aos acontecimentos, ou seja, “Os 12 passos da Virgem do Alto do Moura”? Nunca seremos capazes de responder a essas inquietações de modo objetivo – eis uma das melancolias e uma das delícias do fazer dos arqueólogos, curadores e historiadores da arte. * Grande Virada é como foi chamado o momento de transformação, o colapso do Ocidente e o surgimento do Império do Sertão. 10

Os 12 vasos da Virgem do Alto do Moura. Porcelana Autor desconhecido (Lao Tsé?), sem data precisa. Acervo Comitê Brasieliro de Pós-Arqueologia 11


Os 12 encontros da Virgem. Porcelana esmaltada. Queima elétrica em alta temperatura. Nadam Guerra, 2014.

Os encontros

Os Chakras

As placas de relevo em cerâmica remetem aos momentos íntimos da Virgem do Alto do Moura em seus 12 encontros amorosos. Nossa heroína se une a deidades de várias culturas (Quetzalcoatl, Amaterasu, Shiva, Omolu, Toth), com personagens históricos (Lao Tsé, Moshe, Yeshua e Mohammed, Nasrudin Rumi), com figuras não identificadas (Xamã marajoara, tribo aborígine, profetas escolhidos ao acaso) e com a personagem mitológica Medusa. Como vemos, ela não faz distinção de gênero ou de status e também se une ao Boi que a acompanha e com o Cristal de Atlântida abarcando experiências sexuais extra-humanas.

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Chakras são os centros energéticos do corpo. Para os Vedas da Índia antiga, temos 7 chakras no corpo. Outras tradições contam também chakras extracorpóreos, como nesta ilustração. Note que os chakras 11 (sol central) e 12 (cristal no centro da Terra) são compartilhados por todos os seres.

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A jornada da

Virgem

do Alto do Moura

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1 Sertão, o início da jornada. União da Virgem com o Boi Filha: Taura Chakra: Estrela da Terra, um palmo abaixo do chão Características: Força física, abertura dos caminhos, conexão com o material.

Taura

Rainha da abundância. Filha do mítico Boi do Sertão, Taura é metade mulher metade touro, forte como se diz das mulheres do Sertão. Tem a mão esquerda na cintura (conexão com o próprio poder) e a direita oferecendo o leite sagrado que despeja dos seus quatro seios. Na cabeça, os dois chifres da sabedoria, assim como o cabelo em espiral, remetendo à espiral da origem de tudo.

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O primeiro vaso representa a assembleia no fim da era de dominação capitalista. Nota-se Antônio Conselheiro discursando junto a expoentes de sertão: Lampião, Maria Bonita, Gonzagão, entre outros. A Virgem está acompanhada de seu noivo sobre o boi. Ao fundo se pode distinguir a antiga igreja de Canudos, a Pedra do Reino e o templo de Brennand. A lenda conta que a Virgem foi escolhida para representar o Sertão em uma cruzada para salvar o mundo. Teria abandonado o noivo e partido sobre o boi. No caminho, se uniu a seu boi e desta união nasceu Taura, a rainha da abundância.

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Encontros da Virgem # 1. Sertão, o início da jornada. União da Virgem do Alto do Moura com o Boi.

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2 Ilha do Marajó União da Virgem com a Xamã Marajoara Filha: Marajonas Chakra: Básico, base da coluna Características: Sensualidade, vigor e instinto de sobrevivência

Marajonas

Rainha da guerreira. Filha da Xamã marajoara, ela traz a força da floresta amazônica em seus cabelos longos. A mão esquerda segura o arco da precisão. A mão direita na cintura (expressão do próprio poder). Seu vestido curto cobre um seio e deixa o outro à mostra, pois ela sabe revelar e esconder conforme a circunstância.

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O segundo vaso representa uma cena mais confusa. Ao fundo, uma ruína marajoara, uma floresta que segue até a praia e uma fogueira com mulheres ao redor. A Virgem é representada de forma pouco ortodoxa, porém se pode reconhecê-la pelos lábios bem traçados. Há um destaque para a calcinha de cerâmica marajoara que aparece deslocada do resto da cena. Não se sabe que usos teria esta calcinha na cultuara marajoara nem que poderes mágicos poderia ter conferido à Virgem em sua jornada. Da união de Nossa senhora do Alto do Moura com a xamã marajoara nasceu Marajonas, a rainha guerreira.

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Encontros da Virgem # 2. Ilha de Marajó. União da Virgem do Alto do Moura com a Xamã marajoara.

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3 México União com Quetzalcoatl Filho: Zé Rezaquatro Chakra: Sacro, abaixo do umbigo Características: Criatividade, autoestima

Zé Rezaquatro

Rei da fé, do tempo e das quatro estações. Filho de Quetzalcoatl. Tem as escamas e a cabeça da grande serpente emplumada. Na mão direita, o bastão de cristal da clareza. Com sua boca enorme, pode soprar e mudar a direção dos ventos.

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O terceiro vaso conta a passagem da Virgem pelo México. Nota-se o observatório e a pirâmide. Uma série de deuses de diferentes correntes étnicas da América Central contempla a cena. Ao fundo, como um fantasma, a silhueta do Mickey Mouse traz dramaticidade à composição. As figuras centrais são a Virgem, que veste a calcinha marajoara, e Quetzalcoatl. Da união dos dois nasceu o Rei Zé Rezaquatro, senhor da fé, do tempo e das quatro estações.

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Encontros da Virgem # 3. MĂŠxico. UniĂŁo da Virgem do Alto do Moura com Quetzalcoatl.

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4 Japão União com Amaterasu, a Deusa do Sol Filho: Jaspom, Chakra: Plexo Solar Características: Individualidade, poder pessoal

Jaspom

Rei das viagens intergalácticas. Filho de Amaterasu, a deusa do sol. Traz ao redor da cabeça os oito raios de luz de sua mãe, e o sol no centro do peito. Com as duas mãos no cinturão tem o seu próprio poder duplicado e, por tamanha força e centramento, é o padroeiro das viagens. A cabeça em forma de gota simboliza a água que faz cair do céu. (Também chamado de Jaspon ou Jaspão em algumas fontes.)

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O quarto jarro mostra a Virgem sobre o boi que segura a calda de um dragão e todos voam rumo ao sol para encontrar a deusa Amaterasu. Não ficam claros os laços de parentesco entre o deus do sol mexicano e a deusa do sol japonesa, mas, aparentemente, o dragão é um ser familiar a ambos. Neste vaso ainda se pode ver uma imagem de Buda, o monte Fuji o o Palácio Himeji. Da união da Virgem com Amaterasu, nasceu Jaspom, senhor das viagens intergalácticas, padroeiro do mangá.

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Encontros da Virgem # 4. JapĂŁo. UniĂŁo da Virgem do Alto do Moura com Amaterasu, a deusa do sol.

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5 Oceania União com os aborígenes Filho: Trinca Serra, rei da música e da festa Chakra: Cardíaco Características: Cura e amor

Trinca Serra

Rei da música e da festa. Filho da coletividade aborígine. Tem o peito nu em sinal de pureza e as pernas tomadas por pelos que representam o instinto animal. Trinca tem três rostos e três instrumentos tocados pelos seus seis braços, formando o tradicional trio pé de serra. Ele é um que é três e, como na música, suas identidades se anulam para a afirmação de um corpo coletivo.

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Este quinto vaso narra a chegada de Nossa Senhora do Alto do Moura na Oceania. Notem que, como descrito no poema, ela veste novamente a roupa de noiva e segura o buque de flores. Pode-se distinguir a constelação Tagai, incluindo as Plêiades e Orion. Abaixo, o monte Ayers e uma paisagem tipicamente australiana, apesar de não haver referências históricas sobre a ilha exata onde a Virgem teria aportado. O curioso é que não há figuras históricas ou mitológicas representadas nesta peça, o que leva pesquisadores a crer que a Virgem se uniu a toda a tribo aborígine para dar à luz o Rei Trinca Serra, o senhor da música e da festa.

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Encontros da Virgem # 5. Oceania. UniĂŁo da Virgem do Alto do Moura com os aborĂ­gines.

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6 China União com Lao Tsé Filha: Kuan Libris Chakra: Garganta Características: Comunicação

Kuan Libris

Rainha da sabedoria. Filha de Lao Tsé. Na mão* esquerda traz o livro da sabedoria e, na direita, um bastão com a flor de lótus da pureza. A junção de conhecimento receptivo e inocência ativa faz de Kuan Libris admirada por sua tranquilidade maternal. * Posição das mãos. Um item importante a observar na iconografia é a posição das mãos. A mão esquerda revela o lado receptivo/feminino, enquanto a direita mostra o lado ativo/masculino da figura. O objeto fala de seus poderes e habilidades. Quando a mão se conecta diretamente à cintura, demonstra uma autoconexão com o próprio poder (Taura, Zé – mão esquerda) ou uma expressão do próprio poder (Marajonas – mão direita). Quando as duas mãos se encontram na cintura, como em Jaspom, o autopoder é duplicado. 46

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O vaso que conta a passagem da Virgem pela China mostra uma situação de oposição entre Nossa Senhora e Lao Tsé, por um lado, e o Imperador Amarelo com o exército de terracota, por outro. Ao fundo, a grande muralha ressalta este clima de divisão. Contudo, os registros históricos apontam para uma participação do exército de terracota ativamente defendendo o império do sertão durante a Grande Virada. Com Lao Tsé, que passa a acompanhar a jornada, a Virgem se une gerando a Rainha Kuan Libris, senhora da sabedoria.

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Encontros da Virgem # 6. China. União da Virgem do Alto do Moura com Lao Tsé.

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7 Índia União com Shiva Filha: Boneca de Lótus, Chakra: Terceiro olho. Na testa, entre as sobrancelhas Características: Intuição

Boneca de Lótus

Rainha da arte e da beleza. Filha de Shiva. Seu corpo é formado por um grande botão de lótus que simboliza ao mesmo tempo a pureza, a perfeição, a sabedoria, a paz, a prosperidade, a energia, a fertilidade, o nascimento e a sensualidade. As pétalas do lótus formam as vaginas de onde brota a criatividade divina. Ela segura um jarro que derrama as águas das emoções. Com seios e ancas fartos, se nota uma gola no vestido, mas os braços estão nus, pois são também pétalas da flor.

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Ao chegar à Índia, percebe-se que a Virgem já tem todo o resplendor pelo qual ficou conhecida nos séculos seguintes. O vaso representa duas cenas simultâneas: a devoção de peregrinos no plano terrestre em contraposição à reverência dos deuses hindus. O sincretismo entre Nossa Senhora do Alto do Moura com Kalki, o esperado avatar de Vishino que anunciaria o apocalipse, fica bem claro nesta imagem em que a Virgem é adorada sobre a cama do senhor Vishino. Na Índia, a união foi com Shiva. Desta união nasceu a Rainha Boneca de Lótus, senhora da arte e da beleza, padroeira dos artesãos do Alto do Moura que passaram a reproduzir em larga escala variações da imagem desta deusa.

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Encontros da Virgem # 27. Ă?ndia. UniĂŁo da Virgem do Alto do Moura com Shiva.

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8 Oriente Médio União da Virgem com três profetas da linhagem de Abraão e outros quatro profetas escolhidos ao acaso Filho: Abraão Neto, o santo sem cabeça Chakra: Coroa, topo da cabeça Características: Conexão espiritual

Abraão Neto

O santo sem cabeça. Rei da caridade e da ação desinteressada. Filho da Virgem do Alto do Moura com três profetas da linhagem de Abraão: Moshe, Yeshua e Mohammed, além de outros quatro profetas escolhidos ao acaso. A mão direita abençoa enquanto a esquerda aponta o coração, o qual salta do corpo para guiar pela luz do amor. Não tem cabeça, pois esta já não é necessária. A diferença de pensamentos, de doutrinas e de dogmas já causou muito sofrimento. Só o amor pode reunificar o mundo.

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O oitavo vaso talvez seja o que apresenta o tema mais delicado. A chegada da Virgem ao médio oriente, onde se une de uma só vez a três profetas da linhagem de Abraão, Moshe, Yeshua e Mohammed, e a outros quatro profetas escolhidos ao acaso, dentre os quais se identifica Nasrudin Rumi. Estão sobre a pedra fundamental, no Domo de pedra de Jerusalém. A controvérsia em relação a este fato é o motivo pelo qual a Virgem será perseguida por árabes, católicos e judeus. Da união com os profetas do médio oriente nasceu o Rei Abraão Neto, o santo sem cabeça, senhor da caridade, da ação desinteressada.

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Encontros da Virgem # 8. Oriente médio. União da Virgem do Alto do Moura com três profetas da linhagem de Abraão e outros quatro profetas escolhidos ao acaso.

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9 África Central União da Virgem com Omolu Filha: Mulelu Chakra: Estrela da alma, um palmo acima da cabeça Características: Cura universal

Mulelu

Rainha da transformação. Filha de Omolu. Enquanto seu pai Omolu cobria o corpo para ocultar suas feridas, os cabelos* de Mulelu são a sua longa memória e encobrem quase todo seu corpo. Vê-se apenas o olho e o braço esquerdo ordenando estes cabelos-memórias, e o pé direito, que dá um passo adiante em direção à transformação.

* Cabelo é tempo e memória e também sentimento (Marajonas, Boneca de Lótus). Quando o cabelo ocorre nos pés ou pernas, realça o instinto ou lembranças genéticas da espécie (Marajonas, Trinca Serra). Mulelu, que é toda cabelo, está na fronteira entre o presente e os outros tempos. 64

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O nono jarro é o que representa a fuga da Virgem para a África. Mostra a grande festa dos orixás que lhe deram suporte na fuga. Nota-se pela primeira vez que Nossa Senhora do Alto do Moura está grávida e é assessorada por Yemanjá, que lhe mostra o caminho a seguir, e também por Omolu, que zela por sua saúde e com quem viria a se unir. Da união nasce a Rainha Mulelu, senhora da transformação.

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Encontros da Virgem # 9. Ă frica central. UniĂŁo da Virgem do Alto do Moura com Omolu.

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10 Egito União da Virgem com Toth, também chamado de Hermes Trimegisto Filho: Tetramegisto Chakra: Portal estrelar, 2 metros acima da cabeça Características: Magia, cura quântica

Tetramegisto

Rei dos quatro elementos. Filho de Toth, o Hermes Trimegisto. Ele traz consigo os quatro elementos: na cintura, a espada, elemento ar do pensamento. Na mão direita, segura o bastão do elemento fogo da ação. Na mão esquerda, ergue o cálice, elemento água da emoção. E, na testa, a coroa de cristal, do elemento terra da concretização da nova era. Esta representação de Tetramegisto se aproxima das representações de seu pai (Toth, pela cultura egípcia, e Hermes, na Grécia) e da carta de tarô o mago, que domina os quatro elementos.

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O vaso que representa a ida da Virgem ao Egito mostra a figura do Deus Toth em destaque ao lado de Nossa senhora. Toth é um grande elo em toda a história e faz a ponte entre as culturas ancestrais e a nova era. Ele seria chamado de Hermes Trimegisto depois da queda dos grandes faraós e é um dos responsáveis, junto com Antônio conselheiro, Amaterasu e Yemanjá, pela estratégia que transformou o Sertão em um império mundial de paz. Da união da Virgem com Toth, nasceu Tetramegisto, senhor dos quatro elementos.

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Encontros da Virgem # 10. Egito. UniĂŁo da Virgem do Alto do Moura com Toth.

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11 Grécia União da Virgem com Medusa Filho: Sete Serpente Chakra: Sol central, no centro do Universo Características: Conexão com o todo

Sete Serpente

Rei da diversidade. Filho da Medusa. É composto por sete cabeças de serpente que formam um só corpo. Na mão esquerda, o cajado para reunir os rebanhos; a mão direita, livre para vagar.

*Se Trinca Serra representa o 1 que é 3, ou seja, a diversidade interna de cada um; Sete Serpente são 7 formando 1, indicando a possibilidade de um grupo formar uma unidade, ser um só. Esta habilidade é indispensável nos tempos pós-Grande Virada. 76

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O penúltimo jarro mostra a passagem da Virgem pela Grécia. Pode-se ver as colunas de um templo e a figura da Medusa se olhando no espelho. O cavalo alado, Pégasus, é aqui lembrado pois é filho da Medusa e ele que a levou para a Amazônia depois que ela se uniu à Virgem. Esta união libertou Medusa de sua maldição e deu à Virgem a força da pedra, completando a universalidade de seu poder divino. Da união com Medusa, nasceu o Rei Sete Serpentes, senhor da diversidade.

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Encontros da Virgem # 11. GrĂŠcia. UniĂŁo da Virgem do Alto do Moura com Medusa.

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12 Atlântida, nova capital do Sertão União da Virgem com o cristal de Atlântida Filha: Cristália Chakra: Cristal do centro da Terra Características: União com todos os seres terrestres

Cristália

Rainha do reino mineral e da união de todos os seres. Filha do cristal de Atlântida. Traz no peito e na testa o símbolo do cristal*. Seu corpo é parte do cristal do Centro da Terra. Seus braços abertos apontam para cima e para baixo, reunindo em si céu e terra. A pose de Cristália lembra a do Cristo Redentor, passando, por isso, a ser cultuada no Rio de Janeiro como o cristo feminino em religiões pós-crísticas, pré-Grande Virada. *o símbolo de cristal ou ouros está na coroa dos 12 filhos. Ele representa Atlântida e o Império do Sertão, a nova era no mundo. É também o símbolo do elemento terra, da materialização e concretização do plano divino. Este losango do cristal também remete à vagina divina de onde nasceram todas as coisas. 82

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O último vaso relata a coroação da Virgem como Nossa Senhora do Alto do Moura, Rainha de Atlântida, Imperatriz do Sertão. Pode-se distinguir a cidade de Atlântida e a festa com canto e dança. No detalhe, o Boi que se transforma em homem novamente para celebrar. A Virgem recebe a coroa das mãos de Toth e Yemanjá. A Virgem se uniu ao cristal de Atlântida, união que resultaria na Rainha Cristália. Esta cena representa o momento em que Atlântida é nomeada capital do Império do Sertão. O sertão virou mar. O mar virou sertão. O planeta realinhou sua frequência e a humanidade se elevou a um novo patamar de consciência. A Virgem pariu em Atlântida seus doze filhos, fruto das uniões que realizou em sua jornada. Os doze filhos da Virgem foram coroados reis de Atlântida, imperadores de Sertão e de todo o mundo. Pois, com a unificação planetária, não havia mais fronteiras.

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Encontros da Virgem # 12. Atlântida. União da Virgem do Alto do Moura com o cristal de Atlântida.

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A redescoberta da

Virgem

do Alto do Moura no Paço Imperial

É no mínimo gratificante realizar a presente exposição e reunir pela primeira vez tamanho número de peças relacionadas à Virgem do Alto do Moura justamente no Paço Imperial, cenário de parte desta história. Temos o prazer de mostrar objetos de inestimável valor arqueológico e cultural, como os vasos originais que contam as peripécias da Virgem durante a viagem mítica para a salvação do mundo; a chamada Roseta da Gávea, documento da adoração dos filhos da Virgem no Rio de Janeiro; além das recriações contemporâneas de Nadam Guerra sobre os encontros da Virgem e as lendárias esculturas dos doze filhos realizadas por Euclides Terra.

Tivemos o cuidado de reunir um amplo material audiovisual e didático que torna acessíveis, ao grande público, as pesquisas da pós-arqueologia. Não dispondo de tempo suficiente para estudos mais profundos, mas entusiasmados pelas relíquias descobertas, esperamos contribuir com uma leitura dessas obras em diálogo com o que se sabe da trajetória viajante da Virgem em nosso mundo. Na ausência de certezas, fica o convite ao público para que contemple essas figuras antropomórficas plenas de aparatos alegóricos, bem como as placas de cerâmica que criam narrativas em torno da passagem da Virgem entre nós. Esses objetos são facilmente relacionáveis a outras produções de narrativas histórico-religiosas em culturas tão antigas como a egípcia, a indiana e a greco-romana. As placas se destacam pelo seu estado de conservação impressionante. De todo modo, estudos recentes apontam que o tom monocromático das mesmas merece mais estudos e averiguação laboratorial, já que fontes textuais antigas teciam elogios à sua policromia. Teriam as cores sido apagadas pela ação do tempo? Por fim, ficamos particularmente honrados em compartilhar essa pesquisa pela primeira vez com o público residente no Rio de Janeiro. Espera-se que a exposição contribua com uma maior disseminação da Virgem do Alto do Moura e que futuras gerações de historiadores, arqueólogos, artistas e autores de ficção se sintam convidados a também contribuir com seus olhares direcionados a ela. Juca Amélio (Pesquisador. Nasceu no Porto, Portugal, 1968)

Vista da exposição no Paço Imperial, junho e julho de 2016.

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Vídeos Os Vasos e a Lenda de Nossa Senhora do Alto do Moura Primeira documentação relativa a vasos encontrados nas recentes escavações no Parque das Sete Cidades. Busca-se desvendar o sentido da iconografia contida nas cerâmicas pela descrição da relação dos vasos com a lenda da Virgem do Alto do Moura. Vídeo, 2014. 13’ / Realização: Nadam Guerra e Juca Amélio / Locução: Tiago Cadete / Fotografia: Bernardo Scotti

Marliete A artesã Marliete, filha de Zé Caboclo e sobrinha de mestre Manuel Eudócio, é herdeira das dinastias de mestre do barro do Alto do Moura, Caruaru, PE. Ela dá um depoimento sobre sua trajetória criativa e sobre como a fé na Virgem e em Boneca de Lótus, padroeira dos artesãos do Alto do Moura, a ajuda em seu trabalho artístico. Vídeo, 2015. 3’ / Realização: Nadam Guerra / Fotografia: Erika Tambke

“Muita gente tem medo da sexualidade, acha que é uma coisa suja. Mas a Virgem do Alto do Moura me mostrou que o sexo pode ser divino, transformador. Pode salvar o mundo. Essa imagem ficou na minha cabeça: A Vigem e sexo salvador. Então eu fiz esta música para a Virgem porque eu quero ser a Virgem divina. Cada mulher deve ser divina e viver sua sexualidade plenamente.”

Like a Virgin A cantora estadunidense Madonna conta como uma visão da Virgem a inspirou a fazer uma composição muito difundida no Ocidente no fim do século passado, estimulando o empoderamento feminino e a cura pela divinização do sexo. A letra da música diz “Touched for the very first time” (“Tocada pela primeira vez”), e o documentário mostra a primeira aparição de que se tem notícia da Virgem, na sua forma de Virgem do Alto do Moura, no contexto da cultura pop. Vídeo, 1991. 7’ / Realização: Miramax / Tradução: Juca Amélio / Locução: Jojo Rodrigues

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Nas Bordas da Ciência episódios 1, 2 e 3 Série de TV especial sobre pós-arqueologia. Entrevistas com a astrônoma Denise Gonçalves, com o historiador Paulo Knauss e com a arqueóloga Ruth Mezeck, relacionando a descoberta da Roseta da Gávea, a cerâmica da Virgem do Alto do Moura, as novas concepções de tempo/espaço, a história do Rio de Janeiro e a do Paço Imperial. Vídeo, 2016. 7’, 8’ e 7’/ Direção: Nadam Guerra / Apresentação: Gabriel Pardal / Fotografia: Pedro Urano / Pesquisa: Juca Amélio / Som: Felipe Rodolfi Música: DJ Manual / Edição: Leo Liz / Produção: CPARJ / Gabriel Pardal veste: Gilda Midani.

“O que é pós-arqueologia? Não sabe? Eu também não sabia. As principais cabeças da ciência brasileira estão formulando novas teorias que podem nos fazem repensar tudo o que sabemos até agora sobre o tempo, o espaço e a história da humanidade.”

“Tempo e espaço são uma única entidade flexível e podem ser distorcidos pelo campo gravitacional. Caso consigamos manipular o campo gravitacional, será possível acessar tempos diferentes do mesmo espaço, ou fazer viagens instantâneas entre grandes distâncias. O mais surpreendente dessas revelações é que ruínas que hoje são consideradas vestígios de civilizações muito antigas são, na verdade, vestígios do futuro!”

Reportagem TV Verdes Mares Reportagem Programa Multimídia Reportagens para a TV no contexto da exposição “A Virgem do Alto do Moura”, no Centro Cultural Banco do Nordeste Cariri, Juazeiro do Norte, CE. Vídeo, 2015. 2’45” e 6’20”

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“O Paço Imperial seria o melhor lugar seria para encontrar este achado da arqueologia do futuro (…) Seria uma forma de contar a história de um novo ponto de vista, não da nossa tradição de investigar os vestígios do passado (…), mas de inventar um novo pensamento histórico interrogando o futuro a partir de um vestígio que a gente ainda não conhece.”

“Talvez seja possível afirmar que toda informação que temos sobre civilizações anteriores a 7 mil anos atrás sejam projeções nossas de um futuro que estamos construindo hoje. (...) Ao estudar a cerâmica “Roseta da Gávea”, a datação por carbono14 é mais de 2 mil anos no futuro. O mesmo acontece com os vasos que contam a saga da Virgem do Alto do Moura. São exemplos que põem em xeque nossa noção de história e que só podem ser explicados a partir de uma nova arqueologia ou de uma pós-arqueologia.”

L’apparition de la Vierge à Altkirch Depoimento sobre a aparição da Virgem do Alto do Moura na cidade de Altkirch, na França. Vídeo, 2016. 3’ / Fotografia: Richard Neyroud / Com Elli Humbert e Mathilde Moreau.

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Procissão para Cristália Cristália é a última das filhas da Virgem do Alto do Moura, principal deusa cultuada na região do Rio de Janeiro após a Grande Virada. É o cristo feminino, padroeira do Rio de janeiro na Nova Era, grande mãe de Atlântida, senhora do reino mineral e da união de todos os seres. Durante a exposição e redescoberta da Virgem do Alto do Moura no Paço Imperial, um grupo de devotos e visionários promoveu uma procissão levando a imagem de Cristália por pontos chave, como o Chafariz de Mestre Valentim, na Praça XV, e a localização de seu outro chafariz gêmeo, destruído no antigo Largo do Moura. Locais onde haveria a entrada de túneis para Atlântida. Com a adesão do Núcleo de Cultura Popular Céu na Terra, os devotos cantaram e celebraram a grande mudança que está por chegar. Antevendo o novo tempo pós-capitalista onde todo o mundo se unirá e as fronteiras serão abolidas formando o Império do Sertão, um reinado de paz.

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Acima: mapa indicando a entrada dos túneis para Atlântida. Abaixo: cortejo dos devotos de Cristália no chafariz de Mestre Valentim, Praça XV, e no Paço Imperial, participacão da Cantoria do Céu na Terra.

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Escapulário de Cristália Colar recolhido entre os adoradores de Cristália. Conta-se que teria se materializado pelas mãos da própria Virgem do Alto do Moura.

Ao lado: colar de marchetaria em ébano e madrepérola. Sem data. Abaixo: santinho de Cristália por graças recebidas.

Cerâmica pós-arqueológica, sem data.

Roseta da Gávea Roseta da Gávea são algumas peças com variações da mesma tipologia pictórica encontradas nas escavações do metrô do Rio na altura da Pedra da Gávea. Foram apelidadas pelos pesquisadores com este nome em referência à Pedra de Roseta que possibilitou a tradução dos hieróglifos egípcios no século XIX. Nos desenhos, pode-se identificar uma correspondência entre alfabetos arcaicos e, ao centro, a silhueta de Cristália, a última das filhas da Virgem do Alto do Moura, principal deusa cultuada na região do Rio de Janeiro após a Grande Virada.

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Fé na Atlântida por Raphael Fonseca

A Virgem, o Boi e o Dragão sonhando na Oceania Cerâmica na cor natural. Euclides Terra, sem data. Representa a parada em uma ilha desconhecida do Pacífico, onde a Virgem, o Boi e o Dragão dormiram juntos, tendo o sonho em que se encontraram com a tribo aborígine.

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A Virgem do Alto do Moura, pesquisa artística e divindade criada por Nadam Guerra, caminha para o seu segundo aniversário oficial. Inicialmente apresentada na primeira edição da Bienal do Barro, realizada em Caruaru (Pernambuco), em 2014, a proposição ia de encontro com as histórias da cidade e da região. Na parte alta da cidade, precisamente no Alto do Moura, habitava o Mestre Vitalino, escultor de imagens feitas com barro que se popularizou entre as décadas de 1940 e 1960, falecendo em 1963. Estas obras foram expostas e alavancadas ao estatuto de “arte popular brasileira” e, desde então, viajaram o Brasil e o mundo contribuindo (para o bem e para o mal) com a associação entre o fazer artesanal e a região Nordeste – fenômeno tão bem estudado pelo historiador Durval Muniz em seu livro A invenção do Nordeste. Enquanto isso, Nadam Guerra, coincidentemente, desde a sua infância realizava experimentos com cerâmica. Formado em Artes Cênicas, seu trabalho como artista visual se inicia pela exploração da performance e de suas associações com o vídeo. A cerâmica, porém, nunca deixou de ser experimentada; se olharmos com atenção, por exemplo, alguns de seus vídeos – penso em Como sair do buraco (2007) e Duas terras (2008) –, a relação entre o corpo e aquela mesma terra de onde é extraído o barro já era um assunto de seu interesse. Parecia coerente, portanto, que se estabelecesse um diálogo entre a sua trajetória e o encontro com Caruaru e a memória de Vitalino. 99


Casal no Boi Cerâmica pintada. Queima à lenha. Mestre Vitalino Acervo Museu Casa do Pontal

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A semente dessa proposição é uma provocação: e se, em vez de olhar para a produção de escultura em barro e buscar ali as “raízes do Brasil”, o público fosse convidado a uma odisseia multicultural com elementos de diferentes partes do mundo? Eis que nasce a Virgem do Alto do Moura. Baseada em uma escultura de Vitalino em que se vê uma noiva sendo carregada em um boi com seu marido à frente, esta mulher é alavancada à protagonista da narrativa, sem a necessidade dessa figura patriarcal, mas mantendo seu animal como meio de transporte. Chamada por Virgem, em sincretismo com o cristianismo, ela viaja diversas regiões do mundo que possuem tradições milenares no campo da cerâmica – Caruaru se torna um cometa que atravessa do México a Oceania, sem nos esquecermos da África, da Ásia e das tradições greco-romanas, rumo à Atlântida. A Virgem do Alto do Moura se desdobra entre imagem e texto. Há aqui a vontade de refletir sobre a relação entre documento e ficção, como feito por Nadam em relação ao Grupo Um e seus artistas fictícios com biografias e pesquisas destoantes. O artista convida o público a adentrar essa história que se baseia tanto na fonte textual, composta pelo próprio, quanto nas esculturas relativas às viagens da Virgem, às suas experiências sexuais com diferentes entidades espirituais e, claro, aos seus filhos. Em 2015, os objetos que foram mostrados em Caruaru participaram de nova exposição individual em Juazeiro do Norte (Ceará), no Centro Cultural Banco do Nordeste, somados a um painel do mapa-múndi com o trajeto percorrido pela Virgem e suas relações com os doze chakras, o que contribuiu para uma melhor compreensão por parte do público. A exposição no Paço Imperial, no Rio de Janeiro, tem seu início neste último projeto e nas reflexões recentes do artista – mais do que meramente compartilhar objetos com o público e convidá-los a uma experiência de fruição, Nadam deseja expandir o ato ficcional das narrativas dos objetos para a própria organização expositiva. Toda exposição artística é pautada num desejo de estabelecer narrativas a partir da reunião de objetos (ou ações) embebidos de um estatuto – e se o objeto de arte fosse a exposição em si? Chegamos, portanto, a esta “Redescoberta da Virgem do Alto do Moura” – nossa Virgem caminha de Caruaru para o solo natal de seu criador. Além do conjunto de 38 esculturas em barro dispostas em tradicional mobiliário museográfico como vitrines e púlpitos, uma série de vídeos é apresentado. O primeiro deles, já presente em Caruaru e em Juazeiro do Norte, apresenta uma narração acerca dos passos da Virgem a partir de seus vasos. Feita 101


pelo crítico e pesquisador português Juca Amélio, os objetos são mostrados em um torno e sua fala lusitana se aproxima do compasso de um narrador do Discovery Channel. Em caminho semelhante, “Nas bordas da ciência” apresenta uma reportagem ficcional em que um jovem jornalista entrevista especialistas como a cosmóloga Denise Gonçalves, o historiador Paulo Knauss e a arqueóloga Ruth Mezeck a respeito das relações entre a Virgem, o passado, a pós-arqueologia e a cidade do Rio de Janeiro. Esse dado, inclusive, merece ser destacado: as recentes escavações ficcionais de Nadam Guerra descobriram que a Virgem tem uma ligação clara com o território do Paço Imperial. No território próximo ao edifício, foram encontrados vestígios de milenares túneis subterrâneos que conectavam o Rio de Janeiro à Atlântida. Sendo a Virgem uma entidade que parte do sertão de Pernambuco rumo à Atlântida na busca por uma nova ordem mundial pós-capitalista, esses dados não poderiam passar desapercebidos. Junto a essa descoberta, a Roseta da Gávea (uma versão tupiniquim da Pedra de Roseta), escavada logo abaixo da Pedra da Gávea durante a construção da linha Barra-Gávea do metrô (se é que um dia ficará pronta), não deixou dúvidas ao artista de que estes artefatos, ainda nunca mostrados ou debatidos, mereciam a atenção do público. O culto à Virgem nunca foi tão disseminado como nos últimos dois anos. Esse fervor levou a uma revisão do clássico documentário Na cama com Madonna, de 1991; “Like a virgin”, na verdade, é uma grande música gospel de adoração a esta entidade além-mares, conforme comprova um dos vídeos da exposição. De Hollywood para o Rio de Janeiro, durante a exposição foi realizado um grande cortejo público de Cristália, o Cristo feminino, padroeira do Rio de Janeiro. Feita em tamanho maior e equilibrada sobre os ombros de seus devotos, Cristália foi carregada do Paço Imperial até o sítio arqueológico em que os túneis para Atlântida foram descobertos, no antigo Largo do Moura e na atual Praça XV. O Núcleo de Cultura Popular Céu na Terra acompanhou com sua banda, um grupo de pessoas vestidas de branco se concentrou em conjunto e um santinho foi distribuído com a música composta para a ocasião. De boneca de barro, Cristália foi vertida em elemento de culto fervoroso em um espaço de encontro entre a religião e a festa, entre o culto e o Carnaval. As narrativas e o potencial criativo de Nadam Guerra se ampliaram de modo dialógico – do ateliê de cerâmica para o espaço expositivo, da exposição para as bocas dos entrevistados e dessa oralidade para o ato de se cantar em conjunto em busca de esperança e paz. “A Virgem do Alto do Moura” se configura como um projeto que consegue reunir de modo trans-histórico elementos de diferentes 102

Duas terras. Vídeo, 6’. Nadam Guerra, 2008. Abaixo: vista da exposição no Paço Imperial

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Cortejo dos devotos de Cristália na nova passagem do antigo Largo do Moura. Ao lado: imagem ritualística de Cristália cedida pela associação de devotos da Virgem do Alto do Moura (entidade religiosa pós-crística, pré-Grande Virada)

tradições iconográficas e acontecimentos politicamente densos como as escavações e alterações topográficas sentidas nas ansiosas preparações para as Olimpíadas no Rio de Janeiro. A possível postura política dessa pesquisa não se dá de modo panfletário e literal, mas convida para a fruição das múltiplas abas que se sobrepõem. Passado, presente e futuro (não esqueçamos de que se trata de uma pós-arqueologia) se misturam sem medo de ser felizes; ao final da exposição, olhamos ao nosso redor e não sabemos mais o que é verdade e o que é mentira – mas não é para esse lugar de incerteza que as imagens potentes nos empurram? Como diria uma série de pichações com cunho religioso no mesmo Centro do Rio de Janeiro, próximas à Central do Brasil, “Quem adora imagem, adora o diabo!”. O que Nadam Guerra nos mostra, em oposição ao tom imperativo dessa frase, é um elogio ao diálogo entre as diferenças, mas sem deixar de lado o amor às imagens. Deuses ancestrais ou invenções contemporâneas, “qualquer maneira de amor vale a pena”. Perante o caos do presente, só nos resta nos unir a essa multidão e termos fé no retorno futurista de Atlântida.

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Para conhecer mais, leia o poema ĂŠpico no livro Os 12 Passos da Virgem do Alto do Moura, uma jornada de cura planetĂĄria.

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