as
Vacas
Profanas
belÉm - parà abril de 2014
Editorial
O Vacas Profanas é um grupo de estímulo e cultivo de espaços dentro e fora de nós que possibilitem expansões e trocas de saberes e memórias clandestinas, marginalizadas por uma lógica patriarcal histórica, guardadas como segredo, sagradas por resistência. Lugares de (re)construção e experimentação coletiva de uma solidariedade feminina sob a forma das mais variadas manifestações. A dança, a arte e a música embalam nossos gritos. Pelo direito de compartilhar: resistir juntas às violências cotidianas; subverter a ordem e as estruturas opressoras; experienciar o devir mulher em suas mais diferentes formas. Pelo direito de ser mulher como eu quiser. Por tudo isso: “Tamo juntas no pasto!” Vacas Profanas
Nesta edição do Zine Somos: Luah, Duda, Luana, Lanna, Janaína, Dandara, Bianca, Luiza, Michelle, Luciane, Inaê, Mohara, Nara, Victoria. contudo, somos também outras mulheres que compõem o cordão nos ensaios da batucada, nas rodas de conversa, no espaço virtual e nos lugares de afeto.
Canta e vem brincar! Amo de Boi
Ama é de Vaca
A estrela na tua testa é linda, boizinho mas não viemos roubá-la Viemos mostrar a luz que também carregamos.
Olha como ela alumia!
Espia, é a Lua que trazemos no ventre. Lua nova, Lua crescente, Lua Branca, Lua Vermelha Lá no céu a Lua sorrirá aqui na Terra a Vaca brincará!
Quero ver a Vaca brincar!
Vaca aluada Vaca profana Flor de Mururé Brinca Vaquinha Inaê Nascimento.
ilustração michelle c.
Eu vim trazer minha vaquinha pra brincar.
Boizinho, da onde vens? Opa, lá tinham vacas também! Ao falar sobre a história do boi-bumbá aqui no Pará é importante destacar que ele é uma manifestação cultural que se construiu num contexto social pouco solícito na época (os primeiros registros na imprensa datam de 1850). A brincadeira era formada por negros e mestiços dos bairros pobres de Belém e assumiu aqui uma característica muito peculiar, que foi a de brincadeira-luta, uma vez que muitos dos que brincavam eram capoeiristas. São conhecidos os encontros violentos entre bois rivais. Mas, para além das brigas entre bois, essa prática se constituía como uma luta pelo poder de significação, pela identidade cultural frente às várias políticas de opressão que foram implementadas ao longo dos séculos XIX e XX. A literatura sobre boi bumbá mostra que no início do século XX, algumas mulheres montaram seu próprio boizinho em Belém. Eram mulheres negras, boêmias e -para a moral da época- donas da própria vida.
Abram alas para o
Flor Mururé! Cordão
de
O enredo básico que permeia o BoiBumbá, se inicia quando uma Mulher grávida deseja comer língua de boi, e seu esposo resolve atender seu pedido. Às vezes é um casal de escravos, às vezes de trabalhadores rurais. A língua de boi desejada, no entanto, é a do viril boi reprodutor do Patrão. Catirina é a mulher que deseja comer a língua do boi reprodutor do Patrão. Catirina é a mulher que escolhemos pra ser a Ama da Vaca, no nosso Cordão Flor-de-Mururé. E com ela trazemos as Icamiabas, as Amazonas, as Matintas, as Mães d’água, as Iacis, as Iaras, as Aiabas, as Marias, as Caninanas, as Dandaras, as Cleonices, as Cláudias, todas as Sacerdotisas, todas as Bruxas, Feiticeiras, Mães de Santo, Xamãs, Curandeiras, as Lobas, as Deusas-Vacas. Nossas Avós, Nossas Mães, Nossas Filhas, Nossas Irmãs. As Vacas Profanas se inspiram nas manifestações populares como o Boi-Bumbá, e trazem o Cordão Florde-Mururé como uma brincadeira política, uma luta poética pela libertação e comunhão das Mulheres.
NÃO É CONTRA O BOI, É PELA LIBERTAÇÃO DA VACA!
Uma vaca, tantos mitos Na Índia hinduísta, a vaca pode circular livremente pela cidade, ela é uma acompanhante de Shiva A aterradora e emblemática encefalopatia espongiforme bovina veio de Tókio. Há quem diga que a vaca ficou louca porque os homens a alimentaram de carne. A única oportunidade que os escravos tinham de comer carne era quando uma vaca atolava, sacrificada, era cozida com mandioca. Hoje o caldo é conhecido como “vaca atolada”.
"Todas nós temos anseio pelo que é selvagem. Existem poucos antídotos aceitos por nossa cultura para esse desejo ardente. Ensinaram-nos a ter vergonha desse tipo de aspiração. Deixamos crescer o cabelo e o usamos para esconder nossos sentimentos. No entanto, o espectro da Mulher Selvagem ainda nos espreita de dia e de noite. Não importa onde estejamos, a sombra que corre atrás de nós tem decididamente quatro patas." Clarissa Pinkola Estés. Do livro “Mulheres que correm com os lobos”
Bianca Levy
Contraindo, descamando, manipulando És o que define e o que destrói. Feminilidade do fundo do folículo, ora inerme, ora desbravador. Dentro de nós és homem, enlouquece, causa dor e faz mulher Prazer em ser a órbita da vida e do sexo. És sangue que alheio a beleza Emerge entre cólicas e pelos todos os “defeitos” da mulher subjulgada perfeita Perséfone que grita das suas entranhas os desejos definidos por hormônios És o temperamento o sabor das compreendidas renitentes - e inesquecíveis fêmeas.
vacasprofanas@riseup.net vacasprofanas.noblogs.org/ facebook.com/vacas.profanas.33
Em nosso cordão Vaca e boi Mesma potência Poder disputam não
Grotescamente assemelhada À mulher e sua cria Subproduto da medicina desumanizada Na ditadura que nos “desnecesaria”
Em nosso cirandar Vaca e boi Festejam, fraternos Oposição complementar
Louvar nossos corpos fluidos, ciclos, marés Dançar nossos corpos Indefectíveis, lunares
Envacara-se profanamente Duplo enfrentamento é Desorganizar o progresso De ostensiva opressão sobre o Ser Mulher
Ousar ancestrais conexões A matrística lógica da vida reelaborar Semear, curar, partilhar paixões, conhecer, cuidar, (a)ma(r)ternar
Livrar-se de todo julgo De ser mãe, vaca , santa, puta, E num só movimento d’asa Gozar da liberdade Vadiar e ir à Luta
O chamado vem de dentro Vacas, profanem-se! Irmanadas Vamos todas cirandar Enluaradas Icamiabar! Icamiabar! Mohara
Não se nasce vaca Torna-se Vaca escrava, confinada mercadoria na indústria do leite Pelo especismo humano desnaturalizada