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NÚMERO 44

¬ Abril 1935

PRESENÇA FÔLHA DE ARTE E CRÍTICA

BLA C EDIT K . ION



Índice ¬ 02 SETE CAPRICHOS PARA ELA por Carlos Queiros ¬ 04 PANORAMA DA POESIA ITALIANA DE HOJE por Lionello Fiumi 08 MEIA DÚZIA DE VERSOS por João Bensaúde 09 COMENTÁRIO por José Régio 12 ENSAIOS CRÍTICOS de Manuel Augusto 13 ALDO CAPASSO 14 FERNÃO LOPES DIZ! 15 CULPA TUA por Casais Monteiro 15 UM CANTO por Casais Monteiro 16 CRITICA por Manuel Anselmo 17 OS MENINOS MILINÁRIOS por Rodrigues de Freitas 20 CANTO PASCOAL 21 LIONELLO FIUMI

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x SETE

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SETECAPRICHOS TEXTO: Carlos Queiroz

Que a tua carne sofra ou goze, Há sempre, nos teus olhos, a miragem Da sêde que sucede ao acordar Duma longe narcose. No quente aroma que o teu corpo exala, (Róseo berço de nuvem que embala), Há tantos trechos de paisagem Do campo e da beira-mar! Quem disse que a carne é vil? - Bemdito o sex.appeal Que assim me deixa viajar! O cheiro do jardim era uma luz Na escura noite que eu puz No beijo que te dei. (Virgem? – Não sei). Que discreto e pesado anoitecer! Disseste: - Quero morrer... E foi por isso que te amei. (Virgem? – Não sei.) Canto cálida calma do teu corpo, Deitado na praia; A fina brisa que te ondula a saia, O sol que queima a tua pele! Canto o sabor a mel Dos teus ingénuos beijos de petiza; O instintivo gest de compor Aalça da camisa, E o jôgo que é para mim Adivinhar-lhe a côr. - Fim.

Neste breve poema quero pôr, Com delicada, feminina arte, Esta lembrança quási estranha, Que me acompanha, Por tôda a parte, Como o teimoso aroma duma flor: - No teu sorriso sobrenatural, A pequenina dúvida banal Que anima o nosso amor... Doutro modo não sei. Há tantos dedos No geste que me pedes para ter! (Se tu soubesses como é bom saber Guardar segredos)... Um conto para adormecer? - Era uma vez um reino, cujo rei Ia morrer. O rei ia morrer... Quem máu-olhou a cítara que eu tanjo?! Doutro modo não sei. Não nasci para anjo, E a tua bôca sabe a amanhecer! Podes dormir. Podes dormir, serêna, Como dormias em pequena, Depois da benção maternal. Não rezaste? – Não rezes, não faz mal! Há um condão em ti, Há um halo divino, que eu bem vi Na tua fronte, a iluminar-te o berço, Á flor das ondas, nesse mar que existe, (Não digas que nunca o viste!) Suspenso no Universo!

A estrêla que rasgou o firmamento... Foste tu que passaste, Nua, no meu pensamento; A rosa-rosa que arranquei da haste... Foste tu que sorriste, Nua, no meu pensamento; A carta que não me escreveste... Foste tu que vieste, Nua, no meu pensamento; A núvem que deixou o céu tão triste... Foste tu que partiste, Meu amargo prazer, doce tormento!

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TEXTO: Lionello Fiumi (Trad de ACM)

IMAGEM: Ana Botelho

É hoje um facto estabelecido que a fogueira do futurismo, acessa

quando terminou a guerra que um novo grupo se formou em Roma,

pelo famoso manifesto de Marinetti no ‘Figaro’, em 1909, e sobretudo

em redor de uma revista: ‘La Ronda’ que prègava a cruzada implacáv-

pela primeira ‘Antologia Futurista’ de capa vermelho-incêndio, acor-

el contra qualquer tentativa vanguardista e o dever de um regresso

dou a poesia italiana, entorpecida sob o jugo da imitação d’annuziana

à grande tradição italiana, em especial Léopardi. Os escritores de

e pascoliana e gemendo nos langores «crepusculares» (Corazzini,

‘La Ronda’, os Cardarelli, os Bacchelli, os Montano, os Baldini, os

Gozzano, Moretti), dando a todos os poemas, mesmo áqueles que

Cecchi, eram bons teóricos, mais prosadores do que poetas, como

não solidarizavam com Marinetti, um sentido novo dos problemas

mais tarde revelaram. A sua influência foi todavia considerável. E

líricos e técnicos que se impunham.

poetas como Soffici, que tinham chegado ás maiores audácias das

Mas outros grupos se formavam aí por 1914, entre os quais o da

palavras de liberdade, repentinamente, tomado demasiado á letra

revista ‘La Voce’ (A Voz) de Florença e o ‘La Diana’ de Nápoles (van-

esta predicação, renegaram todo o seu passado revelucionário, para

guardismo), que continham já um elenco de reflexão, uma volta ao

se dedicarem à mais formal imitação de Léopardi e até de Foscolo.

equilíbrio, no meio da algazarra das palavras em liberdade precon-

Após casos dêstes, falou-se insistentemente dum regresso á

izadas pelo chefe do futurismo. Ninguém recusava a sua admiração,

tradição, espécie de Canossa à qual teria vindo, arrependida, a cabeça

nem o seu respeito, aos melhores poetas que formaram a primeira

coberta de cinzas, toda a poesia italiana. Mas é necessário não gen-

équipe – Buzzi, Govoni, Palezzechi, Folgore, D’Alba, Mazza -, nem

eralizar. Na realidade a posição da poesia actual é bastante diferente.

mesmo ao próprio Marinetti. Entre alguns dêstes futuristas e os es-

Houve, sem dúvida, poetas dignos de respeito, com Gerace, Or-

critores de ‘La Voce’, a saber Papini, Soffici, Onofri, Ungaretti, Jahier,

sini, Ballsamo, Crivelli, Longo, que nunca se afastaram da tradição e

Sbarbaro, assim como entre os vanguardistas de La Diana – como

tomam ainda como modelos, seja os mestres do século XIX, seja os

o signatário destas linhas, Moscardelli, Pitta Rosa, Cervi, Venditti,

da Renascença, ou até – Giuseppe Longo – os Gregos antigos. Out-

Villaroel, Ravegani, Valeri, Baganzani, Jenco, Giusso – e certos pre-

ros, sob influência do fascismo, entenderam o regresso à tradição

decessores renovados ao contacto da nova poesia – tais como Bon-

como uma concentração técnica, mais sôbre a raça do que sôbre os

tempelli, Borgese, Lipparinni, Novaro, Mastri, Ada Negri, Aleramo

mestres, e tentaram vivificar a poesia por uma atitude francamente

– existiram relações codiais, e mesmo verdadeiras alianças, dais

popular que não deixa de ser sedutora: pense-se na Malaparte e nas

quais, ‘La Diana’ de Marone foi o traço de união e a ‘Antologia de La

suas vigorosas ‘Cantatas do Arqui-Italiano’, em Maccari, em Buratti,

Diana’ (1918) a cúpula.

em Berta Ricci e, em certo sentido, também em Betocchi, em Hugo

Pode pois dizer-se que a vanguarda, sob as suas diversas formas e modalidades, estava senhora absoluta do campo. Não fois senão

Betti e nas suas encantadoras cançonetas. Mas no polo oposto, o futurismo, o já velho futurismo, não desar-

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mou completamente, Marinetti, não cessando, mesmo eleito pelo

senciais, tais como Montale, Quasimodo, Compasso, Jenco.

fascismo pela Academia, de se divertir, de lançar manifestos toni-

Os nomes de Grande e de Compasso levam-nos a falar de dois

truantes e de recrutar adeptos inflamados. A segundo ‘Antologia Fu-

centros que retreem neste momento a atenção dos amadores da

turista’ (1915) que, apesar mixórdia, contém alguns nomes notáveis

poesia pura. Grande dirige a revista:’Circoli’ (Circulos), que começou

– Fillia, por exemplo -, as revistas que intransigentemente futuristas

a apareceu em Génova e agora se publica em Roma, e que incluiu

recolhem, com os bons elementos do futurismo de há pouco (Carlli,

muitos nomes que acabamos de citar, ‘além de Barile, Bianchi, Na-

Setimelli, Corra, Vasari), as novas «vedetas» (Masnata, d’Albisola,

toli, Solmi, Valentini, Vigolo e Laurano que foi distinguido em Veneza,

etc.), os ruidosos concursos organizados pelo infatigável chefe de

com Meano e Vernieri, pelo Prémio Bienal. Aldo Capasso, o autor do

fila Marinetti (aéropoesia, casco de alumínio substituindo os louros

«Passo do Cisne» e de «Pais sem Tempo», que consideramos um

«passeístas», o melhor poema sôbre o tráfico do pôrtode Génova): tu

dos mais notáveis dos novos poetas contemporâneos e um dos mais

isto mostra que há sempre, em Itália, jovens orgulhosos de prestar

riscos do futuro, fundou em Génova uma outra revista: Lirica. Esta,

julgamento sôbre o envangelho das palavras em liberdade e das for-

dando um largo espaço aos jovens ‘poeti nuovi – repita-se a maioria dos

mas mais estravagantes.

nomes acima citados - tem o singular mérito de recolher dignamente

Abstraindo dêstes grupos, que constituem apenas minorias, a

os «velhos» de valor indiscutivel, como um Angiolo Silvio Novaro, da

massa mais numerosa dos poetas italianos avançou neste sentido

Academia de Itália ou uma Ada Negri. ‘Lirica’ oferece, além disso, em

que tende a uma renovação interior, susbtancial. Mesmo aqueles

cada número, uma larga colecção de poetas estrangeiros, tanto euro-

que se reclama de Léopardi, fazem-no com um espírito moderno,

peus como americanos, o que constítui uma muito interessante tenta-

que se quere aprender, no cantor de ‘O Infinito’, os dados eternos da

tiva para inserir a poesia italiana de hoje na corrente da poesia mundial.

poesia, a saber como se pode atingir a profundida lírica, a linha só-

Singular mérito, assim defini o da revista Capasso. Em Itália, com

bria e pura, não renega de modo algum o útil enriquecimento pelas

efeito, país de recente unidade política, até há pouco dividida em

experiências que sofreram. Pode um Ungaretti clamar a sua devoção

compartimentos rìgidamente estanques, herdeiros de um secular

por Léopardi ou até por Petrarca, que nem por isso êle esquece ter

espírito de fracção, as diferentes «capelas literárias» erguem infe-

vindo da vanguarda, comprazendo com hermetismos que o aparen-

lizmente entre si muralhas de privilégios e ódios tais como – assim o

tam mais a Valéry do que ao muito claro poeta de Sílvia.

creio – não existem em nenhum outro país. Se êstes concentículos,

A verdade é que cada uma de nós trazia já no íntimo do seu cora-

cada um dos quais irritadamente excluí os outros, e que podem fazer

ção o culto de Léopardi (veja-se a entrevista comigo, do grande críti-

crer na existência de divergências poéticas substanciais, quem nos

co Borgese, em 1921, reproduzida no seu livro: ‘Tempo di edificare’),

impediria de juntar a outros, isolados ou agrupados sob outras ban-

muito antes que ‘La Ronda’ o repusesse em voga, e que cada um

deiras, os poetas que acabamos de citar? Haverá barreiras – àparte

tirasse ou procurasse tirar proveito da sua ligação segundo a próprio

êsse interêsse de clientela – espiritualmente não insuperáveis entre

temperamento. E assim, sôb o signo deste grande nome, se encon-

«os novos» e certos poetas do vanguardismo de ontem, mais libertos

tram os poetas mais diversos, e se Umberto Saba parece ser um

a pouco e pouco de tudo o que era superabundância e bagatelas des-

dêles, Grande e Pavolini parecem ser outros, penetrados por vezes

culpáveis nos momentos de transição, chegados hoje a uma depu-

de léopardismo, até no movimento rítmico dos seus poemas. Estes,

ração absolutamente digna de respeito? Poetas como aqueles que

por sua vez, avisinham com poetas mais libertos, mas não menos

acabo de aludir – um Govoni, um Buzzi, um d’Alba, - não renunciam

dedicados á poesia pura, de linha descarnada, de condesações es-

a cantar, naturalmente, pelo simples facto de um ou outro director de

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revista, não tendo sequer o pudor do reconhecimento para quem lhe

valor lírico: e nomes de autores citados, Govoni, Jenco, Ungaretti,

deu o primeiro leite, lhes trancaram hoje ferozmente tôdas as portas.

Capasso, sobressaem nêste capítulo.

Igualmente, tampouco renunciaram a cantar os grupos combati-

E se é inútil procurar na poesia italiana uma esquerda politíca,

vos contra as quais rangem os dentes como cães de fila aqueles de

não menos ocioso seria procurar uma esquerda literária, àparte

que atrás falamos. Temos aqui poetas que perseguem a sua busca

o futurismo. Dadaismo, Surrealismo, não encontraram em Itália

de poesia com uma fé muito louvável e que têm direito a fazer-se

qualquer ressonância digna de nota. Para nos resumirmos: a poesia

ouvir. Os poetas de Palermo, por exemplo, reunidos em torno da

tem, lá, duas alas constituídas pelos seguidores de Marinetti e pelos

revista ‘La Tradizione’ de Mignosi, devem reter a atenção, mesmo

seguidores dos velhos mestres, mas a sua maioria está num plano

se sofrem a excomunhão de Roma ou de Florença. Inclinados para

moderno: modernidade mais a substãncia do que a forma, moderni-

a religião, e mesmo para o catolicismo, não são por isso menos

dade que pode falar de regresso à tradição mas que na realidade e

modernos quanto à concepção e à forma: Bonavia, Novelli, Pignato,

entende como aspiração aos valores eternos da poesia. É por isso

Agueci, Josia, o próprio Mignosi, têm as simpatias de todo o crítico

que por ela pode aproximar-se, nos seus melhores casos, dos poetas

honesto e imparcial. Esta vaga de espírito católico, na qual fizeram

mundiais que alguns passam pró estar nas linhas mais avançadas.

sensação os cados de Papini e de Giuliotti, estendeu-se pela poesia

Se a língua italiana fosse mais conhecida, é fora de dúvida que al-

italiana. Uma vezes são isolados, como o delicado autor do ‘Pequeno

guns dos nomes dos seus poetas seriam hoje moeda corrente entre

Orpheu’, Angiolo Silvio Novaro, como Alessandrini, Binaghi, Pezzani,

os amadores da poesia do mundo inteiro. É preciso contentar-se,

Umani, Drago, Cristina, outras vezes grupos, como «O nosso 900» de

para os espalhar, duma língua universal como intermediário, tal a

Fallacara, ou os néo-místicos de Florentino Manacorda, rematando

francesa. Publiquei, em 1928, nos «Ecrivains Réunis» de Paris, uma

ambos, hoje, na revista ‘Frontespizio’ de Piero Bargellini.

‘Anthologie de la Póesie italienne comtemporaine’, que, em 400 pá-

Tem esta poesia de espírito religioso o contraste numa poesia de

ginas, apresentava um número considerável de poetas, de Corazzini

espírito proletário? Há uam peosia de extrema esquerda, ou mes-

a Gonovi, de Ungaretti a Montale. Reservo-me para alargar essa

mo simplesmente de esquerda? Pensais no fascismo, e respondeis

escolha. Entretanto, traduzi para várias revistas, e traduzo regular-

imendiatamente que não. Contudo é preciso acreditar que isso não

mente a revista ‘Dante’que dirijo em Paris, desde hà quatro anos,

dependa do fascismo. Antes que Mossolinni estivesse no poder, qual-

uma grande quantidade de poemas, fora de qualquer preconceito,

do o bolchevismo correria livre nas ruas, aí por 1920, a Itália não teria

com um ecletismo ao qual devo muitas inamizades, mas que já me

encontrado o menor cantor das ideias moscovitas. Mesmo quando

permitiu erguer, no conjunto das colecções de Dante, um verdadeiro

houve, em 1890 e 1900, uma vaga de poesia social e socializante

panorama da poesia italiana de hoje.

(Ada Negri em «Fatalidade»), não house senão poesia literalmente detestável, não-poesia. A Itália é por demais profundamente mediterrânea, românica, católica, para que das suas camadas profundas saiam vozes líricas em desacôrdo com os seus caracteres étnicos. Existirá, em compensação, uma poesia fascista? Como não podemos chamar poesia a orgias de retórica – que, bem entendido, não faltaram – é necessário reconhecer que, até aqui, apenas a figura de Mussolinni, do próprio Duce, inspirou alguns poemas de autêntico

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umadúzia de versos Na noite daquele dia, ai! Não havia lua, Preguntava com mágua a água, aonde A lua nua se vai mirar: «Onde está ela, a tôda bela? Porque se não vem pentear?» E a lua nua, que o nevoeiro esconde Chorava e preguntava: «Onde me cairia o meu espelho velho?» O nevoeiro, é claro, era o culpado; E engrossava, calado. João Bensaúde. ¬

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COMENTÁRIO Interrogações e dúvidas sobre um depoimento

de Rodrigues Migueis da autoria de JOSÉ RÉGIO

Rodrigues Migueis é um homem que duplamente estimado: como artista, e como batalhador. Daí vem que leio com sincero interêsse o que se escreve, quando me chega às mãos. A sua interessante e pessoalíssima resposta ao inquérito aberto pelo suplemento literário do Diário de Lisboa – mereceria um comentário bem mais desenvolvido do que êste, Quer-me parecer que as opiniões de Rodrigues Migueis sobre a nossa literatura sofrem de certo constrangimento que lhes impõe as suas (dêle) tendências políticas. Ora reduzir-se-ia o caso a um caso pessoal, se não se identificassem idênticas limitações em vários homens cujam tendências políticas julgo afins às de Rodrigues Migueis. Assim de limitações pessoais (que todos temos) passam as suas limitações a ser uma limitação colectiva; um caso geral, e de interêsse público. Não sêndo este o longo comentário que deveria ser feito à resposta de Rodrigues Migueis, limito-me a encarar…, - como direi? – limito-me a encarar a sua não aceitação do papel capital que tem o individuo, como individuo, na criação artística. Do que seja o individuo a dentro de certos sistemas politico-sociais, não trato agora. Mas justamente, - parece-me que o reduzido papel do individuo a dentro de tais sistemas, bem como a negação lançada por tais sistemas a certas preocupações, disposições, inclinações (ou como quer que se lhes chame) de natureza individual ou colectiva, é que determinam demasiado Rodrigues Migueis quando fala de literatura dos nossos dias. Assim grande parte – da literatura dos nossos dias lhe não encara senão juízos parciais e pessimistas. O caso nem é novo, nem raro. Sempre, através das mais diversas doutrinas e dos mais diversos doutrinários, a literatura sofreu da confusão entre literatura e política. Hoje, tôda a obra de sensibilidade livre e pensamento especulativo sufoca tanto na Rússia como na Alemanha. Mas os séculos rolam, as épocas voam, as doutrinas dão a vez a outras doutrinas, uns homens morrem e nascem outros, tout casse, tout passe, tout lasse, - só o espírito permanece inatingível através das suas verdadeiras obras. Ora ouçamos Rodrigues Migueis: «Uma literatura que não responde às interrogações da sua época – pelo menos – está condenada ao esquecimento. Não vá supor que eu quero uma literatura acorrentada aos sistemas… Não. Mas a própria literatura desinteressada, sem parti-pris, convicta de neutralidade social e moral do seu tempo e abrir as asas ao espaço livre!» Propositadamente escolho um trecho que, em parte, parece desmentir qualquer acusação de dogmatismo doutrinário contra Rodrigues Migueis. Mas antes de mais, há a notar: Duas cousas dificultam qualquer crítica à resposta de Rodrigues Migueis:

Uma é a contradição mal disfarçada entre várias das suas assertações. Dir-se-ia que, felizmente, o crítico literário ou o artista ainda lutam nêle com o doutrinário político. Outra é o sentido dúbio, ou dúplice, ou duvidoso, de algumas das suas frases. Dir-se-ia que, em várias passagens, Rodrigues Migueis não quis, ou não pôde, tornar claro o seu pensamento. Sei que numa resposta forçosamente breve, e em que se tocam muitos pontos, não é possível o esclarecimento desejável. Mas… a mim próprio pergunto como acharia Rodrigues Migueis acôrdo entre alguns dos seus pontos de vista, em os desenvolvendo um pouco. É claro que isto lhes não nega interêsse. Somente, - um admirador de Rodrigues Migueis poderá querer saber, quando o vê fazer fogo para a direita e para a esquerda, o que é que em verdade pretende. Pôsto isto, reportemo-nos à nossa citação. Pregunta-se: Será finalidade essencial da literatura responder seja ao que for? A que responderá a criação da Madona do Campo Santo, de Fialho? a da Joaninha, de Garrett? a do Malhadinhas, de Aquilino? ou a do Hamlet, ou a do Idiota? Quer-me parecer que a literatura antes põe ( e quando as põe) interrogações, do que lhes responde senão a um problema de orde estética; e a resposta é a própria obra realizada. Mas…, mas não é o próprio Rodrigues Migues quem logo de comêço nos diz que «a função primordial da literatura de ficção é a do recreio, de prazer»? É claro que a afirmação também é discutível; como tôdas as de Rodrigues Migueis parece dar às palavras recreio e prazer o seu mais amplo sentido, pergunto: Não poderá admitir-se que uma literatura dê prazer e recreie sem responder a interrogações? Portanto: Rodrigues Migueis ora encara a literatura como uma actividade meramente lúdica, ora a submete a um conceito pragmatista. Fixemo-nos um instante nesta sua segunda atitude, que me parece mais própria sua; embora seja ousado, a respeito dum escritor cujas atitudes se declaram ainda incertamente, ( a de mero espectador azêdo, Rodrigues Migueis, não lhe fica bem) supor mais própria qualquer atitude. Penso que a literatura pode responder a interrogações, pode tentar responder-lhes, pode simplesmente pô-las, e pode nem sequer pô-las. Há a contar com a variedade dos temperamentos literários. Cousa difícil, sei-o por experiência própria, embora deva estar na base de qualquer atitude crítica. Aceitemos, porém, que tôda a grande literatura põe interrogações, e lhes procura resposta. Pregunto: Não poderá admitir-se que seja antes às interrogações eternas do homem eterno que a literatura busca responder? Não envelhecerá uma obra de arte precisamente na medida em que só responde às inquietações de uma época? E não perdurará na medida em que, através, ou não, de resposta

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provisórias a interrogações provisórias, sugere uma resposta eterna a interrogações eternas, exprime inquietações eternas embora de forma pessoal? Entendamo-nos: O leitor entende que chamo homem eterno ao que, no homem, permanece através da diversidade das épocas, dos meios, das circunstâncias históricas, das modalidades individuais; e que chamo homem temporal ao que nêle depende destas cousas. Evidentemente, o homem que através da literatura se nos revela é, ao mesmo tempo, um e outro: o temporal e o eterno. Mas a questão é esta: Será antes pelo que nos revela do homem temporal que uma obra dura por humana, - ou antes pelo que nos revela do homem eterno? Duram as tragédias de Shakespeare, ou as comédias de Mòliere, antes pelo que nos mostram do homem de sempre? Diz Rodrigues Migueis: «Uma literatura que não responde às interrogações da sua época - pelo menos - está condenada ao esquecimento». Ora aquêle importante PELO MENOS ao mesmo tempo salva e embrulha tudo nesta frase dúbia. Tal como está expresso, o pensamento de Rodrigues Migueis é o seguinte: Uma literatura, para viver, deve responder às interrogações que o homem se põe. Em primeiro lugar (parece) às eternas interrogações do homem de sempre; pois não respondendo a estas, deverá responder, PELO MENOS, às da sua época. Se o pensamento de Rodrigues Migueis é êste, - não haverá a a discutir senão o pragmatismo do seu conceito de literatura. Preguntei, então, se a Madona do Campo Santo de Fialho ou a Menina dos Olhos Verdes de Garrett (criações literárias que não me parecem responder a interrogações) já ganharam rugas ou deixaram murchar a graça. Mas ou eu leio muito mal nas estrelinhas de Rodrigues Migueis, - ou o que sobretudo o interessa na literatura actual não é literatura: são antes as respostas dos literatos (e umas certas) a interrogações actuais. E o pessimismo de Rodrigues Migueis nasce, principalmente, da irritação de sentir grande parte da nossa literatura actual quási indiferente às questões que a êle o preocupam pessoalmente; também..., (e aqui vai um cigalho dessa psicologia que enfurece tanta gente) também do descontentamento de ainda não ter êle próprio, Rodrigues Migueis, achado solução a tais questões. Parte do nosso pessimismo a respeito dos outros - gera-se num pessimismo a respeito de nós próprios. Eterna confusão de arte com sociologia e política! Eterna tentativa de submeter a essência libérrima daquela à temporalidade

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destas! Se alguma hora, porém, os artístas e os puros críticos de arte se viram tolhidos de todos os lados (o que não os impedirá de existir, Deus louvado) - é agora. Peço desculpa a Rodrigues Migueis, se esta interpretação da sua atitude não é justa. Tanto melhor, se não o é. Mas vejamos ainda alguns passos do seu depoimento, pelos quais cheguei a semelhante interpretação da sua atitude. Diz ainda Rodrigues Migueis: «Mas a própria literatura desinteressada, sem parti-pris, convicta de neutralidade, tem de mergulhar raises na realidade social e moral do seu tempo e abrir asas no espaço livre!» Ora das duas uma: Ou a literatura, pelo determinismo de sua própria natureza, não pode esquivar-se a mergulhar raises na realidade social e moral do seu tempo. Bem supérfluo se torna, então, aquêle imperativo tem de mergulhar. No segundo caso, porém, ainda se torna mais supérfluo; porque a literatura é o que é, não o que cada um de nós queria que exclusivamente fôsse. Ah, não fôra a literatura senão como quisera Rodrigues Migueis (ou eu) - e provávelmente não seria senão como viesse melhor às suas, dêle, possibilidades de realização (ou minhas). Que triunfi, sim, para qualidades de Rodrigues Migueis, ou eu, temos mais alto grau... - e que desastre para os que antes teem as que nos faltam! Mas a literatura é o que é; - e não há remédio senão aceitarmos a infinita variedade dos temperamentos literários. Relacionemos, agora, as seguintes queixas de Rodrigues Migueis: « Onde está o romance das nossas lutas políticas? Que deu de si a guerra? E os problemas morais e sociais - a subversão dos valores?» Evidentemente, seria bom que as nossas lutas políticas, a guerra, e aquela subversão dos valores que não sei bem o que seja - inspirassem, entre nós, boa literatura. Mas Rodrigues Migueis é artista. Poderá compôr novelas e romances sôbre esses motivos que o interessam. Oxalá o faça. Todos nós o leremos. Nenhum artísta, porém, o ouvirá, - se Rodrigues Migueis tiver a pretenção de indicar temas aos outros... Cada artísta tem os seus temas; quero dizer: tem uns temas preferidos, que se lhe impõem de dentro. E ai puro crítico de arte, o que mais importa não é que as nossas pequeninas lutas políticas ou as grandes catástrofes da guerra hajam inspirado, ou não, a literatura. O que mais importa ao crítico literário, - é simplesmente que se produza boa literatura. Ou eu continuo a ler muito mal nas entre-linhas de Rodrigues


Migueis, ou o valor crítico das suas observações sôbre matéria literária continua limitado pelas suas tendências político-sociais. Prosseguindo: Diz noutro passo Rodrigues Migueis: «O homem, em nós, mata o escritor... A fantasia parece-nos um crime - diante da espantosa realidade.» Ah, que não! Nunca o homem mata o escritor, - num verdadeiro escritor. Muito embora me pareça que o homem, em Rodrigues Migueis, não matou o escritor, julgo que a observação de Rodrigues Migueis tem caracter introspectivo: julgo que êle fala de si próprio. Porque se pretende falar de todos nós, escritores, o que diz nessas linhas não é verdadeiro..., e ainda é tendencioso. Só o artísta demasiado preocupado com a solução dos problemas políticos e sociais do seu tempo pode a pena cair das mãos ante a realidade social e política: ou pode não cair, ergue-se para redigir críticas sob cujo aspecto de interêsse literário se afirmam sobretudo interêsses político-sociais. Entendamo-nos bem: De modo nenhum pretendo discriminar a sua missão da do artísta. Nunca ao artísta de vocação a fantasia poética parece um crime perante seja que realidade (palavra cheia de alçapões...) por essa fantasia ser, para êle, tão real (ou mais) como qualquer outra realidade. Ora que remédio propõe Rodrigues Migueis a essa inibição em que, segundo êle, a consideração da «espantosa realidade» (que é a social e política, suponho) deixa a literatura? «Recuperar o sentido do humano.» Plenamento de acôrdo. Recuperar o sentido do humano - é remédio aconselhável a tôdas as literaturas decadentes. Mas quando Rodrigues Migueis fala em «recuperar o sentido do humano», ou em «correr ao encontro da inquietação que tortura a maioria dos humanos», - ou continuo eu lendo muito mal nas suas entre-linhas ou é só dum certo humano que fala, e só uma certa humanidade que se refere. E não posso deixar de sentir o mesmo espírito profundamente tendencioso na sua crítica em vários pontos justa. Não posso deixar de sentir a mesma confusão entre sociologia e literatura nas suas acusações e panaceias. Se o artísta Rodrigues Migueis se sente inibido de criar certas realidades sociais e políticas, - acho bem, muito bem!, que rompa essa inibição mergulhando a sua arte nas próprias realidades que o preocupam. Por algumas amostras, penso que Rodrigues Migueis é hoje, em Portugal, um dos que podem criar belas cousas nesse sentido. Mas também podem outros artístas pensar que a humanidade ainda é mais vasta, mais diversa, mais complexa,do que a humanidade de Rodrigues Migueis. Sim, exactamente: os tais problemas

de ordem meramente psicológica, estética, matafísica, ética, ou religiosa, que tão incomodativos, enjoativos, antipáticos ou supérfluos se tornam a certos doutrinarios... Problemas que o ser humano põe ante si próprio e o seu destino; ante um outro ser ou outros seres; ante o absoluto, a eternidade, o universo ... - Sim, exactamente: os tais problemas, suponho, que Rodrigues Migueis classifica de «imaginários». Suponho, e antes suponha mal. Porque suponho que, para Rodrigues Migueis, são «imaginários» aquêles problemas cuja natureza é diferente da dos que o preocupam a êle. E basta. Convido o leitor a reler o depoimento de Rodrigues Migueis no Suplemento Literário do Diário de Lisboa (22 de Março de 1935). Há sempre o risco de se deformar o pensamento dum autor, ao separar pequenas frases do texto a que pertencem. E assim o leitor corrigirá qualquer involuntária deformação minha ao texto de Rodrigues Migueis. Isto, - por um lado. Que, por outro lado, as minhas transcrições são insuficientes; e só a leitura completa do texto de Rodrigues Migueis fará ver ao leitor se tenho razão descobrindo sob uma aparência de crítico literário um doutrinário político. Ao mais que há na resposta de Rodrigues Migueis, - não quero referir-me. Diz-nos êle que não pode haver crítica onde não houver «pontos de vista seguros, reflexão rigorosa sôbre os problemas, experiência, cultura vasta». Exacto. Quando os pontos de vista de Rodrigues Migueis forem ainda mais seguros (e consequentemente, mais claramente expressos) ser-nos-à mais fácil estar de acôrdo, ou em desacôrdo, com êle. E talvez uma reflexão ainda mais rigorosa sôbre os problemas, juntamente com uma experiência ainda mais larga e mais funda, juntamente com uma cultura ainda mais vasta, (há sempre possibilidade destas cousas ainda serem mais!) corrijam alguns anti-críticos excessos do seu pessimismo. ¬

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ensaios críticos de Artur Augusto. Edições «momento» Lisboa, 1925

O género ensaio sintético, a que pertence cada uma dos ensaios de Artur Augusto, não é género fácil. Longe de ser um género pelo qual se comece (embora haja a tentação de começar por êle)é antes como que a flor e o fruto duma variada experiência, duma segura maturidade de espírito, duma profunda cultura, duma intuição longamente verificada; sem o que, tôda a síntese se nos afigura inconsciente. Estas condições, não as revela ainda o livro de Artur Augusto. Bela e feliz desculpa o desculpa, - a sua juventude. Mas tais condições podem ser adiantadas, por aquela espécie de maturidade natural que concedem certos críticos de vocação certos dons innatos. Estes, também ainda não os revela suficientemente o livro de Artur Augusto. E permita Artur Augusto que se lhe diga estas coisas de cá, a Presença, - que eu já ouvi responsabilizar a Presença pelo que na «imagem» há de débil!: as sínteses precipitadas, feitas sôbre leituras incompletas ou mal digeridas; as amplificações caricaturais de certas ideias modernas; as afirmações categóricas, contraditórias, e insustentáveis a uma rápida análise; e as insuficiências de expressão que ora não chegam a explicitar o pensamento do autor, ora o atraiçoam. Acabo de enumerar os defeitos capitais do livro de Artur Augusto. Exemplifiquemos um pouco: «O círculo dentro do qual o moralista se mova para a construção do seu sistema, é restricto; tão acanhado como um cérebro infantil.» (antonio bollo e os problemas sa moral, da sinceridade e da originalidade). Artur Augusto leu algum dos grandes moralistas modernos ou antigos? e achou o seu círculo tão acanhado como um cérebro infantil?! É exigente. Mas que o leitor continue a ler êste ensaio..., achará outros exemplos de confusão. «O romance frio, realista, de análise calculada e objectiva, que fez as delicias de nossos pais, faliu, e faliu estrondosamente.» (acêrca da literatura brasileira). Falará Artur Augusto das obras.primas de Flaubert? das novelas de Maupassant? das inultrapassáveis páginas realistas de Tolstoi? das epopeias de Zola? da criação monumental da «Comédia Humana»? dos romances do nosso Eça? Não; não fala. Não façamos essa injúria a Artur Augusto. O que é, é que Artur Augusto caricaturiza certos ataques legítimos à dogmática realista. «A atitude do crítico é absolutamente pessoal, demonstrava só de um modo de ver.» (breve ensaio sôbre a crítica). Artur Augusto também leu, não é verdade?, vários críticos. E achou que a sua atitude era assim como diz? Ora vejamos: Se eu, criticamente, disser que a sua afirmação resulta duma amplificação, levada até ao grotesco, de certa tendência moderna a encarar o subjectivismo do crítico, aposto dez contra cem que a minha observação não será tomada como absolutamente pessoal. «Quanto a mim, sinto em Proust um realista que levou às maiores minúcias aquele processo analítico, de fotografia impressionada só pelo exterior das coisas.» (breve ensaio sôbre a crítica). Continue o leitor a ler o que Artur Augusto escreve sôbre Proust. Sentirá nascer no seu espírito esta pregunta que também me punge: Quantas páginas teria Ar-

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tur Augusto lido de Proust? Há, em Proust, várias páginas... que podem dar-lhe razão. «Para mim Casais Monteiro é um dos melhores temperamentos críticos da minha geração, em Portugal. O seu espírito, de uma grande rebeldia, de um perene descontentamento, continuamente revoltado contra tudo e contra todos, procurando sempre e através de tudo vincar a sua curiosíssima personalidade, é dos mais bem constituídos que jamais encontrei» (Casais Monteiro). Seria bem constituído o espírito dum homem «continuamente revoltado contra tudo e contra todos?» Julgo que nem o seu espírito, nem o seu fígado, nem o seu estômago, nem o seu sexo. Artur Augusto está tão enganado com Casais Monteiro como com Proust. Mas não farei mais citações. Quando Artur Augusto fala na «meditação quieta e quási edilica (sic) dos românticos», quando alude a «ess'outra análise fria e disforme», quando parece tomar como sinónimo de clássico tudo o que é morto, chato, mesquinho, fechado, - evidentemente expõe vistas muito parciais, e muito depreciativas, sôbre clássicos, românticos, realistas, no intuito de vitoriosamente lhes opor os modernos. Ora a mim próprio pregunto se as suas vistas sôbre os modernos não serão igualmente incompletas, e até depreciativas. Vem-me esta dúvida da noção que tem Artur Augusto de crítica moderna. Pois quê?! então a crítica moderna é essa licença desvairada, e essa petulante arbitraridade, que Artur Augusto parece supor em vários passos do seu livro? Então os criticos modernos mandaram passear tôda a cultura, voltaram costas a tôdo o esforço do crítico para superar os seus gostos meramente pessoais, entronizaram a indisciplina e a revolta contra tudo e contra todos, acharam legítimos, interessantes, e criticos, todos os pensamentos que lhe zigue-zaguearam no cérebro? Se assim fôsse, letras seriam letras e todos os jovens de letras seriam criticos. Que Artur Augusto saiba perdoar-me êstes reparos, - e outros que ficam por fazer. Mas Artur Augusto precisa reler não só os críticos modernos, como em geral, tôdas as obras de que fala. E a reflexão, depois, lhe ensinará a aproveitar melhor os dons de simpatia, inteligência e coragem afirmativa malbaratados neste livro infeliz. ¬


Como se pode ver no Panorama de LionellFiumi, que neste número publicamos, Aldo Capasso, pertencendo à novissíma geração de poetas italianos (o seu primeiro livro de versos, «Il passo del Cigno», é de 1931) é contudo, já, um valor marcante. As razões para tal são fáceis de descobrir: a poesia de Capasso é das que se revelam, desde o inicio, em tôda a sua plenitude; a juventude do homem nada tem com a maturidade do artista. Há poetas que, começando a publicar muito cedo, nos dão o espectáculo da sua evolução para a maturidade; outros, ou porque só tarde começam a escrever, ou por não publicarem o que escrevem, das incertezas de quem começa e ainda não sabe ao certo quem é. Pertença a uma ou a outra desta duas últimas categorias, o certo é que encontramos em Capasso tôdas as características do artista já formado. Poesia trágica, de homem vivendo sob os signos conjugados do Amor e da Morte, ôra doce ora angustiada, entrecortada de descidas ao magma dos instintos, mistura de clarões luminosos e de serpear de lavas, tõda em oscilações de alma inquieta – a poesia de Capassp é de um homem que não se reconciliou com as feridas que as feridas lhe fez. O homem submetido ao tempo, encadeado á carne, o desejo de libertar-se as fôrças instintivas, eis algumas das artérias desta poesia. Bem ao contrário da calma, do tom directo, da harmonia de Fiumi, a poesia de Capasso tem como características essenciais o contraste de imagens contraditórias, a sonoridade nocturna, e qualquer coisa de flagelação no ardor com que o poeta se dobra sôbre o seu pôço e se dilacera. E a natureza, aqui, não é senão uma intérprete do poeta, que nas suas formas exprime as fases da sua luta interior. Na poesia de Capasso temos um belo exemplo de quanto é falsa a idèa que anda por aí quási lugar comum, segundo a qual a liberdade rítmica e anarquia seriam uma

e a mesma coisa. Veja-se o que diz Valery Larbaud, no belo prefácio que escreveu para a tradução francesa do livro de Capasso, «A’’ la Nuit: Moderne aussi, nouvelle el personelle, est la métrique dês Poèmes de Aldo Capasso: cést le vers libre, sans autre loi que celle de se conformer au sentiment qu’il tradition. Peut-être qu’un jour les historiens de la Littérature – au moins ceuz dês Littératures de nos domaines linguistiques occidentaux, - prendont pour ligne de démarcation entre le Romantisme et le Symbolisme, l’époque où le vers-libre est apparu, fruit du long travail qui avait amené les mètres codifiés à une perfection, à une souplesse, au-delà desquelles la pensée poétique, la voix lyrique, devaient, pour se déployer, s’affranchir non sculement de la rime mais dês rythmes dits «réguliers» - et plus difficiles à observer». Eis afirmações luminosas que oferecemos aos que fazem precisamente cavalo de batalha, contra a poesia de ritmos pessoais, da afirmação gratuita de que não tem dificuldade e que portanto é fácil fingir-se quem quer poeta. Sempre o equívoco das aparências! Capasso, de quem publicamos alguns poetas inéditos, sendo dos poetas modernos mais ligados, por certas características da sua linguagem, por exemplo, ao passado (Dante, Petrarca, Léopardi), é daquelas personalidades que melhor podem ajudar a compreender, por êsse contraste, que a poesia chamada vanguardista, ou modernista, etc.., é , essencialmente, POESIA, e que nas grandes altitudes, usar ou não ritmos regulares é o que menos importa, pois que a poesia é mais alguma coisa do que os caminhos de que se serve para se tornar visível aos olhos humanos. ¬

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DIZ: TODOS NÓS CONHECEMOS FRANCIS!

FERNÃO LOPES FRANCIS ¬ Nós, portugueses, filhos de um país pequeno, temos a obcessão do grande. Vemos, sentimos, julgamos tudo e todos em grande. E já é grande a lista de coisas nacionais: grandes hoteis, grandes casinos, grandes jornais, grandes jornalistas, grandes generais, grandes estadistas, grandes músicos, grandes orquestras, grandes romancistas, grandes sábios, grandes dramaturgos, grandes cineastas, grandes «estrelas», etc., etc. Agora inventámos também um grande bailarino: Francis. Era só o que nos faltava. Todos nós conhecemos Francis; todos lhe admiramos, mais ou menos, os dons artísticos. Mas o que é preciso dizer é que Francis não é um grande bailarino, porque Francis nem sequer bailarino é. Francis o que é é um bom dansarino de género. Onde está a diferença? - Em pouco, que é, afinal tudo: na técnica. O bailarino possui uma técnica especial ginástica e rítmica, um vocabulários específico de gestos, um jôgo sui generis de movimentos, cuja acquisição requere uma longa aprendizagem, até à consecução de uma maneira, um estilo, mais ou menos infringíveis consoante o talento do bailarino, mas cujo fundo é, em todo o caso, permanente. O dansarino requere apenas um certo dom de plasticização, uma certa facilidade de movimentos, uma certa intuição rítmica, que não chegam, na mor parte dos casos, a construir uma técnica. Ora, é êste o dom de plasticização, esta facilidade de movimentos, esta intuição rítmica, possuídos por Francis num grau já nada vulgar entre nós, que, aliados a um vivo sentido pitoresco, fazem dele um ótimo dansarino de género. O pouco de técnica de bailarino, tardiamente adquirido, que, por vezes, exibe, nada acrescenta às suas dificuldades de dansarino, e creio mesmo que, por deficente, só o prejudica. E esta deficiência acusa-se sobremaneira quando se tem por partenaire uma bailarina autêntica - pois que Ruth Walden, a graciosa companheira de Francis, é, na verdade, uma bailarina «profissional», isto é: possuidora da técnica da sua arte ( a fundo ou ligeiramente, não importa o caso). Assentemos, pois, em que Francis é um excelente dansarino de género - o que já não é pouco. De facto, é como tal que nós o apreciamos e é através o prisma da dança ou

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da composição plástica de género que fazemos aqui esta referência ao espectáculo que ele deu no Teatro Avenida, onde apresentou algumas das estilizações de motivos portuguêses, que, diz-se, tanto sucesso lhe valeram em Paris. Temos que tal espectáculo nao logrou satisfazer-nos cabalmente. Não porque não reconheçamos em Francis qualidades, como já dissemos, mas por duas razões bem ponderáveis. Primeira: a uniformidade dos processos de realização, mais ou menos indênticos em todos os «motivos», do que resultou monotomia e sansaço estéticos. Segunda: a inferioridade dos textos musicais (executados, ainda por cima, ùnicamente em piano, - e que piano!), oscilando entre a autenticidade folclórica - estreita, portanto; a estilização dos processos inadequados - o que é um êrro; e a composição original, quási sempre, infelizmente, de um nível artístico inferior (salva-se, quando muito, a Dança, de Frederico Freitas) - abaixo, por conseguinte, da feliz estilização dos figurinos de Maria Adelaide Lima Cruz e Bernardo Marques, e da realização coreográfica de Francis, brilhante, apesar da sua uniformidade e de um outro deslize de gôsto. ¬


calai Cai a tarde sôbre as casas amontoadas Umas sôbres as outras, pobres receosas; Cai a tarde sôbre o meu coração fatigado De seus solitários pensamentos e de glória Sonhada. E eis que um canto quási grácil De mulher que redescobre a sua voz de virgem, Anula tôdas as casas e a recolhida Pobresa do meu burgo, - e me chama Ao remoto mundo dos sonhos juvenis, Pelos sonhos do homem tornando mais humano; Em planícies impossíveis lá onde o homem é forte E a mulher fiel, como é másculo O grande apêlo do vento nos plainos

um canto Deste-me o negro vinho da culpa. Tal como se bebe um golpe impuro e denso, Com um mixto de prazer

Abertos... Belo país de sonho, tive vergonha

E de horror, quando a sêde nos dá

De ti; a ninguém confessei (oh, nem sequer

Olhos cruéis de antiga fera, assim

À mulher mais amada, eu nãos ei amar Senão desconfiando, e a máscara sôbre o rosto, Com solidão, com oculto receio...) Que foste em mim presente nos meus anos felizes, Que me foste companhia no meu burgo selvagem, Que amei em ti a alegria de viver. Quanto te reneguei! E agora, como tu voltas! Uma voz de mulher evocando os tempos idos, Terna a recordar as ilusões vividas Mas não vãs, porventura, te reconduz ao altivo Coração daquele que foi sempre

Eu sem amor gozo o amor. Em ti Não sei amar o amor, embora amando-te. E tornas-te um sêr selvagem Que para dizer-te que o seu amor, cala e morde, Na sombra dum covil por mim feito profundo. Ah, não quero olhar-te, Quando os meus dentes te beijam, quando Em estertor, e de repente Tu que da minha vida és a ruína, Tens mêdo de mim, e das furiosas Garras. O escuro é-me cúmplice e amigo, -

Por demais solitário; descubro no canto triste e dôce

Que eu não veja o sorriso de agonia,

Duma mulher do povo – que espera volte do trabalho

Branco dos dentes nus,

O seu homem – o sabor inefável Duma lágrima, e aprendo talvez a ter piedade Não só de mim próprio, mas do coração do homem.

Onde espera a imprevista vilania Pela qual mais um dia renuncio A matar-te, amante sem amor.

VERSÃO DE ADOLFO CASAIS MONTEIRO Mi porti il nero vino della colpa. ¬ Come si beve un sorso impuro e denso, ¬ Con un piacere misto ¬ D’orrore, quando la sete ci dà ¬ Cruenti occhi d’antica fiera, tale ¬ Godo un amore d’amore, anche se t’amo. ¬ E tu mi muti in un selvaggio essere ¬ Che per dirti il suo amore, tace e morde, ¬ Nel buio d’un covo da me accecato. ¬ Ah! Non voglio guardati, ¬ Quando coi denti io ti bacio, quando ¬ Ràntoli, e in un momento, ¬ Tu che della mia vita sei ruina, ¬ Hai paura di me, delle furenti ¬ Branche. Il buio m’è complice ed amico, -¬ Ch’io non vegga il sorriso d’agonia, ¬ Bianco attenti d’improvvisa viltà ¬ Per cui ancora un giorno in rinuncio ¬ Ad ucciderti, dona senz’amore. Colpa Tua, original de Luigi Fallacara. Scende de la sera sopra de case strette ¬ L’una all’altra, povere timorose; ¬ Scende la sera sopra el mio cuorestanco ¬ Di suoi pensieri solitari e di glori ¬ Sognata. Ed ecco, un canto quasi gracile, ¬ Di donna che ritrova la sua voce di vergine, ¬ Distrugge tutte le case, la raccolta ¬ Povertà del mio borgo, - mi richiama ¬ Nel remoto paese dei sogni dell’uomo; ¬ Tanto più umani dei sogni dell’uomo; ¬ In praterie impossibili dà dove l’uomo è forte ¬ E la donna è fedele, como è maschio ¬ Il grande appello del vento sui piani ¬ Aperti... Bel paese del sogno, ebbi vergogna ¬ Di te; non confessai a nessuno (oh, nemmeno ¬ Alla donna pià amata, io non seppi che amare ¬ Con solitudine, con occulta paura...) ¬ D’averti in me portato nei PRESENÇA | 17 mio borgo selvaggio, ¬ D’avere amato in te la bellezza di vivere. ¬ Quanto ti rinnegai! E ora, come ritorni! ¬ Una voce di donna che pensa anni lontani, ¬ Tenera sul ricordo delle illusioni spente ¬ Eppur forse non vane, ti riconduce al cuore ¬ Superbo di colui che sempre fu ¬ Troppo solo; ritrovo nel canto dolce e mesto ¬ Di una popolana, - ilsapore ineffabile ¬ D’una lacrima, e forse imparo a impietosire, ¬ Non solo di me stesso, ma del cuore dell’uomo. Um canto, original de Luigi Fallacara.


CRÍTICA

SOLUÇÕES CRÍTICAS Coimbra. Imprensa da Universidade, 1934

MANUEL ANSELMO Eis um livro no qual a boa vontade é bem maior do que as qualidades reais do autor. Manuel Anselmo sofre, a meu ver, de vários defeitos, que, pelo menos por enquanto, aniquilam a sua sincera ambição de fazer obra que valha. Eº, e na verdade, fácil descortinar que êste autor possui certos dons de crítico, entre êles a capacidade de compreensão e de adesão indispensável para se poder criticar obras literárias. Mas... ou juventude, ou falta de auto-crítica, ou pressa, o certo é que êste livro, se deixa pressentir essas qualidades, não as manifesta em acção. Isto é: Manuel Anselmo dános, por exemplo falando de arte em geral, do romantismo dos realistas, da poesia de Antonio Botto, da poesia contemporânea, a impressão que vê com certa clarividência os problemas de que se ocupa; mas por outro lado, é tão atabalhoado na expressão dos seus pontos de vista, faz tais confusões de personalidades e de ideas, cita tão pouco a propósito, que a boa impressão quási se desvanece. Exemplos de afirmações levianas: diz M.A. no 1º ensaio do seu livro que «Todo o panorama poético latino do século XIX nasceu de uma série de sugestões da Natureza, e nunca de inquietações filosóficas». Sem ir mais longe: E Antero? E Leopardi? Isto para citar casos que negam em absoluta afirmação citada. Mas quantos poetas poderiamos citar, desde o romantismo, cuja obra muito deve, tanto às sugestões da natureza como ás inquietações filosóficas?! Eis onde leva a sedução de fácil enumeração, para fazer vista aos olhos do leitor - que, ingénuo, o crítico não imagina menos inculto do que êle próprio! Outro exemplo, para acabar, de caso idêntico: «Daí, os autores contemporâneos dispensarem personagens, acção, tudo o que seja fictício, para simplesmente relatarem o seu drama,a sua acção interior, (vejam Proust em «A'la recherche du temps perdu» e o próprio «Ulisses» de James Joyce)...» Ora o mais superficial golpe de vista lançado destas obras nos revela a existência de personagens. Disseste Manuel Anselmo que Proust e Joyce relatavam de preferência interior, o desenrolar do filme de auto-consciência em cada uma das personagens, e estaria certo. Mas negar a existência dessas personagens! Cada um dêstes exemplos é um sintoma grave, dum mal que não é apenas dêste autor,e que encontramos com frequência em alguns críticos recentes. Manuel Anselmo sofre ainda de um menos grave, mais vísivel defeito (defeito, aliás, proveniente do mesmo atabalhoamento, da mesma pressa em passar adiante); citarei êste caso, aliás o mais lamentável de todos os que encontrei no seu livro: «Freud, o delicioso médico e professor de Viena.» Santos e santas da côrte do céu! Valei-nos! Que imaginação delirante poderia supor que Freud seria por alguém qualificado de delicioso!! Manuel Anselmo tem assim, pelo seu livro fora, iguais inoportunidades na qualificação; é juventude? espero que sim, mas parece-me que um pouco de autocrítico evitaria tais deslises. Com tôdas estas restricções, não quero senão acentuar o desencontro entre as reais qualidades de Manuel Anselmo e os não menos reais (mas evitáveis, a meu ver) destemperos, êrros por incompleta informação, simplificações desformadoras por ambição de sintetizar - defeito, êste último, inadmissível num crítico que afirma o seu desejo de «apreender, dentro dos artístas, o seu ambiente emocional e intelectual». ¬ PRESENÇA | 18


Os Meninos Milionários A escola fechou a porta e as janelas, os livros ficaram fechados sôbre as carteiras, no salão, a ganhar pó; no dia seguinte, a escola cheirará de novo a bafio. Mas, agora, as horas da escola são horas mortas, esquecidas. Vão voar outras horas, vivas e livres... A flor negra da noite vai abrir, derramando sômbras sobre a terra, e as ruas e as casas preparam-se para adormecer. Tinham agonizado a tarde na luz azul das margens; o cais despovoara-se e tinha emudecido; o crepúsculo expiravava, sêrenos como a agonia de uma ave, sôbre o rio. Os meninos tinham ido tomar banho, junto dos navios.Tinham nadado a tarde inteira e, ao regressar, traziam os cílios e os cabelos todos molhados e a epiderme guardava e saboreava ainda muitos beijos líquidos. Tinham tomado banho completamente nús. Se os polícias os apanhassem, levá-los-iam para a esquadra e bater-lhes-iam com os chanfalhos de aço, muito bem polido. Quem dera assim um terçado aos meninos! Se fôssem presos, talvez pudessem roubar um. Mas se os polícias viessem, os meninos prefeririam antes fugir.Logo que os avistassem, amarrariam a roupa em trouxa, no cume da cabeça, e cortariam as águas nadandoaté à outra margem, até aos navios.Os polícias, então, torceriam os bigodes, despeitados, e afastarse-iam a insultá-los e a olhar, de vez em quando, para trás. E quando o mêdo passasse, os meninos rir-se-iam com prazer por ter ludibriado a autoridade. Os polícias, porém, não tinham surgido. Viera só o pânico, que a noite iria aumentar, e o mêdos dos polícias era apenas um príncipiode incêndio... A terra em sombra é maior. Veio o lampianista e fez luz nos candeeiros, das esquinas da rua; as estrelas acenderam. - Quem acende as estrêlas? – pergunta um menino. - Foi o lampianista – diz outro. E à luz dos candeeiros, sentados no limiar de uma casa, os meninos de rosto côr de cera, pálidos, começam a cantar. Ó! O bailado agónico do dia com os meninos a cantar! As suas bôcas lembram bôcas paradas de esculturas, abertas como bôcas de fontes a rezar! As palavras das canções sobem como azas, e pairam. Cada sílaba é então como uma aza palpitando, imponderável, no abismo do silêncio e da noite, que já desceu sôbre os telhados, e entrou pelos olhos espantados dos cantores. Os morcegos veem voar em volta dos candeeiros, as sombras crescem, e os meninos sentem-se cansados de cantar. Os meninos encontram-se sós, abandonados, no meio da floresta da noite ameaçadora. O corpo treme e encolhe-se. A noite é grande e terrivel. Olham-se uns para os outros, e as suas caras de oiro, à luz do gaz, parecem caras desconhecidas, imóveis e cerradas de espanto. Dir-se-ia que se vêem num primeiro encontro de corpos surgidos repentinamente das sombras, de longe, de outros mundos. E os meninos transfigurados, batidos pelo pânico, sentem a alegria do encontro. Desconhecendo-se, julgavam-se perdidos, como peregrinos que tivessem vindo não se sabe de onde; quando cantavamos meninos tinham perdido a memória da vida como as aves que fôssem erguer o seu côro no espaço longínquo. Agora, o pânico nas almas, como fugir? - Jôgo dos polícias e dos ladrões! - Jôgo dos polícias e dos ladrões – gritam e repetem os meninos. Abandonam os seus lugares, onde tinham estado sentados, e vão colocar-se junto ao muro da rua. Vão correr as ruas tortas, os labirintos escuros, fugir... O coração dos meninos bate, e alguns têm as pernas trémulas e a voz prêsa na garganta ressequida. PRESENÇA | 19


Acordam os seres fantásticos que habitam a noite, os portais e os cantos das esquinas, e que, de repente, podem vir com seus braços longos e invisíveis arrebatar os meninos; acordaram já as bruxas e os demónios, e as almas dos que morreram nas casas velhas da rua – e vieram todos os demónios e fantasmas esconder-se como inimigos nos portais e nas esquinas, à espera dos meninos... Correr, fugir... O élan da fuga percorre-lhes então as pernas trémulas, mas em vão; as pernas não descolam. Sentem-se presos ao muro, em fila, como se fôssem de pedra, os meninos. No fundo da rua ouvem-se ruídos de tamancos batendo a pedra e vozes de mulheres. Presenças serenam... - Polícia! - Ladrão! - Tu és polícia! Tu és ladrão! Os polícias vão para a direita, tristes, e os meninos que o sorteio fez ladrões retiram-se para o outro lado, prontos a fugir, à voz do capitão. - Sou ladrão! Que bom! Eos ladrões já vêem as mãos dos polícias estenderem-se, para os prender, as pistolas apontadas, e uma voz a dizer: - Estás prêso, seu ladrão! O meninos que quis fugir para Inglaterra diz a chorar: - Mas eu não quero ser polícia! Quero ser ladrão! Os meninos aproximam-se uns dos outros e vão dizendo, repetindo as mesmas palavras, abrindo assim fugas aos mêdos: - Tu és polícia. - Tu é que és? Eu sou ladrão. Mas as palavras não afugentaram os fantasmas que vieram povoar as suas almas e a rua. Jôgo dos polícias e dos ladrões. Uns julgam que são polícias e os outros que ladrões. Crêem que o mundo está divido em duas classes e que na vida não terão outros destinos: ser polícias ou ser ladrões. A imaginação dos ladrões trabalha rápida e fecunda. Nas figuras dos ladrões, dos outros ladrões, os meninos vêem rabos e cornos, o diabo. Os ladrões são os diabos. Mas se os ladrões são diabos êles terão também de ser diabos. Diabos e ladrões os meninos têm medo do diabo porque o amam. Os polícias não serão diabos, não terão dinheiro, nem joias, nem roubarão igrejas, nem palácios; nem serão invisíveis e misteriosos, nem andarão mal vestidos com dois buracos rotos nas calças. Nem passarão fome, quando não houver que comer; nem terão as barbas crescidas, cheias de piolhos, nem encontrarão libras nas montureiras. Que boa é a aventura de ser ladrão! Sofrerão as maiores angústias, como as que sofrem quando os pesadelos os faz sonhar que são os ladrões, e até já sentem dó de tantas dores que vão passar! Dormir ao relento, debaixo das geadas! E os meninos vão sonhando a alegria de ser ladrão, de ser livre... Felizes os que são ladrões porque dêles é o mundo! – pensam os meninos. Os ladrões são os primeiros a largar. Começam por afastar-se

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lentamente, colados à sombra das paredes; parecem caminhar calmos, procurando iludir os polícias que hão-de persegui-los. Os polícias, de olhos atentos, prescrutam os seus movimentos na sombra. Paira o silêncio na rua. De repente, uma voz aguda ergue-senesse silêncio, ao longe: - Larga! Larga! A voz rebola pelas vielas, pelo bairro, atravessa o rio, e na outra margem o eco repete: - Larga! Larga! E sùbitamente começa então a corrida veloz atravez dos labirintos das ruas adormecidas à luz do gaz. Os polícias debandaram, perseguindo os fugitivos ao acaso, orientando-se por gritos que de vez em quando se erguem não se sabe bem onde. Guia-os o instinto da perseguição, que os faz meter por essa viela, por aquele beco, espreitar a um canto, meter a cabeça nesta e naquela porta escura. Ás vezes, surge uma cara, á luz do candeeiro, pálida, côr de cera. As pernas dos corpos e das sombras movem-se em ângulos obtusos e os braços agitam-se como pêndulas. Os vultos desaparecem finalmente e fica outra vez o silêncio, de vez em quando, por um grito. No silêncio da noite, os meninos correm, os seus pequenos vultos passam, os pés nús estalam como chicotes nas lages das ruas sombrias. Aparecem no limiar das portas mulheres velhas, acordadas pelos gritos dos polícias e dos ladrões, e pelos gatos, de olhares luminosos, escolhem-se nos cantos das vielas, ou fogem, espavorecidos, por entre as pernas dos meninos. Os meninos passam velozes quando as velhas gritam: - Insurrectos! Passam. A respiração sufoca-os. E o mêdo da noite, do silêncio e das sombras, habitada pela nocturna fauna dos fantasmas começa a invadir de novo a imaginação dos meninos agora mais violento, mais obsecante. Agora, a noite, as coisas e as figuras antropomorfesearam-se em seres de pavor, duendes, bruxas ou mafarricos. - Onde estão os outros? – gritam dentro deles as vozes do pânico, em desejo de solidárias presenças... E a corrida desenfreada prossegue, o mêdo cresce cada vez mais de modo que os meninos já não fogem aos polícias mas correm sim, cada vez mais, dentro da noite, para fugir aos seus fantasmas e pavores. Os meninos – ladrões e poetas – teem mêdo do diabo. Quando fores maiores e mais fortes, não terão mêdo de nada, nem dos polícias, nem das igrejas, nem dos cemitérios. Há tanto oiro e tanta prata nos altares! E nos jazigos, nos jazigos que parecem palácios, de mármore, para onde vão os condes? Os meninos amam o diabo e o roubo e tanto a ideia do demónio como a do oiro das igrejas e dos supulcros os seduz e persegue. Porque os persegue assim o diabo? Amam-no e têm-lhe mêdo. E roubam as almas! Que bom deixar roubar a alma! Melhor seria vendê-la por tôdas as riquezas do mundo (pela alegria do pecado). As senhoras vestidas de negro contaram a história de um homem que vendeu a alma ao diabo – e foi para o inferno, e ficou a arder para sempre como se o seu corpo fôsse uma tocha. Mas o inferno não existe, tinha dido, com autoridade, um polícia que mora na rua.

Ah! Se o diabo quisesse comprar as almas dos meninos! Certamente, quando forem velhos perderão todo o valor – e o diabo já não as comprará. Pode muito bem suceder que o diabo lhes vá aparecer, em alguma viela mais estreita e escura, por onde passam a correr. - Quanto pedes? E o diabo mostrar-lhes há muito oiro e os meninos ficarão deslumbrados. Os seus olhos brilharão de ambição. - Tanto oiro! Onde o roubaria o diabo? Os meninos não têm coragem para olhar os cornos, a cara, do diabo. Mas vêem-no e sentem-no presente, ouvem os passos, perseguindo-os na sombra da viela. Ai! Que o diabo vai arrebatálos... Está prêso – diz um menino polícia. Despois que todos os meninos policia foram presos, e vieram sob prisão, entre ps polícias, para o local onde haviam partido, novamente se sentaram no limiar de uma casa velha, cansados e perplexos. A noite ia alta e a luz do lampião flambava, entre as sombras que caiam sôbre a rua. As casas pareciam, agora, adormecidas por fora, mais velhas, mais escuras. Dentro, resnasciam agora, certamente, os ruídos das figuras invisíveis que a noite cria, os espiritos maus, vigilantes à entradas das portas, debaixo das camas, ou escondidos dentro dos casacos e das calças. De dentro, pelas frestas abertas nas janelas e nas portas, pontos luminosos espreitavam para a rua. E os meninos pensavam que êsses pontos eram os olhos dos seres irreais que se esconder, à noite, nos fatos dependurados sôbre as portas e as paredes. De vez em quando, os cãis ladram na outra margem, e os ralos com os seus assobios curtos, enchem o silêncio. As mãis, em altos gritos, chamam os meninos para a cama. Os meninos sentem as pernas trémulas e exaustas, a cara ardente. A fogueira do mêdo extinguia-se a apagava-se. Uma calma suave banhava os seus espíritos e imaginavam-se, agora, peregrinos que tivessem deixado as suas casas, o seu mundo, para correm outros mundos longínquos. Sonhavam que tinham andado perdidos sentindo-se abandonados na noite imensa. Agora, na quietação do regresso, renascia a calma, as recordações que os prendiam às coisas conhecidas. Regressavam a si mesmos, os meninos. Os pais, a escola, tudo estava agora perto. E os meninos sentiam-se tristes, com pêna de si. Que iriam fazer os pais aos insurrectos, que tinham andado pela noite fora, a fugir ao diabo, e que não queriam ir para casa com mêdo das bruxas, que iriam certamente deitar-se com êles, na mesma cama, e povoar de novo a sua noite de sonhos e pavores. E então, enquanto as mãis gritam e a noite sobe, os meninos dão início aos seus dialogos filosóficos.

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cantopascoal Meu bom Jesus ideal, nascido nos Evangelhos, crescido através dos séculos, existe, suplico-te,

E todavia, Deus é a lógica mais forte – Pode a razão conceber um Universo filho do Acaso,

existe realmente, - e sê o meu Amigo!

ou nivelando, estéreis, a Dor e a Alegria, o Mal e o Bem?

Só tu, só tu Podes matar a minha sêde, A minha ardente sêde de companhia; só tu, só tu

- Parecem contos de crianças Todas as pobres, ambiciosas ideológicas humanas;w Mas renegaremos a razão Em nome – da mesma razão?

podes pacificar a minha alma, no seu turbado enseio de humilde exaltamento.

Ó meu Jesus ideal, nascido nos Evangelhos, crescido através dos séculos,

Sem ti, como viver? És o verdadeiro Deus feito homem, pois só a ti os homens desejam, só compreendem um Deus-Jesus,

Jesus de infinita bondade, Jesus de infinita compreensão, existe, suplico-te,, existe realmente,

nosso Amigo – nosso Pai! E, se Jesus não é Deus – - então Deus é, com a Vida, Impenetrável Mistério.

e sê o Amigo – de nós todos! Sê tu o Abraço de Amor das Criaturas do Universo, o infinito Abraço de Amor redimindo das realidades cruéis - cruéis, mas bem mais absurdas do que a ausência de Deus – as pobres Criaturas do Universo álgido. Sê tu, sê tu o nosso Amigo, o nosso Amigo ideal, - mas bem real! – e o teu Coração – a nossa Casa: onde infinitamente grande se concentre e cada infinitamente pequeno – abranja o Todo!

PRESENÇA | 22


LEONELLO

FIUMI

Se, dum modo geral, é pouco e mal conhecida a literatura clássica italiana, muito pior e muito menos ainda o é a contemporânea, em especial a poesia. A muitos factores isso é devido, desde a restricção do nosso interesse à literatura francesa, até à falta de popularidade da língua italiana entre nós. Para não falarmos senão da poesia italiana de hoje, diremos que esta vale bem um esforço para alargarmos a nossa zona de interêsses. Mostra-o, ainda que num golpe de vista demasiado apressado – mais tarde, outros artigos e ensaios desenvolverão o que nele fica indicado a largos traços. – O Panorama que publicamos, e que a presença deve a um dos mais notáveis poetas italianos de hoje – Lionello Fiumi. Chefe de escola – Fiumi é o iniciador, o criador do movimento literário que mais contrubui para a libertação da poesia italiana de hoje: - o chamado vanguardismo. Pondo de parte o papel por assim dizer histórico deste poeta, isto é, o seu lugar de chefe, de iniciador duma tendência, considere-molo apenas sob ponto de vista individual, encaremos apenas a sua obra de poeta. A posição dos vanguardistas não é uma simples oposição ao tradicionalismo; eles encontravam-se também ante uma tendência de – pelo menos nominalmente – extrema esquerda poética: o futurismo de Marinetti e os seus discípulos. A direita, encarnavam-na principalmente as figuras de Pascoli, D’Annunzio e Carducci, se não directamente, pelo menos nos indicadores que tinham suscitado. Ageração a que pertence Fiumi não se encontrava pois ante a pura necessidade de oposição, mas sim aspirava a um equilíbrio no qual fugisse a esses dois extremos. A verdade é que ambas as extremas correntes que dominavam a poesia italiana de então – aí por 1910 – se equivaliam para estes jovens inquietos, pois tanto a uma como a outra era estranho o sentido intimista da poesia – a vibração simples, humaníssima, do coração de poeta que sente a vida na magia da vida quotidiana, na humildade das coisas e dos gestos mais naturais. E é assim que esta revolução consistia na busca, não exactamente dum meio termo mas de um equilíbrio que se situava a qualquer distância das correntes imperantes. Revolução, parece pois, neste caso, um qualificativo paradoxal. Mas, como diz o crítico francês Eugéne Bestaux - «il y avail là plus d’audace qu’il n’apparail peut étre. Pour prêcher le bon sens, il faut plus de courage souvent que pour s’en aller aux extremes.» Com efeito, Pòllane, o primeiro livro de versos de Fiumi, nada tem de ousado – ainda que contend muita novidade.

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Desta, o que me afigura mais importante é a simplicidade, o abandono de todo o artifício. Em Pólline, não obstante, Fiumi apenas se ensaia; com efeito, nestes poemas que são rosários de anotação impressionistas, films de imagens predominantemente visuais, o poeta não passa de um contemplador agido por sensações, e, por belo que seja, esse impressionismo não nos dá um contacto íntimo com o poeta. O grande sucesso do livro, não é devido tanto ao talento do poeta como à novidade do objecto da poesia: porque nesta, as coisas revelam-se susceptíveis de ser apreendidas pelo poeta numa directa familiaridade, por assim dizer sem toilette de parada, e na simples e viva nudez com que se oferecem ao homem. É porém em Mùssole que o poeta faz esquecer – ou, pelo menos, remete para o segundo plano – os dons do homem apto a ver. É certo que Pólline revelara também as suas qualidades de expressão; mas de ambas não resultava para o leitor a intimidade com o poeta – e é nele que nós vemos o sinal distintivo do verdadeiro artista. Não se esvai em Mùssole o impressionismo; a paisagem – ou melhor, o ambiente – tem um lugar capital (Fiumi está muito longe da poesia abstracta, rarefeita, dum Ungaretti), mas eis que o ser emotivo se revela, e cada poema nos traz a melancolia crepuscular, os amores românticos, os anseios de amores diversos, mas sempre e principalmente a melancolia, palavra que ressalta a cada passo. E um íntimo desgôsto nesta confissão: O forse sta tutta la voluttà nel desiderio.

Mas eis que um novo livro – Tutto Cuore – nos vem trazer outra mensagem: aos amores frágeis, à oscilação sentimental, um mais puro timbre, uma mais comovida e amarga experiência se sucede_ e as lavas da paixão, os cânticos à única se elevam, depuram, erguem a poesia de Fiumi para lá do sorriso e do encanto passageiros, Canto del cigno: il poeta volubile è morto. Vedrete che no fará più dell’ironia, Ed oggi, povero poeta, egli ama, ama davvero.

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A anedota, a paisagem empalidecem, para dar lugar ao canto ora luminoso de gratidão pelo divino fogo do amor compartilhado, ora trágico de abandono e solidão. A voz do poeta tornou-se grave, os ritmos, as palavras ganharam em discreção, toda a poesia se depurou, por essa íntima força que lhe transmitiu a sua vibração tão humana. Ali todo o coração do poeta se entregou à vida impetuosa; e, como em todas as fecundas experiências, no poeta o homem se descobriu e revelou a si próprio, e nessa descoberta teve também a iluminação do seu lugar no universo; e é significativo que este livro de paixão acabe na descoberta de quanto é pequeno, imponderável o maior amor nos largos ritmos da vida universal: Amorse che volesti crederti immortale, confessa che sei gramo, infinitesimale, nel ritmo incalcolabile dell’universo, gramo gabbiano sull’oceano un instante emerso, súbito sperso.

O último livro do poeta: «Sopravvienzze» (1031), vem dar-nos a depuração na síntese de todos os elementos já revelados, depuração feita por um elemento porventura já perceptível anteriormente, mas que só aqui toma inteira amplitude: esse elemento é devido ao erguer-se do poeta a uma universalização na qual o quotidiano deve, eternidade, e é por assim dizer o sentido da harmonia do homem com todo o Universo. Em «Sopravvienze» - livro do qual publicaremos, no próximo número, algumas traduções – Fiumi manifesta nostalgia humana perante as coisas e os seres que passam e morrem, e muitos poemas como que são hipóteses do poeta sôbre as formas de sobrevivência – gritos de solidão querendo integrar-se numa plenitude de permanência. Esse anseio veio de par com a inquieta saudade pelas vidas não vividas, por tudo que é belo e digno de ser vivido e está irremediavelmente longe, já que o poeta não é ubíquo senão pela imaginação. Nada disto teria porém tão alta significação, se não fôsse êsse quid indifinivel que é a ressonância puramente poética, independente de temas. Simples, luminosa, directa, essa poesia, na qual as imagens nascem como flores naturais e inevitáveis, é um dos mais belos testemunhos a apresentar como resposta aos que ainda julgam ver, na poesia liberta, a morte da poesia.


Calai

¬

Calai os versos abstractos e a mansidão que têm os bois pacatos ¬ Calai tanto, tanto espírito na terra e a cristianíssima paz que nos faz guerra ¬ Calai, promessas d’anjo, o céu sublime, quando as mãos, cheias de oiro, trazem máscaras de crime ¬ Calai, loas d’amor, às crianças maltrapilhas que êsses farrapos d’alma não lhes cobrem virilhas ¬ Calai as lágrimas à beira dos enfermos: prefiro a solidão que é soluço dos ermos ¬ Calai palhinhas de Jesus, que sois ai de quem ama: paz na Terra e no Céu: ao cristão, ao judeu, e à gentílica moirama ¬ Calai-vos, bêbados aos bordos das estradas: para matar tristeza, Nª S.ª das Dores com suas sete espadas ¬

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Ao pessoal do

Diabo! Então a gente d'O Diabo não tem ninguém mais competente para fazer crítica literária do que o senhor Ferreira de Mira? Deus nos valha! - já que o diabo está tanto por baixo. (por causa da moda das iníciais irreconhecíveis ou pseudónimos apocalípticos a assinar ataques contra não sabe quem - aqui assino eu, José Régio, esta pregunta contra o dito Senhor Ferreira de Mira, a quem, aliás, não quero mal algum.

ÚLTIMAS EDIÇÕES PRESENÇA João Gaspar Simões «Uma História de Província» i «Amores Infelizes» - romance Adolfo Casais Monteiro «Poema do Tempo Incerto» Alberto de Serpa «Varanda» i «Descrição» - poemas Saul Dias «Tanto» - poemas Colagens de Júlio Júlio «Domingo» - album de desenhos Cartas Inéditas de António Nobre ¬ DIRECTORES E EDITORES João Gaspar Simões José Régio Casais Monteiro ¬ AMINISTRADOR Joaquim Moreira ¬ REDACÇÃO R. Miguel Bombarda, 516 Porto, Portugal ¬ PRESENÇA | 26

ADMINISTRAÇÃO Largo da Maternidade Júlio Diniz, 70 Porto, Portugal ¬ PREÇO - AVULSO: 33$00; Assinatura de 6 números: 53$00 ¬ ALTANTIDA - Composição e impressão Rua Ferreira Borges, Coimbra ¬ ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Edição Ana Botelho ¬ IMAGEM com os direitos de: Alexandra Silva Ana Botelho Alexandre Daniel Fonseca ¬ ILUSTRAÇÕES fornecidas por: Miguel de Sousa ¬ PUBLICIDADE da autoria de Daniel Fonseca,

em contexto académico. IPP / TCM Instituto Politécnico do Porto / Curso de Tecnologias, Comunicação e Multimédia ¬ IMPRESSÃO Rua da Olivença Nº 281 Bloco B 4750-191 Barcelos Contacto: 253 181 248 http://www.pixel-arte.net ¬ ESCOLA SUPERIOR DE TECNOLOGIA Campus do IPCA - Lugar do Aldão 4750-810 Vila Frescainha S. Martinho BCL T. 252 291 700 › F. 252 291 714 est@ipca.pt › www.est.ipca.pt Metodologia do Trabalho do Designer II REVISTA PRESENÇA, NO.44 recriação por Ana Botelho, em contexto académico. ¬ ESTE NÚMERO FOI VISADO PELA COMISSÃO DE CENSURA



Avisamos os nossos colaboradores, assinantes e leitores, de que a redacção e administração da PRESENÇA passam para o Porto, sendo a redacção na Rua de Miguel Bombarda, 516, e a administração no Largo da Maternidade de Júlio Diniz, 70.

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