Aglomerados subnormais

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Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação

Arquitetura e Urbanismo TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO

Autoria Raquel C N Bragagnolo Orientação Prof. Dr. José Xaides de Sampaio Alves Bauru 2012


AGLOMERADOS SUBNORMAIS

QUALIDADE DA HABITAÇÃO SOCIAL EM SÃO PAULO Análise do histórico da habitação social no Brasil e estudos de caso de conjuntos habitacionais, análise da qualidade construtiva e projetual.

RAQUEL C N BRAGA GN OLO


SUMÁRIO

10. Objetivo 11. Hipóteses 12. Metodologia 12. Cronograma 13. Introdução 16. Favela 18. Mapa 01: Porcentagem da População Urbana Vivendo em Favelas 20. A Habitação Social e a Renovação da Favela 22. O Crescimento Desordenado da Cidade de São Paulo 24. A Urbanização da Cidade de São Paulo – Final do Século XIX e Século XX 24. Mapa 02: Área Urbanizada – 1872 24. Mapa 03: Área Urbanizada – 1882/1914 24. Mapa 04: Área Urbanizada - 1915/1929 26. Mapa 05: Área Urbanizada – 1930/1949 27. Mapa 06: Área Urbanizada – 1950/1962 28. Mapa 07: Área Urbanizada – 1963/1974 29. Mapa 08: Área Urbanizada – 1975/1985 30. A Higiene Pública, Privada e as Medidas Sanitaristas


A Produção Rentista de Moradias .35 A Habitação Social Durante a Era Vargas .42 A Moradia Provida Pelo Estado .55 A Produção dos IAPs .57 A Fundação da Casa Popular .61 O Banco Nacional da Habitação .66 A Contribuição do Modernismo na Arquitetura Habitacional .70 A Repercussão Nacional do Modernismo na Habitação .77 O Estatuto da Cidade e o Plano Diretor .81 Mutirões para a Construção Habitacional .85 Parcerias Institucionais .90 Programa de Urbanização de Favelas de São Paulo .96 O Caso de Paraisópolis .102

Mapa 09: Intervenções no Complexo Paraisópolis .106 .

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O Caso de São Luiz do Paraitinga .124 Uma Habitação de Qualidade .137 Considerações Finais .139 Bibliografia .146


AGRADECIMENTOS Como é difícil escrever um texto de agradecimentos. Sei todos aqueles, tantos e de tamanha grandeza dentro de mim, que fizeram parte dos meus dias de trabalho árduo, mas não sei por onde começar. Talvez porque o sentimento é algo muito difícil de ser transpassado para algumas linhas. Antes de tudo, agradeço aos meus pais, por todos os dias ao lado deles, pelo apoio de todas as horas e pelas cobranças que só me fazem evoluir. Agradeço à minha irmã por me irritar, mas principalmente por me fazer rir nos momentos mais tensos ou difíceis. Agradeço à Brisa por me fazer companhia, e também à Viviane, que me contou inúmeras vezes como um único container é alugado por diferentes empresas, e também por se interessar pelo meu trabalho. Agradeço ao meu amigo Arthur Yamoto por me ajudar a pensar habitação, por compartilhar comigo a indignação sobre esse mundo tão cheio de desigualdades, e por ter tanta fome e vontade por doces quanto eu. Agradeço à minha amiga Cristina Laiza por dividir suas experiências comigo, por se preocupar e por me ensinar sobre tantas coisas. Também agradeço ao Zheh, por ser sempre tão atencioso e solicito, e por ter me ajudado a fazer este trabalho acontecer. Não poderia deixar de agradecer a minha família de Bauru, sem a qual meus anos de faculdade não teriam feito sentido. Obrigada por me fazer crescer e por me ensinar a enxergar o mundo de uma maneira mais humana e poética. Aos meus anos de PQP, agradeço a companhia, preocupação e amizade da Custelinha, ao carinho e risadas da Babalu, aos sonhos de uma vida cheia de amor da Tchan, e claro, às músicas que ela canta tão bem, aos incentivos e apoios da Sódka, às viagens utópicas da Uai, às aventuras e simpatia da Paulet, ao carinho e preocupação da Catota, às referências musicais e cinematográficas da Alicia e do Sedex, à sinceridade extrema do Maguila, e à Carola, por dividir comigo seu amor por bexanos.


À Minha Querida Sala, agradeço por todos os momentos memoráveis que passamos; bons, angustiantes, alegres, solidários. Em especial agradeço as lindinhas, Bárbara, NATHALIE – com a voz bem grossa, Pakas, Lost, Matão, Manju – minha irmã por acaso, Vish, Fergie e Pulga, com quem dividi risadas, experiências, fofocas, noites sem dormir, e aqueles momentos tão dia-a-dia. Agradeço à Gina, à Biju e à Vivi pelo melhor grupo de TPI. Aos meninos, Yuhu, Vermelho, Luma, Shaolim, Tetris, Créu, Branco, Morma, Magal e Tulipa – Hanish, por deixar meus cabelos em pé tantas vezes, e por me fazer dançar. Aqueles que me conhecem sabem, já chorei em tantos agradecimentos, e termino dizendo que não consigo segurar essa emoção dentro de mim!

Muito Obrigada, Raquel, Sipá


OBJETVO

A habitação de interesse social no Brasil começou a ser discutida nas últimas décadas do século XIX, momento em que houve um crescimento na quantidade populacional do país devido a aceleração da atividade industrial, impulsionada pelo complexo cafeeiro e pela chegada dos imigrantes. Esse surto populacional fez com que o governo tomasse providencias quanto ao sanitarismo público, expulsando a população mais pobre dos centros urbanos, e deixando-as nas periferias da cidade sem infraestrutura básica. A partir desse momento o governo toma inúmeras atitudes relacionadas a habitação social. Atualmente, o Brasil presencia um momento onde nunca se viu tantas construções de conjuntos habitacionais que atendam a população de baixa renda. Essas construções, deixadas nas mãos de empresas privadas e com baixo subsídio do governo, funcionam como um carimbo de planta baixa, utilizado repetidas vezes, sem a menor preocupação com o local em que foram inseridos. Frente à realidade da baixa qualidade na construção da habitação social no país, esse trabalho tem como objetivo analisar o histórico da moradia popular no Brasil, e realizar um estudo de caso em um conjunto habitacional, com o levantamento da qualidade construtiva e da integração da moradia com o local e o meio em que foi construído. Pretende-se com essa pesquisa, esclarecer três questões chaves: - Como foi a origem e como se tratou/trata a habitação de interesse social no Brasil? - Quais são os melhores exemplos de conjuntos habitacionais produzidos no Brasil desde os primórdios das discussões até os dias de hoje? 10


- O que deve ser considerado para a construção uma habitação de qualidade projetual arquitetônica, social e urbana?

HIPÓTESES

Através da análise do histórico da habitação social no Brasil e do estudo de caso a ser realizado, esse trabalho procura provar que há um descaso muito grande do governo e das empresas privadas responsáveis pela construção desses conjuntos habitacionais, quanto à qualidade dessas moradias. Considerando que na construção das habitações, não há preocupação quanto a localização, a morfologia e composição do terreno, a situação climática local, o histórico cultural e social da população, se há equipamentos públicos próximo ao local, além da qualidade projetual e construtiva, desses conjuntos que buscam ser considerados um lar.

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METODOLOGIA

Em busca de um melhor embasamento teórico da pesquisa, serão realizadas leituras de livros, artigos, pesquisas e demais textos referentes ao tema abordado, além da busca de informações em documentários, páginas da internet e imagens que se darão durante a primeira etapa do projeto. Para realizar o estudo de caso, será escolhido um local para intervenção, serão feitos in loco: fotografias, conversas com moradores, entre outras informações encontradas que ajudarão na finalização da segunda etapa do trabalho.

CRONOGRAMA

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INTRODUÇÃO

“E não se confundam os operários, os trabalhadores, com esses indivíduos que habitam as ‘favelas’ dos nossos morros. E sobre esse ponto quero chamar a atenção da Câmara porque é uma necessidade ser o assunto cuidadosamente estudado, de vez que vi, no parecer da Comissão de Justiça, referências àqueles habitantes das ‘favelas’ do Distrito Federal e verifico o pronunciamento daquele órgão técnico da Casa no sentido da concessão de terrenos para atender a essa população pobre. Mas será obra social atender-se a esses habitantes das ‘favelas’ do Distrito Federal, que não são a rigor, operários? Talvez nelas habitam, excepcionalmente, operários da nossa capital. Todos os indivíduos que ocupam as ‘favelas’, essas casas, já denominadas de casas de cachorro, não são trabalhadores que vivem de um salário honesto. (...) Pergunto à Câmara: será obra social fazer-se uma edificação para esses vadios? (BOLETIM DO MINISTÉRIO DO TRABALHO, INDÚSTRIA E COMÉRCIOS, 1937 a:229-30 apud BONDUKI, 2011, p.110)

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E foi assim que o Brasil iniciou sua discussão a respeito de uma política Estatal sobre habitação de interesse social. Um país que teve seu processo de urbanização descontrolado e vertiginoso, que, por conta do crescimento demográfico explosivo que ocorreu no final do século XIX, início do século XX, viu milhares de pessoas vivendo em condições existenciais precárias. De uma economia frágil, com distribuição de renda extremamente discrepante, onde poucos ganhavam muito, e muito ganhavam quase nada. Como sustentar uma residência quando não há salários compatíveis com a situação imobiliária momentânea? Como, considerando a baixa remuneração, morar de forma digna sem apoio Estatal? O país viu, ao decorrer dos anos e dos governos, a habitação de interesse social passar por diversas fases: a que discriminava os cortiços por serem insalubres e de tentações à moral e os bons costumes, a que priorizava a moradia de aluguel, a que incentivava a aquisição da casa própria (ou do terreno para autoconstrução da casa própria) - mesmo que em lugares afastados e sem infraestrutura mínima, a que manteve aluguéis congelados durante muitos anos, a que deu auxilio ao aluguel ou a compra de imóveis dos Institutos de Aposentadoria e Pensões, a que criou a Fundação da Casa Popular (FCP) – o primeiro órgão de amplitude federativa a tratar unicamente da crise da habitação social e que não obteve muitos resultados, a que substituiu a FCP pelo Banco Nacional de Habitação (BNH) – que também era federativo e se preocupou mais com a redução de custos do que com a qualidade projetual, a que transformou o BNH em outros diversos órgãos de políticas habitacionais, que estão aí até hoje trabalhando, bem ou mal, para a melhoria de vida de mais de 11 milhões de brasileiros. E agora, o que nos resta saber é se a produção de moradia popular que está acontecendo 14


no país agora apresenta qualidade projetual arquitetônica, social e urbana e quantos, dos milhões de favelados do país já conseguiram melhorar sua vida.

“O processo de produção de habitação que corre a todo vapor em nosso país está completamente desvinculado de um processo de qualificação da produção e gestão das cidades. Falta política urbana e falta gestão urbana.” (RAQUEL ROLNIK, 2012)

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FAVELA

“fa.ve.la - sf (de Favela, np) 1 Aglomeração de casebres ou choupanas toscamente construídas e desprovidas de condições higiênicas.” (DICIONÁRIO MICHAELIS, 2012)

FAVELA: cafofo, mocó, casebre, quiçaça, faveleira, comunidade, habitação improvisada, vila, periferia, barraco, cortiço, gueto, quebrada, morro, bairro – MISTURA. Mistura de pessoas em um organismo vivo, que muda cotidianamente, composto por pessoas que vivem em uma sociedade tão próxima fisicamente que não há espaço para muita privacidade, é a união que faz da favela um organismo forte que sobrevive a ações de despejo, invasões e também que luta por melhores condições de moradia e infraestrutura. Favela é o nome popular da espécie vegetal Cnidoscolus quercifolius, que encobria o Morro da Providência no Rio de Janeiro, que ganhou o apelido de Morro da Favela. Em 1897, alguns soldados da Guerra de Canudos regressaram ao Rio de Janeiro, mas deixaram de receber sua remuneração. Sem condições de morar em locais com melhores condições, eles se instalaram no Morro da Favela, e construíram moradias provisórias. O aglomerado dessas moradias passou a ser conhecido, então, por favelas. Atualmente são 11,4 milhões de pessoas (cerca de 6% da população) vivendo em “aglomerados subnormais” (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) no Brasil, muitas vezes em áreas 16


de risco, este número alarmante não para de crescer. As principais causas da existência desse tipo de moradia é a má distribuição de renda e a falta de uma política habitacional eficiente no país. Fato que ocorre desde o final do século XIX, durante a primeira república até os dias de hoje. Cerca de 1 bilhão de pessoas vivem em favelas espalhadas por vários países das Américas Central e do Sul, na África, na Ásia, e em uma pequena parte da Oceania. Espera-se que essa situação melhore gradativamente, mas, infelizmente, de acordo com os indicadores, a tendência é que em 2030 essa população já tenha atingido 2 bilhões de pessoas.

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PORCENTAGEM DA POPULAÇÃO URBANA VIVENDO EM FAVELAS (DADOS DE 2005)

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Fonte: http://www.unhabitat.org/stats/Default.aspx

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HABITAÇÃO SOCIAL E A RENOVAÇÃO DA FAVELA A maneira mais rápida de solucionar o problema do déficit de moradia é através da construção de habitação de interesse social para os cidadãos de baixa renda, que muitas vezes se encontram em condições de extrema pobreza. A melhoria da renda dessa população seria a maneira mais adequada de acabar com a má qualidade de moradia, mas com certeza é uma medida que leva muito mais tempo e depende de fatores externos, como a melhoria da economia e da distribuição de renda, por exemplo. Segundo o guia “Como Atuar em Projetos que Envolvam Despejos e Remoções” produzido pela Relatoria Especial da ONU (Organização das Nações Unidas), “o direito à moradia adequada não se limita à própria casa, ou seja, não se refere apenas a um teto e quadro paredes. A moradia deve ser entendida de forma ampla, levando-se em conta, por exemplo, aspectos culturais do local onde se encontra e da comunidade que ali habita.

“Numa perspectiva mais ampla, é muito interessante pensarmos também na pergunta: quantas casas no Brasil têm tudo? Sendo que “tudo”, aqui, significa água tratada na torneira, esgoto coletado, lixo coletado, luz elétrica, banheiro dentro de casa, ou seja, tudo aquilo que é básico. Não estamos falando nem de tratamento de esgoto e destinação final do lixo, apenas do básico. A resposta é: mais ou menos um terço de todos os domicílios do Brasil.” (ROLNIK, 2010)


A moradia adequada inclui: • Garantia de um lugar para morar sem ameaça de remoção; • Acesso a serviços básicos, inclusive a educação, saúde, lazer, transporte, energia elétrica, água potável e esgoto, coleta de lixo, áreas verdes e um meio ambiente saudável; • Uso de materiais adequados que garantam a habitabilidade, com espaço apropriado e proteção efetiva contra frio, calor, chuva, vento, incêndio, inundação, sem riscos de desmoronamento ou outras ameaças à saúde e à vida; • Prioridade às necessidades específicas das mulheres e de grupos vulneráveis como crianças, idosos, deficientes, pessoas portadoras de doenças mentais, HIV-positivos, minorias e outros grupos historicamente marginalizados; • Acesso aos meios de subsistência, inclusive acesso à terra, infraestrutura, recursos naturais e ambientais, fontes de renda e trabalho; • Uso de materiais, estruturas e organização espacial de acordo com as preferências e necessidades culturais dos moradores; • Custo que não pese demais no bolso do morador e acesso a recursos financeiros; • Participação em todas as fases dos processos de decisão relacionados à moradia; • Privacidade, segurança e não estar sujeito à violência; • Acesso a soluções e remediações para quaisquer violações sofridas.”

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Todos os cidadãos tem direito à moradia adequada, e retira-los de favelas, onde não há redes de esgoto e água potável, iluminação, pavimentação, coleta de lixo, nem se quer nomes de rua, ou seja, os habitantes das favelas não possuem um endereço, é o primeiro passo para melhorar a condição de vida dessas pessoas. Os conjuntos habitacionais exercem papel fundamental para essa mudança. E para melhor entender como a habitação de interesse social chegou ao ponto em que encontramos hoje, é preciso analisar as políticas habitacionais do Brasil desde o princípio.

O CRESCIMENTO DESORDENADO DA CIDADE DE SÃO PAULO A expansão da indústria cafeeira no Brasil, que aconteceu no fim do século XIX atraiu trabalhadores de diversos lugares do país para se aglomerar nas grandes cidades impulsionadoras desse mercado, entre elas, São Paulo. Além de trabalhadores vindos de outras regiões do Brasil, a atividade cafeeira em pleno crescimento também atraiu inúmeros imigrantes, vindos principalmente da Itália.

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(MORSE, 1970 apud BONDUKI, 2004, p. 18)

Esse crescimento populacional acelerado que ocorreu nas grandes cidades provocou um desenvolvimento urbano desordenado e extremamente rápido, que resultou em moradias populares de baixa qualidade ambiental e com pouca, ou muitas vezes nenhuma, infraestrutura. Foi a partir deste momento de explosão demográfica, caos urbano, que a habitação social passou a ser tema de muitas discussões e preocupações. 23


A EXPANSÃO URBANA A CIDADE DE SÃO PAULO FINAL DO SÉCULO XIX E SÉCULO XX 1872

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1882 / 1914

1915 / 1929

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1930 / 1949

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1950 / 1962

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1963 / 1974

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1975 / 1985

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A HIGIENE PÚBLICA, PRIVADA E AS MEDIDAS SANITARISTAS Sem nenhuma condição de higiene pública e privada, a moradia da população de baixa renda despertou os olhares do poder publico. Buscando lugares de fácil acesso, e com baixo custo, os migrantes e imigrantes instalaramse em cortiços, com instalações precárias e insuficientes para atender a quantidade de moradores. A maioria desses cortiços se caracterizavam por um pátio central, apenas 1 banheiro que atendia muitos apartamentos, de forma desproporcional. Eram compostos por 2 cômodos pequenos assoalhados e com forro, a sala e o quarto de dormir, além de um pequeno cômodo nos fundos sem assoalho e sem forro que serve como cozinha. Uma casinha com pouca ventilação e pouca privacidade.

“O cortiço ocupa comumente uma área no interior do quarteirão: quase sempre um quintal de um prédio onde há estabelecida uma venda ou tasca qualquer. Um portão lateral dá entrada por estreito e comprido corredor para uma páteo com 3 a 4 metros de largo nos casos mais favorecidos. Para este páteo ou área livre se abrem as portas e janelas de pequenas casa enfileiradas, com o mesmo aspecto, a mesma construção, as mesmas divisões internas e a mesma capacidade. Entre nós estes cortiços se caracterizam: 1) pela má qualidade e impropriedade das construções; 2) pela falta de capacidade e má distribuição dos aposentos, quase sempre sem luz


e sem necessária ventilação; 3) pela carência de prévio saneamento do terreno onde se acham construídos; 4) finalmente, pelo desprezo das mais comezinhas regras de higiene doméstica. Raramente cada casinha tem mais de 3 metros de largura, 5 a 6 de fundo e altura de 3 a 3,50m. Com uma capacidade para 4 pessoas quando muito.” (MOTTA, 1894 apud BONDUKI, 2011, p.24).

Estas condições precárias ajudaram na proliferação de doenças altamente contagiosas e com grande risco à vida dos cidadãos, a febre-amarela e o cólera-morbo. Diante deste cenário de disseminação de doenças, o sanitarismo público entrou em ação. Para combater doenças, os agentes sanitários realizaram uma forte campanha de vacinação e de desinfecção das moradias.

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32Cortiço próximo à Sé – 1920

http://manmessias21.blogspot.com.br/2011/12/migracao-europeia-e-marginalizacao.html (03/06/2012)


“A questão sanitária tornou-se, portanto, prioritária para o governo, justificando seu controle sobre o espaço urbano e a moradia dos trabalhadores. O receio do caos e da desordem, a ameaça que os surtos epidêmicos representavam para a organização econômica, o que a morte de imigrantes recém-chegados causava às finanças públicas e, enfim, o medo da classe dirigente de vir a ser atingida pelas doenças, foram as razões que levaram o Estado a intervir no espaço urbano.” (BONDUKI, 2011, p.30) Para o controle das condições sanitárias da cidade e, dessa forma, impedir a proliferação de doenças, o poder público tomou algumas medidas: 1. Criação da Diretoria de Higiene, que podia controlar a vida, as regras de asseio, higiene e saúde da população. Tinha poderes de polícia e inspeção sanitária. 2. Promulgação da legislação de controle sanitário e de construção das habitações, considerando o Código Sanitário de 1894. 3. O Estado passou a participar de obras de saneamento e abastecimento de água e coleta de esgoto, como gestor, principalmente através da encampação da Companhia Cantareira de Água e Esgoto, e da criação da Comissão de Saneamento das Várzeas Surgiram, por tanto, três frentes de combate às epidemias: legislação urbanística, planos de saneamento básico e estratégia de controle sanitário, “que são a origem da intervenção estatal no controle da produção do espaço urbano e da habitação” (BONDUKI, 2004, p.33) 33


Casarão transformado em cortiço no bairro de Santa - 1930 http://pt.scribd.com/doc/48707448/MORADIA-POPULAR-NA-CIDADE-DE-SAO-PAULO (03/06/2012)

Havia, porém, uma grande preocupação em melhorar as condições de habitação em algumas regiões da cidade, como o caso do bairro da Santa Ifigênia, onde se podia encontrar, além dos cortiços e moradias de baixa renda, habitantes de classe média e da burguesia cafeeira. A região estava a apenas 500 metros do bairro mais nobre da cidade, Campos Elísios. Apesar de haver outros bairros com problemas de propagação de epidemias, problemas com infraestrutura e higiene, as atenções do governo voltaram-se apenas para Santa Ifigênia, evidenciando a intenção de eliminar as habitações precárias do local e assim, acelerar o processo de segregação social da cidade. 34


A PRODUÇÃO RENTISTA DE MORADIAS

Durante o final do século XIX até a década de 1930, surgiram vários tipos de moradias populares, sendo quase todas de aluguel, já que não existia nenhum sistema de financiamento da casa própria. Casas produzidas pela iniciativa privada, visando a rentabilidade que o aluguel delas trariam. Apenas 25% das moradias da época eram próprias.

“O investimento em casas de aluguel era seguro e lucrativo; os riscos eram baixos e certa a valorização imobiliária, sobretudo em cidades de grande crescimento e dinamismo econômico, como São Paulo.” (BONDUKI, 2011, p.49)

A economia cafeeira gerou um excedente econômico que podia ser aplicado no ramo imobiliário. A procura por moradias era enorme, o que estimulava os investidores a produzirem mais casas destinadas ao aluguel. Quanto mais escassas eram as unidades habitacionais, maior eram os alugueis. Para solucionar a demanda por moradia nas cidades, o governo dava incentivos fiscais para os investidores que construíam conjuntos habitacionais com o intuito de alugar as unidades, além disso, não existiam controles estatais dos valores dos aluguéis, o que fazia do investimento muito mais atraente. 35


Cerca de 80% dos prédios eram alugados, o que mostra que a produção de moradia para aluguel era um negócio altamente rentável.

“A produção rentista proporcionou o surgimento de várias modalidades de moradia para aluguel. Uma delas foi a vila operária, sob a forma de pequenas moradias unifamiliares construídas em série. Desde a emergência do problema de habitação popular em São Paulo, tal modalidade de alojamento foi sempre recomendada, pelo poder público e pelos higienistas, como solução melhor e mais salubre para a habitação operária.” (BONDUKI, 2011, p.47)

Havia dois tipos de vilas operárias, uma delas era produzida por empresas, destinadas para habitação de seus funcionários; e a outra era produzida por investidores privados, com o intuito de destiná-las ao aluguel.

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“Várias análises tem explicado a emergência das vilas de empresas, como um gesto filantrópico de empresários favoráveis a harmonia entre o capital e o trabalho, como uma estratégia para atrair operários em um mercado de trabalho incipiente ou, ainda, como forma de disciplinar o tempo libre dos operários.” (BONDUKI, 2011, p.47)

Muitas vezes as vilas operárias criadas pelas empresas tornavam-se verdadeiras cidades, com vários equipamentos urbanos, como escolas, igrejas, enfermarias, clubes, pequeno comércio, etc. tudo administrado e abastecido pela própria empresa. Isso acontecia porque muitas vezes a localização da empresa era afastada da cidade real. O aluguel das casas era descontado diretamente da folha de pagamento dos funcionários, e muitas vezes, negociava-se um salário reduzido para, também, um aluguel menor. Essas vilas operárias deram origem a cidades como Votorantim (SP) e Paulista (PE). As vilas operárias privadas localizavam-se, normalmente, em terrenos enormes, as vezes ocupavam até vários quarteirões. Era o tipo mais comum de habitação da época. Para uma maior rentabilidade, o proprietário dava preferencia a projetos que aproveitavam o máximo possível do terreno, com casas geminadas, sem recuo nas laterais do terreno, tão pouco no fundo e na frente. Normalmente as casas voltadas para rua tinham maior valor, já que eram mel 37


hores localizadas e com maior qualidade (possuíam mais janelas, eram razoavelmente maiores, etc.). Existia ainda outro tipo de vila particular, edificadas por companhias mutuarias e sociedades imobiliárias. Essas vilas eram maiores que as citadas anteriormente.

“As companhias mutuarias eram sociedades de economia privada que administravam depósitos de cidadãos desejosos de poupar, criar um pecúlio e receber, depois de alguns anos, uma aposentadoria.” (BONDUKI, 2011, p.52)

Parte do recurso aplicado nessas companhias era usado para edificação de conjuntos habitacionais para aluguel, além disso, essas companhias financiavam a venda de casas para seus sócios. Muitas vezes os operários não podiam pagar o que se pedia de aluguel em vilas operárias, com casas unifamiliares e isoladas. Acabavam com a difícil decisão de comer bem ou morar bem. Como é de se esperar, a escolha era feita pela primeira opção, a alimentação. Esses trabalhadores, então, preferiam morar em cortiços, com a área de lavagem/secagem de roupas e banheiro comuns a todos os moradores. Mesmo ameaçados de demolição e proibidos, o cortiço se tornou a forma mais comum de habitação do trabalhador do início do século XX. 38


Complexo de cortiรงos formado pelo Navio Parado, Vaticano, Geladeira e Pombal http://pt.scribd.com/doc/48707448/MORADIA-POPULAR-NA-CIDADE-DE-SAO-PAULO (20/05/2012)

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“(...)o conjunto de cortiços do Sr. Francisco Barros, situado no Bexiga (...) tinha um desenho único, com acessos controlados, formando uma espécie de cidadela onde acabaria surgindo um modo de morar coletivo. Condenado pelos higienistas, pela elite e pela imprensa como território da promiscuidade e da falta de higiene, seus moradores desenvolveram uma forte coesão interna, cuja maior expressão era o fato de a polícia não conseguir entrar no local ou, quando entrava, nunca encontrava ninguém, nem mesmo o famoso bandido Meneghetti, espécie de Robin Hood do local.” (BONDUKI, 2011, p.55)

Vila Operária Votorantim - SP – 1943 http://www.votorantim.com.br

Vila Operária da Cia. Vidraria Santa Marina – década de 1930 - http://pt.scribd.com


Com tamanha relevância do problema de habitação que a cidade de São Paulo estava enfrentando, o prefeito da cidade, Pires do Rio, em uma Comissão criada em 1927, tomou medidas para solucionar a falta de moradia na cidade, entre elas surgiu a proposta de o poder público construir e subsidiar moradias para os trabalhadores. Considerando estas medidas, tomou-se o cuidado para não afastar o capital particular que aplicava-se em habitação, já que ao anunciar que o governo construiria milhares de casas a serem vendidas ou alugadas por preços irrisórios e fixos, desestimularia o investimento privado. Para solucionar o problema de habitação e estimular a iniciativa privada, ficou estabelecido: - Combate a especulação com terrenos urbanos, através de altas taxas; - “Isenção de todas as taxas, impostos emolumentos, para todas as construções destinadas à habitação, que se iniciarem e concluírem dentro de um prazo de seis anos contados a partir da promulgação da lei. A isenção compreenderá também todos os impostos, emolumentos que atualmente gravam os capitais empregados em hipotecas de prédios e capital das sociedades cuja atividade seja exclusivamente empregada na produção e comércio de materiais de construção.” (CINTRA, 1942; apud BONDUKI, 201, p.78).

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A HABITAÇÃO SOCIAL DURANTE A ERA DE VARGAS

Durante a era Vargas (1930-1945), a habitação Social se tornou um tema com enfoque e preocupação que ainda não havia existido no Brasil. Por se tratar de um governo com projeto nacional-desenvolvimentista, os debates sobre habitação social passaram a discutir a qualidade da moradia. A habitação passou a ser “vista como condição básica de reprodução da força de trabalho e, portanto, como fator econômico na estratégia de industrialização do país.” (BONDUKI, 2011, p.73) Além disso, também era tida como elemento fundamental na “formação ideológica, política e moral do trabalhador, e, portanto, decisiva na criação do ‘homem novo’” (BONDUKI, 2011, p.73) A moradia tornou-se um tema multidisciplinar, que envolvia profissionais de várias áreas de atuação com engenheiros, higienistas, advogados, assistentes sociais, urbanistas, sociólogos, economistas, demógrafos, empresários, geógrafos, escritores, etc. Sentia-se falta de arquitetos e técnicos do ministério do trabalho e dos Institutos de Aposentadoria e Pensões, que estavam de fato, produzindo moradia na época, influenciados pelo movimento moderno. Apesar dos arquitetos não estarem presentes nos debates sobre a habitação social, eles atuavam em espaços próprios, com o auxilio do Instituto dos Arquitetos do Brasil, onde, além de produzirem obras de moradia social, também debatiam o assunto entre eles.

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“Os Congressos Brasileiros de Arquitetura se tornaram uma referência importante no debate sobre habitação, onde se consolidaram posições que influenciaram várias gerações de profissionais. Em 1940, por exemplo, no Congresso Panamericano de Arquitetura, vários projetos premiados foram de conjuntos habitacionais produzidos para os Institutos de Aposentadoria e Pensões.” (BONDUKI, 2011, p.75)

Com o governo de Vargas, a partir de 1930, acreditava-se que a habitação social era um problema a ser enfrentado com intervenção do Estado, e que a iniciativa privada não era capaz de resolver o problema. Foi a partir desse momento que a produção rentista passou a ser deixada de lado. A opinião de que a intervenção estatal era necessária fazia parte do ideário generalizado, com representantes de todo o espectro ideológico, como podemos ver no discurso do deputado Salgado Filho, ex-ministro do Trabalho do governo provisório:

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“Defendemos no governo provisório o princípio de que este assunto [construção de casas para operários] deveria sempre ser da alçada do Estado, tal sua magnitude e relevância. Embora muitos não queiram ver a obra realizada do governo provisório no que concerne a construção de casas para trabalhadores, o que esse governo fez (...) foi obra que merece ser apreciada por aqueles que estudam o assunto. (...) Não desconheço que as instituições que se quer beneficiar nesta Casa, umas com crédito, outra coma cessão de grandes faixas de terras, são entidades da maior benemerência. Mas, senhor presidente, a construção de casas para operários deve ser obra obrigatória do Estado, tal a magnitude do problema, tais os encargos financeiros que exige, indispensáveis para sua realização. É certo que até 1930, nada se havia feito nesse setor” (Boletim do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, 1937; apud BONDUKI, 2011, p.78-79)

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Após vários pronunciamentos e debates de todas as representações sociais, concluiu-se que era obrigação do Estado garantir moradias de qualidade para a população, para tornar isso possível, era preciso investir recursos públicos e fundos sociais. Foi com o pensamento de estatização da produção de moradia popular que, em 1942, o governo promulgou a Lei do Inquilinato, congelando todos os aluguéis. Essa medida já havia sido tomada em países da Europa e da América Latina, com a justificativa de que o país vivia uma forte crise devido à guerra (no caso da Europa e dos países latinos, a primeira guerra mundial, e no caso do Brasil, a segunda guerra mundial). A determinação da lei foi de difícil aceitação dos proprietários e dos juristas conservadores. Eles consideravam que se tratava de um ato inconstitucional. “O Estado não apenas restringe o direito de propriedade (...) mas transfere, por assim dizer, ao inquilino, esse direito. Opera uma verdadeira expropriação gratuita. Não se limita a disciplinar o uso da propriedade (...) mas entra pelo conteúdo deste direito, tornandoo praticamente nulo” (COSTA FILHO, 1953:226; apud BONDUKI, 2011, p.81)

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Inicia-se, neste momento, no país, a mudança de opinião quanto ao aluguel. Nota-se que a maior parte dos discursos aprova a aquisição da casa própria. Poucos são os que continuam apoiando o aluguel, como o caso o I Congresso de Arquitetos do Brasil, em 1945, que chegaram a conclusão que a moradia deveria ser considerada como um serviço de utilidade pública, e que o Estado era responsável por garantir a população o acesso a moradia com aluguéis compatíveis com o padrão de vida social. Tirando a consideração de profissionais progressistas, como os arquitetos que participaram do I Congresso de Arquitetura do Brasil, o restante dos profissionais eram a favor da aquisição da casa própria, como podemos ver no discurso de Waldemar Falcão, ministro do trabalho, na inauguração da vila operária Waldemar Falcão, em 1938:

“Dando a esses humildes trabalhadores seu lar próprio, outorgava-lhes o governo do Estado Novo, a base física de sua liberdade econômica, o recanto amorável de sua vida de família e o símbolo de sua felicidade singela de trabalhadores e de chefes de cada uma daquelas mansões domesticas honradas e dignificadas pelo trabalho honesto de todos os dias.” (Boletim do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, 1938; apud BONDUKI, 2011, p.83)

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Antes do período Vargas, a grande maioria da população de classe baixa e média vivia de aluguel, foi a partir de 1930 que a aquisição da casa própria começou a ganhar importância, uma vez que a ideia geral era que ela representava a importância e a dignificação do trabalhador. Era símbolo do progresso material. Na visão política da situação, o incentivo a casa própria era uma maneira de garantir a estabilidade do regime vigente, e criar oposição as ideias socialistas e comunistas de que a moradia deveria ser um bem comum sustentado pelo Estado, e não um bem individual, em que cada um da a manutenção e sustentação de acordo com a necessidade e possibilidade própria. Ao passo que muitos trabalhadores conseguiam adquirir a casa própria graças a ajuda do Estado, muitos outros que não possuíam as condições necessárias continuariam morando em cortiços subjugados pela sociedade. Visto como local de tentações, infidelidade, delinquência, maus hábitos, insalubridade, etc. Eles acabariam com uma visão política esquerdista, que desestabilizaria a ordem política e social da época.

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“Além de criar a ilusão do progresso econômico, contribuindo para a estabilidade da ordem macropolítica, a habitação passou a ser considerada fundamento da constituição moral da sociedade e do bom trabalhador, avesso a desejos e práticas desviantes. Portanto, se a casa própria e a difusão da propriedade garantiam a ordem política, no nível micropolítico a reprodução da moral burguesa e sua dócil aceitação pelo operariado só seria possível através da moradia individual e da eliminação dos cortiços.” (BONDUKI, 2011, p.84) “Dize-me onde moras e dir-te-ei quem és.” (SINISGALLI, 1942; apud BONDUKI, 2011, p.85) “As classes mais necessitadas tem apenas dois tipos de moradia a escolher: a casa feita com as próprias mãos e o cortiço.” (VIANA, 1942:133; apud BONDUKI, 2011, p.89)

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Para que houvesse aceitação total da propriedade, ressaltava-se a importância da família na construção da ordem e da moral, considerava-se a família uma “Célula mater do complexo social” (FERREIRA, 1942; apud BONDUKI2011, p.85). Não era possível, nessa visão, que a família desempenhasse seu papel estruturador e educador se não constituísse um lar.

“A exiguidade do lar, absolutamente insuficiente para abrigar os membros de uma família mesmo pequena; a falta completa de comodidade que a casa oferece à família operária, de um lado, e, por outro, o ritmo da vida moderna, as mil e uma seduções que ela exerce sobre os indivíduos, vão matando a coesão familiar para a boa porção da nossa sociedade. O espírito de família é hoje uma expressão sem sentido para o trabalhador dos grandes centros. À massa dos obreiros já se não pode mais falar em espírito de família. Uma sala ou duas, sem higiene e sem conforto, mal arejada e mal ensolarada, onde se cozinha, come, dorme, como reunir a família para as refeições e as palestras em comum? Para o pai e os filhos do sexo masculino, há o recurso da rua; para a mãe e as mulheres, a vizinhança, os enredos, os diz-que-diz-ques; para as crianças, o pátio do cortiço, com todos os seus perigos tanto de ordem física como moral. (...) não havendo permanência em casa, não pode também ser a família aquele centro educador de energias morais e espirituais e agente transmissor da civilização e da cultura.”(FERREIRA, 1942, apud BONDUKI, 2011, p.85-86 49


Mas para que a estratégia habitacional de propriedade desse certo, era preciso despertar no trabalhador a vontade de adquirir uma casa unifamiliar. Era preciso haver uma mudança cultural da forma de morar, e o estimulo aos trabalhadores de poupar dinheiro para conseguir sua propriedade. Só através dessa mudança educacional que se conseguiria a adesão do projeto da casa própria.

“Tal objetivo revela a influência dos métodos fascistas de doutrinação das massas, nos quais é fundamental o uso dos meios de comunicação para incutir nos trabalhadores uma visão nova sobre seu modo de vida.” (BONDUKI, 2011 p. 88)

Após a decisão do governo de incentivar a aquisição de casas, tornou-se uma meta para os técnicos, principalmente arquitetos e engenheiros, encontrar formas de reduzir o custo da construção de moradia, “abordando os mais diferentes enfoques: racionalização e simplificação dos sistemas construtivos, redução do padrão dos acabamentos e dos pés direitos, mudança do código de obras, estandardização das unidades, normatização dos materiais, combate à especulação imobiliária e viabilização do acesso à periferia.” (BONDUKI, 2011, p.89). Dessa forma, viabilizar o acesso para a maioria dos trabalhadores. Os técnicos, responsáveis por pesquisar maneiras de baratear a construção, chegaram a conclusão que construir um conjunto da casas reduziria o custo da obra em 37% em relação a 50


construir uma única casa. Além disso, houve a preocupação de padronizar o material utilizado na construção, como por exemplo, o tijolo, que possuía inúmeras formas e tamanhos. Outra maneira de incentivar a obtenção da casa própria foi através da especulação imobiliária em terrenos da periferia, que antes se caracterizavam como terrenos da zona rural. Surgiram propostas de isenção fiscal para os compradores desses terrenos afastados. Isenção não mais com o intuito de beneficiar grandes investidores a construírem conjuntos, mas trabalhadores a conseguir adquirir e construir sua casa própria. O pesquisador Oscar E. de Araújo comparou os custos de morar de aluguel em uma área central, com o de construir uma casa própria na zona rural, e concluir que dois cômodos no cortiço alugados ficariam muito mais caro que uma casa unifamiliar afastada do centro da cidade, mas de propriedade do trabalhador. Além de trabalhar a educação do povo para que houvesse uma ampla aceitação de que a melhor escolha era a casa própria, também seria necessário convencer os trabalhadores de que morar na zona rural, longe do centro e longe do seu emprego era a melhor opção. Esses terrenos disponíveis para compra encontravam-se em situações precárias. Não havia, nessas regiões, a infraestrutura mínima para tornar aquele espaço, cidade. O trabalhador teria que construir a própria casa nas horas vagas, sem conhecimento de técnicas, morar sem saneamento básico, apenas com fossas e poços artesianos e também sem luz elétrica.

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“A localização dos habitantes em uma área cada vez maior pode apresentar vantagens higiênicas e sociais, mas vai criando problemas de urbanismo que se tornam muito difíceis de resolver, como o de servir com rede de esgotos, de água, de iluminação pública, uma área tão extensa, e no interior da qual se formam, por motivos topográficos e outros, grandes vazios. O custo desses serviços vai crescendo muito depressa e o problema primordial dos transportes se torna difícil de ser solucionado satisfatoriamente. Em São Paulo já se esboça uma crise de transportes”. (BARROS, 1942:84, apud BONDUKI, 2011, p. 94)

Muitos, porém, preferiam morar em cortiços no centro da cidade do que morar na zona rural, sem infraestrutura, com dificuldades com o transporte, além do gasto que isso acabaria gerando a mais na renda da família.

“A cidade de crescimento ilimitado é um mal. Quanto maior, mais cara é sua administração per capita.” (MORAIS, 1942:113, apud BONDULI, 2011, p.94)


Cortiço na Rua da Abolição – 1930 http://pt.scribd.com/doc/48707448/MORADIA-POPULAR-NA-CIDADE-DE-SAO-PAULO (20/05/2012)

Diante desse cenário, criou-se, em 1947 a Companhia Municipal de Transportes Coletivos (CMTC). Através da criação da CMTC, o poder público começou a intervir na mobilidade urbana de São Paulo, e isso tornaria possível a ocupação das zonas rurais pelos trabalhadores. Como bem descreve Bonduki (2011, p.95) “Constrói-se uma utopia na qual os operários reproduzem o modo de vida pequeno burguês, mantendo a ordem capitalista e sendo atendidos por um Estado protetor e por entidades assistenciais capazes de garantir um futuro seguro para todos.” 53


“A família, de nível social humilde, consta de casal e cinco filhos, de catorze, doze, nove, seis e quatro anos, respectivamente Luís, Paulo, Carmem, Rosa e Antônio. Às nove horas da manhã vamos encontrar a agitação peculiar ao início de um novo dia. Mamãe já preparou o café para todos e o papai saiu para seu trabalho. Luís e Paulo aprontam-se para ir ao campo de esporte, Carmem estuda, ao passo que Rosa e Antônio estão de saída para a ‘nursery’ instalada no último andar: aí permaneceram enquanto mamãe arruma todo o apartamento e faz almoço. Às cinco horas da tarde, voltamos. A mamãe sairá, deixando toda a casa em ordem. Acaba de chegar do parque com o caçula. Daí a minutos devem vir os filhos, sendo que os dois mais velhos provavelmente estarão discutindo o que aprenderam na escola técnica e as duas meninas contarão as novidades ocorridas no curso primário de uma e no jardim de infância que a outra frequenta. A mamãe prepara o jantar, enquanto cada um dos outros se entregará a sua obrigação favorita. E o serão decorre calmo no ambiente modesto, mas agradável, de família. Para essa tranquilidade muito colabora a confiança com que é esperado o futuro, criada pela certeza que mesmo os males eventuais estão por certa forma prevenidos: o apartamento em breve pertencerá à família, liberando-a da despesa do aluguel; em caso de moléstia poderão recorrer à associação de auxílios mútuos...e finalmente, enquanto esses aborrecimentos não aparecerem, a vida pode ser vivida de modo saudável. Nestas condições poderão passar toda a sua existência não só uma mas muitas famílias. Tudo depende de que esse ideal seja cuidadosamente preparado, talvez por alguns dos que estão aqui presentes.” (VIANA, 1942:138 apud BONDUKI, 2011, p.96) 54


A MORADIA PROVIDA PELO ESTADO

Ao final do governo de Getúlio Vargas, em 1945, existia uma série de fatores que estimulavam verdadeiramente a criação de uma política habitacional no Brasil, como listado abaixo: - Acumulo de recursos nos fundos dos IAPs; - Unificação dos IAPs com a criação do Instituto de Serviços Sociais do Brasil (ISSB), que reuniria os fundos dos IAPs para estimular o financiamento de uma política de habitação social; - Criação da Fundação da Casa Popular, que garantiria a aplicação da política habitacional e usufruiria dos fundos previdenciários; - Boa capacitação técnica “comprovada pela qualidade dos projetos dos IAPs nos anos 40, pela clareza dos técnicos dos Institutos em asseguras o equilíbrio financeiro dos fundos e pelo conhecimento sobre a questão presente em várias corporações profissionais.” (BONDUKI, 2011, p.100); - Pressão social sob o governo, causado pelo reconhecimento da população da gravidade da crise habitacional, o que causou a aceleração da produção habitacional no período de 1945 1950; - Priorização da questão habitacional nos programas do Estado, mesmo que esse fator não se passasse de mero discurso político para conseguir apoio popular para se manter no poder, Vargas propôs que fosse feito uso dos fundos previdenciários para a construção de conjuntos habitacionais. A deposição de Vargas interrompeu o processo de consolidação de uma política habitacional no país, apesar do reconhecimento da gravidade do problema e da importância da produção Estatal de moradia social. O novo governo populista possuía interesses contraditórios ao do antigo governo 55


o que provocou a descontinuidade dos planos administrativos e impediram a efetivação desse processo. Para contornar a situação de abandono do governo, a Lei do Inquilinato foi prorrogada inúmeras vezes, com a desculpa de que era necessário manter os aluguéis congelados enquanto não havia uma solução definida para o problema de habitação.

“Malgrado essa ausência de política, a produção de habitação social no período não foi irrisória, como o comprovam os conjuntos habitacionais do IAPI, de interesse arquitetônico, urbanístico e social. Mas o caráter fragmentário da intervenção acabou por restringir a ação pública e estimular a busca, pela própria favela e a casa auto-empreendida em loteamentos periféricos.” (BONDUKI, 2011, p.101)

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A PRODUÇÃO DOS IAPs

Apesar da intensa produção dos IAPs, habitação nunca foi o enfoque desses institutos, a finalidade principal da criação dos IAPs na década de 1930 era proporcionar benefícios previdenciários de aposentadoria e pensões, e assistência médica aos associados. “(...) a habitação sempre apareceu de maneira ambígua entre as finalidades dos IAPs: ora como objetivo importante, ligado à ideia da seguridade social plena, ora como mero instrumento de capitalização dos recursos captados(...)” (BONDUKI, 2011, p. 101). Até mesmo antes de 1930, não era permitido aos IAPs fazerem uso dos recursos que havia nos fundos dos institutos para aplicar em habitação. Foi com a Revolução de 30, que foi dado o direito de construir moradia com o dinheiro acumulado, a partir do artigo 2º do decreto 19.469, de 17/12/1930 e do decreto 1.749, em 1937. Eles poderiam, então, destinar até metade das reservas para o financiamento de construções de moradias. Além de proporcionar condições de financiamento habitacional com baixas taxas de juros e maiores prazos de parcelamento.

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Conjunto IAPI em Belo Horizonte – década de 1940 http://wikiarq.blogspot.com.br/2011/06/iapi-bh.html (06/06/2012)

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O Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários (IAPI) baseava-se em três planos de atuação para as operações imobiliárias. Esses três planos foram difundidos entre os demais IAPs, e estava em vigor até o ano de 1964. Eles são: “1) Plano A: locação ou venda de unidades habitacionais em conjuntos residenciais adquiridos ou construídos pelos institutos, com o objetivo de proporcionar aos associados moradia digna, sem prejuízo da remuneração mínima do capital investido. 2) Plano B: financiamento aos associados para aquisição da moradia ou construção em terreno próprio. (Sem correção monetária) 3) Plano C: empréstimos hipotecários feitos a qualquer pessoa física ou jurídica, bem como outras operações imobiliárias que o instituto julgasse conveniente, no sentido de obter uma constante e mais elevada remuneração de suas reservas.” (BONDUKI, 2011, p. 104) É visível que os planos A e B tinham, por objetivo ajudar aos sócios dos institutos a alugar/ adquirir moradia unifamiliar, já o plano C priorizava as classes com melhor poder aquisitivo e procurava assegurar a máxima rentabilidade das reservas dos fundos. Foi através dos programas dos Institutos que houve uma intensa verticalização e especulação imobiliária na cidade de São Paulo, estimulando a construção de prédios residenciais e comerciais em conjuntos populares, e também, em terrenos. Segundo MELO (1992), os IAPs se tornaram os maiores proprietários individuais de terrenos urbanos do país. Ainda havia a preferência pelo aluguel dos conjuntos habitacionais em sobreposição à venda. 59


“Financiar ou alugar moradias a baixo do custo, sem dispor de recursos para dar continuidade à ação, não configurava uma política social e sim populismo, com objetivos políticos de curto prazo. Uma política de habitação social deveria estabelecer critérios de investimento que dirigissem os subsídios para quem de fato tinha necessidade, definindo a origem dos recursos necessários para cobri-los. E, por outro lado, garantir o retorno dos recursos a serem financiados para que não houvesse depreciação de seus fundos. Só nessas condições seria possível manter um fluxo constante de recursos para sustentar a produção habitacional.” (BONDUKI, 2011, p.108)

A maior parte dos investimentos imobiliários dos IAPs não dava o retorno financeiro necessário para manter o programa de habitação social e acabaram deixando os planos A e B de lado, sem mais investimentos. Apesar dessa falha na beneficiação dos associados, e da interrupção na produção de moradia, pode-se dizer que os IAPs contribuíram de forma significativa, com valor arquitetônico e urbanístico das construções, e como estopim de uma politica habitacional, mas, ao mesmo tempo, impediu que essa politica de nível federativo tivesse surgido tempos antes, com força e avidez, pois os institutos estavam desempenhando o papel de agente solucionador do problema de habitação muito bem, durante 18 anos, os institutos produziram quase 124 mil unidades habitacionais 60


A FUNDAÇÃO DA CASA POPULAR

Havia muitos trabalhadores no país que não faziam parte dos IAPs, uma vez que exerciam trabalhos informais e não se enquadravam nos requisitos mínimos para se associarem aos institutos e garantirem seus benefícios previdenciários. Além disso, esses trabalhadores não tinham direito a alugar/comprar qualquer unidade habitacional que fosse construída pelos institutos, já que elas serviam como beneficio aos associados. Porém, a crise habitacional atingia toda a população, e não somente aqueles que faziam parte da carteira predial dos IAPs. Baseados em toda a discussão a respeito de o Estado provir habitação ao povo, e levando em consideração os trabalhadores informais, o governo do presidente Dutra criou, em 1946, a Fundação da Casa Popular (FCP). A FCP foi criada com o intuito de atender unicamente as necessidades de habitação social do país, e ser o único órgão responsável por esse setor. Nesse sentido, todas as operações imobiliárias que os IAPs estavam realizando passaram para a administração da FCP, além disso, criou-se empréstimo compulsório de 30 anos para pessoas físicas, com o valor equivalente a 0,5% do valor de compra de terreno ou edificações com área superior a 200m². Esses valores eram referentes à taxa sobre a transação ou produção imobiliária. Era uma maneira de garantir que pessoas com melhor poder aquisitivo, que aderissem a esse financiamento, ajudariam, mesmo que inconscientemente, na construção de moradia para os menos favorecidos.

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“O anteprojeto da FCP compreendia os elementos fundamentas para uma reforma da atuação do Estado no setor: centralização da gestão, fontes permanentes de recursos e uma visão abrangente que buscava articular a produção da moradia com o desenvolvimento urbano.” (BONDUKI, 2011, p.117)

O governo Dutra foi o que mais obteve resultados na produção de moradia. Isso porque durante a gestão dele, além da ação dos IAPs, a FCP também estava atuando. A FCP foi fundada com o objetivo de construir 100 mil casas para atender a demanda de habitação que havia no país, porém, considera-se que a atuação da Fundação da Casa Popular não atingiu as expectativas, já que num período de 18 anos, ela construiu pouco mais que 18 mil unidades habitacionais, contra os quase 124 mil que os IAPs produziram no mesmo período.

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“Art. 1º. A Fundação da Casa Popular (FCP), para que atinja as suas finalidades, incumbe: I – proporcionar a brasileiros, e a estrangeiros, com mais de dez anos de residência no país, ou com mais de cinco anos quando tenham filhos brasileiros, a aquisição, ou construção, de moradia própria, na zona urbana ou rural; III – financiar as construções, de iniciativa, ou sob a responsabilidade de Prefeituras Municipais, empresas industriais ou comerciais, e outras instituições, de residências de tipo popular, destinadas à venda, a baixo custo, ou à locação, a trabalhadores, sem objetivo de lucro; IV – financiar obras urbanísticas, de abastecimento de água, esgotos, suprimento de energia elétrica, assistência social, e outras que visem a melhoria das condições de vida e bem-estar das classes trabalhadoras, de preferência nos municípios de orçamentos reduzidos, sob a garantia de taxas ou contribuições especiais, que para isso forem criadas; V – estudar e classificar os tipos de habitações, denominadas – populares – tendo em vista as tendências arquitetônicas, hábitos de vida, condições climáticas e higiênicas, recursos de material e mão de obra das principais regiões o país, bem como o nível médio, econômico ou na escala de riqueza do trabalhador da região. VI – proceder a estudos e pesquisas de métodos e processos que visem o barateamento da construção, quer isolada, quer em série, de habitações de tipo popular, a fim de adotá-los e recomendá-los; VIII – financiar as indústrias de materiais de construção, quando, por deficiência do produto no mercado. Parágrafo único. Em casos especiais, poderá a FCP arrendar as habitações que façam parte de seu patrimônio imobiliário.” (Decreto-lei nº 9.218, de 1 de Maio de 19468, apud MARTINS, 2011) 63


Apesar da preocupação social que havia no programa da FCP, o órgão sofreu com a quantidade de oposição a sua existência. Poucos eram a favor da criação e atuação do órgão. Das inúmeras críticas que a Fundação recebeu, pode-se citar que boa parte delas vieram de: indústria da construção civil, grande parte da opinião pública, setor imobiliário, IAPs, parte do Ministério do Trabalho, Movimento Unificado dos Servidores da Previdência, sindicatos, partido comunista, Institutos dos Arquitetos do Brasil, Clube da Engenharia, entre outros. Ou seja, mesmo aqueles que esperava-se que apoiaria da criação da FCP foram contra, e os motivos apresentados foram coisas como a desvalorização no setor imobiliário, falta de material de construção para empreendimentos privados, o incentivo à venda das unidades ao invés do aluguel, a falta de preocupação quanto a qualidade da arquitetura e do desenvolvimento urbano, etc. Com tanta oposição ao trabalho da Fundação da Casa Popular, pode-se até mesmo compreender o porquê o órgão não conseguiu realizar seu objetivo, e ter tido um trabalho considerado praticamente nulo. A unificação das carteiras prediais dos IAPs, e a transferência das operações e recursos para a FCP foi inviabilizada, assim como os empréstimos compulsórios, isso fez com que a Fundação não tivesse de onde tirar recursos para executar as obras, a única fonte que tinha era um imposto sobre o imóvel adquirido que equivalia a 1% do valor de compra, e um imposto de transmissão do imóvel. Mas a cobrança desse imposto nunca foi realizada, já que os estados, que deveria cobrar a taxa, foram contra a implantação, e alegaram ser um ato inconstitucional. Com esse pensamento, vários estados, como São Paulo, mandaram fechar a sede da Fundação da Casa Popular e criaram seus próprios órgãos para solucionar o problema de habitação em nível regional. 64


Devido aos problemas enfrentados, o imposto cobrado sobre as transações imobiliárias foi instinto em 1951, e a FCP passou a ter recursos apenas dos orçamentários da União. Apesar da função social que tinha, a FCP adquiriu caráter clientelista, e a maior parte dos beneficiados com uma unidade habitacional provida pela FCP tinha alguma influência política. Apesar disso, 85% dos conjuntos habitacionais foram implantados em cidades pequenas, com uma população que não chegava a 100 mil habitantes, o que mostra que o órgão intencionava atender num âmbito físico bem distribuído.

“O anteprojeto da FCP compreendia os elementos fundamentas para uma reforma da atuação do Estado no setor: centralização da gestão, fontes permanentes de recursos e uma visão abrangente que buscava articular a produção da moradia com o desenvolvimento urbano.” (BONDUKI, 2011, p.117)

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O BANCO NACIONAL DA HABITAÇÃO

O Banco Nacional da Habitação (BNH) foi o primeiro órgão habitacional de caráter nacional, de fato. Foi criado em 1964 a fim de substituir a Fundação da Casa Popular. A maneira de manter a sua atividade principal, que era a de prover moradia, tanto para a população de baixa renda, quanto para as classes média e alta, criou-se, junto com o banco, o Sistema Financeiro da Habitação (SFH), que era alimentado pelo Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), e o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE). Os fundos adquiridos pelo FGTS eram destinados para a produção de conjuntos habitacionais de caráter social, já o SBPE captava recursos de poupanças opcionais, e destinava esses recursos para atender a população com melhores condições financeiras. Além disso, o BNH era responsável pelo Sistema Financeiro de Saneamento (SFS). A única forma de adquirir uma unidade habitacional era através da aquisição da casa própria, não havendo qualquer outra estratégia para incorporar processos alternativos de produção de moradia. Em 22 anos o BNH financiou a construção de 4,3 milhões de unidades habitacionais, sendo 2,4 para o setor popular. Para atender aos trabalhadores informais, que não tinham condições e tão pouco facilitadores para financiar um imóvel, o BNH criou três programas na tentativa de solucionar esse problema, o PROFILURB, o PROMORAR e o Programa João de Barro; que sofreram algumas reformulações e se transformaram em quatro planos de ação para população de menor poder aquisitivo: PLANHAP, PROFILURB, FICAM e Programa de desfavelamento.

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Conjunto Habitacional promovido pelo BNH, em Santos Fonte: Marco Leon Roman - http://www.euvimdesantos.com.br/

Apenas 285 mil unidades habitacionais foram construídas com esses programas, o que equivale a 7% da produção total de habitação do BNH. Ao todo, aproximadamente 33% da produção foi destinada a população de baixa renda, incluindo os programas para atender aos trabalhadores informais. Aproximadamente 49% das unidades habitacionais construídas resumem-se em moradia para as classes média e alta. A atuação do BNH em construções voltadas para as classes mais favorecidas foi ampla e satisfatória para a elite.

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“Em 1975, o BNH só dedicava 3% dos seus financiamentos para famílias com rendimentos abaixo de 5 salários mínimos, os felizes mutuários com rendimentos superiores a 20 salários podem obter mais de 1 milhão de cruzeiros (3.500 upc) que pagarão em 20 anos a juros praticamente negativos, graças à combinação de uma correção monetária inferior à real com os outros ‘incentivos’ fiscais adicionais” (BOLAFFI, 1981, p. 178).

Preocupados com a alta produção de conjuntos habitacionais, os projetos desenvolvidos pelo Banco Nacional da Habitação não possuíam qualidade arquitetônica e urbanística considerável, apesar da alegação de que havia uma preocupação quanto aos conceitos modernistas. A maioria dos conjuntos habitacionais foi construída nas zonas periféricas da cidade, criando bairros dormitório, eram modelos padronizados e reproduzidos sem qualquer preocupação estética, cultural e ambiental, além da falta de infraestrutura e de equipamentos públicos das regiões. A crise na economia do país repercutiu diretamente no Sistema Financeiro de Habitação, gerando queda nos financiamentos e forte oposição ao BNH. O Banco foi extinto em 1986 passando as suas atribuições a outros órgãos, como a Caixa Econômica Federal (CEF), secretarias e ministérios. A área de habitação passou por um período de profunda desarticulação e desestruturação.

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“Desde a extinção do Banco Nacional de Habitação (BNH), em 1988, a habitação persiste como um bem inatingível para grande parcela dos brasileiros. Mesmo aqueles que conseguem ter acesso a essa “mercadoria impossível” o fazem, na maioria das vezes, em condições de enorme precariedade. Embora a ação do BNH fosse falha em muitos pontos [principalmente pela sua incapacidade em atender de forma eficiente às franjas inferiores do mercado], com a sua extinção a moradia popular ficou órfã, passando por vários ministérios e secretarias, sem que se conseguisse definir com clareza um padrão de política a ser implementado” (CARDOSO e RIBEIRO, 2000).

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A CONTRIBUIÇÃO DO MODERNISMO NA ARQUITETURA HABITACIONAL

No início do século XX, a arquitetura começa a tomar um rumo diferente do que era visto até então. Os arquitetos buscam mais do que estética e condições básicas de sobrevivência. Imaginam a sociedade do futuro, acreditam que o meio ambiente construído funciona como forma educativa, transformadora, é a arquitetura pedagógica. Para os arquitetos soviéticos, a arte não deveria mais descrever a vida, somente, mas ela deveria ser organizadora da vida, “uma arte-organização da vida”. Os modernistas passam a discutir que só uma produção de massa poderia atender a necessidades de massa. A ideologia progressista acredita que a sociedade é geradora de grandes transformações e que o momento, início do século XX é provocador, e a sociedade estava na iminência das transformações. Acreditavam na reconstrução do modo de vida.

“(...) O mundo mudará radicalmente, logo uma sociedade mais justa, mais fraterna, mais igualitária surgirá das ruínas da antiga.” (KOPP, 1990, P.17-18)

No período entre guerras, a indústria passa a exercer um papel predominante na produção arquitetônica e artística, de forma a garantir a produção em larga escala, com custos mais baixos e prazos menores. Essa novidade no mercado da construção civil ajuda na concepção e execução de maior número de unidades habitacionais de interesse social. A industrialização fez com que, segundo Le Corbusier, a construção de moradia fosse vista como “maquina-de-morar”, uma alusão 70


a fabricação de automóveis, que após a automatização do processo industrial, se tornou acessível a todos. O mesmo deveria ocorrer com a habitação. Um ótimo exemplo de habitação social no período moderno são as Siedlungen na Alemanha. Essas construções, idealizadas por arquitetos como Walter Gropius, Bruno Taut, Hannes Meyer, Mies van der Rohe, entre outros nomes de grande importância na formação da ideologia modernista. As Siedlugen eram projetadas pensando não somente na edificação e sua funcionalidade de garantir as condições básicas de sobrevivência, mas também pensando nas infraestruturas sociais, culturais e técnicas que haveriam no entorno, maneiras de garantir que os cidadãos teriam mais que somente uma unidade habitacional, eles teriam também equipamentos públicos de saúde, educação, lazer, convivência, segurança, dentre outros. As “alegrias essenciais”, como denominava Le Corbusier, deveriam contemplar toda uma sociedade, e deixar de ser privilégio de uma parcela de cidadãos com melhores condições financeiras.

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Siedlungen construĂ­do na dĂŠcada de 20, em Berlim 72 Fonte: http://arqok.wordpress.com/page/6/


A vontade de dar condições de vida descente aos trabalhadores alemães que moravam em cortiços, segundo André Hardelet, era amplamente visível pela forma geral e arquitetônica dos conjuntos, englobava a preocupação quanto a arborização e arranjos paisagísticos, pesquisa cromática de interiores e exteriores, o estudo aprofundado dos detalhes que contribuíam para uma maior qualidade de vida, equipamentos coletivos que substituíam atividades domésticas, além de considerar, dentre todos esses aspectos, a questão psicológica e emocional. A unidade familiar conhecida até aquele momento deveria dar lugar a uma nova forma de morar, que representaria as novas relações humanas e ajudaria na criação de novas relações, ‘um novo organismo arquitetural’, onde as casas funcionariam de maneira comunitária. Os conjuntos habitacionais não poderiam ser vistos como um “câncer urbano ignorado”, como disse Anatole Kopp, mas deveriam ser planejados de forma que se integrasse com a cidade da maneira adequada, fazendo parte da composição urbana.

“(...)a composição das fachadas está longe de ser a principal tarefa dos arquitetos e que é a combinação das células habitacionais, com base em uma concepção moderna do fato mesmo de morar, que constitui a parte mais importante do problema e que lhes cabe igualmente a tarefa urbanística de integrar o conjunto dessas células que constituem a ‘siedlung’ a cidade inteira(...)” (MAY, p.407-408, apud KOPP, 1990, p.52) 73


Para os arquitetos modernos dos anos 20, a questão “A quem pertence o mundo?” era fundamental e deveria representar todo projeto arquitetônico e urbanístico que fosse produzido. “A resposta (para esta questão) era clara: ao povo, às massas, aos trabalhadores, ao maior numero.” (KOPP, Anatole. A habitação social passa a ser prioridade na ação dos arquitetos da época.

“hoje não temos nem a igreja, nem autocracia, nem feudalismo como criadores de estilo. Não são nem as catedrais nem os castelos que orientam a construção. (...) a direção passou para outras mãos, as mãos daqueles que constroem os edifícios, que fornecem os materiais produzidos a partir de matérias-primas, que extraem as matérias primas das pedreiras e das minas, que as transformam dentro das fábricas, que criam os meios de transporte, em resumo, que produzem tudo aquilo de que cada homem precisa e no que cada homem depende dos outros. É a massa de trabalhadores.” (TAUT, 1929, p.54, apud KOPP, 1990, p.47)

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Na Alemanha pós-guerra, em meados da década de 20, o problema habitacional era enorme, o número chegava a um milhão de desalojados, aproximadamente, além dos cortiços operários com péssimas condições de infraestrutura e claro desprezo as condições climáticas, para solucionar essa problemática, os arquitetos passaram a estudar novos métodos de construção e de aprimoramento da moradia, várias questões foram levantadas quanto a preferência dos moradores, eles poderiam influenciar nas decisões a respeito dos seus próprios interesses através da representação governamental e das organizações cooperativas. “não são mais vilas particulares, mas centenas de apartamentos que precisam ser construídos. Não mansões para os ricos, mas boas casas, utilizáveis pelos operários, residências que respondam não a princípios estéticos, mas sim a dados objetivos.” (GROPIUS, 1924, p.3, apud KOPP, 1990, p.46) A unidade familiar individual com jardim igualmente individual era a vontade da maioria. Porém, os arquitetos da época acreditavam que essas habitações extremamente individualistas não ajudariam no progresso coletivo e solidário da sociedade, e que os grandes conjuntos tornavam os contatos e trocas mais ricos, e justificariam a instalação de diversos equipamentos públicos, com maior sensação de segurança. Além de a habitação dever atender aos anseios daqueles que iriam habitá-las, a construção dela deveria ser subvencionada pelo poder público. 75


“os arquitetos da nova arquitetura unem-se, sem distinção de nacionalidade, por sua compaixão pelas pessoas necessitadas; não podemos imaginá-los sem consciência social e podemos mesmo dizer que eles estão resolvidos a colocar as considerações sociais em primeiro plano na nova arquitetura. Eles rejeitam, como o urbanista inglês Unwin, que o que é significativo em uma cidade não é a quantidade de seus habitantes, mas sim sua qualidade de vida. Eles negam legitimidade a qualquer centro de habitação que garanta condições satisfatórias de existência apenas a uma elite afortunada. Eles lutam para que a sorte do mais pobre dos pobres seja melhorada.” (May, 1928, apud KOPP, 1990, p.46)

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A REPERCUSSÃO NACIONAL DO MODERNISMO NA HABITAÇÃO A arquitetura moderna começou a ser discutida e praticada no Brasil a partir da década de 30. Influenciados pelos pensadores e acontecimentos na Europa, os arquitetos brasileiros passaram a ter uma visão mais social e abrangente ao projetar. Entre o período de 1937 a 1950, foram elaborados diversos projetos e obras de habitação social que incorporavam os princípios do modernismo. Eles levavam em consideração coisas como baixo custo, funcionalidade, técnicas construtivas e estética, formas que garantiam o acesso dos trabalhadores às moradias com qualidade arquitetônica. “um serviço social de utilidade pública, com a principal função de reeducação completa dos operários brasileiros, que [...] deveria estar incluída entre os serviços obrigatórios que o governo deve oferecer, com água, luz, gás, esgoto etc.” (PORTINHO, apud BONDUKI, 1990, p.)

Mesmo com a vontade de realizar obras com qualidade arquitetônica e urbanística, os arquitetos no Brasil se depararam com muitas dificuldades impostas pela ação habitacional do governo, dessa maneira, apenas parte dos princípios modernistas foram implementados na maioria dos conjuntos habitacionais do Brasil. Essa grande parcela de projetos perderam as características 77


de renovação do modo de morar e a valorização do espaço público, atingindo o auge da má qualidade das obras durante a produção massiva de conjuntos habitacionais produzidos pelo BNH, a partir de 1964, quando só havia preocupação quanto ao baixo custo da execução do projeto, do que quanto à qualidade arquitetônica e urbanística. Surgiram então cópias e cópias de projetos de baixa qualidade e sem a menor preocupação quanto ao contexto urbano, meio físico e tão pouco com a sociedade. Os modernistas acreditavam que o projeto deveria ser idealizado de maneira a garantir que a grande demanda de moradia fosse atingida, e que houvesse a simplificação do processo construtivo do projeto, através de novas tecnologias, unidades e blocos parametrizados, racionalização dos traçados urbanísticos e a eliminação de ornamentos. Acreditavam que a arquitetura deveria ser vista como uma “arte social”, como denominou Berlage. Enquanto na Europa os arquitetos questionavam a quem pertence o mundo, no Brasil, os arquitetos buscavam a resposta de qual era a melhor maneira de fazer arquitetura para que ela fosse transformadora da sociedade. A arquitetura trabalhava, nessa época, como modelo de desenvolvimento nacional, e o melhor exemplo dessa participação é a construção de Brasília, assim como os grandes conjuntos habitacionais ou as cidades-modelo destinadas ao operário industrial.

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“a casa moderna seria um instrumento de libertação dos trabalhadores. A maquina de morar ao tempo da colônia dependia do escravo. [...] o negro era esgoto; era água corrente quente e fria; era interruptor de luz e botão de campainha. As facilidades modernas diminuiriam a necessidade de empregados domésticos, que passariam a trabalhar nas indústrias. (LUCIO COSTA, apud BONDUKI, 1990, p.)

Conjunto Habitacional Pedregulho, no Rio de Janeiro Fonte: http://fabricidades.blogspot.com.br

Conjunto Habitacional Pedregulho, no Rio de Janeiro Fonte:http://extra.globo.com/noticias/rio/pedregulho-760923.html

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Segundo Muniz, na mesma área de terreno onde seria possível abrigar 5 mil pessoas em casas individuais e modestas, era possível abrigar 25 mil pessoas em apartamentos modernos e confortáveis. E no lugar dos quintais individuais, os moradores teriam a disposição parques com piscinas, jardins, campos de esportes e recreio. A partir de 1964, a arquitetura brasileira deixou de trabalhar com as habitações sociais devido as dificuldades impostas pelo governo, e a falta de pesquisas e análises do que já havia sido feito até então. Essa ruptura foi bastante negativa para o país e a necessidade de voltar a haver tal conexão é fundamental.

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O ESTATUTO DA CIDADE E O PLANO DIRETOR O Estatuto da Cidade é uma lei de amplitude federativa que regulamenta o capítulo de política urbana da Constituição de 1988, vigente desde 2001. Sua principal atribuição é assegurar que se cumpra a função social da cidade e da propriedade urbana, através de diversos instrumentos urbanísticos para a intervenção dos municípios de maneira a garantir que o planejamento e gestão urbana aconteçam de forma participativa com comunidade e o poder público. Pela primeira vez na história da habitação no Brasil, o país tem um instrumento de políticas públicas que é uma nova maneira de garantir habitação adequada para todos os cidadãos. “Mais do que uma necessidade, a moradia pode ser considerada como um direito, o direito a subsistência.” (PIOLI, 2002)

O principal instrumento de intervenção criado através do Estatuto da Cidade é o Plano Diretor Participativo, ele é fundamental no desenvolvimento e expansão urbana. Os municípios com mais de 20 mil habitantes; integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas; integrantes de áreas de especial interesse turístico; inseridos na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional; e/ou incluídos no cadastro nacional de Municípios com áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos são obrigados a desenvolver um plano diretor. Para ajudar na gestão urbana, o plano diretor dispõe de algumas ferramentas, entre elas 81


estão: parcelamento, edificação e utilização compulsórios de imóvel, direito de preempção, outorga onerosa do direito de construir; operações urbanas consorciadas; transferência do direito de construir; desapropriação com Títulos da Dívida Pública; usucapião especial de imóvel urbano; consórcio Imobiliário; direito de superfície; etc. O plano diretor deve contribuir na construção de três direitos fundamentais do cidadão: • Participar na sua elaboração e fiscalização; • Morar por meio de um adequado ordenamento territorial e um meio ambiente saudável; • Acesso à infraestrutura, assim como dos benefícios das obras e serviços públicos, equipamentos de lazer, educação e saúde. Além disso, o principal objetivo de um plano diretor deve ser a melhoria de aspectos críticos das cidades, com a implementação de programas de moradia popular pela identificação de imóveis vazios ou subutilizados; com formulações genéricas sobre moradores de favelas e loteamentos irregulares; e com a caracterização de Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) nas favelas e em locais adequados (considerando aspectos sociais e culturais daqueles que irão habitar aquele espaço) para construção de habitação social.

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“O Plano é um espaço de debate dos cidadãos e de definição de opções, conscientes e negociadas, por uma estratégia de intervenção no território. (...) O desafio lançado pelo Estatuto incorpora o que existe de mais vivo e vibrante no desenvolvimento de nossa democracia: a participação direta (e universal) dos cidadãos nos processos decisórios. Audiências públicas, plebiscitos, referendos, além da obrigatoriedade de implementação de orçamentos participativos são assim mencionados como instrumentos que os municípios devem utilizar para ouvir, diretamente, os cidadãos em momentos de tomada de decisão sobre sua intervenção sobre o território.” (ROLNIK, 2001) As ZEIS, segundo o Plano Diretor, são porções do território destinadas, prioritariamente, à recuperação urbanística, à regularização fundiária e produção de Habitações de Interesse Social (HIS) ou de Habitações do Mercado Popular (HMP), incluindo a recuperação de imóveis degradados, a provisão de equipamentos sociais e culturais, espaços públicos, serviço e comércio de caráter local. o objetivo das ZEIS é transformar os assentamentos irregulares em partes integrantes da cidade de maneira legal, dessa maneira, garantir a regularização fundiária e estimular a construção de Habitação Social com equipamentos públicos adequados. Ao sancionar a lei do Estatuto da Cidade, o presidente vigente, Fernando Henrique Cardoso, vetou o artigo que garantia o usucapião de imóveis públicos ocupados para fins de moradia. Ou seja, em níveis municipais a administração pode ceder o imóvel para aqueles que fazem uso dele, 83


mas ao se tratar de imóveis de níveis estaduais ou federais, esse procedimento não seria permitido. Como consequência disso, grande parte de favelas e ocupações não conseguem ser regularizadas e passar a propriedade do terreno para o morador, de fato. O Estatuto da Cidade tem a função de realizar intervenções públicas na busca da redução de desigualdades, segregações e exclusões sociais, contribuindo decisivamente para a expansão da cidadania.

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MUTIRÕES PARA CONSTRUÇÃO HABITACIONAL A iniciativa da população de garantir a moradia para alguns trabalhadores realizando mutirões é uma maneira de tentar atenuar o déficit habitacional do país. Esse tipo de construção existe há muito tempo, mas tornou-se bastante comum em muitas cidades brasileiras a partir dos anos 80, apenas. Considera-se (CARDOSO; ABIKO, 1994) que no Brasil os mutirões surgiram e foram implantados em meados dos anos 70, com programas como Promorar e Profilurb, do extinto BNH, mas a institucionalização deles ocorreu apenas entre 1982 a 1989, quando o poder público iniciou com o trabalho de mutirões auxiliado por órgãos especializados nisso, como a COHAB-SP (Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo). Daí então ocorreu o desenvolvimento dos mutirões. Um mutirão, ou sistema de ajuda mútua, funciona através de associações comunitárias que recebem o recurso para executar a construção através de doações – mutirões por autogestão - e, algumas vezes, recebem ajuda do poder público, com o devido projeto e acompanhamento técnico – são os mutirões de cogestão. Ou, nos mutirões de gestão institucional ou administração direta, o agente público é o responsável direto pela construção, através da prefeitura ou de órgãos como a COHAB. “Historicamente, os mutirantes realizavam todas as etapas da obra. Todavia, para se conseguir maior velocidade e presteza nos serviços, atualmente muitos programas optam por envolvê-los apenas em determinadas funções de apoio à obra e fiscalização, deixando os ofícios mais especializados a cargo de pessoal contratado” (COELHO, 2009) 85


O custo de construções através de mutirões cogeridos é bastante inferior a qualquer outro tipo de construção. Isso ocorre porque não há grandes gastos indiretos, e muitas vezes não há gastos com a mão de obra, já que é a própria comunidade que realiza a construção. Apesar dos benefícios de custo que os mutirões cogeridos apresentam, não há garantia total da qualidade da construção, já que a mão de obra não é especializada, na maioria dos casos. O acompanhamento técnico de um profissional é imprescindível. Além disso, os prazos para entrega da construção são muito maiores, já que os mutirantes envolvem-se na construção em regime de sobretrabalho, trabalham apenas nos fins de semana, momentos que deveriam ser utilizados para descanso e lazer. A quantidade de habitações realizadas por esse tipo de mutirão é inferior aos demais meios de construção, pois eles dependem exclusivamente da mão de obra comunitária, que tem apenas certo período de tempo disponível para realizar o trabalho. “O mutirão envolve aspectos como a conscientização sobre a complexidade do processo, o aprendizado e a formação profissional, a experiência de trabalho coletivo com os futuros vizinhos, o que pode proporcionar uma maior integração e solidariedade” (COELHO, 2009)

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Atualmente existe uma ONG (organização não-governamental) trabalhando com construções de habitação popular através de mutirões cogeridos, que vem ganhando espaço e reconhecimento em todo o país. Trata-se da ONG Um Teto Para o Meu País (UTPMP). Essa organização nasceu no Chile em 1997, com o intuito de trabalhar em toda a América Latina com o objetivo de melhorar a qualidade de vida de famílias que vivem em condições de extrema pobreza. O Teto, como é conhecido, constrói casas emergenciais de madeira, e acredita que através dessa medida, consigam mostrar para toda população as condições precárias em que muitas pessoas vivem. Acreditam que ao conhecer essa realidade, as pessoas consigam construir uma América Latina sem exclusões sociais. A casa construída por eles é um módulo pré-fabricado de placas de madeira, possui 18m², não tem divisões internas e a durabilidade é de 5 anos. A intenção é que neste tempo de vida da residência, algo já tenha sido feito ou ao menos iniciado, num âmbito governamental, para solucionar de vez o problema de habitação naquela região em que a casa foi instalada.

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Casa 88 provis贸ria promovida pela ONG Um Teto Para O Meu Pa铆s Fonte: http://www.podcultura.com.br


Além de se preocupar com a construção emergencial de moradia para aqueles que mais precisam, o Teto trabalha na implementação de planos de educação; planos relacionados ao trabalho e ao fomento produtivo, tais como capacitação em ofícios básicos e fornecimento de microcréditos para o desenvolvimento de empreendimentos; e busca a vinculação a redes para poder desenvolver outros programas que respondam aos objetivos das comunidades e contribuam para a geração de soluções integrais. (TETO, s/d). Os mutirões de cogestão ou autogestão são iniciativas muito admiráveis da população para tentar solucionar o problema sério de déficit de habitação que existe no país. Mas nem sempre essa atitude é valida, porque ela acaba se tornando uma maneira de mascarar um problema ainda existente e, dessa forma, adiar a ação do poder público para solucionar essas questões.

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PARCERIAS INSTITUCIONAIS A Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU) é uma empresa de parceria institucional. Trata-se de uma empresa pública do Estado de São Paulo, que, atualmente, é o maior órgão atuando na construção de habitação social no país, visando exclusivamente a população de baixa renda.

CDHU 90 Recanto das Rosas, Osasco - SP Fonte: http://maps.google.com.br


Foi fundada em 1949 com o nome de Companhia Estadual de Casas Populares (CECAP). Passou a ser chamada de CDHU a partir de 1989. Segundo dados de 2011, a companhia já entregou 509 mil unidades habitacionais, ou seja, cerca de 2 milhões de trabalhadores de baixa renda já foram beneficiados em 62 anos de atuação. Os trabalhadores de baixa renda que são beneficiados com uma unidade habitacional do CDHU são escolhidos através de sorteio, onde a pessoa se inscreve, e tem que possuir alguns critérios mínimos, como renda salarial de 1 a 10 salários mínimos, sendo que aqueles com renda entre 1 a 3 salários mínimos tem prioridade na hora do sorteio. Não há necessidade de ser um trabalhador formal. Os trabalhadores informais também tem o direito de concorrer a unidade habitacional, basta comprovar com uma carta do seu superior a respeito do salário, assinada e reconhecida firma. O CDHU também beneficia cidadãos em situações emergenciais, como, por exemplo, se estiverem situados em áreas de risco. A Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (COHAB-SP), assim como a CDHU, é uma empresa de parceria institucional. E também é uma empresa pública, mas pertence a cidade de São Paulo. É o principal órgão de atuação pública na área de habitação social do estado de São Paulo.

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COHAB em Carapicuíba - SP Fonte: http://maps.google.com.br

Foi fundada em 1965, para atuar em toda a região metropolitana da cidade para atender as demandas habitacionais da população de baixa renda. A Companhia construiu pouco mais de 135 mil unidades habitacionais, ou seja, cerca de 530 mil pessoas foram beneficiadas num período de 35 anos. Para adquirir uma unidade habitacional provida pela COHAB, o trabalhador não precisa ter uma renda mínima, mas tem que declara-la no momento da inscrição. Os inscritos são chamados de acordo com os projetos que são lançados e de acordo com o valor mínimo mensal que o futuro morador terá que pagar, a renda deve ser compatível com esse valor, que, como se trata de um órgão empenhado em atender a população de baixa renda, a mensalidade a ser paga é, também, baixa. Casos emergenciais, assim como na CDHU, são prioritários. O Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), é um programa promovido pela Caixa Econômica Federa (CEF), um banco público de âmbito federativo. É o principal programa de habitação social vigente no país. 92


O projeto teve início em março 2009, durante a gestão do Presidente Luíz Inácio Lula da Silva, com a meta de construir 1 milhão de casas até o final de 2010. Funciona como incentivador da construção e da aquisição de unidades habitacionais, concedendo subvenção econômica. O PMCMV conseguiu contratar, desde 2009 até agosto de 2012, mais de 1,8 milhão de moradias, sendo que 1 milhão desse total foi construído pelo programa, porém foram entregues apenas 883 mil unidades habitacionais até então. As moradias só podem ser entregues quando toda a infraestrutura básica do conjunto habitacional estiver concluída, e até agosto de 2012 ainda havia 75 mil unidades com atrasos na finalização. Agora o projeto está em sua segunda parte, o Minha Casa Minha Vida 2, com a meta de construir mais 2 milhões de habitações populares até o final de 2014. Todo cidadão que possui renda de até 10 salários mínimos podem participar do financiamento de um imóvel provido pelo MCMV. O programa, em sua primeira etapa, separou a distribuição das moradias da seguinte maneira: pessoas com renda de até 3 salários mínimos, o subsídio é total e há isenção do seguro; pessoas com renda de 3 a 6 salários mínimos, o subsídio é parcial e há redução nos custos do seguro e possibilidade de utilizar o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS); e pessoas com renda de 6 a 10 salários mínimos, não recebem subsídios, mas há redução nos custos do seguro e a utilização do FGTS. Esse tipo de parceria institucional exercem uma ampla atuação na construção de conjuntos habitacionais, mas possuem inúmeros problemas quanto a qualidade arquitetônica e urbanística dos projetos, a qualidade do material construtivo é inferior, apresentam baixo investimento em infraestrutura urbana, equipamentos coletivos, áreas verdes e de lazer, muitas vezes não há preocupação quanto a implantação da edificação, construindo as habitações em zonas periféricas da 93


cidade, distantes do local de moradia original dos beneficiados, além da distância do trabalho. Muitas vezes o local escolhido para a construção dos conjuntos habitacionais não possuem infraestrutura urbana básica, ou seja, não há calçamento, asfalto, transporte público, saneamento básico, iluminação, etc. Falta comprometimento com a qualidade dos projetos apresentados por essas parcerias. Além das condições básicas de sobrevivência, os cidadãos também necessitam de equipamentos sociais, culturais e técnicos, como áreas de lazer, escolas e postos de saúde.

Modelo 94 de residencial promovido pelo Minha Casa Minha Vida Fonte: http://www.mundodastribos.com/


“A primeira consideração que temos que fazer é definir o que é casa boa. Então, acho melhor definir isso como moradia adequada. O que é isso? Não é só a casa com parede, teto, banheiro com azulejo. A moradia adequada é um lugar a partir do qual o cidadão passa a ter satisfeitas as necessidades básicas e fundamentais de subsistência nas cidades com dignidade. Então, isso significa estar em um lugar que permita ter espaço público, lazer, escola, saúde, empregos e, também, que permita andar livremente e com segurança. A grande preocupação é a dimensão urbana do plano.” (ROLNIK, 2009)

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PROGRAMA DE URBANIZAÇÃO DE FAVELAS DE SÃO PAULO São Paulo aglomera mais de 1500 favelas, onde cerca de 3 milhões de pessoas vivem, com condições de alguma precariedade urbana, ocupam favelas, cortiços ou loteamentos irregulares. Esse número de cidadãos equivale a 30% da população total da cidade. Durante as décadas de 1970 e 1980, o número de brasileiros que habitavam zonas precárias - aglomerados subnormais - aumentou em 400%, sendo que as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro obtinham metade de todas as favelas do país. Uma quantidade alarmante que tende a continuar crescendo, principalmente se não houver nenhuma política pública eficiente que consiga sanar o déficit de moradia, e promover infraestrutura urbana para todos os cidadãos.

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MAPA DA DISTRIBUIÇÃO DE HABITAÇÃO PRECÁRIA NA CIDADE DE SÃO PAULO

Fonte: A Cidade Informal no Século XXI

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Como forma de amenizar esse quadro crítico, a Prefeitura Municipal de São Paulo criou o Programa Municipal de Urbanização de Favelas, por meio da Sehab (Secretaria de Habitação), que traçou como meta a transformação de favelas e loteamentos irregulares em bairros integrados à cidade formal (cidade com infraestrutura e regularidade), buscando a solução de problemas de infraestrutura, acessibilidade, equipamentos e serviços públicos e a construção de moradias de interesse social. Trata-se do maior programa de urbanização de favelas do Brasil, e atualmente é considerado também como o maior em todo o mundo. “Habitação é o abrigo humano, independente da condição social. Não há casa desenhada para rico ou pobre, casa de praia, de campo ou cidade. Afirmar o contrário disso é uma visão equivocada da arquitetura.(...)O espaço em que se vive deve ser desenhado para o Homem em todas as suas dimensões, o mais livre, belo e íntegro possível.” (ESCOLA DA CIDADE, 2011) Para cumprir a meta, o programa vem atuando na implantação de áreas verdes, parques lineares – ao longo de córregos, por exemplo - sistemas de iluminação de vias e espaços públicos, ampliação das redes de esgoto e de distribuição de água potável, canalização de córregos, e a construção de mais de 10 mil novas unidades habitacionais de interesse social. 98


Um aspecto que merece ser evidenciado é que para a construção dos novos conjuntos habitacionais, o programa prioriza a permanência dos moradores na região em que vivem, ou seja, não existe remoção e marginalização com o intuito de esconder e substituir o “câncer urbano” (KOPP, 1990) que é a favela. Para realizar esse trabalho de permanência do morador na sua localidade, a prefeitura vem desenvolvendo um intenso trabalho de regularização fundiária, possibilitando que o cidadão tenha o direito de continuar morando onde está habituado. Os moradores que residem em áreas de risco e não podem continuar no local em razão da falta de segurança são reassentados em outras áreas, mas prioritariamente, próximas as originais. Também faz parte do programa a recuperação e preservação das áreas de proteção das represas Guarapiranga e Billings, principais fontes de abastecimento de água da cidade de São Paulo. Com todas essas formas de atuação, o programa tende a construir espaços públicos de qualidade, com a garantia do respeito quanto ao ambiente local e também a cultura dos cidadãos da região. Todo o trabalho desenvolvido durante o programa trás com os projetos e intervenções a participação da população, fundamental para um bom resultado final, assim como é previsto no plano diretor.

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“A proposta de urbanização segue um conceito projetual de mudança de paradigma de espaço de risco ambiental para uma apropriação de caráter social, criando áreas livres públicas com uso de circulação, lazer e recreação e um edifício de composição arquitetônica de caráter agregador com funções múltiplas de serviço e moradia, como requer a vida contemporânea.” (BOLDARINI, DIAS E MACIEL, 2008)

A maneira como o programa foi construído e como vem sendo implantado caminha para uma cidade menos informal, garantindo o acesso da população a equipamentos e serviços públicos, como emprego, saúde, educação e lazer. No período de 2005 a 2010 foram construídos pouco mais de 10 mil unidades habitacionais, espalhadas entre 12 bairros de São Paulo, com um total de 13.660 famílias beneficiadas como novas moradias. Com as obras públicas de infraestrutura, equipamentos e serviços públicos, cerca de 200 mil famílias estão se beneficiando ao longo do processo. Em 2011, a Prefeitura de São Paulo, em parceria com o IAB/SP (Instituto de Arquitetos do Brasil – regional São Paulo), promoveu o concurso “Renova SP – Propostas de Requalificação Urbana e Habitações de Interesse Social Para a Urbanização de Assentamentos Precários do Município de São Paulo”. Qualquer escritório de arquitetura e urbanismo legalmente habilitado no Brasil pode participar. São ao todo 22 Perímetros de Ação Integrada que englobam 209 favelas e 100


loteamentos irregulares com um total de pouco mais de 73 mil moradias beneficiadas. Dos participantes, 15 escritórios foram premiados. O concurso é uma forma provocativa de garantir que os resultados sejam positivos, a competitividade faz com que a qualidade projetual aumente consideravelmente. Espera-se que os projetos premiados sejam colocados em prática. O Programa de Urbanização de Favelas de São Paulo já recebeu 11 prêmios, entre eles o Prix d’Excellence Awards 2010 na categoria Infraestrutura Pública - pela Fiabci (Federação Internacional das Profissões Imobiliárias), entidade ligada à ONU (Organização das Nações Unidas), Prêmio Master Imobiliário em 2009 na categoria Ação Social – pela Fiabci/Brasil, e em agosto de 2012 ganhou o mais importante prêmio do setor: o Scroll of Honour - pela UN-Habitat, agência da Organização das Nações Unidas para habitação. Além disso, foi destaque em duas bienais de arquitetura: a de Veneza – Itália em 2010, e a de Roterdã – Holanda em 2012.

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PARAISĂ“POLIS 102 http://www.flickriver.com/photos/robertorocco/tags/slum/


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O CASO DE PARAISÓPOLIS O Complexo de Paraisópolis situa-se na cidade de São Paulo, na região do Morumbi, uma das mais ricas da capital paulistana. Apesar do endereço luxuoso, Paraisópolis é a segunda maior favela da cidade, o que evidencia a grande desigualdade social que existe em São Paulo. Ela conta com cerca de 60 mil habitantes em uma área de 100 hectares. Paraisópolis passou a ser chamada de complexo por abranger 3 comunidades em seu perímetro, a própria Paraisópolis - a maior delas, a comunidade Jardim Colombo e a comunidade Porto Seguro. O terreno ocupado pela favela é um loteamento da antiga Fazenda Morumbi, com traçado original de 1921, 2200 lotes, quadras regulares de 10m x 50m e ruas de 10m de largura, para compradores pertencentes a classe alta. Apesar dos terrenos terem sido vendidos, os proprietários não fizeram uso deles, então, por volta da década de 50, os terrenos começaram a ser ocupados de forma irregular, principalmente por migrantes nordestinos que vieram para São Paulo em busca de melhores condições de vida, com a crescente oferta de empregos na área da construção civil. A invasão resultou num crescimento vertiginoso, já que não houve iniciativa do governo com alguma política pública que freasse a autoconstrução e regularizasse as moradias já existentes. Apenas cerca de 55 anos depois, em 2005, com o Programa Municipal de Urbanização de Favelas de São Paulo, iniciou-se um processo de urbanização do complexo. Os números atualmente são impressionantes. Segundo dados da prefeitura local, Apenas cerca de 21 mil habitantes do complexo possuem rede de esgoto em suas casas e cerca de 50,4 mil habitantes utilizam formas irregulares de obtenção de energia elétrica. Em todo o complexo existem 20.832 moradias, sendo 3.102 destinadas a atividades comerciais, tudo distribuído em um total de 11.475 lotes de formatos irregulares. A renda média dos moradores é de pouco mais de 1 salário mínimo por mês. 104


CRESCIMENTO DO COMPLEXO PARAISÓPOLIS

Fonte: A Cidade Informal no Século XXI

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Um dos locais de atuação do Programa Municipal de Urbanização de Favelas de São Paulo é o Complexo Paraisópolis. Por se tratar de uma grande área, com alto índice de densidade (606 habitantes por hectare), e muitos problemas a serem resolvidos, as ações na favela foram divididas em 3 etapas. A primeira delas já foi concluída e atuou em intervenções urbanísticas pontuais, como: reforma da escadaria Manuel Antônio Pinto, recuperação das áreas de risco nos setores Grotinho e Grotão, melhoria do campo de futebol Palmeirinha, implantação de infraestrutura no sistema viário centro-brejo, implantação de redes de distribuição de água e redes coletoras de esgoto, melhoria da escadaria Antônio Júlio dos Santos do Jardim Colombo, contenção de encostas em áreas de risco e a construção de 56 novas unidades habitacionais.

Escadaria do Antonico depois da intervenção Fonte: A Cidade Informal no Século XXI

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Divisão urbana das comunidades Paraisópolis, Jd. Colombo e Porto Seguro Fonte: A Cidade Informal no Século XXI

Escadaria do Antonico depois da intervenção Fonte: A Cidade Informal no Século XXI

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MAPA DE INTERVENÇÕES NO COMPLEXO PARAISÓPOLIS – PROGRAMA DE URBANIZAÇÃO DE FAVELAS DE SÃO PAULO, 2012


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As intervenções no local ainda não estão concluídas, muitas obras que foram previstas para a melhoria da qualidade do espaço urbano estão em andamento, entre elas: pavimentação das vias, obras emergenciais, regularização fundiária, canalização de córregos, abertura de ruas e vielas, construção de rede de água e esgoto, construção de escadarias hidráulicas, construção da avenida perimetral, desocupação do leito dos córregos, remoção de moradias em área de risco, construção de calçadas e sarjetas, construção de espaços de lazer e um parque linear, construção de 2500 unidades habitacionais em convênio com a CDHU.

Implantação da revitalização do Córrego do Antonico – MMBB Arquitetos Fonte: A Cidade Informal no Século XXI

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Dentre as primeiras medidas que foram tomadas foi a desocupação das áreas do Grotinho e Grotão, duas áreas de encosta com alto risco de desabamento. A ocupação dessas áreas deu-se no final dos anos 90, quando houve a remoção de outras favelas, e seus habitantes passaram a ocupar os únicos espaços ainda vazios no Complexo Paraisópolis. O programa realizou o reassentamento de 3 mil famílias, que residiam nessas áreas de risco. Em 2008, foi entregue o CEU (Centro Educacional Unificado) Paraisópolis, com capacidade para 2800 alunos. Além disso, o complexo ganhou uma escola de música. Projetada pelo escritório Urban-ThinkTank, a Escola de Música do Grotão recebeu o prêmio Global Holcim Awards Silver, em 2012, na categoria de projetos com características inovadoras e sustentáveis nos âmbitos tecnológico, ambiental, socioeconômico e cultural, com impacto positivo no desenvolvimento do entorno. Além de proporcionar o ensino voltado à música em salas específicas, os alunos da escola contarão com um anfiteatro para aulas de artes cênicas e ballet, quadra de futebol e sala para concertos, terraço público com espaço para agricultura urbana – forma de incentivar a geração de renda, sistemas de ventilação e de gerenciamento de água e infraestrutura para transportes. A escola também contará com a captação da água de chuva, prevenindo, dessa forma, a erosão do solo e deslizamento de terra, já que a construção será construída numa área de encosta.

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Grotão Fonte: A Cidade Informal no Século XXI

Perspectiva da Escola de Música do Grotão 112 Fonte: www.holcimfoundation.org


Perspectiva da Escola de Música do Grotão Fonte: www.holcimfoundation.org

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Inserção na paisagem - Escola de Música do Grotão Fonte: www.openbuildings.com

Inserção 114 na paisagem - Escola de Música do Grotão Fonte: www.openbuildings.com


Inserção na paisagem - Escola de Música do Grotão Fonte: www.openbuildings.com

Corte esquemático - Escola de Música do Grotão 115 Fonte: www.openbuildings.com


Outras medidas a serem tomadas são: a construção de um CEI (Centro de Educação Infantil), uma UBS (Unidade Básica de Saúde), uma unidade do AMA (Assistência Médica Ambulatorial), um CAPS (Centro de Apoio Psicossocial). Além disso, uma ETEC (Escola Técnica Estadual) já foi concluída e entregue. A previsão é de que a região seja contemplada com 3168 novas unidades habitacionais, para beneficiar os moradores do complexo.

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Paraisopolis antes e depois da intervenção Fonte: A Cidade Informal no Século XXI

Casas próximas a escadaria do Antonico depois da intervenção 117 Fonte: www.piniweb.com.br


URBANIZAÇÃO DE PARAISÓPOLIS http://www.arcoweb.com.br/artigos/quando-favela-vira-cidade-17-01-2011.html

Até o momento, já foram entregues cerca de 1000 unidades habitacionais para abrigar a população removida do Grotão e Grotinho. Trata-se de um conjunto habitacional verticalizado, organizado em blocos, e cada bloco com quantidades e disposições diferentes dos edifícios, que por sua vez, apresentam 2 tipologias diferentes. O projeto foi idealizado pelos arquitetos Edson Elito, Joana Elito e Cristiane Takiy. A ideia central é que os edifícios poderiam se adaptar às curvas de nível, criando dois acessos diferentes, um mais em baixo, no que poderia ser considerado como o térreo, e um em uma curva de nível mais acima, no que poderia ser considerado como o 5° pavimento. Dessa maneira, manteve-se o elevador como item dispensável ao edifício. São, então, 4 pavimentos para baixo e 4 pavimentos para cima. 118


Implantação do conjunto habitacional de Paraisópolis Fonte: A Cidade Informal no Século XXI

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Perspectivas do conjunto habitacional de Parais贸polis 120 Fonte: A Cidade Informal no S茅culo XXI


As unidades possuem aproximadamente 50m² de área construída com 2 quartos cada. As paredes não são estruturais, foram construídas com blocos autoportantes, dessa maneira, possibilitam ao morador redistribuir os cômodos do seu apartamento da maneira que achar mais adequada. As janelas instaladas possibilitam abertura total do vão, permitindo maior luminosidade natural e maior qualidade de ventilação.

Pavimento Tipo I

Pavimento Tipo II Fonte: Sehab/PMSP - 2012

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Implantação do conjunto habitacional de Paraisópolis Fonte: Prefeitura Municipal de São Paulo

A princípio o projeto previa condomínios sem fechamento para a cidade, sem muros. Mas não foi possível colocar em prática este item. Os prédios são cercados com um gradil, porque, segundo a arquiteta da Sehab Maria Teresa, o fechamento seria imprescindível. Sem áreas definidas a possibilidade de invasão pelo comércio, estacionamentos irregulares e até mesmo moradia é alta. E nessas condições, não seria possível regularizar essa invasão. A melhora na qualidade de vida dos moradores ao serem contemplados com uma das unidades habitacional é visível, tanto na questão social quanto financeiramente. A mensalidade que o proprietário tem que pagar é simbólico e proporcional à renda da família. A vontade de investir na moradia passa a ser maior, já que agora os cidadãos passaram a ter definitivamente uma casa, sem riscos de remoção, desabamento, ou qualquer outro fator que provocasse perda. São muitos os casos em que os moradores capricharam na decoração da casa, coisa que antes era quase impossível de ser feita. Ainda há vários projetos a serem realizados no Complexo Paraisópolis, tanto urbanos, que possibilitarão a favela virar bairro e, dessa forma, estar integrada com a cidade formal, quanto residencial, dando melhores condições de vida para os moradores do local. O projeto de urbanização que está em andamento no Complexo Paraisópolis é um exemplo de qualidade arquitetônica, mais do que construir unidades habitacionais, o programa vem construindo a cidade. 122


Condomínio F, Bloco 2, Apartamento 144

Condomínio F, Bloco 2, Apartamento 133

Condomínio F, Bloco 2, Apartamento 22 Fonte: A Cidade Informal no Século XXI


O CASO DE SÃO LUIZ DO PARAITINGA A cidade de São Luiz do Paraitinga, no estado de São Paulo, vivenciou uma situação de grande crise social e econômica, onde inúmeras pessoas perderam as suas casas por causa de uma grande enchente que sofreu. Em razão deste fato, foi preciso construir um conjunto habitacional na cidade para abrigar as dezenas de pessoas que perderam suas casas. É um caso bastante interessante e atípico, que mostra o trabalho da CDHU em conjunto com a prefeitura municipal e órgãos de patrimônio histórico.

São Luiz do Paraitinga – SP Fonte: http://turismo.ig.com.br

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São Luiz do Paraitinga foi fundada em 1769, junto ao Rio Paraitinga. Em 1857 tornou-se uma cidade e, em 1873 recebe o título de Imperial Cidade de São Luiz do Paraitinga. A principal atividade econômica da cidade é a agropecuária. Ela se situa a 170 km da capital São Paulo, e conta com uma população de aproximadamente 10 mil habitantes. No ano de 2010, a cidade foi tombada como patrimônio histórico nacional, para conservação de sua arquitetura e para preservação visual do entorno, pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O centro histórico da cidade já havia sido tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat) em 1982. Além disso, a cidade ganhou o título de Estância Turística de São Luiz do Paraitinga pelo estado de São Paulo, no ano de 2002.

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Famoso carnaval da cidade Fonte: http://vanillafields.wordpress.com/2010

Famosa pelas festas como o carnaval, a festa do Divino e a Semana da Canção, e pelas belezas histórica e natural, São Luiz do Paraitinga sofreu uma grande enchente na virada do ano de 2009 para 2010. A água do Rio Paraitinga, que corta a cidade, subiu 12 metros de altura, deixando muitas casas completamente submersas. O desastre natural acabou provocando o desmoronamento de muitos casarões datados do fim do século XIX e início do XX. A primeira rua da cidade, a Rua do Carvalho, faz fundos com o rio, e sofreu um grande desmoronamento, deixando a maioria dos casarões históricos com danos estruturais e interditados. 126


Essa alarmante enchente que deixou a cidade em estado de calamidade pública ocorreu devido a diversos fatores. No inverno de 2009 a quantidade de precipitação na região foi muito maior que o normal, deixando o solo bastante encharcado. Assim como no inverno, a precipitação na primavera e no verão também foi bastante alta, fora do comum, e com o solo compactado devido a pastagens de gado mal manejadas, e encharcado por causa da grande quantidade de chuva do inverno, a água que caiu durante os meses seguintes não conseguiu penetrar na terra e escorreu direto para a bacia do Rio Paraitinga. A precipitação normal para o mês de dezembro na cidade é de 150 a 200 milímetros de água por m², mas em 2009 atingiu a marca de 605 milímetros. Somente no dia 31 de dezembro daquele ano, choveu 200 mm, ou seja, um único dia atingiu o esperado de precipitação para o mês inteiro. Além disso, existem outros dois fatores importantes que contribuiram para a grande enchente de 12m de altura: a) a mata atlântica devastada, que se ela estivesse conservada ajudaria a absorver e conter a quantidade de água; b) o Rio Jacuí, que desemboca no Rio Paraitinga e corta o município de Cunha, vizinho da cidade, também recebeu grande quantidade de água na mesma época.

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Enchente 128 na virada do ano 2009/2010 Fonte: http://www.webventure.com.br


A reconstrução da cidade contou com a ajuda e comoção de diversos órgãos e pessoas de lugares distintos. A Universidade Estadual Paulista (Unesp) iniciou um imenso trabalho de ajuda à cidade em parceria com a prefeitura municipal: o Programa Unesp Para Desenvolvimento Sustentável de São Luiz do Paraitinga, com a participação de diretores, professores e alunos, envolvendo diversas áreas de atuação, sendo uma delas Arquitetura e Urbanismo com o Prof° José Xaides de Sampaio Alves, da qual eu tive a grande oportunidade de acompanhar. Mediante este cenário de desastre na cidade, com o centro devastado e dezenas de pessoas desabrigadas, a prefeitura tomou providências rápidas, graças ao plano diretor participativo que havia acabado de ser aprovado. Foi escolhido uma das áreas de ZEIS e implantado um conjunto habitacional através da CDHU, com apenas três meses após o ocorrido, para abrigar aqueles que perderam suas casas e ou que viviam em áreas de alto risco.

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Enchente na virada do ano 2009/2010 130 Fonte: http://www.webventure.com.br


Por se tratar de uma cidade com grande parte tombada como patrimônio histórico nacional, e tombada pelo visual do entorno, a CDHU teve que adaptar seus modelos de moradia para adequarse, da melhor maneira possível, aos padrões luizensses. O modelo de habitação que foi escolhido trás características inovadoras. O método construtivo adotado para a execução da obra foi o PVC, peças industriais modulares feitas de PVC, ocas, para o preenchimento com concreto e aço. As peças foram importadas da Argentina, e além de fácil de montar, diminui os prazos de término da obra e diminui a quantidade de resíduos.

Residencial Casinha Branca – Casas Térreas Fonte: Programa Unesp para o Desenvolvimento Sustentável de São Luiz do Paraitinga

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Residencial Casinha Branca – Sobrados Fonte: Programa Unesp para o Desenvolvimento Sustentável de São Luiz do Paraitinga

Além da técnica construtiva diferenciada, também houve preocupação com a arquitetura do projeto. As casas são agradáveis visualmente, com conforto térmico, e numa boa localização na cidade, junto com o conjunto, foi construído uma praça, para o lazer dos habitantes da região. Foram construídas 151 unidades habitacionais no Conjunto Residencial Tarcísio de Castro Moura, que ficou conhecido como Residencial Casinha Branca, dentre elas, casas térreas com 3 quartos e sobrados com 2 quartos.

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Tipologia Térrea

Tipologia Sobrado – Pavimento Inferior

Tipologia Sobrado – Pavimento Superior Fonte: Raquel Bragagnolo - 2012

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Este caso específico de São Luiz do Paraitinga pode ser o impulso para novas obras diferenciadas, que priorizam não só a entrega de unidades habitacionais, mas também o entorno. Após a entrega das moradias, o grupo de arquitetura e urbanismo do programa desenvolvido pela Unesp na cidade realizou uma pesquisa para saber mais a respeito das moradias e do entorno. Foi feito um trabalho de campo, com visitas às casas do conjunto habitacional, além de reuniões com os moradores. As reclamaçõe dos moradores do conunto foram:

• Falta de acabamento em muito lugares da moradia,como portas e abrigo do hidrômetro, • Janelas, por serem de PVC, saem com facilidade, não havendo muita segurança, • Pisos trincados ou descascando, • PVC das paredes com defeito, manchado, • Falta de guarda-corpo nos calçamentos com altura considerável,

• Falta de desnível no banheiro, o que causa um alagamento no quarto e na escada de ferro,

• Localização ruim do abrigo de gás, • Pouca iluminação nas ruas, • Falta de água, • Vazamento nos banheiros, • Infiltração nos muros de contenção, • Aquecedor solar sem funcionar, • Encanamentos aparentes, • Acumulo de água formando poças.

Além disso, um bloco inteiro de sobrados estava interditado por motivos estruturais, o terreno não foi pilado corretamente e o bloco cedeu um pouco. 134


Encanamento Exposto

Escada com corrimão improvisado

Laje de piso do banheiro com deformações Escada com marcas de ferrugem e PVC manchado Fonte: Programa Unesp para o Desenvolvimento Sustentável de São Luiz do Paraitinga

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Como melhorias para o conjunto, os moradores pediram: • Ampliação dos muros laterais e dos fundos, • Fechamento frontal com grades, • Fechamento e cobertura das garagens, • Pavimentação nas laterais das casas térreas, • colocação de grades nas janelas. • construção de um centro comunitário onde os moradores pudessem se reunir para realização de reuniões, festas, cursos, creche para as crianças, centro de coleta materiais recicláveis, entre outros benefícios.

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UMA HABITAÇÃO DE QUALIDADE Para a construção de habitação de interesse social de qualidade, deve-se considerar muito mais do que simplesmente a unidade habitacional que supra as necessidades básicas do ser humano. Como já foi dito, cerca de 11,4 milhões de brasileiros vivem em moradias inadequadas, sem infraestrutura urbana básica. Não há rede elétrica, rede de esgoto, e também não há rede de água potável. Não há coleta de lixo, nem serviço de correio, porque não há pavimentação nas ruas, tão pouco nomes, ou números nas casas. Essas pessoas, vulgarmente conhecidos como favelados, não tem sequer um endereço. Mas essas coisas são básicas, imprescindíveis na vida de uma cidade, nos dias de hoje. Ter acesso a esses benefícios é um direito do cidadão e um dever do poder público. Mas não basta o básico para a sobrevivência, o cidadão também tem direito a moradias com qualidade de conforto ambiental, durante a concepção do projeto, deve haver preocupação quanto aos problemas de orientação, de iluminação, de insolação e de ventilação. Eles são determinantes no que se refere aos planos de conjuntos habitacionais. Deve haver preocupação quanto a arborização da área, respeito à morfologia do terreno, e localização da implantação. Área de lazer e esportes, escolas, creches, postos de saúde, centros comunitários, centros culturais, praças, parques, transporte público, emprego, enfim, o conjunto habitacional deve estar integrado com a cidade, e promover mais do que necessidades básicas aos moradores do entorno.

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“No Brasil, boa parte das pessoas não tem acesso a um lugar adequado, formal, conectado aos equipamentos e serviços da cidade. Sem renda, não lhes resta alternativa: ocupam locais onde o mercado imobiliário não chegou por impedimento legal ou físico. Não é por acaso que as favelas estão em morros ou áreas de preservação ambiental.” (ROLNIK, 2008)

A questão da habitação deve integrar poder público, gestão urbana, e interesses das pessoas com baixa renda, são eles que vão vivenciar o espaço a ser construído e é para eles que o projeto deve ser pensado. O conjunto habitacional deve deixar de ser o “câncer urbano ignorado” (KOPP) pelo poder público e passar a ser parte da composição urbana.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS O Brasil já passou por diversas fases em sua história com a habitação de interesse social. Dentre essas fases, vivenciou muitos momentos ruins, mas também obteve bons resultados. Tudo envolvendo um jogo de políticas e interesses, os quais não envolviam sempre aqueles trabalhadores com condições de vida precárias. As favelas surgiram no Brasil como um aglomerado de moradias provisórias, mas o resultado foi o aumento incontrolável dos aglomerados que perderam o caráter de provisório e se tornaram uma opção de habitação para muitos desfavorecidos financeiramente. O governo pouco fez para remover as favelas e dar melhores condições de vida para as pessoas, e o quadro se agravou cada vez mais. O alto número de imigrantes que vieram para o país em busca de ascensão, e também de migrantes que saíram do nordeste, fugidos da seca, almejando melhores condições de vida, além da recente abolição da escravatura em uma sociedade que não dava ao negro chances de sobrevivência digna, fez com que a quantidade de moradias inadequadas crescesse abruptamente. A marginalização dos cidadãos pode ser percebida a partir do final do século XIX, quando a política de sanitarismo público entrou em ação para disseminar doenças, e acabou removendo inúmeros cidadãos de cortiços, que foram proibidos e muitos, demolidos. Grande parte dos cortiços afetados pelos sanitaristas localizavam-se em locais centrais e bastante atrativos, como o caso dos cortiços próximos ao bairro Campos Elísios, região nobre da cidade de São Paulo, na época. No final do século XIX até a década de 1930, a maneira que o governo encontrou de amenizar o déficit da moradia no país foi através de incentivos fiscais para investidores que construíssem conjuntos habitacionais para o aluguel. A demanda por moradia era alta, o que gerou especulação no preço dos alugueis. Construir um conjunto habitacional para aluguel era extrema 139


mente rentável. As vilas operárias beneficiaram muitos cidadão, além da qualidade arquitetônica que muitas delas apresentavam, principalmente as de empresas, já que normalmente essas vilas de empresas eram afastadas dos centros urbanos, e, portanto, era necessário promover infraestrutura no local. Os investimentos eram altos, tanto que muitas delas se transformaram cidades. Durante a era Vargas, a habitação de interesse social passou a ser tema de discussões multidisciplinares, mas sem a presença de arquitetos. O país passou a perceber que prover moradia era dever do Estado. Logo após a estatização da produção habitacional, o governo promulgou a Lei do Inquilinato, que deixou aluguéis congelados por anos. Essa atitude foi positiva para os inquilinos no início, mas bastante negativa após algum tempo, já que não havia interesse em desocupar a casa de aluguel, mas quando isso ocorria, os proprietários aumentavam de modo absurdo o valor do imóvel. Em razão da explosão no preço dos aluguéis, inicia-se um movimento de incentivo a aquisição da casa própria, evidenciando através dela o valor do trabalho, tornou-se símbolo de progresso material, além de evidenciar a importância de constituir uma família em um ambiente mais privativo. Era cômodo ao governo sustentar esse ideário, já que afastava a responsabilidade do Estado em prover moradia como um bem comum. O governo passou a dar incentivos fiscais para aqueles que desejassem adquirir terrenos e construir nas zonas periféricas da cidade. Ainda assim, muitos preferiam continuar em cortiços, com boa localização, do que mudar para uma região sem infraestrutura, e principalmente, com maiores gastos com transporte. A partir de 1930, os órgãos que mais produziam habitação eram os IAPs. Este nunca foi o enfoque desses órgãos, que atuavam como previdenciários, mas assumiram o papel de prover moradia para todas as classes sociais. Apesar da política de construir habitação para todos, os 140


IAPs deixaram de produzir residenciais para população com menos condições, em razão do pouco retorno financeiro que conseguiam. Os projetos dos institutos possuíam qualidade arquitetônica e urbanística, levavam em consideração os princípios do modernismo na habitação. Apesar do grande trabalho dos IAPs, muitos cidadão não tinham acesso aos conjuntos habitacionais produzidos por eles, já que eram exclusivos para associados aos institutos, e não era possível associar-se exercendo trabalhos informais. Ainda com um grande déficit habitacional, que aumentava gradativamente, o Governo Dutra criou a Fundação da Casa Popular, órgão de nível federativo para solucionar o problema de moradia. O órgão recebeu inúmeras críticas e oposições quanto a sua criação, muitas dessas críticas a respeito do prejuízo que traria para o setor privado. A intenção em sua criação era boa, mas o órgão não conseguiu sobreviver a tantas barreiras políticas, e acabou, com um legado de baixa produtividade, dando lugar ao BNH. O BNH foi criado em 1964, também como um órgão estatal de nível federativo. A produção do BNH foi muito intensa, mas a maior parte do que foi construído era destinado a classes média e alta, pouco se fez para os trabalhadores com baixa renda, menos ainda aos informais. Este foi o momento em que os arquitetos estiveram mais afastados da atuação na área habitacional, e o resultado da produção do BNH foi muita quantidade e pouca qualidade projetual. Não havia preocupação quanto a urbanização ao redor dos conjuntos habitacionais, provia-se apenas habitação para os fins básicos da moradia. Em meio a todo esse histórico de políticas habitacionais, os arquitetos trabalhavam paralelamente, em busca de melhores soluções projetuais para a construção de uma cidade integradora. O movimento moderno trouxe com ele os conceitos das “alegrias essenciais” (Le Corbusier), que 141


envolviam além da moradia propriamente dita, os equipamentos e serviços públicos no entorno da habitação: educação, lazer, saúde, segurança, trabalho, entre outros, ou seja, um conjunto habitacional deveria ser parte da cidade, e não algo marginalizado da cidade formal. Acreditava-se numa arquitetura feita para a massa de trabalhadores, para o maior número, e não para uma elite restrita. O movimento moderno ganhou força no Brasil a partir da década de 30, momento em que a política habitacional vigente no país era a FCP, ou seja, não havia, de fato, algo realmente funcional. Diante de várias dificuldades impostas pelo governo, os arquitetos não conseguiram colocar em prática muitos dos ideários do modernismo. O Estatuto da Cidade, vigente no país desde 2001, veio como uma política para garantir que haja planejamento e gestão urbana, e que, dessa maneira, se cumpra a função social e de propriedade nas cidades. O principal instrumento de intervenção do Estatuto é o Plano Diretor Participativo, que deve ser elaborado em parceria com a população, e, a partir dele, definir zonas de ações urbanas, por exemplo, as ZEIS, que são definidas para atender a população menos favorecida, principalmente na construção de habitação social com projeto urbanístico atrelado ao projeto residencial. O Estatuto da Cidade veio como forma de reduzir a desigualdade e segregação sociais existentes no Brasil. A atitude da população perante tantas tentativas do governo de provir habitação, muitas sem grande sucesso, não foi ficar esperando que algo acontecesse. Claro que existem os acomodados com a situação, como é extremamente natural, mas muitos cidadãos se organizam e formam mutirões para construção de moradia. As parcerias institucionais, como o CDHU, COHAB e o Programa Minha Casa Minha Vida, 142


exercem um papel importante na construção de conjuntos habitacionais. No entanto, essas parcerias tendem a beneficiar mais a classe média trabalhadora do que os que necessitam de soluções habitacionais imediatas, ou seja, aqueles que vivem em condições precárias de habitação não conseguem se enquadrar nos requisitos mínimos para a aquisição de uma unidade habitacional. Além disso, os programas só contemplam a casa própria, não existe nenhuma outra maneira de provir moradia, como o aluguel social, que seria extremamente interessante para os moradores, que pagariam baixos preços pela moradia e teriam condições de se estabelecer em condições melhores de vida, e mais interessante para o governo, que reaveria a unidade habitacional assim que o atual morador conseguisse melhorar suas condições. Os casos do Complexo Paraisópolis e de São Luiz do Paraitinga são exemplos de boa qualidade nos projetos que se tem feito atualmente. A politica habitacional está mais forte e com melhores condições projetuais e de construção, graças aos instrumentos do Estatuto da Cidade, junto com o Plano Diretor Participativo. Maus exemplos, podemos citar, principalmente, a Fundação da Casa Popular, que quase não obteve resultados, e o pouco que conseguiu realizar, foi alvo de inúmeras críticas. Como bons exemplos podemos citar o momento em que o modernismo assumiu um papel de destaque na arquitetura do país, e conseguiu obter resultados positivos, nos aspectos culturais, sociais e projetuais. Atualmente, a cidade de São Paulo tem apresentado bons resultados quanto a moradia, apesar do grande déficit que a cidade ainda enfrenta. Promover concursos de arquitetura como o Renova São Paulo, onde vários arquitetos participaram com ótimas propostas para diversas favelas da cidade e com o compromisso de executar a obra dos vencedores, tem feito com que a cidade consiga melhorar a vida de muitos dos seus cidadãos. 143


O envolvimento do arquiteto e urbanista com os projetos de conjuntos habitacionais são de suma importância, pois estão preparados para atender a todas as necessidades que o projeto exigir. Deixar os profissionais adequados permanecerem longe do problema é um erro grande que não pode continuar existindo. Não apenas arquitetos e urbanistas, a habitação de interesse social é um tema que precisa ser discutido com muitas outras profissões, trata-se de um assunto interdisciplinar, onde cada profissional colabora de alguma forma. Espera-se que, cada vez mais, a política de habitação no país melhore, até, quem sabe um dia, erradicar as moradias inadequadas que existem por aqui. Cabe aqui repetir as questões que já foram feitas: Como sustentar uma residência quando não há salários compatíveis com a situação imobiliária momentânea? Como, considerando a baixa remuneração, morar de forma digna sem apoio Estatal? E além dessas perguntas também cabe questionar: realmente há uma melhora na política habitacional no país? Quanto esses projetos de conjuntos habitacionais estão realmente integrados com a cidade formal? Como vivem as pessoas que trocaram suas habitações precárias por unidades habitacionais? Quais são os desejos e as críticas desses moradores? Houve transformação na sociedade após a implantação dos conjuntos habitacionais? Fora o que tem sido feito na cidade de São Paulo, como a habitação está sendo tratada no resto do país? Como explicar as remoções que tem acontecido para dar lugar a obras da Copa do Mundo de Futebol 2014 e olimpíadas 2016, que serão sediadas aqui no Brasil? Ainda existem inúmeras questões a serem feitas e pesquisadas. O assunto não pode parar de ser investigado, impulsionando o governo a tomar atitudes realmente válidas, e que atendem aqueles que mais necessitam de auxilio. 144


“No Brasil, boa parte das pessoas não tem acesso a um lugar adequado, formal, conectado aos equipamentos e serviços da cidade. Sem renda, não lhes resta alternativa: ocupam locais onde o mercado imobiliário não chegou por impedimento legal ou físico. Não é por acaso que as favelas estão em morros ou áreas de preservação ambiental.” (ROLNIK, 2008)

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